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jorge bacelar universidade da beira interior a letra: comunicação e expressão

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jorge bacelar

universidade da beira interior

a letra:

comunicação e expressão

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A Letra: Comunicação e Expressão

Série - Estudos em ComunicaçãoDirecção: António Fidalgo

Capa e Arranjo Gráfico: Jorge BacelarExecução Gráfica: Serviços Gráficos da Universidade da Beira InteriorTiragem: 500 exemplaresCovilhã, 1998Depósito Legal Nº 129826/98ISBN - 972-9209-66-9

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ÍndiceNota préviaIntrodução

A Racionalização do AlfabetoCaligrafiaAs formas da TipografiaOs primeiros tempos da TipografiaDe Plantin a Bodoni

Raízes da Tipografia contemporâneaLigações com a vanguarda artísticaDe Constable a KandinskyImpressionismoPost-impressionismo e expressionismoFauvismoArt-NouveauCubismoFuturismoDa Evolução à RevoluçãoA Irracionalidade (Dada)SurrealismoArte não-figurativaDescobrir a ordem no caosA vanguarda RussaArte pela Arte / Arte pela SociedadeEl Lissitszky e Alexandr RodchenkoTheo van DoesburgPiet Zwart

O Ponto fulcral - BauhausOrigemA IdeiaTipografia na BauhausJohannes IttenLaszló Moholy-NagyHerbert BayerJoost SchmidtEl Lissitszky e van DoesburgO Fim e o (re)Começo

A Nova TipografiaMeios Electrónicos e Formas TipográficasConclusãoBibliografiaGlossárioÍndice onomástico

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A Letra: Comunicação e Expressão

Peço-vos que imaginem, perante vós, uma garrafa de vinhoe duas taças - uma de ouro maciço, lavrada com a filigrana mais requintada;

a outra do cristal mais fino e transparente - os verdadeiros apreciadores de vinhoescolherão, a meu ver, a taça de cristal, porque nela tudo está pensado

para revelar, e não para esconder, a beleza do seu conteúdo.

Beatrice Warde, The Crystal Goblet, Londres, 1955(cit. por McLEAN, Tipography, Londres, 1980)

A Robert Heinlein, Paul Klee e Rolando Sá Nogueirapor me terem ensinado a olhar com fascínio para o mundo.

A ti, para que não penses que o dedico a outra...(Almada Negreiros)

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Nota prévia

Era intenção deste projecto desenvolver umainvestigação sobre a evolução estética dos signostipográficos (letras, números e caracteres especiais),avaliando-a através de referências contemporâneasnas artes plásticas. Mas, para justificar a invençãoda tipografia, há que descrever o Renascimento nassuas vertentes históricas, filosóficas, sociais eeconómicas. Para compreender a opção deGutenberg em copiar literalmente o desenho dacaligrafia gótica, haveria que recuar um milénio nanossa História para traçar o desenvolvimento dacaligrafia e da letra decorada nos scriptoriamonásticos, a sua estética própria, as característicasformais desenvolvidas localmente devido aoisolamento, às guerras territoriais e à miscigenaçãode tribos “bárbaras” com a civilização romana emdeclínio. Seria necessário passar pela normalizaçãoimposta por Carlos Magno na caligrafia e naprodução de documentos. Eventualmente serianecessário recuar ainda mais, até Roma, onde nasceum desenho de letra que ainda hoje é utilizado,bastando para tal observar as letras maiúsculaspresentes nesta página, descendentes directas dasformas gravadas na pedra dos monumentosromanos...Foi portanto necessária a imposição de limites, poiscorria-se o risco de embarcar numa viageminterminável, tantas são as ramificações que cadaassunto permite, os motivos de fascínio e pistas deinvestigação em cada época ou autor. E os limitesficaram assim bastante mais estreitos no aspectotemporal: de meados do século passado até àfundação das bases da tipografia contemporânea.

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A Letra: Comunicação e Expressão

Desde o período romântico até Jan Tschichold, como estabelecimento e divulgação dos princípiosoperativos e estéticos do design tipográfico, após odesmantelamento da Bauhaus pelos nazis.Existe uma ideia subjacente (talvez preconceituosa)à investigação proposta: a tipografia reflecte astendências das artes plásticas, influenciando-as porseu turno. É essa suposição que se pretendeconfirmar, seguindo esta premissa: cada épocapossui as suas características históricas, económicas,sociais, religiosas, filosóficas, que condicionamtodos os campos da actividade humana. A pinturatem sido vulgarmente utilizada pelos historiadorescomo padrão para confirmar e ilustrar as suas teses.E a tipografia? O desenho das letras, a forma doslivros, o arranjo das páginas, não estarão igualmentecondicionados por esses mesmos factores? Nãopoderão contribuir igualmente para uma com-preensão mais lata da época? Daí a hipótese daexistência dum paralelismo entre a evolução dasescolas pictóricas e da estética tipográfica.

Produção e comércio do livro.Xilogravura, 1491

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Introdução

No início era o pictograma.Poderia iniciar-se desta forma uma História daComunicação Não Verbal. Desde que o Homemdescobre a possibilidade de estabelecer registos queo transcendam no tempo, que lhe sobrevivam,passando testemunhos de conquistas e derrotas,angústias e alegrias, temores de deuses e demónios.Sobre os mais diversos suportes, com as maisdiversas formas e instrumentos, evoluindo noconteúdo, abstractizando-se. Distanciando-se cadavez mais da forma primordial.Mas há um e outro refluxo. E se o pictograma éreapropriado uma e outra vez pelas artes plásticas,o fonograma, descendente distante, adquire umadimensão estética impensada pelos seus inventores.A letra deixa de ser unidimensional, de poderexpressar apenas um som, de estar submetida a umconjunto rígido de regras. Pode tornar-se veículo designificados múltiplos, universalmente reconhe-cidos, ou código secreto, cuja chave é exclusiva doseu autor.É neste intervalo, limitado a um tempo de algumasdécadas, que se fará este levantamento sobre a evoluçãoformal dos signos tipográficos. Desde o seuconstrangimento à rígida norma gramatical, até à suaemancipação, por parte das vanguardas artísticas doprincípio do nosso século, libertando-os do seusignificado meramente fonético, extraíndo-os doalinhamento das palavras e das frases, convulsionandoas páginas dos livros e dos jornais.Pretende-se encontrar uma linha de coincidências, deinter-relações entre as correntes estéticas que marcaram

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A Letra: Comunicação e Expressão

as artes plásticas e a evolução do design gráfico,nomeadamente ao nível do desenho de letra. Apesar dese tratar de mundos diversos, de questões técnicasdivergentes, existe algo em comum entre a pintura e asartes gráficas: comunicação visual.Pressupondo a existência dessa linha de influênciasrecíprocas entre a tipografia e a pintura, seguir-se-áum fio condutor baseado no tempo cronológico:iniciando-o em Gutenberg, terminando em JanTschichold, uma espécie de apóstolo da Bauhaus e datipografia moderna, incidindo uma maior atenção noperíodo de cerca de 100 anos, desde o surgimento dapintura romântica e dos primeiros jornais diários, aofim da Bauhaus e do estabelecimento do design gráficocomo disciplina de comunicação, pois é neste períododa nossa História recente que a comunicação visual éelevada à categoria de ciência, passando a desempenharum papel fulcral na cultura contemporânea,constituindo um dos pilares da Civilização da Imagem.E essa hipotética linha de intersecção, de influênciasrecíprocas, teria o seu início no preciso momento dainvenção da imprensa, em meados dos século XV.Os primeiros tipos teriam sido desenhados, gravados,fundidos e utilizados por Gutenberg na suapublicação inicial, supostamente uma Bíblia de 42linhas, terminada em 1456. 0 invento de Gutenbergconsistiu em grande parte na integração de váriastecnologias disponíveis na época (gravação compunção de aço, moldagem e fundição em matrizmetálica ou de areia, prensagem mecânica, tintageme impressão xilográficas), com a criação de umsistema de fundição de letras individuais quepoderiam ser combinadas num número infindável desequências1. Este sistema passou a constituir a basemecânica da impressão (Silveira, 1985).

1- O princípio de impressão deletras e imagens a partir

duma superficie em relevo jáera conhecida e aplicada

desde a antiguidade. Contudo,esta tecnologia confinava-se à

produção de estampascom motivos religiosos

e cartas de jogar.

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Os desenhos de letra baseados nos manuscritosmedievais, foram gravados, fundidos e utilizados nosprimeiros 50 anos de existência da imprensa. Algunsdos desenvolvimentos técnicos alcançados nestaprimeira fase, viriam a tornar-se nas bases dealfabetos tipográficos ainda hoje em uso, nãoobstante as modificações estruturais sofridas como desenvolvimento da fotomecânica e da foto-composição. Por exemplo, as letras negras gravadaspor Gutenberg, continuaram a ser utilizadaspraticamente sem alterações na Alemanha, atémeados do século passado. Mas existem outrosdesenhos tipográficos primitivos que, reflectindoigualmente sensibilidades medievais acabariam porser abandonados, sendo hoje tão estranhos einvulgares aos nossos olhos como as letrasmanuscritas que lhes deram origem. É o caso doprimeiro alfabeto gravado em Inglaterra por WiliamCaxton, baseado numa letra negra Inglesa, queostenta um aspecto muito mais grosseiro edesagradável, se comparado com os tipos huma-nísticos seus contemporâneos, tipos estes que viriama determinar por muito tempo as normas estéticasdos caracteres de imprensa.

A dificuldade e o extremo trabalho necessário para aprodução de tipos, condicionaria a proliferação deestilos e corpos, que só se tornaria viável com oaumento do número de gravadores, impressores edesenhadores treinados para este novo ofício.

Letra negra Inglesa, de WilliarnCaxton, 1477

Caracteres Humanísticos, deAldus Manutius, Veneza, 1475

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

Contudo, estimam-se entre 8 e 10 milhões de volu-mes produzidos até 1500, ou seja, menos de 50 anosapós a conclusão da primeira obra impressa (Drucker,1995).O princípio inventado por Gutenberg permitiu imitara escrita manuscrita, conseguindo a transformaçãodesta numa escrita mecanizada. A forma tipográficaadquire, a partir da sua origem e do seu constanteconfronto e coexistência com a escrita manuscrita,uma permanente tendência cursiva no seu sistemanormalizado. Daqui surge uma oposição típica entrecursividade e normalização, entre a pulsãoindividualizante e a norma socializante, entre aindividualidade2, e os códigos sociais que facilitam acomunicação (Blanchard et al, 1992).A imprensa será para a caligrafia o que a fotografia épara o desenho: uma imitação mecanizada do actomanual de traçar, escrever, desenhar ou pintar. Porisso, a industrialização converterá a tipografia nagrande difusora da mensagem escrita. A tipografiacomeça no Ocidente com a imprensa gutenberguianae situa os pontos chave do seu desenvolvimentosucessivamente na Alemanha, Itália e França, comas letras Gótica, Humanística e Romana Moderna.Após Gutenberg, a tipografia seria reinventadainúmeras vezes: os tipógrafos tentariam perma-nentemente ajustar um sistema mecânico àevolução da escrita manual. Desde que se inicioua multiplicação dos caracteres, de início artesa-nalmente (sobre madeira e, mais tarde, sobremetal), e depois de forma industrial, as tradiçõesda escrita (ou das escritas) estabeleceram umasérie de referências sobre as formas da tipografia.Destas referências extraíram inspiração ossucessivos criadores. Obtiveram-se assim formas

2 - Por individualidade, nestecontexto, entenda-se não só a

grafologia dos indivíduos,mas também a dos povos

e das épocas.

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alteradas, modificações e simplificações, numasérie de evoluções e involuções, marcandopercursos para futuros diferentes ou para umregresso ao passado.

A Racionalização do Alfabeto

É pacífica a ideia de que a invenção da imprensatrouxe alguma normalização à escrita alfabética. Noentanto, deveremos ter em conta que a própria escritacontinuou a diversificar-se formalmente, à medidaque as suas funções se especializavam. A palavraimpressa é apenas uma das áreas do território maisvasto das formas escritas produzidas no Renas-cimento. Tal como na Idade Média, em que astradições da gravação em pedra subsistiram emsimultâneo com o desenvolvimento de métodosaltamente diferenciados, tanto para a produção detextos manuscritos, como para uso em documentosda actividade secular, também no Renascimentoessas tradições foram mantidas, reinterpretadas deacordo com as necessidades das diversas áreas daactividade humana servidas pela linguagem escrita.Gutenberg ficaria relacionado com a imitação dachamada letra gótica, que se empregava na sua épocae região. Aldus Manutius, entre outros, situa-se noperíodo da escrita latina cursiva, “descoberta” peloshumanistas e utilizada nas chancelarias (ministériose repartições oficiais do Vaticano) até aos começosdo século XVI. Adoptada e adaptada dos grafismosromanos, a capital monumental das inscriçõeslapidares e a capital rústica, formaram o esqueletooriginal, sendo esta tipografia a que mais tempoprevaleceu como norma estética, persistindo aindahoje em grande medida por todo o mundo ocidental.

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

A Didot caberia a criação do primeiro sistema de medidade corpos de letra, o ponto didot, sistema que aindahoje vigora em todo o mundo ocidental3 (Blanchard etal, 1992). Bodoni estabeleceria finalmente um sistemaconceptual que auto-nomizaria o desenho tipográficoda caligrafia, imprimindo aos signos tipográficos umcarácter de rigor e formalismo mecânico, reflexo daracionalidade cada vez mais presente na produçãotipográfica.

Caligrafia

O milénio compreendido entre a queda do ImpérioRomano e a invenção da Imprensa testemunhou odesenvolvimento da escrita, tanto como efectivomeio de comunicação, como na sua vertentedecorativa. Fortemente localizada no contexto dasactividades da Igreja, nomeadamente nosmosteiros, a caligrafia também se desenvolveu nosdomínios do poder secular.

3- A tipografia anglo-saxónicadesenvolveu um sistema de

medidas alternativo ao pontoDidot, no qual se utiliza o

ponto pica como unidade demedida. No entanto, o ponto

Didot coexistiu com estesistema até à universalização

dos sistemas de ediçãoelectrónica, vindo a cair em

desuso, desde então.

Tipografias gótica (fragmentoda Biblia de Gutenberg),

humanística (“Opera... nellaqualle si insegna a scribere”,

Aldus Manutius, Veneza, 1554)e bodoniana (“Manuale

Tipografico” de Bodoni, 1818)

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Neste período, várias escritas adquiriram identidadesgráficas próprias, assim como se desenvolveramformas altamente sofisticadas de decoração,transformando as formas das letras iniciais emornamentos visuais de grande beleza e variedade.Apesar de individualizadas, as formas escritas naEuropa da Idade Média derivam todas da mesmafonte Romana, vindo a ser gradualmente modificadaspor influências diversas. No entanto, a decoraçãodas letras iniciais revela a presença de influênciasanteriores a Roma, oriundas nomeadamente das artesmetalúrgicas de tribos que migraram para a EuropaSetentrional ainda antes da era Cristã.À medida que o Império Romano declinava, o papelda escrita foi apropriado pelos monges, passandoos scriptoria monásticos a ser os centros de maiorprodução de escrita durante esta época (com oestabelecimento, entre 400 e 900 d.C., de mosteirospor todo o continente Europeu e Ilhas Britânicas),aí se garantindo a perpetuação do saber através dacópia e iluminação de manuscritos. A escrita sóvoltaria aos domínios da vida secular com odesenvolvimento das universidades, a partir doséculo XII.As mudanças foram ocorrendo, adaptando-sea escrita às transformações sociais. A escritamudou de campo: das inscrições monumentais,da poesia clássica, do registo de textos legaise históricos, para a cópia de textos religiosose clássicos no seio das comunidades religiosas.Estas transformações foram acompanhadaspor algumas inovações técnicas: o vellum(vel ino) subst i tuiu o pergaminho comosuporte material e o codex (folhas agrupadasem livros) substituiu definitivamente os rolos.

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

As capitais monumentais, concebidas parainscrições na pedra, foram substituídas porconfigurações gráficas originadas pelo uso da penaem vez do cinzel.Três formas de escrita foram legadas por Roma: acapital monumental, que se degradou na suaadaptação à escrita manual, a capital rústica,originada pela escrita a pincel ou estilete, cujaadaptação à forma caligráfica foi muito mais fácil eimediata, e a uncial4, escrita cursiva latina, ainda deconfiguração maiúscula, que seria a fonte donde viriaa derivar a maior parte da produção caligráfica medie-val. Surgiram igualmente novas formas cursivas,provenientes dos grafismos rápidos da escrita à pena,caracterizando-se por uma simplificação gráfica doscaracteres. Este cursivo, tal como outras escritas dechancelaria produzidas por uma escrita rápida, eramuito utilizado em documentos oficiais que nãorequeriam o carácter grandioso dos desenhos de letrautilizados para as gravações lapidares (Ansel-mo,1991). No entanto, cada escriba possuia o seupróprio sistema de notação gráfica, o queprovocava enormes dificuldades na interpretaçãodos registos.

Finalmente, a divisão dos elementos ao longo dotexto passa a ser visualmente marcada de modo a

Caracteres unciais

4- o termo uncial é atribuído auma declaração de S. Jerónimo,

no século IV, condenando autilização nos manuscritos de

caracteres excessivamentegrandes, com a altura de uma

polegada, que os tornavaineficazes e deselegantes

(Drucker, 1992). Do termolatino para polegada, uncia,

derivou uncial.

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que títulos, inícios de frase, conclusões ecomentários se organizem espacialmente, indiciadospor diferentes tamanhos e desenhos, num grau demaior complexidade do que era praticável nasinscrições monumentais.No século IV existiam mosteiros por toda a Itália eSul de França, onde formatos romanos como a unciale a meia-uncial tiveram o seu desenvolvimento. Noséculo seguinte as tradições célticas emergiram,interligando-se com o estabelecimento do Cris-tianismo na Irlanda. Com a expansão para Inglaterra,a escrita viria a sofrer novas influências de origemAnglo-Saxónica. Nos inicios do século VII estavam jáestabelecidos scriptoria por todo o Norte da Europa.Sendo locais muito sensíveis dos mosteiros, estavammuitas vezes instalados em torreões fortificados ouem zonas interiores, em busca de uma maior invul-nerabilidade em caso de ataque5.Em meados do século IV uma forma modificada,conhecida como meia-uncial, surgiu no sul daEuropa, ganhando rapidamente popularidade. Foieste o primeiro alfabeto a apresentar uma minúscularegularizada, vindo a tornar-se norma para toda aprodução escrita referente aos assuntos da Igreja portodo o continente (Drucker, 1995).Nos séculos IV e V, aproveitando a desagregaçãodo Império, movimentos migratórios de tribos nãoromanizadas iam ganhando terreno e, das misturasculturais provenientes da sua fixação, emergiramentidades política, social e culturalmente isoladas.A consequente diversidade cultural exarcebaria adiferenciação das formas escritas de tal modo queem vez de traçar uma simples linha de evolução,seria necessário fazer referência às escritas delocalidades específicas, povos e períodos históricos.

5 - O valor atribuido aos livrosera de tal modo elevado, que o

roubo de um manuscrito eraconsiderado um crime grave.

Os copistas por vezesinvectivavam os potenciais

ladrões, gravando maldiçõesnos manuscritos:

“Se alguém levar este livro,que sinta a morte, que seja

frito em óleo fervente, que asdoenças e as febres tombem

sobre ele, que seja quebradona roda e enforcado. Amén.”

(Drucker 1995: 94)

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

Enquanto a uncial romana e a meia-uncial seestabeleciam e desenvolviam nos Estados Italianos,foi nas Ilhas Britânicas que estas formas adquiriramcaracterísticas de excepção e um grau de sofisticaçãoestética inultrapassadas na escrita medieval. É de notarque a Irlanda nunca fizera parte do Império Romano,tendo a escrita latina entrado no território com osmissionários cristãos. Aí introduzida, a meia-uncialrapidamente evoluiu para um estilo regional, conhecidocomo uncial artificial, com uma elaboração formalmuito mais cuidada.Entre os séculos VI e IX os monges Irlandesestrabalharam num relativo isolamento das influênciascontinentais (e mesmo Britânicas), desenvolvendouma forma escrita que atingiria o seu apogeu porvolta do ano 800, com a produção de obras como oLivro de Kells. Neste livro estão presentes oselementos plásticos que caracterizaram o estiloHiberniano (Irlandês). Nesta forma caligráfica, fez--se uma utilização sistemática de ligações entre letras,definindo-se um formato original com sarifos densos,quase triangulares, proporcionando aos caracteres umasugestão de movimento fluído e gracioso(Meehan,1994). A flexibilidade dos copistas perantea forma dos caracteres permitiu-lhes modificar asua aparência (enquanto letras individuais oumesmo enquanto palavras) sem grandesconstrangimentos, de modo a poderem acomodá-las com elegância dentro dos limites da página. Nãocondicionados por fórmulas que impusessemsequências lineares, os copistas deram largas à suacriatividade, descobrindo processos originais parao tratamento gráfico dos textos. Além dascomplexas soluções descobertas para a resoluçãodos problemas impostos pelo tratamento dos

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textos, as páginas do Livro de Kells contêmalgumas das mais elaboradas iluminuras jamaisproduzidas.

