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Os dois artigos que seguem são técnicos. Informações a respeito de outros modos de composição podem ser encontrados na brochura que acompanha as gravações de George Avakian de meu concerto retrospectivo de vinte e cinco anos de carreira no Town Hall em 1958. O primeiro artigo foi minha parte no Four Musicians at Work que foi publicado na trans/formation, Volume 1, Número 3 (Nova Iorque, 1952).

COMPOSIÇÃO Para Descrever o Processo de Composição Usado em Música de Mutações e Paisagens Imaginárias No. 4

Meus últimos trabalhos (Paisagens Imaginárias No. IV para doze rádios e a Música de mutações para piano) são estruturalmente similares a meus trabalhos anteriores: baseados em um número de medidas contendo uma raíz quadrada, tal que as grandes durações tenham a mesma relação dentro do todo que as pequenas durações têm em uma unidade delas. Formalmente, porém, estas durações eram durações temporais onde nos trabalhos atuais são meramente espaciais, a velocidade da viagem através do espaço é imprevisível. O que traz à tona esta imprevisibilidade é o uso do método estabelecido no I-Ching (Livro das Mutações) para a obtenção de oráculos, aquele pelo lançamento de três moedas seis vezes. Três moedas lançadas uma vez permutam quatro linhas possíveis: três caras, quebrada circular; duas coroas e uma cara, firme; duas caras e uma coroa, quebrada; três coroas, firme circular. Três moedas lançadas três vezes possibilitam oito trigramas (escritos de baixo para cima): chien, três firmes; chen, firme, quebrada, quebrada; kan, quebrada, firme, quebrada; ken, quebrada, quebrada, firme; kun, três quebradas; sun, quebrada, firme, firme; li, firme, quebrada, firme; tui, firme, firme, quebrada. Três moedas lançadas seis vezes possibilitam sessenta e quatro hexagramas (dois trigramas, o segundo acima do primeiro) lidos em referência a uma tabela dos números 1 a 64 em um arranjo tradicional tendo oito divisões horizontais correspondente aos oito trigramas inferiores e oito divisões verticais correspondente aos oito trigramas superiores. Um hexagrama contendo linhas circulares é lido duas vezes, primeiro enquanto escrita e então como mudança. Embora, chien-chien, linhas firmes circulares, é lido primeiro como 1, depois como kun-kun, 2; onde chien-chien, com linhas firmes sem movimento circular, é lido apenas como 1. As tabelas são feitas de um número igual de elementos (sessenta e quatr) os quais se referem a Superposições (uma tabela) (quantos eventos acontecem ao mesmo tempo durante um espaço estrutural); Tempos (uma tabela); Durações (n, o número de superposições possíveis, nestas obras, oito tabelas); Sons (oito tabelas); Dinâmicas (oito tabelas). Onde há oito tabelas, quatro a qualquer instante são móveis e quatro imóveis (móvel significa que um elemento passa à história depois de usado, dando lugar a um novo; imóvel significa que um elemento, embora usado, permaneça para ser usado novamente). Qual tabela é qual é determinado pelo primeiro lançamento em um grande ponto de estruturação unitário, um número estranho tazendo uma mudança, um número igual mantendo o estado anterior. As tabelas de tempos e superposições, porém, permanecem inalteradas durante todo o trabalho. Nas tabelas para sons trinta e dois elementos (os números iguais) são silêncios. Os sons em si mesmos singulares, agregamentos (cf. o acorde às vezes obtido em um piano preparado quando apenas uma tecla é apertada), ou situações complexas (constelações) no tempo (cf. os caracteres chineses feitos com diversos traços). Sons sem altura definida (ruídos) são livres para serem usados sem nenhuma restrição. Aqueles com alturas definidas são tomados como sendo doze em número. Em qualquer tabela sonora (havendo trinta e dois sons) dois quadrados (quatro vezes quatro) existem, um sobre o outro. Lendo horizontalemnte ou verticalmente, lê-se todos as doze notas. No caso da mobilidade dos sons (desaparição na história) quatro em sucessão também prduzem as doze notas, com ou sem ruídos e repetições. No caso de "interferência" (a aparência de um som tendo características em comum com as características

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de uma situação sonora prévia) as características que produzem a interferência são omitidas do novo som aparente ou cortadas da situação que soava previamente. Na peça radiofônica, números são escritos num sintonizador ao invés de sons, qualquer coisa que venha a acontecer sendo aceitável (estação, estática, silêncio). Nas tabelas para dinâmicas apenas dezesseis números produzem mudanças (um, cinco, nove, etc.); os outros mantêm os estados prévios. Estes são ambos níveis dinâmicos ou acentos (na peça para piano); níveis, diminuendos e crescendos na peça para rádios. Na peça para piano, combinações de níveis dinâmicos (ex. fff>p) indicam acentos; no caso de um complexo sonoro em tempo isto pode se tornar um diminuendo ou (por interpretação retrógrada) um crescendo, ou complexo derivado. Nas tabelas para durações há sessenta e quatro elementos (desde que mesmo o silêncio também têm tamanho). Através do uso de frações (ex. 1/3; 1/3 +13/5 +1/2) medidas seguindo uma escala padrão (2 1/2 cm. igual a uma colcheia), estas durações são, para os propósitos da composição musical, praticamente infinitas em números. A fixação das notas no espaço em um ponto correspondente à aparência do som no tempo, isto se se lermos no tempo, ou mudando ao tempo indicado. Dadas frações de um quarto, meio, meio pontuado e nota inteira até 1/8, a simples adição de frações será o método empregado para a geração de durações. Porque a adição é o meio gerador empregado, as durações podem ser ditar "segmentadas". Estes segmentos podem ser permutados e/ou divididos em dois ou três (nodos simples). Um som pode então expressar a duração pelo princípio em qualquer um dos diversos pontos. Um modo de relacionar as durações aos sons foi pensada no curso deste trabalho mas não nele utilizado: para deixar quatro durações iguais a um tamanho específico (em uma tabela, horizontalmente ou verticalmente e em mobilidade quatro em sucessão) - este tamanho especificado sendo sujeito a mudanças. A tabela para Tempos tem trinta e dois elementos, os em branco mantendo o tempo prévio. Cada um destes eventos um para oito é trabalhado do início ao fim da composição. Por exemplo, o oitavo é apresentado do início ao fim mas pode soar apenas durante um espaço estrutural que foi definido por um lançamento (por Superposição) de cinquenta e sete a sessenta e quatro. Não é então meramente presente mas possivelmente audível. Se torna de fato audível se uma moeda é lançada (ao invés de um silêncio) e se a duração lançada é de um tamanho que não ultrapasse o espaço estrutural aberto a ele. É então possível fazer de uma composição musical a continuidade que está livre do gosto pessoal e da memória (psicologia) e também da literatura e "tradições" da arte. Os sons entram no tempo-espaço centrados em si mesmos, desimpedidos de quaisquer serviços a quaisquer abstrações, seus 360 graus de circunferência livres para um tocar infinito de interpenetrações. Julgamentos de valores não estão na natureza deste trabalho enquanto preocupações seja de composição, performance, ou escuta. A idéia de relação (a idéia: 2) sendo ausente, qualquer coisa (a idéia: 1) podem acontecer. Um "engano" está ao lado do ponto, pois desde que algo aconteça passa autenticamente a ser.

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Este artigo, traduzido para o alemão por Christian Wolff, estreou na Die Reihe No. 3 (Vienna, 1957). O texto em inglês foi impresso na Edição Universal da Die Reihe No.3, direitos de cópia 1959 a Theodore Presser Co., Pennsylvania, pela permissão de quem ele está reimpresso aqui.

Para Descrever o Processo de Composição Usado em Música para Piano 21-52 1.Dados tinta, lápis, e folhas de papel transparente de dimensões determinadas, uma página mestre (sem notações) é feita, tendo quatro sistemas totais. "Total"aqui significa tendo espaço o bastante acima e abaixo de cada pauta de modo a permitir que sejam baixos ou agudos. Embora, havendo as duas pautas convencionais (uma para cada mão), cada uma contém espaço acima o bastante para acomodar nove linhas sobressalentes (tão equidistantes quanto às da pauta) e abaixo para acomodar seis linhas a mais (deixando espaço para as notas extremamente baixas do piano e cordas). Entre as duas há um espaço estreito bipartido por uma linha, permitindo a notação de ruídos produzidos pela mão ou batimentos no interior (acima da linha) ou exterior (abaixo da linha) da construção do piano. As medidas são tais que a página inteira (dentro às margens) são potencialmente úteis. 2.Deixando a página mestre de lado, operações de acaso derivadas do I-Ching e canalizadas dentre a certos limites (1-128 para 21-36; 1-32 para 37-52) (que estão estabelecidas em relação à relativa dificuldade de performance) são empregadas para determinar o número de sons por página. 3.Uma folha em branco de papel transparente é então colocada tal que suas imprefeições pontuais possam ser diretamente observadas. Este número de imperfeições correspondentes ao número determinado de sons é intensificado com a lápis. 4.Posicionando a folha escrita em um modo registrado sobre a página mestre, primeiro as pautas depois as entrelinhas e então as linhas das bordas são incritas a tinta. Depois, notas inteiras convencionais são escritas a tinta em qualquer lugar onde estiver marcado a lápis dentro da área das pautas ou bordas, notas-a-tinta (colcheia sem preenchimento) sendo escritas sempre que um ponto cair entre as duas pautas. Esta operação é feita arduamente, desde que, através ddo uso de linhas e espaço convencionais, os pontos caindo nesta última opção são a maioria. Mesmo que seja determinado que um ponto, embora não em uma linha, esteja de fato mais próximo dela que do centro adjacente do espaço. 5.Oito lançamentos simples de moeda são feitos para determinar as claves, graves e agudas, e são inscritas a tinta. 6.As sessenta e quatro possibilidades do I-Ching são divididas por operações de acaso em três grupos relativos a três categorias: normal (tocadas ao teclado); mudas ; e puxadas (as duas últimas tocadas nas cordas). Por exemplo, tendo lançado os números 6 e 44, um número 1 através de 5 produzirá uma normal; 6 através de 43 uma muda; 44 através de 64 uma nota de piano puxada da corda. Um certo peso de probabilidade existe em favor da segunda e terceira categorias. Embora isto não aparente ser consequente, indica uma poss''ivel mudança na "técnica". As categorias tendo sido determinadas, as notações (M e P) são convencionalmente postas em referência às notas. Um procedimento similar se segue para determinar se uma nota é natural, sustenida, ou bemol, o procedimento é alterado, é claro, pelos dois tons extremos onde apenas duas possibilidades existem. 7.A notação da composição esta assim completa. Muito do que ocorre na performance ainda não foi determinado. Destarte, a nota subsequente está fixada no cabeçalho do manuscrito: "Estas peças constituem dois grupos de dezesseis peças (21-36;37-52) que podem ser tocadas sozinhas ou juntas e com ou sem as Músicas para

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Piano 4-19.1 Seus tamanhos no tempo são livres; pode ou não haver silêncio entre elas; elas podem ser sobrepostas. Dado uma duração de programa, o pianista pode fazer um cálculo de modo a que seus concertos possam caber-lhe. As durações de notas individuais e dinâmicas são livres."

COMENTÁRIOS

Uma performance é caracterizada pela duração programada calculada de antemão e aderidas através do uso de um cronômetro. Isto é primeiramente útil em relação a uma página inteira, em segundo lugar no uso em relação, por assim dizer, a um sistema.; pois é possível que, embora o espaço da página seja igual ao tempo, a performance sendo realizada por um ser humano ao invés de uma máquina, tal espaço pode ser interpretado como movente, não apenas constantemente, mas mais rápido ou lentamente. Então, finalmente, nada foi de fato determinado em relação ao tempo da performance. Este é especialmente o caso quando P é interpretado enquanto significando uma corda muda puxada ou M uma corda muda puxada. Nem, de fato, os pontos na corda onde estas operações devem ser operadas deve ser indicado. E -e isto pode ser considerado uma omissão fundamental- nada foi indicado a respeito da arquitetura da sala na qual a música deva ser tocada e o posicionamento (costumeiramente distantes um do outro) dos instrumentos (quantos?) presentes. Todos esses elementos, evidentemente de importância capital, apontam a questão: O que foi composto?

