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Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Facinter Ano III Número 11 Curitiba, maio de 2011 MARCO ZERO p. 6 e 7 Um bate papo descontraído com Geraldo Magela, consta e poeta heterogêneo As mocinhas da cidade são bonitas e dançam bem.” A história da fonte que homenageia Nhô Belarmino e Nhá Gabriela Sob o signo do abandono Falta de segurança no centro e “mocós” fazem com que a população escolha outros lugares para morar Poeta curitibano das Gerais Uma dupla que encantou o Brasil Divulgação Divulgação Divulgação Alexsandro Teixeira Osvaldo Soares

Jornal Marco Zero 11

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Jornal Marco Zero 11

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Page 1: Jornal Marco Zero 11

Curitiba, maio de 2011 MARCO ZERO 1

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Facinter • Ano III • Número 11 • Curitiba, maio de 2011

MARCO ZERO

p. 6 e 7

Um bate papo descontraído com Geraldo Magela, conti sta e poeta heterogêneo

“As mocinhas da cidade são bonitas e dançam bem.” A história da fonte que homenageia Nhô Belarmino e Nhá Gabriela

Sob o signo do abandono

p. 6 e 7p. 6 e 7

Falta de segurança no centro e “mocós” fazem com que a população escolha outros lugares para morar

Poeta curitibano das Gerais

Uma dupla que encantouo Brasil

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MARCO ZERO Curitiba, maio de 20112

EDITORIAL

Esta edição do Marco Zero revela ín-dices que mostram que está crescendo a quantidade de pessoas que optam

por trocar a comodidade do centro da cidade por bairros residenciais que, segundo estatís-ticas, são mais seguros. Reportagem mostra a quantidade enorme de imóveis abandonados no centro, muitos dos quais são usados para tráfico e drogas e abrigo de viciados, e aponta quais as soluções propostas para acabar com os chamados “mocós”.

Além do abandono de imóveis no centro da cidade, esta edição confere o descaso público com o IML, que, depois de quatro meses de um escândalo e com uma nova diretoria, continua com atendimento precário à comunidade.

Também nesta edição, uma entrevista com Michael Genofre, pai da menina Rachel, encon-trada morta na Rodoferroviária de Curitiba em uma mala, há quase três anos, um mistério que ainda não teve solução. Ele fala sobre sobre a re-gião onde a menina desapareceu e quais as atitu-des que a polícia tomou para desvendar o caso.

Veja ainda uma matéria sobre os peri-gos a que estão expostos, no centro da capital, os idosos, principal alvo de assaltantes e de-linquentes, e o desrespeito aos mais velhos no transporte público, que os obriga a passar por situações humilhantes e embaraçosas.

Assim está o Marco Zero deste mês, como o número desta edição: 11, mais que 10! Variado e com muito cont,eúdo, preparado es-pecialmente para você! Boa Leitura!

Expediente

ARTIGO

O jornal Marco Zero é umapublicação feita pelos alunos doCurso de Jornalismo da Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter)

Coordenador do Cursode Comunicação Social:Tomás Eon Barreiros

Professores Responsáveis:Roberto NicolatoTomás Eon Barreiros

Editores:Andressa MaltacaJoão Gabriel PereiraNatali CarliniPriscilla da CostaSuzayne Machado

Diagramação: André Halmata (7º período)Edno Junior (7º período) Facinter: Rua do Rosário, 147CEP 80010-110 • Curitiba-PRE-mail: [email protected] Telefones: 2102-7953 e 2102-7954.

Suzayne Machado

André Vinícius

Você acha que o novo biarticulado vai ajudar a “desafogar” o trânsito de Curitiba?

“Não, porque na verdade ele só vai transportar um maior número de pessoas, mas o trânsito continuará.”Mauricío Ricardo, 30,promotor de eventos

“Não, a desafogar não, mas creio que pelo menos irá transportar com mais comodidade os passageiros. E é claro que com uma comodidade merecida, porque o valor da passagem de ônibus está absurdo.”Isaias da Silva Machado,28, terapeuta ocupacional

“Sim. Não por completo, é claro, mas pelo novo biarticulado ser bem maior e por consequência transportar mais pessoas, talvez a frota de ônibus menores diminua, e com isso o trânsito em horário de pico passe a ser mais acelerado.”Paloma Souza Manfroy,22, estudante de Pedagogia

“Não, porque o trânsito de Curitiba já esta caótico, não cabe mais veículo nenhum nas ruas, principalmente em horário de pico, e a cidade ainda recebe um ônibus maior. Para mim, vai piorar.”Guilherme Reis, 26, taxista

“Não, acredito que não vai resolver muito. Não que a ideia do novo biarticulado seja ruim, mas é que Curitiba não é uma cidade projetada para um número grande de veículos, principalmente de um ligeirão.”Mirian Izidoro Torres,35, ambientalista

“Sim, pelo menos em boa parte. A cidade de Curitiba estava mesmo precisando de um novo veículo de impacto e de maior conforto.”Joanna Glasly, 20, estudantede Ciências Contábeis

Os demônios do IML

Não apenas de escândalos na Assembleia Legislativa vive o notici-ário sensacionalista do estado. Outra das polêmicas atuais é a que envolve o Instituto Médico Legal (IML), situado na Av. Visconde de Guarapuava, no centro de Curitiba. Instituído no Paraná em setembro de 1899 e subordinado à Secretaria de Estado da Segurança Pública, o IML é teoricamente respon-sável por serviços como necropsia, exames laboratoriais, embalsamentos e testes de conjunção carnal e sanida-de física e mental.

O órgão também abriga um mu-seu, atraente para acadêmicos das áre-as de Medicina, Enfermagem e Direito, entre outras. Evidentemente, o recolhi-mento e a organização de cadáveres também são incumbências do IML.

Não é uma tarefa simples. A atu-ação do Instituto deve ser a mais ilibada e séria possível. Não se trata apenas de ossos, san-gue e vísceras amarfa-nhados, mas de espíritos que um dia ocuparam um corpo. Alguém que estava conosco, porém, agora, não deixou mais do que lem-branças e saudades.

Estamos nos referindo a seme-lhantes, muitas vezes ceifados pela violência, esse galopante alazão do Apocalipse, um cavalo agourento responsável por interromper planos, alimentar vinganças e sustentar me-lancolias.

Oh, aquele jovem estudante, ou aquela bela menina... Quanto vi-gor, quanta mocidade, quanto talento! Quantos pais, mães, tios, avós não estiveram esperançosos por um futuro promissor para seus rebentos? Entre-tanto, tudo o que veem agora é um cor-po inerte dilacerado em um logradouro qualquer! Talvez um acidente de trân-sito, bala perdida, briga ou estupro?

Não importa. Em meio à angús-tia, não há muito que ser feito, a não ser providenciar um funeral. A dor é in-tensa. A perda, irreparável. Os sonhos, esmigalhados por uma fatalidade. A família reza junto ao caixão. Ele será aberto pela última vez antes de ser en-

tregue a um cemitério para que sejam feitas as despedidas. Mas, então, o ataúde não traz os restos mortais cor-retos! O cadáver não era o esperado! Sim, houve uma troca.

O IML se equivocou e colocou o “presunto” errado no “pão” errado! “Meu Deus, onde estará meu filho(a)”, desespera-se a mãe. Àquela altura, o corpo de sua eterna criança talvez esteja entulhado junto a dezenas de outros desconhecidos, dentro de uma câmara frigorífica, tal qual pedaços de vitelo. Seu sangue, misturado a dife-rentes tipos e tons, jaz absorvido por um vulgar pano de chão, torcido ao encharcar-se.

Ou seja, na realidade, seus gló-bulos brancos e vermelhos podem estar navegando na rede pluvial da cidade. Ela pode estar sem cabeça ou membros, não necessariamente pela gravidade do acidente, mas porque

seu cadáver foi jogado para dentro da grande geladeira. Isso, claro, se o corpo estiver realmen-te lá! Por quanto tempo terá que aguardar uma família enlutada e, agora, aterrorizada com tama-nha desestruturação?

O exemplo acima poderia ter sido extraído de um livro do escritor russo Fiodor Dostoievski. Entretanto, é o mais puro retrato da lamentável administra-ção que conduziu o Instituto Médico Legal à atual decadência.

No começo de abril, o portal IG Paraná divulgou que uma mãe preci-sou esperar quatro meses para conse-guir enterrar seu filho, devido a supos-tos problemas com o exame de DNA. Essa senhora certamente está enfren-tando um sufocante vexame, somado à incrível dor proporcionada pela mor-te de um herdeiro.

Quatro meses, vejam só... Cer-ca de 120 dias chorando pelo filho e sequer podendo imaginar como depo-sitar o que sobrou do rapaz, tudo pelo circo mambembe e de mau gosto no qual o IML se transformou.

Algo precisa ser feito urgente-mente. Que a nova direção do Instituto possa contornar habilmente a situa-ção. A comunidade curitibana pede socorro.

Boca no trombone!

Não importa. Em meio à angústia, não há muito que

ser feito, a não ser providenciar um

funeral

Ao leitor

Errata: Devido a problemas de fechamento, a página 11 da edição de número 10 do jornal Mar-co Zero apresentou incorreções na diagramação. O título da crônica de Alexsandro Ribeiro, que ficou encoberto, é “Mendigos qualificados”.

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Curitiba, maio de 2011 MARCO ZERO 3

PERFIL

Coração de poeta e cara de me-nino. Assim é o contista e po-eta Geraldo Magela, mineiro

radicado em Curitiba há mais de 36 anos, vindo da cidade de Bocaiúva, no Vale do Jequitinhonha, interior de Mi-nas Gerais. Magela, como é conhecido entre a classe artística e os poetas curi-tibanos, define sua poesia como uma bandeira de lirismo e indignação de doce acidez, da literatura do cordel ao bordel, e do erudito ao popular (poe-sia heterogênea).

Ele se autodefine um agitador cultural. Além de fazer poesias, é res-ponsável pela casa de literatura “Mi-guel de Cervantes”, na Praça da Es-panha. Magela faz parte da vanguarda de poetas curitibanos, junto com seus amigos já falecidos Paulo Leminski, Marcos Prado, Rubens Sossela e ou-tros. Nesta entrevista, Magela fala da poesia no Paraná e do amigo Paulo Leminski, entre vários assuntos.

Quando começou a fazer po-esia?

Nasci no meio literário, minha mãe era professora do meio rural em Minas. Ela lia livros, contava histórias, e meu avô era repentista. Assim, fui conduzido para a poesia. Fui militar na Força Aérea e como telefonista mandava recados em um programa de rádio em Curitiba (na Rádio Inde-pendência). Fazia poemas no ar para os ouvintes. Me inspirava em Tagore, poeta persa que falava de mulheres, amores e canções.

Qual sua inspiração ao fazer poesia?

