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JUNGNAFRONTEIRADOESPÍRITOCopyright©2015byJoséCarlosLeal2ªedição–2015

ConselhoEditorialdoGrupodeFreiLuizWilsonVasconcelosPintoNelsonDuarteJunior

HumbertoF.V.Borges“Inmemoriam”HeloisaGarciaSilveiraJacyBellottiLimaMarisaAmaral

SuzanaCapistranoSílvioAraújoFelipeJannuzzi

CIP-BRASIL-CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ.Leal,JoséCarlos.JungnaFronteiradoEspírito.–2.edição–RiodeJaneiro:EducandárioSocialLardeFreiLuiz,2015.268p./14x21cmISBN978-85-64703-24-71.Educação.1.Espiritismo.Discurso,Conferências,etc.

CDD133.9CDU133.9

OsdireitosautoraisdestaobraforamcedidosgratuitamentepeloautoraoEducandárioSocialLardeFreiLuiz–CNPJ33.760.398/0001-13.

Editoração:ContrasteEditoraePropagandaCapaediagramação:ContrasteEditoraePropagandaRevisãofinal:ContrasteEditoraePropagandaTodos os direitos de reprodução, tradução, cópia, comunicação ao público ou exploração econômica desta obra estão reservados aoEducandário Social Lar de Frei Luiz. Conforme a Lei 9.610/98, que regulamenta os direitos de autor e conexos, seja qual for a formaempregada,éproibidaareproduçãototalouparcialdestaobrasempréviaeexpressaautorizaçãodoEducandárioSocialLardeFreiLuiz.

EducandárioSocialLardeFREILUIZEstradadaBoiúna,1.367–Taquara–Jacarépaguá–RiodeJaneiro,RJCEP22723-021http://www.lardefreiluiz.org.br/Telefone:(21)3539-9550CNPJ33.760.398/0001-13Insc.Est.82.141.960

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EDUCANDÁRIOSOCIALLARDEFREILUIZEstradadaBoiúna,1.367–Taquara–JacarepaguáRiodeJaneiro,RJ–CEP22723-021Telefone:(21)3539-9550Site:www.lardefreiluiz.org.br

Presidente:WilsonVasconcelosPinto

Obrafilantrópicafundadaem29dejunhode1964cujoobjetivoéaassistência,educaçãoeatendimentomédico-ambulatorial.IntegraaInstituiçãoumAmbulatórioMédicocomserviçosdeClínicaMédica,GinecologiaeObstetrícia,PediatriaePsiquiatria.Todososserviçossãointegralmentegratuitos.AsequipesmédicaeodontológicasãoexclusivamenteconstituídaspelosirmãosdedicadosaoFreiLuiz.

OSLIVROSEOEQUILÍBRIODOSERTodos possuímos uma grande responsabilidade na harmonia de nosso Planeta. É nossamissão ajudar na irradiação dos pensamentos

salutaresemdireçãoaosnossossemelhantes.Pensamentosbons,fraternos,deunião;jamaiscalcadosnoego!Comospensamentos,ajudamosnacuradenossaalma,restabelecemosnossaestruturaorgânicaeauxiliamosaregeneraçãodaTerra.

E bons livros são notáveis, potentes e abençoados “professores”, auxiliando-nos divinamente na educação e no equilíbrio de nossospensamentos e ações.NossoGrupodeFreiLuiz vem trabalhando, comzelo, dedicação, comprometimento e carinho, no intuito de levar avocê,querido(a)leitor(a),boaseesclarecedorasinformaçõespormeiodesseslivrosqueorapropomos.

Háuma riquezamental aonossodispore tesourosmaravilhososarmazenadosemnossocoração.Aguardamapenasodespertar,paraque,então,movimentemosmãosoperosaseumapresençaconfortadoraembenefíciodenossosirmãos,denossoscompanheirosdejornada.Aboaliteraturafortaleceenorteianossospensamentos,edificandoeabrindonovoshorizontes.

Que, pouco a pouco, tornemo-nos livres da velha sombra que nos acompanha há milênios: a ignorância. O florescer dos bonspensamentose sentimentoséomaiordosmedicamentosacriar equilíbrio, transformareapurarenergias,preservaregerar a saúde física,mentaleastral.

GrupodeFreiLuiz

PUBLICAÇÕESDOEDUCANDÁRIOSOCIALLARDEFREILUIZOSSEGREDOSDOVÉUDEÍSIS

“TodososSegredosdoVéudeÍsisforam reveladoscomaDoutrinaEspírita codificadaporAllanKardec,queabriua arcados tesourosimortaisaopúblicodomundointeiro(...).”

DjalmaSantosdaSilva

SEGREDOSDAALMA“É apenas um pequeno esforço, um simples voo do meu pensamento contínuo, exteriorizado pelo meu espírito, ávido por conhecer e

compartilhar,atendendoàmaravilhosaassertivadeJesus:Vóssoisosaldaterra,mas,seosalforinsosso,nãopoderásalgar.Anossaintençãonãoéapresentarinovações,nemcuriosidades,masdissertarsobreassuntosjáconhecidos,demodosimplesedireto,tendoKardeccomolíderdoutrinárioindiscutível.”

DjalmaSantosdaSilva

COMOJESUSSETORNOUDEUSJesuséoGuiaeModelodonossoplaneta.Aquelequenosamouenosamaatalpontoquedeixouasesferasmaisaltasondehabitavaparaviverconoscoedarasuavidaemsublimesacrifícioportodosnós.Jesus,oMessiasdeDeus,oServidordoPai,oNossoirmãomaior,masquenãoéDeus,eistonãoodiminui,aocontrário,exalta-OedeixaclaroparanósquetudoaquiloqueElerealizounóstambémpoderemosrealizar,bastandodesenvolverosnossostalentosecolocá-losaserviçodenossopróximo.Comamoredevoção.

JoséCarlosLeal

MEMÓRIASDEUMPRESIDENTEDETRABALHOS

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Trabalhovoltadoparaapráticadesessõesespíritas,principalmentesobretécnicasdematerializaçãoeefeitos físicos.Verdadeiromanualeroteiroseguroparaosquesepropõemaoconhecimentoeaoexercício,límpidoecorreto,dotrabalhoespírita.

LuizdaRochaLima

FREILUIZ–OOPERÁRIODOBRASILEstudobiográficodaentidadetutelar,cujonomeédadoaoEducandárioSocialeàInstituiçãoEspírita.Osrelatosestendem-seamanifestaçõessuasapósdesencarnado–espíritoatuante.

LuizdaRochaLima

MEDICINADOSESPÍRITOSObracalcadanapráticadaMedicina(diagnósticaeterapêutica)desenvolvidapelosEspíritos.Évaliosolivrodeconsultaeroteiroseguroparamédicosedemaisinteressados,naetiopatogeniaespiritualdasmaisvariadasdoenças:orgânicas,funcionaisepsicossomáticas.

LuizdaRochaLima

OGRANDEINVESTIDORLivro reveladordos rendimentose recompensas tributadasaosquepraticamacaridade.Aobramostra-nos ser a caridadeomaior emaiseficientedetodososinvestimentosdequeohomempossalançaresocorrer-se.Livroque,certamente,marcaráemodificaráavidademuitosdeseusleitores,inseguroseintranquiloscomseusdiasdoamanhã.

LuizdaRochaLima

LUIZINHO–OPOETADEDEUSColetânea de poesias e demensagens psicografadas (mecanicamente), compiladas (clarividentemente) e verbalizadas (clariaudientemente)pelomédiumEduardoFructuoso.OscomentáriossãodeLuizdaRochaLima.

LuizdaRochaLima

MENSAGENSDOSESPÍRITOSPELOTELEFONETranscrição de diálogos mantidos com os Espíritos ao se utilizar recurso inédito – o telefone – como meio de comunicação. Trabalhovanguardista.Essaobraabre,pois,novohorizontenaeradacomunicaçãoentreomundodoshomenseomundodosespíritos.

LuizdaRochaLima

FORÇASDOESPÍRITORelatoempolgantedapoderosaebenéficainfluênciadosEspíritosdeLuz,aocriarem,juntoagrupodeirmãosdedicados,obrabeneficenteefilantrópica.Éumlivroquetestemunhaopoderdaféquandoassociadaàperseverança,àcaridadeeaoamor.

LuizdaRochaLima

MEDIUNIDADECOMCRISTOEstudoteóricoepráticoacercadopreparoedaeducaçãomediúnica.Trabalho-guiaparaomédiuminiciante.

LuizdaRochaLima

EVIDÊNCIASDEUMVIDENTE

EduardoFructuosoéfielededicadomédiumdoGrupodeFreiLuizepossuiumalongatrajetóriadeesforços,perseverançaeconstâncianavivênciadaDoutrinaEspírita.ChegouaoGrupoem7denovembrode1967.Pormeiodamediunidade,daclarividênciaedapsicografia,elesecolocaàinteiradisposiçãodaEspiritualidadeMaiorparaotrabalhonacaridade.Omédium,aolongodessesmuitosanos,temrecebidováriasmensagens,dentreasquaisestãoasenviadasporLuizinho,emformadebelaspoesias,apresentadasnesselivro.Eisaquiumaobraquenosproporcionaumaleituraedificante.Trata-sedeumpresenteparafortaleceranossavidaenossasreflexõesdiárias,commensagensdeamor,humildade,perdãoecaridade.

AFACEOCULTADAMEDICINADr.PauloCesarFructuoso,médicocirurgiãoemédium,nasúltimastrêsdécadasfoitestemunhaoculardosfenômenoshiperfísicosocorridosnaCasaEspíritaLar deFreiLuiz.O leitor terá a oportunidade de viajar emuma ciênciamuitomais vasta, que inclui em seus postuladosconceitosdeumaMedicina invisível,mas com resultadosvisíveis, oque certamentemudaráparadigmas a respeitoda ideiamaterialistadaciênciamédica... Quando isso acontecer, a ciência terá tido a comprovação de que toda enfermidade é herança de erros passados e, aí,mudaráofocoparaacuradodoente–oespírito.

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Seobservarmoscomatenção,aevoluçãodopensamentohumano,verificamos,detempoemtempo,oaparecimentodehomensbrilhantescujacontribuiçãoédecisivaparaodesenvolvimentocientíficoefilosófico.Muitas dessas contribuições são de tal ordemque representamuma ruptura complexa, umatransformaçãoradicalnaformadeestender,atéentão,omundo,ohomemeavida.ÉocasodeSócrates,Aristóteles, Copérnico, Galileu, Einstein, dentremuitos outros. A partir de suas obras, o pensamentocientíficooufilosóficoexistentesofreureformulaçõesestruturais.

ThomasKhun,emsuaobraEstruturasdasrevoluçõescientíficasdizqueaevoluçãodopensamentocientífico não se dá por acumulação de conhecimento, mas por transformação radical dos conceitosvigentes,fenômenodenominadoquebradeparadigma.

Sempre que a ciência parece ter chegado ao limite da sua capacidade de pensar as questõesfundamentaisdoserhumano,umnovoparadigmaacabaporseestabelecer,ampliandonãosóaestruturadaCiência pura, do conhecimento pelo conhecimento, quanto da sua vertente aplicada que se revertemaisdiretamentenatentativademelhoraraqualidadedavidadohomem.

DentrodaPsicologia,sãoinegáveisascontribuiçõesdeFreudedetodasasabordagensdesdobradasdaPsicanálise,principalmenteasdeJungeAdler.Dissidentesdomestrevienense,esseshomenstiverama coragem de discordar de aspectos estruturais do corpo da Psicanálise. A partir da estrutura defuncionamento do psiquismo, principalmente da instância do inconsciente, esses dissidentes puderamampliar as observações clínicas propiciando uma maior eficiência no tratamento de diversaspsicopatologias.CarlGustav Jung se insere no conjuntodesses nomesque ajudaramna construçãodenovosparadigmas,nocampodaPsicologia.

TodoessemovimentoocorridodentrodaPsicologiapermitiuodesdobramentodeinúmeraspesquisassobre o psiquismoprofundo, resultando, particularmente, a partir da décadade 50de nosso século, oestabelecimento de um novo paradigma a que chamamos de Psicologia Transpessoal. Nessa novaabordagem consideramos o componente espiritual de ser humano como possível de observação eexperimentação científica, pois representa legítimo campo de estudo e de aspirações identificada nossereshumanos.

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APsicologiapassaasepreocuparcomexperiênciassubjetivasnormalmenteatribuídaserelacionadaàs práticasmíticas e religiosas, principalmente orientais onde estados alterados de consciência eramacompanhados de diversos fenômenos até então considerados sobrenaturais. Foram esses estudos queprojetarampesquisadorescomoGrof,Wilber,TarteMaslowdentremuitos.Comoconseqüêncianaturaldesse processo, permitiu-se pela primeira vez, a possibilidade de considerar o fenômeno dareencarnaçãooupalingênesecomoumadashipótesesde trabalhocapazdeexplicaros fenômenosporeles observados. Curiosamente, esses cientistas consideram Jung como sendo o Pai da PsicologiaTranspessoal,emfunçãodassignificativascontribuiçõesdessepensadorparaumaabordagemholísticado ser humano, mesmo sem que Jung tenha admitido durante sua vida a realidade do espírito ou dareencarnação.

Opresente livro doProf. JoséCarlosLeal é uma instigante exploração pela vida e obra de Jung,localizando os relatos pessoais do eminente psiquiatra que tratam dos estanhos, mas significativos,fenômenos experimentados por ele ao logo de sua existência e que poderiam ser plenamentecaracterizados comodenaturezamediúnicaou espiritual.Sonhospremunitórios, visões eproduçãodeefeitosfísicossãoalgunsdosfenômenosqueoautorconsideracomosuficientesparateremconvencidoJungdarealidadedoespíritoedesuamediunidade.

Noentanto,apesardetodasessasevidências,Jungnuncachegouaadmitir,pelomenospublicamente,assuasconvicções.Muitosdessesfenômenosaorelacionadospeloautoràsexplicaçõesespíritassobreamediunidadeemsuasmaisvariadasformasdemanifestação,queforampesquisadasporAllanKardec,nofinaldoséculoXIX,eapresentadassistematicamentenaDoutrinadosEspíritos.

Aolongodolivro,percebemosumJungdeespíritoinquieto,agoniadoentreoconflitoeaevidênciadas suas próprias experiências paranormais e o inevitável desgaste e exposição pessoal que a defesadessa tese traria à sua reputação profissional. Parece que prevaleceu a preservação da imagemacadêmica.

Areflexãosobreosconsistenteslevaoleitoraformulardiversasquestões.SeráqueJungrealmentenão acreditava na realidade dos fenômenos que experimentou? Será que o temor por umcomprometimento de sua imagem acadêmica de intelectual sério não pesou na condução de suasconclusõesedesuateoria?

OProf.JoséCarlosLeallevantaahipóteseinteressantedeJungnãoterconseguidolevaracaboseusprojetosdecontribuirnodesenvolvimentodaDoutrinadosEspíritos,comtodasuaobservaçãopessoal,bem como de sua prática clínica, introduzindo, definitivamente, a questão do espírito no escopo dasciênciaspsicológicas.

Em nossa prática de consultório com Terapias de Vidas Passadas, temos identificado um grandenúmerodecasosemqueosofrimentodoindivíduoestá,exatamente,noconflitoqueseestabeleceentreuma programação para a atual existência e um desvio deste comportamento, estabelecendo umsignificativo quadro de contradições, angústias e insatisfações que resultam em diversas patologiaspsicológicas e somáticas. Será que foi isso o que aconteceu com Jung? Nossa experiência clínicacorroboraapossibilidadedestahipótese,maséinegávelaimpossibilidadedeafirmarmostalcoisa.

MiltonMenezesFormadoemEconomiaePsicologia.

AutordolivroTerapiadeVidasPassadaseEspiritismo

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APsicologiadoséculoXIX,emrazãodoRacionalismoCartesianoedapropostapositivista,haviaassumido uma postura inteiramente comprometida com o objetivismo e, por conseqüência, com ocientificismo. A pesquisa fisiológica foi a grande estimuladora e orientadora deste novo modelo dePsicologia. A Fisiologia, de fato, tornou-se uma disciplina de orientação experimental na década de1830,notadamente,emvirtudedainfluênciadofisiologistaalemãoJohannesMuller(1801-1858)quefoio primeiro a defender a aplicação do método experimental à Fisiologia. Professor de Anatomia eFisiologiadaUniversidadedeBerlim,Mullereraumtrabalhadorinfatigável,publicando,emmédia,umartigo por semana o que se constituía, por certo, em notável colaboração aos estudiosos de ciênciasnaturaisdesuaépoca.

Logo,osestudiososdePsicologiapassarama se interessarpelascontribuiçõesqueanovaciênciapoderia trazer para a explicação das funções do cérebro. O iniciador dessa pesquisa foi ummédicoescocêsquetrabalhavaemLondresequesechamavaMarshall(1790-1857)quesededicouaoestudodocomportamento reflexo. Pierre Flourens (1794-1867), professor de História Natural do College deFrance,estudou,sistematicamente,váriaspartesdocérebroeamedulaespinhalechegouàconclusãodequeocérebrocontrolaosprocessosmateriaissuperiores.Descobriuaindaemseustrabalhosque,partesdomesencéfalocontrolaosreflexosvisuaiseauditivos,enquantoocérebrocontrolariaacoordenação,obulboraquidianoseriaoresponsávelpelasbatidasdocoraçãoepelarespiração.

Na segunda metade do século XIX, aconteceu a introdução de duas abordagens de caráterexperimental no que dizia respeito ao cérebro: a primeira foi ométodo clínico e a segunda o uso deestímuloselétricos.Ométodoclínicofoidesenvolvidoem1861,pelomédicofrancêsPaulBroca(1824-1880)quetrabalhavacomocirurgiãoemumasilodeloucosnascercaniasdeParis.Umdeseustrabalhosmaissensacionaissedeudoseguintemodo:Brocafezanecropsiadeumindivíduoque,durantemuitosanos,forainteiramenteincapazdefalardeummodointeligível.

Depoisdeexaminar,cuidadosamente,océrebrodessehomem,PierreBrocapercebeuquehaviaumalesão na terceira convulsão frontal do córtex cerebral. O pesquisador, depois de constatar esse fato,concluiuqueohomemnãofalavaporcausadalesãonaquelaáreaeadenominoudeáreadafala.Esselugarcerebralfoichamadomaistarde,comtodaajustiçadeáreadeBroca.

Estadescobertaerademasiadamenteimportante,elogoseimaginouquesepoderiadescobrirmuita

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coisasobrearelaçãoentrecérebroecomportamentosefossepossívelextirparcertasáreasdocérebrodeindivíduosvivosedepoisexaminarosresultados.Naturalmente,issoeraimpossíveleosseusestudosdasáreascerebraispassaramasedesenvolvercomindivíduoscadaverizadosque,emvida,haviamtidoalgumtipodedistúrbiodecomportamento.

OusodeestimulaçãoelétricaparaseestudarocérebrofoiintroduzidoporGustavFritscheEduardHitzig, em 1870. Consistia esse método em se explorar a atividade do córtex cerebral por meio deestímulos elétricos de fraca intensidade. Esses pesquisadores descobriram que, quando estimulavamcertasáreascerebraiscomondaselétricas,obtinhamrespostasmotoras.Comacriaçãodeinstrumentosmais sofisticados e técnicas mais apuradas, esse método sofisticou-se bastante e, por meio dele,descobriram-semuitasparticularidadesdocérebro.

TodasessaspesquisasedescobertaslevaramaosurgimentodaPsicologiaExperimental.Quatrosãoospioneirosdestetipodepsicologia:HermannvonHelmhotz,ErnstWeber,GustavTheodorFechner,eWilhelmWundt.PoressaépocaalgunspaísesdaEuropaOcidentalcomoaInglaterra,FrançaeAlemanhaestavam bastante avançados nos estudos científicos. Nesses países, o interesse pelas Ciências daNaturezaeramuitograndeeoentusiasmoqueessesestudosdespertavamnomeioacadêmicoemesmoforadele,eraconsiderável.Assim,naAlemanha,paísquereuniaasmelhorescondiçõescientíficasdaépoca,surgeoprimeirolaboratóriodePsicologia,sobrearesponsabilidadedeWundt.

AindanoséculoXIX,lançou-seumlivromuitoimportanteparaopensamentoocidental,escritoporCharlesRobertDarwin(1809-1882)ecujo títuloera:OntheOriginofSpecyesbyMeansofNaturalSelection (SobreaOrigemdasespéciespormeiodaSeleçãoNatural).Publicadoem1859, como sepodeverapenasdoisanosdepoisdapublicaçãodeOLivrodosEspíritos(18deabrilde1857).OlivrodeDarwin teria tido a virtude de apresentar, pela primeira vez, uma teoria da evolução de ummodobastantecoerenteecomfartadocumentação.Comeleserompiamascadeiasdassuperstiçõesgrosseirasemostrava-searespeitabilidadecomquedeveriamservistasasciênciasdavida.Ateoriadaevolução,alémdisso, causouumprofundo impactonaPsicologiadosEstadosUnidosquedevemuito àobradeDarwin.

Uma outra contribuição notável àmoderna Psicologia veio da Rússia com a obra de Ivan PetrovPavlov(1859-1936)queseocupoudeestudarosreflexosprovandoqueerapossívelcondicioná-los.Emseu estudo, Pavlov se valeu, principalmente de cachorros. A sua pesquisa sobre a digestão lhe deureconhecimentointernacionale,em1904,recebeuoPrêmioNobelpeloconjuntodesuaobra.Otrabalhode Pavlov influenciou marcadamente a Psicologia Behaviorista ou Comportamental criada por J.B.Watson(1878-1958)edesenvolvida,maistarde,poroutrospesquisadoresprincipalmenteSkinner.

Embora tenhamos avançadomais do que desejávamos, gostaríamos de voltar um pouco à segundametadedoséculoXIXelembrarque,naquelaépoca,osestudosiniciantessobreocérebrohaviamfeitoas pessoas pensarem que a função psíquica era originada naquele órgão, não havendo portanto anecessidadedoespírito.FicoumuitofamosaafrasedeClaudBernard(ouaeleatribuída):“Océrebrosecreta pensamento como o fígado secreta a bile”. Cria-se, então, uma interpretação materialista dohomem e do mundo. É nesse contexto que o Plano Espiritual decide enviar à Terra um EspíritoMissionário,chamadoLeonHipolliteDenizardRivail,maisconhecidocomoAllanKardeccuja tarefaserá organizar um vasto material trazido pelos espíritos, material esse que dará origem a uma novaPsicologiaquetemonomedeDoutrinaEspírita.

ÉinteressanterecordaraquiqueAllanKardecpossuíaplenaconsciênciadequeestavasendoocanal

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paraaintroduçãodeumanovaPsicologiae,tantoissoéverdade,que,queaRevistaEspírita,criadaporele,temosubtítulodeEstudosdePsicologia.Ora,apalavraPsicologiaderivadogrego:Psiké=alma+log=discurso,estudo+ia=sufixoformadordesubstantivose,portanto,significa:estudoouciênciadaalma,entretanto,aPsicologiaModernahaviadecididonegaroseupróprioobjeto.ADoutrinaEspírita,revelando e ampliando o conceito de alma (espírito encarnado) e da vida espiritual como um todo,propõeumnovoparadigmaparaosestudospsicológicos.SegundoaDoutrinadosEspíritos,ohomeméum ser eterno que caminha na direção dos Mundos Maiores. Como esta proposta implica tempo, oEspiritismoperfilhacomclarezaeobjetividadeaidéiadareencarnação,masrevitalizadaedespidadetodososdesviosqueacaracterizaramnopassadoequeaindaexistememoutrospaisesemqueéaceita.

Comaidéiadareencarnação,aDoutrinadosEspíritosassocia-se,francamente,àteoriadaevolução,imprimindo-lheumadimensãonova:adimensãoespiritual.Segundoateoriadosevolucionistas,todasasformas de vida existes foram resultado de uma longa elaboração no sentido de novas formas maisadequadas às novas propostas da Natureza; entretanto, o Espírito estava ausente da evolução. OEspiritismocorrigeessadeformaçãoenosdizquetambémoEspíritoprogrideequeecadaexistênciaeleavançanosentidodoaprimoramentomoraleintelectual.

Aestaaltura,pensamospodercolocaratesecentraldestelivro:acreditamosqueoPlanoEspiritual,desejoso de que oEspiritismo avançasse de ummodomais preciso e definitivo, incumbiu umgrandenúmerodeEspíritosparaajudaremAllanKardecemseutrabalho.Oobjetivoeradaràdoutrinanascenteo respaldo de seu intelecto, autoridade e fama. Todos esses espíritos encarnaram em países comcondições culturais de influenciar o mundo em que viviam. Entre eles podemos ressaltar: CamillieFlamarion,GabrielDellane,CesareLomborso,LeonDenis,ErnestoBozzano,WilliamCrooks,ArthurConanDoyle,PaulGibier,CharlesRichet,EugeneAugustAlbertDeRocha emédiuns como:EusapiaPaladino,MadameD´Esperance,DanielDunglasHomme e as irmãs Fox emuitos outros. Entre essesespíritos,apenascomohipótese, incluímosSigmundFreudeC.G.Jungcuja tarefasegundonoparece,seriafazerumaespéciedeponteentreaPsicologiatradicionalouacadêmicaeoEspiritismo.

Dedicamos este livro à tentativa de mostrar, principalmente no caso de Jung, como se deu odesenvolvimentodestatarefa.NãosetratadeumlivrocriticosobreapsicologiadeJungemuitosmenosumaacusaçãoaelepor ter,denossopontodevista,seafastadodatarefaaquesepropôs,apesardosgrandenúmerode chamados e advertênciasque teve ao longode suavida.Desejamos evidenciar pormeiodeumgrandenúmerodecasos,contadospelopróprioJung.Chamamosatençãoparaamediunidadedessepsicólogo,mediunidadeestaque,infelizmentejamaisreconheceu.Esteportantoéumlivroqueseconstruiuapartirdeumahipótese,umahipóteseplausível,masapenasumahipótese,nadamaisdoqueisso.

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Duranteonossotrabalho,teremosocasiãodefazeralgumasreferênciasàPsicologiadeJung,porisso, achamos por bem explicar os conceitos fundamentais da Psicologia Analítica para favoreceràqueles que não estão familiarizados com este tipo de Psicologia. Não se trata, exatamente, de umglossáriodePsicologiaAnalítica,masdeumatentativade,preliminarmente,apresentaralgunsconceitoscomquetrabalharemosnolivrocomoumtodo.Estecapítulo,entretanto,nãonoseximedecriarmos,nodecorrerdenossoestudo,outroscapítulosondeessesconceitos(pelomenosalgunsdeles)deverãoserestudadoscomumpoucomaisdedetalhes.

1. AlmaEstetermoseráusadoporJungnolugardapalavramente,aparelhoanímico,aparatoanímicoeoutros

termosanálogos.EmJungotermoalmaequivaleàpalavragregapsiké.Nãopossuiumsentidoreligiosooutranscendente.Aalmaé,então,paraele,omesmoquepsiquismo.

2. AnimaJungconsideraanimacomoumarquétipoquepersonificaafigurafemininaqueseencontranointerior

do inconsciente masculino. Assim, se um homem é tomado por sua anima, torna-se extremamentemotivadoenelesedesenvolveaspotencialidadescriadoras.

3. AnimusEsta é uma contrapartidada anima, ou seja umarquétipomasculinoque existe no interior de cada

inconscientefeminino.Seumamulherforradicalmentetomadaporseuanimus,torna-sedecidida,forte,máscula,capazdeteropiniõesprópriasedeserindependente.Aanimaeoanimussãoresponsáveispelainspiração,tantoemumcasocomoemoutro.

4. ComplexoEsteconceitopossuiparanósumaimportânciaconsiderávelcomoveremosnaleituradestelivro.Foi

umtermocriadoporJungequeopróprioFreudadotou.Oqueé,porém,umcomplexo?SegundoJungoscomplexosseriamgruposfortementecarregadosdeenergiae,porconseguintedetentoresdegrandeforçaemotiva.Sãoformadosporassociações,istoé,imagens,percepções,idéias,fantasiasqueseencadeiame

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seagrupamemtornodeumnúcleoouarquétipo.

Os complexos, muitas vezes, possuem atividade autônoma, independente, portanto do Ego. Aindasegundo a maneira de ver junguiana, os arquétipos funcionam como uma estrada privilegiada para oinconsciente e, nesse caso, atuamcomoconstrutoresdosnossos sonhos.Existe, explica Jung, emcadapersonalidade,umnúmeroconsideráveldecomplexosqueserelacionameinteragem.AsrelaçõesentreoscomplexoseoEgo, acontecemdo seguintemodo: seocomplexodominaroEgodemaneiraqueosegundopercaocontrolesobreoprimeiro,estamosfrenteaumapsicose;entretanto,casoocomplexoeoEgovivamemumprocessodeidentificação,estamosdiantedeumapossessão.ConsoanteaopiniãodeJung,ascomunicaçõesmediúnicasestariamincluídasnessecaso.

5. OarquétipoConsoanteaopiniãodeJung,osarquétipossãoelementosqueexistemnoinconscientecoletivo,do

mesmomodo que os complexos existem no inconsciente individual. Em verdade, eles são temas queexistem e que se repetem na literatura e nos mitos de todos os povos. Costumam, normalmente, semanifestarnossonhosdelíriosealucinaçõesdetodasasespécies.Osarquétipos,comoveremosemumdoscapítulosdesse livro, sãomuitocomplexos.Teoricamentenão sepodeconhecê-los inteiramenteemuitomenos,esgotá-los.Énecessáriotambémquenãoseconfundaarquétipocomimagemarquetípicas.Os arquétipos são os temas e as imagens são as formas como eles são expressos. Por exemplo, oarquétipopaternopodeserexpressopelaimagemdeumgigante,assimcomoaanima,podeapareceremumsonhocomoumafadaoucomoumamulherdesconhecidadosonhador.

Os arquétipos ainda podem ser expressos nos comportamentos de natureza externa, principalmenteaquelesque se referema fatos fundamentaisdenossaexistênciacomo:onascimento,ocasamentoeamorte,asseparaçõeseassimpordiante.Emrazãodesuafortecargaenergética,aqueJungchamadenumem, as imagens arquetípicas causam-nos uma forte impressão, uma espécie de fascínio que pode,inclusive,envolveroEgo.Umapossibilidadedeseevidenciaresseprocessoencontra-senotranscorrerdas crises psicológicas, em momentos de êxtase como acontece com os místicos, ou em contextosmarcadosporforteinspiração.

6. DissociaçãoDá-seumadissociaçãoquandoaconteceaperdadeumconteúdodaconsciênciaquesedeslocapara

oinconscientesemqueoEgoopermitaoutomeconhecimento.Indicaumadesagregaçãooudesuniãodeumaparte da pessoa comelamesma.Trata-se de umamanifestaçãoneurótica oupsicótica.OpróprioJungsofreuessetipodefenômenopsíquico.

7. EgoEsta palavra que, em latim, significa Eu, é o centromaior da atividade consciente. A sua função

precípua é atender as solicitações do mundo exterior e do si-mesmo, intermediando-as, sendo destemodo,responsávelpelosprocessosadaptativos.

8. EnergiapsíquicaNestecaso,JungeFreuddiscordaramenãosódiscordaram,colidiram.ParaFreudaenergiapsíquica

ésinônimodeenergiasexualoulibidinal.ParaJung,entretanto,estaenergiaéumtipodeenergiavitaldopensadorfrancêsHenryBérgson.Trata-se,conformeJung,deumaformadeenergianeutraque,porassim

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dizer,assumeaformadeumaestruturapreexistenteouarquetípicaquefluidoinconsciente.

9. Extroversão/introversãoChama-seextroversão,comoestáindicandooprefixoextra(movimentoparafora)umatendênciada

energiapsíquicanosentidodefluirdoindivíduoparaomundoexterior.Assim,oindivíduoextrovertidoéalguémvoltadoparafora,ouseja,umapessoaqueseliga,maisfacilmente,aosobjetosexistentesnomundoexterior.Aocontrário, na introversão, a energia fazumcaminho inverso, isto é, flui domundoexterior para o mundo interior do sujeito. Como a extroversão, não significa necessariamente, maioradaptação,nãosedeveconfundir introversãocom timidez.Assim,umapessoapodeser introvertidaebastanteadaptada,comumaricacapacidadeafetivaecapazdeumavidasocialintensa.

10. FantasiaEsta é, conforme o pensamento junguiano a atividade principal do psiquismo inconsciente. Jung

considera a fantasia relacionada ao pensamento associativo, um tipo de pensamento que trabalha comimagens, metáforas e símiles ou analogias. Haveria, segundo esta doutrina, dois tipos de fantasia: apassivaeaativa.AfantasiapassivasedaquandooEgopareceseomitirenãofaznenhumesforçonosentidodetornarconscientetaisassociações.Elaéativa,naturalmente,emcasocontrário.

11. IdentificaçãoAconteceumaidentificaçãoquandoseprojeta,demodoinconsciente,algumângulodenossamente

sobreumapessoa,instituiçãooumesmoumacausaquepossaimprimirumnovosentido(ougarantirumantigo)emnossavida.Frasecomo:EueoPaisomosUm,ditaporJesusouJánãosoueumaisqueviveéCristoqueviveemmim,proferidaporPaulodeTarso,seriamexpressõesdesseprocessopsíquico.

12. ImagoDefine-se imago como uma imagem psíquica de alguma coisa ou de alguém que se cria demodo

subjetivo (inconsciente), mas que é produzida pela percepção sensorial associada às emoções, asimpressõesinterioresoufantasiasinconscientesquetêmasuaorigemnosarquétipos.

13. MitoOmito não é, como amaioria das pessoas costumampensar, uma história ficcional contada pelos

povos antigos ou primitivos e que os modernos usam para entreter crianças. Os mitos são históriasverdadeiras,queaconteceramnostemposprimordiais“InIlludTempus”oucomodizemosalemães:notempo do inicio Urzef. Os mitos, portanto, falam de um passado muito antigo, anterior ao tempohistórico,quandoosdeusesviviamnomundoemconvivênciafraternalcomossereshumanos.

14. NuminosoTermoqueJungretiroudaobraAIdéiadoSagrado,doalemãoOtto.W.F.No livrodeOtto,pela

palavranuminososeentendeoprópriosagradoouasuamanifestação,narealidadeobjetiva.EmJung,entretanto,designaumaforçamisteriosa,atrativa,proféticaquenospossibilitaumaexperiênciaimediatacomatranscendência.

15. Persona

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Personaéumarquétipoquerepresentaafacequemostramosaosoutrosemnossarelaçõessociais.Equivale,emlinhasgerais,aotermopersonalidade.

16. SombraEste é um outro arquétipo que representa, por seu turno, os aspectos negativos e pulsionais que

existememnósquenosesforçamosporocultar.Correspondeaosnossosdesejosinconfessáveise,nãoraro, autodestrutivos. Da sombra também fazem parte aquela qualidades da personalidade que, poralgumarazão,nãopuderamsedesenvolver.Éequivalenteaoconceitode“homemvelho”queseencontraemoNovoTestamento.Asombraguardaprofundasemelhançacomoinconscientefreudiano.

17. PsicologiaanalíticaApartirde1913,quandorompeucomFreudecomomovimentopsicanalíticoemgeral,Jungdecidiu

que iriachamarasuaabordagempsicológicadePsicologiaAnalíticaparaevitarqualquersemelhançacomaPsicanálisedeSigmundFreud.

18. SincronicidadeImaginemosqueumapessoa tenharecebidodepresentedapartedeumamigoquerido,umespelho

muitobonitoemestilorenascentista.Apessoaquerecebeuopresentecoloca-onaparededesuasala.Passao tempoe,certodia, semquênemparaquê,oespelhoestalae separtenomeiocerto.Odonoprocura explicar em vão o que acontecera. Dias depois recebeu a notícia de que a pessoa que opresenteara com o espelho, havia morrido no exato momento em que o espelho se partira. A estefenômeno, Jung chamou de sincronicidade.Assim, poder-se-ia definir sincronicidade a ocorrênciacoincidente no tempo e no espaço de acontecimentos (morte do amigo + rachadura no espelho) que,embora nem sempre obedeçam a lei da causalidade, estabelecem relações conexas do ponto de vistapsicológico.Comisso,Jungpretendeexplicar,comoveremosmaistarde,algunseventosmediúnicosouparanormais.

19. SelfousimesmoSegundo C. G. Jung, no processo evolutivo da alma, haveria ummomento em que ocorreria uma

unidadeentreoconscienteeoinconsciente.Estemomentoseriarepresentadoporumarquétipoqueelechamou de Self ou si mesmo. Este arquétipo ainda funciona com o centro regulador da totalidade,expressãomaisplenadetodososaspectosdapersonalidade,quernarelaçãocomasoutraspessoasquercomoprópriomeioambiente.

20. PossesãoDestetermo,JungsevaleparadescreverumasituaçãoemqueoEgofoitomadoporumcomplexo,

identificando-secomele,eficandoporissoprivadodesuavontadeelivrearbítrio.

21. OsopostosSegundoopensamentodeJung,apré-condiçãoparaaexistênciadavidapsíquicasãopatêsopostos

comoLuz/Sombra;Bem/Mal;Feminino/Masculino;Consciente/Inconscienteeassimpordiante.Emseu estadonatural ou inconsciente os opostos existem indiferentemente.Quando, entre eles, aumenta atensão,dá-seosurgimentodaconsciênciaedodesenvolvimento.Se,poroutrolado,essatensãosetorna

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insuportável, há a necessidade da criação de um terceiro elemento capaz de solucionar os conflitos eprocurarumaconciliaçãoousíntese.

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CapítuloIDaFamília

CapítuloIIUmrapazmuitoespecial

CapítuloIIIBuscandocaminhos

CapítuloIVOcasoHelenaPreiswerk

CapítuloVDasÍndiasaoPlanetaMarte

CapítuloVIOexercíciodamedicinaeocasamento

CapítuloVIIAsrelaçõescomFreud

CapítuloVIIIXamanismosonhoseviagensforadocorpo

CapítuloIXSonhosevisões.SurgimentodeFilemon

CapítuloXUmaparadanoinconsciente

CapítuloXIOInconscienteColetivoeosArquétipos

CapítuloXIIAGnoseeOsSeteSermõesaosMortos

CapítuloXIIIAtorredeBollingen

CapítuloXIVAsvisõesdeJung

CapítuloXV

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Jungeavidadepoisdamorte

CapítuloXVIOtestemunhodeJungsobreaexistênciadeespíritosdesencarnados

PalavrasFinais

Bibliografia

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Carl GustavJungnasceu,em26 de julho1875, em umapequena aldeiachamadaKesswil, aonorte da Suíça,nasproximidadesdas cachoeirasdo rio Reno.Seu pai, PaulAquiles Jung,era um pastorluteranointelectualmentebrilhante. Haviase distinguidocomo estudantede línguasorientais,particularmente,o árabe, nafamosauniversidade deGöttingen.Tornou-se,porém,deprimido eainda na casa

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dos trinta, foipastorear orebanho daIgrejaEvangélica docantão deThurgau. PaulAquiles era umhomem triste,calado, muitomodesto empublico quehavia perdido afé em suaprópria religiãoe passava osdias de mauhumor.

Suamãe,EmilieJung,eraumapessoaestranhaque,segundoofilho,possuíaduplapersonalidadeoupodiamanifestarumasegundapersonalidade,queJungchamavadepersonalidadenúmero2.Àsvezes,secomportavacomoumamulhercomume,outras,comoumapessoaagressiva,quemurmuravacoisasparaJungincompreensíveis.Aindanasuajuventude,Jungvaiperceberque,demodosemelhanteàsuamãe,tambémpossuíaduaspersonalidades.

Seu avômaterno, Samuel Preswerck (1799-1871) era pastor evangélico. Durante toda a sua vidamanteveacrençadequeahebraicohaviasidoalínguafaladanoparaísobíblico.Conheciatãobemalínguahebraicaqueeraconvidadoparafazerpalestrassobreesteidioma.

No começode sua carreira foi um intelectual errante que ensinava hebraico e a teologia doNovoTestamentonacidadedeGenebra,naSuíça.EssetrabalhodevetertidoalgumarepercussãoporqueelefoichamadoaBasiléiaparaserpastordaIgrejadeSãoLeonardoondepassouaviver.SamuelPreswerkse casou duas vezes. Magalene, sua primeira esposa, teve apenas um filho. Casou-se de novo comAugustaFaber,filhadeumclérigodeWüterburgemédiumvidente.Comela,teve13filhos.

O avô materno de Jung tinha um profundo interesse no chamado ocultismo e acreditava nacomunicaçãodosespíritosdosmortos.Quandoiafazerumaprédica,costumapediràesposaqueficasseportrásdeleafimdeespantarosmausespíritosquepoderiaminterferiremseutrabalho.Mantinhaemseu escritório uma cadeira para a mulher desencarnada sentar-se em suas visitas semanais quandomantinhamlongasconversações.

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OgrandeinspiradordeJung,porém,nãofoiSamuelPreswerk,masoseuavôCarlGustavnascidoem1794.Converteu-seaoProtestantismoquandoeraaindaumjovemestudante.Emboragostassemuitodepoesia, freqüentou a Faculdade de Medicina da Universidade de Heidelberg. Gustav era um homemcombativoetinhaumacertapreferênciapelapolêmicaepelascausasradicais.Porisso,aosvinteetrêsanos, esteve preso no cárcere deHansvogrei,mas passouumano sem ser julgado.Liberado e comocoraçãocheiodeamargura, foiparaaCidadeLuz.NacapitaldaFrança, conheceuoBarãoFriedrichAlexander vonHumboldt (1769-1859) explorador e naturalista e, como resultado deste conhecimento,recebeuboaacolhidaemPariseumempregonoDepartamentodeCirurgiaemumdosgrandeshospitaisdacidade.LogofoiindicadoparaaAcademiadeBernae,depoisfoiparaaEscolaMédicadeBasiléiaqueestavafundadahápoucotempo.Maisàfrente,adotouanacionalidadesuíça.

