Intelectuais, escrita e poder no México revolucionário: do combate armado à formação da nova identidade nacional - Warley Alves Gomes

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    Intelectuais, escrita e poder no Mxicorevolucionrio: do combate armado formao da

    nova identidade nacional

    TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG

    Vol. 4, n. 2, Ago/Dez 2012. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 314

    Intelectuais, escrita e poder no Mxicorevolucionrio: do combate armado formao da

    nova identidade nacionalWarley Alves Gomes1

    Mestrando em Histria pela [email protected]

    RESUMO: O objetivo deste artigo discutir a relao entre intelectuais e Estado no Mxicorevolucionrio. Dividimos nossa anlise em dois momentos: o primeiro ainda durante o fim daprimeira dcada do sculo XX, indo at o final da fase blica da Revoluo Mexicana, e osegundo restringindo-se basicamente dcada de 1920, momento durante o qual o Estado ps-revolucionrio buscou reconstruir estrutural e simbolicamente o pas, tentando criar uma nova

    identidade nacional atravs de uma "cultura revolucionria".

    PALAVRAS-CHAVE: Mxico revolucionrio, Intelectuais, Poder, Cultura

    ABSTRACT: Our aim in this article is to discuss the link between intelligentsia and State in therevolutionary Mexico, for that purpose the analysis was made in two phases: first one had focuson the end of the first decade of the 20th Century (the end of the war period of MexicanRevolution considered); and the second phase focused on the following decade (1920) whenMexican post-revolutionary State had intent on create a new national identity based on therevolutionary culture, aiming to build once more the country in both structural and symbolicalspheres.

    KEYWORDS: Revolutionary Mexico, Intelligentsia, Power, Culture

    Nada continuou o mesmo, mas sempre houve renegadoscomo Cacique Sitting Bull, Tom Paine,

    Dr. Martin Luther King, Malcolm XEles foram os renegados de seu tempo e poca

    Tantos renegados ... Ns somos os renegados do funkAgora os renegados so as pessoas com suas prprias filosofias

    Elas mudam o curso da histriaTodos os dias pessoas como eu e voc2

    1O aluno bolsista da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel SuperiorCAPES.2Trecho da cano Renegades of funk, composta por Kevin Donovan e gravada originalmente no disco PlanetRock: The lbum, pela gravadora Tommy Boy Records, em 1986. Este artigo foi revisado no dia 13 de maio, data naqual se comemora a Abolio da Escravido no Brasil. Se no Mxico revolucionrio os camponeses indgenaslutaram por seu espao e direitos na sociedade, em nosso pas a luta por melhores condies bandeira principal dosafro-descendentes, que, em sua maioria, ainda no conseguiram ter as mesmas condies do restante da populao.Este artigo dedicado a eles. Em especial queles do Quarteiro do Soul, que se renem de maneira to festiva nas

    ruas de Belo Horizonte, se apropriando do passado para resistir no presente. A traduo do trecho da msica nossa.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    Introduo

    A Revoluo Mexicana foi de grande significncia para a histria latino-americana, pois

    alm de ser a primeira grande revoluo social do sculo XX, colocou abaixo o poder de uma

    aristocracia formada por senhores de terra os terratenientes e ps em primeiro plano, pela

    primeira vez na regio, a importncia do mestio na constituio da identidade nacional3.

    No que toca o papel dos intelectuais, refletir sobre a posio deles nunca tarefa fcil. A

    empresa j comea na prpria definio do termo: o que o intelectual? Como ele atua? A partir

    de que parmetros podemos definir um intelectual? Qual deve ser sua relao com a poltica e o

    poder? Sem dvida o termo intelectual, em si, j evoca uma srie de sugestes e pode facilmente

    nos colocar em uma forte polmica. Assim, importante ressaltar que o termo no se fecha de

    forma alguma a uma nica interpretao, e nem apresentou um nico modelo ao longo do

    tempo. Mas tambm podemos apontar algumas caractersticas referentes aos intelectuais, de

    modo a tornar a presente tarefa mais palpvel.

    Desde a idia dos homens de letras, e mesmo antes, na dos clrigos medievais, at os

    dias de hoje, passando por intelectuais engajados como Sartre, a figura do intelectual est

    essencialmente relacionada com a escrita e as idias. Assim, o intelectual seria algum que

    dominasse um determinado conhecimento, no comum aos demais homens de seu tempo, e o

    manifesta atravs da escrita. Esta funcionava no s como um meio de propagao do

    conhecimento, mas tambm como uma barreira que separava os poucos homens que a

    dominavam da maioria analfabeta. Outro ponto que podemos inferir pela idia da escrita, o

    poder de propagao do letrado que se fez mais eficaz a partir do surgimento da imprensa, sendo

    que esta possibilitou uma divulgao mais ampla das idias, bem como criou o espao necessrio

    para uma esfera pblica eficiente.

    A questo da imprensa importante para comearmos a delimitar melhor a idia de

    intelectual que trabalharemos. A imprensa e sua relao com a construo de uma esfera pblica

    permitem pensar o intelectual como um elemento prprio da modernidade, atuante frente

    comunidade em que vive. Assim, os clrigos medievais e mesmo alguns filsofos posteriores

    3FELL, Eve-Marie. Primeras reformulaciones: del pensamiento racista al despertar de la conciencia revolucionaria.In: PIZARRO, Ana (org.). Amrica Latina: Palavra Literatura e Cultura. So Paulo: Memorial; Campinas: Ed. daUNICAMP, 1994, vol. 2, p. 577-595.

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    podem ser deixados de lado, pois seu campo de atuao muito restrito, tratando-se de

    manifestar apenas s elites polticas, e sem a necessidade de atuar frente a um pblico mais

    amplo. ento a partir da segunda metade do sculo XIX que a idia do intelectual comea a

    surgir de uma maneira mais ntida4, ganhando uma conotao mais delimitada no final do sculo.

    Segundo Jennings e Tony Kemp-Welch:

    Mas no final do sculo XIX, na percepo europia, a palavra ganhou umaconotao mais especfica. Isto emergiu do fato de que aqueles intelectuais neste caso escritores como Emile Zola, Andr Gide, Marcel Proust e AnatoleFrance estavam preparados para intervir na esfera pblica poltica e paraprotestar em nome da Justia buscando garantir a libertao do inocenteCapito Alfred Dreyfus.5

    Assim, o intelectual moderno passa a ser compreendido como algum que interfere na

    cena pblica atravs de manifestos, peties, cartas, buscando construir sua argumentao deforma crtica e reflexiva. Embora as compreenses e tipos de intelectuais mudassem bastante ao

    longo do sculo XX, a idia da atuao pela escrita e do contato com a esfera pblica se manteve

    bem definida.

    Na Amrica Latina, a formao da esfera pblica se deu de maneira diferente da Europa.

    O reduzido nmero de alfabetizados, a tentativa de controle do ficcional por parte da coroa

    hispnica6(apesar dos contrabandos), o tipo de conhecimento produzido nas universidades (no

    caso do Brasil, no havia universidades durante o perodo em que foi colnia), contriburam paraque a atuao dos homens de letras se desse de outra forma, e para que a posterior

    intelectualidade tivesse um outro tipo de relao com o poder, distinta da estabelecida na Frana.

    4 interessante aqui a referncia ao texto de Jeremy Jennigs e Tony Kemp-Welch, The century of the intellectual,no qualos autores mencionam um texto de Raymond Williams, onde Byron citado, em 1813, mencionando os intelectuaisEudesejaria ser bom o suficiente para escutar estes intelectuais/I wish I may be well enough to listen to theseintelectuals.JENNINGS; KEMP-WELCH. The century of the intellectual: From the Dreyfus Affair to SalmanRushdie. In: Intellectuals in politics: from the Dreyfus Affair to Salman Rushdie. London and New York. Routledge,1997.5Traduo nossa, no original: But in the late of nineteenth-century European sense, the word took on a morespecific connotation. This arose from the fact that intellectualsin this case writers such as Emile Zola, Andr Gid,Marcel Proust and Anatole Francewere prepared to intervine in the public sphere of politics and to protest in thename of Justice in order to secure the release of the innocent Captain Alfred Dreyfus. JENNINGS; KEMP-WELCH. The century of the intellectual: From the Dreyfus Affair to Salman Rushdie. In: Intellectuals in politics: fromthe Dreyfus Affair to Salman Rushdie. London and New York. Routledge, 1997, p.6. Os autores referem-se ao casoDreyfus, no qual o captito Alfred Dreyfus foi acusado de traio pelo governo francs. Aps a acusao, Zolaposiciona-se a favor de Dreyfus e comea um debate entre os pensadores franceses. O campo de apoiadores deDreyfus ficou conhecido como dreyfusards, mais tarde tidos como intelectuais. Passaram a representar aqueles quelutavam por valores universais como liberdade, igualdade, verdade e justia. O campo oposto, os antidreyfusards,passaram a representar os anti-intelectuais, e eram o setores mais conservadores da sociedade francesa, como a Igrejae o exrcito.6Para um estudo sobre a construo da esfera pblica na Amrica Latina relacionada formao da elite criolla e a

    tentativa de controle do imaginrio por parte da coroa hispnica ver o livro de Luiz Costa Lima: Sociedade e discursoficcional. In: Trilogia do Controle. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.