Publiquei meu livro em 1982. Me inspira o cotidiano, os problemas do ser humano, suas vivências e até a vida de uma borboleta, que dura tão pouco, do primeiro momento à trans-formação. Lagarta, casulo e borboleta e depois morre. Um flash de luz, hai-kai. Escrevo em formas academicis-tas, desprezo regras dominantes, não me preocupo com acertos. Às vezes, banalizo poemas, uma forma poética medieval, e trago a poesia para o mo-dernismo. Sou fiel, tenho meu estilo próprio, escrevo o que sinto, escrevo indo para o trabalho, dentro do ôni-

bus, nas idas e vindas. Depois, passo as poesias para o papel.

Como foi sua amizade com Leminski?

Em 1983, lancei um livro com tema africano. A apresentação foi em homenagem à consciência negra, ao 13 de Maio. Paulo entrou junto nessa história porque ele sentiu, encontrou o lado negro dele, da sua mãe Áurea Mendes, que era descendente de ne-gros. Ele, Paulo, se dizia que era ne-gro polaco. Escrevíamos juntos para o já extinto jornal Correio de Notícias e assim come-çou nossa amizade. Eu me inspirei nos seus pri-meiros livros, depois fiz a obra ‘Se Metamorfose”, de poemas concretos, em homenagem ao Leminski. Mais tarde, articulamos a Casa do Poeta, junto com alguns amigos de boteco. Paulo tinha um grande respeito pela minha pessoa, me considerava um irmão seu. Para mim, foi um pai que me ensinou muito sobre literatura e poesia... A amizade se deu até sua morte lá no Nossa Senhora das Graças, onde até doei sangue para ele.

Como era a vanguarda poética de Curitiba?

Na década de 70, eu e Paulo Le-minski tínhamos antologias publica-das junto com vários poetas. A “Sala 17”, por exemplo. Eram 17 poetas

reunidos... Sangra Sil, Grupo do Sol-da, Retamozzo, Roberto e Marcos Prado, Tadeu, Peninha, Bira e outros. Esse grupo agitava naquela época de 70 para 80. Depois, veio a “Casa do Poeta”, com 123 poetas, em que cada um publicava sua próprias poesias. Po-etas também do Grupo Controvérsia, Leopoldo, Edival Perrini e outros...

A poesia no Paraná vai indo bem?

Acredito que vai bem. Por en-quanto, ninguém reclamou. Tem es-

critor de poesia que vende esse gênero, principalmen-te os dos grupos da Rua XV de Novembro, como o Epopéia.Tem gosto para todo tipo de poesia.

Quais seus poetas favoritos?Manoel de Barros, Carlos Drum-

mond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Manoel Bandeira, Witti-man, Ezra Pound e Florbela Spanca.São poetas com que tenho mais afi-nidades.

Você lançou 110 títulos de vá-rios autores. Como isso aconteceu?

A própria necessidade de fazer livros. Sai mais barata a divulgação. Fica por conta de cada autor. Eu criei a minha editora, chamada Alternativa, para ajudar os poetas que não tinham condições de fazer uma edição míni-ma de 500 exemplares. Já publiquei

Poeta curitibano das GeraisOsvaldo Soares livro de umbanda, romances, poemas,

crônicas, e de todas as vertentes literá-rias de autores independentes.

Como é o mercado literário de poesia em Curitiba?

Já foi mais fechado. Atualmente, está se abrindo, com as feiras literá-rias, bienal do livro... Mesmo assim, a dificuldade aqui ainda existe, devido a uma certa autofagia... O jornalismo cultural acabou. Era bom quando tí-nhamos Maria Adélia, do jornal O Estado do Paraná, do Almanaque, o Zé Carlos Correia Leite, da Folha de Lon-drina... Hoje, nem no Caderno G da Gazeta você consegue o corpo oito, ou rodapé para divulgar um livro sequer. É muito fechado o espaço. E assim vai ficar invisível! Não há sutilezas, não há amabilidades. Mas o poeta põe o livro debaixo do braço e vai à luta. É um paradigma, pois lá fora você consegue vender muito bem.

Quais seus novos projetos?Estou publicando minicontos, li-

vros infantis, textos literários nos bair-ros, nos banheiros públicos, o projeto Árvore do Livro, poesias nos campos e estádios de futebol e conscientizan-do a criança desde cedo sobre a im-portância da leitura. Eu e mais dez autores acabamos de escrever “Brisa é Você”, e Dalton Trevisan fez boas críticas ao livro.

Quem é quem na poesia curi-tibana?

Luiz Leprevost, Alexandre Fran-ça, Ivan J. Santana, Tadeu, a Alice que não está aqui... Porque Rio é Rio, Sam-pa é Sampa, e Curitiba é ver navio... E outros poetas viraram contistas.

Como sua ideia do “Papel Hi-giênico Literário Poético” foi parar na Espanha?

Na época, lancei 500 rolos de “Pa-pel Higiênico Poético”. Virou souvenir, e eram vendidos na feira do Largo da Ordem para os turistas, que acabaram levando para a Europa. Eu não paten-teei a ideia. Amigos que lá estiveram mandam recados dizendo que a minha ideia está sendo copiada e feita pelos gringos lá fora. Daquela época, tenho gravações, entrevistas que dei em ca-nais de TV e recortes de jornais.

Geraldo Magela: “O jornalismo cultural em Curitiba acabou. Não há sutilezas, não há amabilidades...”

Osvaldo Soares

“Porque Rio é Rio, Sampa é Sampa, e Curitiba é ver

navio...”

Geraldo Magela fala sobre sua atividade literária e comenta o mercado para a poesia na capital paranaense

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MARCO ZERO Curitiba, maio de 20114TRILHAS DO TEMPO

Uma dupla que encantou o Brasil

“As mocinhas da cidade são bo-nitas e dançam bem. Dancei uma vez com uma moreninha, já fiquei queren-do bem... E o sol já vai entrando, e a saudade vem atrás...”

Saudade é a palavra que define o sentimento de Jonas Barbosa Neto, de 60 anos, aposentado que viveu nos tempos áureos de Nhô Belarmino e Nhâ Gabriela. “Eu sinto saudades dos bailes de antigamente, em que eu tira-va uma dama para dançar e não tinha essa violência de hoje”, lembra. Jonas conheceu os cantores pessoalmente e disse que não perdia nenhum baile no Clube do Ahu de Baixo. “Eles faziam serestas e se apresentavam junto com o Zé Pequeno, que tocava a sanfona para eles. Isso faz parte do folclore do Paraná”, conta Jonas.

Salvador Graciano e sua esposa Julia Alves iniciaram suas apresenta-ções no início de 1940. Conhecidos nacionalmente como Nhô Berlarmi-no e Nhá Gabriela, a dupla de músi-ca sertaneja de raiz compunha e cantava músicas que tradu-ziam os sentimentos do caipira brasileiro. Eles falavam a lingua-gem do povo simples do interior e faziam o público gargalhar com as cenas de hu-mor que interpreta-vam. Eram divertidos quando faziam graça e levavam o povo às lágrimas quando cantavam com maestria as composições sentimentais. Foram verdadeiros e grandes artistas.

Juliana Morelli

Em 1996, foi inaugurada a fon-te que homenageia os cantores, que recebeu o nome de “As mocinhas da cidade”, em referência a uma das mais conhecidas músicas da dupla de músi-ca caipira do Paraná.

Cravada no cen-tro de Curitiba, entre a Rua Cruz Machado e a Alameda Cabral, a homenagem não pas-sa despercebida pelas pessoas que transi-tam por ali e causa muita nostalgia nos fãs da dupla.

“O público gos-tava de ouvir as músicas do Berlarmi-no e da Gabriela”, diz o aposentado Milton Santos, de 65 anos. “Eles fa-ziam apresentações gratuitas nos bair-ros para o povo de baixa renda. Eram muito conhecidos, e todos cantavam as músicas deles”, recorda Santos. “A única música que nunca foi regrava-da foi O passarinho prisioneiro, dessa eu gostava demais”.

“As mocinhas da cidade” foi a música que perpetuou culturalmente a dupla de música caipira mais famo-sa do Paraná, Nhô Berlarmino e Nhá Gabriela. Outra fã da dupla, Lucia Helena Ayabe, de 56 anos, voluntária do Programa Comunidade Escola, re-corda os tempos antigos: “Sinto sau-dades de antigamente, de quando eu era menina. Existiam valores morais, e as amizades tinham mais valor”.

A fonte traz desenhos do artista

Fernando Canalli e é composta por colunas com pinhões nos capitéis que fazem a moldura dos quadros de azulejos que trazem a letra da música “Mocinhas da Cidade”.

A última apresentação da dupla aconteceu em 1984, na comemoração do 60º aniversário da Rádio Clube Pa-ranaense. Logo depois dessa apresen-tação, Nho Berlarmino faleceu.

Se, nas palavras do escritor Gui-marães Rosa, “as pessoas não morrem, ficam encantadas”, pode-se dizer que, para muitos paranaenses, essa frase faz muito sentido, afinal, já se passa-ram 27 anos da última apresentação de Nhô Belarmino e Nhá Gabriela e, mesmo assim, a dupla continua eter-nizada nas lembranças e no coração da população de Curitiba.

1963 - Brasil querido/Minha saudade • RCA Camden Cam

1963 - Valentão/Tormento de amor • RCA Camden Cam

1962 - Sou feliz/Mulher de rua • RCA Camden Cam

1962 - Pedido ao vento/Seresta de amor • RCA Camden Cam

1961 - Cachaça com limão/Briga de amor • RCA Camden Cam

1961 - Brincando com oito baixos/Sorriso de criança • RCA Camden Cam

1961 - Peito vazio/Meu sofrimento • RCA Camden Can • 78

1961 - Recordando o sul/Tudo certo • RCA Camden Cam • 78

1960 - Baile na fazenda/Música para quadrilha • RCA Victor

1960 - Ilha branca/Rainha do pecado • RCA Camden Cam

1960 - Dançando descalço/Pau de sabugueiro • RCA Camden Cam

1959 - Mocinhas da cidade/Para-naguá • RCA Victor

1959 - Sanfoneiro de Curitiba/Ca-prichosa • RCA Victor

Discografia deNhô Belarmino e Nhá Gabriela

Nhá Gabriela e Nhô Belarmino

Fonte na Rua Cruz Machado homenageia artistas da música caipira do Paraná

Fonte traz foto da dupla caipira paranaense e a letra de sua canção mais célebre

Jonas Barbosa Neto: saudade dos bailes antigos

“Eles faziam apresentações gratuitas nos bairros para o povo de baixa renda. Eram

muito conhecidos, e todos cantavam as

músicas deles”

Divulgação

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“Tudo mudou na minha vida” Michael Genofre, pai da menina Rachel, conta como superou a trágica morte da filha

No mês de novembro de 2011, serão completa-dos três anos de uma tragédia que comoveu a

cidade de Curitiba e ganhou repercus-são nacional: o assassinato de Rachel Lobo Genofre. A menina de nove anos de idade desapareceu na saída do Instituto de Educação Professor Erasmo Pillotto, no centro da cidade, no dia três de novembro de 2008, e foi encontrada morta dois dias depois, na rodoferroviária. A polícia ainda não elucidou o caso.