CarlGustaveraumhomemexcêntricoquegostavadeserdiferenteatémesmonaspequenascoisas.Invésdeumcachorrocomoanimaldeestimação,elepossuíaumporquinhoquelevavaapassearporumacoleira.Gustav,porém,eraantesdequalquercoisaumhomemdeação.FrankMaclynnemsuabiografiadeJungtraçadeleoseguinteperfil:

(...)Caráterforte,ágil,perspicaz,bomoradoregrandeorganizador,eletransformouafaculdadeque,antesdesuachegada,haviapassadoporumafasedifícil.Aolongodeanos,oanatomistaebotânicoJohannJakobBurkhardtforaseuúnicoprofessore,entre1806e1814ainstituiçãonãoexpediraumúnicodiploma.InteressadoemPsiquiatria,tentou,semsucesso,criarumacadeiraespecíficaefundouuminstitutodestinadoàcriançasportadorasdedistúrbiospsicológicosecomretardomental. Incumbênciaaque dedicou todo o seu tempo livre até a sua morte em 1864. Integrante ardente de maçonaria, ao assumir a reitoria daUniversidade, tornou-se, concomitantemente, Grão-Mestre da loja Suíça. Publicou vários boletins científicos e escreveu peças.Apresentado por Schleiermacher (1766-1854) a Wilhelm de Wette (1780-1849) que fora admitido na cátedra de Teologia daUniversidadedeBerlimporsuassimpatiasradicais.Osdoishomensfizeramamizade;foigraçasàinfluênciadeSchleiermarcherqueelefoinomeadocatedrático,em1822.1

Quantoàsuavidamatrimonial,CarlGustafnãofoifeliz.Suaprimeiramulherdesencarnouapóslheterdadotrêsfilhos.Viúvo,decidiucasar-secomSophie,afilhadoprefeito,masoalcaiderecusou-lheafilhasemmaioresexplicações.Areaçãodelefoimuitocompatívelcomasuapersonalidadeimpulsiva:paraofenderoprefeito,resolveusecasarcomaprimeiramulherquelheagradasse.Assim,entrandoemuma taverna, pediu amãodeumadasgarçonetes.Ela aceitou e ambos se casaram.A segunda esposamorreuapósdoispartos.Afilhadoburgomestre,contudo,continuavasolteirae,maisumavez,elepediuamãodelasendo,entãobemsucedido.Destavez,teveoitofilhoseomaisnovodelesrecebeuonomedePaulAquileseseriaopaideJung.

AinfânciadeJungVamos, emcontinuidade, examinarosprincipais fatos acontecidosna infânciade Jung.Atéos seis

mesesdeidade,eleviveuemKessil,nasmargenssuldolagoConstançacujaságuassãodeumazulquelembra a cordo céu.Umdia, a família Jung tevequedeixar aqueladoce regiãoporqueAquiles Junghavia sido transferido para um novo vicariato que ficava no castelo de Laufen um pouco acima dascataratas doReno.É interessante lembrar que Jung sempre gostou de lago e desejou viver sempre àsmargensdeum.

AsprimeiraslembrançasdeJungnestaencarnaçãoestãorelacionadascomosseusprimeirosmesesdevida.Ele,entãosevêdeitadoemumcarrinhodebebê.Estásozinho.Essasprimitivassensaçõessãotambémasquelhevemdomundoexteriorcomogostosecheirosdecoisas,visõesesparsasefugidiasdeaspectosmarcantesdoambiente.Afiguradamãecomoaquelequelhedáprazerelheofereceoseioparaser sugado.Troca-lheas fraldase faza limpezadeseucorpo.Naturalmente,a influênciadopainesteperíodoébemmenor.

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Émuitocomumqueseimaginequeascriançassejamtomadascomoseresextremamentesimplesquenãosedãocontadecoisaalgumaquesepasseemseuredor.Issonãoéverdade,pelosmenosemalgunscasos.Jung,porexemplo,aindainfantepareceterpercebidoqueascoisasnãoestavamcertasnarelaçãoentreseuspais.Asituaçãoentreocasalsecomplicae,em1878,ambosdecidemdarumtemponoseurelacionamento.Emiliefoientãoparaumaclínicadedoentesmentais.

Jung,comapenastrêsanosdeidade,somatizouoproblemadospaisedesenvolveuumeczema.Umatiaachouqueomelhorafazerpelomeninoserialevá-loparaasuacasa.Éinteressantelembrar-sequeapartirdaí,omeninopassouadesenvolverumconceitonegativodoamoredasmulheresquesãotidasporelecomocriaturaspoucoconfiáveisesuamãeeramulher.Quantoàimagemquepassouaterdopaieradeconfiança,masdecaráterpassivo.

Outras imagensfemininasqueinfluenciaramapersonalidadedeJungemsuainfânciafoiumababá,mulherbonita,decabelosnegrosdaqualJungselembracomededicouaelaumsentimentoquasefilial.AsegundamulherfoiBerthaShenk,umamulherlouraebelaqueeraumacompanhiaconstantedeseupai.TãopróximoeraesserelacionamentoquesechegouapensarqueelaePaulJungfossemamantes,masissojamaisfoicomprovado.

Jungestavacomcercadequatroanosquandodesenvolveumestranhocomportamentomarcadoporumgrandefascíniopelamorteeporcadáveres.SobreestaquestãodeixemosfalaropróprioC.G.Jung:

Outra lembrança: gente desconhecida, afobação, alvoroço. A empregada veio correndo. Os pescadores encontraram umcadáverlogoabaixodasQuedasdoReno.Queremlevá-loparaalavanderia!Meupaidisse:Sim.Sim.Eulogoquisverocadáver.Minhamãemedeteveemeproibiuterminantementequefosseaojardim.Quandooshomensforamembora,atravesseidepressaojardimpara ir à lavanderia.A porta estava fechada. Fiz então a volta da casa.Atrás dela, no alto, havia umavala emdecliveatravésdaqualescorriaumaáguasanguinolenta.Estefatointeressou-meextraordinariamente.Nessaépoca,euaindanãohaviacompletadoquatroanos.2

Elesofre,então,umasériedepequenosacidentescomocairnaescadaeesbarraremumfogão,oquelhe provocou cicatrizes que ainda se poderiam ver na idade em que ele chegou ao ginásio. Estesacontecimentospoderiamserexplicados,emboranãodemodoabsoluto,comoumdesejodeestarmorto.Quero lembrar, porem, que na idade em que estava Jung o espírito ainda não se apossou do corpointeiramente,ouseja,aindanãoseadaptouàsuanovaencarnaçãoeodesejodeselibertarevoltaravidaespiritual,àsvezes,podesergrande.

Estesacontecimentosnãosãotãomarcantescomoumoutroquepassamosanarraragora.Certodia,JungestavacomasuababánapontedeNeuhausen.Omeninoestavadistraidamentebrincandonapontequandoenfiouapernaemumadasbalaustradaseesteveapontodecairesecaísse,porcerto,morrerianaságuascaudalosasdorio.Nistoababáveiocorrendoeosegurouimpedindoqueseprecipitassenovazio.McLynn3pedequesenotequefoiababáenãoamãequeosalvoueistotemumsentidomuitoespecialnasrelaçõesentreJungeasuagenitora.

AsrelaçõesdeJungcomamortevãoumpoucoalémdeumatendênciamórbidaparadeixarestavida,poiscostumaaacontecercomelefatosinsólitos.Eleescuta,quandoacasaestáàsescuras,altashorasdanoite,passosritmadosdeumapessoaquecaminhasse.Saindodoquartodesuamãe,vêcoisasestranhas.Estudandoesta fasedavidadeJungodoutorDonaldWoodsWinnicot, tradutordasobrasdeSigmundFreudparaalínguainglesa,sugerequeasvisõesdeJungdecorriamdeespéciedeesquizofreniainfantil,queveioàtonadepoisdaseparaçãoentrePaulJungeEmiliePreiswerk.

Esta explicação não elimina de forma alguma a possibilidade de interpretar esses fenômenosestranhos acontecidos com o menino Jung como fatos mediúnicos. Não é muito incomum que a

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mediunidade se manifeste em crianças que vem espíritos e ficam apavoradas. Aqui também se podeincluiralgunscasosde“amigosinvisíveis”quenemsemprepodemserexplicadospormeiodefantasiasdecriançassolitárias.

Depoisdeseparar-sedePaul,Emiliecomojávimos,foiinternada.Ficoualgumtempoevoltouparasuacasacomalta.Estavafelizoupelomenospareciaestar,entretanto,aindaestavasujeitaasurtosdedepressão. Em verdade, ela não haviamudadomuito, pois continuara com as duas personalidades e,principalmente, com a segunda que era misteriosa e terrível. Assim, ele alternava entre umapersonalidade submissa e tímida, e uma outra forte e resoluta.Não sabemos até que ponto a segundapersonalidadenãoseriaumespíritoquesemanifestavaatravésdela.

Esta mulher de temperamento difícil “educou” seu filho de um modo que aumentavaconsideravelmenteo ladopsicóticodeseufilho.ElaensinouaJungumapreceparaele fazerantesdedormirequediziaoseguinte:

Abraastuasasascompassivas,SenhorJesus,Eprotegeoteupintinho,atuacriança.Mesmoqueodemôniodesejedevorá-la,Nenhummalhádevence-lo.Eosanjoscantarão.

Nasuaimaginaçãoinfantil,Jungcomoumpássarobondosodegrandesasasquetomavaospintinhos(crianças)antesqueSatãos tomassee,poressemotivo,eranecessárioqueascriançasrezassemparaele. Junghavia visto algumasvezes enterros em sua aldeia e ficara impressionado comoshomensdenegroque levavamumagrandecaixaondeestavaomorto.Nocemitério,cavava-seumacovaeali secolocavaocorpoesecobriadeterra.Disseram-lhequeaquelaspessoasqueforamenterradashaviamsidolevadasporJesus.

Estaconclusãosinistra,poranalogiateveconseqüênciasfatais:comeceiadesconfiardoSenhorJesusCristo.Eleperdeuoaspectodegrandepássarobenevolenteereconfortanteefoiassociadoaoshomenssoturnos,cujossapatoserampretoselustrososequeseocupavamdecaixõesescuros.4

NacasadoreverendoPaulJunghaviaumsentimentofortementehostilàIgrejaCatólica.AcasadosJung,queeramprotestantes,estavacercadadevizinhoscatólicosepoderosos.Naquelaépocacorriamnarrativas, algumas verdadeiras e outras míticas, a respeito de práticas jesuítas inconfessáveis. Jungmeninoouviaestashistóriase,emsuaalma,nasciaummedoterríveldospadresdaCompanhiadeJesus.Certodia,estandonaportadesuacasaevendopassarumpadre,saiucorrendomortodemedoefoiseesconder no andar de cima.O quemais o assustou foi ver um homemde batina (para ele vestido demulher)oque,segundoMclynn,maistarde, teriadadoorigemaomalestarqueJungsentiaquandoviaumamulherusandocalçasdehomem.

Em 1879, quando Jung estava com quatro anos de idade, Paul, seu pai, foi transferido para umaparóquia que ficava na aldeia de Klein-Hüningen onde a população basicamente era formada decamponesesepescadores.Religiosamenteaaldeiaeradominadaporprotestantes.Nessacomunidade,opaideJungpassaaocuparumaposiçãodedestaque.Entreasfamíliasreformadasfaziam-secasamentocuja finalidade era criar laços entre elas, fortificando a influência do Protestantismo. Jung sentia-se,então,comomembrodeumacastaprivilegiada,deumcertoessaconsciênciadeclassemarcaráasuapersonalidadecomumcertoelitismo.

Em sua nova aldeia, Jung conheceumuitos meninos de sua idade, mas ele não se dava com elesporqueseupaieraumministroeofilhodeumapessoatãoimportantenãopoderiasemisturarcomas

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outrascrianças.Assim,Jungpassavaamaiorpartedeseutempobrincandosozinhocomcubosdearmare soldadinhos de chumbo com os quais imaginava batalhas navais. Para ampliarmos os nossosconhecimentosda infânciade Jung,vamosconheceroquenosconta seuamigochamadoAlbertoOeri(1875-1959)quefoiseucolegadeescolaecompanheironaUniversidadedeBasiléia.

OerinoscontaqueconheceuJungquandoamboseramaindamuitopequenos.Ospaisdeamboserammuitoamigosdesdeosbancosescolaresecostumavamvisitarumaooutro.QuandoiaàcasadafamíliaJung,opaideOeriolevavaparabrincarcomofilhodopastor.Oarticulistaconfessaque,emgeral,nãoconseguiabrincar comJung, pois este sentava-senoquarto comum jogodeboliche enão lhedava amenor atenção. Oeri chega a chamar Jung nesta fase de pequeno monstro anti-social. Explica estecomportamentojunguianopelofatodeeleternascidoemumacasavaziadecriançaseasuairmãaindanãoternascido.

Como tempo e continuidade das visitas, a relação entre os doismeninosmelhorou bastante.OerichegaadizerqueJungmanifestouporeleumaamizadeespontânea,principalmente,aosaberquepoderiacontarcomeleparasuasestripolias.UmadelaseracaçoardeumprimodequeJungnãogostava.Porlheparecerafetadodemais.Umadessasbrincadeiraséaseguinte:havianocorredordeentradadacasadeJungumbanco.Recebendooprimo,Jungfezquestãodequeelesentassenaquelebancoequandoorapazofez,Jungdeuestrondosasgargalhadas.5Omotivodetantahilaridadeeraofatodeque,umpoucoanteshavia sentado ali um indivíduo alcoólatra e Jung queria que o seu delicado primo ficasse fedendo agenebra.

Deumaoutra feita,prossegueOeri, JungencenouumsolenedueloentredoiscolegasdeescolanojardimdoPrebistério.Duranteodueloumdosrapazesferiu-selevementeemumadasmãoseJungficouverdadeiramentepesarosocomoincidente.PaulJung,porém,ficoumuitomaispreocupado,poisaqueleincidentelembrou-lheumoutroacontecidonasuajuventude.OpaidojovemferidohaviasemachucadogravementeemumexercíciodedueloetinhasidotratadopeloavôdeJung.

JungeseuamigoficarampreocupadoscomarepercussãodessefatonaescolaumavezqueoDiretorpoderia puni-los com advertência, suspensão ou mesmo expulsão. Felizmente para ambos, quandoBurkhardt,odiretordocolégiosoubedoacontecido,limitousefazerumaperguntasimplesecombomhumor:Vocêsestiveramjogandoesgrima?

Foi ainda em sua infância que Jung teve um sonho que reproduzimos aqui. No sonho, ele seencontravaemumacampina.De repente,encontraumacova retangular, revestidadealvenaria. Jamaiselehaviavistoumacoisa assim.Aproxima-se e,olhandoparao interiordo lugar, vêumaescadaqueconduziaaofundo.Hesitanteeamedrontado,eledesceporela.Embaixoeleencontraumaportaemarco,fechada por uma cortina verde. Por trás desta cortina, havia um espaço retangular com cerca de dezmetrossobumatênueluzcrepuscular.Aabóbadadotetoeradepedraeochão,deazulejo.Domeiodaentradaatéumestradobaixo,estendia-seumtapetevermelho.Apoltronaeraesplêndida,umverdadeirotronorealcomonosContosdeFadas.Sobreelaumaformagigantescaquasealcançavaoteto.Pareceaele,primeiramente,quesetratavadeumgrandetroncodeárvore.Seudiâmetroeradecercade50ou60centímetros. O objeto era estranhamente construído, feito de pele e carne viva, sua parte superiorterminavaemumacabeçacônicaarredondada,semrostonemcabelos.Notopo,umúnicoolho,imóvel,fitavaoalto.

OaposentoemqueJungseencontrava,emseusonhoerarelativamenteclaroemboranãohouvessealiqualquerjanelaouluz.Sobreacabeçadoestranhoobjetobrilhavaumacertaclaridade.Oobjetonãose

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movia, entretanto, Jung tinha a impressão de que, a qualquer momento, ele poderia se deslocar e serastejaremsuadireçãosobreumvermegigantesco.Nosonho,eleficaparalisadodeangústia.Naquelemomento insuportável, ou, repentinamente, a voz de sua mãe, como se viesse do interior e do alto,gritando:“Sim.Olhe-obem.Istoéodevoradordehomens.Nessemomento,Jungsenteummedoterríveledespertabanhadodesuoremuitoangustiado.”

Jung considera este sonho importantíssimo. A interpretação dele vai depender do significado daimagem central, o phalo.6 Nesse caso foram propostas três explicações possíveis: a freudiana, ajunguianaeo lacaniana.Nahermenêutica freudiana,ophalosignificaopênise simbolizaopoder;doponto de vista junguiano, o phalo pode significar criatividade em geral e domodo de ver lacaniano,phaloéumafunçãosemânticadatrocadesignificantesentrepaiemãeeésímbolodaausênciadepoderoufaltadeste.

Sem negar, demodo algum, a validade ou acerto de tal interpretação, vou propôr uma quarta quepoderásoarcomoextravaganteouridícula,porém,issopoucomeimporta.Nãoqueeufaçapoucocasodaopiniãoalheia,masporqueacreditoterodireitodeexpressarasminhasprópriasopiniõessejamelasquaisforem.Assim,pensoquenestesonhoJungpossaestarselembrandodeumavidapassadaemoutrasculturas,muitoremotas,ondeocultodophaloocupavaumlugardeimportânciaconsiderável.

O phalo é o pênis, órgão sexual masculino, apenas em nossa visão acanhada, imersa em umracionalismoimpostopelaModernidade,entretanto,naAntiguidade,ophaloeraumdeus(assimcomoavagina era também sacralizada), uma instância religiosa relacionada com os cultos agrários e defertilidade.OinteressedeJungpormitosepelasreligiõesantigas,nãopodeterapenasumaexplicaçãoconvencional nos moldes chamados científicos. Desse ponto de vista, esta tendência fortíssima quedominaapersonalidadedeJung,podeserexplicadaporvivênciasdeexperiênciasreligiosasemvidaspassadas nas quais ele teria sido um estudioso daquelas religiões ou mesmo um partícipe daquelesmistérios.

Porumaquestãode justiça,vamosvera interpretaçãoqueopróprioJungdádeseussonhocomophalo.

A significação abstrata do phalo é assinalada pelo fato de que omembro em si é entronizado demaneiraictifálica(tiks=ereto).Acova,nacampina,representava,semdúvidaotúmulosubterrâneo.Oprópriotúmuloéumtemplosobaterra,cujacortinaverdelembraacampinaerepresentaaquiomistériodaterracobertadevegetaçãoverdejante.Otapeteeravermelho-sangue.Deondeprovinhaaabóbada?Ter-me-iam levadoaMunot,oTorreãodeAschaffhouse?Époucoprovável,poiseu tinhaapenas trêsanos.Assim,pois,aoqueperece,nãosetratavadeumresíduodelembranças.Aorigemdarepresentaçãodo ictifálico, anatomicamente, também é problemática. A interpretação do orificium urethas (orifíciouretal) como o olho, com uma aparente fonte de luz sobre ele indica a etimologia de phalo (phalo =luminoso,brilhante).

Ophalodestesonhoparece,emtodocaso,umdeussubterrâneoqueémelhornãomencionar.Comotal, morou em mim através de toda a minha juventude e reaparecia cada vez que se falava, comdemasiadaênfasenoSenhorJesusCristo.OSenhorJesusCristonuncafoiparamim,completamentereal,aceitáveledignodeamor,poiseusemprepensavaemsuaequivalênciasubterrâneacomoumarevelaçãoqueeunãobuscaraequeerapavorosa.7

Gostaríamos de fazer aqui algumas considerações que me parecem pertinentes ao caso. AinterpretaçãodeJung,comosepôdever,nãocoincidecomasqueacabamosdever.Elafazalusãoas

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religiões agrárias e a divindade subterrânea.Ele não consegue explicar a origemda abóbada.O que,entretanto, nos impressionanesta passagemé a afirmaçãodequeo sonho criavanele uma associaçãopavorosa entre Jesus, o devorador de homens e o phalo, também devorador de seres humanos comodisserasuamãe.Assim,afiguradeJesustornasseparaeleinaceitávelenãodignadeamor.Se,porém,admitirmos que Jung, em vidas passadas, convivera com, crenças pagãs, commitos que respeitava edeuses que aprender a honrar, é natural que tivesse para com Jesus e o Cristianismo uma fortehostilidade, umavezque foi coma religiãodoCristoqueoPaganismo tevede recuar atéperderporinteirooseudomínioeimportância.Provavelmente,issoexplicariaosentimentocomqueJungpensaareligiãoantiga,principalmenteaGnosereligiãoqueaindaestavaneleequeosonhocomophalo,deussubterrâneoourecalcado,ofazrecordar.

Jung, em sua autobiografia, narra fatos que ele chama de sonhos,mas que a sua própria narrativaadmiteoutraexplicação.

Conta ele que, em seu quarto, durante a noite, ele era envolvido por uma atmosfera abafante demistérioepelasensaçãodapresençadeseresinvisíveis.Ospaisdormiamemquartosseparadoseeledormia como pai.Do quarto de suamãe, vinham influências inquietantes.Umanoite, ele viu sair doquartodelaumafiguravagamente luminosacujacabeçaseparou-sedopescoçoe ficoupairandonoarcomosefosseumapequenalua.Logoapareceuoutrapequenacabeçaqueseelevounoar.Essefenômenoserepetiuporseisousetevezes.

Outrofatointeressantedizrespeitoàssuascrisesdepseudocrupe8comacessodesufocação.Duranteessascrisesomeninoficavadecostaseerasustentadopelopai.Nessesmomentosdascrises,eleviaumcírculodecorbrilhante,dotamanhodaluacheiaondesemoviamfigurasdouradasqueeletomavaporanjos.Essasvisõesmelhoravamsensivelmenteassuascrises,diminuindo-lheasufocaçãoeatenuando-lheaangústia.

DoqueJungestá falandonessescasos?Eleestá sofrendoalucinaçõesdenaturezamaterialouestapresenciando como médium, que acreditamos (que fosse) fenômenos de origem espiritual? Será queespíritos levianos ou brincalhões (poltergeist) brincavam com ele, pondo e retirando suas cabeçasfluídicasparaassustá-lo?Seráquebonsespíritos,seusamigos,vinhamassisti-loemsuascrisesagudasde sua respiração?As duas hipóteses são viáveis, contudoprefiro ficar coma segunda porque, comoveremos ao longo desse trabalho, émais evidente, constante e nem sempre pode reduzir-se a simplesalucinação.

Um outro relato, não menos interessante, feito por Jung nos parece bastante adequado ao nossotrabalho.Vamosaele:

Lembro-medeque,nessaépoca,(entremeusseteenoveanos)gostavadebrincarcomfogo.Emnossojardim,haviaumaparedeconstruídacomgrandesblocosdepedra,cujosinterstíciosformavamcuriososvazios.Comaajudadeoutrascrianças,eucostumava manter uma pequena fogueira dentro deles. O fogo deveria arder sempre, portanto, era necessário alimenta-locontinuamente.Devíamosunirnossosesforçosafimdejuntaramadeiranecessária.Ninguémsenãoeutinhalicençaparacuidardiretamentedofogo.Meusamigospodiamacenderoutrasfogueirasemoutrosburacos,maselaseramprofanasenãomediziamrespeito.Sóomeufogoeravivoetinhamevidentecarátersagrado.Durantealgumtempo,foiesseomeubrinquedofavorito.9

Estamosaquifrenteaumfatomuitocuriosoesignificativo.Temosumacriançacomcercadenoveanos, praticando, semdisto se dar conta, de um forma de religiosidademuito antiga, conhecida pelosestudiososdevelhasculturas,comoocultodofogofamiliar.Tratandodesteassunto,escreveuFusteldeCoulange:

Todacasadegregoouderomanopossuíaumaltar.Nessealtardeveriahaversemprerestosdecinzaebrasas.Eraobrigação

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sagradadodonodacasa(PaterFamílias)conservarofogodiaenoite.Desgraçadaseriaacasaemqueofogoseextinguisse.Aoanoitecerdecadadia,cobriam-seascinzaseoscarvõesparaevitar,destemodoqueeleseacabasseinteiramenteduranteanoite.Aodespertar,oprimeirocuidadododonodacasaeraavivarofogoealimentá-locomalgunsramossecos.Ofogosódeixavadebrilhar sobreo altar quando toda a família houvessemorrido: lar extinto e família acabada eramexpressões sinônimas entre osantigos.10

SegundoanarrativadeJung,elefuncionavacomoumsacerdotedestetipodecursoeconsideravaofogopor ele aceso como sagrado, enquantoqueosoutros fogos, acesos emoutros lugares, poroutrosmeninos, ele os considerava profanos ou seja, despidos de sacralidade. Como se pode ver comfacilidade,paraumcasodeste,nãosepodedescartar,inteiramente,ahipótesedasvidassucessivascujaslembrançasdeveriamaindaestarmuitovivasnaalmadopequenoJung.

Avidaemocionalmente tumultuadadomeninoJungqueparecia serumaespéciedeoutsideranteàvidaqueiniciava,levou-oaumempreendimentoque,naépoca,elenãoconseguiuentendermuitobem.Entãoeletomouumestojoamareloelaqueado,próprioparaguardarcanetasqueantigamenteerausadopelosalunosdaescolaprimária.Dentrodesteestojo,haviaumaréguaemcujaextremidadeJungesculpiuumhomenzinho com cerca de seis centímetros de comprimento.Obonequinho usava fraque, cartola esapatoslustrosos.

Depoisdeterfeitoisto,Jungpintouasuacriaçãocomtintapreta,destacou-odaréguaeopôsdentrodo estojo onde lhe preparou um pequeno leito. Fez também para o homenzinho um casaquinho de lã.Colocou, ainda, junto com o boneco, um seixo do Rheno, polido, alongado e escuro. Que ele haviapintado com cores variadas de maneira que as partes inferiores e superiores ficassem destacadas.Durantemuitotempo,eleguardouoseixoconsigonobolsodacalça.

Oseixoeraapedradohomenzinho.Tudoaquiloconsistiaemumgrandesegredoqueelemesmonãocompreendiamuitobem.Então,eleescondeuasuacriaturanosótãodesuacasajuntoaomadeiramento.Eramuito gratificante, para ele, saber que, naquele lugar, o seu homenzinho estava guardado e o seusegredo,seguro.Passoutambémaescreveralgumasfrasesemrolinhosdepapelqueeleiacolocarjuntocomseuídolo.Eramaquelestextos–explicaJung–umaespéciedebibliotecaparaoseubonequinho.

OtempopassoueJungesqueceu-sedeseuhomenzinho.Deixemos,porem,queeleseexplique:Esqueci-me,depois,totalmentedestefatoatéaostrintaecincoanos.Foi,entãoque,danévoadainfância,denovo,

com clareza, imediata, os fragmentos de lembranças surgiram. Quando ocupado em preparar o meu livro Símbolos eTransformaçõesdaLibido,acercadoscahe11depedrasdaalma,pertodeArlesheinesobreoschuringas.12Descobritambémqueeufizeraumaimagemmuitoprecisadetaispedras,emborajamaishouvessevistoantesqualquerreproduçãodelas.

Aliestava,naminhagente,aimagemdeumapedrapolida,pintadadetalmaneiraqueaparteinferiorsedistinguiada superior.Mas ela nãome parecia algo desconhecido e foi então, queme voltou à lembrança, o estojo amarelo deguardar canetas e um homenzinho. Este era um pequeno deus oculto dos antigos, um telésforo13 que, em muitasrepresentaçõesantigasaparecepertodeEsculápio14paraoquallêumroloquetemnamão.15

OpróprioJungseadmirade terfeitoohomenzinhoepintadoapedra.Dizdeleque,pelaprimeiravez,passouaadmitirque,naalma,existemelementosquepenetramnapsikéindividualapartirdeumadeterminada tradição. Com este comentário, pela primeira vez, Jung, embora muito de leve, toca napossibilidade da reencarnação, posto que, mais tarde, infelizmente, deverá repudiar a hipótesereencarnatória,pelomenosempúblico.

1LynnCarlGustavJung.Umabiografia.P.162Jung.MemóriasSonhoseReflexõespag.223Op.cit.pag.194Jung.Opcit.Pág245DargrandesgargalhadaséumcomportamentoqueacompanharáJungportodaasuavida

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6Nomequeosgregosdavamaopênisouórgãosexualmasculino7Jung.Op.Cit.pag.26.8Doençacaracterizadaporrespiraçãolaboriosacomsufocaçãoeespasmodalaringe.9Jung.Op.cit.pag31-3210Coulange.ACidadeAntiga.Pág.2411Espéciedeesconderijo12Pedrasdosaborígenesaustralianosondeficamgravadosseusrelatosmíticos.13Palavragregaquesignificaaquelequetrazatotalidade14DeusdaMedcinanomitogrego.15Jung.Op.cit.p,33

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Entreos11eosdozeanos,em1886,JungfoienviadoaoGinásiodeBasiléia.Naqueleépoca,emgeral,abriam-seaosrapazes,oportunidadesdiversas.Nessemomentodavida,osmeninosmaispobresdavam-se por satisfeitos e iam trabalhar.Aqueles, porém, que erammais afortunados ingressavam naescolasecundáriaqueestavatambémabertasàsmeninasquefreqüentavamoturnodatardeemoposiçãoaosmeninos que vinham pelamanhã. Alemão eMatemática erammatérias comuns aosmeninos e àsmeninas,depoisoscurrículossemodificavam.OsmeninosaprendiamCivismo,Agricultura,Geometria,Contabilidade e Desenho, além de praticarem ginástica. As menina estudavam economia doméstica,costuraebordado, jardinagemepuericultura16.Deixandoessescursoscoma idadedequinzeanos,osrapazes poderiam aspirar a empregos considerado melhores como garçons, lavradores ou guardas-florestaiseasmeninasjáestriamprontasparacasar.

Havia,por fim,umterceirograuquecorresponderiaaonossoestudouniversitárioondesepoderiaaprenderas línguasclássicas (GregoeLatim)ediversasoutrashumanidades.Apesardasdificuldadeseconômicasdeseupai,Jungconseguiusermatriculadonestegraumaisavançado.

Foinessemomentodesuavidaqueeletomouplenaedolorosaconsciênciadasituaçãoeconômicadesua família. Os seus colegas de ginásio moravam em grandes casas e tinham caleças puxadas pormagníficoscavalosderaça.Muitosdelesfalavamumalemãocastiçoeumfrancêsirrepreensível.Eramrapazeslimpos,bemvestidos,perfumadosesemprecommuitodinheironobolso,enquantoeleassistiaàsaulascomossapatosfuradoseasmeiasmolhadas.Comsecretainveja,ouviaoscolegasfalaremdesuasfériasnosAlpes,nasmontanhasnevadaseresplandecentesdeZurich.Muitosdeleshaviamestadonabeiradomar.Aquilo,paraJung,eraomáximo.

Aescolalhepareciaextremamenteaborrecida.Emverdade,emlugardaescolaelepreferiabrincarcom fogo, o seu querido fogo sagrado ou desenhar batalhas. O ensino religioso era demasiadamenteenfadonhoeaMatemática,angustiante.Aálgebra,queparaoprofessorpareciatãoóbvia,paraele,nadasignificava.Opioreraque,paraamaioriadosestudantesdesuaescola,aMatemáticanãopareciaserumgrandemistério.Oprofessorseesforçavaparaensinaraseusalunosossegredosdosnúmeros,masamatérianão interessavaa Jungde formaalguma, entretanto, em razãode sua inteligênciavivapara asoutrasmatériaseasuaexcelentememóriavisual,JungconseguiaboasnotasmesmoemMatemáticaeoseuboletimescolarnãoeradospiores.

Noprincípiodoverãode1887,aconteceucomJungumfatodignodenota.Eramaisoumenosmeiodiaeeleestavanaescolaesperandoumcolega,quandoumaluno,seudesafeto,deu-lheumsocoportráseelecaiu,batendocomacabeçanochão.Ogolpeodeixaraatordoadoporalgumtempo.Duranteesteincidente,umpensamentoatravessou-lheamente:“Agoranãomaisprecisoiràescola.”Durantealgumtempo,eleficouprostradonosoloe,depois,foierguidoelevadoparaacasadeumadesuastiasquemoravanasproximidades.

A partir deste acontecimento, ele passou a sofrer síncopes todas as vezes em que seus pais omandavamparaaescolaoumesmolhemandavamfazerosexercíciospropostospeloprofessor.Emrazãodisto,eleficouseismesessemiràescola.Aquilofoiumachadoparamim,lembraJung.Passava,então,todo o seu tempo em liberdade, passeando na beira do lago ou entregue à arte do desenho que eleapreciavamuito.Sobreesteperíodo,comentaJung:

Orapintavacenasselvagensdeguerraouvelhoscastelosqueeramatacadose incendiados,oraenchiapáginas inteirasdecaricaturas(aindahoje,aténomomentodedormir,taiscaricaturasaparecem;sãocarasgrotescasquemudamcontinuamente.Àsvezes apareciam rostos de pessoas conhecidas que logo depois morriam).17 Melhor do que tudo, porém, era mergulhar

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completamentenoMundodoMistério.Aelepertenciam,asárvores,aágua,ospântanos,aspedras,osanimais,abibliotecademeu pai. Era maravilhoso. Entretanto eu me afastava cada vez mais do mundo com um leve sentimento de má consciência.Consumiameutempoflanando,lendo,colecionandoebrincando.Mas,nemporissoeramaisfeliz,pelocontrário,tinhacomoqueaobscuraconsciênciadequeestavafugindodemimmesmo.

Assim viveu o menino Jung durante muito tempo despreocupado com as atividades escolares.Aconteceu, entretanto que, certo dia, ele ouviu uma conversa entre seu pai e um amigo. Em um certomomento,ovisitanteperguntouaPaulAquiles:

–Eseufilho,comovai?–Ah!É umahistória penosa!Osmédicos ignoramo que ele tem.Falaram emepilepsia: seria terrível se fosse incurável!

Perdicomeleopoucoquetinha.Eoqueserádeleseforincapazdeganharavida?

Jungouvindoestaspalavras,ficouliteralmentepreocupado.Nãogostavanemmesmodeimaginarquepudesse ter o destino que seu pai imaginava para ele.Cautelosamente, saiu do lugar onde estavaescondidoouvindoaconversa,entrounoescritóriodeseupai,tomouumagramáticalatinaecomeçouaestudar. Procurou-se aplicar-se em um esforço de concentração. Este esforço foi acompanhado pelafrase:“Nãovoumaisdesmaiar.”Emcercadeumahora,desmaiouaindaportrêsvezes,mas,porfim,osdesmaioscessaramparasempreeelevoltouparaaescolasemqueassuascrisesvoltassem.

Emumaoutraoportunidade,Jungfoiconvidadoparapassarasfériascomafamíliadeumseuamigodeescola.Oconvitepareceu-lhemuitobomporqueacasaficavanabeiradeumlago–oLagoLucerna–ondehaviaumabrigoparacanoaseumbarcoaremo.OpaidoamigodeJungpermitiuqueosmeninosusassemobarcodesdeque commuita cautela. Jungque já possuía algumaprática combotes a remo,entrounafrágilembarcaçãocomseuamigoeremouparaomeiodolagoondecomeçouafazerumgrandenúmerodeimprudências.Odonodacasa,quehaviaficadonabeiradolago,vendoasbobagensqueJungfazia e temendo pela segurança dos peraltas, chamou-os com um assobio e quando os dois rapazesvoltaram,opaidoamigoadmoestouJungcomseveridade.

Enquantorecebiaareprimenda,Jungviveuumaambigüidade:porumladoadmitiaquearepreensãoeraplenamentejustificada,contudo,aomesmotempo,sentiaumagranderaivadaquelehomemgrosseiro,gordoeseminstruçãoqueousavachamarasuaatençãocomtodaaqueladureza.Quemelepensavaqueeraparafalarassimcomoseelefosseummeninodeescola?Jungnosrevelaumaestranhasensação:“Eunãomesentiaapenascomoumadulto,mascomoumaautoridade,umapessoacheiadeimportânciaedignidade,umhomemidosoaoqualsedevemanifestarrespeitoeadmiração.”18

Refletindo sobre este incidente, Jung lembra-se de que, naquelemomento, examinando a situação,acalmara-se.Comoerapossívelqueumcolegialcomdozeanos,quesehaviacomportadomal,eque,porisso,forarepreendidoporumpaidefamília,umhomemricoepoderoso,tivesseaqueletipodereação?Esteseupensamentoleva-oaumaconclusãomaisestranhaainda:

Perturbadíssimo,tomeiconsciênciadequehaviaemmimduaspessoasdiferentes:umadelasummeninodecolégioquenãocompreendiaMatemáticaequesecaracterizavapelainsegurança;outroeraumhomemimportantedegrandeautoridadecomquenãodedeveriabrincar,maispoderosoeinfluentedoqueaqueleindustrial.EraumvelhoquevivianoséculoXVIII,usandosapatosdefivela,perucabrancaetinhacomomeiodetransporteumacaleçacujasrodasdetráseramgrandesecôncavas,entreasquaisoassentodococheiroficavasuspensaspormeiodemolasecorreiasdecouro.19

Temos aqui um fenômeno de cisão da personalidade, muito comum nos esquizofrênicos e nosmédiuns.EmJung,denossopontodevista,omotivodestadivisão,deve-se,porcerto,àinterferênciadeuma recordação reencarnatória que, como se sabe, émuito comum nas crianças. Esta concepção queestamosdefendendoequepodeparecerdemasiadamenteousadaérespaldada,oupelomenosreforçada,emumoutrorelatodeC.J.Jung.

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Contaeleque,diasantesdaexperiênciaqueacabamosderelatar,estavaemKlein–Huningen,pertode Basiléia onde morava, quando viu um fiacre verde que passava em frente de sua casa, vindo daFlorestaNegra.EraumacaleçaantigaquelembravabastanteasusadasnoséculoXVIII.LogoqueaviuJungfalouexcitado:“Ah!Ei-la!édomeutempo!”Jungteveaimpressãodereconheceroveículoedejáter sido transportado por um deles. Sente, então, uma forte emoção, uma espécie de nostalgia ou desaudade,saudadedeumtempoquehaviapassado,masquepermaneceránelenaformadereminiscênciaque,àsvezes,oassaltavasemqueeleodesejasse.

ArelaçãodeJungcomoséculoXVIIIaparecedeformaaindamaisnítidaemumincidentequepassoanarraraqui:deumacertafeita,eleviu,nacasadeumadesuastias,umaestátuaquerepresentavaemterracotapintada,doispersonagensdaqueleséculo.UmdeleseraumpersonagemtradicionaldaBasiléia,oDr.Stuckelbergereaoutraumadasclientesdele.AestátuarepresentavaumaanedotamuitoconhecidasegundoaqualovelhoEsculápio20encontroujuntoapontedoRheno,umamulherhipocondríacaqueodeixavaaborrecidocomsuasqueixasconstantesdequeestavadoente.Omédicopediuaelaqueabrisseabocaepusessealínguadeforaefechassebemosolhos.Amulherapressou-seemcumprirasordensdomédicoeeste,aovê-lanaquelasituaçãoridícula,saiudefininho,deixando-adepé,nomeiodarua,comosolhosfechadosealínguadefora,oquefoimotivodegrandehilaridadeporpartedospassantes.

Examinandoaestátuacuidadosamente,osolhosdeJungsefixaramnosapatodoDr.Stukelberger.Derepente,eleteveaclaraimpressãodequejáhaviausadoaqueletipodesapato.Aquelaidéiaoperturboue não pouco. Ele podia sentir aqueles sapatos em seus pés. Era, de fato, uma experiência incrível.Leiamos mais uma vez as palavras do próprio Jung que se mostra inquieto com aquele tipo decomportamento:

ComoeupoderiapermanecernoséculoXVIII?Acontecia-me,àsvezes,errando,escrever1786emlugarde1886eissoeraseguido,semprequemeacontecia,deumsentimentoinexplicáveldenostalgia.21

DepoisdoumincidentenabeiradolagoLucerna,Jungpassouasepreocuparcomadescobertadesua dupla personalidade. Em princípio eram sensações vagas e difusas, mas, depois elas foram seorganizandodemodoaformarumagelstalt(forma)bastantesignificativaparaele.Umfato,porém,lhepareceóbvio:nãopoderiacontinuarvivendoemépocasdiferentes,porisso,resolveuassumirqueeraummenino em idade escolar e que deveria se acomodar nesse status e deixar para lá aquelas idéiasestapafúrdiasdeserumpersonagemdoséculopassado.Buscando,entretanto,umarespostaparaoquelheacontecia, lembrou-sedasmuitashistóriasqueouviranoseiodesuafamíliaarespeitodeseuavôpaterno, oDr. Jung. Poderia estar se identificando com ele?Contudo, ele nascera em 1895, vivendo,portanto,quasetodaasuavidanoséculoXIX.Alémdisto,elehaviamorridobemantesdonascimentodeJung,tornando-semuitodifícil,senãoimpossível,umaidentificaçãonessascircunstâncias.

AsrelaçõesentreJungeseupaierammuitodifíceis.Aosdezoitoanos,elecostumavatravarcomseupai grandes e intermináveis discussões sobre questões de natureza religiosa. A intenção de Jung,convidandoseupaiparaodebatereligioso,eraauxiliarovelhopastoremseusconflitosdeconsciência.PaulAquilesserefugiavanafé,porém,emumafépontilhadadedúvidasqueele,quandoquestionado,negavapossuir.Repetiaparaofilhoqueoimportanteeracrer,contudo,nãopareciaestarmuitocertodoque dizia. Assim, as discussões entre pai e filho sempre acabavam por magoar os dois e a nadaconduziamexcetoaumentaraindamaisoabismoentreambos.

Jung,então,iniciaumprocessodeaproximaçãocomosrapazesdesuaidadeedesuaclassesocial.Naescolafizeraconsideráveisavançosechegaramesmoaserconsideradoomelhoralunodesuaclasse.Essaconquista, infelizmente, trouxecomoconseqüênciaoacirramentonosoutrosalunosdoespíritode

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competiçãoedeinvejacontraofilhodopastor.NaescolaondeeleestudavahaviaEducaçãoFísicae,nas aulasdessadisciplina, havia jogos esportivos. Jung,quedetestava competições,passouadetestartambémasaulasdeEducaçãoFísica,porém, fezalgomaisobjetivo:passoua sero segundoalunonacrençadeque,assim,acompetição,emrelaçãoaelediminuiria.