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Entrevista Jaula #01 1 A composição destas peças seguiu um procedimento diferente e, ademais, não incluiam ruídos exteriores e

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Festival de Música Contemporânea de Huddersfield, 1989 25.11.1989 9h30min a.m. no flat temporário de John Cage Estrada New North #53, Huddersfield por Steve Sweeney-Turner SST: Acredito que de várias maneiras não temos um discurso no qual engajar a música indeterminada. Por exemplo, eu estava lendo dicionários, procurando por todas as palavras, seja o baixo figurado, ou indeterminação mesmo... JC: Mmm. Ha ha ha ha. Você quer dizer que não há palavras para ela? Não há palavras para ela! Mal enchiam um lado de A4 e eram basicamente definições em termos de falta, ausência, e assim por diante. Me espanta que não haja de fato instâncias discursivas para lidar com a indeterminação, um discruso que seja baseado em sua ética ao invés da ética determinista. Eu acho que haja no campo da anarquia. Se pode fazê-lo lá... Começar lá... Leia a vida de Emma Goldman. Dois volumes. Ha ha ha. Vivendo minha Vida. Ha ha ha... As velhas idéias, as idéias deterministas, tem a ver com o século dezenove, e se você ler o livro que o festival de Hudderfield lançou, ele coloca Boulez, ainda, naquela situação a respeito de Beethoven - continuando o fluxo principal<main stream>. Mas, ai, há outra maneira de olhar às coisas, que vê que o fluxo principal sei foi a delta. E além de lá oceano adentro... ...difusão... ...sim, e há uma multiplicidade de possibilidades ao invés de apenas um princípio único. Quando eu era jovem haviam duas maneiras de seguir - uma era Schönberg, e a outra era Stravinsky. Mas agora você pode ir em qualquer direção, mesmo a sua própria direção. Sim. Embora, no Festival Blurb você seja apresentado como 'Cage e Boulez: Líderes Divergentes do Novo', que parece ser uma sugestão daquela velha situação de novo. Sim, é um pouco bobo, poque é uma idéia de Sim ou Não, e nós já concordamos que é mais como o oceano - muitas possibilidades... a vida é bastante, mmm... complicada. Mas quendo você diz "crítico, uma "base crítica", você está falando de uma decisão sobre valores, eu suponho; mas os valores existem não externos a nós, mas internamente... e particularmente na obra indeterminada. Eu não acho, uh... talvez o desejo seja desnecessário. De modo que não precisamos de qualquer base... já temos a base em nós. É pré-construída[built-in]. Ha ha. Você não pode prová-lo a ninguém, também. Claro, claro. Mas conquanto que "externamente" as coisas são organizadas, me parece que tudo está baseado em éticas deterministas em termos de geração de discurso. Não as coisas de que necessitamos. Me perdoe, mas você disse que precisamos de uma base para um criticismo indeterminado, hm? Criticismo da música indeterminada? Eu não acho que precisamos de criticismo em primeiro lugar. Bem, ao invés de "criticismo", enquanto implicante de condenação, ou alguma coisa, eu estava falando sobre uma linguagem, um discurso... É o que eu quis dizer. Você chega à linguagem indo à gênese das palavras sobre indeterminação: Eu escrevi uma boa quantia de coisas sobre isto, Christian Wolff também, e eu acho que você encontrará mais coisas no Grove americano... Mas você vê, o desejo de ter uma linguagem de modo a obter um criticismo é talvez desnecessário; está correlacionado a leis e teorias, e assim por diante... e indeterminação é precisamente não relacionado a estas coisas.

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Bem, neste intento de estabelecer a indeterminação você tem que dar um passo atrás do léxico determinista, do território adotado pela música... isto é necessariamente uma instância teorética, certamente? Você não acha? Que se nós pensemos de outro modo que a posição determinista, é então necessariamente uma decisão que se opõe àquela instância... Você está tomando um ponto de vista diferente, sim? Em, mudando sua mente de uma posição determinista para uma não-determinista... A posição determinista é a de que cada performance se aproxime de um ideal. Certo? A posição indeterminista é que cada performance é necessariamente o que é, e é melhor que você a ouça antes que acabe, ou acabará por perdê-la. Mm? E eu prefiro este ponto de vista; eu acho que é mais apropriado ao viver no século vinte que o outro. O outro modo tem um tipo de presunção de progresso em direção a um não-existente, em... ou em direção a uma meta imaginária, ao invés do movimento-agora. A posição indeterminista está toda conectada com a visão das coisas como são no momento em que as estamos experienciando. Sim... Então como você vê a noção de indeterminação diferir da de outros inscritos, principalmente na Europa? Por exemplo, pessoas como Stockhausen, Cardew, você sabe? Como somos diferentes? Eu não estudei isto... Não acho que Karlheinz estude o que eu faço... e Cornelius está morto! Ha ha ha. Ha ha ha ha! Então eu realmente não sei o que está acontecendo... De qualquer maneira, é normalmente sugerido que Stockhausen foi influenciado pelo seu trabalho, por sua visita a Darmstadt em... '57 ou '58, foi isto? Certo. Não, eu acho que as pessoas sabem perfeitamente bem o que as interessa. E ao mesmo tempo Karlheinz e eu conversamos e trocamos idéias. Você sabe a história sobre nossa conversa sobre canto? Não, eu não acho que saiba. Bem, ele estava escrevendo uma canção para Cathy Berberian, para quem mais tarde eu também vim a escrever, e ele disse, "se você fosse escrever para uma cantora, você escreveria musica, ou você escreveria para a cantora?" E eu disse, "Eu escreveria para a cantora", e ele disse, "bem, esta é a diferença entre nós, porque eu escrevira música." Então ele escreveu esta canção para Cathy, e ele pediu a ela que assoviasse. E ela não sabe assoviar. Então esta é a diferença entre nós. Hmhmmhmh! Ha ha ha. Então qual você diria ser a diferença entre você e Cardew? Eu não sei, nestes termos. Ele, mmm, escreveu um artigo contra o qu eu estava fazendo, mmm... e eu nunca fiz nenhuma objeção... ou nunca escrevi me opondo. Mais tarde, ele me viu em Berlim, e disse, "Eu talvez tenha cometido um engano escrevendo aquele artigo sobre você". E eu não disse nada. Uhu... Embora eu tenha lido você polemizando contra Cardew... O que você leu? Uma entrevista que foi publicada como um livretinho, uh, Conversation Without Feldman - com Geoffrey Barnard, e me pareceu que o princípio e o fim, para pôr desta maneira, é sobre Cardew, e o que você viu enquanto as falhas, em um sentido, ou inconscistências, ou qualquer coisa. Eu não li este recentemente... Tivemos muitas dificuldades ao final: ele foi contratado, por exemplo, uma vez, para tocar uma parte pianística em uma peça minha chamada HPSCHD e ele fez um ponto de não fazer direito o seu trabalho, e este tipo de situação deixou difícil [sic] para nós.

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Este tipo de atitude te irrita... Me parece antiprofissional, se você aceita pagamente para fazer algo e então não o faz, isto é antiprofissional. O que eu acho é que... é que que incorre no meu lado prático; descobri que o que Cornelius estava fazendo, não estava ajudando a Revolução o tanto quanto ela gostaria que estivesse. E também não ajudava a música. Porque sua música se tornou menos uma descoberta e mais e mais uma renascença[revival] das práticas do século dezenove. Mas também, em outro sentido, uma análise daquele tipo de noção inglesa; uma análise baseada em territórios políticos. Eu gostei e segui boa parte da obra de Cornelius, e ele era um grande... eu nunca estudei estes meus pensamente sobre isto realmente... ou cheguei a qualquer... eu não sinto muito embora eu tenha um... um ponto de vista... mas se eu tenho, eu temo que seja um pouco contra... como você disse, em Geoffrey Barnard... Uhu... Como você se sente a respeito do livro Stockhausen Serve ao Imperialismo? Você conhece ele, não? É do Cornelius, né? Eu não gostei. Sobre quais terrenos? Bem, mais ou menos nos terrenos que, mm... é um ataque da parte de Cornelius contra pessoas fazendo seus trabalhos. E ao invés de fazer seu próprio trabalho, ele se involve em atacar pessoas que estão trabalhando. Hm? De modo que ele não fez bem nenhum nem a si nem aos outros. Eu acho... que foi uma ação negativa - a isto é que eu realmente me oponho. Eu acho que as pessoas devem agir afirmativamente e fazer o que acreditam. Eu acho que Cornelius falhou em fazer isto quando atacou outras pessoas, incluindo a mim. E ele ainda disse para mim que pensava que nisto houvesse cometido um engano, mas ele não admitiu que era um engano atacar Stockhausen. Você concorda com alguma coisa que ele disse sobre Stockhause, ou você nega os escritos direto da base? Eu não prestei muita atenção. Certo. Porque não estava baseado em.. ...em ações afirmativas... Uhu. Como você reconcilia suas visões utópicas das décadas de 50 e 60 com... Com o tempo presente? Eu não tento reconciliar com a política americana, se é isto que você está dizendo. Eu estou ao largo, bem claramente contra o governo americano. Eu sou um anarquista thoreauviano: Eu não voto... eu busco o tempo em que ninguém o faça mais também. Mas você não acha que possa haver certas direções nas quais você poderia de fato usar seu voto para eventualmente gerar isto? Não? Não, não, eu não acho. Você acha que isto é algo baseado na política americana, ou acha que haja possibilidades em outro lugar? Governo em geral... Eu acho que nós temos problemas mais sérios que o governo não pode resolver. Você quer dizer ecológicos, e assim por diante...

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Todas aquelas coisas. Estamos quase arruinando o globo inteiro em nossos interesses por governo. Temos, eu acho que é isto, 158 governos separados em um lugar onde deveria haver apenas a solução de problemas, de outra maneira nós iremos todos, bem, deixa pra lá... seja lá o que for... Sim, então você seria a favor de algum tipo de conselho mundial neste sentido? Não involvendo políticos, mas envolvendo pessoas inteligentes. Como seria feita a seleção, ou você não está falando de uma seleção? Eu estou falando sobre os problemas, e a resolução dos problemas. E nós geralmente resolvemos problemas chamando pessoas que saibam sobre os materiais envolvidos. Governos estão preocupados com poder, e dinheiro, e nenhum dos dois é importante. O que importa é manter as coisas funcionando. E as soluções para isto estão sendo divulgadas, como eu já pontuei em meus livros, em McLuhan e Fuller, e pode haver versões melhores ou implementadas disto já. Fuller nunca deu uma idéia fixa, ele deu uma idéia indeterminada, que poderia mudar enquanto as possibilidades mudassem. Eu não tenho confiança em governo, de nenhum país. Eu repito, então, a vida de Emma Goldman, e o livro... estão na raíz de minha base... a base de meu texto chamado Anarquia, que está sendo apenas agora publicado na Bucknell Review... Mas você diria isto em termos de centros de poder ou deste tipo de análise, você não acha que uma dissolução, uma desintegração, e um número crescente de centros de devolução de poder em bases cada vez mais crescentes de especificação geográfica seriam de fato um passo em direção ao tipo de coisa que você sempre falou a respeito? Ao invés da América, bem... ao invés de Washigton e Moscou. O que que tem? Bem, por exemplo, dentro da política britânica, eu proporia que Gales, Escócia e a Irlanda do Norte se tornem desengajadas de Westminster e assim por diante. Não, eu não acho que fará nenhum bem. Você não acha? Como? Não. O primeiro passo será provavelmente, como tem sido, uma união de diferenças. Como a reunião de Berlim ocidental e oriental agora. Foi no século dezenove que todas as principalidades alemãs formaram uma nação, e a mesma coisa aconteceu na Itália. Estamos nos movendo em direção a uma união européia, e então o que precisamos é uma união mundial, não uma divisão. Bem, falando de dentro do ponto de vista nacionalista escocês, a noção é uma fragmentação holística, basicamente; independência da Inglaterra, mas dentro da Europa. Eu sei, a coisa toda é tão complicada que não parece que conseguiremos achar uma solução. Mas se cada pessoa, se cada país se separando uns dos outros, também se separassem do governo... mas eles não fazem isto. Se o fizessem, então eu estaria a favor. Eu já o fiz enquanto indivíduo. Uhu, mas com certeza, quanto maior o número de centros de poder, menos megalomaníaco cada centro, e maiores as possibilidades de movimento em direção a isto? Bem, Fuller diz que se opõe a isto, e eu acho que concordo com ele. Então de alguma maneira você tem uma visão centralizadora. Tenho um ponto de vista tecnológico, e nós precisamos disto, porque nós temos quatro vezes mais pessoas do que jamais houveram vivendo no planeta em toda a história de nossa existência aqui, e temos que alimentar estas

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pessoas, e dar-lhes água para beber... e eles não tem boa água agora. Água e ar são dois problemas sérios. E nós ao menos lhes damos atenção, ao mesmo tempo que dividimos as pessoas continuamente, isto não irá se resolver. O plano de Fuller era unir a todos, trazendo alguma inteligência para a solução da água para todos. Sim, mas o problema, me parece, não é de recursos - Quero dizer que estamos cheios de recursos - é só a distribuição que é o problema neste sentido. Você não acha? Não, eu não acho. Há muitos problemas. Hmm.. Movendo em uma ecologia mais pessoal: a experiência com micologia - de buscar um cogumelo e não o encontrar, mas encontrar outras espécies... como é que isto de fato se desenvolveu em relação ao seu estado de alerta em prevalecência da indeterminação? Te influenciou neste sentido? É como o governo dos Estados Unidos da Améria - é uma operação de balanceamento para manter as coisas razoáveis, porque se você usa a indeterminação em conexão com a colheita e experimentação de cogumelos, você pode se matar. Mmm... a questão na caça de cogumelos, se se irá comê-los também, é uma questão de mmm... de mmm... sucesso ou falha, onde a música não está envolvida com isto. Você está falando de sucesso ou falha em um uma base biológica dentro à micologia... mas a experiência de fato de achar ou não achar o que se procura... Bem, nisto se está quase sempre envolvido, de não se ter controle - o caçador não tem controle sobre o que ele está caçando. Quando eu me encontrei com os cogumelos pela primeira vez, eu procurava morangos. Ha ha. Ha ha. Mas então não havia nenhum morango - moragos silvestres; haviam cogumelos, porém. Então foi assim que você entrou na micologia? Não, está e uma história mais longa... eu me tornei interessado nas comidas silvestres em grande parte porque eu era pobre. E ontem a noite, um jovem chegou a mim e disse que queria que eu olhasse a sua música, então eu olhei e disse que não me interessava. E, uh, depois de conversarmos brevemente, ele me explicou que queria conseguir dinheiro com ela, e eu lhe disse que teria de escolher entre conseguir dinheiro ou fazer música. E ele disse que realmente queria fazer música, e então disse que poderia comer comida silvestre, que era de graça, e que não teria que se preocupar com dinheiro. E esta é a atitude que eu realemente tomei em minha vida. Você achou que foi uma atitude realmente prática àquela altura? Oh sim, e àquela altura, eu li a respeito de uma senhora inglesa que conseguiu caminhar ao redor de todo o mundo sem nenhum dinheiro, apenas comendo comida silvestre, e ela se autosustentava. É bem possível. Mas certamente, dentro da dieta macrobiótica como indicada por você mesmo, você tem de estar envolvido com... É bem mais elegante quando é urbano. Ha ha ha! ...é, você tem fazer chegar até você. Ha ha. Você não pode colher por si mesmo! Certo. É como uma arte. Precisamente... outra versão da dieta macrobiótica sendo, é claro, que você pode apenas comer o que você encontra em sua área imediata... Eu me lembro de você uma vez ter escrito sobre os aspectos timbrísticos de um piano preparado em termos quase macrobióticos, ou ao menos em termos dos objetos encontrados de Duchamp; Quero dizer, você acha que o