O drama foi um golpe na vida de Michael Genofre. “Se não fosse o apoio de amigos, não saberia qual rumo tomaria na vida após a morte da minha filha”, diz.

Genofre é ex-diretor da União Paranaense dos Estudantes (UPE) e ex-dirigente estadual da União da Ju-ventude Socialista (UJS-PR). Cursou Filosofia e Secretariado Executivo e está prestes a concluir a graduação em Relações Internacionais pela Faculda-de Internacional de Curitiba (Facin-ter). Na época da morte da filha, Ge-nofre era separado de Maria Cristina Lobo Vieira, mãe de Rachel.

A reportagem do jornal Marco Zero entrevistou Michel Genofre. Na conversa, ele revelou seu drama pós-tragédia e a reação da família e comen-tou o trabalho da polícia no caso.

Quase três anos após a tragé-dia, o que mudou na sua vida?

Praticamente mudou minha vida, toda ela. Mudei de emprego e, se não fossem meus amigos e os colegas de faculdade, eu teria abandonado os es-tudos. Mudei o número de telefone. Quase me mudei de cidade. Enfim, mudou tudo.

Como a família reagiu e se re-estruturou após a tragédia?

No momento do desaparecimen-to, nos mobilizamos. Aos poucos, inúmeros amigos foram unindo for-ças para fazer buscas que varreram todo o centro de Curitiba e o bairro da Vila Guaíra (onde ela morava com a mãe). Após praticamente dois dias

de buscas, houve o pior telefonema de minha vida: era um policial militar confirmando tê-la encontrado na ro-doviária. Neste momento, pavor. De minha casa até o IML, eu torcia para que nada que o policial havia relatado por telefone fosse confirmado. Po-rém, confirmou-se tudo.

E a reação de vocês?Daquele momento em diante,

creio que toda a família entrou em uma espécie de letargia. Eu pratica-mente assisti ao ano de 2009 passar. Fui voltando a confiar nos amigos na medida em que os exames de DNA e a investigação iam, um a um, descar-tando-os como suspeitos. Apeguei-me aos estudos, ao trabalho, à religião e ao movimento político de juventu-de, e isso ajudou a mudar os ares e ter foco em continuar seguindo a vida. “O assassino não terá outra vitória”, pensava eu quando queria desistir de tudo. Até hoje, busco não lembrar dos acontecimentos. Tento olhar para o ocorrido como se fosse um acidente e não a mostruosidade que foi. A mis-

são de minha filha na Terra se encer-rou, mas a minha não.

O que você acha do trabalho da polícia no caso?

O trabalho da polícia, em um pri-meiro momento, foi confuso, e essa confusão certamente atrapalhou um pouco. Talvez pelo impacto do crime, talvez pela ausência de inúmeros as-pectos técnicos, até que a investigação caísse em mãos da delegada Vanessa, muita coisa não funcionou nada bem.

Muita coisa ainda se confundiu devido ao forte assédio da imprensa diante do caso chocante, que teve re-percussão internacional. De lá para cá, a investigação foi mais eficiente. Muitos pedófilos foram reconheci-dos, e inúmeras crianças deixaram de ser violentadas devido a uma série de denúncias encorajadas após a repercus-são da morte da minha menina. Além disso, durante um bom tempo, a polícia conseguiu cruzar dados e assim pren-der outros foragidos molestadores de crianças. Ao mesmo tempo em que a investigação sobre o assassinato de mi-

nha filha avança a passos lentos, uma série de outros casos foram soluciona-dos indiretamente a passos rápidos.

Qual seu recado para pais que, diariamente, estão sujeitos a ver esse ato se repetir com seus filhos?

É importante esclarecer uma coi-sa: não há lugar seguro enquanto nos-sas escolas forem tratadas como são. Minha filha desapareceu em um raio de dois quarteirões da escola dela (o Instituto de Educação Prof. Erasmo Pilotto), e voltando lá ao longo des-ses três anos vejo que continua sem a menor mudança no que diz respeito à segurança daquelas crianças. A rua continua muito próxima do portão da escola, e nenhum motorista respeita e cuida para que crianças não sejam atropeladas. Continua tendo o acesso absolutamente facilitado a estranhos. Segue uma confusão no horário de saída das crianças, e não há nenhum policiamento mais preparado (e olha que naquela época havia um posto po-licial praticamente do lado da escola, na praça Osório). E a escola continua lavando as mãos a partir do momento em que o sinal de saída bate.

O recado para os pais não pode-ria ser outro, senão: diante de qualquer coisa estranha, denuncie, faça baru-lho. Não deixe que a violência atinja as crianças. Ao saber de algo, denuncie! Disque 100 e ajude para que a impu-nidade não seja a maior arma contra nossas crianças.

Ronaldo Freitas

A menina Rachel, morta em 2008, com o pai Michael Genofre: caso provocou comoção em Curitiba

O assassinato de Rachel ainda não foi elucidado

COTIDIANO

Arquivo pessoal

Arquivo pessoal

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MARCO ZERO Curitiba, maio de 20116VIOLÊNCIA

Natanael Chimendes

Quem ama surra?

Em 2002, Maria da Penha Maia Fer-nandes recebia a notícia de que seu marido e agressor fora decla-

rado preso pelo Estado Brasileiro. Dois anos depois, Michele conhecia seu futuro namorado e agressor.

Casos como o último podem estar acontecendo neste exato momento. Várias mulheres brasileiras devem estar conhe-cendo seus futuros agressores, achando que estão encontraram o príncipe encanta-do. Os números são tão assustadores que somente um dado já registra que o Brasil é o país que mais sofre com a violência do-méstica: a cada 7 segundos, uma mulher é agredida em seu próprio lar, informa pes-quisa da Fundação Perseu Abramo.

A coragem de Maria da Penha transfor-maram seu nome na lei mais recente e impor-tante de combate à violência contra a mulher. Sua história foi relatada no livro “Sobrevivi, posso contar”, na qual ela mesma narra as agressões e os dias de angústia na espera de medidas a serem tomadas contra seu marido, o colombiano Heredia Viveiros.

As agressões foram constantes du-rante todo o período em que Maria da Penha ficou casada com Viveiros. No co-meço, ela não se atrevia a pedir separação, justamente pelo medo de ser mais agredi-da. Em 1983, seu marido atirou em suas costas, deixando-a paraplégica. O agressor alegou à polícia que os tiros foram dispa-rados numa tentativa de assalto à sua casa. Mas a separação só veio duas semanas de-pois, quando Viveiros tentou eletrocutar sua esposa durante o banho.

Junto com as agressões, Maria sofria ameaças para assinar papéis entregando bens ao marido, e também foi quase con-vencida a fazer um seguro de vida. Nos de-

poimentos que se seguiram, ela apurou que o marido era bígamo e tinha um filho.

Vinte anos após o crime, com a aju-da de um instrumento internacional, o agressor foi preso, e novas medidas foram tomadas acerca de casos como o dele. Já o caso de Michele é um pouco diferente. Ela começou a namorar um traficante de drogas, mesmo tendo ciência disso. Logo no início da relação, as agressões foram surgindo, desde um tapa na cara a apertos no braço e no pescoço. “Ele tinha muito ciúme”, diz a agredida. “Se saíamos para um lugar e qualquer um olhasse para mim, logo ele ia em cima do cara e brigava, e quando chegávamos em casa ele me agre-dia.” Ela não o denunciava, alegando que o rapaz prometia melhorar, mesmo vigiando os passos dela constantemente.

Certa vez, a agressão foi tão forte que ela desmaiou, foi para o hospital, mentiu que tinha sofrido um assalto e foi liberada. A separação aconteceu quando ela sugeriu ter feito um boletim de ocorrência policial, ameaçando que, se ele fosse atrás dela, iria contar tudo e o denunciaria. O jovem su-miu, ficou com medo. Hoje, ela soube que ele está casado com outra, tem um filho e não está mais agressivo. “Acho que foi o filho”, diz a jovem para explicar a tranqui-lidade atual do agressor.

Essas situações são tão adversas e ao mesmo tempo tão semelhantes que fica difícil avaliar a eficiência da Lei Maria da Penha, criada depois do caso. Mesmo com toda a persistência de Maria da Penha, casos como da Michele continuam acontecendo. “Ele prometia largar a função de traficante”, dizia a moça, “e eu acreditava, mesmo ele sendo doente por mim e me batendo todo dia”. Michele, no entanto, hoje aconselha: “Uma pessoa que te bate não te ama. Não fique presa ao sentimento, se valorize.”

Faltam abrigos para vítimas da violência doméstica

A lei Maria da Penha, sancionada no dia 7 de agosto de 2007, descreve como violência doméstica todos os tipos de agressão que existem no seio de uma re-lação familiar e garante que a vítima deve receber o apoio e a proteção necessários.

De acordo com a Sociedade Mun-dial da Vitimologia, o Brasil é campeão em violência doméstica em um ranking de 54 países. Segundo a entidade, a cada 16 segundos, uma mulher é agredida por seu companheiro, e cerca de 70% das mulheres assassinadas foram vítimas de seus próprios maridos. Uma pesquisa feita pelo instituto Avon-Ibope revela que a sociedade brasilei-ra não aceita conviver com a violência, e 55% da população afirmam conhecer uma mulher que já sofreu algum tipo de violência doméstica. Entre 2008 e 2009, o conhecimento sobre a lei Maria da Penha teve um aumento de 68% para 78%, mas o número de pessoas que não confia na proteção jurídica garantida pela lei ainda é grande.

Segundo a advogada Clarice Ma-ria Dal Comune, que trabalha com pro-cessos civis, “a lei Maria da Penha, na prática, não funciona como deveria”. Um dos motivos, segundo ela, é a falta de es-trutura da sociedade brasileira para dar abrigo e segurança às vítimas. As penas para o agressor variam de três meses a três anos de reclusão, de acordo com a gravidade da agressão, e é inafiançável. Apesar disso, a dificuldade de manter o agressor preso ainda é grande, pois, se não for preso em flagrante, deve haver testemunhas e provas para que seja dada continuidade ao processo. O grande pro-blema, de acordo com a advogada, é que em muitos casos não há testemunhas, e não é possível fazer uma investigação.