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    Coube aos intelectuais a misso de planejar as novas naes, moderniz-las, tendo como exemplo

    as modernas naes capitalistas europias. Segundo Carlos Altamirano:

    A vasta mudana social e econmica que posteriormente, no ltimo tero do

    sculo XIX, incorporou os pases latino-americanos rbita da modernizaocapitalista, existiu antes, como aspirao e imagem idealizada do porvir, nosescritos das elites modernizadoras. A marcha ao progresso tomou diferentesvias polticas, desde a frmula do governo forte repblica oligrquica mais oumenos liberal, mas todas contaram com sua gente de saber e seus publicitrios.7

    interessante notar como na Amrica Latina desenvolve-se uma tenso entre a relao

    dos intelectuais com o poder e a construo de uma esfera pblica marcada por outros espaos

    de atuao para estes intelectuais. Ao final do sculo XIX possvel perceber a delimitao dos

    primeiros elementos do que seria uma esfera pblica: a expanso de uma imprensa jornalstica

    mais independente, a consolidao de um pequeno pblico leitor, a transformao de espaos desociabilidade intelectual fora dos mbitos da Igreja e do Estado.8 Julio Ramos9 definiu esta

    mudana como o fim da era que Angel Rama definiu como a cidade das letras. 10Acrescente-se

    a isto o fato de que ao final do sculo XIX estes intelectuais passaram a se concentrar nas grandes

    metrpoles latino-americanas, espaos que, na tentativa de imitar a Paris de Hausmann,

    desenvolveram diversos espaos sociais modernos, como os sales literrios, teatros, cafs,

    cinema, museus, e que permitiram uma ampla circulao das novas idias sociais e polticas que

    chegavam da Europa, como o liberalismo poltico e econmico , o anarquismo e o7No original: El vasto cambio social y econmico que posteriormente, en el ltimo tercio del siglo XIX, incorpora los pases latinoamericanos a la rbita de la modernizacin capitalista, existi antes, como aspiracin e imagenidealizada del porvenir, en los escritos de las elites modernizadoras. La marcha hacia el progreso tom diferentes vaspolticas, desde la frmula del gobierno fuerte a la repblica oligrquica ms o menos liberal, pero todas contaroncon su gente de saber y sus publicistas. ALTAMIRANO, Carlos. Introduccin general. In: ALTAMIRANO, Carlos(org.). Historia de los intelectuales en Amrica Latina. Buenos Aires: Katz Editores, 2008, p.9.

    8 MYERS, Jorge. Los intelectuales latinoamericanos desde la colnia hasta el inicio del siglo XX. In:ALTAMIRANO, Carlos (org.). Historia de los intelectuales en Amrica Latina. Buenos Aires: Katz Editores, 2008.

    9

    RAMOS, Julio. Desencontros da modernidade na Amrica Latina: literatura e poltica no sculo 19. Belo Horizonte:Editora UFMG, 2008.10RAMA, Angel. A cidade letrada. So Paulo. Ed. Brasiliense, 1985. Rama atribuiu grande poder aos intelectuaislatino-americanos em sua interpretao sobre a construo e a organizao do espao e do poder nas cidades latino-americanas. Para Rama, o espao ocupado no poder por estes homens os qualificava em situao melhor do que oresto da populao, marcada pelo analfabetismo. Existia ento, at o incio do sculo XX, a idia do intelectual comoum homem deslocado dos outros homens na sociedade na qual vive, no atuando frente ao pblico. Outra questo ase discutir sobre o livro de Rama o fato de que o autor no est preocupado em historicizar o conceito deintelectual, sendo estes homens de letras que atuaram desde o processo de colonizao espanhola. Ramos tentarelativizar esta idia de Rama, atribuindo historicidade ao intelectual, e evidenciando que o processo de entrada desteintelectual no debate pblico anterior ao sculo XX, quando a imprensa latino-americana comea a se desenvolvere este passa a publicar cada vez mais em jornais, separando-se estritamente da poltica e trabalhando, muitas vezes,

    como profissional liberal.

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    socialismo. A formao da cidade burguesa, moderna oriunda da entrada da economia latino -

    americana no mercado mundial, como exportadora de matria-prima e das diversas mudanas

    culturais ocorridas na poca propiciava um dinamismo maior da sociedade, algo bastante

    significativo para este novo tipo de intelectualidade11.

    Mas o Estado ainda exercia uma grande atrao sobre os intelectuais, e se em alguns

    pases, como o caso da Argentina, estes conseguiram um maior xito na construo de uma

    autonomia frente ao Estado, isto no ocorreu da mesma forma no Mxico, nem mesmo aps a

    Revoluo12. Vamos nos deter um pouco mais neste ponto. A inquietao desta reflexo

    provocada principalmente devido ao fato de que o Estado mexicano teve uma relao bastante

    particular com seus intelectuais aps a Revoluo Mexicana, sendo que alguns sofreram uma

    discreta perseguio, enquanto outros, que criticavam o Estado e as conseqncias da Revoluo,

    como o caso do escritor Mariano Azuela, tiveram suas obras e imagens apropriadas pelos novos

    donos do poder no pas.

    Dentre os diversos intelectuais mexicanos, decidimos abordar aqueles que consideramos

    mais significativos para representar as relaes entre estes e o poder no Mxico revolucionrio.

    Assim, selecionamos, entre os grupos intelectuais, o Ateneu dea Juventude, responsveis por

    iniciar uma mudana na forma de pensar a filosofia e a cultura no Mxico, que durante a poca

    do porfirismo (1876-1911) era bastante marcada pelo positivismo de Mill e Spencer, e aps aRevoluo se volta para um humanismo iluminista, alm de uma nova valorizao do indgena e

    do mestio, bem como os membros envolvidos na formao do Partido Liberal Mexicano

    (PLM), sendo seu membro mais destacado o anarquista Ricardo Flores Magn. Tambm vamos

    abordar os anos iniciais de produo intelectual de Mariano Azuela, escritor cuja obra Los de abajo

    representou um marco na literatura mexicana, e a trajetria intelectual de Jos Vasconcelos,

    intelectual que contribuiu significativamente para a poltica mexicana na formao do novo

    Estado ps-revolucionrio.A Revoluo e os intelectuais

    Foi em meio s fumaas e ao zumbido de balas que a intelectualidade mexicana se

    formou a partir dos anos 1910, quando diversos homens de letras passaram a aderir s muitas

    vertentes ideolgicas encontradas em combate, no s no campo das idias, mas tambm no

    11ROMERO, Jos Luis. Latinoamerica. La ciudad y las ideas. Siglo XXI editores, Buenos Aires, 2011.12Jorge Myers afirma que a situao dos intelectuais frente ao poder s se modificaria por volta dos anos 1980 e

    1990. Ver MYERS, Jorge. Gnese atenesta da histria cultural latino-americana. In: Tempo Social, revista desociologia da USP, v.17, n.1, p.9.

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    campo das armas. A efervescncia dos conflitos e a possibilidade por melhores condies sociais

    fez com que os intelectuais passassem a atuar lado a lado com os homens mais violentos de seu

    pas, sendo muitos deles analfabetos. Os principais lderes camponeses, Pancho Villa e Emiliano

    Zapata, aprenderam a ler quando as batalhas j haviam comeado e, apesar disto, tiveram o apoio

    de muitos intelectuais em suas fileiras, como o caso de Mariano Azuela e Martn Luis Guzman,

    ambos atuantes nas tropas villistas, o primeiro como mdico e o segundo como soldado. A

    estreita relao entre intelectuais e lderes militares nos anos de combate proporcionou uma

    forma muito particular de atuar politicamente, marcada por uma tenso constante, mas tambm

    por uma proximidade muito forte entre os homens da escrita e os homens do fuzil. Angel Rama

    nos apresenta, com grande habilidade, um quadro sobre a complicada relao entre intelectuais e

    combatentes durante a Revoluo:Nada mais fascinante do que a aventura desses intelectuais que pelas maisvariadas razes (do idealismo cndido ao franco oportunismo) foram situar-seao lado dos mltiplos caudilhos da revoluo, servindo-os com suas armasletradas em estado de pnico permanente, ou procurando levar a cabo aeducao do prncipe, com vistas ao futuro governo civil, mas sempreencarregando-se da propaganda denegridora dos adversrios que, como bemsabiam, era um combate com os letrados situados ao lado dos caudilhosinimigos, aos quais salpicavam de lodo com maior desenvoltura do que haviamfeito com seus chefes.13

    Javier Garciadiego afirma que a Revoluo Mexicana trouxe tona a figura do intelectual

    de origem popular. Segundo o autor, se antes havia intelectuais de origem scio-econmica baixa,

    eles sempre atuaram no campo mais conservador. Foi enorme o nmero de intelectuais surgidos

    durante a Revoluo, cada qual atuando em uma vertente revolucionria, mais ainda, em

    mltiplos pequenos grupos que compunham estas vertentes. Estes intelectuais exerciam diversos

    ofcios: redigiam planos e proclamas, respondiam e analisavam as propostas alheias,

    administravam as faces revolucionrias, editaram e publicaram os variados jornais que

    circularam durante o movimento armado14. Encontrvamos a, lado a lado, as penas e as armas.

