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Palavras-Chave: predação, promoção, antitruste, transporte aéreo. Key words: predation, antitrust, air transportation. Recommended Citation Abstract This research presents a descriptive analysis of theoretical approaches concerned about predatory practices in the air transport sector, by applying a traditional antitrust approach. As discussed in this paper, the defense of competition has been increasingly considered as an important mechanism to promote economic welfare in oligopolistic markets liberalized or partially liberalized, as applied to the Brazilian civil aviation. One of its dimensions is the so called "control of conduct” which consists at curbing the abuses of market power adopted by one or more firms in the industry. According to the abovementioned, this paper will discuss some practices of anti-competitive conduct observed in the air transport sector - such as predatory pricing, “excess capacity”, cartels, special bonus commissions paid by an airline to travel agents and misuse of computerized reservation systems - in order to assess the net effects of these practices in the market structure and the welfare of consumers. Ferreira, N. S. (2007) Discussão das abordagens teóricas na investigação de práticas de concorrência predatória no transporte aéreo. Journal of Transport Literature, vol. 1, n. 2, pp. 47-69. Natália dos Santos Ferreira* Resumo A presente pesquisa tem por objetivo fazer uma análise descritiva das abordagens teóricas acerca das principais práticas de concorrência predatória verificadas no transporte aéreo, dentro de uma abordagem antitruste tradicional. Conforme será discutido ao longo do texto, a Política de Defesa da Concorrência tem sido, cada vez mais, considerada como importante mecanismo de promoção do bem-estar econômico em mercados oligopolísticos recentemente liberalizados ou com liberalização parcial, como é o caso do transporte aéreo no Brasil. Uma de suas dimensões principais, que será adotada neste estudo, diz respeito ao chamado “controle das condutas”, que se preocupa em coibir os abusos do poder de mercado que sejam, eventualmente, efetuados por uma ou mais firmas na indústria. Nesse sentido, este trabalho visa analisar as principais condutas anti-competitivas observadas no setor aéreo -“excesso de capacidade”, preços predatórios (versus preços promocionais), acordos ilícitos de cooperação e cartelização, concessão de comissões preferenciais para agentes de viagem e uso indevido dos sistemas de reserva computadorizados – a fim de apurar os efeitos líquidos dessas práticas na estrutura do mercado e no bem- estar dos consumidores. This paper is downloadable at www.transport-literature.org/open-access. JTL|RELIT is a fully electronic, peer-reviewed, open access, international journal focused on emerging transport markets and published by BPTS - Brazilian Transport Planning Society. Website www.transport-literature.org. ISSN 2238-1031. * Email: [email protected]. Reviews & Essays Journal of Transport Literature Submitted 15 Mar 2007; received in revised form 27 May 2007; accepted 15 Jun 2007 Vol. 1, n. 2, pp. 47-69, Jul. 2007 Discussão das abordagens teóricas na investigação de práticas de concorrência predatória no transporte aéreo [On the approaches for the investigation of predatory behavior in the airline industry] Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Brazil B T P S B T P S B T P S B T P S Brazilian Transportation Planning Society www.transport-literature.org JTL|RELIT JTL|RELIT JTL|RELIT JTL|RELIT ISSN 2238-1031

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Palavras-Chave: predação, promoção, antitruste, transporte aéreo.

Key words: predation, antitrust, air transportation.

Recommended Citation

Abstract

This research presents a descriptive analysis of theoretical approaches concerned about predatory practices in the air

transport sector, by applying a traditional antitrust approach. As discussed in this paper, the defense of competition has been

increasingly considered as an important mechanism to promote economic welfare in oligopolistic markets liberalized or partially

liberalized, as applied to the Brazilian civil aviation. One of its dimensions is the so called "control of conduct” which consists at

curbing the abuses of market power adopted by one or more firms in the industry. According to the abovementioned, this paper

will discuss some practices of anti-competitive conduct observed in the air transport sector - such as predatory pricing, “excess

capacity”, cartels, special bonus commissions paid by an airline to travel agents and misuse of computerized reservation systems -

in order to assess the net effects of these practices in the market structure and the welfare of consumers.

Ferreira, N. S. (2007) Discussão das abordagens teóricas na investigação de práticas de concorrência predatória no transporte

aéreo. Journal of Transport Literature, vol. 1, n. 2, pp. 47-69.

Natália dos Santos Ferreira*

Resumo

A presente pesquisa tem por objetivo fazer uma análise descritiva das abordagens teóricas acerca das principais práticas de

concorrência predatória verificadas no transporte aéreo, dentro de uma abordagem antitruste tradicional. Conforme será

discutido ao longo do texto, a Política de Defesa da Concorrência tem sido, cada vez mais, considerada como importante

mecanismo de promoção do bem-estar econômico em mercados oligopolísticos recentemente liberalizados ou com liberalização

parcial, como é o caso do transporte aéreo no Brasil. Uma de suas dimensões principais, que será adotada neste estudo, diz

respeito ao chamado “controle das condutas”, que se preocupa em coibir os abusos do poder de mercado que sejam,

eventualmente, efetuados por uma ou mais firmas na indústria. Nesse sentido, este trabalho visa analisar as principais condutas

anti-competitivas observadas no setor aéreo -“excesso de capacidade”, preços predatórios (versus preços promocionais),

acordos ilícitos de cooperação e cartelização, concessão de comissões preferenciais para agentes de viagem e uso indevido dos

sistemas de reserva computadorizados – a fim de apurar os efeitos líquidos dessas práticas na estrutura do mercado e no bem-

estar dos consumidores.

This paper is downloadable at www.transport-literature.org/open-access.

■ JTL|RELIT is a fully electronic, peer-reviewed, open access, international journal focused on emerging transport markets and

published by BPTS - Brazilian Transport Planning Society. Website www.transport-literature.org. ISSN 2238-1031.

* Email: [email protected].

Reviews & Essays

Journal of Transport Literature

Submitted 15 Mar 2007; received in revised form 27 May 2007; accepted 15 Jun 2007

Vol. 1, n. 2, pp. 47-69, Jul. 2007

Discussão das abordagens teóricas na investigação de

práticas de concorrência predatória no transporte aéreo

[On the approaches for the investigation of predatory behavior in the airline industry]

Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Brazil

B T P SB T P SB T P SB T P S

Brazilian Transportation Planning Society

www.transport-literature.org

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ISSN 2238-1031

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1. Introdução

O transporte aéreo é um dos setores mais dinâmicos da economia mundial e possui atuação

essencial num cenário de interações globais, uma vez que proporciona o intercâmbio ágil de

pessoas e mercadorias intra e entre as nações e estimula/viabiliza as relações econômicas e

comerciais. Sendo assim, o estudo do transporte aéreo assume relevância crescente,

principalmente, em um país continental como o Brasil que, diante da presença de uma malha

rodoviária mal conservada, com ferrovias escassas e uma rede fluvial de baixa utilização, tem

no modal aéreo uma alternativa relevante de deslocamento e, às vezes, única de acesso a

determinadas regiões.