Uma jovem agredida, que prefere não se identificar, conta que o ex-marido era muito ciumento, e suas agressões começaram de forma verbal e com apri-sionamento. Aconteciam geralmente nos finais de semana, quando ele bebia: “Ele

chegava alcoolizado e sem motivo ne-nhum quebrava as coisas dentro de casa. Um dia, ele parecia estar drogado e ma-tou meu cachorrinho”, conta. Ela procu-rou a Delegacia da Mulher, onde prestou queixa e conheceu histórias parecidas com a dela que a incentivaram a continu-ar lutando. Segundo a vítima, a maioria das mulheres acaba não denunciando os agressores por medo, e muitas também dependem dos maridos para o sustento da família, acabando por se submeterem às agressões por não terem condições financeiras de se manterem sozinhas.

De acordo com a assistente social do Conselho Regional de Serviço Social do Pa-raná (Cress-PR) Elda Lilian da Cruz Corrêa, as vítimas de violência doméstica podem pro-curar qualquer hospital que atenda casos de emergência. No caso de violência psicológica ou patrimonial, podem

ir diretamente à delegacia. Outra opção, segundo a assistente social, é procurar o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) mais próximo. “Em vários municípios, toda a atenção à questão da violência está sendo dada pelos centros de referência Cras e Creas”. Nesses lo-cais, existem assistentes sociais prontas para ajudar as vítimas.

Em Curitiba, existe hoje apenas um abrigo para mulheres em situação de pe-rigo. Nele, atualmente, não é desenvol-vido nenhum trabalho social, pois a fina-lidade do local, por enquanto, é apenas proteger as vítimas que estão sob risco de vida.

Segundo a coordenadora do Pro-grama Mulher de Verdade de Curitiba, Hedi Muraro, as mulheres são encami-nhadas aos abrigos de proteção junta-mente com seus filhos e recebem todo o apoio necessário para que se reintegrem à sociedade. Dentre os serviços forneci-dos pelas entidades de assistência, estão os processos judiciais, tanto de divórcio como o encaminhamento do processo criminal de agressão.

“Ele chegava alcoolizado e sem motivo nenhum

quebrava as coisas dentro de casa. Um

dia, ele parecia estar drogado e matou meu

cachorrinho”

Janile da Silva Ramos

Segunda pesquisa, a cada sete segundos, uma mulher é agredida em seu próprio lar

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Curitiba, maio de 2011 MARCO ZERO 7

Cabe no BolsoEXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICAA fotógrafa britânica Maureen Bisilliat expõe material de suas viagens no Museu Oscar Niemeyer

Até 31 de julho, o Museu Oscar Niemeyer abriga Mau-reen Bisilliat: Fotografias. A exposição reúne mais de 250 imagens editadas e seleciona-das pela própria fotógrafa bri-tânica, um acervo com regis-tros de paisagens, pessoas e contextos típicos do interior do Brasil, como os índios do Xin-gu, além de viagens a países como Bolívia, China e Japão.

Fixada no Brasil desde 1957, Maureen Bisilliat traba-lhou para a Editora Abril en-tre 1964 e 1972, fotografando para várias publicações, en-tre elas a revista Realidade. A britânica é autora de livros de fotografia inspirados em grandes escritores brasileiros, como João Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e João Ca-bral de Melo Neto.

Gabriel Sestrem

Quem caminha nas depen-dências que estão em refor-ma da Casa do Estudante

Universitário do Paraná (CEU-PR), localizada no centro de Curitiba, tem motivos de sobra para preocupar-se com a situação dos moradores. O ce-nário é de abandono. Entulhos por todos os lados, mesas, materiais de construção civil e latas de cerveja e refrigerante estão espalhados pelos ambientes da casa.

Se meses atrás os moradores da casa reclamavam do barulho das má-quinas em função da reforma do local, hoje o problema é outro. A obra, que teve início em 2008 com previsão ini-cial para conclusão em dez meses, está completamente parada.

Segundo o presidente da CEU-PR, Antônio Marcos dos Santos, no final do ano passado, a prefeitura prorrogou o prazo para a conclusão das obras, estabelecendo 31 de mar-ço como data limite. “Quando se en-cerrou o prazo estabelecido, alegaram que tomariam medidas com relação à empresa contratada para concluir as obras. Como a administração, provi-são de recursos e fiscalização dos tra-balhos cabem à prefeitura, os morado-res somente acompanham e cobram a conclusão das obras”, diz Santos.

Após a reforma, o prédio inaugu-rado em 1956, que hoje abriga cerca de 200 estudantes, teria sua capacidade dobrada, oferecendo mais 230 vagas e recebendo melhorias em toda sua es-trutura. No entanto, além do comple-to abandono das obras, os moradores reclamam da qualidade do material utilizado nos trabalhos. O estudante Luiz Carlos Tenório, que também é membro do Conselho Administrativo da casa, afirma que os materiais em-pregados nas obras não são dos me-lhores. “Quem vê de fora acaba crian-do uma imagem ruim da casa. Além das obras em estado de abandono, o que já foi reformado também não teve uma qualidade boa. Já percebe-mos problemas no encanamento, nos banheiros e na fiação”, reclama.

O drama de quem depende da casa é grande. Enquanto alguns mo-radores desconfiam que mendigos e

usuários de drogas passem a noite no local, outros afirmam que já aconte-ceram arrombamentos de salas que abrigavam os materiais utilizados na obra. Em um dos prédios, até mesmo um “buraco” de elevador aberto pode ser encontrado, representando perigo para os moradores. Além de tudo, atu-almente, 20 alunos vivem improvisa-damente no alojamento do prédio, em condições precárias, sem terem sequer móveis para guardar seus pertences. A série de complicações, que já duram três anos, também se reflete na con-vivência cotidiana dos alunos. “Tudo isso prejudica a vida dos moradores, a começar pela convivência, estudos, e até mesmo a área financeira, atrapa-lhando a qualidade de vida. E a única

Mil dias de reformas na CEUObras da Casa do Estudante Universitário, que já estavam atrasadas, agora estão completamente paradas

Prédios da Casa do Estudante Universitário do Paraná estão em estado precário

coisa a fazer é correr atrás de medidas preventivas para sustentar a casa”, la-menta Tenório.

Com poucos recursos na mão, os moradores se uniram para uma mani-festação no dia 1º de abril, “Dia da Mentira”, logo após o encerramen-to do prazo prorrogado. O protesto teve como objetivo chamar a atenção das autoridades públicas e da emprei-teira contratada para a execução das obras, além de destacar suspeitas de superfaturamento e desrespeito às leis trabalhistas. “A manifestação foi feita por iniciativa dos próprios mo-radores. Isso atrai a atenção de todos para o problema e ajuda quem neces-sita da casa em boas condições”, afir-ma Tenório.

Antônio dos Santos, presidente da CEU-PR, em frente a um dos prédios com as obras paradas

EDUCAÇÃO

Fonte: www.guiadasemana.com.br

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MARCO ZERO Curitiba, maio de 20118ESPECIAL

Do centro ao abandonoÁrea considerada nobre em Curitiba, o centro da cidade passa por um processo deesvaziamento habitacional e comercial, com imóveis abandonados e os chamados mocós

Mesmo com Ruas da Cida-dania em praticamente to-dos os bairros e shoppings

e centros comerciais espalhados pela cidade, muitas pessoas preferem ir ao centro para resolver algum assunto relacionado a documentos ou fazer compras. A facilidade de acesso e a concentração de lojas, consultórios médicos, serviços e entidades do go-verno deveriam tornar a região uma das preferidas na busca pela moradia. No entanto, não é isso o que aconte-ce. Segundo uma pesquisa realizada pela Associação Comercial do Para-ná (ACP), 54% dos entrevistados que trabalham do centro não gostariam de morar na mesma região, mesmo que tivessem a oportunidade.

O centro de Curitiba é o quinto bairro com maior oferta de imóveis novos e um dos que apresentam a me-nor disponibilidade de unidades à ven-da na cidade, conforme pesquisa rea-lizada pela Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Paraná (Ademi-PR) com dados re-ferentes ao primeiro trimestre deste ano. Apesar da falta de imóveis à ven-da, a região central representou 7% do mercado imobiliário em Curitiba nes-te primeiro semestre, com dez novos empreendimentos totalizando 1.569 unidades, em sua maioria residenciais.

No mercado de locações e ven-da de imóveis usados, o Centro per-manece nos primeiros lugares em números de ofertas. Para venda de imóveis usados, segundo dados do Instituto Paranaense de Pesquisa e Desenvolvimento do Mercado Imo-biliário e Condominal (Inpespar), a área central de Curitiba está em ter-ceiro lugar na lista de bairros com maior número de ofertas, totalizan-do 744 imóveis à venda.

Já para locação, o Centro assume o primeiro lugar, com 1.017 imóveis comerciais e residenciais. Somam-se às ofertas o número de evasões do comércio e de habitantes do centro, que de 37.086 em 1980 passaram para 31.623 em 2000, numa redução de 15% no número de moradores em duas décadas, segundo dados do Ins-

tituto de Pesquisa e Planejamento Ur-bano de Curitiba (Ippuc).

Um dos motivos da evasão ha-bitacional e comercial do centro é a falta de segurança. De acordo com a pesquisa da ACP, 28% dos entre-vistados não gostariam de morar no centro por esse motivo. A mesma pesquisa aponta que 40% dos comer-ciantes consideram as ruas do centro mais perigosas das 18 às 20 horas, e 36% após às 22 horas. A estudante de direito Adriane Alves Domingos trocou um apartamento no centro de Curitiba por outro no Pinheiro em busca de mais segurança. Antes moradora da Rua XV, Adriana afirma que se sente mais segura e confortá-vel agora. “Como estudo à noite, e o centro é mais vazio nessa hora, sem-pre me senti insegura. Já fui até segui-da no caminho de casa”, afirma. Para a estudante, por estar mais perto do trabalho, de bancos, comércios e ser-viços, ela voltaria morar no Centro. No entanto, pelo conforto e segu-rança, prefere atualmente um bairro

mais distante. “Não me importo em pegar ônibus e demorar um pouco mais para chegar no serviço e na fa-culdade. Enfrentar 20 ou 30 minutos do trânsito vale a maior segurança que tenho agora”, justifica Adriane.

De acordo com o diretor de fis-calização da Secretaria de Urbanismo, José Luiz de Mello Filippetto, a eva-são no centro da cidade é um proces-so pelo qual todas as grandes cidades passam. “O que compete ao municí-pio é implantar políticas públicas para trazer a população novamente para a cidade. É o que a Lei de Zonamen-to de 2000, a Lei 9.800, propiciou. A partir deste ano, a Lei de Zoneamento aumenta o potencial construtivo dos lotes para edificações residenciais para trazer a população ao centro. Esse é um problema das grandes cidade, e não tem como escapar. A menos que os municípios tomem uma decisão antecipada”, afirma Filippetto. Porém, Curitiba demorou para revisar sua Lei de Zoneamento. “Levou-se 25 anos para a revisão da nossa última Lei de

Zoneamento, houve um espaço muito grande. Se tivéssemos feito uma revi-são antecipada, poderíamos ter cons-tatado esse problema antes e tentado reverter isso”, lamenta.

