Livro A História de Biafra - Frederick Forsyth

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OBRAS DO AUTOR A ALTERNATIVA DO DIABO CES DE GUERRA O DIA DO CHACAL O DOSSI ODESSA A HISTRIA DE BIAFRA O PASTOR SEM PERDOFREDERICK FORSYTHA HISTRIA DE BIAFRAO NASCIMENTO DE UM MITO AFRICANOTraduo PINHEIRO DE LEMOS5 EDIOEDITORA RECORDLivro digitalizado e corrigido por Mauricio Carvalho, para uso de deficientes visuais, sendo vedada a veiculao ou comercializao desse arquivo. Prlogo Apenas este prlogo e o eplogo ao final do livro so contemporneos, sendo escritos especificamente para esta edio, no incio de primavera de 1976. Tudo o mais,entre o prlogo e o eplogo, data do ano de 1969, enquanto a guerra Nigria-Biafra ainda estava em curso. A maior parte do livro foi escrita durante o ms de janeiro de 1969, numa pequena caravana estacionada beira de uma estrada, na cidadezinha de Umuahia, que era na ocasio a capitaLbiafrense. Escrevi ein condies de calor intenso e sufocante, interrompido muitas vezes por ataques areos de caas MIGs fornecidos pelos russos e pilotados por egpcios em nome da Nigria, sobrevando ruidosamente a cidade, metralhando e lanando foguetes onde quer que pudessem faz-lo. Durante esses ataques, o nico recurso era mergulhar numa trincheira e ficar esperando que os avies fossem embora . A primeira parte do livro, ? exceo de dois captulos, foi incluida nos ltimos dias de janeiro. Voltei para Londres com o original. A esta altura, eu j tinha passado dois perodosprolongados em Biafra, como correspondente de guerra . O primeiro foi por conta da BBC, de 1 de julho de 1967 a 1 de setembro do mesmo ano; o segundo, como freelancer, de 18 de fevereiro de 1968 at o final de janeiro de 1969. Durante esses dois perodos, testemunhei pessoalmente a maior parte do que est narrado na Parte Dois deste livro. Ao voltar para Londres, esmiucei os arquivos mntemporneos a fim de concluir os dois captulos inacabados ."O Papel do Governo Britnico" e"Refugiados, Fome e Ajuda" . Havia fatos e dados para esses dois captulos que no podiam ser obtidos dentro do enclave biafrense. No incio de maro de 1969, eu j havia concludo o livro, que nessa ocasio levava a narrativa at o final de janeiro de 1969; obviamente, no ia adiante, j que ningum podia prever o futuro. Acompanhado por meu agente, Bryan Hunt, procurei um editor. Encontrei o editor ideal em Rob Hutchiisson, da Penguin Books . 7 O livro, pequeno, em brochura, foi publicado a 26 de junho de 1969, como um Penguin Special, com uma tiragem de 30 mil exemplares. Nesse nterim, eu tinha voltado a Biafra e feito anotaes adicionais, levando a narrativa at junho de 1969. Para surpresa minha, o livro vendeu-se rapidamente, at que a edio esgotou e os que desejavam l-lo no mais conseguiam encontr-lo nas livrarias. Assim, em setembro, o Sr. Hutchinson recomendou-me que voltasse a Biafra e preparasse um adendo ao livro, levando a narrativa at o final de 1969. A idia, pelo que entendi, era lanar uma nova edio na primavera de 1970. Voltei a Biafra em outubro e l permaneci at a segunda quinzena de dezembro, retornando finalmente a Londres pouco antes do Natal. At 31 de dezembro, preparei um adendo aos captulos da segunda parte do livro, levando a narrativa at o final de 1969. Contudo, o Sr. Hutchinson deixara a Penguin para assumir um posto acadmico, sendo substitudo por outra pessoa na Penguin. No incio de janeiro, fui informado que no mais se cogitava de uma reedio. Assim, para esta reedio, a narrativa dos acontecimentos entre 1 de fevereiro e 31 de dezembro de 1969 foi pesquisada e escrita durante esse ano, mas jamais foi publicada antes. Ficou esquecida numa gaveta, do Ano Novo de 1970 at agora. Biafra finalmente cedeu ou foi massacrada at a submisso por uma mar montante de poderio militar, fornecido principalmente pela Inglaterra, a 10 de janeiro de 1970. O lder biafrense, General Ojukwu, partiu para o exlio na Repblica da Costa do Marfim, recebendo asilo do Presidente Houphouet-Boigny.Nesta altura, eu era um reprter desempregado e resolvi tentar escrever uma histria, a que dei o nome de O Dia do Chacal. Quando me foi proposto, ao final de 1975, lanar uma nova edio de A Histria de Biafra, tornei a ler o livro. Senti a tentao de revisar, reeditar e atualizar o texto, a fim de abrandar a polmica, atenuar a ira das opinies. Mas no mexi absolutamente no texto, limitando-me a acrescentar este prlogo e o eplogo, visando apenas a explicar o que poderia ficar obscuro. Na ocasio em que foi inicialmente publicado, o livro despertou muitas controvrsias. A questo de Biafra era emotiva, o interesse e preocupao pblicos eram amplos. A respeito dos fatos aqui apresentados, posso dizer uma coisa: apesar do livro ter sido examinado por especialistas em frica Ocidental por ocasio da publicao original, a pedido daqueles que discordaram do contedo e desejavam arras-lo, os fatos jamais foram realmente contestados. H dois erros em relao aos fatos: o primeiro refere-se a uma data, havendo uma diferena de 24 horas; o outro 8 sobre uma emboscada na aldeia de Abagana, onde um erro de datilografia acrescentou um zero extra s baixas nigerianas. M- Quanto s opinies emitidas, continuo a mant-las, mesmo numa reflexo mais profunda e distante. A passagem do tempo pode abrandar os pontos de vista, a convenincia pode alter-los. Mas nada pode, nem jamais poder, atenuar a injustia e a brutalidade perpetradas contra o povo biafrense, nada pode, nem jamais poder, atenuar a indignidade da participao ativa, embora indireta, de um governo britnico. Para o melhor ou para o pior, a histria ocorreu como a escrevi na ocasio. No diz tudo, porque jamais algum pode saber de tudo. Outros livros foram escritos sobre o assunto desde 1970, inclusive com estatsticas mais amplas e melhores. Mas continham tambm depoimentos de participantes nos acontecimentos que no esto de acordo com o que realmente aconteceu ou com o que tais pessoas disseram e pensaram na ocasio. Os vitoriosos escrevem a histria e os biafrenses perderam. A convenincia muda as opinies ... e a recordao de Biafra e do que l se perpetrou permanecem inconvenientes para muita gente. O livro que se segue tem, pelo menos, essa recomendao: continua a ser a nica narrativa contempornea da histria de Biafra do princpio ao fim, escrita na ocasio e dentro do enclave biafrense por uma testemunha europia. Quando eu era um reprter foca num jornal ingls de provncia, ca sob a tutela de um professor maravilhoso, o principal reprter. Duas mximas dele ficaram-me gravadas na memria:"Descubra os fatos certos" e "Conte tudo da maneira como aconteceu". Nas pginas a seguir, tentei contar tudo como aconteceu. Por ocasio do lanamento original, o livro foi amplamente condenado em determinadas reas e por certos crculos. Todos que o condenaram tinham uma coisa em comum: ocupavam posies de poder e autoridade, isto , representavam o prprio establishment ou estavam firmemente de seu lado. Para mim, no poderia haver outra recomendao maior para as crticas!. FREDERICK FORSYTH Irlanda, fevereiro de 1976 Prefcio Este livro no um relato imparcial. Procura explicar o que Biafra, por que seu povo decidiu separar-se da Nigria, como reagiu ao que lhe foi infligido. Posso ser acusado de defender o caso biafrense, uma acusao que no seria de todo injustificada. a histria de Biafra e relatada do ponto de vista biafrense. No obstante, sempre que possvel, procurei encontrar confirmaes em outras fontes, especialmente estrangeiras (e na maioria britnicas), que estavam em Biafra no incio da guerra, l permaneceram, como o extraordinrio grupo de padres irlandeses da Ordem do Esprito Santo, de Dublin, ou chegaram posteriormente, como jornalistas, voluntrios e equipes internacionais de socorro aos refugiados. Quando h opinies expressas, a fonte citada ou ento so minhas... e no tentarei ocultar a subjetividade de minhas opinies. Para mim, a desintegrao da Federao da Nigria no um acidente da histria, mas sim uma conseqncia inevitvel dessa mesma histria. A guerra atual, em que 14 milhes de biafrenses enfrentam 34 milhes de nigerianos, no uma luta nobre, mas sim um exerccio de inutilidade. A poltica do governo trabalhista britnico, apoiando uma faco que detm o poder militar em Lagos, no a expresso de todos aqueles padres que a Inglaterra supostamente representa e defende; ao contrrio, o repdio a todos esses padres. A Histria de Biafra no um relato completo, em todos os seus detalhes. H muitas coisas que ainda no se sabem, muitas coisas que ainda no podem ser reveladas. Qualquer tentativa, neste momento, de escrever a histria da guerra no passaria de uma colcha de retalhos. E porque seria irreal imaginar que Biafra simplesmente aconteceu de repente, emergindo de um vcuo, a 30 de maio de 1967, comeo a narrativa com um breve relato da histria da Nigria antes da ecloso da guerra. indispensvel compreender como aNigria foi formada pela Inglaterra atravs da reunio de povos irreconciliveis; como esses povos foram descobrir que, seguindo as determinaes britnicas, as diferenas no se atenuaram, mas sim se acentuaram; como a estrutura deixada pela Inglaterra tornou-se finalmente incapaz de conter as foras explosivas nela confinadas. Umuahia, Biafra, janeiro de 1969 FREDERICK FORSYTH 12 Parte Um O Caminho Para a Diviso .4 1. Os Antecedentes Um dos argumentos principais contra a poltica dos biafrenses e a favor da poltica de guerra nigeriana visando a esmag-los a de que o rompimento de Biafra destruiu a unidade de um estado feliz e harmonioso, que o General Gowon, da Nigria, est agora tentando restaurar. Na verdade, a Nigria jamais foi unida ao longo de todos os anos do perodo pr-colonial; e durante os 60 anos de colonialismo e os 63 meses da Primeira Repblica somente uma fina camada de verniz encobriu a desunio bsica. A 30 de maio de 1967, quando Biafra se separou, a Nigria no era feliz nem harmoniosa e h cinco anos que vinha tropeando de crise em crise, por trs vezes estivera beira da desintegrao. Em cada caso, embora a centelha imediata tenha sido poltica, a causa fundamental foi a hostilidade tribal profundamente enraizada nessa nao enorme e artificial. que a Nigria jamais passou de um amlgama de povos reunidos no interesse e em benefcio de uma potncia europia. Os primeiros europeus a aparecerem no territrio que atualmente a Nigria foram viajantes e exploradores, cujas histrias trouxeram em sua esteira os mercadores de escravos. A partir de 1450, aproximadamente, com os portugueses, uma sucesso variada de flibusteiros comprava jovens escravos saudveis dos reis nativos da costa, para revenda. A princpio, eram trocados por ouro, na Costa do Ouro, sendo posteriormente embarcados para o Novo Mundo com um lucro considervel. Depois dos portugueses, vieram os franceses, holandeses, dinamarqueses, suecos, alemes, espanhis e ingleses. Enquanto os traficantes de escravos europeus ganhavam fabulosas fortunas particulares, fundavam-se e floresciam dinastias no lado africano, com base nos lucros do papel de intermedirio, especialmente nas ilhas de Lagos e Bonny. Os reis nativos da costadesencorajavam a penetrao dos europeus no interior. Gradativamente, outros produtos foram acrescentados ao comrcio de escravos, principalmente leo de coco, madeira e marfim. Em 1807, os ingleses proibiram o comrcio de escravos. Na primeira metade desse sculo, a Marinha Real britnica patrulhou o comrcio costeiro, para garantir que a proibio fosse eficaz. 