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parâmetro de timbre ajuda a música implicitamente no sentido de, por exemplo, gerar uma indeterminação a longo prazo, ou a possibilidade de novas... Sim, e particularmente na sessão percussiva da orquestra, se estamos falando meramente de música, porque ela está envolvida com todas aquelas coisas que ainda não foram organizadas como os violinos e os metais e as madeiras foram. A percussão lida com, uh, ruídos... e uma bateria é bem diferente de outra, e ao invés de querermos a melhor bateria temos de usar a que temos. Mhmm. Mhmm. Me parece que neste sentido, mm, como que extendendo isto, que há um aspecto muito prático em sua atitude no geral.

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A próxima peça foi impressa na Dance Observer em 1944. Graciosidade e Claridade

A força que vem das práticas artísticas firmemente estabelecidas não está presente na dança moderna de hoje. Insegura, sem ter qualquer direção clara, o dançarino moderno deseja comprometer-se e aceitar influências de outras maneiras mais enraizadas de se fazer arte, permitindo que se note que certos dançarinos estão ou emprestando ou vendendo a si próprios para a Broadway, outros estão aprendendo com as artes folclóricas e Orientais, e muitos estão ou introduzindo em seu trabalho elementos do ballet ou, em um esforço ilimitado, devotando–se a ele. Confrontado com sua história, sua força ancestral [antiga], sua presente insegurança, é inevitável a sensação de que a força que a dança moderna uma vez teve não era impessoal mas estava intimamente conectada e afinal dependente das personalidades e mesmo dos corpos físicos dos indivíduos que a comunicaram [apresentavam, dão, realizam].

As técnicas da dança moderna foram, uma vez, ortodoxas. Não entrava na cabeça de um dançarino que elas poderiam ser alteradas. Acrescentar algo a elas era o privilégio único do criadores.

Cursos intensivos de verão foram os cenários das novas revelações reverentemente transmitidas pelos mestres-estudantes. Quando os líderes fanaticamente seguidos começaram, e quando eles continuaram, a desertar seus próprios ensinamentos (adaptando movimentos importantes do ballet às suas técnicas rapidamente-crescentemente-menos-rigorosas(, uma insegurança geral e profunda tombou sobre a dança moderna.

Onde hoje existir [houver] qualquer força na dança moderna é, como antes, em personalidades e físicos isolados. No caso dos jovens, isto é uma pena; não importa o quanto são impressionantes e reveladoras as suas atitudes [expressas] frente à vida, eles são ofuscados, nas mentes dos espectadores e, incompreensivelmente, com freqüência, nas mentes dos próprios dançarinos, pelas personalidades mais familiares, mais respeitadas e mais maduras.

Personalidade é uma coisa frágil sobre a qual construir uma arte. (Isto não significa que ela não deveria entrar [penetrar, adentrar] uma arte pois, sem dúvida, é isto o que significa a palavra estilo.) E o ballet, obviamente, não está construído em algo tão efêmero pois, se estivesse, não prosperaria como faz hoje, quase livre de personalidades interessantes e, com certeza, isenta da contribuição de qualquer mensagem individual ou atitude frente à vida.

Que o ballet possua algo parece uma coisa razoável de se assumir. Que o que ele possua seja o que a dança moderna precise é aqui expresso como uma opinião.

Deve-se duvidar que tanto o tour jeté, entrechat six, ou o sur les pointes (em geral) sejam necessários na dança moderna. Mesmo a graciosidade [formosura, elegância, beleza] e o capricho destes movimentos poderiam não parecer necessários [indispensáveis, precisos, exigidos]. Além disso, não é verdade que a base do ballet consiste [repousa, situa-se] em fantasias [roupas, indumentárias] e decorações deslumbrantes [brilhantes, fulgurantes], já que

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muitos dos melhores ballets aparecem , ano após ano, em trajes gastos e desbotados.

Ballets como Les Sylphides, Swan Lake, quase todo Pas de Deux ou Quatre e, atualmente, o excepcional Danses Concertantes possuem uma força e validade absolutamente além e separadas dos movimentos involvidos, sejam eles feitos ou não com estilo (personalidade expressa [exprimida, manifestada]), a condição ornamentada [ornamental] do palco, qualidade do vestuário, som da música, ou qualquer outras particularidades, incluindo aquelas de conteúdo. O segredo, tampouco, reside naquela misteriosa quantidade, forma. (As formas do ballet são, na maior parte, estúpidas [embotadas, estultas]; a simetria é mantida praticamente sem questionamentos.)

Bom ou mau, com ou sem significado, bem vestido ou não, o ballet é sempre claro em sua estrutura rítmica. Frases começam e terminam de um modo tal que qualquer um entre os espectadores sabe quando elas começam e terminam e respira de acordo com elas. Pode parecer, à primeira vista [pensamento, a princípio] que a estrutura rítmica não é de fundamental importância, No entanto, uma dança, um poema, uma peça de música (qualquer uma das artes do tempo) ocupa uma duração de tempo e a maneira pela [na, através da] qual esta duração de tempo é dividida, primeiramente em partes grandes e, depois, em frases (ou construir [erguer, compor] a partir de frases para formar partes maiores, [afinal] é a própria estrutura vital do trabalho. O ballet está em posse de uma tradição de claridade da sua estrutura rítmica. Os meios [dispositivos, esquemas, artifícios] para provocar isto foram passados [conduzidos, transmitidos] de geração para geração. Estes dispositivos particulares, novamente, não devem ser emprestados do ballet: eles são próprios [privados, sua propriedade, sua posse] a ele. Mas a função que eles cumprem não é privada; é, pelo contrário, universal.

A dança oriental, por exemplo, é clara em sua fraseologia. Ela possui seus próprios dispositivos para obtê-lo. O hot jazz sempre é claro ritmicamente. Os poemas de Gerard Manley Hopkins, com todo o seu abandono da tradição, permitem que o leitor respire com eles. A dança moderna, por outro lado, raramente é clara.

Quando um dançarino moderno seguiu a música que estava clara em sua estrutura de frases, a dança tinha a tendência a ser clara. O hábito difundido de coreografar a dança primeiro e depois obter a música para ela não é, em si, aqui criticado. Mas o fato de os coreógrafos modernos terem se importado com outras coisas que não a claridade da estrutura rítmica fez com que a sua aparência [aspecto] fosse, quando utilizado o método dança-primeiro- música-depois, tanto acidental quanto isolado. Isto conduziu a uma negligência [descuido, desprezo, falta de consideração] com a estrutura rítmica mesmo no caso da dança para música já escrita a ponto de, em um trabalho como Death and Entrances de Martha Graham, um espectador conseguir saber onde está com relação à ação somente através de observações [vistas] e da ação enganosa [traidora, caluniosa] da memória. Por outro lado, Martha Graham e Louis Horst foram capazes, juntos, de fazer obras magnificamente claros e comoventes [tocantes] como o seu Frontier, trabalhos que, contudo, permanecem alarmantemente sozinhos na história da dança moderna.

O desejo em comprometer-se, mencionado acima, e a admirável humildade implicada na ambição de aprender com outros modos de se fazer arte é adolescente, mas está muito mais próximo da maturidade que o infantil seguir às escuras [acompanhar cegamente] aos líderes que foi tão característico da dança moderna [vários] anos atrás. Se, ao receber influências do exterior, a dança moderna encontrar satisfação na cópia, ou adaptação a si [mesma], de particularidades superficiais (técnicas, movimentos, dispositivos de qualquer

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tipo), morrerá antes de alcançar a maturidade; se, por outro lado, o denominador comum das artes do tempo completamente desenvolvidas, o segredo da vida artística, for descoberto pela dança moderna, Terpsichore terá uma nova e rica fonte de adoradores.

Com a claridade da estrutura rítmica, a graciosidade forma uma dualidade. Juntas elas têm uma relação como a de corpo e alma. A claridade é fria, matemática, inumana, mas básica e terrena [terrestre, terráquea]. A graciosidade é quente, incalculável, humana, oposta à claridade, e como o ar. Graciosidade não é utilizada aqui para significar beleza; é utilizada pra significar o jogo com e contra a claridade da estrutura rítmica. As duas estão sempre [presentes] juntas nos melhores trabalhos das artes do tempo, interminável e vividamente [vivazmente, vívido] opostas uma à outra.

“Nos melhores [mais belas/admiráveis] exemplares [exemplos, amostras] de versificação, parece haver um conflito perpétuo entre a lei do verso e a liberdade da linguagem, e cada uma é incessantemente, ainda que insignificantemente, violada [profanada, ultrajada, violentada] com o propósito de dar efeito à outra. O melhor poeta não é aquele cujos versos são os mais facilmente mensuráveis [metrificáveis, métricos, versificáveis] e cuja fraseologia é a mais comum em seus materiais e a mais direta em seu arranjo; mas aquele cuja linguagem combina a mais elaborada e sensível organização métrica, e que, em seu verso, preserva por toto lado o sentido vivo do metro, não tanto por obediência invariável quanto por inumeráveis pequenos abandonos, seus modulus (Coventry Patmore, Prefatory Study on English Metrical Law, 1879, pp.12-13)

O “conflito perpétuo” entre claridade e graciosidade é o que torna o hot jazz quente. Os melhores performers [executantes] continuamente antecipam ou atrasam os inícios e términos das frases. Eles também, em suas performances tratam a batida ou pulso e, sem dúvida, o compasso, com graciosidade: colocando mais ou menos icti [?] dentro dos limites do compasso que o esperado (alterações de altura e timbre são também costumeiras [habituais, comuns]), contraindo ou extendendo a duração da unidade. Isto, não a síncope, é que agrada os hep-cats [?]

A música e a dança hindus são repletas de graciosidade. Isto é possível porque a estrutura rítmica nas artes do tempo hindus são altamente sistematizadas, têm sido por tanto tempo e todo hindu que aprecia ouvir a música ou ver a dança está familiarizado com as leis da tala. Músicos, dançarinos e espectadores desfrutam escutar e ver as leis da estrutura rítmica agora observadas e agora ignoradas.

Isto é o que ocorre em um ballet clássico ou neo-clássico belamente executado. E é o que permite a experiência de prazer [prazeirosa] em tal execução [performance], apesar do fato de tais trabalhos serem relativamente sem sentido em nossa sociedade moderna. É lamentável que, hoje, se tenha que assistir O Lago dos Cisnes ou algo igualmente vazio de sentido contemporâneo para experimentar o prazer de observar claridade e graciosidade na dança. A sociedade moderna precisa, como sempre, e agora precisa desesperadamente, uma dança moderna forte.

A opinião expressa aqui é a de que claridade de estrutura rítmica com graciosidade são essenciais às artes do tempo, que juntas elas constituem uma estética (isto é, elas repousam sob e sobre, acima e abaixo, particularidades pessoais e físicas), e que elas raramente ocorrem na dança moderna; que a última não tenha nenhuma estética (sua força tendo sido e sendo propriedade pessoal de seus criadores e melhores expoentes), que, de modo que torne-se forte e útil na sociedade, madura em si mesma, a dança moderna de clarear sua

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estrutura rítmica, depois animá-la com graciosidade e, assim, conseguir uma teoria, comum, universal sobre o que é belo em uma arte do tempo.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

No Zen se diz: Se uma coisa é entediante depois de dois minutos, tente-a por quatro. Se é ainda é entediante, tente-a por oito, dezesseis, trinta e dois, e assim por diante. Finalmente descobre-se que ela não é nem um pouco entediante mas muito interessante.