Fotos e textosAlexsandro Teixeira Ribeiro

Há mais de 23 anos em estado de abandono, imóvel na Rua Ubaldino do Amaral já foi cena de crime

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Curitiba, maio de 2011 MARCO ZERO 9

Percentual de solução para imóveis que viram mocós chega a menos de 1%, afirma Filippetto

ESPECIAL

Mocós são pontos de drogasAlém dos inúmeros imóveis

novos e usados para venda e locação devido à evasão

comercial e habitacional, o centro de Curitiba conta com outros fato-res que realçam a imagem de bair-ro inseguro e desabitado: os vazios urbanos e mocós. A capital para-naense conta atualmente com 56,3 mil imóveis desocupados, sendo que 142 estão ocupados irregular-mente, servindo de ponto de con-sumo de drogas. Destes, 26% estão no centro, de acordo com levanta-mento da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU).

Segundo o diretor de fiscaliza-ção da Secretaria de Urbanismo, José Luiz de Mello Filippetto, os mocós estão, em sua maioria, vinculados a duas situações que dificultam a re-gularização do imóvel: massa falida e processo de inventário. “O mocó é uma das situações de mais difícil solução aqui no Departamento de Fiscalização. A massa falida está amarrada a um síndico que, para fa-zer qualquer investimento, tem que ter autorização judicial, e o Judici-ário só autoriza pagamentos para questões trabalhistas.

O síndico da massa falida fica amarrado para fazer qualquer coisa nesses imóveis. No inventá-rio, é a mesma coisa. Quando há um ou dois inventariantes, é mais

fácil, o difícil é quando são mais e quando não há consenso entre os familiares. O mocó é um pro-blema complicado de administra-ção”, conta Filippetto.

Por falta de funcionários no departamento, José Luiz Filippet-to afirma que a atuação da prefei-tura é corretiva e não preventiva. “Infelizmente, atuamos após a re-clamação, não temos um número suficiente para fazer uma fiscali-zação preventiva, chegar na hora ou antes de o problema aconte-

“O mocó é uma das situações de mais difícil solução aqui no Departamento de Fiscalização”

Mais de 20 anos de abandono

“Desde que vim morar aqui, há 23 anos, não tem ninguém na casa”, comenta Correa

Dos 142 imóveis ocupados irregularmente em Curitiba, 26% estão no centro da cidadecer”, lamenta. Quando notificada, a SMU localiza o proprietário e aplica notificações e multas. “O que temos como força são noti-ficações, autos de infração e, em último caso, o município investe no imóvel lacrando-o. Mas, para chegar nisso, temos que passar por todos os ritos a que a lei nos obri-ga. Devemos noti-ficar, multar duas vezes, publicar em edital, para daí ir-mos no local e la-crarmos”, explica. A multa cobrada pela prefeitura é de R$ 1.370 e, em caso de reincidên-cia, dobra-se o valor.

Segundo o diretor da fiscali-zação da Secretaria de Urbanismo, apesar da atuação da prefeitura, o número de soluções é baixo, devi-do aos trâmites legais: “Temos um problema legal que é o direito à de-

Um dos casos de imóveis aban-donados sem solução até agora é o do casarão na Rua Ubaldino do Amaral, próximo à Praça do Expe-dicionário. Por causa de um imbró-glio judicial resultante de inventário e falta de acordo entre os herdei-ros, o imóvel está abandonado há mais de 20 anos, conforme afirma Valter Correa da Silva, de 82 anos, morador do prédio residencial ao lado do imóvel vazio. “Desde que vim morar aqui, há 23 anos, não tem ninguém na casa. Não sabe-mos quem é o dono. Ali vive cheio de pessoas bebendo, usando dro-gas. Já veio polícia, jornalista, de tudo. Na semana passada, veio a polícia, botou fogo e mandou as pessoas embora, fizeram um rapa, mas já fizeram coisas parecidas em outras vezes”, reclama Silva.

O imóvel abandonado, que in-comoda moradores e comerciantes, já foi cena de crime. Em julho de 2008, uma moradora de rua foi mor-

ta a tijoladas no casarão. “Já mataram gente lá dentro. Na época, eu descia de ônibus perto. Uma moça com um bebê de colo pediu minha ajuda di-zendo que alguém queria matá-la. Dei o dinheiro do ônibus para ela. No outro dia, quando vim trabalhar, tinha um carro do IML e um da polícia na frente do imóvel, tinham matado a moça”, conta uma comerciante da re-gião que não quis se identificar.

De acordo com ela, a loja em que trabalha foi assaltada duas vezes em

fesa. Na nossa legislação municipal, existem duas instâncias, isso retarda a ação fiscal. O volume de defesas e recursos é grande. Em torno de 70% dos notificados recorrem, mesmo sabendo que não há o que fazer.

O percentual de correções chega a menos de 1%”. Apesar do

baixo número de correções, Filippet-to acredita na multa como possível so-lução: “As multas, em um momento ou outro, terão que ser pagas, caso con-trário, se não entrar o dinheiro no caixa

da prefeitura, a multa será inscrita em dívida ativa, acarretando pos-terior ação judicial, chegando em última instância até à penhora de bens. O município pode se apro-priar do imóvel. A grande maioria acha que multa de prefeitura não dá em nada”.

abril por pessoas que dormem na casa abandonada da Rua Ubaldino do Amaral. “Chegou a um ponto em que não dá mais, é muito pedinte e assal-to. Eles [os mendigos] são agressivos quando a gente não dá algo. Tive que tirar o jardim daqui da frente e as ár-vores, porque juntava muita sujeira, roupa velha, garrafas e cachimbo de crack. Até camisinha jogavam aqui na frente. Todos os dias, limpávamos, para no outro dia aparecer tudo nova-mente”, desabafa.

A comerciante afirma, no en-tanto, que na segunda quinzena de maio os mendigos e ocupantes do imóvel vazio sumiram, após ação da polícia que os despejou. “Na semana passada, os policiais despejaram as famílias que estavam na casa, quei-maram as coisas que ficaram, mas não sei se resolveu, porque já vi al-guns passarem por aqui. Agora deu uma amenizada. Minha esperança é que o dono da casa faça alguma coi-sa”, afirma. (ATR)

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MARCO ZERO Curitiba, maio de 201110

Hoshino defende política de uso de imóveis vazios

Uma das soluções para acabar com os imóveis abandona-dos e promover o aumento

da população no centro da cidade é a aplicação da moradia com interesse social, ou seja, a apropriação dos imó-veis pelo Município, Estado ou União, com a instalação de lares de abrigo ou condomínios de baixa renda. Curiti-ba sofre um déficit habitacional. Se-gundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o déficit na grande Curitiba, que abrange a ca-pital e a região metropolitana, é de 63 mil residências, o que quase pode ser sanado com os 56,3 mil imóveis aban-donados na cidade.

A solução está ao alcance do go-verno, conforme afirma o assessor da organização Terra de Direitos, Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino. “Em-bora exista a alegação de que boa parte dos imóveis vazios no centro da cidade tenham alguns entraves jurídicos, se o poder Judiciário aplicasse melhor ou com mais intensidade o princípio da função social da propriedade, com cer-teza, esses imóveis poderiam receber destinação mais adequada”, argumen-ta Hoshino. Para ele, o imóvel deve atender à função social acima de tudo. “Se fôssemos pensar no que significam esses vazios urbanos para atendimen-to do déficit habitacional, existe uma questão para além simplesmente do espaço, que é a qualidade urbanística da terra no cen-tro. Quando dis-cutimos os vazios urbanos na pers-pectiva do direito à moradia, o que nós, que aderimos à plataforma po-lítica da reforma urbana, buscamos pautar é que em primeiro lugar toda propriedade tem que obedecer à fun-ção social. Esse é um imperativo que está na Constituição de 1988 e que foi regulamentado pelo Estatuto das Cida-des”, defende o assessor.

De acordo com Hoshino, o Es-tatuto das Cidades prevê vários meca-nismos que o Estado pode utilizar na solução do problema dos domicílios ociosos contra a especulação imobi-liária, como, por exemplo, o aumento progressivo do Imposto Predial e Ter-ritorial Urbano (IPTU). “Em boa parte desses imóveis que o poder público diz

terem problemas na justiça, existe uma outra quantidade de terra urbana que serve só como reserva de mercado à especulação imobiliária. O Estatuto da Cidade e a Constituição impõem ao po-der público o dever de agir na coação desses abusos. Um dos instrumentos possíveis é o IPTU progressivo, que em Curitiba é pouco ou nada aplicado. Se existe um imóvel não utilizado ou subutilizado, você obriga o proprietá-rio a dar a ele uma destinação por meio da majoração periódica da alíquota do tributo. Depois de cinco anos, se ele não atender às exigências do municí-pio, o imóvel pode ser desapropriado, por meio de indenização, não se trata de um confisco”, explica.

Por outro lado, segundo o assessor do Terra de Direitos, as ações de revita-lização da área central de Curitiba rea-

lizadas pelo poder público podem tornar-se perigo-sas quando assu-mem um viés de “higienização so-cial” com relação aos moradores em situação de rua ou aos de baixa

renda. “Os movimentos sociais temem esses programas de revitalizações, que sempre são pensados por e para deter-minados grupos. Por detrás do discurso de revitalização, há uma certa tensão, um objetivo de limpeza social. Um dos passo da revitalização é remover as pes-soas em situação de rua, ou os trabalha-dores sexuais, expulsando essas pessoas e não as realocando em habitações ade-quadas”, alerta Hosino.

Lutar pelo direito à moradia no cen-tro da cidade é uma das missões do Terra de Direitos, conforme Hoshino. “O que defendemos é a viabilidade de se pensar a

habitação de interesse social também no centro da cidade. O questionamento é: por que mandar sempre os pobres para desbravar o espaço, em um lugar onde não existem equipamentos públicos, nem infraestrutura? Se o direito à cida-de fosse considerado como um todo, e a função social da propriedade urbana fosse o norte das políticas públicas e da atuação do poder Judiciário na resolução desses conflitos, e não o direito individu-al da propriedade absoluto, certamente teríamos um avanço enorme para uma renovação do papel desses vazios urba-nos num projeto mais amplo de reforma urbana”, defende Hoshino.

Pensar a acessibilidadePara o engenheiro civil e presiden-

te do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Para-ná (Senge-PR), a evasão comercial e habitacional do centro poderia ser sanada com a reestruturação do transporte público curitiba-no. De acordo com Fanini, a densidade demográfica na área central de Curitiba deu-se, his-toricamente, pelo acesso ao bairro e a serviços. Hoje, a falta de acessibilidade acarreta o processo contrário. “O que deu origem à alta densidade no centro? Que manifestação é essa? É resultado de um efeito que tem como causa o alto índice de acessibilidade no centro da cidade, que é para onde convergem todas as estruturas viárias, onde há o maior número de linhas de transporte público. Em busca de acessibilidade é que se forma uma alta densidade. Essa densidade no centro, por causa de escri-tórios instalados em prédios com altura elevada, deu-se exatamente por causa da acessibilidade que tinha o centro, tanto pelo transporte público quanto pelo automóvel. A mesma acessibilida-de tem surtido efeito contrário agora: a falta de acessibilidade, principalmente para o automóvel, está fazendo com que esses usos deixem de ser viáveis, e esses usos para escritórios clínicas e outros escritórios vão para outras ave-nidas e artérias que facilitem acesso e estacionamento”, comenta.

