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Ambiente e Saneamento Sistemas de Drenagem Urbana José Saldanha Matos

Livro SDU Taiags

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Ambiente e Saneamento Sistemas de Drenagem Urbana

José Saldanha Matos

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I

PREÂMBULO

O livro Ambiente e Saneamento – Sistemas de Drenagem Urbana resultou, em grande parte, do desenvolvimento das folhas da disciplina de Saneamento II, da anterior Licenciatura em Engenharia Civil, Pré-Bolonha, do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa (IST/UTL). As matérias tratadas no Livro encontram-se agora incluídas, designadamente nos programas das unidades curriculares de Saneamento e de Drenagem Urbana e Controlo da Poluição, do mestrado em Engenharia Civil, e da unidade curricular de Sistemas de Drenagem Urbana, do curso de formação avançada em Hidráulica e Recursos Hídricos daquela Universidade. A primeira edição das folhas data de 1994, tendo posteriormente sido preparados novos textos e exemplos de cálculo ilustrativos, por forma a acompanhar a própria evolução técnica e científica nesse domínio e a permitir uma mais fácil compreensão dos assuntos tratados.

Em 2003, o signatário chegou a considerar a publicação dos textos desenvolvidos, como resultado da compilação dos diversos elementos escritos, o que não se veio a concretizar, tendo-se antes optado por desenvolver, neste período de três anos, de forma mais completa, três dos capítulos do Livro. O Capítulo 2, no que respeita à condição do saneamento em Portugal, que tem atravessado uma fase de grande dinamismo em termos de estruturação do sector e esforço de execução de infra-estruturas, o Capítulo 6, sobre beneficiação do comportamento de sistemas unitários de drenagem de águas residuais, nomeadamente no que respeita à apresentação de modelos de simulação do comportamento hidráulico e ambiental e o Capítulo 9, referente a estratégias de reabilitação, com ênfase no planeamento, diagnóstico, avaliação de desempenho e execução e monitorização das intervenções, incluindo também a operação e manutenção de infra-estruturas.

Na preparação deste livro colaboraram a Profª Filipa Santos Ferreira, co-autora do Capítulo 6, o Profº António Jorge Monteiro, co-autor do sub-capítulo 4.4, e a Engª Maria Rafaela Matos e Engª Adriana Mendes Cardoso, no que respeita à elaboração de textos que foram adaptados no âmbito do desenvolvimento dos sub-capítulos 5.6, 9.2 e 9.3.

Lisboa, Dezembro de 2006

José Manuel de Saldanha G. Matos

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III

ÍNDICE DO TEXTO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................................1

2. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA DRENAGEM URBANA E CONDIÇÃO ACTUAL DO SANEAMENTO EM PORTUGAL..............................................................................................5 2.1. Evolução fora do País, no período anterior ao século XVIII .................................................5 2.2. Evolução fora do país, no período posterior ao século XVIII................................................7 2.3. Evolução em Portugal ............................................................................................................9 2.4. Condição actual do saneamento em Portugal.......................................................................12

Referências bibliográficas do cap. 2...............................................................................................15

3. DADOS BASE ...........................................................................................................................17 3.1. Considerações introdutórias .................................................................................................17 3.2. Origem e natureza das águas residuais.................................................................................17 3.3. Horizonte de projecto ...........................................................................................................18 3.4. População de projecto ..........................................................................................................18

3.4.1. População actual ............................................................................................................18 3.4.2. População no horizonte de projecto ...............................................................................20

3.5. Caudais de projecto ..............................................................................................................21 3.5.1. Nota introdutória............................................................................................................21 3.5.2. Considerações gerais sobre consumo urbano da água ...................................................22 3.5.3. Caudais domésticos........................................................................................................23

3.5.3.1. Aspectos gerais ........................................................................................................23 3.5.3.2. Capitações................................................................................................................24 3.5.3.3. Coeficiente de afluência à rede................................................................................25 3.5.3.4. Factor de ponta ........................................................................................................25 3.5.4. Caudais industriais......................................................................................................26 3.5.5. Caudais de infiltração .................................................................................................27 3.5.6. Caudais pluviais ligados directamente ao sistema......................................................28

Referências bibliográficas do cap. 3..................................................................................29

4. SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS DOMÉSTICAS E INDUSTRIAIS. .......................................................................................................................31 4.1. Considerações de âmbito geral.............................................................................................31 4.2. Tipos de sistemas de drenagem urbanos. Vantagens e inconvenientes................................31 4.3. Componentes dos sistemas...................................................................................................33 4.4. Colectores, câmaras de visita e ramais de ligação................................................................35

4.4.1. Considerações introdutórias...........................................................................................35 4.4.1.2. Materiais disponíveis. Vantagens e inconvenientes ................................................36 4.4.1.3. Condições de assentamento e valas tipo ..................................................................38

4.4.2. Câmaras de visita ...........................................................................................................42 4.4.2.1. Considerações introdutórias.....................................................................................42 4.4.2.2. Dimensões mínimas, constituição e materiais utilizados.........................................43 4.4.2.3. Acabamentos ...........................................................................................................49 4.4.2.4. Câmaras de visita de dimensão excepcional............................................................50 4.4.2.5. Câmaras de visita pré-fabricadas em material plástico............................................51 4.4.2.6. Câmaras de corrente de varrer .................................................................................53 4.4.2.7. Critérios de implantação de câmaras de visita.........................................................53

4.4.3. Ramais de ligação ..........................................................................................................54

Page 6: Livro SDU Taiags

IV

4.5. Aspectos da concepção dos sistemas. Traçado em planta e perfil longitudinal de colectores ......................................................................................................................56

4.5.1. Aspectos gerais ..............................................................................................................56 4.5.2. Traçado em planta..........................................................................................................58 4.5.3. Traçado em perfil longitudinal.......................................................................................58

4.6. Critérios de projecto e verificação hidráulico-sanitário .......................................................59 4.6.1. Aspectos introdutórios ...................................................................................................59 4.6.2. Critérios de projecto e dimensionamento hidráulico-sanitário ......................................59 4.6.3. Verificação hidráulico-sanitário.....................................................................................60

4.7. Soluções não convencionais de drenagem ...........................................................................61 4.7.1. Aspectos gerais ..............................................................................................................61 4.7.2. Sistemas simplificados...................................................................................................62 4.7.3. Sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro ................................................64

4.7.3.1 Aspectos gerais .........................................................................................................64 4.7.3.2 Componentes dos sistemas .......................................................................................65 4.7.3.3 Critérios gerais de dimensionamento........................................................................69 4.7.3.4 Considerações finais .................................................................................................70

4.7.4 Sistemas sob vácuo .........................................................................................................70 4.7.4.1 Aspectos gerais .........................................................................................................70 4.7.4.2 Componentes do sistema ..........................................................................................71 4.7.4.3 Aspectos de dimensionamento hidráulico ................................................................71 4.7.4.4 Considerações finais .................................................................................................77 4.7.4.5 Sistemas a ar comprimido.........................................................................................77

Referências bibliográficas do cap. 4..................................................................................79

5. SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS...........................................................81 5.1. Considerações de âmbito geral.............................................................................................81 5.2. Concepção e constituição dos sistemas................................................................................81

5.2.1. Aspectos de concepção ..................................................................................................81 5.2.2. Principais componentes .................................................................................................83

5.3. Qualidade das águas pluviais ...............................................................................................84 5.3.1. Considerações introdutórias...........................................................................................84 5.3.2. Qualidade da água de escorrências pluviais...................................................................86

5.3.2.1. Sólidos em suspensão ..............................................................................................86 5.3.2.2. Metais pesados.........................................................................................................86 5.3.2.3. Outros Poluentes......................................................................................................87 5.3.2.4. Impacte nos meios receptores e disposições de controlo e tratamento. ...................87

5.4. Cálculo de caudais pluviais ..................................................................................................88 5.4.1. Considerações introdutórias...........................................................................................88 5.4.2. Métodos de cálculo tradicionais em Portugal ................................................................89

5.5. Escoamento de superfície e capacidade de dispositivos interceptores.................................99 5.5.1. Considerações introdutórias...........................................................................................99 5.5.2. Escoamento de superfície em valetas.............................................................................99 5.5.3. Critérios para localização dos dispositivos interceptores.............................................100 5.5.4. Capacidade hidráulica de dispositivos interceptores....................................................101

5.5.4.1. Capacidade de sarjetas de passeio. Exemplo de cálculo........................................101 5.5.4.2. Capacidade de sumidouros. Exemplos de cálculo .................................................105 5.5.4.3. Capacidade de grades localizadas em zonas baixas. Exemplo de cálculo .............109

5.5.5.Comparação entre a eficiência hidráulica de vários dispositivos interceptores ............110 5.6. Soluções de controlo na origem .........................................................................................114

5.6.1. Aspectos Gerais ...........................................................................................................114

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V

5.6.2. Vantagens e limitações das soluções de controlo na origem .......................................115 5.6.3. Concepção de técnicas de controlo na origem e critérios de selecção .........................117 5.6.4. Descrição sumária das principais técnicas ...................................................................120

5.6.4.1. Bacias de retenção .................................................................................................120 5.6.4.2 Pavimentos “com estrutura reservatório” ...............................................................127 5.6.4.3 Poços absorventes...................................................................................................133 5.6.4.4 Trincheiras de infiltração........................................................................................136 5.6.4.5 Valas revestidas com coberto vegetal.....................................................................140

5.6.5. Considerações finais ....................................................................................................143 5.7. Dimensionamento hidráulico de colectores .......................................................................143

5.7.1. Considerações introdutórias.........................................................................................143 5.7.2. Critérios de projecto e procedimentos de dimensionamento .......................................144

5.8. Síntese e considerações finais ............................................................................................145 Referências bibliográficas do cap. 5 ......................................................................................146

6.SISTEMAS DE DRENAGEM UNITÁRIOS ...........................................................................151 6.1.Considerações gerais ...........................................................................................................151 6.2.Tendências actuais na beneficiação dos sistemas unitários.................................................152 6.3.Modelação matemática do comportamento dinâmico de sistemas de saneamento .............155

6.3.1.Considerações introdutórias..........................................................................................155 6.3.2.Etapas do processo de modelação.................................................................................156 6.3.3. Modelação matemática do comportamento de sistemas de drenagem.........................157

6.3.3.1. Aspectos gerais ......................................................................................................157 6.3.3.2. Precipitação e escoamento superficial ...................................................................158 6.3.3.3. Propagação do escoamento na rede de colectores .................................................159 6.3.3.4. Qualidade da água e transporte de poluentes.........................................................160 6.3.3.5. Caracterização sumária de modelos existentes ......................................................161

6.3.4. Aspectos gerais de modelação do tratamento de águas residuais ................................163 6.3.5. Aspectos gerais de modelação dos meios receptores...................................................163 6.3.6. Modelação integrada de sistemas.................................................................................164

6.4. Dimensionamento de estruturas de armazenamento ..........................................................166 6.4.1.Notas introdutórias........................................................................................................166 6.4.2.Método da precipitação crítica......................................................................................167

6.4.2.1.Notas introdutórias .................................................................................................167 6.4.2.2.Critérios de dimensionamento ................................................................................167 6.4.2.3.Determinação dos volumes de armazenamento necessários...................................169

6.4.3.Método simplificado .....................................................................................................174 6.4.3.1.Notas introdutórias .................................................................................................174 6.4.3.2.Critérios de dimensionamento ................................................................................174 6.4.3.3.Determinação dos volumes de armazenamento necessários...................................175 6.4.3.4.Restrições à aplicação do método simplificado......................................................183 6.4.3.5.Critérios de dimensionamento de bacias de armazenamento com

descarregador de tempestade instalado no coroamento.........................................184 6.4.3.6.Dimensionamento de descarregadores de tempestade............................................184

6.5.Síntese e conclusões............................................................................................................187 Referências bibliográficas do cap. 6 ......................................................................................188

7.ÓRGÃOS ESPECIAIS EM SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS..........193 7.1.Considerações de âmbito geral............................................................................................193 7.2.Sifões invertidos..................................................................................................................194

7.2.1.Considerações introdutórias..........................................................................................194 7.2.2.Aspectos do dimensionamento......................................................................................194

Page 8: Livro SDU Taiags

VI

7.2.3.Exemplo de cálculo.......................................................................................................196 7.3.Descarregadores ..................................................................................................................199

7.3.1.Considerações introdutórias..........................................................................................199 7.3.2.Dimensionamento de descarregadores..........................................................................201

7.3.2.1.Critérios de dimensionamento ................................................................................201 7.3.2.2.Bases teóricas do dimensionamento hidráulico ......................................................202 7.3.2.3.Exemplos de cálculo ...............................................................................................208 7.3.2.4.Considerações finais ...............................................................................................211

7.3.3.Concepção de câmaras de desvio..................................................................................212 7.3.4.Reguladores de caudal ..................................................................................................215

7.3.4.1.Reguladores de caudal do tipo vórtice....................................................................215 7.3.4.2Reguladores de caudal do tipo flutuador .................................................................216

7.4.Instalações elevatórias de águas residuais...........................................................................217 7.4.1.Considerações gerais.....................................................................................................217 7.4.2.Aspectos de localização ................................................................................................217 7.4.3.Componentes dos sistemas elevatórios .........................................................................217 7.4.4.Obra de entrada .............................................................................................................218 7.4.5.Poço de bombagem.......................................................................................................218

7.4.5.1.Forma......................................................................................................................218 7.4.5.2.Volume útil .............................................................................................................220 7.4.6.Grupos elevatórios .....................................................................................................223 7.4.7.Tubagem e acessórios ................................................................................................224 7.4.8.Equipamento de protecção, de comando e de controlo .............................................225 7.4.9.Conduta elevatória .....................................................................................................225 7.4.10. Disposições e órgãos complementares ...................................................................226 7.4.11. Apresentação de esquemas de instalações elevatórias............................................227

Referências bibliográficas do cap. 7 ......................................................................................230

8.ASPECTOS PARTICULARES DO DIMENSIONAMENTO DE SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS: AVALIAÇÃO E CONTROLO DOS EFEITOS DO GÁS SULFÍDRICO ..........................................................................................233 8.1.Considerações introdutórias ................................................................................................233 8.2.Origem, natureza e propriedades do sulfureto de hidrogénio .............................................235 8.3.Formação, libertação e oxidação do sulfureto de hidrogénio..............................................237

8.3.1.Considerações de âmbito geral .....................................................................................237 8.3.2.Natureza das reacções ...................................................................................................240 8.3.3.Expressões de cálculo da concentração de sulfuretos ...................................................241 8.3.4.Libertação de gás sulfídrico e ventilação......................................................................246 8.3.5.Oxidação sobre as paredes dos colectores ....................................................................249

8.4.Efeitos do gás sulfídrico......................................................................................................250 8.4.1.Considerações introdutórias..........................................................................................250 8.4.2.Odor ..............................................................................................................................251 8.4.3.Toxicidade ....................................................................................................................252 8.4.4.Corrosão........................................................................................................................253 8.4.5.Critérios de projecto......................................................................................................256

8.5.Regras e procedimentos de controlo dos efeitos do gás sulfídrico......................................257 8.5.1.Considerações introdutórias..........................................................................................257 8.5.2.Regras de exploração de natureza mecânica.................................................................258 8.5.3.Procedimentos de natureza química..............................................................................260

8.6.Apresentação de exemplos de cálculo.................................................................................264 Referências bibliográficas do cap. 8 ......................................................................................268

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VII

9.ESTRATÉGIAS DE REABILITAÇÃO DE SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS............................................................................................................................. 271 9.1.Aspectos gerais....................................................................................................................271 9.2.Conceitos básicos associados à reabilitação........................................................................271 9.3.A reabilitação como uma abordagem integrada ..................................................................272

9.3.1.Considerações introdutórias..........................................................................................272 9.3.2.Planeamento inicial .......................................................................................................275 9.3.3.Estudos de diagnóstico..................................................................................................275 9.3.4.Avaliação do desempenho técnico................................................................................277 9.3.5.Estratégia e planeamento de intervenções ....................................................................278 9.3.6.Execução e monitorização ............................................................................................278

9.4.Operação e manutenção no âmbito da reabilitação .............................................................279 9.4.1.Aspectos introdutórios ..................................................................................................279 9.4.2.Requisitos de desempenho............................................................................................279 9.4.3.Problemas funcionais e procedimentos de operação e manutenção..............................280

9.5.Considerações Finais...........................................................................................................284 Referências bibliográficas do cap. 9 ......................................................................................284

ÍNDICE DE FIGURAS

Fig. 2.1 -Secção-tipo de colectores implantados em Lisboa em 1884............................................10 Fig. 2.2 -Níveis de abastecimento em drenagem de águas residuais, em Portugal, por concelho..13 Fig. 4.1 -Representação esquemática do sistema de saneamento da Costa do Estoril ...................35 Fig. 4.2 -Representação esquemática de execução de valas-tipo ...................................................39 Fig. 4.3 -Representação de coberturas das câmaras de visita.. .......................................................45 Fig. 4.4 -Características dimensionais das câmaras de visita (adaptado de NP EN 476:2000)......46 Fig. 4.5 -Representação de câmaras de visita com queda suave (H-H1≤ 0,50m). .........................46 Fig. 4.6 -Representação de câmaras de visita com queda guiada...................................................47 Fig. 4.7 -Representação de câmaras de visita de dimensão excepcional........................................51 Fig. 4.8 - Representação esquemática de ligação de ramais de ligação a colectores profundos. ...55 Fig. 4.9 -Representação esquemática de ligações a colectores de média e grande dimensão ........55 Fig. 4.10 - Representação esquemática de ramais de ligação a colectores pouco enterrados.........56 Fig. 4.11 - Elementos hidráulicos de colectores de secção circular ...............................................61 Fig. 4.12 - Sistema de colectores gravíticos de pequeno diâmetro – tipo adaptada

de Dias (2000) ...................................................................................................................65 Fig. 4.13 - Grupo elevatório tipo ‘STEP’- representação esquemática, adaptada

de Dias (2000) ...................................................................................................................67 Fig. 4.14 - Um óculo de limpeza típico (direita) e uma junção simples sem óculo de limpeza

(esquerda) ..........................................................................................................................69 Fig. 4.15 - Representação esquemática do traçado de um sistema sob vácuo (adaptada de EPA,

1991)..................................................................................................................................72 Fig. 4.16 - Representação esquemática de uma câmaras de válvula e de recolha de

águas residuais (adaptada de EPA, 1991)..........................................................................73 Fig. 4.17 - Sistema sob vácuo - Exemplo de traçado em perfil (adaptada de EPA, 1991).............73 Fig. 4.18 - Sistema sob vácuo - Perfis tipo de traçado de colectores (adaptada

de EPA, 1991) ...................................................................................................................74 Fig. 4.19 - Representação esquemática de terreno com perfil ondulado (a), sistema

convencional gravítico (b) e sistema a ar comprimido (c) ................................................78 Fig. 4.20 - Representação esquemática do funcionamento da câmara de interface de um sistema a

ar comprimido ...................................................................................................................79

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VIII

Fig. 4.21 - Representação fotográfica esquemática do traçado do sistema em Wiesmath, Austria .............................................................................................................79

Fig. 5.1 -Curvas de intensidade-duração frequência aplicáveis a Portugal Continental (adaptada de Matos e Silva 1986) .....................................................................................94

Fig. 5.2 - Curva de variação do tempo de entrada (te) com a percentagem de áreas impermeáveis ...........................................................................................................95

Fig. 5.3 - Cálculo expedito do coeficiente de redução global do método racional generalizado.......................................................................................................................97

Fig. 5.4 -Representação esquemática do escoamento em valeta. .................................................100 Fig. 5.5 - Representação esquemática de uma sarjeta de passeio sem depressão (adaptada de

Sousa e Matos 1990 a)). ..................................................................................................102 Fig. 5.6 -Representação esquemática de uma sarjeta de passeio com depressão (adaptada

de Sousa e Matos 1990 a)). .............................................................................................103 Fig. 5.7 - Representação esquemática de um sumidouro sem depressão (adaptada de

Sousa e Matos 1990 a)). ..................................................................................................105 Fig. 5.8 - Representação esquemática de um sumidouro com valeta rebaixada...........................106 Fig. 5.9 - Planta e corte de uma sarjeta de passeio. ......................................................................112 Fig. 5.10 - Planta e corte de um sumidouro simples.....................................................................113 Fig. 5.11 - Planta e corte de um sumidouro duplo........................................................................114 Fig. 5.12 - Perfil transversal de uma bacia a seco ........................................................................121 Fig. 5.13 - Perfil transversal de uma bacia com nível de água permanente .................................121 Fig. 5.14 - Planta e perfis transversais de uma bacia de retenção localizada no Concelho de

Almada ............................................................................................................................124 Fig. 5.15 - Secção transversal de pavimento reservatório ............................................................128 Fig. 5.16 - Condições hidráulicas de entrada e saída em pavimento reservatório........................129 Fig. 5.17 - Comportamento de pavimento reservatório com camada de desgaste porosa e de

pavimento tradicional, Craponne, França........................................................................130 Fig. 5.18 - Parque de estacionamento construído com pavimento reservatório e camada de

desgaste porosa, Bordéus, França....................................................................................131 Fig. 5.19 - Utilização de pavimento reservatório em situação de inclinação longitudinal

exigindo seccionamento transversal ................................................................................132 Fig. 5.20 - - Poços absorventes: de infiltração e de injecção (Azzout et al. 1994).......................133 Fig. 5.21 - Tipos de alimentação de poços absorventes (Azzout et al. 1994) ..............................133 Fig. 5.22 - Poços absorventes com e sem material de enchimento (Azzout et al. 1994)..............134 Fig. 5.23 - Tipos de utilização de poços de infiltração em meio urbano (Chocat et al.1997) ......135 Fig. 5.24 - Exemplificação da associação de poço absorvente com outras técnicas

de controlo na origem (Azzout et al. 1994).....................................................................135 Fig. 5.25 - Tipos de alimentação de trincheira de infiltração (Azzout et al. 1994) ......................137 Fig. 5.26 - Exemplos de trincheiras de infiltração com e sem cobertura

(Azzout et al. 1994) .........................................................................................................137 Fig. 5.27- Exemplos de trincheira de infiltração e de trincheira de retenção

(Azzout et al. 1994) ........................................................................................................138 Fig. 5.28- Sistema de retenção/infiltração mulden-rigolen (Sieker 1998)....................................139 Fig. 5.29- Vala de infiltração e vala de retenção ..........................................................................141 Fig. 5.30- Vala relvada com seccionamento transversal em madeira (adaptado de

Thomachot 1981) ............................................................................................................141 Fig. 5.31- Vala relvada integrada em espaço verde......................................................................142 Fig. 6.1 -Representação esquemática de um sistema unitário típico. ...........................................151 Fig. 6.2 -Esquemas ilustrativos do funcionamento de um sistema unitário com reservatório

intercalado .......................................................................................................................154

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IX

Fig. 6.3 -Representação esquemática de formação de hidrograma, no tempo (adaptada de Rauch et al., 2002). .....................................................................................................158

Fig. 6.4 -Sistema integrado: principais componentes e fluxos (adaptada de Rauch et al., 2001)...........................................................................................................165

Fig. 6.5 Ábaco para a determinação do volume específico de armazenamento (adaptado de Ministère de L'Agriculture, 1988) ..............................................................................171

Fig. 6.6 - Valores do parâmetro at em função do tempo de concentração (adaptada de MINISTÈRE DE L'AGRICULTURE, 1988)..................................................................172

Fig. 6.7 - Ábacos para a determinação do parâmetro de arrastamento de depósitos (aa) (adaptados de ATV-A128, 1992). ...................................................................................180

Fig. 6.8 - Ábacos para a determinação do parâmetro de arrastamento de depósitos (aa) (adaptados de ATV-A128, 1992) ....................................................................................182

Fig. 7.1 - Planta e cortes do sifão invertido apresentado no exemplo de cálculo (retirada de Sousa e Matos, 1991)..................................................................................................199

Fig. 7.2 -Corte esquemático de um canal descarregador com anteparas laterais (retirado de Sousa e Matos, 1991)..................................................................................................202

Fig. 7.3 -Tipos de curvas de regolfo em descarregadores laterais, para H=Ho............................202 Fig. 7.4 -Regolfos em descarregadores laterais para H = Ho .......................................................203 Fig. 7.5 - Relação entre os parâmetros de cálculo m2, p/H1 e L/B, para descarregadores

laterais com perfil descendente (adaptada de Metcalf & Eddy 1972 e retirada de Sousa e Matos, 1991) ......................................................................................................206

Fig. 7.6 -Variação da função �(h/Ho) com os parâmetros p/Ho e h/Ho, para descarregadores laterais com perfil ascendente (adaptada de Metcalf & Eddy 1972 e retirada de Sousa e Matos 1991)...................................................................................207

Fig. 7.7 - Comportamento hidráulico de um descarregador de superfície lateral face a diversas condições de escoamento (adaptada de Matos e Sousa, 1987 ........................212

Fig.7.8 - Representação esquemática de regulador de caudal com câmara de armazenamento................................................................................................................213

Fig. 7.9 - Representação esquemática de uma câmara de desvio simples, em câmara seca (dispondo de uma válvula do tipo vórtice). .....................................................................214

Fig. 7.10 - Exemplo de curva característica de uma válvula de regulação de caudal do tipo vórtice..............................................................................................................................215

Fig. 7.11 - Exemplo da curva característica de uma válvula de regulação de caudal do tipo flutuador. .............................................................................................................216

Fig. 7.12 - Dimensões de uma estação elevatória com grupos submersíveis (retirada de Monteiro, 1987) ..........................................................................................................219

Fig. 7.13 -Representação esquemática, em corte, de uma câmara de aspiração...........................222 Fig. 7.14 - Tipo de programas de funcionamento de uma instalação elevatória (adaptada de

Carvalho, 1982) ...............................................................................................................222 Fig. 7.15 - Representação esquemática (em corte) de uma instalação elevatória com

parafusos de Arquimedes (adaptada de DGSB, 1978) ....................................................227 Fig. 7.16 - Instalação elevatória com grupo electrobomba de eixo vertical instalado em

câmara não inundável (retirada de Monteiro, 1987)........................................................228 Fig. 7.17 - Instalação elevatória com grupo electrobomba de eixo horizontal instalado em

câmara não inundável (retirada de Monteiro, 1987)........................................................228 Fig. 7.18 - Instalação elevatória com grupo electrobomba submersível (retirada de Monteiro,

1987)................................................................................................................................228 Fig. 7.19 - Instalação elevatória só com bomba submersível (retirada de Monteiro, 1987).........229 Fig. 7.20 - Representação esquemática (em planta) do circuito hidráulico da instalação

elevatória do Torrão (retirada de Matos, 1992)...............................................................229 Fig. 7.21- Planta e corte da instalação elevatória do Torrão (retirada de Matos, 1992)...............230

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X

Fig. 8.1 - Distribuição das concentrações de equilíbrio das espécies H2S, HS e S2-, em funçãodo pH da massa líquida, admitindo pk1 = 7 e pk2 = 14. ......................................236

Fig. 8.2 - Formação de sulfuretos em colectores de águas residuais - condições anaeróbias........................................................................................................................238

Fig. 8.3 - Representação esquemática da formação, libertação e oxidação do sulfureto de hidrogénio num colector de águas residuais....................................................................239

Fig. 8.4 -Variação do parâmetro Zp, em função da velocidade e do diâmetro do colector. .........244 Fig. 8.5 - Variação do parâmetro Zp, em função da tensão de arrastamentoe do

diâmetro do colector. .......................................................................................................244 Fig. 8.6 - Variação da concentração de equilíbrio do gás sulfídrico no ar, em função da

temperatura e da concentração em solução (adaptada de ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 1985). ...................................................................................247

Fig. 8.7 - Libertação do gás sulfídrico em águas residuais sépticas em função do declive do colector (h/D = 0,50; N = 0,013 m-1/3s; H2SL = 1 mg/l) (adaptada de Matos 1992)................................................................................................................248

Fig. 8.8 - Representação esquemática do encadeamento dos processos conducentes à redução do pH da superfície de betão..............................................................................250

Fig. 8.9 - Distribuição da corrosão num colector de águas residuais. ..........................................254 Fig. 8.10 - Efeito de uma operação de limpeza, num colector de água residual, na

concentração total de sulfuretos (adaptada de Thistlethayte 1972). ................................259 Fig. 9.1 - Abordagem integrada da reabilitação ...........................................................................273 Fig. 9.2 - Abordagem integrada da reabilitação – organigrama detalhado (MATOS, 1999) .......274

ÍNDICE DE QUADROS

QUADRO 2.1 - Níveis de atendimento em regiões de Portugal Continental, adaptado de MAOT (2000). ...............................................................................................................................14

QUADRO 3.1 -Consumos industriais e comerciais (adaptado de DGRN, 1991) ..........................26 QUADRO 3.2 -Consumo por animal (adaptado de DGRN, 1991) ................................................27 QUADRO 4.1 -Classificação de sistemas de águas residuais ........................................................32 QUADRO 4.2 -Principais vantagens e inconvenientes dos sistemas separativos

convencionais, não convencionais e unitários...................................................................33 QUADRO 4.3 -Principais componentes de sistemas de águas residuais e respectiva

finalidade...........................................................................................................................34 QUADRO 4.4 - Principais vantagens e inconvenientes de diversos tipos de tubagens

para águas residuais (adaptado de Gonçalves e Monteiro, 2002)........................................................37

QUADRO 4.5 -Principais vantagens e inconvenientes dos diversos tipos de sistemas não convencionais .............................................................................................................63

QUADRO 4.6 - Máximo número de habitações a servir (N), por colector....................................64 QUADRO 4.7 - Critérios usuais de dimensionamento dos SCGPD ..............................................69 QUADRO 4.8 - Critérios de traçado de colectores principais (adaptado de EPA, 1991) ..............75 QUADRO 4.9 - Número máximo de habitações servidas (adaptado de EPA, 1991).....................75 QUADRO 5.1 - Concentrações médias de poluentes em escorrências pluviais de vias

rodoviárias (adaptado de Shelley e Gaboury 1986, citado in Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991 ..................................................................................................................85

QUADRO 5.2 - Percentagem média das fracções dissolvida e particulada de metais em escorrências pluviais de vias rodoviárias (adaptado de Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991).................................................................................................................87

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XI

QUADRO 5.3 - Coeficiente “C” em função da tipologia de superfície (adaptado de Concrete Pipe Handbook 1958) ........................................................................................92

QUADRO 5.4 - Valores médios do coeficiente “C” para utilização na fórmula racional (Manual nº 37, ASCE........................................................................................................92

QUADRO 5.5 - Coeficiente “C” em função do período de retorno, para diversas tipologias de ocupação (adaptado de Drainage Criteria Manual 1977...............................................93

QUADRO 5.6 -Fórmulas para o cálculo do tempo de escoamento superficial, tc (min) (adaptado de Rafaela Matos 1987) ....................................................................................94

QUADRO 5.7 - Valores dos coeficientes de rugosidade das fórmulas de Izzard (K) e de Kerby (N)..................................................................................................................95

QUADRO 5.8 - Valores do tempo de entrada, em minutos, recomendados em Inglaterra e Canadá......................................................................................................96

QUADRO 5.9 - Eficiências hidráulicas de dispositivos interceptores de águas pluviais (tg θ = 48; N = 0,015 m1/3s; w = 0,40 m ........................................................................111

QUADRO 6.1 - Modelos utilizados por programas de simulação de drenagem urbana (adaptado de FERREIRA, 2006).....................................................................................162

QUADRO 6.2 - Valores do parâmetro at em função do tempo de concentração (adaptado de MINISTÈRE DE L' AGRICULTURE, 1988) ............................................................171

QUADRO 6.3 - Tempo mínimo de retenção hidráulica, em função da intensidade de precipitação crítica de projecto........................................................................................173

QUADRO 6.4 - Grupo de inclinação do terreno (adaptado de ATV-A128, 1992)......................181 QUADRO 7.1 - Repartição de caudal nos sifões invertidos ........................................................196 QUADRO 7.2 -Expressões de cálculo de descarregadores laterais com perfil de água

descendente .....................................................................................................................204 QUADRO 7.3 - Tipo de grupos elevatórios e suas principais características ..............................224 QUADRO 8.1 - Identificação de reacções em colectores de águas residuais (adaptado

de ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 1985)............................................240 QUADRO 8.2 - Impacte de odor associado ao gás sulfídrico......................................................251 QUADRO 8.3 - Espectro de toxicidade do gás sulfídrico............................................................252

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1. INTRODUÇÃO

Ao utilizar a água em actividades domésticas, nomeadamente para confecção de alimentos e higiene pessoal, o homem altera as respectivas características físicas, químicas e biológicas. As águas residuais domésticas provêem, em regra, de instalações sanitárias, cozinhas e zonas de lavagem. As águas residuais podem também ter origem industrial, designando-se então por águas residuais industriais, ou terem origem em precipitação, designando-se então por águas residuais pluviais ou, simplesmente, águas pluviais. A prática ou abordagem tradicional de promover a drenagem de águas residuais (domésticas, industriais e pluviais) em colectores enterrados perdura, na Europa, há mais de dois séculos.

O desenvolvimento de soluções lineares de construção de infra-estruturas enterradas progredindo sucessivamente para jusante, com capacidades de transporte crescentes e com descarga em meios receptores fora do meio urbano, com ou sem tratamento de fim de linha, constitui prática generalizada de sucesso inquestionável. Este sucesso pode avaliar-se pelo controlo dos efeitos na saúde pública de resíduos e efluentes poluídos que propiciavam, anteriormente, terríveis epidemias, como a peste, transmitida pelo rato e pela pulga, ou a cólera, veiculada por água contaminada.

O modelo de cidade europeia do último século, com vias pavimentadas, abastecimento de água domiciliário, infra-estruturas enterradas de drenagem de águas residuais e instalações de tratamento revela o padrão dominante de desenvolvimento da actual "bonita cidade moderna".

No entanto, particularmente nas últimas décadas, a intensa e contínua expansão urbana tem criado, nos aglomerados e na sua envolvente geográfica, problemas e dificuldades acrescidas ao desenvolvimento equilibrado e ao bem estar e qualidade de vida do habitat humano.

Entre os problemas criados incluem-se designadamente os seguintes:

a) Inundações de zonas urbanas densamente povoadas, com elevados prejuízos económicos e sociais, motivados pelo sub-dimensionamento de secções de vazão de cursos de água canalizados. Estas situações resultam, em grande parte, do agravamento de caudais de ponta de cheia, resultantes da crescente impermeabilização e ocupação não planeada do território.

b) Comportamento deficiente de sistemas de drenagem unitários, com frequente entrada em funcionamento dos descarregadores de tempestade. As águas residuais e pluviais em excesso são descarregadas directamente para o ambiente, sem ser sujeitas a qualquer tratamento prévio, deteriorando a qualidade da água e contribuindo para o agravamento das condições de poluição dos meios receptores e riscos de saúde pública.

c) Descarga de águas pluviais contaminadas para meios receptores especialmente sensíveis. Essas situações resultam do escoamento de superfície sobre zonas pavimentadas, assumindo, nesse contexto, e em termos de poluição, especial relevância os hidrocarbonetos e alguns metais como o chumbo e o zinco.

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d) Deterioração e colapso de infra-estruturas de drenagem, devido ao estabelecimento de condições de septicidade propicias à aceleração dos processos de corrosão microbiológica, criação de atmosferas tóxicas, por vezes letais, e libertação de odores desagradáveis.

e) Falta de sustentabilidade económica, social e ambiental dos sistemas de saneamento, com encargos em reagentes, energia e recursos humanos dificilmente justificados pelos benefícios trazidos.

Por isso, novos paradigmas, isto é, novos modelos ou formas de pensar, têm vindo a assumir relevância, com reflexos na concepção, construção, reabilitação e exploração dos sistemas de águas residuais.

De facto, a tomada de consciência dos riscos e problemas anteriormente referidos tem vindo a operar uma profunda alteração dos conceitos de análise e dimensionamento dos equipamentos urbanos de drenagem, exigindo os novos desafios respostas, em particular dos profissionais de engenharia, que nem sempre podem ser adequadamente satisfeitas com a aplicação dos conhecimentos e técnicas tradicionais. No contexto da drenagem urbana assumem importância crescente, nomeadamente as preocupações com a qualidade da água e a minimização das descargas poluentes para o ambiente, sendo uma tendência actual a criação de volumes adicionais de reserva (reservatórios de retenção ou armazenamento), a instalação de equipamentos a gestão dos sistemas em «tempo real», o recurso a soluções de separação de águas de lavagem e de “excreta” e a implementação de soluções de “controlo na origem”. Os pavimentos com estrutura reservatório, poços absorventes, trincheiras de infiltração e as valas revestidas com coberto vegetal são exemplos de órgãos de “controlo na origem”, cuja inserção nas antigas e modernas redes de drenagem pluvial interessa também frequentemente considerar, em termos de beneficiação do próprio comportamento global dos sistemas.

No domínio das infra-estruturas de drenagem de águas residuais, os efeitos do crescimento urbano tem vindo progressivamente a reflectir-se na concepção, dimensionamento e execução de sistemas cada vez mais extensos e complexos. Como exemplo de obras e órgãos especiais em sistemas de drenagem podem referir-se, designadamente, as instalações elevatórias, os sifões invertidos e os descarregadores. Como exemplo de impactes negativos frequentemente associados a longos sistemas com elevados tempos de retenção podem referir-se a corrosão, a toxicidade e o odor motivados pela ocorrência de septicidade da massa líquida. As transformações físicas, químicas e biológicas ocorridas no interior da massa líquida podem também conduzir a impactos negativos significativos no que respeita a operação e eficiência das instalações de tratamento.

A matéria tratada neste livro inclui os seguintes temas principais: perspectiva histórica da drenagem urbana e condição actual do saneamento de águas residuais em Portugal; dados base; sistemas separativos de águas residuais domésticas; sistemas separativos de águas pluviais; sistemas de drenagem unitários; órgãos especiais em sistemas de drenagem; septicidade em sistemas de drenagem de águas residuais e formação, libertação e controlo dos efeitos do ácido sulfídrico e estratégias de reabilitação de sistemas. A matéria encontra-se distribuída conforme se segue.

No Capítulo 2 apresenta-se uma perspectiva histórica resumida da drenagem urbana e condição actual do saneamento em Portugal. Este capítulo versa a evolução do

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saneamento fora do País, antes do século XVIII e depois do século XVIII, e a evolução, no País, designadamente em termos de níveis de serviço prestados em drenagem e tratamento de águas residuais.

O Capítulo 3 refere-se a dados base, nomeadamente horizonte de projecto, população de projecto e caudais de águas residuais. Neste capítulo tratam-se de aspectos como a origem e natureza das águas residuais e caudais de infiltração.

O Capítulo 4 refere-se a sistemas separativos de águas residuais domésticas incluindo a descrição dos principais componentes, aspectos de concepção, traçado em planta e perfil longitudinal, critérios de projecto de soluções convencionais e descrição e caracterização de soluções não convencionais de drenagem.

O Capítulo 5 diz respeito a sistemas separativos de águas pluviais. Neste capítulo, apresentam-se as principais componentes e os princípios gerais da concepção dos sistemas. São abordados aspectos da qualidade da água dos escoamentos pluviais e dos impactos decorrentes da descarga da massa líquida nos meios receptores. São divulgados e discutidos métodos simplificados de cálculo de caudais pluviais em meio urbano. São enumerados os critérios para o escoamento de superfície e divulgadas expressões de cálculo da capacidade hidráulica de dispositivos interceptores. São apresentados, no fim do capítulo, as designadas soluções de “controlo na origem”: bacias de retenção, pavimentos com estrutura reservatório, poços absorventes, trincheiras de infiltração e valas revestidas com coberto vegetal.

O Capítulo 6 diz respeito a sistemas de drenagem unitários e incide, fundamentalmente, na apresentação de modelos de simulação e na discussão e aplicação de metodologias para o dimensionamento de estruturas de armazenamento em sistemas de drenagem unitários, por forma a evitar ou reduzir a frequência e o volume de descarga de excedentes poluídos para o ambiente.

O Capítulo 7 diz respeito à concepção e dimensionamento de alguns órgãos especiais de sistemas de drenagem: os sifões invertidos, os descarregadores e as instalações elevatórias. Estes órgãos, embora mais utilizados, em geral, em sistemas de drenagem separativos domésticos, têm também aplicação em sistemas de drenagem separativos pluviais e unitários.

No Capítulo 8 é tratada a problemática referente à formação, libertação e oxidação do sulfureto de hidrogénio em sistemas de drenagem de águas residuais. São apresentadas expressões de cálculo e são divulgadas as principais regras e procedimentos de controlo dos efeitos indesejáveis desse composto nas infra-estruturas e respectiva envolvente.

Finalmente, no Capítulo 9, são tratadas matérias relacionadas com estratégias de reabilitação de sistemas de águas residuais: conceitos básicos associados a reabilitação, planeamento, diagnóstico, avaliação de desempenho, execução e monitorização e intervenções de operação e manutenção das infra-estruturas.

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2. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA DRENAGEM URBANA E CONDIÇÃO ACTUAL DO SANEAMENTO EM PORTUGAL

2.1. Evolução fora do País, no período anterior ao século XVIII

Ao longo dos tempos, e até à Idade Moderna, as obras de drenagem não foram consideradas, em regra, como infra-estruturas necessárias e condicionantes ao desenvolvimento e ordenamento dos núcleos urbanos.

No entanto, existem registos de várias obras ou intervenções nesse domínio, levadas a cabo por antigas civilizações. Webster (1962) refere, por exemplo, o sistema de drenagem com colectores principais e drenos do aglomerado de Mohengo-Doro, desenvolvido pela civilização Hindu, e que actualmente faz parte do Paquistão Ocidental. As ruínas desse antigo sistema que se destinava sobretudo à drenagem de escorrências das vias, e que data de 3000 A.C., espanta pela atenção e o cuidado colocados, na altura, com a construção desse tipo de infra-estruturas. Os colectores dispunham mesmo de caleiras adaptadas ao escoamento dos caudais mais reduzidos.

Maner (1966) refere a actividade da Civilização Mesopotâmica nos anos 2500 A.C., que planearam e construíram, designadamente nas cidades de Ur e Babilónia, infra-estruturas de drenagem e saneamento, incluindo uma espécie de sarjetas e sumidouros para a recolha de águas de superfície e encaminhamento para os colectores. Os materiais de construção então utilizados foram, o tijolo e o asfalto. Em 800 A.C., o rei Senaquerib, que governava a Assíria, decidiu construir, em Nineveb, o chamado palácio “sem rival”. É conhecido o facto de, para isso, ter desviado o curso do rio Tebiltu e ter levado a cabo obras de abastecimento de água ao palácio.

Em Cnossos, urbe da ilha de Creta e centro da época egeia (3000 a 1000 A.C.), ainda actualmente se pode admirar, a sul da cidade de Iraklian, o famoso palácio, com seu majestoso terraço, seus pátios inferiores, sua decoração mural, seu gigantismo e seu sistema de drenagem. As ruínas existentes revelaram o recurso a desenvolvidos sistemas de drenagem construídos em pedra e terra-cota, com um colector ou emissário final das águas residuais (águas pluviais e de excreta) que descarregava o efluente a uma distância considerável da origem. As precipitações frequentes e intensas na região resultavam na ocorrência cíclica de condições de auto-limpeza. Hodge (1992) refere que foi construído um sistema separativo em Jerusalém, datado por volta de 1000 A.C., e que cobria uma pequena parte da cidade.

A civilização etrusca é a responsável pela construção de cidades bem organizadas e planeadas na Itália Central, por volta de 600 A.C. Marzobotto, uma dessas cidades, é conhecida, também, pelo engenhoso sistema de drenagem, bem adaptado às condições topográficas locais.

Ruínas de algumas grandes cidades da civilização Chinesa também revelam a existência de sistemas de evacuação de águas residuais, incluindo um importante sistema enterrado, executado por volta do ano 200 D.C. (Needham et al. 1971).

A Cloaca Máxima de Roma parece ter sido, no entanto, a primeira obra de dimensão relevante, construída por motivações de qualidade de vida urbana. Um sinal evidente do carácter de serviço público das cloacas de Roma é o facto de ter existido um imposto

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específico, destinado a assegurar a manutenção das mesmas, o cloacarium, e funcionários incumbidos da sua inspecção, os curatores cloacarum.

Cloaca é um termo latino que significa “condutor de drenagem urbana” e provém, segundo Plínio, do termo cluere que equivale a “purgar”. Paralelamente, o termo colector provém do latim co-lego, que significa juntar, reunir, e traduz o conceito da formação da rede de drenagem, construída por trechos interligados, os colectores, onde se reúnem e depois transportam as águas afluentes.

No Oriente, parecem ter assumido especial relevo os “canais de limpeza” de Angkor, a cidade dos cinco picos, construída pelo povo Khmer, possivelmente depois do século VI. Esta cidade, posteriormente esquecida e abandonada, veio a ser descoberta ocasionalmente, por cambojanos, e a sua fundação chegou a ser erroneamente atribuída, por missionários espanhóis, a “Romanos ou a Alexandre o Grande”.

Desde as épocas do Império Romano até ao Século XVII, as estratégias de drenagem e saneamento em meio urbano não sofreram na Europa praticamente nenhum avanço. Em termos sanitários, pode mesmo falar-se em “regressão” ao longo de pelo menos uma parte da Idade Média – a higiene e limpeza eram completamente ignoradas pela maior parte dos cidadãos. Em regra, os primeiros trabalhos relevantes de drenagem e de evacuação de “águas pestilentas” ocorre nas principais cidades Europeias, entre os Séculos XIV e XVIII.

Em Paris, a primeira vala coberta (colector enterrado) data de 1370 – essa obra, a fossa de St. Opportune – conhecida como o colector de cintura (em terminologia anglo-saxónica the “beltway sewer”) descarregava directamente no rio Sena e operava como um interceptor de uma das margens do rio. No entanto, o conceito de “colector enterrado” só foi vulgarizado vários séculos mais tarde. Por exemplo, na cidade de Londres, foi apenas planeado o primeiro colector enterrado no início do Século XVII, enquanto a drenagem de extensas áreas da cidade de Paris se mantiveram, até ao século XVIII, com “valas abertas de esgoto” (em terminologia anglo-saxónica “open sewers”).

No Século XVII admitia-se, em regra, que os parasitas abundavam no corpo humano fruto de “transpirações mal dominadas” e podia-se ler, num tratado de higiene da época, que “os corpos cacoquímicos com abundância de humores ácidos possuem geralmente muitos desses animais”.

Compreende-se que, nos finais do século, houvesse quem admitisse que as casas de banho eram supérfluas e defendesse “podemos, se quisermos, construir grandes casas de banho, mas a limpeza da nossa roupa e a sua abundância vale mais do que todos os banhos do Mundo”.

Estar “limpo” passa a ser uma referência estimável a partir sobretudo do Século XVIII. Criticados e mal vistos os que descuidavam a aparência, Saint-Simon exalta a “limpeza requintada da senhora de Conti” e menciona o “porte nobre e limpo” da senhora de Maintenon. O “limpo” hierarquiza-se; confere distinção. Mas já no século anterior, ainda que longe de um pressuposto de higiene, se tinha estabelecido uma nova relação com a água, pelo menos entre os privilegiados. Inclusive, iniciou-se a aceitação do banho de imersão, até então raríssimo. No Palácio de Versalhes, constroem-se compartimentos reservados aos banhos – Luís XV prefere a água tirada do Sena à conduzida pelos canos. No Século XVIII, a percentagem de casas com casa de banho

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era ainda muito reduzida, mesmo nas grandes capitais europeias, talvez inferior a 10%. É no entanto nessa altura que se inicia o estabelecimento das sentinas públicas e retretes com água corrente, e a medicina evolui de “magia e alquimia” para “ciência”. Em 1724, um médico inglês, enquanto fazia a apologia dos “banhos frios”, lastima-se que “especialmente entre cristãos” tivesse sido descurada ou abandonada a prática do banho. Referia então “sou da opinião que todos os que possam tomar regularmente um banho frio em suas casas, como se lavam as mãos numa bacia, o devem fazer duas ou três vezes por semana no Verão …”. E, para que não houvesse subterfúgios para escapar ao banho, o clínico dava alternativas à falta de banheira: “Todos os que não dispuserem de tal comodidade que se metam no rio ou num tanque o mais frequentemente que puderem a fim de lavarem o corpo”. Blondel, arquitecto de Luís XV, explica no livro Maisons de Plaisance, publicado em 1730, que a maioria das casas de banho da época dispunham de “duas banheiras: uma para lavar e outra para se passar o corpo por água limpa”.

2.2- Evolução fora do país, no período posterior ao século XVIII

O início do século XIX foi marcado por uma significativa evolução no sector, uma verdadeira revolução tecnológica, com a introdução dos sistemas de abastecimento e de distribuição de água domiciliária, construídos com tubagens de ferro fundido funcionando sob pressão. Anteriormente, já os romanos se serviam de balneários colectivos, mas não individuais. Nesses casos, o consumo não se processava ao nível de cada fogo, de cada edifício. Começa também, nessa altura, e paralelamente, a ser gradualmente generalizada a prática da instalação de ramais domiciliários e colectores prediais construídos, aliás, com materiais de utilização milenar, como o barro e o grés.

No final do século XIX, o uso do betão em colectores de secção circular, com auto-limpeza e sem juntas transversais, constitui também marco relevante. Anteriormente, era tradicional a construção de grandes estruturas em pedra ou tijolo. Mas em meados do século XIX, os engenheiros já tinham consciência da importância da auto-limpeza e do declive, para assegurar menores encargos e problemas com manutenção das redes públicas. É nesse século que também se desenvolvem, em Paris, diversos equipamentos de limpeza (as famosas “esferas metálicas”) e dispositivos de descarga automática ou que produzem efeitos tampão ou de “barragem”, a fim de criar condições cíclicas de arrastamento nos colectores.

O critério de velocidade mínima de 0,6 a 0,9 m/s (2 a 3 ft/s) é estabelecido em Londres na década de 1840 (Metcalf & Eddy, 1928). A velocidade mínima foi estabelecida com base em ensaios de sedimentação de areia e outros materiais, em água corrente. Os ensaios permitiram inferir que a velocidade de 0,6 m/s evita a deposição das partículas, e que a velocidade de 0,9 m/s é suficiente para garantir a ressuspensão e arrastamento para jusante de material, como areia e gravilha, previamente depositado.

Em Paris, ao longo dos séculos XVIII e XIX, são desenvolvidas obras de dimensão significativa respeitantes a drenagem das águas residuais – mas só em 1880 Belgrand leva a cabo um plano geral de drenagem e projecta e leva a construir grandes colectores enterrados. Nos textos da especialidade refere-se que Hamburgo, na Alemanha, foi a primeira cidade a ser dotada de um plano nacional de drenagem de águas residuais (um sistema do tipo unitário). Em 1842, parte de Hamburgo encontrava-se destruída e William Lindley, um inglês residente na cidade, foi encarregue de planear e projectar o sistema. Além de novos colectores, também foram projectadas vias e parques e foi, em

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parte, “redesenhada” a cidade. William Lindley colaborou também, mais tarde, no projecto de drenagem de águas residuais da cidade de Sidney, na Austrália.

No Reino Unido, Joseph Bazalgette foi encarregue, em 1852, de planear e projectar o sistema de drenagem da cidade de Londres – o que decorreu entre 1859 e 1865. No âmbito do trabalho foram executados estudos experimentais e estudados o regime de precipitação local.

Nos Estados Unidos da América, Sylverter Chesbough planeou e projectou, de forma integrada, o primeiro sistema de drenagem para Chicago, em 1858. Mais ou menos nessa altura, em 1870, Julius Adams projecta o sistema de Brooklyn, em Nova York. Os principais critérios de dimensionamento então seguidos, nessas e posteriormente noutras cidades americanas, tiveram origem, fundamentalmente, na experiência e prática europeias.

Entre 1870 e 1880, Waning projecta, nos Estados Unidos da América, os primeiros sistemas separativos – em Lenox, em Massachustets e Memphis, no Tenesse. Neste último caso, o sucesso da intervenção foi devido à coincidência de, ao mesmo tempo, se terem reduzido os efeitos de um surto de febre amarela na região.

É sobretudo na segunda metade do Século XIX que se inicia a discussão, entre técnicos e cientistas, das vantagens e inconvenientes de se recorrer ao sistema separativo, em vez de se recorrer ao sistema unitário.

Edwin Chadwick e John Philips, ambos do Reino Unido, foram percursores do princípio do sistema separativo – Philips propôs o sistema separativo para o saneamento de Londres em 1849, mas alguns anos depois, foi o sistema unitário de Balzagette que começou a ser implementado. De facto, na Europa, é fundamentalmente o sistema unitário que prevalece nas grandes cidades, pelas seguintes razões principais: a) não havia experiência suficiente sobre o comportamento dos sistemas separativos; b) prevalecia a opinião que os sistemas unitários eram mais económicos e c) a comunidade técnico-científica não estava suficientemente convencida que águas residuais domésticas pudessem, sem diluição, ser usadas na agricultura.

Rudolph Hering, um engenheiro americano, visitou a Europa em 1880 em nome da Comissão Nacional da Saúde (a “U.S. National Board of Health”) para estudar a prática de saneamento na Europa. No relatório então elaborado, Hering propõe um modelo para critério de escolha do tipo de sistema de drenagem – sistema unitário em grandes cidades muito urbanizadas ou em crescimento; sistema separativo para aglomerados de menores dimensões com menores percentagens de áreas impermeáveis, em que as águas pluviais não necessitassem de ser canalizadas. Nesse relatório, Hering refere que nenhum tipo de sistema pode ser considerado, em termos sanitários, melhor que o outro, e que a decisão ou escolha final deve depender de condições locais e de factores económicos.

As ideias consagradas no relatório Hering fizeram escola e a construção de novos sistemas unitários prevaleceu nas grandes cidades, pelo menos até 1930-1940, altura em que, devido, sobretudo, aos encargos com a construção e operação de sistemas de tratamento, começou a prevalecer, para os novos sistemas, o princípio da rede separativa .

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No início do século XX, era comum um sistema ser dimensionado por forma a rejeitar o efluente bruto em locais ou meios receptores com um caudal que garantisse condições apropriadas de diluição e de auto-depuração (em terminologia anglo-saxónica “self-purification”).

Fair e Geyer (1954) reportam o critério de caudal mínimo no meio receptor de 170 l/s, por cada 1000 habitantes equivalentes descarregados. Em finais do século XIX início do século XX, eram comuns os seguintes tipos de tratamento de águas residuais: aplicação no solo e irrigação agrícola (em terminologia anglo-saxónica “wastewater farming”), filtração e precipitação química. Em 1892, nos Estados Unidos da América, 27 cidades dispunham de instalações de tratamento, 21 da quais contemplando aplicação no solo e 6 precipitação química.