Entretanto, o desenvolvimento de escritas locais naEuropa nos séculos V e VI reflectia a contínuaredistribuição do poder, as sucessivas vagas deinvasão e as alterações na composição cultural dasdiferentes regiões. No final do século V o primeirorei dos francos, Clovis, consolidou as tribosestabelecidas ao longo do Reno, constituindo o reinoMerovíngio. A escrita de livro Merovíngia que surgiunesses territórios passou a constituir a norma da

Livro de Kells. Evangelhosegundo S. Lucas, pormenor do

folio 250v.

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

escrita dos francos. Esta caligrafia caracterizava-sepelas suas verticais muito pronunciadas, formastortuosas, ramificações e convulsões gráficas. Um dosproblemas que estes documentos viriam a provocarno futuro, seria o da extrema dificuldade na suainterpretação, pois para além dos já referidosgrafismos intrincados que os caracterizavam, muitoscopistas ignoravam o seu significado por nãodominarem o latim, limitando-se a reproduzir os textosque tinham perante si por simples observação visual.O período seguinte de relativa estabilidade e unidadena escrita europeia surgiu nos finais do século VIII,com a consolidação do poder de Carlos Magno,estabelecendo uma unidade administrativa nosdomínios políticos e culturais. Em 789, a minúsculaCarolíngia foi instituída por decreto e floresceu, comoinstrumento e como signo desta ordem política,mantendo-se como padrão de escrita por toda aEuropa, até cerca do ano 1000 (Drucker, 1995).As minúsculas carolíngias denotavam claras influênciasRomanas, nomeadamente no formato da meia-uncial,influências essas que teriam sido deliberadamentemarcadas e promovidas pelo próprio Carlos Magno,no sentido de demonstrar que o seu poder e o seureinado derivavam em linha recta da antiga ordemRomana. Esta continuidade seria ainda mais enfatizadapela adopção do desenho das capitulares quadradasromanas como norma para a titulação dos manuscritoscarolíngios.Ainda nesta fase de normalização da escrita, foramdeterminadas as proporções verticais das letras,eliminando-se os exageros estilísticos dos seusascendentes e descendentes (porções da letra queultrapassam as linhas que delimitam a altura doseu corpo), através do estabelecimento duma

Escrita Merovíngia

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estrutura de orientação e contenção do texto, compostapor quatro linhas horizontais (Wilson, 1991). Oresultado final foi um desenho de letra que viria ainfluenciar os calígrafos Italianos dos séculos XVe XVI, atraídos pela sua clareza, legibilidade eelegância, bem como pela aura clássica que possuíae transmitia. Os modelos destes primeiroscalígrafos do Renascimento, por seu ladoinfluenciariam o desenho dos primeiros tiposfundidos em Itália. Através desta linhagem, aminúscula carolíngia teve uma influência marcanteno design de muitas caracteres tipográficos aindahoje em uso.

No fim do século IX o império de Carlos Magnocomeçaria a desintegrar-se, devido tanto aos conflitosinternos entre os seus descendentes, como devidoàs incursões agressivas de várias tribos em migração.Vikings, no norte, Magiares, vindos da Ásia Central,a leste, e a pressão dos Árabes por todo oMediterrâneo, Palestina e Península Ibérica, contri-buiriam decisivamente para o restabelecimento docaos na Europa.Apesar da persistência da escrita carolíngia durantealgum tempo, em meados do século XI a diversidadetinha reassumido o terreno das formas escritas. Nos

Minúsculas Carolíngias

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

séculos XII e XIII, com a fundação das primeirasUniversidades em vários pontos da Europa e, emconsequência, com o ressurgir de uma cultura laica,a escrita deixa de ser património quase exclusivodas ordens religiosas. A maior procura de textos,por um público cada vez mais vasto e exigente(nobres, professores e estudantes das Un-versidades), contribui para o surgimento de umnovo ofício, o de amanuense, que se torna cada vezmais importante e difundido, sobrevivendo atémuito tempo depois da invenção da imprensa comcaracteres móveis. Estes escribas laicos organizaramoficinas (chegando mesmo a constituir corporações)onde cada exemplar do livro a copiar era divididoem cadernos distribuídos a diversos copistas demodo a suprimir um pouco a lentidão dos processosde cópia, acelerando a sua produção (McMurtrie,1965). A pesquisa de novas técnicas para aceleraro processo reprodutivo torna-se rapidamente numaexigência, dada a crescente procura de livros poruma sociedade que descobre o valor e a necessidadede instrumentos idóneos para o seudesenvolvimento cultural. E são estas exigências eestas experiências organizativas que vão criando ocenário para o surgimento de um dos maioresinventos da História: a imprensa de caracteresmóveis.Mesmo após a aparição e consolidação desteinvento, devido à normalização estabelecida com afundição dos tipos de imprensa, os copistas e osamanuenses não desapareceram, continuando emlinha paralela com a imprensa de caracteres móveis,concorrendo com ela, influenciando-a formalmente,estabelecendo e desenvolvendo a caligrafia comoforma autónoma de arte.

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As formas da Tipografia

No Ocidente existem dois grandes grupostipográficos: os Latinos (conhecidos comoAntiqua, na tradição anglo-saxónica) e os Góticos(Letra negra ou Inglesa antiga). Cada um estásubdividido em numerosas famílias, que frequen-temente não apresentam fronteiras claramentedefinidas.O desenvolvimento das formas tipográficas quemais nos dizem respeito começou em Roma. Aescrita Romana com formas básicas provenientesdo quadrado, triangulo e círculo, era realizada emletras capitais. Estas, enriquecidas por entradasposteriores - G, J, K, U, W, X, Y e Z - quandoreduzidas à sua estrutura, apresentam um ritmovisual único e agradável, independentemente dasequência l inear em que se encontremorganizadas.Esta escrita, originalmente utilizada apenas nagravação em pedra, foi entrando noutrosdomínios, passando a ser registada diariamenteem tábuas de cera, adaptando-se ao instrumentode escrita utilizado, o estilete, bem como àvelocidade de registo que este permitia. A escritafoi-se tornando cada vez mais estenográfica.Quando a pena de ganso passou a ser utilizada,assim como o papiro e o velino adoptados comomateriais de escrita, surgiram as capitais rústicas.Geralmente apresentavam-se inclinadas devido àvelocidade a que podiam ser escritas. As capitaisrústicas corriam (do Latim currere): daqui provéma designação de cursivas às letras que imitam aescrita caligráfica. São igualmente a fonte dos tiposclassificados como itálicos, pois a sua primeira

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

versão surge em Itália, criada pelo impressorveneziano Aldus Manutius em l501.A escrita dos primeiros séculos do Cristianismo eraa uncial, derivada do arredondamento do desenhodas antigas capitais Romanas. Nem as rústicas nemas unciais possuíam letras minúsculas. Apenasexistiam algumas tentativas para melhorar a sualegibilidade pelo recurso aos ascendentes oudescendentes. A primeira tentativa de construção deum alfabeto com maiúsculas e minúsculas verifica-se com a meia-uncial, onde existem variações na escalados caracteres, no sentido de obter contraste ehierarquia entre as letras grandes (maiúsculas) e aspequenas (minúsculas).Com o renascimento científico no reinado de CarlosMagno, a preocupação com a preservação e uso dapalavra escrita teve novo incremento. Era necessáriauma forma de escrita que fosse fácil de produzir eler. Desenvolveu-se então uma caligrafia a partir dauncial e da meia-uncial com uma grande variedade deformas, tanto rectilíneas como redondas, que podiaser rapidamente produzida com uma pena de ganso.Trata-se da primeira escrita a apresentar umaminúscula normalizada e com um desenho próprio,independente do formato da maiúscula corres-pondente.No norte da Europa, o período gótico influenciariaigualmente as formas caligráficas, que se tornariamponteagudas, quebradas e esguias, originando assima letra negra, fonte de uma das duas grandes famíliastipográficas ocidentais.A classificação de formas caligráficas e tipográficasé um campo em que calígrafos, designers tipo-gráficos, gravadores, pintores, editores e estudiososde várias áreas do saber devotaram a sua atenção ao

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longo dos séculos, com graus de sucesso variáveis.Nenhum sistema foi estabelecido, apesar dosesforços para encontrar uma classificação aceitáveluniversalmente. Uma situação semelhante ocorrena classificação das artes: os mesmos estilos eperíodos foram baptizados com nomes diversos,épocas distintas numa classificação, uniformizadasnoutra, provocando a desorientação e o erro.Sem entrar em detalhes profundos, os caracterestipográficos em uso na nossa época podem ser assimcaracterizados:A primeira família, os caracteres latinos (ouromanos), tem três classes:1 - Veneziana, incorrecta mas tradicionalmenteconhecida como Medieval. Representativos destaclasse são os caracteres de Garamond, AldusManutius e Jenson, desenhados e utilizados nosséculos XV e XVI. As maiúsculas deste períodoreproduzem as inscrições em pedra feitas mais demil anos antes em Roma. Os pés, diagonais esarifos, que foram acrescentados no século VII àsletras pequenas, devido ao grafismo dos aparos depena manipulados numa posição oblíqua ao planode escrita, evoluiram gradualmente até à sua fixaçãodefinitiva em tipo metálico.2 - Romana Antiga, que surge no período barroco.Os exemplos mais marcantes provêm dastipografias de Janson, Caslon, Baskerville eFournier, caracterizados pelo reforço do contrasteentre bastões e filetes, bem como do aumento davariedade de formas de letra, possíveis com astécnicas de gravura em chapa de cobre.3 - Romana Moderna, o formato do períodoneoclássico, utilizado até à época Vitoriana. Os

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

nomes mais representativos são os de Bodoni eDidot. Muitas versões destas Romanas Modernasforam feitas até às primeiras décadas do séculoXIX, mantendo-se algumas delas ainda em uso,transformadas e adaptadas aos gostos e tecnologiasactuais.Surge então outra grande familia tipográfica decaracteres lineares, mas morfologicamentedescendente da latina, conhecida com designaçõestão diversas como Gótica, Grotesca, Egípcia,Italiana ou Clarendon. Estes nomes pouco ou nadatêm a ver com as características morfológicas destafamília, devendo-se a fantasias e tradições surgidasno meio tipográfico. Pode ser subdividida em duasclasses:- Lineares Sans-Sarif, cujas linhas uniformementefinas reflectem a estrutura dos caracteres latinos.Eram escritas ou desenhadas com um aparoredondo.- Lineares com sarifos, à semelhança da classe an-terior que se caracteriza pela (quase) uniformidadena espessura dos seus traços, mas que possuisarifos. As Egípcias apresentam sarifos com amesma espessura das linhas estruturais, sendocaracterizadas pela sua ortogonalidade, semarredondamentos nas intersecções. A Italiana (quenada tem a ver com os tipos itálicos), é legível etolerável apenas em palavras isoladas. Tem linhashorizontais e sarifos densos, contrastando com aligeireza das verticais. As Clarendon, diferem dasEgípcias pela diferença de espessura entre bastõese sarifos, bem como pelo seu arredondamento nospontos de intersecção com a estrutura do caractere.Os tipos Cursivos desenvolvidos a partir dostextos escritos nas Chancelarias, bem como pelo

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interesse por eles demonstrado no Renascimento,tiveram um período de cerca de dois séculos a partirda invenção da imprensa em que se podiam consideraruma família tipográfica autónoma. Ao longo dotempo foram perdendo essa autonomia, passandoactualmente a ser apenas variantes de qualquer classetipográfica. A sua função resume-se à diferenciaçãode partes do texto (citações e destaques).Por último, os tipos de Fractura, Góticos ou LetraNegra, estão a ser cada vez mais postos de parte.No tempo de Gutenberg, em meados do século XV,a Letra Negra Estreita ou Escrita de Livro era opadrão em vigor em quase toda a Europa. As curvasdas letras eram decompostas em pequenos segmentoslineares originados pelo aparo cortado em bisel,originando páginas com uma textura notável, mas dedifícil leitura.

Desde o início da tipografia que os artistas gráficos(tipógrafos, gravadores, designers) têm feito inú-meras experiências no campo da concepção edesenvolvimento de novos desenhos tipográficos.No nosso século, essas tentativas são inúmeras,veiculando na maior parte dos casos mais o cunhodo seu autor do que propriamente uma inovaçãomarcante, seja nas características formais, seja naeficácia e legibilidade do tipo. Muitas demonstraram,com o passar dos anos, ter tanta qualidade como asantigas, enquanto a maioria simplesmente sedesvaneceu, dado se limitarem a ser forma semconteúdo, simples ecos de modas.

A letra n em sete variações detipo redondo. Da esquerda para

a direita: Veneziana (tambémchamada Medieval), Romana

Antiga, Romana Moderna,Sans Sarif (ou Grotesca),

Egípcia, Italiana e Clarendon.

Introdução

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A Letra: Comunicação e Expressão

Os primeiros tempos da Tipografia

No princípio do século XV os livros eraminteiramente manuscritos. Apesar de se utilizar aindao pergaminho ou o velino (pele de vitelaespecialmente tratada), o uso do papel, feito dedesperdícios e trapos de linho, era cada vez maiscomum.O comércio de livro já existia, e a sua manufacturaestava, como já foi referido, organizada emrudimentares linhas de produção. No entanto, o livrocontinuava muito longe de ser um objecto de usoquotidiano. Dada a situação quase universal deanalfabetismo, os conhecimentos continuavam atransmitir-se oralmente, sendo os eruditos abastados,instituições eclesiásticas e algumas casas da altanobreza, os únicos que poderiam dar-se ao luxo dasua compra, pois um simples livro de papel poderiacustar até dez vezes o salário de um operárioqualificado. Mas a instrução ia-se alargando,fundavam-se Universidades, e era imperiosodescobrir um método de produzir livros maiseficiente e rápido do que a reprodução manual decada uma das suas letras.Gutenberg, ourives de ofício, sabia como fundirobjectos metálicos, moedas, por exemplo, comocunhar ou estampar letras ou imagens no metal. Asua ideia consistia no estabelecimento de umprocesso de mecanizar a produção de livros,adoptando estas técnicas para copiar os seus textos.Ignora-se como ou quando concebeu a ideia de fundircaracteres metálicos individuais, combináveis empalavras que, uma vez impressas, seriamdesmontadas para reorganizar os caracteres em no-vas palavras que seriam de novo impressas. O

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Introdução

importante é que essa ideia foi levada à prática,provocando assim uma das maiores mudanças nahistória da humanidade.Gutenberg teve a visão de conjugar todas as técnicase matérias primas já existentes e ao seu dispor,acrescentando-lhes o conceito inovador do caracteremóvel. O papel e o velino que existiam em quantidadesuficiente, tintas, prensas de madeira utilizadas parao linho e as uvas, modelos para copiar com umacaligrafia de grande regularidade, bem como osconhecimentos de metalurgia e de ourivesaria quepossuía, constituíram os ingredientes necessáriospara pôr em marcha a sua ideia.Gutenberg tinha também a sensatez necessária parasaber que o êxito do seu invento dependia da totalverosimilhança entre o produto impresso e o livromanuscrito. Para o conseguir, teve de cunhar e fundirvárias versões dos mesmos caracteres, bem comodiferentes ligações entre letras, de modo a poderimitar todas as variações do manuscrito escolhidopara reproduzir. Fundiu assim uma familiatipográfica que ultrapassava os trezentos tipos,número exorbitante, se comparado com uma qualquerfamília tipográfica moderna que, com caixa alta, caixabaixa e caracteres especiais, em pouco ultrapassaráos cinquenta tipos.O processo de fundição dos caracteres consistia numasequência de operações iniciada com a gravação decada letra ou sinal em relevo num bloco de aço,originando os punções correspondentes a cadacaractere. Estampando estes punções num bloco demetal mais maleável, obtinham-se as matrizes, quepor sua vez eram aperfeiçoadas até se transformaremno molde final. Nestes moldes era vertida uma ligametálica que tinha de responder aos seguintes

Algumas das cerca de 300letras e ligações alternativasnecessárias para simular as

páginas manuscritas.

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A Letra: Comunicação e Expressão

quesitos: permitir uma fusão fácil, uma fluidezuniforme do metal dentro do molde e uma resistênciaao desgaste que permitisse pressioná-lo inúmerasvezes contra o velino ou o papel, mantendo a nitidezdo desenho inicial. Esta liga era composta porchumbo, antimónio (que aumenta a dureza e reforçaos filetes) e estanho (que impede a oxidação efacilita a fusão do chumbo), e a sua fórmulamanteve-se praticamente inalterada até ao adventoda fotocomposição (McLean, 1980).No capítulo da impressão, Gutenberg constatouque a melhor tinta era uma mistura de óleo de linhaçae de pigmentos utilizada pelos pintores de óleos.É de referir que a sua qualidade, no que respeita àdensidade dos negros e indelebilidade, nunca foisuperada.Gutenberg compôs a sua Bíblia com caracteres cujodesenho imitava a caligrafia que a Igreja do Norteda Europa utilizava para produzir as suas Bíbliase missais6. Trata-se de uma letra classificada comogótica negra ou gótica de forma (Fioravanti, 1983).Tem um desenho esguio, rectilíneo, praticamentesem curvas, mais desenhada que escrita. O seuformato, para além das semelhanças morfológicascom a arquitectura da Europa Setentrional, seriamotivado pela necessidade de colocar em cada linhao maior número possível de letras, dado o custo dovelino e do papel (McLean,1980). Quanto à sualegibilidade, o mínimo que se pode dizer é que édeficiente. Os caracteres não são suficientementediferenciados entre si: o n, por exemplo, écomposto por dois ii e o m por três, fazendo comque combinações como mni se tornassemconfusas. Mas a legibilidade não ocupava grandeespaço entre as preocupações dos copistas

6- A Bíblia de 42 linhas éconsiderada o primeiro livroimpresso no ocidente: a sua

realização foi uma tarefa tãoimensa e onerosa que terá

provavelmente sido a causa daruína de Gutenberg. Consta de

1286 páginas no formato290 x 409 mm, repartidas em

dois volumes.Calcula-se que os exemplares

realmente impressos porGutenberg rondassem os

duzentos, sendo cerca de trintasobre velino. Dos 48

exemplares conhecidos (36sobre papel e 12 sobre velino),

só 21 estão completos(McMurtrie, 1965).

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Introdução

medievais. Esta caligrafia formal permitia realizarpáginas muito densas, com uma textura muitocaracterística. O que se perdia em legibilidade,ganhava-se em beleza.

Enquanto a letra gótica, nas suas diversasvariantes, seria o tipo mais utilizado na Alemanhaaté meados do nosso século, os estudiososhumanistas da Itália do século XV preferiam oscaracteres redondos; os impressores queprotagonizaram a expansão da tipografia a todosos cantos da Europa, iam fundindo famílias decaracteres copiadas das caligrafias que os seus

Página da Biblía de 42 linhasde Gutenberg

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A Letra: Comunicação e Expressão

clientes preferiam. Nas obras dos impressoresque, tendo ultrapassado os Alpes, se iam fixandocada vez mais para sul, pode verificar-se asubstituição da gótica negra pela redonda (ouhumanística). Numa outra direcção geográfica,Inglaterra, a imprensa também se expandia. Em1476 já aí se encontrava, pela mão de WilliamCaxton. Todos os tipos utilizados por Caxtoneram variantes da gótica negra, ou adaptações dacaligrafia medieval anglo-saxónica, que originariama letra negra inglesa. Gradualmente, osimpressores ingleses foram adoptando os critériosestéticos seguidos em França, abandonando agótica, substituindo-a pela redonda (Fioravanti,1983).

De Plantin a Bodoni

No princípio do século XVI, os livros impressoscomeçavam a tornar-se objectos verdadeiramenteautónomos, e não meras cópias de manuscritos.O que não aconteceu sem oposição: os copistas,vendo no avanço da imprensa uma séria ameaçapara o seu ofício, cerraram fileiras, tentando lançara suspeita sobre a legitimidade dum processo quepretendia reproduzir a palavra de Deus sem aintervenção do Homem. Havia igualmente repulsada parte de alguns bibliófilos, que declaravamjamais admitir a presença dum livro impresso nasua biblioteca (McLean, 1980). Ao princípiolenta e cautelosamente, e depois cada vez maisdepressa, o progresso da imprensa praticamenteacabou com o ofício de copista; só então houveliberdade e terreno para se estabeleceremconvenções e características próprias. A portada

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Introdução

(ou página de rosto), que quase nunca existira nosmanuscritos, tornou-se norma. Geralmente era aíimpressa a marca e o nome do impressor (que eracumulativamente, o editor). Foi desenhada acursiva em Itália (motivo por que também foiconhecida por itálica), inspirada na caligrafia rápidausada na produção de documentos nas cancelariasdo Vaticano e das Cortes (daí ser igualmenteconhecida como Chanceleresca). A cursiva tornou--se rapidamente numa alternativa tipográfica paraos caracteres redondos, já que tinha a vantagemde ser simultaneamente compacta e elegante,mantendo-se como família tipográfica autónomadurante cerca de dois séculos, vindo a transformar-se gradualmente no que é hoje, uma variação daredonda.