Desde a década de 1990, a indústria de transporte aéreo nacional vem passando por grandes

mudanças estruturais2. A gradual eliminação das barreiras à entrada de novas companhias e a

desregulamentação iniciada no início desse período, criaram uma nova perspectiva de

competição para as empresas existentes, obrigando-as a uma grande mudança tanto em sua

forma de gerenciamento dos recursos, como de estratégia de seu posicionamento no mercado.

O estabelecimento de um cenário mais competitivo tem induzido as empresas a passarem de

uma gestão puramente operacional, para uma “gestão de negócios”, onde a administração

eficiente dos custos tornou-se o elemento central na determinação da rentabilidade e do êxito

de uma companhia.

Dentro desse contexto, cresce a importância das operadoras de baixo custo (low cost carriers)

que, mesmo nas fases em que a indústria como um todo apresentou resultados negativos,

permaneceram lucrativas, como a Southwest (EUA), Easyjet (Inglaterra), Ryanair (Irlanda) e

2 A liberalização do transporte aéreo brasileiro iniciou-se nos anos noventa e engloba um conjunto de medidas

chamado de “Política de Flexibilização do Transporte Aéreo”. Trata-se de um processo gradual de flexibilização

constituído por três rodadas liberalizadoras. A chamada Primeira Rodada da Liberalização aconteceu em 1992 e

resultou em duas medidas principais: i) adoção de uma política de estímulo à entrada de novas operadoras no

mercado, o que significou o fim dos monopólios das companhias aéreas regionais, e ii) implantação da banda

tarifária, instrumento que definia preços de referência e os limites superior e inferior para flutuação de preços.

No final dos anos noventa aconteceu a Segunda Rodada da Liberalização. Nessa etapa, foram removidas as

bandas tarifárias e a exclusividade de operação das Linhas Aéreas Especiais pelas companhias regionais. A

Terceira Rodada aconteceu em 2001, quando ficou estabelecida a remoção dos controles de preços restantes

sobre o setor através da liberalização das tarifas, sem distinção entre ligações em termos de controle, mas apenas

de monitoramento.

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GOL (Brasil). Utilizando-se se de uma estrutura de custos bastante enxuta3, as LCC’s

conseguem cobrar uma tarifa inferior e, com isso, vêm ampliando, de forma crescente, sua

participação no mercado (market share) e induzindo uma reestruturação no ambiente

concorrencial.

Em contraposição à estratégia de diferenciação por preços e custos estabelecida no mercado

pelas LCC’s, pode-se dizer que as empresas tradicionais – as Full Service Carriers (FSC’s) -

em resposta ao avanço das novas entrantes - optaram por uma diferenciação baseada em

estruturas complexas de redes, na qualidade do serviço prestado, no conforto das aeronaves,

nos serviços de bordo sofisticados e num eficiente programa de fidelização de clientes, além

da formação de alianças e acordos operacionais com outras companhias.

Diante da configuração de um cenário mais competitivo, cresce a importância do papel das

autoridades antitruste na investigação das condutas e práticas de concorrência predatória

praticadas por empresas aéreas. A concessão de comissões preferenciais para agentes de

viagem (como estratégia excludente de pequenas e/ou novas empresas), o uso indevido dos

sistemas de reserva computadorizados (Computer Reservation Systems – CRS), o aumento da

quantidade de vôos disponíveis para uma dada rota, o uso de preços predatórios e a formação

de conluio são exemplos elucidativos.

De acordo com Genesove e Mullin (1997) o contínuo exercício de poder de mercado depende

da capacidade potencial das firmas incumbentes em intimidar a entrada de novas firmas no

mercado. Eles definem predação como sendo a ação da firma incumbente em empreender o

sacrifício em seus lucros correntes a fim de reduzir o lucro de seus rivais visando contrair a

entrada de novas firmas e/ou induzir a saída. Essa prática poderá gerar uma nova barreira à

entrada, conhecida como “barreira de reputação predatória”, dada a incerteza acerca do

comportamento futuro da empresa incumbente. Sendo assim, a estratégia predatória poderá

ser deletéria ao mercado, na medida em que previne a entrada de novas empresas facilitando a

possibilidade de exercício abusivo de poder de mercado.

3 Obtida por meio de: i) frota unificada ; ii) serviços de bordo simplificados; iii) estabelecimento de vôos diretos

e estrutura de rede simplificada; iv) estrutura funcional enxuta e terceirização de serviços competitivos; v)

informatização das operações e uso de técnicas sofisticadas de gerenciamento de preços; vi) estrutura de tarifas

simples, com uma única classe de serviços; e vii) uso da internet como principal veículo de vendas.

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Do ponto de vista concorrencial, o uso de estratégias predatórias juntamente com atos de

concentração e de cooperação no setor de transporte aéreo, representam grandes desafios para

as autoridades de defesa da concorrência, em virtude da complexidade dos possíveis efeitos

advindos dessas operações para o usuário. Aliás, a possibilidade real de danos ao mercado é

um dos principais motivos a justificar a pronta atuação de órgãos de defesa no escrutínio

dessas operações.

Dado o exposto, pode-se inferir que a política antitruste tem sido, cada vez mais, considerada

como importante mecanismo de promoção do bem-estar econômico em mercados

oligopolísticos recentemente liberalizados ou com liberalização parcial, como é o caso do

transporte aéreo no Brasil. Uma de suas dimensões principais diz respeito ao chamado

“controle das condutas”, que se preocupa em coibir os abusos do poder de mercado que

sejam, eventualmente, efetuados por uma ou mais firmas na indústria. Sendo assim, torna-se

fundamental a elaboração de estudos sobre a conduta competitiva de companhias aéreas afim

de melhor esclarecer os fenômenos de "guerras de preço", "competição predatória" e "excesso

de capacidade", sendo este o objetivo inicial deste trabalho. Assim, a presente pesquisa

encontra-se dividida em três seções, incluindo esta introdução. A Seção 2 tem por objetivo

fazer uma análise descritiva das abordagens teóricas acerca das principais práticas horizontais

de concorrência predatória verificadas no transporte aéreo, dentro de uma abordagem

antitruste tradicional e na Seção 3 são feitas as considerações finais.

2. Práticas Predatórias no Transporte Aéreo – Uma Abordagem Antitruste

A abordagem antitruste tradicional identifica a prática de preços predatórios a partir da

observação de se a firma dominante incorre em perdas, no curto prazo, em um mercado

particular, de modo a induzir a saída (ou impedir a entrada) de uma firma rival, na expectativa

de que lucros supra-normais pudessem ser obtidos no futuro, naquele ou em outros mercados

[Glais e Laurent (1983)]. Uma vez determinadas quais seriam as práticas anticoncorrenciais

imputáveis à firma dominante, cumpre estabelecer o seu caráter abusivo. Para isso, deve-se

comparar as vantagens e desvantagens por elas geradas, conforme sugerem Glais e Laurent

(op.cit.):

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“Sobre o mercado dominado pela empresa em questão, a concorrência já é debilitada,

embora todo entrave suplementar aportado a ela não possa ser facilmente aceito

pelas autoridades comunitárias encarregadas de controlar o bom funcionamento do

mercado. A nocividade do comportamento reprovado dessa firma está sempre em

risco de ser considerável por uma dupla razão. As práticas restritivas, ao reduzirem

ainda mais uma concorrência já limitada são, desde logo, tão mais graves que os

concorrentes e parceiros da firma considerada não têm poder de lhe fazer face”.(p.