Aoqueparece,Jungtambémnãoeramuitobemrelacionadocomosseusprofessores.Eleselembracomprazerdeapenasummestre:oprofessordeLatim,umhomemculto, sensívele inteligente.Eraoúnicomestre que demonstrava confiar no aluno que, para amaioria, era problemático.Muitas vezes,duranteasaulasdeLatim,oprofessormandavaqueelefosseàbibliotecadaescolaparapegaralgunslivros.Nessasocasiões,Jungregressavapelocaminhomaislongoparaque,notrajeto,pudessedarumaolhadaemalgunsdoslivros.

Em geral, os professores consideravam Jung um tolo, desordeiro e provocador de distúrbios. Seaconteciaalgodeerradonaescolaeradelequelogosedesconfiava.Sehaviaalgumabriga,dizia-selogoqueforaofilhodopastorqueainstigara.Emverdade,porém,Jungapenasumavezseenvolveuemumabrigaséria.Issoaconteceuquandoumgrupodesetealunossereuniuparalhedarumalição.Jungestava,entãocom15anoseeramuitoaltoeforte.Vendo-seatacado,pegouumdosagressoreserodoucomelede tal modo que as pernas do garoto derrubaram os outros. Ante aquela demonstração de força, osatacantesfugirame,desdeaqueledia,deixaram-noempaz.

Como dissemos alhures22, a mãe de Jung eramédium. Um certo dia, um incidente banal fez Jungdesconfiardequesuamãepossuíatambémomesmoproblemadeduplapersonalidadequeaconteciacomele.Chegouaimaginarquesuamãefosseumapessoaduranteodiaeoutraanoite.Duranteanoite,elapareciaaeleumavidente(médium),umanimaleumasacerdotisaarcaicaecruel.EleacreditavatambémqueEmilietinhaodomdeveraspessoasalémdaroupagemfísicaequeeleparticipavacomela,destemesmodom.Parajustificarasuateoria,elerelataoseguintecaso.

Certo dia, ele foi a uma festa de casamento de uma amiga de sua mulher, cuja família ele nãoconhecia.Duranteafestafoiapresentadoaumsenhordonodeumabelabarbaque,segundolhedisseram,eraadvogado.Jungsentou-secomohomemeentabularamumaconversaçãosobrepsicologiacriminal.Emumcertomomento,ohomemfezaJungumaperguntaeeste,paramelhoraclararoseupensamento,imaginouumcasoparaservirde ilustração.Àproporçãoquecontava,comoobjetivode tornara suanarrativamaisinteressante,Jungadornouocasocomdetalhesquelheacorreramàmente.ÀproporçãoqueJungfalava,foinotandoqueoseuinterlocutorficavacadavezmaisincomodado.Oincômodochegoua tal ponto que o advogado, nãomais resistindo, interrompeu-o dizendo que, contado aquela história,Jung estava sendodemasiadamente indiscreto. Jung achou estranha aquela observação e ponderouquehavia inventado, naquele momento, a história que contara. Para seu espanto, então, soube que haviarelatadoumfatoacontecidocomaquelehomem.

Por vezes, Jung confessa que aconteceram com ele fatos semelhantes. De quando em quando,subitamente, inteirava-se de coisas sobre outras pessoas que normalmente não poderia conhecer.Esseconhecimentosedavasempredeummodoinesperadoarespeitodoqualnãotinhaomenorcontroleeomais interessante é que ele não se esquecia das coisas quehavia faladonessas ocasiões.No casodoadvogado,porém,elediz,quetendoacabadodefalar,esqueceu-seinteiramentedoquehaviaditoequeeste esquecimento durou até ao momento em que estava escrevendo as suas memórias nas quais seencontraoreferidorelato.

Essesfatossãomuitocomunsnaaçãomediúnica.Muitasvezes,oespíritodesencarnado,desejando

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darumrecadoaumapessoa,sevalemdeummédiumtomandoemprestadooseuaparelhovocal,colocamemsuabocaaspalavrasquequeremdizer;sehouverinconsciênciaporpartedomédium,ousenãofordointeressedoespíritocomunicantequeomédiumsaibadaspalavrasquepronunciou,elepode“apagá-las”damentedeleeesteasesquececompletamente.

Lembrando que suamãe possuía esse tipo estranho de comportamento, Jung conta que ela,muitasvezes,falavaaelecomasuasegundapersonalidadeeoqueelelhediziapareciatãograveeverdadeiroque lhecausavaestremecimentos.Era,entretanto,umfenômenoraro.Seelademorasseumpoucomaisnessesdiálogos,asuasegundapersonalidadepoderiaseruminterlocutorbastanteválido,comentaJung.

Essescontatoscomamediunidadedesuamãeecomasuaprópria,talveztenhasidoumdosmotivosqueatraiuJungparaosdomíniosdoespiritualismocommenordosedepreconceitodoqueamaioriadosintelectuaisdesuaépoca,inclusiveSigmundFreud.Porestarazão,emsuaprimeiraviagemaosEstadosUnidos, ao se encontra comWillians James, tenha ficado tão satisfeito. JungadmiravaWillians Jamesembora soubesse que ele era um entusiasta da mediunidade e do Espiritismo. Foi este psicólogoamericanoquemestudoucomgrandeespíritodeisençãoehonestidade,amediunidadedeEleanorPiper,aSenhoraPipercomoficouconhecidaentreosestudiososdeMetagnomia,ParapsicologiaeEspiritismo.NãoseriainoportunolembraraquiqueJungsemostroutãoabertoesimpáticoaotrabalhodeJamesquechegouacitarImperator,oespíritoguiadaSenhoraPiper,paracorroborarasuatesesobreoânimus.23

Voltemos, porém, a tratar das relações de Jung com seu pai. A leitura deMemórias, Sonhos eReflexõesrevela,mesmoaumleitorpoucoatento,queelepossuía,apesardosdesencontrosemmatériareligiosa, mais afinidade com seu pai do que com sua mãe. Tem-se a impressão de que esses trêsespíritos, (Jungestavacomcercade16anos) reencarnaram juntos,namesmafamília,para reciclaremvelhashostilidades,antigosdesencontros,masquenãoconseguiramfazergrandesavançosnestesentido.HaviamomentosemqueJungpensavaemseaproximardeseupaiparadiscutircomelesuasdúvidasreligiosas, entretanto, recuava por acreditar que já sabia de antemão o resultado daquele colóquio:respostasprontasedogmáticas,asmesmasdequeseutilizavaemseumagistério.

Estafaltadediálogoentrepaiefilhocriavaumasituaçãoindesejáveldopontodevistaeducacional.PaulAquilespreparavaofilhoparafazeracrisma,masissoaborreciaseriamenteorapaz.Certaocasião,cansadodeassistiràsaulasdereligiãodadasporseupai,Jungdecidiuporsimesmofazerumapesquisareligiosae,assim,encontrandoumvelhocatecismocomeçouaestudá-lo.Durantealeitura,eletopoucomodogmadaSantíssimaTrindade.A idéiadeuma trindadequese reduziaaumdeusúnico, interessou,vivamente,orapaz,contudoaofalaraseupaisobreesteassunto,estelherespondeu:passemosporaltosobreaquestãodatrindadeporqueeutambémjamaisentenditalcoisa.

Por um lado, Jung achou bonita a atitude de seu pai ao declarar, com toda a sinceridade, a suaignorância; por outro, todavia, nãopodia aceitar que ele abordasse tal assunto em seus sermões.Estasegunda parte o decepcionava bastante e ratificava a idéia que fazia de seu pai: um homem frágil,confuso, imerso em dúvidas quanto à sua própria fé.Mesmo assim, Jung aceita fazer a crisma sob aorientaçãodeseupai,porém,vênaquelacerimôniaumaespéciedeformasemconteúdo.VamoslermaisumavezotextodeJung:

Omalogrodaminhacomunhãoteriasidoumfracassomeu?Eumepreparavacomamaiorseriedadeesperandoviver,atravésdela,agraçaeailuminação,masnadadistoaconteceu.Deuspermaneceuausente.Porsuavontade,separei-medaigrejaedafédemeupaiedetodososoutrosàmedidaquerepresentavamareligiãocristã.Caíraforadaigrejaeesteacontecimentoturvou,tristemente,osanosqueprecederamoiniciodosmeusestudosuniversitários.24

Dessediaemdiante,Jungestácertodoseguinte:sedesejarterumverdadeiroencontrocomDeus,seu

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pai, muito pouco ou quase nada, poderá fazer para ajudá-lo. Assim, ele volta para a sua pesquisaindependentee,paratanto,vale-sedapequenaeacanhadabibliotecadeseupai,àprocuradeumlivroquepudesseinstruí-locomrespeitoàexistênciadeDeus.Amaioriadoslivrosqueencontrava,porém,possuíamconcepçõesdemasiadamentetradicionaisdadivindade.

Enquantoprocurava,caiu-lhenasmãosumlivro,publicadoem1869, intituladoDogmáticaCristã,escritoporumcertoBierdmann.OlivroimpressionouJungporquelhepareceuqueoautorexpressavaalgumas idéias próprias que fugiam da “mesmice” dos livros anteriores. Ali, o rapaz lê a seguintedefinição de religião:Religião é umato espiritual de relacionamento do homemcomDeus. Jung seinteressa por aquela definição uma vez que, para ele, as relações entre o homem e Deus eramimpossíveis,jáqueDeuséimensamentemaisfortequeohomem,assim,seerapossívelaquelarelação,tornavanecessárioqueohomemconhecessemelhorDeusumavezquenãosepoderelacionar-secomumacoisaquenãoseconhece.

Interessado,dáinicioàleituradaBíbliacomoobjetivodemelhorconheceradivindade.Àmedidaqueincrementavaasuapesquisa,maisencontravadificuldadesparaaexplicaçãocartesianamenteclarada idéia deDeus. Lendo o livro daGênesis, primeiro livro do Pentateuco,25 Jung esbarrou com umaafirmação sobre o criador que, a cada momento de sua criação, parece estar satisfeito com o querealizava:“EDeusviuqueerabom.”ComoDeuspoderiaacharqueerabomummundoondecampeiaadoença, a velhice e amorte?Pensava Jung:ComoDeuspoderia ter criadooparaíso e colocado lá aserpente(oupermitidoqueelaentrasse)parapôrfimàqueleespaçodeperfeição.Custava-lhecrerqueDeus sentisse algum tipo de satisfação comummundomarcadopela dor, tanto dos homens comodosanimais. Emais: qual seria o lugar do diabo nomundo deDeus? Seria Satã tambémuma criatura deDeus?Tudoaquilolhepareciaumabsurdooumesmoumaarrematadatolice.

Porestaépocasuamãelhedáparaqueleia,OFaustodeGoethe.Ointeressanteéqueeleacreditaque tenha sidoapersonalidadenúmerodoisde suamãe (Umespírito?Umguia?)que lhederaaquelelivro.Asualeituraoimpressionousobremodo.VamosleraopiniãodeJungsobreOFausto:

Viassim,confirmadoo fatodequehaviaouhouverahomensqueencaravamopoderdomalnomundoe,aindamais,quepercebiamopapelmisteriosodesempenhadoporelenosentidodelibertarohomemdastrevasdosofrimento.Assim,Goethefoi,paramimumaespéciedeprofeta.26

Esta frenética busca deDeus leva Jung a ler filosofia noDicionárioGeral de Filosofia e outroslivros.Esteconjuntodeleiturasdeuaorapazumconhecimentobemacimadamédiadosjovensdesuaidade,oque lhecausouum incidentebastantedesagradável.Certodia,umprofessormandouqueseusalunos, inclusiveJung, fizessemumaredação.Comoo tema lheparecesse interessante,eleseesmeroumuitoeterminadooseutrabalho,entregou-oaoprofessoreficouàesperadoresultado.

Nodiaemqueoprofessorentregouàturmaoaredaçãocorrigida,Jungestranhouporqueasuanãolhehaviasidoentregue.Aofinal,oprofessordisse, semomenorconstrangimento,queomelhor textohaviasidoodeJung,masquenãoacreditavaquehouvessesidoescritoporele.Achavaquearedaçãoestavamuitoalémdacapacidadedeumalunocomumechegouadizerque,dequemelehaviacopiado,oexpulsariadaescola.Omestre,dizdeterditoessaspalavrasduraseinjustas,limitou-seavirar-lheascostas,nãolhedandooportunidadedesedefender.

Jungficou indignadoe,poruminstante,acalentaemseu íntimoodesejodesevingardoprofessorprepotenteearbitrário.Emseguida,refezestaposiçãoeconsiderouquenãohaviamotivoparaagitação.Muitoprovavelmenteomestreeraumtoloeincapazdecompreenderasuamaneiradeser,oquenãoeranadadeanormalumavezqueelemesmonãosecompreendiamuitobem.Comessepensamento,resolveu

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aplacarasuairacontraoprofessorevoltarparaaatividadenormaldaescola.

Os colegasda escolao apelidaramdePaiAbraão eo chamavam tambémdeBarril e Jungnão seimportava muito com isso. Motivado pelo desejo de aprender cada vez mais, Jung mergulha, comentusiasmo, no estudo da Filosofia. Entra, então, em contato com filósofos pré-socráticos como:PitágorasdeSamos,HeráclitodeÉfesos,EmpédoclesdeAgriento,ParmênidesdeEléia.EssasleiturasolevamporfimaodivinoPlatão.Toma-sedepaixãopelopensamentogrego.DizqueemMeisterEckhart,teólogo,místicoefilosofoalemão,sentepelaprimeiravez,osoprodavida,postoquenãoentendessemuito bem aquele pensamento. O pensamento cristão, contudo, o deixa indiferente. Desgosta-se dointelectualismo aristotélico deTomazdeAquino que lhe parece, alémde superficial, demasiadamenteárido.Desconfiadoracionalismohegeliano.27

Oseugrandeencontrointelectual,porém,sedácomofilósofoalemãoArthurSchopenhauer(1788-1860).Oquemaisimpressionanestepensadoréamaneiradeabordarosofrimentodomundo,coisaquenãohaviavistoaindaem,outrofilósofo.Porfimencontraraumhomemquenãotiveramedodefalardasimperfeiçõesexistentesnosfundamentosdomundo.SchopenhauernãofalavadeumaProvidênciasábiaejustoedeumaharmonianacriação;pelocontrário,elefalavaclaramentedaperversidadequeprovinhaapenasdeumacoisa:dacegueiradaVontadeCriadora.

AfilosofiadeSchopenhauerparecia-lhecorretaporqueperfilhavaumasimplesvisãodomundoquenão excluía a dor e o sofrimento. Existia, julgava Jung, na natureza, uma incrível maldade. Quandomenino, havia visto minhocas devoradas, aos poucos, pelas formigas; insetos que se despedaçavam;raposas sarnentas, pássaros doentes etc. Por outro lado, o convívio com os homens também poderiaconfirmarainexistênciadabondadehumanaoudeumamoralidadenatural.

OjovemJungcontinuouestudandoelendocomoumdesesperado,comoumapessoaquetivessefome,muitafomedesaberequeacreditassequeoconhecimentolhetrouxessealgoparecidoàpaz.Estefoioideal que ele prosseguiu desdemuito jovem,mas que jamais encontrou. Assim, pouco a pouco, CarlGustavJungfoiavançadoapesardasdificuldadese,porfim,terminouocursobásicoeestavapreparadoparaumvôomaior:aUniversidade.

16Artedecuidardecrianças.Derivadolatimpuer,infante17Jungestava,então,com83anos.18Jung.Op.cit.p.1719Jung.Op.cit.p.4320EsculápioeraodeusdamedicinanaGréciaAntiga.Nopassadoeracomumtrocar-se,emalgunscasos,apalavramédicoporEsculápio.21Jung.Op.cit.p.4422Emoutrolugar23 Jung chama de Animus a figura masculina arquetípica que se encontra no inconsciente feminino e Anima, arquétipo feminino que está noinconscientemasculino.24Jung.Op.cit.p.6025NomequesedáaoscincoprimeiroslivrosdaBíbliaatribuídosaMoises.Sãoeles:AGênesis,oÊxodos,oLevítico,NúmeroseDeutreronômio.26Jung.Op.cit.6427ReferênciaaGeorgeWilhelmeFriedrichHegel(1780-1831)

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Terminadoocursoginasial,Jungchegaàconclusãodequedeveriaganharavida,procurandoumaprofissãoquelheabrisseumfuturopromissortantosocialcomofinanceiramente.Deinício,elepensouemsernaturalista,especializadoemZoologia.Seentrasseporestecaminho,porcertoacabariaprofessordeCiênciasNaturaisoufuncionáriodoJardimZoológico.Esta,porém,nãoeraumaperspectivaatraente,mesmoparaumapessoaquenãodesejassemuitodavida.Dessemodo,emboragostandodasciênciasdanatureza,JungdesistiudeestudarZoologia.

Ocorreu-lhe,então,a idéiade fazerMedicina.Jungficaadmiradodenão terpensadoantesnaquelapossibilidadeumavezqueseuavôpaterno,como jávimosemoutrapartedeste livro,eramédicoemBasiléia.Explica esse “esquecimento” (e atémesmouma certa resistência a sermédico) pelo fato dehaver, muito cedo, imaginado para si mesmo uma divisa: “jamais imitar pessoa alguma”. Ante anecessidade de tomar uma decisão fundamental em sua vida, resolve rever sua posição e considerafavorávelàMedicinaofatodequeosestudosmédicosserelacionavamàsCiênciasNaturais,umadasdisciplinasqueJungmaisgostava.

Feitaaescolha,haviaumoutrograveproblema:comofazerumcursocarocomoMedicinasendoumestudantepobre?Semdinheiro,nãopoderia,porexemplo,estudaremumauniversidadeestrangeira.Porserpoucosimpáticoaosprofessoreseaoscolegas,nãoesperavacontarcomaajudadeles.Seupai,quepoderiabancarcomapenasumapartedasdespesacomosestudosdeseufilho,pleiteoueconseguiuumabolsadeestudoparaele.Estefatoquedeveriaservistocomoumavitória,nãoagradouJung,muitopelocontrário,provocou-lhevergonha,pois,comaaquisiçãodabolsa,asuapobrezaficariademasiadamenteexposta.Nãohaveria, porém, escolhaporqueurgia tocar a vidapara frenteumavezqueo temponãopara. Assim, na Primavera de 1895, ele foi aprovado no Curso de Ciências Naturais eMedicina naUniversidadedeBasiléia.PaulAquilesficoumuitosatisfeitocomaaprovação,entretanto,asuasaúdetornava-secadavezmaisdébil.

NoOutonode1896,Jungchegouàsuacasadepoisdasaulase,comoeraseucostume,perguntoupelopai.OpastorAquilesJungestavamuitomaledelirava.Suamãerespondeuaperguntadizendo:

–Elequersabersevocêpassounosexamesfinais.

–Sim.Foitudobem.RespondeuJung.

Odoente,quehaviaouvidoaresposta,suspiroualiviadoefechouosolhos.Jungaproximou-sedeseupai.Estavamosdoissozinhos,poisEmilieficaraocupadonoquartoaolado.PaulJungcomeçaadeixarestavida,estertora,agoniza.Orapazpercebequeopaiestámorrendo.Vaiaocômodoaoladochamarsuamãe.Eleestavasentadafazendotricô.“Eleestámorrendo”,disseJung.Eladeixouotricôsobreacadeiraefoiatéacamadeseumarido,maselejáestavamorto.Elalimitou-seadizeradmirada:“Comotudoacontecedepressa.”

Osdiasseguirampesadose tristescomoemuminvernochuvoso.Umdia,amãedeJungfalou-lhecomasuasegundavoz:28“Eledesapareceunahoracertaparavocê.”Junginterpretaafrasedesuamãecomo:“Vocêsnãoseentendiameelepoderiaserumobstáculoparavocê.”Apesardacruezaaparentedaquelaspalavras,elasserviramparaJungcomoumlembretedequeumapartedeseupassadodeveriaserdefinitivamenteesquecida.Elesenteentãoumafortesensaçãodevirilidadeedeliberdade.Aseguir,eleseinstalanoquartopaternoeassumeaposiçãodeseupainafamília.Controla,agora,aeconomiafamiliarumavezqueEmilieerainteiramenteincapazdefazê-lo.

AestaalturadavidadeJung,acontececomeleumnovofenômenoinusitado.Vamosler,porém,as

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própriaspalavrasdeJung:Seissemanasdepoisdesuamorte,meupaiapareceu-meemsonho.Surgiu,bruscamente,diantedemimemedissequehavia

voltadodeférias.Tinhadescansadoevoltadoparacasa.Penseiquemecensurariapormehaverinstaladoemseuquarto,maselenadadisse.Noentanto,envergonhava-meporhaverimaginadoqueelehaviamorrido.Algunsdiasdepois,osonhoserepetiu:meupaivoltavaparacasaeeumecensuravaportê-lojulgadomorto.Pergunteiamimmesmo:oquesignificavaestavoltademeupaiemsonhos?Porque temaspecto tão real?Esteacontecimento tão inesquecívelobrigou-me,pelaprimeiravez, a refletir sobreavidadepoisdamorte.29

Teria Jung sonhado com seu pai? Teria o velho pastor luterano vindo ver seu filho depois dedesencarnado?Ouainda:teriaJungsidolevado,porespíritosamigosaoPlanoEspiritualondeestavaseupaiparalhedarumaprovadaimortalidadedaalma?Astrêshipótesessãopossíveisemboraperfilhemosaprimeiradelas.Jungficoumuitoimpressionadocomoseusonhoumavezaquelefenômenooníricocomumsonhoclássicoemqueasimagensaparecem,muitasvezes,absurdaeconfusasousecondensamemsituações incompreensíveis,apresentadaem linguagemricadesimbolismo.Não.Haviasidoumsonhodemasiadamente claro eobjetivo, tão claroque levaopróprio sonhador a seperguntar: “porque temaspectotãoreal?”Estesonho–dizopróprioJung–fê-lorefletirsobreavidadepoisdamorte.

Com a ausência do pai, a situação econômica da família piorou consideravelmente e, por isso, acontinuidadedele,naUniversidade,tornara-sedifícil.UmapartedafamíliaachavaqueomelhorafazerseriaJungabandonaroseucursouniversitárioeir trabalhar,comocaixeiro,emumacasadecomércioparaquea famíliapudesse terumarenda,aindaquepequena,omais rápidopossível.UmirmãomaismoçodeEmiliedáumacolaboraçãoparaqueasituaçãofinanceiradafamíliafosseminoradaeumtiodoladopaternoemprestaaJungumaconsiderávelsomaemdinheiroparagaranti-lonaUniversidade.Jung,porseuturno,consegue,comhabilidade,venderumacoleçãodepeçasantigasdeumadesuastiasemporumbompreço.Olucrofoibemaltoeorapazembolsouboapartedele.

Duranteoscincoprimeirosanosdeestudosuniversitários,JungpercebeuqueasCiênciasNaturais,domodo comoeramensinadas, possuíamuma tendênciamuito tecnicizada e inteiramentematerialista.Emseuestudonãoapareciamnoçõessobreaalma,assuntoquelheerabastantecaro.Afilosofiahaviachamadoasuaatençãoparaaalmaeeleestavacertodeque,semoconceitodealma,nãopoderiahaversaberprofundo.EstaausêncianaMedicinadeumaidéiaquelheeraparticularmenteimportante,deixouJungbastantedecepcionadocomocurso.

Umdia,porém,nofinaldosegundosemestreJungfezumadescoberta,nomínimo,inquietante.EstaalenabibliotecadopaideumcolegadaUniversidadequandoencontrouumlivrinho,escritoporvoltadosanossetenta,quetratavadaapariçãodeespíritos.Olivroeradaautoriadeumteólogoeenfocavaosprimórdiosdosestudosa respeitodosproblemasmediúnicos. Jung sededicaà leiturado textoeneleencontraasmesmashistóriasqueseacostumaraaouviremsuainfâncianacasadeseusavósmaternos.Omaterialpareceu-lheautêntico, todavia,eradifícildeterminarcomclarezaa realidadeobjetivade taisfenômenos,eolivronãoeramuitoclaroaesterespeito.

Ao terminar a sua leitura, Jung chegou à seguinte conclusão: há muitos anos, desde o início dascivilizaçõeshistóricas,noticiassobreaapariçãodeespíritossãoencontradasnasmaisdiferentesépocasenosmaisdiversoslugares.Porquetalcoisaacontecia?Deinicio,Jungprocurounãotirardaquelefatonenhuma conseqüência religiosa. De uma coisa, entretanto, estava certo: se tais fenômenos, de fatoexistissem,deveriamserentendidoscomoproduçõesobjetivasdaalmahumana.

EmboraencarasseoEspiritismocomalgumasuspeitaereservas,Jungficoumuitointeressadonesteassuntoe,segundoasuaprópriadeclaração,terialidotodaaliteraturaespíritaquelhecaíranasmãos.30

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OfatoéquealeituradessestextosentusiasmouojovemJungatalpontoqueelecomeçaafalardelascomseuscolegasnaUniversidade.Arespostaquerecebedeleséagozaçãoouanegaçãopuraesimples.Ele achavamuito estranha aquela atitude preconceituosa de pessoas que negavam a possibilidade daexistênciadeespíritos,dasmesasgirantes,afirmandoque taiscoisaseramsimplesembustes semque,contudo,sededicassemcomseriedadeaoestudodessesfenômenos.ParaJungocomportamentodeseuscolegaspareciamaisprodutodomedodoqueoutracoisaqualquer.

Jungnãoconseguiaentenderqualomotivoparaaquelecomportamentodeseuscolegasedemuitosdeseusprofessores.Deveriamdesconhecere,porconseqüência, temer,oquenãocompreendiam: sonhospremonitórios; aparições de espíritos;memórias extra-cerebrais; percepção extra-sensorial e animais;relógiosqueparammisteriosamentenahora emqueo seudonoouumapessoa comeles relacionada,morria.TudoissointeressavavivamenteaJung,entretanto,tambémopreocupavaofatodesetornarumapessoaexcêntricaporacreditarnestetipodecoisa,eissonãoerabom.

O mais sensato que teria a fazer – acreditava Jung – era concentrar-se no estudo de Medicina,deixando de lado as questões da paranormalidade. Assim, no semestre seguinte, ele se torna sub-assistentedasaulasdeAnatomiae,nomesmosemestreoprofessorencarregadodasdissecaçõesconfiouaeleadireçãodocurso.Poroutrolado,desagradava-lhebastanteasaulasdeFisiologiaporcausadasvivissecaçõespraticadascomoanimaisafimdeilustraraulasdemonstrativas.Magoava-lheosofrimentodascobaiasqueeleacreditavaseremseusirmãospelanaturezaenãomerascoisasdasquaissepudesseusareabusar.Porisso,semprequepodia,costumava“matar”asaulasdemonstrativasdeFisiologia.

Ointeressanteéqueelenãoexplicaestaatitudecompassivaparacomosanimais,nemapartirdasleiturasdeSchopenhauer,ondesenotamlaivosdorespeitopelanaturezaqueseencontranoBudismo,nemcomofrutodeumaatitudeeticamentelógicacomaquenorteiaaschamadasSociedadesProtetorasdos Animais. Ele acreditava que o seu modo de ser, que o seu sentimento para com os animais,repousava, mais concretamente em uma atitude própria do espírito primitivo de identificaçãoinconsciente comos animais, como é comumao totemismo.De fato, porém, Jung continua a conhecermuitopoucosobresimesmonaquelecasoetambémemoutros.ApesardenãogostardeFisiologia,Jungconseguiuseraprovadonestadisciplinacomboasnotas.

OtempopassoueJungintensificouosseusestudosdeFilosofia.Aosdomingos,liaKant.LeutambémardorosamenteaobradeEduardoVonHartmann.Gostariade lerNietzsche,poisseuspensamentoera,então, bastante discutido na Universidade (embora relativamente rejeitado), mas não se consideroumaduro o suficiente para compreende-lo. Por fim, a curiosidade vence a cautela e ele lê o livro deNietzsche,AssimFalavaZaratustrae ficou impressionadoconsiderandoestaobradomesmoníveldoFaustodeGoethe.Assim,poucoapouco,elevaiburilandooespírito,aumentandobastanteasuaculturaesepreparandoparaotipodetarefaqueteriamaisàfrente.

Duranteasfériasdeverãode1896,deu-seumfatoquenãosóafetou,profundamente,avidadeJungcomo exerceu nele uma profunda influência. Certo dia, encontrava-se em casa estudando em seuescritórioenquantosuamãe,nasalaaolado,faziaoseucostumeirotricô.Nasalaondeelaestava,haviaumamesa redonda e sólida, feita de nogueira, que havia pertencido a seu avô, há cerca de 70 anos.Emilieestavasentadapertodajanela,emumapoltrona,maisoumenosaummetrodareferidamesa.Jungseencontravaemcasasomentecomsuamãe,umavezqueasuairmãestavanaescolaeaempregada,naigreja.

Tudo estava calmo e silencioso quando, de repente, ouviu-se um estalo semelhante a um tiro de

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revólver. Jung levouum susto como seria de esperar, e, deixandoo seu escritório, correupara a salaondeestavasuamãe.Melhoraqui,porém,seriaentregarorelatoaopróprioJung:

Precipitei-meatéa sala,deondevieraoestampido.Minhamãe,espantada,mantinha-se sentada,o tricôcaíra-lhedamão.Olhando amesa, ela balbuciava: “Oque aconteceu?Foi bempertodemim.”Constatamosoque acontecera: a tábuadamesahavia rachado até a metade de seu comprimento, não na sua parte colada, mas na madeira inteiriça. Fiquei perplexo. O quesignificavaaquilo?Amesaeradenogueirasólida,cujamadeirasecarahásetentaanoseracharaemumdiadeverão,apesardaumidaderelativamenteelevadacomoerahabitualemnossacasa.Seofatohouvesseocorridopertoda lareiraacesa,emdiadeinverno frioe seco, seriacompreensível.Masoque teriaocasionadouma tal explosão?Hácasosestranhos,pensei finalmente.Minhamãe faloucomavozde suapersonalidadenúmerodois: “Sim,deve significar algo.”Estava impressionadoe, aomesmotempo,contrariadopornãocompreenderdeformaalgumaoquehaviaacontecido.31

Passaram-se14diase,emumatarde,Jung,voltandoparacasa,encontrousuamãeesuairmãbastanteagitadas.Novamente,haviaacontecidoumestalo,mas,destavez,nãohaviasidonamesa,poisobarulhoviera do buffet, um móvel do século XIX. As mulheres haviam examinado o móvel exaustivamente,entretanto,nadaencontraramque justificasseoestranho ruído. Jung, apedidode suamãe, examinouointerioromóvele,aofazê-lo,encontrouumafacacomalâminaquasequeinteiramentepartida.

Intrigadocomoacontecimento,Junglevouafacaaumcuteleirorenomadoqueviviaemsuacidadeepediuaelequeexaminasseomaterial.Ohomemobservoucuidadosamenteospedaçosdafacaeconcluiuquenãohaviadefeitonoaçoquejustificasseoacontecido.Naopiniãodoespecialistaafacahaviasaídopartidaporumapessoaqueahouvesseforçadonafendadagavetaouativesseatiradodoalto,sobreumapedra.Ohomemterminouasuaavaliaçãodizendo:“Épuroaço.Nãopoderiaquebraràtoa.Pregaram-lheumapeça.”32

Todasessascoisassurpreendentes,muitasoutrasqueaindaveremos,parecem“toques”dadospeloPlanoEspiritualnosentidodedespertarJungparaosfenômenosmediúnicos,oqueémais importante:paraatarefaquedeveriaexecutarnaTerraemproldacausaespíritaqueAllanKardechaviainiciadocomapublicaçãodeOLivrodosEspíritosem18deabrilde1857equeprecisavaavançarcadavezmais,principalmente,noespaçodaUniversidadee,particularmente,nocampodaPsicologia.

28TermousadoporJungparasereferiràsegundapersonalidadedesuamãe.29Jung.Op.cit.p.9330Aoqueparece,aquiloqueJungestáchamandodeliteraturaespíritanãotemamenorrelaçãocomDoutrinaEspírita.Trata-se,muitoprovavelmente,deobrasdeautorescomoArthurConanDoyle,EmmanuelSuedenborgWilliamJames,Richet,Bozano,Lombrosoentreoutros.ÉmuitopoucoprovávelquetenhalidoasobrasdeAllanKardec,emborajáestivessempublicadasantesdeseunascimento.31Jung.op.cit.p.10132Jungdeutalimportânciaaessefatoqueguardouafacaquebradoemquatropedaçospormuitotempo.

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Apersonagemquedánomeaestecapítulo–HelenaPreiswwerk–eraumaprimadeJungque,naépocaemquesepassamessesacontecimentos,estavacomquinzeanos.Helenapossuíaumamediunidadeflorescente e a sua família, que parecia apreciar emesmo incentivar as práticasmediúnicas, passa arealizar sessões espíritas, naturalmente sem qualquer método ou critério como é comum à sessõesmediúnicasemquepredominaasimplescuriosidade.EstassessõesaconteceramnoPresbitériodeKelin–HunningeneforamorganizadasporEmilieJung,massemoconhecimentodomaridoque,poraquelaocasião,aindaseencontravaencarnado.

A primeira sessão aconteceu à noitinha. Em seu livro sobre Jung, Frank Maclynn acusa o seubiografadodetermanipuladoainformaçãosobreadatadestasessão.DizelequeJungcolocaasessãoem1889,quatroanosdepoisdadataverdadeira.Critica tambémopsicólogosuíçopor terditoqueassessão foram realizadas sob rígido controle científico quando, de fato, foramquestões familiares semqualquertipodecontrole.

Nassessõesde1895,HelenaPreiswerkteriaentradoemcontatocomosavóspaternosematernosdeJung já desencarnados. “Incorporada”, amoça assume o estilo, a voz e o tom professoral de SamuelPreiswerk,oqueseriadifícilparaumaquasemenina fazer.Aproveitoestaoportunidade,parachamaratenção do leitor para um fato que nos parece importante: refiro-me à frase deGeorgeLouisLeclercCondedeBuffon(1707-1778)queemseulivroDiscourssurleStyledeclaraqueOestiloéoprópriohomem.Todasasvezesquesefalademediunidadeemquealguémassumeoestilodeumaoutrapessoaaponto de tornar conhecida a identidade do Espírito comunicante, é de nosso ponto de vista, umaevidência considerável da autenticidade do fenômeno.Na literaturamediúnica omaior exemplo destafatoéo livropsicografadoporFranciscoCândidoXavierquese intitulaOParnasodoAlémTúmulo.Vamos,porém,voltarànossanarrativa.

Nestamesma sessão, amoça incorporada falava um alemão erudito, ao invés do dialeto suíço daBasiléia.Nasuíçasefala,alémdosdialetos locais,ofrancêseo italiano,portantoHelenanãofalavaalemão e, muito menos, erudito. Ao fim de cada uma dessas sessões, a moça estava segura de queespíritosdesencarnadosfalavamatravésdela,contudo,nãosabiadizeroqueeleshaviamdito.

Em1897,houvenovassessõesenelasemanifestou,maisumavez,ovelhopastorSamuelPreiswerk.Nestaoportunidade,oavôdeJungtrazumtipodemensagemproselitistanaqualfaladanecessidadedeuma pátria para os judeus e na conversão de israelitas ao Cristianismo. As pessoas presentes – dizMaclynn–ficaramconfusasporque,emvida,Samuelhaviasidoumsionistaconvicto.ArdentedefensordoJudaísmo,sendoincapazdeproporalgocomoaconversãodeseupovoàreligiãodoCrucificado.

As sessões continuarameHelenapassou a apresentar umnovo tipode transeque Jung chamoudeestado de semi-sonambúlico, no qual ela permanecia inteiramente consciente enquanto dava as suascomunicações.EntãosemanifestouumanovapersonalidadequeapresentousobonomedeIvenes.Esteespíritocomportava-secomoumalady,equilibrada,calma,tranqüila,seguradesi,emfrancaoposiçãoàpersonalidade do médium, que era imatura, dada à frivolidade e bastante instável. Essa entidadecostumavadirigir-seàspessoaspresentes,fazendorevelaçõessobreassuasvidaspassadas.

Duranteumadassessões,Jungchamouaatençãodesuaprimaparaumlivro,entãoemvoga,queseintitulavaTheSeeresofPrevost(AVidentedePrevost).DepoisdistoocomportamentodeIvenesmudoueelapassouasecomunicaremumalínguaestranha,misturadofrancêscomoitaliano.ContaquefizeraviagensaoplanetaMarte,descrevendomáquinasvoadorasláexistenteseoscanaisdoplanetavermelho.

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Contaquehaviaviajadoatéaslongínquasestrelaseaprenderaacomandarosespíritosnegros.SamuelPreiswerk continuou a semanifestar funcionando como guia domédium e fazendo sermões de ordemmoral.Comacontinuidadedasreuniões,umgrandenúmerodeespíritospassouasecomunicaratravésdeHelena,unsfalantesexuberanteseoutros,caladõesemacambúzios.

HaviatambémumasériedemensagensreveladoressobreasvidasdeHelena,oumelhordizendo,deIvenes. Depois de ter sido uma jovem seduzida pelo poeta Goethe, seguem-se encarnações como aVidentedePrevost,obisavôdeJung,MadameValoursque,noséculoXVIIIfoiacusadadefeitiçariaequeimadaemumafogueiraeaCondessadeThiefelsenburg.Finalmente,teriavividonoprimeiroséculodenossaeracomomártircristãduranteaperseguiçãodeNero.

Emmuitasdesuasencarnações,Iveneshaviatidoumagrandequantidadedefilhos,oquecriavaumaverdadeirateiaderelações,formandoumacomplicadagenealogia.Dequandoemquando,elagostavadefazer revelações inusitadas.De uma certa feita, disse a Jung que uma das amigas dele havia sido, noséculoXVIII,umaterrívelfeiticeiraespecialistaemenvenenamentos.ElateriaconhecidoJungemParis,durante essa vida como envenenadora. Em outros momentos, Ivenes se arvora em doutrinadora ereveladoradascoisasdoMundoEspiritual.Ensina,então,queoMundodosEspíritoseraformadoporsetecírculos.Luzetrevasfazempartedoterceirocirculo.Amatériaexisteapenasnosegundocirculo.AforçaluminosadessescírculosaumentavaoudiminuíaconformeomaioroumenorafastamentodaForçaPrimária.

AsituaçãoficoubemmaisgravequandoHelenacomeçouatermanifestaçõesforadassessões.Emumacerta,elaaparecenoquartodeJungvestidasumariamente.Emoutraoportunidade,Jungconvidoualguns de seus colegas da Universidade para assistirem às sessões de materialização feitas por suaprima.Naquelaocasiãoelafezapareceralgunsobjetosqueteriamsidotransportadosporespíritos.Emumadasreuniões,porém,umdosestudantesamigodeJungsurpreendeuHelenaemflagrante,tirandodesobasaia,umdosobjetossupostamentetransportadosporespíritos.Logoemseguida,Jungpercebeuqueasuaprimahaviaseapaixonadoporeleeissooaborreceusobremodo,fazendoporfimàssessões.

Oque sepodepensar sobre todosesses acontecimentos?Para Jungas sessõescomaprima foraminteressantes porque ela havia sido a primeira pessoa a revelar a ele a existência da dimensãoinconscientedapersonalidade.Muitoprovavelmente, teriasidoapartirdestassessõesenãodaleituradomanualdeKrafft-Ebing33queJungsedecidiupelaPsiquiatria.Aatividadeinconscienteficouclaraparaelenomomentoemquepercebeuahabilidadedesuaprimaparaascenderaumnívelmentalmuitosuperioraoquelheerapróprio.

AquestãodaspersonalidadesmúltiplasqueseriaocasodeHelenaPreiswerkentreoutros,possuíaàépoca, várias interpretações. Os organicistas explicavam o fenômeno por possíveis alterações nocérebro; os associacionistas, por seu turno, atribuíam o fato à perda de contato entre dois gruposprincipaisdeassociações;TheodoreFlournoysustentavaqueapersonalidadeprincipalestariaenvolvidaem jogos de regressão de memória com progressão e desempenho de papéis. A esses se poderiaacrescentara tese sociológica, segundoaqualoorganismopsíquico seconfundiapor terdeviveremdiferentestemposcomdiferentessistemasdevalores.

A nossa opinião não coincide com estas hipóteses, pois acreditamos na mediunidade de HelenaPreiswerk.Ofatodeelatermistificadoemumasessão(ouemmuitas)nãoadesacreditacomomédium.Eusápia Paladino, famosa médium italiana que foi estudada exaustivamente por Cesare Lombroso eoutros psiquistas, fraudou algumas vezes. O problema de Helena foi a total ausência de estudo e de

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seriedade por parte dela. Faltou-lhe orientação segura com respeito aos fenômenos que com elaaconteciam.Amediunidade não pode, e nem deve ser considerada como uma simples brincadeira oucomoumespetáculocircensequemataacuriosidadedosleigos.Mediunidadeétrabalho,étarefadivinadeedificação,contudo,quandodesviadadeseusreaisobjetivospodesercausadegravesperturbações.ProvavelmenteHelena jamais tivesse compreendidooque aconteceu comela e, semqualquer tipodeajudaedeesclarecimentosobreofatomediúnicoseperdeuinteiramente.

Gostaria de terminar este capítulo com um assunto não muito agradável. Jung utilizou o caso deHelenePreiswerkemsuatesedefinaldecurso,masnãoteveaelegânciadeconservaronomedelaemocultoeoqueépiora relaçãodelaparacomele tambémfoidesvelada.DizMaclyn:Ocaso foi tãosérioqueamoça tevededeixar a sua cidade indo costurar emMontpellier e, depois emParis, sóvoltandoanosdepois.Ansiosopor serpublicadoeconquistar famanãose importoucomadorquepoderiacausarasuaprimaBelleAmie.Críticosmaisseverosvãomaislongeedizemque,aodivulgarahistória,elearruinouavidadela.34

33RichardvonKrafft-Ebing(18401902).Psiquiatraalemão.Introduziuemsuaobraosconceitosdesadismo,masoquismoefetichismonoEstudodocomportamentosexual.34MaclynnOp.cit.p.64

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Pedimospermissãoaonossopacienteleitorparatratardeumassunto,aparentementenãopertinenteao que estamos desenvolvendo, entretanto, esta impertinência é apenas aparente, como veremos nodecorrerdestaexposição.