15 Diante da chamada opo de Hobson, que era a de aceitar o que lhes era oferecido ou ficar sem nada, os mercadores no viram mais qualquer motivo para continuarem a dar dinheiro aos potentados nativos, insistindo que lhes fosse permitido penetrar no interior, a fim de negociar diretamente com os produtores. Tal atitude provocou considerveis atritos com os reis da costa. Por volta de 1850, diversos cnsules britnicos estavam estabelecidos ao longo da costa e j comeara a penetrao para o norte de Lagos, no que hoje a Nigria Ocidental. O mais notvel desses mercadores foi Sir George Goldie. Em 1879, esse pitoresco pioneiro j tinha conseguido unir os mercadores britnicos ao longo da costa numa frente coesa e ativa, no contra os africanos, mas sim contra os franceses, que eram seus rivais naturais. Goldie e o cnsul local, Hewett, queriam que o governo britnico interviesse e declarasse a regio dos rios Oil e do Baixo Nger uma colnia britnica. Mas o governo liberal britnico hesitou, achando que colnias em lugares assim no passavam de uma perda de tempo dispendiosa. Embora esse governo tivesse rejeitado a recomendao da Comisso Real sobre a frica Ocidental de 1875 exigindo a retirada das colnias existentes, no parecia tambm disposto a criar qualquer nova colnia. Assim, durante cinco anos, Goldie travou uma guerra em duas frentes: por um lado, contra os mercadores franceses, aos quais finalmente dominou, a peso de ouro e sob presso, por volta de 1884; por outro lado, contra a apatia em Whitehall. Mas, em 1884, mudou a disposio da Europa em relao s colnias africanas. O Chanceler Bismarck, da Alemanha, anteriormente to indiferente quanto Gladstone idia de colnias na frica Ocidental, convocou a Conferncia de Berlim. Nesse mesmo ano a Alemanha anexou Camares, que fica a leste do territrio ocupado atualmente por Biafra. O objetivo da conferncia era ostensivamente permitir a Bismarck apoiar as exigncias francesas e belgas de cessao das atividades britnicas na bacia do Congo. Tais atividades eram realizadas basicamente por missionrios batistas e mercadores de Manchester e liverpool. Bismarck conseguiu atingir seu objetivo. A conferncia decidiu que o Estado Livre do Congo, criado pelos belgas, seria a autoridade aadministrar o Congo. Como no desejasse aprofundar demais a colaborao franco-germnica, a conferncia no hesitou em permitir que a Inglaterra fosse responsvel pela bacia do rio Nger. Goldie compareceu conferncia como observador. O resultado de todas as deliberaes foi o Acordo de Berlim, pelo qual qualquer pas europeu que pudesse comprovar um 16 interesse predominante em qualquer regio africana seria aceito como a potncia administradora na referida regio, contanto que pudesse comprovar que sua administrao era uma realidade. Mas o governo britnico ainda no estava disposto a assumir os encargos de mais uma colnia. Assim, foi concedida companhia de Goldie, em 1886, uma "carta de administrao". Durante os dez anos seguintes, Goldie avanou para o norte, estabelecendo em sua esteira um monoplio do comrcio, flanqueado pelos alemes em Camares, direita, e pelos franceses no Daom, esquerda. Entre os dois, Goldie temia mais os franceses, liderados por um homem vigoroso e ativo, Faidherbe. Goldie desconfiava que os franceses queriam cruzar o seu territrio, do Daom ao Lago Chad, estabelecendo um contato com outros interesses franceses que avanavam do norte, procedentes do Gabo. Em 1893, graas principalmente a seus prprios esforos, Goldie conseguiu persuadir os alemes de Camares a se expandirem para o norte, na direo do Lago Chad, frustrando o projeto francs de um contato e criando uma proteo adequada em seu flanco leste. Mas, a esta altura, os franceses liderados por Faidherbe j tinham conquistado todo o Daom e estavam avanando para leste, penetrando no territrio atual da Nigria. Goldie no dispunha nem dos homens nem dos recursos necessrios para impedir o acesso dos franceses. Fez dramticos apelos a Londres. Em 1897, o governo britnico despachou Sir Frederick Lugard, soldado e administrador, que servira em Uganda e Niasalndia. Em um ano, Lugard expulsou os franceses da Nigria. Houve ameaa de uma guerra com a Frana. A crise do Nger foi solucionada pelo acordo anglo-francs de junho de 1898, que definiu as bases para as fronteiras do novo pas. A Inglaterra ganhara uma colnia. No fora conquistada, no fora realmente explorada. E no tinha nome, que s foi dado mais tarde, por Lady Lugard: Nigria. Era uma terra de grande variedade climtica, territorial e tnica. Da costa de 650 quilmetros de comprimento, caracterizada por pntanos e mangues, seguia para o interior um cinturo de densa floresta tropical, entre 150 e 250 quilmetros de profundidade. Essa terra, que mais tarde se tornou a Nigria Meridional, era dividida numa regio leste e outra oeste pelo rio Nger, correndopara o sul, depois de sua confluncia com o rio Benue, em Lokoja. Na parte ocidental do sul, o grupo predominante era o Iorub, um povo com uma longa histria de reinos altamente desenvolvidos. Como a penetrao britnica ocorreu atravs de Lagos, a cultura ocidental alcanou primeiro os Iorubs e as outras tribos do oeste. 17 Na regio leste do sul viviam diversos povos, entre os quais predominavam os Ibos. Eles se espalhavam pelas duas margens do rio, mas se concentravam principalmente a leste. Ironicamente, tendo em vista seu rpido desenvolvimento e progresso posteriores que lhes permitiram finalmente alcanar os outros grupos tnicos da Nigria em termos europeus, os Ibos e outros povos do leste eram considerados mais atrasados que os demais, em 1900. Ao norte da floresta tropical havia uma regio de selva menos densa, antecedendo as savanas e pradarias e finalmente a rea semidesrtica, de vegetao escassa. Ao longo da margem sul dessa vasta rea estende-se o chamado Cinturo Intermedirio, habitado por numerosos povos no-Hausa, basicamente pagos, de religio animista. No obstante, eram vassalos do Imprio Hausa/Fulani. O norte propriamente dito era a terra dos Hausas, kanuris e fulanis. Os fulanis procediam do sul do Saara, tendo se estabelecido na regio pela conquista, trazendo a sua religio muulmana. Lugard passou trs anos subjugando o norte, conquistando um emirado depois do outro, com suas foras reduzidas. A oposio mais renhida foi a do sultanato de Sokoto. Apesar da superioridade dos exrcitos fulanis, Lugard contava com um poder de fogo muito maior, conforme Belloc expressou em verso: "Whatever happens we have got/Tbe Maxim gun, and they have not (No importa o que acontea/Temos a metralhadora e eles no). As armas de repetio de Lugard destroaram a cavalaria do sulto e assim caiu o ltimo bastio do imprio fulani na terra Hausa. Lugard representa a ponte entre o. perodo de desbravao dos missionrios e mercadores e o imperialismo autntico. Contudo, o imprio que ele formou no foi o primeiro na Nigria Setentrional. Entre 1804 e 1810, Usman Dan Fodio, estudioso e reformador muulmano, liderou uma jihad (guerra santa) contra os reinos Hausas, submetendo-os ao domnio dos fulanis. O que comeou como uma cruzada para erradicar prticas irreligiosas no Isl transformou-se rapidamente num movimento para conquista de terra e poder. O Imprio Fulani deslocou-se para o sul, na direo da terra dos Iorubs. O movimento da jihad foi detido entre 1837 e 1840 pelo avano dos ingleses para o norte, a partir de Lagos. Foi parar em Ilorin e ao longo da Linha de Kabba.Toda a regio ao norte dessa linha tornou-se a Nigria Setentrional, ocupando trs quintos do territrio da Nigria e com mais de 50 por cento da populao. A enorme superioridade do norte tornou-se mais um dos fatores que condenaram a viabilidade de uma federao realmente equilibrada. 18 Durante as guerras de Lugard contra os emires, estes no contavam, de um modo geral, com o apoio dos sditos Hausas, que constituam e ainda constituem a grande maioria da populao do norte. Contudo, ao consolidar sua vitria, Lugard optou por manter os emires no poder e governar por intermdio deles, ao invs de afast-los e governar diretamente. possvel que no lhe restasse alternativa; suas foras eram reduzidas, a atitude de Londres continuava a ser de indiferena, a regio a ser governada era imensa e exigiria centenas de administradores. Em contraste, os emires dispunham de uma estrutura administrativa, judicial e fiscal em escala nacional, j plenamente instalada. Lugard optou assim em permitir que os emires continuassem a governar como antes (sujeitos a determinadas reformas), mantendo para si mesmo apenas uma posio de suserania distante. O domnio indireto tinha suas vantagens. Era mais barato em termos de recursos humanos britnicos e no exigia um investimento to elevado; era um controle pacfico. Mas tambm consolidou a estrutura feudal, confirmou a represso pelos emires privilegiados e seus prepostos, prolongou a incapacidade do norte de ingressar no mundo moderno e frustrou os esforos futuros para introduzir uma democracia parlamentar. A idia de Lugard parece ter sido a de que o governo local comearia no nvel do conselho da aldeia, passaria ao conselho tribal e da ao nvel regional, at finalmente produzir um governo nacional representativo. Era muito bom na teoria, mas acontece que fracassou totalmente na prtica. Por um lado porque a preocupao dos emires e suas cortes, como sempre acontece com a maioria dos potentados feudais, era a de permanecer no poder, em condies to inalterveis quanto fosse possvel. Assim, eles se opuseram ao maior desafio a seu prprio conservantismo: a mudana e o progresso. O precursor bvio dessas coisas a massificao da educao. No foi por acaso que no Ano da Independncia, 1960, o norte, embora contasse com mais da metade da populao da Nigria, de 50 milhes de habitantes, tinha apenas 41 escolas secundrias, contra as 842 do sul. E tambm no foi por acaso que somente nove anos antes da independncia que saiu de uma universidade o primeiro habitante do norte. A educao ocidental era perigosa para os emires, que se empenharam ao mximo para limit-la a seus prprios filhos ou aos filhos daaristocracia. Em contraste, o sul, invadido por missionrios, precursores da educao em massa, no tardou a desenvolver uma sede insacivel de educao, em todas as suas formas. Por volta de 1887, quando a regio leste separou-se da Nigria, possua sozinha mais 19 mdicos, advogados e engenheiros que qualquer outro pas da frica Negra. O trabalho dos missionrios no norte, que poderia ter contribudo para o ingresso da regio no sculo XX, foi eficazmente detido por Lugard, a pedido dos emires. A alegao de Lugard foi a de que se deveria desencorajar o trabalho apostlico cristo ao norte da Linha de Kabba. Nos 60 anos de Lugard Independncia, as diferenas em atitudes e valores religiosos, sociais, histricos e morais entre o norte e o sul, assim como a distncia tecnolgica, no foram diminuindo gradativamente, mas sim se alargando cada vez mais, at que a viabilidade de um pas unido a ser dominado por qualquer das regies tornou-se impraticvel. Em 1914, Lord Lugard reuniu o norte e o sul como um ato de convenincia administrativa... pelo menos no papel. "Para causar o mnimo de distrbio