353, tradução livre).

A nova literatura em Organização Industrial sobre comportamento predatório apresenta três

tipos alternativos de modelos: i) há análises de teoria dos jogos baseadas na idéia de “bolso

profundo”. Nessa linha, as mais recentes contribuições mostram como o comportamento

predatório pode ocorrer em equilíbrio se a informação é imperfeita e se os recursos

financeiros da firma dominante são substancialmente maiores que os de qualquer competidor

efetivo ou potencial; ii) existe um segundo conjunto de artigos mostrando como, na presença

de informação imperfeita, uma firma instalada pode construir uma reputação de “jogar

pesado” (toughness) e desencorajar entrantes potenciais a se defrontarem com ela; e iii) um

terceiro conjunto mostra que, quando não é simétrica a informação sobre custos e condições

de demanda, um predador pode usar um preço baixo para sinalizar a um rival que àquelas

condições de custo e demanda, a saída é melhor opção para o rival que permanecer no

mercado e continuar a enfrentar a firma dominante.

O desenvolvimento da teoria dos jogos aprofundou o entendimento acerca do comportamento

predatório. Foi demonstrado que, na presença de informação assimétrica (sobre condições de

mercado, custos, “gosto” pela predação, ou simplesmente estratégia das outras firmas), ou

imperfeições no mercado financeiro, a predação é teoricamente possível, mesmo na ausência

das barreiras à entrada que tradicionalmente pensou-se serem condição necessária.

O crescente uso de instrumentos de defesa da concorrência em todo o mundo coloca novos

desafios teóricos e empíricos para a Teoria Econômica. No Brasil, a política antitruste só

começou a ser utilizada de forma mais efetiva a partir da estabilização de preços propiciada

pelo Plano Real, em 1994, quando foi criado seu arcabouço institucional estabelecido pela Lei

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de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884, de 11 de junho de 19944). A partir de então, o país

passou a dispor de um aparato regulatório mais efetivo para execução de política antitruste no

controle de condutas e de estruturas de mercado substituindo o controle e a supervisão direta

de preços. Os mecanismos de fomento à competição visam, nos termos da lei, prevenir as

chamadas "infrações contra a ordem econômica", pautando-se pelos ditames da livre

concorrência e da repressão ao abuso do poder econômico, dentre outros princípios

constitucionais - vide Lovadine, Turolla, e Oliveira (2006).

A política antitruste é realizada através de instrumentos de intervenção nos quais as

autoridades podem atuar, tanto de maneira repressiva quanto preventiva, com relação aos atos

considerados lesivos à competição (atos de concentração, como fusões e incorporações, ou

práticas de articulação de mercado, como colusão tácita, coordenação de preços e

quantidades), sem necessariamente impor condições a todos os participantes do mercado,

como nos regimes regulatórios. São duas as suas dimensões principais: o controle da estrutura

da indústria, voltado para o controle da formação de poder de mercado; e o controle das

condutas, que se preocupa em coibir os abusos do poder de mercado que seja eventualmente

detido por uma ou mais firmas da indústria [Lovadine, Turolla, e Oliveira (op.cit.)].

Dentro deste contexto, as autoridades antitruste já se depararam, em todo o mundo, com

condutas anticompetitivas no setor aéreo. As estratégias predatórias podem se tornar

possíveis, com o uso indevido de diversos elementos que auferem vantagens às incumbentes.

Entre diversos esquemas, têm-se como exemplos clássicos de condutas predatórias na

indústria, entre outros: a concessão de comissões preferenciais para agentes de viagem (como

estratégia excludente de pequenas e/ou novas empresas); o uso indevido dos sistemas de

reserva computadorizados (computer reservation systems-CRS); o uso de “excesso de

capacidade”; a prática de preços predatórios; e acordos ilícitos de cooperação e cartelização.

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A defesa da concorrência no Brasil teve sua origem na Lei no 4.137 de 1962, que previa o controle de condutas

infrativas à ordem econômica, criando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Em 1991 foi

promulgada a Lei de Defesa da Concorrência, Lei n o 8.158, cujo foco continuou sendo o controle de condutas.

Esta lei introduziu a Secretaria Nacional de Direito Econômico, hoje Secretaria de Direito Econômico – SDE, do

Ministério da Justiça, no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, por sua vez foi substituída pela Lei n o

8.884 em 11 de junho de 1994, que passou a ser o principal diploma legal para a Defesa da Concorrência no

Brasil. Esta última Lei mencionada transformou o CADE em autarquia e definiu a competência da SEAE/MF no

Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

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O problema com relação aos CRSs se verificou logo após o processo de desregulação nos

Estados Unidos. Segundo O’Connor (2001), como os sistemas de reserva pertenciam a

companhias aéreas, havia o incentivo para a utilização do sistema para beneficiar a própria

empresa, o que acabou se verificando na prática. Além disso, destaca o fato de ser bem

provável que o tratamento diferenciado para novas companhias aéreas pelos CRS tenha sido

um fator que causou a morte de muitas delas no final da década de 1980. Por isso, em uma de

suas últimas medidas, o Civil Aeronautic Board (CAB, ex-regulador do setor aéreo norte-

americano, substitituído pelo US DOT – Department of Transportation) determinou que os

CRSs fossem utilizados de modo não discriminatório por parte das companhias aéreas a que

pertenciam, salvo se houvesse alguma justificativa baseada em custo para o tratamento

diferenciado.

O processo de fusões e de acordos de cooperação possibilitou a concentração de poder

econômico em algumas empresas aéreas. Nos Estados Unidos, em particular, esse poder

econômico se encontra em empresas incumbentes dominantes em grandes aeroportos hubs.

Nesses casos, um dos maiores problemas de ordem concorrencial está relacionado com o fato

de que estratégias predatórias, por parte dessas empresas incumbentes, direcionadas a

companhias que praticam tarifas baixas (low-fare) se mostram bastante lucrativas no longo

prazo, permitindo a recuperação de eventuais perdas decorrentes do ataque predatório

[Ragazzo (2006)].

Segundo Oster e Strong (2001), a indústria aérea também tem características especiais que

tornam condutas predatórias racionais e atrativas do ponto de vista de estratégia corporativa.

O ponto central é que informação sobre entrada e preço é fácil e rapidamente disponível. O

uso abundante do sistema de gerenciamento de resultados não só permite às companhias

aéreas ofertarem uma variedade de tarifas, por meio de discriminação de preços, mas também

fornece informações significativas e oportunas sobre ações de competidores reais e potenciais.