Em Paris, desde o século XIX que o efluente é conduzido para os campos de irrigação de Achères e sujeito a tratamento no solo (na terminologia francesa “champs d’épandage”). As instalações de Achères foram sendo progressivamente ampliadas e melhoradas, até a situação actual. Actualmente, esta ETAR de Paris inclui um sistema de tratamento por lamas activadas (Achères 4), para 12 m3/s, e um sistema de tratamento físico-químico avançado (em terminologia anglo-saxónica “advanced physico-chemical treatment”) com capacidade para um caudal excedente de 45 m3/s (Achères 5), e que apenas entrou em operação no ano 2000.

Actualmente, na Europa, cerca de 70% da população é servida por sistemas de drenagem unitários, ocorrendo os valores superiores na Holanda (85%) e no sul da Alemanha. Nos Estados Unidos da América, a percentagem de redes unitárias é muito inferior, talvez da ordem de 15%.

2.3- Evolução em Portugal

Em Portugal, os primeiros elementos históricos que existem sobre o tema remontam ao século XV e revelam que o rei D. João II, em consequência da peste, mandou proceder activamente a operações de limpeza "nos canos". Em tais "canos", destinados inicialmente a drenagem das águas da chuva, se juntavam todo o tipo de estercos e imundícies, provocadas por uma população aglomerada "de modo espasmoso" na nova cidade de Lisboa, tornando-a menos elegante e mais insalubre.

No decorrer dos séculos XVI, XVII e XVIII, até ao terramoto de 1755, o crescimento populacional notável da capital avoluma os problemas relacionados com a ocorrência de "medonhas inundações" e com a higiene e limpeza da cidade. Estão particularmente bem documentados em obras históricas, os problemas de inundações na zona que hoje constitui a Praça da Figueira e o Rossio, em Lisboa.

A época que se seguiu ao terramoto de 1755 constituiu uma era de progresso na capital, marcada pela reedificação da cidade e pelo estabelecimento do princípio da "canalização metódica", cujos efeitos ainda actualmente se fazem sentir nas zonas mais antigas da cidade, em que perduram colectores unitários dispostos em malha, com ligação ao estuário do Tejo.

O desenvolvimento industrial, com a consequente concentração populacional nas grandes cidades, levou a que só no século XIX tivesse sido autorizada a ligação das águas residuais doméstica às redes de drenagem pluvial existentes, o que agravou

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enormemente os riscos de transmissão de doenças de origem hídrica, devido às condições precárias daquelas redes. Foi o caso das cidades de Boston, em 1883, Londres, em 1847, Nova York, em 1854, e Paris em 1880.

Na segunda metade do século XIX, Ressano Garcia em Lisboa em 1984, tal como Belgrand, em Paris, e Garcia Faria, em Barcelona, são artífices de planos de saneamento inspirados nos princípios da corrente higienista de Edwin Chadwick, grande responsável pela chamada de atenção para a necessidade de planeamento e construção de infra-estruturas de drenagem urbana.

Na sequência da epidemia de cólera ocorrida em Lisboa, em 1856, e posteriormente alastrada, Bernardino Gomes elabora, por ordem da Academia Real das Ciências, e com a consciência e o tacto que distinguem a sua personalidade, um relato da situação na capital portuguesa, advogando a instalação de sistemas de drenagem, à semelhança dos existentes em outras cidades europeias, como Paris, Londres a Bruxelas, cuja descrição apresenta (Matos, 2000).

Nos séculos anteriores, os resíduos sólidos e líquidos decorrentes da actividade urbana ficavam no interior da urbe, e propiciavam tremendas epidemias, como a peste, transmitida pelo rato e pela pulga, ou a cólera, veiculada por água contaminada.

Em Lisboa, por exemplo, quando no século passado se iniciou o abastecimento de água domiciliário, já existiam, sob os arruamentos da cidade, estruturas para a drenagem das águas pluviais urbanas. Tinham geralmente a soleira plana e eram construídos em cantaria, como os famosos colectores pombalinos da baixa Lisboeta, ou em cascões de pedra rectangulares. Mais tarde, essas estruturas de drenagem passaram a drenar, também, águas residuais domésticas, funcionando como colectores, unitários.

Na figura 2.1 apresenta-se a secção tipo de colectores, em Lisboa, apresentados como “canos actuais” no projecto de Ressano Garcia de 1884.

“canos actuais”

Segundo o projecto Ressano Garcia (1884) Construção em cantaria (a maior parte) ou alvenaria de tijolo

Figura 2.1 – Secção-tipo de colectores implantados em Lisboa em 1884. A solução dos canecos à porta das casas, que consistia na recolha, por viaturas municipais, dos dejectos líquidos e sólidos domiciliários, previamente depositados em

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recipientes de barro, e colocados, de madrugada, do lado de fora das habitações, resultava, na grande maioria dos casos, de proibições de descarga dos resíduos nos colectores pluviais disponíveis, frequentemente do tipo "cascão", também designados por "rateiros", por propiciarem o acesso e proliferação desses indesejáveis roedores. Esses colectores não garantiam minimamente condições de estanquicidade e de verificação de auto-limpeza (Costa, 1990). Só praticamente no início século XX surgiu e se divulgou a instalação de colectores de betão, pré-fabricados ou betonados in situ, com juntas fechadas de argamassa de cimento, oferecendo garantias de verificação de condições de auto-limpeza e de estanquicidade.

Grande parte da rede de drenagem de Lisboa construída a partir dos fins do século XIX, nomeadamente nas chamadas "Avenidas Novas" e em bairros como o de Campo de Ourique, é executada com colectores de alvenaria de pedra ovóide, assentes em vala.

A evolução da passagem da drenagem puramente pluvial para a drenagem conjunta de águas residuais domésticas e pluviais deu-se, sensivelmente da mesma forma, por quase toda a Europa e América do Norte.

O princípio da rede separativa, inicialmente apenas divulgado no Reino Unido, tornou-se, em meados do século XX, praticamente universal, no que respeita ao estabelecimento da drenagem de novas urbanizações e núcleos urbanos. Existem, no entanto, países desenvolvidos, como a Alemanha, em que actualmente se concebem e constroem, por vezes, sistemas totalmente unitários, com os seus descarregadores de tempestade, seus reservatórios e bacias de regularização e seus equipamentos de controlo automático de descarga. É que, entretanto, mais uma vez a realidade evoluiu, e mais uma vez a escolha das soluções mais adequadas se complicou. Por um lado, constata-se que grande parte dos sistemas construídos com o intuito de apenas transportar águas residuais domésticas, também transportam, na verdade, águas pluviais resultantes de infiltrações e de ligações domiciliárias trocadas. Dada a magnitude dos caudais pluviais originados, mesmo em pequenas bacias de drenagem, basta uma pequena proporção de ramais trocados, para o problema da contribuição pluvial se tomar pertinente. Por outro lado, é actualmente tratada com preocupação crescente, a poluição veiculada por águas pluviais urbanas. As águas pluviais urbanas podem transportar, entre outros poluentes, quantidades significativas de sólidos em suspensão, metais pesados, nomeadamente chumbo e zinco, e hidrocarbonetos.

O primeiro sistema separativo doméstico construído no País terá sido o da cidade do Porto. Com projecto da autoria de ingleses, foram precisos mais de trinta anos para se realizarem as difíceis instalações e ligações domiciliárias, que nos anos "30" puseram a cidade em "polvorosa" (Costa, 1990).

Reportando a meados do século (até 1940-1950), grande parte dos maiores aglomerados urbanos do País dispunham já de colectores pluviais e unitários, parte deles executados no período da grande explosão construtiva que caracterizou o chamado "fontismo", e que a política, simbolizada por Fontes Pereira de Melo, tão claramente fomentou. Nessa altura, e com excepção da cidade do Porto e dos núcleos urbanos vizinhos, e de uma faixa litoral restrita, que compreendia Estoril e Cascais, as redes de drenagem separativas não se tinham ainda implantado em Portugal.

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A primeira rede separativa doméstica concebida e construída em núcleo urbano importante, no sul do País, foi instalada numa parte da então vila do Barreiro, em meados da década de quarenta.

Entre a década de cinquenta e a década de setenta, foram remodelados e complementados, com base em planos gerais de saneamento, grande número dos sistemas de drenagem unitários existentes, e foram instaladas novas redes de drenagem separativas. Casos houve, como o Barreiro (na década de quarenta), Beja (na década de cinquenta), Viseu e Tomar (na década de sessenta), e Lisboa e Elvas (nas décadas de sessenta e setenta), em que se mantiveram, nos núcleos urbanos mais antigos e mais densamente povoados, os antigos colectores unitários, complementando-os com descarregadores de tempestade e obras de desvio, promovendo a ligação às condutas e emissários dos sistemas separativos adjacentes, construídos nas áreas recentemente edificadas. Noutros casos, como em Almada, Cova da Piedade, Costa da Caparica, Setúbal e Espinho, foram projectados e construídos sistemas inteiramente separativos, que directamente substituíram os anti-higiénicos e obsoletos procedimentos de recolha de dejectos domésticos por viatura municipal. Nas povoações alentejanas de Beja, Évora e Elvas, foram projectados e construídos longos emissários domésticos "de cintura", que ainda actualmente colectam os caudais desviados das zonas urbanas centrais, mais antigas, e transportam as águas das redes separativas, instaladas nas zonas de expansão urbana, para os locais de tratamento. As cidades de Viseu e Tomar têm a particularidade de serem subdivididas por linhas de água importantes, cuja consideração obrigou, no primeiro caso, à instalação de dois emissários marginais. A Ressano Garcia, Arantes e Oliveira e Celestino da Costa cabe o mérito de terem contribuído para a concepção e o dimensionamento da rede principal de infra-estruturas de drenagem da cidade de Lisboa. Neste caso foi mantido o sistema unitário na malha densa e antiga da cidade (de Campolide à Baixa Pombalina e da Ajuda a Santa Apolónia), tendo sido executados colectores de drenagem separativos nas zonas baixas (frente de Algés a Belém) e nas então novas urbanizações de que são exemplos Olivais e Benfica

Nas últimas duas décadas do século passado, o investimento em saneamento cresceu de forma significativa, sobretudo vocacionado para os grandes núcleos urbanos, e essa tendência manter-se-á, possivelmente, até á 2ª década deste século. Nos últimos 25 anos em particular, foram realizados no País empreendimentos de dimensão significativa incluindo, entre outros, o saneamento do Vale do Ave (designadamente os interceptores e ETAR de Gondar, Rabada e Agra), de Coimbra (ETAR de leitos percoladores de alta carga, para mais de 200.000 habitantes equivalentes), de saneamento da Costa do Estoril (incluindo um interceptor geral de mais de 20 km, vários emissários principais, várias instalações elevatórias das zonas baixas, uma ETAR e um emissário submarino com dois ramos), do Porto (ETAR do Freixo e da Sobreda), de Loures e Concelhos vizinhos (ETAR de Frielas e de S. João da Talha), de Lisboa (ETAR de Alcântara, ETAR de Chelas e beneficiação de ETAR de Beirolas), de Setúbal (sistema interceptor e ETAR da Cachaforra), do Concelho de Almada (ETAR de Quinta da Bomba, da Mutela e do Portinho da Costa) e da SIMRIA - Sistema Integrado de Águas Residuais dos Municípios da Ria de Aveiro (nomeadamente os interceptores Norte, Sul e Vouga, a ETAR Norte e a ETAR Sul).

2.4- Condição actual do saneamento em Portugal

O saneamento básico em Portugal constitui um sector alvo de particular atenção, no quadro da designada Indústria da Água e do desenvolvimento do País.

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Em 1990, ao nível do atendimento de saneamento básico, apenas 55% da população portuguesa era servida por sistemas de drenagem e 21% por sistemas de tratamento de águas residuais, percentagens significativamente afastadas da média europeia que se situava, respectivamente, em 83% e 69%.

Em 1997, a média nacional cifrava-se em 68% no que respeita à drenagem e em 40% relativamente ao tratamento de águas residuais, enquanto que em 1999 os valores aumentaram para, respectivamente, 75% e 55%.

Apresentam-se, na Figura 2.2, os níveis de atendimento em saneamento de águas residuais, por concelho, referidos a 1999. A Figura foi desenvolvida tendo em conta a informação apresentada em MAOT (2000).

Em relação à distribuição geográfica dos níveis de cobertura, constatava-se, aquela data, a existência de assinaláveis disparidades regionais, sendo as regiões menos apetrechadas ao nível das infra-estruturas de saneamento e tratamento, o Norte e Centro, quer litoral quer interior, conforme ilustrado na Figura 2.2.

Figura 2.2 - Níveis de serviço em drenagem de águas residuais, em Portugal

Continental, por concelho (ano de 1999)

Embora nos últimos anos se tenha observado uma progressão assinalável no sector, Portugal ainda não atingiu os objectivos consignados no Plano de Desenvolvimento Regional 2000-2006, de satisfação de 90% de serviço em drenagem e tratamento de águas residuais.

Na vertente em “alta”, os níveis de cobertura potencialmente proporcionados pelos sistemas plurimunicipais após a conclusão das infra-estruturas em curso, que se espera estejam concretizadas, na sua grande maioria, em 2008, deverá atingir 93% em abastecimento de água e 89% em saneamento de águas residuais, sendo estes níveis completados pelos resultantes das soluções municipais locais, de pequena dimensão, em zonas ou localidades onde, pela escassez de habitantes, a extensão de intervenção daqueles sistemas se mostra técnica e economicamente inapropriada.

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Relativamente à vertente em “baixa”, e segundo informação do PEAASAR 2007-2013, as projecções apontam para níveis de atendimento às populações que se situam na ordem dos 93% em abastecimento de água e de 80% em tratamento de águas residuais.

Uma das principais razões para a dificuldade em se atingirem os níveis de atendimento pretendidos reside no facto da implementação de soluções convencionais de drenagem de águas residuais nos aglomerados rurais, e nos aglomerados urbanos de baixa densidade populacional, poder ser bastante onerosa.

As soluções convencionais implicam, para redes de pequeno diâmetro, como previsto no Regulamento geral dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais-Decreto Regulamentar nº 23/95 de 25 de Agosto, um escoamento com superfície livre a menos de meia secção, um diâmetro mínimo de 200 mm e uma inclinação mínima de 0,3% (continuamente descendente, mesmo quando o perfil do terreno é ascendente), os quais correspondem a dimensionar o sistema de colectores para uma população servida limite superior a 2000 habitantes. Ou seja, na concepção de um sistema de drenagem para servir uma população rural, por exemplo, inferior a 500 habitantes, que constitui uma situação frequente no interior de território nacional, o custo da implementação do sistema convencional referido torna-se, em regra, muito elevado, do ponto de vista do custo unitário por habitante servido.

São precisamente estas populações rurais, sobretudo em concelhos do interior do país, as que apresentam maiores carências de índole económica e que têm menores taxas de cobertura em termos de sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais. No entanto, o esforço de criação de novas infra-estruturas de drenagem e tratamento de águas residuais em território nacional é actualmente muito elevado, mesmo nas zonas e regiões anteriormente mais desfavorecidas, em termos de investimentos nesse sector.

No Quadro 2.1 ilustra-se o esforço de infra-estruturação realizado no âmbito dos sistemas plurimunicipais, grande parte dos quais criados já neste século. Esta informação refere-se à configuração final dos sistemas, após a conclusão das respectivas obras (até finais de 2008).

Quadro 2.1 – Execução de infra-estruturas no âmbito dos sistemas plurimunicipais

Tipo de Sistema ETAR (no)

Estações Elevatórias(no)

Interceptores (km)

Multimunicipais 858 992 3842 Municipais integrados 177 135 225

TOTAL 1035 1127 4067

O Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais 2007-2013 (PEAASAR 2007-2013), cujo despacho de aprovação data de Dezembro de 2006, desempenhará, naturalmente, um papel essencial na estruturação de todo o sector, como documento orientador de objectivos e políticas, na busca de soluções social, ambiental e economicamente sustentáveis.

A estratégia consagrada no PEAASAR 2007-2013 define objectivos e propõe medidas de optimização de gestão nas vertentes em “alta” e em “baixa” e de optimização do desempenho ambiental do sector, e classifica o papel da iniciativa privada.

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Como objectivos operacionais do PEAASAR 2007-2013 são definidos, nomeadamente, os seguintes: a) servir cerca de 95% da população total do País com sistemas públicos de abastecimento de água, b) servir cerca de 90% da população total do país com sistemas públicos de saneamento de águas residuais urbanas, sendo em que cada sistema integrado o nível de atendimento desejável deve ser de pelo menos 70% da população abrangida, c) garantir a recuperação integral dos custos incorridos dos serviços, d) contribuir para a dinamização do tecido empresarial privado nacional e local e e) cumprir os objectivos decorrentes do normativo nacional e comunitário de protecção do ambiente e saúde pública.

Crê-se que pelo menos até 2013 o investimento no sector do Saneamento será ainda muito relevante e significativo. Acredita-se, também, que no futuro se vão colocar problemas acrescidos em termos de garantir uma gestão integrada dos sistemas de saneamento e um nível de serviço, que permita que se obtenham melhores eficiências e resultados, com menores custos económicos, sociais e ambientais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO 2

Costa, P.C. – Alguns Aspectos Menos Conhecidos de Problemas de Drenagem e Poluição. Texto de Palestra Comemorativa do centenário da Câmara Municipal do Barreiro, Lisboa, 1990.

Fair, G. and Geyer, J.C. – Water supply and waste-water disposal. Wiley, New York, 1954.

Hodge, A.T. – Roman aqueducts & water supply. Gerald Duck-worth & Co. Ltd., London, 1992.

Maner, A.W. – Public works in ancient Mesopotamia. Civ. Engrg., 36(7), 50-51, 1966.

Matos, R.M. – Gestão Integrada de Águas Pluviais em Meio Urbano – Visão Estratégica e Soluções para o Futuro. Teses e Projectos de Investigação. LNEC, 2000.

Metclaf and Eddy – American Sewerage Practice. I: Design of Sewers. McGraw-Hill, New York, 1928.

Needham, J.; Ling, W. and Gwei-Djen, L. – Science and Civilization in China – Vol. 4: Physics and physical technology. III: Civil engineering and nautics. Cambridge University Press, New York, 1971.

Webster, C. – The sewers of Mohenjo-Daro. J. Water Pollution Control Fed., 34(2), 116-123, 1962.

Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território (MAOT) – PEAASAR - Plano Estratégico de Abastecimento de Águas Residuais. Lisboa, 2000.

Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional – PEAASARII - Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais 2007-2013. Lisboa, 2006.

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3. DADOS BASE

3.1. Considerações introdutórias

Este capítulo diz respeito a dados base, fundamentalmente horizonte de projecto, população de projecto e caudais de projecto de sistemas de drenagem de águas residuais domésticas. Apresenta-se, também, alguma informação referente a caudais industriais. No âmbito do capítulo 5 deste documento apresentam-se elementos para a determinação de caudais de sistemas pluviais ou com contribuição significativa de águas pluviais (sistemas unitários).

A fiabilidade dos dados de base constitui um aspecto essencial na concepção e dimensionamento de sistemas de águas residuais. As principais dificuldades e limitações associadas aos dados de base prendem-se, em regra, com lacunas de informação decorrentes do facto das redes ainda não estarem construídas ou da informação disponível não estar tratada ou, ainda, daquela informação não se apresentar suficientemente credível ou fiável.

Este texto foi adaptado, em grande parte, de Matos et al (2002).

3.2. Origem e natureza das águas residuais

Ao utilizar a água nas suas actividade domésticas, o homem altera as suas características físicas, químicas e biológicas, dando origem às chamadas “águas de sabão”. As águas residuais domésticas incluem não só as “águas de sabão” mas também os “excreta”, resultantes da acção dos processos digestivos.

Estas águas devem ser drenadas por sistemas de drenagem onde, por vezes, também podem afluir águas resultantes da actividade industrial e de estabelecimentos comerciais. Ao conjunto destas águas dá-se o nome de águas residuais ou, ainda, águas residuais comunitárias.

De acordo com os artigos 119º e 120º do Decreto-Regulamentar nº 23/95, de 23 de Agosto, na concepção de novos sistemas deve optar-se, em regra, o sistema separativo, devendo ser considerada a transição para o sistema separativo no caso da remodelação de sistemas unitários existentes. Considera-se de manter os sistemas unitários apenas se, devido a condicionalismos locais, for praticamente inviável a transição para o sistema separativo, nomeadamente pela dificuldade do estabelecimento de ramais de ligação.

Segundo ASCE e WPCF 1982, deve privilegiar-se, em regra, a construção de sistemas de drenagem separativos, ao contrário de sistemas unitários. Esta situação tem em vista reduzir os investimentos e encargos de exploração nas instalações de tratamento que se desenvolvem a jusante e proteger contra a poluição, mais eficazmente, os cursos de água para onde são conduzidos os caudais excepcionais de tempestade.

Este capítulo refere-se, fundamentalmente, a sistemas separativos de águas residuais domésticas e industriais, isto é, a sistemas que são concebidos para transportar exclusivamente águas residuais com aquelas origens e não águas pluviais.

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3.3. Horizonte de projecto

Define-se como horizonte de projecto o número de anos durante os quais o sistema ou as estruturas e equipamentos que o constituem devem operar em boas condições. O horizonte de projecto de uma obra deve ser determinado tendo em atenção factores técnicos, económicos, financeiros e sociais tais como os seguintes:

a) os períodos de vida útil das obras de construção civil e equipamentos;

b) a facilidade ou dificuldade de ampliação das infra-estruturas;

c) a previsão da evolução da população;

d) o funcionamento da instalação nos primeiros anos de exploração;

e) a previsão do aumento da taxa de juro durante o período de amortização do investimento ou a capacidade financeira da entidade adjudicante, designadamente em termos de financiamento e das condições do empréstimo.

Segundo ASCE e WPCF (1982), no caso do dimensionamento de emissários e interceptores de relativa importância (diâmetro superior a 500 mm), o horizonte de projecto deve ser de cinquenta anos, podendo ser ainda superior no caso de túneis, por exemplo. Em redes de drenagem de águas residuais em Portugal é corrente considerarem-se horizontes de projecto inferiores, entre trinta e quarenta anos (Matos, 1988).

Regra geral, deve adoptar-se para as obras de construção civil como colectores, emissários, interceptores ou obras de instalações de bombagem ou de estações de tratamento de águas residuais, um horizonte de projecto entre trinta e quarenta anos. Para os equipamentos electromecânicos é comum adoptar-se um horizonte de projecto de cerca de quinze a vinte anos.

Em casos muito particulares pode ser justificável proceder a estudos específicos, de índole técnico-económica, tendo em vista seleccionar o horizonte de projecto da obra a que corresponde a solução global mais favorável.

3.4. População de projecto

3.4.1. População actual

No âmbito da elaboração de estudos e projectos de sistemas de águas residuais torna-se indispensável conhecer, de forma tão fundamentada quanto possível, a situação demográfica na data correspondente ao início de funcionamento das infra-estruturas e a sua evolução previsível ao longo da vida útil da obra, até ao ano de horizonte de projecto. Para tal, deve-se atender aos dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e a eventuais estudos levados a cabo na área de influência dos sistemas a projectar, por forma a assegurar estimativas fiáveis da população e da sua evolução previsível (por exemplo, planos directores, planos de urbanização e planos de desenvolvimento industrial ou de desenvolvimento turístico).

Para estimar a população correspondente à data de início de funcionamento das infra-estruturas a projectar devem ser consultados estudos existentes e dados disponíveis,

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nomeadamente os censos populacionais e, quando necessário, os censos eleitorais, o número de camas de instalações hoteleiras e turísticas e planos de desenvolvimento urbanístico.

Relativamente a fontes de informação disponíveis com interesse para a estimativa da população salientam-se, entre outras, as seguintes:

• INE (1944) - VIII Recenseamento Geral da População, Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, Portugal (dados sobre a população residente no âmbito do Censo à população 1940);

• INE (1961) - X Recenseamento Geral da População, Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, Portugal (dados sobre a população residente no âmbito do Censo à população 1960);

• INE (1972) - XI Recenseamento Geral da População, Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, Portugal (dados sobre a população residente no âmbito do Censo à população 1970);

• INE (1982) – XII Recenseamento Geral da População, Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, Portugal (dados sobre a população residente no âmbito do Censo à população 1980);

• INE (1991) – Censos 91, Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, Portugal (dados sobre a população residente no âmbito do Censo à população 1991);

• INE (1993) – Censos 91 – Resultados definitivos. Região Norte. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. Portugal;

• INE (1993) – Censos 91 – Resultados definitivos. Região Centro. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. Portugal;

• INE (1993) – Censos 91 – Resultados definitivos. Região do Algarve. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. Portugal;

• INE (1993) – Censos 91 – Resultados definitivos. Região Lisboa e Vale do Tejo. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. Portugal;

• INE (1993) – Censos 91 – Resultados definitivos. Região do Alentejo. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. Portugal;

• INE (1993) – Censos 91 – Resultados definitivos. Região dos Açores e Madeira. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. Portugal;

• INE (1999) – Anuário estatístico de Portugal. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. Portugal;

• INE (2000) – Estimativas da população residente em 31 de Dezembro de 1999. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. Portugal.

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Chama-se ainda a atenção para o Censo geral da população 2001, recentemente efectuado, cujos dados já se encontram disponíveis na internet, que poderão constituir uma fonte de informação mais actualizada, e ainda os Planos de Bacia, o Plano Nacional da Água e os estudos de concepção geral e de desenvolvimento de projecto dos Sistemas Multimunicipais de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais.

3.4.2. População no horizonte de projecto

A população no horizonte de projecto deve incluir população residente e população temporária ou flutuante. A população residente no horizonte de projecto, ou no ano de horizonte de projecto, pode ser obtida a partir de estudos de evolução da população baseados nos resultados dos Censos e também em estudos de planeamento ou em estudos urbanísticos actualizados. Em alguns casos pode ser recomendável a realização de inquéritos locais ou consultas e recolha de dados designadamente junto de Juntas de Freguesias e Câmaras Municipais, com vista ao melhor conhecimento das populações e das respectivas tendências de evolução, nomeadamente do ponto de vista do balanço da emigração e do impacto da população flutuante.

A quantificação da população flutuante e sua evolução pode ser levada a cabo com base na análise de registos disponíveis e na quantificação dos aglomerados potenciais existentes e condições de ocupação local prevista.

A modelação ou estimativa do crescimento populacional, em termos de população residente, pode ser efectuada recorrendo a diversos modelos ou métodos, designadamente os seguintes:

• aritmético; • geométrico; • mínimos quadrados; • comparação; • extrapolação visual; • taxa de crescimento decrescente; • curva logística; • razão-correlação; • parcelar; • previsão de emprego.

É muito vulgar em Portugal, e na falta de elementos informativos complementares, como estudos urbanísticos, ser utilizado o método geométrico. No método geométrico considera-se que a evolução populacional segue uma progressão geométrica, podendo ser traduzida pela expressão (3.1).

ngT tPP )1(0 += (3.1)

sendo,

PT, P0 - população respectivamente no horizonte de projecto e no ano de referência;

tg - taxa geométrica de evolução n - número de anos.

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A taxa geométrica de evolução deve ser determinada a partir dos resultados dos Censos aplicando, eventualmente, o método dos mínimos quadrados. Complementarmente, para a determinação da evolução em lugares onde não se disponha de informação populacional (por exemplo, resultados de censos anteriores) pode recorrer-se ao método da razão-correlação, em que se admite analogia entre a taxa de crescimento do lugar e da região onde se insere (freguesia ou concelho, por exemplo) para a qual se dispõe de dados de evolução de população.

Dados os erros ou incorrecções a que as previsões de evolução da população podem, em algumas circunstâncias, conduzir, aconselha-se que nos estudos de projecto se realizem ensaios de sensibilidade aos valores atribuídos às taxas de crescimento populacional e se ponderem, para cada situação, dois ou três cenários de evolução correspondentes.

Os resultados obtidos podem ser utilizados no âmbito da verificação dos dados base utilizados para o dimensionamento dos sistemas projectados e no âmbito da verificação da capacidade dos sistemas existentes, para os diversos cenários de evolução ou nas fases de concepção e planeamento de novas infra-estruturas.

3.5. Caudais de projecto

3.5.1. Nota Introdutória

Um sistema de águas residuais, designadamente uma rede de drenagem, deve ser concebida e dimensionada tendo em conta o cumprimento das seguintes funções:

• transporte das águas residuais, nomeadamente do caudal máximo instantâneo, para o local de tratamento ou de rejeição;

• arrastamento dos sólidos em suspensão, nomeadamente quando se escoam os menores caudais, tendo presente a necessidade de promover a sua afluência aos locais de tratamento.

Torna-se, assim, especialmente importante para o desenvolvimento dos sistemas de drenagem, avaliar correctamente os caudais de projecto (nomeadamente no ano de início de exploração, e no ano horizonte de projecto), a fim de garantir o respectivo escoamento em condições hidráulico-sanitárias convenientes.

Para efeitos de cálculo, considera-se que os caudais de projecto são constituídos, no essencial, por três parcelas:

• caudais domésticos – inclui o caudal resultante dos usos da água na habitação e na sua envolvente (caudal doméstico propriamente dito) acrescida do caudal proveniente de actividades comerciais (nomeadamente estabelecimentos, lojas e restaurantes) e ainda o consumo público (tais como escolas, estabelecimentos de saúde, instalações desportivas, quartéis e jardins);

• caudais industriais – incluiu a contribuição dos estabelecimentos indústrias ligados à rede, cuja caracterização deve ser feita caso a caso;

• caudais de infiltração – inclui a água subterrânea que aflui à rede de colectores através de deficiências das tubagens, juntas ou câmaras de visita (designadamente decorrentes de assentamentos, fissuras e roturas).

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Nos sub-capítulos seguintes aborda-se a avaliação destas componentes, através da especificação dos elementos de base necessários e da metodologia utilizada.

Refere-se ainda que, embora não seja em regra tida em consideração, na prática afluem aos sistemas separativos caudais pluviais provenientes de ligações indevidas de pátios, telhados, ou da via pública. Pela importância que assume, por vezes, essa contribuição, entendeu-se útil fazer-lhe também referência.

3.5.2. Considerações gerais sobre consumo urbano da água

De acordo com a informação disponível mais recente são fornecidos pelos municípios portugueses 572×106 m3/ano de água (INAG, 2001), sendo, segundo APDA (1999), cerca de 64,4 % deste total consumo doméstico, 13,5 % industrial, 13,2 % relativo a serviços (comércio) e 8,8 % relativo a outros (consumo público). Esta subdivisão do abastecimento através da rede pública foi obtida com base em valores de consumos facturados resultantes de um inquérito levado a cabo pela Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas no ano de 1997, ao qual respondeu um número significativo de entidades gestoras.

Para um melhor enquadramento da estimativa de capitações urbanas do consumo de água, procede-se seguidamente a uma referência sumária aos consumos domésticos, comerciais e públicos.

Consumo doméstico

Por consumo doméstico entende-se o consumo associado aos usos de água efectuados no interior e na envolvente das habitações. Os consumos no interior da habitação, tendencialmente proporcionais ao número de elementos do agregado, incluem a água utilizada para beber, na preparação de alimentos, na higiene pessoal, nos autoclismos, na limpeza e na lavagem de roupa e loiça. Os consumos exteriores incluem a rega de plantas e espaços verdes, a lavagem de viaturas e o enchimento de piscinas. Ao contrário dos usos interiores, a componente exterior do consumo doméstico apresenta uma grande variação em termos percentuais, dependente da tipologia da habitação, da região, do respectivo clima e da estação do ano. Estes consumos são, em geral, superiores nos meses quentes.

Não se conhecem em Portugal estudos globais sistemáticos de caracterização quantitativa detalhada das diversas parcelas do consumo doméstico. Com base em referências estrangeiras, é possível estimar que as descargas de autoclismos e os duches/banhos surgem como as parcelas mais importantes do consumo total (60 %), seguidos dos consumos associados a torneiras (16 %). Seguem-se as parcelas de usos exteriores (10 %), de lavagem de roupa e loiça (10 %) e a parcela de perdas (em torneiras, chuveiros e autoclismos).

Consumo comercial

Inclui os consumos associados às diversas actividades comerciais, que são muito variáveis, dependendo, entre outros, de factores como o tipo e a dimensão de cada unidade. A algumas destas actividades estão associados consumos similares aos domésticos, como é o caso dos serviços onde predominam os escritórios e os armazéns.

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Consumo público

Os consumos públicos incluem os consumos associados às actividades municipais, às instituições públicas (como estabelecimentos de ensino e de saúde, instalações desportivas, quartéis e oficinas). Os usos de água podem resultar do funcionamento de instalações sanitárias, balneários, regas de espaços exteriores e serviço de bocas de incêndio.

Consumo industrial

O consumo industrial inclui aquele que é afecto às actividades industriais, verificando-se em Portugal que só cerca de 40 % do sector industrial consome água da rede pública. Em geral, as instalações industriais de maiores dimensões possuem captações e sistemas de abastecimento próprios, enquanto que as de menor capacidade, quando inseridas na malha urbana, são alimentadas pelos sistemas públicos.

3.5.3. Caudais domésticos

3.5.3.1. Aspectos gerais

A avaliação dos caudais domésticos deve basear-se, tanto quanto possível, no conhecimento dos consumos de água obtidos a partir dos registos das entidades gestoras de abastecimento de água. Com base nestes valores e na população servida é possível estimar a capitação média anual do consumo de água, à data do estudo, e prever o valor da capitação no horizonte de projecto. De acordo com NP 752-4, as capitações mínimas de projecto a considerar em Países da Europa como o Reino Unido, a França e a Alemanha é de 150 l/(hab.dia).

A capitação de águas residuais domésticas obtém-se afectando o valor da capitação de água por um factor designado coeficiente de afluência à rede. O caudal doméstico resulta, assim, da multiplicação da capitação de águas residuais domésticas pela população a servir com rede de águas residuais. Finalmente, o valor do caudal de ponta de projecto obtém-se multiplicando o valor de caudal atrás referido por um factor de ponta instantâneo ou horário, a que se deve adicionar o caudal de infiltração, os caudais industriais e, eventualmente, caudais de origem pluvial, em conformidade com a expressão (3.2):

oplindippd QQQfQQ +++×= max (3.2)

sendo,

Qpd - caudal de ponta de projecto [m3/s]; Qmax - caudal máximo doméstico (no ano horizonte de projecto)

[m3/s]; fp - factor de ponta instantâneo ou horário [ - ]; Qi - caudal de infiltração [m3/s]; Qind - caudais industriais [m3/s]; Qopl - caudais de origem pluvial [m3/s].

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3.5.3.2. Capitações

Em APDA (1999), são apresentados dados, por concelho, relativos a capitações domésticas, de serviços, comerciais e industriais abastecidos pela rede pública, entre outros. Segundo esta fonte, a capitação urbana média em Portugal, incluindo todos os usos anteriormente mencionados, é de 167 l/(hab.dia).

Nos casos em que não se disponha de informação correcta de consumos deverão estimar-se valores de capitação atendendo à dimensão do aglomerado, ao nível de vida das populações e aos hábitos de higiene e às condições climáticas locais.

Em articulação com o referido anteriormente, os factores que mais afectam o valor da capitação são: tipo de ocupação residencial, demografia, nível socio-económico e clima. Nos itens seguintes referenciam-se, brevemente, cada um destes aspectos.

Tipo de ocupação residencial

O tipo de ocupação residencial (apartamentos e tipologia destes ou moradias) afecta naturalmente o consumo de água per capita. Em particular a existência de zonas de jardim afectas à habitação contribuem para o incremento do consumo de água.

Demografia

A taxa de ocupação da habitação constitui um factor de influência na capitação do consumo de água. Com efeito, famílias de maior dimensão tendem, em geral, a contribuir para valores de capitação mais baixos. Por outro lado, populações com uma percentagem elevada de reformados e de pessoas idosas têm tendência a fazer elevar os valores dos consumos (Butler e Davies, 2000).

Nível socio-económico

O nível socio-económico da população tem efeito sobre os consumos de água, verificando-se em geral que a populações de maior capacidade económica e poder de compra estão associados maiores valores do consumo de água. Estudos a nível internacional têm demonstrado a relação entre o valor patrimonial da habitação e os consumos.

Clima

O clima, nomeadamente a temperatura e a precipitação, têm efeito sobre os valores de consumo de água. O consumo doméstico de água tende a ser mais elevado em zonas mais quentes e secas, devido em parte ao aumento do consumo de água para rega e jardinagem. Contudo, o impacto em termos das redes de águas residuais é menos pronunciado, já que a parte da água consumida na rega não chega a afluir aos colectores.

Em Portugal, e de acordo com a legislação, as capitações de água a considerar no ano de horizonte de projecto não devem ser inferiores aos seguintes valores, em função da dimensão do aglomerado ou aglomerados a servir:

• 80 l/(hab.dia) até 1000 habitantes; • 100 l/(hab.dia) de 1000 a 10 000 habitantes;

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• 125 l/(hab.dia) de 10 000 a 20 000 habitantes; • 150 l/(hab.dia) de 20 000 a 50 000 habitantes; • 175 l/(hab.dia) acima de 50 000 habitantes.

As capitações correspondentes aos consumos comerciais podem, na generalidade dos casos, ser incorporadas nos valores médios de capitação global; em zonas de actividade comercial intensa pode admitir-se uma capitação adicional da ordem dos 50 l/(hab.dia), conforme estabelece o Artigo 14º do Decreto-Regulamentar nº 23/95. Os consumos públicos, tais como de rega de zonas verdes e de limpeza de colectores, podem ser considerados também integrados nos valores médios da capitação global, considerando-se adicionalmente como públicos os consumos de estabelecimentos de saúde, ensino, militares, prisionais, hoteleiros e instalações desportivas, que devem ser avaliados de acordo com as respectivas características, caso a caso.

3.5.3.3. Coeficiente de afluência à rede

Nos aglomerados populacionais nem toda a água consumida aflui ao sistema de drenagem devido às perdas verificadas nos ramais domiciliários e à utilização, mais ou menos significativa, da água na rega de espaços verdes e agrícolas, lavagens municipais e enchimentos de piscinas.

O coeficiente de afluência à rede (também designado factor de afluência) é o valor pelo qual deve ser multiplicada a capitação média anual do consumo de água, para se obter a capitação média anual de afluência à rede. Os coeficientes de afluência são função do tipo de ocupação residencial, dos hábitos de higiene e de vida da população, da extensão de zonas verdes ajardinadas ou agrícolas, das condições climáticas, da estrutura tarifária e da ligação ao sistema ou não de pequenas actividades comerciais, públicas ou industriais.

Segundo ASCE e WPCF (1982) a relação entre as capitações de águas residuais e de abastecimento podem descer, em zonas áridas, até valores da ordem de 0,40. Em Portugal, os valores do coeficiente de afluência a considerar em dimensionamento devem, a não ser em casos devidamente justificados, variar entre 0,70 e 0,90, como refere o Decreto-Regulamentar nº 23/95.

3.5.3.4. Factor de ponta

Para o dimensionamento de infra-estruturas de saneamento deve ser considerado o factor de ponta instantâneo ou horário. Esse valor, multiplicado pelo caudal médio anual, permite obter os correspondentes caudais de ponta.

O factor de ponta instantâneo é, assim, o quociente entre o caudal máximo instantâneo do ano e o caudal médio diário anual das águas residuais devendo ser determinado, sempre que possível, com base na análise de registos locais. Na ausência de elementos que permitam a sua determinação, o factor de ponta deve ser estimado através da expressão (3.3):

P601,5f += (3.3)

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sendo,

P - população a servir [hab]; f - factor de ponta instantâneo [ - ].

No âmbito do dimensionamento de infra-estruturas de saneamento (colectores e emissários) não devem ser considerados factores de ponta instantâneos superiores a 5.

3.5.4. Caudais industriais

Tal como referido no Decreto Regulamentar nº 23/95, na estimativa dos caudais de projecto de águas residuais domésticas com ligações industriais é indispensável aceder à informação relativa ao inventário e caracterização das indústrias a ligar /ligadas ao sistema, de modo a serem conhecidos os caudais rejeitados, suas características físicas, químicas e bacteriológicas ao longo do tempo e os períodos de laboração. Neste sentido, todos os consumidores especiais, que impliquem consumos de água significativos, devem ser analisados separadamente com o objectivo de estimar os respectivos caudais de águas residuais industriais.

Para aferir valores ou suprir eventuais falhas de informação fornecem-se, no Quadro 3.1, algumas indicações orientadoras referentes a consumos de água industriais e comerciais.

Quadro 3.1 - Consumos industriais e comerciais (adaptado de DGRN, 1991).

Tipo de estabelecimento ConsumoValor Unidade

Adegas 5 l/litro de produtoLacticínios 4-12 l/kg de produtoMatadouros (animais de grande porte) 300 l/cabeçaMatadouros (animais de médio porte) 150 l/cabeçaEstações de serviço 150 l/(veículo.dia)Padarias 0.6 l/kg de farinhaPensões (sem cozinha nem lavandaria) 120 l/(hóspede.dia)Restaurantes 25 l/refeição

No Quadro 3.2 apresentam-se valores orientadores relativos a consumos de água por animal, em explorações agro-pecuárias e outras.

Quadro 3.2 - Consumo por animal (adaptado de DGRN, 1991).

Tipo de animal Capitação[l/(animal.dia)]

Vacas leiteiras 75Cavalos, mulas e burros 40Porcos 10Cabras e ovelhas 8Perús 0.75Galinhas 0.40

Os volumes de água rejeitados no sistema, no âmbito da actividade industrial, podem ser elevados quando comparados com os volumes domésticos transportados. Esta razão leva a que, por vezes, se dimensionem tanques de retenção, de modo a que se

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amorteçam as descargas industriais antes do lançamento no sistema municipal. Em certas circunstâncias, pode justificar-se o controlo das descargas industriais, de forma a que elas só se verifiquem em períodos determinados (em regra, à noite), correspondentes ao escoamento de caudais domésticos reduzidos nos colectores da rede.

3.5.5. Caudais de infiltração

Os sistemas de drenagem de águas residuais devem ser concebidos e dimensionados tendo em vista minimizar os caudais de infiltração e os caudais resultantes da drenagem de águas pluviais, promovida através de ligações incorrectas ao sistema. Para controlar os caudais de infiltração devem ser adoptados procedimentos adequados de projecto, nomeadamente em termos da selecção dos materiais, juntas e de disposições construtivas.

Os caudais de infiltração provenientes, em regra, de aquíferos com níveis freáticos próximos do solo, drenam para os colectores através de juntas mal construídas, fendas em câmaras de visita e ligações domiciliárias mal construídas. Segundo ASCE e WPCF (1982), mais de 90 % dos caudais de infiltração podem resultar dos ramais domiciliários que, no seu conjunto, podem apresentar uma extensão superior à do sistema de drenagem municipal ou multimunicipal propriamente dito. Segundo aqueles autores, têm sido medidos valores, em sistemas de drenagem implantados abaixo do nível freático, entre 1 e 27 l/(s.km).

Embora os materiais e as tecnologias de construção de colectores tenham vindo a aperfeiçoar-se, nomeadamente no sentido de reduzir ou mesmo evitar completamente a ocorrência de infiltração, na prática, se os sistemas de drenagem são implantados sob o nível freático, torna-se especialmente difícil, e por vezes mesmo anti-económico, atingir esse objectivo. As águas infiltradas podem resultar da existência de juntas imperfeitas ou mal construídas, fendilhação por assentamento diferencial dos colectores e falta de estanquidade das câmaras de visita ou dos ramais domiciliários afluentes.

Desde que não se disponham de dados experimentais locais ou de informações similares, o valor do caudal de infiltração a considerar em projecto deve ser, de acordo com a legislação portuguesa, o seguinte:

a) Igual ao caudal doméstico médio anual, em redes de pequenos aglomerados com colectores com diâmetro até 300 mm.

b) Proporcionais aos comprimentos e diâmetros dos colectores nas redes de médios e grandes aglomerados. Neste caso, e quando se trata de colectores recentes ou a construir, podem estimar-se caudais de infiltração de 0,5 m3 por dia por centímetro de diâmetro e por quilómetro de comprimento de rede de drenagem (0,5 m3/(dia.cm.km)). No caso de colectores existentes de precária construção e conservação, aquele valor poder atingir 4 m3/(dia.cm.km). Em alternativa pode simplificar-se o procedimento, considerando valores de infiltração entre 0,25 e 1,00 do caudal médio.

Os valores referidos em a) e b) podem ser reduzidos sempre que estiver assegurada uma melhor estanquidade da rede. No âmbito do dimensionamento de colectores e emissários deve ter-se em conta a contribuição da infiltração proveniente das redes “em baixa” e de ramais e caixas domiciliárias.

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3.5.6. Caudais pluviais ligados directamente ao sistema

Teoricamente, não deve afluir caudal de origem pluvial a uma rede separativa doméstica. No entanto, é frequente, sobretudo em redes extensas e antigas, verificar-se a existência de contribuição pluvial, devido designadamente aos seguintes factores:

• ligação errónea de colectores pluviais da rede pública ou das redes prediais ao sistema separativo doméstico;

• mistura de caudais pluviais com domésticos nas redes prediais (parcial ou totalmente) sendo estas ligadas ao sistema público separativo doméstico;

• entrada das águas pluviais através das tampas das câmaras de visita de colectores domésticos;

• entrada da água de linhas de água em situação de cheia, particularmente através de colectores de descarga de emergência da rede separativa doméstica não equipados com válvulas de retenção, ou através de colectores domésticos que se encontram danificados.

A afluência pluvial a redes domésticas pode, em alguns casos, constituir uma contribuição significativa. Em tempo húmido, e durante precipitações intensas, os caudais de ponta podem exceder mais de 10 vezes o caudal de ponta em tempo seco. Em termos de caudais médios anuais, naturalmente que este efeito é amortecido devido à distribuição temporal da precipitação.

A quantificação das afluências pluviais a uma rede separativa doméstica pode ser efectuada, através de monitorização, comparando caudais registados, num mesmo local, em tempo seco e em tempo chuvoso.

No caso de alguns grandes sistemas de drenagem de águas residuais operados por empresas do Grupo Águas de Portugal, em que se dispõe de medições de caudal, a informação disponível aponta para valores de contribuição pluvial directa anual (excluindo infiltração) entre 20 a 30 % do caudal médio de água residual doméstica. Esses valores podem constituir referências a considerar no âmbito de futuros estudos e projectos de reabilitação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO 3

Associação Portuguesa de Distribuidores de Água (APDA) – Água, quem é quem. Suplementaria. Lisboa. Portugal, 1999.

American Society of Civil Engineers and Water Pollution Control Federation (ASCE e WPCF)– Gravity Sanitary Sewer Design and Construction. Manuals and Reports on Engineering Practice-no.60, ASCE, New York, 1982.

Butler D.; Davies, J.W. – Urban Drainage. E&FN Spon, 2000.

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Diário da República – Regulamento geral de sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais, Diário da República, Série 1-B, N.º 194/95, de 23 de Agosto, 1995.

INAG – Plano Nacional da Água – Parte 1 – Enquadramento e contextualização. Volume II – Caracterização e diagnóstico da situação dos recursos hídricos. Usos, consumos e necessidades de água. Versão de Trabalho. Abril de 2001.

Matos – Sistemas de drenagem e destino final de águas residuais e pluviais – origem e quantificação de águas residuais comunitárias. Curso de formação em Tecnologias de Engenharia Sanitária no âmbito da Gestão Autárquica. FJE, 1988.

Matos, R.; Matos, J. – Requisitos e Especificações Técnicas para Elaboração de Projectos para o Grupo Águas de Portugal, SGPS – Águas Residuais. Doc.1 – Dados Base, pp 1-16, AdP, Lisboa, 2002.

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4. SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS

4.1. Considerações de âmbito geral

Este capítulo diz respeito, fundamentalmente, à drenagem de águas residuais em meio urbano, excluindo a contribuição pluvial, tratada no âmbito do capítulo 5. Essas águas residuais incluem em regra, também, os efluentes de actividades comerciais e de pequena indústria inseridas no tecido urbano.

No âmbito deste capítulo tratam-se de aspectos como: tipos de sistemas de drenagem, vantagens e inconvenientes; componentes de sistemas, critérios de projecto para o traçado em planta e perfil longitudinal de colectores; verificação hidráulica dos escoamentos; órgãos gerais ou comuns dos sistemas: colectores, câmaras de visita e ramais de ligação e soluções não convencionais ou não tradicionais de drenagem. No capítulo 8 desenvolvem-se os aspectos ligados a transformações bioquímicas que tem lugar na massa líquida, em sistemas de águas residuais e os principais efeitos decorrentes dessas transformações. Não são tratados e desenvolvidos os aspectos de dimensionamento estrutural dos colectores.

O sub-capítulo 4.4 foi adaptado de Matos et al. (2002) e Gonçalves e Monteiro (2002).

4.2. Tipos de sistemas de drenagem urbanos: vantagens e inconvenientes

As redes de drenagem de águas residuais são convencionalmente constituídas por redes de colectores, podendo drenar essencialmente águas residuais domésticas, industriais e pluviais. As águas residuais domésticas provêm de instalações sanitárias, cozinhas e zonas de lavagem de roupas e caracterizam-se por conterem quantidades apreciáveis de matéria orgânica, serem facilmente biodegradáveis e manterem relativa constância das suas características no tempo. As águas residuais industriais derivam da actividade industrial e caracterizam-se pela diversidade dos compostos físicos e químicos que contêm, dependentes do tipo de processamento industrial e ainda por apresentarem, em geral, grande variabilidade das suas características no tempo. As águas residuais pluviais, ou simplesmente águas pluviais, resultam da precipitação atmosférica caída directamente no local ou em bacias limítrofes contribuintes e apresentam geralmente menores quantidades de matéria poluente, particularmente de origem orgânica. Consideram-se equiparadas a águas pluviais as águas provenientes de regas de jardins e espaços verdes, de lavagem de arruamentos, passeios, pátios e parques de estacionamento, normalmente recolhidas por sarjetas, sumidouros e ralos.

Conforme a natureza da qualidade das águas residuais que transportam, os sistemas de drenagem de águas residuais podem ser classificados, de acordo com o Decreto Regulamentar 23/95 de 23 de Agosto, como:

a) separativos, constituídos por duas redes de colectores distintas, uma destinada ás águas residuais domésticas e industriais e outra à drenagem das águas pluviais ou similares;

b) unitários, constituídos por uma única rede de colectores onde são admitidas conjuntamente as águas residuais domésticas, industriais e pluviais;

c) mistos, constituídos pela conjugação dos dois tipos anteriores, em que parte da rede de colectores funciona como sistema unitário e a restante como sistema separativo e;

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d) separativos parciais ou pseudo-separativos, em que se admite, em condições excepcionais, a ligação de águas pluviais, por exemplo, de pátios interiores, aos colectores de águas residuais domésticas.

No Quadro 4.1 apresentam-se, por tipo de sistema, a classificação, as condições de escoamento e os respectivos objectivos principais.

Quadro 4.1 – Classificação de sistemas de águas residuais.

TIPO DE SISTEMA

CONDIÇÕES DE ESCOAMENTO

PRINCIPAIS OBJECTIVOS

Separativos Domésticos

Com escoamento com superfície livre Sob pressão Sob vácuo

São o tipo de colectores mais usual para o transporte de águas residuais, comerciais e industriais. Vulgarmente transportam, também, águas de infiltração e águas pluviais ou de lavagem, decorrentes de ligações erróneas.

As condutas sob pressão, por bombagem, são usadas quando se torna técnica e economicamente inviável ou desfavorável o recurso a soluções gravíticas de escoamento com superfície livre. No caso dos sistemas simplificados (também designados por sistemas de esgotos decantados ou sistemas de colectores de pequeno diâmetro) é aceitável o transporte gravítico sob pressão.

Este tipo de sistema é pouco frequente, sendo o transporte bifásico (ar e água) resultado da criação de condições de sub-pressão nas condutas. É utilizado, em regra, para o transporte de águas residuais domésticas, excluindo contribuições pluviais e de infiltração, e para populações servidas de pequena dimensão.

Separativos Pluviais

Com escoamento com superfície livre (excepcionalmente sob pressão)

Neste caso, são transportadas as águas de precipitação dos pavimentos, cobertura de edifícios e áreas impermeabilizadas em meio urbano. Não é permitida a ligação de águas residuais domésticas e o escoamento só excepcionalmente se processa sob pressão.

Unitários Com escoamento com superfície livre (excepcionalmente sob pressão)

Neste caso, a totalidade das águas residuais, incluindo águas pluviais, é transportada pelo sistema. Nos Estados Unidos da América, em Portugal e em muitos países da Europa, é rara, actualmente, a construção de “raiz” de colectores unitários.

Pseudo-Separativos

Com escoamento com superfície livre

Neste caso, e excepcionalmente, admite-se a ligação de águas pluviais aos colectores domésticos devido ao facto dessas águas não apresentam condições de afluência gravítica a colectores pluviais. É um tipo de sistema cuja construção de “raiz” não é frequente em novas urbanizações e empreendimentos.

O Quadro 4.2 diz respeito às principais vantagens e inconvenientes de cada tipo de sistema.

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Quadro 4.2 – Principais vantagens e inconvenientes dos sistemas separativos convencionais, não convencionais e unitários.

TIPO DE SISTEMA

VANTAGENS INCONVENIENTES

Sistemas convencionais, separativos domésticos e pluviais

O facto de se trasportarem efluentes de natureza distinta por diferentes colectores, permite que sejam sujeitos a diferentes condições de tratamento e de destino final.

Custos elevados de primeiro investimento, associados à necessidade de dispor de dois tipos de tubagens ou colectores. Necessidade de construção cuidadosa, em termos de ligações de ramais prediais.

Sistemas convencionais unitários

Economia de primeiro investimento, decorrente da construção de um único tipo de colector que transporta a totalidade da água de meio urbano. Simplicidade de projecto, no que respeita a ligação de ramais e colectores

Descarga de excedentes poluídos em tempo de chuva, com eventuais impactes negativos no Ambiente. Acréscimo de encargos de energia e de exploração em instalações elevatórias e de tratamento, devido ao excedente de contribuição pluvial em tempo de chuva.

Sistemas não convencionais: de colector gravítico de pequeno diâmetro ou sob vácuo

Esses sistemas podem conduzir, nomeadamente em zonas planas ou com elevados níveis freáticos, a economias significativas de primeiro investimento. No caso dos sistemas sob vácuo, redução do risco da ocorrência de condições de septicidade e controlo da infiltração.