OtítulodestacapítuloéomesmodeumlivroescritoporTheodoreFlournoy(1854-1920),professorde Psicologia da Universidade de Genebra e pesquisador de Metapsiquica. O assunto do livro é amédium Catherine Elise Muller que ficou conhecida no espaço daqueles que se interessam porParapsicologia como Helene Smith. Catherine nasceu emMarttiny, em Valais, na Suíça no dia 9 dedezembrode1861efaleceuemGenebraemdezdejulhode1929.

Quandoanossahistóriacomeça,Catherineque,apartirdeagora,passaremosachamardeHelenaSmith, trabalhava emuma casa comercial onde, em razão de sua de sua honestidade e capacidade detrabalho,haviaconseguidoatingirumcargodemuitaimportância,algumacoisaque,modernamente,sepoderiachamardegerência.

FlournoydescreveHelenacomoumamulheralta,bonita,comcercadetrintaanosdeidade,cabeloseolhosescuros,rostointeligenteevivo.Asuaaparência,demodoalgum,lembravaoaspectoextáticoemacilento de certosmédiuns da época (e até em nossos dias eles existem) cujo ar de antiga sibila35despertalogoadesconfiançadaspessoassensatasemboraimpressioneosincautos.Muitopelocontrário,elapareciaumapessoaextremamentesaudável,acuandoumarobustezfísicaementalquelevavaaquelesquecomelaentrassememcontato,asimpatizar-secomelaàprimeiravista.

Tendo-se aproximado de grupos espíritas, ficaram evidentes as suas faculdades mediúnicas. Eramédium vidente, clariaudiente e de incorporação. Durantes as sessões, Helena recebia mensagensmediúnicas que se referiam a acontecimentos passados, normalmente desconhecidos das pessoaspresentes,mascujaveracidadesecomprovavarecorrendo-seadicionárioshistóricos,enciclopédiasoumesmoà tradiçãodas famíliasaque taismensagensse referiam.Nãoeraapenas isso.Frequentementehaviamensagens de espíritos desencarnados com prescriçõesmédicas quase sempremuito eficientes,discursos morais edificantes, recados de pessoas desencarnadas há pouco tempo e, finalmente,informações sobre as vidas passadas das pessoas presentes, mas que, infelizmente, não podiam sercomprovadasfacilmente.

Assim,elaidentificavaumapessoacomotendosidooAlmiranteColigny,nascidoemChâtillon–sur-Loing,em1519emortoemParis,em1572,natristementefamosanoitedeSãoBartolomeu.Outrapessoaera identificada com a princesa Lamballe (1749-1792) amiga íntima deMariaAntonieta, a rainha daFrançaguilhotinadaem1793,mesesdepoisdoreiLuizXVI,seuesposo.Helenapossuíaumespírito-guiaqueorientavaassessõeseseidentificavacomoLeopoldo,que,emvidaspassadashaviasidoofamosopersonagemJoséBálsamo,conhecidopelosamantesdaliteraturafrancesa,principalmentedosromancesdeAlexandreDumaseosconhecedoresdoOcultismo.Este fatoémuitocomumnoEspiritismo.Bastalembrar a relaçãomédium-guia existe entreFranciscoCândidoXavier eEmmanuel eDivaldoPereiraFrancoeJoanadeAngelis.

Nas primeiras sessões, conta-nos Flournoy, Helena era consciente dos fenômenos que aconteciamcomela.Apresentavaapenasligeirotranse,conservando-se,aparentemente,senhoradesimesma.Nesseestado,conversavacomaspessoas,descreviaassuasvisõeserepetiaaspalavrasque,segundoela,osespíritoslheditavam.Comopassardotempoeacontinuidadedassessões,Helenafoificandocadavezmaisinconscienteesuamemória,anteriormentepreservada,passouaapresentarfalhasdemodoquenão

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mais se lembrava do que havia dito em estado de transe. Em algumas oportunidades, incorporavaespíritose,então,suapersonalidadealterava-sesensivelmente.

A essa altura dos acontecimentos a moça começou a apresentar fenômenos estranhos em sessõesdiferentesoumesmonodecorrerdeumamesmasessão.EssesfenômenosqueFlournoydividiuemciclospossuíamtrêsmomentosoufasesdistintas:OCicloHindu,oCicloRealeoCicloMarciano.Vamosemseguidaexaminaressesciclos,guiadospelotextodeFlournoy.

NoCicloHindu,amédiumviviaumasupostaencarnaçãonaÍndiacomofilhadeumxequeárabeeseunomeeraSimandini.SeupaiaderacomoesposaaumpríncipechamadoSivroukaNayaca,quehaviareinadoemKanarae,em1401,haviaconstruídoafortalezadeTchandraguiri.QuandoHelenaviviaestaencarnação,expressava-seemSânscrito,línguamuitoantigafaladanaÍndia.

EraumproblemadedifícilsoluçãoparaFlournoy:comoexplicarqueaquelamoçasimplespudessefalar em Sânscrito, uma língua antiquíssima conhecida no Ocidente apenas por um número bastantereduzido de eruditos orientalista? Flournoy que não admitia nem como hipótese a reencarnação,imaginavaqueoconhecimentopara-normaldeHelena,noquediziarespeitoaoSânscrito,teriaorigememumagramáticadaquela línguaqueelahouvesse folheadoaoacaso,ouemumtextoescritonaqueleidiomacomoqualhouvesseentradoemcontato.

ÉdifícilacreditarqueumhomeminteligenteecultocomoFlournoy,pudesseaceitarapossibilidadedeumapessoadominarasestruturasfonéticas,fonológicas,morfológicas,sintáticasesemânticasdeumalínguacomosimplesvistaemumagramáticaoupormeiodeumconatocircunstancialcomumtextodeumalínguadesconhecidaparaela.Donossopontodevista,seriamaisfácilacreditarnareencarnaçãoemumaargumentaçãodeste tipo.Acresce-se isso,o fatodequeHelena sempreafirmouque jamaishaviatido,anteseusolhos,umtextoemSânscritodenenhumanatureza.

NocasodeHelenaSmith,háumaquestãomuitomaissurpreendente:nãoháaletra“F”noSânscritorealizado pela médium, o que acontece também com o Sânscrito da Índia; ora seria necessário umaformaçãomuitomaisdoquesuperficialnaculturaindianaparasaberqueaquelalínguanãopossuiestaletra.EmSânscritotambémnãoexistiaavoga“U”.Helenapronunciavaestavogal,emboraaoescrevergrafasse“OU”.

Flounoynos conta, profundamente impressionado, a performancedramáticadeHelenanopapel deSimandini:

AmaneirapelaqualSimandinesentava-se,languidamente,apoiandoumbraçoouacabeçasobreosombrosdeumSivoukraimaginário,orareal(quandoelametomavacomosendoessepríncipe),oraimaginário(emqueelasemantémapoiadanoarematitudedeequilíbrioinverossímelqueimplicaemcontraturadeequilibrista);agravidadedesuasprosternaçõesquando,apóshaverdurantemuitotempofeitooscilaracaçoila36,elacruzasobreopeitoasmãosdistendidas;ajoelha-seeinclina-setrêsvezescomatestaquaseroçandonochão;asuavidademelancólicadeseuscantosemsurdina,quesedesenvolvemporentrenóscomoquedeflautas, prolongando em longo decrescendo e só se extinguindo ao cabo de 14 segundos; a desenvoltura de seus movimentosondulantes e flexuosos quando ela brinca com ummacaco imaginário; acaricia-o, beija-o, excita-o ou ralha com ele, rindo oufazendorepetirosseusmeneios;todasessasmímicassãodiversas,todoessemododefalarexóticotemtalcunhodeoriginalidadequenosperguntamosestupefatos:comopodeestamoçadolagoLéman,semeducaçãoartísticaesemconhecimentoespecialdoOriente,arranjar tamanhaperfeiçãoquemesmoamelhoratriz sóconseguiriaporcerto,medianteaestudosprolongadosouporlongosestágiosnasmargensdoGandhi.37

Vejamos, emcontinuidade, oCicloReal.Neste caso,HelenaSmith, emumaexistênciapassadanaFrança, no final do século XVIII, havia sido a Infeliz Maria Antonieta, esposa de Luiz XVI. Estaencarnação marcou-a de tal modo que sentia verdadeiro pavor quando se aproximava de homens demeiasbrancas,usandobrincos,sapatosreluzentes,portandofuzis.Estaseriaaindumentáriadoshomens

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quelevaramarainhaescoltadaparaserdecapitadanaguilhotina,duranteaRevoluçãoFrancesa.

Inicialmente,amédiumapenasrelatouoralmenteasuavidapassadacomorainhadaFrança,depoiselapassouparaumafasededramatizaçãodopapeldesoberanae,porfim,passouaescrevereassinarcomosefosseMariaAntonieta.Quantoaoseupapeldramático,poder-se-iaconsiderardoisaspectos:arepresentação de uma rainha ou de umamulher da nobreza em geral e a representação específica daesposa de Luiz XVI. No primeiro caso nada deixa a desejar, porém, pode-se dizer que émuito bemvivido.SobreestaquestãonosescreveFlournoy:

Éprecisoverquandootranserealéfrancoecompleto,agraça,aelegância,adistinção,amajestademesmaqueirrompemdas atitudes e gestos deHelena.Asmais delicadas nuanças de expressão, a amabilidade encantadora, condescendência ativa,piedade, indiferença, desdém, manifestam-se uma após outra em sua fisionomia e em seu comportamento ante o desfilar doscortesõesquepovoamseussonhos.Seusjogosdemãocomolençoverdadeiroecomacessóriosfictícios:oleque,obinóculo,ofrascodeperfumetampadoqueelatraznaescarcela38penduradanacintura.Eassuasreverências,osseusmovimentoscheiosde desenvoltura que fazem atirar para trás a suposta cabeleira. Tudo isso é, aomesmo tempo, indescritível e perfeito como anaturalidadeespontânea.39

Outro traço interessante de Helena Smith no papel da rainha francesa, era a finesse com que secomportava.Quandodialogavacomaspessoaspresenteseessasfaziamaelaconsideraçõesincômodas,amédiumreplicavadeummodoassazespirituosoquedesarmavaoseuinterlocutoreestamaneiradeserestavaperfeitamentedeacordocomoshábitosdascorteseuropéias,notadamenteafrancesa.

QuantoaopapelespecíficodeMariaAntonieta,ela,naopiniãodeFlournoy,ficavaadever.Assim,aassinaturadeHelenaemnadaseassemelhaadarainhaguilhotinada.Havia,porcerto,algumasanalogiasortográficaentreasduasassinaturas,taissemelhançaseracaracterísticasdosistemaortográficofrancêsdoséculoXVIII,nãopodendo,dessemodo,funcionarcomoumelementoidentificadordapersonalidadede Maria Antonieta. No momento em que Helena Smith falava como Maria Antonieta, ouvia-se umfrancês falado por um estrangeiro, contudo esse sotaque se pareciamais com o inglês do que com oaustríaco,quandodeveriaserocontrárioumavezqueapátriadeMariaAntonietaeraaÁustriaenãoaInglaterra.Por fim,contaFlournoyqueHelena, revivendoasuamortecomoMariaAntonieta, fazumaexortaçãoaumadamapresentequeeladiziaseraprincesaLambale,entretanto,aprincesahaviamorridotrêsanosantes.40

TudoparecepôremdúvidaaautenticidadedeCicloRealeareencarnaçãodeHelenaSmithcomoMariaAntonieta.Existe,porém,umdetalhepoucoconhecidodosestudiososdoassuntoqueébastantefavorável à tese da reencarnação. Trata-se do seguinte: durante uma sessão em Genebra, na casa deFlournoy, assistida por diversas pessoas importantes, entre elas o doutor M. W., relacionado comdiversas famílias aristocráticas da cidade. Então, Helena tem a visão de uma rua estreita, perto daCatedraldeS.Pedro,aruadoscônegos.Seusolhossefixaramnonúmero12ondehaviaumaresidência.Elaconseguevernointeriordacasaumaescrivaninhaentreoutrosmóveis.Pertodaescrivaninhaháumsenhor,vestidoàmodadoséculoXVIII.Eleestavacomumacartanamãoechoravaenquantolia.Nessemomento,Helenagritouemocionado“PobreM...seráqueamensagemchegarásemdemora?”

OcasointeressoubastanteaodoutorM.W.apontodemerecerdesuaparteumainvestigaçãoparasaberse,naépocadeLuizXVI,alguémchamadoM.haviaresididonaruadosCônegosnumero12.Ainvestigaçãofoimuitobemsucedida,apessoade fatoexistiaeoqueeramelhor:osmóveisdeixadospelo senhorM. haviam sido herdados por duas ou três gerações. Muitíssimo interessado no caso, oinvestigador prosseguiu o seu trabalho e descobriu uma escrivaninha igual a que fora descrita pelamédium.Aescrivaninhaemquestãoera,naquelaoportunidade,propriedadedeumlacaiodequartoqueaguardaraemumceleiroporqueelaseencontravamuitodeteriorada.

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O doutor M. W. desejou saber o que continha a velha escrivaninha. Encontrado o móvel ele oexaminougavetaporgaveta,porém,nadaencontrou.Ohomemnãodesanimoue,prosseguindoemsuabusca,descobriuumescaninhosecretoe,dentrodele,umacarta.M.W.emocionado,tomouemsuasmãosovelhodocumento: eraumacartadeMariaAntonietadirigidaaMonsieurM.quemoravana ruadosCônegosnúmero12.Nopapelenvelhecidopoderiamser lido trechosenrugadoseesbranquiçadosporalgolíquido,provavelmente,aslágrimasdovelhoequeridoamigodarainha.

OCiclomarciano não resulta de encarnações deHelena Smith naquele planeta,mas do fato de amédium acreditar que entrava em contato com os habitantes deMarte. Foi no decorrer destas visitasespirituais ao planeta vermelho que ela criou a línguamarciana que foi estudada exaustivamente porFlournoyeV.Henry.Esteidiomasemodificouaolongodotempo.Inicialmenteeraumidiomarudimentaremal feito,umtantosemelhanteaofrancêsdoqualconserva,emcadapalavra,onúmerodesílabasecertas letras muito características da língua gaulesa. À medida que o tempo passava e as sessõesprosseguiam,alínguamarcianaeraaperfeiçoada,assumindoaspectosmuitoespeciais.

Surgem,então,fonemasconsonantaisparticulares,umaprosódiatípicaealgumasformasrecorrentes.Comrelaçãoaofrancês,alínguademartepossuíaabundânciade“E”abertoefechadoede“I”,todaviaasvogaisnasaiseosditongosdestetipoeramraros.Tem-senestecaso,umalínguanaturalquefoicriadasem a participação consciente de Helena. Do ponto de vista semântico, as palavras dessa línguaexpressamidéiasearelaçãoentreaspalavraseidéiaséconstante.Nãosepodeimaginar,anãosercomumacertadosedemávontade,quealínguacriadaporHelena,sejaumaespéciedealgaraviacomnaaqualascriançasbrincam,dizendoqueestãofalandoumalínguaqualquer.

Defato, trata-sedeumalínguamuitobemarticulada,contudonãopodeserconsideradaumalínguanovajáqueoseuestudonoslevaanotar,naquelesistemalingüístico,muitascaracterísticasdofrancês.

Certavez,TheodoreFlournoychamouaatençãodamédiumparaassemelhançasentreofrancêseoidiomadeMarte.Amoçanãorecebeucomentáriopacificamenteeestabeleceucomopesquisadorumaligeiradiscussão.Oqueaconteceuaseguir?VamosveroquenosdizFlournoy:

Eumerestringiaaacusarosonhomarcianodenãosersenãouma imitaçãodomeiocivilizadoquenosrodeia,acentuaraariquezado“idiomamarciano”emIeE,incriminaraoseuasuasintaxeeoseuCHemprestadodofrancês.Eisqueelamejogaumalínguaabsolutamentenova,comumritmomuitoparticular,extremamentericaemAcomoHqueatéaquiforainexistenteecujaconstruçãoétãodiferentedanossaquenãohámeiosdeencontraranalogias.41

Gostariadefazeraquiumbrevecomentáriosobrealínguamarciana.SegundoFlournoy,alínguadeMarte é o ponto mais fraco dos fenômenos mediúnicos onde a fraude inconsciente ficou provada.Podemos refutar esta afirmaçãodo seguintemodo:nada impedequea criaçãoda línguamarciananãoseja produto consciente ou inconsciente de Helena Preiswark, mas resultado da intervenção de umespíritolevianoqueresolverapregarumapeçaaoexperimentador.42SeeleadmitequeseriamuitodifícilparaHelenaSmithfalarouescreveremSânscrito,tantooumaisdifícilseriacriarumalínguaarticuladaoqueopróprioFlournoyconfereostatusdeuma língua realecria-laemumespaçode temporecorde.Ficaaobservaçãoporenquanto.

Vamos, em prosseguimento, tratar do espírito-guia de Helena. Ele, como já o dissemos em outraocasião,apresentava-secomonomedeLeopoldoe,segundoelepróprio,haviavivido,naFrança,comoJoséBálsamo tambémconhecidocomoCondeGagliostro.QuandoLeopoldosemanifestava,oclaroebonito timbre feminino, característico da vozdeHelena, era substituídopelo vozeirãomasculino comsotaqueitalianonítido.Esseespíritopossuíaumapersonalidademuitofortee,nãoraramente,discordavadeseumédium.OinteressanteeraqueaassinaturadeLeopoldoeradiferentedacaligrafiadeHelena.

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Quandoelepegaolápisparaescrever,eleofazdeummodotodopróprio.

Durante as sessões, Leopoldo sempre se manifestava de um modo bastante simpático, sempredispostoaresponderperguntasouexplicarcoisasquenãofossembastanteclaras.Acontecidasduranteassessões, assim, às vezes, ele parecia um velho e paciente professor. Em certosmomentos a sua falatomavaumtomacentuadamentemoralista,acentuandoospresentesaviveremcorretamenteoumesmoosadvertia sobre comportamentos negativos.Médico, que era, costumava receitar remédios aos que lheconsultavam sobre problemas de saúde. Em tudo isso se mostrava muito diferente de uma mulher,notadamente,deHelena.

QuandoLeopoldosemanifestavaporincorporação,haviaumrealismoinacreditável.Aoincorporar,Helenatransformava-se,poucoapouco,atétomarumaaparênciamuitopróximadeGagliostro,inclusivecomapapadaqueelepossuíasoboqueixo.Incorporado,elesecomunicavacomgestoslargos,gestosmaçônicos,graveseimponentesquesepoderiachamardesacerdotais.VamosmaisumaveznosvalerdotextodeFlournoy:

Primeiro, Helena sentia o braço tolhido ou como se estivesse ausente; depois se queixa de sensações desagradáveis nopescoço,nucaecabeça.Suaspálpebrassefechavam,aexpressãofisionômicaseintumesciaemumaespéciedequeixoduplooupapadaquelhedavaaresparecidoscomoaspectobemconhecidodeGagliostro.

Repentinamente,amédiumseerguiaecaminhavavagarosanadireçãodeumapessoadaassistênciacomaqualLeopoldodesejasse falar.Assumiaumaatitudehirta ou levemente arqueadapara trás, oracomosbraçoscruzadosmajestosamentesobreopeito,oracomumdeleserguidoparaocéusolenemente,formandoalgoassimcomoumsímbolomaçônico,sempreomesmo.Poucoapouco,apósumataquedesoluços, suspiros ruídos diversos, acentuando a dificuldade que Leopoldo tinha para servir-se doaparelho vocal damédium; a palavra vinha, então, grave, lenta, forte uma voz de homem com timbrepoderosodebaixoprofundo,compronunciaefortesotaqueestrangeiro,porcertomaisparecidocomoitalianodoquecomqualqueroutralíngua.

Nem sempre era fácil compreender Leopoldo, principalmente, se ele engrossava a voz qual umtrovão,comofaziaquandolheeradirigidaumaperguntaindiscretaousealgummembrodaassistênciaarriscava uma observação pouco respeitosa. Então ele tinha uma pronúncia bem mais gutural, usavatermos obsoletos e arcaicos e isso de ummodo pomposo, grandiloquente, untuoso, à vezes severo eterrível,outrasvezesatémesmosentimental.Tratava todomundopela segundapessoado singular eaassistência tinha a impressão de estar diante de um grão-mestre de uma sociedade secreta, só pelamaneiraenfáticaecavernosacomoeledizia,porexemplo,“irmão”e“tuminhairmã”,aointerpelarumapessoadopúblico.43

Comoacaboutudoisso?Bem!TheodoreFlounoyaproveitando-sedetodoomaterialconseguidonassessõescomHelena,escreveuumlivrointituladoDasÍndiasaoPlanetaMarte.Apartirdessemomento,começaramosproblemas.EmprimeirolugarentreHelenaeFlournoyporqueelaacusouopesquisadorde ter desfigurado a interpretação dos fatos ocorridos com ela em favor da tese materialista. Taisinterpretaçõescausaramumgrandeabaloemocionalnamédium.

Logodepoisdestes acontecimentos,houveuma sériamudançanavidadeHelena.Ela,que semprefora uma pessoa trabalhadora e ativa, passou a viver sem maiores cuidados materiais porque umaadmiradoradosEstadosUnidos,mulhermuito rica,depositouemumbanco,nacontadamédium,umagenerosa quantia que possibilitaria a ela viver até ao fim de seus dias, sem maiores problemasfinanceiros. Ela, então, abandona o antigo emprego na loja, e passa a se dedicar às suas faculdadesmediúnicas,procurandoexpandirmaisosseusdotesespirituais.

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Helenadesenvolve,assim,umanovaformademediunidade:apictográficanaqualeladáà luzumgrupodequadrocommotivaçãoreligiosa.Inicialmente,pintouapenascabeçascomoadeCristoeadeMaria.Maistarde,asuapinturasedesenvolveue,decabeças,passouapintarfigurasdecorpointeirocomoumquadrode JesusCristo noMonte dasOliveiras e o de Jesus supliciadonoGólgota.Helenaprossegueoseutrabalho,pintandobustosdepersonagensalegóricoscomoJesusacaminhodeEmaúse,por fim, pinturas de grupos como a Sagrada Família e a Transfiguração que foram os seus últimosquadros.

Todo esse trabalho a médium fazia em estado de transe ou estado sonambúlico na expressão deRobertTocquete,quandoacordavanãotinhaamenoridéiadaspinturasquehaviafeitoenemmesmosehaviausadopincéisounão.Tudolevaacrerquenãousassepincéisumavezque,aoacordarseusdedosestavammuitosujosdetinta.OsquadrosdeHelenapossuíamdetalhesinteressantes.Aspaisagenseramricas em minúcias, mas não obedeciam ao fotografismo realista porque se notava nesses quadros apresençadoficcionalimaginário.Nasfigurashumanas,destacavam-seosolhos,muitograndeseabertosquelembravamumpoucoosolhosdosalucinados.

AcríticaespecializadarecebeubemessestrabalhosdeHelenaSmith,principalmenteemvirtudedeseudetalhismo.AsmãosdoCristonoHortodasOliveiraseramgrandesecalosas,mãosde laboriosooperário, mãos de carpinteiro que denunciavam a atividade profissional que ele exercera emNazaréantesdeentrarnavidapública,oquemostraotalentoespecialdopintor.

TerminadoestelongoparêntesisvoltemosaJungquedemodoalgumficouesquecido.Em1900,elecomeçaapreparar a sua tesede finaldecurso, tesequeele terminaráem1902ecujo títuloera:ZurPsychologieundPathologieSogenannterOculter(SobreaPsicologiaePatologiadosassimchamadosFenômenosOcultos.

Nasuatesedefinaldecurso,JungdecidiutratardeOcultismo(leia-semediunidade)aproveitando-sedomaterialdasexperiênciasque tiveracomamediunidadede suaprimanas sessõesque tratamosnocapítuloanterior.EstavaJungsepreparandoparaoseutrabalhoacadêmico,quandochegouàssuasmãoso livrodeFlournoy:Das ÍndiasaoPlanetaMarte que já era, então, umbest-seller. Jung “devorouolivro”etãoentusiasmadoficoucomaobraqueescreveuaoprofessorFlournoy,prontificando-seaverterolivroparaoalemão,oquenãoaconteceuemrazãodocontratoentreoautoreoeditornãotertidobomêxito.

NasuateseJungparecenãoestaremdúvidasobreaorigemdosfenômenospsíquicosequestionaseessetipodefatodeveseratribuídoànaturezadaprópriaalmaousetaisfenômenosacontecemporcausadapresençadealgumainteligênciaexterioraomédiumqueneleatua.Jungapesardetudooqueviuaolongo de sua vida até aquelemomento, esposa a primeira tese. Toma então os fatos acontecidos comHelenaPreswerkeosgeneralizaexplicandoosfenômenomediúnicospelaaaçãodoInconsciente.Paraele, o livro de Flournoy confirma a tese segundo a qual partes dissociadas do inconsciente poderiammanifestarem-se independentemente, projetando-se por meio de alucinações ou assumindotemporariamente, o controle de uma pessoa e se apresentado nas sessões mediúnicas como espíritosdesencarnados. Com isso, Jung faz a sua primeira defecção. Ele poderia escolher entre duaspossibilidades: a espiritualista e a materialista e ele prefere a segunda ao perfilhar a tese decriptestesia,44usadaporFlournoyparaexplicarocasoHeleneSmith.

Daqui para frente, Jung continuará, como veremos, nos capítulos seguintes, a receber “toques” doplanoespiritual,entretanto,teimosamenteeleseaferraráàtesedoscomplexosedissociaçõesdenatureza

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inconsciente.

35Mulherquepreviaofuturoentreosantigosromanos.Ésinônimodebruxaoufeiticeira.36Oucaçoula.Vasoemquesequeimaperfume37FlournoyDesInidesàlaPlanetMars.InRobertTocqueinPoderesSecretosdoHomem.Pág.15638Bolsadecouroqueasmulheresusavampenduradasnacintutra39Flournoy.InRobertTocquet.Op.cit.p.156-15740GostariadediscordardeFlournoy.Nestecaso,pois,seriaperfeitamentenormalqueaprincesaLambalehouvessevindoreceberasuaamigaque,provavelmentetraumatizadapelotipodemortequesofrera,voltaaaoPlanoEspiritual,precisandodeajuda.41InTocque.Op.cit.P.15842ValelembrarqueArthurConanDoyle(1859-1930)escritorbritânico,criadordodetetiveSherlockHolmes,umdosmaisfamosospersonagensdaficçãomundial,quandocomeçouapesquisaro fenômenomediúnicoquasedesistiu,comorelataemseu livroANovaRevelação, editadopelaFEB.Devidoeleasuaquasedesistênciasedeuporcausadadiversidadeequantidadedecomunicaçõesdesprovidasdeumsentidoracional.Logodepois,foialertadoporumamigodequeissosedavapeladiferenteordensevolutivasdosespíritoscomunicantes.Notado1ºEditor43InTocquetop.cit.p.15444Apalavracriptestesiaéformadadedoistermosgregoskryptos(oculto)eaesthesis(sensibilidade)esignificafaculdadedeconhecercoisasefatosocultosoudistantenoespaçoenotempo.AlgunsatribuemacriaçãodestapalavraaCharlesRichet

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Estamos no dia dez de dezembro de 1900. Jung, formado emMedicina, vai ocupar um lugar nohospitalpsiquiátricodeBurgholzliqueficavaemZurich.Jungestavasatisfeitocomaquelapossibilidadedemudardeares,umavezqueZuricheraumacidademaioremaisinteressantedoqueBasiléiaondeelevivia. O trabalho em Burholzli, inicialmente, lhe pareceu um desafio. Ele fora para lá desejoso deresponderumapergunta: oque sepassana almadeumdoentemental?Os seus colegas, contudo,nãotinhamessamesmapreocupação.OspsiquiatrasdeZurichpareciammuitoumtantodesinteressadosnapersonalidadepsicóticae limitavam-seadescreveroscasos, fazerdiagnósticose,porfim,colocarnodoenteum rótulode acordo comas classificações existentesnosmanuais clássicosdePsiquiatriaquehaviamsetornadoumaespéciedecatecismoparaamaioriadeles.

Jungachavaqueeramuitoimportanteinovar,dealgummodo,notratamentodadoençamentaleeleacreditava que esta inovação teria sido feira por Sigmund Freud. Conta-nos o criador da PsicologiaAnalítica:

Nestasituação,Freudfoiessencialparamim,principalmenteemvirtudedesuaspesquisasfundamentaissobreapsicologiadahisteriaedosonho.Suasconcepçõesmostraram-meumcaminhoaseguirparaaspesquisasposterioreseparaacompreensãodoscasosindividuais.FreudintroduziuaquestãopsicológicanaPsiquiatria,emboranãofossepsiquiatra,masneurologista.

EssaobservaçãodeJungsobreaobradeFreudnosparecemuitointeressante.Lamentoapenasque,ao dizer: “Freud levou a Psicologia para a Psiquiatria,” não tenha podido dizer: “Eu levarei ainterpretação espírita para o tratamento da loucura.”Certa vez o doutor JulianoMoreira (1873-1933)famosomédicoecientistabaiano,teriadito:OEspiritismoéumafábricadeloucos45oquenãoestariamuitolongedaverdadesetrocássemosapalavraespiritismopormediunidadesemestudoevinculadaainteressesmenores.

Omédiumqueseenvolveeseperdenastiasdavaidade,doorgulhoedoegoísmo,podesofrerumprocesso obsessivo cujos sintomas, não raro, são muito parecidos com algumas patologias mentais,notadamente,aesquizofrenia.ÉpenaqueumainteligênciabrilhantecomoadeJungnãotenhasedecididopela interpretação espiritualista dos fenômenos patológicos, fincando pé na explicação materialista,presadosprópriospreconceitos.Vamos,todavia,continuaronossoestudosobreavidadeC.G.Jung,enfatizandoatesequedeutítuloaesselivro.

No começo de seu trabalho em Burgholzli, aconteceu um fato muito interessante com ele. Foiinternadonaquelehospitalumamulher,aindajovem,quesofriadedepressãoprofundaeque,depoisdostestesdeanamnesesconvencionais,foiclassificadocomoumcasodeesquizofreniaoudemênciaprecocecomoestadoençasechamavaentão.Jungnãoaceitouessediagnóstico,entretanto,nãoocontestouumavezque era um recém-chegado aohospital e nãopoderia, por questões de éticamédica, contestar umdiagnósticofeitoporoutroscolegasmaisexperientesqueele.Jung,contudo,viaocasodaquelamulhercomoumadepressão comum. Inicia, então, comapaciente, um tratamento combasena associaçãodepalavras. Examina e discute os sonhos dela. Por meio desse processo, ele descobre alguns fatosfundamentaisdavidadaquelamulherqueaanamnesecomum,realizadaporoutrosmédicos,nãohaviarevelado.

AtécnicausadaporJungtrouxeàtonaaseguintehistória:quandosolteira,amulherhaviaconhecidoumrapazmuitorico,filhodeumindustrialeporeleseapaixonou.Ojovem,todavia,nãopareceunãocorresponder, demodo algum, aos sentimentos que ela lhe dedicava. Frustrada e ferida em seu amorpróprio, pois se julgava (e de fato era) umamulher muito bonita, decidiu-se casar-se com um outrohomem,seguindoafórmulaerrôneasegundoaqualépossívelconsertarumcoraçãopartidocompedaços

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de outro coração.Cinco anos depois, conversando comumvelho amigo este revelou a ela que o seucasamentohaviasidochocanteparaofilhodoindustrial.Elaficoulívidae,empoucotempo,instalou-seadepressão.

As coisas, entretanto, não pararam por aí. Certo dia, ele estava dando banho em seus filhos, umamenina de quatro anos e um garotinho de dois. No país onde ela vivia havia problemas com ofornecimentodeáguademodoqueapenaságuaparabebereratratadaesaudável.Aáguaparaobanhovinda de um rio próximo, estava contaminada e, portanto, prejudicial à saúde. Enquanto ela dava umbanhonomenino,viuafilhachupandoumaesponjamolhada,entretanto,inexplicavelmente,nãodeuaocasomaiorimportância.Quantoaomenino,fê-lotomarumcopodaáguapoluída.Naturalmente,lembraJung, ela fez isso em estado de inconsciência ou de semi-consciência. Pouco tempo depois, ameninamorreudetifo,emboraomeninoescapasseileso.Adepressãodamulheraumentouconsideravelmenteeelafoiinternadaparatratamento.

Jung havia encontrado a origem da depressão: o sentimento de culpa pelamorte da filha, Surgiu,entretanto, um problema: deveria ou não contar à mulher, francamente, a causa de seu problema?Imaginouque, se contassea seus colegaso seudilema, eles acharamquea revelação só iriapiorar asituaçãomentaldamulher.Havia,porém,julgavaJung,umachancedeoresultadoserinverso.Decide,então,enfrentarumgranderisco,prossegueotratamentoerevelaàdoenteoquehaviadescoberto.Foiduroparaamulheraceitaroquehaviafeito.Elasofreumuito,contudo,depoisdequinzedias,deixouohospitalenuncamaisvoltou.Jungsilenciousobreestecasoumavezque,seotornassepúblico,amulherpoderia ser processada pelo marido ou pelos parentes dele. Ele considerou que seria um fardodemasiadamentepesadoparaelaaconsciênciadamortedesuafilhinha.

O estranho, porém, é que não fica claro para Jung o motivo da hostilidade contra a criança. Elaestariaapenasderramandosobreosfilhosasuadorefrustraçãoporterperdidoohomemporquemseapaixonara?Elaestariatentandocomamortedosfilhosdestruirosvínculosquepossuíacomohomemaquem não amava? Se, entretanto, chamarmos a nosso socorro a teoria da reencarnação, novas luzespoderão ser lançadas sobre o caso.Que laços de vidas passadas uniram os personagens deste dramacruel?Ofilhotímidodoricoindustrial;amulherapaixonadaquedeixoumorreraprópriafilhaetentoumatarofilho;osfilhosagredidospelaprópriamãe.Querelaçõesreencarnatóriasmantinhampróximosessesespíritos?Seráqueelamatouumacriança inocenteousevingoudeuminimigodeoutrasvidas.Teriaela,nomomentodeagressãoàscrianças,sidovítimadeumespíritoobsessor?Nãodescartamos,demodoalgum,essashipóteses,masJungsim,umavezqueeletrabalhacomcategoriasprovenientesdoMaterialismo,excluindo,porconseqüência,todaequalquerexplicaçãometafísica.Vamosmaisumavez,lerumtestemunhodeJung:

Emmuitoscasospsiquiátricos,odoentetemumahistóriaquenãoécontadaeque,emgeral,ninguémconhece.Paramim,averdadeiraterapiasópodeteriniciodepoisdeexaminadaahistóriapessoal.Estarepresentaosegredodopaciente,segredoqueodesesperou.E,aomesmotempo,encerraachavedotratamento.É,poisindispensávelqueomédicosaibadescobri-la.Eledeveproporalgumasperguntasquedigamrespeitoaohomememsuatotalidadeenãoselimitarapenasaossintomas.Namaioriadoscasos,nãoésuficienteexplicarapenasomaterialconsciente.Conformeocaso,aexperiênciadeassociaçãopodeabrircaminhoàinterpretaçãodossonhosouentãoaolongodocontatocomodoente.46

AobservaçãodeC.G.Jungnosparececorretaepertinente,contudo,faltou-lheumdetalhealtamenterelevante. É fato que se necessita conhecer a vida do paciente para que se inicie a terapia profunda,todavia,nemsempreoexamedavidaatualresolveoproblemaumavezqueaorigemdotraumapodeestar situado em uma outra vida.Diz ainda Jung que é necessário ver o doente de um ponto de vistaholístico.Muito bem, contudo, uma atitude que pretenda ver o homem na sua totalidade não pode se

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recusaraoexamededimensãoespiritual.Ohomemécorpoealmaetodasasvezesquesetemreduzidoacriatura humana apenas ao corpo, os resultados não têm sido os melhores. Continuemos, porém,aprendendocomJung:

Em1905, tornei-meprofessordePsiquiatria,ocupando,nomesmoano,ocargodemédico-chefedaClínicaPsiquiátricadaUniversidadedeZurich.Permaneciquatroanosnestafunção.Depois,em1909,fuiobrigadoabandoná-lasimplesmenteporqueomeu trabalhohaviase tornadoexcessivo.Nocursodosanos,aminhaclientelaparticularaumentarade talmodoquenãopodiamais dar conta daquele trabalho. Continuei, porém, a minha atividade docente até 1913. Dei cursos de Psicopatologia enaturalmente,cursossobreosfundamentosdaPsicologiaFreudiana,assimcomosobreaPsicologiadosPrimitivos.Esseseramostemasprincipais.Duranteoprimeirosemestre,oscursosmaisimportantesversaramsobrehipnotismo,ostrabalhosdePierreJaneteFlournoy.Maistarde,oproblemadaPsicanáliseFreudianapassouaoprimeiroplano.47

Entre1901e1902avidadeJungerademasiadamenteapertadadopontodevistaeconômico,poisdeveria sustentar suamãe e sua irmã.Conta eleque, certavez, suamãe estiveranohospital onde eletrabalhava e, entrando na sala, viu, nas paredes, representações gráficas do tempo de reação de seuspacientes.Emilieteriacomentadocomazedume:“Issorealmentepossuialgumsignificado?”Jungficouarrasado,poisaquelecomentáriodesuamãesoou,paraele,comoumacríticanosentidodechamarasuaatenção para a inutilidade da carreia que havia escolhido. Em 1902, entretanto, as coisas mudaram.Vamos,emseguida,darumaolhadanotextodeMaclynnquetratadaorigemdestamudança:

Em1896,quandocursavaaindaaEscoladeMedicina,encontrouEmmaRauschenbach.Elaestavaentãocom14anos.Tendocontempladoameninanoaltodeumaescada,confidenciouaumamigoasuaprofundaintuiçãodequesecasariacomela.48

Novamente, nota-se aqui a intuição de Jungque parece reconhecer a pessoa que seria sua esposa.Simplespalpite?Encontrocasual?Reencontrodeespíritosqueseconheciamdevidaspassadas?Deixoarespostaparaoleitor.Poisbem.ÉcomessamoçamuitobonitaedonadeumherançaconsiderávelqueJungdecidesecasar.Faz-lheentãoumapropostadecasamento,masapropostafoirecusada.QualfoiacausadarecusadeEmma?SegundoalgunsbiógrafosdeJung,elateriarecusadoporque,muitoingênua,teria trocado beijos com um rapaz e por isso se julgava comprometida com ele e, portanto, serianecessárioqueseupaidesfizesseo“noivadodela”.OutrosdizemqueelateriarecusadoporsaberqueohomemquepediaasuamãoeraumapaixonadoporPsiquiatriaenãogostariadesecasarcomumhomemescravodeumaideologia.

Permita-me,meucaro leitor,queme intrometadenovoaquicomumaoutra tentativadeexplicararecusadajovem.Jungdefato,secasoucomEmma,maselanãofoifeliz.Eporquê?Arespostaémuitosimples: Jung jamais conseguiu dominar a sua sexualidade e se tornou o que se poderia chamar de“mulherengo”.Muitasforamasmulheresquegravitaramemtornodelecomomariposasemvoltadaluz.DasmuitasmulheresquegravitaramemtornodeJungduasse tornaramfamosaspelaprofundidadedorelacionamento:SabinaSpilheineToniWolf.EssesdoiscasosforamescandalososeEmmaosconheceueteveeque“engoli-los”parasalvarseucasamento.JungchegouaproporasuaesposaqueToniWolf,lafemmeinspiratrice49,comoeleachamavaefossesuaconcubinaespecialemumaespéciedeménageàtrois50 e Ema teve que aceitar a contragosto naturalmente. Esta relação entre Jung e Emma pode terorigememoutrasvidas.Estahipótesetemavirtudedeexplicaraorigemdarecusainicial.Assim,ébemprovável que, em outras vidas, Jung houvesse se comportado do mesmo modo para com Emma,causando-lhe profundos dissabores.Nesta vida, decidiram tentar umajuste,mas quando ela o vê, temalgumtipodereminiscênciaerecua.

Continuemos,orem.AfastadasasresistênciasdeEmma,Jungsecasacomelanodia14defevereirode1903.Depoisdalua-de-meledeumaviagempelosAçoreseIlhadaMadeira(issograçasàfortunadaesposa)ocasalvoltouaZurich,indomorarnasdependênciasdohospitaldeBurgholzli.Nofinaldaquele

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mesmoano,Emmaengravidouenoanoseguinte,nodia26dedezembro,nasceuAgatha,aprimeirafilhadeJung.AlémdeAgatha,Jungteráaindamaisquatrofilhos:trêsmeninaeummenino.Noanoseguinte,JungampliaoseucírculodeamizadeesetornouamigodeAlbertEinstein,quejáhaviapublicadoasuaTeoriadaRelatividade.Emmuitasocasiões,Jungconvidouofísicoparaalmoçaremsuacasaenessasoportunidades, travaram-se longas conversas. Infelizmente, as dificuldades de Jung com Matemática,impossibilitarampsicólogodemelhorentender,deumpontodevistatécnico,opensamentodeEinstein.

Mesmo depois da gravidez de Emma, Jung prosseguiu com a sua fixação sexual: alto, elegante,sedutor, inteligente,cultoebomconversador,eleconseguiaserobjetoconstantedo interessefeminino.Muitas mulheres como Aniela Jaffé e Marie Louisie e von Franz se tornaram suas discípulas. Jungparecia não se importar muito com isso e, de um certo modo, chegava a estimular essa corte deadmiradoras.

Emma,corajosamente,sempreesteveaoladodomarido(mesmocomapresençaincômodadeToniWolf)criandoeeducandoseusfilhos.Em1955elacomeçaadesenvolverumcâncerquealevaafazerumasériaoperação.Logodepoisdacirurgia,elapareceumelhorar,entretanto,aseguirentrouemcoma,vindo a desencarnar cinco dias depois. Jung sentiumuito amorte da esposa.Dias depois do infaustoacontecimento,elepegouumapedraenelagravou:“Elafoioalicercedaminhavida.”Efoimesmo.