A mais antiga representaçãoconhecida de uma

prensa tipográfica.Xilogravura, com a marca

de um impressor francês(Josse Bade, sécs. XV e XVI).

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A Letra: Comunicação e Expressão

Neste mesmo período verificou-se que já não havianecessidade de decorar manualmente os livrosimpressos, pois as técnicas de gravação e impressãocom chapa de cobre ou aço já estavam perfeitamenteconhecidas e dominadas.Entre os impressores-editores do século XVI, o maiscélebre terá sido Plantin, que estabeleceu uma oficinaque se manteve em actividade por mais de 300 anos.Plantin estabeleceu algumas das características formaisdo desenho tipográfico em França que viriam ainfluenciar toda a produção livreira na EuropaOcidental nos séculos seguintes. Nesta casa editorater-se-ia dado início à colaboração regular entreartistas plásticos e gráficos. Rubens, por exemplo,desenhava e gravava portadas em chapa de cobre paraas edições de Plantin (Drucker, 1995).Nas artes plásticas deste século verifica-se asolidificação dos princípios filosóficos do Renas-cimento. O fascínio pelas civilizações clássicas, o idealhumanista tendente a tornar o Homem na medida detodas as coisas, a procura da verdade pelo estudo como abandono gradual do dogma religioso. Até aosurgimento do capitalismo moderno e do estadoabsoluto, as imagens eram escassas, tinham umcarácter único, o seu preço (mesmo para as de piorqualidade) era elevado, eram concebidas comoinstrumento didáctico ou político de uso colectivo(igrejas e edifícios públicos) e, em qualquer caso,apenas as classes dominantes podiam deter, a títuloprivado, um grande número de imagens para uso efruição particular.Esta situação adquire novo aspecto no fim do períodomedieval. Por um lado, o sistema feudal começou aser ultrapassado pelo moderno Estado centralizado,graças a um complexo movimento social que traria

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Introdução

consigo o fim da servidão da gleba e o crescimentodas cidades. O aumento da circulação monetáriapermitiria, sobretudo nalgumas regiões, iniciar ummovimento expansionista para a indústria e ocomércio. O descobrimento de novos territórios ede novas vias comerciais, incrementando ocrescimento geral da riqueza traria consequenciaspsicológicas notáveis, de que se pode destacar odesenvolvimento do individualismo. Coincidindocom a aparição do capitalista, o industrial ou ocomerciante independentes, que triunfam a títuloexclusivamente pessoal, de um modo similar ao dogeneral ou do escritor, o artista, produtor de imagens,afirma mais do que nunca a sua posição privilegiadana tentativa de alcançar a independênciarelativamente às antigas mas ainda poderosascorporações profissionais. No seu campo de acção,o antigo repertório temático (iconografia religiosa) éampliado graças à importância que é atribuida àmitologia e à história clássica, sabiamente utilizadasem função dos interesses do cliente. Por outro lado,outros géneros menos comuns até então, como oretrato ou a paisagem, testemunham a crescenteimportância dada ao indivíduo e a progressivautilização figurativa do meio natural (ruínas,paisagens ideais). Sem sair do campo da artetradicional, é de salientar que as inovações nastécnicas pictóricas e escultóricas contribuiram demodo significativo para aumentar a “densidadeiconográfica” (Ramirez, 1976:23). A pinturasobre madeira, de pequeno formato e custo, emcomparação com o fresco, seria quase abandonadagraças aos novos suportes como o cobre e, sobretudo,o linho. Com este último puderam obter-se grandesformatos, facilidade de transporte dado o seureduzido peso e consideráveis reduções nos custos.

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A Letra: Comunicação e Expressão

O pintor não precisava agora de sair do seu atelier epodia executar, graças a uma adequada racionalizaçãodo seu trabalho (que incluia em muitos casos aparticipação de vários ajudantes e aprendizes), umnúmero de obras muito superior num reduzido prazode tempo. O óleo, que manteria durante séculos umasupremacia indiscutível, proporcionaria imensaspossibilidades pela sua facilidade de trabalho, poderde cobertura e subtileza e brilho resultantes. Osquadros tornaram-se mais baratos e muitos sectoresda baixa nobreza e da burguesia nascente passaram arodear-se de imagens de si próprios, de familiaresou de acontecimentos célebres da história, da religião,dos mitos ou da natureza. Nos Países Baixossurgiram mercados abertos de imagens pintadas,iniciando um processo de separação entre o artista eo comprador, que culminaria com a totaldessacralização da imagem.A linearidade que caracterizava as relações sociais eculturais da Idade Média desaparece noRenascimento, em que estas relações se tornam cadavez mais complexas. A imprensa de caracteres móveissurgiu e difundiu-se a uma velocidade vertiginosa.Com ela surgem os autores de todos os géneros,graças aos quais a consagração, contestação e/ouproposição de novos valores sociais, passando pelasprensas, será difundida. No campo da arte, este novomeio de produção intelectual assumirá um papelambíguo e contraditório: por um lado permitirá aexaltação da vida e da obra de grandes artistas,divulgando sobre eles opiniões críticas e valorações,numa escala sem possibilidades de comparação coma capacidade de produção e difusão dos produtoresde imagens. Enquanto o que se afirmava sobre umaimagem poderia chegar a um público virtualmente

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Introdução

ilimitado, essa mesma imagem, dado o seu carácterde obra única (passível de cópia mas não derepetição), ficava necessariamente reservada àcontemplação por um ínfimo grupo populacional, oque permitia a manutenção da “aura” de certas obras,criando-se assim mitos e hábitos de percepção icónicafortemente impregnados de “literatura”. Por outrolado, o livro foi o principal veículo de difusão deoutras imagens, o motor de uma verdadeirademocratização da imagem, antecedendo os modernosmass-media. Esta função foi possível graças à gravuranas suas diversas aplicações: incorporada nosfrontispícios, vinhetas e caixilhos decorativos, nasilustrações interiores em inúmeros tratados literáriosou científicos. Com estes paradoxos e contradições,o livro e os conteúdos por si veiculados serãoporventura responsáveis por algumas dasambiguidades e insuficiências das noções sobre arteque herdamos.

No campo específico da tipografia e da caligrafia,surgiram tratados sobre a construção dealfabetos baseados nos mesmos princípios da

Em cima: Albrecht Dürer,construção de maiúsculas, 1525Ao lado: Alfabeto de Leonardo

da Vinci e Fra Luca Pacioli,C.1540

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A Letra: Comunicação e Expressão

razão que nortearam o pensamento dos estudiososda época.Albrecht Dürer e Leonardo da Vinci, entre outros,deixaram o seu contributo neste campo, influenciandoo desenho de caracteres tipográficos e o ressur-gimento de uma tradição caligráfica que entrara emdeclínio com o surgimento da imprensa.Os livros Franceses do século XVII, decorados comornamentos tipográficos, ilustrações e margensxilogravadas, estabeleceram padrões para o designde livros que se mantiveram em vigor até ao fim datipografia metálica. Alguns nomes, como Estienne,Geoffrey Tory, Garamond, Granjon, deixaram nestaépoca a sua marca na história da tipografia.O gosto pelo excesso ornamental e estilístico doBarroco marca fortemente o panorama das artesplásticas deste período, sendo a imprensa (nomea-damente a francesa) um espelho desse fascínio peloornamento. Um grande impulso é dado com a criaçãoda Imprimerie Royale, uma espécie de editora doEstado que, com a participação da Academie desSciences, desenvolve um projecto para a criação deum tipo oficial, exclusivo da casa real, as Romainsdu Roi (McLean, 1980), que se tornaria a curto prazono padrão estético de praticamente toda a produçãotipográfica na Europa.No século XVIII, a tipografia sofre novosdesenvolvimentos, agora na Grã-Bretanha, que seliberta das influências francesas do século anterior,tentando estabelecer padrões próprios. Dois nomesmarcantes dessa evolução são William Caslon e JohnBaskerville, autores de várias famílias de caracteresainda hoje em uso, bem como de um estilo editorialmuito próprio (poder-se-ia dizer Britânico), clás-sico, sóbrio, sem ilustrações ou ornamentos de

De Imitatione ChristiImprimerie Royale, 1640

T e K de Geoffrey Tory,baseados nas proporções humanas

(Champfleury, 1529)

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Romana Moderna(Catálogo de Didot, 1800)

Introdução

qualquer espécie. A arte de imprimir e oscuidados nos acabamentos das suas edições fazcom que os seus livros sejam referenciados pelosseus nomes e não pela obra ou autor nelesimpressos. Os tipos romanos de Caslonbaseavam-se no desenho produzido pelas plumascaligráficas de aparo quadrado: deslocando-selateralmente, a linha é fina, movendo-se parabaixo, grossa. Esta variação de espessurasprovoca um efeito sobre as letras redondas comoo e e o o, conhecida na tipografia comomodulação oblíqua (Wilson,1991).No século XVIII, também chamado século dasLuzes ou da Razão, os caracteres tipográficosabandonariam as ligações que ainda mantinhamcom a escrita caligráfica, convertendo-se emformas autónomas sujeitas a desenvolvimentostanto formais como intelectuais. Foi um francês,Firmin Didot, que deu esse passo, criando aromana moderna, com uma modulação vertical(perpendicular à linha de escrita) e cujos remates,ou sarifos, são filiformes. Apesar de se tratar deuma solução intelectual e teoricamente lógica,nunca foi muito popular entre os tipógrafosanglo-saxónicos, que preferiram continuar na linhaestabelecida por Caslon e Baskerville. No entantoem França, e nos restantes países da Europa me-ridional, os tipos modernos foram adoptadosrapidamente para quase todo o material de leitura.Estes tipos de Didot pareceriam no século XVIIItão lógicos e racionais como os tipos lineares paraos modernistas dos anos vinte do nosso século.Este conceito das romanas modernas teria o seudesenvolvimento final com o tipógrafo italianoGiambattista Bodoni. Os seus tipos foram-se

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A Letra: Comunicação e Expressão

Alfabeto tipográfico de Bodoni

tornando gradualmente mais formais, rígidos egeométricos,

“(...) engrossando os traços grossos, adelgaçandoos finos. Tão perfeitos eram estes caracteres nosseus detalhes, que conferiam aos livros um estilotão oficial como uma coroação e tão frio como osvizinhos Alpes”.(McLean,1980:22).

Neste período as artes plásticas refletem o retomardas ideias Renascentistas, abandonando os excessosdo Barroco e do Rococó, retratando situações dopresente cronológico através de alegorias ereferências morais da cultura greco-romana,utilizadas pelos poderes surgidos da RevoluçãoFrancesa tanto para ilustrar a ruptura com o antigoregime, como para apresentar didacticamente ummodelo a seguir nos novos tempos. Modelo que seimporia nas artes, no vestuário, no mobiliário, naorganização social e política. Estas transformaçõesradicais abririam fendas nas estruturas mentais dasociedade europeia, algumas com séculos deexistência, levando-as à sua desintegração eoriginando uma sucessão de revoluções de carizideológico e cultural que ainda hoje não terminaram.Uma destas fendas surge com a ideia de consideraro direito à informação e à cultura, em algo tão uni-versal e sagrado como o direito ao alimento e àcidadania.Para cumprir este ideal democrático, a imprensaseria o veículo de eleição, pois permitiriareproduzir em milhares de exemplares as ideias, asnotícias e as descobertas que cada vez maisrapidamente se produziam. Surgem assim osjornais, os folhetos, os cartazes, que, numacadência cada vez mais acentuada vão conquis-

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Introdução

tando um espaço na sociedade ocidental, vindo aser a curto prazo algo tão essencial à existência,como o pão e a liberdade, tal como tinham postuladoos revolucionários em França. Naturalmente que osúbito incremento na produção e no consumo demateriais impressos teria custos ao nível daqualidade: a tipografia começou a perdergradualmente os padrões de excelência que anortearam desde a sua génese, respondendo apenasa critérios de rapidez, rentabilidade e de respostaaos níveis mais banais de gosto provenientes dasociedade burguesa em expansão nos grandescentros urbanos.

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A Letra: Comunicação e Expressão

Paul Klee, “E”, 1919

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Raízes da tipografia contemporânea

As raizes da tipografia contemporanea estão maisligadas à poesia, arquitectura e pintura da primeirametade do século XX, do que a qualquer grandemudança tecnológica sentida na indústria gráfica. Operíodo do grande salto em frente, um tempo comcerca de 20 anos que separa a tipografia moderna datipografia clássica teria o seu início com a publicaçãodo Manifesto Futurista em 1909.O desenvolvimento da fotografia, de novas forçaspolíticas e sociais, novas atitudes filosóficas,contribuíram igualmente para o estabelecimento denovas atitudes que viriam a estabelecer as basesoperativas do design de comunicação.Invenções, guerras, colapsos económicos, revoluçõespolíticas, mudaram não só a aparência das coisas,mas também violentaram valores tidos comoabsolutos até então. Tradições anteriormenterespeitadas e veneradas tornaram-se incómodas ou,pior ainda, obstáculos ao progresso e à adaptação aonovo mundo que se formava.O advento do automóvel em 1885, da telefonia semfios e do cinema em 1895, das máquinas voadorasem 1903 e de um inúmero rol de inventos edescobertas científicas, em contraste com as chacinasdas guerras e o avolumar da miséria e da doença, fezsurgir o sentimento que “deve existir outro modo”.Era um tempo de revolução, tanto cultural comopolítica. E se as forças que directamente afectavama tipografia neste período foram as vanguardaspoéticas, a arquitectura e a pintura, estas, por seulado, eram afectadas pelos fenómenos tecnológicos,económicos, sociais e políticos que estavam entãoem curso. Na segunda metade do século XIX, as

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A Letra: Comunicação e Expressão

transformações sentidas na tipografia e no designtipográfico ligavam-se às novas tecnologias defundição, composição e impressão. Em contrapartida.não havia surpresas de nível visual. O período seguinte(1880-1920) foi, pelo contrário, uma época defomento artístico que afectou as artes e o design deum modo irreversível.

As ligações com a vanguarda artística

O que poderão ter Picasso, Mondrian ou Kandinsky,por exemplo, a ver com o design de novos tipos oucom a escolha e aplicação de ilustrações e letteringsno projecto de um cartaz ou de uma brochura?Artistas plásticos, arquitectos e poetas do fim doséculo XIX e início do século XX, desenvolveramnovos processos para a representação das relaçõesespaciais, das formas, texturas e cores. O seu trabalhoinovador, apresentando imagens e palavras de modosinéditos, era contagioso: os desenhadores decaracteres aperceberam-se das novas correntesartísticas, leram os novos poetas, viram as novaspinturas, abrindo os seus olhos e as suas mentespara novas ideias, e o seu espírito criativo e períciatécnica foram estimulados para aplicar esta lufadade ar fresco no seu trabalho. A influência das belas-artes não era tão subtil e remota como isso: poetascomo Guillaume Apollinaire, pintores como ElLissitzky ou Theo van Doesburg, arquitectos comoHenry van de Velde descobriram possibilidadesinsuspeitas nos elementos tipográficos existentes,aplicando-os de modo inovador. Além disso, haviaum convívio estreito entre os criadores artísticos etipográficos, com a consequente permuta de ideias esaberes. Os designers tipográficos estavam a

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Raízes da Tipografia Contemporânea

aprender a não depender de formulários estabelecidos,desenvolvendo soluções originais, surgidas denecessidades concretas, levantadas por problemasespecificos de comunicação.

De Constable a Kandinsky

Desde o Renascimento até meados do século XIX, osassuntos tradicionais da pintura, frequentementeheróicos ou religiosos, baseavam-se no respeito aoscódigos clássicos da composição, na exaltação datécnica pictórica e do saber-fazer, no uso de paletasde cores harmoniosas, perspectivas correctas e bomdesenho. Se na arte existiu sempre algo de abstracto,manteve-se sempre dentro de limites muito restritos.Nos meados do século XIX o mecenato das artes peloEstado, pela Igreja e pela aristocracia entrou emdeclínio, e os artistas tornaram-se, ou antes, foi-lhespossível tornarem-se mais subjectivos.Os retratos e paisagens que caracterizavam muita daprodução da época foram marcados pelos trabalhosde Corot e Millet, em França, e, em Inglaterra, deConstable e Turner, entre outros, que apesar derepresentarem a natureza de um modo muito realista,imprimiam algo de poético no resultado final. Estesautores foram classificados como românticos, pelainterpretação dramática, por vezes inquietante quefaziam da natureza. Pela perspectiva actual, a suadistância da representação convencional épraticamente nula.A partir de 1870, os pintores tornaram-se maisousados, mais subjectivos no modo de ver erepresentar a realidade. Os impressionistas comoMonet, Pissarro, Renoir serão porventura os nomesmais marcantes dessa viragem.

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A Letra: Comunicação e Expressão

As paisagens de Monet, muitas vezes representando omesmo cenário em diversos momentos do dia, revelavamas suas sensações perante as variações de aspecto dosobjectos provocadas por diferentes luminosidades.Pintavam-se impressões pessoais e não apenaspaisagens. Uma nova emoção, uma vitalidade subjectiva,gráfica e espiritual, ia emergindo dos seus trabalhos. Apintura impressionista marcou a primeira grandefractura com os tradicionais valores pictóricos, já velhosde séculos.

ImpressionismoUma interpretação mais livre do tema

Renoir, Pissarro, Monet usaram os seus pincéis maislivremente do que era então regra. Faziam manchasde cor ao acaso. Desenhavam contornos que nãocorrespondiam necessariamente ao objecto queestavam a pintar. Mas formavam, no fim, relaçõescoerentes entre as partes que constituíam as suaspinturas. O olhar concentrava-se nas característicasfísicas do objecto e nas impressões de cor deleprovenientes. Modificavam então a representaçãodo óbvio com a finalidade de obterem os efeitosvisuais de textura, cor e sentimento que pretendiamexprimir e partilhar. Mas a sua ruptura com arepresentação tradicional foi ainda mais longe:libertaram-se gradualmente das normas daperspectiva cónica, recorrendo a dois ou mais pontosde fuga numa mesma composição, ou, de forma aindamais extrema, representando o tema dum modobidimensional, anulando a perspectiva. No que dizrespeito à composição, existem também sinais demudança, recorrendo à organização assimétrica docampo. A cor, para além da já referida característica

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Raízes da Tipografia Contemporânea

emocional, passa a ser um elemento dinâmico da obra:liberta-se da sua função de preencher os contornosdos objectos (desenho pintado), transbordando dosmesmos. Nem todas as folhas têm o mesmo verde.As sombras possuem cor. A iluminação artificial(primeiro a gás e depois eléctrica) tem também assuas características cromáticas e psicológicas. Osimpressionistas aperceberam-se delas e das suaspotencialidades para a obtenção de certas atmosferasnocturnas e decadentes. As pinceladas passam a serdeliberadamente marcadas e a superfície deixa de serplana. O objecto representado torna-se menos nítido,obrigando o espectador a observar não só a história,mas também a superfície da pintura.Se hoje o seu trabalho é aceite e admirado, nemsempre assim foi. Se hoje há gente (alguns de nóstambém) que reage negativamente à arte gerada porcomputador ou às pinturas de Pollock ou Mother-well, também os apreciadores de arte rejeitaram osImpressionistas quando eles se apresentarampublicamente, rejeitando os seus trabalhos. Dequalquer modo, apesar da recusa quase geral, omovimento vingou, abrindo à actividade artísticapercursos até então impensados.

Post-Impressionismo e Expressionismo:Cada vez mais longe do realismo absoluto

Um maior afastamento do acto de pintarmeramente aqui lo que os o lhos vêem,caracterizou as obras dos ExpressionistasAlemães, bem como de Van Gogh, Cézanne eGauguin. Seurat desenvolveu uma técnica deaplicação das tintas através de pontos de cor pura,em vez das pinceladas convencionais. Van Gogh

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A Letra: Comunicação e Expressão

e Gauguin utilizaram massas de cor saturadas evibrantes, trazendo uma vivacidade e intensidadeemocional sem precedentes à pintura. As suasimagens tinham origem tanto na sua imaginação comonaquilo que os seus sentidos continuavam a captardo exterior. Do mesmo modo, Cézanne, esforçando--se para representar algo para além do real,procurando uma clareza estrutural nas suas pinturas,ignorou muitas vezes as leis da perspectiva e reduziuformas naturais a figuras geométricas simples. Novospadrões e tramas espaciais caracterizavam muitasdas suas paisagens e naturezas mortas. Os últimostrabalhos de Cézanne mostravam as primeiras linhasdo cubismo. O modo livre com que interpretava aforma humana, marcaram as correntes seguintes,Fauves e Cubistas, que tiveram em Cézanne umpercursor7.No início deste século existia na Europa umaconsiderável desilusão com os modos de vida e asinstituições anteriormente aceites. O descréditoabatia-se por toda a parte. Em 1905, a fé na sociedadee os slogans do progresso estavam de tal mododeteriorados, que interrogações sobre todos osaspectos e todas as coisas da vida, todos os valoressociais, as relações humanas e as artes, tiveram campopara se colocar.Van Gogh, nos seus primeiros trabalhos,assemelhava-se a Courbet, um realista romântico.Posteriormente, algumas paisagens manifestavamtendências impressionistas. Finalmente, em Arles,o seu trabalho entrou em território virgem: Van Goghfoi um dos primeiros a olhar (e a ver) para além dasuperfície aparente das coisas, remodelando arealidade. Ele queria criar imagens que fossem “maisreais que a própria realidade” (Kandinsky, 1910:84).