Acréscimo em encargos de exploração e, conservação, em relação ao sistema gravítico convencional. No caso do sistema sob vácuo, requere-se um grau de conhecimento e de especialização superior, para a exploração.

4.3. Componentes dos sistemas

Os sistemas de águas residuais, sejam separativos ou unitários, dispõem de um conjunto de componentes principais que incluem, em regra, além das tubagens e ligações no interior da habitação ou edificação (designadamente ramais de descarga, tubos de queda, algerozes e caleiras, colunas de ventilação, sifões e ralos), ramais de ligação à rede de drenagem pública, colectores e câmaras de visita, câmaras de corrente de varrer, sarjetas e sumidouros. Além destes órgãos ou componentes comuns existem, por vezes, instalações complementares nos sistemas, designadamente descarregadores, instalações elevatórias, sifões invertidos e bacias de retenção. Excepcionalmente, recorrem-se a túneis e pontes-canal. Os principais componentes de sistemas são identificados no Quadro 4.3. No Quadro 4.3 apresentam-se, também, os principais objectivos ou finalidades desses componentes no sistema.

Os ramais de ligação têm como objectivo assegurar o transporte das águas residuais prediais, desde as câmaras de ramal de ligação até à rede de colectores. A inserção dos ramais de ligação na rede pode fazer-se nas câmaras de visita ou, directa ou indirectamente, nos colectores. A inserção directa dos ramais de ligação nos colectores é

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admissível para diâmetros de colectores superiores a 500 mm e deve fazer-se a um nível superior a dois terços da altura daquele. A inserção dos ramais nos colectores pode fazer-se por meio de forquilha simples, com um ângulo de incidência adequado, ou por meio de “fé”, desde que a superfície livre do escoamento no colector se situe a cota inferior à cota da superfície de escoamento no ramal.

Quadro 4.3 – Principais componentes de sistemas de águas residuais e respectiva finalidade. COMPONENTE TIPO FINALIDADE Redes interiores dos edifícios

Comum Transporte de águas pluviais e de águas de lavagem ou de “excreta” para o exterior da edificação.

Ramais de ligação Comum Promover a ligação ou descarga de águas residuais (domésticas, comerciais, industriais e pluviais) para a rede de drenagem.

Rede de drenagem Comum Destina-se à recolha das águas residuais do aglomerado ou conjunto de aglomerados – apresenta serviço de percurso.

Emissários e interceptores

Comum Destina-se ao transporte das águas residuais recolhidas pelas redes de drenagem, que têm serviço de percurso, para o local de tratamento ou de destino final. No caso de descarga no oceano, designam-se por emissários submarinos.

Sistemas elevatórios Complementar Destina-se ao transporte das águas residuais em situação em que a drenagem gravítica não é considerada tecnicamente e economicamente a solução adequada.

Descarregadores Complementar Órgãos dos sistemas, em regra ligados a colectores de recurso e que entram em operação, por exemplo para fazer face à ocorrência de avarias ou necessidade de colocar fora de serviço componentes que se dispõem a jusante, ou para fazer face à afluência excessiva de águas residuais.

Sifões invertidos Complementar Órgãos que incluem um ou mais trechos com escoamento sob pressão gravítica, a que se recorre quando o escoamento com superfície livre não é tecnicamente e economicamente exequível.

Bacias de retenção Complementar Órgãos por vezes usados em sistemas pluviais, e mais raramente em sistemas unitários, e que se destinam principalmente, e em regra, a reduzir os caudais de ponta de cheia à custa de efeitos de retenção e amortecimento.

Túneis Complementar e excepcional

Por vezes, quando as condições topográficas e geológicas o justifiquem economicamente, pode recorrer-se a construção de colectores em túnel (sem recurso à abertura de valas a céu aberto).

As redes de drenagem dispõem, em regra de colectores assentes com escavação em vala, e diversos elementos acessórios, como câmaras de visita, câmaras de corrente de varrer, sarjetas e sumidouros. A rede de drenagem é constituída por um conjunto de trechos rectos de colectores separados por câmaras de visita, em regra com serviço de percurso. Os emissários recolhem o afluente das redes a local de tratamento ou destino final. Por vezes, os sistemas regionais de saneamento incluem interceptores que recolhem as águas residuais dos emissários, conforme se apresenta esquematicamente na Figura 4.1. Na Figura 4.1 apresenta-se, a título exemplificativo, o sistema de águas

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residuais da Costa do Estoril, incluindo diversos emissários, um interceptor geral e diversas instalações elevatórias.

Figura 4.1 – Representação esquemática do sistema de saneamento da Costa do Estoril.

4.4. Colectores, câmaras de visita e ramais de ligação

4.4.1. Considerações introdutórias

Os colectores constituem os órgãos mais comuns de sistemas de drenagem de águas residuais.

Os materiais considerados em regra preferencialmente elegíveis para a drenagem de águas residuais são o PVC, o PEAD e o ferro fundido dúctil. A escolha destes materiais decorre de vários factores técnicos e económicos, numa conjuntura de mercado que é muito dinâmica, pelo que, para cada situação de projecto e mesmo na fase de adjudicação da obra, deve ser efectuada uma avaliação das características e comportamentos expectáveis, em função do meio em que vão ser instalados e condições de operação a que vão ser submetidos, tendo como factores de ponderação, entre outros, os seguintes: • custo;

• propriedades mecânicas, designadamente a resistência à pressão interior, a rigidez diametral e a resistência à flexão;

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• propriedades hidráulicas (rugosidade interior e número de juntas), propriedades físicas (massa volúmica, condutibilidade eléctrica) e propriedades químicas (resistência à corrosão);

• disponibilidade do mercado e de pessoal especializado na montagem;

• experiência e uniformização de materiais utilizados em cada sistema (facilitando a exploração, manutenção e gestão de “stocks” de cada entidade).

4.4.1.2. Materiais disponíveis. Vantagens e inconvenientes

Verifica-se a existência de uma vasta gama de oferta de materiais, fabricados em território nacional, ou importados, que cobrem um leque alargado de possibilidades de escolha. É possível recorrer não só aos materiais tradicionais como a alguns novos materiais que surgiram recentemente no mercado, bem como à tecnologia mais actual relativamente a juntas de tubagens, como são os sistemas de encaixe por pressão, mecânicos e de soldadura por electrofusão.

Tendo por base as disponibilidades do mercado actual em Portugal, a listagem dos materiais considerados como potencialmente utilizáveis em redes de colectores, é a seguinte:

TUBAGENS OU ACESSÓRIOS DE MATERIAIS CIMENTÍCIOS: • fibrocimento;

• betão (simples, armado, armado com alma de aço, pré-esforçado com alma de aço ou pré-esforçado sem alma de aço).

TUBAGENS OU ACESSÓRIOS DE MATERIAIS CERÂMICOS: • grés vitrificado.

TUBAGENS OU ACESSÓRIOS DE MATERIAIS PLÁSTICOS: • polietileno de média, PEMD, ou alta densidade, PEAD (maciço, alveolado ou

corrugado);

• policloreto de vinilo, PVC (maciço ou corrugado);

• poliéster reforçado com fibra de vidro, PRV (parede estruturada);

• polipropileno, PP (corrugado).

TUBAGENS OU ACESSÓRIOS DE MATERIAIS METÁLICOS: • ferro fundido dúctil;

• aço não ligado.

Nas suas soluções correntes, as tubagens de fibrocimento ou de betão, não são revestidas, nem interiormente nem exteriormente. As tubagens de materiais cimentícios e as de ferro fundido dúctil revestidos a betão podem ser especificadas com resistência química interna melhorada, por utilização adicional de materiais de melhores características, que protegem, ou substituem, a camada de betão em contacto com a massa líquida. Por encomenda, as tubagens de fibrocimento e betão podem ser fornecidas com os seguintes revestimentos interiores: revestimento epoxídico e revestimento espesso de PVC (espessura superior a 2 mm).

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Quadro 4.4 - Principais vantagens e inconvenientes de diversos tipos de tubagens para águas residuais (adaptado de Gonçalves e Monteiro, 2002).

Tipo de tubagem Principais vantagens Principais inconvenientesFibrocimento - baixo coeficiente de rugosidade - fragilidade ao choque e esforços de flexão

(boas características hidráulicas) - sensibilidade a águas e terrenos agressivos - peso reduzido - não existem acessórios de fibrocimento - baixa condutividade térmica - necessidade de revestimento interior e exterior - resistência à corrosão electroquímica - condicionalismos de instalação decorrentes da - flexibilidade das juntas presença de amianto no material de composição - preços competitivos - ataque pelo ácido sulfídrico

Betão simples - experiência de utilização - fragilidade ao choqueou armado - vasta gama de resistências mecânicas - sensibilidade a águas e terrenos agressivos

- preços competitivos - reduzida flexibilidade das juntas e garantia reduzida de estanquicidade hidráulica - ataque pelo ácido sulfídrico

Betão armado - existência de acessórios - pouca flexibilidade das juntasou pré-esforçado - possibilidade de elevada resitência - elevado peso

- flexibilidade de adaptação aos traçados - vulnerabilidade ao ataque de gás sulfídrico e - facilidade de ligação a tubagens de outros materiais outros ácidos - procedimentos de reabilitação bem estabelecidos - dificuldade de garantia de estanquicidade - competitividade económica para grandes diâmetros

Grés vitrificado - elevada resitência a ataques químicos e abrasão - elevado peso relativo - boa resistência mecânica e flexibilidade das juntas - fragilidade - baixo coeficiente de rugosidade e longevidade - custo pouco competitivo - acessórios disponíveis em grés - alguns fabricantes não apresentam produtos

de qualidadePolietileno - leveza e resistência, em regra, a produtos químicos - ataque por detergentes, solventes e

- flexibilidade hidrocarbonetos - boa resistência ao choque e a vibrações - degradação por radiação solar e calor

(tubos azuis) - difícil detecção de fugas

PVC - leveza - sensibilidade ao choque e entalhes - boa resistência, em regra, a produtos químicos - risco de ovalização - completa gama de acessórios - sensibilidade à luz (UV) e ao calor - preços competitivos

Poliester reforçado - boa resitência a corrosão química e electrolítica - vulnerabilidade a choquescom fibra de vidro - pezo reduzido - vulnerabilidade à corrosão sob tensão(PRFV) - facilidade de fabrico - exigência de boa compactaçãp das

- uniões flexíveis terras envolventes - baixo coeficiente de rugosidade

Ferro fundido dúctil - boa resistência mecânica - peso elevado - resitência a elevadas pressões internas - corrosão por ácido sulfúrico (o que exige - impermeável aos gases e óleos protecção) e outros ácidos - possibilidade de utilização de juntas travadas - custo relativamente elevado (evitando ancoragens) - simplicidade do equipamento de instalação - disponibilidade de acessórios

Aço não ligado - elevada resitência mecânica - exigência de protecção, interna e externa, - impermeabilidade a gases e óleos para controlo da corrosão - possibilidade de utilização de juntas flexíveis - exigência de pessoal qualificado - possibilidade de utilização de juntas travadas - custo elevado (evitando ancoragens) - simplicidade do equipamento de instalação

Para a protecção exterior, as tubagens de fibrocimento e de betão podem ser fornecidos com os seguintes revestimentos protectores: revestimento exterior de base betuminosa e

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epoxídica; protecção exterior, aplicada em fábrica, com manga de polietileno e aumento de espessura da camada de betão de revestimento exterior.

As tubagens de grés vitrificado, pelas suas qualidades de fabrico, não necessitam de protecções adicionais. O problema, verificado no passado, de falta de qualidade deste material no mercado nacional fez com que o seu emprego em obras de saneamento fosse caindo em desuso. Em países como a Alemanha, por exemplo, o grés vitrificado é um dos materiais por excelência mais utilizado nas redes de saneamento. É importante referir que desde que o fabrico deste tipo de tubagem obedeça a um processo certificado ou em reconhecimento de qualidade, o produto final consegue ser tanto ou mais adequado, do ponto de vista técnico, que outros materiais para o transporte de águas residuais. O sistema de junta, que era igualmente um ponto fraco, foi significativamente melhorado com a adopção de materiais elastoméricos capazes de garantir níveis de estanquidade idênticos aos garantidos com outros tipos de tubagens. No passado, era usualmente utilizada argamassa de cimento que, atacada pela corrosão e associado ao grande número de juntas, dava origem a elevados caudais de infiltração. Como curiosidade, acrescenta-se que a primeira norma EN que uniformizou os critérios de qualidade mínimos para tubagens com a égide da CEN (Comissão Europeia de Normalização) foi a EN 295 de 1991, intitulada “Tubagens e elementos complementares em grés e respectivo sistema de junta, destinados à realização de redes de saneamento”.

As tubagens e acessórios de ferro fundido dúctil para saneamento podem ser fornecidas com os seguintes revestimentos interiores: cimento aluminoso centrifugado para efluentes com pH de 4 a 12 (revestimento corrente) e poliuretano para efluentes agressivos com pH de 1 a 13. Estas tubagens e acessórios apresentam diferentes soluções para protecção exterior da corrosão, nomeadamente as seguintes:

• zinco com camada de acabamento de tinta epóxi normalmente vermelha (protecção corrente);

• pintura de epóxi-zinco e pintura betuminosa normalmente cor vermelho acastanhado;

• poliuretano, PUX, ou polietileno, PE (em casos de solos agressivos);

• espuma de poliuretano coberta de tela de PEAD (em caso de protecção contra gelo e atravessamentos aéreos).

As tubagens de materiais plásticos não são, em regra, revestidas.

No que se refere às tubagens de aço não ligado, podem apresentar diferentes soluções para a protecção da corrosão, apenas por separação dos métodos de fabrico da tubagem. Assim, o revestimento interno é normalmente constituído por argamassa de cimento aluminoso centrifugado para diâmetros até 700 mm, sendo para diâmetros superiores constituído por um barramento de resina epoxídica. O revestimento exterior é normalmente de polipropileno ou polietileno em camada tripla.

4.4.1.3. Condições de assentamento e valas tipo

Para a instalação de tubagens enterradas, sempre que a natureza do terreno e os meios de escavação o permitam, as paredes da vala devem ser aproximadamente verticais, por razões de economia, repartindo-se o peso das terras e das cargas móveis, conforme se representa esquematicamente no pormenor 1 da Figura 4.2. Caso não haja possibilidade

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de executar a vala com as paredes verticais, recomenda-se uma secção de acordo com o pormenor 2 da Figura, tendo em conta que a geratriz superior do tubo deverá ainda estar contida no interior da secção rectangular com paredes verticais.

Figura.4.2 – Representação esquemática de execução de valas-tipo.

A largura da vala, B, depende dos meios mecânicos utilizados, da profundidade da mesma e do diâmetro da tubagem. A largura recomendada, é a constante na EN 1610.

Na Figura 4.3 apresenta-se uma vala tipo com o vocabulário de simbologia uniformizado. Poderá ser especificada a altura b, definida por b = k.DE, em que k é um factor que representa a relação entre DE, o diâmetro exterior e o ângulo de assentamento. Nos desenhos das valas tipo, k.DE deverá mesmo substituir o ângulo de assentamento, uma vez que, em obra, se simplifica o processo de construção e inspecção se em vez de um ângulo se medir uma altura. O ângulo de assentamento não é o ângulo de reacção de apoio utilizado no cálculo estrutural. Os valores que assumem os parâmetros a, b e c são referidos ainda neste sub-capítulo.

1. superfície; 2. fundo da caixa do arruamento, se

houver; 3. parede da vala; 4. camada de recobrimento; 5. camada de protecção superior; 6. camada de protecção lateral; 7. camada de assentamento superior

(suporte); 8. camada de assentamento inferior; 9. fundo de escavação; 10. recobrimento; 11. leito de assentamento; 12. camada de assentamento total; 13. profundidade da vala.

Figura 4.3- Representação esquemática de vala tipo (adaptado da EN 1610).

Requisitos de instalação de tubagem em vala

Para execução da vala, deverá escavar-se até à linha da soleira acrescentada da camada de assentamento inferior, a, que deverá ter uma espessura mínima de 100 mm, sempre que o terreno seja uniforme e facilmente escavável, ou de 150 mm, em terrenos rochosos ou muito duros.

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Deve limpar-se o fundo da vala de pedras e objectos com arestas antes de se executar o leito de assentamento, que deverá ser em terra seleccionada ou areia com uma compactação não inferior a 95 % do Proctor Normal. O valor de b será o especificado no projecto, relacionando-se com o ângulo de assentamento. Por exemplo, para b atingir a altura definida para um ângulo de assentamento de 120º, deverá especificar-se k = ¼.

A dimensão máxima recomendada das partículas em solos para aplicação na camada de assentamento é d ≤ 2 mm.

Em casos excepcionais de qualidade do terreno existente próxima do solo do leito de assentamento, o tubo pode ser instalado directamente sem camada de assentamento inferior, desde que o terreno original garanta um total suporte da tubagem ao longo do seu desenvolvimento. Contudo, estas condições só serão possíveis de verificar em obra, não devendo o projecto contemplar estes casos, a menos que hajam sondagens e/ou conhecimento do local que permitam efectuar tais considerações.

No caso de tubagens flexíveis, o leito de assentamento não deverá ser rígido. O leito de assentamento em coxim que é comum nas tubagens rígidas, no caso de tubagens plásticas dá origem a tensões elevadas nas paredes das tubagens, pela diferença de rigidez dos materiais que confinam o tubo. Nos materiais plásticos, o tipo de material que envolve o tubo deve ser tão homogéneo quanto possível. Neste âmbito, a utilização do betão no leito de assentamento é possível, desde que a camada de assentamento seja integralmente em betão.

Depois da tubagem montada e ensaiada, colocam-se camadas de aterro em areia, outro material granular fino ou solos escolhidos entre os produtos de escavação e isentos de torrões, pedras, paus, tábuas, raízes e de outros corpos duros, realizando assim a camada de protecção da tubagem até à cota tal que o valor c atinja 30 centímetros acima do extradorso da tubagem. O aterro deve ser executado por camadas horizontais com 20 a 30 centímetros de espessura, que devem ser sucessivamente regadas e batidas até se atingir 95 % do ensaio Proctor Normal. É imprescindível que este valor seja atingido para o caso de tubagens plásticas. No caso de tubagens rígidas, esta compactação poderá ficar pelos 90 % do ensaio Proctor Normal.

A dimensão máxima recomendada das partículas em solos para aplicação na camada de protecção é de 20 mm. A consolidação das diversas camadas de aterro para a protecção (até 30 cm acima da geratriz), deve fazer-se por meio de maços manuais, convindo que sejam em forma de cunha, quando destinados ao aperto lateral de terras nas proximidades da conduta, e em especial na sua semi-secção inferior. Nesta camada de protecção, não se deverá utilizar equipamento mecânico na compactação. Quando não for suficiente a humidade própria do terreno, nem a água existente no subsolo, regar-se-á cada uma das camadas de aterro na medida que, pela prática, se reconheça ser a mais conveniente para obter a melhor compactação. Esta prática só é permissível em solos não coesivos. O número de pancadas dos maços será, em cada caso, o recomendado pela experiência como necessário para obtenção de uma densidade relativa nunca inferior aos 95 % do ensaio Proctor Normal, em caso de dúvida por parte do Empreiteiro, a Fiscalização poderá fixar e alterar, para cada zona de aterro, em função da natureza dos solos e do grau de consolidação a atingir, o peso do aparelho de compressão e o número, a ordem e o sentido das passagens necessárias.

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Acima da protecção, a camada de recobrimento deverá fazer-se com produtos da escavação da própria vala, desde que sejam isentos dos detritos orgânicos e corpos de maiores dimensões, que sejam prejudiciais à sua estabilidade e boa consolidação, especialmente se tal aterro vier a constituir base de pavimento rodoviário ou mesmo de bermas e passeios. A dimensão máxima recomendada das partículas em solos para aplicação na camada de recobrimento é de 200 mm.

Nas camadas superiores, onde a compactação puder fazer-se por meios mecânicos, com pratos ou cilindros vibradores de dimensões apropriadas, serão permitidas espessuras até 40 ou 50 centímetros, antes de batidas.

Os aterros de valas que venham a ficar sujeitos à passagem de tráfego rodoviário deverão receber uma camada de desgaste provisório, com 10 a 15 centímetros de espessura, em saibro ou em solos estabilizados mecanicamente, e ser submetidos ao trânsito antes de pavimentados definitivamente, a fim de reduzir ao mínimo a eventualidade de futuras cedências, ressaltos ou ondulações, nos revestimentos definitivos das faixas de rodagem. Deve evitar-se o enchimento de valas com materiais gelados.

Em caso de risco de inundação da vala deve proceder-se, durante o processo de montagem, à fixação da tubagem ao leito da mesma mediante pontos de aterro distribuídos, para evitar a flutuação das tubagens e manter o seu traçado. Nestas situações, o uso de geotêxteis pode ser aconselhado.

A profundidade mínima da vala é função do diâmetro e das condições particulares da obra. Em princípio, o recobrimento mínimo deve ser de 1 metro. Contudo, deverá ser verificado se para as condições de instalação previstas, existe necessidade de protecções adicionais, especialmente no caso de existirem cargas rolantes, e sempre que não se incluam precauções no projecto (designadamente protecção em betão e lajetas), devem-se ter em conta as especificações constantes na norma EN 1295. O estudo das protecções à tubagem será efectuado em projecto, consoante o material preconizado. Em casos excepcionais, como por exemplo no caso de atravessamentos de linhas de água, a profundidade poderá ser inferior a 1 metro.

Para o cálculo da resistência dos colectores, os coeficientes e factores de segurança deverão ser devidamente ponderados, tendo em conta os casos mencionados e os métodos apresentados, ou outros referidos nas normas.

Quando esteja prevista, na mesma via, a existência de diversos tipos de tubagens, considera-se boa regra admitir que o extradorso da tubagem de águas residuais domésticas seja implantado abaixo da soleira da tubagem de águas pluviais, para garantia de ligação dos ramais domiciliários.

A largura das valas para assentamento das tubagens deverá apresentar, no mínimo, Dext + 0,5 m, para colectores com Dext < 500 mm, e de Dext + 0,7 m, para colectores de diâmetro superior. A esta largura deve adicionar-se 0,20 m (para valas entre 3,0 e 4,0 m) e 0,30 m (para valas entre 4,0 e 5,0 m). Atendendo a que a um acréscimo da largura da vala, na zona de instalação do colector corresponde uma redução da capacidade resistente, torna-se importante que as sobrelarguras só tenham lugar acima da camada de protecção da tubagem.

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No caso de elevados níveis freáticos e solos coesivos, tipo argilas e siltes, pode ser equacionada a aplicação de geotêxteis.

No caso de ligação de tubagens a câmaras de visita deverá garantir-se perfeita estanquidade, nomeadamente quando se prevejam elevados níveis freáticos. Nessas situações, devem ser especificados dispositivos especiais, tipo passa-muros.

Tratando-se de colectores com escoamento em superfície livre, as forças dinâmicas e estáticas do escoamento são reduzidas, não se tornando necessário, em regra, a construção de maciços de amarração, o que não acontece no caso de condutas sob pressão, em particular condutas elevatórias.

Em Portugal, e na actual condição do mercado, é corrente, para as condições usuais de instalação em vala (redes ou emissários), a adopção de tubagens de PVC corrugado para escoamento com superfície livre, pelo menos para diâmetros até 500 mm e no caso de níveis freáticos não elevados. No caso de condutas sob pressão pode ser utilizado, em regra, o PVC maciço para pequenos diâmetros, com resistência adequada às várias pressões previstas.

As razões principais destas escolhas decorrem dos baixos custos deste tipo de tubagens, resistência mecânica razoável, resistência à corrosão por ácido sulfídrico/sulfúrico e facilidade de instalação. Em casos especiais, designadamente elevados níveis freáticos ou no caso de instalações no interior de edifícios (fora de vala), travessias e outras obras particulares, frequentemente considerada a utilização de ferro fundido, eventualmente revestido interior e exteriormente. Em emissários principais e de diâmetros elevados (D ≥ 500 mm) é frequentemente equacionada a instalação de tubagens de PEAD e betão armado ou pré-esforçado (estes últimos casos, para a situação invulgar de grandes diâmetros dos colectores).

4.4.2. Câmaras de visita

4.4.2.1. Considerações introdutórias

As câmaras de visita são dispositivos acessórios das redes de drenagem de águas residuais e tem como finalidade facilitar o acesso aos colectores para efeitos de manutenção, de inspecção e de eventual reabilitação, em condições de segurança e de eficiência. As câmaras de visita são, na situação mais frequente de colectores de redes de drenagem de diâmetro até 600 mm, constituídas por elementos de betão pré-fabricado. Embora de utilização menos vulgar existem também câmaras de visita de betão armado executadas “in situ”, de fibrocimento, de grés vidrado e de material plástico (PVC, PEAD e PRV). As câmaras de visita de betão, de fibrocimento e de grés vidrado estão cobertas por normas ou projectos de normas europeias.

As câmaras de visita circulares são compostas por anéis e cone excêntrico pré-fabricados obedecendo, respectivamente, às normas NP 881 e NP 882. Estas câmaras de visita apresentam, em regra, corpo em anéis de betão pré-fabricados de diâmetro 1,00 m para alturas até 2,50 m e de 1,25 m de diâmetro para alturas superiores.

Deve considerar-se a execução de câmaras em betão armado, para diâmetros superiores ou iguais a DN 700, devendo apresentar-se no projecto cálculo justificativo e pormenores de betão armado, devendo-se prever reforços estruturais junto das aberturas nas paredes para a entrada de tubagens e na laje para inserção da tampa de acesso. As

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dimensões para câmaras rectangulares deverão ser de acordo com a NP EN 476, no mínimo com 750 x 1200 mm. Devem também prever-se câmaras de betão armado no caso de colectores domésticos implantados em leitos de ribeira ou linhas de água. O sub-capítulo 4.4.2.4 reporta-se a câmaras de visita de dimensão excepcional.

Em alternativa à construção de câmaras in situ, poder-se-á equacionar a execução de câmaras no mesmo material das tubagens, como sejam as câmaras em PEAD e PRV.

As câmaras de visita podem ser de planta rectangular com cobertura plana ou de planta circular com cobertura plana ou tronco-cónica assimétrica. A adopção de outras formas geométricas poderá aceitar-se em casos excepcionais devidamente justificados.

As câmaras de visita podem ainda ser centradas ou descentradas relativamente ao alinhamento do colector. Este último tipo deverá ser especialmente utilizado em situações de maior risco potencial, para o pessoal de manutenção e inspecção.

4.4.2.2. Dimensões mínimas, constituição e materiais utilizados

Dimensões mínimas

As dimensões mínimas das câmaras de visita e de inspecção estão definidas na NP EN 476, consoante sejam para acesso de pessoas ou não. Deste modo, as câmaras de visita devem ter as seguintes dimensões mínimas (NP EN 476:2000):

• no caso de planta circular, o diâmetro nominal interno (DN/DI) deve ser igual ou superior a 1000 mm;

• no caso de planta rectangular, as dimensões nominais internas devem ser de 750 × 1200 mm ou superior;

• no caso de planta elíptica, as dimensões nominais internas devem ser de 900 × 1100 mm ou superior.

A relação entre a largura e a profundidade das câmaras de visita deve ter sempre em consideração a operacionalidade e a segurança do pessoal da exploração.

A Figura 4.4 reporta-se à apresentação de coberturas de câmaras de visita. Na Figura 4.5 apresentam-se, esquematicamente, as características de dimensão das câmaras de visita correntes.

Constituição e materiais utilizados

As câmaras de visita são constituídas por soleira, corpo, cobertura, dispositivo de fecho e dispositivos de acesso.

Soleira

A soleira de uma câmara de visita é, em geral, constituída por uma laje de betão, simples ou armado, conforme as condições locais o aconselhem, funcionando como fundação do corpo. A sua espessura deve ser, na zona mais profunda das caleiras, não inferior a 100 mm.

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Tendo em vista minimizar a retenção de sólidos as superfícies da soleira devem ter uma inclinação mínima de 10 % (preferencialmente da ordem dos 20 %) no sentido das caleiras, devendo ser as linhas de crista ligeiramente boleadas.

As mudanças de direcção, diâmetro e inclinação de colectores devem fazer-se por meio de caleiras semicirculares construídas na soleira das câmaras de visita, com altura igual a dois terços do maior diâmetro, por forma a garantir a continuidade do escoamento em condições adequadas.

No caso de colectores separativos pluviais ou colectores unitários, de diâmetros superiores a 200 mm e queda superior a 1 m na câmara de visita, a soleira deve ser localmente protegida, por exemplo, com cantaria. Quando na câmara de visita existir um desnível ou queda entre o colector de montante e o de jusante, e caso este desnível seja superior a 0,50 m, deve utilizar-se um troço de queda guiada, construído exteriormente à câmara de visita propriamente dita.

Para quedas inferiores a 0,50 m, o desnível deve ser vencido recorrendo a queda suave em betão. Na Figura 4.6, em Anexo, representa-se esquematicamente uma câmara de visita tipo com queda suave. Na Figura 4.7, representa-se esquematicamente uma câmara de visita tipo com queda guiada.

Corpo

O corpo das câmaras de visita é, nas situações mais correntes, construído com anéis pré-fabricados de betão. O corpo pode também ser feito de betão simples ou armado, moldado no local, de alvenaria hidráulica de pedra, de tijolo ou de blocos maciços de cimento. Neste caso, a parte compreendida entre a soleira e a geratriz superior do colector, situada a cota mais elevada, deve ser de betão moldado no local ou de alvenaria hidráulica, com eventual intercalação de anéis pré-fabricados.

No que respeita a espessura das paredes do corpo os valores mínimos a adoptar devem ser os seguintes: alvenaria de pedra: 200 mm; betão moldado no local: 120 mm; alvenaria de tijolo: ½ vez; elementos de betão pré-fabricado: 100 mm.

No caso da profundidade das câmaras de visita exceder 5 m, devem ser construídos, por razões de segurança, patamares em gradil espaçados no máximo de 5 m, com aberturas de passagem desencontradas.

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Figura 4 4 – Representação de coberturas das câmaras de visita.

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Figura 4 5 – Características dimensionais das câmaras de visita (adaptado de NP EN 476:2000).

Figura 4 6 – Representação de câmaras de visita com queda suave (H-H1≤ 0,50m).

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Figura 4 7 – Representação de câmaras de visita com queda guiada.

Cobertura

As coberturas das câmaras de visita são planas ou tronco-cónicas assimétricas. Têm o diâmetro interior da base igual ao do corpo da câmara e, na parte superior, uma gola cilíndrica, para assentamento do aro do dispositivo de fecho.

Dispositivos de fecho

O dispositivo de fecho é a parte superior da cobertura da câmara de visita sendo constituído por aro e tampa. Os dispositivos de fecho dividem-se, de acordo com a NP EN 124:1995, nas seguintes classes: A15, B125, C250, D400, E600 e F900. A selecção da classe de dispositivo de fecho a adoptar, da responsabilidade do projectista, depende

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do local de instalação. Podem sistematizar-se os seguintes seis grupos (cinco aplicáveis directamente a dispositivos de fecho) de locais de instalação:

• Grupo 1 (classe mínima A 15) – zonas utilizadas exclusivamente por peões e ciclistas;

• Grupo 2 (classe mínima B 125) – passeios, zonas para peões e zonas comparáveis, parques de estacionamento e silos de estacionamento para viaturas ligeiras;

• Grupo 3 (classe mínima C 250) – aplicável apenas a dispositivos de entrada (sarjetas e sumidouros);

• Grupo 4 (classe mínima D 400) – vias de circulação (incluindo ruas para peões), bermas estabilizadas e parques de estacionamento para todo o tipo de veículos;

• Grupo 5 (classe mínima E 600) – zonas sujeitas a cargas elevadas, por exemplo docas e pistas de aviação;

• Grupo 6 (classe mínima F 900) – zonas sujeitas a cargas particularmente elevadas, por exemplo pistas de aviação.

Os dispositivos de fecho são fabricados com um dos seguintes materiais: ferro fundido de grafite lamelar; ferro fundido de grafite esferoidal; aço vazado; aço laminado; combinação de um dos três primeiros materiais referidos com betão; ou, ainda, betão armado. O mais material correntemente utilizado é o ferro fundido.

O diâmetro de passagem dos dispositivos de fecho circulares deve ser de 600 mm, podendo ser superior quando assim for conveniente. Apenas em situação de dispositivos de fecho de substituição se admitem diâmetros inferiores (550 mm). No caso de dispositivos de fecho de forma quadrada ou rectangular, a dimensão mínima deve ser igualmente de 600 mm.

A superfície exterior da tampa de ferro fundido deve apresentar uma configuração estriada, que garanta condições de aderência dos rodados dos veículos. Deve ser assegurada uma boa drenagem afim de evitar a acumulação de água.

A profundidade de encaixe mínima, a folga, o apoio, o levantamento e assentamento das tampas e outras características dos dispositivos de fecho devem obedecer ao estabelecido na norma portuguesa NP EN 124:1995.

Por fim, refere-se que as tampas das câmaras de visita de colectores domésticos implantados em leitos de ribeira ou linhas de água deverão ser estanques, anti-refluxo até 1 bar, solidarizadas e seladas ao betão armado através de parafusos ou chumbadouros.

Dispositivos de acesso

O uso de degraus metálicos cravados nas paredes das câmaras de visita, para acesso ao seu interior, é prática tradicional. Estes devem ser constituídos por varão de aço macio ou de ferro fundido (lamelar ou esferoidal), devendo assegurar-se a protecção contra a corrosão, ao longo da vida útil da obra.

A disposição e formato dos degraus pode permitir que estes sirvam para os dois pés ou para apenas um pé só de cada vez. Em qualquer dos casos, a inserção dos degraus deve

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ser tal que assegure uma distância mínima à parede, em projecção vertical, de 120 mm. O espaçamento vertical entre degraus deve situar-se entre 250 mm e 350 mm.

Na situação de degraus para os dois pés estes devem estar alinhados segundo um eixo vertical. Na situação de degraus para um pé os eixos verticais das duas fiadas de degraus devem estar afastados de 300 mm (± 10 mm).

A NP 883 estabelece regras relativas aos degraus de acesso. Contudo, recomenda-se que o acesso, principalmente em redes de águas residuais domésticas, seja efectuado através de escadas em material plástico e não através de degraus metálicos, que com o tempo se deterioram, podendo não oferecer garantias de segurança a médio prazo.

4.4.2.3. Acabamentos

O interior das câmaras de visita deve ser por princípio rebocado, numa espessura não inferior a 20 mm, com argamassa de cimento e areia ao traço 1:3. No caso de o corpo ser constituído por anéis pré-fabricados pode dispensar-se o seu reboco, se a superfície se apresentar perfeitamente lisa e sem defeitos. É indispensável garantir o perfeito fechamento das juntas com a aplicação de cordel de mastique entre anéis do corpo, e entre o anel superior deste e o cone da cobertura. Os cantos e arestas interiores devem apresentar-se arredondados.

Em situações em que os níveis freáticos na zona de implantação se situam, permanente ou temporariamente, acima da cota de soleira, deverão ser tomadas precauções especiais para a garantia da estanquidade.

Ainda em situações de potencial vulnerabilidade à formação de sulfídrico o acabamento deverá incluir a protecção interior da câmara de visita.

Um aspecto relevante, do ponto de desempenho hidráulico, é a estanquidade do sistema, incluindo os colectores e as câmaras de visita. Do ponto de vista das câmaras de visita este aspecto é tanto mais relevante quanto os níveis freáticos se encontram, de forma contínua ou sazonal, acima da soleira.

É pois da maior importância garantir uma adequada construção/instalação destes dispositivos, assegurando um perfeito fechamento das juntas, na própria câmara e nas ligações entre câmara e colectores. Enunciam-se seguidamente procedimentos ou medidas práticas, a adoptar individualmente ou em conjunto, em função da situação concreta em análise:

• Execução da soleira e do corpo da câmara de visita, até cerca de 25 mm acima da coroa superior do colector afluente mais alto, em betão armado B25 BD2.1 com “slamps” baixos caso se consiga com uma vibração elevada, ou com “slamps” mais altos quando existe falta de capacidade de vibração elevada por parte do construtor. A parte restante do corpo e cobertura poderá ser executada respectivamente com anéis e cones pré-fabricados, devendo a sua implantação ser feita com argamassas ricas em cimento e com cordão mastique incorporado (Videira e Guedes, 1998).

• Utilização de ligadores na junção tubagem/betão da câmara de visita, inseridos na cofragem antes da betonagem. Estes ligadores têm a capacidade de

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impermeabilizar a junta tubagem / câmara de visita e permitir ainda possíveis assentamentos diferenciais, sem aparecimento de fendilhação, estando disponíveis no mercado vários tipos função do tipo de tubagem de ligação à câmara de visita (Videira e Guedes, 1998).

• Opção por câmaras de visita em materiais que permitem comprovadamente assegurar melhores condições de estanquidade do que o betão ao longo da vida útil da câmara de visita (caso das câmaras de polietileno de alta densidade e plástico reforçado com fibra de vidro).

Em casos em que se prevejam condições favoráveis à formação de gás sulfídrico (ou ácido sulfúrico diluído, correspondendo à oxidação anaeróbia do gás sulfídrico) torna-se necessário proteger a superfície interior da câmara de visita com pintura adequada. Uma protecção eficaz pode incluir os seguintes procedimentos para aplicação de resinas epoxy (Videira e Guedes, 1998):

• preparação prévia das paredes interiores com limpeza por hidropressão (a 200 bar) por forma ao estado final da superfície não incluir “leitadas”, vazios ou grãos de baixa aderência;

• eliminação da humidade das paredes, de modo a que a humidade relativa ambiente (H.R.) seja inferior a 80 %, devendo mesmo assim verificar-se que a humidade da superfície é igual ou inferior a 5 %, valores estes a obter através de eventual ventilação e extracção mecânica do ar;

• aplicação de uma primeira camada de resina epoxy (do tipo “toptar” da Bettor ou equivalente), desde que a percentagem de sólidos em peso seja igual ou superior a 90 %, com diluição de 5 a 8 % em xileno/toleno e com espessura de 200 microns;

• aplicação de uma segunda camada pura do mesmo material, com espessura de 200 microns, a executar quando a primeira camada estiver já seca. A aplicação deverá ser obrigatoriamente por pulverização (pistola airless) com retoques a pincel plano ou rolo de pelo de algodão fino. As zonas de infiltração deverão ser tapadas com “kanasec” da Bettor ou produto equivalente, compatível com o esquema das pinturas.

4.4.2.4- Câmaras de visita de dimensão excepcional

Para colectores de dimensão superior a 600 a 800 mm utiliza-se, em geral, uma câmara de visita de maiores dimensões, compatível com o diâmetro dos colectores (DIRECÇÃO GERAL DOS RECURSOS NATURAIS, 1991).

Esta câmara deverá ser, em princípio, de planta circular ou rectangular, com uma dimensão mínima igual ao diâmetro do colector acrescida de 250 mm para cada lado, para as faces das paredes atravessadas pelos colectores. No caso de câmaras de visita onde se dá a convergência ou a saída de vários colectores, os valores definidos devem ser ajustados para que as inserções se façam em boas condições. Preferencialmente, a câmara de visita rectangular deve ter uma altura que permita a um homem proceder às operações de limpeza com os pés assentes numa plataforma, a qual é em geral construída no topo do colector de jusante. O acesso a esta câmara pode ser feito através de uma “chaminé” constituída por anéis circulares pré-fabricados.

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Se os colectores apresentam um diâmetro superior a 1500 mm, a câmara de visita pode ser apenas uma câmara de acesso ao colector, já que este é, na prática, visitável, executada com anéis pré-fabricados, apoiada nele próprio. Neste caso, é indispensável que o colector seja reforçado na zona de inserção, por forma a constituir uma adequada fundação para suportar as cargas transmitidas pela veículos.

Na Figura 4.7, representa-se esquematicamente uma câmara de visita de dimensão excepcional.

Figura 4 8 – Representação de câmaras de visita de dimensão excepcional.

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4.4.2.5- Câmaras de visita pré-fabricadas em material plástico

PEAD

Existem soluções interessantes para câmaras de visita em PEAD de parede aligeirada, efectuadas por encomenda. Em zonas ambientalmente sensíveis, podem ser de considerar soluções integradas em que a rede de saneamento é composta por apenas um tipo de material. São conhecidos os problemas de entrada de água nos emissários instalados no leito menor de linhas de água ou de fugas de água residual para linhas de água, devido à falta de estanquidade na interface tubagem-câmara, ou nas juntas dos anéis das câmaras. As câmaras de visita soldadas ao próprio tubo tornam todo o sistema estanque, devendo equacionar-se esta solução em obras de grande dimensão e em casos especiais, como de grande sensibilidade ambiental, ou de drenagem de águas residuais com características particularmente agressivas.

Normalmente, a solução construtiva das câmaras de visita em PEAD de parede aligeirada é possível para diâmetros nominais desde 800 a 2000 mm. A base da câmara é constituída por uma soleira tipo meia cana em tubagem de diâmetro igual ao da maior ligação, sendo possível efectuar todos os desvios angulares nesta soleira para se efectuarem as mudanças de direcção. O acabamento é em placa de PEAD, ligando a meia cana à parede da câmara. O fundo é também em placa de PEAD, assentando directamente em terreno regularizado e bem compactado. O fundo pode ainda levar um compartimento adicional para ser cheio a betão, podendo-se em alternativa proceder a ancoragens, eliminando o risco de flutuação em zonas de nível freático elevado. É recomendável que as câmaras sejam especificadas com troços de tubo de 0,5 m já soldadas, facilitando as ligações, quer a tubagem seja em PEAD ou não, sendo possível adaptar qualquer tipo de tubo flexível ou rígido, e de junta. A câmara pode ser provida de degraus em aço revestido a polipropileno, com afastamento de 30 cm, alinhados ou em posição alternada. Os topos podem ser fechados com cones em PEAD ou laje em betão armado que transmita parte das cargas para o terreno.

Existem outras soluções pré-fabricadas de câmaras noutros tipos de PEAD, que não sendo fabricadas segundo os requisitos e especificidades de cada obra, tornam-se pouco flexíveis e geralmente mal adaptadas a projecto.

PVC (policloreto de vinilo)

Disponibilizam-se também soluções técnicas com interesse para câmaras de visita pré-fabricadas deste material, em que, à semelhança com o que acontece com o PEAD, apenas é necessário definir o diâmetro interno e as profundidades de entrada e saídas das tubagens. Garante-se, assim, uma instalação estanque e inteiramente compatível no que respeita a ligações entre os diversos elementos da rede.

PRFV (poliéster reforçado com fibra de vidro)

Este material pode ser especificado nos casos em que se pretendam soluções absolutamente estanques. A especificação deverá referir que a tubagem irá funcionar à compressão axial, isto é, instalado na vertical, pelo que o processo de fabrico e a disposição das fibras de vidro terão de ser diferentes das que caracterizam as tubagens assente em vala. A especificação deste tipo de câmaras de visita constitui uma solução relativamente onerosa, comparativamente com as tradicionais câmaras em anéis,

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justificando-se apenas em aplicações especiais, tais como em obras de grande dimensão de emissários no interior de ribeiras e com zonas de grande sensibilidade à contaminação.

4.4.2.6- Câmaras de corrente de varrer

As câmaras de corrente de varrer são dispositivos cuja finalidade, como já referido, é permitir a limpeza dos colectores, quando não é possível assegurar condições de auto-limpeza. Esta ocorrência deverá estar confinada, tanto quanto possível, a alguns trechos de cabeceira ou trechos de montante de redes unitárias ou de redes separativas domésticas, onde as condições de auto-limpeza poderão ser, na prática, difíceis de garantir.

Quanto ao funcionamento há essencialmente dois tipos de câmaras de corrente de varrer: as manuais e as automáticas. As manuais correspondem a uma câmara de visita normal, dotada de comporta ou comportas manobradas manualmente, o que permite isolar a câmara de visita do colector a que ela está ligado e proceder ao enchimento daquela. As automáticas distinguem-se das manuais por disporem de um sifão no fundo, o que permite proceder à descarga automática da água acumulada na câmara com uma determinada frequência, a partir de uma alimentação contínua e regulável de água.

Por razões sanitárias associadas essencialmente a problemas de saúde pública resultantes de riscos de contaminação é recomendável, no caso da necessidade de utilização de câmaras de corrente de varrer, que elas sejam manuais e não automáticas.

O recurso a câmaras de corrente de varrer deve estar confinado a situações pontuais, de troços de cabeceira de colectores principais ou secundários onde por condicionalismos diversos, topográficos, de diâmetro mínimo, de ocupação urbana dispersa, ou por razões de economia da obra, não seja possível garantir, pelo menos uma vez por dia, condições de auto-limpeza.

A tendência deverá ser claramente no sentido de eliminar estes dispositivos recorrendo, em alternativa, à lavagem directa por agulheta com frequência adequada.

4.4.2.7- Critérios de implantação de câmaras de visita

No que se refere à localização das câmaras de visita, e de acordo com a legislação nacional, é obrigatória a sua implantação nas seguintes situações:

• no início dos trechos de cabeceira;

• na confluência de colectores;

• nas secções de mudança de direcção, de alteração de inclinação e de alteração de diâmetro dos colectores;

• nos alinhamentos rectos, com afastamento máximo de 60 m, caso o colector não seja visitável (diâmetro até 1600 mm), ou com afastamento máximo de 100 m, no caso de colectores visitáveis.

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Os afastamentos máximos referidos anteriormente podem ser aumentados em função dos meios de limpeza, no caso de colectores não visitáveis, e em situações excepcionais devidamente justificadas, no segundo caso.

Para além dos critérios anteriormente referidos, salientam-se ainda os seguintes critérios de posicionamento de câmaras de visita, em perfil longitudinal, destinados a assegurar a continuidade do escoamento, sem regolfos para montante:

• a inserção de um ou mais colectores noutro deve ser feita no sentido do escoamento, de forma a assegurar a tangência da veia líquida secundária à veia líquida principal;

• no caso de alterações de diâmetro, deve ser garantida concordância da geratriz superior interior dos colectores.

4.4.3. Ramais de Ligação

O objectivo dos ramais de ligação é a ligação das redes prediais às redes gerais de drenagem

Os ramais de águas residuais apresentam, em geral, diâmetros compreendidos entre 100 e 150 mm, devendo ser implantados com inclinações da ordem dos 2%. Normalmente, o mau funcionamento dos ramais domiciliários de ligação resulta da penetração de raízes no seu interior ou do arrastamento de gorduras.

O material e o tipo de juntas a adoptar devem ser, sempre que possível, análogos aos do colector da rede geral, procedendo-se de forma a minimizar a possibilidade da penetração de raízes. No caso de colectores de sistemas de drenagem de água residual comunitária, importa minimizar os caudais de infiltração de águas subterrâneas. De facto, deve ser dada particular atenção à execução de ramais de ligação aos colectores da rede geral, nomeadamente ao coxim do ramal, à compactação do material envolvente e às técnicas de ligação, já que os ramais executados de forma deficiente são responsáveis por uma parte significativa do caudal de infiltração. Na Figura 4.8 apresenta-se, esquematicamente, a ligação de um ramal a colector profundo. A Figura 4.9 diz respeito a ligação de ramal predial a colector de média e grande dimensão.

Constitui prática adequada na execução de redes de drenagem de água residual, a colocação de tês e/ou forquilhas, não apenas para as ligações à rede no inicio de exploração da obra, mas também nas secções onde se preveja a ligação de futuros ramais domiciliários. No entanto, neste último, os tês e as forquilhas devem ser convenientemente tamponados, até que entrem em serviço. A Figura 4.10 diz respeito a ramais de ligação-tipo a colectores pouco enterrados.

Se as forquilhas e os tês não forem instalados durante a execução do colector geral da rede de drenagem, então será necessário, "à posteriori", furar o colector e proceder à inserção do ramal de ligação domiciliário. Este tipo de procedimento conduz, com frequência, a soluções construtivas de menor qualidade, principalmente quando resultam de técnicas que obrigam a partir o colector da rede geral; nestes casos, muito dificilmente se evita que o ramal de ligação entre no colector, passando a constituir um obstáculo e uma perda de carga adicional ao escoamento.

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Figura 4 8 – Representação esquemática de ligação de ramais de ligação a colectores profundos.

Figura 4 9 – Representação esquemática de ligações a colectores de média e grande dimensão.

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A melhor solução, nestes casos, se o colector for de pequeno diâmetro, é a substituição do troço do colector da rede geral por um outro em que já esteja inserido um tê ou uma forquilha. Se se tratar de um colector de diâmetro apreciável pode ser adoptada, por exemplo, a solução indicada na Figura 4.10.

Figura 4 10 – Representação esquemática de ramais de ligação a colectores pouco enterrados.

4.5. Aspectos da concepção dos sistemas. Traçado em planta e perfil longitudinal de colectores.

4.5.1. Aspectos gerais

De acordo com o Artigo 119º do Decreto-lei nº 53/95, na concepção de sistemas de drenagem pública de águas residuais em novas áreas de urbanização deve, em princípio, ser adoptado o sistema separativo. Em sistemas novos, é obrigatória a concepção conjunta do sistema de drenagem de águas residuais domésticas e industriais e do sistema de drenagem de águas pluviais, independentemente de eventuais faseamentos diferidos de execução das obras.

No caso de aglomerado urbanos que incluam colectores unitários antigos, a remodelação para redes separativas pode ser técnica ou economicamente difícil ou

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inviável. Nestes casos, a interligação das redes unitárias com redes ou emissários “separativos”, a jusante, é efectuada através de descarregadores em regra dispondo de tubos curtos de ligação ou válvulas de vortex, para controlo de caudal.

No caso do estabelecimento de redes de drenagem de aglomerados, as soluções de traçado são em grande parte condicionadas pelas condições topográficas locais e pelas necessidades de atendimento e garantia de serviço de percurso aos diversos locais. A vantagem de se dispor de um destino final comum para os efluentes do aglomerado, e de um único emissário final conduz, muitas vezes, a necessidade de se recorrer a sistemas elevatórios.

No caso de sistemas regionais de saneamento que servem diversas povoações ou aglomerados, as redes locais descarregam muitas vezes em emissários que por sua vez lançam os efluentes em interceptores finais que transportam a massa líquida para o local de tratamento. O traçado dos emissários e interceptores é condicionado pelo local seleccionado para o destino final das águas residuais, tendo em conta princípios gerais como garantia de distância aos núcleos urbanos, afastamento do local de rejeição de zonas balneares e de utilização recreativa e escolha de meios receptores com condições favoráveis de diluição e dispersão dos efluentes.

Enquanto as redes de colectores se desenvolvem, em regra, ao longo dos arruamentos dos aglomerados, é comum os emissários gravíticos serem implantados ao longo de linhas de vale, relativamente próximo de linhas de água.

De acordo com o ponto 2 do Artigo 114º do Decreto-Regulamentar nº 23/95, em pequenos aglomerados populacionais, onde as soluções convencionais de engenharia se tornem economicamente inviáveis, pode adoptar-se, em alternativa, sistemas simplificados de drenagem pública, tais como fossas sépticas seguidas de sistemas de infiltração ou redes de pequeno diâmetro com tanques interceptores de lamas. O sub- -capítulo 4.7 deste livro reporta-se, designadamente, a diversos tipos de soluções de drenagem não convencionais.

Por sua vez, as principais etapas ou fases que se colocam no desenvolvimento de um projecto de uma rede de drenagem de águas residuais após a definição do traçado em planta, são as seguintes:

1- determinação, os maior rigor possível, dos caudais de águas residuais nos diversos trechos da rede;

2- dimensionamento hidráulico-sanitário dos colectores, em termos de diâmetro e declive, e de todos os outros componentes do sistema, para que se escoem os caudais de projecto, nas condições regulamentares;

3- apresentação de peças escritas e desenhadas que permitam a execução das obras e que possibilitem a sua posterior exploração adequada.

No caso de se disporem de várias soluções alternativas, devem conduzir-se os estudos por forma a possibilitar a respectiva comparação, em termos técnicos, económicos e ambientais.

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4.5.2. Traçado em planta

O traçado em planta de colectores em arruamentos urbanos deve fazer-se, em regra, no eixo da via pública. Em vias de circulação largas e em novas urbanizações com arruamentos de grande largura e amplos espaços livres e passeios, os colectores podem ser implantados fora das faixas de rodagem mas respeitando a distância mínima de 1 m em relação aos limites das propriedades. Sempre que se revele mais económico, pode implantar-se um sistema duplo, com um colector de cada lado da via pública. Em casos de impossibilidade de evitar a construção de edificações sobre colectores, a construção deve ser executada por forma a garantir o bom funcionamento dos colectores e a torná-los estanques e acessíveis em toda a extensão do atravessamento.

Para o desenvolvimento do projecto de uma rede de drenagem de águas residuais, devem ter-se em atenção, em particular os seguintes aspectos principais:

1- dispor de cartografia adequada: levantamento topográfico pelo menos à escala 1/2000 da zona já urbanizada e de eventual zona de futura expansão, onde figure toda a informação adequada (designadamente linhas de água e cadastro de infra-estuturas);

2- o traçado dos colectores é feito em função da topografia da zona (o escoamento deve ser gravítico), tendo em atenção a natureza do terreno e a interferência com outros serviços existentes (nomeadamente de água, luz e telefones);

3- depois do primeiro traçado em gabinete, devem efectuar-se deslocações ao local, para recolher informações mais detalhadas referentes à opção de traçado a tomar, designadamente,

a) melhor localização dos ramais de ligação (em termos de fachada versus rectaguarda);

b) natureza do terreno (por exemplo areia, terra ou rocha branda ou rocha dura);

c) tipo de acabamento dos pavimentos;

d) modo de atravessamento de linhas de água;

e) traçado do emissário ou emissários;

f) níveis freáticos (que podem originar problemas para a execução da obra e condicionar o cálculo dos caudais de infiltração);

g) se estiverem previstos sistemas elevatórios, deve analisar-se se existe energia eléctrica e estudar a localização do colector de recurso;

h) mesmo que o projecto não inclua o estudo da estação de tratamento, deve analisar-se a sua possível localização.

4.5.3. Traçado em perfil longitudinal

A profundidade de assentamento dos colectores não deve ser inferior a 1 m, medida entre o seu extradorso e o pavimento da via pública, podendo este valor ser aumentado

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em função de exigências do trânsito, da inserção dos ramais de ligação ou da instalação de outras infra-estruturas. Em condições excepcionais, pode aceitar-se uma profundidade inferior à mínima desde que os colectores sejam convenientemente protegidos para resistir a sobrecargas.