Na New School, certa vez, estava substituindo Henri Cowell, ensinando música oriental a uma classe. Eu

tinha dito a ele que não sabia nada sobre a matéria. Ele disse, “Está tudo bem. Só vá até onde estão as gravações. Pegue uma. Toque-a e então discuta-a com a classe.” Bem, eu peguei a primeira gravação. Era um LP de um serviço budista. Começava com um curto canto tonal com notas em slide, então logo entrava em uma única e alta batida percussiva reiterada. Este ruído continuou implacavelmente por aproximadamente quinze minutos com nenhuma variação perceptível. Uma senhora levantou-se e gritou, “Tire isso. Eu não posso mais suportar.” Eu tirei. Um homem na classe então disse, zangado [furioso], “Por que você tiraria [tirou] isso? Estava começando a ficar interessado”

Durante uma aula de contraponto na U.C.L.A., Schoenberg mandou todo mundo para o quadro negro.

Precisávamos resolver um problema particular que ele havia dado e virar-nos quando terminássemos para que ele pudesse verificar se a solução estava correta. Eu fiz como ele mandou. Ele disse, “Muito bem. Agora encontre outra solução”. Eu o fiz. Ele disse, “Outra.” Novamente encontrei uma. De novo ele disse, “Outra.” E assim em diante. Finalmente, eu disse, “Não há mais soluções.” Ele disse, “Qual é o princípio que está por debaixo de todas as soluções?”

Fui a um concerto no andar de cima do Town Hall. O compositor cujas obras seriam executadas tinha

fornecido notas do programa. Uma destas notas era para o efeito de haver muita dor no mundo. Depois do concerto eu estava caminhando com o compositor e ele estava me contando como as execuções não tinham sido suficientemente [to snuff?]. Então eu disse, “Bem, I gostei da música, mas não concordei com a nota do programa sobre haver muita dor no mundo.” Ele disse, “O quê? Você não acha que há o bastante?” Eu disse, “Eu creio que há exatamente a medida certa.”

* * *

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Ao final de setembro de 1958, em um hotel em Estocolmo, me propus a escrever essa palestra para entregá-la uma semana depois na Feira Mundial de Bruxelas. Lembrei-me de uma observação feita anos antes por David Tudor, de que eu deveria fazer um discurso que não fosse nada além de histórias. A idéia era tentadora, mas nunca havia trabalhado nela, decidi fazer isso agora. Quando dei a conferência em Bruxelas, ela consistiu em somente trinta histórias, sem acompanhamento musical. Um recital dado por mim e David Tudor de música para dois pianos seguiu a conferência. O título completo foi Indeterminância: Novo Aspecto da Forma na Música Eletrônica e Instrumental. Karlheinz Stockhausen estava na platéia. Depois, quando estive em Milão compondo Fontana Mix no Studio di Fonologia, recebi uma carta sua pedindo-me um texto que poderia ser publicado na Die Reihe2 Nº5. Enviei-lhe o discurso de Bruxelas, e ela foi publicada. INDETERMINÂNCIA Na primavera seguinte, de volta aos Estados Unidos, proferi o discurso novamente, no Teachers College, Columbia. Para esta ocasião escrevi mais sessenta histórias, e houve um acompanhamento musica musical de David Tudor – material do Concerto Para Piano e Orquestra, empregando vários rádios como elementos de ruído. Pouco depois essas noventa histórias foram concebidas como uma gravação da Folkways3, mas nesta os elementos de ruído do Concerto foram substituídos por faixas de Fontana Mix. Quando dou esta conferência, conto uma história por minuto. Se é uma história curta, tenho que estendê-la; quando chego em uma longa, tenho que falar tão rápido quanto posso. A continuidade das histórias para a gravação não foi planejada. Simplesmente fiz uma lista de todas as histórias que podia lembrar e encadeei-as conforme as escrevi. Das que lembrei, não foi possível escrever algumas de modo que me agradassem e, portanto, não foram usadas. Minha intenção em juntar as histórias de uma maneira não planejada foi sugerir que todas as coisas – histórias, sons incidentais do ambiente e, por extensão, seres – estão relacionados, e que esta complexidade é mais evidente quando não é super simplificada por uma idéia de relação na mente de uma pessoa. Desde aquela gravação, continuei a escrever histórias conforme as encontrava, de modo que o seu número agora é muito maior que noventa. A maioria diz respeito a coisas que aconteceram e ficaram gravadas na minha mente. Outras li em livros e lembrei – aquelas, por exemplo, do Sri Ramakrishna e a literatura ligada ao Zen. Outras, ainda, me foram contadas por amigos – Merce Cunningham, Virgil Thomson, Betty Issacs e muitos outros. Xenia, que aparecem em diversas delas, é Xenia Andreyevna Kashevaroff, com quem fui casado por uns dez anos. Algumas histórias têm sido omitidas já que seu conteúdo faz parte de outros escritos deste volume. Muitas das que ficaram encontram-se abaixo. Outras estão espalhadas pelo livro exercendo a mesma função que estranhos pedaços de informação exercem no final das colunas de um jornal do interior. Sugiro que elas sejam lidas à maneira e nas situações em que se lê jornais – mesmo os metropolitanos – quando o fazemos despropositadamente: isto é, pulando aqui e ali e respondendo, ao mesmo tempo, aos eventos e sons do ambiente.

2 Nota sobre a revista. 3 sobre

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A primeira vez que visitei Paris, o fiz ao invés de retornar ao Pomona College para meu junior year. Quando olhava ao redor, era a arquitetura gótica que mais me impressionava. E, daquela arquitetura, preferia o estilo flamboyant do século XV. Neste estilo meu interesse era atraído pelos balaústres. Estudei-os por seis semanas na Bibliothèque Mazarin, indo a biblioteca quando as portas se abriam sem sair até que elas fossem fechadas. O Professor Pijoan, que eu havia conhecido em Pomona, chegou em Paris e perguntou-me o que eu estava fazendo. (Estávamos em uma das estações de trem dali.) Contei-lhe. Ele me deu, literalmente, um chute no traseiro e então disse, “Vá amanhã encontrar Goldfinger. Arrumarei tudo para que você trabalhe com ele. Ele é um arquiteto moderno.” Depois de um mês de trabalho com Goldfinger, medindo as dimensões de salas que ele iria modernizar, atendendo ao telefone e desenhando colunas gregas, eu escutei Goldfinger ao longe, “Para ser um arquiteto é preciso devotar a vida inteira à arquitetura.” Eu, então, o abandonei pois, como expliquei, haviam outras coisas que me interessavam, música e pintura, por exemplo. Cinco anos depois, quando Schoenberg me perguntou se eu devotaria minha vida a música, respondi, “Claro.” Depois de ter estudado com ele por dois anos, Schoenberg disse, “Para escrever música, você deve ter sensibilidade para a harmonia.” Expliquei-lhe que eu não tinha sensibilidade para a harmonia. Ele disse, então, que eu sempre encontraria um obstáculo, que seria tão difícil como se eu encontrasse um muro que não pudesse atravessar. Respondi, “Neste caso, eu devotarei minha vida a bater minha cabeça contra este muro.” A primeira vez que me mudei para o campo, David Tudor, M.C. Richards, os Weinribs, e eu morávamos na mesma pequena casa. Para ter alguma privacidade, comecei a fazer caminhadas pelos bosques. Era agosto. Comecei a coletar os cogumelos que estavam crescendo, mais ou menos, por toda parte. Então, comprei alguns livros e tentei reconhecer qual cogumelo era qual. Percebendo que precisava conhecer alguém que soubesse algo sobre cogumelos, liguei para o Clube 4-H, em New City. Eu falei com uma secretaria. Ela disse que me ligariam de volta. Nunca me ligaram. Na primavera seguinte, após a leitura sobre a comestibilidade do skunk cabbage4 no livro de Medsger sobre plantas selvagens, juntei uma porção do que pensei ser skunk cabbage, dei um pouco para que meus pais (que estavam me visitando) levassem para casa, cozinhei o resto em três etapas com um pitada de bicarbonato como adverte Medsger e servi para seis pessoas, uma das quais, eu me lembro, era do Museu de Arte Moderna. Comi mais que os outros em uma tentativa de convencer a respeito do meu entusiasmo sobre plantas selvagens comestíveis. Depois do café, propuseram um jogo de poker. Comecei a ganhar mais que todos. M.C. Richards deixou a mesa. Após um tempo, ela voltou e sussurrou no meu ouvido, “Você se sente bem?” Respondi, “Não. Minha garganta esta queimando e mal consigo respirar.” Disse aos outros que dividissem meus ganhos porque estava me contorcendo. Sai e vomitei. O vômito com diarréia continuou por aproximadamente duas horas. Antes de perder as forças, pedi a M.C. Richards que ligasse para meus pais e lhes dissesse que não comessem o skunk cabbage. Perguntei como estavam os outros. Ela disse, “Eles mão estão tão mal quanto você.” Mais tarde, quando os amigos me levantaram do chão para me colocar sobre um cobertor, eu disse, “Deixem-me sozinho.” Alguém ligou para o Doutor Zukor. Ele prescreveu leite e sal. Eu não podia tomá-los. Ele disse, “Tragam-no aqui imediatamente.” Eles o fizeram. Ele lavou meu estômago e me deu adrenalina para manter meu coração batendo. Entre outras coisas, ele disse, “Quinze minutos mais e ele teria morrido.” Fui levado para o hospital de Spring Valley. Lá, durante a noite, continuaram a aplicar a adrenalina e fui inteiramente limpo. De manhã, me senti estupendo. Toquei a campainha da enfermeira para dizer a ela que estava pronto para ir. Ninguém veio. Li uma nota na parede que dizia caso o paciente não saísse antes do meio dia, seria cobrado um dia a mais. Logo, o quarto estava cheio de médicos e enfermeiras e, num piscar de olhos, fui mandado embora. Liguei de novo para o Clube 4-H e lhes contei o que havia acontecido. Enfatizei minha determinação em continuar os estudos sobre cogumelos selvagens. Eles disseram, “Ligue para a Sra. Clark na estrada de South Mountain.” Ela me disse, “Eu não posso lhe ajudar. Ligue para o Sr. Tal-Tal.” Eu liguei. Ele disse, “Eu não posso lhe ajudar, mas chame Tal-Tal, que trabalha no A&P em Suffern. Ele conhece alguém em Ramsey que conhece cogumelos.” Finalmente, consegui o nome e o número de telefone de Guy G. Nearing. Quando liguei, ele disse, “Venha a hora que quiser. Quase sempre estou por aqui, e nomearei seus cogumelos.” Escrevi uma carta para Medsger dizendo que seu skank cabbage era venenoso. Ele nunca respondeu. Algum tempo depois, li sobre a necessidade de distinguir entre skank cabbage e hellebore venenoso. Eles crescem na mesma época e nos mesmos lugares. O Hellebore tem folhas pregadas. O skank cabbage não. 4

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Nos últimos anos, Daisetz Teitaro Suzuki fez um bom negócio dando aulas na Universidade de Columbia. Primeiro ele estava no Departamento de Religião, depois em algum outro lugar. Finalmente, ele instalou-se no sétimo andar do corredor de Filosofia. A sala tinha janelas nos dois lados, uma grande mesa ao centro com cinzeiros. Haviam cadeiras ao redor da mesa e próximo às paredes. Estas eram sempre ocupadas por pessoas escutando e, geralmente, haviam algumas pessoas de pé perto da porta. As duas ou três pessoas que assistiam à aula por créditos sentavam-se nas cadeiras ao redor da mesa. A hora era quatro para as sete. Durante este período, boa parte das pessoas às vezes tirava uma soneca. Suzuki nunca falou alto. Quando o clima estava bom, as janelas eram abertas, e os aviões deixando La Guardia voavam logo acima de tempos em tempos, sugando qualquer coisa que ele tinha a dizer. Ele nunca repetia o que tinha dito durante a passagem do avião. Lembro-me particularmente de três conferências. Enquanto ele as dava, eu não conseguia compreender o que dizia, por mais que me esforçasse. Foi uma semana depois, ou mais, enquanto caminhava nos bosques procurando por cogumelos, que compreendi tudo. Patsy Davenport ouviu minha gravação da Folkways. Ela comentou, “Quando aconteceu aquela história e perguntei a você sobre o que você achava de Bach, eu podia lembrar de tudo perfeitamente claro, nítido, como se estivesse passando por isso outra vez. Diga-me, o que você respondeu? O que você acha de Bach?” Respondi que não me lembrava o que havia dito – fiquei desconcertado. Logo, como de costume, quando chegou o próximo dia, comecei a pensar. Desistir de Beethoven, os clímaxes emocionais e tudo o mais, é bem simples para um norte-americano. Mas desistir de Bach é mais difícil. A música de Bach sugere ordem e glorifica àqueles que a ouvem em relação à sua ordem, que em suas vidas é expressada no trabalho diário das nove às cinco e nas máquinas que as rodeiam e que, quando são ligadas na tomada, se Deus quiser, funcionam. Alguns dizem que a arte deveria ser uma instância de ordem para que os salvassem momentaneamente do caos que eles sabem que está logo ali na esquina. Jazz é o equivalente a Bach (batida marcada, motor dependente), e o amor de Bach é geralmente emparelhado com o amor do Jazz. O Jazz é mais sedutor, menos moralístico que Bach. Populariza os prazeres e as dores da vida física, enquanto Bach está próximo da igreja e de tudo aquilo. Sabendo como nós que tantos músicos de jazz mantêm-se por horas em pé e ainda se drogam, permitimos tornar-nos, ao menos simpatéticamente, drogadictos e corujas noturnos: por participar de uma mística. Desistir de Bach, do jazz e da ordem, é difícil. Patsy Davenport está certa, é uma questão muito séria. Porque se a fazemos – desistindo deles, por assim dizer – o que nos sobra? Certa vez quando era criança em Los Angeles eu fui para o centro num bonde. O dia estava tão quente que, quando saí do bonde, o pixe grudou no meu pé. (Eu estava descalço.) Chegando na calçada, eu achei tão quente, que tive que correr para não empolar meu pé. Fui até uma mercearia para comprar um refresco. Quando cheguei ao caixa aonde este era vendido de um largo barril e perguntei por este, um homem parado ao caixa bem acima de mim disse, “Espere. Estou colocando o xarope e estará bom e alguns minutos.” Enquanto ele colocava a última lata, ele se atrapalhou e derramou todo o xarope grudento em cima de mim. Para me fazer sentir melhor, ele me ofereceu o refresco de graça. Eu disse, “Não, obrigado.” Betty Isaacs disse-me que quando estava na Nova Zelândia foi informada que nenhum dos cogumelos crescendo selvagemente eram venenosos. Então quando um dia notou um morro coberto com os fungos, ela juntou um monte e fez um molho. Quando o terminou, provou-o e estava horrível. Contudo, ela o engarrafou e o pôs em uma alta prateleira. Um ano depois ela estava fazendo a limpeza de casa e descobriu o molho, o qual ela havia esquecido. Ela estava no ponto de jogá-lo fora. Mas antes de o fazer, ela o provou. Havia mudado de cor. Originalmente um cinza escuro, ele tinha se tornado negro, e como ela me disse, estava divino, intensificando o sabor de tudo que ele tocava. George Mantor tinha um jardim de Íris que ele desenvolvia a cada ano jogando fora as variedades mais comuns. Um dia sua atenção foi apreendida por um outro jardim de Íris muito belo. Invejosamente fez algumas investigações. O jardim, acabou-se percebendo, pertencia a um homem que coletava o seu lixo. Na Índia e achando o sol insuportável, a Sra. Coomaraswamy decidiu comprar um guarda-sol. Achou dois nas redondezas do centro. Um estava na vitrine de uma loja que vendia produtos americanos. Possuia um preço razoável mas não muito atrativo. O outro era numa loja indiana. Era fabricado na Índia e atrativo, mas muito caro. A Sra. Coomaraswamy voltou para casa sem comprar nenhum mas o clima continuou seco e quente,