7 - As distorções da formahumana em Cézanne, teriam

derivado dos seus estudos de ElGreco. O domínio das verticaise o alongamento dos corpos são

exemplos de distorção, nãopara obter efeitos dramáticos,

mas para compensar a visãodistorcida provocada pela

altura elevada em que ospainéis eram colocados, sobre

os altares. Vistos do chão, eportanto de um ponto de vista

não frontal, a distorçãodesaparece em grande medida.

De qualquer modo, asreproduções fotográficas dostrabalhos de El Greco, teriam

dado a Cézanne a percepção dopoder expressivo que pode

residir na distorção.

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Van Gogh e outros artistas não só misturavamimagens soltas de cenários diferentes, retratos enaturezas-mortas, com aquilo que os seus olhos defacto observavam no sentido de obter um quadromelhor estruturado, como se questionavam se asuperfície aparente das coisas seria o limite para atotal expressão da realidade. Não podendosatisfazer-se com o mero registo daquilo que viam,passaram a expressar nas suas pinturas aquilo quesentiam acerca do objecto ou do momento retratado.As emoções e paixões pessoais passaram a terdireito de cidadania nas suas telas. A subjectividadeia ganhando terreno nos seus trabalhos. OExpressionismo na pintura tomou tantas formasquantos os pintores, que trouxeram as suas atitudessociais e paixões pessoais para o seu trabalho.Linhas elegantes e requintadas eram substituídaspor traços grosseiros e massas de cor agressivasque, reverberando umas contra as outras,substituíram a harmonia plástica e cromática pelodrama visual, inquietante e perturbador. Muitosdestes autores foram influenciados pelo exotismoexpressivo dos povos de que o mundo ocidental iatomando conhecimento, graças às expedições e àexploração crescente dos territórios ultramarinos,que se exprimiam com cores fortes e contrastantes,em que as linhas e os planos sugeriam, mais do quedefiniam, a realidade visível . Para osExpressionistas, cor e forma não descreviam apenasum objecto, mas transportavam uma emoção.Este percurso de Constable a Kandinsky acabavade transpor mais um marco.O Expressionismo implica a recusa da depuração,do refinamento. É uma simplificação da linguageme do conteúdo que pretende muitas vezes interpretar

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A Letra: Comunicação e Expressão

as novas atitudes sociais perante a vida, transpondocírculos mais vastos do que os dos artistas e dosapreciadores da arte.

Fauvismo

Um grupo de pintores Franceses entre 1904 e 1908foi ainda mais longe na distorção das formas e nautilização das cores puras. Foram chamados Fauves,animais selvagens. Apesar de ter durado poucotempo como movimento, o seu impacto foi notável.Outros artistas, nomeadamente Kandinsky, peranteos trabalhos de Rouault, Braque ou Matisse, viramnessa altura despertar os seus sentidos para o usoinovador das dissonâncias cromáticas. Para entendera amplitude do impacto social das atitudes destesartistas, deveremos ter em conta que escritores,músicos, filósofos, em muitos países nesta mesmaépoca, passavam por metamorfoses idênticas. Asideias antigas estavam em permanente mutação,sendo muitas vezes literalmente eliminadas. Oespírito que dominava estas mudanças permanentesde atitude influenciava igualmente todos os outrosmodos de vida: não apenas nas artes, mas nasociedade em geral, nas suas facetas económicas,políticas, científicas e tecnológicas. E, naturalmente,em todas as disciplinas aplicadas da arte, como aarquitectura, o design gráfico e tipográfico.Antes de passar ao estudo mais detalhado dasevoluções sentidas na tipografia, continuemos aseguir o percurso dos movimentos artísticos nesteséculo. Há que ter em conta que tipógrafos e designers,desde meados do século passado até ao dia de hoje,sempre se mantiveram atentos aos movimentos dasArtes Plásticas, sendo permanentemente influen-

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Raízes da Tipografia Contemporânea

ciados por eles. Uma mente, uma vez aberta a umanova ideia, nunca mais regressa à sua condição ante-rior, e os desenvolvimentos das Belas Artes abriamas mentes dos que se dedicavam à comunicação e àsartes aplicadas.Hoje, quando um designer tipográfico escolhe umtipo de letra, controlando a sua espessura, forma,corpo e cor, posicionando elementos tipográficos epictóricos relativamente uns aos outros e ao planoonde vão ser impressos, manipulando espaços vaziose blocos de texto e imagem, está, na realidade acompor um cenário de equilíbrios e desequilíbrios,de formas e linhas, tons e cores, tensões e harmonias.As linhas sóbrias e contidas de alguns designs, odinamismo e a vibração de outros, o imensomanancial de elementos tipográficos e pictóricosdisponíveis, bem como critérios estéticos eoperativos existentes devem muito às liçõesaprendidas com vários movimentos artísticos desteséculo.

Art-Nouveau

A arte como decoração

Alguns artistas do período de 1890-1910fizeram evoluir os seus trabalhos noutro sentido.Onde os impressionistas e expressionistasusavam como referente a imagem realista comopartida para o retratar de uma reacção emocionalperante o tema, os artistas da Arte Nova focarama sua atenção nas facetas decorativas do assuntoou do modelo. A Arte Nova infiltrou-se em todasas artes aplicadas, incluindo a arquitectura, odesign de objectos, artes do fogo, têxtil,encadernação, artes gráficas e design tipográfico.

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A Letra: Comunicação e Expressão

Era o ressurgir do estilo barroco numa perspectivaromântica. Linhas entrelaçadas e formas floraistornaram-se comuns. As entradas para o Metro deParis, de Hector Guimard, as jóias de René Lalique,a arquitectura de António Gaudi, o logotipo daCoca-Cola, os posters de Alphonse Mucha e Tou-louse-Lautrec, são alguns exemplos de como a ArteNova influenciou e influencia ainda, muitos aspectosda nossa vida e ambiente.

Nos Estados Unidos, o período da Arte Novacoincidiu (e de algum modo estimulou) odesenvolvimento de novos meios de publicidade,como os painéis laterais dos autocarros, posters,outdoors, catálogos e direct-mailings.A Arte Nova inspirou-se num emaranhado de fontesdesde a caligrafia japonesa às formas ondulantes daspinturas de Van Gogh, dos ornamentos célticos aoestilo barroco, passando ainda pelas cores planas econtornos estilizados das obras de Gauguin. Orna-mentação e linhas sinuosas eram parte integrante dodesign, e não meros elementos adicionais dacomposição. Este período marcou a transição do pas-sado, caracterizado pela representação clássica dasformas, para os movimentos experimentais do iníciodeste século.Os designers gráficos e tipográficos que participaram naArte Nova (em todas as suas variantes regionais) tinhamformação de belas-artes, sendo igualmente sensíveis às

Exemplos de desenho de letrada Arte Nova (Henri van de

Velde, pormenor da capa do livro“Assim falava Zaratustra”

e titulagem de umprojecto de arquitectura

de Joseph Maria Olbrich, c.1900)

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Pablo Picasso,Les Demoiselles d’Avignon,

1907

condicionantes e às necessidades da impressãoartística. Fazendo a ponte entre as belas-artes e aindústria gráfica, foram responsáveis pela melhoriada qualidade das ilustrações e do design tipográfico,numa época em que a comunicação se tornavarapidamente massiva.

Cubismo

Outra divergência de monta com a pintura realista,foi o surgimento do cubismo nos primeiros anosdeste século. Tratava-se de um processo derepresentação de objectos (portanto não totalmenteabstracto) de um modo diferente. A realidade tridi-mensional passava a ser interpretada peladecomposição dos planos em que se situava e dosvolumes que a compunham, ignorandodeliberadamente as regras Renascentistas daperspectiva.Em Les Demoiselles d ‘Avignon, obra emblemáticadeste movimento, são fundamentalmente visíveis aslinhas, as lâminas de cor sugerindo volumes, mas nofim, visualizamos um grupo de mulheres e seremoscapazes de as individualizar. O resultado é, portanto,uma abstracção parcial. A evolução do cubismolevada a cabo por Picasso, Braque, Juan Gris, entreoutros, marcava mais um fortíssimo corte com osquatro séculos de tradição de representação picto-rial Renascentista.Os Impressionistas modificaram a pura representaçãofigurativa, pela introdução de novos processos demanipulação da luz e da cor; os Post-Impressionistase Expressionistas avançaram um passo aodistorcerem os conceitos clássicos da forma real eda perspectiva para obterem o desejado efeito

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A Letra: Comunicação e Expressão

artístico e expressivo. Os autores da Arte Novaconcentraram-se sobretudo nos aspectos decorativosdo objecto representado. Mas o objecto não deixavaainda de ser óbvio e linearmente interpretado. Nocubismo8, a técnica e o estilo sobrepuseram-se aoobjecto. Os pintores cubistas, fortementeinfluenciados pelas estilizações geométricas dasesculturas africanas e igualmente por Cézanne, quegozava então de um considerável prestígio eascendente sobre os novos pintores vanguardistas,desenvolveram finalmente um processo derepresentação de formas inventadas que resulta daanálise e justaposição dos planos de um objecto vistode diferentes pontos de vista, e da construção de umapintura, criando ritmos e relações formais à medidaque os planos se vão compondo, substituindo,reforçando. Não é arte fotográfica. Envolve oespectador, desafiando-o a interpretar aquilo que vê.Outra importante faceta do Cubismo, no queconcerne a este estudo, foi a atribuição às Letras,aos Números, às Notações Musicais e a outroscaracteres tipográficos a importância de formasvisuais concretas, e não de meros símbolos fonéticosou aritméticos, passíveis de manipulação einterpretação, tal como um corpo humano ou umaárvore.

O Futurismo

O Futurismo marcou finalmente a rupturadefinitiva com as tradições clássicas, levando aarquitectura, a escultura, a pintura e a literaturaa um novo nível de interpretação e representaçãoda realidade, conseguindo igualmente subverter eaniquilar o conservadorismo que ainda persistia no

8 - A expressão cubismoteria sido usada pela primeira

vez em 1907, quandoMatisse viu um quadro de

Braque, “Casas eml’Estaque”, falando

depreciativamente em“pequenos cubos”.

Esta observação teria inspiradoApollinaire a baptizar

este estilo como cubismo.

Georges Braque,Statue d’Epouvante, 1913

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Raízes da Tipografia Contemporânea

design tipográfico. Para muitos artistas do séculoXIX (como para a maioria das pessoas), arealidade era essencialmente estática, inalterável.Mas as alterações ao pensamento social queestavam em curso, as desilusões com aexistência, com os governos e com os modosestabelecidos de fazer as coisas, afectaram apercepção da realidade como algo inerte, e,consequentemente, a percepção da sociedadesofreu igual mutação. O terreno para aproliferação de novas tendências artísticas, denovos processos de interpretação da realidade,estava pronto a dar frutos abundantes. Umdesses frutos foi o surgimento do design decomunicação.Os Futuristas ignoraram as limitações datipografia metálica e da impressão de texto. Aortogonalidade estava banida. Tipos em qualquerângulo, cor e corpo eram o novo modelo. E istomuito antes do desenvolvimento das actuaistécnicas de fo tocomposição ou ediçãoelectrónica. No design futurista o mote eraprovocar o choque e o contraste, em corpos deletra, nos ângulos em que as palavras e as fraseseram colocadas, na distribuição aparentementealeatória de letras, números e outros caracterestipográficos pela superfície da página.Na tentativa de expressar sensações, de evocarideias, a legibilidade e a clareza, assim como aordenação gráfica, deram lugar ao ritmo, entoaçãoe ênfase. Por vezes letras enormes eramutilizadas como focos visuais, enquanto linhasde caracteres oblíquas faziam a ligação entreblocos de texto, no sentido de proporcionarritmo visual e continuidade de leitura.

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A Letra: Comunicação e Expressão

De qualquer modo existia ordem no aparente caos.Filippo Tommaso Marinetti escreveu na revistaLacerba:

“Estou a fazer uma revolução tipográfica que édirigida, acima de tudo, contra a idiota e doentianoção do livro de poemas, feito em papel artesanal,no seu estilo do século XVI, decorado com vinhetas,Minervas e Apolos, capitulares, ornamentos floraise vegetais e com os seus numerais romanos. Umlivro deve ser a expressão futurista do pensamentofuturista. Melhor ainda: a minha revolução é, en-tre outras coisas, contra a chamada harmoniatipográfica da página do livro, que está emmanifesta oposição ao movimento patente no meutrabalho. Se necessário, usarei três ou quatro coresdiferentes e vinte estilos tipográficos na mesmapágina.” (Gómez,1995:35).

O Periodo Heróico da tipografia moderna podeconsiderar-se iniciado pelo manifesto de Marinettiem 1909. O Futurismo era uma violenta reacçãodos artistas e escritores perante a falência de ummodo de vida que não valia a pena tentar manter.O desenvolvimento do Futurismo foi influenciadopelas atitudes e ressentimentos sociais, bem comopelas correntes artísticas imediatamenteanteriores. E rapidamente se tornou nummovimento poderosamente marcante nodesenvolvimento da tipografia moderna que, talcomo a pintura, estava pronta para subvertermuitas das suas convenções e constrangimentos,de modo a provocar impressões e choques cadavez mais violentos.Marinetti era um poeta italiano. Revoltado comas desigualdades e injustiças, publicou em 1909,um veemente apelo a novos rumos para a arte e o

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Marinetti.Parole in libertà, 1919

design. Este manifesto glorificava a modernidade:velocidade, revolução em muitos aspectos da vida,mesmo as revoltas e a guerra, apelando à destruiçãode bibliotecas e museus, repositórios de um passadofalido. Um ano depois, cinco pintores publicaramum Manifesto da Pintura Futurista, onde secondenavam “todas as formas de imitação, harmo-nia e bom gosto”, e onde postulavam que “odinamismo universal deveria ser reproduzido napintura como uma sensação dinâmica”(Pereira,1992:232).

As artes gráficas e a tipografia passaram a serconsideradas um importante veículo de ideias e defactos. As subtis mudanças nas atitudes artísticas

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A Letra: Comunicação e Expressão

iniciadas por Monet ou Picasso, tornaram-sebrutais nas mãos dos futuristas. Tal como osoradores de rua, que muitas vezes agitavam osbraços e gritavam, para conseguir chamar aatenção, serem ouvidos e, de preferência, levadosa sério, também os tipógrafos futuristas grita-vam com enormes e densas letras negras evermelhas que se agitavam em todos os sentidos.No futurismo, protesto social, novas ideias enovos modos de as expressar, surgiram simul-tânea e explosivamente. Por toda a Europa,artistas e designers observavam fascinada eatentamente os futuristas e a sua produção,procurando os seus próprios caminhos e a formade obter a combinação certa de vitalidade eclareza para as suas criações.Podem considerar-se três eixos fundamentais dodesenvolvimento da estética tipográfica: Passiva(eixo central vertical, simetria, mínimo decontrastes, harmonia formal entre tipos e corpostipográficos, arranjos gráficos equilibrados);Activa (assimetria, equilíbrio dinâmico,contrastes bem marcados para enfatizar eorientar o percurso visual); Agressiva (de-liberadamente desequilibrada, trepidante decontrastes, saturada de fulcros visuais, comsentidos de leitura variáveis).No entanto, é bom ter em conta que por vezesuma obra que à primeira vista surge comoagressiva, difícil de ler, caótica, dado o usoexcessivo de elementos t ipográficos ouilustrações, poderá, na zona que transporta ainformação que interessa de facto veicular,mostrar-se passiva e harmoniosa. A tipografiacriativa não traz apenas a mensagem à superfície,

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Depero. Promoção do atelierde comunicação Dinamo-

Azari, 1927

pode auxiliar e reforçar a fluidez visual e a clarezada mensagem, tal como o uso controlado docontraste e da assimetria poderão dar o ênfasepretendido a um ou vários dos elementos queconstituem o design.

Da Evolução à Revolução

O Futurismo transformou a evolução na pintura,poesia e prosa, em revolução. As diferenças entreo que os olhos dos pintores viam, as mentes dospoetas entendiam e o modo como pintavam eescreviam tornaram-se abissais . Outrosmovimentos artísticos mantiveram esta ruptura coma representação da realidade pela pintura, desenhoou escrita: os dadaístas, surrealistas e artistas não-figurativos.Paralelamente ao emergir destes modos extremosde representação, desenvolviam-se na Europa, tantono Leste como no Ocidente, diversas tentativas decapturar a vitalidade das novas tendências,imprimindo-lhe alguma clareza e ordem, no sentidode obter comunicação efectiva.Um futurista tardio, pintor, designer e poeta,Fortunato Depero, pesquisando no sentido deobter mais ordem, sem no entanto perder avitalidade, influenciou a tipografia publicitária emItália nos anos 20 e 30. Os sobressaltos gráficosdos primeiros futuristas e o relativo abrandamentode Depero caracterizam de algum modo ospercursos sinuosos, os progressos e recuos do vir-tual conflito entre a clareza e ordem tipográficacontra a vitalidade e o furor comunicacional atravésde todo o século.

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A Letra: Comunicação e Expressão

A Irracionalidade

Alguns pintores e escritores europeus, entre 1916e 1923 achavam essencial destruir as tradiçõesvigentes antes que um mundo saudável pudesseser construído. O assalto à arte representacionalatingiu o auge com Dada. Este grupo teve a suaorigem como movimento literário em Zurique. Como poeta Romeno Tristan Tzara como seu fulcro, ogrupo compunha-se de jovens poetas, músicos epintores, muitos deles exilados ou desertores da 1ªGuerra Mundial. Para eles o mundo enlouquecera,e a única arte válida seria a Não-Arte, a única lógica,a sua ausência. Tzara declarava que “o absurdológico da humanidade será substituído pela não--razão ilógica. Dada não tem sentido, tal como anatureza. Dada é natural e contra a arte”(Gómez, 1995:85).O seu trabalho sugeria propositadamente tratar-seduma brincadeira sem qualquer sentido. O prazerque sentiam em cultivar o absurdo e a falta deseriedade seria o seu processo de ridicularizar adecadência do mundo ocidental e a sua injustiçasocial. Os horrores da guerra para eles, eram apenascomparáveis aos horrores da fé cega na tecnologiaque permitiria fazer tudo bem. Fizeram bandeirada absoluta ausência de códigos morais e religiosos.Para os Dadaístas, poesia e pintura tinham umpapel a desempenhar nas mudanças sociais, eassim, consideravam a Arte de Salão como umbrinquedo para os ricos e as elites. Essa arte eraapelidada pejorativamente de burguesa e anti--humana. Pretendiam des-esteticizar a arte,deitando-a abaixo do seu pedestal de beleza,utilizando-a como bandeira de inquietação contra a

Le Coeur a Barbe,Publicação Dada, 1922

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Marcel Duchamp, L.H.O.O.Q.,Ready-made modificado:

grafite sobre uma reproduçãoda Gioconda, 1919

Neste trabalho, para além daóbvia intenção iconoclasta doautor, verifica-se a subversão

da utilização da letra:L.H.O.O.Q. como palavra, não

tem qualquer significado. Noentanto, a transcrição fonética,

em Francês,das letras que aconstituem, acaba por revelar

um sentido obsceno.

cultura da comodidade. Por detrás dos seus modosirresponsáveis existia um desejo sério de utilizar ohumor e o absurdo para ajudar a dar um fim ao papelda incompetência e da irracionalidade na direcção dosdestinos da cultura e da sociedade.

Na tipografia deram mais um golpe na esterilidadedo design gráfico prevalecente na época, reforçandoo conceito cubista das letras como formas visuaisconcretas (e não apenas como símbolos fonéticos),com um estilo e um valor comunicativo inerente àsua forma.