Sistemas computadorizados de reservas tornam disponíveis, quase que imediatamente,

informações sobre ações, oferta e até mesmo (mais limitadamente) disponibilidade de outras

companhias aéreas, informações essas que reduzem o custo de predação. O meio mais óbvio

de se verificar isso se dá quando os serviços de uma nova entrante são facilmente vistos com

antecedência. Sistemas de gerenciamento de resultados permitem uma reposta a essa entrada

de uma maneira focada, de modo a que outras companhias aéreas não vejam a ação como o

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começo de uma guerra de preços (que levaria a uma redução de tarifas em outras rotas,

aumentando os preços de resposta predatória).

A estratégia predatória poderá ser deletéria ao mercado, na medida em que previne a entrada

de novas empresas, facilitando a possibilidade de exercício abusivo de poder de mercado.

Essa prática reiterada poderá gerar, como salienta Genesove e Mullin (1997), uma nova

barreira à entrada, conhecida como a barreira de reputação predatória. Kim (2004), focando

na teoria da reputação, procura estimar como o comportamento das empresas incumbentes

influencia a estratégia de entrada de potenciais entrantes. Segundo ele, é possível medir e

prever o “efeito de reputação”, ou seja, o efeito da resposta da incumbente à probabilidade de

entrada futura. A intenção da predação é identificada, assim, pela existência do efeito de

reputação predatória. De acordo com Kim (op.cit.) uma questão interessante a ser respondida

é se é possível distinguir empiricamente uma reputação puramente predatória de uma

reputação de competição. A reposta não é tão direta como pode parecer, especialmente,

quando a empresa incumbente tem fortes características competitivas. Supondo, por exemplo,

que o interesse inicial de uma empresa entrante no modelo adotado pela incumbente diz

respeito à estrutura eficiente de custos. Sabendo disso, a firma incumbente poderia agir

agressivamente no sentido de enganar a entrante. Assim, a entrante tem que aprender não só

com o modelo eficiente de gestão de custos da incumbente, mas também deve prever e estar

preparada para o tipo de reação possivelmente adotado pela mesma.

Justamente em função da reputação predatória, as empresas incumbentes não necessitam se

engajar em estratégias anticompetitivas com freqüência. A barreira artificial criada por

ataques anteriores (histórico predatório) seria o suficiente para evitar a entrada de novos

concorrentes. De acordo com Oster e Strong (op.cit), o Departamento de Transportes

Americano recebeu 32 denúncias informais sobre práticas anticompetitivas entre 1993 e 1999

efetuadas por empresas aéreas americanas. Metade dessas reclamações envolveu alegações

sobre respostas de preço e de capacidade – a venda de tarifas baixas em mercados de pares de

cidades e, em alguns casos, o acréscimo de vôos. Outras envolveram o suposto uso indevido

de marketing e de serviços de apoio aeroportuário, como comissões altas para agentes de

viagem.

No Brasil, em particular, o excesso de capacidade é uma freqüente estratégia utilizada pelas

companhias aéreas para evitar a entrada ou para impedir o fortalecimento de competidores.

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Em contrapartida, a forma de competição nos Estados Unidos se deu por meio do aumento de

participação, por parte das companhias aéreas incumbentes, em determinados centros (hubs) e

não pelo acúmulo de oferta. Desta forma, a concorrência é por aeroportos e não por rotas,

como ocorre no Brasil. O excesso de oferta é a estratégia de competição utilizada no Brasil

justamente porque não há hubs nem aeroportos secundários necessários à estrutura de malha

hub-and-spoke.

A estratégia de manutenção de capacidade ociosa (excesso de capacidade) se torna ainda mais

evidente em determinados pares de aeroportos que são mais movimentados (notadamente

Congonhas, Santos Dumont e Pampulha), por não existirem regras claras e peremptórias, por

parte dos órgãos regulatórios competentes, sobre a distribuição e disponibilização de infra-

estrutura, como slots e gates Assim, se uma empresa aérea decide retirar vôos de um dado

aeroporto, não há como estimar a sua possibilidade de reentrada, o que incentiva ainda mais o

uso dessa prática.

2.1. Preços predatórios

Uma das condutas clássicas de exclusão tratadas pela teoria antitruste consiste na prática de

preços predatórios, representada por um tipo de comportamento em que os preços são baixos

a ponto de afetar a estrutura competitiva. Considerando que preços baixos são também uma

virtude do processo competitivo, as autoridades antitruste enfrentam a difícil tarefa de

distinção entre preço predatório da competição saudável. A eliminação de firmas ineficientes

resulta naturalmente do processo competitivo, mas tal processo pode ser prejudicado se rivais

eficientes também são expulsos do mercado através da redução excessiva de preços por firmas

dominantes. Segundo Baumol (1999) um preço poderá ser legitimamente classificado como

predatório se e somente se atender a três condições: (i) não existir um propósito legítimo para

a sua escolha; (ii) ameaçar a existência ou a entrada de firmas que são, no mínimo, tão

eficientes quanto à firma que o adotou; e (iii) haver uma previsão razoável de recuperar ao

menos o custo inicial incorrido com a predação. Caso um determinado preço, ainda que

abaixo do custo, gere uma perspectiva de garantir uma adição líquida aos lucros da firma no

longo prazo que não dependa da saída de qualquer rival tão eficiente quanto tal firma ou da

prevenção de entrada de firmas eficientes, o preço estabelecido pela empresa deverá ser

caracterizado como legítimo.

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O teste mais específico para diferenciar reduções de preços competitivos e não competitivos

foi introduzido por Areeda e Turner (1975). De acordo com os autores, preços abaixo do custo

marginal devem conclusivamente ser considerados ilegais. Considerando que é rara a

documentação de estatísticas de custos marginais de produção, os autores sugeriram o uso do

custo variável médio como evidência para o teste. Passados 20 anos desta proposição, o teste

levantou controvérsia por anos e o debate foi particularmente enriquecido com o uso de

conceitos de teoria dos jogos e comportamento estratégico em mercados oligopolistas. Esses

trabalhos estão bem resenhados em Janusz Ordover e Garth Saloner (1990). A questão central

nesses modelos é a assimetria de informações entre os atores no mercado. A firma dominante

é melhor informada que seus pequenos rivais em modelos em que o predador induz a saída

dos menores.

A questão da monopolização atingida por meio da estratégia de preço predatório está presente

na história do antitruste desde os seus primórdios. Sherer e Ross (1990) apresentam a

estratégia de preços de exclusão como uma das alternativas de estratégias de preço de longo

prazo da firma dominante.