administrativo" (sua prpria frase), Lugard manteve o vasto norte intacto e as duas administraes separadas. Contudo, tambm imps a teoria do governo indireto, que funcionara to bem no norte, ao sul, onde fracassou por completo, especialmente na parte leste do sul, a terra dos Ibos. Os ingleses estavam to obcecados pela idia de chefes regionais que, onde no existiam, tentaram imp-los de qualquer maneira. Os Motins de Aba de 1929 (Aba fica no corao do territrio Ibo) foram em parte provocados pelo ressentimento ontra os "chefes por procurao", impostos pelos ingleses, mas que o povo se recusava a aceitar. No era difcil impor medidas administrativas aos nortistas, acostumados a uma obedincia implcita. Mas isso no funcionava no leste. Toda a estrutura tradicional do leste tornava a regio virtualmente imune s ditaduras, uma das razes da guerra atual. Os habitantes do leste exigiam que os consultassem em todas as medidas que os afetassem. Essa posio dificilmente poderia atrair-lhes as simpatias dos administradores coloniais e foi uma das razes pelas quais passaram a ser classificados de "arrogantes". Em contraste, os ingleses adoravam o norte. O clima quente e seco, muito diferente do sul mido e cheio de malria; a vida tranqila e indolente, quando se um ingls ou um emir; a pompa extica e pitoresca; o povo obediente e nada exige. Incapazes de manter em funcionamento os escritrios e fbricas recentemente instalados, os nortistas sentiam-se contentes em importar numerosos burocratas e tcnicosbritnicos. Esse um dos motivos pelos quais, atualmente, existe em Londres um vigoroso e ativo grupo de defensores da Nigria, formado por antigos funcionrios civis, soldados e administradores coloniais, para quem a Nigria apenas a regio norte, que tanto amaram. 20 Mas os vazios na sociedade causados pela apatia do norte em relao modernizao no podiam ser preenchidos exclusivamente pelos britnicos. Havia postos para burocratas, executivos menores, contabilistas, operadores de mesas telefnicas, mecnicos, maquinistas, supervisores de obras, bancrios, equipes de superviso em fbricas e empreendimentos comerciais que os nortistas no estavam capacitados a preencher. Uns poucos, bem poucos mesmo, Iorubs da regio oeste do sul emigraram para o norte, a fim de ocupar tais postos. A maioria, no entanto, foi preenchida por homens do leste, mais ativos e empreendedores. Por volta de 1966, havia aproximadamente 1.300.000 orientais, Ibos na maioria, na regio norte. Outros 500.000 tinham ocupado empregos na regio oeste do sul, onde tambm fixaram residncia. A diferena no grau de assimilao de cada grupo era enorme e isso serve para se ter uma viso da "unidade" da Nigria, sob o vu das relaes pblicas. Na regio oeste do sul, a assimilao dos orientais foi total. Viviam nas mesmas ruas que os Iorubs, misturavam-se em todas as ocasies sociais, os filhos freqentavam as mesmas escolas. No norte, a pedido dos governantes locais, que os ingleses no hesitaram em atender, todos os sulistas, quer fossem do leste ou do oeste, foram confinados em Sabon Garis, ou Bairros dos Estrangeiros, uma espcie de gueto fora das cidades muradas. Dentro dos Sabon Garis, a vida de gueto era animada e vigorosa. Mas o contato com os compatriotas Hausas era mnimo, por vontade dos prprios Hausas. As escolas eram segregadas e coexistiam duas sociedades radicalmente diferentes, sem que houvesse qualquer tentativa dos ingleses para promover uma integrao gradativa. O perodo de 1914 a 1944 pode ser examinado apenas de passagem, porque os interesses britnicos no tiveram muito a ver com a Nigria durante esses anos. Houve inicialmente a 1 Guerra Mundial, depois dez anos de reconstruo britnica, seguidos pela Depresso internacional. A Nigria desfrutou um breve momento de prosperidade, quando suas matrias-primas foram bem vendidas durante a corrida armamentista que antecedeu a 2 Guerra Mundial. Durante esse perodo, a poltica colonial britnica permaneceu tradicional e ortodoxa: manter a lei e a ordem, estimular a produo de matrias-primas, criar um mercado para as exportaes britnicas e elevar os impostos a fim de pagar o domnio colonial.Foi somente nos 15 anos entre 1945 e 1960, especialmente nos ltimos dez anos desse perodo, que houve uma tentativa mais sria de encontrar uma frmula que propiciasse a existncia da Nigria depois da independncia. Mas essa tentativa 21 teve um comeo desastroso e nunca mais se recuperou. Esse comeo desastroso foi chamado de Constituio Richards. Em 1944-45, o Governador Sir Arthur Richards, agora Lord Milverton, um homem que (segundo os relatos contemporneos) conseguiu se tornar impopular, apesar de seu profundo amor pelo norte, fez uma excurso pelo pas, sondando a opinio local a respeito de uma reforma constitucional. Foi o norte que deixou bem claro, mantendo tal atitude desde ento, que no queria a fuso com o sul. O norte s concordou em aceitar uma federao se; 1) O princpio do desenvolvimento regional separado fosse consagrado e reconhecido na nova constituio e, 2) Se o norte tivesse quase 50 por cento dos assentos na legislatura (Norte 9, Oeste 6, Leste 5). A oposio do norte a uma fuso com o sul foi expressa por numerosas declaraes de seus lderes, desde essa poca. Em 1947 (o ano em que foi promulgada a Constituio Richards) foi anunciada claramente por um dos mais eminentes nortistas, Mallam Abubakar Tafawa Balewa, que mais tarde se tornaria PrimeiroMinistro da Nigria. Disse ele: No queremos que nossos vizinhos do sul interfiram com nosso desenvolvimento. ... Gostaria de deixar bem claro que se os ingleses deixassem a Nigria agora, neste momento, o povo do norte prosseguiria em sua conquista interrompida at o mar. De um estado unitrio, governado por uma autoridade legislativa central, a Nigria tornou-se em 1947 um estado federal de trs regies. Desde que comeou a guerra entre a Nigria e Biafra, Lord Milverton, na Cmara dos Lordes, tem sido ferrenho defensor da unidade nigeriana, aparentemente esquecido de que foi justamente a sua constituio que regou as sementes do regionalismo, a doena responsvel pela morte da Nigria. O estado de trs regies distintas foi a pior de todas as solues possveis, a partir do momento em que a atitude do norte se tornou inequvoca. Era uma tentativa de casamento entre irreconciliveis. . Foi o norte, de certa forma, que se mostrou mais realista. Os lderes nortistas jamais esconderam seu desejo separatista. Depois de Richards, veio Sir John Macpherson, que introduziu uma nova constituio, virtualmente unitria. Mas os danos j tinham sido causados. O norte aprendera que podia conseguir o que desejava, bastando ameaar retirar-se da Nigria (e assim provocando umcalafrio nos ingleses). A Constituio Macpherson deu lugar a uma outra, em 1954. Durante as vrias conferncias regionais convocadas por Macpherson, em 1949, os delegados nortistas reivindicaram para 22 o norte 50 por cento de representao no governo central. Na Conferncia Geral em Ibadan, em janeiro de 1950, os emires rZaria e Katsina anunciaram que, "a menos que a regio norte tenha 50 por cento dos lugares na legislatura central, ser pedida a separao do resto da Nigria, com base nos acordos existentes antes de 1914". Conseguiram o que desejavam e o domnio nortista sobre o governo central tornou-se uma das principais caractersticas da poltica nigeriana. O norte tambm exigiu e obteve a forma de federao mais frouxa possvel, jamais escondendo a sua profunda convico de que a fuso entre as duas regies, norte e sul, em 1914, tinha sido um tremendo erro. A expresso dessa convico est em todo o pensamento poltico nortista, do final da 2 Guerra Mundial at a Independncia. Em maro de 1953, o lder poltico nortista Sir Ahmadu Bello declarou na Cmara dos Representantes, em Lagos: O erro cometido em 1914 agora cada vez mais patente e eu gostaria que no fosse aprofundado. Em sua autobiografia, Minha Vida, Bello recordou o intenso movimento no norte a favor da secesso e acrescentou que a idia "parecia extremamente tentadora". Ele admite que acabou se decidindo contra a secesso por dois motivos, que nada tinham a ver com o ideal da unidade nigeriana defendido pelos ingleses. Um dos fatores foi a dificuldade de cobrar impostos alfandegrios ao longo de uma fronteira exclusivamente terrestre; e outro foi a dvida quanto possibilidade de um acesso ao mar, atravs de um pas vizinho independente. Por ocasio das conferncias de 1953, produziram a quarta constituio, o norte j havia alterado suas posies a respeito do separatismo, querendo agora "uma estrutura que proporcione s regies maior liberdade de movimento e ao que for possvel; uma estrutura que reduza os poderes do Centro ao mnimo absoluto". O Times de Londres comentou essas ideias a 6 de agosto de1953: "Os nortistas declararam que querem uma simples agncia no centro e aparentemente esto pensando nas linhas de alguma organizao como a Comisso Superior da frica Oriental. Mas at mesmo a Comisso Superior est vinculada a uma Assemblia Central, enquanto os nigerianos do norte insistem que no deve haver nenhum organismo legislativo central." O que os nortistas estavam exigindo, aparentemente com o apoiototal da opinio pblica do norte, era uma Confederao de Estados Nigerianos. Foi exatamente o que pediu o Coronel Ojukwu, Governador Militar da Regio Leste, em Aburi, Gana, a 4 de 23 janeiro de 1967, depois que 30.000 orientais foram mortos e 1.800.000 expulsos de volta ao leste, como refugiados. Mesmo nessa ocasio, Ojukwu s pediu isso como uma providncia temporria, enquanto os nimos exaltados se acalmavam. Se os nortistas tivessem conseguido o que desejavam em 1953 e os orientais em 1967, bem provvel que as trs regies pudessem hoje estar convivendo em paz. Os ingleses cederam novamente s exigncias isolacionistas do norte, mas deixaram de perceber o perigo que havia na relutncia nortista em se integrar. Assim, acabou prevalecendo o compromisso imposto pelos ingleses. Eram os sulistas que desejavam um estado com diversas regies, a fim de que a futura federao tivesse um equilbrio poltico. O governo britnico optou por trs regies, norte, oeste e leste, a mais instvel de todas as opes, mas tambm o desejo do norte. H dois outros fenmenos, na dcada anterior independncia, que merecem tambm ser examinados, j que indicam a recusa britnica em dar qualquer ateno s advertncias sobre a estabilidade futura da Nigria, mesmo quando tais advertncias partiam de seus prprios servidores civis. Ao longo de toda essa dcada, as manifestaes polticas nortistas, tanto orais como escritas, refletiam uma averso crescente contra os orientais que viviam em seu meio. Vezes sem conta, oradores na Cmara dos Representantes do norte manifestaram a sua profunda convico de que "o norte era para os nortistas e os sulistas deveriam voltar para casa. (A maioria desses sulistas era do leste.) Violncias espordicas contra os orientais j tinham ocorrido no passado, especialmente durante os sangrentos Motins Jos, em 1945. Em maio de 1953, uma delegao do Grupo de Ao, o principal partido poltico Iorub, deveria visitar Kano, a maior cidade do norte. Estimulou-se intensamente a opinio pblica contra a visita. Mallam Inua Wada, secretrio da Seo de Kano do Congresso do Povo do Norte, foi o principal responsvel por isso. Num discurso pronunciado dois dias antes da programada