Do ponto de vista técnico-económico, assumem também relevo os seguintes aspectos a observar no traçado em perfil longitudinal de colectores:

1- sempre que possível devem ser adoptados declives iguais dos do terreno;

2- devem ser respeitadas, sempre que possível, declives mínimos e máximos, respectivamente de 0,003 m/m e 0,15 m/m;

3- o alinhamento dos colectores em perfil longitudinal deve ser efectuado em troços de geratrizes interiores superiores, caso não se verifiquem quedas;

4- em redes separativas domésticas deve verificar-se progressão crescente dos diâmetros de montante para jusante da rede. Nas redes unitárias e separativas pluviais, pode aceitar-se a redução da secção para jusante, desde que não seja reduzida a capacidade hidráulica de transporte;

5- o diâmetro mínimo regulamentar dos colectores é de 200 mm.

4.6. Critérios de projecto e verificação hidráulico-sanitária.

4.6.1. Aspectos introdutórios

Em sistemas de drenagem de águas residuais domésticas e industriais, os caudais de cálculo ou de projecto correspondem, geralmente, aos caudais de início de exploração e de ano de horizonte de projecto da obra. Os valores dos caudais de cálculo são obtidos multiplicando os caudais médios anuais pelo factor de ponta instantâneo, a que se adiciona o caudal de infiltração, conforme se apresenta no capítulo 3 deste livro.

4.6.2. Critérios de projecto e dimensionamento hidráulico-sanitário

Para o dimensionamento hidráulico-sanitário de sistemas separativos domésticos ou industriais devem ser adoptados, de acordo com a legislação (Decreto-Regulamentar nº 23/95), os seguintes princípios:

a) A velocidade máxima de escoamento para o caudal de ponta no horizonte de projecto não deve exceder 3 m/s;

b) A velocidade de escoamento para o caudal de ponta no início de exploração não deve ser inferior a 0,6 m/s;

c) Sendo inviável o limite referido na alínea b), como sucede nos colectores de cabeceira, devem estabelecer-se declives que assegurem estes valores limites para o caudal de secção cheia;

d) Nos colectores domésticos, a altura da lâmina líquida não deve exceder 0,5 da altura total para diâmetros iguais ou inferiores a 500 mm e 0,75 para diâmetros superiores a este valor;

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e) A inclinação dos colectores não deve ser, em geral, inferior a 0,3% nem superior a 15%;

f) Admitem-se inclinações de colectores inferiores a 0,3%, desde que seja garantido o rigor do nivelamento, a estabilidade do assentamento e a tensão de arrastamento;

g) Quando houver necessidade de intercalar colectores com inclinações superiores a 15%, devem prever-se dispositivos especiais de ancoragem.

4.6.3. Verificação hidráulico-sanitária

A verificação dos critérios hidráulicos e sanitários do escoamento, em termos de alturas e velocidades, pode ser efectuada, em regra, recorrendo a métodos analíticos ou a métodos gráficos, admitindo o escoamento em regime permanente e uniforme. No caso de colectores de dimensão significativa, ou no caso de colectores pluviais ou unitários em que o regime é manifestamente variável, pode ser aconselhável a análise hidráulica do sistema recorrendo a modelos de cálculo mais complexos (que consideram o regime permanente não uniforme ou o regime variável).

Para uma secção circular de diâmetro D, verificam-se as seguintes expressões:

A = (θ - sem θ) D2/8 (4.1)

P = D θ/2 (4.2)

H = D/2 (1 – cós (θ /2/ ) (4.3)

sendo θ, expresso em radianos, o ângulo ao centro que caracteriza geometricamente o escoamento, A a secção de escoamento e P o perímetro molhado.

A condição do escoamento em regime uniforme pode ser obtida, por processo interactivos, a partir da expressão (4.4), apresentada em Quintela (1981).

( )( ) 4,06,16,0/063,6 nnnti DikQsen θθθ −+= (4.4)

Este tipo de resolução deve limitar-se ao domínio de θ em que existe uma única solução, ou seja, para θ < 4,53 rad ou h/D < 0,82.

Deve então comparar-se os valores de altura relativa do escoamento, h/D, e a velocidade correspondente ao caudal de ponta, para o ano de início de exploração e para o ano de horizonte de projecto, com os limites decorrentes dos critérios apresentados no sub-capítulo 4.6.2.

No caso do método gráfico, deve calcular-se o caudal a secção cheia (Qf) e a velocidade a secção cheia (Vf) e, com base na relação entre o caudal de projecto e o caudal de secção cheia (Q/Qf), determinar, recorrendo à Figura 4.11, as relações h/D ou y/D e V/Vf.

Uma vez determinados estes valores, torna-se possível verificar, por comparação com os limites regulamentares, o cumprimento ou não das condições de altura de escoamento e das condições de auto-limpeza e de velocidade máxima.

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Figura 4.11 – Elementos hidráulicos de colectores de secção circular.

4.7. Soluções não convencionais de drenagem.

4.7.1. Aspectos gerais

Consideram-se soluções não convencionais de drenagem, os sistemas simplificados (ou sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro ou de esgotos decantados), os sistemas sob vácuo e, mais recentemente, os sistemas a ar comprimido (do tipo tecnologia “eco-turbo”). Todas estas soluções não convencionais podem revelar-se apropriadas para servir aglomerados de pequena dimensão, em regra, com populações inferiores a 5000 habitantes, especialmente no caso das condições topográficas, geológicas e de ocupação urbana dispersa tornarem a solução gravítica convencional especialmente dispendiosa, em termos de custo por habitante.

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Considera-se sistemas simplificados, sistemas constituídos por colectores gravíticos, em regra de diâmetro inferior a 200 mm (geralmente 150 mm) e com menores exigências, em termos de critérios de localização de câmaras de visita em planta e perfil. Nesse tipo de sistema, comum na América do Sul, designadamente no Brasil, grande parte das câmaras de visita são substituídas por óculos de limpeza.

Os sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro (SCGPD), também designados por “esgotos decantados”, incluem trechos gravíticos com escoamento com superfície ou sob pressão, que transportam o efluente previamente sujeito a operação de decantação em fossas ou câmaras interceptoras construídas para o efeito. As exigências de construção de câmaras de visita em sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro também são menores do que as correspondentes aos sistemas convencionais.

Os sistemas sob vácuo incluem uma estação de vácuo, além de condutas e câmaras com válvulas de interface. O escoamento, nessas condições, é intermitente e bifásico. Os sistemas a ar comprimido incluem, em regra, trechos ascendentes e trechos descendentes, válvulas de controlo, compressores e reservatórios de ar comprimido que operam a intervalos regulares, ”empurrando” o escoamento e criando, ciclicamente, o estabelecimento de condições adequadas de auto-limpeza.

As principais vantagens e inconvenientes dos diversos tipos de sistemas referidos são apresentadas no Quadro 4.5.

Nos sub-capítulos 4.7.2, 4.7.3, 4.7.4 e 4.7.5 deste livro, procede-se à descrição e à caracterização mais detalhada, respectivamente dos sistemas simplificados, sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro, sistemas sob vácuo e sistemas a ar comprimido.

4.7.2. Sistemas simplificados

Os sistemas simplificados, tal como são considerados neste documento, são sistemas gravíticos constituídos por colectores de pequeno diâmetro, câmaras de visita e óculos de limpeza.

São sistemas cujo investimento inicial é inferior ao dos sistemas convencionais, visto que o diâmetro dos colectores pode ser inferior a 200 mm e o espaçamento médio entre câmaras de visita, para as mesmas condições de traçado, é superior.

O sistema simplificado, de acordo com Mara (1996), não transporta efluente decantado e não requer a existência de tanques interceptores a montante das redes. Em regra, este tipo de sistemas, vulgarizado em países como o Brasil, pode ser recomendável para povoações rurais com povoamento disperso, em que não existam fossas sépticas ou em que estas infra-estruturas se comportem de forma deficiente.

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Quadro 4.5- Principais vantagens e inconvenientes dos diversos tipos de sistemas não convencionais.

TIPOS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

VANTAGENS INCONVENIENTES

Sistemas simplificados

Colectores gravíticos, em regra de pequeno diâmetro, ø 150 mm, e com câmaras de visita e óculos de limpeza.

Menores investimentos iniciais do que as soluções convencionais

Riscos superiores de obstrução e entupimento de colectores.

Sistemas de esgotos decantados

Colectores de pequeno diâmetro (diâmetro mínimo de 75 mm), a jusante de fossas ou tanques interceptores.

Menores investimentos iniciais que as soluções convencionais, sobretudo se já existirem as fossas ou câmaras interceptoras. Dispensa de tratamento primário nas instalações de tratamento a jusante

Necessidade de limpeza periódica das fossas. Risco de ligações directas nas habitações ao sistema, sem o efluente ser decantado.

Sistema sob vácuo

Necessidade de instalação sob vácuo, tubagens, câmaras e válvulas de interface.

Menores investimentos iniciais que a solução convencional. Ausência de riscos de ocorrência de septicidade.

Requisitos especiais, em termos de operação e manutenção dos sistemas.

Sistema a ar comprimido

Necessidade de existência de reservatório de ar comprimido, compressor e válvulas.

Em regra, menores investimentos do que na solução convencional, no que respeita a tubagens e movimento de terras.

Não existe experiência na utilização deste tipo de sistema em portugal.

Em Mara (1996), são apresentados os seguintes procedimentos e critérios para a concepção e dimensionamento de sistemas simplificados:

- tensão de arrastamento menor ou igual a 1N/n2;

- altura relativa do escoamento inferior a 0,6 (h/D ≤ 0,6);

de que resulta,

i min = 5,18 x 10-3 Q-6/13 (4.1)

sendo,

imin - inclinação mínima (m/m);

Q - caudal de ponta (l/s)

e

N = 10,89 x 10-3 Q-13/6 (4.2)

sendo,

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N - número de habitações servidas, admitindo 5 habitantes por aglomerado.

D - diâmetro de tubagem (mm)

Para a dedução da expressão (4.2) Mara (1996) admite, um factor de ponta de 1,8, coeficiente de afluência de 0,85 e capitação de água de 100 l/(hab.dia).

No Quadro 4.6 apresenta-se, de acordo com as premissas anteriormente referidas, o máximo número de habitações servidas por colectores com diâmetro entre 100 e 300 mm.

Quadro 4.6 – Máximo número de habitações a servir (N), por colector

Diâmetro (mm) Max. hab. servidas 100 234 150 565 200 1053 250 1708 300 2536

4.7.3. Sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro

4.7.3.1- Aspectos gerais

Os sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro (SCGPD) foram inicialmente construídos, na década de 60, na Zâmbia, Nigéria e Austrália. Actualmente, este tipo de sistemas tem significativa aplicação nomeadamente na Austrália e nos Estados Unidos da América.

Os sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro assumem remoção prévia dos sólidos sedimentáveis da massa líquida, por intermédio da instalação de tanques interceptores a montante da rede de drenagem. Os materiais sólidos depositados no tanque devem ser removidos periodicamente, sendo a periodicidade dependente das dimensões do tanque interceptor e das características da água residual. Consequentemente é uma solução intermédia entre a solução convencional de drenagem e a solução clássica de fossas sépticas.

Devido à decantação dos sólidos sedimentáveis, o sistema de colectores a jusante dos tanques interceptores não necessita de ser dimensionado para garantir exigentes condições de auto-limpeza, nem de obedecer ao critério altura de escoamento inferior a meia secção do colector. Desta forma, os SCGPD podem apresentar tubagens com diâmetros de 100, 75 ou até mesmo de 50 mm, implantados a baixa profundidade. Nesta perspectiva, os colectores podem ser projectados sem a inclinação mínima estipulada pelo Decreto Regulamentar nº23/95 para o sistema convencional, podendo mesmo incluir troços descendentes e ascendentes. A remoção de parte substancial dos sólidos suspensos no tanque interceptor pode conduzir à eliminação das etapas de tratamento preliminar e primário, efectuadas nas estações de tratamento a jusante do sistema de drenagem.

Uma das componentes essenciais dos sistemas convencionais que é praticamente eliminada nos SCGPD é a câmara de visita, substituída por óculos de limpeza, os quais são mais simples e menos onerosos. Esta situação tem ainda a vantagem de reduzir os

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riscos de infiltração das águas pluviais e a afluência de areias e outros materiais sólidos ao sistema.

As diversas componentes dos SCGPD encontram-se esquematicamente apresentadas na Figura 4.12.

Os SCGPD são constituídos, conforme ilustrado na Figura 4.13, pelos seguintes componentes principais:

- ramal domiciliário;

- tanque interceptor (fossa séptica);

- colector secundário;

- colector principal.

Figura 4.12 – Sistema de colectores gravíticos de pequeno diâmetro – tipo adaptada de Dias (2000)

4.7.3.2- Componentes dos sistemas

Ramal domiciliário

Esta componente do SCGPD tem como função a ligação entre a rede predial e o tanque interceptor respectivo. O colector, usualmente em PVC, apresenta diâmetros típicos de 75, 110, 140 ou 160 mm e é instalado em vala com uma inclinação descendente, normalmente superior a 1%, conforme EPA (1991).

Tanque interceptor

As principais funções deste órgão são as seguintes:

- remoção de sólidos suspensos sedimentáveis, presentes na massa líquida;

- armazenamento e digestão anaeróbia das lamas e escumas geradas;

- amortecimento do escoamento.

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Estes dispositivos podem ser pré-fabricados (geralmente construídos em betão, fibra de vidro, polietileno de alta densidade ou metal) ou construídos no local. Para o seu dimensionamento em termos de capacidade e disposição dos seus acessórios, pode seguir-se a metodologia desenvolvida em Morais (1977). Os tempos de retenção usuais para o seu dimensionamento são superiores a 12 a 24 horas, com uma periodicidade de remoção dos sólidos sedimentáveis de 1 a 10 anos, conforme EPA (1991).

Os tanques interceptores localizam-se frequentemente em propriedade privada, podendo servir, ou não, mais do que uma habitação. Torna-se essencial garantir o acesso a estes locais, por forma a possibilitar a remoção dos sólidos acumulados.

A capacidade dimensionada para o tanque interceptor deve incluir o volume necessário para armazenar as lamas, as escumas, para a decantação dos materiais sólidos e para o amortecimento dos caudais de ponta afluentes, o qual pode ascender a 60%, conforme EPA (1991).

É possível a inclusão nos SCGPD das fossas sépticas já existentes nos locais, convertendo-as em tanques interceptores. Deve, no entanto, garantir-se a estanqueidade das mesmas, por forma a evitar infiltrações indesejadas de outras águas ao sistema.

Podem incluir-se nos SCGPD, sempre que não se verifique um amortecimento suficiente, câmaras de amortecimento independentes, a jusante das fossas sépticas. A estrutura do amortecimento referida deve possuir uma capacidade correspondente ao caudal total diário, conforme referido em WEF (1986). O amortecimento, ao diminuir a razão entre o caudal de ponta e o caudal médio, possibilita o aumento do número de habitantes servidos pelos SCGPD, e uma maior constância, no tempo, dos caudais de saída que permitem a observância da condição de auto-limpeza.

Colector secundário

A função desta componente é a de estabelecer a ligação entre o tanque interceptor e o colector principal. Um dos principais objectivos deste trabalho é o estudo da atenuação do caudal de ponta no tanque interceptor, a qual é particularmente relevante no âmbito do dimensionamento dos colectores a jusante. O PVC constitui o material mais frequentemente utilizado, sendo os diâmetros típicos utilizados de 75 e 110 mm, os quais não devem ser superiores ao diâmetro do colector principal. No que concerne à implantação destes colectores, tem-se que, de acordo com EPA (1991), não é estritamente necessário que os mesmos sejam continuamente descendentes em perfil e rectilíneos em planta.

Colector principal

O colector principal tem como objectivo a drenagem da água residual proveniente dos diversos colectores secundários até à estação elevatória ou à estação de tratamento, tal como sucede nos sistemas convencionais. O material constituinte é normalmente o PVC, ou, em alternativa, o polietileno de baixa densidade (PEAD). O diâmetro é estabelecido por razões hidráulicas, com base no caudal de projecto, o qual depende do número de habitações servidas pelo SCGPD, com valores mínimos de 75 ou 100 mm, embora seja possível a utilização de colectores com 50 mm de diâmetro (EPA, 1991).

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É fundamental garantir a disponibilidade de desníveis gravíticos no sistema, por forma a evitar o recurso à bombagem do efluente transportado pelos colectores secundários. Embora estes colectores possam ser implantados a uma profundidade reduzida, esta depende da cota de saída dos tanques interceptores. Por este motivo, é por vezes necessário, dados os constrangimentos topográficos, recorrer à bombagem. Para estas tubagens existe a possibilidade do traçado em planta apresentar alguma flexibilidade, ou seja, não têm que ser obrigatoriamente rectilíneas, podendo existir alinhamentos curvos que permitam contornar pequenos obstáculos existentes no subsolo.

O escoamento nos colectores pode ocorrer em superfície livre ou sob pressão, situando-se, neste caso, os troços sob a linha de energia. Para garantir o escoamento é pertinente realizar uma avaliação hidráulica, de modo a evitar o retorno das águas residuais (regolfos de elevação) para o interior dos tanques interceptores.

Instalações elevatórias

Quando não é possível a afluência gravítica da água residual proveniente do tanque interceptor, ao colector principal, devido ao facto da cota de saída do mesmo se situar abaixo ou muito próximo da linha de energia dinâmica de escoamento, tem de recorrer-se ao uso de instalações elevatórias. As instalações típicas de bombagem do efluente utilizadas nos SCGPD são do tipo ‘STEP’ (em terminologia anglo-saxónica, septic tank and effluent pump), e encontram-se imediatamente a jusante do tanque interceptor (que promove a decantação da água residual), numa estrutura independente que potencia o amortecimento e armazenamento adicional, conforme se pode observar na Figura 4.14. O grupo elevatório do tipo ‘STEP’ pode, em alternativa, ser instalado no interior do tanque interceptor.

Figura 4.13 - Grupo elevatório tipo ‘STEP’- representação esquemática, adaptada de Dias (2000)

Este tipo de instalações elevatórias pode transportar o efluente de vários tanques interceptores, situação que se verifica quando a totalidade da cota de saída dos mesmos se situa abaixo da linha de energia dinâmica do colector principal.

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Órgãos e acessórios

Este tipo de componentes facilita o acesso ao SCGPD e permite o seu adequado funcionamento, podendo ser constituído por órgãos e acessórios diversos, tais como óculos de limpeza, câmaras de visita, válvulas de seccionamento, válvulas de retenção e dispositivos de ventilação ou de controlo de odores. Os dois primeiros destinam-se a facilitar o acesso a secções críticas, para efeitos de inspecção e manutenção (Dias, 2000). As câmaras de visita, maioritariamente substituídas por óculos de limpeza, são instaladas apenas quando tal se revela estritamente necessário, designadamente em zonas em que se prevê a necessidade de proceder a frequentes operações de limpeza e nos principais cruzamentos dos colectores principais. Nos SCGPD é frequente a utilização de óculos de limpeza, designadamente nas seguintes situações:

- cabeceiras das redes;

- cruzamentos de colectores;

- variações de diâmetro, de direcção ou inclinações dos colectores;

- em alinhamentos rectos, a distâncias da ordem de 120 a 300 metros – EPA (1991) ou 250 a 300 m (WEF, 1986).

Uma das principais vantagens dos óculos de limpeza comparativamente às câmaras de visita é o facto de não contribuírem para a afluência aos SCGPD quer de caudais de infiltração, quer de elementos sólidos (EPA, 1991), para além de serem equipamentos menos dispendiosos.

Na Figura 4.14 é apresentado um óculo de limpeza e uma junção simples sem óculo.

Os dispositivos de ventilação e controlo de odores asseguram o bom funcionamento do sistema quando o escoamento de dá sob pressão, garantindo-se, desta forma, a existência de corrente de ar nos colectores.

A válvulas de retenção impedem o retorno do efluente às habitações. O refluxo ocorre quando a cota de saída de um tanque interceptor se situa sob a linha de energia dinâmica, devido ao escoamento de um caudal particularmente elevado.

As válvulas de seccionamento permitem o isolamento de partes dos SCGPD, sendo preferencialmente instaladas em secções estratégicas do mesmo, nomeadamente nos cruzamentos dos colectores principais, por forma a permitirem o isolamento de partes do sistema, nomeadamente em situações de avaria ou no decorrer de operações normais de limpeza e manutenção do sistema.

Um dos aspectos a merecer especial atenção nos SCGPD é a possível ocorrência de condições sépticas no interior do sistema, com a consequente formação e libertação para a atmosfera de gás sulfídrico. Para agravar o problema, são também libertados outros gases, devido aos processos de digestão anaeróbia das lamas nos tanques interceptores, nomeadamente metano e dióxido de carbono, tornando-se necessário a adopção de medidas que mitiguem as consequências da libertação dos gases referidos (problemas de odores e corrosão).

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Figura 4.14 - Um óculo de limpeza típico (direita) e uma junção simples sem óculo de limpeza (esquerda)

4.7.3.3- Critérios gerais de dimensionamento

Na bibliografia da especialidade, verifica-se certa heterogeneidade dos valores dos critérios utilizados para o dimensionamento dos SCGPD. Esses valores são, em regra, mais conservativos (na Austrália), e menos conservativos nos Estados Unidos da América, conforme se apresenta no Quadro 4.4.

Em Portugal, a legislação admite que, para o sistema convencional, os critérios da profundidade e inclinações mínimas podem, em circunstâncias especiais, não ser atingidos. Por outro lado, o Decreto Regulamentar 23/95 de 23 de Agosto refere explicitamente no seu artigo 114º, que “ Em pequenos aglomerados populacionais, onde as soluções convencionais de engenharia se tornem economicamente inviáveis, pode adoptar-se, em alternativa, sistemas simplificados de drenagem pública, tais como fossas sépticas seguidas de sistemas de infiltração ou redes de pequeno diâmetro com tanques interceptores de lamas.”.

Quadro 4.7 – Critérios usuais de dimensionamento dos SCGPD

Grandeza Unidade Convencional (Austrália)

SCGPD (EUA)

SCGPD

Profundidade mínima à coroa m 1 0.50-0.75 0.60 (típico 0.75)

Inclinação mínima % 0.30 0,4 -

Inclinação máxima % 15 - -

Coeficiente Manning m-1/3s 0.012 0.011 0.013

Dist. entre óculos de limpeza m - 120 120-300

Diâmetro mínimo mm 200 100 50 (típico-100)

Velocidade crítica m/s 0.6 0.45 0.3-.45

Factor de ponta - 5 3 1 a 4

Caudal de infiltração L/s Qmédio - -

Em Dias e Matos (1999), efectuou-se uma análise das condições de auto-limpeza em SCGPD e, tendo por base a fórmula da velocidade crítica de Shields, concluiu-se que em SCGPD com tanques interceptores a funcionar de forma apropriada, a velocidade crítica de auto-limpeza deverá ser da ordem de 0,15 m/s.

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4.7.3.4- Considerações finais

Os sistemas de colectores gravíticos de pequeno diâmetro constituem uma alternativa tecnicamente elegível e, frequentemente, uma solução apropriada para o saneamento de pequenos aglomerados.

Este tipo de soluções torna-se especialmente vantajoso, do ponto de vista económico, quando as fossas sépticas dos aglomerados a sanear se apresentam em condições apropriadas, e se exijam investimentos mínimos para reabilitar as mesmas, do ponto de vista do funcionamento como tanques interceptores.

Em alguns casos, os sistemas de pequeno diâmetro continuam a ser os mais competitivos economicamente, quando comparados com os sistemas tradicionais, mesmo quando se prevêem investimentos na construção de novos tanques e se devam colocar fora de serviço as fossas sépticas existentes.

Para o dimensionamento do SCGPD, constituem parâmetros relevantes os caudais de projecto e a satisfação da condição de auto-limpeza. Por outro lado, para o cálculo dos caudais de projecto assume relevância o efeito do amortecimento dos tanques interceptores, de que resultam factores de ponta instantâneos globais na rede possivelmente bastante inferiores aos que resultariam se não se verificassem esses efeitos de amortecimento. 4.7.4. Sistemas sob vácuo

4.7.4.1- Aspectos gerais

Nos sistemas sob vácuo o transporte das águas residuais faz-se à custa do diferencial de pressão, que se estabelece entre o exterior e o interior do sistema, onde se encontra instalada pressão negativa relativa. O sistema prevê a fluência gravítica das águas residuais até um poço domiciliário, capaz de receber o efluente de uma ou mais habitações, num máximo de quatro. Este poço encontra-se munido de uma válvula de interface vácuo/gravidade, normalmente fechada em cada ponto da entrada, por forma a “selar” as condutas e manter a condição de vácuo. A válvula de interface é instalada na câmara de válvula, que constitui a zona superior do poço domiciliário. Este inclui ainda, na zona inferior, a câmara de recolha de água residual, onde esta se acumula até um nível pré-determinado. Quando este é atingido, a válvula abre e o conteúdo é aspirado, devido ao diferencial de pressão existente no sistema, conseguido até à custa das bombas de vácuo instaladas a jusante. O efluente é assim transportado até à estação de vácuo, de onde segue para a estação de tratamento ou para a rejeição final.

Dado que o escoamento no sistema de drenagem se processa por acção do vácuo, e não da gravidade, o perfil longitudinal das condutas não tem que ser continuamente descendente, como nos sistemas convencionais – podem existir trechos ascendentes ou descendentes, desde que sejam respeitados os condicionalismos hidráulicos do sistema (Cole, 1998).

Os sistemas de drenagem de águas residuais sob vácuo, para além de serem tecnicamente interessantes podem, em determinadas circunstâncias, ser igualmente atractivos em termos de investimentos. Os factores que favorecem a implementação de recolha e transporte de águas residuais por vácuo são os seguintes (Johnson, 1997):

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- solo arenoso ou com nível freático elevado;

- terreno plano ou com perfil ondulado;

- grandes condicionalismos construtivos (devido a limitações de espaço ou existência de outras infra-estruturas no sub-solo);

- desenvolvimento urbano em zonas rurais.

Estes sistemas apresentam ainda as seguintes vantagens (Johnson, 1997):

- redução do diâmetro dos colectores utilizados em relação aos sistemas convencionais (os diâmetros mais comuns são 75, 100, 150, 200 e 250 mm);

- inexistência de câmaras de inspecção e de visita;

- quando se verifica a existência de infra-estruturas enterradas desconhecidas à data do projecto, e surgidas na execução da obra, podem ser facilmente contornadas, sem grandes alterações ao projecto.

As vantagens do sistema sob vácuo podem dizer ainda respeito a outros aspectos complementares designadamente (Johnson, 1997):

- inexistência de infiltrações nos sistemas sob vácuo, dada a tecnologia utilizada;

- ausência de fugas de águas residuais, passíveis de se infiltrarem nos solos e poluírem o meio ambiente;

- diminuição muito considerável, ou mesmo eliminação de problemas de septicidade, dado o emulsionamento de ar (oxigénio) nos sistema;

- necessidade de uma única fonte de energia (na estação de vácuo).

Devido às vantagens que lhe estão associadas e ao interesse suscitado em termos tecnológicos, este tipo de soluções tem sido objecto de divulgação e aplicação, particularmente nos últimos 20 anos. O sistema proposto e comercializado pela “AIRVAC”, por exemplo, encontra-se espalhado por quinze países e por uma grande parte dos Estados Unidos (Johnson, 1997). Os sistemas construídos têm capacidades bastantes diversas, sendo o maior construído até ao momento o da rede de Englewood, na Florida, Estados Unidos da América, que apresenta 8500 ligações (Cole, 1998).

4.7.4.2- Componentes do sistema

Aspectos gerais

Os sistemas de drenagem de águas residuais sob vácuo apresentam, tipicamente, uma configuração do tipo da ilustrada na Figura 4.15.

Podem distinguir-se tês componentes principais tipo: dispositivos de interface, rede de tubagens e estação sob vácuo.

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Dispositivos de Interface

Os dispositivos de interface num sistema sob vácuo incluem a válvula de vácuo ou válvula de interface vácuo/gravidade, a câmara de válvula, a câmara de recolha de águas residuais e a tomada de água.

A válvula de vácuo possui, em regra, uma secção de saída de 75 mm de diâmetro e estabelece a interface entre o sistema sob vácuo a jusante, e o sistema gravítico, a montante, que transporta as águas residuais provenientes das habitações. Garante, assim, a separação entre o vácuo nas tubagens de transporte e a pressão atmosférica instalada na rede predial. Esta válvula é accionada pneumaticamente, não necessitando por isso de qualquer fonte de energia exterior. Quando a válvula se encontra fechada, isola o sistema a jusante, mantendo o nível de vácuo proporcionado pelas bombas de vácuo. Quando a válvula abre permite, por diferença de pressão, o escoamento da água residual acumulada na câmara de recolha.

Figura 4.15 – Representação esquemática do traçado de um sistema sob vácuo (adaptada de EPA, 1991).

A câmara de válvula e a câmara de recolha de águas residuais estão normalmente associadas, constituindo o poço domiciliário, como se ilustra na Figura 4.16.

Na zona superior, que constitui a câmara de válvula propriamente dita, é instalada a válvula de vácuo. Na zona inferior é feita a recolha das águas residuais afluentes e o armazenamento. As câmaras de válvula e de recolha são isoladas uma da outra, constituindo, no caso geral, um único bloco pré-fabricado em fibra de vidro.

É necessário prever a existência de uma tomada de ar no sistema. Esta deve estar localizada no ramal de ligação da rede predial à câmara de recolha. A admissão do ar faz-se, em regra, por uma tubagem de 100 mm de diâmetro que deve ser colocada, por razões de ordem estética, junto a uma das paredes exteriores do edifício.

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Figura 4.16 – Representação esquemática de uma câmaras de válvula e de recolha de águas

residuais (adaptada de EPA, 1991).

Rede de Tubagens

A rede de colectores é constituída por tubagens de PVC de diâmetros 75, 100, 150, 200 e 250 mm, assentes a uma profundidade mínima de 0,90m, que estabelecem a ligação entre os poços domiciliários e a estação de vácuo.

Os sistemas sob vácuo permitem, dentro dos limites de natureza hidráulica que lhe são próprios, a existência de troços ascendentes, como se ilustra na Figura 4.17.

Figura 4.17 – Sistema sob vácuo - Exemplo de traçado em perfil (adaptada de EPA, 1991).

Os colectores principais apresentam, no caso geral, uma inclinação idêntica à do terreno, possuindo características de traçado particulares, quer se trate de troços descendentes, ascendentes ou aproximadamente horizontais, conforme se ilustra na Figura 4.18. O transporte no sentido descendente processa-se sem condicionalismos especiais, em colectores de declive igual ao do terreno, com um mínimo de 0,2%. Os perfis ascendentes e de nível apresentam uma configuração do tipo “dente de serra”, progredindo por uma sucessão de degraus de elevação. Estes degraus são conseguidos à custa de troços curtos de tubagem inclinada a 45º, e devem apresentar uma inclinação

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mínima de 0,2%. Estas diversas configurações de traçado são apresentadas esquematicamente na Figura 4.18.

Figura 4.18 – Sistema sob vácuo - Perfis tipo de traçado de colectores (adaptada de EPA, 1991).

Os ramais domiciliários, que estabelecem a ligação entre as redes prediais e os poços domiciliários, devem apresentar um diâmetro de 100 mm e um perfil descendente, de declive constante não inferior a 0,2% (EPA, 1991).

O traçado em planta das condutas principais deve procurar minimizar a altura a ser vencida pelo sistema, bem como a extensão dos colectores, e equilibrar os caudais transportados em cada um dos colectores principais.

Os critérios de traçado e dimensionamento de sistemas sob vácuo que se apresentam nos Quadros 4.8 e 4.9, foram estabelecidos com base em experiência desenvolvida pela AIRVAC.

Devem prever-se, em regra, válvulas de seccionamento, com válvula reguladora de pressão, instaladas imediatamente a montante da ligação dos colectores secundários aos colectores principais. Estas válvulas têm como função permitir, no caso de se verificar alguma avaria ou necessidade de reparação das condutas do sistema, o isolamento de partes da rede, sem que seja necessário colocar toda a rede fora de serviço (EPA, 1991). Adicionalmente, podem também ser instalados óculos de limpeza na extremidade de cada colector, por forma a facilitar o acesso e permitir eventuais operações de manutenção no sistema (EPA, 1991).

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Quadro 4.8 – Critérios de traçado de colectores principais (adaptado de EPA, 1991)

Distância mínima entre degraus (m) 6,1 m

Extensão mínima do troço de inclinação 0,2% que Precede uma série de degraus de elevação (m) 15,0 m

Distância mínima entre o ponto alto do degrau e o colector afluente (m) 1,8 m

Declive mínimo (%) 0,2

Quadro 4.9 – Número máximo de habitações servidas (adaptado de EPA, 1991)

Diâmetro do Colector principal (mm) Número máximo de habitações servidas 100 70 150 260 200 570 250 1050

Estação de vácuo

A estação de vácuo, que deve ser localizada num ponto central relativamente a todo o sistema, promove a recolha das águas residuais, conduzindo-as posteriormente, e no caso geral, para uma estação de tratamento de águas residuais ou para o sistema geral de águas residuais da zona. A estação de vácuo inclui diversos órgãos, designadamente as seguintes: bombas de vácuo, bombas de águas residuais, reservatórios de vácuo e um grupo gerador de emergência (EPA, 1991).

As bombas de vácuo têm como função a instalação de condições de sub-pressão adequadas ao transporte da água residual. De acordo com a experiência existente, a condição de vácuo no sistema deve manter-se entre 5,5 e 6,8 m H2O (EPA, 1991). Em cada estação de vácuo deverão ser instaladas pelo menos duas bombas de vácuo, sendo uma de reserva.

As bombas dos grupos electrobomba de águas residuais são necessárias para transportar o efluente armazenado no reservatório de água residual para a estação de tratamento. Deverão ser previstos sempre equipamentos de reserva no sistema. O arranque e a paragem dos grupos é controlada a partir de níveis pré-fixados no reservatório, e podem ser conhecidos recorrendo a sondas (EPA, 1991).

A água residual é armazenada no poço ou reservatório, até que seja atingido um nível pré-determinado e “arranque” o grupo electrobomba. Os reservatórios devem ser estanques e com capacidade para suportar os níveis de vácuo habituais no sistema. A entrada de água residual no reservatório dá-se por forma a que na zona superior tenha lugar a transferência de vácuo, proporcionado pelas bombas de vácuo, para a rede de drenagem propriamente dita (EPA, 1991).

O reservatório de vácuo localiza-se entre as bombas de vácuo e o reservatório de água residual. Este reservatório tem como funções operar como reservatório de emergência e promover a sequência de arranque das bombas de vácuo (EPA, 1991).

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4.7.4.3- Aspectos de dimensionamento hidráulico

Os sistemas de drenagem de águas residuais sob vácuo apresentam um escoamento bifásico, constituído por uma fase gasosa a uma fase líquida. com relações ar/massa líquida tipicamente de 1:1 a 4:1,. Podendo, no entanto, essa relação atingir valores mais elevados.

O funcionamento global do sistema processa-se da seguinte forma (EPA, 1991):

- quando se acumula um volume pré-determinado de água residual na câmara de recolha, a válvula de vácuo abre-se, iniciando o ciclo de operação;

- a água residual aflui ao interior do sistema devido ao diferencial de pressão existente entre a conduta sob vácuo e a atmosfera;

- o escoamento ar/água residual desenvolve-se ao longo do sistema, sujeito ás forças gravíticas e às forças atrito; pode suceder que, por acção dessas forças, o escoamento deixe de ter capacidade para prosseguir para jusante. Nesta situação, dá-se a separação das fases líquida e gasosa. A massa líquida repousa nos pontos baixos do traçado; o arranque para um novo ciclo de movimento ocorre quando a válvula de vácuo é accionada a montante, dando lugar à admissão de massa líquida mobilizando a energia disponível pela diferença de pressão entre a atmosfera e a estação de vácuo.

As condutas do sistema sob vácuo, bem como os principais componentes da estação de vácuo, são dimensionadas, em regra, para um caudal de ponta que corresponde ao máximo caudal que se espera que aflua ao sistema.

A definição de um sistema de drenagem de águas residuais sob vácuo compreende, numa primeira fase, o estabelecimento do traçado em planta, de acordo com os critérios de concepção e traçado e, numa segunda fase, o dimensionamento hidráulico do sistema. O dimensionamento hidráulico compreende a determinação dos caudais de dimensionamento e a verificação hidráulica propriamente dita. Para este feito é necessário ter em linha de conta que os sistemas de drenagem de águas residuais sob vácuo são dimensionados para níveis de vácuo entre 5,5 e 6,8 m H2O, níveis estes que deverão ser garantidos junto às bombas de vácuo (EPA, 1991). Da energia total disponível, 1,5 m H2O são geralmente reservados à perda de carga associada à operação das válvulas. Assim, tornam-se apenas disponíveis 4m H2O para o escoamento da água residual no sistema. Nestas condições, a perda de carga total, entendida como a soma da perda de carga contínua com as perdas de carga localizadas ao longo da rede, não poderá exceder 4 m H2O.

As perdas de carga contínuas em sistemas sob vácuo são devidas ao atrito do escoamento bifásico, e podem ser determinadas afectando a perda de carga correspondente a um escoamento fictício monofásico da massa líquida, em secção cheia, por um factor que tenha em conta as características do escoamento real, bifásico (WEF, 1986 e EPA, 1991).

As perdas de carga localizadas estão relacionadas com a configuração dos colectores em planta e perfil e resultam, designadamente da implantação de degraus de elevação previstos nas configurações típicas de troços ascendentes ou de nível.

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O procedimento de avaliação das condições de funcionamento do sistema, face à energia disponível consiste em, para uma determinada solução, calcular as perdas de carga existentes. Se as perdas de carga calculadas forem inferiores à energia disponível para o transporte, então o dimensionamento de base é aceitável. Caso contrário. será necessário proceder ao redimensionamento do sistema a e à análise, do ponto de vista do funcionamento hidráulico, desta nova solução.

4.7.4.4- Considerações finais

Em relação aos sistemas convencionais, as principais vantagens dos sistemas de vácuo são as seguintes:

- redução de diâmetro;

- redução da profundidade média de assentamento e de movimento de terras;

- ausência de problemas de septicidade.

Do ponto de vista da operação, assume especial relevância o facto das equipas técnicas disporem de pessoal habilitado para a exploração r manutenção das válvulas de interface a dos grupos sob vácuo.

As soluções sob vácuo podem ser especialmente interessantes quando os aglomerados já dispõem de fossas sépticas individuais, em condições de serem adaptadas a poços domiciliários a integrar no sistema.

4.7.5. Sistemas a ar comprimido

Os sistemas a ar comprimido são muito recentes e, que se saiba, ainda não tiveram aplicação em Portugal.

Os principais componentes de um sistema a ar comprimido são os seguintes:

a)- válvula automática instalada entre o colector e a câmara de interface;

b)- reservatório de ar comprimido e compressor; o reservatório de ar comprimido encontra-se ligado a câmara de interface por um Té, onde se encontra disposta uma válvula

c)- acessórios.

Em operação normal, o reservatório de ar comprimido não se encontra em comunicação com a câmara de interface, que se mantém “cheia” de água residual. Nessa situação, o sistema funciona como um sifão invertido. Ciclicamente, em regra uma a duas vezes por semana, o sistema a ar comprimido entra em operação. Nessas circunstâncias, isola-se a câmara de interface, por meio da válvula automática, do trecho do colector a montante e estabelece-se a comunicação entre o reservatório de ar comprimido e a câmara de interface.

A pressão a que se encontra o ar comprimido origina o rápido movimento da massa líquida para jusante, e o estabelecimento de condições de auto-limpeza e de arrastamento de depósitos previamente sedimentados. Após alguns minutos de operação, o efeito de “corrente de varrer” (em terminologia anglo-saxónica “flushing”) termina, e a válvula automática abre, restabelecendo-se a condição normal de operação.

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Na Figura 4.19 apresenta-se, esquematicamente, o traçado, num terreno de perfil ondulado, de um sistema convencional gravítico e de um sistema a ar comprimido.

a)

b)

c) Figura 4.19 – Representação esquemática de terreno com perfil ondulado (a), sistema convencional

gravítico (b) e sistema a ar comprimido (c).

A Figura 4.20 diz respeito ao funcionamento da câmara de interface. Na situação apresentada em a), a câmara encontra-se em operação normal e o colector funciona como sifão invertido. Na situação b) a válvula isola a câmara (do colector de montante) e o sistema de ar comprimido entra em operação, provocando uma “corrente de varrer” que assegura, ciclicamente, condições de auto-limpeza no sistema.

Na Figura 4.21 apresenta-se, esquematicamente, um exemplo do traçado deste tipo de sistema, em Wiesmath, na Áustria.

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a) funcionamento em b) funcionamento em condição normal condição excepcional

Figura 4.20 – Representação esquemática do funcionamento da câmara de interface de um sistema a ar comprimido.

Figura 4.21 – Representação fotográfica esquemática do traçado do sistema em Wiesmath, Austria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO 4

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Dias, S. – Sistemas Alternativas de Baixo Custo para Drenagem de Águas Residuais. Tese de Mestrado. IST, Lisboa, 2000.

Dias e Matos – “Unconventional sewerage systems: aspects of hydraulic design and water quality”, in Proceedings of the Conference on Civil and Environmental Engineering - New Frontiers and Challenges, Bangkok (Thailand), November 1999.

Morais, A. Q. – Depuração dos Esgotos Domésticos dos Pequenos Aglomerados Populacionais e Habitações Isoladas. Lisboa, Ministério das Obras Públicas, 1977.

Cole, J. H.: Torchia. S. F.. Defying Gravity. Civil Engineering, Feb., 1998, 67-69.

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Gonçalves, L.; Monteiro, A. – Requisitos e Especificações Técnicas para a Elaboração de projectos para o Grupo Águas de Portugal, SGPS – Águas Residuais. Dados Tubagens, AdP, Lisboa, 2002.

Johnson, Al. AIRVAC, The Viable Alternative. Proceedings do 23ºSeminário Anual dos Operadores de Redes de saneamento. Minnesota Pollution Control Agency. Water Quality Division. Point Source Compliance. Bloomington, 1997.

EPA -Alternative Wastewater Collection Systems, EPA/625/1 -91/024. Office of Research and Development, Office of Water. Washington, 1991.

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Water Environment Federation. :Alternative Sewer Systems - Manual of Practice No. FD-12. Water Pollution Control, Alternative Sewer Systems. Alexandria, 1986.

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5. SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS

5.1. Considerações de âmbito geral

O crescimento e expansão urbana, caracterizados nas últimas décadas por um ritmo particularmente acelerado de urbanização de áreas inicialmente rurais, tem criado profundas alterações no ciclo hidrológico natural e motivado a ocorrência de situações ameaçadoras do desenvolvimento equilibrado e estável do habitat humano. Como exemplo dessas situações podem citar-se as seguintes:

-entrada frequente em funcionamento de descarregadores de tempestade, com descarga de caudais para o meio ambiente e incremento de poluição dos meios receptores;

-comportamento hidráulico deficiente das redes de drenagem pluvial, devido a sub-dimensionamento ou a entupimentos e obstruções das secções de escoamento, com consequente entrada em carga de colectores e inundação dos pontos baixos das bacias drenadas;

-sub-dimensionamento dos dispositivos interceptores de águas pluviais, nomeadamente das sarjetas de passeio e dos sumidouros de grades, com consequentes inundações. Não aproveitamento integral da capacidade de transporte dos sistemas de drenagem enterrados;

-descarga de escorrências pluviais caídas em zonas pavimentadas, em meios receptores sensíveis.

A tomada de consciência dessas situações veio operar uma profunda alteração dos conceitos de análise e dimensionamento dos equipamentos urbanos de drenagem, evoluindo a própria concepção e cálculo dos sistemas, por forma a um ajustamento mais adequado às formas diversificadas de crescimento urbano e de ocupação do solo. Os aspectos quantitativos da drenagem pluvial constituem, no entanto, apenas uma parcela do domínio da hidrologia urbana, assumindo importância crescente todos os aspectos relacionados com a gestão da água e da análise dos aspectos de qualidade relacionados com a rejeição de cargas poluentes veiculadas pelas águas pluviais.

Neste capítulo são apresentadas as principais componentes e os princípios de concepção e de dimensionamento dos sistemas de drenagem de águas pluviais. Para além dos critérios e procedimentos de cálculo dos caudais e colectores de águas pluviais, é dada ênfase às expressões de cálculo de capacidade de dispositivos interceptores e à concepção e cálculo de bacias de retenção e de câmaras de retenção-infiltração (em terminologia anglo-saxónica soakaway systems), órgãos cuja inserção nos modernos sistemas de drenagem pluvial se está a tornar cada vez mais comum. Ênfase particular é também dada aos aspectos de qualidade da água das escorrências pluviais e ao impacte dessas águas nos meios receptores.

5.2. Concepção e constituição dos sistemas

5.2.1. Aspectos de concepção

O elevado custo dos investimentos afectos aos sistemas de drenagem de água pluvial, relativamente ao das outras infra-estruturas urbanas, torna especialmente relevante a

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necessidade de se implementarem soluções tecnicamente adequadas, mas também economicamente viáveis.

O princípio de dimensionar, em toda a extensão de um aglomerado urbano, uma rede de colectores para drenar os caudais de ponta de cheia, provocadas por precipitações de curta duração e de intensidade elevada, conduz, na maioria das vezes, a soluções economicamente proibitivas. Assim, nos moldes actuais de concepção dos sistemas de drenagem de água pluvial, são de evidenciar os seguintes aspectos:

-redução da extensão das redes de colectores e dos respectivos diâmetros, maximizando-se o percurso superficial da água pluvial e favorecendo-se a integração no seio das áreas impermeáveis, ou em torno destas, de áreas permeáveis, como zonas verdes, ou de áreas semi-permeáveis, como pavimentos constituídos por materiais incoerentes:

-opção, em grande número de situações, por soluções de drenagem não convencionais, constituídas por bacias de amortecimento e por câmaras drenantes;

-preocupação com a problemática relacionada com a qualidade da água, nomeadamente devido aos riscos de efeitos nocivos no meio receptor, circunstância esta que se torna especialmente relevante devido à poluição veiculada pelos caudais pluviais após os períodos estivais.

As regras urbanísticas mais adequadas a uma redução dos caudais de ponta pluvial, e ao controlo da qualidade da água, são aquelas que respeitam a integração de áreas permeáveis em áreas impermeáveis, através de soluções de descontinuidade. Sempre que possível, deverá ser privilegiado o estabelecimento de linhas de drenagem superficial através de espaços livres. Valetas e vales largos e pouco profundos são, de um modo geral, adequados para esse efeito. O tipo de solução a escolher deve ter em conta o cumprimento dos seguintes objectivos:

-aumentar o volume de água pluvial infiltrada;

-aumentar o volume de água pluvial retida e interceptada nas depressões do solo e nas árvores e arbustos;

-promover o armazenamento temporário da água pluvial em locais pré-seleccionados;

-permitir que, durante a ocorrência de precipitações intensas, se criem condições controladas de escoamento de superfície ao longo das superfícies impermeabilizadas (passeios, arruamentos, parques de estacionamento, etc.), por forma a que as características do escoamento, nessas condições, tenha em conta determinados critérios, com vista a minimizarem-se incómodos para os utentes e o desgaste das superfícies impermeabilizadas.

Dada a interdependência entre os caudais pluviais, a bacia drenante e o tipo de ocupação do solo, torna-se aconselhável conceber as infra-estruturas de drenagem logo na fase inicial do planeamento urbanístico. Este aspecto é particularmente importante quando as condições naturais são desfavoráveis do ponto de vista de disponibilidade de energia potencial para se processar o escoamento (caso de zonas planas), quando se prevêem alterações profundas nas condições topográficas iniciais, ou quando o

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aglomerado populacional se situa a jusante de uma bacia hidrográfica de dimensões relevantes. Quando, nessas condições, as áreas extra-urbanas são consideravelmente importantes, e por isso também importantes os caudais pluviais correspondentes, deve estudar-se o previsível comportamento do terreno, face à ocorrência de precipitações intensas.

Aglomerados populacionais situados à beira de grandes cursos de água podem exigir a bombagem ou a retenção de caudais pluviais afluentes a zonas baixas, durante o período em que os níveis das linhas de água não permitam o escoamento gravítico nos colectores. Redes de drenagem de aglomerados populacionais situadas a cotas pouco superiores às dos níveis de cheia das linhas de água, ou de níveis de maré, deverão incluir, a jusante, colectores previstos para funcionarem em carga, quando da ocorrência de precipitações em períodos coincidentes com a ocorrência daqueles níveis. Em alguns destes casos, em que se pretendem minimizar os possíveis efeitos da inundação de áreas adjacentes, devem ser projectadas bacias de retenção, as quais vão permitir o armazenamento de volumes consideráveis, contribuindo para um melhor funcionamento global do sistema. Aglomerados populacionais, cuja localização é adjacente a cursos de água torrenciais, devem dispor de espaços livres non edificandi, nas margens inundáveis (leito maior). Quando situados em encosta montanhosa, deve estudar-se o comportamento mecânico do terreno face às precipitações prolongadas e à necessidade de se considerarem obras de protecção, incluindo pequenos açudes, etc..

A rejeição de caudais pluviais em pequenas linhas de água pode ocasionar, pelo aumento substancial dos caudais de ponta de cheia, prejuízos e inconvenientes aos utentes a jusante. Este aspecto não pode ser desprezado e a solução pode ser encarada na perspectiva da criação de dispositivos ou estruturas de armazenamento (bacias de retenção, ou câmaras de retenção-infiltração), para a eliminação ou redução daqueles inconvenientes.

As bacias de retenção, quando inseridas em sistemas de drenagem unitários, podem também ser usadas como órgãos de controlo da qualidade da água, no sentido em que minimizam a descarga de efluentes não tratados directamente para o ambiente. Isto é, as bacias de retenção podem servir como reservas locais de acumulação da água, durante os períodos em que os sistemas de tratamento não tenham capacidade para fazer face aos caudais afluentes. Nos períodos de menor caudal, baixa o nível da água nesses reservatórios, sendo o efluente conduzido para a ETAR. No âmbito das modernas tendências da concepção e beneficiação de sistemas de drenagem unitários, a gestão do comportamento dos sistemas e a minimização dos impactes adversos resultantes das descargas directas nos meios receptores, passa pelo recurso à utilização de equipamentos automáticos e semi-automáticos (válvulas e adufas motorizadas, por exemplo), controladas em “tempo real” (em terminologia anglo-saxónica real time control), por forma a aproveitar-se ao máximo as potencialidades de reserva dos reservatórios e colectores e a capacidade de tratamento instalada.

5.2.2. Principais componentes

Os sistemas separativos de drenagem de água pluvial são constituídos, essencialmente, por redes de colectores e órgãos acessórios, podendo dispor de órgãos especiais e instalações complementares.

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A rede de colectores é o conjunto das canalizações que assegura o transporte dos caudais pluviais afluentes, desde os dispositivos de entrada até um ponto de lançamento ou destino final. As modernas redes são constituídas, em geral, por colectores de betão ou de PVC de secção circular.

Os órgãos acessórios são os seguintes:

-dispositivos de entrada (sarjetas de passeio ou sumidouros) - as sarjetas de passeio são dispositivos sempre associados a um lancil do passeio, com entrada lateral de caudal: os sumidouros são considerados dispositivos que podem estar associados a um lancil ou a uma valeta, cuja entrada de caudal é feita superiormente, através de grade;

-câmaras ou caixas de visita - destinadas a facilitar o acesso aos colectores, para observação e prática de operações de limpeza e de manutenção.

No que respeita aos órgãos especiais e instalações complementares, podem referir-se os seguintes:

-desarenadores - instalações complementares destinadas a provocar a deposição de materiais incoerentes transportados na água pluvial;

-bacias de retenção - bacias destinadas a regularizar os caudais pluviais afluentes, restituindo, a jusante, caudais compatíveis com a capacidade de transporte da rede de drenagem ou curso de água;

-câmaras drenantes - dispositivos destinados à retenção e infiltração da água pluvial, podendo ser associados ou não a sistemas de drenagem pluvial convencionais constituídos por colectores enterrados;

-instalações elevatórias - a evitar, sempre que possível, tendo em conta os encargos de exploração e a variabilidade dos caudais afluentes e consequente dificuldade de se manterem as condições satisfatórias de funcionamento dos grupos electrobomba e da conduta de impulsão.

5.3. Qualidade das águas pluviais

5.3.1. Considerações introdutórias

As águas pluviais, em zonas urbanas, podem ter vários destinos,

-cair na cobertura dos edifícios, sendo encaminhadas para tubagens de queda e ramais domiciliários, acabando por drenar para colectores separativos de águas pluviais ou para colectores unitários;

-cair directamente sobre áreas pavimentadas, como parques de estacionamento, vias rodoviárias, pátios, ... etc., drenando por valetas para dispositivos interceptores, de onde são encaminhadas para colectores separativos pluviais ou colectores unitários;

-cair em áreas permeáveis, acabando, pelo menos uma fracção, por infiltrar-se no solo ou afluir directamente a cursos de água.

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A importância das substâncias poluentes resultantes da circulação rodoviária aumentou drasticamente nos últimos quarenta anos, principalmente nos países mais industrializados.

A deposição e acumulação de substâncias poluentes emitidas pelos veículos tem impactes mais ou menos significativos nos ecossistemas. Alguns estudos apontam para o facto de, em determinadas bacias de drenagem urbanas, a contribuição das vias rodoviárias, nomeadamente auto-estradas, para a poluição dos meios receptores, ascender a 50% em termos de sólidos suspensos totais, a 16% em termos de hidrocarbonetos totais e a 75% em termos de metais pesados (Ellis et al. 1987, citado in Ball et al. 1991). Estas cargas poluentes resultam não só do tráfego rodoviário mas também das modificações dos processos hidrológicos locais trazidos pela construção das vias.

As substâncias poluentes são depositadas sobre a superfície das vias e bermas por acção atmosférica (em terminologia anglo-saxónica atmospheric fallout) ou resultam directamente da actividade de construção e da circulação rodoviária (Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991). A magnitude e distribuição da acumulação dos poluentes parece variar com o tipo e inclinação do pavimento, volume de tráfego, actividades de conservação, características sazonais e uso do solo adjacente. Smith et al. 1979 (in Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991) indicam para os Estados Unidos da América as seguintes cargas médias de partículas depositadas (em terminologia anglo-saxónica dust fall loads).

-Região Norte 0,23 g/m2.d

-Região Central 0,16 a 1,53 g/m2.d

-Região Sul 0,07 a 0,18 g/m2.d

-Região Leste 0,06 a 0,16 g/m2.d

As escorrências pluviais contêm substâncias poluentes sob a forma dissolvida e particulada. No Quadro 5.1 são apresentadas, a título indicativo, concentrações médias de poluentes em escorrências pluviais de vias rodoviárias. Os valores referidos devem ser apreciados, obviamente, com as reservas inerentes ao facto da gama de variação de concentração poder ser extremamente elevada e variar de local para local.