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A Letra: Comunicação e Expressão

O Surrealismo

À medida que o entusiasmo pela ridicularização daarte e das convenções sociais se foi atenuando, ospoetas e pintores Dada passaram a assumir umaatitude mais positiva, a que não era alheio odespontar de novas realidades sociais ,nomeadamente a Revolução Bolchevique.Evitando apresentar ou representar a realidade eenfatizando a invenção e a criatividade pelarevelação dos aspectos poéticos da vida e dadimensão alucinada do irracional, os Surrealistasdecretaram a supremacia do inconsciente sobre arazão, preferindo a composição alegórica à estritaimitação da natureza.Navegando no fantást ico, cult ivando aimprevisibilidade, inventando jogos poéticos ouplásticos donde o inesperado irrompesse, frasescomo “a beleza resulta do encontro fortuito dumguarda-chuva e duma máquina de costura sobreuma mesa de dissecação” de Lautréamont9 ou “osElefantes são contagiosos” de Paul Éluard, sãoparadigmáticas da produção do grupo. No campo

9 - Lautréamont foiconsiderado um dos mentores

do movimento Surrealista, apesarde ter morrido cerca de cinquenta

anos antes da sua constituição.Esta frase, retirada dos Chants deMaldoror, foi de algum modo, a

primeira divisa poética domovimento.

René Magritte,O modelo encarnado, 1937

Paul Delvaux,Ninfas no banho, 1938

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Francis Picabia,L’Oeil Cacodylate, 1921

Salvador Dali,Persistência da Memória, 1931

pictórico, cada quadro ilustrava um mundohabitado por criaturas misteriosas, objectosalongados, relógios derretidos ou sombrasinexplicáveis surgindo no campo de visão.Suspeitando da existência de uma realidadegenuína nos sonhos, no subconsciente, noinconsciente, e que a psicanálise poderiaproporcionar pistas para o vislumbre dessamesma realidade, a pesquisa Surrealistaorientava-se na “procura de uma outra realidade,como resultado da emergência de uma vidainconsciente” (Pereira, 1992:279).

Inicialmente formado como movimento literário,ao grupo surrealista viriam a aderir (ou, pelosmenos, rondar) vários artistas plásticos cujosnomes marcaram o panorama pictórico do nossoséculo.Além da procura de uma nova verdade interior, osSurrealistas estavam fortemente envolvidos naacção política, fazendo a apologia da revoluçãosocial e da implícita mudança nos costumes e naconduta dos homens. A título de exemplotranscreve-se uma declaração do grupo Surrealista

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A Letra: Comunicação e Expressão

datada de 27 de Janeiro de 1925, cerca de um anoapós a publicação do 1º Manifesto do movimento:

“Devido às falsas interpretações sobre onosso Movimento, estupidamente postas a cir-cular entre o público, nós declaramos a todaa zurrante comunidade da crítica literária,teatral, filosófica, exegética e até teológica:1- Nada temos a ver com literatura; massomos perfeitamente capazes de, comoqualquer outra pessoa, dela fazer uso, quandonecessário.2- O Surrealismo não é uma nova correntenem um meio de expressão mais fácil, nemsequer uma metafísica da poesia. É um meiode total libertação do espírito.3- Estamos determinados a fazer a Revolução.4- Ligamos a palavra Surrealismo à palavraRevolução, simplesmente para demonstrar ocarácter desinteressado, independente etotalmente radical desta revolta.5- Não temos a pretensão de converter ahumanidade, mas pretendemos demonstrar afragilidade do pensamento, e em queequívocos alicerces e em que cavernasedificamos as nossas trémulas habitações.6- Disparamos este aviso formal à Sociedade:atenção às vossas hesitações e passos em falso- não perderemos um único de vista.7- Em cada esquina do seu pensamento, aSociedade encontrar-nos-á de atalaia.8- Somos especialistas na Revolta. Não existemeio de acção a que não deitemos mão, senecessário.

Revista Literature:nº 7 - Dezembro, 1922;

nº 10 - Maio, 1923.

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Raízes da Tipografia Contemporânea

9- Dizemos, em especial ao mundo Ocidental: oSurrealismo existe. E o que é este novo ‘ismo’colado à nossa pele? O Surrealismo não é umanova fórmula poética. É o grito da mente deregresso a si própria, determinada a quebrar osseus grilhões, mesmo que para tal sejam precisosmartelos materiais!Assinam: Louis Aragon, Antonin Artaud, JacquesBaron, Joel Bousquet, J.-A. Boiffard, AndréBreton, Jean Carrive, René Crevel, RobertDesnos, Paul Éluard, Max Ernst, et al.(Nadeau,1989:240-41)

Arte Não-Figurativa

A suave quebra com o absoluto realismo na pintura,registando fielmente o que os olhos vêem, quecomeçou com Constable, Turner, Corot, Millet,teve o seu fim de linha na arte abstracta, nãoobjectual.Enquanto todas as outras l inhas tinhaminvariavelmente como ponto de partida objectos,naturezas-mortas, paisagens, retratos, aos quaisse lhes imprimia um carácter mais ou menossubjectivo, a arte abstracta, tal como a suadesignação sugere, não respeita qualquer objectoconcreto; por vezes, as formas que compõem umafigura são derivações ou abstracções provenientesde um objecto, ou paisagem, mas o espectadorpoderá nem se aperceber do facto. A abstracçãopode situar-se algures ao longo do processocriativo, mas quando é total, o resultado finalapresenta-se como não-figurativo. Desde asprimeiras décadas do século XX, a distinção entreo objecto como é visto e o seu registo enquanto

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A Letra: Comunicação e Expressão

imagem, foi-se tornando cada vez maior. Assim, tal comonas outras correntes, o ponto de partida poderá ser tambémum objecto, o qual poderá eventualmente desaparecer du-rante o processo, deixando de ser legível e perceptível.

“ A impossibilidade e a inutilidade de copiaro objecto, sem outra finalidade para além damera cópia, devem ser o ponto de partida doartista que procura arrancar do objecto a suaexpressão. Se quer atingir a verdadeira arte,terá de partir da aparência literária doobjecto, numa via que o conduzirá àcomposição. (...) Ela [a forma] é apenas umdos elementos constituitivos da grandecomposição formal. Esta forma é apenasaquilo que é.(...) É assim que lentamentevemos passar a primeiro plano aquilo queainda ontem se escondia, com timidez, pordetrás das tendências puramentematerialistas. (...) Uma série de figurashumanas, por exemplo, formam umacomposição romboidal. A nossa sensibilidadeinterroga-se. Ela tem a vaga impressão deque as figuras não são absolutamente

Kandinsky,Mancha Vermelha II, 1921

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Raízes da Tipografia Contemporânea

necessárias. E interroga-se se elas nãopoderiam ser substituídas por quaisquer outrasformas, na condição de lhes conservar umadisposição que não alterasse o ‘Som Fundamen-tal Interior’ do conjunto (...)” (Kandinsky, 1910:67,68).

Kandinsky, Klee, Malevich, Mondrian, entre muitosoutros, baniram completamente o objecto (real) doseu trabalho. Pretendiam obter uma expressão tãopura e absoluta como na música. O seu trabalhobaseava-se na cor e na linha e não em coisas, pessoasou paisagens. Para isso, bastavam as camarasfotográficas. Desenvolvia-se deste modo uma novaabordagem à linguagem visual. Muitos artistas dasépocas mais recentes, cada um pelo seu própriotrajecto, podem ser classificados com o mesmo rótulode não-figurativos. Sob esta designação, há noentanto uma corrente que se pode destacar: oexpressionismo abstracto10.Na arte não-figurativa, o movimento é um doselementos pictóricos mais relevantes. Em lugar derostos, árvores ou qualquer outro conjunto de objectosmais ou menos identificáveis, os elementos pictóricossão linhas, manchas, cores e texturas. O movimento égerado pelo desequilíbrio e pela tensão entre as formas,pela orientação dos vários elementos. Esta energiaprovém igualmente da grande liberdade das formas,por vezes flutuando ou rodando no espaço. Oobjectivo desta expressão plástica não é a figuraçãodo objecto, mas a sua expressão, ou se totalmenteliberta do objecto-referência, gerar trocas de energia evitalidade (sem representações ou abstracções deobjectos), entre o quadro e o espectador e, em últimaanálise, dos componentes do quadro entre si(Kandinsky, 1910).

10 - Trata-se de um movimentoessencialmente Americano,

surgido em New York nadécada de 40, também

conhecido como ActionPainting ou Escola de N. York.Um denominador comum desta

corrente são as qualidadesde superfície obtidas através de

texturas e pinceladas, oumesmo do registo de incidentes

e acasos ocorridos durante otabalho, que se mantinhampatentes no resultado final.Estes trabalhos, de grande

liberdade formal e cromática,contribuiram para o desen-

volvimento de grafismos maislivres e informais no design

gráfico e tipográfico, nomeada-mente na década de 80.

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A Letra: Comunicação e Expressão

Ao mesmo tempo que as várias correntes descritasanteriormente evoluíam da representação figurativada natureza até à não-figuração totalmente abstracta,outros movimentos e artistas procuravam novostipos de ordem e organização, sem perder de vista aobtenção de fluxos energéticos e a geração de umagrande vitalidade visual e comunicacional, por vezesde grande conteúdo simbólico.Estes movimentos, de grande importância noestabelecimento do design gráfico, e do seu ulteriordesenvolvimento enquanto ofício autónomo, incluíamo construtivismo e o suprematismo, na Rússia, omovimento De Stijl, na Holanda e a Bauhaus, naAlemanha.

Descobrir a Ordem no Caos

A tipografia destina-se, antes de tudo o mais, aveicular e a reforçar a comunicação de ideias einformação.Os movimentos artísticos do final do século XIXe inícios deste século, despertaram não só osartistas plásticos mas também os designerstipográficos para as possibilidades de animaçãovisual existentes não só na tela como na folha depapel. Alguns dos mais excitantes e estridentestrabalhos do futurismo e do dadaísmo provo-caram uma reacção entre alguns designers nãointegrados nesses movimentos: procurar ummodo de misturar as novas descobertas epossibilidades da mensagem impressa com umaapresentação mais disciplinada que permitissemelhorar a leitura e compreensão da mensagem.O objectivo estava em obter o melhor de doismundos - beleza gráfica, contrastes e animação

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Duas produções gráficas quedemonstram a diversidade de

linguagens na viragem doséculo: uma revista dos Arts

and Crafts (ilustração de JohnBeardsley) e um cartaz Dada,de Ilya Zdanevich, onde mais

de 40 tipos de letra sãoutilizados.

que chamariam a atenção, e uma estrutura gráficaque contribuísse para a clareza da mensagem edo seu impacto.

Para manter estes desenvolvimentos numa perspectivacorrecta, há que ter em conta que a tipografiatradicionalista, liminarmente rejeitada pelasvanguardas, não era confusa nem caótica. Astipografias Vitoriana e da Arte Nova, por exemplo,eram sistemas estéticos perfeitamente coerentes, comas suas estruturas peculiares, vocabulários elaborados,gramáticas consistentes e um sentido de ordemespecífico.O caso é que as vanguardas mais radicais (futuristas,dada) recusavam violentamente tudo o que lhesparecesse racionalismo burguês e senso-comum,clareza e decência, imprimindo alternativa edeliberadamente a irracionalidade e o absurdo, ononsense e o caos.

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A Letra: Comunicação e Expressão

A Vanguarda RussaAbstracção, Vitalidade, Ordem

Kasimir Malevich tinha já pintado e experimentadoos estilos cubista e futurista, estando igualmente aocorrente da pintura expressionista e abstracta deKandinsky. Em 1913 apresenta um óleo intituladoKvadrat, que descreve como “nada mais nada menosque um quadrado preto sobre um fundo branco”(Pereira, 1992:260). Outras composições com simplesquadrados, círculos ou outras formas geométricassimples seguiram-se-lhe. Para Malevich, o seuprimeiro Quadrado “não era um quadrado vazio,...mas a experiência da não-objectividade” (idem).Outros autores, como El Lissitzky e AlexanderRodchenko, foram atraídos pelo Suprematismocomo forma de expressão não objectiva, em que autilização e distribuição de formas geométricasplanas sobre a tela em branco, proporcionavam ummodo de “libertação da arte dos esteios do mundorepresentacional” (Pereira, 1992:261).O nome deste movimento, Suprematismo, provém daopinião de Malevich que a arte só poderia atingir a suaexpressão suprema se soubesse libertar-se doscondicionalismos das ideias e do sentido do prático.Reconsiderando os valores formais do ponto, linha,espaço, cor, superfície, cultivou-se uma novaespiritualidade baseada nas estruturas decomposição e nos arranjos gráficos dos seuselementos.Se Malevich levou a abstracção ao extremo danão-objectividade, Kandinsky tentou com a abstracção“visualisar o interior das coisas”, encontrar eisolar a sua essência. Impressionado com o poder da

Kasimir Malevitch,Kvadrat, 1913

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Kasimir Malevitch,Composição Suprematista, 1915

cor pura, procurou “uma composição puramente,infinitamente e exclusivamente baseada nadescoberta das leis, das combinações dosmovimentos, da consonância e da dissonância, leisque regem a composição do desenho e da cor”(Kandinsky, 1910:93,95). A função da pintura não erareproduzir a matéria, mas alimentar o espírito, tal comona música.

Uma Divisão:Arte pela Arte vs. Arte pela Sociedade

A Revolução de Outubro de 1917 trouxe umadivisão ao movimento artístico de vanguarda.Malevich e Kandinsky mantiveram a sua atitudede arte pela arte, continuando a trabalhar no campoda abstracção e da pintura não objectiva. Para elesa arte era um factor de expressão espiritual e comotal deveria manter-se arredada de propósitosutilitários.

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A Letra: Comunicação e Expressão

El Lissitzky e Alexandr Rodchenko

Seduzidos pelo ambiente revolucionário, váriosautores abandonaram esta perspectiva da arte pelaarte e, em 1921, liderados por Alexandr Rodchenko,focaram os seus talentos e energia no design indus-trial, na comunicação de massas e em todas as artesaplicadas no intuito de melhor servir a nova sociedadesocialista. A arte adquiriu uma dimensão utilitária,passando estes criadores a projectar de tudo umpouco, desde chaleiras e caldeiras melhoradas acartazes de propaganda11.Foi com este movimento, particularmente nostrabalhos de design tipográfico de El Lissitzky e deRodchenko, que os vários elementos pictóricos que“competiam entre si em busca da supremacia, forammanipulados de modo a obter a ordem e aorganizacão necessárias para tornar a comunicaçãoefectiva” sem no entanto sacrificarem a vitalidadevisual e o vigor gráfico necessários para atrair,interessar e fixar os leitores.

Para abranger a extensão da mudança por que ElLissitzky passou desde a pintura construtivista ao de-sign gráfico, podemos citá-lo: “É tempo que as

11 - Os princípios destaconcepção de trabalho criativoeram os seguintes: Tectónicos(formas visuais que expressam

o ideal comunista); Textura(estudo dos materiais e sua

melhor aplicação industrial), eConstrução (o processo

criativo propriamente dito e odesenvolvimento das leis da

organização visual). Esteúltimo princípio deu o nome ao

movimento: Construtivismo.(Gottschall, 1987:26)

Rodchenko - Posters: A imprensa é a nossa arma!, 1925

O Couraçado Potemkin, 1929

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Raízes da Tipografia Contemporânea

reuniões de intelectuais deixem de ser bazares deideias para passarem a ser fábricas de acção!”(Gottshall,1989:26). E estas palavras não eram umamera declaração de intenções: pô-las mesmo emprática. Foi mais revolucionário do que WilliamMorris, no século anterior em Inglaterra, tinhapodido ser. Morris, socialista utópico, tinhapugnado por casas mais belas e por uma existênciamais agradável para as classes trabalhadoras, masrejeitava ao mesmo tempo as máquinas quepoderiam produzir os tecidos, o papel de paredeou os móveis que proporcionariam essas melhorias:os seus produtos tornavam-se assim caros eelitistas, passando apenas a ser visíveis nas casasdos ricos e poderosos. Acreditou, mas não praticouadequadamente as bases económicas da sua uto-pia. El Lissitzky praticou o que defendia,nomeadamente no campo da comunicação demassas, estabelecendo bases operativas que aindahoje são actuais.El Lissitzky foi dos primeiros designers aaperceber-se que o espaço branco não é neces-sariamente espaço desaproveitado, mas algo aconsiderar na composição, passível de ser usado emanipulado. Reconheceu o espaço vazio como umelemento vital do design, com tanta importânciacomo as imagens ou a mancha negra do textoimpresso. A sua formação em Belas Artes, ondedesenvolveu (tal como muitos outros do seu tempo)uma prática que punha permanentemente em causaas normas formais da representação naturalista,foi igualmente aplicada à arquitectura, designgráfico e de produtos. O desenvolvimento dafotografia ajudou-o igualmente a organizar apágina impressa com novas soluções. Com

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A Letra: Comunicação e Expressão

milhões de pessoas ávidas de informação, constatouque os livros e revistas tinham de ser atraentes,excitantes e, contudo, legíveis. Tal como a cenografiadeixara de ser mera decoração para se tornar parteintegrante do espectáculo, também o design edito-rial ultrapassou o umbral do ornamento passando aintegrar a experiência da leitura12.Tanto El Lissitzky como Rodchenko deixaram apintura, dedicando-se às artes gráficas. Todasas correntes criativas, que desde Constable aKandinsky foram libertando a arte das amarrasdo real, através destes autores encontraram anecessária disciplina para estabelecer osfundamentos do design tipográfico, tal comopraticamente hoje o conhecemos. Se todas essascorrentes se harmonizaram através do trabalhodos Construtivistas Russos, tornar-se-iam maisclaras ainda quando El Lissitzky e Theo vanDoesburg, fundador do movimento De Stijl,contactaram e trabalharam com os estudantes e osprofessores da Bauhaus.

12- “Para a modernapropaganda, para a

comunicação e exposiçãoactual das formas, o elementoindividual, o toque pessoal do

artista é absolutamenteinconsequente (...)

Palavras impressas são vistas,não são ouvidas (...)

Os conceitos deverão serexpressos com a maioreconomia, óptica e não

foneticamente (...)A organização do texto na

página deverá reflectir o ritmodo seu conteúdo (...)

O novo livro exige novosescritores.”

(El Lissitzky, Topografia daTipografia, 1920, in Tschichold,

1928:60)

El Lissitzky - Capa e páginas deum livro de poemas de

Mayakovsky, 1923

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13 - “a finalidade da naturezaé o homem... a finalidade do

homem é o estilo.• Existe uma velha e uma novaconsciência do tempo. A antiga

está ligada ao individual: anova, ligada ao universal. A lutado individual contra o universalrevelou-se durante a guerra, tal

como se revela hoje na arte.• A nova arte evidencia o que

contém a nova consciência dotempo: equilíbrio entre ouniversal e o individual.

• A nova consciência leva àpercepção tanto da vida interior

como da realidade externa.• Tradições, dogmas e o domí-nio do indivíduo são antagóni-

cos a esta nova percepção.• Os fundadores da nova arte

plástica apelam a todos os quecreem na reforma da arte e da

cultura que aniquilem essesobstáculos ao desenvolvimento,

tal como aniquilaram na novaarte plástica (pela abolição da

forma natural) tudo o queimpede a clara expressão da

arte, a suprema consequênciade todas as noções de arte.

• Os artistas de hoje, foram portodo o mundo tocados por esta

nova consciência, e por issopassaram a tomar parte, de umponto de vista intelectual, nesta

guerra contra o despotismoindividual. São, portanto,

solidários com todos os quetrabalham pela formação de

uma unidade internacional naVida, Arte e Cultura, tanto

intelectual como materialmente.(O manifesto de De Stijl, 1918

in Holland in Vorn, 1987:279-84)

Raízes da Tipografia Contemporânea

Ordem, Tipos Rectangulares,Equilíbrio Assimétrico

Os membros do movimento De Stijl13 erampintores, designers, arquitectos, escultores epoetas. Através das suas publicações e,nomeadamente através dos seus trabalhos, foramtornando conhecida a sua filosofia, cujosingredientes essenciais eram a harmonia, oequilíbrio, o uso das cores primárias, de linhas eângulos rectos. Tal como outros movimentos daépoca, operavam numa perspectiva de arte pelaarte, sem concessões à realidade externa.Eram os anos da 1ª Guerra Mundial e da sua ressaca,e a abordagem de De Stijl seria um modo deexpurgar a tragédia da arte. A emoção visual,expressa em curvas, diagonais, fusões de cores,estava banida. O próprio nome De Stijl foi escritoem letras maiúsculas, com blocos rectangulareshorizontais e verticais, solução visual que alastrouem seguida ao design gráfico.

Theo van Doesburg

Tal como El Lissitzsky, Rodchenko e osConstrutivistas da URSS, van Doesburg acreditavana função social da arte. Para além da sua actividadeartistica, van Doesburg multiplicava-se emconferências, publicações, organização decongressos e reuniões, tanto de carácter formalcomo informal, onde as ideias e as disciplinas, como

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A Letra: Comunicação e Expressão

a arquitectura, escultura, pintura, design gráfico,tipografia, design de mobiliário e de produtos, semisturavam e se inter-influenciavam.Sobre design gráfico e tipografia, van Doesburgescreveu que

“um livro é lido da esquerda para a direitae de cima para baixo, linha após linha. Masao mesmo tempo a página é vista na suatotalidade. Este processo simultâneo(acústico-óptico) proporcionou ao livro umanova dimensão plástica. A antiga estru-turação era passiva e frontal, enquanto onovo arranjo gráfico é activo e espacio-tem-poral. O livro moderno já não é umasequência pré-estabelecida de assuntos. Aintensidade substituiu a direcção e, devido aesta nova realidade, necessitamos de umsuporte tipográfico para o texto que, no entanto,não signifique efeito ornamental ou o tipo deilustração tipográfica tão popular hoje em diaentre os Russos, mas sim um integral sistemade significações tipográficas: espaço branco,texto, cor e, por último, imagem fotográfica.Tanto na concepção do livro como na da casa,defrontamo-nos com um duplo problema: tantoa casa como o livro devem ser não só úteismas bonitos de se ver...” (Gottshall, 1989:27).