    As metralhadoras no iriam se silenciar to logo terminasse a dcada de 1910, e esta constante

    tenso entre militares e intelectuais no acabaria nem mesmo depois. De fato, podemos dizer

    13RAMA, Angel.A cidade letrada. So Paulo. Ed. Brasiliense, 1985, p.152.

    14GARCIADIEGO, Javier. Los intelectuales y la Revolucin Mexicana. In: ALTAMIRANO, Carlos (ed.). Historia delos intelectuales na Amrica LatinaII.Los avatares de la ciudad letrada en el siglo XX.Buenos Aires: Katz, 2010.

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    que, a partir da Revoluo, o Mxico seria marcado por uma cultura poltica bastante

    militarizada15.

    Ainda durante a dcada de 1910, no podemos deixar de mencionar o importante papel

    do Ateneu da Juventude sobre a intelectualidade mexicana. Este grupo foi fundado em 1909, mas

    seus antecedentes remontam ao ano de 1906, quando um grupo de intelectuais fundou a

    Sociedade de Conferencias. Este um ponto muito importante para entendermos algumas

    questes que se apresentaram para os intelectuais mexicanos nas dcadas posteriores. O

    porfiriato havia sido marcado pelo positivismo como principal corrente de idias circulante no

    Mxico, defendida por um grupo de homens chamados de cientficos. No se tratava apenas de

    uma idia difundida em mbitos acadmicos, mas sim de uma corrente ideolgica que legitimava

    o governo de Porfrio Daz, e que, ao mesmo tempo, articulada s idias de Spencer, relegava aos

    indgenas e populares um lugar marginal na sociedade mexicana.

    O positivismo adotado no Mxico, como defende Lepoldo Zea, no foi uma simples

    adoo das idias veiculadas na Europa no cenrio mexicano. Antes disso, foi adequado para a

    realidade mexicana, de acordo com os interesses da elite dominante. 16Era preciso justificar a

    permanncia de Porfrio Daz no poder, que chegou ao posto da presidncia com o lema de

    Sufrgio universal e no-reeleio o mesmo lema que seria usado por Francisco Madero ao

    iniciar a Revoluo Mexicana dcadas depois. 17O governo de Porfrio Daz, dito liberal, seguiu afundo o liberalismo econmico, ao passo que no campo poltico se tornava cada vez mais

    autoritrio.

    O positivismo funcionou bem como justificativa ideolgica para a manuteno de Daz

    e os Cientficos como os positivistas eram chamados no poder, pois, deixando de lado o

    positivismo comtiano que ainda dava muita margem para a subordinao do indivduo

    sociedade , se apropriou do positivismo de Spencer e Mill, justificando a manuteno da ordem

    para a paz mexicana, e como condio para uma futura liberdade poltica, sendo que a liberdadeeconmica sequer seria tocada. Para os positivistas mexicanos era preciso pacificar o pas, que

    havia sofrido pelas diversas revoltas em sua histria. Tal paz s poderia ser alcanada atravs da

    15 Para se ter uma idia, o primeiro presidente mexicano aps a Revoluo a no ter antecedentes militares foiManuel vila Camacho, eleito em 1946.16ZEA, Leopoldo.El positivismo en Mexico: nacimiento, apogeo y decadencia.Mexico: Fondo de Cultura Economica,1968.17 Segundo Jos Vasconcelos, em sua autobiografia, Ulises criollo, foi ele quem atribuiu este lema campanha deMadero, quando membro do Comit Anti-reeleccionista: El lema que tantos aos fue oficial: Sufrgio Efectivo y

    No Reeleccin, lo redact yo, en oposicin al antiguo Sufrgio Libre y para indicar que deba consumarse la funcinciudadana del voto. VASCONCELOS, Jos. Ulises criollo,ALLCA XX, 2000, p.364.

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    ordem. Assim, a liberdade social era sempre malfica, pois deixava os homens livres s suas

    vontades. J a liberdade poltica era benfica desde que o homem estivesse pronto para ela. O

    momento atual, diziam os positivistas aliados de Porfrio, era o de consolidao da paz, e quando

    o povo estivesse pronto para tomar suas decises, a liberdade poltica seria estabelecida. Alm

    disso, as idias oriundas de Spencer e Mill foram apropriadas na construo de uma ideologia que

    vincularia o progresso ao trabalho, garantindo a liberdade econmica, e justificando a ascenso

    econmica atravs daqueles considerados mais aptos a sobreviver em um mercado livre.

    Segundo Zea:

    Ordem poltica e liberdade econmica, foi o ideal deste grupo, e a este ideal foimuito til um positivismo como o de Mill e Spencer, que justificava osinteresses de uma burguesia inglesa, um positivismo que no via na ordem o

    ltimo fim, mas que fazia desta um instrumento ao servio dos interesses doindivduo. No Mxico, a ordem poltica representada pelo Porfirismo foicolocada ao servio dos interesses dos indivduos que formavam a burguesia.Na medida em que eram diminudos os direitos polticos do povo, eramaumentados os privilgios da burguesia. Esta adquiria maior liberdade paraexplorar a economia do pas em seu benefcio.18

    Ao analisar a questo do positivismo no Mxico, e a relao dele com os membros do

    Ateneo da Juventude, so precisos alguns cuidados. O primeiro passo pensar que, embora em

    diversos aspectos o Ateneo tenha rompido com as doutrinas positivistas, tal rompimento se deu

    baixo os auspcios de poderosos positivistas, como o caso de Justo Sierra, importante poltico

    porfirista, que ocupou diversos cargos pblicos, inclusive o de Ministro de Instruo Publica e

    Belas Artes, entre os anos de 1901 e 1910.

    Em 1906, quando fundada, a Sociedade de Conferncias posteriormente Ateneu da

    Juventude teve um forte apoio de Justo Sierra. interessante notar que, apesar do apoio de

    Justo Sierra, os intelectuais deste grupo apresentaram os temas mais variados em suas palestras,

    voltadas a um pblico popular, abordando temas distantes da predileo dos cientficos, como

    o caso das conferncias sobre Nietzsche, dadas por Antonio Caso. Entre os intelectuais da

    Sociedade estavam o dominicano Pedro Henrquez Urea e seu irmo Max Henrquez Urea, o

    j citado Antonio Caso e Isidro Fabela.

    18 No original: Orden poltico y libertad econmica, fue el ideal de este grupo, y a este ideal fue muy til unpositivismo como el de Mill y Spencer, que justificaba los intereses de una burguesa inglesa, un positivismo que novea en el orden el ltimo fin, sino que haca de ste un instrumento al servicio de los intereses del individuo. EnMxico, el orden poltico representado por el Porfirismo fue puesto al servicio de los intereses de los individuos queformaban la burguesa. En la medida en que eran disminuidos los derechos polticos del pueblo, eran aumentados losprivilegios de la burguesa. Esta adquira mayor libertad para explotar la economa del pas en su provecho. ZEA,Leopoldo.El positivismo en Mexico: nacimiento, apogeo y decadencia.Mexico: Fondo de Cultura Economica, 1968,

    p.403-404, grifos no original.