QUADRO 5.1 - Concentrações médias de poluentes em escorrências pluviais de vias rodoviárias (adaptado de Shelley e Gaboury 1986, citado in Hvitved-

-Jacobsen e Youssef 1991. Parâmetro Concentração Coeficiente

zona urbana zona rural de variação S. suspensão 220 26 0,8-1,0 CQO 124 41 0,5-0,8 Azoto kjeldahl total

2,72 1,4 0,7-0,9

Fósforo total 0,19 0,04 0,6-0,9 Chumbo 0,55 0,09 0,7-0,4 Zinco 0,38 0,09 0,6-0,7

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Os parâmetros poluentes mais representativos parecem ser, em regra, as partículas (sólidos em suspensão nas escorrências), os metais, sobretudo chumbo, zinco e ferro e os hidrocarbonetos.

No caso das águas ou escorrências pluviais drenarem para sistemas unitários, a carga poluente então arrastada no interior da massa líquida pode ser muito superior à que seria de esperar num sistema separativo pluvial. Efectivamente, por ocasião de precipitações significativas, as “ondas de cheia” originam velocidades e tensões de arrastamento tais, que são em regra suficientes para ressuspender e arrastar, para jusante, uma fracção significativa das partículas em suspensão acumuladas, durante os períodos secos, sob a soleira dos colectores. Estas situações ocorrem pelo facto de, durante os períodos estivais, com caudais muito inferiores, aquelas tensões de arrastamento não serem suficientes para garantirem condições de auto-limpeza.

Por ocasião de precipitações significativas, a qualidade da água de sistemas unitários torna-se, assim, substancialmente diferente da qualidade da água das escorrências pluviais.

5.3.2. Qualidade da água de escorrências pluviais

5.3.2.1. Sólidos em suspensão

Grande parte dos poluentes nas escorrências pluviais encontram-se associados aos sólidos em suspensão, e com eles se pode correlacionar. Esses sólidos em suspensão podem ser estimados, por sua vez, em função do volume de tráfego diário.

No que se refere particularmente aos metais pesados, uma fracção significativa pode apresentar-se sob a forma particulada, associada aos sedimentos, sendo as respectivas concentrações mais altas nas partículas de menor diâmetro médio. Resultados experimentais apontam para o facto de uma fracção significativa dos sólidos em suspensão e poluentes associados poderem ser removidos da fase líquida por sedimentação.

5.3.2.2. Metais pesados

A origem de metais pesados nas escorrências pluviais caídas em áreas pavimentadas pode estar ligada, designadamente, à deposição atmosférica e aos produtos de corrosão de elementos metálicos. Diversos metais pesados, como o chumbo, o zinco, o ferro, o cobre, o cádmio, o crómio e o níquel podem apresentar-se em concentrações significativas. No entanto, e em regra, o chumbo, o zinco e o ferro representam a carga poluente mais significativa. Youssef et al. 1986 (in Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991) referem, em consonância com os resultados da análise de 150 amostras, que 50% da carga poluente particulada de metais pesados é transportada no primeiro quartil do acontecimento pluviométrico, sendo transportado 25% no segundo quartil e os restantes 25% nos terceiro e quarto quartis. O chumbo prevalece sob a forma predominantemente particulada. Como se pode observar no Quadro 5.2, o zinco, o cobre e o cádmio são considerados mais solúveis que o chumbo.

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QUADRO 5.2 - Percentagem média das fracções dissolvida e particulada de metais em escorrências pluviais de vias rodoviárias (adaptado de Hvitved-

-Jacobsen e Youssef 1991). Poluente Percentagem média

fracção dissolvida fracção particulada Chumbo 21 79 Zinco 57 43 Cobre 70 30 Níquel 76 24 Crómio 65 35 Cádmio 72 28 Ferro 27 73

5.3.2.3. Outros Poluentes

Em determinados casos, os óleos e gorduras, os nutrientes (N e P) e as substâncias com carência de oxigénio (como matéria orgânica biodegradável) podem assumir, no contexto da poluição global veiculada pela água pluvial, uma importância relevante.

Segundo Reynolds 1985, as concentrações de óleos e gorduras em escorrências pluviais de vias rodoviárias pode variar, em regra, entre 1 e 27 mg/l, com um valor médio de 9 mg/l. Esses valores correspondem a cargas entre 0,32 e 12,5 kg/(km.cm de precipitação).

Em Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991 são apresentados valores médios obtidos numa estação de amostragem para a carência química de oxigénio e fósforo total, respectivamente de 15 mg/l, e 0,79 mg/l. No entanto, o possível intervalo de variação desses parâmetros pode ser muito elevado.

5.3.2.4. Impacte nos meios receptores e disposições de controlo e tratamento.

A drenagem das escorrências pluviais para os meios hídricos receptores pode reflectir-se em termos de aumento de turvação da água, acumulação de sedimentos com carência de oxigénio, bioacumulação de substâncias tóxicas nos organismos bentónicos, alteração no sabor e cor e modificação na qualidade e na diversidade da fauna aquática.

Essas alterações podem ser anuladas ou, pelo menos, minimizadas, implementando várias medidas e procedimentos, de entre os quais se incluem os seguintes:

a) tratamento das escorrências pluviais por escoamento superficial (em terminologia anglo-saxónica overland flow) - neste caso, o líquido escoa-se sobre solo impermeável, mas com coberto vegetal, que actua como “filtro biológico”;

b) tratamento por retenção e detenção em lagoas ou bacias com toalha de água permanente;

c) tratamento por infiltração rápida (em terminologia anglo-saxónica rapid filtratation) em bacias ou valas apropriadas - neste caso, a massa líquida é descarregada em terrenos permeáveis e percola através do solo, num meio filtrante;

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d) tratamento por aplicação em zonas húmidas (em terminologia anglo-saxónica wetland treatment), onde se favorece o desenvolvimento de ecossistemas com capacidade para assimilarem os poluentes afluentes;

e) tratamento em lagoas ou bacias a seco - no caso deste tipo de bacia, elas só se enchem ocasional e temporariamente, durante os períodos de precipitação.

Enquanto uma fracção significativa das partículas em suspensão pode ser removida por sedimentação ou filtração, outras substâncias poluentes são removidas da massa líquida por processos químicos e biológicos. Os solos não inundados parecem ter enorme capacidade para reter e mobilizar metais pesados, como o chumbo.

A construção de bacias de retenção para reduzir cargas poluentes pluviais é uma prática corrente nos Estados Unidos da América e em vários Países Europeus. As bacias com longos tempos de retenção (da ordem das semanas ou meses) são, em regra, bastante eficientes em termos de tratamento. Uma fracção significativa dos metais pesados e do fósforo fica “imobilizada” nos sedimentos do fundo das bacias. A concentração de azoto reduz-se por acção de processos de nitrificação-desnitrificação. Quando as bacias têm dimensões adequadas, a eficiência de remoção de sólidos suspensos e chumbo pode ascender a 90%, enquanto a eficiência de remoção de fósforo pode ascender a 65% e a eficiência de remoção da CBO (carência bioquímica de oxigénio), CQO (carência química de oxigénio), azoto total, cobre e zinco poderá ascender a 50%.

5.4. Cálculo de caudais pluviais

5.4.1. Considerações introdutórias

Em hidrologia urbana, os fenómenos intrínsecos à transformação de precipitação em escoamento, no percurso que vai desde o início do evento pluviométrico até ao escoamento na secção final da bacia urbana (parte do ciclo hidrológico que interessa à problemática da drenagem pluvial), são por natureza complexos. A sua complexidade reside na aleatoriedade e variabilidade temporal e espacial da precipitação, na heterogeneidade e dimensão da bacia urbana com toda a tipologia de superfícies (impermeáveis, semipermeáveis e permeáveis), passeios, valetas, dispositivos de entrada na rede de drenagem enterrada e na própria complexidade associada à hidráulica do escoamento.

A primeira abordagem científica do processo de transformação da precipitação em escoamento tem hoje cerca de um século de existência. Depois das fórmulas propostas por Mulvaney e Burkli-Ziegler, Kuichling, engenheiro municipal de Rochester (Nova York), publica pela primeira vez a conhecida fórmula racional. Esta e outras fórmulas empíricas que se lhe seguiram constituíam uma abordagem global simplificada da realidade dos fenómenos. O seu principal objectivo visava a determinação de caudais de ponta, com a finalidade de dimensionar obras de drenagem. Caracterizavam-se pela lógica dos conceitos, simplicidade e facilidade de compreensão. Posteriormente, em todo o mundo, muitos trabalhos científicos tomaram como ponto de partida a fórmula racional americana, modificando-a através da explicitação dos seus parâmetros de base e da introdução de novos parâmetros, dando origem a um grande número de formulações do tipo racional (Rafaela Matos 1987).

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Tomando como ponto de partida os valores de caudais, o dimensionamento hidráulico dos colectores recorre na generalidade a fórmulas hidráulicas bem conhecidas e atende a critérios estudados, o que faz com que os procedimentos de cálculo desta etapa sejam constituídos por um conjunto de regras sequenciais, quase unanimemente aceites e pouco díspares no que diz respeito às opções em jogo.

O mesmo não se pode dizer dos métodos de cálculo de caudais, cuja diversidade, multiplicada pelas sua inúmeras variantes, decorrentes do número e tipo de parâmetros e da gama de valores que cada um pode assumir, abrange um campo muito vasto.

A sua abordagem pode ser feita recorrendo a métodos simplificados (ferramentas clássicas do projectista, fazendo uso do cálculo manual), ou a métodos mais elaborados, baseados em modelos matemáticos mais ou menos complexos, pressupondo o recurso ao cálculo automático e à utilização de meios computacionais.

De entre os métodos simplificados, ocupa o lugar de destaque o método racional, reconhecidamente o de maior utilização e divulgação à escala mundial. Apesar das suas limitações e das críticas de que tem sido alvo por alguns autores, o método racional é ainda o método de cálculo de caudais consignado em regulamentos e normas recentes de diversos países desenvolvidos. Nestes documentos são feitas referências em alguns casos a modelos matemáticos, sem no entanto aconselharem a utilização de qualquer um em particular.

5.4.2. Métodos de cálculo tradicionais em Portugal

A situação portuguesa, no que respeita a métodos de cálculo de caudais pluviais em áreas urbanas, tem-se caracterizado, nos últimos vinte anos, pela utilização quase generalizada do método racional e do método racional generalizado (Costa 1956 e 1983) e pela utilização mais restrita do método italiano ou método dos volumes de armazenamento e método de Martino (Lencastre 1952 e Cary e Salsinha 1983).

Outros métodos ou procedimentos, como os procedimentos dos Serviços de Conservação do Solo dos Estados Unidos da América (S.C.S.), terão tido aplicação muito mais restrita em Portugal.

Em bacias rurais ou semi-rurais, e de média e grande extensão, a aplicação dos métodos atrás referidos não é recomendável, dispondo a comunidade técnico-científica de diversos modelos, mais complexos e mais apropriados. Entre esses inclui-se, por exemplo, o modelo determinístico conceptual NWSIST, apresentado em Hipólito 1985.

Ao contrário das bacias rurais, as bacias urbanas são caracterizadas por uma consideravelmente maior impermeabilização dos solos (afecta à construção dos edifícios, vias de comunicação, parques de estacionamento, etc...), e à existência de extensas redes de colectores, com o consequente aumento das velocidades de escoamento e redução do tempo de resposta das bacias de drenagem. As bacias ou sub- -bacias urbanas são, também, em regra, de pequena dimensão, raramente excedendo a centena de hectares.

Embora estas folhas não tenham como objectivo principal a análise de métodos de cál-culo de caudais pluviais, entendeu-se recomendável relembrar e apreciar as limitações

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do método racional e método racional generalizado, tendo em conta a sua aplicação a bacias de drenagem urbanas.

MÉTODO RACIONAL - COEFICIENTE C

A origem e autoria dos princípios da fórmula racional (embora à data não intitulada como tal) é atribuída a Mulvaney, engenheiro irlandês que em 1851 publicou o artigo “On the use of the self-registering and flood gauges in making observations on the relation of rainfall and flood discharges in a given catchment”. Esta publicação foi no entanto completamente ignorada até 1889, altura em que Emil Kuickling, engenheiro municipal de Rochester (estado de Nova York) introduziu a expressão nos Estados Unidos da América intitulando-a de fórmula racional. Esta fórmula foi posteriormente divulgada em Inglaterra por Lloyd-Davis, e a sua utilização generalizou-se a muitos outros países, nas décadas que se seguiram.

O método racional, aplicado à determinação de caudais de ponta pluviais, pode ser expresso pela seguinte equação:

Qp = C I A (2.1)

sendo,

Qp - caudal de ponta (m3/s)

C - coeficiente (-)

I - intensidade de precipitação (m3/(ha.s))

A - área da bacia de drenagem (ha)

As hipóteses de base do método residem no conceito de tempo de concentração e na linearidade da relação precipitação útil (C x I) - caudal (Q). O tempo de concentração pode ser definido, como se sabe, como o tempo dispendido no percurso de água precipitada, desde o ponto hidraulicamente mais afastado da bacia até à secção em estudo. A parcela de precipitação que origina escoamento na rede de colectores pode ser denominada precipitação útil.

Da hipótese de linearidade resulta que a ocorrência do caudal de ponta coincide com o instante em que a totalidade da bacia está a contribuir para o escoamento, ou seja, ao fim de um intervalo de tempo igual ao tempo de concentração, tc. O valor da intensidade de precipitação a considerar é, assim, o valor da intensidade média máxima para uma duração igual ao tempo de concentração. Como este valor está sempre associado a uma frequência de ocorrência (ou período de retorno T), ao valor do caudal máximo está implicitamente associada a mesma frequência.

No método racional a relação Qp/I é linear (assim como a relação Qp/A). A variável de entrada é a intensidade de precipitação I(tc,T) e o operador de transformação é representado por C x A.

Na expressão (5.1) o coeficiente C engloba vários factores, não só a relação entre o volume de água escoada e a precipitação (ou seja, o coeficiente de escoamento

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propriamente dito) mas também efeitos, mais ou menos importantes, de retenção, regolfo e atraso do escoamento superficial ao longo do terreno, linhas de água naturais e colectores. Todos estes efeitos dependem não só das características físicas e de ocupação da bacia mas, também, designadamente do estado de humidade do solo e da duração e distribuição da precipitação antecedente.

Desde os estudos clássicos, publicados por Horner e Flynt (in COSTA 1983), e referentes ao estudo de três pequenas bacias de drenagem de águas pluviais da cidade de St. Louis (EUA) que se sabe que o coeficiente C está longe de se poder considerar constante se, em relação às chuvadas, se estabelecerem relações entre precipitações e caudais por elas produzidos. Para uma dada bacia, o coeficiente C poderá variar, por exemplo, entre 0,2 e 0,8, dependendo tal da precipitação que lhe deu origem. Não é pois legítimo avaliar frequências de caudais a partir da frequência de precipitações nem vice-versa. No entanto, Horner e Flynt tiveram a ideia de estudar precipitações e caudais como fenómenos independentes a as relações então estabelecidas permitiram mostrar uma certa constância entre precipitações e caudais da mesma frequência.

A chamada fórmula racional tem um significado meramente estatístico e não é, assim, adequada à avaliação de condições registadas caso a caso. Ou seja, não é legítimo adoptá-la para o cálculo do caudal de ponta pluvial correspondente a um determinado hietograma típico, não uniforme. Neste caso, tem especial sentido recorrer a métodos mais sofisticados, que considerem o caudal como um resíduo da precipitação. Estes métodos são também aconselháveis quando se pretenda gerar um hidrograma a partir de um determinado hietograma.

A intensidade de precipitação I deve ser avaliada para condições críticas. Ou seja, deve-se admitir que toda a área da bacia contribui para a avaliação do caudal na secção de interesse o que, por definição, acontece a partir do momento em que a duração da chuvada iguala o tempo de concentração da bacia. Para durações inferiores ao tempo de concentração, nem toda a bacia contribui para o caudal de ponta máximo. Para durações superiores, é menor a intensidade de precipitação e, portanto, menor o caudal correspondente.

Apesar do inestimável valor do método racional, que permite calcular com facilidade e rapidez caudais com qualquer frequência, tem sido contestada a sua aplicação para bacias com áreas superiores a 200 a 2000 ha, nomeadamente no caso de serem bacias rurais ou semi-rurais.

No Quadro 5.3 e no Quadro 5.4 são apresentados valores do coeficiente C, aplicáveis a vários tipologias de superfície e de ocupação. Estes quadros são propostos, respectivamente por CONCRETE PIPE HANDBOOK 1958 e MANUAL Nº 37 da ASCE. O Quadro 5.5, proposto pelo DRAINAGE CRITERIA MANUAL 1977, apresenta o coeficiente C em função da tipologia de superfície e do próprio período de retorno da precipitação crítica.

Nos Estados Unidos da América, na Rússia e em alguns outros países, o recurso a estas tabelas ou a outras afins constitui o procedimento consignado nos seus regulamentos nacionais.

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QUADRO 5.3 - Coeficiente “C” em função da tipologia de superfície (adaptado de Concrete Pipe Handbook 1958).

Tipo de superfície Coeficiente Valores a utilizar na drenagem de aeroportos Coberturas impermeabilizadas de edificações 0,75 - 0,95 Pavimento asfáltico 0,80 - 0,95 Pavimento em betão 0,70 - 0,90 Pavimento em gravilha de macadame 0,35 - 0,75 Solo impermeável 0,40 - 0,60 Solo impermeável, relvado 0,30 - 0,55 Solo pouco permeável 0,15 - 0,40 Solo pouco permeável, relvado 0,10 - 0,30 Solo moderadamente permeável 0,05 - 0,20 Solo moderadamente permeável, relvado 0,00 - 0,10 Valores a utilizar na drenagem de áreas urbanas Coberturas impermeabilizadas de edificações, pavimentos impermeáveis 0,70-0,90 Pavimentos de calçada 0,50-0,70 Pavimentos de macadame 0,25-0,60 Pavimentos de gravilha 0,15-0,30 Parques 0,05-0,30

QUADRO 5.4 - Valores médios do coeficiente “C” para utilização na fórmula racional (Manual nº 37, ASCE)

Tipologia de ocupação Coeficiente Tipologia de superfície CoeficienteComercial Pavimentono centro da cidade 0,70 - 0,95 asfáltico 0,70 - 0,95nos arredores 0,50 - 0,70 betão 0,80 - 0,95Residencial Passeios para peões 0,85habitações unifamiliares 0,30 - 0,50 Coberturas (telhados) 0,75 - 0,95prédios isolados 0,40 - 0,60 Relvado sobre solo permeávelprédios geminados 0,60 - 0,70 plano < 2% 0,05 - 0,10suburbano 0,25 - 0,40 médio, 2% a 7% 0,10 - 0,15Industrial inclinado > 7% 0,15 - 0,20pouco denso 0,50 - 0,80 Relvado sobre solo imperme­ávelmuito denso 0,60 - 0,90 plano < 2% 0,13 - 0,17Parques e cemitérios 0,10 - 0,25 médio, 2% a 7% 0,18 - 0,22Campos de jogos 0,20 - 0.40 inclinado > 7% 0,25 - 0,35

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QUADRO 5.5 - Coeficiente “C” em função do período de retorno, para diversas tipologias de ocupação (adaptado de Drainage Criteria Manual 1977

CoeficienteTipologia de superfície Período de retorno (anos)

5-10 25 100Pavimentoasfáltico 0,8 0,88 0,95betão 0,85 0,93 0,95Passeios 0,85 0,93 0,95Coberturas (telhados) 0,85 0,93 0,95Relvado em solo permeávelplano < 2% 0,07 0,08 0,09médio, 2% a 7% 0,12 0,13 0,15inclinado > 7% 0,17 0,19 0,21Relvado em solo impermeávelplano < 2% 0,18 0,2 0,22médio, 2% a 7% 0,22 0,24 0,27inclinado > 7% 0,3 0,33 0,37Área florestada em solo imper­meá­velplano < 2% 0,12 0,13 0,15médio, 2% a 7% 0,2 0,22 0,15inclinado > 7% 0,3 0,33 0,37Área florestada em solo permeávelplano < 2% 0,3 0,33 0,37médio, 2% a 7% 0,4 0,44 0,5inclinado > 7% 0,5 0,55 0,62

MÉTODO RACIONAL - PRECIPITAÇÃO DE PROJECTO

Em todas as formulações do tipo racional, a precipitação é representada pelos valores da intensidade média máxima, de duração igual ao tempo de concentração.

Os valores de intensidade média máxima, para qualquer duração e período de retorno, são obtidos directamente a partir de expressões analíticas ou de gráficos das curvas intensidade-duração-frequência.

Na Figura 5.1 são apresentadas expressões analíticas que traduzem as curvas de intensidade-duração-requência aplicáveis a Portugal Continental, e que figuram no Projecto de Regulamento Nacional de Drenagem de Águas Residuais.

A aplicação das expressões analíticas apresentadas na Figura 5.1 requer a prévia definição do período de retorno que, em regra e em zonas urbanas, é considerado entre 2 e 25 anos.

Os menores valores para o período de retorno são admitidos no cálculo de caudais de ponta para o dimensionamento de colectores de pequenos diâmetro, instalados em áreas planas e com reduzida ocupação urbana. Os valores superiores podem ser considerados no caso de zonas fortemente edificadas, com colectores de dimensão relevante, em que os riscos de inundações sejam manifestamente elevados.

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Figura 5.1 - Curvas de intensidade-duração-frequência aplicáveis a Portugal Continental (adaptada de MATOS e SILVA 1986).

O tempo de concentração, em particular o tempo de entrada na secção inicial dos colectores, é uma variável para cuja determinação existe um número largamente diversificado de expressões de cálculo. No Quadro 5.6 Apresentam-se algumas das expressões mais conhecidas e no Quadro 5.7, que lhe é complementar, os valores atribuídos aos coeficientes de rugosidade das fórmulas de Izzard (k) e de Kerby (N).

QUADRO 5.6- Fórmulas para o cálculo do tempo de escoamento superficial, tc (min) (adaptado de Rafaela Matos 1987).

Fórmula tc Origem Observações tc = 41 (0,0007 I1/3 + K/I2/3) (L/C2S)1/3 IZZARD 1946 IL < 500

tc = 0,83 (NL/ S)0,467 KERBY 1959 L ≤ 1200

Simbologia: L - comprimento do percurso de escoamento superficial (pés) S - declive médio da bacia - (adimensional) I - intensidade da precipitação (polegadas por hora)

K,N, - valores constantes do QUADRO

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QUADRO 5.7 - Valores dos coeficientes de rugosidade das fórmulas de Izzard (K) e de Kerby (N).

Tipologia da superfície K Tipologia da superfície N

Pavimento asfáltico liso 0,0070 Impermeável liso 0,02

Pavimento arenoso liso 0,0075 Solo compactado liso 0,10

Pavimento em betão 0,012 Relvado disseminado, superfície rugosa 0,20

Pavimento de gravilha 0,017 Pastagens; relva densa 0,40

Em bacias tipicamente urbanas, em que as áreas de drenagem dos colectores de cabeceira são bastante impermeabilizadas, o tempo de entrada é em geral fixado arbitrariamente, com variação entre certos limites. Estes limites podem no entanto variar significativamente em função do tipo de solo, da tipologia de ocupação urbanística e do declive superficial. Assim, são tomados como referência valores de 2 a 4 minutos na Grã-Bretanha e Suécia, valores de 5 a 30 minutos nos EUA e valores de 5 a 10 minutos no Canadá. COSTA 1983 recomenda, para Portugal, valores de 5 minutos em áreas de declive superior a 8%, 7,5 e 10 minutos em áreas de declive compreendido entre 1,5 e 8% e 10 a 15 minutos em áreas de declive inferior a 1,5%.

Wisner 1983 apresenta o estudo das curvas de variação do tempo de entrada (te) com a percentagem de áreas impermeáveis (IMP), resultantes de simulação de caudais utilizando o modelo SWMM (Figura 5. 2). Esta figura evidencia a convergência dos valores de te para a faixa de valores de 5 a 10 minutos.

No Quadro 5.8 são apresentados valores do tempo de entrada recomendados em Inglaterra e no Canadá.

Figura 5.2 - Curva de variação do tempo de entrada (te) com a percentagem de áreas impermeáveis.

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QUADRO 5.8 - Valores do tempo de entrada, em minutos, recomendados em Inglaterra e Canadá

Inglaterra Canadá T IMP (%) T

1/2 1 2 5 2 5 25 100 30 13 10 8 5

5-10 4-8 4-7 3-6 50 9 8 7 5 70 8 7 6 5 90 8 7 6 5

IMP - Áreas impermeáveis T - período de retorno (anos)

MÉTODO RACIONAL GENERALIZADO

Uma das maiores dificuldades do método racional consiste na previsão de caudais de ponta em bacias com baixas percentagens de áreas impermeáveis. Efectivamente, o método racional, na sua simplicidade de aplicação, não permite, nesses casos, qualquer grau de rigor (COSTA 1983). Em áreas livres, os coeficientes C podem variar bastante, correndo-se o risco de, subjectivamente, subestimar-se (ou sobrestimar-se) o caudal de ponta várias vezes. Daí a razão de certos autores recomendarem a aplicação do método racional apenas para o cálculo de caudais de ponta pluvial em zonas urbanas.

Costa 1956 deduz que a fórmula racional é apenas um caso particular de uma fórmula mais geral, aplicável a bacias com qualquer percentagem de áreas impermeáveis. Aquele autor propõe a expressão:

Q = 2 (v1/v) (t/tc) γ C i A (2.2)

em que v1 e v (m3) representam, respectivamente, o volume correspondente à parte ascendente do hidrograma e o volume total do mesmo, t (hr) a duração da precipitação de projecto, tc (hr) o tempo de concentração da bacia e γ o coeficiente de regolfo.

O quociente 2v1/v reflecte a percentagem de água precipitada que não sofre atraso ou efeito de armazenamento superficial e que, efectivamente, contribui para o caudal de ponta. O quociente t/tc exprime, em termos quantitativos, o facto do escoamento nas linhas de água principais ser muito mais rápido do que nas linhas de água secundárias ou sobre o terreno, o que faz com que, no momento em que se regista o caudal de ponta, não esteja realmente a contribuir toda a bacia. O coeficiente de regolfo γ reflecte o facto do regime de escoamento estabelecido não ser uniforme e criarem-se efeitos de regolfo (movimento gradualmente variado) que atrasam o escoamento e amortecem os caudais máximos.

O quociente 2 v1/v que exprime um efeito de retenção e armazenamento, é mínimo em bacias naturais, onde toma o valor 0,65 (Costa 1983). Em bacias totalmente impermeáveis este quociente iguala a unidade. O quociente t/tc, que exprime o desfasamento entre o fim da chuvada e o instante em que se verifica o caudal de ponta, é também mínimo para bacias naturais, onde toma o valor 0,7 (Costa 1983). Em bacias totalmente impermeáveis ou altamente canalizadas, admite-se que tal factor iguale a unidade.

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Na Figura 5.3 Apresentam-se, relações gráficas que permitem calcular, de forma expedita, o coeficiente de redução global do método racional generalizado. Como se já referiu anteriormente, este coeficiente é calculado, analiticamente, de acordo com a expressão:

C1 = C (2 v1/v) (t/tc) (2.3)

O modo como este método é tabelado e apresentado torna a sua aplicação bastante simples e expedita.

Figura 5.3 Cálculo expedito do coeficiente de redução global do método racional generalizado.

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APRECIAÇÃO DOS MÉTODOS DE CÁLCULO

Uma das críticas mais frequentemente apontada ao longo dos anos ao método racional foi a de sobrestimar os valores dos caudais de ponta, pelo facto de não ter em conta na sua expressão (Q = CIA), e de forma directa, os efeitos de armazenamento na rede de colectores.

No método italiano, pelo contrário, esta preocupação é privilegiada e atendida pela sua formulação analítica, baseada na equação da continuidade, que é, na realidade, uma equação de balanços de volumes (fazendo intervir directamente o volume armazenado).

Estudos recentes em diversos países, baseados na análise comparativa dos resultados obtidos com modelos hidrológicos mais ou menos sofisticados de dimensionamento versus método racional, ou resultados experimentais versus este método, têm evidenciado uma tendência de que o método racional subestima os caudais de cálculo para tempos de concentração sensivelmente superiores a 20 minutos (Matos 1987).

A formulação contida na fórmula racional parece conter simplificações que actuam em sentidos opostos relativamente à estimação de caudais (sobreavaliação e subavaliação). À luz dos conhecimentos actuais, e no contexto de bacias urbanas, as simplificações de natureza hidrológica (actuando no sentido de uma subavaliação dos caudais, pela representação por defeito do volume das precipitações reais) têm uma incidência e um peso maior do que as simplificações de natureza hidráulica (actuando no sentido de uma sobreavaliação, pela não consideração do armazenamento na rede de colectores).

O método italiano baseia-se numa formulação de base conceptualmente correcta, simulando o comportamento de uma rede de colectores através de um modelo de reservatório. No entanto, as hipóteses básicas utilizadas para a sua integração formal contêm, por um lado, todas as simplificações de uma formulação racional (propagação cinemática de caudais, caudal de entrada na rede obtido pela fórmula racional) e, por outro, o pressuposto do “sincronismo” da rede de colectores, conduzindo a um efeito de amortecimento por vezes excessivo. Alguns procedimentos complexos podem ser introduzidos para considerar a hipótese do “não sincronismo”, o que torna a prática do método ainda mais laboriosa.

Segundo Matos 1987, o método racional é susceptível de operações de calibração dos seus parâmetros, o que lhe permite obter uma capacidade de resposta, em termos de caudal de ponta, semelhante à de modelos complexos de dimensionamento, para bacias cuja dimensão não exceda valores da ordem de uma ou duas centenas de hectares, continuando a manter o atractivo de uma ferramenta simples de pôr em prática.

A título de exemplo, e como nota curiosa, os “derivados” mais recentes do método racional em Inglaterra (consignado no WALLINGFORD PROCEDURE) e no Canadá (consignado no IMPSWM PROCEDURES) utilizam um coeficiente de ajustamento, o designado routing coeficcient, igual a 1,3, o que corresponde a recomendar um agravamento de 30% aos valores obtidos a partir da fórmula racional clássica.

Os métodos do tipo racional não devem ser utilizados em modelos de simulação e gestão. Para estes casos, há que utilizar modelos matemáticos que permitam uma representação mais precisa e elaborada dos processos hidrológicos e hidráulicos, com

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uma capacidade de resposta mais eficiente, possibilitada por meios de cálculo mais poderosos.

5.5. Escoamento de superfície e capacidade de dispositivos interceptores

5.5.1. Considerações introdutórias

A passagem do escoamento superficial (através de valas, valetas e bermas) a profundo (através de colectores) processa-se por dispositivos interceptores, como as sarjetas de passeio e os sumidouros.

O projecto tradicional de sistemas de drenagem de águas pluviais tem-se restringido, em regra, ao dimensionamento de colectores tendo em vista o transporte, com secção cheia, dos caudais de projecto, relegando para um plano secundário, por vezes injustificadamente, o adequado estudo da localização e dimensionamento dos dispositivos interceptores de águas pluviais, como as sarjetas de passeio e os sumidouros.

No entanto, e no que concerne a capacidade de vazão de sarjetas de passeio e sumidouros, existem trabalhos teóricos e pesquisas de laboratório que cobrem um campo experimental relativamente vasto, dentro do qual pode ser incluída a maioria dos casos que se apresentam na prática.

5.5.2. Escoamento de superfície em valetas

Para o cálculo do escoamento em superfície livre em valeta, pode ser aplicada a expressão de Gauckler-Manning-Strickler:

Qo = Ao/N R2/3 i1/2 (2.4)

em que Qo (m3/s) é o caudal escoado. Ao (m2) é a área da secção molhada, N (m-1/3s) é o coeficiente de rugosidade de Manning, R (m) é o raio hidráulico e i (m/m) é o declive longitudinal da valeta.

Se o arruamento tiver um declive transversal constante, então o escoamento, que se admite ser em regime uniforme, processa-se em secção triangular e a expressão (2.4) pode ser dada em função da água junto ao lancil, da seguinte forma:

yo = (1,542 Qo3/8 N3/8) / (Z3/8 i3/16) (2.5)

em que yo (m) é a altura de água junto ao lancil e z = tg θo é a tangente do ângulo que o plano do arruamento forma com o plano vertical, tal como se ilustra na Figura 5.4. A expressão (2.5) foi deduzida admitindo que o perímetro molhado pode ser aproximado à largura superficial do escoamento.

Note-se que as expressões (2.4) e (2.5) só são aplicáveis quando se admite que o escoamento se processa em regime uniforme. Ou seja, quando as secções de cálculo se situam a jusante de troços, de comprimentos superiores a 15 m, com características geométricas sensivelmente constantes.

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Figura 5.4 - Representação esquemática do escoamento em valeta.

Apresenta-se, seguidamente, uma tabela de coeficientes de rugosidade de Manning, usualmente adoptadas em projecto (Wilken 1978):

- Para pavimentos betuminosos N (m-1/3s)

. de textura lisa ..................................................................................... 0,013

. de textura rugosa ................................................................................ 0,016

- Para pavimentos de betão

. com acabamento não manual ............................................................. 0,014

. com acabamento manual (superfície lisa) .......................................... 0,016

. com acabamento manual (superfície rugosa) ..................................... 0,020

5.5.3. Critérios para localização dos dispositivos interceptores

A localização de dispositivos interceptores deve ser fixada tendo em conta critérios de escoamento superficial em zonas urbanas, designadamente critérios de limitação de altura e velocidade do escoamento e de limitação de caudal.

Critério do não transbordamento

Adoptando como princípio que as águas pluviais tenham um trajecto superficial o mais extenso possível, os dispositivos interceptores devem ser localizados em secções onde a valeta, definida pela superfície do arruamento e a face vertical do passeio, atinja a sua capacidade limite.

É conveniente considerar a altura de água de projecto como uma fracção da altura do lancil, tendo em conta os efeitos da turbulência presentes no escoamento. Parece ainda procedimento razoável considerar que o valor dessa fracção não seja superior a 0,8.

O período de retorno a considerar para os transbordamentos é variável de caso para caso. Em zonas urbanas não é de considerar, em princípio, para esses acontecimentos, períodos de retorno inferiores a dois anos.

Critério da limitação de velocidade

É aconselhável limitar a velocidade média do escoamento da água pluvial nos arruamentos a um valor que não provoque desgaste significativo dos pavimentos, nem incómodos exagerados aos peões e condutores de velocípedes e motociclos.

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O valor de 3 m/s é, em regra, aceite como limite máximo da velocidade superficial e, em arruamentos de declive acentuado, tal valor pode ser atingido antes que a altura de escoamento ultrapasse o valor máximo admissível. Daí a razão de ser deste critério.

Critério da limitação de caudal

Aos dois critérios atrás referidos é recomendável, em regra, acrescentar um terceiro, que limite o valor do caudal máximo por valeta a 300 l/s.

Valores acima deste limite, para os dispositivos interceptores geralmente usados (desde sarjetas de passeio até duplos sumidouros de duas grades) conduzem a eficiências de comportamento bastante baixas. Podem, no entanto, existir situações particulares em que não seja razoável considerar tal critério.

Considerações complementares

Os três critérios apresentados são válidos tanto para o escoamento superficial em bacias de cabeceira como em bacias interiores. A aplicação destes critérios permite definir a localização dos dispositivos interceptores, nada adiantando, no entanto, no que respeita ao tipo e dimensão dos mesmos, os quais deverão ser definidos tendo em conta a garantia de uma eficiência hidráulica média entre 75 e 85%, entendendo-se como eficiência hidráulica a razão entre o caudal captado e o caudal total afluente ao dispositivo interceptor.

5.5.4. Capacidade hidráulica de dispositivos interceptores

5.5.4.1. Capacidade de sarjetas de passeio. Exemplo de cálculo.

Entende-se por sarjeta de passeio, o dispositivo cuja caixa de recolha está situada sob o passeio, processando-se a entrada de água por uma abertura lateral, localizada na face vertical do lancil, tal como se ilustra na Figura 5.5.

Em Portugal, os tipos, as características e as condições de emprego das sarjetas estão normalizadas (NP-676). As sarjetas de lancil (ou de passeio) designam-se, também, do tipo L.

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Figura 5.5 - Representação esquemática de uma sarjeta de passeio sem depressão (adaptada de Sousa e Matos 1990 a)).

O volume de água que um dispositivo deste tipo pode interceptar varia com as características geométricas da valeta a montante. Por outro lado, o facto do declive transversal da valeta na zona adjacente à sarjeta de passeio ser constante ou variável (caso haja depressão localizada) tem influência importante no seu comportamento hidráulico.

Segundo Sorteberg e Geyer 1951, a capacidade de sarjetas de passeio sem depressão pode ser calculada pela seguinte expressão:

Q = L K yo3/2 g1/2 (2.6)

sendo,

Q - caudal captado pela sarjeta (m3/s);

L - comprimento da boca da sarjeta (m);

yo - altura uniforme do escoamento, a montante da sarjeta (m);

g - aceleração da gravidade (m/s2);

K - constante empírica, função da inclinação transversal do arruamento, cujo valor é 0,23 ou 0,20, consoante aquela inclinação é de 8% ou de 2 a 4%, respectivamente.

Caso haja depressão, tal como se ilustra na Figura 5.6, a expressão (2.6) deve ser corrigida, de modo a que se possa ter em linha de conta o efeito do incremento de carga hidráulica na capacidade de vazão do dispositivo.

Figura 5.6 - Representação esquemática de uma sarjeta de passeio com depressão (adaptada de Sousa e Matos 1990 a)).

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Neste caso, admitindo que os comprimentos dos troços a montante e a jusante da depressão, respectivamente L1 e L2, se relacionam com o valor da depressão “a” pelas seguintes expressões L1 ≥ 10 a e L2 = 4 a, obtém-se a expressão de cálculo:

Q = L (K+C) yo3/2 g 1/2 (2.7)

sendo,

F = V2/(g y) (2.8)

M = LF/(a tg θ) (2.9)

C = 0,45/1,12M (2.10)

θ - ângulo que o plano do pavimento forma, na depressão, com o plano vertical do lancil do passeio (graus);

y - altura do escoamento na extremidade de montante da sarjeta de passeio, junto ao lancil (m);

V - velocidade média do escoamento na secção correspondente à altura de escoamento, y (m/s)

L, yo, g e K são parâmetros com o significado anteriormente definido. Os valores da altura, y, e da velocidade média do escoamento, V, podem ser determinados aplicando o teorema de Bernoulli generalizado entre as secções que se situam, respectivamente, imediatamente a montante da depressão e da sarjeta, sendo corrente admitir-se, nesse trecho, uma perda de carga unitária igual à do regime uniforme a montante.

Nestas condições, a altura de escoamento, y, pode ser obtida resolvendo iterativamente a seguinte expressão:

Q2/(2gAo2) + yo + a = Q2/(2 gA2) + y (2.11)

sendo,

Ao, A - secções de escoamento correspondentes, respectivamente, à

altura do regime uniforme yo e à altura y (m2);

Q - caudal de projecto (m3/s).

No caso de L2 = 4a ou a ≠ b, admite-se que o valor do parâmetro C, que

figura na expressão (2.7), seja obtido a partir da expressão:

C = 0,45/1,12N (2.12)

sendo N = LF/(a' tg θ) e a' = (b-J L2)/(1-4J).

Com objectivos ilustrativos apresenta-se, seguidamente, um exemplo de cálculo da capacidade hidráulica de uma sarjeta de passeio com depressão.

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EXEMPLO DE CÁLCULO - Enunciado Determinar a capacidade de escoamento de uma sarjeta de passeio instalada em

depressão (a = b = 0,06 m, L1 = 0,60 m e L2 = 0,24 m), com 0,60 m de boca, quando se escoa um caudal de 10 l/s. A depressão desenvolve-se numa largura B1 de 0,60 m. O arruamento onde está instalada a sarjeta de passeio tem um declive longitudinal de 1% e uma tg θo igual a 48 (declive transversal aproximadamente igual a 2%). Admite-se um coeficiente de rugosidade de Manning do pavimento do arruamento de 0,015 m-1/3s.

-Cálculos

a) Cálculo de yo e Vo yo = 1542 (Q3/8 N3/8)/(tg θo

3/8 J3/16) = 0,032 m

Vo = Qo/Ao = Qo/(yo2 tg θo /2) = 0,41 m/s

b) Cálculo de y, V e Q Com base na expressão (2.11) é possível escrever:

Vo2/2g + yo + a = 0,412/19,6 + 0,032 + 0,06 = 0,1006 = Qo

2/(g y2 tg θ) + y

Nestas condições, resolvendo iterativamente esta expressão, obtêm-se os seguintes

valores:

y = 0,097 m;

A = (y2 tg θ)/2 = 0,0972 x 8,276/2 = 0,039 m2

V = Qo/A = 0,01/0,039 = 0,26 m/s

F = V2/ gy = 0,0262 / (9,8 x 0,097) = 0,071

M = LF/(a tg θ) =(0,6 x 0,071) / (0,06 x 8,276) = 0,086

Q = L (K+C) yo3/2 g1/2 = 0,6 x (0,20+0,45/1,120,086) x 0,0323/2 x 9,81/2 =

= 0,007 m3/s = 7 l/s

A tangente do ângulo θ (ângulo que o plano do pavimento forma, na depressão, com o plano vertical do lancil do passeio) foi calculada por intermédio da seguinte expressão:

tg θ = B1 / [(B1/tg θo) + a] = 0,6 / (0,6/48+0,06) = 8,276

5.5.4.2. Capacidade de sumidouros. Exemplos de cálculo

Designa-se por sumidouro um dispositivo cuja caixa de recolha de água pluvial está situada sob uma ou mais grades, por onde se processa a entrada de água captada, tal como se ilustra na Figura 5.7.

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Figura 5.7 - Representação esquemática de um sumidouro sem depressão (adaptada de Sousa e Matos 1990 a)).

Neste dispositivo, os motivos de se não captar todo o caudal são os seguintes:

- escoamento entre a primeira abertura da grade e o passeio (q1);

- escoamento exterior à grade, pelo arruamento (q2);

- escoamento sobre a própria grade, e que prossegue para jusante (q3).

É usual dimensionarem-se os sumidouros de modo a que a parcela q3, de caudal não captado, seja próxima de zero. Se tal não acontecer, o comportamento do dispositivo torna-se muito ineficiente.

O comprimento de grade necessário para captar todo o caudal que sobre ela se escoa, e assim anular a parcela q3, é função da velocidade, Vo, da altura de escoamento uniforme, yo, da largura das barras, C1, da distância entre barras, C2 e da aceleração da gravidade, g.

Segundo Geyer E Benton 1951,

Lo = m Vo (yo/g)1/2 (2.13)

sendo,

Lo-comprimento útil do sumidouro (m);

m-constante empírica, cujo valor deve ser considerado igual a 4, se a grade do sumidouro não contiver barras transversais, e igual a 8, no caso se ter três daquelas barras.

Os restantes símbolos têm o significado já anteriormente apresentado.

No caso de sumidouros instalados em arruamentos onde o declive transversal não é constante, tal como se ilustra na Figura 5.8, a secção de escoamento pode não ser triangular. Nessas circunstâncias, a altura e a velocidade média do escoamento

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106

correspondentes ao regime uniforme, a montante do dispositivo, podem ser calculadas iterativamente, sendo, ainda, aplicável a expressão (2.13) anterior.

Figura 5.8 - Representação esquemática de um sumidouro com valeta rebaixada.

O caudal, q1 (m3/s), que se escoa entre a primeira abertura da grade e o lancil do passeio

é função da altura da água, yo (m); da velocidade média, Vo (m/s); do comprimento do sumidouro L (m); da distância, d (m), entre o lancil e a primeira abertura da grade e da aceleração da gravidade, g (m/s2). É então válida a seguinte expressão:

q1/(Vo yo d) = 6,0 [Vo/g yo)1/2] (d/L)2 (2.14)

Nas condições usuais do escoamento, o caudal q1 é desprezável, tomando valores inferiores a 1 l/s.

Para que o caudal q2, proveniente de escoamento exterior à grade sobre o arruamento, se anule, é necessário que o sumidouro tenha um comprimento superior um valor crítico. Este comprimento crítico, L' (m), pode ser dado em função dos valores de yo (m), Vo (m/s), θo (graus), g (m/s2) e da largura da grade B (m), de acordo com a seguinte expressão:

(L'/Vo) (g/y')1/2 = 1,2 tg θo (2.15)

sendo y' = yo - (B/tg θo).

Quando houver depressão junto ao lancil do passeio, a expressão (2.15) toma a seguinte forma:

(L'/Vo) (g/y')1/2 = 1,2 tg θ (2.16)

sendo y' = yo - (B/tg θ).

Se o comprimento do sumidouro for inferior ao valor crítico, L', o caudal, q2 (m3/s), não é nulo, podendo ser dado pela seguinte expressão:

q2 = [(L'-L)/4] g1/2 y'3/2 (2.17)

As expressões (2.15) a (2.17) foram deduzidas, experimentalmente, para valores do número de Froude do escoamento [Vo

2/(g yo)] superiores a 1 e inferiores a 9.

Com o fim de ilustrar a aplicação das expressões apresentadas, desenvolvem-se, em seguida, dois exemplos, relativos ao cálculo da capacidade hidráulica de sumidouros.

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EXEMPLO DE CÁLCULO 1

- Enunciado

Calcular a capacidade hidráulica de um sumidouro, constituído apenas por uma grade com barra transversal, com as dimensões de 0,28 m x 0,56 m, instalado sem depressão, quando se escoa um caudal de 20 l/s, num arruamento com um declive longitudinal de 1% e uma tg θo de 48 (declive transversal = 2%). Admitir que o coeficiente de rugosidade de Manning-Strickler da superfície do arruamento é de 0,015 m-1/3s e que a distância entre o lancil do passeio e a primeira abertura da grade é de 0,03 m.

- Cálculos

a) Cálculo de yo ,Vo e Lo

yo = (1,542 (Q3/8 N3/8)/(tg θo3/8 J3/16) = (1,542x0,023/8x0,'153/8) / (483/8x0,013/16) =

= 0,041 m

Vo = Qo/Ao = 0,02 / (0,0412x48/2) ≅ 0,50 m/s

Lo = m Vo (yo/g)1/2 = 5 x 0,56 x (0,041/9,8)1/2 = 0,18 m

No cálculo de Lo considerou-se um valor de constante empírica igual a 5, por o sumidouro ter uma barra transversal. Por outro lado, como Lo < L, então q3 = 0.

b) Cálculo de y', L' e q

y' = yo - B/tg θo = 0,041 - 0,31/48 = 0,035 m

L' = 1,2 tg θo Vo (y'/g)1/2 = 1,2 x 48 x 0,50 x (0,035/9,8)1/2 = 1,72 m

q = q1 + q2 = 6,0 [Vo2 d3 (yo/g)1/2/L2] + [(L'-L)/4] g1/2 y'3/2 =

= 6,0 x 0,502 x 0,033 x (0,041/9,8)1/2/0,562 + [(1,72-0,56)/4] x

x 9,81/2 x 0,0353/2 = 0,006 m3/s

Q = Qo - q = 0,02 - 0,006 = 0,014 m3/s

Nestas condições, o caudal de captado, Q, é cerca de 70% do caudal afluente, podendo considerar-se a capacidade de escoamento do sumidouro relativamente insatisfatória.

EXEMPLO DE CÁLCULO 2

- Enunciado

Calcular a capacidade de escoamento de um sumidouro simples de uma grade, nas condições do exemplo anterior, mas com um caudal afluente de 30 l/s, instalado numa valeta rebaixada com uma depressão de 1 cm.

- Cálculos

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108

Neste caso, a secção de escoamento não é triangular; no entanto, a altura e a velocidade média do escoamento uniforme, junto do sumidouro, podem ser obtidas, por um processo iterativo, com base na seguinte expressão, tendo em conta a geometria da secção em estudo.

Qo = (1/N) (Ao5/3/Po

2/3) J1/2

0,03 = (1/0,015) (Ao5/3/Po

2/3) 0,011/2

Ao = B2/(2 tg θ) + y' (B+y' tg θo/2)

y' = y - B/tg θ

Po = y + B + y'/cos θo

Nestas condições, obtém-se:

B = 0,28 + 0,03 = 0,31 m;

tg θ = 0,031/(0,01+0,31/48) = 18,835;

y = 0,057 m;

y' = 0,0405 m;

Ao = 0,05447 m2

Vo = Qo/Ao = 0,55 m/s

Lo = m Vo (y/g)1/2 = 5 x 0,55 x (0,057/9,8)1/2 = 0,21 m

Dado que Lo < L, é admissível considerar q3 = 0.

L' = 1,2 tg θ Vo (y'/g)1/2 =

= 1,2 x 16,635 x 0,55 (0,0405/9,8)1/2 = 0,80 m

Q = q1 + q2 = 6,0 x 0,552 x 0,033/0,562 x (0,057/9,8)1/2 +

+ [(0,80-0,56)/4] x 9,81/2 x 0,04053/2 = 00015 m3/s

Q = Qo - q = 0,03 - 0,0015 = 0,0285 m3/s

O caudal captado, Q, representa cerca de 95% do caudal afluente, podendo considerar-se que o sumidouro é bastante eficiente.

Os exemplos apresentados ilustram bem a importância da depressão no comportamento hidráulico dos sumidouros, em particular dos de tipo simples de uma grade.

5.5.4.3. Capacidade de grades localizadas em zonas baixas. Exemplo de cálculo

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Ensaios realizados indicam que a capacidade hidráulica de grades (sumidouros) localizadas em zonas baixas depende da carga hidráulica sobre as grades, apresentando-se, em Wilken 1978, as seguintes expressões:

para h ≤ 0,12 m Q = 0,83 P h3/2 (2.18)

para h ≥ 0,42 m Q = 1,45 A h1/2 (2.19)

sendo,

Q - caudal captado (m3/s);

P - perímetro útil exterior da grade, não incluindo o espaço ocupado

pelas barras transversais (m);

h - carga hidráulica sobre a grade (m);

A - área útil da grade (m2).

Nas expressões (2.18) e (2.19) anteriores, considera-se um factor de segurança igual a dois, uma vez que é grande a probabilidade de ocorrência de obstruções parciais das grades.

Quando a carga hidráulica sobre a grade está compreendida entre 0,12 e 0,42 m, o comportamento hidráulico desta é indefinido. Nestas condições, deve admitir-se que o valor do caudal captado está entre os valores limites obtidos por aplicação das expressões (2.18) e (2.19).

Exemplo de Cálculo

- Enunciado

Determinar a capacidade hidráulica de uma grade quadrada, com 0,40 m de largura, implantada na zona baixa de um arruamento. A largura das barras é igual à abertura entre elas, sendo permitida uma carga hidráulica de 0,08 m. As barras estão colocadas apenas numa direcção.

- Cálculos

P = (0,4+0,4/2) x 2 = 1,2 m

Nestas condições, dado que h ≤ 0,12 m, obtém-se:

Q = 0,83 P h3/2 = 0,83 x 1,2 x 0,083/2 = 0,23 m3/s

5.5.5. Comparação entre a eficiência hidráulica de vários dispositivos interceptores

A eficiência hidráulica dos dispositivos interceptores depende de vários factores, entre os quais se incluem as características do pavimento onde o dispositivo está implantado (declives longitudinal e transversal, rugosidade, existência ou não de depressão), a magnitude do caudal afluente e a configuração geométrica do dispositivo.

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Em condições médias de funcionamento, salvaguardando-se aspectos particulares relacionados com a existência de obstruções, julgam-se pertinentes os comentários que se seguem:

- As sarjetas de passeio têm reduzida capacidade hidráulica, o que não torna a sua utilização recomendável, a não ser que sejam implantadas em zonas rebaixadas (com depressões acentuadas), onde afluam caudais pluviais pouco significativos (inferiores a 20 l/s).

- A capacidade hidráulica dos sumidouros simples (isto é, constituídos apenas por uma grade) é, em regra, superior à das sarjetas de passeio. Considera-se, no entanto, de grande conveniência que esses dispositivos sejam implantados em valetas pelo menos levemente rebaixadas (a > 1 cm). O comportamento destes dispositivos, desde que tenham dimensões superiores a 0,56 x 0,28 m2, é bastante eficiente, até caudais afluentes da ordem de 50 l/s, mesmo quando implantados em valetas de elevado declive. No caso de se acentuar a profundidade da valeta (a > 1 cm), o que pode trazer inconvenientes sérios, nomeadamente para a segurança da circulação do tráfego, aumenta, em regra, a eficiência hidráulica do sumidouro.

- Os sumidouros duplos são constituídos por dois sumidouros simples dispostos em série, um imediatamente a seguir ao outro, sendo, também, altamente recomendável a sua implantação em valetas levemente rebaixadas (a ≅ 1 cm). O comportamento destes dispositivos é eficiente até caudais da ordem de 100 l/s, mesmo quando implantados em valetas com elevado declive, desde que cada grade tenha dimensões superiores a 0,28 x 0,56 m2.

- Os sistemas conjuntos sarjeta-sumidouro são constituídos por um sumidouro duplo disposto em paralelo com uma sarjeta de passeio, cuja abertura lateral tem o mesmo desenvolvimento que o sumidouro. Este sistema deve ser escolhido, nomeadamente, quando se preveja que as grades do sumidouro possam vir a ser significativamente obstruídas. A eficiência hidráulica destes sistemas não difere substancialmente da dos sumidouros duplos.

- No caso de bacias de cabeceira de grande extensão, em que o caudal de ponta pluvial possa já ser relativamente elevado, ou no caso de bacias interiores de dimensão média, mas de elevado declive, pode justificar-se a implantação de sumidouros duplos, concebidos e construídos de modo que só contenham uma barra transversal. Nessas condições, e desde que os dispositivos sejam implantados em valetas levemente rebaixadas, é de prever que possam captar caudais afluentes bastante superiores a 100 l/s.

No Quadro 5.9 são indicadas as eficiências hidráulicas dos diversos tipos de dispositivos interceptores apresentados na Figura 5.9 à Figura 5.11, para diversos declives dos arruamentos, diversos caudais e diversas profundidades da depressão na zona de implantação dos mesmos.