Piet Zwart

Apesar de ter trabalhado com Theo van Doesburg ecom outros membros do De Stijl, Piet Zwart nuncafoi membro do movimento e o seu trabalho refleteorientações mais individualistas, se bem quefortemente influenciadas pelo grupo.

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Raízes da Tipografia Contemporânea

Uma análise ao seu trabalho denota um sentidode ordem similar aos princípios de De Stijl, masevidencia também uma animação visual peculiar,devida à sua contribuição pessoal, onde seutilizam livremente diagonais, formas curvas efotomontagens.O seu trabalho desenvolveu-se principalmente nocampo da publicidade, nomeadamente naconcepção de catálogos e cartazes de produtos.Inovou a manipulação de tipos recorrendo avariações de escala, aplicando as cores primáriasdo grupo De Stijl, provocando fortes contrastespela utilização simultânea de linhas rectas eformas circulares e, de um modo mais consistenteque o dos construtivistas, manipulando imagensfotográficas através de fotomontagens, clichéscoloridos e deformações. Estava definido um novoprocesso de obter animação visual sem nuncaperder de vista a legibilidade.Tipográficamente, trabalhou com letras dedesenho muito simples. A animação surgia domodo como posicionava e dimensionava os tipos.Sobre esse assunto disse que “quanto maisdesinteressante for uma letra, mais útil esta setorna para o designer”. Considerou igualmente oespaço vazio como um elemento gráfico funda-mental e não um “mero buraco a ser preenchido”,assim como sobre a cor que “é um elementocriat ivo, não é ornamento” (McLean,1980:66,67).Piet Zwart, um homem de eminente consciênciasocial, viu o problema como uma questãoessencialmente funcional: a renovação datipografia era tanto um problema do leitor comoo era da leitura. Zwart trouxe o elemento espaço

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A Letra: Comunicação e Expressão

para a sua tipografia, contrastando a página brancacom o negro do texto impresso, enfatizando-o comfotos reticuladas, obtendo muitas vezessurpreendentes efeitos de terceira dimensão.

Mais importante ainda, poderá ser a inclusão dofactor tempo na função da tipografia, porque atravésdo uso sinalético de letras e do posicionamentodiagonal de blocos de texto, a página é absorvida deum modo novo e dinâmico. Deixa de ser o ritmocadenciado e inorgânico da mudança de linhas quedistribui o texto, mas um ritmo vivo que flui do seupróprio conteúdo (McLean, l985).Onde, no passado, uma página era composta paraobter um aspecto decorativo e harmonioso, Zwartprocurou obter uma legibilidade brutal, assimétricae funcionalmente orientada. Uma tensão nadistribuição de elementos básicos que se tornasseapelativa da atenção dos leitores: o tipo certo (ele

Cartazes de Piet Zwart, onde severifica uma utilizaçãointensiva de elementos

tipográficos

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Raízes da Tipografia Contemporânea

lamentava a ausencia de um tipo ideal para o seutempo) com todos os signos correspondentes. Osespaços brancos (pausas), as partes de uma frase e,finalmente, como sinal e foco de tensão visual, umacor inesperada.Sobre o papel do designer gráfico e tipográfico,declarou:

“A tarefa da tipografia funcional é criar olook tipográfico do nosso tempo, livre detradições, estimulando tanto quanto possívelas soluções tipográficas para encontrarmodos de expressão claros e ordenados,definir o contorno dos novos métodos eoperações t ipográficas, tais como acomposição mecânica, fotocomposição e, porfim, quebrar a mentalidade corporativista”(Gottshall, 1989: 29).

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A Letra: Comunicação e Expressão

Capa do 1º número da revistaBauhaus, editada trimes-

tralmente entre 1926 e 1931.Design de Herbert Bayer

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Símbolo da Bauhaus,de Oskar Schlemmer, 1922

O Ponto Focal - BAUHAUS

Tudo acabou por se fundir e emergir em Weimar naAlemanha.

Um novo tipo de escola abriu as portas em 1919.Tratava-se de uma mistura interdisciplinar das belas--artes e dos ofícios. Simultaneamente idealista epragmático, enfatizava os ofícios e a excelência doartesanato. Uma mistura de mãos à obra, ateliers deaprendizagem prática e atitudes abertas perante todasas novas formas de expressão. Na arquitectura,pintura, escultura, design gráfico, procurou-se obterordem na apresentação, com vigor e relevância naexpressão.A Bauhaus tornou-se rapidamente uma espécie demagneto cultural. Artistas e designers de toda aEuropa ali foram chegando, permutando ideias, comoprofessores ou como alunos, e de lá saíram

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A Letra: Comunicação e Expressão

divulgando o pensamento e a metodologia da Bauhauspor todo o mundo ocidental. O design tipográfico,uma das disciplinas da Bauhaus, metamorfoseou-se, evoluindo em direcções inesperadas. Apesardo design de comunicação contemporâneo em nada,ou quase nada, apresentar semelhanças com a produçãoda Bauhaus, muitas das soluções e metodologias hojeaplicadas são consequência directa do trabalho feitosob a orientação de professores como Johannes Itten,László Moholy-Nagy, Herbert Bayer e Joost Schmidt,bem como pela influência de Theo van Doesburg e ElLissitzky.Porque a Bauhaus foi a charneira entre as correntes depensamento sobre arte e design que se vinhamdesenvolvendo desde 1880 e o ponto de partida parao design tipográfico nas décadas seguintes, seriaporventura interessante fazer um breve escrutínio àsua história, filosofia, figuras centrais, aodesenvolvimento do programa tipográfico, aos novosdesenhos de letra, àquilo que efectivamente foiconseguido pela Bauhaus, e por fim, ao papel de JanTschichold como apóstolo e divulgador da Bauhaus edo modernismo.

Origem

Em 1902 foi reconhecida a necessidade de modernizara Escola de Artes e Ofícios e a Academia de Belas--Artes de Weimar. Para tal, foi chamado um belga,arquitecto e designer da Arte Nova, Henri van deVelde, que foi nomeado director da Escola e daAcademia. O curriculum e os conceitos queestabeleceu tornaram-se na base do que viria a ser aBauhaus. Em 1914, com a eminência da guerra entrea Alemanha e a Bélgica, Van de Velde resignou do

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O ponto focal - Bauhaus

seu cargo, regressando ao seu país. Recomendouentretanto três possíveis sucessores, um dos quaisera um jovem mas já conhecido arquitecto, WalterGropius, que tinha utilizado vidro e aço de formainovadora numa fábrica que projectara.Durante a guerra as escolas foram encerradas, reabrindoem 1919, fundidas numa única estrutura sob a direcçãode Walter Gropius. A nova escola chamava-se DasStaatliches Bauhaus.A Bauhaus foi fundada na consciência da derrota na lªGuerra Mundial. Era um período para repensar osvalores políticos, económicos e culturais vigentes du-rante décadas, para procurar uma nova ordem social,para encontrar novas atitudes perante muitos aspectosda vida. A Bauhaus nasceu no local certo e no momentocerto, constituindo terreno fértil para cultivar eexplorar as novas atitudes na aplicação da arte e dodesign.

A Ideia

O Manifesto Bauhaus foi a primeira publicaçãooficial onde era explanada a filosofia da escola. Oprograma apresentado englobava um vasto númerode disciplinas, incluindo o Desenho de Letra, masnão considerava ainda a Tipografia, que viria atornar-se parte integrante do currículo com achegada de Moholy-Nagy.Gropius tinha a visão de uma comunidadeinternacional de artistas, e foi nisso que a Bauhausacabaria por se tornar. Talentos em muitasdisciplinas e vindos de muitos países afluíram àBauhaus, tornando-a efectivamente o ponto fulcralpara todas as correntes de arte e design deste século.Mais tarde, quando os Nacional-Socialistas

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A Letra: Comunicação e Expressão

14- Pode efectivamente sentir-seo sabor internacional da Bauhausapenas pela verificação da origem

de alguns dos seus mestres:Kandinsky veio da Rússia, talcomo El Lissitzky que, embora

não pertencendo à Bauhaus,infuenciou fortemente o seu

programa tipográfico; Paul Klee eJohannes Itten, da Suíça;

Moholy-Nagy e Marcel Breuer,da Hungria; Theo van Doesburg,

que tal como El Lissitzky nãofazia oficialmente parte da

Bauhaus, mas que a influenciougrandemente, veio da Holanda;Lyonel Feininger, dos Estados

Unidos; Josef Albers e JoostSchmidt, da Alemanha; Herbert

Bayer da Áustria.

encerraram a escola, estes talentos irradiaram portodo o mundo, disseminando a influência e as ideias daBauhaus14.A Bauhaus, foi-se tornando gradualmenteinterveniente no plano ideológico, enveredando poruma atitude não-burguesa. Só os ricos tinham acessoaos objectos feitos à mão, tal como o movimentoArts and Crafts, no século anterior, tinhademonstrado. A arte, para ser não-burguesa, deveriaser feita por máquinas. As volutas e as linhas curvasartísticas não eram facilmente reprodutíveis pelasmáquinas mas, em contrapartida, o estilo linear eortogonal dos artistas De Stijl parecia feito à medidapara os aparelhos mecânicos. As curvas, consideravavan Doesburg, eram voluptuosas, luxuriantes edestinadas às elites. Gropius entendeu o ponto devista de van Doesburg, e as linhas rectas naarquitectura e no design gráfico, que acabariam porse tornar (embora erroneamente) na identidade visualda Bauhaus, devem muito à influência de vanDoesburg. “Arte e Tecnologia - Uma nova Uni-dade”, que passou a ser o mote de Gropius e daBauhaus, reflectia o entusiasmo pelo funcionalismona arte, bem como as opções ideológicas que se iamdelineando. As implicações políticas desta opçãoteriam muito a ver com o encerramento da escolapelos nazis em 1933, embora já desde os seusprimeiros tempos, em Weimar, a Bauhaus semprefora considerada “um covil de bolcheviques ejudeus”.

Tipografia na Bauhaus

Como se pode constatar pela introdução, a Bauhausnão era uma escola de Design Gráfico ou Tipográfico.

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O ponto focal - Bauhaus

Design tipográfico de JohannesItten. Página de Utopia, 1921.

Um exemplo das primeirasexperiências tipográficas

na Bauhaus, demonstrando asopções expressionistas e

plásticas de Itten em detrimentoda clareza comunicacional.

A Tipografia não estava sequer considerada no seuManifesto inicial nem nas descrições curriculares.No entanto, a tipografia desde cedo desempenhouum papel importante no programa da escola e nosseus cartazes e publicações. Aqui, a tipografiaalcançou finalmente o tão procurado equilíbrio en-tre uma apresentação clara e rigorosa e umaexpressão atraente e empolgante. Esta evolução foimarcada pela influência de seis figuras ao longodos 14 anos de vida da instituição. Destes seis,quatro foram mestres na Bauhaus: Johannes Itten,Laszló Moholy-Nagy, Herbert Bayer e JoostSchmidt. Os dois restantes foram El Lissitzky eTheo van Doesburg.

Johannes Itten

Uma das figuras mais marcantes e controversas daBauhaus, Itten tinha a seu cargo a orientação de umcurso preliminar, obrigatório para todos osestudantes, com a duração de seis meses. Este cursoera orientado num espírito informal, lúdico, nosentido de permitir aos estudantes o livredesenvolvimento das suas capacidades tácteis evisuais. Para Itten, a arte era essencialmente um meiode expressão físico, acabando por entrar em colisãocom o pragmatismo de Gropius. A insistência deItten na auto-expressão, na individualidade, acabariapor provocar uma crise ideológica, levando-o em1923 a renunciar ao seu posto. A Tipografia estavaprestes a ser reconhecida como uma importanteforma de comunicação e de expressão artística, e soba orientação de Moholy- Nagy, uma abordagemconstrutivista iria substituir o expressionismoadvogado por Itten.

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A Letra: Comunicação e Expressão

László Moholy-Nagy

Em Weimar, a Bauhaus não estava equipada parao ensino da Tipografia, mas os estudantes iamfazendo experiências por si mesmos. A oficinaprimitiva utilizava os tipos disponíveis na época,e o aspecto final dos seus impressos não sedistinguia em nada da produção de qualquer outratipografia. Mas com a saída de Itten e a suasubstituição por Moholy-Nagy, que assumiu aorientação do curso preliminar, a Tipografiatornou-se uma área importante. Além de ministraro referido curso preliminar, Moholy-Nagy fez odesign dos Bauhausbüchen (Livros Bauhaus),desenvolvendo um est i lo inst i tucional ,estimulando assim a oficina e o ensino das técnicasde impressão. Para este desenvolvimentocontribuíram o dadaísta Kurt Schwitters, o men-tor do De Stijl, Theo van Doesburg e algunsestudantes, nomeadamente Herbert Bayer e JoostSchmidt.Moholy-Nagy, em Berlim, antes de integrar aBauhaus, tinha desenvolvido contactos com ElLissitzky, integrando as suas ideias de vitalidadee ordem na sua própria concepção de design,introduzindo esta perspectiva no seu ensino naBauhaus. Durante a sua permanência, convidouEl Lissitzky para dirigir vários seminários.Nos seus trabalhos tipográficos utilizava letrassimples e modulares em alternativa aos estilos edesenhos já existentes. A sua preferência iaclaramente para os designs lineares, sans-sarif.Estruturas dinâmicas com elementos posicionadospela sua importância relativa substituíam o estiloconvencional, baseado num eixo vertical centrado.

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O ponto focal - Bauhaus

Capa e contracapa do livroMalerei, Photographie, Film,

de Moholy-Nagy,integrado nos Bauhausbüchen.

Moholy-Nagy, de origem húngara. era um pintornão-objectivo. Por toda a Europa tinha contactadoe trabalhado com gente das vanguardas, tendo sidofortemente influenciado por Malevich, Lissitzky,van Doesburg, Kurt Schwitters, Man Ray, etc. DeMan Ray recebeu o fascínio pela fotografia e peloseu potencial criativo. Com um entusiasmocontagiante, envolveu os seus estudantes em todaa espécie de pesquisas visuais. Ao fazer o designdos Bauhausbüchen aplicou todas as sensibilidadesque o influenciaram.Os signos visuais eram utilizados como fulcroscapazes de captar e reter a atenção. O sentidoassimétrico de De Stijl tornar-se-ia uma espécie deimagem de marca da Bauhaus. Apesar de não estarainda no currículo, o design gráfico era estudado epraticado informalmente, estabelecendo-secontactos com designers como Jan Tschichold ouPiet Zwart.

O envolvimento de Moholy-Nagy na pesquisapela clareza tipográfica, e a importância queatribuía à fotografia na comunicação gráfica, sãoexpressos nas seguintes citações, extraídas do

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A Letra: Comunicação e Expressão

seu livro Malerei Photographie Film (PinturaFotografia Filme; Munique: 1925):

“A tipografia deverá ser comunicação óbvia nasua forma mais intensa... a clareza é a essênciada impressão moderna.”

Sobre o papel do design tipográfico numa época em quenos cartazes e nos novos meios de comunicação queiam surgindo, se começava a sentir a necessidade deatrair, agarrar e impressionar, bem como de informar opúblico, comentou:

“Atendendo a que a tipografia desdeGutenberg até aos primeiros posters, erameramente uma [necessária] ligação inter-média entre o conteúdo de uma mensagem e oreceptor, um novo estádio de desenvolvimentoteve lugar com os primeiros posters(...)Começou-se por constatar o facto que a forma,escala, cor e arranjo do material tipográfico(letras e signos) contribuem para validar oconteúdo da mensagem; quer isto dizer, quepara a impressão, o conteúdo também édefinido pictoricamente (...) Esta é a tarefaessencial do design visual-tipográfico (...) Atipografia é uma ferramenta de comunicação.Deverá ser comunicação no seu sentido maisveemente. A ênfase deverá ser dada àabsoluta clareza: legibilidade. A comunicaçãonunca deverá ser espartilhada por estéticasapriorísticas. Uma letra nunca deverá serforçada a encaixar numa es truturapreconcebida, num quadrado, por exemplo(...)O arranjo harmonioso do espaço, asinvisíveis mas contudo perceptíveis relaçõeslineares entre elementos, que permitem obternão só simetrias, mas outros tipos de

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equilíbrios, formam uma parte essencial daorganização tipográfica. Em vez do equilíbrioestático-concêntrico velho de séculos, estamosa tentar criar hoje equilíbrios dinâmicos não-centrados. No primeiro caso, o objectivotipográfico baseia-se no relacionamento cen-tral de todos os elementos, mesmo osperiféricos, vistos num relance; no segundocaso, o olhar é gradualmente dirigido dumponto ao seguinte, sem no entanto se perder acorrelação entre as partes.” (Gottschall,1988: 33-35)

Para Moholy-Nagy, a fotografia, incluindofotogramas e fotomontagens oferecia umnovíssimo modo de ver, um novo processo detornar credível e compreensível a comunicação.Sobre o assunto, escreveu:

“Conhecer a fotografia é tão importante comoconhecer o alfabeto. O iletrado do futuro serátanto aquele que ignora a câmara como o queignora a caneta (...) Cada época tem a suaforma de expressão visual. A nossa: o filme.O signo eclético, simultaneidade na emissãoe na recepção de estímulos. Que está naorigem de um gradual desenvolvimento denovas bases criativas em vários campos,nomeadamente na tipografia. A tipografiaGutenbergiana, que resistiu praticamente atéhoje, existe exclusivamente numa dimensãolinear. A intervenção do processo fotográficoexpandiu-a para uma nova dimensionalidade,reconhecida actualmente como total. Otrabalho preliminar neste campo foi feito pelosjornais ilustrados, posters e anúnciosimpressos.

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A Letra: Comunicação e Expressão

Até há muito pouco tempo, o desenho de tipos eos arranjos tipográficos preservavamrigidamente uma técnica que garantia semmargem de dúvida a pureza do efeito linear,mas que ignorava as novas dimensões edirecções da vida. Só muito recentemente seproduziu trabalho com recurso aos contrastestipográficos (letras, signos, valores e planospositivos e negativos), numa tentativa deestabelecer uma correspondência com a vidamoderna. No entanto, estes esforços conse-guiram modificar muito pouco a inflexibilidadeque até agora prevaleceu na práticatipográfica. Um efectivo abrandamento sópoderá ser conseguido pelo uso radical e glo-bal de todas as técnicas de fotografia,zincogravura. etc. A flexibilidade e elasticidadedestas técnicas fazem surgir uma novareciprocidade entre economia e beleza (...)[estas técnicas darão origem a outras ainda maisflexíveis, que produzirão resultados] que serão,concerteza muito diferentes tipográfica,óptica e sinópticamente da linearidadetipográfica de hoje (...) A tipografia linear éuma mera linha de contacto entre o conteúdoda mensagem e a pessoa que a recebe:

COMUNICAÇÃO��TIPOGRAFIA��PESSOA

Em vez de utilizar a tipografia - como até hoje- como um mero veículo, o desafio está emincorporá-la criativamente, bem como o seupotencial efeito subjectivo, no conteúdo”(Gottschall,1988:34).

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15 - O “estilo” Bauhaus, deteor construtivista, definido por

Herbert Bayer,caracterizava-se por:•Tipografia sans-sarif;

•Utilização de círculos,quadrados, rectângulos,

triângulos, barras e filetes, paraunir, separar ou criar destaques

entre elementos,mas nunca para decoração;

•Cores primárias;•Introdução de alfabetos

tipográficos sem caixa alta;•Subdivisão da mancha ao estilo

De Stijl, com os contrastesprovenientes das várias

orientações, comprimentos eespessuras das linhas de texto;

•Contrastes extremos nos corpose espessuras dos signos

tipográficos com a finalidade deobter vários graus de ênfase;

•Texto e imagem dimensionados àmesma largura de coluna;

•Preponderânciade horizontais e verticais;

•Introdução do textojustificado à esquerda;

•Palavras-chavedestacadas a cor;

•Fotografias impressas em coresincomuns (desenvolvimento dos

trabalhos de Moholy-Nagy);•Rotação de alguns blocos de

texto a 900.