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    Trs anos depois, ainda com o apoio de Justo Sierra, o grupo, agora mais amplo, adota o

    nome de Ateneu da Juventude. A importncia do Ateneu foi logo notada. Segundo Jorge Myers:

    O Ateneo de la Juventud conseguiu impor-se muito rapidamente como uma

    das instituies centrais dentro do campo intelectual mexicano, consagrandoseus membros, desse modo, como a futura gerao de relevo. Em 1909, porexemplo, dos 32 membros residentes no Mxico (havia oito membroscorrespondentes no exterior, entre eles Max, o irmo de Pedro HenrquezUrea, e o pintor Diego Rivera), quatro eram deputados no CongressoNacional, um era secretrio do Museu Nacional e outro era subdiretor daEscola Nacional preparatria.19

    Se Jorge Myers nos apresenta uma mdia de 40 integrantes do Ateneu, Enrique Krauze,

    em seu estudo Caudillos culturales en la Revolucin Mexicanamenciona que a instituio chegou a ter

    cerca de cem integrantes, embora destaque o papel de trs membros, considerados, por ele, como

    mais ativos: Pedro Henrquez Urea, Alfonso Reyes e Antonio Caso20.

    interessante notar como o Ateneo foi um importante meio de sociabilidade entre os

    intelectuais mexicanos, e como, ao mesmo tempo, desencadeou tenses entre eles, como o caso

    do desentendimento entre Antonio Caso, que era mais reticente ao abordar as questes referentes

    ao positivismo, pois evitava um rompimento brusco com os cientficos ainda que no estava

    de acordo com tal corrente -, e Pedro Henrquez Urea, que defendia explicitamente uma posio

    anti-positivista. A tenso entre os dois ganhou mais espao, e difundiu-se por alguns peridicos

    da poca21. Tambm notamos na autobiografia de Vasconcelos, Ulises criollo,publicada em 1935, o

    esforo do intelectual por diferenciar-se de seus antigos colegas. A escrita de Vasconcelos nos

    revela, em alguns momentos, um desdm do autor para com seus colegas, e sua maior

    preocupao com a forma em relao s idias22, como nos mostra o trecho a seguir:

    Em revanche pensava: estes meus colegas literatos, vo a me dizer um dia que osfragmentos de Pitgoras necessitam do retoque de um Flaubert.Muitos deles foram a vanguarda dos que hoje desdenham a Balzac por descuidos deforma e, em troca, suportavam futilidades de Gide ou e Proust, como que eternamenteos profissionais do estilo ignoram o ritmo de relmpago das mensagens que o esprito

    contm.23

    19 MYERS, Jorge. Gnese atenessta da histria cultural latino-americana. Tempo Social. Revista de Sociologia daUSP, v.17, n.1, p.9-54. So Paulo, 2005, p.26.

    20KRAUZE, Enrique. Caudillos culturales en la Revolucin Mexicana. 2a. ed., Mxico: Siglo XXI, 1976, p.48-49.

    21 MYERS, Jorge, op. cit.22Deixamos claro que esta a opinio expressa por Vasconcelos e no a nossa.23No original est: En desquite pensaba: estos colegas mos literatos, van a salirme un da con que los fragmentos

    de Pitgoras necesitan el retoque de algn Flaubert. Muchos de ellos fueron avanzada de los que hoy desdean aBalzac por sus descuidos de forma y, en cambio, soportan necedades de Gide o de Proust, como que eternamente

  • 8/13/2019 Intelectuais, escrita e poder no Mxico revolucionrio: do combate armado formao da nova identidade nacion

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    Como bem ressaltamos, preciso cuidado ao creditar ao Ateneu da Juventude um papel

    extremamente revolucionrio. Embora tenha exercido uma importante contribuio cultural ao

    Mxico, tambm adotou posturas bastante conservadoras. Muitos de seus jovens eram

    pertencentes elite porfiriana e viam com horror a violncia revolucionria, passando a defender

    os regimes mais autoritrios, como o de Daz e o de Huerta, posteriormente 24. A ruptura que

    grande parte de seus membros exerceram com o porfirismo se limita apenas ao campo das idias.

    Em oposio realidade rgida das leis cientficas propostas pelos positivistas, os atenestas

    defendiam a construo de um conhecimento baseado em uma formao greco-latina, no amor

    s letras e cultura espanhola, na imaginao e na utopia25. Outro fator positivo que podemos

    atribuir ao Ateneu, era o fato de que se empenhou bastante em uma difuso educativa e cultural,

    buscando propagar o conhecimento ilustrado para as classes mais baixas atravs de instituiescomo a Universidade Popular, rompendo com o elitismo educacional dos intelectuais porfiristas.

    Podemos pensar o Ateneu como um osis intelectual frente ao caos revolucionrio. Mas

    jamais podemos pensar que este estava isento dos acontecimentos dos campos de batalha. A

    metfora construda por Mariano Azuela para representar a Revoluo Mexicana talvez nos

    proporcione uma das imagens mais vlidas para descrever o fenmeno: ela seria um furaco que

    arrasta para si todas as folhas secas. Os atenestas tentaram afastar-se dela, mas rapidamente se

    viram arrebatados por tal furaco, sendo que alguns, como Martn Lus Guzmn e JosVasconcelos, acabaram aderindo luta revolucionria, partindo para os campos de batalha. Cabe

    ressaltar que a prpria sorte do grupo estava estritamente atrelada aos caudilhos que estavam no

    poder, sendo que seu auge se deu entre os governos de Francisco Madero e Victoriano Huerta

    (19111914). Aps a queda de Victoriano Huerta, e depois com a ascenso de Carranza, o

    Ateneu se dissolve, sendo que alguns de seus integrantes, como o caso de Pedro Henrquez

    Urea e Alfonso Reyes, deixam o Mxico26.

    los profesionales del estilo ignoran el ritmo de relmpago de los mensajes que contienen espritu.VASCONCELOS, Jos. Ulises criollo,ALLCA XX, 2000, p.314.

    24GARCIADIEGO, Javier. Los intelectuales y la Revolucin Mexicana. In: ALTAMIRANO, Carlos (ed.). Historia delos intelectuales na Amrica LatinaII: Los avatares de la ciudad letrada en el siglo XX. Buenos Aires: Katz, 2010, p.32.25ZEA, Leopoldo, op. cit., p.439.26O caso de Alfonso Reyes bastante interessante. Seu pai, o general Bernardo Reyes, havia sido um conhecido anti-revolucionrio. Alfonso, ainda que no estivesse de acordo com ele, sofreria com a desconfiana dos futurosgovernantes do Mxico. Em 1913, parte para a Frana como diplomata, mas os acasos da Primeira Guerra Mundialacabaram impondo a ele uma fuga para a Espanha, onde, esquecido pelos governantes do Mxico, teve que seocupar de vrios servios como jornalista, pesquisador e tradutor para sobreviver. Voltou ao Mxico em 1915, onde

    permaneceu at 1920, quando, mais uma vez, exerceu carreira diplomtica. Mesmo aps a reestruturao do Mxico,na dcada de 1920, Reyes no conseguiria permanecer no pas at finais da dcada de 1930, sendo imposto a ele

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    Se por um lado a oposio do Ateneu da Juventude ao regime de Daz se deu apenas no

    campo intelectual, quando olhamos para o posicionamento de outros intelectuais, como o caso

    de Ricardo Flores Magn, membro do Partido Liberal Mexicano, o confronto com a ditadura

    porfirista muito mais direto, e se deu tanto no campo poltico-social como no militar. Este

    partido comeou a se organizar no final do sculo XIX, reunindo membros como Camilo

    Arriaga, Juan Sarabia, Daz Soto y Gama, Jess e Ricardo Flores Magn, entre outros. Tratou-se

    da primeira oposio firme ao governo de Porfrio Daz, contando com uma aproximao

    considervel com a incipiente classe operria mexicana, e participando das greves de Cananea

    (1906) e Ro Blanco (1908). O Partido Liberal Mexicano, a princpio, defendia basicamente os

    ideais do liberalismo mexicano do sculo XIX, preocupado com o funcionamento pleno da

    Constituio de 1857, mas, com o tempo, ocorreu uma ciso entre Camilo Arriaga e RicardoFlores Magn, sendo que o primeiro continuou fiel aos limites do liberalismo clssico, enquanto

    o segundo voltou-se cada vez mais para o anarquismo. vlido esclarecer que Camilo Arriaga era

    de famlia abastada e foi o principal investidor do PLM e, diversos membros do partido, como

    o caso do prprio Ricardo Flores Magn, tiveram acesso diversas obras que circulavam no

    exterior atravs da biblioteca de Arriaga. Foi atravs dela que Ricardo Flores Magn iniciou suas

    leituras em Kropotkin, Bakunin, a literatura social francesa e russa, e outras obras.