Repensar os imóveis com vistas a incluir ou ampliar áreas de estacio-namento não é a solução mais viável,

afirma Fanini. “Não é só a questão do estacionamento, mas também a circula-ção. Não há como gerar áreas de esta-cionamento compatível com a deman-da gerada pelo acesso ao imóvel. A não ser que se faça uma demolição comple-ta, o que implica ter uma capacidade econômica elevada e total falta de bom senso para destruir toda a cidade, toda a história, para reconstrui-la para o uso do automóvel”, alega Fanini.

Para ele, a única solução à evasão seria a melhoria do transporte público. “Só pode ser revertida a partir do mo-mento que se amplie a facilidade de aces-so, e não é por automóvel. Os limites do sistema viário estão postos, as vias são essas, e não há como ampliar. Só há uma maneira: por meio de uma modalidade de transporte que seja atrativa ao usuá-

rio do automóvel, ou seja, que não seja a modalida-de dos excluídos do automóvel, como é agora o sistema curitiba-no, no qual usa o transporte coleti-vo quem não tem

recursos. Quando criarmos um sistema de qualidade para atrair um passageiro universal, e não um cativo por questões econômicas, o centro voltará a ter a vi-talidade que teve, assim como o centro de grandes capitais que têm o sistema metroviário e de transporte públicos efetivo”.

Fanini alerta que o processo de decadência continuará, caso não seja pensada uma mudança estrutural no modelo de acessibilidade urbana em Curitiba. “As pessoas de maior poder aquisitivo não vêm mais ao centro fa-zer compras, vão ao shopping, onde podem ir de carro. O comércio do centro começa a morrer. Precisamos de um sistema de transporte de massa de velocidade e qualidade, ou seja, um sistema metroviário e de veículos leves sobre trilhos (VLT). O ônibus não é atrativo. Um metrô na via de substitui-ção do eixo Norte-Sul não vai resolver sozinho o problema. Ajuda, mas não resolve. Seriam necessárias no mínimo quatro linhas diametrais passando pela cidade e mais algumas linhas circulares para aumentar a acessibilidade e a atra-tividade do Centro. Ou seja, precisa-mos de uma abordagem estrutural para o centro de Curitiba”, defende.

ESPECIAL

“Com certeza, esses imóveis poderiam ser destinados de forma mais adequada”, diz

Thiago Hoshino

“A evasão só pode ser revertida a partir do

momento que se amplie a facilidade de acesso”

afirma Fanini

Moradias poderiam ter uso socialLegislação prevê destinação de imóveis para uso social, mas possibilidade quase não é aplicada

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Curitiba, maio de 2011 MARCO ZERO 11

Dos tropeiros ao agito do centroQuem são as pessoas que moram na área central de Curitiba e quais as vantagens oferecidas pela região

Quem viu a antiga vila, os tropeiros por ali pas-sando, a calmaria, ruas de

terra, nem em sonhos proféticos imaginaria no que esse lugar se tor-naria. A vila se tornou cidade. A ci-dade, capital. Veículos modernos ocupam o lugar que antes era dos cavalos na cidade com maior número de automóveis por habitante no Brasil. Onde havia o comércio pequeno e simples, uma infinidade de lojas e bancos se misturam a outros tipos de comércio. Onde havia calma-ria, há milhares de pessoas num ritmo sempre acelerado. O centro de Curitiba, berço do surgimento da cidade, mudou. O mercado imobiliário avançou muito.

O perfil dos mo-radores dessa região é bem específico. Segundo a pesquisa Perfil Imobiliário re-alizada pela Gazeta do Povo em 2010, o número de habitantes por domicílio na região central é de 2,4. No restante da cidade, é de 3.

Outra diferença é a idade bem delimitada dos moradores. É a

ESPECIAL

região com menor número de cri-anças na cidade. Um quarto dos moradores situa-se na faixa etária de 20 a 29 anos, o maior índice da cidade. O centro também bate o recorde de pessoas idosas acima dos 70 anos: o índice é de 9,8%, enquanto no restante da cidade

é de 3,6%. Karen Raquel é uma das jovens habitantes do centro de Curitiba. Ela tem 25 anos e é professora de Artes. Para ela, os jovens

que moram no centro optam pela facilidade e praticidade. “Os jovens que conheço que moram aqui no centro estudam ou trabalham por aqui. Podemos fazer tudo a pé e ganhamos tempo por não termos que atravessar a cidade” explica.

Segundo o so-ciólogo José Afonso Oliveira, os idosos que moram na região normalmente têm imóveis próprios. Para ele, os filhos dos idosos se casam e

vão para os bairros, mas eles per-manecem por laços emocionais ou por facilidade. “Se você mora há décadas em um local, não mudará sem um motivo maior que o laço criado”, afirma Oliveira.

A revitalização do Centro de Curitiba tem sido trabalhada já faz alguns anos. Passos im-portantes foram dados. Incenti-vos como redução de impostos tem sido adotados desde 2009 para que novos moradores e escritórios possam se instalar na região, trazendo mais vida à cidade. Alguns espaços tam-bém foram revitalizados, como a Rua Riachuelo.

A dona da Farmácia Home-opática Paranaense, que fica na esquina das ruas Riachulo e Treze de Maio, Alanir Turbay Braga. diz que a rua melhorou bastante com a revitalização. “Algumas coisas ainda têm que ser melhoradas, mas já te-mos uma rua mais bonita, mais iluminada, e já vemos pesso-as diferentes por aqui. É bom para o comércio e melhor para quem mora aqui”, afirma.

Vantagens e desvantagensO funcionário público Gui-

lherme Hasse trocou Santa Felicidade pelo centro. Para ele, as vantagens são a facili-

dade para ir ao trabalho, eco-nomizando em combustível, e a vida do centro. Porém, segundo Hasse, no sábado à tarde, por exemplo, o centro morre. “Nessa hora, quando acaba o horário comercial, o movimento vai para os bairros, e o centro dá uma boa esfria-da”, comenta.

Hasse também aponta como um problema os conges-tionamentos em dias de sema-na no centro de Curitiba. “Eu trabalho próximo, mas se por algum motivo tiver que ir para outro lugar de carro, inevitavel-mente, na volta pegarei con-gestionamento”, lamenta.

A funcionária pública e professora Tânia Solange da Silva diz que uma vantagem invisível é a história por trás de cada prédio, de cada rua: “Para mim, é lindo o centro, o romantismo em saber que por aqui tanta história já foi cons-truída”. No centro, há diversos prédios históricos, alguns in-clusive tombados pelo Patri-mônio Histórico.

Uma região que se renova

Jeferson Turbay

Um quarto dos moradores situa-se na faixa etária de

20 a 29 anos

O número de habitantes por

domicílio no centro é de 2,4. No restante

da cidade, é de 3

Da Curitiba antiga, das carroças e dos bondes, pouca coisa restou O centro ganhou densidade populacional e muitos arranha-céus foram erguidos na região

Divulgação Divulgação

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MARCO ZERO Curitiba, maio de 201112

Idosos são as maiores vítimas de deliquentes em Curitiba

ESPECIAL

Envelhecer com dignidade é direito de todas as pessoas, mas, muitas vezes não é isso que acontece

Luana AlmeidaAlessandra Stilli

Em portas de bancos, calçadas, no centro da cidade, os ido-sos acabam sendo os maiores

lesados por jovens delinquentes. E eles também têm sido grandes víti-mas de golpes por telefones, por se-rem mais frágeis. Os bandidos dizem ter sequestrado um parente próximo, e, muitas vezes, acontece de a vítima pagar um resgate, na hora do desespe-ro, para não ter seu parente executado. Geralmente, esse tipo de extorsão é combinada dentro de presídios.

Mas o que realmente impressiona quando se fala em violência contra os idosos é a violência doméstica. Fre-quentemente, eles acabam sendo víti-ma de covardia de familiares e amigos e geralmente não podem se defender por não terem mais tanta força nos braços e pernas.

Já se tornou comum ouvir que netos agrediram os avós por terem negado dinheiro para drogas ou para noitadas. Até os filhos acabam cometendo esses delitos. A dona de um asilo em Curitiba, Maria Alzira, de 47 anos, conta uma história difí-cil de acreditar. Na manhã de uma quarta-feira, ela abriu seu portão e encontrou uma caixa de papelão fe-chada. Quando abriu a caixa, veio a surpresa: dentro dela, havia sido dei-xado ali, por seu filho, um homem de idade avançada. Ma-ria o acolheu, mas foi atrás da família de José Rivaldo, 87 anos, o senhor aban-donado dentro de uma caixa de pape-lão. “Quando olhei aquela caixa, acabei me emocionando, pois me perguntei como uma pessoa poderia fazer aqui-lo provavelmente com um familiar”, relata inconformada.

Existem também filhos que do-pam seus pais idosos para tomar di-nheiro, deixam-nos passar fome, sem cuidados, sem os remédios necessá-rios. Isso se chama abandono mate-

rial. A Constituição Federal diz que é obrigação dos filhos darem assistên-cia aos pais.

Há também casos de maus tratos nos asilos e entidades que atendem idosos. Nesses casos, eles se sentem

sós, sem poderem se defender e também sem terem alguém para defendê-los. A orientação é que as vítimas procurem delegacias especia-lizadas no atendi-mento aos idosos. Delegacias comuns também registram

denúncias contra familiares e institui-ções que abrigam idosos.

Desrespeito nos ônibusSegundo a terapeuta ocupacional

Elcyana Carvalho, o envelhecimen-to populacional é, hoje, um relevante fenômeno mundial. No Brasil, a cada

ano que passa, 650 mil idosos são in-corporados à população. Atualmente, os brasileiros com idade igual ou su-perior a 60 anos somavam 15 milhões de habitantes. A participação no total da população nacional dobrou nos úl-timos 50 anos, passando de 4%, em 1940, para 9% em 2002.

A queda nas taxas de fecundi-dade e mortalidade infantil, a me-lhoria nas condições de saneamento e infraestrutura básica e os avanços da medicina e da tecnologia são os principais determinantes do proces-so de envelhecimento da população brasileira, cujos contornos tornaram-se mais nítidos nos últimos 20 anos. Uma pessoa é considerada idosa com 60 anos ou mais.