45 De uma certa feita, em um programa de televisão, o padreQuevedo afirmou, segundo ele baseado em uma pesquisa que 30% dos loucosencarceradosemummanicômio,seriamespíritas.Naocasião,oespirituosoLucianodosAnjosredarguiu:“Masissoéumaboanotícia!Se30%sãoespíritassobram70%paradividirentrecatólicoseprotestantes.”Opadrecalou-se.Notado1ºEditor.46Jung.op.cit.p.11047Jung.Op.cit.p.11048Maclynn.JungumaBiografiap.8949AMulherinspiradora50Expressãofrancesaqueserefereaoamoratrês.Nocasocitadoseriam:Jung,EmmaeToni

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Comovimos,JungtrabalhavaemZurichtratandodedoentesmentais,estudandoasobrasdePierreJanet e ainda impressionado com a obra de Theodore Flournoy. Em 1910, Jung adquiriu um livrointituladoA Interpretação dos Sonhos, escrito por ummédico judeu bastante controvertido, chamadoSigmundFreud. Jungcomeçoua lero livro,masnãochegoua termina-lopornão tê-locompreendidobem.Maistarde,entretanto,eleretomaasualeiturae,destavez,compreendeaimportânciaqueaquelaobrapossuíaparaotrabalhoquerealizavaeospontoscomunsqueexistiamentreopensamentodeFreudeoseu.

OquemaisimpressionouJung,emrelaçãoaolivro,foiaassociaçãoneleestabelecidaentreateoriados sonhos e omecanismo dos recalques tomado de empréstimo da psicologia das neuroses. Na suaprática com doentes mentais, Jung havia encontrado fenômenos que estariam relacionados com osrecalcamentos.Duranteapráticadométododeassociaçãodepalavras,Jungdiziaparaosseuspacientesumasériedevocábulos,pedindo–lêsquerespondessemacadapalavracomoprimeirotermoquelheviesseàmente.Percebeu,então,quecertaspalavrasindutorasfaziamcomque,aoouvi-las,aspessoasnão tivessem uma resposta pronta e demorassem muito para responde-las. Jung considerava que aresistênciaobservadateriaasuaorigemnofatodeapalavratertocadoemalgomuitodolorosoqueseencontravarecalcadonomundointeriordopaciente.Jungtambémnotouqueaspessoasnãotinhamumaconsciênciaclaradomotivodesuaperturbaçãoe,seinterrogadassobreisso,respondiamcomevasivas.

O que provocava tal recalcamento? A resposta freudiana a esta questão era muito clara:O queoriginaorecalqueéumtraumadenaturezasexual.Entretanto,Jungnãoconcordavacomele.Nasuaexperiência profissional, o psicólogo suíço revela que havia encontrado vários casos em que asexualidadeexerceraumaaçãosecundária,sendosuperadaporoutroselementos.ContaJungque,certodia, conversara com Freud e apresentara à ele esta conclusão, mas o fundador da Psicanálise ficarairredutívelenãosemostroudispostoaabrirmãodesuaposiçãoteórica.Aquestãodorelacionamentoentreneuroseesexualidadepareciaserumaquestãofechada,umaespéciededogma.

Asprimeiras relaçõesentre JungeFreud foramdifíceisparaoprimeiroqueestava iniciandoumacarreirauniversitáriaaqualsemostravabastantepromissora;porseuturno,Freudera,noiníciodeseutrabalho uma persona non grata51 uma espécie de out-sider52 ou escritor maldito com idéias muitoestranhas para o seu tempo. O problema possuía tal dimensão que seria muito complicado para umintelectualseaproximardeFreudsemqueimar-senafogueiraqueeleacendera.Assim,opensamentodeFreudnãoeraobjetodediscussõesabertasefrancas,masabordadasnoscorredoresdasuniversidades,meio em surdina com quem fala de algo subversivo e conspiratório. Jung, então, passou a viver umproblemadeconsciênciacomrespeitoaFreud,umavezqueestavausandoasidéiasfreudianasporqueelas coincidiam bastante com as suas. Havia, contudo, que tomar uma posição. Voltemos ao textojunguiano:

Umdia, encontrava-me no laboratório preocupado como problemaquando o diabomurmurou-me emmeu ouvido (odestaqueénosso)queeutinhaodireitodepublicaroresultadodeminhasexperiênciaseconclusõessemmencionarFreud.Nãome dedicara atais experiências muito antes de compreender o que quer que fosse de sua obra? Ouvi, então, a voz deminhasegundapersonalidade:ÉfraudulentoagircomosenãoconhecesseFreud.Nãosepodeedificaraprópriavidasobreumamentira.Ocasoficou,então,resolvido.Apartirdestemomento,tomeiabertamenteopartidodeFreudeluteiemseufavor.53

Otextoindica,claramente,umconflitodeinteriorquepodeacontecercomqualquerpessoaquesofraumdramadeconsciência,masJungserefereaumaconsciênciaexternanegativaqueeleidentificacomoadodiaboeoutrapositivaqueeledizseravozesuapersonalidadenúmerodoisquenósjáconhecemos.ÉcuriosoqueJung,constantemente,falecomosetivesseconsciênciadapresençadeforçasexternasaele

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agindosobreoseucomportamento,mesmoemumcontextocomoesse,ondetalinterpretaçãonãoserianecessáriaenemmesmopertinente.

ComoJunghaviaditoanteriormente,começouaquebrarlançasemfavordeFreud.EmumcongressoacontecidonacidadedeMunich,naAlemanha,onomedeFreudfoiomitidodepropósitodasneurosesobsessivas. Em 1906, Jung escreve um artigo para a revistaMunchnnerMedizinischeWochenschift.Nesse artigo, ele chama a atenção do leitor para a contribuição significativa de Freud no caso dasneuroses obsessivas como se desse umpuxão de orelhas naqueles que haviam esquecido no nome deFreud.

Depois desse artigo, dois professores alemães escreveram cartas a Jung, advertindo-o de que, secontinuasse a defender Freud estaria colocando em risco a sua carreira universitária em risco. Jungrespondeque,entreasuacarreiraeaverdade,preferiaasegunda.Assim,JungcontinuaapoiandoFreudemboraprosseguissediscordandodele,notadamentenoquedizia respeitoà sexualidade.Talhipótese,Jungreconheciaválidaemalgunscasos,masnãoemoutros.Detodoojeito,porém,elenãopodianegarqueFreudhaviaabertoumcaminhosignificativoparaacompreensãodaalmahumana.

Freud reconhecia atitude favorávelde Junga seu respeito e,por isso, eleo convidaavisitá-lonacidade de Viena onde morava. Há, então, um encontro notável entre os dois grandes espíritos. Elesconversaramdurantetrezehorasininterruptas.Jungafirmaemsuaautobiografiaqueaquelehaviasidoapessoamaisinteressantequeelejáconheceraemtodaasuavida.FreudpareceuaJunguminterlocutorde peso, uma pessoa especial destas que a gente não encontra facilmente em nosso dia-a-dia.Extraordinariamente inteligente,penetrante,notável sob todososaspectos, sãoadjetivoscomqueJungqualificaFreud.

No entanto, apesar desta forte impressão, Freud não conseguiu convencer Jung sobre a teoria dasexualidadeeasuarelaçãocomasneuroses.DuranteestaconversaJungopôsváriasdúvidaseobjeçõese Freud não conseguiu responder essas colocações a contento. Freud argumentou dizendo que, muitoprovavelmente,asresistênciasdeJungdeviam-seasuapoucaexperiênciaeque,comotempo,acabariaporlhedarrazão.Jung,porseulado,compreendiaqueateoriadeFreuderaimportantíssima,tantodopontodevistapessoalcomofilosófico,entretanto,continuavaaindacomreservasemrelaçãoàtotalidadedosconceitosfreudianos.

Havia,porém,umoutrocomplicador,umaquestãotãosériaquantoàprimeiraequetambémseparavaosdoishomens:aEspiritualidade.Jungselembradeque,todasasvezesemqueaquestãovinhaàbaila,Freud desconversava como se aquele assunto o incomodasse e não pouco. Em verdade, o tema dasexualidadeeraameninadosolhoseelenãopareciaveroutrapossibilidadedeexplicaçãodasneurosesanãoseraquela.ParaseterumaidéiadopensamentodeFreud,vamosmaisumaveznosvalerdotextodeJung:

TenhoumavivalembrançadeFreudmedizendo:“MeucaroJung,prometaquejamaisabandonaráateoriasexual.Éoqueimportaessencialmente!Olhe,devemosfazerdelaumdogma,umbaluarteinabalável.”Elediziaissocomardorcomoopaiquedizaofilho:Prometa-me,meufilho,umacoisa:nãodeixedeiràigrejaaosdomingos.Umtantoespantado,perguntei-lhe:“Umbaluartecontraoquê?”Elemerespondeu:“contraoladonegrodo...”Aquihesitouummomentoeacrescentou:“doocultismo”.Oquemealarmouemprimeirolugarfoi“baluartecontraoocultismo”eo“dogma”.Odogma,istoé,umaprofissãodeféindiscutível,surgeapenasquandosequeresmagarumadúvidadeumavezportodas.Nãosetratamaisdeumjulgamentocientífico,masserevelasomentecomovontadepessoal.54

A força da expressão “lado negro do ocultismo” desgostou bastante a Jung porque, sob a rubricaocultismo,Freudcolocava tudoaquiloquea filosofia,a religião,ametagnomiadiziam,então,sobreaalmaeassuasfaculdades.ParaJung,ateoriadasexualidadeeratãoocultaquantoopróprioocultismo

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umavezque, nemumnemoutro, estavam suficientemente provadosde umpontode vista estritamentecientífico.TalvezJungnãotenhagostadodapalavradogmaporqueelaofazialembrar-sedeseupaiqueusavaodogmacomoumrefúgioparaassuasincertezareligiosas;ouporqueouvissenaintimidadedeseuser, ecos distante da espiritualidade lembrando-lhe os compromisso que teria na terra e Freud, ali,assumindoumaposiçãodogmáticaestariafechandoumaportaqueeledeveriaabrir.

AatitudedeFreudperturbavaJung.Umespíritoprofundamentereligiosoeapaixonadopelamitologianão conseguia entender como Freud podia darmais importância à sexualidade do que à religião. Emverdade,comentaJung,ateoriadasexualidadeemFreudtinhaumvalormuitopróximodaquelequeseatribuiàdivindade.

Certa ocasião, em 1909, durante uma conversa comFreud, Jung o questionou sobre os fenômenospara-normais e a precognição. Freud, cheio de preconceitos materialistas, responde a Jung que nãoperdessetempocomaqueletipodecoisa,poissetratavademeratolice.OespíritopositivistadeFreud,naquelemomento,atingiutalproporçãoqueJungtevedeseconterparanãolhedarumarespostamaisácida.

Enquantoaconversasedesenvolvia,comFreudargumentandocomveemênciacontraosfenômenosparapsicológicos,Jungsentiuumgrandemalestar.Pareceu-lhequeoseudiafragmaestavapegandofogo.Derepente,ouvi-seumgrandeestaloemumaestantequeestavapróximaaeles.Oruídoforabastanteforteapontodeassustarosdoishomens.Ambostiveramaimpressãodequeomóveliriacairsobreeles.Então,JungdisseaFreud:

–Viu?Éissoqueeuchamodefenômenocatalíticodeexteriorização.–Issoépurodisparate.RespondeuFreud.–Nãoétolice,professor.Euoavisopreviamentedequehaveránovoestalo.

MalJunghaviaditoestaspalavras,houve,maisumavez,umnovoestalonomesmomóvel.Dealgummodo,Jungsabiaqueobarulhoiriaserepetircomoverdadeiramenteaconteceu.Freudolhouparaoseuamigo literalmente abalado. Jung entendeu aquele olhar não só como uma forma demanifestar o seudesagrado mas, principalmente como se, com aquele olhar, ele quisesse demonstrar uma fortedesconfiançacomrespeitoaele.Nuncamaisosdoishomensvoltaramatocarnaqueleassunto.

Ainda em 1909, Jung foi convidado pela Clark University, situada em Worcester, no Estado deMassachusetspara fazerpalestras sobrea técnicadaassociaçãodepalavras.Namesmaocasião,masindependentemente,Freudrecebeuidênticoconvitee,assim,osdoisdecidiramviajarjuntos.ParticipoutambémdestaviagemSándorFrenczi,55umamigoecolaboradordeFreud.Nessaviagemhouveumfatoestranhíssimo.

NacidadedeBremem, Jung conversandocomFreud fez referência aos cadáveresdopântano.Porestenome,designava-seadescobertaarqueológicadecorposhumanosmuitoantigosacontecidaaonorteda Alemanha. Esses corpos, possivelmente pré-históricos eram de pessoas que se havia afogado nopântanoondesofreramumprocessodemumificaçãoemvirtudedecondiçõesambientaispropícias.Jung,quesempreestavainteressadoemArqueologiaeemassuntosligadosàmorte,comojávimosemoutrapartedestelivro,falavadoscadáverescomosefosseomelhorassuntodestemundo.

De repente, Freud, irritado, perguntou a Jung por que estaria tão interessado em cadáveres. Jungprocurou responder, mas Freud, repentinamente, sofreu um desmaio. Mais tarde, Freud teria dito aopróprioJungqueconsideravaaconversasobrecadáverescomoumsentimentodehostilidadecontraasuapessoaeachavaqueJungdesejava,inconscientementeasuamorte.Jungficoumuitoadmiradocom

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aquelainterpretaçãodeFreudsobreele.Emumoutromomento,duranteumaconversaentreelessobreareformareligiosadoEgitonotempodofaraóAmenóphisIV,FreudquediscordavadeJungmaisumavez,teve outro desmaio. Esses “desmaios táticos” de Freud não deveriam ser visto por Jung com tantaadmiração,umavezqueelepróprioaprenderaadesmaiarparanãoiràescola.

Poucoapouco,àmedidaqueaimportânciadeFreudcresciaeoseutrabalhoiasendoreconhecido,formou-se, em torno dele, um grupo de estudiosos de psicanálise que daria origem, mais à frente, àSociedadePsicanalítica.Freud,naturalmente,eraocentromesmodestaconstelaçãooumelhordizendo,aestrelamais brilhante. Jung fazia parte deste grupo e era considerado porFreud como seu sucessor àfrentedomovimento.Jung,porseuturno,nãoseacomodavafacilmenteaosmoldespropostosporFreude,umdia,chegouàconclusãodequedeveriadeixaraquelegrupo.Eporquetomarataldecisão?VamosleraexplicaçãodopróprioJung:

CompreendientãoporqueapsicologiadeFreudmeinteressavatanto.Minhanecessidadeerasaber,dequalquermaneira,emqueconsistiaa sua“solução razoável.”Paramim,estaeraumaquestãovital emesentiaprontoagrandes sacrifíciosa fimdeobter a resposta.Comecei a ver claro.Elemesmo sofria de umaneurose, umaneurose fácil de se diagnosticar, com sintomasmuito incômodos como pude descobrir durante a nossa viagem à América. Nessa época ele me ensinara que todos são algoneuróticos e que, portanto, é preciso que seja tolerante. Entretanto, esta afirmação não me contentava: queria saber de quemaneirapoderiaevitarumaneurose.ViraquenemFreudnemseusdiscípulospodiamcompreenderaimportânciaquetinha,paraateoriadaPsicanálise,ofatodequeoprópriomestrenãoconseguiasairdesuapróprianeurose.Quandoelemanifestouaintençãodeidentificarateoriaeométodoparafazerdistoumasériededogmas,sentiquenãopoderiacontinuaracolaborarcomele.Nadapudefazersenãomeafastar.56

Jung,emseguida,decidepublicarumlivrointituladoMetamorfosesesímbolosdaLibido,obraquemarcaráarupturadefinitivaentreosdoispsicólogos.Sobreisso,esclarece:Eusabiadeantemãoqueocapitulo“OSacrifício”me custaria a amizade deFreud.57Neste capítulo Jung expôs a sua própriaconcepção de incesto e a metamorfose decisiva do conceito de libido ora, esse conceito erademasiadamentecaroaFreudparaqueeleperdoasseJungporaquela transgressão.Encontrava-seali,ainda,outrasidéiasqueFreudnãoaprovaria;daíacertezadeJungdequeaquelelivroe,principalmente,o capitulo aludido,marcariao fimde seu relacionamento comomestredeViena.Emverdade, houveoutrosfatoresquecontribuíramparaacisãoentreJungeFreud,motivosessesquenãocabemnoespaçodestelivroanãoserquenosafastemosmuitodenossopropostainicial.

Porfim,gostariadelembrarumacoisa:emumcertomomentodeseulivroautobiográfico,Jungfaladaatitudecéticaedeseuceticismoesecuraperanteavida.EstareferênciaàpersonalidadedeFreudnosfazlembrarumapassagemdoespíritoAndréLuiz58atravésdapenadeFranciscoCândidoXavieremseulivroEntreaTerra eoCéu.Nessaobra, o espírito instrutor fala aAndréLuis sobreos trabalhosdeFreud,criticamente,masdeummodomuitomaissutileamorosodoqueofazemoscríticosencarnados.Citaremosestetrechoàguisadeconclusão:

Freud vislumbrou a verdade, mas toda verdade sem amor é como luz estéril e fria. Não bastaráconhecereinterpretar.Éindispensávelsublimareservir.Ograndecientistaobservouaspectosdenossalutaespiritualnasendaevolutivaecatalogouosproblemasdaalma,aindaencarceradanasteiasdavidainterior.Assinalou a presença das chagas dolorosas do ser humano,mas não lhe estendeu o eficientebálsamo curativo. Fezmuito,mas não o bastante.Omédico do porvir, para sanar as desarmonias doespírito, precisará mobilizar o remédio salutar da compreensão e do amor, retirando-o do própriocoração.Semmãoqueaajude,apalavraeruditamorrenoar.59

51Pessoaindesejável52Oquenãotemlugarouqueestáamargem53Jung.Op.cit.pag134

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54Jungop.cit.p.13655 Sándor Frenczi (1873-1973). Psicanalista húngaro, colaborador íntimo de Freud, famoso pelas experiências que, mais tarde darão origem aopsicodramaeàanálisedegrupo.Notado1ªEditor56Jung.Op.cit.14957Jung.Op.cit.14958AndréLuizéumdosmentoresespirituaisdeChicoXavier,autordeumgrandenúmerodeobrasporelepsicografadas.59LuizAndré,EntreaTerraeoCéu.p.93.Notado1ºEditor

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Nessecapitulo,visamosprepararonossoleitorparaocapituloseguinte.Aqui,vamosnosapoiaremumcapitulo do livro deMarie-Louisie vonFranz, discípula de Jung intituladoJung, seuMito emNossaépoca.Ocapituloaquenosreferimoschama-seAJornadaparaoAlém.Aautoranoslembraqueasorigensmaisremotasdamodernapsicoterapiaqueahistóriaconsegueregistrarestãonosxamanismoarcaicoenaspraticasdoscurandeirosentrepovosprimitivostantonasprimeirascivilizaçõescomoentreascomunidadesprimitivasdenossotempo.

Lembra Marie-Louisie que há uma diferença entre o sacerdote e o xamã. Nas sociedades ditascivilizadas,osacerdoteéoguardiãodoritualedatradiçãoreligiosacoletiva.Oxamãentreospovosprimitivosédetentorde técnicasconseguidaspormeiodesuasexperiências individuaiscomomundodos espíritos. Sendo a sua função primária o tratamento de moléstias e de distúrbios na vida dacomunidade. O interessante que destaco aqui é o fato de que a autora, sempre fiel ao pensamentojunguiano,preferechamaromundodosespíritosdeinconsciente.

Comooxamãcuraapessoaquesofre(opacienteemlinguagemmoderna)?Acuraéfeitapormeiodostransesdopróprioxamãque,viajandoaomundodosespíritos,descobreoremédioadequadoàquelecaso.Eleaindaexercea funçãodepsicopompo,ouseja,decondutordealmasnomundoespiritual, eaindaexerceafunçãodemédiumentreosdoisplanos,omaterialeoespiritual.EmseunotávellivroOXamanismo,MirceaEliadenosdizqueoxamãéumespecialistadaalmaumavezqueconhecea suaformaeoseudestino.

Como alguém se torna xamã?Muitas vezes isto se dá por hereditariedade no caso de famílias dexamãs,masexistemtambémaquelesquesãochamadoparaexercerestetrabalho.Sãooschamadosporvocação.Nestesegundocaso,ochamadoéanunciadoatravésdeumaespéciededesorientaçãopsíquica.O apelo também pode vir por meio de um sonho. Como acontece com a mediunidade, muitosconvocações ao Xaminismo, vem acompanhados de doenças físicas, mal-estar, dores de cabeça,estranhoszumbidosqueacabamassimqueoxamãaceitaasuatarefaecomeçaasedesenvolver.Aindacomonocasodosmédiuns,osxamãscostumamserpessoasmuitosensíveisemaissuscetíveisdoqueasoutraspessoas.

Na prática do Xamanismo e nas experiências iniciáticas dos curandeiros de povos primitivosacontece um fenômeno religioso muito antigo que se encontra relatada em velhas histórias sobre osxamãs.Estetemarecorrentecostumaserchamadodeascensãodaalmaouviagemforadocorpoouaindaviagemcelestial.Naculturajudaica,noPrimeirolivrodeEnoqueumadessasviagensteriasidofeitaporesteprofetaque,jápertodofinaldavida,teriasidolevadoaocéupeloespíritodopróprioDeusondetomaconhecimentodecertasrevelações.

TaisviagensincomunssãonarradastambémnoSegundoLivrodeEnoque;nochamadoApocalipsedeBaruch;noApocalipsedeSofonias,obracitadaporClementedeAlexandria.Nestaobra,Sofoniasétambémconduzidoaocéupelopneuma(Espírito)elácontemplaaoobradeDeus.OapóstoloPaulodeTarso na sua segunda carta aosCoríntios parece se orgulhar de ter sido levado ao que ele chama deterceirocéueaoparaíso.Dizoapóstolodosgentiosqueelanãosabe,nestaviagem,estavanocorpoouforadocorpo.Noterceirocéu,ouviupalavrasimpronunciáveis.

No Talumud Babylonicus, (Traktat Chagiga 14b) citado por Bousset há uma história muitointeressante.Conta-senesselivroquequatrohomenstentaramentrarnocéueiraoparaíso.Forameles:BemAsai,BemSoma,AchereorabinoAkiba.BemAsaifoi,viuemorreu;BemSomaaocontemplar

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aquelasmaravilhas,enlouqueceu;Acherderrubouárvores.SomenteoRabiAkibafoievoltouempaz.

O historiador romenoMirceaEliade nos diz que, naGréciaAntiga, as viagens fora do corpo dosxamãs,tambémexistiram.Osmédicos-sacerdotesAbariseAristeudeProconesocuravameprofetizavam(entravamemestadomediúnico) emêxtase.Hermótino deClazômena teria deixado seu corpopor umtempoconsiderável(muitosanos)eseguiupararegiõesdistantes.Nesseslugaresnãoreveladosrecebeuodommânticoea faculdadedeconhecerofuturo.EpimenidesdeCreta,certodiaadormeceuemumacavernadomonteIdaealiaprendeuaentraremtranseeconhecertodasascoisas.Entreostrácioserausada a fumaça do cânhamo para produzir estados de êxtase e omesmo acontecia com a pitonisa deDelphosqueentravaemtransemascandofolhasdelouroeaspirandoumgássubterrâneo.

ContaPlatãoemseulivroRepúblicaahistóriadeHer,oarmênioque,feridoemumaguerrafoidadocomomorto.Nesseestadofoilevadoaumaregiãoondeosespíritossepreparavamparareencarnare,inclusivepodiamescolheras suasprovasnaTerra.A lendadeTimarcopossuimaterialparecidocomeste.

NaantigoIrãexistemtambémrelatosdepessoasqueemestacodeêxtase,visitamomundosombrioaoqualsósevaidepoisdamorte.EmumaobraintituladaLivrodeArtayVirafconta-seosofrimentodeumpersonagemchamadoVirafquepadeceudurantesetediasemvirtudedeumtétano.Nesseperíodo,aalmadeVirafviaja,vagueiapelospáramoscelestiaisecruzaaponteCinvat,quedeveseratravessadapelo espírito depois da morte. Do outro lado da ponte, ele vê os lugares da danação e da bem-aventurançadosdesencarnados.O romanoCipião, conta-nosohistoriadorgregoMacróbioé instruídonossegredosdoalémpeloespíritodeumseuancestral.Todosesseexemplosdeviagensextra-corpóreaservemparaqueoleitorleiaopróximocapítulobemmaisinformado.

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A ruptura com Freud fora demasiadamente dura para Jung e muito mais do que ele próprioimaginara.Elepassouporumperíododeincertezainterioremesmodedesorientação.PareciaqueafaltadeFreud lhe abriraumabismodifícil de contornarouuma região sombriaonde elenão conseguia seencontrar. Tornou-se também, para ele,muito difícil relacionar-se com seus clientes domesmomodocomo se havia relacionado anteriormente. Decidiu, então, que omelhor a fazer naquelemomento eraescutaratentamenteosseusclientes,utilizaramatériaoferecidapelossonhosdeles, tomando-oscomopontodepartidaparapenetraromaisprofundamentepossíveldaquelaspessoasparaalivia-lasdesuasdores.

Acontecem,então,comJungalgunssonhosmuitointeressantes.Nodia24dedezembrode1912,Jungteve um sonho.No sonho ele se encontrava em uma belíssima loggia italiana60 com colunas, pisos ebalaustrada demármore.Via-se sentado em uma cadeira dourada de estilo renascentista.Diante dele,havia umamesa de rara beleza, talhada em, pedra verde,muito semelhante à esmeralda. Sentado, elepodiaolhar apaisagemadistânciaporqueo lugarondeele estava ficavanoalto.Eleobservava seusfilhosqueestavamsentadosàmesa.

Estaprimeirapartedosonhoquesechamaapresentação,nosdáacenadeabertura,olocalondesepassaosonhoeaspessoasenvolvidas.Nasegundaparteoudesenvolvimentodoenredoquesechamatramaonírica,Jungvêumpássarobaixardocéu.Tantopoderiaserumapequenagaivotaouumapomba.Opássaropousagraciosamentesobreamesa.Jungfazumsinalparaqueseusfilhosnãosemovessem,poispoderiamespantarobelopássaroquehaviapousadoali.Derepente,abelaavesetransformaemumameninapequenacomumalindacabeleiraloura.AmeninasaicorrendocomosfilhosdeJungevãobrincarentreascolunatasdotemplo.

Jung,porém,continuavasentadoondeestava,refletindosobreoqueestavavendo.Ameninavolta-separaondeeleestavae,carinhosamente,cinge-lheopescoçocomumdosbraços.Derepente,ameninadesapareceue,emlugardela,voltouapombae falandocomvozharmoniosae linda,dizela:“Sónasprimeiras horas da noite, possome transformar emum ser humano enquanto o pombo cuida dos dozemortos.”Ditoisto,aavealçavôoparaoinfinitoeJungacorda.

Jungnadaentendeudestesonho.Sabiaapenasqueeraumaatividadehabitualdoinconscienteemaisnada.Nãosabiaoquesignificavaaquelaaveemuitomenososentidodaexpressão“dozemortos”.Eamesa esmeralda? Passou em revista algumas possibilidades de interpretação para aqueles signosoníricos,masnenhumadelaspareceu-lheadequadaousatisfatória.Nadatinhaafazernaquelecasosenãoesperarpelorumodosacontecimentos.Poraquelaépoca,oespíritoperturbadodeJungviviaprováveislembranças de outras vidas, alémda interferência de espíritos imperfeitos que provocavamvisões demortos, cadáveres colocados em fornos crematórios e coisas assim. Jung considera esse tipo deacontecimentocomofantasiasdoinconsciente.

Aconteceu, então, umoutro sonho.Neste, ele se encontrava emuma regiãopertodeAlyscampnasproximidadesdacidadedeArlesondeexistiaumaalamedade sarcófagosdaépocamerovíngia.61 Nosonho Jungvemda cidade evêumaalamedaornadade túmulos.Haviapedestais com lajes por cimaondeosmortosrepousavam.Cadaumdosmortosusavaroupasantigasetinhamasmãospostasnopeito,comosevênasrepresentaçõesdosmortosexistentesnasantigascapelasfunerárias.Nosonho,entretanto,osmortosnão sãodepedra comoacontecenas capelas,mas se assemelhamamúmias.Ele, entãovaivendo,mortopormorto,edescobrequeelespertencemaépocasdiferentes.Aorepararmelhoremumdeles,percebequemortopareceacordardeseusono.Elepercorretodaasériedemortosatéchegara

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umcavaleirodoséculoXII.Emboranãoestejavivo,elemexecomosdedosdamãoesquerda.

Novamente Jung não conseguiu explicar o seu sonho. Freud havia argumentado com ele que, emalgunscasos,o inconscientepodereverexperiênciasantigas.Masdequetipo?Comoissoépossível?PerguntaJung.Essesonhose repeteeaperturbaçãodeJungaumentaeele temeestarsendovítimadeumapatologiamental.Sempoderinterpretarasimagensoníricasesemmesmoexplicaroqueacontececomoseupsiquismo,eledecidedeixararacionalidadeparaumcantoeseentregar,porcompleto,aodestinoqueseuinconscientehaviaprogramadoparaele.

Nessemomento,surgeemsuamente,emumafasedesuainfânciaquandosededicavaàconstruçãodepequenascoisascomocasinhasecastelofeitoscompedrinhaseargamassa.Sim.Poderiaserisso,pensaJung. Talvez estivesse faltando à sua vida um pouco de criatividade e a sua criança interior estavaexigindo isso. Ficou, entretanto, confuso e envergonhado. Como poderia ele, um psiquiatra renomadosair,poraí,brincandocomocriança?Bem,emtudoisso,algolhepareceuconcreto:elehaviaapeladopara o seu inconsciente, viera uma resposta e o que deveria fazer era seguir a proposta que lhe foraenviado.Passa,então,oseutempolivreacatarpedrinhasqueeleencontravanabeiradolagoemesmodentro d’água. Começa, assim, a retomar a sua infância, construindo casinhas, castelos emesmo umapequena cidade. Uma cidade necessita de um templo e ele o faz, embora tivesse dificuldade naconstruçãodoaltar.Ocupatodooseutempoexercitandoasuacriatividade,brincandocomaspedraseconfeccionandocoisas.Comisso,sente-seumpoucomelhor.

Em1913,asuamediunidadevoltaaaflorareeletemumavisão.VamosveranarrativadopróprioJungsobreesteacontecimento.

Por volta de 1913, a pressão interior que, até então, eu havia sentido, pareceu deslocar-se para o exterior como se algopairassenoar.Efetivamente,atmosferamepareciamaissombriadoqueantes.Nãopareciasetratardemasituaçãopsíquica,masdeumarealidadeconcreta.Essaimpressãotornava-secadavezmaisintensa.

Nomêsdeoutubro,viajandosozinho,fuisubitamenteassaltadoporumavisão.ViumaondacolossalcobrirtodosospaísesdaplaníciesetentrionalentreoMardoNorteeosAlpes.QuandoatingiuaSuíça,viasmontanhasseelevaremcadavezmais,comopara proteger o nosso país. Acabara de ocorrer uma enorme catástrofe. Eu via as vagas impetuosas e amarelas, destroçosflutuantesdasobrasdacivilizaçãoe amortede inúmeros sereshumanos.Omar se transformouem torrentesde sangue.Estavisãoduroucercadeumahora.Perturbado,nauseado,tivevergonhademinhafraqueza.62

Esta passagem é verdadeiramente impressionante. Ela lembra bastante alguns trechos do VelhoTestamento nos quais os profetas (médiuns) sentiam uma forte e dolorosa pressão interior que elesinterpretavam como a mão de Deus, que os oprimia e os mandava profetizar. Nesse caso o profetaJeremiaséumbomexemplo.Jungsenteamesmasensaçãoquesepoderiachamardepré-profética.Trata-se, muito provavelmente, de um desdobramento63 em que ele é levado ao Plano Espiritual ondecontempla em uma espécie de tela fluídica os acontecimentos traumáticos que deverão acontecer naEuropa.Estavisãoserepetemaisterrívelaindae,emumadelas,ouveumavozquelhediz:“Olhabem,istoérealeseráassim.”Avisãoprossegueatéque,nodia1ºdeagostode1914,eclodiuaprimeiraguerramundial.

Jungprosseguenoqueeleconsideracomoumalutacomseuinconsciente.Sente-semergulhadoemummundo estranho, misterioso, sufocante. Tinha medo de que acontecesse com ele o que aconteceuNietzsche64eHölderlin65.Angustiava-seem imaginar-se loucoem lugarescomoBurgholzil.Àsvezes,ouviabarulhossemelhantesatrovoadas.Temaimpressãodequeforçaspoderosasdesejamsubjugá-lo.RecorreaexercíciosdeYogaeissooacalmaumpouco,masnãoéosuficiente.

Em1913,voltavaterumaestranhaexperiência.OreatodeJungsobreestavisãoéinteressanteporquese tem a impressão de que ele provocou, conscientemente o fenômeno que acreditamos ser de

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desdobramento.Vamosaotexto:Foinoanode1913quedecididarumpassodefinitivo,nodia12dedezembro.Sentadoemmeuescritório,considereimais

uma vez os temores e me abandonei à queda. O solo pareceu ceder aos meus pés e fui como que precipitado em umaprofundidadeobscura.Nãopudeevitarumsentimentodepânico,mas,derepentesemqueeuhouvesseaindaatingidoumagrandeprofundidade,encontrei-mecomgrandealívio,depé,sobreumaestranhamassaviscosa.

A escuridão era quase total; pouco a pouco, meus olhos se habituaram com ela que parecia umcrepúsculosombrio.Diantedemimestavaumacavernaobscura;umanãoalipermaneciadepé.Pareciafeitodecourocomoseestivessemumificado.Tivedeesgueirar-me,quaseroçandoneleafimdeentrarpela passagem estreita e fui patinando, água gelada alcançando-me os joelhos, até o outro lado dacaverna. Percebi, então, que, numa saliência da rocha cintilava um cristal vermelho.Ergui a pedra e,embaixodela, havia umespaçovazio.Aprincípio, nadadistingui nele; depois, percebi, no fundo, umcursodeágua.Passouumcadáverflutuandonacorrenteza:eraumadolescentedecabeloslouro,feridona cabeça. Segui-o um enorme escaravelho negro e, então, surgiu, do fundo das águas, um rubro solnascente.Ofuscadopelaluztenteipôrapedranoorifício,masnessemomento,umlíquidofezpressãoeescoouatravésdabrecha.Erasangue!Umjatoespessojorrou.Sentináuseas.Tiveaimpressãodequeissoseprolongouintoleravelmente.Afinalojatoestancou,terminouavisão.66

EstaexperiênciafoibastanteforteapontodedeixarJungprostrado.Eleinterpretaofatocomoumaintervençãofortíssimadeseuinconscientequelhe“fala”pormeiodamitologiadoheróisolardotipoegípcio(mitodeOsírisondeodeusnasceerenasceacadadia)reproduzidonafiguradoescaravelho,uma representação solar na mitologia do vale do Nilo. Ele, porém, mais uma vez, não entende amensagemdeseuinconscientenoquedizrespeitoàpresençadosangue.Jungestácansadodestejogodegatoeratoentreeleeasforçasquelhesãodesconhecidas.Resolve,então,desistirdequalquertentativadeinterpretarseussonhosevisões.

No dia 18 de dezembro, aconteceu um novo sonho. Desta vez, ele se encontra em umamontanhasolitáriaerochosacomumadolescentedesconhecido,umselvagemdepeleescura.Odiaestásurgindoeas estrelas do céu começam a se apagar. Ao longe, sobre as altas montanhas, ouve-se a trompa deSiegrifried67eelecompreendequedevemataroherói.Osdois–Jungeoselvagem–estãoarmadoscomfuzis.Esperam,então,emboscados,queSiegrifriedpasse.Oheróidesceamontanhaatodavelocidade,conduzindoumcarrofeitodeossos.Jungeseucompanheiroatiram,eSiegrifriedcaimortalmenteferido.Jungteveremorsopeloquehaviafeito.Decidefugir,commedodeserdescobertopelocrimequehaviapraticado.Caiumachuvatorrencialque–imaginaJung–deveráapagarasmarcasdeseucrime.Elesabequeninguémodescobrirá,mascontinuarácomumfortesentimentodeculpa.

Maisumavez,osonholhepareceenigmáticoeinsondável.Tentadormirdenovo,masescutaumavozque lhe diz: “É preciso que compreendas este sonho imediatamente.” Um “frisson” corre por todo ocorpodeJung.Avozsentencia implacável:“Senãocompreenderesestesonho,melhorseriadaresumtironacabeça.”Eleselembradequeseurevólverestavanagavetaesentedequepudesseobedeceravoz.Derepente,passaporsuacabeça,umasolução.

Masesteéoproblemaqueagitaatualmenteomundo.Siegrifriedrepresentaoqueosalemãesqueriamrealizar, isto é, a imposição heróica da própria vontade. Onde há vontade há um caminho. Eraprecisamenteissoqueeutambémquisera,mastalcoisanãoeramaispossível.Osonhorepresentavaumaatitude encarnada por Siegrifried, o herói, não correspondiamais amimmesmo. Por essemotivo foinecessárioqueelesucumbisse.68

EstainterpretaçãosatisfazplenamenteaJungeeleconsegueretomaroseusono.Diasdepois,eletem

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umanovaexperiênciadedesdobramento.Destavez,“eleviaja”atéumaregiãomuitoparecidacomooHades,omundodosmortosdosantigosgregos.Aliexisteummurorochosoondeeleencontraumhomemidoso,acompanhadodeumajovemmuitobonita.Reunindotodasassuasforças,eleabordaaduplacomoseosdoisfossempessoasreais.Escutou,então,oquelhediziam.OhomemidosodissequesechamavaEliaseestarevelaçãoabalouJung.AmoçasechamavaSaloméeeracega.Eliasdisseaopsicólogoqueeleeamoçaestavamligadosdesde todaaeternidadee issoaumentouaindamaisaconfusãodeJung.Estavatambémcomelesumaserpentenegraquedemonstrouumaestranhainclinaçãopelosonhador.Jungresolve conversar com Elias porque Salomé não lhe inspirava confiança. Tem, a seguir, uma longaconversacomovelhocujosentidonãoconsegueentender.Sempodercompreenderosonho,Jungfazumaleitura do casal Elias e Salomé como dois arquétipos.O primeiro o doVelho Sábio e a segunda, daanimaeaindapoderiamencarnaroLogoseoEros.

Gostaríamosde fazeraquiumaespeculação inteiramente livre.OsestudiososdaDoutrinaEspírita,interpretandoumapassagemdoEvangelhosegundoMateus(Mat.XI:12-15)naqualomestreidentificaJoão Batista e o profeta Elias como sendo o mesmo espírito, defendendo a tese de que Elias haviaencarnadocomapersonalidadedeJoãoBatista.Osespíritas justificamasua teseutilizando-sedeumprincípio identificado como a Lei de Causa e Efeito. Assim como Elias, em sua época havia pordegolação,muitosprofetasdeBaal,naencarnaçãocomoJoãoBatista,elesofreráomesmotipodemortequeoutroraimpuseraaseusadversários.

Relendo-seabiografiadeElias,oTesbita, encontramosumapersonagemchamadaJesabel, rainha,esposadoreiAcab.JesabeleraseguidoradodeusBaalemuitoestimavaosprofetasdestedeus.Assim,oatodeEliasfoiparaarainhaumaaçãoexecráveleeladizquematariaEliasdomesmomodoqueelemataraosseusprofetas.Elias,porém,nãomorreudegolado,umavezquefoi,emvida,arrebatadoaocéupor um carro de fogo. Teria Jesabel esperado tanto tempo para reencarnar como Salomé, filha (ousobrinha)deHerodíades,mulherdeHerodes,paradarotrocoaseuantigodesafeto?Ficaapergunta.69

Voltemos,porém,aonossoestudoprincipal.AscoisascontinuammuitodifíceisparaJungquandolheaconteceumfatonovo:apresençadeumpersonagemchamadoFilemon.Estapersonalidadeapareceu-lhea primeira vez emum sonho.Nesse sonho, Jung se encontra emum lugarmuito estranho.De repente,surgeaseuladoumseralado.Eraumvelhocomchifressemelhantesaosdeumtouro.Trazianamãoumfeixedequatrochavesepareciaqueiaabrirumaporta.Assuasasaseramquaseiguaisàsdeumpássaro,chamadomartim-pescador,inclusivecomascoresprópriasdaquelaave.

Jungficoutãoimpressionadocomestesonhoqueparanãoesquece-lo,fezumdesenhodasimagensprincipais.Poucosdiasdepoisdosonho,passeandoemseujardim,nasmargensdolago,encontrouummartim-pescadormorto.AquiloerainteiramenteinsólitoporqueaqueletipodepássaronãoeracomumemZurich.Ocorpodaaveaindaestavafresco.Deveriatermorridohápoucotempo,unsdoisoutrês,talvez.Nãohaviasinaisdeferimentoemseucorpo.

Em um segundomomento, Filemon passou a se intrometer nos pensamentos de Jung. O psicólogosuíçoafirmaqueFilemonrepresentavaumaforçaquenãoeradeseuinterior,parecendoumaforçaexterna, vinda de fora. Em imaginação (mentalmente) Jung conversa com este personagem e diz terpercebidocomclarezaqueera ele (Filemon)quem falava.Poucoapouco,nessas conversas,Filemoninforma a Jung a respeito da objetividade psíquica e da realidade da alma. A experiência com estapersonalidadeéinteressante.Sobreela,nosinformaJung:

Psicologicamente, Filemon representa uma inteligência superior. Era, para mim, um personagem misterioso. De vez emquando, eu tinha a impressão de que ele era quase que fisicamente real. Passeava com ele pelo jardim e o considerava uma

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espéciedeguru70nosentidodadopeloshindusaestapalavra.71

Estas palavras nos parece meio descabidas na boca (ou na pena) de um psicólogo de formaçãomaterialista.Ele,aomesmotempoqueconsideraFilemonumprodutodeseuinconsciente.TemcomeleumarelaçãomuitopróximadaquelaqueFranciscoCândidoXaviertinhaparacomEmmanuelouDivaldoPereira Franco, tem com Joana de Angelis. Tempos mais tarde, cerca de quinze anos depois destesacontecimentos,Jungrecebeuavisitadeumhindumuitocultoetevecomeleumaconversaentreogurueoseuchelah.72Emsuaautobiografia, Jungnarra a conversaque tevecomessehomem.Reproduzimosaquieste textopela importânciaqueelepossuiparaonossotrabalho.Noiniciodesuaconversa,Jungperguntaaohindusobreanaturezadesuasrelaçõescomoseuguruequaleraonomedele.OIndianorespondeu:

–Oh!Sim.EraChankaracharya.