visita, Wada declarou num encontro de chefes de seo da Administrao Nativa: Depois de nos injuriarem no sul, esses sulistas decidiram vir ao norte para nos injuriar aqui. ... Assim sendo, j organizamos um grupo de mil homens, prontos para responderem fora com a fora. ... A visita do Grupo de Ao foi cancelada. Mas, a 16 de maio,comeou uma sucesso de massacres. No conseguindo encontrar Iorubs, os Hausas voltaram-se contra todos os orientais, com o 24 que um relatrio oficial, preparado por um servidor civil britnico, classificou de "um grau de violncia inesperado". Em sua autobiografia, Sir Ahmadu recorda que "em Kano, ao final das contas, a luta ocorreu entre os Hausas... e os Ibos; estranhamente, os Iorubs ficaram de fora". O relatrio oficial foi um esforo consciencioso. O relator condenou o discurso de Wada como "extremamente inoportuno e provocador". Em relao s estimativas moderadas de 52 mortos e 245 feridos, ele comenta que "ainda h uma possibilidade de que tenham morrido mais pessoas do que se comunicou oficialmente, tendo em vista as declaraes conflitantes de motoristas de ambulncia e de caminhes (que removiam tanto os mortos como os vivos)". E acrescenta que "nenhuma provocao possvel, a curto ou longo prazo, poderia justificar seu comportamento (dos Hausas)". Mas talvez a observao mais expressiva tenha sido a que. se encontrava na concluso: "As sementes da crise que irrompeu em Kano, a 16 de maio de 1953, tm equivalentes ainda semeadas. Pode acontecer novamente e s uma perfeita compreenso e aceitao das causas fundamentais podem eliminar o perigo de recorrncia." Mas no houve a menor compreenso, nem ao menos uma tentativa de compreenso. Em 1958 os ingleses resolveram estudar o problema das tribos minoritrias, isto , os povos que no pertenciam aos "Trs Grandes", Hausas, Iorubs e Ibos. Pediram a Sir Henry Willinck que fizesse um levantamento do problema e apresentasse recomendaes. Na regio leste, ento dividida em trs pela deciso unilateral de Lagos de 1967, Sir Henry descobriu que as diferenas entre Ibos e as minorias no-ibos eram suficientemente reduzidas para serem removidas rapidamente com o crescente nacionalismo. Estranhamente, tais diferenas foram quase que totalmente eliminadas no pelo nacionalismo nigeriano, mas sim pelo sofrimento comum nas mos dos nigerianos e pelo nacionalismo biafrense. Outra observao de Sir Henry Willinck sobre o leste foi a de que Port Harcourt, a maior cidade da regio, era basicamente uma cidade Ibo. No perodo pr-colonial era apenas um povoado pequeno, habitado pelos povos dos rios. Mas tornara-se uma cidade prspera, um porto movimentado, graas principalmente capacidade empreendedora dos Ibos. Na cidade, Ibos e no-ibos viviam lado a lado, pacificamente. Em maio de 1967, quando o governo do General Gowon,.na Nigria, decidiu unilateralmente dividir a Nigria em doze novos estados, trs deles foram formados no leste. PortHarcourt seria a capital do Estado dos Rios, o que provocou uma intensa revolta e clamor a leste do Nger. 25 Depois da constituio de 1954, houve um perodo adicional de cinco anos de negociaes sobre a forma futura da Nigria e uma quinta constituio. A 1 de outubro de 1960, a Nigria tornou-se independente, aos tropees, aclamada intensamente, interna e externamente, como um modelo para a frica. Mas, lamentavelmente, por trs das cortinas era to estvel quanto um castelo de cartas. Nenhuma ds diferenas bsicas entre o norte e o sul fora eliminada, as dvidas e temores no tinham sido atenuados, as tendncias centrfugas no estavam dominadas. As esperanas, ambies e aspiraes das trs regies ainda eram essencialmente divergentes e a estrutura projetada para estimular um tardio sentimento de unidade era incapaz de suportar as presses mltiplas. O Sr. Walter Schwarz, em seu livro Nigria, comentou: "O produto que emergiu de uma dcada de negociaes entre governantes e governados estava longe de ser satisfatrio. A Nigria tornou-se independente com uma estrutura federal que, dois anos depois, foi abalada por uma terrvel emergncia e, cinco anos depois, desmoronou no caos, para ser finalmente destruda por dois golpes militares e uma guerra civil. A nova constituio era um amontoado altamente intrincado de controles e equilbrios, direitos e garantias, utpica demais para suportar a implacvel luta pelo poder que iria comear a fervilhar na Nigria logo depois da independncia. Na frica, como em todas as outras partes do mundo, o poder poltico representa sucesso e prosperidade, no apenas para o homem que o detm mas tambm para sua famlia, sua cidade e at mesmo toda a regio de onde veio. Em decorrncia, h muitos homens que se empenham a fundo para conquistar o poder poltico a qualquer custo; e, depois que o obtm, so capazes de se superarem para mant-lo. As eleies anteriores independncia, em 1959, ofereceram uma indicao do que estava para acontecer, com os candidatos sulistas sendo intimidados no norte, durante a campanha. Essas eleies foram as ltimas presididas em grande parte pelos servidores civis britnicos, que fizeram o melhor possvel para garantir a lisura. Em eleies subseqentes, a fraude e a intimidao tornaram-se mais ou menos a norma vigente. Apesar de tudo, as eleies de 1959 proporcionaram um governo Nigria. O padro da luta pelo poder que iria se seguir j estava definido e acompanhou bem de perto as linhas de regionalismo fixadas pela malfadada Constituio Richards, de doze anos antes. O leste era dominado pelo Conselho Nacional de Cidados Nigerianos(CNCN), partido liderado pelo Nigria, Londres. 1968, pg. 86. 26Dr.NnamdiWalterSchwarz,Azikrwe, pioneiro do nacionalismo na frica Ocidental e antigo defensor (se bem que pacfico) da independncia nigeriana. No incio, o CNCN tivera as caractersticas de um partido realmente nacional. Mas a ascenso de outros partidos, com um apelo mais regional que poltico, em seguida Constituio Richards, o foi restringindo cada vez mais ao leste. No obstante, o prprio Azikiwe ainda preferia a atmosfera mais pan-nigeriana de Lagos, embora j fosse, por ocasio da independncia, h cinco anos Primeiro-Ministro do Leste. A regio oeste do sul era dominada pelo Grupo de Ao do Chefe Awolowo, cujo apelo era forte e quase que exclusivamente Iorub. H cinco anos que ele era Primeiro-Ministro do Oeste. O norte era o domnio do Congresso do Povo do Norte (CPN), cujo lder era o Sardauna de Sokoto, Sir Ahmadu Bello. Esse equilbrio triangular de poder j existia h cinco anos, desde as eleies de 1954, em que o CPN e o CNCN, formando uma coalizo com 140 dos 184 representantes na assemblia nacional, haviam colocado o Grupo de Ao de Awolowo na oposio. O processo se repetiu nas eleies de 1959. Numa Cmara ampliada, o CPN ficou com as 148 cadeiras do norte, o CNCN conquistou o leste e uma parte do oeste (especialmente as reas noIorubs, conhecidas como Meio-Oeste), ficando com 89 deputados. O Grupo de Ao saiu-se vitorioso em quase todo o oeste Iorub, mas conquistou apenas 79 cadeiras na Cmara. Embora nenhum dos partidos contasse com maioria absoluta, qualquer coalizo de dois partidos poria o terceiro na oposio. Depois de algumas manobras e acordos nos bastidores, o CPN se aliou ao CNCN e tudo continuou como antes, com Awolowo tendo que passar outros cinco anos numa oposio impotente. J em 1957, depois da ltima das conferncias constitucionais, tinha sido designado um Primeiro-Ministro federal. Foi Sir Abubakar Tafaw Balew, um Hausa, vice-lder do CPN e at aquele momento Ministro dos Transportes. No foi surpresa que Sir Ahmadu, o lder da maioria do CPN e que poderia ter ocupado o cargo pessoalmente, se recusasse a ir para o sul a fim de dirigir o pas. Como ele prprio disse, contentou-se em mandar seu "lugartenente para ocupar o cargo. O termo indica perfeitamente o futuro relacionamento entre o Primeiro-Ministro federal e o Primeiro-Ministro do norte, assim como quem realmente detinha o poder. Foi dessa forma que a Nigria ingressou na independncia, trpega e vacilante. Pouco depois, o Dr. Azikiwe foi designado como oprimeiro Governador-Geral nigeriano. O cargo de PrimeiroMinistro do leste ficou com seu auxiliar imediato, o Dr. Michael 27 Okpara. No oeste, o Chefe Akintola j substitura o Chefe Awolowo como Primeiro-Ministro. Enquanto isso, Awolowo chefiava a oposio, na Cmara Federal. O Sardauna permaneceu como senhor absoluto do norte. A breve histria parlamentar da Nigria foi muito bem documentada. O que parece emergir de todos os relatos, embora raramente algum assim o expresse, foi que a forma tradicional de democracia parlamentar, elaborada em Whitehall, mostrou-se inteiramente inadequada na estrutura tnica existente, incompreensvel at mesmo para os polticos locais, imprpria para a civilizao africana e impraticvel numa nao criada artificialmente, na qual as rivalidades de grupos, longe de terem sido eliminadas pelo poder colonial, haviam sido exacerbadas, como um expediente til para o domnio indireto. Doze meses depois da independncia, acentuou-se uma ciso no Grupo de Ao, como era de se esperar num partido que j estava h seis anos na oposio e assim teria que continuar pelo menos por mais quatro anos. Uma parte do Grupo apoiou Awolowo, enquanto os outros ficavam com Akintola. Em fevereiro de 1962, a conveno do partido apoiou Awolowo. Akintola foi declarado culpado de m administrao e pediu-se a sua destituio do cargo de Primeiro-Ministro. Em resposta ao pedido, o Governador do Oeste demitiu Akintola e designou Adegbenro, um partidrio de Awolowo, para formar um novo governo na regio oeste. Akintola apelou ao Primeiro-Ministro federal, por vias indiretas. Na Cmara dos Representantes do Oeste, Akintola e seus partidrios iniciaram um tumulto de grandes propores, que a polcia teve que dissolver com gs lacrimogneo. O Primeiro-Ministro Balewa, em Lagos, acionou sua maioria para aprovar uma moo declarando o estado de emergncia no oeste, apesar dos protestos de Awolowo. Balewa designou em seguida um Administrador para o oeste, com poderes para deter pessoas, ao mesmo tempo em que suspendia o Governador de suas funes. Como no podia deixar de ser, o Administrador era amigo de Balewa. Foram impostas restries s atividades de Awolowo, Adegbenro e Akintola, que prontamente formaram um novo partido, o Partido dos Povos Unidos (PPU). A providncia seguinte dos adversrios de Awolowo foi determinar uma investigao sobre a corrupo no oeste. Era uma arma das mais teis e no era difcil provar a corrupo, tanto no oeste como em qualquer outro lugar. A corrupo na vida pblica no era uma novidade. J ocorria sob o domnio ingls, mas floresceu de maneira alarmante depois daindependncia. Os "dez por cento" que os Ministros habitualmente 28 exigiam das firmas, estrangeiras antes de lhes conceder contratos lucrativos, a participao acionria em negcios que subseqentemente passavam a desfrutar de privilgios fiscais, o suborno franco e declarado de policiais e magistrados nativos, tudo isso era comum e conhecido. Eram poucos os ministros que no tiravam proveitos ilcitos do poder de que dispunham. No resta a menor dvida de que isso era causado em parte por simples ganncia, mas tambm porque se esperava que qualquer homem no poder mantivesse um squito numeroso, providenciasse devidamentea sua reeleio e cumulasse de benefcios a sua cidade natal. Juntamente com a simples