    Situo Ricardo Flores Magn como um intelectual, pois foi bastante atuante na esferapblica mexicana, seja atravs de jornais, como o caso de Regeneracin, o mais famoso dos

    peridicos do PLM, seja atravs de manifestos, como o caso do Manifesto do Partido Liberal

    Mexicano de 1906 e outros lanados por Flores Magn j quando iniciava a Revoluo. O PLM

    sofreu diversas perseguies durante a ltima dcada do governo de Daz. Seus membros

    conheceram a priso, o exlio nos Estados Unidos e no Canad e tiveram, diversas vezes, sua

    imprensa censurada, como foi o caso dos jornais El hijo del Ahuizote e Regeneracin. Outro

    importante intelectual do PLM foi Antonio Daz Soto y Gama que, aps romper com o PLM,

    tendeu cada vez mais para a esquerda, chegando, por fim, a aliar-se ao exrcito de Zapata,

    auxiliando-o em suas decises polticas e at mesmo representando-o na Conveno de

    Aguascalientes27, em 1914.

    diversos servios diplomticos na Frana, Espanha, Argentina e Brasil. MYERS, Jorge. Gnese atenessta dahistria cultural latino-americana. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, v.17, n.1, pp.9-54. So Paulo, 2005;ELLISON, Fred P. Alfonso Reyes e o Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002.

    27A Conveno de Aguascalientes ocorreu entre os dias 10 de Outubro e 9 de Novembro de 1914. Durante a

    conveno prevaleceram as demandas das tropas zapatista e villista, sendo que Carranza se retirou rapidamente dela.Segundo Arnaldo Crdoba, este o momento no qual as tropas camponesas gozaram de maior poder durante a

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    necessrio ressaltar que embora Ricardo Flores Magn e Francisco Madero tiveram

    contato antes mesmo da Revoluo iniciar28, no que toca Revoluo suas idias seguiram por

    caminhos distintos. Ricardo Flores Magn se posicionou ao lado de Madero no objetivo de

    derrubar o regime de Daz, mas deixou claro que no estava de acordo com as proposies do

    lder revolucionrio, e que tal posicionamento duraria apenas at a derrubada de Porfrio Daz.

    No podemos sequer dizer que foi uma aliana, e Ricardo Flores Magn e demais membros do

    PLM foram repreendidos por Madero ainda quando as batalhas para derrubar o ditador estavam

    acontecendo29.

    Daz foi derrubado, Madero aps pouco tempo tomou posse do cargo de presidente.

    Seu governo no durou muito, sendo que Madero foi cruelmente assassinado, junto com seu

    vice-presidente, Jos Maria Pino Surez, no evento conhecido como Decena Trgica30. Victoriano

    Huerta pensou que poderia comandar o Mxico com mo de ferro, fazendo de sua poltica um

    retorno s formas de governar de Porfrio Daz, mas logo viu que as coisas no funcionariam

    mais assim. Venustiano Carranza manifestou oposio ao governo de Huerta e vrias outras

    tendncias o seguiram. Enquanto Carranza e Pancho Villa pressionavam no norte, Zapata

    manteve sua oposio no sul, reivindicando os ejidos, como j vinha fazendo. Huerta desiste de

    governar o Mxico em 1914, ficando o pas dividido em trs faces principais, alm de outras

    menores: Carranza no centro-norte, afirmando ser o poder Executivo no pas, Pancho Villa que havia rompido com Carranza no norte, e Zapata no sul.

    Ao caminhar da Revoluo as foras de Venustiano Carranza ganham foras sobre as

    demais, e os exrcitos camponeses de Pancho Villa e Zapata comearam a se enfraquecer. Ao

    final Carranza eleito presidente do Mxico e inicia seu governo, na tentativa de estabilizar o

    pas. O Congresso convocado e uma nova Constituio elaborada. A Constituio de 1917,

    principalmente atravs dos artigos 123que atendia a algumas demandas trabalhistas, como o

    Revoluo, e uma das experincias mais democrticas que o pas j vivenciou, ainda que tenha sido efmera. Entre asquestes colocadas estavam a reforma agrria, as melhorias nas condies dos trabalhadores e a imposio de umaeducao laica.28Camilo Arriaga conseguiu que Francisco Madero ajudasse a financiar o Regeneracinem troca de que Ricardo FloresMagn ajudasse Madero na escrita de um manifesto. Porm, Madero retirou seu apoio a Flores Magn aps umtempo, por considerar as proposies do anarquista muito radicais.29Para um estudo detalhado sobre o posicionamento e trajetria de Ricardo Flores Magn e do PLM ver o livro deJames D. Cockcroft. Precursores intelectuales de la revolucion mexicana (1900-1913).Mexico, D.F.: Siglo Veintiuno, 1971.30Francisco Madero foi assassinado no dia 22 de fevereiro de 1913, fuzilado juntamente com Pino Surez, vice-presidente, por ordem do general Victoriano Huerta, que conspirava com o governo norte-americano para derrubarMadero. O episdio ficou conhecido como Decena Trgica. Ver AGUILAR CAMN, Hctor & MEYER,Lorenzo. sombra da Revoluo Mexicana: Histria mexicana contempornea, 1910-1989. So Paulo: Edusp, 2000,

    p.52-54.

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    caso da jornada de 8 horas dirias, salrio mnimo e direito greve e 27 que previa a

    realizao de uma reforma agrria no pas , talvez o assunto de maior importncia na

    Revoluo, principalmente para as camadas populares, foi escrita, substituindo a de 1857. Apesar

    de que diversas destas medidas tenham sido efetuadas de forma lenta, e no plena, importante

    constatar que tal Constituio, em si, simboliza a incorporao das demandas populares no

    centro da poltica mexicana. A partir da Revoluo o povo ocuparia um lugar central na

    construo do novo Estado mexicano ps-revolucionrio.

    O novo Estado ps-revolucionrio e a reformulao da identidade nacional

    mexicana

    Os governos de lvaro Obregn (19201924) e Plutarco Elias Calles (1924 1928)

    foram caracterizados pela reconstruo estrutural e simblica do Mxico. Trataremos aqui da

    reestruturao simblica, pois a que mais tem interferncia dos intelectuais. Esta foi marcada

    por dois elementos fundamentais que vieram da Revoluo: o nacionalismo e o populismo. Aps

    os tempos conturbados dos campos de batalha era preciso refundar a nao mexicana, e devido

    grande participao popular nos combates, o elemento popular foi o grande tema da nova

    identidade nacional. Na contramo do porfirismo, o mestio e o indgena foram considerados os

    smbolos do Mxico e passaram a aparecer fortemente nas artes lembremos das pinturas dos

    muralistas -, na literaturapensemos na literatura de Mariano Azuela e no impacto que sua obramais conhecida, Los de abajo, teve no pas a partir de 1925, quando ganhou relevncia -, nos

    corridos31,nas fotografias da famlia Casasola32e na poesiano caso do Estridentismo e do grupo

    dos Contemporneos, a vanguarda literria mexicana.

    A reconstruo simblica deste Mxico moderno se deu a partir do encontro entre dois

    posicionamentos: de um lado, os intelectuais buscavam compreender seu pas aps o caos das

    batalhas e estavam realmente envolvidos e esperanosos em relao ao futuro do povo mexicano,

    por outro lado, os lderes militares que passaram a governar o pas tinham um interesse emlegitimar seu poder e a nova forma de poltica no Mxico. O Estado apropriou-se de grande parte

    das discusses intelectuais na dcada de 1920, de forma a fundar o que Victor Daz Arciniega

    31Muitos corridos compostos durante o perodo revolucionrio narravam eventos transcorridos durante a luta e osfeitos dos homens que atuaram nela. O fato de serem composies populares contribuiu para sua incorporao naideologia revolucionria.32 BARBOSA, Carlos A. Sampaio. A fotografia a servio de Clio: uma interpretao da historia visual da Revoluo

    Mexicana (1900-1940), So Paulo. Unesp, 2006.

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    chama de uma cultura revolucionria33. Para isto, a nova elite poltica mexicana incentivou os

    intelectuais que se dispunham a elogiar o novo regime, e discretamente afastar aqueles que no

    estavam de acordo com as novas diretrizes. De todas as formas, vamos aqui, de maneira

    exemplar, a interveno do intelectual no espao pblico, ao mesmo tempo em que formado

    por este espao. Nas palavras de Julio Ramos:

    Na conjuntura da Revoluo, as narrativas legitimadoras deveriam popularizar edemocratizar o conceito de cultura. O espao pblico do campo podia seampliar, com a condio de que os escritores adaptassem e promovessem seudiscurso de acordo com as necessidades da Revoluo. Esclarecemos: no setrata de oportunismo, pelo menos em termos de campo em geral, mas sim doefeito que as lutas sociais tm sobre o campo e seus discursos. Trata-se deexigncias sociais s quais o campo responde, renovando-se e auto-criticandosuas linguagens e parmetros de valorao, inclusive formal.34

    aqui que situamos o caso de Mariano Azuela, o escritor que iniciou a chamada

    Novela da Revoluo Mexicana com sua obra Los de abajo.Mariano Azuela trabalhava como

    mdico na cidade de Lagos de Moreno, no estado de Jalisco. Tambm se dedicava escrita

    literria e freqentava os pequenos crculos intelectuais de sua cidade. Liberal convicto, logo se

    tornou um seguidor de Francisco Madero, quando este inaugurou sua campanha eleitoral.