“Quando há uma franja de tamanho apreciável e quando a firma dominante tem um

custo unitário significante ou uma imagem de vantagem sobre seus rivais, a estratégia

de maximização de lucro de longo prazo da firma dominante usualmente será

estabelecer seu preço abaixo do nível de custo unitário das firmas da franja e

expulsar os rivais. Isso é mais provável quanto maiores as vantagens de preço-custo

da firma dominante, quanto menor a taxa de desconto temporal e quanto mais rápido

as firmas da franja saiam em resposta a preços abaixo de seus custos unitários. Em

muitos exemplos, dada sua vantagem de custos, a firma dominante continuará a obter

lucros positivos enquanto expulsa as rivais. No entanto, com produção da franja

suficientemente grande e valores de [custo unitário] , a firma dominante pode

racionalmente cortar o preço de forma temporária abaixo de seu custo unitário de

modo a induzir a saída de rivais e aumentar sua participação de mercado. Em

qualquer evento, conforme a franja perde espaço, a firma dominante gradualmente

eleva o seu preço, elevando margens de lucro, enquanto a saída de rivais

remanescentes desacelera.” (p. 364, tradução livre).

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No entanto, nem sempre o sacrifício de lucro de curto prazo está presente em políticas de

predação. Uma empresa monopolista de baixo custo pode prejudicar a concorrência (não

apenas os concorrentes) usando, estrategicamente, suas vantagens para excluir competidores,

com pouco ou nenhum sacrifício, conforme Edlin (2002) explica. Sacrifício que já foi

definido por Bork (1978) como um “investimento em lucros de monopólio”. Esse sacrifício

voluntário, com o dano à competição como motivação, pode estar associado, porém, a outras

razões legítimas. A produção hoje pode gerar custos no futuro menores numa indústria com

learning by doing ou, de uma forma mais direta, “sacrifício” em um produto pode ser

imediatamente compensado pela elevação de lucros em um produto complementar. Assim, o

sacrifício de lucros no curto prazo não é nem necessário nem suficiente para a existência de

dano e pode estar distante de ambos os casos.

Para a monopolização, o sacrifício de lucros não é necessário se a firma dominante detém

substanciais vantagens de custo (somar as vantagens financeiras e fiscais). Edlin (op.cit.)

mostra que, por vezes, uma firma eficiente usa suas vantagens para oferecer boas ofertas em

bases consistentes, o que é bom para os consumidores e para a eficiência econômica, mas por

vezes uma firma eficiente pode, ao contrário, cobrar preços elevados e prover produtos ou

serviços de baixa qualidade enquanto encara pouca ou nenhuma competição e oferecer boas

ofertas apenas quando surge a concorrência. Para um monopolista de baixo custo oferecer

boas ofertas após uma entrada de modo a prejudicar e mesmo provocar a saída de um entrante

não necessariamente envolve sacrifício. Deve-se mudar o foco de “sacrifício mais

recuperação financeira” para “exclusão com grave dano para o consumidor e/ou para a

eficiência”.

Por força do desenvolvimento recente da Organização Industrial, a compreensão das práticas

de preços predatórios tem evoluído para além da idéia de perdas assumidas pela firma que

adota tais práticas. Uma leitura moderna da prática de preços predatórios é oferecida por Edlin

e Farrell (2004). De acordo com os autores não há razão para se restringir casos de predação a

situações em que verifique a existência de preços abaixo do custo, se preços acima do custo

também podem prejudicar os consumidores, por limitarem a concorrência. Assim, sugerem

uma mudança de foco no tratamento da predação, de recuperação de lucros no futuro para

dano ao consumidor ou à eficiência.

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2.1.1. Preços promocionais versus Preços Predatórios à luz da Lei 8.884/1994

A Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 estabelece em seu art. 21, inciso XVIII, a ilicitude do

ato de “vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo”. No entanto,

reconhece a licitude de preços promocionais, ainda que inferiores ao custo de produção da

empresa desde que não tenha por objeto ou produza os efeitos dispostos nos incisos I a IV do

seu art. 20, a saber: I) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência

ou a livre iniciativa, II) dominar mercado relevante de bens ou serviços; III) aumentar

arbitrariamente os lucros; ou IV) exercer de forma abusiva posição dominante.

Assim, com o objetivo de conferir maior clareza à lei, o Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE), por meio da Resolução nº 20/99, definiu as denominadas “práticas

restritivas horizontais” como sendo a tentativa de reduzir ou eliminar a concorrência no

mercado, seja estabelecendo acordos entre concorrentes no mesmo mercado relevante com

respeito a preços ou outras condições, seja praticando preços predatórios. Em ambos os casos

visa, de imediato ou no futuro, em conjunto ou individualmente, o aumento de poder de

mercado ou a criação de condições necessárias para exercê-lo com maior facilidade. Entre

essas práticas5, cabe destacar o fenômeno dos preços predatórios, cuja referida resolução

definiu como sendo a “prática deliberada de preços abaixo do custo variável médio, visando

eliminar concorrentes para, em momento posterior, poder praticar preços e lucros mais

próximos ao nível do monopolista”. Segundo essa resolução, “o exame desta prática requer

análise detalhada das condições efetivas de custos e do comportamento dos preços ao longo

do tempo, para afastar a hipótese de práticas sazonais normais ou de outras políticas

comerciais da empresa, além da análise de comportamento estratégico, avaliando-se as

condições objetivas de ganhos potencialmente extraordinários posteriores suficientemente

elevados e capazes de compensar as perdas decorrentes das vendas abaixo do custo”.

A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF), por

meio da Portaria nº 70/2002, instituiu um “Guia para Análise Econômica da Prática de Preços

Predatórios”. Segundo o mesmo, para a constatação de uma estratégia de preços predatórios é

necessário provar, além da venda abaixo do custo, que estejam presentes as condições

5 As principais práticas restritivas horizontais são: a formação de cartéis; outros acordos entre empresas; os

ilícitos de associações profissionais; a prática de preços predatórios; e o abuso de posição dominante.

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necessárias para que essa estratégia seja lucrativa (ou seja, que no longo prazo a concorrência

irá se reduzir e, com isso, a firma predadora terá poder de mercado), a saber: participação de

mercado significativa da firma predadora; elevadas barreiras à entrada; capacidade produtiva

para atender o incremento da demanda no curto prazo; e capacidade de financiamento devido

às perdas incorridas nessa estratégia.

A prática de preços predatórios, no curto prazo, aumenta o bem-estar do consumidor, porque

este se beneficia dos preços mais baixos. No entanto, no longo prazo, como a predação reduz

o número de firmas no mercado e, consequentemente, a concorrência, o bem-estar do

consumidor se reduz. Sabe-se que é essencial a presença da concorrência no contexto de uma

economia de mercado, posto que a mesma possibilita um aumento na variedade e na

qualidade de produtos e ainda colabora para a diminuição dos preços dos mesmos.