corrupo financeira, florescia o nepotismo e a corrupo eleitoral. A Comisso Coker no teve maiores dificuldades em comprovar que vultosas somas dos recursos pblicos haviam sido canalizadas, especialmente atravs da Junta de Comercializao e da Companhia Nacional de Propriedade e Investimento, controladas pelo governo, para o partido e, subseqentemente, para uso particular. O Chefe Awolowo e um dos seus principais assessores, o Chefe Anthony Enahoro, foram envolvidos na investigao sobre corrupo e ficou bem clara a atitude que assumiam em relao s responsabilidades da vida pblica. Os dois voltaram agora a ocupar cargos elevados no governo nigeriano. Entre o incio do autogoverno regional, em 1956, e a investigao realizada pela Comisso Coker, em 1962, constatou-se que 16 milhes de libras haviam sido canalizados para os cofres do Grupo de Ao. Essa quantia representava 30 por cento da renda regional durante esse perodo. Por mais estranho que possa parecer, no se descobriu a menor prova da participao desse desvio de dinheiros pblicos do Chefe Akintola, que era o Primeiro-Ministro desde 1959, quando Awolowo fora para a Cmara Federal, em Lagos. No se pode saber se as concluses da Comisso Coker teriam levado a alguma ao judicial contra os principais elementos da faco de Awolowo. que o caso foi engolfado pelos acontecimentos. Ao final de 1962, Awolowo e Enahoro foram acusados de traio, juntamente com diversos outros. O julgamento foi bastante tortuoso e prolongou-se por oito meses. A promotoria alegou que Awolowo e Enahoro tinham importado armas e treinado voluntrios para um golpe a ser desfechado a 23 de setembro de 1962. O Governador-Geral, o PrimeiroMinistro e outras altas autoridades seriam presos, Awolowo tomaria o poder e se declararia o Primeiro-Ministro da Nigria. A defesa argumentou que a atmosfera de violncia e medo predominantes no oeste desde a independncia tornava tais precaues29 aconselhveis. Awolowo acabou sendo condenado a dez anos de priso, a sentena sendo reduzida para sete anos na apelao. Enahoro, depois de ser repatriado da Inglaterra e julgado em separado posteriormente, foi condenado a 15 anos de priso, com uma reduo para dez anos na apelao. O Juiz de Apelao que reduziu a sentena de Enahoro foi Sir Louis Mbanefo, mais tarde Ministro da Justia de Biafra. Juiz e acusado voltaram a se encontrar nas conversaes de paz de Kampala, em maio de 1968, cada um chefiando a delegao de seu pas. O caso rumoroso permitiu a Akintola consolidar seu poder no oeste, apesar de um Conselho Privado, reunido em Londres em maio de 1963, haver decidido que a sua destituio do cargo de PrimeiroMinistro, feita pelo Governador-Geral, fora vlida. O protetor de Akintola, o Primeiro-Ministro federal Balewa, declarou que as concluses do Comit Judicial do Conselho Privado eram "infundadas e totalmente fora de contato com a realidade". No mesmo ano, foram abolidas as apelaes ao Conselho Privado e outra salvaguarda passou para a histria. O estgio final do julgamento de Awolowo rivalizou em escndalo com a fraude no censo nacional. O censo anterior, em 1953-54, fora de alguma maneira prejudicado pelos rumores de que estava relacionado com um esquema de impostos. Assim, muitas pessoas tinham evitado ser contadas no censo, especialmente no leste. O nmero global de habitantes da Federao, estimado nessa ocasio em 30,4 milhes, estava provavelmente errado pelo menos em dez por cento. Por ocasio do censo de 1962, correu o rumor de que estava de alguma forma relacionado com uma representao em nvel poltico. Conseqentemente, os dados foram consideravelmente ampliados em todas as regies, especialmente no leste. O censo de 1962 custou 1,5 milho de libras e os resultados jamais foram divulgados. Indicavam que a populao do- norte crescera 33 por cento em oito anos, passando para 22,5 milhes de habitantes, enquanto a populao do sul crescera mais de 70 por cento, passando para 23 milhes de habitantes. Com isso, a populao total da Nigria seria de 45,5 milhes de habitantes. O Sr. J. J. Warren, o chefe britnico dos 45 mil agentes censitrios, rejeitou os dados sulistas, considerando-os "falsos e inflacionados". Tal concluso no desagradou o Sardauna de Sokoto, que no ficou muito satisfeito ao descobrir que a populao do sul aparentemente superava a do norte em meio milho de habitantes. Conta-se que ele rasgou os resultados do censo num acesso de fria e ordenou a Balewa que tentasse outra vez. Outro censo foi realizado em 1963, desta vez sem a ajuda do ctico Sr. Warren. 30 .Talvez tenha sido melhor assim, porque ele provavelmente teria um ataque se tivesse visto a preparao dos resultados do censo, sob a superviso pessoal de Balewa. Numa bela manh de fevereiro de 1964, os nigerianos acordaram para descobrir que eram 55,6 milhes, um pouco menos de 30 milhes na regio norte. O Sr. Warren recusara-se a aceitar os dados do sul, no ano anterior, por diversos motivos. Entre outras coisas, porque indicavam existir na ocasio entre trs e quatro vezes mais homens adultos do que os dados constantes dos registros civis. Alm disso, havia mais crianas com menos de cinco anos do que poderiam ser produzidas por todas as mulheres em idade de ter filhos, mesmo que tivessem ficado continuamente grvidas durante esse perodo. Aceitara os dados para o norte porque pareciam razoveis, apresentando um crescimento anual de dois por cento, em relao ao censo anterior. Se o norte fora surpreendido cochilando em 1962, estava alerta e desperto em 1963. O aumento da populao de 22,5 milhes de habitantes para pouco menos de 30 milhes em apenas um ano representava um crescimento demogrfico realmente extraordinrio. O sul, cujos dados em 1962 j tinham parecido inacreditveis para o Sr. Warren, passou de 23 para 25,8 milhes de habitantes. Muitos expatriados perguntaram se esses dados no incluiriam os carneiros e bodes. Os polticos nigerianos recriminaram-se acerbada mente, recusando-se terminantemente a aceitar os dados para a outra metade do pas. A populao chegou concluso de que tudo no passava de um "arranjo" e provavelmente estava certa. Clculos mais comedidos e realistas indicam que a populao nigeriana era aproximadamente de 47 milhes de habitantes ao final de maio de 1967. Desse total, Biafra desligou cerca de 13,5 milhes de habitantes, inclusive o enorme refluxo de refugiados, ao declarar sua prpria independncia, ao final desse mesmo ms, maio de 1967. O escndalo do censo foi gradativamente abafado pela greve geral de 1964. Durante todo esse tempo e at o primeiro golpe militar, em janeiro de 1966, os Motins Tiv agitaram a rea conhecida como Cinturo Intermedirio, a terra tradicional dos Tivs. Esses nativos obstinados e independentes, mas de um modo geral bastante atrasados, h muito que reivindicavam um Estado do Cinturo Intermedirio. Eram representados pelo Congresso Unido do Cinturo Intermedirio. Os lderes do CPN, que no fizeram a menor objeo em criar a Regio Meio-Oeste no territrio do este em 1963, como um estado para as minorias no-Iorubs, acharam que no havia qualquer necessidade de fazer a mesma coisa para os Tivs, j que estes podiam ser considerados, politicamente, como nortistas. Assim, o exrcito foi incumbido de esmagar as revoltas dos Tivs, que ocorreram logo depois da independncia e perduraram at ogolpe militar de 1966. A maioria das unidades militares despachadas para a regio era da Primeira Brigada, recrutada predominantemente no norte. Alguns oficiais objetaram ao uso do exrcito para esmagar revoltas civis, mas outros empenharam-se em conquistar os favores dos polticos nortistas, mostrando-se mais realistas do que o rei no combate aos dissidentes. Contudo, quanto mais duramente os Tivs eram tratados, mais encarniadamente reagiam. Por volta de 1966, observadores independentes calculavam que cerca de trs mil pessoas j tinham morrido nesses distrbios, sobre os quais se ergueu o vu do segredo perante o resto do nundo. Pouco depois da greve geral, foram realizadas as eleies gerais de 1964. A aliana de dez anos entre o CPN e o CNCN foi rompida por Sir Ahmadu Bello, que anunciou bruscamente que "os Ibos nunca foram amigos verdadeiros do norte e jamais o sero". Ao mesmo tempo, ele anunciou uma aliana com Akintola que estava agora firmemente consolidado no poder no oeste. Parece mais do que provvel que Bello, sabendo que uma aliana com um dos partidos do sul era indispensvel para manter seu lugar-tenente no poder em Lagos, concluiu que Akintola, que muito lhe devia, seria bem mais malevel que Okpara. Assim, Akintola fundiu seu partido com o CPN do Sardauna, formando a Aliana Nacional Nigeriana (ANN). O CNCN no teve alternativa que no ligar-se ao que restara do Grupo de Ao, os membros do partido que tinham permanecido leais ao aprisionado Awolowo. Surgiu a Grande Aliana Unida Progressista (GAUP). A campanha foi a mais srdida que se poderia imaginar (ou pelo menos foi o que se pensou na ocasio, at que Akintola superou a tudo o que j fizera anteriormente, no ano seguinte, durante as eleies na regio oeste). No oeste, o apelo eleitoral da ANN foi fortemente racista, contra um suposto "domnio Ibo". Boa parte da literatura da campanha recordava as exortaes anti-semitas da Alemanha antes da guerra. O Dr. Azikiwe, Presidente da Federao desde que a Nigria se tornara uma repblica em 1963, apelou em vo para que as eleies fossem conduzidas com nobreza e elevao, advertindo contra os perigos da discriminao tribal. No norte, os candidatos da GAUP foram hostilizados e at mesmo espancados por seguidores do CPN, sempre que tentavam fazer campanha. Tanto no norte como no oeste, os candidatos da GAUP queixaram-se que eram impedidos de se registrar ou ento, mesmo quando o conseguiam, os oponentes da ANN eram apresentados 32 como "candidatos nicos. At o ltimo momento, houve dvidas se sequer chegaria a haver eleies. Ao final, as eleies acabaramse realizando, mas foram boicotadas pela GAUP. Como j era de se esperar, a ANN obteve uma grande vitria. O Presidente Azikiwe, mesmo sentindo-se infeliz com a posio constitucional, pediu a Balewa que formasse um governo nacional de bases amplas. Evitou-se uma crise que poderia ter destrudo a Federao em 1964. Em fevereiro de 1965, foram finalmente realizadas eleies federais no leste e no meio-oeste, com uma votao macia nos candidatos da GAUP. Os resultados finais foram 197 cadeiras para a Aliana Nacional e 108 para a GAUP. Esse escndalo mal fora esquecido quando comearam os preparativos para as eleies de novembro de 1965 na regio oeste. Akintola estava defendendo seu cargo de Primeiro-Ministro e uma histria administrativa estarrecedora. Parece no haver a menor dvida de que a impopularidade de Akintola levaria a uma vitria da GAUP na oposio, se as eleies fossem realizadas com lisura. Com isso, a GAUP teria o controle do Leste, do Meio-Oeste (que j tinha), do Oeste e de Lagos, o que lhe daria maioria no Senado, muito embora a aliana norte/oeste continuasse a controlar a Cmara Baixa. Tudo indicava que Akintola estava perfeitamente a par dessa possibilidade. Sabia tambm que contava com o apoio irrestrito do poderoso e impiedoso Ahmadu Bello no norte e de Balewa, que era o Primeiro-Ministro federal. Confiante na impunidade, Akintola empenhou-se em ganhar as eleies de qualquer maneira demonstrando uma engenhosidade