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até que alguns dias depois ela voltou ao centro determinada a fazer uma compra. Passando pela loja americana percebeu que o guarda-sol ainda estava na vitrine, ainda com o preço razoável. Indo para a loja indiana perguntou por aquele guarda-sol que havia admirado alguns dias antes. Enquanto o olhava, o preço foi mencionado. Neste momento, ele era incrivelmente baixo. Surpresa, senhora Coomaraswamy disse, “Como posso confiar em vocês? Um dia o preço está alto; no dia seguinte ele está baixo. Talvez os seus produtos sejam igualmente pouco confiáveis.” “Madame,” disse o atendente, “as pessoas ao longo da rua são novas no negócio. Eles estão tentando lucrar. Os preços deles são estáveis. Nós, no entanto, estamos nos negócios por gerações. As melhores coisas que temos mantemos na família, por sermos relutantes de partilhá-los. Quanto aos nossos preços, mudamos continuamente. Esta é a única maneira que achamos nos negócios para nos mantermos interessados neles.” Há uma rua em Stony Point numa planície perto do rio onde inúmeras espécies de cogumelos crescem abundantemente. Visito esta rua regularmente. Há alguns anos atrás em Maio encontrei o Morel, um tipo de cogumelo que é raro nas redondezas do condado de Rockland. Estava extasiado. Nenhuma das pessoas morando na rua jamais conversou comigo enquanto coletava os cogumelos. Algumas vezes crianças chegam perto e os chutam antes de eu pegá-los. Bem, no ano seguinte ao qual encontrei o Morel, voltei em Maio esperando achá-lo de novo, apenas para descobrir que uma casa de tijolos cinzas havia sido colocada onde os cogumelos crescia. Enquanto olhava a paisagem transformada todas as pessoas do bairro, apareceram em suas portas. Uma delas disse, “Há há! Seus cogumelos foram embora.” Todos somos parte e parcela de um modo de vida que confia no todo-poderoso dólar – tanto que nos sentimos deslizando quando ouvimos que no mercado internacional a marca Alemanha Ocidental inspira mais confiança. A comida, afirma-se, proporciona alimento; mas os americanos comem-na totalmente conscientes que pequenas porções de veneno foram adicionadas para melhorar a aparência e atrasar a putrefação. Nenhum de nós quer câncer ou doenças de pele, mas há aqueles que nos contam que é assim que as contraímos. É difícil de dizer, chegando Dezembro, se estamos celebrando o nascimento de Cristo ou se o mercado americano simplismente vendou nossos olhos. Quando ouço que um artista cujo trabalho eu admiro conseguiu $7.000 por um quadro enquanto um outro cujo trabalho não admiro conseguiu o dobro, eu mudo minha opinião? Dez anos atrás os pintores novaiorquinos eram na sua maioria pobres como ratos de igreja. Eles tiveram então ou eles têm agora um lugar na sociedade americana? Voltando de um concerto todo-Ives que assistimos em Connecticut, Minna Lederman disse que separando seus negócios de seguro de sua composição de música (tão completamente como o dia é separado da noite), Ives manteve total respeito à noção americana de que o artista não tem lugar na sociedade. (Quando Mãe ouviu pela primeira vez meu quarteto de percussão anos atrás em Santa Mônica, ela disse, “Eu gostei, mas aonde você pretende colocar isso?”) Mas a música é, ou foi em algum momento, a sexta maior indústria da América – acima ou abaixo do ferro, eu não me lembro bem qual. Schoenberg costumava dizer que os compositores de trilhas para filmes sabiam muito bem de seus negócios. Uma vez ele pediu para aqueles na classe que pretendiam se tornar músicos profissionais que levantassem as mãos. Nenhum o fez. (Tio Walter insistiu quando casou-se com Tia Marge, que era uma contralto, para que ela desistisse de sua carreira.) No atual momento, minha aposta é que os preços fenomenais pagos para as pinturas em Nova York têm menos a ver com arte do que com negócios. A senhora que vive na porta ao lado em Santa Mônica disse-me que a pintura que possui em sua sala de jantar valia muito dinheiro. Ela mencionou uma soma astronômica. Eu disse, “Como você sabe?” Respondeu que viu uma pequena pintura que valia um certo montante, mediu-o, mediu o dela (que era muito maior), muitiplicou e foi isto. A Sra. Coomaraswamy contou outra história sobre métodos de negociação na Índia. Parece que numa manhã bem cedo ela estava num bazar de um artesão. Havia menos lojas disponíveis do que haviam artesãos. Assim, um concurso de poesia foi organizado. Quem fizesse o melhor poema ganharia a loja. Os perdedores estavam indo embora deveras contentes recitando o poema vencedor. Ela os perguntou porque estavam tão contentes já que de fato eram os desafortunados. Disseram, “Oh, isto não importa. Quando seus bens forem vendidos, ele não terá uso para a loja. Então, mais um de nós terá uma chance de vender o que tem, e assim por diante.”

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Lois Long (a Lois Long que faz design têxtil), Christian Wolff e eu escalamos a montanha Slide junto com Guy Nearing e os Flemings, incluindo Willie. Durante todo o caminho oscilante da montanha não encontramos nada senão Collybia Platyphylla, de modo que morri de vontade de visitar um cemitério em Millerton, Nova York, onde, nos olhos de minha mente, Pluteus cervinus estavam crescendo. No momento em que voltamos aos carros, nossos joelhos estavam tremendo com fadiga e o sol havia se posto. Não obstante, dei um jeito de persuadir Lois Long e Christian Wolff a levá-los até o Millerton. Isto significava umas cem milhas extras. Chegamos ao cemitério à meia-noite. Peguei uma lanterna do porta-luvas, saí, e primeiro rapidamente e depois com cuidado examinei todas os tocos e o terreno ao redor deles. Não havia nenhum cogumelo crescendo. Voltando ao carro, esperava que Lois Long e Christian Wolff estivessem exasperados. No entanto, eles estavam em estado de transe. A aurora borealis, que nenhum dos dois jamais havia presenciado antes, despontava no céu ao norte. Desenterrei algumas Amphicarpaea bracteatae [hog peanuts] e as cozi com manteiga, sal e pimenta para Bob Rauschenberg e Jasper Johns. Estava ansioso para saber o que Jasper Johns iria pensar delas, porque sabia que ele gostava de amêndoas cozidas. A maioria das pessoas no norte não tem nenhuma noção de amêndoas cozidas. As pessoas que experimentaram as Amphicarpaea bracteatae falam do gosto de castanhas e feijões. De qualquer modo, Jasper Johns que eram muito boas, mas que não tinham um gosto particularmente parecido com o de amêndoas cozidas. Ele então foi para a Carolina do Sul por algumas semanas em novembro. Quando o vi, depois que voltou, disse que tinha comido novamente amêndoas cozidas e que tinham um gosto muito parecido com as Amphicarpaea bracteatae. Artistas falam um monte sobre liberdade. Então, relembrando a expressão, “livre como um pássaro”, um dia Morton Feldman foi a um parque e passou algum tempo observando nossos amigos emplumados. Quando voltou, disse, “Você sabe? Eles não são livres: estão lutando por migalhas de comida.” Pediram-me para tocar minhas Sonatas e Interlúdios na casa de uma senhora anciã em Burnsville, Carolina do Norte, a única pessoa nos arredores que tinha um piano. Expliquei que a preparação do piano levaria, pelo menos, três horas e que necessitaria algumas horas adicionais para a prática antes da performance. Foi programado que eu começasse a trabalhar logo após o almoço. Após quase uma hora, decidi tomar um fôlego. Acendi um cigarro e fui até a varanda, onde encontrei minha anfitriã sentada numa cadeira de balanço. Nós começamos a conversar. Ela me perguntou de onde eu vinha. Disse-lhe que havia nascido em Los Angeles, mas que enquanto criança, fui criado ao mesmo tempo lá e em Michigan; e que depois de dois anos de faculdade em Claremont, California, havia passado 18 meses na Europa e na África do Norte; que depois de retornar à California, havia me mudado primeiro de Santa Mônica para Carmel, e então para Nova York e então de volta para Los Angeles, e logo para Seattle, São Francisco e Chigaco, sucessivamente; que no momento, estava vivendo em Nova York num apartamento no rio leste. Então disse, “E de onde você vêm?” Ela respondeu, apontando para um posto de gasolina do outro lado da rua, “Dali.” Ela continuou dizendo que um de seus filhos tentou convencê-la a fazer um segundo movimento, pois agora ela vivia só, excepto por seus empregados, e ir viver com ele e sua família. Ela conta que recusou que não se sentiria em casa num lugar estranho. Quando lhe perguntei onde ele vivia, ela disse, “Alguns quarteirões abaixo.” Numa ocasião, Schoenberg pediu a uma garota na aula que fosse até o piano e tocasse o primeiro movimento de uma sonata de Beethoven, que seria depois analizada. Ela disse, “É difícil demais. Eu não consigo tocá-la.” Schoenberg disse, “Você é uma pianista, não é?” Ela respondeu, “Sim.” Ele disse, “Então vá até o piano.” Ela foi. Mal havia começado a tocar, ele a deteve dizendo que ela não estava tocando no tempo certo. Ela disse que se tocasse no tempo certo, iria cometer erros. Ele disse, “Toque no tempo certo e não cometa erros.” Começou a tocar de novo e ele a parou imediatamente para dizer que ela estava cometendo erros. Ela então desatou em lágrimas e entre soluços explicou que havia ido mais cedo naquele dia ao dentista e que tinha arrancado um dente. Ele disse, “Você precisa ter um dente arrancado para cometer erros?” Havia uma senhora numa classe de Suzuki que disse uma vez, “Eu tenho uma grande dificuldade em ler os sermões do Maestro Eckhart, por causa de todo o imaginário cristão.” Doutor Suzuki disse, “Esta dificuldade irá desaparecer.”

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Betty Isaacs foi às compras em Altman. Gastou todo seu dinheiro exceto sua última moeda, a qual guardou em sua mão de modo que a tivesse pronta para quando entrasse no ônibus para ir para casa e não tivesse que fuçar em sua bolsa já que seus braços estavam cheios de pacotes e ela ainda carregava as sacolas de compras. Esperando pelo ônibus, decidiu certificar-se de que ela ainda tinha a moeda. Quando abriu sua mão, não havia nada lá. Ela mentalmente retraçou seus passos tentando imaginar onde havia perdido seu níquel. Com sua mente feita, foi direto ao departamento de luvas, e decerto que estava lá no chão onde ela esteve parada. Enquanto se abaixou para pegar a moeda, outra compradora disse, “Queria saber aonde ir para pegar moedas no chão.” Aliviada, Betty Isaacs pegou o ônibus para sua casa no Village. Desembrulhando seus pacotes, descobriu que a moeda estava no fundo da sacola.