–OSenhornãoestásereferindoaocomentadordosVedas?73Elenãomorreuháséculos?–Sim.Édelequeestamosfalando.Respondeuohomem.–OSenhorestáfalandodeumespírito?QuestionouJung.–Naturalmente.Concluiuoindiano.

Nesse momento, Jung diz ter se lembrado de Filemon. O indiano prosseguiu: “Há também gurusespirituais.Amaioriadaspessoastemgurusquesãohomensvivos,mashátambémasquetemespíritospormestres.”

Consideramos estranho que Jung tenha colocado em seu livro dememórias esta passagem.O quepretendiacomisso?Porquefezreferênciaaumapassagemquedizrespeitoàmeraopiniãodeumhomemsobre uma questão espiritual? Talvez, Jung tenha desejado colocar, na boca desse personagem umaopiniãosuasobreassuasrelaçõescomFilemon,opiniãoqueelepossuía,masquenãopodiaassumi-laabertamente.Talvez.Apenastalvez...

Gostaríamos terminado este capítulo de fazer algumas considerações sobre o que vimos até aqui.Recordemosque, ao iniciar estecapítulo lembramosquea separaçãoentreFreude Jung forabastantetraumáticaparaosegundo.Naquelemomentoinstaurou-se,emseumundointerior,umacrisefortíssima,marcada por uma sucessão de sonhos e desdobramentos no qual ele visita o plano espiritual e temcontacto com espíritos desencarnados que ele toma por imagens arquetípicas. Por meio dessasmanifestações,elefoiadvertidocomenergia,masnãoconseguepercebercomclarezaanaturezarealeoconteúdodessesavisos.Jung,emlugardeinterpretarcorretamenteoquelheaconteciaedeestudar,deum ponto de vista espiritual, aqueles fenômenos, prefere interpretá-los pela ótica doMaterialismo. Éneste momento que aparece Filemon para ajuda-lo a pôr alguma ordem no caos instaurado em seupsiquismo.

ÉrealmenteimpressionantecomoJungmesmo“esmagado”porumgrandenúmerodefenômenosdenaturezaclaramenteespiritualnãoserendeàsevidênciasesempreprocuraescaparpelaportalargadoMateralismo.VamosaumexemploemqueJungdeixaistomuitoclaro:

Redigindoasanotaçõesarespeitodeminhasfantasias,certodia,pergunteiamimmesmo:Mas,afinal,oqueestoufazendo?Certamente tudo isso nada tem a ver com Ciência. Então, do que se trata? Uma vozme disse: “o que fazes é arte.” Fiqueiprofundamenteimpressionadopoisnuncameteriavindoaoespíritoaidéiadequeasminhasfantasiasserelacionassemcomarte.Maspensei:Talvezomeuinconscientehajaelaboradoumapersonalidadequenãoéaminhaequedesejaexpressarasuaprópriaopinião.Eusabiaqueavozvinhadeumamulhereareconhecicomosendoadeumapaciente,umapsicopatamuitodotada que estabelecera uma forte transferência com relação a mim. Ela se tornara uma personagem viva de meu mundointerior.74

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Jungprocurareagircomrespeitoàcolocaçãofeitapelavoz.Procura,energicamente,explicaràquelavozmisteriosaqueelaestavaerradaequeoseutrabalhonãotinhaamenorrelaçãocomarte,contudo,avozinsistia:“Oquefazeséarte.”Eleesperouqueavozcontinuasseodiálogo,maselasilenciou.Eleentãoimaginouqueamulherquehaviadentrodele(ânima)nãohaviarespondidoporquelhefaltavaumcentrodepalavrae,então,propôsaelaqueusasseoseumecanismoverbalparaexporosseuspontosdevista.Elaaceitaapropostae fazuma longadissertação,apresentandooseumododeveroproblema.EstefatolevaJungàseguinteconclusão:

Sentia-me extremamente interessado pelo fato de que uma mulher que provinha de meu íntimo se imiscuísse em meuspensamentos.Refletique,provavelmente,setratassedaalmanosentidoprimitivodotermo.Pergunteiamimmesmoomotivopeloqualaalmaforadesignadacomonomedeanima.Porqueérepresentadacomosendofeminina?Compreendi,maistarde,queestafiguração feminina em mim correspondia uma personificação típica ou arquetípica do inconsciente do homem, designei-a pelotermoanima.Afiguracorrespondente,noinconscientedamulher,chameideanimus.75

Assim,apartirdeumfatoacontecidocomele,Junggeneralizaeestendeapresençadaanimaedoanimusa todosospsiquismosexistentes.Maisumavez,Jungracionalizaaquiloquenãoentendeequenão está disposto a ver de outro modo. Volto a registrar a minha admiração e a perguntar: como épossívelqueumapessoatãoenvolvidoscomconceitosbásicosdoEspiritismo,comoamediunidade,areencarnaçãoesuasconseqüências,mostre-setãoresistenteamudaressaleitura.

Semdesejar fazer qualquer tipode crítica a Jung, ou aoshomensde ciência emgeral, gostaria delembrarcomohomensdedicadosaoestudoditocientífico,deumfenômenoqualquerpodemsecomportarde um modo tão cego e fanatizado quanto o comportamento de alguns religiosos que esses mesmoshomenscriticam.Unssãofanáticospornadaaceitaremforadodiscursooficialdasciênciaseoutros,poraceitaremqualquercoisaimpostaporlivrossagradosouporlíderesdesuareligiãosemamenorcrítica.

Terminadoeste capítulogostariade lembrarqueobomsenso; ahumildade; a capacidadede estarsemprerevendonossospontosdevista;acoragemparafazermudanças;orespeitopelaopiniãoalheiae,principalmente,oamorpelaverdade;estejamondeestiverem,sãoqualidadesindispensáveisatodasaspessoasquedesejerealmente,estudarumassuntocomverdadeirahonestidade.

60Logia.Pórtico,arcada,varanda,lojamaçônica.Osentidoaquiseriaodevarandaoupórtico.61Onomemerovíngioserefereàprimeiradinastiadosreis franceses.TiraseunomedeMeroveu,personagemmalconhecidotidocomofilhodeClódio,oCabeludoqueéconsideradocomofundadordestadinastia.62JungOp.cit.p.15663Fatomediúnicoemqueomédiumdeixaseucorpoefazviagensastrais.64Nietzshe Friedrich (1844-1900). Famoso filósofo alemão autor do famoso livro Assim falava Zaratustra, entremuitos outros. Tendo sofrido umcolapsonasruasdacidadeitalianadeTurim,perdeudefinitivamentearazão.AoserinternadoemBasiléia,diagnosticou-seumaparalisiaprogressiva,provavelmentemotivadaporumainfecçãosifilíticacontraídaemsuajuventude.65HöolderlinFriedrich(1770-1843).Esquecidoporquase100anos,hojeévistocomoumdosmaiorespoetaslíricosdaAlemanha.Adescobertadeseuspoemasvisionáriosestabeleceuumadiscussãosobreoslimitesentreagenialidadeealoucura.66Jung.op.cit.p.15967Heróideumaepopéiaalemã.ACançãodosNibelungos68Jung.Op.cit.p.16069Recomendamosaleituradeduasobras:AQuedadosVéusdeAméricoDomingosN.FilhoeAHistóriadasIdéiasedosFenômenosEspíritas.Vol.IJoséCarlosLeal.Notado1ºEditor70EmSânscrito,gurusignificainstrutorespiritual,mestre,preceptornasdoutrinaséticasemetafísicas.Essapalavratambémseaplicaaomestredeumadoutrinaqualquer.71Jung.op.cit.P.16372Chelasignificamenino,masnestecasofoiempregadocomodiscípulodeumguru.73LivrossagradosdaÍndia,escritosemsânscritoeemnúmerodequatrolivrosousecções.SeriamesteslivrosrevelaçõesdeBhrama.74Jung.Op.cit.p.16475Jung.Op.cit.p.164

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Atéaquiseusouapalavrainconscientecomoseelafossedeinteirodomíniodoleitor,entretanto,julgamosnecessárioabrirumcapítuloparaestuda-lacomumpoucomaisdecalmaparaque sepossaentendermelhoroquesequerdizercomesteconceito.

Emprimeiro lugar,gostaríamosde lembrarqueo inconscientenão foiumadescobertadeSigmundFreudemuitomenosumacriaçãodestegenialpsicólogo.AspesquisasdeHenryEllemberg76eLanceloteWhyte77mostram que, hámuito tempo, já se sabia de uma dimensão do psiquismo humano do qual oconscientenão teriaomenorconhecimento.QuandoseestudamasculturasantigascomoadoEgito,aMesopotâmia, Grécia e Roma, principalmente em seus textos mítico-religiosos, encontram-se váriasreferênciasaumtipodeexperiênciaqueescapa,porcompleto,àconsciência.

AapóstoloPaulodemonstraumalutainterioreconfessaquenãoéinteiramentedonodesuasações,aodizer:“Euaindafaçoomalquenãoqueroenãopraticoobemquedesejo.”SantoAgostinho(354-430)umadasfigurasmaisexpressivasdaIgrejaCatólicanaIdade-MédiaeumdosmaioresfilósofosdoMundo Ocidental, confessou: “Não consigo apreender tudo quanto sou.” Agostinho parece muitointeressadonoscomportamentosqueescapamaoseucontroleconsciente.Emumaoutrapassagemdesuaobra,eleperguntasobreatéquepontoseriamoralmenteresponsávelporseussonhos.Colocadasessasprimeirasquestões,avancemosumpoucomais.

Semmaiores dúvidas, o primeiro filósofo daModernidade a quem se deve uma formulaçãomaisclaradanoçãodeinconscientefoiopensadoralemãoGottfriedvonLeibniz(1646-1716).78Leibniztratadesteassuntoaodesenvolverasuateoriadasmônadasqueeleconsideravafundamentodamatériaenãoos átomos.Asmônadas de Leibniz eram elementosmuito complexos, sendo, inclusive, inteiramentemateriais. Para ele, cada mônada seria uma unidade psíquica inestensa que, embora de naturezamental,possuíaalgumaspropriedadesdamatériafísica.Quandoalgumasdelasseagregava,criavaaextensão.79

Emtermosmuitogerais,asmônadaspoderiamserassociadasàpercepção.Leibnizacreditavaqueaatividade mental (ou das mônadas) possuíam graus diversos de clareza ou de consciência. Eleconsideravadoismomentosouetapasdepercepção.Aprimeirasechamavapequenaspercepçõesque,quandoatualizadas,transformamemapercepção.Osomdascascatas,porexemplo,éformadodaquedadasgotas individuais (pequenaspercepções)quenãosãopercebidas individualmentemasque,quandoreunidas em número suficiente, ganham extensão e formam a cascata, isto é, se transformam em umaapercepção.Haveria,portanto,segundoLeibnizumadimensãodoatodeperceberquenoséinteiramenteinconsciente.

Passou-semaisumtempo,parasermaisexato,cemanos,eentraemcenaofilósofoJohannFriedrichHerbart (1776-1841)80que, retomandoas idéiasdeLeibniz,criaoconceitode limiteoude limiaremrelaçãoàconsciência.Paraele,asidéiasqueficassemantesdolimiarseriaminconscientesumavezquenãopassariampelaconsciência.SegundoLeibniz,quandoumaidéiasetornaconsciente,elasetornaumaapercepção, istoé,algopercebidoantes,enquantopequenapercepção,seria inteiramente inconsciente.Herbart avança um pouco mais em relação a esta posição. Para ele seria impossível existir naconsciência idéias conscientes ou racionais com idéias irracionais. As idéias incoerentes, portanto,seriamexpulsasdaconsciência tornando-se inibidas (recalcadasemtermos freudianos).As idéiasqueforam reprimidas continuam a existir, mas em nível aquém do limiar e se transformam em pequenaspercepçõessegundoomododeverdeLeibniz.Essasidéiasrecalcadas,entretanto,nãoseconformamcomasuasituaçãoelutamparachegaràconsciência.

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GustavoFechner (1801-1887)81 foi um outro psicólogo que também se interessou pela questão doinconscienteecontribuiu,relativamente,paraacompreensãodessefenômenoeparaodesenvolvimentodeumateoriasobreele.FechnersevaleudateoriadolimiardeHerbartecriouametáforado“Iceberg”que,maistarde,Freudiriaperfilhar.Consoanteestaalegoria,amenteseriaumaespéciedeicebergcujapartedebaixo,sobaágua,ficainteiramenteoculta.Seriainteressantechamaraatençãoparaofatodeumpsicólogo objetivista como Fechner, ligado inclusive à formulações matemáticas na Psicologia, tercontribuídoparaumtipodepesquisasubjetivocomoaquestãodoinconsciente.

Uma outra dimensão para o estudo da dimensão inconsciente do psiquismo veio da parte de umestudiosoalemãochamadoKarlRobertEduardvonHartmann(1842-1906)que,em1868publicouumaobra intitulada Filosofia do Inconsciente. Discípulo mais profundo e independente de ArthurSchopenhauer(1788-1860)defendeatesedequeofundamentouniversaleúnicodetodasascoisaséoinconsciente que, ao evoluir segundo as leis do pessimismo, cria o Universo e todos os seres que ocompõem; o termo ideal dessa evolução é o nihilismo absoluto. A obra, escrita originariamente emalemão, foi logo traduzida para o inglês e para o francês. Este livro fez com que o conceito deinconscientefossebastantediscutidopelaintelectualidadeeuropéia.82

Esta primeira parte, pode-se dizer, trata da contribuição de filósofos e psicólogos à questão doinconsciente.Há,porém,umanovacontribuição,estaoriginadanaspráticasdahipnose,denominadonaépoca demagnetismo. O primeiro representante deste grupo foi ummédico de Viena chamado FranzAntonMesmer(1734-1815).Mesmertornou-sefamosoporcausadograndesucessoporelealcançadonotratamentodasdoençasdefundonervosopormeiodomagnetismo.Mesmerchamavaohipnotismodemagnetismoanimal.

Ainda no século XIX, surge em Paris, no Hospital Salpêtriere, um espírito notável que, naquelaencarnação,chamou-seJean-MartinCharcot(1825-1893)queseocupouemestudarahisteriavalendo-seda hipnose. Charcot conseguiu demonstrar com fartura de exemplos, que a paralisia histérica possuíacausas psicológicas. Ele costumava dar, no Salpêtriere, verdadeiros espetáculos pormeio da induçãohipnótica, conseguindoprovocarparalisias empessoasnormais.Nessas experiências,mostravaa seusalunos e colegas que, por meio da hipnose sugestiva ele conseguiu provocar em pessoas comuns:cegueira, surdez, paralisias, catalepsias e cisão da personalidade. Com isso, Charcot mostrava aexistênciadeumaáreadopsiquismohumanosobreaqualaprópriapessoanãotinhaamenorconsciêncianemqualquercontrole.Seriamuitooportunolembrarque,entreosalunosdeCharcot,encontrava-seumjovemmédicojudeuchamadoSigmundFreud.

Assim, segundo Anthony Stevens83 no final do século XIX, os psicólogos já haviam chegado aalgumasconclusõessobreoinconsciente.Sãoelas:

1. Aatividadeinconscienteexiste,masacontecedebaixodolimiardaconsciência.

2. Existem guardadas no inconsciente lembranças e percepções das quais não temos consciência,mas que, por meio da hipnose, podem ser recuperadas, dando origem a fenômenos curiosíssimoscomoahipermnésia,acriptomnésia,etc.

3. Muitashabilidadesqueadquirimosconscientemente,automatizam-seesetornaminconscientes.

4. O inconsciente possui uma função mitopoiética que é capaz de produzir sonhos, criar mitos,histórias, imagensesímbolos.Emestadopsicopatológicopodemdarorigemàalucinaçõesevárias

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ocorrênciasdehisterismo.

5. Oinconscientefuncionacomoumaatividadedinâmicaesubstituioconceitomesméricodefluidopelodeenergiamental.Estaenergiapodeser inibida,sublimadaoumesmotransferidoparaoutrosindivíduos.

6. Oinconscienteaindaéo responsávelpelofenômenodaspersonalidadesduplasemúltiplasquepodemafloraremdeterminadascircunstâncias.Vamos,emseguida,examinaracontribuiçãodeSigmundFreudaestetema.Bemnocomeçodeseu

trabalho, Freud acreditou que a vida psíquica se manifestava em duas dimensões: a consciente e ainconsciente.A parte consciente seria pequena, quase insignificante, representando a partemínima datotalidadepsíquica.VamosretomarametáforapropostaporFechner. Imagineo leitorumiceberg,umaenormemontanhadegeloflutuandosobreaáguadomar.Apartedecima,éavisíveleamenordasduas.

Abasedestamontanha,encontra-senofundodaáguaeénaturalmente,asuamaiorparte.Nametáforadequeestamosfalando,apartedecima,amenorevisível,seriaoconscienteeapartedebaixo,amaioreinvisívelrepresentariaoinconsciente.Napartedebaixo,segundoFreud,seencontramaspulsões,istoé,asforçasqueimpelemtodoocomportamentohumano.Alémdessasduasáreas,Freudreconheceuumaoutraqueelechamadepré-consciente,ouseja,áreaanterioraoconsciente.Noinconsciente,encontra-seomaterialrecalcadoenopré-conscienteexisteummaterialquefoisuprimido,masnãodeummodotãoradicale,porisso,podesertrazidoàconsciênciamaisfacilmente.

Coloque-seoleitornaseguintesituação:Vocêestáassistindoaumaconferênciae,derepente,vocêsedistraipensandoemumadiscussãoquetevecomumapessoanodiaanterior.Adiscussãoretornademodo a tirar a sua atenção à conferência. Este material que retornou a sua mente estava no pré-consciente.Omaterialrecalcadonoinconsciente,entretanto,nãoretornacomtantafacilidade.

Tempos depois, Freud refez a sua teoria e, abandonando a simplicidade bipolar consciente xinconsciente,criounovosconceitoscomo:Ego,IdeSuper-Ego.Emsuarevisão,oIdocupariaolugardoinconsciente,sendo,destemodo,apartemaisinterioremenosacessíveldapersonalidade.Nele,ocultos,estãoosinstintossexuaisagressivos,forçarecônditaspoderosíssimas.OId,conformeFreud,encontra-seisento de qualquermoralidade e, por isso, não conhece os juízos éticos; visa apenas a uma coisa: asatisfaçãodosprazeres.Nosistemafreudiano,existeumpostuladobásico:todoorganismotendeabuscaroprazerefugiràdor.AestatendênciadoId,FreuddeuonomedePrincípiodoPrazer.QuandoFreuddesenvolveua sua teoria sobreo Id,paradesigná-lodeu-lheonomedeES que equivale aopronomedemonstrativoneutrodalínguaportuguesa:Isso.EssetermotambémnãofoicriadoporFreud,maspelopsicólogoGeorgGroddek.84Em1921,GroddeckenviouaFreudomanuscritodeum livroqueestavaescrevendoequese intitulava:TheBookof Itquese traduzporOLivrodoIsso.Vamos ler um textosobreesteassuntoqueseencontranolivrodeSchultz&SchultzHistóriadaPsicologiaModerna:

A nossa energia básica ou libido está contida no Id e é expressa pormeio da redução da tensão.O aumento daenergialibidinalprovocaoaumentodatensãoquetentamosreduziraumnívelmaistolerável.Parasatisfazerasnossasnecessidades,emanterumníveldetensãoconfortável,temosdeinteragircomomundoreal.Quemtemfome,porexemplo,deve procurar comida para descarregar a tensão produzida pela fome. Uma ligação apropriada entre o Id e ascircunstâncias da realidade tem, portanto de ser estabelecida. O Ego designa aquilo que chamamos de razão ouracionalidade,emcontrastecomaspaixõescegasdoId.FreudchamouoEgodeIchque,emalemãosignificaEu.

EnquantooIdéoresponsávelpeloprincípiodoprazer,oEgoestárelacionadocomoprincípiodarealidade.Assim,oEgosetornaresponsávelpeloequilíbriodetodoosistemapsíquico,mantendoemsuspensãoasexigênciasdoIdcujagratificaçãoseriadanosa.OEgonãoexiste independentedoId,estando,constantementeempenhadoemproporcionar-lhesatisfações.FreudcomparouasrelaçõesentreoIdeoEgocomorelacionamentoentreocavaleiroeoseucavalo.O

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cavaloforneceaenergiaqueédirigidaparaocaminhoqueocavaleirodesejapercorrer.Contudo,aforçadocavalotemque ser constantemente guiada ou controlada para que não derrube ao cavaleiro no solo.Domesmomodo há que secontrolaroIdparaquenãoderrubeoEgonochão.85Vamos ao terceiro elemento, o Super-Ego. Esta dimensão do aparato anímico desenvolve-se na

primeira infância quando se inicia o processo educativo.Ospais, então, reforçamos comportamentosadequados e punem os inadequados. Os comportamentos errados se tornam partes da consciência dacriança, os comportamentos adequados ou desejáveis vão fazer parte do Ego-ideal, a outra parte doSuper-Ego.Assim,atravésdaeducação,asfigurasparentaisvãoseimprimindonopsiquismoinfantilospadrõessociaisvigentesnaquelacultura.Comacontinuidadedoprocesso,porém,oSuper-Egoassimilatudo aquilo que foi proposto e, a partir de então, exerce sobre a conduta uma espécie de controle.OtermoSuper-EgofoicunhadoemalemãoUber-Ichquesepodetraduzir,aopédaletra,comoSobre-Eu.

Assim competiria ao Super-Ego a atividade de controlar as pulsões do Id, consideradas comoelementosperturbadoresdoaperfeiçoamentohumano.Eleé, segundoopróprioFreud,umdefensordoimpulsorumoàperfeição.Destamaneira,diferentementedoEgo,oSuper-Egonãopretendeapenasadiaragratificação,maseliminá-la.VoltemosaotextodeScuhltz&Schultz:

Emconseqüência,háumconflitointerminávelnointeriordapersonalidadehumana.OEgoseencontraemposiçãomuitodifícil,pressionadoportodososladosporforçasinsistenteseopostas.EletemqueadiarosanseiosincessantesdoId;perceberemanipulararealidadeparaaliviaraexigênciasconstantesdoIde,aomesmotempolidarcomoanseiodoSuper-Ego.86

ComoC.G.Jungpensavaaquestãodoinconsciente?Deinício,podemosdizerque,emborapartindodasteoriasdeFreud,delasseafastouconsideravelmente.Jung,quejamaisrecusouotermopsiké(alma),dividiaesteconceitoemtrêsaspectos,partesoudepartamentos:oconsciente,oinconscienteindividualeo inconsciente coletivo.No centromesmodo consciente se encontra oEgo cujo conceito não émuitodiversodaquelequefoiapresentadoporFreud.Osegundotermo,oinconsciente,foioconceitoquemaiso impressionou e aquele ao qual dedicou todoo seu esforço intelectual.Era esta parte insondável dopsiquismodapersonalidadequeeledesejavadesvendar.Queriaconheceroinconscientemaisemelhor,poisali,muito,provavelmente,seachavaachaveparaacompreensãodaalma.Vamos,porém,caminharum pouco mais pelo sistema de Psicologia criado por Jung, também conhecido como PsicologiaAnalítica.

OconscienteindividualpropostoporJungnãoseopõeaomodeloapresentadoporFreud.ConformeL.P.Grinberg,emseulivroJungoHomemCriativo,porinconscientepessoal,devemosentender:Tudoaquilo que eu conheço, mas que, no momento, não estou pensando; tudo aquilo que eu tinha naconsciênciaemeesqueci;tudooqueosmeussentidospercebem,masquenãoépercebidoporminhamente; situações menosprezados durante o dia; conclusões que eu falhei em formular, críticas ecomentários pejorativos que não fiz; tudo o que involuntariamente sinto, percebo, penso, lembrodesejo e faço; idéias dolorosas recalcadas, afetos não permitidos e conteúdos que ainda não estãoprontos,maduros.87

Asexperiênciascontidasnoinconscienteindividual,seencontramagrupadas,naformadecomplexos.Entende-seporcomplexoumnúcleocarregadodeafetividadeoumaisdetalhadamente,grupodeidéiasemotivamente impregnadasquedesenvolvematividades inconscientesqueseencontramreprimidasemtodoouemparte.

Maisabaixo(nãosedevetomaraexpressãomaisabaixoemsentidotópicooulocal)encontra-seoinconsciente coletivo. Entende-se por coletivo o inconsciente não individual onde se encontram ospadrõesuniversais,instintosearquétipos.Continuaremosesteassuntonocapítuloseguinte.

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76Ellemberg.H.F.InTheDiscoveryoftheUnconscious(ADescobertadoInconsciente)NewYork197077WhyteL.L.UnconsciousbeforeFreud(InconscienteantesdeFreud)78Leibiniz,GottfriedWilhelm.Filósofo ematemático alemão.Seu racionalismo,muito difundido naAlemanhado séculoXVII, tornou-sea filosofiaacadêmicamaisinfluentedaépoca.ComonomederacionalismodeLeibniz–Wolfffirmou-sesobretudodepoisdeKant.OsistemadeLeibnizadmitia,porém,elementosdo irracionaleoconceitodesubconsciente.DescobriuoconceitodecálculodiferencialaomesmotempoqueNewton(NotadoEditor)79Schultz&SchhultzinHistóriadaPsicologiaModernap.3280Educadorefilósofoalemão.Criouosistemadeinstruçãocientífica,fundamentadonaPsicologiaeFilosofia.NotadoEditor81GustavTheodorFechnerformulouateoriasegundoaqualodualismoentrecorpoealma,própriodohomem,aconteceemtodasasesferasdouniverso.NotadoEditor.82 Seria interessante lembrar aqui que o livro Animismo e Espiritismo escrito por Alexandre Aksakof foi uma resposta a uma obre deHartmannintituladaoEspiritismo.83StevensAnthony.Jung,VidaePensamento.pag.3184Groddek(1866-1934).Médicoeescritoralemão.Preconizavao tratamentocomdietasemassagensparaproblemaspsíquicos.MantevegrandecorrespondênciacomFreud.85Schultz&Schultz.Pó.cit.p.34586Op.cit.34587GrinbergL.P.JungoHomemCriativoPág.81

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Adescobertaeanúnciodaexistênciadeuminconscientecoletivo,umaespéciedememóriadaraçaoumesmodaespéciefoiumadasmaisnotáveishipótesesentremuitasqueapareceramnaPsicologiadosúltimostempos.Houve,entretanto,(eaindahá)umaforteresistêncianosentidodeaceitarestemododeserdarealidadepsíquica.Quemotivosproduziramestaresistência?Aprimeiradificuldadeoriginava-senaposiçãoempirista,segundoaqualamentehumana,nomomentodonascimentoseriaumatabularasainquonihilestscriptum88 tábuaestaque,poucoapouco,vai sendopreenchidapelasexperiênciaepeloaprendizado.Jungcorajosamente,afirmouocontrário.Dopontodevistajunguiano,todaapersonalidadeempotênciajáseencontranacriançanomomentodonascimento.Omeio-ambientenãoé,portanto,umformadordapersonalidade,masapenasemdeflagradordoquejáexistenoindivíduo.89

Neste ponto de vista junguiano, temos uma postura que se poderia dizer bastante afinado com aDoutrinaEspírita.Espírito, ao reencarnar,vemcoma suapersonalidade, inteiramentedefinidae,paramanifestá-la, plenamente, dependerá apenasdamaturaçãodosórgãosdocorpo físico edas condiçõesoferecidas pelo meio-ambiente. Todo espírito, ao renascer, traz consigo um projeto de vida que elepretende desenvolver ao longo daquela encarnação. Poderá ou não ter sucesso pleno em seuempreendimento,masdeveráseguir,dentrodesuaslimitações,aquiloparaquenasceu.Ora,umpontodevistadestequedefendeoinatismo90dapersonalidadedeummodotãofranco,nãopoderiaserrecebidopelaselitesintelectuaisdoséculoXIXsemhostilidadeeincompreensão.

AsegundatemasuarazãodesernofatodeJungterchamadoosarquétiposdeimagensprimordiaisquederivariamdopassadohistóricodahumanidade.PorissoJungfoiacusadode,igualmenteaFreud,terbuscadoapoionasteoriasevolucionistasdeJeanBaptisteLamarck(1744-1829).Lamarcktinhacomocerta a possibilidadedeque as características individuais pudessem ser transmitidas aosmembrosdeumaespécie.EstamaneiradeveraEvolução,quetomouonomedeLamarckismo,haviasidopostaporterra há muito tempo, não só pelas teorias revolucionárias de Charles Darwuin (1809-1882) e pelasdescobertasnocampoGenética,feitasporGregorIhojannMendel(1822-1824)

Haviaaindaumaoutraquestãoquefuncionavacomoagravante:aoapresentarasuahipótesedeuminconscientecoletivo,repletodearquétipos,muitaspessoasimaginaramqueJungestivessetrabalhandocom conceito demasiadamente metafísico ou mesmo místico como a Alma Universal descrita pelofilósofoalemãoFriedrichWilhelmJosephvonSchillin(1775-1854).Essaidéiadeumpsiquismogrupal(almadegrupo)ébastantesedutorapois,atébempoucotempo,haviapessoasquedefendiamessepontodevista,acreditando-serespaldadopelopensamentodeJung.

A idéia do inconsciente coletivo, entretanto, para evitar uma aproximação indesejável com oLamarckismo foi buscar apoio auxílio junto aos etólogos,91 biólogos e psicólogos especialistas emcomportamentoanimal.Segundoessesespecialistas,cadaanimalnasceequipadocomumrepertóriocomportamentalque,emcontatocomomeio-ambientesurgemesedesenvolvemsemquetivessemsidoaprendidoanteriormente.Esserepertóriodependedemecanismos liberadores inatosqueosanimaisherdam em seu sistema nervoso central e que são condicionados a entrar em ação quando osestímulos, chamados sinais-estímulos se encontram no meio ambiente. Quando estes estímulos sãoencontrados,omecanismo inatoé liberadoeoanimalrespondecomumpadrãodecomportamento,adaptadoà situação.Ao se fazera concessãoparauma flexibilidademaiordeadaptaçãodenossaespécie,aposiçãoetológicaseaproximadavisãodeJungemrelaçãoànaturezadosarquétiposeoseumododeatividade.92

ParaaclararestetextodeStevens,julgamosinteressantedarumexemplodecomportamentoinstintivo

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complexoe,paratanto,usaremosocomportamentodasvespascavadoras(Amophilas),extraídodolivrodeGemellieZuniniIntroduçãoàPsicologia,publicadopelaEditoraIberoAmericanaem1972.Segundoessesautores,essavespa,durantesemanasbuscaumlugaradequadoparaquepossacavaroseuninho.Achado o lugar, cava umpequeno buraco vertical que se abre para uma câmara lateral e, finalmente,fecha provisoriamente o acesso ao poço com um torrão de saibro que se adapta, perfeitamente, aodiâmetrodoburaco.

Tendoterminadoestapartedotrabalho,avespasaiparacaçarumalarvaquedeverávariarsegundoaespécie da Amophila. Rapidamente, ela encontra o objeto de sua caçada, entra em luta com ele e,picando-ooimobiliza.Atécnicadaimobilizaçãosefazemtrêsfasesoumomentosdistintos:

1ªFase.Avespaatacaalarvacomasmandíbulaseoferrãodapartecentral,colocando-adecostas.2ªFase.Avespacomeçaabailaremtornodesuavítimae,deespaçoemespaço,vaiaguilhoando-a.3ªFase.Avespaagarraalarvapelanucaeamassageiacomenergia.

Acabandoamassagem,avespadevelevaralarvaparaolocalondehaviafeitooburaco,tarefaqueela realizou semdificuldades.Algumas espécies de vespas levam a sua presa voando, amaior parte,entretanto,ofazmontandonela,fixando-apelaextremidadeanterioreavançandocomalarvapresaentreaspatas.Emseutrabalhodetransportaralarva,avespa,muitasvezes,pareceterproblemadeorientaçãopois,nãoraro,eladeixaalarvaparaseorientar.

Chegandoaoninho,avespainspecionaolocal,retiraopedaçodesaibroqueserviraparavedaraentrada; limpao local, ali introduza larvae a empurra até a câmara lateral, emseguida,põeumovosobre a larva e fecha o ninho definitivamente com areia que ela soca com asmandíbulas.Depois dealgunsdias,nascea larvadavespaquesealimentaráda larvaquehaviasidoapresada.Algumtempodepois,alarvadaAmophilatorna-secrisálidaeociclorecomeça.

Comquemavespaaprendeuestecomportamentoassazcomplexo?Nãoaprendeu.Nasceucomele.Assim que as situações estimuladoras se apresentaram, o comportamento, que descrevemos, seexplicitou. Assim, o comportamento instintivo dos animais serviria de analogia para a teoria dosarquétipos doC.G. Jung.Teorizando destemodo, ele escapar, como já vimos, da teoria de Lamarck,defendendoatesedequeotermoarquétiponãosedestinaaindicarumaidéiainata,masumpadrãodecomportamento ou um modo de funcionamento que corresponde ao modo inato (não aprendido) docomportamento da vespa apresentada como exemplo. Este aspecto, vale apenas lembrar aqui, épuramentebiológico,relacionado,porconseqüência,comaPsicologiachamadacientífica.

Aestaaltura,pensoqueseriaútilfazerumapergunta:oqueéumarquétipo?DeixemosopróprioJungnosresponderestaquestão:

(...)Hábonsmotivospara se suporqueosarquétipos são imagens inconscientes dospróprios instintos, emoutraspalavras,sãopadrõesdecomportamentoinstintivo...Ahipótesedoinconscientecoletivonãoé,portanto,maisousadadeassumira existênciados instintos...Aquestãoéapenas essa: existemounão formasuniversaisdesse tipo?Se existem,então,existeumaregiãodapsiquequesepodechamaradeinconscientecoletivo.93

Assim, como se pode ver, Jung considera que a possibilidade de existir o inconsciente coletivoencontra-se relacionada comapossibilidadeda existência dos arquétipos.Como, porémele chegou aconclusão de que existiriam essas imagens que ele denominou arquétipos? Em primeiro lugar,gostaríamos de esclarecer que o nome arquétipo não foi uma criação de Jung, pois já se encontra emPhilon de Alexandria (13 a.C – 54 d.C) um filósofo judeu neoplatônico. A palavra ainda pode serencontradaemCorpusHermético,DeDionísio,oAeropagita,membrodoAreópagodeAtenasqueteria

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sidoconvertidopeloapóstoloPaulodeTarso;emIrineu,BispodeLyon(208-230)emSantoAgostinho(354-430).

Dopontodevistadoseusignificado,o termoarquétiposeanálogacomoutrosconceitoscomo:asformas imateriais de Platão (os eidos) existentes no Mundo das Idéias; os 31 motivos dos ContosPopularesqueforamlevantadospelofolclorista russoWladimirPropp;as representaçõescoletivasdaescola francesa;as idéiasaprioridoKantismo;osmodelosdecomportamentodosbehavioristaseosinvariantescognitivos.

A primeira vez que Jung usou esta palavra foi em um pequeno artigo intitulado Instinto eInconsciente,escritoparaumsimpósiodemesmonomepromovidonaAeristotelianSocyetepelaMindAssociationeaBritshPsychologicalSocietyemLondresnoanode1919.Vamos,porémaotexto:

(...)masaforaesses,noinconsciente,encontramostambémasqualidadesquenãoforamadquiridasindividualmente,porém, herdadas, isto é, os instintos enquanto impulsos destinado a produzir ações que resultam de uma necessidadeinterior, sem motivação consciente. Devemos também incluir as formas a priori, inatas da intuição, quais sejam osarquétiposdapercepçãoedaapreensãoquesãodeterminantesnecessárioseaprioridetodosospoderespsíquicos.94

Vamos, agora, com a permissão de nosso benevolente leitor responder a pergunta que fizemos hápouco:comoJungchegouàidéiadosarquétipos?Contaelepróprioque,em1906,quandotrabalhavanohospitalpsiquiátricodeBurgholzli,emZurique,encontrou,emumadasalas,umpacienteesquizofrênicoque olhava para o Sol com grande insistência. O doente, enquanto olhava para o Sol, piscava aspálpebrasemoviaacabeçadeumladoparaooutro.Jung,então,perguntouaeleoporquesecomportavadaquelemodoeohomemrespondeuque,aomoveracabeça,opênisdoSol tambémsemoviaequeopênissolareraaorigemdosventos.

Otempopassou,exatamente,quatroanos,semqueJungcompreendesseaimagemcriadapelodoente,atribuindo-aaumdelírioalucinatório.Em1910,porém,Jungencontrouumtextomitraicoquehaviasidotraduzidodepapirosgregosnaquelemesmoano.95Otextofaziareferênciaumtuboquepartiadodiscosolarequeseriaaorigemdosventos.Jungse lembrou,deimediato,doloucodeZuricheficoumuitoimpressionado. Como aquela idéia pertencente a uma religiãomuito antiga como oMitraísmo, haviachegadoàquelehomem,umapessoacomumesemqualquerconhecimentodereligiõesantigas,mitologiasou algo semelhante. Este acontecimento fez com que Jung pensasse na possibilidade de existiremelementosarcaicosemitopoiéticosnapsiquehumana.

Umaoutra questão se impõe em seguida: que imagens são essas?São arquétipos.Vamos conheceralgumasdelas.

ASombraArquétipoquerepresentaoladoescuro,inferioreprimitivodoserhumanoqueaindanãoseencontra

desenvolvido. A sombra é, portanto, o aspecto negativo da personalidade que, por motivos óbvios,deseja-se esconder e conservar oculto. A sombra é representada por imagens arquetípicas como: asbruxas e a madrasta dos Contos de Fada; os bandidos dos Contos Policiais; os seres noturnos epavorososcomoosvampiros,oslobisomens,osíncubos,96ossúcubos;97osextraterrestresinvasoresdenossoplaneta; seresmitológicoshorrendoscomoamedusa, asGréias,Equidna, aesfingeeassimpordiante.

AnimaeanimusO anima é o arquétipo feminino que existe no inconsciente masculino e animus é o arquétipo

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masculino que está no inconsciente feminino. A anima pode ser representada por uma princesa nosContos Populares; por uma sereia; por uma sacerdotisa; pela mulher fatal de certos romances; pelagrandes-Mães da Mitologia antiga ou pela mulher misteriosa que aparece em nossos sonhos e nãoconseguimos identificar. O animus aparece nos sonhos femininos como o príncipe encantado, o belocavaleiroquevemdelonge,otoureiro;ocaçadordaBrancadeNeveentreoutrasimagens.

OSelfEsteéoarquétipodetotalidadequepodeaparecercomooVelhoSábioouaVelhaSábiaeporuma

variedadeconsideráveldeformashumanaseanimais.

Pensoqueseriaoportunoaestaalturadenossotrabalho,discutiranoçãodoinconscientedopontodevista espírita. Para melhor entendermos esta questão, seria interessante fazer uma distinção entrepersonalidadeeindividualidade.Consideramosaalmaouespíritoencarnadocomoapersonalidadeeoespírito como individualidade. Assim, em cada encarnação, o espírito (individualidade) vive váriaspersonalidadesdomesmomodoqueoator,noteatro,ounocinema,aolongodesuavidaprofissional,representaváriospersonagens.

EstanoçãoinicialnoslevaresponderumacríticacostumeiraquesefazàreencarnaçãonaBíblia.Apassagem é a seguinte: os fariseus, com medo de que João Batista fosse Elias, profeta do antigoTestamento,queseriaoarautodoMessias,vãoatéBetabaradoJordãoondeJoãobatizava(mergulhavaaspessoas).Alichegando,osfariseusperguntamaJoãoseeleeraounãooEliaseeledizquenãoera.Ora, como se sabe, João havia, emuma de suas vidas passadas havia sido o profetaElias.Como osdefensoresdareencarnaçãoexplicariamisso?

NaquelemomentodahistóriadaqueleespíritoeleviviaapersonalidadedeJoão,filhodeZacariaseIsabel, embora, no passado houvesse animando a personalidade de Elias, o Tesbita e outras que nósdesconhecemos.AperguntaéfeitaaJoãoeéclaroqueelenãopoderiadizerqueeraoElias.Elehaviasido,masnaquelemomentonãoera.AFrase tambémmuitocitada: só semorreumavezéverdadeiraparaapersonalidade,masnãoparaaindividualidade.

Emfunçãodaslimitaçõesdamatéria(corpo)edanecessidadedeesquecimentoqueoespíritotememcadaencarnação,aindividualidadenãoconsegueseexpandircompletamente,restandoaindaaspectosdade sua intimidade espiritual a qual, enquanto encarnado ele próprio não tem acesso. O notávelpesquisadorHermínioC.deMirandachamaesseaspecto,poranalogiacomocomputadorde“arquivomorto”.Estadimensãodoespírito,aosernotadopelospsicólogoseoutrosestudiososdamentehumanafoichamadodeinconsciente.

Porestemotivo,oespíritoencarnado(almaoupersonalidade)parececonvivercomumoutro(vamoslembrarapersonalidadesnúmerodoisdeJungesuamãe)dentrodelemesmocomoqualnãopossuiumarelaçãoconsciente.Comoestamosvendonãosetratadedoisespíritos,masdedoismodosdeserdeumúnico espírito. Hermínio C. de Miranda desenvolve em seus belos livros A Memória e o Tempo eAlquimiadaMente,ahipótesesegundoaqualaalmaoupersonalidadeatuarianohemisférioesquerdodocérebro,responsávelpelavidaconscienteenquanto,nohemisfériodireitoestariaochamadoarquivomortoouvidainconsciente.

Em resumo, paraHermínio a relação cérebro /mente seria feita do seguintemodo: no hemisférioesquerdoondegovernaaalma,estariaapersonalidadeconsciente,osmecanismodacondutaracional,alinguagem verbal. O hemisfério esquerdo é, portanto, caracterizado pela transitoriedade, identificado

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peloverboESTAR.Noladodireitoestariaadimensãoinconsciente,aintuiçãoealinguagemnão-verbaledenaturezasimbólica.Estaáreacaracterizadapelaestabilidadeepermanênciaé identificadacomoverboSER.