considervel, j que no ignorou uma s oportunidade de cometer um ato torpe. A GAUP, j prevenida pelo que ocorrera nas eleies federais, registrou todos os seus candidatos com grande antecedncia, inclusive com declaraes juramentadas de que os 94 tencionavam concorrer s eleies. Mesmo assim, 16 partidrios de Akintola, inclusive ele prprio, foram declarados candidatos nicos. Autoridades eleitorais sumiram misteriosamente, umas desapareceram mesmo estando sob a custdia da polcia, candidatos foram detidos, cabos eleitorais foram assassinados, novos regulamentos foram introduzidos no ltimo minuto, sendo comunicados apenas aos candidatos de Akintola. Enquanto se processava a contagem dos votos, os candidatos e representantes da GAUP foram mantidos distncia, por diversos meios, sendo que o mais suave foi um toque de recolher aplicado seletivamente pela polcia controlada pelo governo. Quase que milagrosamente, diversos candidatos da GAUP foram declarados eleitos pelas autoridades das circunscries eleitorais que ainda estavam em seus cargos. Houve instrues especiais 33 para que todos os resultados fossem encaminhados ao gabinete deAkintola. O pblico aturdido ouviu a rdio do oeste, sob o controle de Akintola, anunciar determinados resultados, enquanto a rdio do leste apresentava resultados diferentes, fornecidos pela GAUP, que os obtivera com as autoridades das circunscries eleitorais. Segundo o governo do oeste, o resultado das eleies proporcionou 71 cadeiras para Akintola e 17 para a GAUP. Assim sendo, pediu-se a Akintola que formasse um novo governo. A GAUP alegou que na verdade vencera as eleies, conquistando 68 cadeiras na assembleia regional. Levantou a acusao de fraude, uma alegao que os observadores no precisaram se esforar muito para acreditar. Adegbenro, lder da GAUP no oeste, declarou que iria formar seu prprio governo. Ele e seus partidrios foram presos. Foi o sinal para o colapso total da lei e da ordem, se que se podia dizer que isso existia antes. Eclodiram motins e distrbios em toda a regio ocidental. Assassinatos, saques, incndios, espancamentos, tudo ocorreu. Nas estradas, bandos rivais cortavam as rvores e detinham os motoristas, exigindo que declarassem suas tendncias polticas. A resposta errada implicava morte ou assalto. Calcula-se que, em poucas semanas, houve entre mil e duas mil mortes. Diante de tais acontecimentos, Balewa, que to prontamente declarara um estado de emergncia em 1962 por causa de um tumulto na assembleia regional do oeste, permaneceu inativo. Apesar dos reiterados apelos para que declarasse o estado de emergncia, dissolvesse o governo de Akintola e convocasse novas eleies, Balewa limitou-se a declarar que no tinha "poderes" para tais providncias. A poderosa Federao da Nigria estava desmoronando em runas, diante dos olhos dos observadores estrangeiros, que apenas uns poucos anos antes haviam-na aclamado como a grande esperana da frica. Contudo, tais acontecimentos mal transpiraram para o mundo exterior. Ansioso em manter as aparncias, o governo de Balewa promoveu a realizao de uma conferncia de PrimeirosMinistros da Commonwealth em Lagos, na primeira semana de janeiro de 1966, a fim de se discutir o problema da restaurao da lei e da ordem na Rodsia amotinada. O Sr. Harold Wilson compareceu com o maior prazer. Enquanto os Primeiros-Ministros da;Commonwealth apertavamse as mos e exibiam sorrisos radiantes no Aeroporto Internacional de Ikeja, a poucos quilmetros de distncia havia nigerianos morrendo s dezenas, medida que o exrcito ia eliminando os partidrios da GAUP. 34 Mas o exrcito tambm no conseguiu restaurar a ordem.Por insistncia do seu comandante-em-chefe, Major-General Johnson Ironsi, as tropas foram retiradas. Nessa ocasio, a maioria dos soldados de infantaria do exrcito federal provinha do Cinturo Intermedirio, isto , das tribos minoritrias do norte. Essas tropas, particularmente os Tivs, que formavam a porcentagem mais elevada, no podiam ser usadas para dominar os distrbios que ainda ocorriam na terra dos Tivs. que, provavelmente, no iriam disparar contra seu prprio povo. Assim, a maioria das tropas federais que no estava na terra dos Tivs era formada em grande parte por Tivs. Pelo mesmo motivo por que no podiam ser usadas na terra dos Tivs, tambm no eram de grande valia no oeste. As simpatias dos Tivs no estavam com o regime de Akintola. Afinal, Akintola no era o aliado e vassalo do Sardauna de Sokoto, o perseguidor implacvel dos Tivs? A tendncia deles era ficar do lado dos amotinados, j que estavam na mesma posio, vis--vis com o grupo no poder de Sokoto/Akintola. Na segunda semana de janeiro de 1966, era evidente que alguma coisa iria acontecer. A descrio feita posteriormente pelo atual regime militar nigeriano apresentou os acontecimentos subseqentes como de iniciativa exclusiva dos Ibos, no levando em considerao a inevitabilidade de uma dmarche do exrcito ou ento a anarquia total. Na noite de 14 de janeiro, no norte, no oeste e na capital federal de Lagos, um grupo de jovens oficiais entrou em ao. Em poucas horas, Sokoto, Akintola e Balewa estavam mortos. Com eles, morreu tambm a Primeira Repblica. Por ocasio da independncia da Nigria, a Inglaterra reivindicou o mrito pelo aparente sucesso inicial de seu experimento. A Inglaterra no pde agora esquivar-se sua parcela de responsabilidade pelo fracasso, j que a Nigria foi essencialmente um experimento britnico, no nigeriano. Durante anos, o pensamento poltico de Whitehall em relao Nigria baseara-se numa recusa resoluta em enfrentar as realidades, uma convico obstinada de que os fatos podiam ser distorcidos e pressionados para se ajustarem teoria, a determinao de varrer para baixo do tapete todas as manifestaes que pudessem desacreditar o sonho. E essa atitude continua at hoje. 35 2. O Golpe Que Fracassou Dois golpes estavam provavelmente fermentando durante a primeira quinzena de 1966. As provas do que no ocorreu so. basicamente circunstanciais. Mas declaraes subseqentes de que ogolpe de 15 de janeiro frustrou outro golpe, marcado para 17 de janeiro, so certamente bem plausveis. O outro golpe planejado teria comeado com um breve reinado de terror no delta do Nger, na regio leste, comandado por um estudante da Universidade de Nsukka, Isaac Boro, que foi abastecido de recursos vultosos para esse objetivo. Isso daria ao Primeiro-Ministro Balewa a oportunidade de declarar um estado de emergncia no leste. Simultaneamente, segundo acusaes' que foram feitas posteriormente no oeste, unidades comandadas por nortistas deveriam realizar uma "blitz implacvel" contra elementos da oposio (isto , da GAUP) da regio. As duas aes seriam suficientes para destruir a oposio, consolidar a posio de Akintola como Primeiro-Ministro de uma regio que a esta altura odiava-o intensamente e deixado a ANN, o partido do Sardauna de Sokoto, no controle supremo e absoluto da Nigria. Houve algumas ocorrncias que parecem confirmar o planejamento desse golpe. A 13 de janeiro, Sir Ahmadu Bello, que fazia uma peregrinao a Meca, retornou abruptamente sua capital nortista, Kaduna. No dia seguinte, houve uma reunio secreta entre Bello, Akintola, que seguiu de avio para o norte especialmente para o encontro, e o comandante da Primeira Brigada, um oficial ocidental pr-Akintola, General Ademolegun. Anteriormente, o Ministro da Defesa federal, um nortista do CPN, ordenara que o comandante-emchefe do Exrcito, Major-General Ironsi, tirasse imediatamente a sua licena acumulada. O InspetorGeral da Polcia, Sr. Louis Edet, tambm recebeu ordens para entrar de licena, j que era igualmente um oriental. O segundo homem da hierarquia da polcia, Sr. M. Roberts, um ocidental, foi aposentado prematuramente, para ser substitudo pelo Hausa Alhaji Kam Salem, que estaria assim controlando a Polcia Federal, a 17 de janeiro. O Presidente, Dr. Azikiwe, estava na Inglaterra, por problemas de sade. Se havia de fato uma conspirao, acabou 36 fracassando, porque foi precedida por outro golpe, planejado com igual sigilo por um pequeno grupo de oficiais subalternos, liderado principalmente, embora com toda certeza no exclusivamente, por homens originrios do leste. Em Kaduna, o lder do grupo era um homem de tendncias esquerdistas e altamente idealista, o Major Chukwuma Nzeogwu, um Ibo da regio meio-oeste, que passara toda a sua vida no norte e falava o Hausa melhor do que o Ibo. Na tarde de 14 de janeiro, esse oficial brilhante mas errtico, instrutor da Academia deDefesa Nigeriana sediada em Kaduna, levou um pequeno destacamento de soldados, Hausas em sua maioria, para fora da cidade ostensivamente em exerccios de rotina. Ao se aproximarem da magnfica residncia de Sir hmadu, Nzeogwu disse aos soldados que a misso deles era matar o Sardauna. Os soldados no demonstraram a menor hesitao. Eles estavam armados. ... Se por acaso tivessem discordado, poderiam ter atirado em mim disse Nzeogwu mais tarde. Os soldados avanaram fora pelos portes, matando trs guardas do Sardauna e perdendo apenas um homem na manobra. Alm dos muros, despejaram uma chuva de morteiros sobre o palcio. Depois, Nzeogwu lanou uma granada de mo na porta principal. Chegou perto demais e acabou ferindo a mo. Os soldados entraram no palcio e o Sardauna foi morto a tiros, juntamente com dois ou trs criados. Em outra parte de Kaduna outro grupo entrava na casa do General Ademolegun e o matava a tiros, na cama, junto com a esposa. Um terceiro grupo matou o Coronel Shodeinde, o Iorub que era o subcomandante da Academia de Defesa. Com isso, o derramamento de sangue no norte estava terminado. Na tarde de 15 de janeiro, Nzeogwu falou pela rdio de Kaduna, declarando aos ouvintes: Nossos inimigos so os aproveitadores e escroques polticos, situados nos cargos mais altos e tambm nos mais baixos, homens que procuram os subornos e exigem a comisso de dez por cento para aprovarem qualquer negcio, aqueles que se empenham em manter o pas permanentemente dividido a fim de que possam permanecer no poder, como os Ministros e capitalistas, os tribalistas, os nepotistas, todos os que fazem a Nigria parecer grande por fora nos crculos internacionais, sem que haja qualquer esteio internamente. Weu frica, 29 de janeiro de 1966. 