Para distinguir a predação ilícita de preços e a competição legítima é imprescindível conhecer

o mercado relevante que, na presente pesquisa, representa o transporte aéreo, mais

especificamente, o par de origem-destino. Dentre as particularidades desse setor encontram-

se: a capacidade de oferta fixa que comporte as variações sazonais da demanda, segmentação

da demanda entre turistas e passageiros de negócios e a possibilidade de criação de várias

classes tarifárias. Um dos aspectos preponderantes do setor aéreo, que o diferencia de outros

setores da economia, é o uso de uma ferramenta denominada yield management, que tem

como objetivo identificar as melhores formas de maximizar lucro na venda de produtos ou

serviços, baseando-se em previsões do comportamento e segmentação de demanda,

permitindo uma discriminação de preços conforme o tipo do consumidor. Dessa forma, o

objetivo dessa ferramenta seria alocar determinados assentos para determinada classe de

pessoas, a um certo preço de tarifa, de modo a maximizar o lucro da empresa. Tal sistema cria

ainda alguma diferenciação ao serviço adquirido pelos diferentes tipos de consumidores ao

estabelecer critérios na aquisição de bilhetes promocionais.

Como exemplo prático elucidativo da difícil tarefa de distinção entre preços predatórios de

tarifas competitivas, cabe destacar a investigação, em 2004, sobre os preços praticados pela

companhia aérea brasileira GOL que foi acusada, pelo então órgão regulador (DAC), de

praticar preços predatórios. A investigação teve por objeto a análise da validade, à luz da Lei

nº 8.884/94, da promoção “Viagem por R$ 50,00”. Tal promoção, inicialmente anunciada

para vigorar entre 10.05.2004 e 04.06.2004, consistia na venda de passagens aéreas, no valor

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de R$ 50,00 (cinqüenta reais), para vários trechos operados pela GOL. Como indícios da

suposta prática predatória, o DAC apontou: (i) que o yield (razão entre o valor da tarifa e a

distância do trecho) da tarifa promocional seria inferior aos custos médios total e variável

(calculado em termos do custo do assento/km ofertado) na maioria dos trechos em que a

promoção vigoraria, e (ii) que, em geral, a tarifa média estimada de cada trecho em que a

promoção vigoraria também seria inferior aos custos médios totais variáveis do trecho

correspondente.6

Segundo o parecer da SEAE/MF, “o DAC entendeu que tais ilações seriam indícios

suficientes para caracterizar a prática de preços predatórios, mesmo diante do fato de que a

promoção teria vigência por um prazo relativamente curto (30 dias) e que abrangeria um

número limitado de assentos por vôo (50 assentos). Além disso, o DAC concluiu que a

promoção poderia gerar danos ao setor aéreo, pois haveria o risco de um acirramento da

competição e, conseqüentemente, a deflagração de uma suposta guerra tarifária pelas demais

empresas, que, no afã de usar do mesmo artifício de preços reduzidos para conquistar novos

consumidores, também poderiam reduzir os preços de seus serviços”.(fls. 262)

No entanto, após intensas investigações, a SEAE/MF conclui que não houve ilicitude na

prática: “ (i) a tarifa da Gol de R$ 50,00 seria de fato uma promoção, pois foi restrita a um

período de tempo e a um número limitado de assentos; (ii) havia justificativas para essa tarifa

promocional, já que vigoraria em um período de baixa estação e para um produto perecível; e

(iii) a promoção não poderia ser tipificada como uma tentativa de eliminar rivais do mercado.

Na verdade, os indícios apontam que essa promoção teria por finalidade gerar à Gol o maior

lucro possível dada as condições de mercado com as quais a Gol se deparava ”. Concluiu

ainda que o DAC incorreu em um erro metodológico ao fazer uma análise de preços

predatórios baseada somente na comparação entre preços e custos, dados: “(i) dificuldade de

se calcular o custo variável médio; (ii) não observância das estratégias de longo prazo da

empresa na simples comparação entre preços e custo variável médio; (iii) possibilidade de o

custo variável médio não ser uma boa proxy do custo marginal” (fls. 274).

A literatura e a jurisprudência internacional determinam que, para a caracterização da

racionalidade econômica para a prática de preço predatório, é necessário que a empresa tenha

6 CADE, Averiguação Preliminar nº 08001.006298/2004-33.

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poder de mercado substancial e suficiente para capacitá-la a expulsar suas rivais do mercado

relevante7.

Além disso, o sistema de gerenciamento de resultados (yield managment) faz com

que as empresas aéreas operem com várias classes tarifárias possibilitando a implementação

de preços promocionais vinculados a certas regras para a aquisição do bilhete promocional e

voltados para turistas.

Dado o exposto, pode-se afirmar que a política de preços promocionais, a priori, não constitui

infração à concorrência, por ser uma justificativa legítima para a cobrança de preços

reduzidos, se não há impactos anti-concorrenciais dela decorrentes. Cabe ressaltar que a

prática de promoções promove o aumento de bem-estar tanto dos consumidores, ao permitir

que um número maior seja capaz de viajar, como também das próprias companhias, ao

possibilitar a implementação de classes tarifárias que tornem o seu modelo de preços mais

eficiente.

2.2. Cartel

A Resolução 20 do CADE define cartéis como sendo “acordos explícitos ou tácitos entre

concorrentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em

torno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa

de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio”.

Ainda de acordo com a referida resolução, fatores estruturais podem favorecer a formação de

cartéis, a saber: “alto grau de concentração do mercado, existência de barreiras à entrada de

novos competidores, homogeneidade de produtos e de custos, e condições estáveis de custos e

de demanda”.

O sucesso de uma ação coordenada entre empresas depende da capacidade que essas possuem

de monitorar este acordo, bem como de estabelecer punições efetivas para as empresas que o

romperem. Sendo assim, os cartéis se dissolvem quando os custos de monitoramento excedem

o valor do acordo para os membros ou quando uma falha de monitoramento causa uma

indisciplina de preços. Logo, para evitar o risco moral de uma firma romper com o cartel, a

7 A GOL não detinha notória posição dominante à época da conduta, uma vez que tal participação flutuava em

torno de 20%.

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colusão tem que ser estruturada de forma a desencorajar desvios mascarados dos seus

membros e reduzir o gap entre retornos privados e retornos coletivos das firmas envolvidas.

De acordo com a literatura econômica, quatro características, em particular, são importantes

para o sucesso do monitoramento, SEAE (2004):

i. Transparência de preços e de produção dos concorrentes, pois os membros

desertores são facilmente identificados o que torna os custos de coordenação mais

baixos. O monitoramento de preços e de quantidade, por parte das empresas aéreas, é

de fácil implementação e pouco oneroso. Em razão da interligação entre agências de

turismo, sistemas de reservas e as empresas aéreas, o setor conta com o sistema

ATPCO (Airline Tariff Publishing Company), que nada mais é do que uma base de

dados tarifária à qual estão ligadas as principais companhias aéreas do mundo. Seu

manuseio diário permite o acompanhamento da política de preços de concorrentes

possibilitando um monitoramento instantâneo dos preços das passagens aéreas. Além

disso, há um lag entre as decisões de alteração de oferta das empresas aéreas e a sua

implementação na prática, uma vez que a introdução de novos vôos e rotas passa pelo

controle da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. Não obstante isso, pode-se

mencionar que o monitoramento pode ser feito por meio dos próprios sistemas de

reservas de bilhetes aéreos pois, para que os agentes de viagem possam vendê-los, é

necessário que as empresas informem a quantidade de assentos ofertados em cada vôo.