Quando David Tudro, Merce Cunningham, Carolyn e Earle Brown, e eu chegamos em Bruxelas um ano

ou mais atrás para os programas na Feira Mundial, descobrimos que Índices de Earle Brown não iria ser tocada já que a orquestra achou-a muito difícil. Então, pondo dois e dois somando quatro, propusemos que Merce Cunningham e Carolyn Brown dançassem solos e duetos do Springweather and People de Merce Cunningham (o qual é seu título para o Índices de Earle Brown) e que David Tudor tocasse a transcrição para o piano como acompanhamento. Com grande dificuldade, arranjos foram feitos para realizar esta proposta. No último minuto as autoridades concordaram. Contudo, logo antes da performance, o Papa morreu e tudo foi cancelado.

Um dia lá na Universidade de Black Mountain, David Tudor estava almoçando. Um estudante veio à

sua mesa e começou a lhe fazer questões. David Tudor continuou comendo. O estudante manteve-se perguntando. Finalmente David Tudor olhou-o e disse, “Se você não sabe, por que pergunta?”

Quando David Tudor e eu caminhávamos para um hotel no qual fomos convidados para ficar em

Bruxelas, haviam grandes envelops para cada um de nós em cima da mesa; estavam cheios de programas, ingressos, convites, passes especiais para a Feira, e informações gerais. Um dos convites que eu tinha era para um almoço no palácio real adjacente ao Pavilhão da Feira. Eu estava para responder, mas não o fiz porque estava muito ocupado com ensaios, performances, e com a escrita de trinta destas estórias, as quais tinha que entregar como uma conferência sobre a música experimental no decorrer da semana. Um dia então, quando eu estava indo para o hotel, o recepcionistame perguntou se eu pretendia ir ao palácio para o lanche no dia seguinte. Eu respondi, “Sim.” Pelo telefone, ele disse, “Ele está indo.” Ele então riscou meu nome de uma lista à sua frente. Me perguntou se eu sabia dos planos dos outros da lista, a qual naquele momento lia de cabeça para baixo. O ajudei da melhor maneira que pude. Na manhã seguinte, quando desci para o café da manhã, havia um homem de Paris conhecido como um físico do estúdio de Schaeffer para musique concréte. Eu disse “Bem, eu te encontrarei no almoço hoje.” Ele respondeu, “Que almoço?” Eu disse, “Lá no palácio.” Ele disse, “Eu não fui convidado.” Eu disse, “Tenho certeza de que você é convidado. Vi o seu nome na lista. É melhor você ligar para eles; estão ansiosos para ver quem vai.” Uma hora depois o telefone tocou para mim. Era o diretor da semana de eventos. Ele disse, “Acabei de descobrir que você convidou Dr. Tal-e-Tal para o almoço.” Eu comentei que havia visto seu nome na lista. O diretor disse, “Você cometeu um erro e fui capaz de corrigí-lo, mas o que eu gostaria de saber é: quantos mais você convidou?”

Uma mulher indiana que vivia nas ilhas foi requisitada para vir a Juneau para testemunhar num

julgamento. Após haver solenemente jurado em dizer a verdade, toda a verdade, e tão somente a verdade, foi questionada se havia sido apontada como testemunha. Ela respondeu, “Sim. Uma vez no barco vindo para cá e outra no hotel aqui em Juneau.”

Levei uma quantidade de cogumelos para Guy Nearing e pedi-lhe para nomeá-los para mim. Ele o fez.

Na minha volta para casa comecei a duvidar se um cogumelo particular era aquele que ele havia nomeado. Quando cheguei em casa peguei alguns livros e cheguei à conclusão de que Guy Nearing havia cometido um erro. Quando o revi lhe disse tudo sobre isto e ele disse, “Existem tantos nomes latinos rolando por aí na minha cabeça que às vezes o nome errado é o que aparece.”

Um jovem depressivo veio ver Hazel Dreis, a encadernadora. O jovem disse, “Decidi cometer suicídio.”

Ela disse, “Acho que é uma boa idéia. Por que você não o comete?”

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David Tudor e eu fomos a New Haven para fazer uma aula televisiva para a Universidade New Haven State Teachers. Aquela universidade especializa-se em ensinar por meio da televisão. O que eles fazem é uma fita, áudio e visual, e depois transmitem-na numa data posterior logo pela manhã. No decorrer de minha fala, disse algo sobre o propósito da despropositabilidade. Depois, um dos professores disse ao diretor do Departamento de Música, “Como você irá explicar isso para a classe na próxima terça-feira?” De qualquer modo, terminamos este negócio da TV, dirigimos de volta à escola, e pedi aos professores para recomendar alguns sebos em New Haven para eu e David Tudor visitarmos. Eles nos disseram. Meia hora depois quando entramos num deles o vendedor nos disse, “Sr. Tudor? Sr. Cage?” Eu disse, “Pois não?” Ele disse, “Vocês devem ligar para a Universidade State Teachers.” Liguei. Disseram-me que a aula televisiva que havíamos gravado não havia sido gravada. Aparentemente alguém esqueceu de ligar alguma coisa.

No caminho de volta de New Haven estávamos dirigindo ao longo do Housatonic. Fazia um lindo dia.

Paramos para jantar, mas os restaurantes à beira do rio se mostraram não serem restaurantes de fato, mas bares escuros e acabados com, curiosamente, nenhuma vista para o rio. Dirigimos então para Newtown, onde vimos muitos carros estacionados ao redor de um restaurante que nos pareceu ter uma atmosfera colonial. Disse, “Todos aqueles carros são um bom sinal. Vamos comer lá.” Quando entramos estávamos numa ampla sala de jantar com muito poucas pessoas comendo. A garçonete parecia um pouco tonta. David Tudor pediu uma bebida de gengibre e após um longo tempo foi servido uma coca-cola, a qual ele recusou. Depois ambos pedimos parfaits; o meu era pra ser de chocolate, o dele de morango. Enquanto a garçonete entrava na cozinha, ela gritou, “Dois parfaits de chocolate.” Quando David Tudor explicou-lhe mais tarde de que ele havia pedido de morango, ela disse, “É, eles cometem alguns erros na cozinha.” Eu disse, “Deve haver um outro salão de jantar neste prédio com muitas outras pessoas comendo.” A garçonete disse, “Sim, é escada abaixo e há apenas dois de nós para cada andar e continuamos correndo para lá e para cá.”

* * *

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Em 1954 uma edição da United States Lines Paris Review dedicada ao humor estava sendo preparada. Fui convidado a escrever sobre minha música. Contribuí com o seguinte artigo.

MANUAL DE CAMPO PARA AMANTES DA MÚSICA

Eu cheguei à conclusão de que muito pode ser aprendido sobre música através da devoção aos cogumelos. Por este motivo eu me mudei recentemente para o campo. Muito de meu tempo é gasto matutando sobre "manuais de campo" sobre fungos. Estes eu obtenho por metade do preço em sebos, os quais mais tarde descubro em raros casos estarem uma porta ao lado de lojas que vendem partituras para ouvidos caninos, tal ocorrência sendo agradecida por mim como uma evidência irrefutável de que eu estou no caminho certo. O inverno para os cogumelos, como para a música, é a mais triste estação. Só nas cavernas e casas onde importam a temperatura e a humidade, e em salas de concerto onde importa a confiança e o caixa está sob constante vigília, fazem as formas aceitas e vulgares prosperare. O comercialismo americano trouxe uma grande deterioração do Psalliota campestris, afetando através da exportação mesmo o mercado europeu. Como um gourmet exigente percebe mas não compra cogumelos comercializados, assim um músico vivaz lê de tempos em tempos os anúncios de concertos e fica na quietude de seu lar. Se, energeticamente, Collybia velutipes deveriam frutificar em Janeiro, isto é um evento raro, e que isto ocorra enquanto se espreita pela floresta é quase além das expectativas mais queridas de alguém, assim como é excitante em Nova Iorque notar que o número de pessoas indo a um concerto de inverno requirindo o uso das faculdades é crescente (1954: 129 de 12,000,000; 1945: 136 de 12,000,000). No Verão, as coisas são diferentes. Uns três mil tipos diferentes de cogumelos estão à espreita em abundância, e à esquerda e à direita há os Festivais de Música Contemporânea. É de se arrepender, contudo, que a consolidação das aquisições de Schoenberg e Stravinsky, correntemente em voga, não tenham produzido nenhum cogumelo novo. Os micologistas estão conscientes que na atual abundância de fungos, assim como temos, o perigoso Amanitas tem um grande papel. Não deveriam dirigentes de programação, e amantes da música em geral, os meses quentes vir, mostrar alguma prudência? Fiquei encantado no último Outono (pois os efeitos do Verão protelam, viz. Donaueschingen, C.D.M.I., etc.) não apenas revisitar em Paris meu amigo o compositor Pierre Boulez, rue Beautreillis, mas também ir à Exposição do Champignon, rua de Buffon. Uma semana mais tarde em Colonha, de meu ponto vantajoso em uma cabine de controle cercade de vidro, percebi uma audiência cochilante, atirando, como era, preocupações ao vento, embora presentes a um programa de emissão por alto-falantes de Elektronische Musik. E\Não pude conter de relembrar a atenção presa a outros alto-falantes, rue de Buffon, que entregavam naquela hora uma palestra descrevendo cogumelos mortalmente venenosos e os meios de sua identificação. Mas chega da cena musical contemporânea; ela está bem agora. Mais importante é determinar quais os problemas confrontando os cogumelos contemporâneos. Para começar, proponho que deva ser determinado quais sons melhoram o crescimento de quais cogumelos; sej estes últimos não produzem sons eles mesmos; se a lamela de certos cogumelos são empregados por insetos de apropriadamente asas pequenas para a produção de pizzicati e os tubos do Boleti por estridente minuto de vento tornados instrumentos de sopro; se os espóros, que em tamanho e forma são extraordinariamente variados, e em número incontáveis, não produzem sonoridades como as de gamelão em contato com a terra; e finalmente, se todas essas atividades empreendedoras que suspeito existirem delicadamente, não poderiam, através de ferramentas tecnológicas, serem, amplificadas e exaltadas, em nossos teatros com o resultado em rede de fazermos nosso entretenimento mais interessante. Que explosão isto seria para a indústria fonográfica (agora parte da sexta maior da América) se ela conseguisse mostrar que a performance, enquanto à mesa, de um LP do Quarteto Opus Tal-e-Tal de Beethoven altera de tal maneira a natureza química do Amanita muscaria de forma a torná-lo ambos digerível e delicioso!

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A fim de que eu não seja considerado frívolo e cabeça-oca e , pior ainda, um "impurista" por haver trazido à tona o casamento do fungoso com Eutérpia, observo que compositores estão continuamente misturando música com alguma outra coisa. Karlheinz Stockhausen está claramente interessado em música e prestidigitação, construindo como faz "estruturas globais", que podem ser úteis apenas quando atiradas ao ar; enquanto meu amigo Pierre Boulez, como revelou em um recente artigo (Nouvelle Revue Française, Novembro de 1954), está interessado em música e parênteses e itálicos! Esta combinação de interesses me parece excessivo em números. Eu prefiro minha própria escolha pelos cogumelos. Além do mais eles são vanguarda. Eu gastei muitas horas agradáveis nos bosques conduzindo performances de minha peça silenciosa, transcrições, isto é, para uma audiência de mim mesmo, já que eram bem mais longas que a duração popular que eu publiquei. Em uma performance, eu passei o primeiro movimento tentando identificar um cogumelo que permaneceu com sucesso não identificado. O segundo movimento foi extremamente dramático, começando com os sons de um bode e o salto de uma corça para menos de meio metro de meu pódio rochoso. A expressividade deste movimento não foi apenas dramático mas inusitadamente triste de meu ponto de vista, pois os animais estava simppesmente assustados porque eu era um ser humano. De qualquer maneira, eles sairam sem hesitação e concordantes com a estrutura da obra. O terceiro movimento foi um retorno ao tema do primeiro, mas com todas aquelas profundas, tão bem conhecidas alterações de sensação do mundo associadas pela tradição alemã com o A-B-A.

No espaço restante, eu gostaria de enfatizar que eu não estou interessado com os relacionamentos entre sons e cogumelos mais do que estou naqueles entre sons e outros sons. Estes envolveriam uma introdução da lógica que não só não tem lugar neste mundo, mas consomem tempo. Existimos em uma situação que demanda grande determinação como posso testemunhar, desde que recentemente fui hospitalizado após ter cozinhado e comido experimentalmente um punhado de Spathyema foetida, comumente conhecida como repolho gambá. Minha pressão sanguínea caiu a cinquenta, meu estômago inchou, etc. Interessa-nos daqui por diante ver cada coisa diretamente como ela é, seja o som de um flautim ou o elegante Lepiota procera.

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Música Experimental: Doutrina

Este artigo, então entitulado Música Experimental, apareceu pela primeira vez nas edições de Junho de 1955 das revistas The Score e I.M.A. de Londres. A inclusão de um diálogo entre um professor descompromissado e um estudante não iluminado, e a adição da palavra "doutrina" ao título original, são referências à Doutrina da Mente Universal de Huang-Po.