37 Posteriormente, Nzeogwu comentou em particular: Nosso objetivo era mudar o pas e transform-lo num lugar a que pudssemos orgulhosamente chamar de ptria, no desencadear uma guerra. ... quela altura, nenhum de ns estava absolutamente pensando em consideraes tribais. Em Lagos, o golpe era comandado pelo Major Emmanuel Ifeajuana, um jovem Ibo que j experimentara antes o sabor da fama, por suas proezas como atleta. Algumas horas depois do anoitecer, ele entrou em Lagos com diversos caminhes carregados de soldados do quartel de Abeokuta. Pequenos destacamentos foramdespachados para diversos pontos de Lagos, a fim de cumprir misses especficas. Trs oficiais superiores de origem nortista, o General-de-Brigada Maimalari, comandante da Segunda Brigada, o Tenente-Coronel Pam, ajudante-de-ordens, e o Tenente-Coronel Lagema, comandante do Quarto Batalho, foram mortos, os dois primeiros em suas residncias e o terceiro no Hotel Ikoyi, onde estava hospedado. O Major Ifeajuana foi pessoalmente caar os polticos. O Primeiro-Ministro Balewa foi preso em sua casa e jogado na parte de trs de um Mercedes, sendo obrigado a ficar deitado no cho. O Ministro das Finanas, Chefe Festus OkcteEboh, originrio do meio-oeste, um homem que conquistara uma extraordinria reputao de corrupo e venalidade mesmo pelos padres da poltica nigeriana, foi fuzilado em sua casa, sendo o corpo jogado na mala do Mercedes. Os soldados tambm foram atrs do Dr. Kingley Mbadiwe, um Ibo, Ministro do Comrcio, que escapou pelos jardins e foi se esconder no Palcio do Estado, que estava vazio e era a residncia oficial do ausente Presidente Azikiwe. Foi o nico lugar que os soldados jamais pensaram em revistar. A ltima vtima em Lagos, naquela noite, foi outro Ibo, o Major Arthur Unegbu. Ele estava no comando do paiol do quartel de Ikeja e foi morto porque se recusou a entregar as chaves ao? revoltosos. Em Ibadan, capital do oeste, o objetivo bvio era o odiado Akintola. Os soldados que cercaram sua casa foram recebidos por uma rajada de tiros de automticas. O Primeiro-Ministro ocidental mantinha o seu prprio arsenal particular. Depois que a casa foi invadida, custa da morte de trs soldados, Akintola foi arrastado para fora, gravemente ferido, recebendo o tiro de misericrdia no jardim. Ainda em Ibadan, o Vice-Primeiro-Ministro, Chefe Fani Kayode, foi preso. Quando os soldados arrastavam-no para fora de sua casa, ele gritou: Eu j sabia que o exrcito ia entrar em ao, mas no imaginava que fosse assim! 38 At esse momento, o golpe transcorrera mais ou menos de acordo com os planos. Ao amanhecer, se os oficiais rebelados tivessem consolidado seu poder, poderiam estar controlando as capitais do norte e do oeste, alm de Lagos, a capital federal. Benn, a capital da pequena regio meio-oeste, aparentemente estava fora dos planos. Havia um motivo para isso: o meio-oeste poderia ser dominado posteriormente, sem maiores dificuldades, concentrando-se inicialmente as foras rebeldes nos pontos mais importantes .Mesmo para as testemunhas e participantes, as verses do que exatamente saiu errado variam consideravelmente. Pode-se apenas tentar chegar a um relato coerente com base nas impresses conflitantes. O Major Ifeajuana e seus companheiros de conspirao em Lagos aparentemente voltaram para Abeokuta no Mercedes, largando os corpos de Balewa e Okotie-Eboh no caminho. Quase todos acreditam que Balewa foi morto a tiros, embora uma testemunha tenha declarado que ele morreu de um ataque cardaco. Os corpos foram encontrados uma semana depois na estrada para Abeokuta. Ifeajuana e seu principal colaborador em Lagos, Major David Okafor, comandante da Guarda Federal, parecem ter cometido o erro crasso de no deixarem ningum de pulso no comando da situao na capital federal, ao se retirarem. Foi em grande parte por isso que o golpe fracassou. O outro motivo fundamental foi a ao rpida e enrgica do comandante-em-chefe do Exrcito, Major-General Ironsi. Assim, quando o grupo de Ibadan entrou em Lagos pouco depois do amanhecer, com o cadver de Akintola e Fani-Kayode ainda vivo, mas todo amarrado, a cidade j tinha trocado de mos. O grupo de Ibadan foi preso por soldados leais a Ironsi e FaniKayode foi libertado. Enquanto isso, Ifeajuana e Okafor chegavam concluso de que no havia nenhum oficial para assumir o controle de Enugu, a capital do leste, a ltima das quatro cidades que tencionavam dominar. Partiram para Enugu no Mercedes, seguido por um Volkswagen com alguns soldados, numa viagem de 650 quilmetros por estradas irregulares. Um dos principais argumentos de que o golpe de 15 de janeiro foi planejado pelos Ibos, visando a dominar a Nigria, sempre foi o de no ter ocorrido nenhuma tentativa de tomar o poder em Enugu. Mas os fatos no confirmam essa teoria. Soldados do Primeiro Batalho cercaram a residncia do Primeiro-Ministro s duas horas da madrugada, mas ficaram aguardando ordens para 39 o ataque. O comandante do Primeiro Batalho, Tenente-Coronel Adekunle Fajuyi, um Iorub, estava ausente, em viagem. O subcoraandante, Major David Ejoor, do meio-oeste, estava em Lagos. Os soldados, que no eram predominantemente Ibos, como foi sugerido, mas principalmente homens do Cinturo Intermedirio da regio norte, estavam agachados em torno da casa quando o dia despontou, aguardando ordens. Enquanto isso, Ifeajuana e Okafor avanavam a toda velocidade pelos campos, a fim de dar as ordensnecessrias. Nenhum homem contribuiu mais do que o comandante-emchefe do Exrcito, Major-General Ironsi, para frustrar o golpe. Ele prprio era um Ibo, de Umuahia. Ingressara no Exrcito aindi quase um menino, como soldado, subindo at os mais altos escales. Era um homem corpulento, soldado de carreira, meticuloso, consciencioso. Sabia qual era o seu dever e no admitia nenhum desvio. Ao que tudo indica, ele tambm estava marcado para morrer naquela noite. No incio da noite, comparecera a uma festa oferecida pelo General-de-Brigada Mainalari e depois fora a outra festa, no navio-postal Aureol, atracado no porto de Lagos. Ao voltar para casa, depois de meia-noite, o telefone estava tocando. Era o Coronel Pam, informando que alguma coisa estava acontecendo. Minutos depois, Pam estava morto. Ironsi desligou o telefone no momento em que seu motorista, um jovem soldado Hausa, vinha comunicar que havia tropas percorrendo as ruas de Lagos. Ironsi entrou em ao rapidamente. Entrou no carro e ordenou ao motorista que o levasse imediatamente ao quartel de Ikeja, o maior da regio e sede do quartel-general do Exrcito. Foi detido por um bloqueio na estrada erguido pelos homens de Ifeajuana, que lhe apontaram suas armas. Ironsi saltou do carro, empertigou-se e gritou: SAIAM DA MINHA FRENTE! Os soldados se afastaram para lhe dar passagem. Chegando a Ikejav Ironsi prontamente reuniu as tropas que l estavam. E, de Ikeja, emitiu um intenso fluxo de ordens para todos os lados, durante a manh inteira. Tropas leais a ele e ao governo assumiram o controle da situao. O Major Ejoor, apresentando-se pouco antes do amanhecer, recebeu ordens de voltar para Enugu o mais depressa possvel e reassumir o comando do Primeiro Batalho. Ejoor foi para um aeroporto prximo, embarcou num avio pequeno e seguiu prontamente para Enugu. No caminho, passou pelo Mercedes de Ifeajuana, seguindo pela estrada l embaixo. 40 Chegando primeiro a Enugu, Ejoor assumiu o comando da guarnio e retirou as tropas que cercavam a casa do Dr. Okpara. s 10 horas da manh, os mesmos soldados formavam uma guarda de honra, enquanto o assustado Primeiro-Ministro despedia-se no aeroporto do Presidente Makarios, de Chipre, que encerrava por Enugu uma viagem Nigria. Mais tarde, o Dr. Okpara recebeu permisso para retornar sua cidade natal, Umuahia. No meio-oeste, as tropas rebeldes chegaram casa do Primeiro-Ministro s 10 horas da manh, mas retiraram-se s duas horas da tarde, por ordem do General Ironsi. O golpe fracassara. Ifeajuana e Okafor encontraram Ejoor no comando da situao quando chegaram a Enugu. Esconderam-se na casa de um farmacutico, onde Okafor acabou sendo preso. Ifeajuana fugiu para Gana, para voltar posteriormente e juntar-se a seus companheiros de conspirao na priso. No foi um golpe branco, mas tambm no chegou a haver um banho de sangue. Os Primeiros-Ministros do Norte, do Oeste e da Federao tinham morrido, assim como um Ministro federal. Entre os oficiais superiores do Exrcito morreram trs nortistas, dois ocidentais e dois orientais. (Outro major Ibo tambm foi morto, mas por tropas leais, que julgaram erroneamente que ele fosse um dos conspiradores.) Morreram tambm alguns civis, inclusive a esposa de um dos oficiais e criados de Sir hmadu Bello, alm de menos de uma dzia de soldados. Nzeogwu afirmou depois que no deveria ter ocorrido nenhuma morte, mas alguns de seus companheiros ficaram por demais entusiasmados. Em Lagos, o General Ironsi assumira inteiramente o controle do Exrcito e restaurara a ordem. Mas no foi isso o que posteriormente o levou ao poder. Foi basicamente a reao da populao, que deixou patente para todos que o reinado dos polticos chegara ao fim. Essa reao pblica, muitas vezes esquecida atualmente, desmente cabalmente a idia capciosa de que o golpe de janeiro foi obra de uma faco. Em Kaduna, uma multido de Hausas delirantes saqueou o palcio do autocrata morto. Um sorridente Major Hassan Usman Katsina, filho do fulani Emir de Katsina, sentou-se ao lado de Nzeogwu numa entrevista coletiva, antes de ser indicado para Governador Militar do Norte. Alhaji Ali Akilu, chefe do Servio Civil nortista, declarou publicamente seu apoio a Nzeogwu. Mas a estrela do major Ibo estava comeando a cair rapidamente. Em Lagos e no resto do sul, Ironsi dominava inteiramente a situao e no estava disposto a fazer qualquer concesso aos conspiradores. Mas teve o bom senso de compreender que, embora 41 os conspiradores tivessem cometido aes que eram contra o seu prprio condicionamento e inclinaes, haviam prestado um servio pblico e contavam com amplo apoio popular. Na tarde de sbado, 15 de janeiro, Ironsi pediu ao Presidente em exerccio que designasse um Primeiro-Ministro provisrio, do qual poderia aceitar ordens vlidas, nos termos da Constituio. Mas os polticos protelaram qualquer deciso at a manh de domingo. Quando o Gabinete finalmente se reuniu, Ironsi comunicou que no maispoderia garantir-lhes a lealdade de seus oficiais e evitar a guerra civil, a menos que ele prprio assumisse o poder. Parece no haver a menor dvida de que Ironsi estava certo quanto a isso, como numerosos oficiais j o confirmaram desde ento, em declaraes pblicas. Mesmo os oficiais que no haviam participado do golpe no iriam aceitar o retorno ao regime dos polticos, agora totalmente desacreditados. A esta altura, a situao tambm se agravara consideravelmente. Nzeogwu, compreendendo que seus colegas no sul haviam malogrado, assumiu pessoalmente o comando de uma coluna militar e seguiu para l, chegando a Jebba, na margem do rio Nger. Se as guarnies do sul tivessem se dividido em faces em luta, contra ou a favor de Nzeogwu, o resultado inevitvel seria a guerra civil. Quinze minutos antes da meia-noite, Ironsi falou pelo rdio, de Lagos, anunciando que, como o governo civil deixara de funcionar, as foras armadas tinham sido convocadas a formar um governo militar provisrio. E ele, General Ironsi, fora investido na autoridade de chefe do Governo Militar Federal. A crise pendeu a favor de Ironsi. O excito acatou suas ordens e Nzeogwu retirou-se para o quartel de Kaduna, onde foi posteriormente preso. possvel que o Gabinete nigeriano (reunido sob a presidncia de Alhaji Dipcharima, Ministro dos Transportes, um Hausa e a mais alta autoridade do CPN, depois de Balewa) no tivesse alternativa que no concordar com a solicitao do General Ironsi para que lhe fosse concedido o poder absoluto. Mas igualmente verdade que Ironsi no tinha alternativa que no fazer tal solicitao, se queria evitar a guerra civil, entre unidades militares rivais. Isso foi muito importante por trs razes: explica por que a acusao de que o golpe foi uma conspirao Ibo para derrubar o regime constitucional e dominar a Nigria no passou de uma inveno, alegada muito tempo depois do golpe e inteiramente em desacordo com os fatos; contradiz a alegao posterior de que os subseqentes massacres de orientais vivendo no norte eram desculpveis ou pelo menos compreensveis j que "eles que come 42 aram tudo"; e esclarece e confirma a convico inabalvel do Tenente-Coronel Ojukwu de que a ascenso de Ironsi ao poder foi ao mesmo tempo constitucional e legal, enquanto a do TenenteCoronel Gowon, seis meses depois do assassinato de Ironsi, foi ilegal e, assim sendo, no tinha a menor validade. 