Assim, qualquer decisão de uma empresa de alterar a sua produção pode ser

facilmente identificada pelas rivais;

ii. Estabilidade da demanda, porque se reduz o potencial de risco moral ao melhorar a

habilidade do cartel em distinguir desvios de preços relacionados aos movimentos

cíclicos da economia daqueles decorrentes do rompimento do cartel. A transparência

de preços e de produção elimina a dificuldade em distinguir um comportamento

desertor de um membro do cartel do comportamento recessivo da economia. Não há,

no setor aéreo, problema de informação imperfeita, o que significa que as companhias

conseguem distinguir um movimento recessivo de demanda de um comportamento

desertor de alguma firma do cartel. Aliás, num contexto de cooperação (como, por

exemplo, o codeshare), o problema de informação seria absolutamente inócuo. Em

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outras palavras, no caso específico do setor aéreo, a falta de estabilidade da demanda

não importa em aumento dos custos de monitoramento;

iii. Contato multimercado torna o cartel mais estável, por reduzir os custos de coerção,

agrupando monitoramento e punição entre vários segmentos (Dickey, 1996). Cartéis

mais abrangentes têm maiores possibilidades de serem bem sucedidos. Isso porque o

rompimento do cartel em uma rota significa a punição em todas as demais rotas;

iv. Atomização do mercado consumidor, quanto maior o tamanho do comprador em

relação ao tamanho do mercado, maiores seriam os custos de coerção e menor o valor

do serviço do cartel, uma vez que o comprador pode negociar individualmente com

cada firma exercendo, assim, o seu poder de barganha. No caso do setor aéreo, a

demanda pelo serviço de transporte de passageiros é altamente pulverizada, ou seja,

não há um grande comprador. Desta forma, não há elementos desestabilizantes do

cartel.

Os efeitos decorrentes de uma conduta concertada são deletérios à concorrência e ao bem

estar social, sendo, portanto, merecedores de censura por parte dos órgãos de defesa da

concorrência. As autoridades antitruste internacionais já identificaram que acordos de

codeshare envolvendo rotas sobrepostas (disponibilização recíproca de assentos em vôos em

que as companhias competiam entre si) incentivam, sobremaneira, a cartelização das

companhias contratantes, sobretudo, no que se refere ao risco de ajustamento concertado de

oferta. E o processo de cartelização pode não se limitar ao mero ajuste de horários, freqüência

ou preços. As alianças entre companhias aéreas também podem erigir barreiras artificiais de

modo concertado visando dificultar a entrada de outras companhias e, assim, prejudicar o

processo competitivo. O controle de slots e a limitação de gates, em particular, pode funcionar

como um inviabilizador para a entrada de novas empresas. Entre os principais efeitos dessa

prática estão: a redução artificial da quantidade de vôos ofertada ao consumidor que fica,

então, privado da freqüência e de opções de vôos/empresas que normalmente existiriam num

ambiente competitivo; e o comportamento artificial dos preços das tarifas dos serviços de

transporte aéreo.

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O órgão de defesa da concorrência americano responsável por condutas no setor aéreo, o

Department of Justice - DOJ, em quase todas as oportunidades, proíbe que os acordos de

codeshare vigorem sobre rotas sobrepostas, em virtude do risco de cartelização. No Brasil o

exemplo mais marcante de um acordo de codeshare envolvendo rotas sobrepostas foi o

firmado entre VARIG e TAM em 2003. E, em 15/09/2004, as autoridades brasileiras de

defesa da concorrência condenaram, por maioria, o primeiro caso de conduta anticompetitiva

envolvendo companhias aéreas nacionais8onde se comprovou a cartelização de quatro

empresas de transporte aéreo, a saber: Varig, Tam, Vasp e Transbrasil.

O mercado de transporte aéreo de passageiros possui diversas condições que facilitam o

florescimento e a manutenção de condutas cartelizantes. No caso brasileiro, em decorrência

das barreiras institucionais e regulatórias erigidas pelo Poder Concedente, as empresas

incumbentes têm incentivos para reduzir coordenamente a oferta e assim aumentar os preços,

em razão da dificuldade de contestação. Dessa forma, o atual sistema regulatório de entrada

no setor aéreo brasileiro reduz a ação da concorrência potencial.

Conforme já foi mencionado, a lei de defesa da concorrência brasileira (Lei n.º 8.884/94) lista,

de modo exemplificativo, no seu artigo 21, o rol de condutas anticompetitivas que podem

caracterizar uma infração à ordem econômica. Esse rol inclui, no inciso I daquele dispositivo,

a fixação de preços e/ou condições de venda de bens ou de prestação de serviços, o que

tipifica a prática de conduta concertada ou cartel. Tal prática, a exemplo das várias outras ali

mencionadas, configura uma infração à ordem econômica se verificados, potencial e/ou

efetivamente, os efeitos previstos no artigo 20, outrora citados. Dessa forma, um acordo entre

partes concorrentes envolvendo redução concertada de vôos se enquadra perfeitamente na

lista de práticas que a referida Lei pretende punir e coibir de modo eficaz. Essa conclusão é

reforçada pelos tipos de efeitos normalmente decorrentes de tal prática, que muito prejudicam

o consumidor, razão pela qual, junto com a fixação de preços, o ajuste concertado de

quantidade é considerado, no mundo todo, como uma prática hard-core.

Em contraposição ao observado no pensamento antitruste tradicional, que considera que

movimentações paralelas e concertadas de preços em mercados oligopolísticos comprovariam

a existência inequívoca de colusão, Phlips (1987, apud Lovadine, Turolla, e Oliveira, 2006),

8 Processo Administrativo nº 08012.000677/1999-70.

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propõe a utilização do conceito de interdependência estratégica entre as firmas, que é inerente

aos mercados oligopolizados. Esta definição está presente na consideração do que seja um

equilíbrio não-cooperativo (ou Equilíbrio de Nash) em um mercado com poucas firmas, isto é,

a situação de mercado onde as firmas perseguem seus objetivos, considerando o que as

concorrentes fazem, mas sem uma racionalidade de grupo (cooperação). O padrão de

equilíbrio não-cooperativo deve, assim, ser o objetivo perseguido pelas autoridades

antitrustes em um mercado, do ponto de vista econômico.

Uma conclusão é diretamente derivável do conceito de equilíbrio não-cooperativo: se uma

firma resolve aumentar seus preços, segue-se que o simples fato das demais também se

movimentarem não é incompatível com o equilíbrio não-cooperativo, como também não é

incompatível com um equilíbrio colusivo entre elas. Assim, tem-se que a movimentação

simultânea não fornece base suficiente de distinção entre competição e colusão, e, portanto,

não pode servir de fundamento para uma análise antitruste. Dessa forma, Phlips (op.cit.)

chega a duas conclusões: "Em um equilíbrio não-cooperativo, cada firma é livre para

estabelecer seus preços, mas não é do interesse de nenhuma fazê-lo de forma independente" e

"O equilíbrio não-cooperativo é compatível com movimentações simultâneas". Assim, chega-

se ao resultado de que a ação concertada de preços não se trata, necessariamente, de uma

evidência de prática de cartel.