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QUADRO 5.9- Eficiências hidráulicas de dispositivos interceptores de águas pluviais (tg θ = 48; N = 0,015 m1/3s; w = 0,40 m

Dispositivo Eficiência Declive do arruamento interceptor ≥ fraco-médio i < 2% alto 2% ≤ i ≤ 6% muito alto i > 6%

(%) Q (l/s) a (cm) Q (l/s) a (cm) Q (l/s) a (cm) Sarjeta 80 40 6 30 6 20 6

de 90 30 6 20 5 20 6 passeio 100 30 6 20 6 10 6

Sumidouro 80 200 1 90 1 60 1 de uma 90 170 2 70 2 50 2 grade 100 120 5 50 4 30 5

Sumidouro 80 300 1 150 1 110 1 de duas 90 300 2 130 2 110 1 grades 100 260 3 110 3 70 3

Sistema conjunto sarjeta 80 300 1 250 1 180 1 de passeio-sumidouro 90 300 2 200 2 150 2

de duas grades 90 300 4 170 4 150 3 Sumidouro de duas 80 300 1 300 1 300 1 grades com uma só 90 300 2 300 2 300 2

barra transversal 100 300 4 300 5 200 5

Q - caudal afluente a - valor da depressão w - largura da depressão na zona de implantação da sarjeta de passeio

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Figura 5.9 - Planta e corte de uma sarjeta de passeio.

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Figura 5.10 - Planta e corte de um sumidouro simples.

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Figura 5.11- Planta e corte de um sumidouro duplo.

5.6. Soluções de controlo na origem

5.6.1. Aspectos Gerais

Por “controlo na origem de águas pluviais” entende-se um conjunto diversificado de técnicas de controlo local, a montante da rede, que permite a redução dos caudais de ponta e dos volumes de águas pluviais afluentes aos colectores, essencialmente através de processos de retenção, de infiltração ou da combinação de ambos.

As técnicas de “controlo na origem de águas pluviais” começaram a ganhar expressão, especialmente a partir do início da década de 80, em países da Europa Central, mas também nos Estados Unidos da América, no Canadá, na Austrália e no Japão. Surgem como nova filosofia, alternativa (daí o termo “techniques alternatives”, utilizado na terminologia francesa), à abordagem tradicional (designada na terminologia inglesa por “conveyance-oriented” “approach” e na terminologia francesa por “tout à l´égout”), conducente à recolha e ao transporte das águas pluviais, de forma tão rápida quanto possível, para fora das áreas afectadas, através da rede clássica de colectores. A uma estratégia de concentração, unidireccional, de técnica única, contrapõe-se uma estratégia de desconcentração, através de um conjunto diversificado de técnicas.

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115

Estas técnicas estão hoje internacionalmente aceites, sendo mesmo consideradas prioritárias e indissociáveis de um processo de gestão integrada de águas pluviais em meio urbano, com benefícios reconhecidos e largamente divulgados na bibliografia científica e técnica, em termos técnicos, económicos e ambientais.

Neste sub-capítulo 5.6, adaptado em grande parte de Matos, R. (1999) dá-se uma panorâmica geral dos objectivos, das vantagens e limitações e dos critérios de selecção das técnicas de controlo na origem, e apresenta-se seguidamente, para cada uma delas e de forma necessariamente sumária, a definição e o princípio de funcionamento, as vantagens e os inconvenientes específicos, a concepção e o dimensionamento, a construção e a manutenção.

O controlo na origem de águas pluviais tem como objectivos principais, os seguintes:

• promover a retenção ou o armazenamento temporário da água precipitada, tendo em vista a redução de caudais de ponta do escoamento pluvial para jusante;

• promover a infiltração no solo, quando esta é tecnicamente viável e não põe em causa aspectos de saúde pública, ambientais ou sociais, tendo em vista a redução de volumes de escoamento para jusante;

• combinar os dois processos anteriores, contribuindo para a redução de caudais de ponta e de volumes de escoamento pluvial para jusante.

Quando correctamente concebidas, projectadas e executadas, as técnicas de controlo na origem contribuem para a redução do risco de inundação e para a redução da descargas de poluentes para o meio receptor.

De entre estas técnicas merecem destaque as bacias de retenção, os pavimentos «com estrutura reservatório», os poços absorventes, as trincheiras de infiltração e as valas revestidas com coberto vegetal. Com aplicação claramente mais restrita podem referir-se as técnicas de armazenamento temporário em coberturas de edificações.

Estas técnicas podem ser aplicadas de forma individualizada e autónoma, dispensando totalmente a rede de drenagem, ou serem compatibilizadas com a rede de colectores existente ou a construir.

A sua versatilidade é grande, podendo aplicar-se a várias escalas ou unidades da malha urbana: a edificação, o lote, o quarteirão ou a urbanização.

5.6.2. Vantagens e limitações das soluções de controlo na origem

As técnicas de controlo na origem apresentam, relativamente às soluções tradicionais de rede de colectores enterrados, importantes vantagens no quadro de uma gestão integrada das águas pluviais, mas exigem, em contrapartida, uma nova abordagem em termos de concepção, uma nova atitude em termos de diálogo e articulação com outros agentes da intervenção urbana, um conhecimento claro das suas limitações e, consequentemente, dos respectivos domínios de aplicação e de exclusão.

As vantagens e limitações podem situar-se nos planos técnico, ambiental, social e económico-financeiro.

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116

No plano técnico, as vantagens associadas ao controlo na origem resultam da sua contribuição directa para a redução dos caudais e dos volumes de escoamento superficial e, consequentemente, para a redução dos riscos de inundação e de descarga de poluentes para o meio receptor.

Relativamente aos riscos de inundação há no entanto que ter presente que, ao passar-se de uma solução clássica de rede de colectores, praticamente independente do meio em que se insere e com flexibilidade limitada, para uma matriz de soluções mais ou menos dispersas no tecido urbano, cujo comportamento está estreitamente ligado às condições do meio (nomeadamente o solo, o tipo de urbanização e o enquadramento paisagístico), acresce a importância de uma concepção global, por um lado, e de uma análise e simulação prévia de cenários de maior risco (precipitações excepcionais ou disfunções de funcionamento por colmatagem, por exemplo), por outro. A sensibilização e responsabilidade individual e colectiva ganham também aqui uma dimensão acrescida.

Em síntese, pode dizer-se que no plano técnico estas soluções podem ser potencialmente mais eficazes do que a solução clássica de rede enterrada, em termos de controlo de cheias, mas exigem uma nova postura, em termos de concepção e implementação, marcada pela necessidade de intervenção de especialistas em hidrologia e hidráulica urbana ao nível dos estudos de planeamento e do desenho urbano de pormenor e não, como tradicionalmente, a jusante do plano de urbanização, após definição dos modelos e das tipologias de ocupação do solo. Exigem também maior diálogo e envolvimento das equipas de trabalho e verdadeira articulação disciplinar.

Do ponto de vista ambiental e relativamente ao controlo da poluição, as técnicas de controlo na origem são susceptíveis de apresentar uma elevada eficácia. No respeitante às soluções baseadas essencialmente em sistemas de retenção/armazenamento, os efeitos de despoluição são bastante dependentes da sua posição relativa e características da bacia de drenagem e da quantidade de precipitação. Em geral, soluções mais localizadas, correspondentes a menores bacias de drenagem e, consequentemente, a menores volumes de escoamento superficial e a menor carga poluente, apresentam níveis mais elevados de redução da poluição. Por exemplo, os pavimentos «com estrutura reservatório» são susceptíveis de reduzir de 70% a 90% a carga poluente (Balades et al.1992b). Já em relação a bacias de retenção, localizadas em geral a jusante de áreas urbanizadas com relativa dimensão, os efeitos de redução significativa das cargas poluentes, designadamente em termos de sólidos em suspensão, só se tornam verdadeiramente efectivos para volumes de armazenamento mínimos superiores a 50 m3/ha de área impermeabilizada (Bachoc et al. 1991 e Shaw 1993). Relativamente às soluções técnicas baseadas em processos de infiltração, os fenómenos em jogo, de natureza físico-química e biológica, têm também um efeito depurador, essencialmente na zona não saturada do solo. Inúmeros estudos experimentais realizados internacionalmente apontam para reduções sensíveis que podem atingir valores da ordem dos 80-90% em termos de sólidos suspensos, da ordem de 60-70% em termos de carga orgânica, da ordem de 30%-40% em termos de azoto e da ordem 30-40% ou superior, relativamente a metais pesados (Jacobsen e Mikkelsen 1996 e Sansalone 1998).

Do ponto de vista ambiental, estas soluções são potencialmente mais eficazes do que a solução clássica de controlo da poluição, mas exigem, para melhor utilização das suas potencialidades e integração no espaço urbano, a intervenção das especialidades de hidrologia, hidráulica urbana e ambiente, ao nível dos estudos de planeamento e do

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desenho urbano. Exigem igualmente maior envolvimento, articulação disciplinar e coordenação na concepção, no desenvolvimento e na aplicação.

No plano social, as vantagens associadas às técnicas de controlo na origem resultam essencialmente da sua contribuição para a valorização dos espaços em que se inserem, permitindo compatibilizar objectivos técnicos com funções de lazer, de desporto e de recreio livre. Existe ainda o aspecto social ligado à promoção, em alguns casos, de uma participação e intervenção mais directa do cidadão na criação do «conforto ambiental» urbano. Existem vários exemplos reportados na literatura de casos bem sucedidos de integração paisagística, estética e ambiental

A experiência tem demonstrado, por sua vez, que as técnicas de controlo na origem apresentam custos iniciais (de primeiro investimento) inferiores às soluções clássicas (Valiron e Tabuchi 1992). Verifica-se ainda que a diferença é tanto maior quanto maior é a dispersão das soluções para a mesma área geográfica e que a conjugação ou composição de soluções em série pode apresentar custos globais muito competitivos. De entre os factores que contribuem para a redução do custo global podem referir-se os seguintes:

i) redução ou mesmo eliminação da rede de colectores e dos órgãos acessórios;

ii) redução ou eliminação dos ramais de ligação pluvial;

iii) aumento da capacidade de transporte disponível das infra-estruturas das redes de drenagem primárias e secundárias.

Como é natural, a ordem de grandeza dos custos e a magnitude dos benefícios dependem das condições locais.

Para além dos custos directos ou internos relacionados com a operação ou o empreendimento em causa, há que contabilizar os custos/benefícios indirectos ou externos, associados designadamente a aspectos de natureza social e ambiental, que correspondem sempre a uma mais valia relativamente à solução clássica de rede.

Em termos de custos de manutenção, a informação publicada é mais escassa, mas os elementos disponíveis, de acordo com Valiron e Tabuchi 1992, apontam para custos que não são significativamente superiores aos custos associados à solução de rede de drenagem. Como naturalmente se compreende, os perfis-tipo do pessoal associado à manutenção deste tipo de soluções têm formações, competências e experiência diferentes daqueles que normalmente estão afectos à operação e à manutenção da rede de colectores.

5.6.3. Concepção de técnicas de controlo na origem e critérios de selecção

Na visão tradicional e clássica, os projectos de infra-estruturas de drenagem pluvial são realizados, em geral, na sequência da execução dos projectos de urbanização. Esta ordem de intervenção temporal não é naturalmente desejável no quadro da opção por técnicas de controlo na origem, na medida em que a pré-definição da ocupação do solo pode induzir a eliminação ou a perda de potencialidades de técnicas possíveis. Na verdade, exemplos bem sucedidos de integração de técnicas de controlo na origem em

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projectos de ordenamento urbano têm mostrado a importância de aspectos como os que a seguir se enumeram (Chocat et al. 1997):

• a identificação preliminar dos problemas potenciais resultantes do escoamento pluvial numa fase precoce de planeamento, desejavelmente ao nível do Plano Director Municipal;

• a definição, ao nível do projecto de urbanização dos objectivos e da funcionalidade pretendida para as infra-estruturas de drenagem pluvial e, sequencialmente, a opção pelas soluções adequadas à satisfação daqueles requisitos;

• a consideração, ao nível do projecto de urbanização, das especificidades locais, em termos técnicos e sociais;

• a promoção da discussão e da concertação de pontos de vista, ao nível de outras especialidades envolvidas (nomeadamente a arquitectura, o urbanismo, o paisagismo, a hidrogeologia e a ecologia social) não deixando de ter em conta a multiplicidade de critérios susceptíveis de influenciar o desempenho das soluções;

• a consideração, como critério a pesar no processo de selecção, de aspectos ligados ao ciclo de vida das técnicas elegíveis, ou seja, à sua evolução previsível no tempo (da concepção à exploração, passando pela execução);

• a avaliação do eventual impacte negativo perante ocorrências de risco agravado (precipitação excepcional, disfunção ou ausência de funcionamento da solução técnica, etc.) por forma a confinar as situações de maior vulnerabilidade.

A tomada de decisão final, ao nível da selecção das técnicas, pressupõe uma metodologia de abordagem que, de acordo com Azzout 1996, deve ter em consideração a análise sequencial de dois tipos de critérios. Os do primeiro tipo são essencialmente critérios de viabilidade técnica, e permitem a escolha da solução ou soluções tecnicamente possíveis e adequadas à situação em análise. Os do segundo tipo são critérios de apoio à decisão, entre um eventual leque de soluções possíveis, permitindo a comparação de desempenho, ponderando igualmente outros aspectos não técnicos, para os vários cenários elegíveis.

Os critérios relativos à análise de viabilidade técnica, de acordo com Azzout 1996, devem incluir a ponderação dos seguintes aspectos:

• tipo e funcionalidade da área a drenar: pavimento rodoviário para circulação ou estacionamento, área pedonal, edificação, lote, área de pequena dimensão ou de dimensão apreciável;

• disponibilidade de espaço físico, incluindo a análise da possibilidade de utilizar espaço exterior à área em estudo;

• natureza do solo e seu comportamento em presença de água;

• vulnerabilidade à poluição das águas subterrâneas;

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119

• risco de águas pluviais transportando poluentes finos;

• impacte de águas pluviais poluídas;

• níveis freáticos de inverno e de verão;

• tipo e frequência do tráfego;

• capacidade de suporte do solo de fundação;

• declive da área;

• permeabilidade da zona vadosa do solo;

• existência ou não de meio hídrico receptor permanente;

• existência de zonas com diaclases;

• afluência ou não de água em permanência à área em estudo.

Após selecção das soluções tecnicamente adequadas há que passar à aplicação de critérios de apoio à decisão final. Estes devem incluir a análise dos seguintes aspectos:

• integração paisagística natural e urbana: impacte na paisagem, constrangimentos induzidos nas soluções paisagísticas naturais e urbanas e possibilidades específicas de utilização para fins de lazer;

• custos: custos relativos aos estudos preliminares geotécnicos e hidrogeológicos, custos de investimento, figura jurídica da infra-estrutura (pública ou privada) e financiamento associado, contributo da rendibilidade do cenário relativamente à valorização da área em estudo;

• comportamento hidráulico: desempenho previsível em situações de precipitação excepcional e impactes em caso de inundação;

• influência sobre a população: alteração de comportamentos, gestão das infra-estruturas de fins múltiplos, inconvenientes e riscos para a segurança de pessoas e bens;

• influência no ambiente: potencialidades relativas à redução da poluição de natureza permanente;

• construção: facilidade de construção e seu controlo;

• manutenção e operação: frequência dos procedimentos de manutenção corrente; facilidade e controlo das operações de manutenção; facilidade de remoção e de reutilização dos resíduos provenientes das operações de manutenção; consumos de energia, riscos potenciais para o pessoal de exploração, degradação previsível das soluções;

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120

• comportamento a longo prazo: duração de vida ou tempo previsível para a substituição da infra-estrutura, reutilização dos materiais resultantes da sua desactivação.

5.6.4. Descrição sumária das principais técnicas

5.6.4.1. Bacias de retenção

Considerações introdutórias

O escoamento de caudais pluviais, nomeadamente os provenientes da precipitação sobre zonas urbanizadas, por intermédio de obras artificiais, como colectores enterrados e canais revestidos, que percorrem, por vezes, longas distâncias até ao destino final, resulta, em regra, em investimentos significativos.

Em muitos casos, uma solução funcional consiste em recolher os caudais de tempestade que ultrapassam determinado valor pré-estabelecido, armazenando-os em pequenas bacias ou lagoas.

Estes caudais podem ser desviados do seu percurso inicial por intermédio de descarregadores laterais, convenientemente dimensionados. Por vezes, interpõe-se no percurso da água pluvial (na terminologia anglo-saxónixa «on-line») uma ou mais lagoas em série, que amortecem naturalmente os caudais de ponta de cheia. A dimensão destas bacias ou lagoas pode ser, na maioria dos casos, ampliada, para acompanhar os efeitos decorrentes da impermeabilização crescente da bacia de drenagem que se desenvolve a montante. Outras vezes, essa ampliação é justificada tendo em vista reduzir os riscos associados à ocorrência de regolfos indesejáveis. A possibilidade de se fasearem os investimentos, de acordo com as necessidades construtivas e disponibilidades financeiras, torna este tipo de solução frequentemente atraente.

Independentemente das considerações de ordem funcional e económica, as bacias de retenção podem ter interesses múltiplos, do ponto de vista social, estético e de protecção do meio ambiente. Quando bem concebidas e exploradas podem, contribuir para a valorização do tecido urbano, contribuindo para a obtenção dos seguintes objectivos:

- redução dos riscos de inundação;

- criação de zonas de lazer apropriadas, por exemplo, para a prática de pesca e canoagem;

- criação de reservas de água para fazer face a necessidades agrícolas, ocorrência de incêndios e actividades industriais e municipais, como limpeza de arruamentos e parques ;

- protecção do meio ambiente, aumentando a qualidade da água pluvial, nomeadamente do ponto de vista de redução da concentração de sólidos em suspensão e de matéria orgânica.

Tipos de bacias e critérios de escolha. Disposições técnicas gerais

As bacias de retenção (também designadas de amortecimento) podem classificar-se, quanto à sua implantação, da seguinte forma:

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- bacias a céu aberto, a seco ou com nível de água permanente;

- bacias enterradas.

Quanto à sua localização e disposição no sistema, podem classificar-se da seguinte forma:

- bacias em série (colocadas no alinhamento do colector ou do canal ou vala de acesso);

- bacias em paralelo, colocadas lateralmente ao colector ou vala de acesso.

As bacias a céu aberto são geralmente construídas em terra, com taludes reforçados ou diques de protecção lateral. Podem resultar de simples intercepção de uma linha de água em local de fisiografia favorável, através de uma pequena barragem ou açude, ou de zonas em depressão natural com solos de resistência e características adequadas.

Situam-se, em geral, em zonas de baixa densidade populacional, estando frequentemente associadas a preocupações de integração paisagística e de valorização de áreas de lazer e tempos livres.

As bacias a seco são concebidas para estarem geralmente sem água, acumulando-a apenas em períodos específicos, correspondentes à ocorrência de precipitações mais ou menos significativas. A escolha deste tipo de solução é bastante frequente e depende, em grande parte, das condições de permeabilidade e de flutuação do nível freático do aquífero local. Na Figura 5.12 apresenta-se o perfil transversal de uma bacia a seco.

As bacias com nível de água permanente são concebidas para terem água permanentemente, mesmo durante os períodos de ausência de precipitação. Em regra, a escolha deste tipo de solução acarreta maiores investimentos e custos de exploração do que os correspondentes às bacias a seco e está condicionada a uma alimentação de água por parte do aquífero subjacente. Na Figura 5.13 apresenta-se esquematicamente o perfil transversal de uma bacia com nível de água permanente.

Figura 5.12 - Perfil transversal de uma bacia a seco

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Figura 5.13 - Perfil transversal de uma bacia com nível de água permanente

As bacias a céu aberto podem ser em série ou em paralelo. No primeiro caso, todo o caudal proveniente de montante aflui à bacia. Assim, se se tratar de um sistema unitário, o caudal de tempo seco não é desviado. No segundo caso, o escoamento de tempo seco não aflui, em princípio, à bacia de retenção; apenas os caudais em excesso, correspondentes à ocorrência de precipitação, são desviados e armazenados temporariamente na bacia.

As bacias enterradas são geralmente construídas em betão armado à semelhança de reservatórios de água. São especialmente indicadas em zonas urbanas densas, com limitações de disponibilidade de terreno, ou onde o seu custo for elevado. Podem ser construídas junto a áreas públicas, como parques de estacionamento ou zonas ajardinadas. São, em geral, bacias construídas em paralelo.

As bacias de retenção, quer se trate de bacias a seco ou de nível de água permanente, são constituídas, geralmente, pelo corpo de bacia (fundo e bermas) em terra, e por uma zona a jusante (em regra um dique) onde se encontram instalados os dispositivos de descarga de funcionamento normal (colector e descarregador) e os dispositivos de segurança (usualmente um ou dois descarregadores de superfície), para fazer face a precipitações excepcionais ou à obstrução das secções de escoamento que garantem o funcionamento normal da bacia.

No caso de bacias a seco, o fundo deve ser construído com inclinações suficientes (≥ 5/100), para evitar a formação de zonas sem renovação de água, enquanto para os taludes das bermas é aconselhável, respectivamente para os casos de acesso público ou não, a adopção de inclinações máximas de 1/6 ou 1/2. Os taludes das bacias podem ser revestidos com cobertura vegetal adequada, nomeadamente resistente a períodos de inundação mais ou menos prolongados.

No caso de uma bacia com um nível de água permanente, é recomendada uma altura de água mínima de 1,5 m, mesmo em tempo seco, a fim de evitar um excessivo desenvolvimento de plantas aquáticas e de assegurar eventual vida piscícola, o que é importante para a estabilidade do equilíbrio ecológico no ecossistema formado pela bacia. Se a bacia estiver integrada em zona urbana, convém assegurar uma variação máxima do nível da água de, aproximadamente, 0,5 m, e garantir um tratamento

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conveniente das bermas. O grau de tratamento das bermas pode ser conseguido do seguinte modo:

- talude relvado de pequena inclinação no corpo da bacia;

- paramento vertical de 0,75 m ao longo do qual se manifestam as flutuações do nível da água e que é usualmente construído em material rígido (betão) ou semi-flexível (colchões reno ou gabiões), envolvendo a periferia da bacia;

- passadeira horizontal de 2 a 4 m de largura, no topo do paramento vertical, concebida, fundamentalmente, por razões de segurança e protecção.

As bacias a seco são as mais utilizadas, dado que em regra implicam menores investimentos e menores custos de exploração. Por vezes, constitui uma prática acertada implantar no corpo da bacia um pequeno canal revestido, para o escoamento dos caudais permanentes ou decorrentes de precipitação ocorrida no período estival.

Na Figura 5.14 é apresentada a planta e perfis transversais de uma bacia de retenção existente, localizada no Concelho de Almada.

Aspectos particulares de qualidade da água

Por vezes e nomeadamente como resultado das primeiras precipitações após a estiagem, a água pluvial está bastante poluída. Essa poluição resulta, fundamentalmente, da acção erosiva no solo (com transporte, por exemplo, de sólidos em suspensão e nutrientes) e da acção de lavagem dos pavimentos e outras superfícies impermeabilizadas.

Uma água pluvial pode conter matéria mineral, sedimentável ou não, partículas arenosas, matéria orgânica, óleos, gorduras hidrocarbonatos, corpos flutuantes de maior ou menor dimensão e microrganismos patogénicos.

Os sólidos em suspensão contribuem para a turvação da água, enquanto os corpos flutuantes podem causar obstruções e colmatação parcial de determinados equipamentos, como grades e tamisadores. Em todo o caso, tanto os sólidos em suspensão como os corpos flutuantes contribuem para a ocorrência de efeitos estéticos desagradáveis, cuja relevância se torna mais acentuada no caso das bacias de nível de água permanente.

A degradação de matéria orgânica, em condições aeróbias, dá lugar a carência de oxigénio. Quando o défice de oxigénio dissolvido é elevado, a vida de determinadas espécies aquáticas (em geral, os peixes) pode tornar-se insustentável. Em condições extremas, quando o consumo de oxigénio no interior da massa líquida não é compensado pelo rearejamento atmosférico, a concentração de oxigénio na massa líquida pode praticamente anular-se (situações de anoxia ou anaerobiose). Nestas condições, a actividade de microrganismos redutores pode dar origem a compostos nocivos para a qualidade do ambiente (como o gás sulfídrico), nomeadamente no que respeita à libertação de odores indesejáveis.

Os óleos e as gorduras têm um forte impacte negativo do ponto de vista estético e de redução do rearejamento atmosférico.

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A eutrofização dos corpos de água, nomeadamente no caso das bacias de nível de água permanente, pode tornar-se de extrema acuidade se o transporte de nutrientes (designadamente de compostos de azoto e de fósforo) for significativo. Nestas condições, é favorecida a proliferação súbita de certas espécies vegetais (ocorrendo desequilíbrios ecológicos, em determinados períodos, com degradação da qualidade da água provocada, nomeadamente pela existência de algas mortas no fundo da bacia, ou em suspensão na massa de líquida.

Entre os elementos dissolvidos incluem-se metais pesados (Zn, Pb, Cu, Ni. Cr, Hg) particularmente os dois primeiros. Os metais pesados não têm acção significativa a curto prazo, podendo representar grave inconveniente se se acumularem no fundo, (fracção particulada) contribuindo para a toxicidade de espécies animais e vegetais.

As bacias de retenção desempenham, em regra, um papel importante para a melhoria da qualidade das águas afluentes.

Figura 5.14 - Planta e perfis transversais de uma bacia de retenção localizada no Concelho de

Almada

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As transformações que aí ocorrem são de natureza física, química e microbiológica, podendo assumir especial importância as seguintes:

- sedimentação dos sólidos em suspensão e consequente redução do grau de turvação da água;

- variação da concentração de oxigénio dissolvido da massa líquida, devido aos efeitos conjugados da transferência de oxigénio da atmosfera, actividade fotossintética das espécies vegetais e consumo verificado no processo de oxidação, em condições aeróbias, da matéria orgânica existente;

- variação da concentração de nutrientes; em águas em repouso e sem alimentação constante verifica-se, em regra, uma redução da concentração de nutrientes, especialmente se se retirarem, com frequência, as plantas que aí proliferam;

- redução de microrganismos, nomeadamente bactérias patogénicas; o armazenamento de água ao ar livre contribui, em regra, para a redução de microrganismos, devido à conjugação de um conjunto de circunstâncias (como a temperatura, a radiação solar, a competição biológica e a sedimentação) desfavoráveis ao seu desenvolvimento e multiplicação.

Dimensionamento hidráulico. Exemplo de cálculo

O dimensionamento hidráulico de uma bacia de retenção consiste, fundamentalmente, na definição do volume necessário à regularização do caudal afluente, por forma a que o caudal máximo efluente não ultrapasse, para um determinado período de retorno, um limite pré-estabelecido.

A esse volume corresponde, obviamente, uma determinada área inundada e uma determinada carga hidráulica sobre a bacia, que são determinadas no processo de dimensionamento.

A natureza do problema a resolver, o grau de precisão requerido e a informação de que se dispõe condicionam o método de cálculo a utilizar. Se não se dispuser de um modelo de escoamento que permita gerar o hidrograma de entrada ou hidrograma de escoamento afluente à bacia, poderá recorrer-se a um método simplificado (vulgarmente designado por método holandês).

Este método baseia-se no conhecimento das curvas de intensidade- -duração-frequência da precipitação na zona em estudo. Permite calcular o volume necessário para armazenar o caudal afluente resultante da precipitação crítica, de período de retorno T, para garantir um caudal constante q, correspondente à capacidade máxima de vazão da estrutura de drenagem a jusante. É um método expedido, particularmente adequado na fase de pré-dimensionamento da bacia de retenção.

Um outro método, numérico, baseia-se na resolução numérica da equação da conservação dos volumes ou equação de continuidade aplicada à bacia de retenção. Este método permite resolver as situações mais complexas, correspondentes, nomeadamente, à não constância do caudal descarregado (caudal efluente). Para utilização do método necessita-se de informação relativa ao hidrograma de escoamento de entrada ou afluente

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Qa(t), à lei de armazenamento (relação altura-volume armazenado) e à lei de descarga do caudal efluente (relação altura-caudal).

Em Abreu 1983, Almeida 1985 e Almeida e Pinto 1987 são apresentados métodos e fórmulas para o dimensionamento aproximado de bacias de retenção.

O método simplificado, apresentado em Abreu 1983, pode ser apresentado sob a forma seguinte:

V = 10 A C [-b qs/(1+b)] [qs / a(1+b)]1/b (2.20)

sendo:

V - volume mínimo necessário da bacia de retenção (m3);

A - área da bacia afluente (ha);

C - coeficiente (-):

a,b, - parâmetros da curva intensidade-duração-frequência, para um determinado período de retorno, expressa por I = a tb, com I dado em mm/min e t em minutos.

Qs - caudal específico efluente (caudal por unidade de área impermeabilizada), considerado constante e dado pela expressão: qs = [q/(CA)] x 6 x 10-3 (mm/min), em que q é o caudal efluente em l/s.

É corrente a duração da precipitação crítica, isto é, a duração da precipitação que conduz a uma maior necessidade de armazenamento, ser bastante superior ao tempo de concentração da bacia drenada. No método simplificado, a duração crítica, tc (min), é dada pela expressão: tc = [qs/a(1+b)]1/b. Por outro lado, é corrente admitirem-se períodos de retorno para a precipitação de projecto entre 10 e 50 anos.

Exemplo de cálculo

- Enunciado

Pretende-se determinar, pelo método simplificado (método holandês), o volume mínimo de uma bacia de retenção localizada na zona litoral de Portugal Continental, para amortecer o caudal proveniente de uma precipitação de projecto com um período de retorno de 20 anos.

- Dados

a) Período de retorno T = 20 anos b) Expressão da curva I-D-F da região: I = 5,3 t-0,538 (I em mm/min) (a = 5,3 e b = -0,538)

c) Área drenada: A = 40 ha d) Coeficiente: C = 0,60 e) Caudal efluente (considerado constante):........ q = 0,6 m3/s = 600 l/s

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- Cálculos

a) Determinação do caudal específico efluente (qs): qs = [600/(0,6x40)] x 6 x 10-3 = 0,15 mm/min

b) Determinação do volume da bacia e da duração da precipitação crítica:

V = 10 A C [-b qs/(1+b)] [qs/a(1+b)]1/b =

= 10x40x0,6x[0,538x0,15/(1-0,538)] [0,15/ (5,3x(1-0,538))]1/0,538

= 7530 m3

tc = [qs/a(b+1)]1/b = [0,15 / (5,3x(1-0,538))]-1/0,538 = 180 min

- Comentários

A consideração de um caudal efluente constante, correspondente ao caudal máximo descarregado pelo dispositivo descarregador, conduz, em regra, a uma estimativa por defeito do volume de armazenamento da bacia a dimensionar. Efectivamente, o caudal descarregado pelo dispositivo evacuador (colector, orifício, etc.) depende da carga, atingindo-se apenas o caudal máximo de descarga em condições de carga máxima.

Em Abreu 1983 é descrita uma metodologia para definição do coeficiente de majoração a aplicar para estas situações. Simplificadamente, e do lado da segurança, pode considerar-se o caudal efluente, a aplicar na expressão (2.20), inferior ao caudal máximo de descarga efectivamente previsto.

5.6.4.2. Pavimentos “com estrutura reservatório”

Definição e princípios de funcionamento

Um pavimento “com estrutura reservatório” (“chaussé à structure réservoir”, na terminologia francesa, e “reservoir pavement” ou “porous structure”, na terminologia inglesa), designado simplificadamente por pavimento reservatório, é parte de uma infra-estrutura destinada a permitir a circulação de pessoas e veículos, que se distingue de um pavimento tradicional por dispor de uma camada de base com um elevado número de vazios, aos quais a água pluvial pode aceder, permitindo reduzir os caudais de ponta e/ou os volumes de escoamento pluvial.

Um pavimento reservatório distingue-se de um pavimento poroso. Com efeito, um pavimento que dispõe apenas de uma camada de desgaste permeável, em geral de 3 a 4 cm de espessura, e cuja camada de base se pode considerar impermeável, diz-se um pavimento poroso mas não se inclui no tipo dos pavimentos reservatório. No pavimento poroso apenas a camada de desgaste tem vazios para permitir o escoamento da água pluvial, o que tem efeitos em termos de segurança e conforto na condução, em período de chuva, e de redução de ruído de rolamento. Não existe, pois, neste pavimento, uma função hidráulica de armazenamento.

Num pavimento reservatório a camada de base dispõe de uma estrutura de vazios com capacidade de armazenamento das águas pluviais, podendo a camada de desgaste ser ou não porosa.

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O funcionamento de um pavimento reservatório baseia-se na capacidade de armazenamento temporário da água na camada de base do pavimento, frequentemente da ordem dos 40 a 50 cm, o que possibilita a restituição, a jusante, de caudais mais reduzidos, tendo como destino final um meio receptor superficial (através de colector ou dreno) ou o solo de fundação do pavimento (através de infiltração pela sub-base).

Um pavimento reservatório concilia, assim, a sua função primordial de permitir a circulação de veículos e pessoas, com uma função hidráulica de armazenamento similar à de uma bacia de retenção, exercida através dos vazios existentes na sua camada de base, como se exemplifica na Figura 5.15.

Figura 5.15 - Secção transversal de pavimento reservatório

No funcionamento hidráulico de um pavimento reservatório há a considerar as condições de entrada, de armazenamento e de saída da água, como se exemplifica na Figura 5.16.

O acesso da água à camada de base pode efectuar-se de forma distribuída através da camada de desgaste, no caso de pavimento poroso, ou de forma localizada, no caso de camada de desgaste impermeável. Neste último caso, a água pluvial é recolhida lateralmente através de sumidouro e de câmara de visita, sendo conduzida à camada de base do pavimento por meio de dreno difusor. De entre os materiais que podem ser utilizados como camada de desgaste porosas citam-se: betões porosos, misturas betuminosas porosas e elementos pré-fabricados de betão (blocos e lajetas).

O armazenamento temporário da água faz-se nos vazios existentes na camada de base. Os materiais a utilizar nesta camada, função essencialmente dos requisitos estruturais e hidráulicos, podem ser: materiais granulares, misturas betuminosas, betões porosos, materiais alveolares em plástico e, ainda, materiais reciclados como, por exemplo, pneus usados.

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Figura 5.16 - Condições hidráulicas de entrada e saída em pavimento reservatório

Pelo facto de se armazenar água na camada de base há que ter cuidados acrescidos com a escolha dos materiais para as camadas subjacentes, em especial quando se permitir a percolação da água pela base e a capacidade de carga do terreno de fundação for sensível à variação do teor em água. Em alguns casos poderá ser necessário recorrer a uma impermeabilização.

A saída da água pode efectuar-se por dois modos: i) de forma distribuída, promovendo-se a infiltração directa no terreno de fundação; ii) de forma localizada, através de dreno de saída para uma câmara de visita munida a jusante de um dispositivo de regulação do caudal. Uma combinação das duas soluções pode existir tendo como principal vantagem permitir o funcionamento do dreno nos dois sentidos (como difusor, se estiver em carga, ou como colector, em caso contrário), minimizando problemas de colmatagem. Porém, se se dispuser de camada de desgaste porosa, as vantagens conferidas por esta situação tornam-se menos sensíveis.

No segundo caso, em que na zona inferior da estrutura do pavimento é colocado um dispositivo de impermeabilização para evitar a infiltração para as camadas subjacentes, o controlo da regulação do caudal de saída é mais eficaz.

Vantagens e inconvenientes específicos

Os pavimentos reservatório apresentam importantes vantagens. Sem exigência de espaço adicional relativamente à solução tradicional de pavimentação, nem comprometimento da sua função primordial de permitir a circulação, a regularização de caudais que possibilita - com reduções da ordem dos 20 a 50 %, e a redução de volumes

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de escoamento, entre 15 a 30% - tem um impacte sensível ao nível da mitigação de problemas de inundação.

Do ponto de vista de qualidade da água, o efeito depurador de um pavimento reservatório está hoje provado através de inúmeros estudos experimentais em protótipo (Balades et al. 1992b, Colandini 1997, Diniz 1993), que apontam para eficiências de redução sensíveis em termos de sólidos suspensos (entre 50% e 90%), de carga orgânica (entre 50% e 70%) e de metais, designadamente, de chumbo (entre 75% e 95%). Há ainda a referir as vantagens do ponto de vista do impacte positivo na recarga de aquíferos, no caso de pavimentos reservatório com infiltração através do terreno de fundação.

No caso de pavimentos com camada de desgaste porosa acrescem vantagens em termos de segurança na condução em período de chuva, por redução dos riscos de aquaplanagem, de projecção de água e melhor visibilidade das marcas horizontais, e de conforto, por redução dos níveis de ruído de rolamento. Na Figura 5.17 pode observar-se a diferença de comportamento, em período de chuva, entre um pavimento reservatório com camada de desgaste porosa e de um pavimento tradicional.

Figura 5.17 - Comportamento de pavimento reservatório com camada de desgaste porosa e de pavimento tradicional, Craponne, França

Na Figura 5.18 observa-se um parque de estacionamento, situado em Bordéus, França, e construído com um pavimento reservatório e camada de desgaste porosa.

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Figura 5.18 - Parque de estacionamento construído com pavimento reservatório e camada de desgaste porosa, Bordéus, França

Os inconvenientes principais relativamente à solução tradicional residem essencialmente na maior vulnerabilidade destes pavimentos a efeitos de colmatagem por finos, em particular no caso de camadas de desgaste porosas e à maior facilidade de formação de gelo em situação de baixas temperaturas. Por consequência, a manutenção destes pavimentos torna-se mais exigente em termos de frequência, de formação especializada e de custos.

Contudo, o reconhecimento das suas vantagens, por um lado, e a evolução das técnicas e dos procedimentos de manutenção que a utilização crescente destas infra-estruturas tem incentivado, tendem a reduzir o peso a dar às limitações evocadas (Chocat et al 1997).

Concepção e dimensionamento

Na concepção e no dimensionamento de pavimentos reservatório é importante atender a um conjunto de factores, destacam-se os seguintes:

condições geotécnicas: tipo de terreno, capacidade de suporte e níveis freáticos;

tráfego a que se destina: tipo de veículos e frequência de circulação, pessoas e nível diário de movimento;

condições topográficas: essencialmente inclinações locais (um elevado declive condiciona naturalmente a capacidade de armazenamento da água, sendo no entanto possível conceber um pavimento reservatório, embora com custos acrescidos, com a introdução de superfícies de seccionamento como se ilustra na Figura 5.19);

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ocupação do subsolo: a existência de outras infra-estruturas instaladas ao nível do subsolo pode constituir um condicionamento à implantação de pavimentos deste tipo (este problema não se coloca em novas áreas a infra-estruturar, se for garantida a conveniente e atempada articulação entre os responsáveis pelas diversas infra-estruturas);

outros aspectos específicos, relacionados designadamente com elevadas exigências de protecção da qualidade das águas subterrâneas, podem condicionar ou interditar a utilização de pavimentos de estrutura reservatório com infiltração através do solo de fundação.

Figura 5.19 - Utilização de pavimento reservatório em situação de inclinação longitudinal exigindo seccionamento transversal

O dimensionamento de pavimentos reservatório envolve dois aspectos distintos:

o dimensionamento estrutural, para permitir a circulação do tráfego, idêntico, no essencial, ao que é feito para os pavimentos tradicionais e tratado em diversas publicações do LNEC;

o dimensionamento hidráulico, realizado à semelhança das bacias de retenção, através de um método empírico simplificado ou através de um método numérico (modelo de reservatório).

No método simplificado o dimensionamento corresponde ao cálculo do volume necessário ao armazenamento temporário da precipitação com determinado período de retorno, em geral dez anos, por forma a que o caudal de saída, considerado constante, não exceda um valor pré-determinado. O caudal de saída pode ser simplificadamente estimado através do produto da superfície de infiltração pela capacidade de absorção do solo. Esta por sua vez, pode admitir-se igual à permeabilidade do meio, no caso de pequenas alturas de escoamento e níveis freáticos situados a distância superior a um metro do base do pavimento, situação em que se admite não haver influência do nível freático na permeabilidade da camada de base do pavimento.

No modelo numérico há que definir a lei de armazenamento (volume armazenado em função da altura de água), que depende fundamentalmente da geometria da secção transversal da estrutura (na situação mais comum a secção é rectangular e a inclinação uniforme) e a lei de descarga (caudal de saída em função da altura de água armazenada), que é variável consoante as condições hidráulicas de saída sejam

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predominantemente de infiltração (lei de Darcy) ou de escoamento controlado por orifício a jusante (lei de vazão em orifício).

5.6.4.3. Poços absorventes

Definição e princípios de funcionamento

Os poços absorventes (“puits d´absorption” ou “puits d´infiltration”, na terminologia francesa, e “infiltration pit” ou “soakway”, na terminologia inglesa) são infra-estruturas que permitem a infiltração directa das águas pluviais no solo. Apresentam a vantagem de poderem ser aplicados em locais onde a camada superficial do solo é pouco permeável (zonas urbanizadas, terrenos superficialmente impermeáveis) mas que dispõem de boa capacidade de infiltração na camada mais profunda do solo.

Distinguem-se em geral dois tipos de poços absorventes, função da posição da base do poço relativamente ao nível freático: os poços de infiltração e os poços de injecção, como se ilustra na Figura 5.20. No primeiro caso, em que a cota do nível da base do poço está acima do nível freático, a água pluvial é infiltrada através de percolação pela camada não saturada do solo. No segundo caso, em que o nível freático está acima do nível da cota da base do poço, a água pluvial recepcionada é conduzida directamente ao aquífero.

Figura 5.20 - Poços absorventes: de infiltração e de injecção (Azzout et al. 1994)

A alimentação de um poço absorvente pode ser feita quer directamente através do escoamento superficial quer através de rede de colectores, como se exemplifica na Figura 5.21.

Figura 5.21 -Tipos de alimentação de poços absorventes (Azzout et al. 1994)

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Um poço absorvente pode dispor ou não, no seu interior, de material de enchimento (Figura 5.22). Ele permite, deste modo, assegurar o armazenamento temporário da água pluvial, de forma mais ou menos significativa, consoante a natureza do solo, as condições de alimentação e o tipo de enchimento.

Figura 5.22 – Poços absorventes com e sem material de enchimento (Azzout et al. 1994)

Vantagens e inconvenientes específicos

Entre as vantagens específicas destes dispositivos conta-se a sua facilidade de integração no tecido urbanizado e a economia em termos de utilização de espaço. Eles podem representar, por outro lado, uma resposta interessante, em termos de drenagem, em situações em que o meio receptor se encontra distanciado da origem, permitindo neste caso economias de dimensão da rede para jusante. Na Figura 5.23.ilustram- -se três situações distintas de utilização urbana deste tipo de dispositivos, bem elucidativas da sua flexibilidade e domínio de aplicação. Na Figura 5.24 exemplifica-se a possibilidade de associação do poço absorvente com outras técnicas de controlo na origem, designadamente bacias de infiltração e trincheiras de infiltração. Esta associação permite, por exemplo, no primeiro caso, conciliar uma capacidade de retenção superficial ou sub-superficial existente com uma capacidade acrescida de infiltração das águas pluviais para as camadas mais profundas do solo.

Os inconvenientes dos poços absorventes prendem-se com a escala reduzida dos efeitos de armazenamento e a tipologia dispersa da solução com a necessidade de manutenção regular e frequente para evitar fenómenos de colmatagem e com eventuais riscos de contaminação de águas subterrâneas.

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Figura 5.23 – Tipos de utilização de poços de infiltração em meio urbano (Chocat et al.1997)

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Figura 5.24 – Exemplificação da associação de poço absorvente com outras técnicas de controlo na origem (Azzout et al. 1994)

Concepção e dimensionamento

A concepção e o dimensionamento de poços absorventes pressupõe a ponderação de um conjunto de condições prévias, a saber:

a zona em estudo não está condicionada por restrições em termos de infiltração - resultantes por exemplo de medidas de protecção especiais relativas à preservação da qualidade de aquíferos;

as águas de escorrência pluvial são águas pouco poluídas - com efeito, certas áreas potencialmente causadoras de níveis de poluição significativos para as águas de drenagem superficial não devem ser objecto de drenagem para poços absorventes, como é o caso de áreas de utilização agrícola ou certas áreas do tipo industrial urbano, incluindo estações de serviço, áreas expostas a produtos químicos (por exemplo indústria petroquímica) ou, de um modo geral, superfícies com riscos de contaminação associados;

A camada permeável do solo encontra-se a grande profundidade – em geral a solução de poços absorventes está limitada a poços pouco profundos (até 20 metros); a consulta de dados de permeabilidade do meio pode dar indicações preliminares úteis sobre a capacidade potencial de absorção, sendo igualmente útil a consulta de cartas hidrogeológicas.

O subsolo é muito propício à infiltração de água – as zonas cársicas (vulnerabilidade elevada à poluição) e as zonas gipsíferas (riscos de dissolução) são, à partida, áreas de exclusão deste tipo de dispositivos, situação em que o recurso a cartas geológicas e à intervenção do hidrogeólogo se revelam da maior importância.

Na sequência da análise de viabilidade relativamente à execução de poços absorventes devem ser realizados estudos complementares, designadamente para um melhor conhecimento da natureza e das características do solo e dos aquíferos. É indispensável conhecer de forma tão precisa quanto possível a capacidade de infiltração do futuro poço que condiciona o valor do potencial da capacidade de infiltração, bem como as características do aquífero de destino final das águas pluviais (nomeadamente utilizações, flutuações sazonais, níveis piezométricos máximos e sentido de escoamento subterrâneo).

O dimensionamento de um poço absorvente faz-se geralmente em duas etapas. Na primeira, estimam-se ou predefinem-se as dimensões iniciais, profundidade e diâmetro, com base nos elementos disponíveis e analisados na fase de concepção.

Na segunda, estima-se o caudal de infiltração, com base nas características hidrodinâmicas das formações geológicas, designadamente nas características de permeabilidade e nas condições de fronteira do meio envolvente (designadamente geometria e fronteiras impermeáveis).

O caudal de infiltração pode obter-se, simplificadamente, pelo produto da área de infiltração pela condutividade hidráulica do meio ao qual é aplicado um coeficiente de segurança. Em Azzout et al. 1994 são propostos valores correctivos de segurança a

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aplicar à superfície de infiltração real, variáveis entre 0,35 e 0,75, função da natureza das águas pluviais afluentes, da eventual existência de dispositivo complementar de tratamento e das condições expectáveis de frequência de manutenção.

5.6.4.4. Trincheiras de infiltração

Definição e princípios de funcionamento

As trincheiras de infiltração de águas pluviais são dispositivos pouco profundos (profundidade em geral não superior a um metro), de desenvolvimento longitudinal, e que se destinam a drenar as águas pluviais recolhidas perpendicularmente ao seu desenvolvimento, através de infiltração ou de retenção e transporte até um ponto de destino final (nomeadamente meio receptor, poço de infiltração e colector).

No funcionamento hidráulico de uma trincheira de infiltração há assim a considerar as condições de entrada da água pluvial, a retenção ou o armazenamento temporário no seu interior e as condições de evacuação ou saída dessa água.

A alimentação de uma trincheira de infiltração pode ser feita directamente através das escorrências superficiais ou através de rede de colectores, como se exemplifica na Figura 5.25.

Figura 5.25 - Tipos de alimentação de trincheira de infiltração (Azzout et al. 1994)

A camada drenante superficial presta-se à utilização de uma variedade de materiais tais como lajes, blocos de material poroso ou alveolar, seixos e coberto vegetal, designadamente relva. A secção rectangular drenante que constitui o núcleo do corpo da trincheira pode ser envolvido por uma camada de areia ou de geotêxtil para assegurar a filtração de matérias poluentes finas. Se as águas recolhidas são pouco poluídas a trincheira pode inclusivamente não dispor de cobertura, como se exemplifica na Figura 5.26.

Figura 5.26 - Exemplos de trincheiras de infiltração com e sem cobertura (Azzout et al. 1994)

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O armazenamento temporário da água pluvial no corpo da trincheira faz-se nos vazios do material que o compõe. Este material, que pode ser constituído por brita, blocos, estruturas alveolares em plástico ou ainda materiais de reutilização como, por exemplo, pneus usados, têm vazios que variam entre 30% e mais de 90%. A eventual colocação de drenos de difusão permite contribuir para uma melhor distribuição da água pluvial afluente no caso em que a alimentação se faz através de caixa de visita.

A saída da água pode efectuar-se por dois meios: i) de forma distribuída, através de infiltração directa no solo, constituindo uma trincheira dita de infiltração; ii) de forma localizada, através de dreno de saída para uma câmara de visita munida a jusante de dispositivo de regulação do caudal, constituindo uma trincheira dita de retenção. Na Figura 5.27 exemplificam-se estes dois tipos. As duas soluções podem também coexistir.

Figura 5.27 - Exemplos de trincheira de infiltração e de trincheira de retenção (Azzout et al. 1994)

No caso de uma trincheira de infiltração é aconselhável a colocação de um geotêxtil na base do seu núcleo drenante para evitar a migração de materiais finos para o seu interior.

Se existem nas proximidades da trincheira árvores ou arbustos, pode ser necessário instalar um sistema adequado de protecção afim de evitar a penetração de raízes.

Vantagens e inconvenientes específicos

Entre as vantagens das trincheiras de infiltração conta-se a sua fácil integração no tecido urbano, as suas potencialidades na harmonização da paisagem urbana e na valorização do espaço, a relativa facilidade de execução e o custo acessível. Como vantagens específicas destes dispositivos, conta-se, geralmente, a elevada capacidade de absorção, que pode conduzir à dispensa de colector a jusante. As trincheiras de infiltração constituem assim uma solução alternativa interessante em situações em que não existe meio receptor próximo. Estas técnicas não dispensam no entanto uma manutenção cuidada, indispensáveis à minimização de riscos de colmatagem. Por outro lado, poderá haver o risco de contaminação das águas subterrâneas, designadamente por ocorrência de poluição acidental.

A trincheira de infiltração é uma das técnicas de maior implantação actual ao nível das soluções de controlo na origem, em vários países europeus, nos Estados Unidos da América, Japão e Austrália. Inúmeras publicações, editadas ao longo da última década,

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traduzem, na prática, a experiência adquirida com realizações deste tipo (Fujita 1990, Somaratne & Argue 1990, Stenmark 1990, Geiger 1990, Pratt & Powell 1993, Hopkins & Argue 1993 E O´Loughlin et al. 1995).

Na Alemanha foi concebido e desenvolvido um sistema (“mulden-rigolen-system”, designação original alemã, ou “swale-infiltration-trench-system”, na terminologia inglesa) hoje patenteado, representado esquematicamente na Figura 5.28. O comportamento deste tipo de sistema foi investigado, ao longo dos últimos 5 anos, tendo hoje grande aplicação prática (Sieker 1998). Este sistema, entendido como uma solução desconcentrada de gestão pluvial, combina três funções: a infiltração, que é maximizada em função das condições de permeabilidade do solo; a retenção ou armazenamento, tão longa quanto possível para tornar mais eficaz o processo de infiltração; o transporte da eventual água pluvial remanescente, através de colector, em situações em que tal é necessário para garantir condições adequadas de drenagem. Em Hannover-Kronsberg, área confinante com a Exposição HANNOVER 2000, várias soluções deste tipo foram projectadas e construídas.

Muitas outras situações de integração de trincheiras de infiltração em meio urbano estão ilustradas na bibliografia da especialidade, não só na Europa mas também nos Estados Unidos da América, no Japão e na Austrália, sendo bem elucidativas da sua flexibilidade e do domínio de aplicação.

Figura 5.28 - Sistema de retenção/infiltração mulden-rigolen (Sieker 1998)

Concepção e dimensionamento

A concepção e o dimensionamento de trincheiras de infiltração pressupõe a ponderação de um conjunto de condições prévias, a saber:

a zona em estudo não está condicionada por restrições em termos de infiltração, por exemplo áreas limitadas por perímetros de protecção de captações de água destinada a consumo humano ou outro tipo de protecções;

existe uma distância mínima adequada entre o nível freático de inverno e a base da trincheira, valor este que, em geral, não deve ser inferior a um metro;

os níveis superiores do solo são suficientemente permeáveis - o conhecimento da permeabilidade do meio é indispensável para estimar as condições de drenagem da trincheira e a capacidade de armazenamento necessária na fase de

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estudo e dimensionamento hidráulico; para o efeito devem ser realizados ensaios de medição in situ da permeabilidade a pequena profundidade.

O solo de fundação é propício à infiltração de água - o conhecimento da natureza do solo de fundação e do seu comportamento na presença de água é relevante para se poder optar pela solução de trincheira de infiltração; a consulta de cartas geológicas permite dar informação sobre a natureza das formações geológicas, podendo justificar-se a realização de sondagens complementares; a existência de zonas instáveis do ponto de vista geotécnico em áreas próximas deve ser considerado factor de exclusão deste tipo de técnica;

as águas de escorrência pluvial não representam riscos de poluição elevada - tal como referido em relação aos poços absorventes, também a utilização de trincheiras de infiltração é desaconselhável em áreas potencialmente causadoras de níveis de poluição elevados nas águas de drenagem pluvial, como é o caso de áreas de utilização agrícola ou certas áreas do tipo industrial urbano, incluindo estações de serviço, áreas de armazenamento de produtos químicos ou, de um modo geral, superfícies com riscos de contaminação associados.

A abordagem, para efeitos de dimensionamento hidráulico, de uma trincheira de infiltração, é similar à utilizada para os pavimentos reservatório, podendo recorrer-se a um método simplificado ou a simulação numérica.

No método simplificado o dimensionamento corresponde ao cálculo do volume necessário ao armazenamento temporário da precipitação com determinado período de retorno (em geral dez anos), por forma a que o caudal de saída, considerado constante, não exceda um valor pré-determinado. O caudal de saída pode ser simplificadamente estimado através do produto da superfície activa de infiltração pela capacidade de absorção do solo. Esta, por sua vez, pode admitir-se igual à permeabilidade do meio, no caso de pequenas alturas de escoamento e níveis freáticos situados a distância superior a um metro da base do pavimento, situação em que se admite um gradiente hidráulico igual à unidade e influência desprezável do nível freático na permeabilidade do corpo da trincheira. Como em todas as técnicas de infiltração, é necessário ter em consideração, ao nível de projecto, o efeito de colmatagem, o que é feito através da utilização de um coeficiente de segurança, equivalente a uma diminuição da capacidade de absorção real ou da superfície de infiltração. Em Azzout et al. 1994 são propostos valores correctivos a aplicar à superfície de infiltração real, variáveis entre 0,35 e 0,75, função das características das águas pluviais, das condições expectáveis de manutenção e da existência ou não de dispositivos complementares de tratamento.