Os aposentados Valda Souza Gazaniga e João Gazaniga, seu ma-rido, de 81 e 83 anos, respectiva-mente, utilizam o transporte público quase todos os dias. Eles acham um absurdo os ônibus estarem sempre

lotados e mesmo assim poucas pes-soas darem seus lugares nos assen-tos. “Uma mulher que percebeu mi-nha dificuldade em me segurar pediu para uma mocinha ao lado ceder seu lugar para mim; acho que ela não gostou”, conta Valda. Eles disseram conhecer o Estatuto do Idoso e que procuram se atualizar sempre que há alguma leia nova. João afirma que sempre que precisou do seu carro as vagas de estacionamento de idosos estavam livres. Defendeu também as filas e caixas prioritários nos bancos e supermercados.

O administrador de redes José Antonio Fernandes, de 23 anos, afir-ma que quando vai ao centro de ôni-bus sempre cede lugar a idosos e pes-soas com crianças de colo. “Eu tenho educação e consciência de que um dia eu também serei idoso. As pesso-as devem ter o mínimo de educação e consideração pelos mais velhos. Ima-gina se fossem os próprios avós?”

Quando abriu a caixa, veio a surpresa:

dentro dela, havia sido deixado ali um

homem de idade avançada

Idosos em praça de Curitiba: a legislação garante às pessoas de mais de 60 anos direitos que nem sempre são respeitados

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Os idosos e os perigos das ruasDesníveis das calçadas de Curitiba complicam caminhada e tornam os tombos ainda mais graves para pessoas com dificuldades de locomoção

Juliani Flyssak

Em Curitiba, as ruas continuam sen-do um grande perigo para os pedestres. Mães se preocupam quando os filhos saem, pois os acidentes acontecem em todos os lugares. Mas as pessoas mais velhas são as que mais sofrem, principal-mente quando andam em ruas movimen-tadas, mesmo o calçadão da XV de No-vembro. “As pessoas sequer olham para o lado e vão dando cotoveladas e empur-rões. Isso machuca, ainda mais eu, que já tenho 68 anos”, recla-ma Tereza Vieira Holtz.

As calçadas não são confortáveis, não apenas para quem é mais velho: mulheres de todas as idades reclamam. Os desní-veis são o que mais incomoda. “Às vezes, acontece de a gente estar andando e tro-peçar. Por muito pouco, não caímos”, diz Tereza Holtz.

Ela também afirma que já levou al-guns tombos. “Tempos atrás, eu estava andando, tropecei e caí. Uma moça me ajudou a levantar. Quando levantei, tive que esperar alguns segundos para me

Uma árdua jornada

A idade chega, e o corpo percebe. Os cabelos ficam brancos e caem. As rugas chegam para ficar. Está na cara! Não só o corpo sente, o coração dos ido-sos reflete cada experiência vivida. As alegrias e decepções dos diversos momen-tos pelos quais eles passaram deixaram marcas. Muitas delas boas e nostál-gicas, já outras, nem tão agradáveis assim, capazes de alterar os previstos ciclos da vida.

Osmar Souza, um senhor de 63 anos, é o exemplo de uma pessoa que teve a sua vida modificada de um ins-tante para outro. Natural de Florianó-polis, mudou-se para Curitiba quando completou 11 anos. Veio na companhia de seus pais, o militar Fernando Souza e a dona de casa Zulmira Maria Sou-za. Começou a tra-balhar ainda jovem como padeiro e antes disso foi também ca-melô. Casou-se quan-do tinha 22 anos. Era apaixonado pela mulher, com quem teve três filhos em um relacionamento de 17 anos. Depois de casado, adquiriu uma casa em São José dos Pinhais, onde vi-via com a família. Lá, investiu na pro-fissão de taxista e chegou a trocar de carro por três vezes.

O ano de 1986 foi o divisor de águas na vida de Osmar. Foi quando se surpreendeu ao flagrar a mulher com outro homem. O mundo dele desabou. Saiu de casa, deixando o imóvel para a ex-companheira e os filhos, que ficaram ao lado da mãe.

Desde então, sua vida nunca mais foi a mesma. Passou por alguns abri-gos até se instalar na Casa dos Irmãos Toca de Assis. Esse centro de apoio que abriga pessoas de diversas idades fica na rua Visconde do Rio Branco, em Curitiba, e serviu de lar para Osmar durante anos difíceis de sua vida.

Nova vidaRecentemente, a visita de um pa-

dre à Toca de Assis mudou mais uma vez a vida de Osmar. O padre selecio-nou quatro senhores (inclusive ele) para

Polliana Bianchini

estrear uma moradia voltada aos idosos do sexo masculino. Há três meses, re-side na nova casa, que, segundo ele, é a coisa mais linda. “É bem pintada e organizada. Lá você não vê sujeira”, diz com entusiasmo.

Osmar fuma bastante. “Esse é o meu único vício. Detesto bebidas, e lá ninguém pode entrar embriagado”. Osmar também não costuma sair após escurecer. “Hoje em dia, não é igual a antigamente. Hoje tem muitos proble-mas nas ruas. Não saio à noite de jeito nenhum. Fico na minha”, conta.

O novo lar fica no bairro Mercês, na rua Júlio Perneta, 259. Duas moças se revezam para dar assistência à casa e aos senhores. Cada quarto possui um banheiro e tem espaço para duas pesso-

as. O local é equipado com entrada eletrônica e garante conforto e segurança aos idosos. No próximo mês, a moradia receberá mais três integrantes.

Mesmo com as pessoas ao redor, Os-mar, após tanta tris-

teza, prefere ficar na solidão. No fundo dos seus olhos, os mesmos que fotografa-ram o pior momento de sua vida, pode-se notar que é uma pessoa boa e sozi-nha. Questionado sobre o que gostaria de ganhar no próximo Natal, responde rapidamente: “Quero um par de tênis novos. O meu está muito velhinho”.

Daqui para frente, ele espera rece-ber a sua aposentadoria, após completar 65 anos, em maio de 2012. Enquanto isso, se vira fazendo pequenos traba-lhos nas ruas para conseguir moedas e comprar o seu cigarro barato. “Já tive várias coisas e hoje, o que tenho?”, de-sabafa consternado.

Osmar guarda seus documentos com cuidado, mas, por incrível que pa-reça, o que exibe com intenso brilho no olhar é a certidão de casamento, muito bem conservada dentro de sua organi-zada carteira. Em cada expressão de Osmar estão impregnadas as marcas de uma vida repleta de lembranças e emoções. “Vivo sozinho. Quero viver a vida tranquilo, na minha”.

ESPECIAL

“Hoje em dia, não é igual a antigamente.

Hoje tem muitos problemas nas ruas. Não saio à noite de jeito nenhum. Fico

na minha”

lembra de onde estava. Tenho medo de que isso possa acontecer de novo.”

As ruas ficam cada vez mais traiço-eiras para essa parte da população que não tem mais tanto equilíbrio devido à idade. Muitos motoristas também não co-operam. “Tem vezes que eles andam em alta velocidade e não se importam com quem pode estar atravessando a rua. Se

o pior acontece, eles falam que não têm cul-pa. A faixa de pedes-tres é feita para eles pararem, mas nem isso eles respeitam”, queixa-se Tereza.

De acordo com a aposentada Romilda Stand, de 78 anos, a preocupação e o res-

peito com os idosos nas ruas curitibanas quase não existe. “É difícil encontrar al-guém que nos ajude. Já caí na calçada por causa da péssima condição delas, e só depois de alguns minutos um moço veio me ajudar. Na maioria das vezes, as pessoas veem que necessitamos de ajuda, mas fingem que não é com eles”, afirma indignada.

“É difícil encontrar alguém que nos ajude. Já caí na calçada por

causa da péssima condição delas”,

diz Romilda Stand

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Consigo um emprego se tenho uma tatuagem?

No mundo dos negócios, quem opta por fixar per-manentemente desenhos ou

frases no corpo nem sempre é bem visto profissionalmente. Essas pes-soas são muitas vezes tidas como de-sinteressadas pelo trabalho e acabam não recebendo a credibilidade que merecem, mesmo quando são extre-mamente capazes e competentes. Um exemplo desse tipo de discriminação é a professora de inglês Carolina de Bor-toli, que admitiu ter tido problemas para lecionar em várias escolas devi-do às sete tatuagens e quatro piercings espalhados pelo corpo: “Em meu es-tágio supervisionado da faculdade, fui ‘convidada a me retirar’ da escola pelo diretor por causa das tatuagens, e no meu trabalho atual me taxam como a loirinha louca”, conta sorrindo.

O diretor de uma escola de orien-tação religiosa em Curitiba, Magdiel Gonzalez, deixa claro que, ao con-tratar um funcionário, a preferência é por quem não tem tatuagens. Caso o pretendente à vaga tenha a pele mar-cada por desenhos permanentes, será eliminado imediatamente da lista de possíveis contratações, já que faz parte das normas da escola não ter cabelos compridos, usar brincos ou piercings ou possuir tatuagens.

Em contrapartida, Coreolano Neto, que trabalha no setor jurídico do Banco do Brasil e contrata estagi-ários, prefere escolhê-los pela capaci-dade e demonstração de interesse para ocupar a vaga que eles apresentam ao candidatarem-se ao cargo. Coreolano afirma que o preconceito maior que as pessoas tatuadas enfrentam pro-fissionalmente é proveniente de fun-cionários “mais antigos”, que estão acostumados com um “estilo militar”, sinônimo de ordem e seriedade: cabe-lo curto, penteado, barba feita, roupas passadas e bem cortadas. “Os mais tradicionalistas aqui do banco acham que pessoas com tatuagens não são aptas à ocupação do cargo, pois não passam seriedade e compromisso com o serviço que estão fazendo aos clientes”, explica.

Na AntiguidadeEncontradas por pesquisadores

americanos, múmias datadas de mais de cinco mil anos já apresentavam o corpo marcado por desenhos definiti-vos. Essas figuras eram representações de fatos marcantes que haviam acon-tecido durante suas vidas, tais como a chegada da vida adulta, rituais, venci-mento de batalhas e assim por diante. Nas primeiras décadas depois de Cris-to, foi a vez de os primeiros seguidores de Jesus Cristo se identificarem como grupo religioso, gravando na pele o peixe, símbolo da sua ideologia, a cruz na qual seu mestre havia se sacrificado em prol da humanidade ou a sigla IHS (sigla em latim de “Jesus, salvador dos homens”). Contudo, no final da Idade Moderna, a tatuagem virou símbolo de marginalidade, já que essa prática havia se tornado comum dentro de prisões com a intenção de identificar os criminosos pelos delitos cometidos ou orientação sexual, ou somente com a intenção de marcar na pele desenhos que servissem como amuletos que tra-riam sorte e proteção à vida dos de-tentos. Foi somente a partir da década de 1960, com o advento de manifesta-ções artísticas com origens ligadas aos movimentos de vanguardas do início do século XX, que a tatuagem tornou-se contemporaneamente um símbolo de arte.