O ponto focal - Bauhaus

Herbert Bayer

1925 foi um ano de grandes mudanças na Bauhaus.A escola foi deslocada de Weimar para Dassau,deixando para trás a organização de cariz medievalbaseada numa estrutura hierárquica de mestres,operários e aprendizes. Passou a ser conhecidacomo Hochschule für Gestaltung (Escola Superiorda Forma). Foi igualmente em 1925 que JanTschichold publicou Elementare Typographie,dando início à divulgação da tipografiafuncionalista.Outro factor de grande significado foi a inclusãodo design gráfico no currículo, sendo atribuído aum antigo aluno da instituição, Herbert Bayer, aorientação do atelier de design gráfico e impressão.Antigo aluno de Kandinsky e de Moholy-Nagy,Bayer estabeleceu finalmente as bases do estilotipográfico da Bauhaus15.Bayer desenhou um alfabeto com essascaracterísticas em 1925 (Universal). Todas as letrasse baseavam em arcos concordantes e linhas rectas.Apenas as estruturas essenciais eram utilizadas.No seu trabalho na Bauhaus deu continuidade àsteses de Moholy-Nagy, insistindo na importânciados aspectos psicológicos na tipografia, no designgráfico e na publicidade.Bayer sentia que “devemos ultrapassar a nefastanoção de que o artista é um luxo. O seu papel nasociedade é tão importante como o do operário”.Um designer deveria ser simultaneamente umartista, se bem que reconhecesse claramente asdiferenças entre um pintor e um designer gráfico:

“O primeiro passo na concepção de umprojecto passa pela análise dos seus propósitos

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e finalidade, das suas funções, dimensão,proporções, materiais e estrutura. Comesta análise desenvolve-se uma linha depensamento e, subsequentemente, umconceito para o projecto. O pintor não temque lidar com nada disto...”(Gottschall, 1988:35).

Para Bayer, a tipografia era arte aplicada, deserviço à comunicação. Mas era mais do queum meio para tornar a linguagem visível, poispossuía capacidades ópticas específicas, comcapacidades expressivas próprias. “O designgráfico será cada vez mais determinado pelafinalidade da mensagem. O designer gráficoe tipográfico poderá e deverá descobrir novosprocessos de expressão na pesquisa visual”(Gottschall, 1988:35).

Ainda na Bauhaus, Bayer estabeleceu osstandards DIN (Deutshe Industrie Norm) paraos formatos de papel que ainda hoje seutilizam.

Joost Schmidt

Tal como Herbert Bayer, Joost Schmidt tinhaestudado na Bauhaus em Weimar, tornando-se

Bayer - Estudopara o alfabeto Universal;

Cartaz para uma palestra naBauhaus. 1926

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docente em Dassau, onde ensinou desenhotipográfico, arte comercial, desenho à vista ecomposição escultórica. Quando Bayer saiu daBauhaus, em 1928, Schmidt ficou responsável peloatelier de design e impressão. Abandonou a linhaconstrutivista do seu antecessor, trabalhando comum maior leque de alfabetos tipográficos aumentandoigualmente a importância da fotografia nas técnicasde impressão. Com Schmidt surgiram os primeirostrabalhos baseados em grelhas construtivas pré--definidas que, graças à sua investigação e à difusãodo seu trabalho por intermédio dos seus alunos, viriaa influenciar fortemente a tipografia europeia,nomeadamente a suíça, com resultados notáveis eque ainda hoje prevalecem.

El Lissitzky e van Doesburg

A influência exercida por El Lissitzky nodesenvolvimento da tipografia na Bauhausdeveu-se primeiro aos contactos que teve comMoholy-Nagy em Berlim e, depois, pelas suasvisitas e pelos seminários que orientou em Weimar.Marinetti libertara a tipografia para lhe imprimirexcitação e tumulto visual. El Lissitzky, retendoa vitalidade visual, trouxe ordem, clareza e ênfasecontrolada à comunicação gráfica. Educado comoarquitecto combinou uma mentalidade analíticacom a paixão pelas novas formas de arte.Exposto às influências do futurismo, docubismo, da arte não-objectiva de Malevich, doabstraccionismo de Kandinsky, poder-se-iadizer que foi o homem certo, no lugar certo, nomomento certo. Fazendo uma síntese de todasas correntes do seu tempo, acrescentando-lhes uma

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vertente funcionalista, influenciou o surgimentodo sistema de grelha construtiva continuado porJoost Schmidt, que acabaria por se desenvolverformalmente na Suíça.Se El Lissitzky foi o grande inovador, a Bauhausfoi o laboratório onde as suas invenções foramtestadas e desenvolvidas e onde efectivamentenasceu a nova tipografia. El Lissitzky consideravaque a tipografia deveria provocar no leitor omesmo que a voz ou a música provocam noouvinte. O modo livre como tratava e posicionavaos elementos tipográficos, seria hoje muitosimples de reproduzir graças às facilidades dafotomecânica ou da edição electrónica. Mas osconstrangimentos da tipografia metálica foraminsuficientes para limitar a sua pesquisa sobre aexpressividade e clareza na comunicaçãotipográfica.Por seu turno Van Doesburg teria manifestado oseu interesse em fazer parte da Bauhaus, masGropius considerava-o demasiado orientado ecomprometido estilísticamente com o movimentoDe Stijl. De qualquer modo, van Doesburg acaboupor deixar a sua marca na Bauhaus, nomeadamentenas questões filosóficas que corporizaram a áreado design.

O Fim e o (re)Começo

A Bauhaus nasceu em Weimar, em 11 de Abril de1919, morrendo em Berlim, em 11 de Abril de1933, quando a polícia de choque nazi selou assuas portas após uma rusga infrutífera, em buscade “materiais ilegais de propaganda” (Droste,1992:233). Assim, numa brevíssima cronologia:

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O ponto focal - Bauhaus

Weimar, 1919-1925; Dassau, 1925-1932; Berlim,1932-1933.Os políticos de direita no poder, em Weimar,cortaram e recusaram a renovação de fundos esubsídios da Escola, obrigando-a a deslocar-separa Dassau. Aí, a Bauhaus constituiu umaempresa, a Bauhaus Gmbh, com o intuito decomercializar os protótipos da escola à indústria.Em 1926 surgiu a revista trimestral Bauhaus, umprimeiro ensaio de investigação foto-tipográficaque, em conjunto com os Bauhausbüchencontribuiu para a divulgação das novas ideiassobre teoria da arte, arquitectura e design. Em1932 os nazis tomaram o controlo do conselhomunicipal de Dassau, obrigando a uma novadeslocação da escola, para Berlim, onde subsistiuefemeramente como empresa privada nãosubsidiada.Do ponto de vista do design tipográfico, oper íodo de Dassau fo i c ruc ia l pa ra odesenvolvimento e estabelecimento de umatipografia funcional e vigorosa. As portasseladas pelos nazis em 1933, se por um ladomarcam a morte da escola, por outro dão lugarao nascimento de um movimento culturalinternacional. A evolução e o crescimento dessemovimento foi em larga medida marcada portrês factores:- A emigração para os Estados Unidos demuitos professores e alunos da Bauhaus;- O papel de Jan Tschichold como divulgador danova tipografia;- Os ajustamentos finais da tipografia funcionalpor um grupo de designers na Suíça.

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A Letra: Comunicação e Expressão

O Impacto e o Significado:Então e Agora.

A tipografia da Bauhaus, apesar de todas asinovações e novas abordagens, da respon-sabilidade de Moholy-Nagy, Herbert Bayer eoutros, nunca constituiu um estilo. Superficiale momentâneamente chegou a sê-lo, mas já então,e hoje, à distância de seis décadas, a sua realimportância assenta, e continuará a assentarnuma nova forma de encarar a tipografia e odesign gráfico como uma ferramenta decomunicação poderosa e maleável. Levando aosolhos e cérebros de todos uma nova acepção dofuncionalismo, criando uma solução de designpara cada problema concreto, descobrindo eestabelecendo formatos apropriados a cada novasituação.Todos os processos de impressão foramafectados pelo pensamento da Bauhaus: livros,revistas, cartazes, foram os primeiros camposde ensaio onde se misturou a nova clarezatipográfica com animação visual. À superfície,poder-se-ão ver arranjos gráficos simples eassimétricos, equilíbrios dinamicos, letras sanssarif, recurso intensivo aos espaços vazios,utilização de caracteres e signos tipográficos,linhas, quadrados, círculos. Não com o intuitode ornamentar, mas para estimular a percepção,funcionando ao nível psicológico, conduzindo oolhar, enfatizando de um modo deliberado, mascontrolado. Os instrumentos específicosintroduzidos para alcançar esta finalidade serãotalvez menos importantes que a nova atitude eestratégia de uso da tipografia para impulsionar

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O ponto focal - Bauhaus

a mensagem, e não para uma mera apresentação e/ou ornamentação da mesma. Sem a Bauhaus atipografia nunca seria o que é hoje. O actualdesign gráfico poderá utilizar um imensomanancial de instrumentos, poderá navegar nummar de soluções diferentes, marcadas por distintaspersonalidades e parâmetros culturais e de gosto,mas o critério de uso da tipografia como veículopara reforçar o sentido da mensagem, tal comofoi estabelecido na Bauhaus, mantém-se.

Joost Schmidt,Cartaz da Exposição anual da

Bauhaus - Weimar, 1923

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Folheto de promoção do livroDie Neue Typographie,

de Jan Tschichold

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A nova tipografia

Qualquer causa, para ter sucesso, necessita de umadvogado entusiasta e apaixonado. Se a Bauhausfoi o ponto focal em que novas ideias e novosmétodos de pintura e de design tipográfico sefundiram e emergiram como um novo sistemateórico-prático de comunicação, o seu advogado, oapóstolo que iria difundir os mandamentos da novatipografia funcionalista, foi Jan Tschichold. É noentanto curioso referir que Tschichold nãopertenceu nunca à Bauhaus, nem como estudantenem como professor.Além de ser um observador atento de todos osmovimentos artísticos da sua época, entendeu anecessidade construtivista de imprimir no designtipográfico “os aspectos utilitários de ordemartística” e estava particularmente interessado nastentativas de De Stijl para a criação de um estiloapropriado para todas as vertentes da vidacontemporânea, abrangendo inúmeros territórios,desde as chávenas de chá à tipografia. Frequentouaulas e seminários orientados por vários designerstradicionais, bem como pelos inovadores do seutempo, como Theo van Doesburg, El Lissitzky,Moholy-Nagy e Piet Zwart. Com uma estrutura tãoeclética, foi autor de vários livros (hoje clássicos)que provocaram alguns sobressaltos no pequeno,fechado e conservador mundo tipográfico.Na sua obra “Die Neue Typographie” umaespécie de Livro de Estilo do movimentotipográfico modernista, publicada em l928, faziaum diagnóstico pouco lisonjeiro do panoramada tipografia da época, nomeadamente naAlemanha. Comentando a mediocridadegeneralizada na tipografia alemã dos anos 20,“resultado de muitos desenhos de letra mal feitos,arranjos gráficos descuidados e indisciplinados”,(Tschichold, 1928:23-24) advogava, tal como

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A Letra: Comunicação e Expressão

El Lissitszky e a Bauhaus, uma rotura total com atipografia tradicional. Foi um livro largamentedivulgado, tendo influenciado inúmeros designers daépoca.Na sua perspectiva, o movimento Freie Richtung(tipografia livre), da década de 1890 e o Jugendstijl,dos inícios do século tentaram libertar a tipografiado seu cinzentismo, da sua desordem e ilegibilidade,mas falharam na tentativa, pois limitaram-se asubstituir as antigas restrições por um grupo de no-vas e igualmente ineficazes regras restritivas eornamentais. No período de 1910 -1925 viveu-seuma proliferação de novos e mais expressivosdesenhos de letra. Se até aos anos 20 a tipografiacentrada e com ornatos clássicos dominava aprodução, a reacção mostrou-se caótica, sendo asregras substituídas pela sua ausência. “É urgente acriação de um sistema tipográfico novo que nãodependa de layouts préfabricados, que expresse oespírito, a vida e a sensibilidade visual destes tem-pos” (Tschichold, 1928:78). Estas tentativas demelhorar a tipografia falharam igualmente, poisconcentraram-se apenas no design de novos tipos,enquanto que o verdadeiro problema residia napaginação, no design gráfico, no modo como essestipos eram aplicados.O objectivo central da nova tipografia era tanto tornara leitura simples, como ter uma aparência simples,para a tornar acessível. Este era considerado umprincípio essencial para manter o interesse pelaleitura.Tschichold considerava que, libertando-se doornamento, cada elemento de um trabalho tipográficoassumia uma nova importancia, assim como passavaa ser importante a interacção das suas relações

Exemplo dos maus arranjosgráficos dos anos 20.(Gottschall, 1988:40)

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A Nova Tipografia

visuais. E porque a relação harmoniosa entre oselementos de cada trabalho é sempre diferente, cadatrabalho teria uma aparência única e irrepetível.Sobre a simplicidade no design, escreveu:“Buscamos a simplicidade: assim, requeremosdesenhos de letra simples e claros” (Tschichold,1928:78). Considerou os tipos sans sarif os melhorese mais adequados para o seu tempo. As suascaracterísticas morfológicas e a possibilidade decombinar redondos com itálicos, finos, médios enegros da mesma família tornava possível a obtençãode contrastes, cruciais para a eficácia do design.Contestou o uso do espacejamento forçado das letrasdo corpo de texto, fosse para justificar linhas, fossepara obter efeitos visuais. Para Tschichold, oespacejamento forçado provocava espaços brancosirregulares no corpo do texto, quebrando a cor damancha tipográfica, tornando-a incontrolável,desagradável e menos legível. Para criar efeitosvisuais, seriam suficientes os negros ou os itálicos.Propunha ainda uma radical mudança nas normasortográficas, com a abolição das letras maiúsculasou, pelo menos, muita contenção no seu uso. Muitosdestes princípios enunciados por Tschichold abriramcaminho à adopção de uma nova estética tipográficabaseada na composição em bandeira (ou justificadaà esquerda), utilização intensiva do sans-sarif e dealfabetos sem maiúsculas (continuando as propostasde Bayer). Reconheceu no entanto, que a suapopularidade se deveu mais às modas da época eque “o seu sucesso tem menos a ver com o seumérito, do que com a sua associação à modaprevalecente na época” (Tschichold,1952:14).Tschichold era a voz e consciência da nova tipografiae o seu trabalho como designer foi uma demons-

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tração permanente de rigor e vitalidade, assim comoos mais de 150 livros e artigos que publicou ao longode 50 anos.

“A essência da nova tipografia é a clareza.Aqui reside o contraste com a antiga tipografia,que procurava a beleza, mas que não atingiaos níveis de clareza hoje exigidos. Contudo,não é só a ideia preconcebida da organizaçãoaxial, mas todas - incluindo os designs pseudo--construtivistas que são contrárias à essênciada Nova Tipografia. Qualquer design baseadonuma ideia pré-concebida, e não importa de quetipo, é errado. A Nova Tipografia difere da antigapela tentativa de encontrar e atingir a sua formaem função do texto.” (Tschichold, 1928:13).

Em 1933 o governo Nacional-Socialista acusouTschichold de promover a cultura bolchevique(“kulturbolschevismus”) ao tentar criar umatipografia não-germânica. Após algumas semanas deprisão domiciliária, as acusações foram-lhe retiradas,mas ficou impossibilitado de continuar a suaactividade docente em Munique. Rapidamente semudou para a Suíça, onde retomou as suas actividadesprofissionais, contribuindo para o estabelecimentodefinitivo dos sistemas de grelha construtiva.Ao longo do tempo Tschichold repensou e re-equacionou as suas teses iniciais sobre a NovaTipografia, vindo a tornar-se um dos seus mais ferozescríticos, retomando critérios mais moderados de de-sign gráfico e tipográfico, baseando-se em alfabetosLatinos, Egípcios e Cursivos, organizados no sistemaaxial que anteriormente repudiara. Abandonou quasepor completo os caracteres sans-sarif pois na suaopinião, textos longos compostos com esses caracterestornavam-se cansativos e difíceis de ler.

“Errado!Parece funcional, mas se for

examinado maisdetalhadamente, verifica-se asua superficialidade, pois não

expressa o texto. No centro,torna-se complicado descobrir

para onde dirigir a leitura.Certas formas de pintura

abstracta apreendidassuperficialmente,

foram utilizadas nestetrabalho,

mas a tipografia não épintura!”

(Tschichold, 1928:84)

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Tschichold, Poster. 1937Equilíbrio dinâmico, composto

integralmente em caixa-baixa.Utilização do espaço vaziocomo elemento estruturante

do design.

A Nova Tipografia

Para se poder ficar com uma ideia da honestidadeintelectual de Tschichold, e da coragem quedemonstrou ao destruir o mito criado pelo sucessode “Die Neue Typographie”, transcreve-se atradução (parcial) de uma comunicação que fez noseminário “Typography U.S.A.”, promovido peloType Directors Club, em Nova York, 1959:

“ (...) Na Suíça, há alguns anos atrás, existiamrumores sobre a possibilidade de existir umatipografia ‘Suíça’. Não acredito no valor denenhuma tipografia ‘nacional’, e a tentativa decriar algo do género é, a meu ver, uma falácia.Naturalmente que não poderemos ignorarabordagens específicas, como a anglo-saxónica oua italiana, bem como ninguém duvidará da

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A Letra: Comunicação e Expressão

existência de uma abordagem caracteristicamentehelvética. Esta é o exemplo de uma tipografiainflexível que não faz qualquer distinção entre umcartaz de cinema e um catálogo de ferragens. Éuma abordagem que não admite a necessidadehumana de diversidade, revelando uma atitudeintrinsecamente militarista.O que hoje faço não está na linha do meu muitomencionado livro ‘Die Neue Typographie’, já queme considero o mais severo critico do jovemTschichold de 1925-28. Um provérbio Chinês dizque ‘a pressa leva ao erro’. Muitas ideias aídivulgadas são erróneas, pois a minha juventudeera grande e a minha experiência reduzida.Na Alemanha de 1925 (e a situação actual nãodifere muito da de então) eram utilizados muitosdesenhos tipográficos e, com raras excepções, amá qualidade imperava. Esses caracterespretensamente germânicos eram utilizados e apre-sentados em arranjos e combinações de péssimogosto, de modo algum ‘tradicionais’ pelosignificado que é actualmente atribuido ao termo.Quem não contactou com essa época e com o quenela foi produzido pela imprensa dificilmente faráideia do panorama. Como designer e comohomem de letras (literalmente...), sentia-meinsultado, dia após dia, pela aparência horrendados jornais, revistas e de todo o género deanúncios.A imprensa estava doente, e para a sua cura sugeridois remédios: um para a tipografia, outro parao arranjo gráfico. De modo a poder reduzir oexcesso de desenhos de letra, a solução poderiapassar pela adopção de uma única famíliatipográfica adequada a todas as finalidades,

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A Nova Tipografia

família que na Alemanha é conhecida como‘Grotesk’, ‘Sans Sarif ’ em Inglaterra, ou‘Gothic’ nos Estados Unidos. Para o arranjográfico, a assimetria substituiria as linhascentradas.Agora devo dizer o que considero erradorelativamente a estas ideias juvenis, bem comoà situação que se vivia nesses anos naAlemanha: não se trata da enorme quantidadede famílias tipográficas em voga, mas da suapéssima qualidade, bem como não de trata dainoperância de um design baseado num eixocentral, mas da incompetência dos com-positores revelada nesses arranjos. Fosse eumais instruído nos arranjos gráficos e nosproblemas subtis que caracterizam acomunicação tipográfica, tivesse eu maisexperiência então do que seria legítimo esperarde um jovem com 23 anos, e então talvez eutivesse reflectido sobre as minhas imaturasideias mais cautelosamente.Até aqui, esta pressa levou certamente aoerro; no entanto, frequentemente, o erro é fac-tor de criação. Os meus erros foram maisférteis do que poderia alguma vez imaginar.A tipografia estava doente, precisandourgentemente de médico. O tratamentoproposto era duro, mas revigorante, e erapreferível uma cura radical à manutençãode uma terapia que se arrastasse inde-finidamente. Uma das debilidades residia nainexistencia de pelo menos um bom tipo deletra. Teria sido preferivel procurar um bomtipo ou, melhor ainda, um conjunto de tiposutilizáveis, do que restringir o seu número a

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A Letra: Comunicação e Expressão

uma única familia tipográfica, eleita pelasvanguardas, mas de duvidosa eficácia.À luz dos meus actuais conhecimentos, foiinfantil considerar o Sans Sarif o tipo maisadequado e mesmo o que mais correspondiaà ideia de modernidade. Uma familiatipográfica tem, antes de mais, de ser legível,óbvia, visível, e o Sans Sarif não é, certamente,o modelo mais legível! Pelo menos quandoutilizado extensamente. Do mesmo modo umarranjo centrado, com demasiados, diferentese até horrendos tipos de letra, não prova asua inconsistência, demonstrando antes afalta de perícia técnica e sensibilidade artísticade quem o produziu.Alguns anos depois de ‘Die NeueTypographie’, Hitler chegou. Fui entãoacusado de criar uma tipografia e uma artenão germânicas. Preferi abandonar aAlemanha e, desde 1933 passei a viver emBasileia, na Suiça onde, nos primeiros anoscontinuei a desenvolver o que eu chamava aNova Tipografia. Em 1935 escrevi outro livro,‘Typographische Gestaltung’, muito maisprudente que ‘Die Neue Typographie’ foi,sendo ainda hoje uma obra de referência útilpara muitos designers e estudiosos desteassunto.Com o tempo, as questões da tipografiatomaram um aspecto muito diferente aos meusolhos e, para meu espanto e desgosto, detecteimuitas coincidências chocantes entre as tesesde ‘Die Neue Typographie’ e o Nacional--Socialismo e o fascismo. Semelhanças óbviasresidem na impiedosa restrição de familias

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A Nova Tipografia

tipográficas em paralelo com o infame‘Gleichschaltung’ (alinhamento político) deGoebbels, bem como o arranjo militarista daslinhas e da páginas.Porque eu não queria ser responsável peladivulgação das mesmas ideias que mecompeliram a abandonar a Alemanha,repensei novamente o papel do tipógrafo e datipografia. Que caracteres são bons? Qual oarranjo mais adequado? A boa tipografia temde ser perfeitamente legível, resultado de umplaneamento inteligente. As famílias clássicascomo as Garamond, Janson ou Baskerville,serão sem dúvida das mais legíveis. O SansSarif é adequado para algumas situações queseja necessário enfatizar: As ocasiões para asua utilização serão tão raras como as quejustificam o uso de decorações barrocas...A tipografia deverá promover a indivi-dualidade, isto é, surgir tão diversa comodiversas são as pessoas à nossa volta, talcomo há homens e mulheres, gordos emagros, sábios e estúpidos, sisudos e alegres.O objectivo da tipografia não deverá serexpressão, menos ainda auto-expressão, masperfeita comunicação conseguida com períciae sensibilidade. Apropriarmo-nos de padrõesde tempos idos, ou mesmo do trabalho deoutros designers é um assunto delicado, masnão é, na essência, errado.A tipografia é apenas um instrumento e nadamais do que um instrumento. Deverá ser, issosim, um instrumento perfeito.” (Gottschall,1988:39).