Objeções são às vezes feitas por compositores ao uso do termo experimental como descritivo de seus trabalhos, pois clama-se que quaisquer experimentos que sejam feitos precedam os passos que são finalmente tomados com determinação, e que esta determinação é consciente, tendo de fato uma particular, se inconvencional, ordenação dos elementos usados. Estas objeções são claramente justificáveis, mas somente onde, como junto às evidências contemporâneas em música serial, permance uma questão de fazer algo nos limites, estrutura, e expressão de qual atenção é focada. Onde, por outro lado, a atenção se move em direção à observação e audição de muitas coisas ao mesmo tempo, incluindo aquelas que são ambientais, torna-se - isto é, incluindo ao invés de excluindo - não uma questão de feitura, no sentido de formar estruturas compreensíveis, pode-se surgir (é-se turista), e aqui a palavra "experimental" está apta, provendo-a é sabido não enquanto descrição de um ato a ser julgado posteriormente em termos de sucesso e falha, mas simplesmente como de um ato do qual o resultado é desconhecido. Que foi determinado? Pois, quando, depois de alguém convencer-se ignorantemente que o som tem, como seu oposto claramente definido, o silêncio, que desde que a duração é a única característica do som mensurável em termos de silêncio, e portanto qualquer estrutura válida envolvendo sons e silêncios deveria basear-se, não como o tradicional ocidentalmente, em freqüência, mas diretamente na duração, este mesmo alguém entra em uma câmara anecóica, tão silenciosa quanto o tecnologicamente possível em 1951, para descobrir que carrega dois sons de sua própria criação não-intencional (operação sistemática dos nervos, circulação sangüínea), a situação que este alguém claramente está não é objetiva (som-silêncio), mas subjetiva (sons apenas), aqueles intencionais e aqueles outros (assim chamados silêncio) não intencionais. Se, neste ponto, diz, "Sim! Eu não descrimino entre intenção e não-intenção", as divisões, sujeito-objeto, arte-vida, etc., desaparecem, uma identificação foi feita com o material, e ações são então aquelas relevantes à sua natureza, i.e.: Um som não se vê como pensamento, como necessário, como precisando de outro som para sua elucidação, como etc.; não tem tempo para nenhuma consideração - está ocupado com a performance de suas características: antes que morra deve ter feito perfeitamente sua freqüência, sua intensidade, sua duração, sua estrutura sobretonal, a precisa morfologia destes e de si mesmo. Urgente, único, desinformado sobre a história e teoria, além da imaginação, central a uma esfera sem superfície, seu tornar-se é desimpedido, transmitido energeticamente. Não há fuga de suas ações. Não existe enquanto um passo de uma série discreta, mas enquanto transmissão em todas as direções do centro do campo. É inextrincavelmente sincronizado com todos os outro, sons, não-sons, que mais tarde, recebidos por outros aparelhos que não o ouvido, operarão da mesma maneira. Um som não conclui nada; sem ele a vida não duraria o instante. A ação relevante é teatral (música [separação imaginária da escuta dos outros sentidos] não existe), inclusiva e intencionalmente sem propósito. Teatro é continuamente tornar-se o que está a tornar-se; cada ser humano está no melhor ponto para recepção. Respostas relevantes (levantar-se de manhã e descobrir-se músico) (ação, arte) podem ser feitos com qualquer número (incluindo nenhum [nenhum e número, como silêncio e música, são irreais]) de sons. O mínimo automático (veja acima) é dois. Você é surdo (por natureza, escolha, desejo) ou você consegue ouvir (externos, tímpanos, labirintos na cachola)? Além deles (ouvidos) está o poder de descriminação que, junto de outras ações confusas, fracamente separa (abstração), ineficientemente estabelece como não sofredora de alterações (a "obra"), e desqualificadamente protege de interrupção

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(museu, sala de concertos) o que germina, elástico, espontâneo, rejunta de novo com um extrapolar daquele poder que é fluente (move afora ou adentro), engravida (pode aparecer quando onde e como quaquer [rosa, prego, constelação, 485.73482 ciclos por segundo, peça de cordas]), relacionado (isto é você você mesmo na forma que tiver tomado naquele instante), obscuro (você nunca estará apto a dar um esclarecimento satisfatório nem mesmo para si do que aconteceu exatamente). Em vista, então, da uma totalidade de possibilidades, nenhuma ação conhecida é comensuração, posto que o caráter do conhecimento agiu sobre proibindo tudo exceto algumas eventualidades. De uma posição realista, tal ação, embora cautelosa, esperançosa, e geralmente internalizada, é incabível. Uma ação experimental, gerada por uma mente tão vazia quanto antes de se tornar uma, embora de acordo com a possibilidade de não importa que, é, por outro lado, prática. Não se move em termos de aproximações e erros, enquanto ação "informada" por sua natureza deve, pois nenhuma imagem mental do que poderia acontecer foi acertada de antemão; vê as coisas diretamente como elas são: impermanentemente envolvidas em um infinito jogo de interpretações. Música experimental - PERGUNTA: -nos E.U.A., se quiser. Seja mais específico. O que você tem a dizer sobre ritmo? Concordemos que não é mais uma questão de padrão, repetição e variação. RESPOSTA: Não há necessidade para tal acordo. Padrões, repetições, e variações irão surgir e desaparecer. Porém, ritmo é durações de qualquer tamanho coexistindo em qualquer estado de sucessão e sincronicidade. Os mais novos são mais vivos, na maioria mudando imprevisivelmente quando as partes não são fixadas por uma partitura mas são deixadas independentes umas das outras, não há duas performances competindo pelas mesmas durações resultantes. O anterior, sucessão, mais viva quando ( como nas Intesecções de Morton Feldman) não está fizada mas apresentada em forma-situação, entradas sendo possíveis em qualquer ponto de uma dada duração. - Notação de durações é no espaço, leitura enquanto correspondente ao tempo, necessitando de nenhuma leitura no caso da fita magnética. PERGUNTA: E sobre vários tocadores ao mesmo tempo, uma orquestra? RESPOSTA: Você insiste no fato de eles estarem juntos? Então use, como Earle Brown sugere, uma imagem em movimento da partitura, visível a todos, uma linha vertical estática enquanto coordenadora, através da qual as notações se movem. Se você não tem uma união particular em mente, há cronômetros. Use-os. PERGUNTA: Notei que você escreve durações que estão além da possibilidade de performance. RESPOSTA: Composição é uma coisa, performance é outra, escuta é uma terceira. O que poderiam ter ver umas com as outras? PERGUNTA: E sobre alturas? RESPOSTA: É verdade. A música está continuamente subindo e descendo, mas não mais apenas em passos marcados, cinco, sete, doze em números, ou os quartos de tom. Alturas não são uma questão de gostar e não-gostar (te falei sobre o diagrama que Schillinger estendeu em sua parede próxima ao teto: todas as escalas, Oriental e Ocidental, que eram de uso comum, cada qual em sua própria cor fixada, nenhuma delas idêntica com, uma preta, quanto mais nova a escala pudesse ter sido fisicamente mais se baseava nas séries supratonais) exceto por músicos em ruts; em face dos hábitos, que fazer? A fita magnética abre a porta provendo que não se pode fechar imediatamente pela invenção de uma fonogenia, ou de outra maneira pelo seu uso enquanto recordação ou extensão das possibilidades conhecidas da música. Introduzindo o desconhecido com tal precisa clareza que qualquer um tem a oportunidade de ter ses hábitos explodidos como poeira. - Para este propósito o piano preparado é útil, especialmente em suas formas recentes onde, pela alteração durante uma performance, uma gama em outra circunstância estática se torna mutável. Instrumentos de cordas (não instrumentistas de cordas) são muito instrutivos, vozes também; e ainda que sentando em qualquer lugar (o estereofônico, modo de operação dos múltiplos-alto-falantes das produções de som e ruído cotidianas) escutando...

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PERGUNTA: Eu entendo que Feldman divida as alturas em altos, médios e baixos, e simplesmente indicando como muitas em um dado alcance devam ser tocadas deixando a escolha para o executante. RESPOSTA: Correto. Isto é dizer, ele costumava às vezes fazer isso; Não tenho visto-o ultimamente. É essencial lembrar sua notação de vibrações super- e sub-sônicas (Intersecções Marginais No. I). PERGUNTA: Isto é, não há divisões de "canvas" ou "frame" a serem observadas? RESPOSTA: Ao contrário, você deve dar atenção minuciosa a tudo.

* * *

PERGUNTA: E timbre? RESPOSTA: Sem dúvida do vem a seguir. Indo contente "através de uma situação com muitos empecilhos". Você já ouviu uma orquestra sinfônica?

* * *

PERGUNTA: Dinâmicas? RESPOSTA: Estas resultam do que acontece ativamente (física-, mecânica-, eletronicamente) na produção de um som. Você não vai encontrar isto nos livros. Anote isto. Tão barulhento quanto pode: "Siga as linhas gerais da vida de Cristo". PERGUNTA: Te pergutei sore as várias características de um som; como, agora, você pode fazer uma continuação, já que percebo que sua intenção é sem intenção? A memória, psicologia - RESPOSTA: "-nunca mais." PERGUNTA: Como? RESPOSTA: Christian Wolff introduzio ações espaciais em seu processo composicional em variação com as ações executadas susequentemente no tempo. Earle Brown devised um procedimento composicional no qual eventos, seguindo tabelas de números randômicos, são escritos fora de sequência, possivelmente em qualquer lugar de um total de tempo agora e possivelmente em qualquer outro lugar do mesmo total de tempo depois. Eu uso operações de chance, alguns derivados do I Ching, outro da observação de imperfeições no papel sobre o qual eu esteja escrevendo. Sua resposta: não pensando sobre o assunto. PERGUNTA: Isto é atemático? RESPOSTA: Quem disse algo sobre temas? Não é uma questão de ter algo a dizer. PERGUNTA: Então qual o propósito desta música "experimental"? RESPOSTA: Sem propósitos. Sons. PERGUNTA: Por que se importar, já que, como você apontou, sons estão continuamente acontecendo quer os produzamos ou não? RESPOSTA: O que você disse? Eu ainda estou... PERGUNTA: Eu quero dizer - Mas isto é ainda música?

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RESPOSTA: Ah! Você gosta de sons afinal quando eles são feitos de vogais e consoantes. Você é slow-witted, pois nunca trouxe sua mente à locação da urgência. Você precisa de mim ou de outrém para te segurar? Por que você não compreende como eu o faço que nada é concluído em escrever, tocar ou ouvir música? De outra maneira, surdo como uma porta, você nunca estará apto a carregar nada, mesmo o que estiver bem dentro da sua orelha. PERGUNTA: Mas, seriamente, se isto é o que a música é, eu poderia escrevê-la tão bem quanto você. RESPOSTA: Eu disse alguma coisa que o levasse a crer que eu o acho estúpido?

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NESTE DIA...

Neste dia de lares escurecidos sob tevês, uma performance viva e ao vivo se tornou algo de uma raridade, tanto que Aaron Copland disse recentemente que um concerto é uma coisa do passado. Todavia, eu gostaria de dizer umas poucas palavras a respeito da nova direção tomada pelas nossas companias de dançarinos e músicos. Embora algumas das danças e músicas sejam facilmente apreciadas, outras deixam certas pessoas perplexas, pois não se desenrolam por linhas convencionais. Por um motivo, há uma independência de música e dança, que, se observa-se de perto, está presente também nas obras aparentemente usuais. Esta independência segue da fé do Sr. Cunningham, a qual dividimos, de que o suporte da dança não seja a música mas no dançarino mesmo, sobre suas duas pernas, bem, ocasionalmente em uma só. Assim como a música às vezes consiste de sons ou grupos de sons sem suporte da harmonia mas ressoantes dentro a um espaço de silêncio. Desta independência de música e dança um ritmo resulta que não aquele galopar de cavalos ou outra batida regular mas um ritmo que nos lembra de uma multiplicidade de eventos no tempo e espaço - estrelas, por exemplo, no céu, ou atividades na terra vistas do ar.

Não somos, nestas danças e músicas, dizendo algo. Somos mentes simples o bastante para pensar que se estivéssemos dizendo algo estaríamos usando palavras. Estamos preferivelmente fazendo algo. O significado do que fazemos é determinado por quem o vê ou ouve. Em uma recente perfomance nossa no colégio Cornell em Iowa, um estudante se dirigiu a um professor e disse, "O que significa isto?" A resposta do professor foi, "Relaxe, não há símbolos aqui para confundí-lo. Aproveite-se!" Posso adicionar que não há histórias nem problemas psicológicos. São apenas atividades e movimentos, sons e luz. Os figurinos são todos simples de modo que você possa ver o movimento.

O movimento é o movimento do corpo. É aí que o Sr. Cunningham foca sua atenção coreográfica, não nos músculos faciais. Na vida cotidiana as pessoas costumeiramente observam faces e gestos manuais, traduzindo o que vêem em termos psicológicos. Aqui, porém, estamos na presença de uma dança que utiliza todo o corpo, demandando para sua apreciação o uso de suas faculdades de simpatia quinética. É esta faculdade que empregamos quando, vendo pássaros voando, nós mesmos, por identificação, voamos, deslizamos e planamos.

A atividade de movimento, som, e luz, acreditamos, é expressivo, mas o que expressa é determinado por cada um - que estão certos, como no título de Pirandello, se ele assim se pensar.