    Assumiu o cargo de jefe polticona mesma cidade, e teve que renunciar ao cargo um ms aps

    tomar posse, devido s presses dos velhos caciques polticos da regio, ainda acostumados ao

    modo de poltica porfirista.

    Mariano Azuela, desiludido com a presena de ex-porfiristas na poltica democrtica

    inaugurada por Francisco Madero, comeou a escrever obras que denunciavam os abusos destes

    remanescentes da velha poltica, assim como daqueles oportunistas que aderiram ao governo de

    Madero quando sua causa j estava ganha, os maderistas de ltima hora. A obra Andrs Prez,

    maderistafoi a primeira escrita pelo autor a denunciar estas prticas, antecedendo a crtica presente

    em Los de abajo. Esta ltima a obra mais conhecida de Mariano Azuela, e o escritor a concebeu a

    partir de sua prpria participao na Revoluo, como mdico na tropa villista de Julin Medina.

    Los de abajo conta a histria de Demetrio Macas, pequeno proprietrio do norte do

    Mxico. Demetrio entra na Revoluo devido a conflitos com outro cacique de sua regio, Don

    Mnico. O romance comea com a invaso da propriedade de Demetrio pelos homens de Don

    Mnico. Demetrio mata os homens de Don Mnico e foge com sua mulher, mas tem a casa

    33 ARCINIEGA, Victor Daz. Querella por la cultura revolucionaria (1925). Mxico: Fondo de Cultura Econmica,1989.34RAMOS, Julio. Desencontros da modernidade na Amrica Latina: literatura e poltica no sculo 19. Belo Horizonte:

    Editora UFMG, 2008, p.258. O campo ao qual o autor se refere o campo intelectual.

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    queimada. Em vingana, a personagem rene alguns amigos para enfrentar o cacique. No meio

    do caminho, encontra outra personagem, Luis Cervantes, um jornalista que antes se posicionava

    contra os ideais revolucionrios, mas logo enxerga na Revoluo uma possibilidade de ganhos

    financeiros e convence Demetrio a aceit-lo em suas fileiras. A personagem Luis Cervantes

    destoa completamente dos outros membros da tropa de Demetrio. Enquanto aqueles so

    homens brutos, rsticos e no compreendem plenamente o significado poltico da Revoluo,

    Luis Cervantes culto, apresenta uma fala elaborada e um discurso sobre a Revoluo que no

    pode ser compreendido pelos homens de Demetrio, nem pelo prprio lder. Mas Luis Cervantes

    representa o intelectual corrompido, oportunista, que pouco se importa com a Revoluo e os

    homens que nela combatem, visando apenas seu prprio bem. Com o passar do tempo,

    Demetrio ganha vrias batalhas, vence Don Mnico e torna-se general da Revoluo.

    A segunda parte da obra apresenta as personagens mais violentas e cruis do livro: La

    Pintada e el Guero Margarito. Atravs destas personagens, Azuela comea a mostrar os pontos

    negativos da Revoluo: os saques, assassinatos, a barbrie das tropas revolucionrias, o

    personalismo. Por fim, aps as derrotas sofridas por Villa nas Batalhas de Celaya, e com a

    crescente corrupo das tropas de Demetrio, seus homens vo ficando cada vez menos

    estimulados e o fim da histria de Demetrio se anuncia. A obra termina com o assassinato deste e

    sua tropa por soldados constitucionalistas e, o mais importante, ela termina no mesmo local emque comeou, perto do rancho de Demetrio. O prprio carter circular da obra revela a posio

    de Azuela em relao Revoluo: aps a morte de muitos revolucionrios ela nada traria de

    novo ao Mxico, que permaneceria nas mos de grandes caciques, lderes pessoais. A democracia

    no se instalaria de maneira plena aps o fim dos combates.

    Mariano Azuela terminou de escrever Los de abajo em 1915, mas a obra s foi

    reconhecida em 1925, em meio a uma polmica literria da qual participaram vrios intelectuais,

    como Jos Vasconcelos, Federico Gamboa e Francisco Monterde. O artigo de Julio JimnezRueda,El afeminamiento de la literatura mexicana, publicado no jornal El Universal em dezembro de

    1924, criticando a falta de virilidade da literatura nacional foi o ponto de partida para que uma

    srie de reaes despontassem na crtica do pas, sendo que o artigo de resposta de Francisco

    MonterdeExiste una literatura mexicana viril apontou diretamente a obra de Mariano Azuela como

    viril, colocando o escritor como um exemplo entre os vrios bons escritores deixados de lado

    pela crtica mexicana. Aps o artigo de Monterde a obra de Mariano Azuela tornou-se conhecida

    pela crtica mexicana, e passou a representar a novela da Revoluo Mexicana.

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    Segundo Carlos Alberto Sampaio Barbosa, Los de abajofoi apropriada pelo Estado ps-

    revolucionrio na construo de sua ideologia, representando a novela da Revoluo

    Mexicana35. O fato, a princpio, nos deixa bastante intrigados, mas quando olhamos para as

    imagens exibidas no romance de Azuela, a questo fica mais clara. As imagens de bravura,

    violncia, do mexicano forte que no teme a morte so bastante presentes, sem nos esquecermos

    dos prprios eventos ocorridos durante a Revoluo que so mencionados no livro, como a

    Conveno de Aguascalientes e as Batalhas de Celaya. Tambm importante o fato da

    personagem principal da trama, Demetrio Macias, ser um indgena, pois os mestios e os

    indgenas seriam resgatados como a representao do povo mexicano. Estas eram imagens que o

    prprio Estado ps-revolucionrio buscava se apropriar para construir a imagem de um Mxico

    novo, forte. A mudana do Mxico no poderia ser s estrutural, econmica, mas tambmsimblica, atingindo o imaginrio dos mexicanos.

    O Mxico a partir da dcada de 1920 precisava construir a imagem de um pas

    civilizado. Aps uma dcada de conflitos, era preciso livrar-se do estigma de ser apontado como

    um pas brbaro, violento e sanguinrio. A arte e uma mudana na forma de representar a poltica

    seriam os principais baluartes desta reconstruo simblica. Carlos Alberto Sampaio Barbosa

    analisou como atravs das fotografias da famlia Casasola podemos perceber a construo da

    poltica mexicana, a partir da dcada de 1920, como um grande espetculo. Na exibio de umMxico civilizado e democrtico era necessrio mostrar imagens de grandes passeatas, do contato

    do presidente com seu povo, dos grandes comcios, da posse presidencial passando dos recintos

    fechados dos palcios presidenciais para os grandes estdios, nos quais o presidente era saudado

    pelo seu povo. Os rituais e os acordos polticos tambm eram bastante ressaltados, na tentativa

    de transmitir a imagem de um pas no qual a normalidade poltica e a paz j estavam restauradas 36.

    No plano artstico e simblico prevaleceu a tendncia a uma arte que difundisse a

    cultura popular, o artesanato, os tipos mexicanos, as cenas do campo e a cultura indgena. Naconstruo da identidade nacional mexicana passou-se a ressaltar a capacidade nata do indgena

    para a arte e o passado artstico glorioso do mexicano como um elemento histrico de

    formao popular. A arte popular enquanto fator de formao de uma identidade nacional seria

    35Ver BARBOSA, Carlos Alberto S.,Morte e vida da Revoluo Mexicana: Los de Abajo de Mariano Azuela. Dissertaode Mestrado, PUC, SP, 1996; BARBOSA, Carlos Alberto S., Morte e vida da Revoluo Mexicana: Los de Abajo deMariano Azuela. In: Revista da APGPUC/SP. So Paulo. PUC-SP, vol. 17, 1999. p.217-223; BARBOSA, Carlos A.S. Disputa por uma cultura revolucionria. Ps-Histria, v. 12, 2004, p.71-85; GOMES, Warley A. Literatura e polticana Revoluo Mexicana: a viso crtica de Mariano Azuela. In: Revista Eletrnica Histria em Reflexo, Vol.4, N7,UFGD, 2010.36 BARBOSA, Carlos A. Sampaio. A fotografia a servio de Clio: uma interpretao da historia visual da RevoluoMexicana (1900-1940), So Paulo, Unesp, 2006.

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    Intelectuais, escrita e poder no Mxicorevolucionrio: do combate armado formao da

    nova identidade nacional

    TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG

    Vol. 4, n. 2, Ago/Dez 2012. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 330

    exaltada nas festas nacionais e em exposies, como foi o caso das comemoraes do Centenrio

    da Independncia, em 1921, e da exposio da Escola Nacional de Belas Artes, na mesma poca.