O tatuador Fajioni, do estúdio Dragão Tattoo, alega que o público de tatuagem e piercing é distinto e garan-te já ter tatuado juízes, advogados e dentistas. Embora o preconceito com tatuados ainda exista no mercado de trabalho, salienta: “A nossa cliente-la não se preocupa muito quanto ao local das tatuagens, pois sabem que estão fazendo um trabalho artístico, e não uma marca de cadeia”.

A mentira mais bem sucedida da história

A senhora Joslin afirmou: “Quan-do o locutor disse: abandonem a cida-de, peguei o meu filho nos braços e precipitei-me, pela escada abaixo...”. Já Joseph Hendley disse que todos caíram de joelhos, e a família rezou. Esses são apenas dois de centenas de depoimentos ouvidos pela polícia para dimensionar o caos que se ins-talou nos Estados Unidos depois da transmissão da radiodramatização do romance “Guerra dos Mundos”, de H. G. Wells, apresentado por Orson Wel-les e pelo grupo de teatro Mercury The-atre na noite de noite de 30 de outubro de 1938. Aquela véspera de Halloween ficou conhecida como a maior mentira da história, que, a princípio, não teve o propósito de enganar ninguém, nem de causar pânico, apenas entreter os ouvintes da rádio CBS. É difícil saber o porquê da histeria coletiva, uma vez que a emissora já havia apresenta-do antes adaptações de peças como “Drácula”, de Bram Stoker, e “A ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson, e o jovem Orson Welles já era conheci-do pelo trabalho no teatro, mas o fato é que ela aconteceu.

Parece que, no entanto, nem todos ouviram os avisos e a publicidade da emissora sobre a radiodramatização. Na adaptação produzida por Welles e proposta pelo Mercury Theatre, após a previsão do tempo, houve uma inter-rupção na transmissão, e em seguida a locução avisou: “A CBS interrompe seu programa para anunciar aos ouvintes que um meteoro de grandes dimen-sões caiu em Grovers Hill, no Estado de Nova Jersey.” A partir disso, os pri-meiros 30 minutos do programa foram apresentados em forma de boletins jor-nalísticos, o que levou muitos ouvintes desavisados a pensar que, realmente, Nova Iorque e Nova Jersey, estavam sendo invadidas por marcianos.

Além da locução, a dramatização também lançou mão de um “enviado especial” do programa que retratou aos espectadores a descoberta de um cilindro de metal, uma nave espa-cial, e seres gigantescos com tentá-culos que entraram em confronto com a polícia, enquanto o repórter narra-va a morte de dezenas de pessoas. O público também ouviu a morte do

enviado especial vitimado por raios vindos da nave. A dramatização de Welles inventou também entrevistas com autoridades, e um ator se fazen-do passar por secretário de Estado alertou os ouvintes de que as pessoas deveriam sacrificar a própria vida para que os humanos prevalecessem na Terra. Somando-se tudo isso ao relato da chegada de novas naves invasoras em Manhattan, foi mais que suficien-te para gerar o caos, e o desespero se instalou entre a população. Não foi possível medir os resultados que a falsa invasão causou. Há relatos de pessoas que preferiram o suicídio à aniquilação pelos alienígenas.

Durante a transmissão, a CBS re-cebeu as primeiras notícias de que a população estava histérica, porém, o diretor da estação de rádio não inter-rompeu a transmissão. Somente após um gás mortífero ser lançado pelos alienígenas e atingir até mesmo os pré-dios mais altos da cidade, e o locutor do programa ser morto pelos invasores, a transmissão chegou ao fim. Após se-gundos de silêncio, outro locutor volta ao ar para dizer: “Vocês acabaram de ouvir a primeira parte de uma irradia-ção de Orson Welles, que radiodrama-tizou A Guerra dos Mundos, do famoso escritor inglês H. G. Wells”.

Relatos afirmam que a polícia e os bombeiros tiveram uma dificuldade enorme em convencer as pessoas de que não havia nenhuma invasão acon-tecendo, e nos meses seguintes Wel-les e a CBS foram processados em centenas de ações judiciais em busca de indenização, porém, nenhuma de-las foi bem sucedida. A transmissão de Welles pode ser considerada uma das mentiras mais convincentes de to-dos os tempos.

Eliaquim JuniorLarissa Corumbá

TRABALHO HISTÓRIA

Coreolano Neto: sem preconceitos com tatuagem

Divulgação

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TÁ NA WEB

Requião e sua aposentadoria Mais uma trapalhada do agora senador Roberto Requião (PMDB-PR). Questionado por um repórter da Rádio Bandeirantes, Victor Boyadi-jan, se abriria mão da aposentadoria como ex-governador do Paraná, Requião se irritou com a pergunta e tomou o gravador das mãos do jornalista e ainda deletou toda a matéria. Pelo Twitter, justificou sua atitude dizendo: “Acabo de ficar com o gravador de um provocador en-graçadinho. Numa boa, vou deletá-lo”. Será que ele não aceitaria numa boa que o povo que paga sua aposentadoria deletasse os R$ 24.000,00 que ele recebe?

Mais dinheiro para o Lanterna Verde

Essa vem direto de Hollywood. A produtora do filme Lanterna Ver-de, baseado numa história em quadrinhos de mesmo nome, teve que adotar medidas urgentes para cumprir o prazo de lançar o filme até ju-nho. Segundo a revista especializada em cinema Variety, a Warner Bros. desembolsou mais US$ 9 milhões e contratou novas empresas de efeitos especiais. Oficialmente, o problema não é admitido, e o vice-presidente de efeitos visuais Chris de Faria disse: “Tentamos acrescentar coisas para deixar o filme melhor até o último instante. Isso não significa que estamos arriscando o filme até o último instante”. O bom é que Hollywood tem dinheiro de sobra e com certeza US$ 9 milhões não irão fazer falta, claro, se o filme for bem quando estrear.

Adriano pisa com o pé operado em shopping Do mundo do futebol, uma notícia bombástica. O novo reforço do Corinthians foi visto passeando por um shopping no Rio de Janeiro. Adriano se recupera de um rompimento no tendão de Aquiles, o que fez adiar em cinco meses sua estreia. O passeio mostrou que o atacante não está seguindo à risca as recomendações do time paulista. Adriano foi visto com uma espécie de bengala e vestindo bota no pé lesionado, mas o usou como apoio. Cartão vermelho para o atacante. Desse jeito, ele nunca vai estrear no Corinthians para substituir Ronaldo Fenômeno. Pelo menos em questão de peso, não vai ser difícil.

Chama-se Albert Copérnico. Sua mãe o chama de “Al”, e os amigos...não, não tem amigos.

Tem, isso sim, um cérebro gigan-tesco, um contraste com seu corpo miúdo. Sexo? Para ele, uma parte de algum relatório a ser preenchido.

Dependendo do ângulo de vi-são (analisando as variáveis, prismas e tudo o mais), Albert com certeza é um ser humano lindo. À sua manei-ra, claro.

Quando “Al” se apaixonou (dei-xem-me pegar a intimidade materna e também chamá-lo assim), pensou que alguma coisa estava muito errada com ele.

– Meus níveis de serotonina e dopamina estão altos, e eu nem comi chocolate hoje! – estranhou ele.

A resposta para seu enigmático teorema tinha nome: Jamile.

Seu órgão de musculatura estria-da cardíaca (vulgo coração) bombeava mais intensamente quando Jamile (ah, Jamile...) estava próxima de Al.

Quando Jamile sorria, Al ficava de tal maneira que não conseguia dis-farçar. Jamile notou:

– O que você tem, Al? (Ela tam-bém o chamava assim, o que muito o agradava).

– Estou com dispnéia.– Quê?– Falta de ar.Al sabia explicar tudo. Devorava

os livros sem ter congestão e não se recordava de nenhum tempo da sua vida (considerando que o tempo exis-ta) em que tivesse ficado sem encon-trar uma solução.

Isso até conhecer Jamile. E ele tentou se declarar.

– Sua pele e temperamento com-binados criam em mim uma conexão de atratividade.

– Quê?Al não conseguia simplificar

o que estava sentindo, nem mesmo conseguiria definir. Era um nerd, não um poeta.

– Como conquistar Jamile? – per-guntou-se Al, sem cabeça para resol-ver uma equação que faria as pessoas escovarem os dentes com o dobro de

CRÔNICA

Nerd (apaixonado ao quadrado)

Diego Gianni

eficácia em metade do tempo.“Talvez”, refletiu Al, “o velho

método de flores e bombons, por mais simplista e recheado de obvieda-des que possa parecer, seja a linha de desenvolvimento mais precisa”.

Chamou Jamile para um canto e, novamente, tentou dizer o que estava sentindo do fundo de seu órgão nobre de bombear o sangue.

– Jamile...– Diz, Al...Al pigarreou, limpou com a man-

ga da camisa uma gota de suor de sua testa (em quantidade normal, o que descartava nele uma possível febre cística que poderia ter herdado geneti-camente de seu progenitor) e revelou a Jamile seus mais cândidos sentimen-tos. Repito, à maneira dele.

– Jamile...– Sim...?– Quando... Quando Isaac

Newton apresentou sua teoria em que a luz podia ser considerada como um feixe de partículas emitidas por uma fonte de luz que atingia o olho e estimulava a visão, talvez estivesse... apaixonado.

Jamile olhou para ele sem en-tender.

– Como? – perguntou.– Você tem luz própria, Jamile.Ela sorriu e compreendeu tudo,

porque se há uma linguagem universal é a do amor. Al não precisava ter dito nada, estava escrito em seus olhos que ele estava apaixonado, e ela sabia disso há muito tempo.

– Não... não sei se estou con-seguindo me fazer entender... – ga-guejou ele.

– Não seja estúpido, Al – disse ela com um sorriso.

Ela lhe beijou a boca e foi embo-ra, deixando o gênio nas nuvens.

De noite, ao abrir a janela de seu quarto, Al olhou para o céu e, como sempre, olhou para as esferas auto-gravitantes de gás ionizado que, esta noite em especial, pela primeira vez chamaria de estrelas, como convém a qualquer pessoa apaixonada.

Dormiu com um sorriso bobo no rosto.

Andrey Takahashi

Divulgação

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MARCO ZERO Curitiba, maio de 201116

Textos e fotos:Larissa Glass

Curitiba é conhecida por sua diversidade de praças e par-ques. No final da tarde, são um ótimo convite para curtir com os amigos, namorar, levar as crianças para brincar,

parar para bater um papo, descansar ou apenas cortar caminho para casa. Cheias de charme, as praças ganham vida com o corre--corre dos moradores e turistas que circulam por elas e também com a presença daqueles que as desfrutam por alguns minutos.

ENSAIO FOTOGRÁFICO

Na mesma praça,no mesmo banco