Éimportantetambémquenãoseesqueçaafunçãodoperispíritonessesistema.Tratandodestetema,escreveuErmínioC.deMiranda:

A opção óbvia é a que favorece o perispírito como depositário dos arquivos da alma. Em dispositivos, cuja estrutura efuncionamento ainda desconhecemos, são transcritos os eventos que constituem a memória de cada existência na carne.Formulamos,alhures,neste livro,ahipótesedequeessas transcriçõesocorriamnavizinhançadamortedocorpo físico,doque,resulta,àsvezes,ofenômenodarecapitulaçãoaquealudimos.

Propusemos, igualmente, que a memória da última encarnação vivida na carne continua nosubconsciente e, portanto, com acesso fácil ao que chamamos de cabeçote de gravação / leitura doconsciente, pois o ser sobrevivente continua, não somente a pensar e a viver novas experiências nomundopóstumo,comotambémarecordar-sedosespíritos;daspessoasqueconheceu;dasemoçõesqueexperimentou;doaprendizadoqueacumulou;dasexperiênciasquecolheu.

Logoosistemaconsciente-subconsciente-inconscientesegueoperandotalcomonotempoemqueoser esteve na carne. Os espíritos mais avançados e de maior experiência poderão até mesmo teracessoàmemóriasanterioresdepositadasnoarquivomortodoinconsciente;ocomum,nãoobstanteéapenaslembrar-sedaúltimaexistênciaqueseprolonganomundopóstumo.Essacamadadememóriaouesse“cassete”somentemergulhanosespaçosmaisresguardadosdoinconscientequandoseiniciaumanovaexperiêncianacarne.98

Segundo essas considerações, o perispírito seria o veículo de toda a programação do espíritoencarnado.Estudando-seaDoutrinaEspírita,fica-nosumasensaçãodeperdaporquepercebemos,muitofacilmente, oquanto a psicologia acadêmica teria evoluído se levasse emconsideração as infrmaçõesqueosespíritostrouxeramparanósequeAllanKardeccodificouemumadoutrinacoerenteeracional,e,antes de tudo,Ética.Odesconhecimentopor arte daPsicologia oficial, das verdades do espírito, temfeitoospsicólogos(epsiquiatras)andarememcírculocomoosantigosnavegadoresqueorientavamsuascaravelasemnavegaçõescosteirassemsearriscaremnomaralto,entretanto,apenasnabuscadomaratoéqueseencontramnovasterras.

88Lousavazianaqualnaestáescrito.89Estetipodeidéiafoidesenvolvidoemumlivromuitointeressanteescritopelopsicólogojunguiano,JamesHilman.OCódigodoSer,publicadoem1997pelaeditoraObjetiva90Doutrinaqueadmiteaexistênciadeidéiasouprincípiosindependentedaexperiência.NotadoEditor.91EspecialistasemEtologiaoupartedeEcologiaquetratadoshábitosdosanimaisedaacomodaçãodosseresvivosàscondiçõesdoambiente.92StevensAnthony.Jung,VidaObraePensamento.p.6093Jung.CollectedWorks.Vol.IX.OsArqyuétiposeoInconscuientecoletivo.1959pp91-9294InLeal,JoséCarlos,OUniversodoMito.P.12095ApalavramitraicoderivadeMitra,grandedivindadesolardeorigempersa,gêniodoselementosdanaturezaejuizdosmortos.Tornnou-secentrodeumareligiãodemistériosqueseexpandiupelaGréciahelenísticaeImpérioRomano.96Demônioemformamasculinaquecopulacomasfeiticeiras97Demônioemformafemininaquecopulacomhomens.98Miranda,HermínioCorreiade.InAMemóriaeoTempo.4ªediçãopág47.

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AntesdeentramosnosSeteSermõesaosmortos,serianecessáriaumanota,aindaquemuitobreve,sobreoconceitodeGnose.

OqueéaGnose?Estaéumaquestãonadafácildeserrespondida.Arigor,oGnosticismosnãoéumaescola deFilosofia e nemuma seita religiosa,mas ummovimento difuso com algumas característicassemelhantes,emboracommodalidadesbastantedistintasdemanifestação.AocontráriodoCristianismoPrimitivo que foi um movimento de massa, nascido nas comunidades pobres do Oriente e com umaproposta específicaparaosdeserdadosdaTerra;oGnosticismonasceue sedesenvolveuno seiodaselitesondeprocurouassociar-seàFilosofiaGregaeaoNeoplatonismotendocomobaseumsentimentomais ou menos complexo de aspirações religiosas alimentadas por uma rica fantasia. A essas elitespreocupava,principalmenteoproblemadomaledadorqueassolamohomememsuacaminhadanesteplaneta.Emlinhasgerais,oGnosticismopossuiasseguintescaracterísticas:

• ExisteumDeustranscendente,absolutamenteseparadodomundomaterial.Estadivindadeéinfinita,perfeitíssima, inacessível, vivendo em uma tranqüilidade total e quase em completa inatividade.Infinitamentebomejusto–opróprioAmornodizerdeJoãoEvangelista–esteDeusnãopodetercriadoomalnassuasmúltiplasmanifestações.Tambémnãocriouomundoenemmesmoamatéria.Não possui com a realidade objetiva a menor relação, pois, se tal fosse possível, por certodegradariaasuanaturezaelevadíssima.

• Estaconcepçãodedivindadetranscendentegera,porconseqüência,umespaçovazioentreDeuseoMundo Sensível. Para preencher este vácuo, os gnósticos criaram um conjunto de seresintermediárioentreomundoeaDivindade.Essesseressãoprodutosdaemanaçãodivina,formandoumasérieescalarquevaidescendoatéchegaraoDemiurgo,queéocriadordoCosmoSensível,comoacontecenoPlatonismoClássico.

• Estes elementos produzidos pela emanação da Divindade são chamados Eons, cujo conjuntocorresponde,maisoumenos,aoMundodasIdéiasdoPlatonismo.AdiferençaentreoGonosticismoe o Platonismo é que o primeiro colocaDeus acima das idéias e o segundo privilegia as idéiassobre a Divindade. Acresce-se, ainda, que, de fato, nos sistema gnóstico, inclui-se o conceitofilonianodeLogosrelacionadocomoconceitocristãoderedenção.

• OMundoSensívelouMundoMaterialocupaoúltimolugarnaescaladosseresexistentes.Todososgnóstico,ligadosaoPlatonismo,viamoMundoMaterialcomextremopessimismo.Alémdosseresmateriais serem simples cópias dos seres espirituais, aparências vazias e sem substância, esteMundoSensíveléconsideradocomoaorigemdomal.

• Amatéria, por ser essencialmente má, não pode ter a sua origem na Divindade porque Deus éessencialmentebom.Namaioriadasseitasgnósticas,oordenadordomundomaterial,istoé,oserqueexerceafunçãodeDemiurgoéomesmoJeovádoVelhotestamento.

• Ohomemécompostodedoiselementosopostos:matériaeespírito.ComonoPlatonismoClássico,aalmaprocededoMundoSuperioreseencontraaprisionadanamatéria.Estaprisão,todavia,nãoéeternapoisaalmaécapazdesalvar-seevoltaraoseumundodeorigemdesdequepurificadadosresíduostrevososdamatéria.Nestacrençatembaseoascetismomoralcujafinalidadeéeliminarasforçasnegativasqueaprisionamaalmaaocorpomaterial.Nem todos os gnósticos, contudo, estavamde acordo com respeito à necessidadedo ascetismo

comomeio de purificação da alma. Assim, enquanto algumas correntes gnósticas exageravam nas

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práticas ascéticas, outras comoosCarpocraceanos, entregavam-se a todos os prazeres damatéria,defendendoatesedequeoespíritoémuitofracoparasesubtrairaosapelosdamatéria.

Comoohomempoderia salvar-seno sistemagnóstico?Emregrageral,nãopodecontar comoDeusTranscendente,mascomseupróprioesforçoecomaçãodealgunsEonsmissionárioscomoOLogosJesusouoSóter(Salvador).

OsSeteSermõesaosMortosEste é episódio fundamental para a nossa tese. Trata-se de um fato estranhíssimo, precedido de

eventos insólitosequeculminacomaproduçãodeum textoescritodemaneirapoucoconvencionaleinexplicávelpelasteoriaspsicológicastradicionais.OtextodosSeteSermõesaosMortosfoiescritoemumbreveespaçodetempoentreodia15dedezembrode1916e16defevereirode1917.Vamos,então,conheceresteacontecimentodesdeoinício.

Tudocomeçoucomumaespéciedeinquietação,dizopróprioJung.Eraumasensaçãoestranhaqueele não podia explicar. Em sua casa, a atmosfera estava pesada como se estivesse povoada de seressobrenaturais.AfilhamaisvelhadeJungcontouaopaiquehaviavistoumaformabrancaatravessarasala.Umaoutrafilha,semsaberoqueaconteceraàprimeiradisseque,naquelanoite,ascobertasforamarrancadasdeseucorpopormãosinvisíveis.

OfilhodeJung,entãocomnoveanos,teveumpesadelo.Pelamanhã,aoacordar,omeninopegouumlápis-de-coredesenhouosonhoquehaviatido.Nafiguradesenhadapelogaroto,apareceumpescadorcomseucaniçoqueacabadepescarumpeixe.Nacabeçadopescadorexisteumaespéciedechaminéondecrepitamchamaseevolafumaça.Odiabo,vindodaoutramargem,chegaeprotestadizendoqueosseuspeixesestãosendopescados.Sobreacabeçadopescadorpairaumanjoquefala:“Nãolhedevesfazermalalgumporqueelesópescapeixesmaus.”Estesonhosedeudanoitedesextaparasábado.

Osdias sepassaram semque a sensaçãode angústia diminuísse.Deixemos, porém, a narrativa aopróprioJung:

Nodomingo,àscincohorasda tarde,acampanhiadaportadeentradasoou insistentemente.Eraumdiaclarodeverãoeasduasempregadasestavamnacozinhadeondesepodiaveroquesepassavanoespaçolivrediantedaporta.Eu estava relativamente próximo à campanhia, ouvi quando ela tocou e também pude ver o badalo em movimento.Imediatamente, corremos à porta para ver quem era, entretanto, ninguém havia. Nós nos entreolhamos estupefatos. Aatmosferaestavaterrivelmenteopressiva.Percebiquealgoiaacontecer.Acasapareciarepletadeumamultidão,comoseestivesse cheia de espíritos. Estavam por todas as partes, até mesmo debaixo da porta. Mal se podia respirar.Naturalmenteumaperguntaardiaemmim:emnomedocéu,oquequerdizerisso?Houve,entãoumarespostauníssonaevibrante:nósvoltamosdeJerusalémondenãoencontramosoquebuscávamos.EssaspalavrascorrespondemàprimeiralinhadosSeteSermõesaosMortos.99

Apartirdestesacontecimentos, Jungelevadoaescreverum texto,pode-sedizer,compulsivamente,textoesseque,comojávimoslevaotextoemlatimdeSeptemSermonesadMortuos.Oque,porém,mais espanta nessa obra é o complemento ou subtítulo onde se lê o seguinte: “Sete exortações aosMortos,escritaporBasilidesdeAlexandria,acidadeondeoOrienteeoOcidentesseencontram.”

Vamos abrir aqui um espaço para dizer ao leitor quem foi Basilides. Este personagem nasceu emAlexandria,masfoiinfluenciadopelagnosesiríaca,atravésdognósticoMenandro.EnsinounotempodoImperadorAdriano(127-138)eAntônioPio(138-161).ConhecemosasuadoutrinaatravésdeIrineudeLioneHipólito;entretantoessasduasversõessãotãodiferentes(quaseantitéticas)quesedeveevitarvê-las em conjunto. A principal preocupação de Basilides era a existência do mal, já que não se podeatribuiraexistênciadomalaobomDeus.EmsegundolugarestavaapreocupaçãocomaSoterologia,ou

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seja,adoutrinadasalvação.DestaduplapreocupaçãonasceuumacosmologiaquepretendeexplicaraorigemdoUniverso.Votemos,porém,àJung.

Aprimeiraperguntaquenosocorreaquiéaseguinte:EmqueconsisteessetextodeC.G.Jung?UmaleituranãomuitoprofundadeOsSeteSermõesnosrevelaumaspectonotável:trata-sedeumtextocomascaracterísticasdaGnosedoséculoIIdepoisdeCristoecomalinguagemdoGnosticiosmodaquelaépoca. Naquele tempo, Jung ainda não possuía um conhecimento detalhado daquele movimento paraescrever um texto que, pelo menos lembrasse o estilo gnóstico de então e, muito menos ainda, o deBasilides.Comoexplicarumfenômenodestanatureza?

Por certo, nada podemos fazer emum caso como este alémde formular hipóteses e formularemosduas. Em primeiro lugar, podemos tomar os Sete Sermões como uma obra psicografada pelo próprioBasilides tendo Jung comomédium psicógrafo. Como vimos até aqui, Jung possuía várias faculdadesparanormaisoumediúnicasenãoseriadetodoimprovávelqueeletivessetambémadapsicografia.Emsegundolugar,podemosadmitirtambémapossibilidadedeumfenômenoanímicoe,assim,otextoseriaresultadodaslembrançasdevidaspassadasquandoJungviveuemAlexandriacomoBasilidesoucomoumdeseusdiscípulos.Emfavordessahipóteses,temosfatosdaprópriavidadeJungqueparecemecosdeexistênciasemtemposrecuados.

Comodissemoshápouco,Basilidesestavamuitopreocupadocomaidéiadomal.Repugnava-lhequeemumUniverso criadopor umDeus bom, sábio e justo pudesse ter criadoummundoonde impera amaldade e a injustiça. Esta, vale a pena lembrar, foi também uma das preocupações constantes dajuventudedeJung.EletambémtinhadificuldadeemconciliaranoçãodeDeusquelhevinhadateologiacatólico-reformada e a presença domal nomundo, inclusive na própria natureza onde nemmesmoosanimaiserampoupadosdainjustiçaedaviolência.

ÉaindapossívelargumentarqueJung,emumaoumaisdesuasvidaspassadas,houvesseencarnadoemcomunidadesheréticas comoos cátarosondeoGnosticismoprosseguiu e sedesenvolveudeoutromodo.Ora,aIgrejaCatólicadestruiu,impiedosamente,aferroefogo,essasheresias,principalmente,oCatarismo.IssopoderiajustificaraatitudededesconfiançaqueJungdemonstrounainfância,contraosjesuítas, os padres em geral e o próprio Jesus Cristo. Além disto, algumas idéias de Jung são tãoestranhas ao nosso tempo que alguns de seus admiradores (e também os opositores) chamam a suapsicologiadeneognosticismo.

Emseulivro,AGnosedeJungeosSeteSermõesaosMortos,StephanA.Hoellerapresenta,umadescriçãointeressantíssimadeJungquevaleàpenaregistraraqui:

(...)ODr.JungéumvidenteeummísticonoestilodosmagosdoRenascimento.Sei, jáháalgumtempo,queexistenelealgomaisdoquepercebemosolhosacadêmicos.Entreseusamigosecolaboradoresexistempessoascominteressespeculiaresenãoconvencionais.Fuiinformadodequeumdeseusdiscípulositalianoéteosofistaenquantoumseguidoringlês,tambémmédico,tornou-seseguidordeumfeiticeirorusso.Devehavertambémalgumvínculoentreeleeogrupofundado pelo místico austríaco Rudolf Steiner100 com sede na Suíça. Quase todos nós sabemos que o Dr. Jung erafascinadopeloespiritualismoequeobteveoseudoutoramentoescrevendoumatesesobreosfenômenosocultos.Algunsacreditamqueelesejaumpagãoespiritualista,enquantooutrosoacusamdetenderparaoCristianismo.101

ComoJungviaestaobra?Temposmais tarde,quando interrogadosobreeste textoestranho,ele selimitou a dizer entre dentes que havia sido uma “indiscrição juvenil”. A afirmação é, no mínimo,inusitadaselembrarmosque,em1916,quandoosSeteSermões foramescritos,Jungnascidoem1875,estavacom41anos,oque,convenhamos,nãoéumaidadequesepossachamardejuvenil.AnielaJafé,uma de suas discípulas mais fiéis e conservadoras, a mesma que copilou os textos de Jung para apublicação do livro autobiográficoMemórias, Sonhos e Reflexões gostava de perpetuar o mito da

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“indiscrição juvenil”. Por seu turno,Marie - Louisie von Franz, outra discípula de Jung (e damaiorimportância)nãovianaquelaobradomesmomodoe evitavaconsidera-lauma tolice juvenil.LembraHoellerqueumacomissãodejunguianos,reunidaemLosAngeles,Califórnia,em1975,comemorandoocentenáriodeJung,considerouosSeteSermõesaosMortoscomoabasedaPsicologiaAnalítica.

Háaquiumaquestãoaselevantar:porqueJungnãosedesfezdesua“indiscriçãojuvenil”?Porquenão a guardou consigo, a sete chaves, exigindo que só fosse publicado depois de suamorte, como ofizeramalgunsescritorescujostextoselesconsideraramcomprometedores?Não.Elenãofezisso,muitopelocontrário,elefezumaediçãoparticularparaumgrupodeseusamigosíntimosquelogofoitraduzidaparaalínguainglesa.

Emverdade, Jung sempre estevemuito interessadonoGnosticismo.Ainda em1912, emumacartaescritaaFreud,datadade12deagosto,ele fazumafrancaeabertaapologiaaopensamentognóstico.Nessa carta ele chama a Gnose de sofia (sabedoria) e fala da contribuição que ela poderia dar àPsicanálise.ÉmuitoprovávelqueFreudnãotenhadadoaoassuntoamesmaimportânciadadaporJung.Até aquela época, a literaturagnóstica comque Jung tivera contatoprovinhade fontes indiretas comoalguns textos de eruditos alemães do naipe Leisemberg, Carl Smith e de estudiosos francêses comoJacquesMattereAnatoleFrance.Estetipodeleitura,postoquedesegundamão,levouJungatermuitomaisdoqueummerointeressepelaGnose.Àsvezes,elepareceter,paracomaquelessábiosantigos,umaprofundaafinidade.BárbaraHanahnarraque,certodia,Jungteriaditocomrespeitoaosgnósticos:senticomose,finalmente,houvesseencontradoumcírculodeamigosquemeentendiam.Issomesmo,um círculo de amigos de vidas passadas que o entendessem e que ele encontrava de novo através detextosquechegaramaoséculoXIX.

Havia,contudo,umproblema:ostextossobreGnosetinhaasuaorigememumaliteraturadesegundamão,origináriadospadresdaIgrejaCatólica,IrineueHipólito,textosfragmentadosedemasiadamenteideológicos que distorciam a verdade sobre aGnose para servir a interesses doClero. Esta situaçãomelhorou,sensivelmente,comadescobertadaBibliotecadeNag-Hammadiquesedeuem1945.Vamostratarumpoucodestadescoberta.

Emdezembrode1945,umrapazárabe fezumanotáveldescobertaarqueológicana regiãodoAltoEgito,pertodacidadedeNag-Hammadi,emumaregiãomontanhosaondehaviacercade150cavernasincrustradas.Odescobridor,umcamponêschamadoMuhammed-Al-Salmmam,foioresponsávelportervindo à luz uma verdadeira biblioteca gnóstica pertencente, segundo se soube, mais tarde a umacomunidade gnóstica que existiu ali nos primórdios da Igreja Primitiva. Na coleção de textos, havia,entre outros:OEvangelho de Tomé, apóstolo; o Evangelho de Filipe; O Evangelho da Verdade; OEvangelho dosEgípcios;OLivro Secreto deTiago;OApocalipse dePaulo;AEpístola dePedro aFilipeeOApocalipsedePedro.

CarlGustavJunginteressou-se,vivamenteporessadescobertacomoeradeseesperar.Foiumamigode Jung,oprofessorGillesQuispelque traduziuos livrosdeNag-Hammadi.Quispel afirmouque, deuma certa feita, a participação de Jung foi fundamental para a publicação e divulgação da bibliotecagnóstica.

Façamos,agora,umesforçodeimaginaçãoeveremosJungcaminhandopelasruasapinhadasdegenteindonadireçãodagrandebibliotecadealgumtemplo.Provavelmentevestiaumafiníssimatúnicadelinhoegípcio;talvezestivesseindofazerumaconferênciasobreoDeuspotentíssimoeassuasrelaçõescomoDemiurgo,talvezdesenvolveráperanteaosseusdiscípulosumateoriacomrespeitoaosEonsqueforam

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emanadosdaInteligênciadivina;tudoisso,naturalmente,éumesforçodeimaginaçãoenadamais,comele,desejamosexplicar,nãosóaorigemdosSeteSermões,comooamorqueJungmantevedurantetodaa sua vida pelo pensamento gnóstico.Verdade: fantasia?Uma tese puramente imaginária, um romancesubliminarcomodiziaTheodoreFlounoy?Todasessasperguntasficamnestetextocomoumdesafio,nãoàsnossascrençasindividuais,masànossacapacidadedeprocuraraverdadeondequerqueelapossaestar.Àguisadecuriosidade,vamosreproduzir,fechandoestecapitulo,osegundodessessermões.

Osmortosseergueramduranteanoitejuntoàsparedesegritavam:“QueremossabersobreDeus.OndeestáDeus?Deusestámorto?”

Deus não estámorto; ele está tão vivo quanto sempre esteve.Deus é omundo criado àmedida, algo definido, é,portanto,diferenciadodoPleroma.102DeuséumaqualidadedoPleromae tudooqueafirmeisobreomundocriadoé,igualmente,verdadeironoqueaEleserefere.

Entretanto,Deussedistinguedomundocriado,poisémenosdefinidoedefiníveldoqueomundocriadoemgeral.Eleémenosdiferenciadodoqueomundocriado,porqueaessênciadeseuseréefetivaplenitudeeésónamedidadesuaindefinição e diferenciação que Ele é idêntico ao mundo criado; portanto, Ele representa a manifestação efetiva doPleroma.

Tudo o que não diferenciamos se precipita no Pleroma e anula-se com seu oposto. Portanto, se não discernirmosDeus,aplenitudeefetivaelimina-separanós.DeusétambémopróprioPleromadamesmaformaquecadaumdospontosmaisminúsculosdentrodomundocriadoconstituiopróprioPleroma.

Ovazio efetivo éo serdodemônio.Deus e odemônio sãomanifestaçõesdonadaaque chamamosPleroma.Nãoimporta se o Pleroma existe ou não, porque se anula em todas as coisas.Omundo criado, entretanto, é diferente. NamedidaemqueDeuseodemôniosãoserescriados,elesesuprimemmutuamente,masresistemumaooutrocomoopostosativos.Nãonecessitamosdeprovasdasuaexistência;bastaquesejamosobrigadosafalarsempredeles.Mesmoqueelesnãoexistissem,osercriadodevidoasuapróprianatureza,osconduziria,continuamenteaoPleroma.

Tudo se origina no Pleroma pela diferenciação que constitui pares opostos; portanto Deus sempre tem consigo odemônio.

Comoaprendeste,esse inter-relacionamentoé tão intimo, tão indissolúvelemnossasvidasqueseapresentacomoopróprioPleromanoqualtodososopostosseanulameseunificam.

Deuseodemôniodistinguem-sepelaplenitudeepelovazio,pelageraçãoepeladestruição.Aatividadeécomumaambos.Aatividadeunifica-os.Eisporqueacimadeambos,sendoDeusacimadeDeusporunificaraplenitudeeovazioemseutrabalho.

Há um Deus sobre o qual nada sabeis porque os homens se esqueceram dele. Nos o chamamos por seu nome,Abraxas.EleémenosdefinidodoqueDeuseodemônio.ParadistinguirDeusdele,chamaremosaDeusHélioouSol.

Abraxaséaatividade;nadapoderesistir-lhe, excetoo irreal, e,assim,o seu serativo sedesenvolve livremente.Oirreal não existe, portanto não pode, de fato existir. Abraxas permanece acima do Sol e acima do demônio. Ele é oimprovávelprovávelqueépoderosonoplanodairrealidade.SeoPleromapudesse terumaexistência,Abraxasseriaasuamanifestação.

Emboraelesejaaprópriaatividade,nãoconstituiumresultadoespecífico,masumresultadogeral.Elerepresentaanão-realidadeativaporquenãopossuiumresultadodefinido.EleéaindaumsercriadoàmedidaquesediferenciadoPleroma.O sol exerce um efeito definido, assim como o demônio; portanto eles se apresentammuitomais efetivos do que o

indefinívelAbraxas.Poiseleépoder,persistênciaemutação.Nessemomento,osmortosprovocamumagranderebeliãoporqueeramcristãos.103

99JungMemórias,SonhoseReflexõespág.169100SteinerRudolf(1861-1925).Filósofoaustríaco.CriadordaAntroposofia,defendiaatesedaexistênciadeummundoespiritualcompreensivoaopensamentopuro.NotadoEditor101Hoeler.Op.cit.p.24102NosistemagnósticodeValentim,Pleromaéomundosupraceleste.ImersonelevivemoPneumaeaLuz.Estáintegradoaindaporumconjuntode30Eons,distribuídoemtrêsseçõesdistintas:Ogdôada,DécadaeDodécada103Hoeller.In.GnosedeJung.pg91

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Em1922, em um local encantador (e encantado?) perto damargem superior do lagoZurich, emBollingen,noDistritodeSaintMeinradque,nopassado,haviapertencidoàantigaIgreja,propriedadedavelhaabadiadeSaintGall,Jungcomprouumpedaçodeterra.Deinício,eleimaginouchegaraliumtipodemoradarústica,quasecomoasprimitivascabanasafricanas,quelheservissedeabrigoparaocorpoeparaaalma.Depois,abandonouestaidéiaeresolveufazerumacasacomooutraqualquer,emboragrandee confortável. Destemodo, no ano seguinte, naquele lugar, se ergueu a casa de Jung e, só depois deconstruídafoiqueelepercebeuquearesidênciahaviatomadoaformadeumatorre.

A torre lhe pareceu uma ótima descoberta. Ela lhe transmitia uma sensação de paz e de conforto,comonãohaviaimaginadoantes,entretanto,eleimaginavaquefaltavaaindaalgumacoisanacasa,porisso,quatroanosmaistarde,em1927,Jungmandouconstruirumanexo,umaconstruçãocentral,tambémemformade torre. Jungestava feliz coma sua torre, contudo, consideravamqueela aindanãoestavacompleta.Estavaboa,maspoderiaficarmelhor.

Passaram-semaisquatroanose,em1931,elefezmaisumareformaeacasaficoucomoeleachavaquedeveriaser.Nessareformareservouumespaçoespecialqueseriaparaele.Lembrou-sedeque,nascasasda Índia, havia sempreumpequenocômodo,oumesmoumadivisão emdois cômodos, onde sepodiameditarefazerexercíciosdeYoga.Nesselugardesuacasa,Jungconstróiumaespéciedeabrigosolitário, lugarsódele,doqualsóele temachaveeondeninguémmaispoderiaentrar.Elediziaqueaquelecômodoeraolugardesuaconcentraçãoespiritual.

Cada vez mais entusiasmado com a sua nova casa, Jung vai aumentando o seu espaço exterior.Acrescentaàcasauma“loggia”doladodolago.EmBollingen,Jungseencontraconsigomesmoecomanatureza.Bollingenpareceteralma.Comemoção,eleescrevesobreasuacasajuntoaolago:

Aquisoumaisautenticamenteeumesmonaquiloquemeconcerne.Aquisou,porassimdizer,umfilho“arquivelhodesuamãe.”Assimfalavaasabedoriadosalquimistaspois,“ovelho,”“arquivelho”quesesentiraemmimquandocriança,é a personalidade numero dois que sempre viveu e sempre viverá fora do tempo, filho dos inconsciente materno. Emminhasfantasias,o“arquivelho”tomaaformadeFilemoneesteeravivoemBollingen.104

Bollingen, todavia, tambémpossuíaseusmistérios,asuaauradesobrenaturalidadeque, talvez,emverdade,nãoestivessenolugar,masnopróprioJung.Umatarde,Jungestavasentadojuntoaofogosobreo qual ele havia colocado uma vasilha com água para lavar a louça. Pouco a pouco, a água foiesquentando...esquentando...atéquecomeçoua ferver,aborbulharcomapanelachiandocomoumservivo que respirasse abafado.Nessemomento, ele tem a impressão nítida de ouvir um coro de vozes,acompanhadodeinstrumentosdecordaoualgoqueseassemelhaaaumaorquestra.Eraumapolifonia,tipo de música que Jung detestava; entretanto, aquele polifonia pareceu-lhe diferente. Era como sehouvesseduasorquestras:umatocandodentrodatorreeaoutraláfora,confundindo-secomosomdovento entre os galhos das árvores. Teve a sensação de que as duas orquestras dialogavam, orapredominandoosomdeumaoraodeoutra.

Jungsentou-se fascinadoepôs-seaouvirpormaisdeumahoraaqueleconcerto fantásticoqueelechamavade“mágicamelodiadanatureza”.Era-lhemuitoestranhaaquelamúsica,aum temposuaveeselvagem,emoutroharmoniosa,caóticaecheiadecontrastes.TãoinusitadaeraaquelamelodiaqueJungconfessa a sua impossibilidade de descrevê-la. De onde viria aquelamúsica? Teria sido criada pelaimaginaçãodeJungemcontatocomanaturezadeBollingen?NãoéestaumahipótesedescartávelumavezqueBollingenpossuíaosseusmistérios.

Noiníciodaprimaverade1924,JungestavasozinhoemBollingen.Tinha,comonaocasiãoanterior

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esquentadoo fogoparaaqueceraágua.Anoitechegavagarosa,mansa, lentaepontuadademistérios.Maistarde,Jungfoideitar-se.Tentoudormir.Nomeiodanoite,ouviupassosdepessoasdoladodefora.Teveaimpressãodequealguémcaminhavaemtornodatorre,tocandomisteriosamelodia.Comamúsicavinhamvozeserisosdepessoas.Oquesignificavaaquilo?Sóhaviaumatalhoaolongodolagoeerararo que alguém passasse por ele. Pensou Jung. Cresce nele uma certa agitação, levanta-se e abre ajanela, lá foranadahavia, alémdo silêncioquebrado apenaspelosbarulhosdanoite.Fecha a janela.Tinha sido pura impressão, impressão forte, mas apenas impressão. Jung relata esta experiência doseguintemodo:

Quecoisaestranha.Estavacertodequeosruídosepassos,osrisoseasconversashaviamsidoreais.Mas,aoqueparecia, foraapenasumsonho.Volteiàcamaefiqueirefletindosobreonossopoderdecriarilusões.Comohaviasidopossívelqueeutivesseumtalsonho?Adormeciedenovoosonhorecomeçou.Ouvi,novamente,ospassos,aconversa,oriso e a música. E, ao mesmo tempo, a representação visual de centenas de pessoas vestidas de preto, talvez jovenscamponeses com suas roupas domingueiras, vinda da montanha em multidão que passava pelos dois lados da torre,batendo os pés, rindo, cantando e tocando sanfona. Irritado, pensei: “É de se mandar ao diabo!” Imaginei que setratasse de um sonho e eis que, agora, é verdade! Acordei emocionado. Levantei-me depressa, abri as janelas e asvenezianas, mas tudo estava como antes: noite enluarada e silêncio de morte. Disse, então, para mim: “São simplesfantasmas”.105

Jungsedebateemdúvidas.Porcertohaviasonhado,mastinhasidotãoreal!Jánãopoderiadizercomsegurança total se estavadormindoou acordado e, portanto, nãopoderia afirmar se aquilohavia sidosonhoourealidade.

Se fosse um sonho arquetípico deveria ser uma nova mensagem de seu inconsciente, mas o quesignificavamaquelaspessoasrindoedançando?Jungnãotinharespostaparaestapergunta.Maistarde,contudo,voltouapensarsobreocasoelhedeuumanovainterpretação.OfatoqueolevouaretomaraquestãoqueoatormentaranaquelanoiteemBollingen,foioseguinte:

Certodia,chegouàsmãosdeJungumtextochamadoACrônicaLucernense,escritanoséculoXVIIIporRennwardCysat.Nesta crônica, encontra-se ahistóriaquepassoa contar: emumpastodomontePilatos, quês encontra sempre deserto porque se acredita que, por lá, vaguem espírito dos mortos.Votan106 continua na terra até aos nossos dias. O autor da crônica conta que, certa vez, havia sidoperturbadoporumaprocissãoque,nomeiodanoite,cantavaedançava,passandoporambososladosdacabanaemqueeleseencontrava.ComosepodeverháumagrandeanalogiaentreorelatodocronistaeoqueaconteceuaJung.

Nodiaseguinte,aoacordar,preocupadocomoquehaviaacontecidoduranteanoite,Cysatperguntouaoseuanfitriãoquedeveriatersidoaquiloqueouvirananoitepassada.Ohomemrespondeuquedeveriaser os bem-aventuradosou as almasdosmortos conduzidas porVotan.Apesar desta informação, Jungprefereinterpretaroquehaviaouvidoevisto,comoumaespéciedealucinação,produzidapelaemoçãoepelo silêncio.Afinal era comum, nos desertos, os heremitas107 passarem por experiências alucinantesdestetipo.Será,porém,quehaveriaumaprocissãodedefuntosvagandoporaliànoiteeJungahouvessecaptado? Vamos mais uma vez trazer para este texto o depoimento do próprio Jung sobre a suaparanormalidade:

Poderiatambémexplicá-locomoumfenômenodesincronicidade.Essesfenômenosmostramcomoosacontecimentosqueacreditamosconhecer(poisospercebemos,ousupomosperceber,pormeiodeumsentidointerior),temmuitasvezescorrespondêncianarealidadeexterior.Ora,hádefatoumacorrespondênciaconcretarelativaaessasexperiências,pois,na Idade-Média,houve taisprocissõesde jovens.Eramfilasdemercenáriosque,principalmente,naprimavera, iamdocentrodaSuíçaparaLocarno,ondesereuniamnacasadeFerro,emMinúsioedelácontinuavamatéMilão.NaItáliasetornavamsoldadosecombatiamasoldoestrangeiro.Eupoderia,portanto, tercaptadoa imagemdeumdessesbandosqueseorganizavamtodososanosnaprimaveraequecomcantosefestividade,despediam-sedesuapátria.108

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Bolling, entretanto, é um espaço que guarda consideráveis surpresas no campo da espiritualidade.Quandoem1923,Jungcomeçouaconstruirasuacasa,asuafilhamaisvelhaveiovisita-loe,duranteavisita,tevecomopaiaseguinteconversa:

Pai,vocêestáconstruindoaqui?Sim,estou.Qualéoproblema?Masaquihácadáveres.

Jungnãolevouestaconversaàfrenteeconsiderouaquiloumafrasesolta,umadessascoisasqueagentedizsempensarenemmesmosabeoquedisse.Otempopassou.Quatroanosmaistarde,duranteaconstrução, foi encontrado um esqueleto no terreno. O esqueleto estava a uns dois metros deprofundidadee,emseucotovelodireito,haviaumavelhabaladefuzil.Ocorpo,muitoprovavelmente,pertenceriaaumsoldadofrancêsehaviaatiradoaliemestadodedecomposição.Aodescobrirocorpo,Jungtomouadecisãodedaraosoldadomortoumasepultura.Organizei,então,emminhapropriedade,umenterroemboaedevidaformaparaumsoldadoetrêstirosdesalvaemsuasepultura.Depois,pussobreelaumapedratumularcomumainscrição.Minhafilhapressentiraapresençadocadáver.Suafaculdadedeterpressentimentoséumaherançadaavómaterna.109

Deixemos,porém,Bollingencomasuaprocissãodealmaspenadas,cantandoedançandonasnoitesdeluacheiajuntoatorredacasaqueJungconstruíraevamosdarcontinuidadeaesseestudopoisaindahámuitascoisasqueJungnosrevelaráaolongodessescapítulosfinais.

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104Jung.Op.cit.P.98105Jung.Op.cit.p.205106Deusdamitologiagermânicaqueserelacionacomomundodosmortos.107Solitário,ermitão,pessoaquevivenodeserto108Jung.Op.cit.p.206109Jung.Op.Cit.p.207

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Estamos em 1944, Jung está com 69 anos. Havia, então, fraturado um pé e sofrido um enfarte.Duranteasuafasedeinconsciência,Jungtevemuitasvisões.Mais tarde,quandojáconvalescia,asuaenfermeiradissetervisto,emtornodele,umhalodeluzfosca.Ela,porcertomédiumvidenteexplicou-lhe que já havia visto, em outras ocasiões, junto a pessoasmoribundas aquele mesmo fenômeno. AsimagensqueJungtevenesseperíododesuavida,deixaram-nomuitopreocupadoporquelhepareceramdemasiadamente estranhas. Vamos, então, como já o fizemosmuitas vezes nos valer do próprio Jungporque,nestetrabalho,deixarqueelesemanifesteaomáximo,éfundamental:

Eupareciaestarmuitoaltonoespaçocósmico.Muitolonge,abaixodemim.Euviaogloboterrestremergulhadoemumaluzmaravilhosamenteazul.Viatambémomardeumazulintensoeoscontinentes.Justamente,aosmeuspéestavamoCeilão e a umpémais à frente, o subcontinente indiano.Meu campo visual não abarcava toda aTerra, porém, a suaformaesféricaeranitidamenteperceptíveleseuscontornosbrilhavamcomoprataatravésdamaravilhosacorazul.Emcertasregiõesaesfera terrestrepareciacoloridaoumarchetadadeumverdeescurocomoprataoxidada.Bemlonge,àesquerda,umalargaextensãododesertovermelho-alaranjadodaArábia.Eracomosealiapratahouvessetomadoumatonalidade cor de laranja. Adiante o Mar Vermelho, e mais além como no ângulo superior de um mapa, pude aindasurpreenderumanesgadoMediterrâneo.Meuolharvoltara-sesobretudoparaessadireção,ficandoorestanteimpreciso.EvidentementeviatambémoscumeselevadosdoHimalaia,mascercadoderumasenuvens.Nãoolhavaàdireita.SabiaqueestavaprestesadeixaraTerra.110

EsteéumcasotípicodedesdobramentoemqueJung,deixandoocorpo,ascendeatéaumagrandealtura,maisoumenos, segundoavaliaçãodopróprio Jung, cercade1500quilômetros.Háumdetalhenessecuriosíssimorelato:odesdobramentosedáem1944eJungafirmacominsistênciaemaravilhadoqueaTerraéazul.Até,então,ninguémhaviaditoistopoisjamaispessoaalgumaestiveraemsituaçãotãoprivilegiada para fazer uma afirmação assim. Nos anos, sessenta, contudo, o astronauta russo YuriGagarin,oprimeirohomemaviajarnoespaço,fazumaafirmaçãoquesetornoumanchetenamaioriadosgrandesjornaisdomundo:“ATerraéazul.”Naspalavrasdoastronauta,encontra-seamesmasensaçãodeeuforiaedeentusiasmoqueJungtambémregistra.

Jungcontinuafalandodesuavisão.Diz,então,que,naquelemomento,possuíaumtotalcontrolesobrea sua vontade e uma espécie de consciência integral da experiência vivida.Conta ele que, depois dealgunsmomentosdecontemplação,dáasacostaparaoOceanoÍndico,comorostovoltadoparaoNorte.Derepente,elevêaumacurtadistânciaummeteoritomaisoumenosdotamanhodeumacasa.Observaqueapedraflutuavanoespaçocomoele.

Para seu espanto, Jung percebe que poderia entrar na pedra (de fato em outra dimensão, não éimpossível).Eoqueelevê?Deixemos,porém,queelenosreveleisso.

Umaentradadavaacessoaumpequenovestíbulo.Àdireita,sobreumbancodepedra,estavasentado,naposiçãodelótus, inteiramentedistendido e repousado, umhindudepelebronzeada, vestidodebrancoquemeesperava semdizerumapalavra.Doisdegrauslevavamàquelevestíbulo.Nointerioràesquerda,abria-seaportadotemplo.Váriosnichos,cheios de óleo de coco em que ardiam mechas, cercavam a porta de uma coroa de pequenas chamas clara. Isso eurealmenteviraemKandynailhadoCeilão,quandovisitaraotemplodoDenteSagrado;inúmerasfileirasdelâmpadasaóleocercavamaentradadele.111

Quandoeleseaproximadosdegrauspelosquaissechegavaaorochedo,ocorreu-lhealgoinesperado:tudoqueentãohaviasido,afasta-sedele.Eracomoselhehouvessemretiradoumaespéciedecascaquelhehaviaservidodecobertura.Tudoemqueeleacreditava,desejavaoupensava,todaafantasmagoriada vida terrestre se desligava dele ou lhe era retirado por um processo que qualifica de doloroso.Algumacoisa,todavia,continuavaneleporqueeletinhaaimpressãodequeestavaaseuladotudooqueviveraefizera,tudooquehaviasedesenroladoemsuavolta.VoltemosanoscontatarcomotextodeC.G.Jung:

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Poderiadamesmamaneiradizer:estavapertodemimeeuestavalá;tudoisso,decertaformamecompunha.Euerafeitodeminhahistóriaetinhacertezadequeerabemeu.Eusouofeixedaquiloquemecumpriuedaquiloquefoi.Essaexperiênciame deu a impressão de uma extremapobreza,mas, aomesmo tempo, de uma enorme satisfação.Não tinhamais nada a querer nem a desejar; poder-se-ia dizer que eu era objetivo; era aquilo que havia vivido. No princípiodominava o sentimento de aniquilamento, de ser roubado ou despojado; depois disto, também desapareceu. Tudo issoparecia ter passado; o que restava era um fato consumado semnenhuma referência ao que havia sido antes.Nenhumpesardequealgumaseperdesseoufossearrebatada.Aocontrário,eutinhatudooqueeraetinhaapenasisso.112

Jung passa por uma experiência muito semelhante àquela contada por pessoas que passaram porexperiênciadequasemorte, experiências contadasporpelosdoutorRaymondMoody Jr. emseu livroVidaDepois daMorte. Emmuitos desses relatos, as pessoas tem a impressão de verem suas vidas,passaremasuafrente,anteseusolhoscomoemumfilmeseqüenciado.NocasodeJungaexperiênciaéinterior,masnemporissomuitodiferente.Eleseencontraconsigomesmo,comasuaprópriarealidadeeparecedesnudado,frágilantesimesmo,semsabercomclarezaoquelheestavaacontecendo.Suavidapareciacortadaporgigantescatesoura.