    Tais exposies no se limitaram apenas ao territrio mexicano, sendo exibidas em diversos

    outros pases, como maneira de reformular a imagem externa do Mxico, com os mesmos

    caracteres do que se queria para dentro do pas: a idia de um Mxico que no mais se manifesta

    pela violncia revolucionria, mas sim por uma arte de alto nvel, no qual o popular, o vernculo,

    se encontra com as mais sofisticadas tendncias universais, conjugando a impulsividade e fora

    autctone com o domnio das formas, proveniente da arte europia37. Ressaltamos o fato de que

    ambas as comemoraes contaram com o apoio dos integrantes da Escola Nacional de Belas

    Artes, como Best Maugard, Montenegro, Enciso e Dr. Atl, que se apropriaram da arte

    vanguardista europia para a criao de uma arte que representasse a cultura popular mexicana.Tais intelectuais atuaram como artistas plsticos e organizadores de algumas das principais

    atividades destas comemoraes. Como afirma Alicia Azuela de la Cueva:

    No Mxico, assim como nos diversos regimes de governo modernos, em nopoucos momentos se h lanado mo com tanta abundncia do dispositivosimblico, como durante datas to emblemticas. Elas davam base ao exercciodo poder simblico, pea-chave e efetiva para o exerccio do poder polticomediante o recurso aos imaginrios sociais e a sua capacidade de articular asimagens, as idias e as aes coletivas.38

    Podemos pensar aqui o caso do Mxico de acordo com as idias de Bronislaw Baczkosobre o imaginrio social39. O imaginrio seria o meio de alcanar no s o intelecto, mas a alma

    de um povo. Define-se, atravs dele, identidades, inimigos, concepes de passado, presente e

    futuro. No caso do Mxico resgatou-se o passado azteca, a valentia do indgena, colocou-se no

    presente a idia do mexicano como o homem valente, que enfrenta a vida, no teme a morte, e a

    Revoluo trouxe a perspectiva de um futuro promissor no qual o povo mexicano encontraria

    sua redeno. A ideologia construda pela nova elite poltica mexicana ultrapassou suas

    expectativas, alcanado os patamares de um mito40.

    37CUEVA, Alicia Azuela de la. Vanguardismo pictrico y vanguardia poltica en la construccin del Estado nacionalrevolucionario mexicano. In: Historia de los intelectuales en Amrica Latina.Vol.2. Buenos Aires: Katz Editores, 2010.

    38No original: En Mxico, al igual que en los diversos regmenes de gobierno modernos, en pocos momentos se haechado mano con tanta abundancia del dispositivo simblico, como durante fechas tan emblemticas. Ellas dabanpie al ejercicio del poder simblico, pieza clave y efectiva para el ejercicio del poder poltico mediante el recurso a losimaginarios sociales y a su capacidad de articular las imgenes, las ideas y las acciones colectivas. CUEVA, AliciaAzuela de la, idem, p.480.39BACZKO, Bronislaw. Imaginao social. In.: Enciclopdia Einaudi. Vol. 5. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional /Casada Moeda, 1985, p. 296-332.

    40Pensamos aqui o mito de acordo com Raoul Girardet, como um sistema de crenas coerente e completo, que jno invoca, nessas condies, nenhuma outra legitimidade que no a de sua simples afirmao, nenhuma outra lgica

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    Em se tratado da relao entre intelectuais e Estado no Mxico ps-revolucionrio no

    podemos deixar de lado a figura de Jos Vasconcelos. Durante o governo de lvaro Obregn, tal

    intelectual exerceu os cargos de reitor da Universidad Nacional (entre junho de 1920 e outubro

    de 1921) e secretrio de Instruo Pblica (equivalente ao cargo de ministro da Educao).

    Durante os anos no comando da Secretaria de Educao, Vasconcelos foi responsvel por uma

    verdadeira empreitada messinica, na inteno de levar uma cultura ilustrada aos povoados mais

    longnquos do Mxico. Para isto convocou, e conseguiu, apoio de muitos professores de todos os

    cantos do pas, que muitas vezes trabalhavam sem ganhar quase nenhuma compensao material.

    O secretrio acreditava que somente atravs da educao o Mxico estaria livre do domnio dos

    militares, classe que via com grande receio na cena poltica41. A cultura propiciaria uma evoluo

    necessria para que o Mxico fosse um pas democrtico, justo e construdo com base em fortesvalores espirituais. interessante perceber aqui tambm uma mudana em relao poltica

    educacional porfirista: o projeto educacional do ministro ia desde a educao bsica, procurando

    sanar os problemas de analfabetismo do pas, at a busca pela difuso do que era considerado

    alta cultura42.

    que no a de seu simples desenvolvimento. Ver: GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias politicas. So Paulo:Companhia das Letras, 1987, p.11-12. A Revoluo Mexicana, enquanto mito poltico, se move a partir de um jogo

    de imagens associadas que so evocadas e apropriadas por diferentes grupos polticos e sociais. A idia da Revoluoenquanto mito poltico, busca garantir a continuidade com um passadono caso mexicano percebemos isso atravsda valorizao dos elementos da cultura azteca, do passado de lutas -, ao mesmo tempo que projeta a idia de umfuturo promissora Revoluo traria a felicidade e o progresso para o povo mexicano. A Revoluo em seu aspectomtico tambm est ligada imagens como reunio, fuso, de entusiasmo coletivo por parte dos cidados mexicanos.Pierre Bourdieu define bem a diferena entre as ideologias e os mitos: As ideologias, por oposio ao mito, produtocoletivo e coletivamente apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar como interessesuniversais, comum ao conjunto do grupo. Ver BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Rio de Janeiro: BertrandBrasil; Lisboa, Portugal: Difel, 1989, p.10. Raymond Williams tambm nos oferece interessantes contribuies parapensarmos o conceito de ideologia a partir de uma breve historicizao, apresentando as mais variadas formas pelasquais ele foi compreendido desde o sculo XVIII, passando pelas interpretaes de Napoleo, Marx e Engels, e

    Lnin. Um aspecto muito relevante dos estudos de Williams a relao feita entre ideologia e hegemonia. Enquantoideologia seria um sistema de idias ligado a uma classe especfica, a hegemonia dependeria no apenas da expressodos interesses de uma classe dominante, mas tambm de sua aceitao como realidade normal ou senso comumpor seus subordinados. Ver WILLIAMS, Raymond. Marxism and literature. Oxford; New York: Oxford University,c1977, reimp. 1985; WILLIAMS, Raymond. Palavras-chave:um vocabulrio de cultura e sociedade.

    41CRESPO, Regina Ada.Messianismos culturais:Monteiro Lobato, Jos Vasconcelos e seus projetos para a Nao.Tese de doutorado. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1997.42 bastante claro que apesar de valorizar a cultura popular, Vasconcelos apresentava uma viso elitista de cultura.Para ele, o artista e a arte apresentavam uma superioridade sobre quaisquer outras manifestaes humanas, sendo quea elite letrada ocuparia a posio mais elevada na escala social. In: Alicia Azuela de la Cueva, idem, p.472. Umacitao da autobiografia de Vasconcelos tambm ilustra bem este elitismo do mesmo: Yo fracasaba por mal oradory porque puesto em contacto com la masa humilde me entraban unos mpetus peligrosos de sinceridad. Por ejemplo,

    um dia habl de que antes de intentar democracia y actividad poltica, el pueblo necesitaba emprender la campaa delagua y del jabn.VASCONCELOS, Jos. Ulises criollo,ALLCA XX, 2000, p.365.

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    Jos Vasconcelos tambm apoiou diversos artistas e intelectuais mexicanos, como os

    muralistas Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros, Jos Clemente Orozco. No caso do

    movimento muralista mexicano, o apoio de Vasconcelos ia de encontro aos interesses do Estado

    ps-revolucionrio, pois a arte muralista mexicana, com suas imagens da populao e da histria

    mexicana, apresentava um carter pedaggico, alm de situar o povo em sua trajetria histrica

    atravs dos desenhos apresentados, aspecto da maior importncia se se toma o grande nmero de

    analfabetos no pas no incio do sculo XX. Vasconcelos foi responsvel por vincular o

    movimento muralista com as tendncias do Estado ps-revolucionrio, convidando Diego Rivera

    para pintar em edifcios pblicos, como foi o caso do Anfiteatro Bolvar, na Escola Nacional

    Preparatria.