A narrativa de nosso trabalho deriva então de nossa mudança para longe das questões meramente concernentes ao particular humano em direção ao mundo natural e social do qual todos fazemos parte. Nossa intenção é a de afirmar a vida, não para trazer ordem do caos nem sugerir implementos à criação, mas simplesmente despertar para a vida que estamos vivendo, que é tão escelente depois que se pega seus pensamentos e desejos da frente do caminho e os deixa agir de acordo consigo mesmos.

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Quando Vera Williams notou pela primeira vez que eu estava interessado em cogumelos selvagens, ela disse a seus filhos que ão encostassem em nenhum porque eles eram todos mortiferamente venenosos. Alguns dias depois ela comprou um churrasco no Martino e decidiu serví-los defumados com cogumelos. Quando ela começou a cozinhar os cogumelos, as crianças pararam seja lá o que estavam fazendo e a observaram atenciosamente. Quando ela serviu o jantar, eles todos desabaram em lágrimas

Um dia eu fui ao dentista. No rádio eles diziam que era o dia mais quente do ano.De qualquer maneira,

eu estava vestindo uma jaqueta, porque ir ao médio de alguma maneira sempre me deixou impactou como uma ocasião formal. No meio de seu trabalho, o Dr. Heyman parou e disse, "Por que você não tira sua jaqueta?" Eu dise, "Eu tenho um furo em minha camiseta e por isto estou com minha jaqueta vestida." Ele disse, "Bem, eu tenho um furo em minha meia e, se você quiser, eu tiro meus sapatos."

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Este artigo apareceu pela primeira vez na edição de Março de 1949 da The Tiger's Eye, um icado editado por Ruth e John Stephan da Rua Bleecker em Nova Iorque. Foi traduzida para o francês por Frederick Goldbck, que trocou o título para Raison d'êtr de la musique moderne. Este foi pu em Contrepoints (Paris) mais tarde no mesmo ano.

PROGNÓSTICOS DA MÚSICA MODERNA O propósito da música

A Música é edificante, pois de tempo em tempo ela põe a alma em operação. A alma é o reunidor de elementos díspares(Meister Eckhart), e seu trabalho preenche-nos com paz e amor.

Definições Estrutura na música é sua divisibilidade em partes sucessivas de frases a seções longas. Forma é conteúdo, a continuidade. Método são os meios de controlar a continuidade de nota a nota. O material da música é som e silêncio. Integrar estes é compor.

Estratégia Estrutura é propriamente controlada pela mente. Ambas deliciam em precisão, clareza, e as regras de observação. Considerando que a forma quer só liberdade para existir. Pertence ao coração; e a lei que observa, se de fato se submeta a alguma, nunca foi e nunca será escrita.5 O método pode ser planejado ou improvisado (não faz diferença: em um caso, a ênfase se move em direção ao pensamento, no outro em direção ao sentimento; uma peça para rádio enquanto instrumentos deixaria a questão do métodos ao acidente). Igualmente, o material pode ou não ser controlado, como se escolher. Normalmente a escolha de sons é determinada pelo que é agradável e atrativo à audição: degustação em dar ou receber dor sendo um indicativo de doença.

Refrão Atividades envolvendo num processo único os muitos, tornando-os, muito embora alguns os vejam enquanto opostos, em direção à unidade, contribui a um bom modo de vida.

A trama densifica Quando perguntado por quê, Deus sendo bom, havia ainda mal no mundo, Sri

Ramakrishna disse: Para densificar a trama. O aspecto da composição que pode propriamente ser discutida tendo em vista o fim de uma concordância generalizada é a estrutura, pois esta é destituída de mistério. A análise está em casa aqui. A escola ensina a criação de estruturas por meios da harmonia clássica. Fora da escola, porém (ex., Satie e Webern), um modo estruturante diferente e correto6 reaparece: um baseado nas durações de tempo.7.8

No Oriente as estruturas harmônicas são tradicionalmente desconhecidas, e desconhecidas conosco em nossa cultura pré-Renascença. Estruturação harmônica é um fenômeno ocidental recente, desde o século passado em um processo de desintegração.9

A atonalidade 10 aconteceu

5 Qualquer tentativa de excluir o "irracional" é irracional. Qualquer estratégia de composição que seja totalmente "racional" é irracional ao extremo. 6 O som tem quatro características: altura, timbre, intensidade e duração. O coexistente necessário e oposto ao som é o silêncio. Das quatro características do som, apenas a duração envolve tanto o som como o silêncio. Assim, um estrutura baseada em durações (rítmica: frase, tamanhos temporais) é correta (corresponde com a natureza do material) considerando que estruturas harmônicas são incorretas (derivadas das alturas, ausentes no silêncio). 7 Isto nunca desapareceu do jazz e da música folclórica. Por outro lado, tampouco nelas se desenvolveu, pois não são espécies cultivadas, crescendo melhor quando deixadas selvagens. 8 Tala é baseada na pulsação, a estrutura rítmica ocidental em fraseologia. 9 Para uma interessante e detalhada prova disto ver o livre de Casella sobre cadência.

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A desintegração das estruturas harmônicas é comumente conhecida como atonalidade. Tudo que isto significa é que dois elementos decessário na estrutura harmônica - a cadência, e os modos de modulação - perderam suas margens. Cada vez mais, se tornaram ambíguos, considerando que sua própria existência enquanto elementos estruturais demanda-lhes clareza (unidade referencial). A atonalidade é simplesmente o mantenimento de um estado tonal ambíguo dos afazeres. O problema de um compositor em um mundo musical neste estado é o de prover outros modos de estruturação,11 assim como em uma cidade bombardeada a oportunidade de construir de novo existe.12 Deste modo se encontra coragem e um senso de necessidade.

Interlúdio (Meister Eckhart) "Mas deve-se alcançar esta consciência do não-eu por meios do conhecimento transformado. Esta ignorância não vem da falta de conhecimento mas ao contrário ela vem do conhecimento de que se pode alcançá-la. Então devemos nos informar pela divina inconsciência e nesta nossa ignorância será enobrecida e adornada com o conhecimento sobrenatural. É por este fato que somos aperfeiçoados pelo que nos acontece e não pelo que fazemos."

Aleatoriamente A música significa nada enquanto uma coisa. Um trabalho finalizado é exatamente isto, requer ressurreição. A responsabilidade do artista consiste em aperfeiçoar seu trabalho de modo a que ele possa se tornar atrativamente desinteressante. É melhor fazer uma peça musical do que executar uma, melhor executar que ouvir uma, melhor ouvir que usá-la como meio de distração, entretenimento, ou aquisição de "cultura." Use quaisquer meios para evitar ser um gênio, todos para se tornar um. O contraponto é bom? "A alma é tão simples que não consegue ter mais de uma idéia por vez de nada... Uma pessoa não consegue ser mais que única em atenção." (Eckhart) Antes de fazer uma estrutura por meios rítmicos, é preciso decidir o que é ritmo.

Isto poderia ser uma decisão difícil de tomar se a questão fôsse formal (expressivo) ou tivesse a ver com método (procedimento ponto a ponto); mas desde que a questão é estrutural (a ver com a divisibilidade de uma composição em partes grandes e pequenas), a decisão é facilmente alcançada: o ritmo na instância estrutural são os relacionamentos de durações temporais.13 Tais assuntos, então, como acentos dentro ou fora da batida, recorrentes ou não, pulsações com ou sem acento, constantes ou inconstantes, durações concebidas por um motivo (sejam estáticas ou variadas), são questões para uso (expressão) formal, ou, se raciocinados, considerados enquanto material (em seu aspercto "textural") ou enquanto método possível. No caso de um ano, estruturas rítmicas são uma questão de estações, meses, semanas, e dias. Outras durações de tempo como as tomada de uma chama ou a da execução de uma peça musical ocorrem acidentalmente ou livremente sem reconhecimento explícito de uma ordem que englobe tudo, mas de qualquer maneira, necessariemente dentro a esta ordem. Coincidências de eventos livres

10 O termo "atonalidade" não faz sentido. Schoenberg substitui por "pantonalidade", Lou Harrison (para mim o melhor termo) "proto-tonalidade." Este último termo sugere o que de fato é o caso: presente mesmo em uma multiplicidade de notas (ou melhor, de sons[de maneira a incluir ruídos]), é uma gravidade, original e natural, "proto," para aquela situação particular. A composição elementar consiste em descobrir o território dos sons empregados e então deixar a vida acontecer em ambos, no céu e na terra. 11 Nem Schoenberg nem Stravinsky fizeram isto. A série de doze notas não oferece um modo estrutural; ela é um método, um controle, não das partes, pequenas e grandes, de uma composição, mas apenas do minuto, procedimento nota-a-nota. Ele usurpa o lugar do contraponto, que como Carl Ruggles, Lou Harrison e Merton Brown mostraram, é perfeitamente capaz de funcionar em uma situação cromática. O Neoclassicismo, ao reverter ao passado, evita, ao recusar a reconhecer, que a necessidade contemporânea por outra estrutura, dá um novo olhar à harmonia estrutural. Isto automaticamente priva-o do sentido de aventura, essencial à ação criativa. 12 A série de doze notas oferece tijolos mas nenhum plano. Os neoclassicistas aconselham a construir como era antes, mas ornados de acordo com a moda. 13 Medida é literalmente medida - nada mais, por exemplo, que o centímetro de uma régua - muito embora permita a existência de quaisquer durações, quaisquer relações de amplitude (compasso, acento), qualquer silêncio.

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com pontos de tempo estruturais têm um caráter luminoso especial, por que a natureza paradoxal da verdade se mostra aparente nestes instantes. A cesura por outro lado é expressiva da independência (acidental ou desejada) da liberdade da lei, da lei da liberdade.

Reinvidicação Quailquer som de qualquer qualidade e altura (conhecido ou desconhecido, definido ou indefinido), qualquer contexto desses, simples ou múltiplo, são naturais e concebíveis dentro a uma estrutura rítmica que englobe igualmente ao silêncio. Tais reinvidicações são notavelmente como as reinvidicações encontradas nas especificações de patentes para e artigos sobre meios tecnológico-musicais (veja edições antigas da Modern Music e do Jornal da Sociedade Acústica da América). Da divergência de pontos iniciais, em direção possivelmente metas distintas, tecnólogos e artistas (aparentemente por acidente) se encontram por intersecção, ficando a par do de outra maneira incognoscível (conjunção do dentro com o fora), imaginando brilhantemente uma meta comum no mundo e na quietude dentro a cada ser humano.

Por exemplo: Mesmo a arte enquanto pintura com areia (arte para o momento-agora14 ao invés de para os museus das civilizações porvir) se torna um ponto de vista seguro, trabalhadores aventureiros no campo da música sintética (ex. Norman McLaren) descobrem que por razões práticas e econômicas trabalhar com fitas magnéticas (qualquer música assim feita pode ser rapidamente e facilmente apagada) é preferível a trabalhar com filme.15 O uso de aparelhagem eletrônica16 requer a colaboração próxima e anônima de um número de trabalhadores. Nós estamos no ponto de nos tornarmos em uma situação cultural,17 se haver feito qualquer esforço especial para estarmos em uma18 (se se consegue descontar a lamentação). O caminho dentro-do-coração da música leva agora ao auto-conhecimento através da auto-negação, e seu caminho dentro-do-mundo leva do mesmo modo à abnegação.19 As alturas alcançadas por um simples indivíduo em momentos especiais podem provavelmente ser logo densamente populadas.20

14 Esta é a natureza mesma da dança, da música performática, ou de qualquer outra arte que requeira performance (por esta razão, o termo "pintura com areia" é usado: há uma tendência na pintura (pigmentos permanentes), como na poesia (impressão, encadernação), de assegurar na coisidão de uma obra, e assim de sobreolhar, e pôr obstáculos insuperáveis no caminho de, êxtase instantâneo.) 15 Vinte e quatro ou n quadros por segundo é o "quadro" no qual esta música é escrita;embora, de um modo bem óbvio, o material mesmo desmonstra em si mesmo a necessidade de estrutura temporal (rítmica). Com meios magnéticos, liberdade do modro de quadro fílmico existe, mas o princípio de estrutura rítmica deveria se manter como, na geometria, um teorema mais elementar permanece enquanto uma premisa necessária à obtenção daquelas mais avançadas. 16 "Eu quero ser não mais que recém nascido, de nada sabendo, absolutamente nada sobre Europa" (Paul Klee) 17 Repleta de novas salas de concerto: as salas de cinema (esvaziadas pelos fãs dos televisores caseiros, e demasiado numerosos para uma Hollywood cuja única alternativa é a "seriedade"). 18 A pintura se tornando literalmente (atualmente) realista - (este é o século vinte) vista de cima, a terra, coberta de neve, uma composição de ordem superimposta na "espontaneidade"(Cummings) ou dos mais recentes deixar a ordem ser (de cima, tão juntos, tão opostos, eles fundem) (tem de se apenas voar [auto-estradas e topografias, Milarepa, Henry Ford] para saber) - automaticamente se alcança o mesmo ponto (passo a passo) que a alma num salto. 19 Os pais mães heróis santos da ordem mitológica, só trabalham quando se encontram concedem (cf. The King and the Corpse, por Heinrich Zimmer, editado por Joseph Campbell). 20 N.T. "Sattellite's gone up to the sky, soon it will be filled with parking lots" (Lou Reed)