No modelo de simulação numérica há que aplicar a lei de armazenamento (volume armazenado em função da altura de água), que depende fundamentalmente da geometria da secção transversal (na situação mais comum a secção é rectangular e a inclinação uniforme) e da lei de descarga (caudal de saída em função da altura de água armazenada), que é variável consoante as condições hidráulicas de saída sejam predominantemente de infiltração (lei de Darcy) ou de escoamento controlado por orifício a jusante (lei de vazão em orifício).

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Várias publicações e artigos científicos e técnicos se debruçam sobre esta matéria (Petersen et al. 1993, Ciria 1996 e Schneider et al. 1998).

5.6.4.5. Valas revestidas com coberto vegetal

Definição e princípios de funcionamento

As valas revestidas com coberto vegetal (“swales”, na terminologia inglesa, e “noues” ou “fosses”, na terminologia francesa) são dispositivos de desenvolvimento longitudinal, a céu aberto, geralmente de pequena profundidade, de secção variável, podendo ser triangular, trapezoidal ou curva de pequena curvatura, e revestidas com coberto vegetal. Destinam-se a recolher as águas de escorrência superficial, transportando-as lentamente (tempos de escoamento elevados), proporcionando efeito de armazenamento e, se possível, a sua infiltração ao longo do percurso. Na figura 5.29 exemplificam-se duas situações de funcionamento hidráulico típico destas valas, privilegiando essencialmente a infiltração (vala de infiltração) ou a retenção (vala de retenção).

Figura 5.29 - Vala de infiltração e vala de retenção

São dispositivos aplicados com frequência na bordadura de arruamentos ou estradas, podendo igualmente constituir soluções bem integradas no espaço verde das urbanizações ou de áreas de utilização pública. Na Figura 5.30 esquematiza-se uma vala relvada com dispositivos de seccionamento transversal em madeira. Esta solução permite não só aumentar a capacidade de armazenamento nos casos em que a inclinação longitudinal não é negligenciável mas também garantir o acesso de eventuais ligações laterais de lotes ou parcelas de terreno.

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Figura 5.30 - Vala relvada com seccionamento transversal em madeira (adaptado de Thomachot 1981)

Na Figura 5.31 pode observar-se uma vala relvada integrada no espaço verde de uma urbanização. O tipo de coberto vegetal a utilizar, em geral relva ou plantas rasteiras, deve ser adaptado ao tipo de escoamento previsto, ao solo e ao clima. Devem evitar-se espécies vegetais de folha caduca para minimizar a obstrução de eventuais dispositivos de regulação de caudais.

Figura 5.31 - Vala relvada integrada em espaço verde

Vantagens e inconvenientes específicos

As valas revestidas de coberto vegetal têm como vantagem servir de meio receptor às águas de escorrência superficial, assegurando a condução gravítica para os pontos mais baixos da área em estudo. Entre as vantagens destes dispositivos contam-se as suas potencialidades de integração paisagística e de valorização do espaço, a relativa facilidade de execução e o baixo custo. Estas técnicas não dispensam, no entanto, uma manutenção cuidada, indispensável à manutenção das condições hidráulicas de escoamento e à minimização de riscos de colmatagem. Por outro lado, pode haver risco de contaminação das águas subterrâneas designadamente por ocorrência de poluição

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acidental, pelo que, em situações particularmente vulneráveis, poderá ser necessário prever a integração de dispositivos de intercepção e tratamento.

Concepção e dimensionamento

A concepção destes dispositivos apresenta grande paralelismo com a concepção e o dimensionamento de trincheiras de infiltração. Assim, há que assegurar, de forma idêntica, que as condições do solo e de nível freático são as adequadas. Por outro lado, a articulação com os vários intervenientes da concepção paisagística é indispensável desde a fase inicial do programa de planeamento, passando pelas fases subsequentes de pormenorização do tecido urbano, na medida em que estas soluções intervêm fortemente na estruturação e na organização do espaço.

Igualmente, o dimensionamento destes dispositivos apresenta grande similitude com o dimensionamento de trincheiras de infiltração. A diferença reside essencialmente no facto da secção transversal das valas (ao contrário da situação clássica rectangular das trincheiras) poder apresentar secções típicas diferenciadas (designadamente triangular ou trapezoidal) e, por consequência, a secção útil (ou superfície molhada) não ser função linear da altura de água.

Para efeitos de pré-dimensionamento ou de cálculo expedito do caudal de infiltração Thomachot 1981 e Azzout et al. 1994 propõem a consideração de uma superfície de infiltração igual à projecção em planta da superfície real. Esta redução da superfície real, em termos de cálculo, corresponde à utilização de um coeficiente de segurança para ter em conta os efeitos de colmatagem.

5.6.5. Considerações finais

Tal como referido anteriormente o conceito e a aplicação de “soluções de controlo na origem de águas pluviais” numa perspectiva de gestão integrada da água em meio urbano é ainda incipiente em muitos países do Mundo e da Europa.

Esta situação pode e deve alterar-se nomeadamente com uma maior aposta na concepção integrada das infra-estruturas de drenagem, ao nível do ordenamento do território e do planeamento urbanístico.

Em Portugal, o Decreto-Regulamentar n.º 23/95, que aprova o Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água incentiva a utilização de soluções alternativas, designadamente através do seu Art.º 118 relativo à Concepção dos sistemas, refere o seguinte:

Na concepção de sistemas de drenagem de águas pluviais devem ser cuidadosamente analisadas as áreas em que o escoamento se pode fazer superficialmente, com o objectivo de reduzir, por razões económicas, a extensão da rede.

Nos sistemas referidos no ponto anterior devem ser cuidadosamente analisadas as soluções que, interferindo quer ao nível da bacia hidrográfica, quer ao nível do sistema de drenagem propriamente dito, possam contribuir, por armazenamento, para a redução de caudais de ponta.

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As soluções de controlo na origem, pelas características que apresentam, são compatíveis com a evolução das infra-estruturas, em termos de desenvolvimento sustentado, pois permitem, em regra, economias globais significativas, em relação às soluções convencionais de drenagem enterrada, em termos de recursos económicos e materiais.

5.7. Dimensionamento hidráulico de colectores

5.7.1. Considerações introdutórias

O dimensionamento hidráulico de colectores é o conjunto de procedimentos, ou etapas de cálculo, cuja finalidade é a determinação dos diâmetros e declives de cada um dos colectores que constituem a rede, por forma a assegurar o transporte dos caudais de cálculo previstos, de acordo com determinados critérios hidráulicos pré-estabelecidos.

No dimensionamento de uma rede de drenagem de água pluvial podem considerar-se, em regra, as três seguintes etapas fundamentais: definição dos elementos de base; cálculo dos caudais pluviais de projecto; verificação do comportamento hidráulico dos colectores.

A secção 2.9 diz respeito, fundamentalmente, aos critérios hidráulicos e aos procedimentos de verificação ou dimensionamento hidráulico dos colectores.

5.7.2. Critérios de projecto e procedimentos de dimensionamento

Os critérios de projecto de redes de drenagem de água pluvial são, em regra, os seguintes:

- a velocidade de escoamento máxima admissível é de 5 m/s, dado que se considera que o caudal máximo de dimensionamento ocorre com pouca frequência;

- a altura máxima de escoamento deve ser igual ao diâmetro do colector (escoamento a secção cheia);

- a tensão de arrastamento mínima deve situar-se entre 3 a 4 N/m2, para o escoamento a secção cheia.

Para efeitos do dimensionamento hidráulico tradicional de uma rede de drenagem de água pluvial, e utilizando o método racional (ou o método racional generalizado), torna-se conveniente adoptar uma sequência articulada de procedimentos ou passos de cálculo que a seguir se sintetizam:

1º delimitação da bacia de drenagem e traçado preliminar da rede. Numeração das secções de cálculo:

2º fixação do período de retorno de dimensionamento;

3º verificação dos parâmetros a e b de curva intensidade-duração-frequência aplicável à área geográfica em estudo, para o período de retorno escolhido;

4º definição das sub-bacias em cada secção de cálculo;

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5º determinação do coeficiente global médio ponderado para a bacia definida em cada secção de cálculo (C = (Σ CiAi) / Σ Ai;

6º determinação do tempo de concentração (tc), igual à soma do tempo de entrada (te) com o tempo de percurso (tp);

O tempo de percurso (tempo dispendido no percurso desde o dispositivo de entrada na rede até à secção de cálculo), é dado pela expressão:

tLVp

j

j= Σ (2.23)

em que:

Lj - comprimento do colector de ordem j (a montante da secção de

cálculo);

Vj - velocidade de escoamento (em regime uniforme) no colector de

ordem j.

7º determinação da intensidade de precipitação para uma duração igual ao tempo de concentração, a partir da expressão analítica I = atb e dos parâmetros a e b, definidos no passo 3º;

8º determinação do caudal de cálculo:

Q (T) = C I (tc,T) A (2.24)

9º determinação, por recurso a fórmulas hidráulicas conhecidas, da velocidade, altura do escoamento e tensão de arrastamento no colector definido (D, i), em função do caudal de ponta;

10º determinação do tempo de percurso (tp) ao longo do trecho de colector considerado no passo 9º;

11º adição do tempo de percurso calculado no passo anterior ao tempo de concentração calculado no passo 6º;

12º repetição de todos os passos de cálculo, a partir do 5º, para as sucessivas secções de cálculo, de montante para jusante;

Como se pode inferir da descrição sequencial dos passos de cálculo no método racional, cada colector é dimensionado individualmente e independentemente (excepto no que respeita ao cálculo do tempo de concentração) e o valor que lhe corresponde de intensidade de precipitação é recalculado, em cada secção de cálculo, para a área total drenada. Dado que o dimensionamento se processa de montante para jusante, as áreas drenantes são crescentes nas sucessivas secções de cálculo e, igualmente, os respectivos tempos de concentração. As intensidades de precipitação de cálculo correspondentes são, em regra, decrescentes, sendo os novos valores aplicados às áreas drenantes em cada secção de cálculo.

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A série de passos de cálculo descritos evidenciam que um trabalho deste tipo realizado manualmente pode tornar-se demorado e fastidioso, sobretudo se se trata de redes com um número elevado de trechos. O cálculo automático, quer se recorra ao método racional para a determinação de caudais quer a outro método alternativo, aplica-se com grandes vantagens de rapidez e eficiência ao dimensionamento de rede de colectores (a esse respeito consulte-se, por exemplo, Almeida 1983 ou Sousa 1983).

5.8. Síntese e considerações finais

Os sistemas de drenagem de água pluvial são infra-estruturas destinadas a servir uma estrutura principal (edificações, parques urbanos, vias de circulação), devendo adequar-se ao aglomerado populacional que pretendem servir. Por outro lado, em novas urbanizações, as regras urbanísticas devem ser delineadas no sentido de se adequarem a uma maior facilidade de construção e economia das redes de drenagem.

No caso das bacias de drenagem que não são de cabeceira, o caudal de superfície afluente às respectivas secções de jusante não é, em regra, igual ao caudal originado nas próprias bacias, dado o facto dos dispositivos interceptores da águas pluvial, implantados a montante, não recolherem, em geral, a totalidade dos caudais afluentes.

A prática de localização e consequente dimensionamento dos dispositivos interceptores de água pluvial de cabeceira deve diferir da prática respeitante à localização dos dispositivos de percurso. No primeiro caso interessa, sobretudo, maximizar o trajecto percorrido pela água superficial, ou seja, as dimensões das bacias de cabeceira. Tal preocupação tem o duplo objectivo de diminuir a extensão da rede de drenagem enterrada e contribuir, simultaneamente, para um incremento do tempo de concentração inicial na bacia, que se reflecte directamente numa diminuição dos caudais de projecto e, consequentemente, do diâmetro e custo dos colectores que se desenvolvem a jusante.

Pelo contrário, no caso dos dispositivos interceptores de percurso, não se põe com tanta acuidade a preocupação de maximizar o percurso da água escoada superficialmente, dado o facto da extensão da rede de drenagem enterrada já estar definida. Interessa, sobretudo, e com especial importância, minimizar os custos sociais e económicos associados à ocorrência de inundações.

A problemática da redução de caudais de ponta de cheia e volumes de escoamento afluentes à rede de drenagem deve estar sempre presente no espírito do projectista. Soluções com recurso a escoamento a céu aberto (com valas revestidas ou não), bacias de retenção e câmaras drenantes podem, em inúmeros casos, ser aconselháveis, do ponto de vista económico e mesmo do ponto de vista estético e social.

Em determinadas situações especialmente complexas, envolvendo colectores à maré, transições de secção e descargas em linhas de água com condicionalismos de jusante, pode ser recomendado o recurso a sofisticados modelos hidrológicos e hidráulicos.

No que se refere à qualidade da água das escorrências pluviais, seja quando transportada em colectores separativos, seja quando transportadas em colectores unitários, sabe-se que arrastam, em regra, quantidades significativas de substâncias poluentes, nomeadamente sólidos em suspensão, hidrocarbonetos e metais, em particular chumbo, zinco e ferro. O impacte negativo da descarga dessas águas poluídas em meios receptores sensíveis pode ser minimizado e controlado recorrendo a processos

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“naturais” de tratamento (particularmente a lagoas ou bacias de retenção de toalha de água permanente) e a reservatórios de regularização inseridos em sistemas de drenagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO 5

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6. SISTEMAS DE DRENAGEM UNITÁRIOS

6.1. Considerações gerais

Grande parte dos sistemas de drenagem urbana em Portugal e na Europa comportam-se como sistemas unitários, mistos ou pseudo-separativos, tendo a particularidade de transportar conjuntamente águas residuais domésticas e águas pluviais. Na Alemanha, cerca de 70% das águas residuais domésticas são transportadas por colectores unitários (PECHER 1992), podendo-se dizer, sem grande erro, que grande parte dos países europeus apresentam percentagens idênticas. O sistema que se exemplifica na Figura 6.1 é composto por colectores unitários, emissários, um descarregador, uma bacia de armazenamento e uma Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR).

Figura 6.1 - Representação esquemática de um sistema unitário típico.

Os sistemas de drenagem unitários distingue-se dos sistemas separativos domésticos (em que o caudal máximo que pode ser transportado é, teoricamente, o caudal de ponta doméstico), verificando-se as maiores afluências em resultado da ocorrência de precipitações.

Assim, o dimensionamento hidráulico das ETAR localizadas a jusante de sistemas unitários pode ser bastante complexo, atendendo à grande variação do volume de caudais transportados, em função da ocorrência de precipitações. Tradicionalmente, as ETAR de sistemas unitários dispõem de descarregador a montante, e são dimensionadas, em termos hidráulicos, para um caudal três a seis vezes o caudal médio de tempo seco.

Em tempo seco, as águas residuais são transportadas para uma estação de tratamento onde, após terem recebido tratamento, são descarregadas para o meio receptor. No entanto, durante os períodos chuvosos, verifica-se um aumento significativo dos caudais e cargas poluentes escoadas, devido à maior infiltração e sobretudo à afluência das escorrências pluviais aos sistemas. O resultado, em termos de tratamento, pode ser a sobrecarga das ETAR, o que se traduz em efluentes finais bastante poluídos. Deste modo, é frequente verificar-se o desvio dos caudais que excedem a capacidade

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hidráulica da ETAR (ou da rede de drenagem) através de descarregadores de tempestade. Estes caudais em excesso, referidos em terminologia anglo-saxónica por Combined Sewer Overflows (CSO), são, em geral, descarregados directamente nos meios receptores.

Em termos teóricos, o factor de diluição “6” na água descarregada (em ETAR dimensionadas para seis vezes o caudal médio de tempo seco) corresponderá, para uma capitação de 100 l/hab.dia, a um efluente com uma CBO5 da ordem de 90 mg/l, valor bastante superior ao limite regulamentar de descarga de águas residuais para o meio hídrico (em ELLIS 1988 referencia-se, para o caso de colectores unitários, valores da CBO5 entre 43 e 225 mg/l, com um valor médio ponderado de 90 mg/l). O valor da CBO5 depende, obviamente, de inúmeros factores, designadamente das características de ocupação da bacia drenada, da capitação e do desenvolvimento físico do sistema de drenagem.

Do ponto de vista prático, a situação é significativamente agravada pelo facto de, por ocorrência das grandes chuvadas, serem ressuspensas e arrastadas as partículas em suspensão previamente decantadas nos colectores nos períodos secos precedentes (segundo ASHLEY et al. 1992, a acumulação de sedimentos pode ascender a 500 g/m.d. em sistemas unitários). Os caudais passam a transportar, assim, elevadas cargas poluentes, nomeadamente de origem orgânica.

Em síntese, as descargas directas de excedentes de sistemas unitários têm como consequência a degradação da qualidade da água dos meios receptores, frequentemente aliada à não verificação dos requisitos legais de qualidade (mínima e/ou em função dos respectivos usos). Paralelamente, o crescimento urbano actual, associado ao acréscimo de impermeabilização, de caudais de ponta e de volumes de escoamento superficial, bem como à concentração de actividades humanas (aumento do volume de águas residuais e produção crescente de resíduos) acentua o efeito das descargas directas no meio receptor e o aumento do risco de inundações. Finalmente, para além de ser frequente a descarga de excedentes com graus de diluição reduzidos, esta situação é agravada devido ao facto do aumento dos caudais, resultante da ocorrência de precipitações, poder arrastar e colocar em suspensão substâncias previamente sedimentadas nos colectores. Essas substâncias ressuspensas são responsáveis por um acréscimo significativo da carga poluente descarregada para os meios receptores, nomeadamente em termos dos seguintes parâmetros: bactérias, nutrientes, sólidos em suspensão, carência química e bioquímica de oxigénio e metais pesados.

6.2. Tendências actuais na beneficiação dos sistemas unitários

As medidas mais divulgadas de beneficiação do comportamento dos sistemas incluem a construção de reservas e o controlo de afluências à ETAR com equipamento de controlo de caudal e sensores para monitorização do comportamento das infra-estruturas, sendo

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também comum proceder-se ao controlo de infiltração e exfiltração e à implementação de soluções de controlo na origem (“source control”, em terminologia anglo-saxónica).

De facto, a erradicação ou controlo das descargas directas de excedentes de sistemas unitários baseia-se, sobretudo, na beneficiação e controlo do comportamento dos sistemas e não na ampliação das ETAR. Ou seja, em vez de se ampliarem as estações de tratamento, por forma a serem obtidos rendimentos adequados de depuração, mesmo durante os períodos de precipitação, opta-se, pelo menos em grande número de situações, pela alternativa de regularizar os caudais de ponta em reservatórios, restituindo-os a jusante, a fim de serem tratados na ETAR existente, não “sobrecarregada excessivamente”, nem em termos hidráulicos, nem em termos de cargas poluentes.

Assim, uma forma de beneficiar sistemas de drenagem unitários consiste na construção de reservatórios ou bacias de regularização que acumulem água poluída durante a ocorrência das chuvadas e que, após essa ocorrência, descarreguem as águas para a ETAR. Deste modo, no caso de opção por bacias em paralelo (em terminologia anglo-saxónica off line), tal como a ilustrada na Figura 6.2, quando o caudal afluente ultrapassa um determinado limite (em regra, igual ao caudal de dimensionamento da ETAR, Qdim), o descarregador entra em funcionamento, drenando para a bacia de regularização, que vai enchendo gradualmente até atingir a sua capacidade máxima e a partir da qual o caudal excedente é descarregado directamente para o meio receptor. Na fase descendente do hidrograma de cheia, assim que o caudal afluente ao descarregador volte a ser inferior ao caudal de dimensionamento da ETAR, o reservatório começa a esvaziar, drenando para a estação de tratamento, a fim de que esta funcione em pleno (com o caudal de dimensionamento).

Outros esquemas de funcionamento podem ser adoptados, em função das características dos sistemas. Na Figura 6.2 são apresentados, a título ilustrativo, alguns esquemas que representam o funcionamento de um sistema com reservatório intercalado (em terminologia anglo-saxónica, on line). Em MINISTÈRE DE L'AGRICULTURE 1988 são ilustradas diversas formas de funcionamento e exploração de sistemas de drenagem com reservatórios ou bacias de retenção.

Pode também proceder-se à beneficiação do comportamento dos sistemas de drenagem unitários através da construção de diversos descarregadores, dispostos a jusante de cada bacia de drenagem que constitui o sistema, e de emissários domésticos que afluam à ETAR. Nestas circunstâncias, os descarregadores desviam os caudais domésticos para esses emissários ou interceptores, garantindo que não afluem, a jusante, caudais superiores aos de dimensionamento dos restantes órgãos do sistema. Os caudais em excesso (sobretudo de origem pluvial) prosseguem pelo sistema de drenagem inicialmente existente, que descarregará no meio receptor. Em sistemas unitários na Europa, é usual proceder-se ao desvio até duas vezes o caudal de ponta de tempo seco ou seis vezes o caudal médio. Deste modo, assegura-se que os sistemas interceptores

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recebem a totalidade dos caudais de ponta domésticos e, ainda, uma parte dos caudais pluviais, sendo apenas descarregados, no meio receptor e em tempo de chuva, efluentes considerados suficientemente diluídos.

Figura 6.2 - Esquemas ilustrativos do funcionamento de um sistema unitário com reservatório intercalado.

A fim de analisar os resultados de diferentes medidas de beneficiação de sistemas de drenagem, é útil dispor de modelos que possibilitem a simulação dinâmica do comportamento destes sistemas. A modelação computacional de sistemas de drenagem de águas residuais, como instrumento de planeamento, projecto, análise, beneficiação e operação de sistemas, teve início sensivelmente na década de 1970. Desde então, foram desenvolvidos vários modelos destinados à simulação do comportamento dos sistemas

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de drenagem e dos processos que ocorrem nos colectores, ETAR e meios receptores, que apresentam diferentes níveis de detalhe e complexidade. As diversas componentes dos sistemas de drenagem urbanos devem ser consideradas conjuntamente, possibilitando uma abordagem holística e mais sustentada – a modelação integrada de sistemas pode ser necessária a fim de assegurar a redução global das emissões totais de poluentes para os meios receptores (SEGGELKE, 2005).

A operação e gestão dos sistemas de saneamento também deve ser efectuada de uma forma integrada, que permita minimizar, com encargos reduzidos, os impactes adversos resultantes das descargas directas no meio ambiente, aproveitando-se ao máximo as potencialidades dos reservatórios e colectores e a capacidade de tratamento instalada. A concretização desta gestão “inteligente” passa pelo recurso à utilização de equipamentos automáticos e semi-automáticos (tais como válvulas e adufas) controladas em “tempo real” (em terminologia anglo-saxónica, real time control). Vários sistemas de drenagem de grandes dimensões, geridos com controlo em tempo real, encontram-se actualmente em operação. Alguns deles estão instalados em Detroit. Seatle e Ohio, nos Estados Unidos da América, em Osaka, Tokyo e Okayoma, no Japão, em Seine-Saint-Denis, Marselha e Nancy, em França, no sector ocidental de Birmingham, no Reino Unido, em Amsterdão e Roterdão, na Holanda, em Hamburgo, Munique e Nuremberga, na Alemanha (SCHILLING 1991). Estes sistemas, envolvendo por vezes tecnologias sofisticadas na área da telemetria e controlo automático da abertura de válvulas, tem como objectivo primordial o tratamento e gestão das descargas de cargas poluentes, por forma a serem minimizados os encargos de exploração e os impactes no meio ambiente.

6.3. Modelação matemática do comportamento dinâmico de sistemas de

saneamento

6.3.1. Considerações introdutórias

Desde a década de 1970 que têm sido desenvolvidos diversos modelos com vista à simulação do comportamento dos sistemas de drenagem em meio urbano, que se revelam especialmente úteis para a sua operação e gestão (DI PIERRO, 2005; citado por FERREIRA, 2006), tendo em vista a redução global das emissões totais de poluentes para os meios receptores.

Os modelos matemáticos do comportamento dinâmico de sistemas de drenagem incidem não só sobre a componente hidráulica (relativamente à qual os conhecimentos teóricos se encontram praticamente consolidados), mas também sobre a modelação dos processos que ocorrem nos colectores, ETAR e meios receptores (que ainda se encontram em fase de investigação e que, atendendo à complexidade dos fenómenos envolvidos, conduz a níveis de incerteza elevados).

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Actualmente, é dado especial relevo à modelação integrada dos vários componentes dos sistemas de saneamento, que ganhou relevo a partir da década de “80” (RAUCH et al., 2002; ERBE et al., 2002; SCHÜTZE el al, 2002).

Genericamente, é comum caracterizar os modelos recorrendo às expressões anglo-saxónicas de “black box model”, “glass box/white box model” ou “grey box model”. Os modelos do tipo “caixa preta” são modelos empíricos, simplificados, de aplicação limitada às condições de calibração e que reproduzem não o fenómeno físico mas sim a resposta do sistema. Os modelos “caixa branca” ou “caixa de vidro” são modelos determinísticos que representam os processos mais relevantes através de equações diferenciais (nomeadamente através das equações da continuidade, conservação do momento e da energia, transporte de massa e de reacções biológicas), e podem ser aplicados, com cuidado, fora das condições estritas de calibração. Os modelos do tipo “caixa cinzenta” correspondem a modelos intermédios, baseados em simplificações das leis físicas.

Neste sub-capítulo referem-se as principais etapas do processo de modelação e são abordados, em detalhe, os modelos destinados à simulação do comportamento de sistemas de drenagem. Referem-se também, embora de forma sumária, alguns dos modelos existentes para ETAR, meios receptores e para modelação integrada.

6.3.2. Etapas do processo de modelação

De acordo com OLSSON e NEWELL (1999) e DOCHAIN e VANROLLEGHEM (2001), o processo de modelação deve considerar as seguintes etapas principais:

• definição do problema: definir processos a modelar e respectivas variáveis, e quais os objectivos do modelo (e.g., dimensionamento do sistema, simulação da operação do sistema, controlo da ETAR, resolução de problemas existentes, investigação e ensino);

• recolha de informação disponível; • selecção de modelo a aplicar (escolha de equações que traduzam os processos),

atendendo aos principais fins a que se destina o modelo; • estabelecimento de condições iniciais e de condições de fronteira para todas as

variáveis dos processos; • representação das equações diferenciais de forma discreta, através de métodos

numéricos; • desenvolvimento do código e “debugging”; • calibração e validação do modelo (comparando os resultados obtidos com os dados

que não foram usados na calibração); • aplicação do modelo.

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A incerteza associada aos resultados da aplicação de qualquer modelo deve-se, designadamente, aos dados de entrada, aos valores adoptados para cada parâmetro e à própria estrutura do modelo.

6.3.3. Modelação matemática do comportamento de sistemas de drenagem

6.3.3.1. Aspectos gerais

Os programas que simulam o comportamento dos sistemas de drenagem modelam o escoamento dinâmico incluindo aspectos hidráulicos e hidrológicos e podem, na sua maioria, ser aplicados à modelação do escoamento superficial, do escoamento com superfície livre (em canais e colectores) e sob pressão. Em geral, estes programas são aplicados de forma a: a) avaliar medidas de beneficiação do sistema com vista à redução de inundações e ao controlo de descargas directas de excedentes; b) estimar cargas poluentes, incluindo as de origem difusa e c) avaliar a eficácia de soluções de controlo na origem na redução da poluição dos meios receptores, em tempo de chuva.

Em regra, são usados modelos hidrológicos, conceptuais ou empíricos, para a simulação da precipitação e do escoamento superficial nas bacias de drenagem, que abordam cada bacia de drenagem como uma unidade agregada e permitem a determinação de hidrogramas de cheias a jusante da bacia. Estes modelos consideram fenómenos de propagação (atraso na resposta), de atenuação e deformação (amortecimento da resposta) e de perdas ou desvio de caudal.

Para a simulação do escoamento na rede de colectores recorre-se a modelos hidráulicos de propagação do escoamento (fisicamente baseados e distribuídos), frequentemente baseados na resolução numérica das equações de Saint Venant. A modelação do comportamento hidráulico de sistemas de drenagem está amplamente divulgada no meio científico (menos no meio técnico), sendo comum a sua aplicação, nomeadamente com vista à avaliação de zonas sujeitas a inundações, à estimativa de descargas directas de excedentes e à determinação de caudais afluentes à ETAR.

Alguns dos programas existentes modelam ainda a qualidade da água e o transporte de sedimentos (incluindo a acumulação de poluentes em tempo seco, no interior dos colectores e à superfície das bacias de drenagem, o arrastamento de poluentes por acção da precipitação, o transporte de poluentes no interior dos colectores e os processos químicos e biológicos que aí ocorrem), o que permite estimar a poluição total e as concentrações médias de poluentes descarregadas por evento, ou estimar a variação de poluição e transporte de sedimentos ao longo do espaço e do tempo. Os modelos que colocam ênfase nos processos em colectores encontram-se numa fase ainda não totalmente consolidada do desenvolvimento.

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6.3.3.2. Precipitação e escoamento superficial

A precipitação (ou o respectivo hietograma), um “dado” dos modelos de sistemas de drenagem, é transformada em precipitação útil ou efectiva tendo em conta as perdas hidrológicas (em função da infiltração, intercepção, evaporação e armazenamento em depressões do terreno), de modo a obter, posteriormente, um hidrograma correspondente ao escoamento superficial, conforme a Figura 6.3.

Figura 6.3 - Representação esquemática de formação de hidrograma, no tempo (adaptada de Rauch et al., 2002).

Para descrever a propagação do escoamento superficial são usados, em regra, os modelos sumariamente descritos de seguida:

• Curvas tempo-área – a forma do hidrograma gerado pelo escoamento superficial depende do tempo de concentração da bacia e da sua forma (traduzida pela respectiva curva tempo-área).

• Modelo de reservatório – o escoamento proveniente de uma bacia é considerado proporcional à altura de água gerada pela precipitação, sendo o volume escoado condicionado pelas perdas iniciais, dimensão da bacia e infiltração; a forma do hidrograma depende de constantes empíricas previamente definidas.

• Modelo de reservatório não linear ou modelo cinemático – o escoamento é simulado como se se tratasse de um canal com superfície livre, considerando apenas forças gravíticas e de atrito, pelo que o volume escoado é determinado com base nas diversas perdas de carga e nas dimensões da bacia, enquanto que a forma do hidrograma é determinada pelo comprimento, inclinação e rugosidade da superfície, nomeadamente pela equação de Manning-Strickler.

• Modelo do hidrograma unitário (UHM) – a precipitação útil pode ser calculada, considerando que as perdas por infiltração se podem representar por uma expressão apresentada pelos Serviços de Conservação do Solo dos Estados Unidos da América (“Soil Conservation Service”).

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6.3.3.3. Propagação do escoamento na rede de colectores

Para a simulação do escoamento na rede de colectores recorre-se a modelos hidráulicos de propagação do escoamento (fisicamente baseados e distribuídos), frequentemente baseados na resolução numérica das equações de Saint Venant:

LqtA

xQ

=∂∂

+∂∂ (6.1)

0=⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂

∂+

∂∂

⋅+⋅⋅+⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛ −∂∂

⋅⋅xQV

tQJAi

xhA βργγ (6.2)

em que: Q - caudal (m3/s); A - secção do escoamento (m2); x - distância na direcção do escoamento (m); t - tempo (s); qL - caudal unitário lateral (nos modelos de drenagem urbana a afluência de

caudais é, em regra, concentrada nos nós pelo que se admite qL=0) (m2/s);

γ - peso volúmico da água (N/m3); h - altura do escoamento (m); i - inclinação do colector (-); J - perda de carga unitária (-); ρ - massa volúmica da água (kg/m3); β - coeficiente da quantidade do movimento (que se admite igual a 1) (-); V - velocidade uniforme fictícia em cada secção transversal (m/s).

O primeiro termo da equação 1123H1123H(6.2), também designada por equação da dinâmica, corresponde às forças actuantes sobre o volume de controlo (peso e pressão), o segundo termo às forças tangenciais (forças de atrito, dadas pela perda de carga hidráulica) e o terceiro à aceleração local e convectiva do escoamento (termo de inércia).

A maioria dos modelos matemáticos incluem a equação da continuidade (equação 6.34), diferindo relativamente aos termos da equação da dinâmica que consideram (equação 6.35). Assim, podem ser obtidos os seguintes modelos hidrodinâmicos distintos:

• Modelo reservatório - Considera apenas a equação da continuidade, pelo que tem em conta os efeitos de armazenamento e da respectiva atenuação, desprezando qualquer efeito dinâmico.

• Modelo cinemático - Considera a equação da continuidade e o primeiro termo da equação 1123H1123H(6.2) 1125H, que tem em conta o atraso das ondas devido à gravidade e ao atrito. Tem em conta efeitos de armazenamento e permite a simulação de fenómenos de atenuação e atraso por técnicas numéricas, mas não é aplicável em regimes lentos (em que prevalecem os efeitos de jusante).

• Modelo de difusão - Tem em conta a equação da continuidade e o primeiro e segundo termos da equação (6.2). O modelo considera efeitos de propagação das

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ondas dinâmicas para jusante, efeitos de regolfo e de armazenamento e permite a simulação de fenómenos de atraso na atenuação a na propagação.

• Modelo dinâmico completo - Considera a equação da continuidade e os quatro termos da equação (6.2), pelo que inclui todos os efeitos básicos da hidrodinâmica: efeitos de propagação das ondas dinâmicas para jusante e para montante, efeitos de amortecimento, atraso e deformação nas variações de caudal e de altura do escoamento ao longo dos colectores e efeitos de regolfo.

• Modelo da curva de regolfo - Tem em conta efeitos regolfo, é aplicável em regime uniforme e considera a equação da continuidade e o primeiro, segundo e terceiro termos da equação (6.2)1130H1130H.

6.3.3.4. Qualidade da água e transporte de poluentes

Alguns dos programas que simulam o comportamento dos sistemas de drenagem, modelam também a qualidade da água e o transporte de sedimentos, o que permite estimar a poluição total e as concentrações médias descarregadas por evento (como é o caso do software SAMBA), ou estimar a variação de poluição e transporte de sedimentos ao longo do tempo.

A abordagem que tem sido utilizada na simulação da qualidade da água e o transporte de poluentes nos sistemas de drenagem de águas residuais tem, em conta em regra, os seguintes aspectos (RAUCH et al., 2002): acumulação de poluentes; lavagem de poluentes (arrastamento por efeito de lavagem durante a ocorrência de precipitações); transporte de poluentes; processos químicos e biológicos que ocorrem durante o transporte.

Até 1980 os modelos de colectores consideravam, fundamentalmente, que os poluentes eram conservativos e só simulavam o transporte de sólidos suspensos – a concentração dos poluentes que se encontram “associados” aos sólidos suspensos era estimada aplicando um factor de proporcionalidade. Na modelação matemática, esta abordagem tem sido substituída por uma mais realista e complexa, que considera processos físicos, químicos e biológicos: o colector é entendido como um reactor onde as fases sólida, líquida e gasosa interagem entre si.

Actualmente, parte dos modelos inclui matrizes que relacionam parâmetros e processos de forma similar à dos modelos de lamas activadas da IWA (ASM, 2 e 3), que permitem a simulação, entre outros, dos seguintes processos: decaimento de componentes com carência em oxigénio, rearejamento, trocas entre a fracção de sólidos suspensos e sólidos de fundo (“bed load”) e actividade do biofilme.

Um dos modelos mais conhecidos que colocam ênfase nos processos em colectores é o WATS – Wastewater Aerobic and Anaerobic Transformations in Sewers, não comercial, elaborado pela chamada “Escola de Aalborg”, na Dinamarca. Este modelo inclui actualmente a fase anóxica (YANG, 2004) assentando as suas bases de

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desenvolvimento no modelo do tipo matricial com origem no modelo de lamas activadas da IAWQ (ASM 1).

6.3.3.5. Caracterização sumária de modelos existentes

Dos programas comerciais actualmente disponíveis, destacam-se nomeadamente os seguintes: Flupol (desenvolvido com a colaboração da Agence de l’eau Seine-Normandie); HydroWorks e InfoWorks (da Wallingford Software); MOUSE e SAMBA (desenvolvidos pelo Danish Hydraulic Institute - DHI); SWMM (da Environmental Protection Agency - EPA, muito divulgado nos Estados Unidos da América e aplicado a áreas urbanas) e SIMPOL. Além destes modelos, ainda existem outros disponíveis no mercado como o MOSQITO, KOSIM, HYDRA, SewerCAD e XP-SWMM.

No 1189H1189HQuadro 6.1 apresenta-se uma síntese das características dos principais programas comerciais actualmente disponíveis, incluindo os modelos por eles utilizados.

Em regra, a acumulação de poluentes sobre as bacias de drenagem em meio urbano é modelada aplicando a relação exponencial, mais facilmente resolúvel do ponto de vista analítico. Esta expressão está implementada, designadamente nos programas FLUPOL, HORUS, HydroWorks, InfoWorks, MOUSE e SWMM.

No que se refere ao arrastamento de poluentes sobre as bacias de drenagem, é comum recorrer-se ao modelo do reservatório linear ou do duplo reservatório linear (usado pelos programas FLUPOL, HORUS, HydroWorks e InfoWorks), ou à equação exponencial de Sartor e Boyd (usada, designadamente, no SWMM, HydroWorks e InfoWorks). Nestes programas, bem como no MOUSE, as cargas poluentes associadas aos sedimentos são modeladas através de factores de proporcionalidade. Alguns modelos, como é o caso do MOUSE, avaliam a capacidade de erosão independentemente da massa de sedimentos depositada, mas limitam a massa arrastada à massa disponível.

Em termos globais, é possível afirmar que todos os modelos actualmente existentes simulam a propagação do escoamento na rede de colectores através da resolução das equações de Saint Venant, considerando o modelo dinâmico completo ou modelos simplificados (modelo reservatório ou o modelo de difusão). É comum a utilização de modelos mistos, que simulem o escoamento nos colectores pelo modelo dinâmico completo e que modelem as câmaras de visita e as bacias de retenção com o modelo reservatório.

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Quadro 6.1 - Modelos utilizados por programas de simulação de drenagem urbana (adaptado de FERREIRA, 2006).

Processo Tipo de modelo Programa

Flup

ol

Hydr

oWor

ks/

InfoW

orks

MO

US

E

SAM

BA

SWM

M

SIM

POL

Perdas hidrológicas perdas iniciais fixas S S S S Sperdas contínuas: coef. escoamento volumétrico S S S S S Shumedecimento do solo Sretenção superficial S Sinfiltração: fórmula de Horton S S S

fórmula de Green-Ampt Sevapotranspiração Soutras fórmulas de perdas contínuas S

Propagação do curvas tempo-área Sescoamento modelo do reservatório linear S S Ssuperficial modelo de reservatórios em cascata S

modelo cinemático/ modelo do reservatório não linear S SPropagação do advecção Sescoamento na modelo de Muskinghum-Cunge Srede de colectores modelo cinemático/ modelo do reservatório não linear S S

modelo difusivo Sequações completas de Saint Venant S S S

Poluentes no concentrações médias por evento (CME) S S Sescoamento distribuição lognormal das CME Ssuperficial acumulação: equação de potência S

equação de Michaelis-Menton S equação exponencial (Alley e Smith, 1981) S S S S

arrastamento: exponencial (Sartor e Boyd; Jewell e Adrian) S S Sexponencial (Nakamura, 1990)

outras fórmulas S Snúmero de poluentes modelados 4 >10 >10 10 2ç p çsedimentos S S S S

Propagação dos modelo do reservatório linear Spoluentes superficiais modelo do duplo reservatório linear Sçpoluentes em sarjetas

ç çretenção SN S

Transporte de eq. de transporte baseada: na lei de Shields Spoluentes nos no método de Ackers-White Scolectores no método de Vélikanov S

noutros métodos Stransformação/decaimento de poluentes N S Sequação de advecção S S S Sequação de advecção-dispersão S

- consideração de estruturas de sedimentação/tratamento S

A modelação da qualidade da água é modelada com base nas equações de transporte sólido, considerando apenas as áreas pavimentadas (como é o caso do HydroWorks e do InfoWorks), ou a totalidade da área urbana impermeabilizada. Os programas MOUSE e InfoWorks permitem a consideração de duas fracções de poluentes no interior dos colectores, uma de sedimentos finos e outra de grosseiros. Entre as equações de transporte sólido mais utilizadas, encontram-se o modelo de Ackers eWhite (implementado no HydroWorks, no InfoWorks e no MOUSE TRAP); os modelos de

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van Rijn, de Engelund e Hansen e de Engelund e Fredsøe (usado no MOUSE TRAP); e o modelo de Velikanov (considerado nos programas HORUS e FLUPOL).

O MOUSE TRAP (DHI, 2002) permite modelar processos de transformações da qualidade da água nos colectores, designadamente interacções entre a matéria orgânica e o oxigénio, o rearejamento nos colectores, a formação de sulfuretos e o decaimento de organismos. Estas transformações são pouco relevantes, em tempo de chuva, face aos processos de acumulação e arrastamento de poluentes e às incertezas dos modelos.

Os programas HORUS, HydroWorks, InfoWorks e MOUSE incluem algoritmos para a modelação de acumulação, em tempo seco, e do arrastamento, em tempo de chuva, de poluentes nas câmaras de retenção dos sumidouros, que admitem mistura completa do caudal pluvial transitado na câmara de retenção (WALLINGFORD SOFTWARE, 1999; DHI, 2002a). A maioria dos programas considera que não há deposição de poluentes nos nós, nos quais se verificam condições de mistura completa.

6.3.4. Aspectos gerais de modelação do tratamento de águas residuais

A modelação do comportamento das ETAR destina-se, sobretudo, à análise do seu desempenho para diversos cenários alternativos. Para a concepção e dimensionamento de ETAR usam-se, em regra, métodos e procedimentos tradicionais, baseados em formulações empíricas ou semi-empíricas.

Os modelos dos reactores, que admitem, em regra, um regime de mistura completa, têm por base os reconhecidos modelos de lamas activadas da IAWQ, que permitem simular a oxidação carbonatada, a nitrificação e a desnitrificação: ASM1, desenvolvido por HENZE et al. (1987), ASM2 (HENZE et al., 1995) e ASM2D, ASM3 (GUJER et al., 1999). Para simular o comportamento global de ETAR é necessário acrescentar, igualmente, e pelo menos, módulos de previsão da qualidade da água associados às operações de decantação primária e secundária, destacando-se, neste domínio, o modelo empírico de TAKÁCS (1991). Por vezes, pode ser necessário modelar outras operações e processos, por forma a ter em conta os efeitos de tanques de equalização-homogeneização, adição de reagentes, retorno de drenados da fase sólida (designadamente da desidratação de lamas) e desinfecção.

Dos programas comerciais actualmente disponíveis, destacam-se nomeadamente os seguintes: AQUASIM (desenvolvido pelo EAWAG), EFOR (que integra o software do DHI), GPS-X (desenvolvido pela empresa canadiana Hydromantis), STOAT (desenvolvido pelo WRc e pelo Imperial College, no Reino Unido) e BioWin (desenvolvido pela canadiana EnviroSim).

6.3.5. Aspectos gerais de modelação dos meios receptores

Relativamente à modelação dos meios receptores, que pode ser bastante complexa, verifica-se que grande parte dos modelos disponíveis se destinam a rios. De qualquer

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modo, os princípios de modelação de qualidade da água em que se baseiam são igualmente aplicáveis a estuários, águas costeiras e lagos, embora nestes casos as dimensões espaciais da hidrodinâmica e do transporte devam ser abordadas de forma distinta, tendo sempre presentes preocupações de integração dos diferentes modelos. As alterações de qualidade da água nos rios devem-se ao transporte físico e aos processos de advecção e difusão/dispersão, bem como a processos de conversão biológica, bioquímica e física. A formulação genérica do mecanismo de transporte considera uma equação de transporte, válida para poluentes solúveis e conservativos, e um submodelo de conversão para as substâncias não conservativas. Esta formulação (equação de advecção/dispersão e conversão) pode ser integrada em trechos de rio em que se assume um regime de mistura completa, simulados como uma sequência de reactores interligados. Tendo em conta a gestão integrada, os sedimentos assumem um aspecto crucial para a modelação da qualidade da água em rios (RAUCH e HARRAMOËS, 1996). Em termos matemáticos, os sedimentos constituem mais um compartimento, ao qual deve ser aplicada a equação de transporte.

Desde o pioneiro modelo de Streeter-Phelps (apresentado em 1925), que tem em consideração a remoção bioquímica do OD promovida por oxidação biológica da matéria orgânica e a reposição parcial do oxigénio por rearejamento superficial, foram desenvolvidos diversos modelos que consideram o oxigénio, azoto e fósforo, evidenciando progressos graduais e incrementos de complexidade.

Destaca-se, neste domínio, o modelo de origem portuguesa MOHID – MOdelação HIDrodinâmica, desenvolvido pela MARETEC (em terminologia anglo-saxónica, “MARine and Environmental TEchnology Research Center”), do Instituto Superior Técnico. O MOHID é composto por módulos que permitem simular a hidrodinâmica local, bem como os fenómenos de dispersão de poluentes e o transporte de sedimentos e aplica-se a rios, estuários, albufeiras e zonas costeiras

6.3.6. Modelação integrada de sistemas

A modelação integrada de sistemas de saneamento destina-se, portanto, a simular a interacção entre dois ou mais sistemas físicos (componentes) que são governados por diferentes ou idênticas equações.

Na Figura 6.4 H1187H apresentam-se os principais componentes do sistema de saneamento, bem como os fluxos mais relevantes, a considerar no âmbito da modelação integrada do sistema. Uma vez que os sistemas de saneamento transportam, frequentemente, águas residuais e águas pluviais, os componentes do sistema (colectores, eventuais bacias de detenção, ETAR e meios receptores) comportam-se de forma diversa em tempo seco e em tempo de chuva: por ocasião de precipitações intensas, a capacidade hidráulica do sistema é excedida, verificando-se descargas directas de excedentes (que contribuem fortemente para a contaminação do meio receptor) e problemas operacionais nas ETAR. As bacias de armazenamento ou soluções de controlo na origem, que potenciam a

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infiltração das águas pluviais, são medidas ou procedimentos de minimização destes problemas, amplamente divulgadas na Europa.

No que concerne aos fluxos de caudal e de cargas poluentes, salienta-se que, embora os fluxos de montante para jusante sejam relativamente simples de modelar, passo-a-passo, a modelação dos fluxos contrários (“feedback fluxes”) é muito mais difícil, sendo necessário recorrer a simulação simultânea. É o que acontece em controlo em tempo real, relativamente aos fluxos de informação, ou seja, aos sinais associados à telegestão.

Figura 6.4 -Sistema integrado: principais componentes e fluxos (adaptada de Rauch et al., 2001).

A modelação integrada é, em regra, bastante complexa, atendendo ao tamanho dos modelos e ao tempo necessário para os executar, e dadas as diferentes abordagens que estão na base dos submodelos (resolução temporal, descrição do escoamento e das condições de mistura, eventual deficiência ao nível da modelação da qualidade da água), que se traduzem em problemas de inconsistência.

Entre os modelos integrados existentes e/ou em desenvolvimento destacam-se os seguintes: SYNOPSIS, WEST (da HEMMIS, Bélgica), AQUASIM e ICS (Integrated Catchment Planning - em desenvolvimento pelo DHI e pelo WRc).

Frequentemente, a não existência ou a não disponibilidade de um cadastro completo e actualizado limita a aplicação de modelos complexos, que exigem grande detalhe e quantidade de informação. Nesses casos, podem ser usadas abordagens integradas alternativas. Em FERREIRA (2006) descreve-se uma Abordagem Simplificada Integrada (ASI) que tem simultaneamente em conta a frequência de descargas de excedentes, a diluição das descargas e a magnitude relativa das cargas poluentes descarregadas no meio receptor. A ASI requer o conhecimento simplificado do cadastro (diâmetros e inclinações dos principais colectores), características gerais da ETAR e regime de precipitação no local.

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166

6.4. Dimensionamento de estruturas de armazenamento

6.4.1. Notas introdutórias

A construção de reservatórios ou bacias de regularização em sistemas unitários é relativamente recente e resulta, fundamentalmente, da constatação da deficiência do comportamento dos sistemas de tratamento implantados a jusante, quando da ocorrência de precipitações significativas. Na realidade, as estruturas de armazenamento constituem numa medida eficiente que contribuí para a limitação e controlo das descarga de excedentes unitários, comum em diversos países da Europa, sendo implantadas não só à entrada das ETAR, mas também a montante de descarregadores localizados ao longo dos sistemas. Na Alemanha foram construídos, nos últimos 15 anos, em sistemas unitários, cerca de 10 000 bacias ou reservatórios de retenção e regularização, pretendendo-se, a médio prazo, construir mais 30 000 a 40 000.

Uma vez que a carga poluente transportada na fase inicial dos hidrogramas de cheia pode ser bastante superior à transportada na fase descendente dos hidrogramas de cheia, devido ao arraste e transporte em suspensão de substâncias poluentes previamente sedimentadas nos colectores, as estruturas de armazenamento são usualmente dimensionadas para reter o volume da fase inicial das ondas de cheia. Outro critério bastante utilizado tem sido o de restringir a frequência anual de descargas directas de excedentes para um determinado valor limite, que pode ser fixo, ou depender das características e utilizações do meio receptor. Muitas dessas estruturas têm sido concebidas, simultaneamente, para assegurarem um tratamento prévio à massa líquida descarregada para os meios receptores, através de sedimentação de sólidos suspensos durante o período de armazenamento.

Existe mais de um método de cálculo que permite determinar a capacidade das estruturas de regularização, que têm em conta factores como a dimensão da bacia da drenagem, a população equivalente servida, o tipo e dimensão do sistema de drenagem, o regime de precipitações, a ocupação do solo, o potencial de deposição no interior dos colectores e a capacidade hidráulica da ETAR. A capacidade que se pretende para os reservatórios relaciona-se, obviamente, com o grau de segurança que se espera obter, designadamente no que respeita a evitar descargas das águas poluídas para os cursos de água. É vulgar considerarem-se valores entre 5 e 40 m3 de reserva por hectare de bacia drenada.

Entre os métodos mais utilizados, encontram-se o método da precipitação crítica e o método simplificado, ambos desenvolvidos na Alemanha. Esses métodos incluem um conjunto de formulações e critérios de dimensionamento, resultantes de observações experimentais efectuadas naquele país, e são apresentados neste capítulo (que foi, em parte, adaptado de DAVID, 1995).

Com as potencialidades de cálculo automático, alguns países têm vindo a desenvolver complexos programas para simulação do funcionamento dos sistemas de drenagem

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167

urbana, que podem revelar elevado potencial na decisão quanto à implantação e capacidade das estruturas de armazenamento, através do estudo e comparação de soluções alternativas.

6.4.2. Método da precipitação crítica

6.4.2.1. Notas introdutórias

O método da precipitação crítica, bastante simples e de natureza experimental, teve origem nos trabalhos desenvolvidos por KRAUTH, integrados num projecto de cooperação internacional para a protecção do Lago Constância (situado entre a Suíça, a Áustria e a Alemanha), contribuiu para quantificar a influência dos processos de ressuspensão e transporte de substâncias sedimentadas nos colectores na carga poluente descarregada, pondo em evidência o interesse da construção de estruturas de armazenamento como forma de assegurar a protecção da massa hídrica (MINISTÈRE DE L'AGRICULTURE, 1988).

KRAUTH estudou, durante dois anos, o funcionamento do sistema de drenagem unitário de Stuttgart-Busnau, na Alemanha, que serve uma bacia hidrográfica com área de cerca de 32 ha e uma população de 4 000 habitantes. A inclinação dos colectores pertencentes ao sistema de drenagem está compreendida entre 0,5 e 6,0 %.

As principais conclusões do estudo, do ponto de vista da deposição e arraste de sedimentos nos colectores, foram as seguintes: a acumulação de sedimentos verificou-se durante os períodos “mortos” do dia, sendo parcialmente arrastados durante os períodos de maior afluência de caudal. As precipitações com intensidade média superior a 10 l/(s.ha) produziam um efeito de “lavagem” das substâncias depositadas no interior dos colectores, verificando-se a ocorrência, no período inicial dos hidrogramas de cheia, de um fluxo de poluentes, medidos em CB05 e SST, muito significativo, que diminuía rapidamente, sendo praticamente imperceptível após cerca de 30 minutos do início dos hidrogramas de cheia. Esse fluxo inicial (em terminologia anglo-saxónica, efeito de first flush) foi atribuído ao arrastamento e ressuspensão de substâncias sedimentadas no interior dos colectores. Por outro lado, a partir da análise efectuada aos sólidos suspensos, estimou-se que 78 % das substâncias orgânicas, por ocasião de precipitações, provinham do material sedimentado nos colectores, enquanto que as restantes eram arrastadas pelo escoamento superficial, directamente da bacia de drenagem.

6.4.2.2. Critérios de dimensionamento

O método da precipitação crítica tem por objectivo o dimensionamento de estruturas de armazenamento e de descarregadores de tempestade, através da consulta de ábacos e da utilização de critérios hidráulicos simples, de modo a que, para a ocorrência de precipitações com uma intensidade média inferior a uma determinada intensidade crítica, não ocorram descargas directas para o meio receptor (MINISTÈRE DE

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168

L'AGRICULTURE, 1988). Caso a intensidade média da chuvada exceda a intensidade crítica, as estruturas de armazenamento e descarga detêm parte do caudal, sendo o excesso do escoamento descarregado directamente para o meio receptor. Este método pressupõe algumas hipóteses de base, em termos de ocupação e de regime de precipitações, verificadas para bacias típicas da Alemanha.

Para a aplicação do método, na fase de concepção do sistema, a bacia de drenagem deve ser dividida num conjunto de sub-bacias, a jusante das quais se prevê a construção de uma estrutura de armazenamento e descarga, que serão analisadas individualmente. O caudal máximo que se admite passar para jusante, em cada sub-bacia, deve ser limitado pela capacidade hidráulica da ETAR (na Alemanha, este caudal corresponde a cerca de duas vezes o caudal de ponta horário em tempo seco ao que se adiciona o caudal de infiltração, segundo ATV-A131, 1991).

A área da bacia hidrográfica servida pelo sistema de drenagem unitário a montante de cada estrutura deve ser determinada tendo em conta que:

• as bacias localizadas a montante e servidas por outras estruturas de armazenamento e descarga não devem ser incluídas na bacia de drenagem da estrutura (durante a ocorrência da precipitação crítica, essas estruturas contribuem, para o caudal unitário crítico afluente à estrutura de armazenamento e descarga, com o caudal máximo que se admite passar para jusante de cada uma delas, ΣQt,m);

• as bacias localizadas a montante e servidas por estruturas de detenção sem descarregador de tempestade associado devem ser consideradas para efeitos de cálculo da área da bacia tributária (de facto, de acordo com os critérios de dimensionamento alemães, o caudal pluvial que se admite poder passar para jusante destas estruturas é superior ao caudal pluvial crítico, logo a sua implantação é irrelevante para efeitos da aplicação do método);

• as bacias localizados a montante e servidas por descarregadores de tempestade sem estrutura de armazenamento associada devem ser consideradas, desde que os descarregadores tenham sido dimensionados de forma a não entrarem em funcionamento com a ocorrência de precipitações de intensidade média inferior à intensidade crítica;

• nos sistemas de drenagem mistos, a área servida pela rede separativa pluvial não deve contribuir para a área da bacia de drenagem; deve ter-se em conta os caudais de ponta horário do escoamento em tempo seco (Qtsp) e de origem pluvial que, durante os períodos chuvosos, afluem à rede separativa de águas residuais domésticas (QrS.), cujo valor se pode estimar como igual ao caudal médio em tempo seco (QrS = Qts24).