    No que toca a relao entre Vasconcelos e a juventude intelectual mexicana, podemos

    dizer que esta foi bem forte, resultando na construo de vnculos entre o ministro e seus

    discpulos, que atrelavam os mesmo ao aparato estatal. O Estado j era um grande atrativo para

    os jovens intelectuais pelo fato de que era muito complicado ganhar a vida apenas atravs do

    trabalho intelectual, e muitos dividiram seu tempo entre as produes jornalsticas e os cargos

    burocrticos no Estado, como notamos em Francisco Monterde e Jimnez Rueda. No caso dos

    intelectuais vinculados Vasconcelos existia realmente uma admirao recproca: tanto o ministro

    era visto como um maestro para eles, quanto o primeiro admirava o trabalho e a coragem deseus discpulos em empreender a tarefa de ajudar na construo de um novo Mxico, mais

    civilizado e independente das ambies dos militares e caciques polticos. Vasconcelos apoiou

    fortemente o grupo dos Contemporneos, jovens intelectuais vanguardistas mexicanos, sendo

    que um de seus integrantes, Jaime Torres Bodet (1902-1974), com apenas 20 anos, foi secretrio

    particular de Vasconcelos e encarregado do Departamento de Bellas Artes pelo ministro43.

    preciso ressaltar o fato de que o reconhecimento de Vasconcelos tambm resultado

    de uma disputa de geraes. Na dcada de 1920 encontramos no Mxico uma nova geraointelectual, que busca se apartar das idias defendidas pelos porfiristas. A situao era bastante

    complexa, pois alm das questes suscitadas pela prpria Revoluo, alguns intelectuais que

    defenderam Porfrio Daz ainda estavam no pas, nos levando a pensar a existncia de ao menos

    quatro geraes intelectuais: os velhos intelectuais porfiristas, os ex-membros do Ateneo de la

    Juventud, a chamada Gerao de 1915 composta por homens como Vicente Lombardo

    43GARCIADIEGO, Javier. Los intelectuales y la Revolucin Mexicana. In: ALTAMIRANO, Carlos (ed.). Historia de

    los intelectuales na Amrica LatinaII: Los avatares de la ciudad letrada en el siglo XX. Buenos Aires: Katz, 2010.

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    Toledano, Manuel Gomz Morn e Daniel Coso Villegas e a nova gerao de intelectuais,

    surgida na dcada de 1920, fruto dos eventos revolucionrios. Os ex-porfiristas no estavam

    interessados na construo de uma nova ordem, os membros do Ateneo estavam no meio do

    dilema, alguns ainda atuando no pas, como o prprio Vasconcelos e Antonio Caso, os membros

    da Gerao de 1915 estavam empenhados na formao burocrtica do novo Estado,

    distanciando-se um pouco das questes filosficas, e os jovens intelectuais da dcada de 1920

    estavam vidos por colaborar com a construo simblica do novo Mxico. Esta nova gerao de

    intelectuais, composta tanto por escritores ditos revolucionrios que buscavam uma

    formao mais radical dos princpios revolucionrios, atrelados praticamente de maneira exclusiva

    aos problemas mexicanos , como a vertente dos vanguardistas que se apropriava das idias e

    movimentos artsticos circulantes na Europa, como o Futurismo e o Surrealismo , que sereconheciam como herdeiros do Ateneu da Juventude, fazendo com que muitos vissem em

    Vasconcelos, talvez o ex-atenesta mais atuante na cultura e poltica mexicana da poca, um

    exemplo para eles.

    Ao fim do governo de Obregn, Jos Vasconcelos foi dispensado. O presidente alegou

    que a Secretaria de Educao Pblica havia se tornado uma amante muito cara. Vasconcelos

    decepciona-se com a poltica mexicana em 1929, quando tentou em vo disputar a presidncia da

    Repblica. Os resultados indicaram a vitria do candidato Pascual Ortiz Rubio, preferido dePlutarco Elias Calles para sua sucesso. A trajetria de Jos Vasconcelos serve como exemplo

    para o que aconteceu com muitos outros intelectuais mexicanos: um desencanto com os rumos

    tomados pela Revoluo, marcados por um forte autoritarismo. A trajetria de Vasconcelos

    tambm revela o quo tensa era a relao entre os intelectuais e a classe dirigente ps-

    revolucionria, caracterizada por uma forte cultura militar.

    Embora no possamos entrar em detalhes, mencionamos brevemente a Gerao de

    1915. Estes intelectuais, muitos deles alunos do Ateneu da Juventude, desenvolveram um papelimportante na burocracia do novo Estado mexicano. Antonio Castro Leal foi reitor da

    Universidade Nacional, Daniel Coso Villegas foi fundador do Fondo de Cultura Econmica,

    Vicente Lombardo Toledano, o principal lder sindical mexicano sendo os sindicatos atrelados

    ao governo , Manuel Gmez Morn, criador do Banco de Mxico, fundado em 1925 com o

    objetivo de impulsionar a reconstruo econmica do pas. Diferente dos atenestas, estes

    intelectuais tiveram que lidar com um Mxico completamente arrasado pela Revoluo, o que fez

    com que fossem impelidos para a prtica, na necessidade de reconstruo e transformao do

    pas. Para isto, se vincularam fortemente estrutura estatal, como melhor meio para reerguer o

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    pas. Este grupo ilustra bem a participao dos intelectuais no aparelho estatal, embora seus

    membros no tenham tido, individualmente, a visibilidade que tinha Jos Vasconcelos44.

    Concluso:

    Buscamos aqui mostrar a relao entre os intelectuais e o Estado no Mxico

    revolucionrio. Assim, notamos claramente uma mudana da dcada de 1910 para a de 1920. Se

    na primeira dcada notamos uma proximidade menor como o caso do Ateneu da Juventude,

    que apresentava uma resistncia mais moderada, restringindo-se apenas ao campo das idias ou

    mesmo o caso de uma oposio mais forte como era o caso de Ricardo Flores Magn e do

    Partido Liberal Mexicano , na segunda dcada o Estado ps-revolucionrio, ao buscar

    reformular a identidade nacional, conseguiu em boa medida atrelar a produo intelectual aos

    seus interesses. De fato, podemos dizer que neste primeiro momento da construo do novo

    Mxico os interesses de ambos no se encontravam em divergncia, o que possibilitou a

    fomentao de uma cultura revolucionria no pas. Como afirma Javier Garciadiego, os

    intelectuais revolucionrios foram os responsveis pela introduo do nacionalismo econmico,

    do estatismo poltico, do jacobinismo, do compromisso com a reforma agrria, do apoio do

    governo s questes trabalhistas e pela simpatia com o indigenismo45.

    lvaro Obregn e Plutarco Elias Calles foram os presidentes responsveis por

    implementar polticas culturais que visassem a reformulao desta identidade nacional. possvel

    pensar que se o primeiro se tornara bastante conhecido na luta revolucionria, Calles ainda

    precisava colocar seu nome na histria mexicana e o faz finalizando aquilo que Obregn havia

    iniciado: ressignifica o sentido da Revoluo Mexicana no plano poltico como algo sempre em

    marcha, colocando o povo mexicano no lugar central de sua histria, ao menos no plano

    simblico46.

    Concluindo, propomos evocar a imagem que talvez melhor represente a Revoluo

    Mexicana: a morte. No a morte enquanto oposio vida, mas como os mexicanos a concebem,

    que como expressa o poeta Octavio Paz, sendo a volta ao tero da me. A imagem da morte e da

    violncia revolucionria foi bastante apropriada pelos intelectuais e artistas revolucionrios. A

    44 Nossa preferncia aqui pela trajetria de Vasconcelos foi devida ao fato de que alm de este ser um dos maisimportantes intelectuais do Mxico ps-revolucionrio, serviu de ponte entre a difuso cultural proposta pelosintelectuais de sua poca e os interesses do Estado ps-revolucionrio.45GARCIADIEGO, Javier. Los intelectuales y la Revolucin Mexicana. In: ALTAMIRANO, Carlos (ed.). Historia delos intelectuales na Amrica LatinaII.Los avatares de la ciudad letrada en el siglo XX. Buenos Aires: Katz, 2010.46 Devo os crditos desta observao a Carolline Martins Andrade, que colocou isto em uma de nossas muitas

    conversas sobre o Mxico. Ainda que talvez esta hiptese possa ser encontrada em algum livro, passei despercebidosobre ela, caso a tenha lido.

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    idia que nos passa a de que a Revoluo e sua violncia, para estes homens, era algo necessrio

    para o nascimento de um novo Mxico. A cultura dominou a morte, que agora fecunda a vida. A

    morte, no caso da Revoluo Mexicana, provocou no s a estupefao dos intelectuais, que,

    perdidos em meio ao fogo das batalhas, esforavam-se para compreend-la, mas fez com que

    novamente o Mxico olhasse para seus filhos e se reconhecesse em sua luta. A Revoluo foi o

    retorno do pas a si mesmo, a seu povo. Isto nem mesmo o autoritarismo poltico posterior pode

    apagar.

    Recebido em: 15/05/2013Aprovado em:16/06/2013