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A Letra: Comunicação e Expressão

Cartaz de divulgação de umapublicação sobre semiótica.

Design de Jurriaan Schrofer,Holanda

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Meios electrónicos e formastipográficas

Apesar de se terem dado muitas inovaçõesestilísticas na tipografia e no design nos princípiosdeste século, nenhuma envolveu uma recon-ceptualização radical dos desenhos de letra, fosseem termos teóricos ou práticos, até ao desen-volvimento da fotografia e, mais propriamente, dosmétodos de produção electrónicos terem surgidoem cena. Até aos anos 50 do nosso século, osimpressores continuavam a basear-se em métodosconvencionais de produção e composição tipo-gráficos. A fotografia tornou-se um instrumentono ofício da impressão, mas foi muito raramenteutilizada como processo de composição tipográficaaté essa altura. A incorporação dos métodosfotográficos na composição tipográfica levantoualguns problemas (distorções, recorte dos desenhosafectado pelas variações dos banhos químicos,procedimentos morosos para fazer correcções),mas trouxe igualmente novas possibilidades(abastecimento ilimitado, velocidade de com-posição). Esta tecnologia não implicou noentanto grandes mudanças nos métodos deconcepção e design dos caracteres tipográficos.As variações nas formas dos tipos tornadaspossíveis pela fotografia abarcavam graduaçõescentesimais dos corpos de letra, modificaçõesde escala, inclinação e distorção. Mas estesrecursos estavam baseados num único negativoe eram realizados através de processos ópticos,l imitados pela capacidade dos suportesfotográficos e das lentes anamórficas. As letrascontinuavam a ser formas pictográficas.

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A Letra: Comunicação e Expressão

Muito trabalho foi desenvolvido nos designs detipógrafos inovadores como Adrian Frutiger ouHermann Zapf na adaptação de caracterestipográficos convencionais às peculiaridades doprocesso fotográfico, mas os problemas com que sedepararam continuaram a ser os mesmos com que ostipógrafos se confrontavam desde o século XV:adaptação das formas das letras às diferentes escalas,harmonia entre redondas e itálicas, espacejamentoentre caracteres, de forma a evitar sobreposições ouburacos na linha de texto16.Uma mudança substancial surgiu com a introduçãodo conceito dos caracteres como blocos deinformação e não como imagens. As formastipográficas foram repensadas através do trabalhoconjunto de matemáticos e designers levantando-sequestões sobre a identidade das letras e das suasformas. Seria o alfabeto um conjunto descontínuode elementos, possuindo cada um deles carac-terísticas intrínsecas que poderiam ser codificadasnuma equação matemática? Ou seria uma sequênciade marcas diferenciando-se umas das outras atravésdas suas partes elementares (hastes, arcos, tra-vessões, etc.), em combinações que lhes permitiriammanter-se visualmente distintas, mas que nãopossuíam formas essenciais? As respostas a estasquestões condicionariam os processos de arma-zenamento de caracteres, programas de proces-samento de texto e paginação, bem como daconcepção e construção de sistemas de reconhe-cimento óptico de caracteres.A flexibilidade dos meios electrónicos é tal, que nosúltimos anos foi possível desenvolver caracterestipográficos recorrendo a todos esses parâmetros:podem ser considerados simples padrões lineares,

16 - O par de letras RAapresenta um espaço que

deverá ser atenuado pela suaaproximação, enquanto AV

deverá ser resolvidopor uma solução oposta.

Cada par de letras deveria serassim considerado, o que nos

permite vislumbrar acomplexidade dos problemas

que são levantados numprojecto de design tipográfico.

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Diagramas de pixels: quantomais densa for a rede

(definição), mais nítido se tornao caractere.

Caracteres construídos comsegmentos de recta (esq.) e

combinações de segmentos derecta e arcos (dir.)

Meios Electrónicos e Formas Tipográficas

caso em que a única variável é a espessura das linhasque os definem; como padrões de pixels, que nãopossuem outra identidade para além dos valoresatribuídos a cada ponto na imagem, tal como um cartãoquadriculado que define a tapeçaria; ou como polígonoscujos contornos são configurados por um conjunto depontos que definem segmentos de recta e arcos decircunferência, pontos esses que podem ser manipuladosindividualmente, de modo idêntico ao utilizado pararealizar uma forma plana com um elástico contornandoum conjunto de alfinetes.

A mais recente inovação no design tipográfico numambiente electrónico permite gerar toda uma gama dealfabetos entre as suas versões com e sem sarif,redondas, itálicas, finas, médias e negras, a partir de umúnico design. As letras são construídas a partir de um

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A Letra: Comunicação e Expressão

conjunto de parâmetros inter-relacionados quemodificam o desenho em cada uma das versõesreferidas. O resultado final será uma forma maisadequada ao ambiente electrónico do que asversões adaptadas de modelos ópticos efotográficos.

As possibilidades de produzir formas originais deletras nunca foram tão grandes, e acessíveis a umcada vez maior número de indivíduos, desde que ocomputador permite combinar a liberdade dodesenho caligráfico, com as possibilidades repro-dutivas da fotografia e as capacidades geradorasdo processamento electrónico. Poderemos nesteponto levantar algumas reservas à qualidade dosresultados: haverá sempre trigo e joio. Provavel-mente muito joio, mas sempre assim foi ao longoda história. As modas são sempre efémeras. Osalfabetos e todas as criações gráficas que contenhama vitalidade e consistência necessárias e indis-pensáveis para sobreviver, manter-se-ão ao longode gerações. As restantes terão logo à partida o seudestino marcado: o esquecimento.

Diagramas para fontes deedição electrónica

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Exemplo da utilização dossistemas de edição electrónica:

previsão das páginas 78 e 79desta publicação.

Meios Electrónicos e Formas Tipográficas

Os meios electrónicos oferecem igualmentepossibilidades de experimentação que não estãocondicionadas nem às restrições lineares daimpressão tipográfica nem às limitações dossuportes físicos que a humanidade utilizou ao longoda História. Os próximos anos deverão testemunhara reinvenção da imaginação caligráfica, tipográfica epictórica em suporte electrónico, pressupondo essamudança uma aprendizagem de métodos totalmentenovos de leitura e processamento visual da linguageme da imagem.

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A Letra: Comunicação e Expressão

O Novo CopistaAdaptação, pelo autor, da

gravura da pág. 6.

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Conclusão

No início deste texto foi referida a hipótese daexistência de uma linha de coincidências e inter-relações entre as inovações estéticas nas artesplásticas e a evolução formal da tipografia, sendoambas efeito (e nalgumas circunstâncias, causa) dastransformações históricas, económicas, sociais,ideológicas e religiosas na sociedade humana.Após toda a investigação efectuada, inúmerasreflexões sobre os elementos recolhidos, condi-cionadas provavelmente por um repertório práticoe teórico previamente construído, essa suspeitatorna-se mais difusa: não se vislumbra com nitidez asua existência, tal como não se encontram indíciosda sua ausência.As vanguardas artísticas limitaram-se a utilizar osrecursos técnicos da tipografia, do mesmo modo queincorporaram técnicas e saberes de outras áreas,deixando por todo o lado marcas da sua passagem,desencadeando movimentos de repulsa ou de adesão.A formulação e adopção das leis da perspectivacónica ilustram um contacto entre as artes plásticas,a geometria e a matemática; na descoberta da pinturaa óleo, uma incursão da química (ou da alquimia) nosdomínios da pintura; perdendo o domínio darepresentação do real com o desenvolvimento dafotografia, a pintura segue para outras paragens,desta vez nos domínios não visíveis domovimento, do sonho e da emoção, recuperandoposteriormente algum do terreno perdido, com orecurso à colagem, às telas fotosensíveis e aorevivalismo da “boa pintura”.A tipografia incorporou alguns dos novos conceitos,rejeitou outros, mas manteve um percurso evolutivo

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paralelo. As únicas excepções dizem respeito aomovimento Arts and Crafts e à Bauhaus, onde sepretendia atingir a síntese e a fusão de objectivose técnicas. Em ambos, com maior ou menor êxito,o objectivo foi conseguido, mas podem considerar--se fenómenos deliberadamente provocados, aoinvés de movimentos surgidos espontaneamente.Os Arts and Crafts, movidos pela visão utópicade Ruskin e Morris, pretendiam um mundo maishumano, livre das máquinas que produziamartefactos sem alma, contaminando e destituindode sentido a existência de quem os utilizava. Foium movimento de reduzido impacto na época,pois a industrialização era irreversível e osobjectos produzidos segundo os métodos deMorris tornavam-se inacessíveis para aqueles aquem, na sua génese, o movimento se destinava.No entanto, este movimento deixou uma marcamuito importante para o futuro: a ideia daqualidade intrínseca do objecto, do saber-fazer,que actualmente preside a muitas campanhaspublicitárias e estratégias de comunicaçãoempresarial.A Bauhaus, ao contrário dos Arts and Crafts, aoconsiderar a máquina e a sua capacidade de produzirilimitadamente os objectos necessários ao bem-estardos homens, lançaria os fundamentos do designindustrial. Num molde ideológico muito rígido, compostulados extremistas (que se justificam com opanorama social e ideológico da época), atribuiu àfunção dos objectos a primazia sobre a forma. Apaisagem de revolução social que enquadrava aEuropa marcaria toda a produção formal daBauhaus (apesar da repulsa dos seus elementosperante a simples ideia de terem um estilo).

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Os continuadores da Bauhaus e do modernismo,nomeadamente Moholy-Nagy e Tschichold, cedo sederam conta dos erros cometidos. Reabilitando atipografia “burguesa e reaccionária” dos séculosXVIII e XIX, pois havia lugar para um equilíbrioentre a forma das letras e a sua função comunicativa,para um compromisso entre a eficácia e o prazer daleitura, retirariam ao design de comunicação post--Bauhaus o seu carácter frio e militarista.Ao contrário da pintura que, com o surgimento dafotografia deixou de ser exclusivamente um meio,para poder igualmente ser um fim, o designtipográfico continua a ser um suporte, um veículodo texto. As novas técnicas operativas que atipografia vai integrando no seu edifício, os recursoselectrónicos e a reconceptualização do desenho deletra, não lhe alteraram o estatuto e a função, apesarda alteração radical das relações entre produtor edestinatário da página impressa, que tende a eliminaruma série de saberes oficinais, permitindo, em últimaanálise, a qualquer indivíduo produzir o seu própriomaterial impresso.O ponto de contacto que permanece nítido entreestes dois territórios continua a ser o mesmo:comunicação visual.

Conclusão

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A Letra: Comunicação e Expressão

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KLEE - Catálogo da Exposição de desenhos, óleos, aguarelas e

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gravuras, na Fundação Juan March (Março - Maio 1981), Ed.Fundacion Juan March, Madrid:1981

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Step-by-Step Graphics - Vol.3 N°7, Dinamic Graphics Inc.Peoria, lllinois: Nov/Dez 1987

Glossário

Tal como na restante terminologia tipográfica,muitas das expressões e classificações existentessugerem uma nomenclatura criada arbitra-riamente. Por força da tradição, de hábitos detrabalho adquiridos, de códigos construídos ao

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A Letra: Comunicação e Expressão

longo de gerações em diferentes oficinas tipo-gráficas, estas designações foram constituindo ovocabulário tipográfico. As designações aqui apre-sentadas não são universais mas, tanto quantopossível, as mais comuns (por exemplo, a “orelha”da letra g poderia ser igualmente chamada“puxador”).Ascendente - Parte do caractere que passa para cimada linha indicadora da altura da fonte. (ver Corpo)Caixa-Alta - Maiúscula, em linguagem tipográfica.A expressão provém da colocação dos caracteresmaiúsculos nos compartimentos superiores do cavaletede composição tipográfica.Caixa-Baixa - Minúscula, em linguagem tipográfica.A expressão provém da colocação dos caracteresminúsculos nos compartimentos inferiores do cavaletede composição tipográfica.Capitular - Letra maiúscula decorada (ou de corpoexageradamente grande), utilizada para iniciar um novocapítulo, ou parte do texto que se pretende destacar.Chanceleresca (it. Cancilleresca) - Escrita manual cursivados séculos XV e XVI.Codex (ou Códice) - Conjunto de folhas agrupadas emcadernos, formando um livro, resguardadas por tábuas demadeira.Corpo - Convencionou-se que a altura dum caractertipográfico corresponde à medida vertical (em pontos) da letrax minúscula da fonte a que esse cacracter pertence.Cursiva (letra) - Escrita manual produzida com rapidez e semgrandes cuidados com a caligrafia. A obliquidade(normalmente para a direita) desta escrita viria a influenciaruma infinidade de desenhos tipográficos, particularmente emInglaterra.Descendente - Porção do caractere que ultrapassa, para baixo,a linha inferior, ou linha de base da fonte. (ver Corpo)Fonte - Tradicionalmente considerava-se um conjuntocompleto de caracteres, constituindo uma família tipográfica;actualmente é sinónimo de “tipo”.Gravura - Técnica de incisão (com buril ou com ácido) em

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chapas de metal de desenhos ou diagramas complexosimpossíveis de obter através da xilogravura.Justificação - pequenos ajustamentos feitos nos espaços en-tre letras e/ou palavras ao longo de uma linha, de modo a queesta preencha por completo a largura da coluna.Layout - Termo inglês para indicar o esboço e o projectotipográfico.Lettering - Termo utilizado nos meios tipográficos,englobando todas as opções e operações técnicas e estéticasque envolvem o uso, manipulação e/ou criação de umaou várias fontes em determinado projecto gráfico.Órfão - Primeira linha de um parágrafo na última linhada página ou coluna.Paginação - O. m. q. layout.Prelo - Artefacto para impressão, utilizando umaprensa que comprime a matriz embebida em tinta con-tra o suporte a imprimir.Sans-Sarif - Tipo de letra sem alargamento terminal,conhecida nos finais do século XIX com as designações deBastão ou Grotesca.Sarifo - o m. q. Sarif - Alargamento das terminações das letras.Scriptorium (pl. Scriptoria) - local destinado ao estudo e àprática da escrita.Suporte - Superfície onde serão impressos os várioselementos tipográficos definidos no layout.Tipo - Caractere tipográfico. A expressão provém da tipografiaprimitiva de caracteres móveis, mas persistiu no tempo,aplicando-se ainda hoje a cada um dos elementos contituintesdo texto impresso.Tipografia - Sistema de impressão com matrizes em relevo; otermo é utilizado igualmente para indicar o local onde sedesenvolve todo o ciclo de produção, em qualquer sistema,de um trabalho impresso.Uncial - Forma caligráfica originária da notação Romana, quemarca a evolução da letra maiúscula para a minúscula.Vellum (ou velino) - Do latim, vitulus. Pele de vitelaespecialmente criada para o efeito, preparada para a escrita,através da sua imersão em lodo ou excrementos, sendoseguidamente limpa de pêlos e detritos com uma faca semicir-cular.Viúva - Última linha de um parágrafo, no início de uma página

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A Letra: Comunicação e Expressão

ou coluna.Xilogravura - Matr iz em madeiraescavada , u t i l i zada para impr imirdesenhos ou capitulares decoradas nosprimeiros tempos da tipografia.Zincogravura • Matriz de zinco emrelevo (cliché) obtida pelo processo defotoincisão.

Índice Onomástico

Albers, Josef - 82Apollinaire, Guillaume - 42, 52

Baskerville - 23, 36Bayer, Herbert - 78, 80-84, 89, 90Beardsley, John - 67Bodoni, Giambattista - 12, 24, 30, 37, 38Braque, Georges - 48, 51, 52Breuer, Marcel - 82

Carlos Magno - 5, 18, 19, 22Caslon, William - 22, 36, 37Caxton, William - 9, 30Cézanne - 45, 46, 52Clovis - 17Constable - 43, 47, 63, 72Corot - 43, 63Courbet - 46

Dali, Salvador - 61Depero, Fortunato - 57Didot - 12, 24, 37Delvaux, Paul - 60Duchamp, Marcel - 59Dürer, Albrecht - 35, 36

El Greco - 46El Lissitzky - 42, 68, 70, 71, 72, 73, 80, 82-85,91, 92, 97Éluard, Paul - 60Estienne - 36

Feininger, Lyonel - 82Fra Luca Pacioli - 35Frutiger, Adrian - 108Fournier - 23

Garamond - 23, 36Gaudi, Antonio - 50Gauguin - 45, 46, 50Granjon - 36Gris, Juan - 51Gropius, Walter - 81, 82, 83Guimard, Hector - 50Gutenberg - 5, 8-11, 12, 25, 26, 27, 28, 29

Itten, Johannes - 80, 82, 83, 84

Janson - 23Jenson - 23

Kandinsky, Wassily - 42, 43, 47, 48, 64, 65, 68, 69, 72,82, 89, 91Klee, Paul - 40, 65, 82

Lalique, René - 50Lautréamont - 60Leonardo da Vinci - 35, 36

Magritte, René - 60Malevich, Kasimir - 65, 68, 69, 85, 91Man Ray - 85Manutius, Aldus - 9, 11, 12, 22, 23Marinetti, Filippo Tomaso - 54, 55

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Matisse - 48, 52Millet - 43, 63Moholy-Nagy, László - 80 - 84, 85, 86-89, 91,97, 115Mondrian, Piet - 43, 44, 56Monet- 41, 42, 52Morris, William - 71, 114Motherwell - 45Mucha, Alphonse - 50

Olbrich, Joseph Maria - 50

Picabia, Francis - 61Picasso, Pablo - 42, 51, 52Pissarro - 43, 44Plantin - 30, 32Pollock, Jackson - 45Renoir - 43, 44Rodchenko, Alexandr - 68, 70, 72Rouault - 48Rubens - 32Ruskin - 114

Schlemmer, Oskar - 79Schmidt, Joost - 80, 82-84, 90-92, 95Schrofer, Jurriaan - 106Schwitters, Kurt - 84, 85Seurat - 45

Theo van Doesburg - 42, 72 - 74, 80, 82-85, 91, 92, 97Tory, Geoffrey - 36Toulouse Lautrec - 50Tschichold, Jan - 6, 8, 80, 85, 89, 93, 96, 97-99, 100,101, 102-105, 115Turner - 43, 63Tzara, Tristan - 58

Van de Velde, Henri - 42, 50, 80Van Gogh - 45-47, 50

Warde, Beatrice - 4

Os números em itálico indicam repro-duções de quadros ou trabalhos gráficosdo autor referenciado.

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A Letra: Comunicação e Expressão

Agradeço a todos os que me acompanharam e apoiaram, em especial à Lena, que foi durante todo estetempo o meu “Sistema de Grelha” privativo, ao Professor António Fidalgo, Professor Santos Pereira,Professor Jorge Negreiros e Dr. Frederico Lopes pelos comentários, rectificações e esclarecimentos;e a todos os elementos dos Serviços Gráficos da UBI pela colaboração e profissionalismodemonstrados para a publicação desta obra.