3. O Homem de Ferro Johnson Thomas Umunakv/e Aguiyi-Ironsi nasceu perto deUmuahia, uma linda cidadezinha nas colinas, no centro da regio leste, em maro de 1924. Foi educado em parte em Umuahia e em parte em Kano, no norte, onde se alistou no Exrcito como soldado, aos 18 anos. Passou o resto da 2 Guerra Mundial ao longo da costa da frica Ocidental, tornando-se sargento aos 22 anos. Dois anos depois, foi para o Camberley Staff College, uma escola de oficiais. Voltou em 1949, como Segundo-Tenente, indo para o quartel-general do Comando da frica Ocidental, em Acra. Em seguida, foi para a Diretoria de Material Blico, em Lagos. Foi depois transferido para um regimento de infantaria. J como tenente, foi ajudante-de-ordens do Governador, Sir John Macpherson. Como capito, promovido recentemente, compareceu Coroao em Londres, em junho de 1953. Foi promovido a major em 1955 e escolhido para acompanhar a Rainha na visita dela Nigria, em 1956. Foi promovido a tenente-coronel em setembro de 1960 e ganhou o seu primeiro comando de tropa, o do Quinto Batalho, sediado em Kano. No mesmo ano, comandou o contingente nigeriano na fora da ONU no Congo, em luta contra os catangueses. Demonstrou na ocasio que era algo mais que um simples oficial de estado-maior. Quando a equipe mdica austraca e os soldados nigerianos que foram em seu socorro ficaram cercados pelos rebeldes, Ironsi pegou um pequeno avio e foi sozinho negociar a libertao dos refns. O governo austraco condecorou-o com a Ritter Kreuz, Primeira Classe. Em 1961 e 1962, Ironsi foi Conselheiro Militar da Alta Comisso Nigeriana em Londres. Nessa ocasio, foi promovido a general-debrigada. Fez um curso no Colgio Imperial de Defesa. Voltou ao Congo em 1964, como comandante de toda a Fora de Paz da ONU, no posto de major-general (que corresponde ao posto de general-de-diviso na hierarquia militar brasileira), o primeiro oficial africano a conquistar tal promoo. Durante as operaes, enfrentou sozinho uma turba enfurecida em Leopoldville e persuadiu os manifestantes a se dispersarem. Esse e outros feitos similares valeram-lhe o apelido afetuoso de "Johnny Ironside", o homem de ferro, o homem de grande coragem. 44 Retornando Nigria, voltou ao posto de general-de-brigada e assumiu o comando d Primeira Brigada. Mas no demorou muito a suceder o Major-General Welby-Everard, o ltimo britnico a comandar o Exrcito Nigeriano. Voltou a ser major-general. Segundo um funcionrio civil britnico, em declarao posterior e escolhendo cuidadosamente as palavras, Ironsi era "um homemhonrado e ntegro". O novo regime comeou muito bem. Contava com macio apoio popular. Por toda a Nigria, inclusive no norte, o povo se regozijava pelo trmino do domnio dos polticos corruptos e acalentava a esperana de um novo amanhecer. Os ltimos conspiradores de janeiro foram tirados pacificamente de seus esconderijos e ficaram detidos em suas diversas regies de origem. O CPN, do norte, o Grupo de Ao, do oeste, e o CNCN, do leste e do meiooeste, declararam sua lealdade ao novo regime, embora os polticos desses partidos estivessem alijados do poder e alguns fossem presos. Os sindicatos trabalhistas, as associaes estudantis e os emires do norte tambm declararam o seu pleno apoio. Os correspondentes estrangeiros destacavam a popularidade do novo regime. Um colunista do African World comentou em maro: "A recepo favorvel a essas mudanas constitucionais, por parte dos diferentes setores da populao nigeriana, demonstra claramente que o movimento militar foi na verdade uma revolta popular das massas. Um ms antes, o correspondente na Nigria do Economist, Um dos principais argumentos dos governos nigeriano e britnico contra Biafra o de que o regime biafrense ilegtimo, enquanto o do Coronel Gowon o nico governo legtimo no pas. Mas h muitos juristas, nem todos biafrenses, que afirmam que ambos os regimes, por lei, podem ser considerados legtimos. O regime do atual Governo Militar nigeriano est baseado no controle efetivo da capital e de trs das antigas regies, um domnio que se estende por mais de 70 por cento.da populao. O mundo diplomtico tem verdadeira obsesso por capitais e d uma extraordinria importncia ao controle de uma capital. Se Lagos ficasse na regio leste e Gowon tivesse assumido o controle das trs outras regies, ficando a capital sob o domnio do Coronel Ojukwu, provavelmente a vantagem diplomtica seria totalmente invertida. A alegao do Coronel Ojukwu de que o Governo Gowon e no o seu que est em estado de rebelio e , portanto, ilegtimo, baseiase na continuao da autoridade legalmente constituda na 62 L regio leste, depois de julho de 1966. Anteriormente, o General Ironsi fora designado para o posto de Supremo Comandante e chefe do Conselho Militar Supremo por quase todos os ministros do Gabinete existente. Se esse Gabinete tivesse se reunido, depois da morte do Primeiro-Ministro Balewa (na ocasio, pensava-se que ele fora simplesmente seqestrado), sob a presidncia de um ministro Ibo, poder-se-ia dizer mais tarde que a indicao fora "arrumada*. Mas a presidncia da reunio ficou com Alhaji Dipcharima, um Hausa, o mais alto representante do Congresso do Povo do Norte no Gabinete. O General Ironsi tambm no exerceu uma presso indevida para persuadir os ministros. Disse-lhes, objetivamente, que no tinhacondies de garantir a lealdade do Exrcito ao governo da lei, a menos que os militares assumissem o controle. Com Nzeogwu marchando para o sul e muitas guarnies fervilhando, tal declarao no era um exagero. A designao do General Ironsi pode, portanto, ser considerada legtima, dentro da lei. E foi Ironsi quem designou o Coronel Ojukwu para governar a regio leste, o que foi tambm uma indicao legtima. Para o Coronel Ojukwu, o nico homem que tinha direito ao posto de sucessor do General Ironsi era o oficial que lhe era diretamente inferior, o General-de-Brigada Ogundipe. Se Ogundipe no fosse nomeado, teria que haver uma reunio plenria do Conselho Militar Supremo para a escolha do sucessor. Isso no aconteceu. O Coronel Gowon nomeou-se a si mesmo ou foi nomeadopelos amotinados, nos trs dias seguintes ao golpe de 29 de julho. Entre esses amotinados, havia apenas um membro do Conselho, o Coronel Hassan Usman Katsina, Governador Militar do Norte. At mesmo a reunio posterior do Conselho que confirmou Gowon no posto no foi plenria, j que se realizou em tais condies que tornava impossvel o comparecimento do Coronel Ojukwu com alguma chance de sair vivo de l. Somente no leste que o governo continuou ininterrupto e no afetado pelos acontecimentos de julho de 1966. A cadeia de designaes legtimas permaneceu intacta. Para os biafrenses, a sua separao da Nigria, em maio de 1967, foi legtima pelo Direito Internacional, tendo em vista o tratamento dispensado regio e seus cidados. Essa alegao conta com incontveis adeptas, no mundo inteiro. ir 6> 3 5. Dois Coronis iiiii Os dois homens que detm o poder nas duas partes at agora irreconciliveis da Nigria eram totalmente diferentes. O TenenteCoronel Yakubu Gowon tinha 32 anos, era filho de um ministro metodista e fora educado numa misso evangelista, numa das menores tribos do norte, a sho-sho. Nascera nas proximidades da pequena cidade de Bauchi. Depois de aprender as primeiras letras na misso, entrara para uma escola primria. Ingressara no Exrcito aos 19 anos e tivera a sorte de ser logo enviado para um curso de treinamento de oficiais em Eaton Hall e depois Sandhurst. Retornara Nigria para- assumir uma carreira normal de oficial de infantaria. Posteriormente, fizera outros cursos na Inglaterra, especialmente em Hythe e Warminster. Na volta, tornara-se 1 primeiro ajudante-de-ordens nigeriano e posteriormente servira,como o General Ironsi, no contingente nigeriano despachado para o Congo. Por ocasio do golpe de janeiro, estava fazendo mais um curso na Inglaterra, desta vez na Escola de Estado-Maior. Na aparncia tambm era totalmente diferente do seu colega no outro lado do Nger. Gowon era e um homem pequeno, guapo, bemapessoado, sempre muito elegante, com um sorriso infantil, cativante. Mas, provavelmente, a maior diferena entre os dois lderes est no carter. Os que conheciam Gowon a fundo e serviram com ele, descrevem-no como um homem tranqilo e suave, incapaz de fazer mal a uma mosca... pessoalmente. Mas descrevem-no tambm como um homem de imensa vaidade e dominado pelo rancor e despeito, apesar da simpatia instantnea que tem atrado tantos estrangeiros desde que subiu ao poder. Em termos polticos, a maior censura que lhe fazem os biafrenses moderados de que um homem fraco e vacilante quando h necessidade de tomar decises firmes, um homem facilmente influenciado pelos espritos mais fortes e vigorosos, que se deixa intimidar por um tratamento insolente e atrevido. Em suma, Gowon no seria um antagonista altura de muitos dos oficiais do Exrcito que lideraram o golpe de julho e dos astutos funcionrios pblicos civis que viram em seu regime a oportunidade de conquistar o poder na Nigria. 64 Para os biafrenses, Gowon nunca foi o verdadeiro governante da Nigria, mas apenas um testa-de-ferro internacionalmente aceitvel, delicado com os visitantes e correspondentes estrangeiros, encantador com os diplomatas, cativante na televiso. A fraqueza de carter de Gowon ficou patente pouco depois que ele subiu ao poder. Um dos seus primeiros atos foi ordenar a cessao do massacre de oficiais e soldados orientais do Exrcito nigeriano. Contudo como ficou comprovado, o massacre prosseguiu sem qualquer controle at o final do ms de agosto. Dois anos depois, Gowon aparentemente continuava a no ter qualquer controle sobre suas foras armadas. Por diversas vezes, ele jurou a diplomatas e correspondentes que ordenara sua fora area que cessasse de bombardear os centros civis em Biafra. Mas os avies nigerianos continuaram a bombardear e metralhar implacavelmente mercados, igrejas e hospitais. O Tenente-Coronel Chukwuemeka Odumegwu Ojukwu um homem inteiramente diferente. Nasceu h 35 anos em Zungeru, uma cidadezinha da regio norte, onde os pais estavam em visita temporria. O pai, Sir Louis Odumegwu Ojukwu, que morreu em setembro de 1966, com o ttulo de cavalheiro e vrios milhes de libras no banco, comeara a vida como um pequeno negociante em Nnewi, na regio leste. Criou um sistema nacional de transportepelas estradas, tendo a bom senso de vend-lo por um alto preo, pouco antes das ferrovias se tornarem o meio de transporte bsico. Investiu em imveis e altas finanas. Tudo o que Sir Louis tocava parecia se transformar em ouro. Investiu em terras na rea de Lagos, numa poca em que os preos eram baixos. Por ocasio de sua morte, os terrenos pantanosos que comprara na Ilha Victoria estavam sendo vendidos a preos astronmicos, pois ali se previa a construo de um novo bairro diplomtico e residencial da capital em expanso. A histria do seu segundo filho, o predileto, no pode ser descrita como um conto de fadas do gnero da-misria--riqueza. A casa da famlia onde o jovem Emeka Ojukwu brinca