Considerações Finais

A presente Pesquisa procurou fazer uma análise descritiva das abordagens teóricas acerca das

principais práticas de concorrência predatória verificadas no transporte aéreo, dentro de uma

abordagem antitruste tradicional. Conforme foi discutido ao longo do texto, a política de

defesa da concorrência tem sido, cada vez mais, considerada como importante mecanismo de

promoção do bem-estar econômico em mercados oligopolísticos recentemente liberalizados

ou com liberalização parcial, como é o caso do transporte aéreo no Brasil. Uma de suas

dimensões principais, que foi adotada neste estudo, diz respeito ao chamado “controle das

condutas”, que se preocupa em coibir os abusos do poder de mercado que sejam,

eventualmente, efetuados por uma ou mais firmas na indústria. Nesse sentido, este trabalho

visou analisar as principais condutas anticompetitivas observadas no setor aéreo - “excesso

de capacidade”, preços predatórios (versus preços promocionais), acordos ilícitos de

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cooperação e cartelização, concessão de comissões preferenciais para agentes de viagem e uso

indevido dos sistemas de reserva computadorizados – a fim de apurar os efeitos líquidos

dessas práticas na estrutura do mercado e no bem-estar dos consumidores.

Dentre as condutas predatórias verificadas acima para o transporte aéreo, o presente estudo

procurou discutir de forma mais profunda as práticas de preços predatórios e conluio, por se

configurarem no rol das condutas restritivas horizontais, presentes na Resolução 20 do

CADE, de grande importância para a análise antitruste tradicional.

Conforme foi demonstrado, o uso de preços predatórios consiste na prática deliberada de

preços abaixo do custo variável médio, visando eliminar concorrentes para, em momento

posterior, poder praticar preços e lucros mais próximos ao nível do monopolista. No curto

prazo, essa prática aumenta o bem-estar do consumidor, porque este se beneficia dos preços

mais baixos. No entanto, no longo prazo, como a predação reduz o número de firmas no

mercado e, conseqüentemente, a concorrência, o bem-estar do consumidor se reduz.

Considerando que preços baixos são também uma virtude do processo competitivo, as

autoridades antitruste enfrentam a difícil tarefa de distinção entre preço predatório da

competição saudável. Assim como foi discutido, a política de preços promocionais, a priori,

não constitui infração à concorrência, por ser uma justificativa legítima para a cobrança de

preços reduzidos, se não há impactos anti-concorrenciais dela decorrentes. Cabe ressaltar que

a prática de promoções promove o aumento de bem-estar tanto dos consumidores, ao permitir

que um número maior seja capaz de viajar, como também das próprias companhias, ao

possibilitar a implementação de classes tarifárias que tornem o seu modelo de preços mais

eficiente.

Este trabalho procurou ressaltar também que a flexibilização trouxe um novo contexto para o

setor aéreo, influenciando, direta ou indiretamente, a adoção de processos de concentração e

de acordos de cooperação. Verificou-se que uma fusão ou aliança poderá trazer tanto

benefícios quanto prejuízos para as empresas e consumidores. Entre as vantagens, pode-se

destacar o fato de permitir à companhia resultante reduzir custos operacionais, via economias

de rede, e incrementar a demanda para os seus serviços, ao racionalizar a estrutura de

gerenciamento de resultados, alcançando maiores eficiências de custo e oferecendo uma gama

maior de conexões sem escala. Para o consumidor, pode-se verificar a maior disponibilidade

de horários (saídas) e conexões entre vôos de uma mesma companhia (seamless connections).

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Entre as desvantagens, pode-se observar uma redução no nível de competitividade do

mercado e o aumento do poder de mercado. Ainda cabe destacar a presença de dois fatores

característicos que aumentam a possibilidade de efeitos prejudiciais, a saber: redução nas

freqüências e o alto grau de coincidência nas rotas operadas pelas companhias envolvidas na

transação. Quanto maior esse grau de coincidência maior a possibilidade de efeitos deletérios.

Por exemplo, em casos de codeshare em que as rotas não são coincidentes, mas sim

complementares, a operação gera benefícios para o consumidor, pois resulta na extensão da

malha sem, necessariamente, importar em redução de tráfego aéreo ou em aumento de preços.

Ao passo que em rotas coincidentes, não há extensão da malha, mas em geral há redução dos

vôos oferecidos pelas empresas, bem como aumento nas tarifas, o que resulta em perda de

bem-estar social. Diante dos fatos expostos, torna-se necessário apurar os efeitos líquidos da

operação para o mercado e para o usuário.

De acordo com Ragazzo (2006), na hipótese de aprovação de uma fusão e/ou de um acordo de

cooperação potencialmente lesivo ao mercado, os órgãos antitruste, ao arbitrar os remédios

necessários à compensação dos efeitos deletérios à concorrência, deverão levar em conta o

histórico colusivo e a capacidade predatória que o setor apresenta. Entre os remédios

utilizados por agências de defesa da concorrência estrangeiras incluem-se as cessões de

espaços de tempo para aterrissagens e decolagens (slots), a garantia de acesso aos sistemas

computadorizados de reserva e o uso compartilhado dos programas de fidelidade. Aliado a

esses procedimentos, segue-se um monitoramento contínuo das práticas de mercado das

empresas envolvidas, impedindo-se o exercício abusivo do poder econômico.

Conforme foi demonstrado por Genesove e Mullin (1997) e Kim (2004) o contínuo exercício

de poder de mercado depende da capacidade potencial das firmas incumbentes em intimidar a

entrada de novas firmas no mercado e justamente em função da reputação predatória, as

empresas incumbentes não necessitam se engajar em estratégias anticompetitivas com

freqüência. A barreira artificial criada por ataques anteriores (histórico predatório) seria o

suficiente para evitar a entrada de novos concorrentes.

Sendo assim, do ponto de vista concorrencial, as práticas de concorrência predatória no setor

de transporte aéreo descritas acima representam grandes desafios para as autoridades de

defesa da concorrência, em virtude da complexidade dos possíveis efeitos advindos dessas

operações para o usuário, sendo a possibilidade real de danos ao mercado um dos principais

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motivos a justificar a pronta atuação de órgãos antitruste nessas operações. Além disso, cabe

destacar o papel que a agência reguladora do setor (Agência Nacional de Aviação Civil) deve

assumir no escrutínio desse processo de monitoramento das condutas das companhias aéreas.

À ANAC devem ser assegurados instrumentos ativos que permitam o desempenho das tarefas

de defesa da concorrência nesta indústria, em conjunto com as instituições já designadas para

isso por lei, como o CADE, a SDE e a SEAE. Contudo, deve-se salientar a necessidade de se

evitar problemas de coordenação com os órgãos antitruste existentes, caso contrário, a

eficiência econômica poderá ser penalizada na forma de um aumento indesejado nos custos de

transação.

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