Muitas perguntas não lhe são respondidas. Porque aconteceria isso? Por que trouxera para a vidaaquelascondiçõesprévias?Oque fizerade suavida?Oquedela resultaria?Ele tinhacertezadequeteria respostas para as suas perguntas se entrasse no templo de pedra. Enfim, compreenderia por quehavia sido daquele modo e não de outro. Lá dentro, no templo, haveria alguém que lhe diria toda averdade.Derepente,todasasimagensdesaparecerameapareceseumédiconimbadoporumaauréoladeluzeelesevêdenovonocorpo.Tudohaviasidoemvão.Nãoconseguiraentrarnotemploparareceberasrespostasquetantodesejava,Jungficadecepcionado.

Há,nestecaso,umfatoque,na faltadeummelhoradjetivo, chamareide fantástico.Nessaviagemespiritual,antesdevoltaraocorpo,vêqueseumédicohaviaidoatéondeeleestavaelhedisseraqueeleprecisavaretornaràTerraporqueasuahoranãoerachegada.Jungsentecomrespeitoaseumédicoumaforte ambigüidade. Em primeiro lugar, sentiu, em relação a ele, uma grande hostilidade porque vieratraze-lodevoltaàvida, impedindoqueeleconseguisseas respostas tãodesejadas.Emsegundo lugar,inquietava-se porque sentia que o médico estava ameaçado. Essa idéia lhe veio à mente porque, naexperiênciaforadocorpo,omédicolheapareceraemformaestranha,formaqueJunginterpretoucomoadeumBasileusdeCós.113Derepente,ele teveacertezadequeaquelehomemiamorrer.VamosmaisumavezlerJung:

Repentinamente, tive o terrível pensamento de que ele deveriamorrer emmeu lugar! Procure faze-lo compreenderisso,mas elenãomeentendeu.Porque ele finge ignorarque éumBasileusdeCós eque já reencontroua sua formaprimeira?Quermefazeracreditarquenãosabe?Issomeirritava.Minhamulherreprovouafaltadeamabilidadequeeutinhaparacomele.Elaestavacomrazão,maselemecontrariava,recusado-seafalardetudooquevivêramosemminhavisão.Deusmeu!Éprecisoqueelepresteatenção.Nãopodeficartãodespreocupadoassim.Gostariadelhefalarafimdequetomassecuidadoconsigo!Eraaminhafirmeconvicçãodequeelecorriaperigoporqueeuohaviavistoemsuaformaoriginal.114

De fato, Jung foi o último paciente daquele médico que desencarnou em um hospital vitima deseptcemia.115Durantetodaasemanaapósavisão,Jungficoudeprimido.Eracomoselamentasseasuavoltaaocorpodepoisdeterexperimentadoavidaforadamatéria.Costumava,então,deitar-seàtardeesóselevantarànoite.Aoacordarsentia-secomoemestadodeêxtase.Emoutrasocasiõesimaginava-selevitando em um espaço inteiramente vazio. Era uma sensação bastante agradável. As visõesprosseguiramcomgranderegularidade.Quandoolhaparaaenfermeiraquelhevemtrazeroalimentonãoavêtalcomoé,mascomoumamulherjudiamuitovelha.Emoutrasocasiõesimaginavaverumhalodeluz em torno da cabeça dela.Aparecem em sua mente cenas míticas cujo material é proveniente daMitologiaClássica.Jungconsideraessasvisõescomomaravilhosas,entretantoàmedidaqueelevaise

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recuperando,asvisõesforamdiminuindodeintensidadeatéqueseacabaram.

110Jung.Op.cit.p.253111Jung.Op.cit.p254112Jungop.cit.p.254113Basileusemgrego,significarei.CoséumlugarfamosonaAntiguidadeporcausadeumtemploquehavianaquelacidadededicadoaEsculápio,odeusdaMedicina.EmCósnasceuHipócratesomédicomaisfamosodaGréciaantiga114Jung.op.cit.p.256115Graveinfecçãonoorganismo,caracterizadaporinvasõesrepetidasdegermenspatogênicosnosangue,acompanhadadefebrealta,calafrios,malestar.NotadoEditor.

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Estranhamente,esteéumassuntoquenãodeixaJungmuitoàvontade.Nestamatériaelesesente,mais oumenos, como um elefante em loja de louças. Sobre este assunto, diz ele que só pode narrarhistórias ou contar fábulas, “mitologisar” segundo a sua própria expressão. Lembra ele que, talvez, aproximidade de morte possa lhe dar alguma liberdade para tratar desta questão. É possível que ele(mesmo sem saber) esteja dizendo a verdade, pois a iminência da morte, de fato, nos torna maiscorajosos e independentes. Sócrates, no ano 399 aC, aos 69 anos, colocou-se diante doTribunal dosQuinhentos com um destemor e uma dignidade que só aqueles que acreditam, vivamente, que a vidacontinuaeamortenãoéofim,podemter.Jungcomeçaadiscutiresteassuntodoseguintemodo:

Nãodesejonemdeixodedesejarquetenhamosumavidadepoisdamortee,absolutamente,nãocultivopensamentodessaordem,mas,paraescamoteararealidade,precisoconstatarque,semqueodesejeouprocure,idéiasdessegêneropalpitam emmim. São verdadeiras ou falsas?Eu não sei,mas constato a sua presença e sei que podem ser expressasdesdequenãoasreprimaporumpreconceitoqualquer.116

Estacolocaçãoémuitointeressante.Nelasevêumhomemlutandocontraosprópriospreconceitosemborareconheçaqueelemesmoreconhececomoumentraveparaabuscadaverdadenestecampo.AocontráriodeSigmundFreudquehaviafechadoasportasdeseuespíritoparaotranscendentecomafraseque se tornou famosa:“Deixemos o céu para os anjos e os pardais.” Jung se debate corroído peladúvida.TalvezquisesseparticipardoAgnosticismodeFreud,mas,paraele,eramuitodifíciljáqueosfenômenosmediúnicosoatraiamcomooímãatraioferro.

Ele reconhece que as idéias preconcebidas são um grande obstáculo para uma compreensãomaisampladavidapsíquica.Emseutempo,acreditava-sequeoRacionalismo,porumlado,oePositivismoporoutro,haviameliminadoporcompletoapossibilidadedeseacreditar,seriamente,navidadepoisdamorte,eele,inquestionavelmente,participadestaposição.Aomesmotempo,eleparecereconhecerquenem a Ciência, nem a Filosofia daquela época, deram uma resposta definitiva a essa questão.PrincipalmenteaPsicologia,etimologicamente,ciênciadaalmaquedeveriaterumaresposta,nomínimo,diferente,paraoproblema;poisimersanoMaterialismo,perderaasuaidentidade.

Novamente há que se lamentar que Jung não tenha conhecido a Doutrina Espírita, codificada porAllan Kardec que, indubitavelmente, é uma psicologia que conseguiu, racional e metodologicamente,proporumaaliançaentreaciênciaeafé.Eraesta,principalmente,aqueixadeJung.Paraele, faltavacientificidade no tratamento das coisas espirituais. O problema, porém, não estava em reduzir um aooutro,masemharmonizarosopostosemumaespéciedesíntesehegeliana.Foiexatamente istoqueosespíritos trouxeram para a Terra na chamada Terceira Revelação e o fizeram com alta inteligência esensibilidade.Épena,afirmamosmaisumavez,queJungnãotenhaentradoemcontatocomapsicologiaespírita,aúnicaque,semabrirmãodalinguagemcientificaedométodoindutivodasciênciasnaturais,afirmaraexistênciadoespírito,suapreexistênciaecontinuidadedepoisdamortedocorpofísico.Jung,contudopreferiuocultar-senoporãodoinconscienteondepermaneceuatéseudesencarne.

Emumcertotrechodesuasmemórias,eleescreveu:AParapsicologiaaceitacomoprovacientificamenteválidadacontinuidadedavidadepoisdamorte,o fatodeque

ummorto possa semanifestar, seja pormeio de aparições, seja através de ummédium que comunique fatos que só ofalecidopoderiasaber.Mesmoquehajacasosbemconfirmados,asquestõesficamemaberto,istoé,seaapariçãoouvozsãoexatamenteiguaisaodomorto,ouseja,sãoprojeçõespsíquicas,ouainda,seascomunicaçõessãoverdadeiramentedomorto,ousetemasuaorigememumsaberpresentenoinconsciente.117

Emcontinuidade,Jungdefendeatesebastantebatidadequeaimortalidadecorresponderiaapenasaodesejoqueaspessoastêmdeviverparasempre.Outros–argumentaJung–achamavidatãoinsípidaou

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tão sofrida que não suportariam a imortalidade. Para esses, o nada seria uma espécie de prêmio e aimortalidade,punição.Entretanto,eleacreditaqueamaioriadaspessoasacreditaquecontinuarávivendodealgummodoemalgumlugar.Deondeviriaesse tipodecrença?Eleseapressaemresponder:“doinconsciente”.Narra,então,umfatoqueacreditaserdefinitivoparaapoiarasuatese.

Contaeleque,DuranteaSegundaGuerraMundial,voltavadeBollingenparacasa.Faziaavigemdetreme,trouxeracomele,umlivroparaler.Aleitura,contudo,nãoforapossívelporque,aoabrirolivro,aflorou-lheàmente,aimagemdeumhomemqueseafogava.Eraumincidentequeaconteceracomelenotempo emque prestara serviçomilitar.O problemamaior, porém, foi o fato de que aquela imagemoincomodarabastantee,pormaisquetentasse,nãoconseguiaselivrardela.Oquesepassou?PerguntouJungasimesmo.Teriasucedidoalgumasdesgraça?

Ao chegar a seu destino emErlenbach, sempre atormentado pela imagem do homem se afogando,correuparaacasadesuafilhae,aochegar,aindanojardim,umdeseusnetoscaíranolagoe,comonãosoubessenadar,quasehaviaperecidoafogado.Felizmente,haviasidotiradodaságuasatempo.Ofatoaconteceracomacriança,aomesmotempo,emque,notrem,eletiveraaimagemdohomemmorrendoafogado.Ele se interroga: “Se o inconsciente pode dar um sinal como esse, por que não poderia daroutros?”

Jungacreditaemseussonhosesevaledelesparamostraralgunsexemplosdaaçãodoinconscientecom respeito a acontecimentos insólitosquepoderiamapontarparaumavidadepoisdamorte.Vamosvoltaraopensamentodopsicólogo:

Viviumepisódiosemelhante,antesdamortedeummembrodafamíliademinhamulher.Sonhei,então,queoleitodeminha esposa era um fosso profundo com paredes mal cimentadas. Era um túmulo que despertava lembranças daAntiguidade. Ouvi, nessemomento, um profundo suspiro como o de um agonizante. Uma forma que se assemelhava aminhamulher, ergueu-se da tumba e se elevou nos ares. Trazia uma veste branca teciada com curiosos sinais negros.Despertei.Acordeitambémaminhaesposaeolheiorelógio.Eramtrêshorasdamanhã.Osonhoeratãointeressantequepensei, imediatamentequepoderiaanunciarumfalecimento.Àssetehorachegouanoticiadequeumaprimademinhamulherhaviamorridosàstrêshorasdamanhã.118

Examinemos um outro caso. Certa vez, Jung sonhou que participava de uma festa. Nessa festa,encontrou-secomumasuairmãjáfalecida,oqueodeixouespantado.Suaadmiraçãocrescemaisaindaporque,namesmafesta,haviaumamigoseutambémdesencarnado.Osoutrosconvidadoserampessoasque ainda se encontravam na carne. A irmã de Jung no sonho conversa com uma amiga dele que seencontravaencarnada,contudo,pareceuaelequeelaestavaprestesamorrer.Aoveramulher,elediziaconsigomesmo:elavaimorrerporqueestámarcadapelamorte.Nosonho,elesabiaperfeitamentequemeraaquelasenhora,porém,aoacordar,pormaisqueseesforçasse,nãoconseguia lembrar-sedequemeraela.SabiaapenasqueeraumamulherquemoravaemBasiléia.Jungfezopossívelparadescobrirquemeraamulherdosonho,masnãotevebomêxito.

Passadasalgumassemanas,Jungrecebeuanotíciadequeumasenhoradesuasrelaçõeshaviasofridoumacidente fatal. Imediatamente lembrou-sedequeapessoa falecidaeraamesmaque lheaparecera,naquelanoite,quandoemdesdobramentoonírico,visitaraoPlanoEspiritual.

Deumaoutra feita, em1911, Jungviajava, de bicicleta, peloNorte da Itália na companhia de umamigo.Navoltapararampertodo lagoMaiorondepassaramanoite.A intençãodosdois amigoseracontinuaraviagem,passandoporTesin,atéchegaremaFaidoondedeveriampegarumtremparaZurich.Naquelanoite,contudo,Jungteveumsonho.Destavezelenãoestavaemumafesta,masemumareuniãonaqualseencontravamespíritosdegrandeenvergadura,todosdoséculopassado.Umsenhordelongoscabelosbrancosseaproximadeleelhefazumaquestãoemlatim.Quandoacordouselembroudosonho,

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ficouchateadoporquenãoselembravadaquestãopropostapelohomem,masselembravaperfeitamentedequenãopuderadarumarespostaaoproblemacolocadoporqueoseu latim,haviasido insuficienteparaentenderoconteúdoquelheforaproposto.Asuadificuldadeparaentenderafrasedohomemfoimotivoparaqueacordasse.

Pela manhã, ao pensar no sonho, recordou-se de que estava escrevendo o livro Símbolos eTransformaçãodaLibidoque,comojávimosantesfoiopomodadiscórdiaentreeleeFreud.Decideque deveria voltar para casa, o quanto antes, para continuar o seu trabalho.Algum tempo depois, eleentende(oujulgaterentendido)osonhoquetiveranaquelanoite.

(...)Osenhordelongacabeleiraeraumaespéciede“espíritodosmortos”.119Elemecolocaraquestõesqueeunãopudera responder. Eu estava, ainda, muito atrasado. Não tinha avançado bastante, mas tinha como que um obscuropressentimentodeque,pelotrabalhoaquemededicavaresponderiaaquestãoquemehaviasidoproposta.Dequalquermaneira,erammeusancestraisespirituaisquemeinterrogavam,naesperançaenaexpectativadeaprenderemaquiloquenãopuderamaprenderemseu tempo,conhecimentoquesóosséculosanteriorespoderiam trazer-lhe.Seaquestãoearespostahouvessemexistidodesdesempre,meusesforçosteriamsidoinúteis,porquepoistudoteriasidodescoberto,nãoimporta emque século.Parece, comefeito, queum saber sem limites está presente emnatureza,masque tal saber nãopode ser apreendido pela consciência a não ser que as condições temporais lhe sejam propícias. O mesmo ocorre,provavelmente, na alma dos indivíduos que traz consigo, durante anos, pressentimentos, mas que só os conscientizatemposdepois.120

Falando dos Sete Sermões aosMortos, Jung diz que foramosmortos que vierampara lhe proporquestõescruciaisqueelesdiziamnãoconhecereque,emJerusalém,ondeforambuscarrespostasnãoasencontraram.Aí, Jungpara a fimde chamar atençãoparao fatodeque, na crençapopular, osmortospossuem um grande saber, saber este que se encontra vedado aos vivos; talvez, por isso, na AntigaGrécia,osmortoseramconsideradossagradoshieros,ouseja,sagrados.Jungacreditaqueaverdadeé,exatamenteopostaaesta.Osmortos sabemalémdaquiloque sabiamquandoestavamvivos.Por isso,fazemtantoesforçoparaentraremnavidadosvivosparaqueobtenhamasrespostasquenãopossuem.Jungnos diz que acredita, não só osmortos dependemdo saber humano como andamembusca destesaber,gravitandoemtornodosvivos.Defato,aconclusãoaqueelequerchegaréqueosmortossabemmuitomenosdoqueosvivos.

Continuandoestalinhadepensamento,elesejustificaatravésdeumsonhoquetevecomumamigofalecido. No sonho, ele chega ao lugar onde vivia o amigo desencarnado o qual, em vida, fora umapessoainteiramentedespreocupadocomosabereincapazdemaioresreflexões.Emsuacasa,noPlanoEspiritual,oamigoseencontraconversandocomafilhapsicólogaformadaemZurich.Eletemcertezadeque amoça está ensinando ao pai uma coisamuito importante e ele está de talmodo interessado noassuntoquese limitaa fazerparaJungumsimplessinaldo tipo:“Porfavornãomeinterrompaagora,estoumuitoocupado.”

Esta passagem de Jung denota apenas a sua total ignorância com respeito à vida espiritual. Emverdade,amortenãotiranemacrescentacoisaalgumaaopatrimôniomoraleintelectualdeumapessoaque desencarna. Quando uma pessoa deixa esta vida, passa para o Plano Espiritual com todo oconhecimentomoraleintelectualquepossuíaquandoencarnado.Portantoéperfeitamentenormalqueumespíritodesencarnadobusqueaprendercomumencarnadoaquiloqueelenãosabe.Poroutrolado,nãoémenosverdadequeexistemespíritosdesencarnadosquesabeminfinitamentemaisdoquemuitossábiosencarnados;por isso,muitosdeles,servemdeguia inclusiveagrandesespíritosquevemàTerraparacumprirumadeterminadamissão.OpróprioJungaprendeumuitodePsicologiacomFilemon.

Oquesedevelembrar,nessecaso,équeestamos,otempotodofalandodeespíritos(encarnadosoudesencarnados) mesmo quando falamos de nós mesmos. Assim, uma simples vista d´olhos em nosso

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redormostra-noscomincrívelabundânciadeexemplos,quehápessoascomgrandesaber(claro,dentroda relatividade do conhecimento humano) ao lado de muitas outras ignorantes e desinteressadas emaprender alguma coisa; ora, se essas pessoas deixam a vidamaterial no estado evolutivo em que seencontram, tantopoderãonos ensinar comoconosco aprender, quandoentramemcontato comoplanoencarnado.

O que, de fato, Jung pretende com esta argumentação? Do nosso ponto de vista, ele não estádiscutindoquemtemmaissaberosmortosouosvivos.Oqueeleestádizendonasentrelinhaséqueamanifestaçãodeespíritosdesencarnados,assimcomoossonhosque temoscomeles,nos levamaumaúnicaconclusão:nãohávidadepoisdamorte.Todosessesfatossãoapenasprojeçõesdoinconscienteenadaalémdisto.

Umacoisaquenoschamaaatençãoenosdeixaverdadeiramentesurpresos,éaquantidadedecasosmediúnicos que aconteceram na obra de Jung e demodo particular, em sua autobiografia. Como umapessoa que passou por experiências realmente desafiadoras e inexplicáveis pelo conhecimentopsicológico tradicional, pode continuar descrente da vida espiritual e de suas conseqüências. Emrealidade, alguns desses casos abalaram as convicções materialistas de Jung, mas apenas abalaram.Vamosaumcasodestes.

Junghaviaperdidoumamigoe,nanoiteseguinteaosepultamento,sentidocomoepisódiodoloroso,estavadeitadoemsuacama,masnãoconseguiadormir.Emumcertomomento,Jungdiztertidoaclaraimpressãodequeoseuamigodesencarnadoestavaemseuquarto,aospésdesuacama,epediaquefossecomeleaalgumlugar.

Jung toma o fenômeno, não como uma realidade objetiva, mas como uma fantasia criada,naturalmente,por seu inconsciente.Entretanto,porhonestidadeparaconsigomesmo, foiobrigadoa seperguntar: que provas tenho para afirmar que isso é uma fantasia? E se não for?Contudo, não podiadeixardepensarquenãoseriaumafantasia.Resolve,assim,aceitarofatocomoumaapariçãorealparaverondeiriadartudoaquilo.Enquantopensava,imersoemsuasdúvidas,oespíritoseencaminhouparaaporta,fazendoumsinalparaqueeleoseguisse.Jungconfessaqueoseguiuemimaginação.

Osdoissaemdoquartoedacasa,passandopelojardim,chegamàruacaminhandonadireçãodacasadoamigodesencarnado.Opsicólogoentranacasa,acompanhadopeloespírito.Nointeriordahabitação,oamigoolevaparaseuescritórioonde,subindoemumtamborete,indicouaJungumlivroencadernadodevermelho, segundo livrodeuma sériede cinco.Os livrosnão estavammuito alto,masna segundaprateleira. Assim que Jung localizou o livro, o espírito desapareceu. Jung explica que jamais haviaentradonacasadeseuamigoedesconheciaporcompletooslivrosqueelepossuía,muitomenosoqueele havia indicado. De onde estava, não havia conseguido ler o título do segundo livro da coleçãoencadernadadevermelho.

Vamos lembrar que Jung se refere ao fato de que havia seguido o seu amigo em imaginação, istoequivaledizer,foradeeucorpomaterial,masprojetadoemseucorpoespiritual.Assim,esseeventoteveparaeleovalordeumsonho.Quandoeleacordoupelamanhã,preocupadocomoqueaconteceraànoite,foi à casa de seu amigo e pediu à viúva dele para entra na biblioteca do finado a fim de fazer umaverificação.Amulherpermitiusemmaioresdificuldades.

AoentrarnaBiblioteca,notouquealiestavaotamboretenolugarexatoemqueeleohaviavistonosonho. E, ainda da porta, viu os cinco livros encadernados de vermelho. Examinou os volumes epercebeuquesetratavadetraduçõesderomancesfrancesesdoescritonaturalistaEmilioZolaeotítulo

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do segundo livro (o livro que havia sido indicado pelo amigo desencarnado) era O Legado de UmaMorta.Jungachouotítulodolivromuitosugestivo,maisdoqueisso,diríamosnós,revelador.

Não há como evitar a conclusão de que o amigomorto veio até Jung para lhe dizer, com toda aclareza, que a vida continua e que ele estava tão vivo quanto o próprio Jung. Só um espíritodemasiadamente sectarista não chegaria a esta mesma conclusão, pelomenos como hipótese bastanteconvincenteedificilmente refutável.Seriapertinente lembrarque,aocontarestecaso,nãofaznenhumtipodecomentárioexplicativo.Agecomosenãotivesseoquedizerparanãodizeroquenãoqueria:avidanãoacabacomamortedocorpofísicoeeutenhoprovasmuitoconcretasdoqueestoudizendo.

Ascoisas,contudo,nãoficamporaqui.Houveumoutrofatoqueelecontaemsuasmemóriasenóstemosodeverderegistraraqui.Essefatosedeualgumtempoantesdodesencarnedesuamãe,EmilieJung.Em1922,Jungteveumsonhocomseupai.Nosonho,oantigopastorpareciamaisjovemeestavaao ladodo filhonabiblioteca.Estava tranqüiloenãosecomportavacomaantigaautoridadepaterna.Jung sentia-semuito feliz ao lado dele. Desejavamostrar que ele havia se tornado um homem feito,casadoetidofilhos.TevevontadedefalaraAquilesJungarespeitodolivroquehaviapublicadosobotítuloTiposPsicológicos,entretanto,desistiudefalarporqueaexpressãodeseupaieraadeumapessoamuitopreocupada,comoseestivessenaexpectativadealgumacoisadegrandeimportância.

Jungsemantémreservado.Opaientão,lheperguntasobreoquepensavaarespeitodapsicologiadocasamento.Elesepreparaparafazerumalongaexplanaçãosobreomatrimônio,porém,nessemomento,acordou. Ele não compreendeu o significado daquele sonho,mas, quando suamãe desencarnou cincomesesdepois,emjaneirode1923,compreendeuosentidodosonho.Imaginouqueseupaivieraatéeleparaprepará-loemrazãododesencarnedesuamãe.

TalvezfosseinteressanteaproveitaresteespaçoparaverificaroqueJungpensavadareencarnação.EmseulivroMemóriasSonhoseReflexõesJungfazsobreestetemaasseguintesconsiderações:

O problema do karma, assim como o da reencarnação e da metempsicose, ficaram obscuros para mim. Assinalo, comrespeito,aprofissãodeféindianaemfavordareencarnação.Olhandoemtorno,nocampodaminhaexperiência,perguntoamimmesmo se em algum lugar terá ocorrido algum fato que possa legitimar a reencarnação. É evidente que deixo de lado ostestemunhosnumerososdaquelequeacreditamnareencarnação.Umacrençaprovaapenasaexistênciadofenômenoemqueseacredita,masdenenhumaformaarealidadedeseuconteúdo.Énecessárioqueessesereveleempiricamente,emsimesmo,paraqueeuoaceite.

Atéessesúltimosanos,emborativessetidotodaaatençãonãochegueiadescobrirabsolutamentenadadeconvincentenestecampo.Maisrecentemente,observeiemmimmesmoumasériedesonhosque, com toda a probabilidade, descrevem o processo da reencarnação de um morto de minhasrelações.Eramesmopossívelseguir,comoumapossibilidade,não totalmentenegligenciável,certosaspectosdessaencarnaçãoatéarealidadeempírica.Porém,comonuncamaistiveaoportunidadedeencontraroutomarconhecimentodealgosemelhante,fiqueisemamenorchancedeestabelecerumacomparação.Minhaposiçãoé,poissubjetivae isolada.Querosomentemencionarasuaexistência,masnãooseuconteúdo.Devoconfessar,noentanto,que,apartirdestaexperiênciaobservocomamaiorboavontadeoproblemadareencarnaçãosem,contudo,defendercomsegurançaumaopiniãoprecisa.121

Umaleituramaisatentadessetrechonosmostra,claramente,asuaambigüidadeeimprecisão.Tem-seaimpressãodequeseuautornãoparecedispostoafalarcomobjetividadeefranquezadoassuntoqueestáabordandoeescolheumtomreticenciosoemesmoobscurocomosenãodesejassesecomprometer.Assim, gostaria de fazer um comentário paralelo a essas considerações de Jung. Este comentário diz

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respeito a um livro intituladoThe SearchForOmmSety ou seja, a Busca deOmmSety. Este livro,publicadoem1987foiescritoporJonathanCoot.OtemadestelivroéahistóriafantásticadeumamulheringlêschamadaDorothyEadyque,em1953,deixouaInglaterra,mudando-separaoEgito.Oquemoveuocomportamentodestamulher?Umalongahistóriadelembrançasdeoutrasvidas.Dorothy,desdebemmenina,demonstrouumfortesentimentodeamorpeloEgitoepelascoisasdaculturadoValedoNilo.Assim,aos49anos,nãosuportandomaisasaudadedopaísemqueviveramaisdeumadesuasvidaspassadas,elasemudaparaoEgitocomarmasebagagenseresolveassumirapersonalidadedeOmmSety,nomequetiveranoEgitodotempodeRamsésII.

Noúltimocapítulodesselivro,intituladoReflexõeseConversações,oautorcolocaumpersonagemrealchamadoErlovanWeaveren122quehaviasidoanalisadoporJungeparticipadodocírculofechadoondeo fundadordaPsicologiaAnalíticacostumava fazerconferênciasepalestras.SegundoErlo, Jungacreditava semmuitas reservas na reencarnação e, certo dia, em conversa com ele, isso teria ficadomuito claro; entretanto Emma, a esposa de Jung, pediu a Erlo que guardasse segredo sobre aquelainformação,poisnãoeraaindatempoderevela-laaograndepúblico.

Esse tipo de informação nos leva a crer que Jung mantinha uma vida dupla do ponto de vistaintelectual. Eu seus livros, palestras, seminários e conferências, parece-nos cauteloso e acadêmico,evitando assumir posições mais definidas a respeito de matérias como mediunidade e reencarnação;entretanto,na intimidade,agiaepensavadeoutromodo.Apenas isso justificaaatitudedeEmmaJungimpedindoqueErlotornassepúblicooquehaviaouvidodeseumarido.

116Jung.Op.cit.p.261117Jung.Op.cit.p.261118Jugop.cit.p.263119Note-sequeJungcolocouentreaspasaexpressãoespíritodosmortos.120Jung.Op.cit.p.267.121Jung.Op.cit.p.276122Recomendamosa leituradaobraAsSeteVidasdeFénelondeHermínioCorreiadeMiranda,EditoraLachatreondeoautoranalisade formabrilhanteasregressõesespontâneasaoutrasexistênciasdeErloVanWeaveren,psicanalistaholandêsresidenteemNovaIorque,discípuloeamigopessoaldeJung.NotadoEditor

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Oleitor,quenosvemacompanhandoaolongodestelivro,poderianosperguntarseJungacreditavaounãonaexistênciadeespíritosforadocorpoe,porconseqüêncianavidaespiritualnosentidoespíritadestaexpressão.Étambémprovávelqueonossoleitor,principalmenteoquepossuiformaçãoespírita,esteja se perguntado: será possível que umhomemque passou por tantas e tão notáveis experiências,ditas paranormais oumediúnica, tenha chegado ao fimde suavida inteiramente cético com respeito aexistênciadeespíritos?

Essaquestão já foi respondidanocapítuloanteriorquando tratamosdavidadepoisdamorte.Estecapítulo, portanto, é apenas um reforço do capítulo passado e, para escrevê-lo, nos valemos de umtrabalhodeJungcujotítulosugestivoFundamentosPsicológicodaCrençaemEspíritos.Estetextofoiescrito para uma conferência pronunciada na Britsch Society for Psychical Reserach (SociedadeBritânicaparaEstudosPsíquicos)emLondresnoanode1919.

Junginiciaoseutrabalholembrandoqueacrençaemseresincorpóreos,quevivemnossonhosdoshomens,influenciando-odealgummodoémuitoantiga.Todosospovos,emtodosostemposelugares,tiveram este tipo de crença emuitos admitiram que esses espíritos eram almas de pessoasmortas.ORacionalismo iluminista, entretanto, vinha, há muito tempo, combatendo essa idéia, embora nãoconseguisseerradica-laporcompletodamentedoshomens.

Jungchamaaatençãoparaofatodequeacrençadosespíritosnãoserestringeaoscamponeseseàspessoas incultas. Também em cidades importantes comoLondres, Paris,Nova Iorque, há pessoas queacreditam nesse tipo de fenômeno. E o que mais o intrigava era saber que homens de ciência comoWilliam James, William Crooks, Zolner, Lombroso entre muitos outros, tem se dedicado a estudardeterminados médiuns e parecem acreditar que existe vida depois da morte. Jung ressalta que essaspessoas,mesmosofrendocríticasdeseusparesesediscordamdeleemrazãodoobjetodeseuinteresseintelectual, taisqualidadesnãoatingemasqualidadesmorais e intelectuaisdesseshomens,muitopelocontrário,“ateimosiadeles”denotaumcaráterfortequenãoabremãodesuasconvicções.Jungadmira-se ainda, que tais homens pudessem ter tido a coragem de o seu nome e suas carreiras, defendendo,destemerosamente,pontosdevistacondenadospelosmeiosacadêmicos.

Depoisdefazeralgumasconsideraçõessobreapsicologiadosprimitivoseasuafacilidadedecrernosespíritos,Jungcomeçaadiscutirosfundamentosdestetipodecrença.Usaentãoumargumentomuitobatido: os sonhos.Ele defende a tese bastante difundida.De que os primitivos confundem sonho comrealidade. Dá como exemplo, o fato de que pessoas sonham com amigos e parentes falecidos e, poringenuidade,tomamessessonhosporverdade.

LeiamosotextodeC.G.Jung:Umadas principais fontes da crença em espíritos é o sonho.Nos sonhos aparecempessoas,muito frequentemente, como

protagonistaseaconsciênciaprimitivaacreditafacilmentequesetratarealmentedeespíritos.Ésabidoquecertossonhostêmumvalorinfinitamentemaiorparaumprimitivodoqueparaumcivilizado.Ele,nãosomente,falamuitasvezes,deseussonhoscomotambémlhesatribuigrandeimportância,desorteque,frequentemente,oprimitivoéincapazdedistingui-lodarealidade.

Ossonhos,emgeral,nãopossuemvalorparaocivilizado,contudo,entreesses,indivíduosquedãogrande importância a determinados sonhos, justamente em virtude de seu caráter estranho eimpressionante.Estaparticularidadeconferecertaplausibilidadeàopiniãodequeessessonhossãoinspirações. Mas a inspiração implica um inspirador, um espírito, embora pouco se fale dessaconsequêncialógica.Umexemplobastanteilustrativo,nestesentidoéofatodequemuitasvezes,nossonhos,aparecemfigurasdepessoasfalecidas.Asmentesingênuasacreditam,facilmente,quesãoas

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almasdosmortosquevoltamasemanifestar.123

Asegundacrençanosespíritosdosmortossãoasdoençaspsicógenasoudistúrbiosnervososdefundohistérico, muito comum entre os povos primitivos. Grande número de selvagens acredita que muitasdoençasfísicasepsicológicassãomotivadasporespíritosdepessoasdesencarnadas.Estesprimitivosparecemcrer,firmemente,queosseusmortoscontinuamaviver,espiritualmente,emalgumlugardeondepodemvirinterferirnavidadosvivos,provocando-lhescertostiposdeenfermidades,daíanecessidadedesecriarumcultodosmortosafimdemantê-losnolugarquelheépróprio.

Naturalmente,continuaJung,asdoençasmentaispropriamenteditassãotambémcausasparaqueseacrediteemespíritoseparasustentaraidéiadequeelespodemapareceraosvivos.Asesquizofreniasprovocam alucinações auditivas e visuais que as pessoas tomam como atuação de espírito semimaginarem que as suas doenças são, em verdade, produtos de sua própria atividade psíquica. Nãoexistem, portanto, segundo Jung, espíritos de mortos que se manifestem aos vivos em determinadascircunstânciasoupormeiodaatividademediúnica.

Senãoexistemespíritos,podemosperguntar:porqueaspessoas,inclusiveopróprioJung,dizemtervistoespíritosdepessoasdesencarnadasemsonhosoumesmoemvigília.Elerespondesemtitubear:

Oqueaspessoasveme julgamserespíritoséapenasaexteriorizaçãodecomplexos.Oscomplexosoucentrosdaalmacarregadosdeafetividadepodemganharcertaautonomiaesemanifestaremcomoespíritos.Paraexplicarmelhorasua teoriadoscomplexos, comoverdadeiracausadasmanifestaçõesmediúnicas, JungusaocasodeSaulodeTarso.Comosesabe,SaulodeTarso,umfariseuemperdenido,perseguidodecristãos,teriaseencontradocomJesusnaestradaparaDamascoafimde reprimir umnúcleo cristão lá existente. SegundooLivrodosAtos (At. IX-1-19) foi esta visão que converteu Saulo aoCristianismoeasuatransformação,comonomedePaulo,emoapóstolodosgentios.

Jungexplicouesteepisódiodomodoseguinte:Saulo já era inconscientemente cristão desdemuito tempo, isto explica o seu ódio fanático contra os seguidores doCristo

porqueofanatismoseencontrasemprenaqueles indivíduosqueprocuramreprimirumadúvidasecreta.AapariçãodoCristonaestradadeDamascoassinalaapenasomomentoemqueocomplexoinconscientedeCristoassocia-seaoeudeSaulo.

O fato de oCristo ter aparecido, então, demodo quase objetivo como uma visão se explica pelacircunstância de que o Cristianismo de Saulo era um complexo inconsciente. Por isso é que essecomplexolheaparecianaformadeumaprojeçãocomosenãopertencesseaelepróprio.Elenãopodiaverasimesmocomocristão.Porisso,ficoucegocomoumaconseqüênciadesuaresistênciaaCristoesópoderiasercuradodenovoporumcristão.

Sabe-se, por experiência que a cegueira psicógena em uma questão é sempre uma recusa(inconsciente) de ver. No caso de Saulo, esta atitude corresponde a uma resistência fanática aoCristianismo.Estatendência,comonosmostramasEscrituras,nuncadesaparecem,inteiramente,emSaulo;elairrompia,ocasionalmente,sobaformadeacessoserrônea,antesexplicadocomoepilepsia.EstesacessoscorrespondeaumretornosubitâneodocomplexodeSaulo,complexoquesedissocioucomaconversão,comoaconteceracomocomplexocristão.124

É,defato,muitoestranhaessateoriasobreaextrojeçãodecomplexos.Omaisinteressante,denossopontodevista,éofatodequeelanãoresisteaosprópriosfatos.OpróprioJungpormeiodessateorianão explicariametade dos fatos ocorridos comelemesmo.Oquemais nos impressiona quando se lêcertostextosqueprocuramreduzirosfenômenosmediúnicos,reduzindooespiritualaomaterialéqueaexplicação nos parece mais impossível do que aquilo que ela pretende aclarar. Admitir que a vidacontinua,queoespíritoéimortalequepodemanifestaraosencarnados,que,emverdade,sãoespíritoscomoele,émaissimplesdoqueaceitarqueasnossasemoçõespossamtomarforma,materializarem-se,

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conversar, fazer revelações, escrever poemas e romances, consolar parentes e amigos que temprovasirrefutáveis de que se trata de umente queridoque retorna, e realiza umgrandenúmerode ventos noMundoMaterial.

Para Jung, entretanto, fica inteiramente explicada a crença nos espíritos pormeio da projeçãodoscomplexosinconscientes.Seguindoestemesmotipoderaciocínio,Jungchegaaumadefiniçãodeespíritode um ponto de vista psicológico. Assim, pare ele, os espíritos nada mais são do que complexosinconscientes e autônomos que aparecem na forma de projeção porque, em geral, não possuem amenorrelaçãocomoEuouconsciência.

Abemdaverdade,ébomqueselembrequeJungtemocuidadodedeixarclaroquenãodescartaaexistênciadosespíritos(elecontinuaacendendoumavelaparaDeuseoutraparaodiabo);oqueelequerdizeréquenãoconheceumúnicomododeprovardemaneiracabaleinsofismávelaexistênciarealdosespíritos. Assim, enquanto esta prova não se faz, deve-se, insiste Jung, ficar com a explicaçãopsicológicae,nessecaso,adele(adoscomplexosextrojetados)queémelhordoqueoutrasdomesmotipo.Seriainteressante,énossopontodevista,concluirestecapítulocomumtextodeJungsobreasuacrençanosespíritos:

Quanto aos fenômenos parapsicológicos, parece-me que, via de regra, encontram-se ligados à presença de ummédium.Elessão,pelomenosatéondeaminhaexperiênciaalcança,efeitosexteriorizadosdecomplexos inconscientes.Estou realmente convencido de que se trata de exteriorização. Observei, repetidamente, os efeitos telepáticos decomplexosinconscientes,etambémumasériedefenômenosparapsicológicos.Masnãopossoveremtudoissoumaprovadaexistênciadosespíritosreais;eatéquesurjaumaprovairrefutável,devemosconsiderarodomíniodessesfenômenoscomoumcapítuloàpartedaPsicologia.Creioqueaciênciadeveimporestarestriçãoasimesma.125

123Jung,ANaturezadaPsique.P.243.124Jung.Op.cit.p.247125Jung.Op.cit.pág258

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Jungdeixouestavidanodia16dejunhode1961.Estavacomoitentaeseisanos.Foraumalongavidadedicadaaoconhecimentodaalmahumana.Segundooseuprojeto,procuroumergulharaomáximoque lhe foi possível nomundo interior dos seres humanos. Viumuitas coisas espantosas que ele nãosoube ou não quis significar corretamente. Aparentemente deu a impressão de que era uma pessoaexcessivamente escrupulosa e honesta que procurounãodefender pontos de vistas sobre os quais nãotinha certeza; entretanto, de nosso modo de ver, faltou-lhe coragem, a coragem de William James,Crookes, Lombroso, Delanne, Conan Doyle, Friedrich Myers, O Paul Gibier e tantos outros, paradefenderposiçõescontráriasaopensamentoacadêmicorigorosamentematerialista.

Emverdade,Jungfoiumhomemdemasiadamentemundanoparaabrirmãodosouropéis,dosrapapésedasglóriasqueessetipodeespaçocostumaoferecer.Nascido,acreditamoscomamissãodeapontarnovoscaminhosparaaPsicologia,elecontribuiuinfelizmenteparanovosdescaminhos.DepoisdesertãoadvertidopeloPlanoEspiritual,tãoauxiliadopelosespíritosinteressadosemqueelelevasseasuatarefaabomtermo,elepreferiuignorartudoissoemfavordainterpretaçãomaterialista.Eleque,nopassado,haviaconsideradooshomensdeciênciacomo incapazesdeveros fenômenosocultosdeumpontodevista desassombrado, caiu no mesmo erro daquele a quem criticou. De todo o jeito, porém, a suapassagempelomundonão foi inteiramenteemvão,umavezqueeledeixouumespaçoabertoparaosestudiososdaalmahumanadecididosaconhecermaisemelhoranossadimensãoespiritual.

Nossolivronãoé,demodoalgum,umacríticaaotrabalhodeJung,poisreconhecemosque,seelenãofezoquedevia,fezoquepodia.Apesardesuatimidezedeseusequívocos,eledeixouumaobradeconsiderável importância para aqueles que pretendem saber um poucomais sobre amediunidade e areencarnação;nessesentido,poucospsicólogos,inclusiveopróprioFreudforammaislongequeele.

Emverdade, a PsicologiaAnalítica tem atraídomuitas pessoas para o estudo da espiritualidade eparaautilizaçãodecertas técnicascomoadaTerapiadevidasPassadas(TVP)126que imprimiramàspráticasterapêuticasumnovosentido.Assim,nosparecequeaobradeJung,emboradesviadadeseusreaisobjetivos,nãodeixoudecolaborarenãopoucoparaadescobertadohomemintegral,formadoporumcorpodecarne,umespírito,umperispíritoeumespíritoimortalquecaminhanadireçãodaGrandeLuzqueJesusCristo,emseuevangelhochamoudeOReinodeDeus.Porisso,nãopodemosdeixardesergratosaesseespíritoquenaTerrarecebeuonomedeCarlGustavJung.

126Paraummaiorconhecimentodoassunto,recomendamosaexcelenteobradeTerapias deVidasPassadas eEspiritismo –Distâncias e aproximações,escritoporMiltonMenezes,LeymarieEditora.NotadoEditor

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