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6.4.2.3. Determinação dos volumes de armazenamento necessários

INTENSIDADE DE PRECIPITAÇÃO CRÍTICA E CAUDAIS DE CÁLCULO

A intensidade de precipitação crítica (Ic) é o principal parâmetro de dimensionamento do sistema (já que as descargas directas para o meio receptor apenas ocorrem para precipitações com uma intensidade média superior a Ic). Quanto maior for o valor de Ic, maior será a capacidade de armazenamento a exigir ao sistema.

O valor da intensidade de precipitação crítica deverá ser estabelecido para cada região, atendendo aos seguintes factores: a duração das precipitações com intensidade média superior a Ic; a condição de esvaziamento do volume de armazenamento no início da ocorrência dessas precipitações; o caudal de estiagem e os objectivos de qualidade do meio receptor; a concentração de cargas poluentes nas águas residuais domésticas, no escoamento pluvial e nos efluentes das ETAR. Estudos efectuados na Alemanha e em algumas regiões de França sugerem que um valor de 15 l/(s.ha) assegura, em média, o tratamento de cerca de 90 % da carga poluente anual usualmente descarregada para o meio receptor, em períodos chuvosos (MINISTÈRE DE L'AGRICULTURE, 1988).

O caudal pluvial crítico originado na bacia de drenagem é calculado através da expressão:

redccpc A IA C I Q ×=××= (6.3)

em que: Qpc - caudal pluvial crítico (l/s); Ic - intensidade de precipitação crítica (l/(s.ha)); A - área própria da bacia de drenagem a montante da estrutura de

armazenamento e descarga (ha);

C - coeficiente do método (-); Ared - área reduzida da bacia de drenagem (ha).

Durante a ocorrência da precipitação crítica, o caudal unitário crítico afluente à estrutura de armazenamento e descarga é dado por:

t,mrStsp pccrit Q Q Q Q Q Σ +++= (6.4)

em que: Qcrit - caudal unitário crítico afluente à estrutura de armazenamento e descarga

(l/s); Qpc - caudal pluvial crítico (l/s); Qtsp - caudal de ponta horário em tempo seco (incluindo as parcelas

provenientes de sistemas separativos, mas sem considerar as parcelas

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provenientes de bacias servidas por outras estruturas de armazenamento e descarga) (l/s);

QrS - caudal de origem pluvial que, devido a ligações indevidas e ao aumento da infiltração, aflui às redes separativas de águas residuais domésticas implantadas a montante, durante os períodos chuvosos (l/s);

ΣQt,m - somatório dos caudais que se admite passar para jusante de estruturas de armazenamento e descarga localizadas a montante da bacia de drenagem considerada (l/s).

A parcela do caudal pluvial crítico que se admite passar para jusante da estrutura de armazenamento e descarga, com destino à ETAR, determina-se através da expressão:

)Q Q( Q QQ t,mrStsp tjus Σ++−= (6.5)

em que: Qjus - caudal unitário crítico afluente à estrutura de armazenamento e descarga

(l/s); Qt - caudal máximo que se admite passar para jusante da estrutura de

armazenamento e descarga (l/s); Qtsp - caudal de ponta horário em tempo seco (incluindo as parcelas

provenientes de sistemas separativos, mas sem considerar as parcelas provenientes de bacias servidas por outras estruturas de armazenamento e descarga) (l/s);

QrS - caudal de infiltração proveniente de sistemas separativos (l/s); ΣQt,m - somatório dos caudais provenientes de estruturas de armazenamento e

descarga localizadas a montante (l/s).

O caudal pluvial específico que se admite passar a ETAR corresponde ao valor da intensidade de precipitação para o qual a totalidade do caudal afluente à estrutura passa directamente para a ETAR, sem necessidade de volumes de detenção:

red

jusjus A

Q I =

(6.6)

em que: Ijus - caudal pluvial específico que se admite passar para a ETAR (l/(s.ha)); Qjus - caudal pluvial crítico que se admite passar para a ETAR (l/s); Ared - área reduzida da bacia de drenagem (ha).

CÁLCULO DOS VOLUMES DE ARMAZENAMENTO

O volume especifico de armazenamento (Vr), ou seja, o volume por unidade de área reduzida da bacia de drenagem necessário para armazenar a parcela do escoamento pluvial crítico a reter, determina-se através do ábaco da Figura 6.5. O valor , em função da intensidade de precipitação crítica e do caudal pluvial específico que se admite

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passar para a ETAR. Este ábaco foi estabelecido a partir de observações efectuadas em bacias típicas da região de Bade-Wurtemberg, localizada no Sul da Alemanha.

Figura 6.5 - Ábaco para a determinação do volume específico de armazenamento

(adaptado de MINISTÈRE DE L'AGRICULTURE, 1988).

O volume total de armazenamento necessário obtém-se através da seguinte expressão:

tredr aA VV ××= (6.7)

em que: V - volume total de armazenamento necessário (m3); Vr - volume especifico de armazenamento (m3/ha); Ared - área reduzida da bacia de drenagem (ha); at - parâmetro adimensional, função do tempo de concentração da bacia de

drenagem.

A relação entre o parâmetro at e o tempo de concentração da bacia de drenagem (tc) é apresentada no QUADRO 6.2 e na Figura 6.6. O tempo de concentração da bacia de drenagem é o tempo despendido no percurso da água precipitada, desde o ponto cinematicamente mais afastado da bacia até à secção de interesse.

QUADRO 6.2 - Valores do parâmetro at em função do tempo de concentração (adaptado de MINISTÈRE DE L' AGRICULTURE, 1988).

Parâmetro Unidade Valorest c min 10 15 20 25 30 35 40 50 60 80 100 120 180a t - 1.25 1.48 1.63 1.74 1.82 1.88 1.93 2.02 2.06 2.12 2.17 2.20 2.25

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172

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

0 30 60 90 120 150 180

tc [min]

at [-

]

Figura 6.6 - Valores do parâmetro at em função do tempo de concentração (adaptada de MINISTÈRE DE L'AGRICULTURE, 1988).

Em bacias de drenagem com tempos de concentração reduzidos (inferiores a 15 a 20 minutos), o principal objectivo das estruturas de armazenamento e descarga é reter os caudais unitários iniciais, mais poluídos, atendendo ao efeito de first flush. O volume remanescente dos hidrogramas de cheia é descarregado directamente para o meio receptor, a montante da estrutura de armazenamento.

Quanto maior for o tempo de concentração, maior é o tempo que o caudal unitário inicial, proveniente de toda a bacia de drenagem, demora a atingir a estrutura de armazenamento. Assim, para deter o caudal unitário inicial, proveniente das áreas hidraulicamente mais afastadas da estrutura de armazenamento e descarga, é necessário deter igualmente o caudal remanescente proveniente das áreas mais próximas, resultando em volumes de armazenamento superiores. À medida que o tempo de concentração aumenta, tomando valores superiores a 50 a 60 minutos, o efeito da concentração poluente inicial torna-se pouco relevante (os caudais provenientes das áreas hidraulicamente mais afastadas misturam-se com os caudais menos poluídos das sub-bacias mais próximas), pelo que o parâmetro at deixa de depender do tempo de concentração.

CRITÉRIOS DE DIMENSIONAMENTO DE BACIAS DE ARMAZENAMENTO COM

DESCARREGADOR DE TEMPESTADE INSTALADO NO COROAMENTO

A fim de garantir condições de tratamento por sedimentação, o caudal afluente às bacias de armazenamento com descarregador de tempestade instalado no coroamento deve ser limitado ao caudal unitário critico afluente (Qcrit), através de um descarregador de tempestade adicional localizado a montante. Este descarregador adicional pode ser dispensado, de acordo com ATV-A128, 1992, se o descarregador no coroamento assegurar a descarga completa dos excedentes, sem que as condições de tratamento

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sejam prejudicadas, ou caso se preveja que raras vezes entre em funcionamento (menos de dez vezes por ano).

Em bacias rectangulares com descarregador de tempestade instalado no coroamento, ou nos compartimentos que a constituem, as seguintes relações e condições hidráulicas devem ser verificadas (ATV-A128, 1992; MINISTÈRE DE L'AGRICULTURE, 1988):

• a largura da bacia deve ser igual ou superior à largura do descarregador; • comprimento da bacia, medido na direcção preferencial de escoamento, deve ser

igual ou superior ao dobro da largura; • a altura média da bacia deve ser calculada por forma a garantir um volume de

armazenamento não inferior ao determinado pelo método; • a carga hidráulica sobre a soleira do descarregador instalado no coroamento deve ser

sempre inferior a 0,10 m/h (para um descarregador de Bazin, a largura mínima do descarregador, expressa em metros, será de critQ17,857b ×= , com Qcrit em m3/s);

• a carga hidráulica na bacia (Hb) não deve exceder 10 m/h e depende da área da secção horizontal da bacia (Ah) , expressa em m2:

m/h 10 Q

H critb <=

Ah (6.8)

• a velocidade máxima, na direcção preferencial do escoamento (Av é a área da secção transversal da bacia, em m2), deve ser inferior a 5 cm/s, ou seja:

m/s 0.05 Q

v crit <=Av

(6.9)

• o tempo de retenção hidráulica na bacia (tret) não deve ser inferior aos valores que se apresentam no QUADRO 6.3, sendo de destacar que valores superiores a 20 minutos não trazem benefícios significativos à qualidade dos excedentes descarregados para o meio receptor:

critret Q

Vt =

(6.10)

QUADRO 6.3 - Tempo mínimo de retenção hidráulica, em função da intensidade de precipitação crítica de projecto.

Parâmetro Unidade ValoresI c l/(s.ha) 10 15 20

t ret mínimo min 1.88 1.93 2.02

• o tempo máximo de esvaziamento da bacia (te) não deve ser superior a 15 minutos.

juse Q

Vt =

(6.11)

As bacias circulares com descarregador de tempestade no coroamento e entrada de caudal tangencial devem ser dimensionadas tendo em conta os critérios referidos, embora a verificação da velocidade do escoamento possa ser dispensada.

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6.4.3. Método simplificado

6.4.3.1. Notas introdutórias

O método simplificado visa o dimensionamento de estruturas de armazenamento e de descarregadores de tempestade, através da consulta de ábacos, e é aplicável a meios receptores classificados como “não sensíveis”, pelo que as estruturas de descarga são dimensionadas atendendo apenas à limitação das emissões para o meio receptor (ATV-A128, 1992). Este método utiliza uma formulação baseada em caudais médios diários anuais e em concentrações médias anuais da carga poluente, expressas em termos de carência química de oxigénio (CQO), que é o parâmetro indicativo da poluição considerado e tem em conta a duração e frequência da ocorrência de descargas e o tipo e concentração de substâncias poluentes descarregadas.

O método simplificado foi desenvolvido na Alemanha, com base num caso de referência adequado às características das bacias de drenagem e ao regime de precipitação naquele país, apresentando os valores médios anuais seguintes:

• precipitação média anual (hpr) .................................................................. 800 mm • precipitação média útil anual (hpr,útil)........................................................ 560 mm • concentração em CQO do escoamento pluvial (cr) ................................. 107 mg/l • concentração em CQO do efluente das ETAR durante o tempo

chuvoso (cet) ............................................................................................. 70 mg/l • concentração em CQO do escoamento em tempo seco (cts).................... 600 mg/l

6.4.3.2. Critérios de dimensionamento

Durante os períodos chuvosos, as águas residuais de sistemas unitários são descarregadas para o meio receptor através de descarregadores de tempestade e do efluente da ETAR, com concentrações poluentes respectivamente superiores e inferiores à das águas pluviais afluentes à rede de colectores. Deste modo, o método simplificado estabelece, como critério de dimensionamento, que em ano médio e em sistemas de drenagem unitários, a carga poluente anual descarregada para o meio receptor (em termos de CQO) deve ser inferior à carga em CQO anualmente transportada pelas águas pluviais para o interior da rede de colectores (i.e., admitindo que a eficiência da ETAR não é afectada pela passagem da onda de cheia , à carga que seria descarregada se o sistema fosse separativo):

reto PLPLPL ≤+ (6.12)

em que: PLo - carga poluente anual, em CQO, descarregada para o meio receptor por

descargas directas de excedentes unitários (kg); PLet carga poluente anual, em CQO, da parcela do escoamento pluvial

descarregada para o meio receptor após tratamento na ETAR (kg);

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PLr - carga poluente anual, em CQO, do escoamento pluvial afluente ao sistema de drenagem unitário (kg).

A equação de balanço de cargas que traduz o critério de dimensionamento permite determinar a taxa admissível de descarga de excedentes (relação máxima admissível entre o volume anual de descarga de excedentes e o volume anual de precipitação útil): quanto menor for esta relação, maior é o volume de armazenamento necessário. As concentrações poluentes médias anuais, a utilizar na equação de balanço (relativas às águas pluviais afluentes ao sistema de drenagem, ao efluente da ETAR em tempo chuvoso e à massa líquida descarregada através dos descarregadores de tempestade) são avaliadas através do caso de referência.

Os desvios em relação ao caso de referência e a influência de outros factores, como o efeito de amortecimento dos caudais de cheia e o arrastamento de substâncias sedimentadas nos colectores, são considerados no método, pelo acréscimo ou redução da taxa admissível de descarga de excedentes, através de uma formulação empírica, baseada em relações experimentais obtidas também na Alemanha. Assim:

• valores de precipitação média anual superiores/inferiores à situação de referência conduzem ao agravamento/redução da carga poluente descarregada para o meio receptor, pelo que o método considera um acréscimo/redução do volume de armazenamento;

• valores de concentração em CQO do escoamento de tempo seco inferiores ao valor mínimo teórico utilizado pelo método (600 mg/l) não reduzem o volume de armazenamento considerado necessário, embora valores de concentração superiores conduzam a um aumento do volume de armazenamento requerido;

• desvios em relação ao valor de referência relativo à concentração média em CQO do efluente das ETAR não têm influência na determinação do volume de armazenamento necessário.

6.4.3.3. Determinação dos volumes de armazenamento necessários

CONCEPÇÃO DO MODELO

O método simplificado permite determinar, através da consulta de ábacos e com base na taxa admissível de descarga de excedentes, obtida pela equação de balanço, o volume de armazenamento necessário. Para a aplicação do método, na fase de concepção do sistema, a bacia de drenagem deve ser dividida num conjunto de sub-bacias, a jusante das quais se prevê a construção de uma estrutura de armazenamento e descarga, que devem ser analisadas individualmente. O caudal máximo que se admite passar para jusante, em cada sub-bacia, deve ser limitado pela capacidade hidráulica da ETAR (na Alemanha, este caudal corresponde a cerca de duas vezes o caudal de ponta horário em tempo seco ao que se adiciona o caudal de infiltração, segundo ATV-A131, 1991).

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Na determinação do volume de armazenamento necessário a montante de cada sub-bacia de drenagem, o método simplificado ignora as estruturas de armazenamento e descarga que possam estar implantadas a montante, os descarregadores de tempestade localizados a montante (desde que dimensionados de acordo com o método) e as bacias de detenção não associadas directamente a um descarregador de tempestade. Deste modo, a área de cada sub-bacia de drenagem engloba a totalidade da bacia hidrográfica servida pelo sistema de drenagem unitário a montante.

Os caudais médios afluentes às estrutura de armazenamento e descarga, para a situação de projecto, são os seguintes:

• caudal médio pluvial correspondente à situação média anual de descarga de excedentes (Qro), com concentração média em CQO igual à do escoamento pluvial, cr;

• caudal médio diário anual em tempo seco originado na bacia de drenagem tributária e proveniente de sistemas separativos cuja rede de águas residuais drene para o sistema unitário (Qts24), possuindo uma concentração fictícia em CQO que é função das características da bacia e do sistema de drenagem, cd;

• caudal médio de origem pluvial (QrS), de concentração média em CQO igual a cr, que aflui às redes separativas de águas residuais durante os períodos chuvosos devido ao aumento da infiltração e a ligações indevidas da rede separativa pluvial à rede separativa de águas residuais.

Parte do caudal pluvial afluente à estrutura de armazenamento e descarga (Qr24) segue para jusante, sendo descarregada para o meio receptor após tratamento na ETAR, com uma concentração média em CQO igual à do efluente da ETAR. O escoamento pluvial que é descarregado para o meio receptor (Qo), apresenta uma concentração média em CQO designada por cco.

CAUDAL ESPECIFICO PLUVIAL QUE SE ADMITE PASSAR PARA A ETAR

O caudal específico pluvial que se admite passar para a ETAR pode ser dado por:

)( 2424

24 AiQQQ

A

Q q rStst

i

rr

+−==

(6.13)

em que: qr24 - caudal específico pluvial que se admite passar para a ETAR (l/(s.ha)); Qr24 - caudal médio pluvial que se admite passar para a ETAR (l/s); Ai - área impermeável da bacia de drenagem (ha); Qt - caudal máximo que se admite passar para jusante da sub-bacia de

drenagem, com destino à ETAR (l/s); Qts24 - caudal médio em tempo seco (incluindo o caudal de infiltração e o caudal

proveniente de sistemas separativos de águas residuais domésticas implantados a montante) (l/s);

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QrS - caudal médio de infiltração, em tempo chuvoso, proveniente de sistemas separativos de águas residuais domésticas (l/s).

TAXA ADMISSÍVEL DE DESCARGA DE EXCEDENTES

Através da inequação de balanço (3.1), definindo por taxa admissível de descarga de excedentes (eo) o quociente entre o volume médio anual de descargas directas para o meio receptor e o volume médio anual das águas pluviais afluentes ao sistema de drenagem, obtém-se:

etco

etr o cc

cc e

−−

≤ ( 6.14 )

A taxa admissível de descarga de excedentes é um parâmetro teórico que depende da concentração média teórica em CQO das descargas de excedentes estabelecida para a situação de referência (cco). É na determinação de cco que o método considera os desvios locais dos valores de hpr e de cts, em relação aos valores do caso de referência, bem como a influência de outros factores relacionados com as características locais da bacia de drenagem, como o potencial de deposição no interior dos colectores e o amortecimento dos caudais na rede de colectores.

Para os valores de referência (concentração em CQO do escoamento pluvial de 107 mg/l; concentração em CQO do efluente das ETAR durante o tempo chuvoso de 70 mg/l) obtém-se a expressão seguinte, expressa em percentagem, que deve ser aplicada apenas se os meios receptores apresentarem elevada capacidade de diluição:

703700

−≤

co o c

e ( 6.15 )

Em ATV-A128 (1992), propõe-se que a expressão anterior seja válida em meios receptores que verifiquem a seguinte expressão de diluição:

100>wp

est,MR

QQ

( 6.16 )

em que: Qest,MR - caudal médio de estiagem do meio receptor (l/s); Qwp - caudal de ponta horário das águas residuais (l/s).

Para meios receptores em que o caudal de estiagem seja significativamente superior a cem vezes o caudal de ponta horário das águas residuais, a taxa admissível de descarga de excedentes pode ser aumentada em 20 % (ATV-A128, 1992):

Page 192: Livro SDU Taiags

178

70370100

9002.00.1

−×

⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎡⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛−×+≤

co wp

est,MR o cQ

Q e se 1000100 <≤

wp

est,MR

QQ

( 6.17 )

7037002.1

−×≤

co o c

e se 1000≥wp

est,MR

QQ

Para valores de diluição inferiores a 100, de acordo com o referido anteriormente, o método não é aplicável.

CONCENTRAÇÃO MÉDIA TEÓRICA EM CQO DAS DESCARGAS DE EXCEDENTES

Tendo em conta a composição da massa líquida descarregada, o valor de cco pode se determinado através da seguinte equação de ponderação de cargas:

124

24

++×

=++

×+×+=

mc c m

Q QQc Q c) Q (Q

c dr

tsrSro

dtsrrSroco ( 6.18 )

em que: cco - concentração média teórica em CQO das descargas de excedentes (mg/l); cr - concentração média em CQO das águas de origem pluvial (mg/l); cd - concentração fictícia em CQO das águas residuais (mg/l); Qro - caudal pluvial afluente à estrutura de armazenamento e descarga durante as

descargas de excedentes (l/s); Qts24 - caudal médio em tempo seco (incluindo o caudal de infiltração e o caudal

proveniente de sistemas separativos de águas residuais domésticas implantados a montante) (l/s);

QrS - caudal de origem pluvial que, durante os períodos chuvosos, entra pelas redes separativas de águas residuais implantadas a montante, devido a ligações indevidas e ao aumento da infiltração (l/s);

m - razão média de mistura, dada por 24ts

rSro

Q QQ

m +

= (-).

O valor de Qro tem presente as características locais da bacia e do sistema de drenagem e pode ser determinado, durante as descargas de excedentes, através da expressão:

) Q A (a Q T

VQ Q rifr

o

roro 2424 2.30.3

6.3×+××≅+

×=

( 6.19 )

em que: Qro - caudal médio pluvial afluente à secção de jusante da sub-bacia de

drenagem, durante as descargas de excedentes (l/s); VQro - volume médio anual de descargas de excedentes (m3); To - somatório das durações dos períodos de descarga de excedentes, em ano

médio (horas);

Page 193: Livro SDU Taiags

179

Qr24 - caudal médio pluvial que se admite passar para jusante da sub-bacia de drenagem, com destino à ETAR (l/s),

Ai - área impermeável da bacia de drenagem (ha); af - parâmetro de redução do tempo de percurso na rede de colectores (-).

O parâmetro af traduz o efeito do amortecimento dos caudais de cheia, ao longo do percurso na rede de colectores, na redução das descargas directas para o meio receptor, e varia com o tempo de percurso na rede de colectores (tp):

1005050.0+

+=p

f t a para min30≤pt ( 6.20 )

885.0 a f = para min30>pt

No método simplificado, os factores que influenciam a concentração de substâncias poluentes nos caudais unitários (concentração de substâncias poluentes nas águas residuais domésticas, o regime de precipitações e o arrastamento e transporte de sedimentos acumulados nos colectores) são considerados através do parâmetro fictício cd. O volume de armazenamento necessário aumenta com o valor deste parâmetro.

) a a (a c ahpd ++×= 600 ( 6.21 )

em que: cd - concentração em CQO das águas residuais (mg/l); ap - parâmetro de concentração média em CQO do caudal em tempo seco (-); ah - parâmetro de precipitação média anual (-); aa - parâmetro de arrastamento de depósitos (-).

Para o caso de referência, os parâmetros da expressão (3.10) assumem os seguintes valores: ap=1; ah=0 e aa=0. Os desvios de cada caso particular, em relação às condições de referência, são considerados através dos parâmetros ap, ah e aa. O parâmetro ap, que incluí o caudal médio de infiltração em tempo seco, depende da concentração média anual em CQO do caudal em tempo seco (cts), expressa em mg/l:

1 a p = se lmgcts /600≤ ( 6.22 )

600tsp c a = se lmgcts /600>

Para valores da concentração média em CQO do caudal em tempo seco superiores a 600 mg/l, o parâmetro ap contribui para um aumento linear do valor de cd e, consequentemente, para um aumento do volume de armazenamento considerado necessário. Nas restantes situações, o volume de armazenamento considerado necessário não diminui, em relação ao volume de armazenamento do caso de referência, o que se traduz num aumento da protecção ao meio receptor, no que respeita à poluição descarregada.

Page 194: Livro SDU Taiags

180

O parâmetro ah varia com o valor da precipitação média anual, expressa em mm (hpr), conduzindo a um aumento ou a uma diminuição do volume de armazenamento considerado necessário (para elevados caudais descarregados através dos descarregadores de tempestade, a carga poluente média anual descarregada para o meio receptor é obviamente superior).

25.0−= ah se 600<prh

1800

−= prh

h a se 1000600 ≤< prh ( 6.23 )

25.0+= ah se 1000>prh

A deposição de sedimentos no interior da rede de colectores depende do declive dos colectores, dos caudais escoados e da área da bacia de drenagem. Para a determinação do parâmetro aa, o método recorre aos ábacos da Figura 6.7 .

Figura 6.7 - Ábacos para a determinação do parâmetro de arrastamento de depósitos (aa) (adaptados de ATV-A128, 1992).

Os parâmetros de entrada são os seguintes:

• Grupo de inclinação média do terreno (IGm)

∑∑ ×

=iCA

iiCAm A

IGA IG

,

, )(

( 6.24 )

em que: IGm - grupo de inclinação média do terreno (-); ACAi - área de drenagem da sub-bacia I (m2); IGi - grupo de inclinação do terreno da sub-bacia I (-).

Page 195: Livro SDU Taiags

181

O grupo de inclinação média do terreno da sub-bacia i, varia com o declive médio do terreno, que se considera aproximadamente igual ao declive dos colectores:

QUADRO 6.4 - Grupo de inclinação do terreno (adaptado de ATV-A128, 1992).

IG i Declive médio do terreno[ - ] [%]1 < 1%2 ≥ 1 e < 4 %3 ≥ 4 e < 10 %4 ≥ 10 %

• Caudal médio específico em tempo seco (qts24)

i

tsts A

Q q 24

24 = ( 6.25 )

em que: qts24 - caudal médio específico em tempo seco(l/(s.ha)); Qts24 - caudal médio afluente em tempo seco, incluindo o caudal médio de

infiltração (l/s); Ai - área impermeável da bacia de drenagem (ha).

• Razão entre o caudal médio e o caudal de ponta, em tempo seco (xa)

tsp

tsa Q

Q x 2424 ×=

( 6.26 )

em que: xa - quociente entre o caudal médio e o caudal de ponta em tempo seco

(horas); Qts24 - caudal médio afluente em tempo seco, incluindo o caudal médio de

infiltração (l/s); Qtsp - caudal de ponta horário afluente em tempo seco (incluindo o caudal

médio de infiltração) (l/s);

O ábaco da Figura 6.7 demonstra que quanto menor for o caudal médio em tempo seco e a inclinação dos colectores, maior será o potencial de deposição de sedimentos nos colectores e, consequentemente, maior será a carga poluente arrastada pelo escoamento unitário, durante a ocorrência de precipitação. Por outro lado, a aglomerados populacionais elevados correspondem factores de ponta reduzidos (logo valores de xa elevados). Assim, quanto maior for o valor de xa, maior deverá ser o caudal originado no o sistema de drenagem, logo menor será o potencial de deposição médio nos colectores, pelo que o parâmetro aa tem tendência a diminuir. A consideração de um valor para aa igual a 1 corresponde a duplicar o valor de cd, em relação ao valor da situação de referência.

Page 196: Livro SDU Taiags

182

CÁLCULO E DISTRIBUIÇÃO DOS VOLUMES DE ARMAZENAMENTO

O volume específico de armazenamento necessário, por unidade de área impermeável da sub-bacia de pode ser determinado recorrendo ao ábaco da Figura 6.8.

Figura 6.8 - Ábacos para a determinação do parâmetro de arrastamento de depósitos (aa) (adaptados de ATV-A128, 1992).

O volume total de armazenamento considerado necessário, para cada sub-bacia, obtém-se através da seguinte expressão:

is A V V ×= ( 6.27 )

em que: V - volume total de armazenamento (m3); Vs - volume especifico de armazenamento (m3/ha); Ai - área impermeável da bacia de drenagem (ha).

Após se determinarem os volumes de armazenamento necessários a montante de todas as sub-bacias de drenagem consideradas, e conhecidos os volumes de armazenamento existentes, os volumes de armazenamento em falta devem ser distribuídos pelas diversas estruturas de armazenamento e descarga, a construir. Estes volumes são estimados com base na seguinte expressão:

∑= montanteestrutura V - V V ( 6.28 )

em que: Vestrurura - volume de armazenamento da estrutura a construir (m3);

Page 197: Livro SDU Taiags

183

V - volume de armazenamento a montante da sub-bacia em estudo (m3); ΣVmontante - somatório de volumes de armazenamento existentes, ou a construir, a

montante da sub-bacia em estudo (incluindo os volumes de armazenamento de sub-bacias a montante) (m3).

Os volumes de armazenamento a considerar em cada sub-bacia de drenagem incluem os volumes de armazenamento nas ETAR, em colectores de armazenamento com descarregador e em trechos de colectores localizados imediatamente a montante de bacias de armazenamento e descarga, situados a cotas inferiores ao nível de descarga das bacias.

Estes valores incluem ainda volumes adicionais, garantidos por adequado posicionamento de soleiras descarregadoras móveis, e volumes de estruturas de armazenamento e descarga dimensionadas de modo a que o valor de qr24 seja inferior a 1,2 vezes o caudal pluvial específico que se admite passar para a ETAR, na sub-bacia em estudo. Caso a montante estejam instaladas estruturas de armazenamento e descarga, em que o valor de qr24 da estrutura seja superior a “1,2” vezes o valor de qr24 da sub-bacia em estudo, a distribuição de volumes do método simplificado deixa de ser válida.

A contribuição dos volumes de armazenamento nos colectores deve ser reduzida de acordo com a seguinte expressão:

i

estatcols A

VV

×=

5.1,

( 6.29 )

em que: Vs,col - contribuição do volume de armazenamento em colectores (m3/ha); Vestat - volume estático nos colectores (volume de água abaixo do nível da soleira

de descarga de menor cota) (m3); Ai - área impermeável da bacia de drenagem, servida pelo colector (ha).

Os volumes de armazenamento de estruturas de detenção não associadas a um descarregador de tempestade não devem ser considerados para aplicação do método.

6.4.3.4. Restrições à aplicação do método simplificado

A aplicação do método simplificado está limitada às situações em que, ao nível da concepção global do sistema de drenagem, se verifique o seguinte:

a) o caudal específico pluvial que se admite passar para a ETAR (qr24) e para jusante das estruturas de armazenamento e descarga (qr) seja inferior a 2 l/(s.ha);

b) o caudal específico pluvial que se admite passar para jusante das estruturas de armazenamento e descarga (qr) não exceda “1,2” vezes o caudal especifico pluvial

Page 198: Livro SDU Taiags

184

que se admite passar para a ETAR, ou para jusante de uma eventual estrutura de armazenamento e descarga localizada a jusante;

c) o número de estruturas de armazenamento e descarga associadas em série não exceda 5, a fim de assegurar que a acumulação de erros ao longo do processo de cálculo não seja demasiado elevada;

d) os caudais que se admitem passar para jusante de descarregadores de tempestade não sejam inferiores aos obtidos de acordo com o método (capítulo 0);

e) o número de descarregadores de tempestade instalados a montante de cada estrutura de armazenamento e descarga seja, no máximo, de 5;

f) se na bacia de drenagem estiverem instaladas bacias de detenção não associadas a um descarregador de tempestade, o caudal pluvial específico que se admite passar para jusante de cada uma destas estruturas não deve ser inferior a 5 l/(s.ha); os respectivos volumes de armazenamento não devem contribuir para assegurar as necessidades de armazenamento determinadas de acordo com o método.

Na determinação dos volumes de armazenamento pelo método simplificado, os volumes específicos de armazenamento (Vs) não podem exceder 40 m3, por hectare de área impermeável. Nos casos em que não seja possível encontrar uma solução no ábaco da Figura 6.8, pode-se tentar redividir a bacia de drenagem, através da passagem de estruturas dispostas em série para estruturas dispostas em paralelo, por exemplo, e/ou devem-se considerar procedimentos para redução das afluências na origem, como, por exemplo, procedimentos de infiltração e de detenção superficial (ATV-A128, 1992).

6.4.3.5. Critérios de dimensionamento de bacias de armazenamento com

descarregador de tempestade instalado no coroamento

A fim de garantir condições de tratamento por sedimentação, o dimensionamento de bacias de armazenamento com descarregador de tempestade instalado no coroamento pode ser efectuada conforme descrito no método da precipitação crítica, embora, na determinação de Qcrit, seja utilizado o valor do caudal médio em tempo seco (Qts24) e não os caudais de ponta horária em tempo seco (Qtsp).

A área de drenagem afecta à estrutura de armazenamento e descarga a dimensionar não inclui a área servida por estruturas de armazenamento e descarga que possam estar instaladas a montante.

6.4.3.6. Dimensionamento de descarregadores de tempestade

O dimensionamento de descarregadores de tempestade deve ter em conta as seguintes normas (ATV-A128, 1992):

• a área impermeável da sub-bacia de drenagem imediatamente a montante dos descarregadores de tempestade (Ai) não deve ser inferior a 2 ha;

Page 199: Livro SDU Taiags

185

• a velocidade do caudal em tempo seco no colector imediatamente a montante dos descarregadores não deve ser inferiores a 0,50 m/s (velocidades inferiores a conduzem a uma acentuada deposição de substâncias poluentes no interior dos colectores);

• caudal máximo que se admite passar para jusante não deve ser inferior a 50 l/s.

Os descarregadores de tempestade não associados a estruturas de armazenamento são dimensionados por forma a não entrarem em funcionamento para a ocorrência de precipitações com uma intensidade média inferior a uma determinada intensidade crítica, que varia entre 7,5 e 15 l/(s.ha):

fc t

I+

×=120

12015 se min120≤ft ( 6.30 )

5.7=cI c.c.

em que: Ic - intensidade de precipitação crítica (l/(s.ha)); tf - máximo tempo de percurso na bacia hidrográfica imediatamente a

montante do descarregador, sem consideração do tempo de percurso no interior dos colectores.

Em bacias de drenagem urbana, os valores de tf não ultrapassam usualmente os 30 minutos, pelo que a intensidade de precipitação crítica não deverá ser muito inferior a 15 l/(s.ha). A intensidade de precipitação crítica, bem como a frequência e duração das descargas através de descarregadores de tempestade, decrescem com o aumento de tf (maior amortecimento dos caudais de cheia), o que constitui uma medida incentivadora da adopção de soluções, ao nível da bacia hidrográfica, para o aumento da percolação e da detenção do escoamento superficial.

O caudal pluvial crítico correspondente à área servida directamente pelo descarregador é calculado através da seguinte expressão:

icicpc A IA C I Q ×=××= ( 6.31 )

em que: Qpc - caudal pluvial crítico afluente ao descarregador (l/s); Ic - intensidade de precipitação crítica (l/(s.ha)); A - área própria da bacia de drenagem imediatamente a montante do

descarregador (sem considerar as áreas das bacias de drenagem servidas por descarregadores localizados a montante) (ha);

Ci - coeficiente que representa o grau de impermeabilização (-); Ai - área impermeável da bacia de drenagem (ha).

Page 200: Livro SDU Taiags

186

Durante a ocorrência da precipitação crítica, o caudal unitário afluente ao descarregador (Qcrit) é dado por:

∑+++= crit,mrStspccrit QQQ Q Q 24 ( 6.32 )

em que: Qcrit - caudal unitário crítico afluente ao descarregador (l/s); Qpc - escoamento pluvial crítico afluente ao descarregador (l/s); Qts24 - caudal médio em tempo seco (incluindo os caudais provenientes de

Sistemas separativos, mas sem considerar os caudais provenientes de bacias servidas por outros descarregadores localizados montante) (l/s);

QrS - caudal de origem pluvial que, devido a ligações indevidas e ao aumento da infiltração, entra pelas redes separativas de águas residuais domésticas, durante os períodos chuvosos (l/s);

ΣQcrit,m - somatório dos caudais máximos que se admitem passar para jusante de estruturas de descarga, ou de armazenamento e descarga, localizadas a montante (l/s).

O descarregador de tempestade é, em princípio, dimensionado por forma a deixar passar para jusante um caudal correspondente ao valor de Qcrit. No entanto, deve-se verificar se esse caudal de dimensionamento é suficiente para assegurar uma diluição razoável das águas residuais descarregadas, referida ao caudal médio em tempo seco. Como tal, define-se o parâmetro seguinte:

24

24

ts

tstso Q

QQ M

−=

( 6.33 )

em que: Mso - razão de mistura (-); Qt - caudal máximo que se admite passar para jusante do descarregador (na

situação de projecto, tem-se Qt = MAX(50 l/s; Qcrit)(l/s); Qts24 - caudal médio em tempo seco proveniente de toda a bacia de drenagem a

montante do descarregador (incluindo os caudais provenientes de sistemas separativos e os caudais provenientes de bacias servidas por outras estruturas de descarga, armazenamento e descarga, localizadas a montante) (l/s),

De acordo com ATV-A128 (1992), deve-se garantir uma razão mínima de mistura dada por:

7min M so, = se lmgcso /600≤ ( 6.34 )

60180

min−

= soso,

cM

se lmgcso /600>

Page 201: Livro SDU Taiags

187

em que: Mso,min - razão mínima de mistura (-); cso - concentração média em CQO do caudal em tempo seco proveniente da

totalidade da bacia de drenagem a montante do descarregador (mg/l).

O caudal de dimensionamento do descarregador é dado pelo maior dos valores obtidos pelas expressões (3.21) e (3.23), não devendo ser inferior a 50 l/s, tal como se sintetiza na expressão seguinte.

( )24min, )1(;;/50 tssocritt QMQslMAX Q ×+= ( 6.35 )

6.5. Síntese e conclusões

Os sistemas de drenagem unitários, mistos e pseudo-separativos são bastante comuns em diversos países da Europa, podendo-se afirmar que, em Portugal, mais de metade dos sistemas de drenagem são unitários ou funcionam de forma pseudo-separativa. Durante a ocorrência de precipitações, é frequente verificar-se a descarga directa para os meios receptores de volumes significativos de águas residuais com cargas poluentes elevadas, devido aos reduzidos graus de diluição e ao arrastamento de substâncias previamente depositadas nos colectores e nos pavimentos da bacia de drenagem.

As descargas directas de excedentes de sistemas unitários têm como consequência a degradação da qualidade da água dos meios receptores, frequentemente aliada à não verificação dos requisitos legais de qualidade. De forma a reduzir este tipo de problemas de contaminação dos meios receptores, é comum proceder à beneficiação dos sistemas de drenagem unitários, através da construção de diferentes infra-estruturas.

Para a análise dos resultados das medidas de beneficiação equacionadas, agrupadas em cenários distintos, é útil dispor de modelos que possibilitem a simulação dinâmica do comportamento dos sistemas de drenagem. Estes modelos, de comprovada mais valia no planeamento, projecto, análise, beneficiação e operação de sistemas, incidem sobre a componente hidráulica e sobre a modelação dos processos que ocorrem nos colectores, ETAR e meios receptores. Actualmente, existem vários modelos destinados à simulação do comportamento dos sistemas de saneamento, que apresentam diferentes níveis de detalhe e complexidade. É cada vez mais usual o recurso à modelação integrada das diversas componentes dos sistemas (nomeadamente colectores e ETAR), de modo a assegurar a redução global das emissões totais de poluentes para os meios receptores.

As principais medidas de beneficiação dos sistemas de drenagem unitários incidem na construção de reservatórios ou bacias de regularização (que acumulam água poluída durante a ocorrência das chuvadas e que, após essa ocorrência, descarreguem as águas para a ETAR) e na construção de descarregadores e de emissários domésticos que afluam à ETAR.

Page 202: Livro SDU Taiags

188

Os reservatórios podem ser dimensionados através do método da precipitação crítica e do método simplificado, que recorrem a fórmulas empíricas, ábacos e critérios hidráulicos simples. Os ábacos e expressões do método da precipitação crítica foram estabelecidos de forma a que, durante a ocorrência de precipitações com uma intensidade média inferior a uma determinada intensidade crítica, não ocorram descargas directas para o meio receptor. Assim, o critério de dimensionamento deste método visa a redução de 90 % da carga poluente média anual, expressa em CBO5, descarregado directamente para o meio receptor, em ano médio. No que se refere ao método simplificado, este estabelece, como critério de dimensionamento, que em ano médio e em sistemas de drenagem unitários, a carga poluente anual descarregada para o meio receptor (em termos de CQO) deve ser inferior à que seria descarregada se o sistema fosse separativo.

Ambos os métodos são relativamente simples, de aplicação expedita e consideram a influência dos efeitos resultantes da disposição e arrastamento de substâncias poluentes no interior dos colectores, embora apresentem as seguintes limitações:

• dimensionamento das estruturas de armazenamento e de descarga baseia-se na limitação das emissões para o meio receptor, sem atender à condição específica do meio receptor; deste modo, a aplicação dos métodos limita-se a situações em que os meios receptores não exijam uma protecção especial;

• os métodos ignoram os efeitos provocados por descargas de precipitações isoladas, dado que o dimensionamento das estruturas é efectuado de forma a garantir uma determinada redução da carga poluente média anual descarregada para o meio receptor;

• objectivo de redução da carga poluente média anual considera apenas um parâmetro de qualidade: a CBO5, no método da precipitação crítica, e a CQO, no método simplificado;

• os ábacos, simplificações e formulações experimentais foram desenvolvidos e calibrados em bacias típicas, em termos de ocupação e de regime de precipitações, da Alemanha, pelo que devem ser aplicados com alguma reserva em países e situações distintas.

Em sistemas complexos, ou nos casos em que os meios receptores exijam uma protecção especial, é aconselhável recorrer a modelos de simulação computacional para o dimensionamento das estruturas de armazenamento, desenvolvidos de modo a integrar tanto a análise da evolução do hietograma de precipitação de projecto, ao longo do tempo, como a variabilidade do regime de escoamento e os diversos efeitos decorrentes.

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YANG W. - Nitrogen and Carbon Transformations under Anoxic Conditions in Sewers. PhD. Dissertation, Aalborg, 2004.

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193

7. ÓRGÃOS ESPECIAIS EM SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS

7.1. Considerações de âmbito geral

Podem ser considerados órgãos comuns dos sistemas de drenagem de águas residuais, os colectores e respectivos acessórios, e as câmaras de visita. No caso de sistemas de drenagem unitários, é também corrente a utilização de sumidouros de grades e de sarjetas de passeio, por forma a serem captadas as águas pluviais superficiais.

Dada a multiplicidade de situações reais existentes na prática, e dados os constantes desafios colocados ao projectista de engenharia é também corrente o recurso a órgãos ou obras complementares, em regra previstas e projectadas para os sistemas mais complexos. Como exemplo de obras e órgãos especiais em sistemas de drenagem de águas residuais podem citar-se os atravessamentos com variação de secção (circular para rectangular e rectangular para circular), as instalações elevatórias (incluindo as com parafusos de arquimedes), as ponte-canal para transposição de linhas de água, os descarregadores e os sifões invertidos.

Neste capítulo são apresentadas as bases da concepção e dimensionamento hidráulico de alguns desses tipos de órgãos: sifões invertidos, descarregadores e instalações elevatórias de águas residuais.

Designa-se, usualmente, por sifão invertido (na terminologia anglo-saxónica depressed sewer ou inverted siphon), um troço gravítico de colector, localizado sob a linha de energia do escoamento, por onde a circulação da água se processa, obviamente, sob pressão. Em regra, este tipo de órgãos é concebido para transpor, sem perda significativa de energia, obstáculos diversos, como condutas de água e colectores pluviais (ou colectores domésticos, se os sifões invertidos forem de água pluvial), depressões naturais do terreno (vales com ou sem linhas de água), condutas de gás, etc..

No que respeita aos descarregadores, podem ser classificados, quanto à sua finalidade, em: descarregadores de tempestade, se se destinam a desviar caudais pluviais excedentes; descarregadores de transferência, se o seu objectivo é a transferência de caudais para colectores menos sobrecarregados e, finalmente, descarregadores de segurança, quando são implantados, essencialmente por razões de segurança, a montante de estações de tratamento, de estações elevatórias ou de outros órgãos importantes dos sistemas de drenagem e de tratamento de água residual.

Quanto à forma como funcionam, os descarregadores utilizados com mais frequência em redes de drenagem de água residual e pluvial podem ser classificados em descarregadores de superfície, laterais ou frontais, consoante o sentido preferencial do escoamento seja paralelo ou normal à crista do descarregador, e em descarregadores por orifício. Neste último caso e em regra, parte do caudal transportado pelo colector in-terceptado escoa-se por um orifício aberto lateralmente, para o colector interceptor ou para uma câmara intermédia que lhe dá acesso. Este orifício não funciona, usualmente, afogado. Por vezes, o orifício é colocado na soleira dos colectores (descarregador de salto).

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No que respeita às instalações elevatórias, são relativamente frequentes em sistemas de drenagem, implantados em zonas planas, designadamente se forem de média ou grande dimensão. Embora o escoamento gravítico com superfície livre seja o usualmente recomendado para colectores de águas residuais, as condições topográficas locais podem levar a aconselhar, do ponto de vista técnico-económico, soluções que incluam instalações elevatórias. Um sistema elevatório, incluindo instalação e conduta elevatória, pode constituir uma alternativa viável a emissários gravíticos de grande extensão ou a emissários gravíticos implantados a elevada profundidade. A montante de Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) é corrente garantir-se a elevação de águas residuais recorrendo a instalações elevatórias com parafusos de arquimedes.

O texto constante nas secções 7.2 e 7.3 foi retirado, em grande parte, de Matos e Sousa 1987 e Sousa e Matos 1991.

7.2. Sifões invertidos

7.2.1. Considerações introdutórias

O sifão é um órgão especial que, tendo em conta a forma como funciona em termos hidráulico-sanitários, deve ser evitado, tanto em sistema de drenagem de água residual como de água pluvial.

Devido à sua disposição em perfil, com um trecho ascendente a jusante, por vezes implantado com um declive apreciável, o sifão invertido é um órgão especialmente vulnerável à ocorrência de deposições dos sólidos em suspensão transportados pela água residual ou pluvial. Esta situação pode ocorrer, nomeadamente nos períodos nocturnos, quando a tensão de arrastamento do escoamento for insuficiente para garantir auto-limpeza.

O facto do escoamento no interior do sifão se processar sob pressão pode, por outro lado, e em termos sanitários, ter um efeito bastante negativo, dada a ausência de arejamento da massa líquida. Ao atingir-se a condição de anaerobiose podem produzir-se sulfuretos, com todas as consequências daí decorrentes. Essas circunstâncias levam a que se deva encarar a concepção e dimensionamento de sifões invertidos de uma forma cuidada, atendendo a critérios e disposições específicas que se apresentam na secção 7.2.2.

7.2.2. Aspectos do dimensionamento

Tendo em conta as circunstâncias e condicionalismos apresentados em 7.2.1, o dimensionamento hidráulico-sanitário de um sifão invertido deve ser efectuado atendendo aos seguintes critérios e disposições:

a) Critério de diâmetro mínimo: o diâmetro mínimo deve se estabelecido tendo em conta o perigo de obstrução das secções de escoamento. Metcalf & Eddy 1981 recomendam, respectivamente para redes de drenagem de água residual e de água pluvial, os valores de 200 e de 300 mm.

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b) Critério de auto-limpeza: a velocidade média do escoamento deve ser tal que, com uma periodicidade diária, induza a verificação das condições de auto-limpeza. É corrente garantir, para que se satisfaça esse critério, velocidades mínimas do escoamento, respectivamente para redes de drenagem de água residual e de água pluvial, de 0,9 e de 1,25 a 1,5 m/s. Estas velocidades dizem respeito às condutas sob pressão que constituem os diversos ramos dos sifões.

c) Critério de velocidade máxima: a velocidade média do escoamento deve ser tal que não provoque erosão e desgaste significativo nas paredes dos colectores. É corrente admitir-se, para que se não verifiquem aquelas condições, uma velocidade máxima de 3 m/s.

d) Controlo sanitário: quando se preveja, devido ao estado de septicidade da água residual afluente ou às condições de desenvolvimento do sifão invertido, a ocorrência de circunstâncias que motivem a produção significativa de sulfuretos, torna-se necessário tomar providências com vista a proceder-se a um controlo adequado do comportamento sanitário do sistema. Este controlo pode ser efectuado adicionando produtos químicos à massa líquida (como nitrato de potássio, hidróxido de sódio, etc.) e injectando ar ou, eventualmente, oxigénio dissolvido, nos pontos baixos dos sifões invertidos, em locais onde as condições de velocidade do escoamento e de pressão e turbulência sejam suficientes para garantirem eficiências elevadas do processo de oxidação dos sulfuretos.

e) Ventilação: para assegurar a ventilação da massa de ar arrastada pelo escoamento com superfície livre no colector afluente à câmara de entrada do sifão, é vulgar conceber-se uma conduta de ventilação que assegure o escoamento do ar até à câmara de saída.

f) Perdas de carga: os diâmetros dos diversos ramos dos sifões invertidos devem ser estabelecidos de acordo com os caudais afluentes e com a energia disponível. Devido aos efeitos de resistência ao escoamento, provocados pela eventual formação e desenvolvimento do filme biológico nas paredes das condutas, é corrente admitirem-se, em projecto, coeficientes de rugosidade de Manning relativamente elevados (da ordem de 0,015 m-1/3s). Tanto a câmara de entrada como a câmara de saída dos sifões invertidos devem ser concebidas de modo a serem minimizadas as perdas de carga localizadas. Estas perdas têm especial relevância quando as velocidades do escoamento são elevadas e quando os descarregadores laterais estiverem em carga.

Na câmara de saída, assume especial importância uma concepção que minimize os efeitos da turbulência e dos vórtices provocados pelo funcionamento intermitente dos diversos ramos, o que pode ser conseguido colocando as saídas das condutas a cotas desiguais e suavizando as paredes das caleiras no interior daquela câmara. Se as perdas de carga reais forem superiores às perdas de cargas calculadas, podem ocorrer regolfos de elevação, em regime lento, nos colectores que se desenvolvem a montante das câmaras de entrada. Nesses casos, podem verificar-se ao longo desses colectores decréscimos da ventilação, da velocidade de escoamento e do rearejamento da massa líquida.

g) Verificação da pressão interna: os diversos ramos dos sifões devem ser construídos com materiais que resistam à pressão induzida pelo escoamento do caudal máximo previsto. A verificação das pressões internas deve ser efectuada

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tendo em conta a linha energia dinâmica do escoamento, para as condições de caudal máximo.

Convém ainda referir que, por vezes, a variabilidade dos caudais afluentes torna difícil ou impossível fazer cumprir simultaneamente, num sifão invertido simples (constituído apenas por um ramo, além das câmaras de entrada e de saída), o critério de auto-limpeza e de velocidade máxima. Esta situação leva a que se reparta o caudal afluente por dois ou mais ramos implantados em paralelo. É corrente conceber-se, em sistemas unitários, três ramos em paralelo, dimensionados para escoarem os caudais indicados no Quadro 7.1. Por vezes, para caudais reduzidos, a repartição é apenas efectuada por dois ramos, tal como indicado no exemplo de cálculo.

QUADRO 7.1 - Repartição de caudal nos sifões invertidos Caudal a transportar Nº de ordem dos ramos

Caudal mínimo 1º Caudal máximo de estiagem1 1º e 2º

Caudal máximo de tempestade2 1º, 2º e 3º

7.2.3. Exemplo de cálculo

Pretende-se dimensionar um sifão invertido, compreendendo mais do que um ramo em paralelo, uma câmara de entrada e outra de saída. Os dados de base são os que a seguir se indicam..

- Dados:

a) Comprimento: L = 30 m b) Diâmetros dos colectores, a montante e a jusante do sifão: D = 400 mm c) Inclinação dos colectores, a montante e a jusante: J = 0,0039 m/m d) Caudais de projecto: Caudal de ponta doméstico: Q1 = 0,030 m3/s

Caudal máximo de tempestade ou de ponta de cheia: Q2 = 0,130 m3/s (que

corresponde ao caudal escoado a secção cheia, no colector de diâmetro 400 mm, com

n = 0,013 m-1/3s)

e) Perda de carga disponível: H = 0,55 m f) Comprimento dos descarregadores, na câmara de entrada: b = 1 m

- Resolução

Perda de carga localizada, arbitrada, na câmara de entrada: ΔHe = 0,15 m

1) Ramos

a) Perda de carga unitária disponível: J = (0,55-0,15)/30 = 0,0133 m/m b) Diâmetro dos diversos ramos e velocidade do escoamento:

Nº de ordem do ramo

Diâmetro (mm)

Caudal transportado (m3/s)

Velocidade média (m/s)

1 Considerado o caudal de ponta doméstico 2 Considerado o caudal de ponta de cheia acrescido do caudal doméstico

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1º 200 0,033 (0,03) 1,04 2º 300 0.097 (0,130-0,033=0,097) 1,37

Considera-se n = 0,015 m-1/3s, dada a previsão de instalação de filme biológico nas canalizações dos diversos ramos do sifão. Os valores entre parêntesis representam os caudais a escoar pelos ramos em causa, de acordo com o critério de repartição de caudais. Os valores fora dos parêntesis resultam, directamente, do cálculo hidráulico, obtido com base na perda de carga unitária disponível e no diâmetro comercial seleccionado.

2) Câmara de entrada

a) Altura da crista do descarregador (h1):

Considera-se a altura da crista do descarregador (h1) igual à altura de escoamento, em regime uniforme, correspondente ao caudal escoado pelo ramo nº 1 do sifão. Nestas condições, para o diâmetro de 400 mm do colector afluente, com uma inclinação de 0,0039 m/m e para um caudal de 0,033 m3/s, obtém-se a altura uniforme de escoamento igual a 0,137 m. A altura uniforme pode ser calculada de forma analítica, a partir das expressões apresentadas em Quintela 1981, ou consultando um ábaco apropriado.

b) Verificação das perdas de cargas localizadas:

1º Ramo

. podem desprezar-se, na prática, as perdas de carga localizadas, dado o carácter acelerado do movimento e o ramo do sifão se desenvolver no enfiamento do escoamento de montante.

2º Ramo

. carga disponível sobre o descarregador

h2-h1 = 0,400 - 0,137 = 0,263 m

. velocidade média sobre o descarregador (admitindo um comprimento de 1 m):

V = Q/S = 0,097/(1x0,263) = 0,37 m

. perda de carga sobre o descarregador

ΔH21 = 1,5 V2/2g = 1,5 x 0,372/19,6 = 0,010 m = 10 mm

. transformação de energia potencial em energia cinética à entrada do 2º ramo

(hipótese conservadora)

ΔH22 = V2/2g = 1,372/19,6 = 0,096 m = 96 mm, sendo V a velocidade média no 2º

ramo do sifão

. perda de carga total

ΔH2 = ΔH21 + ΔH22 = 106 mm < 150 mm (valor inicialmente arbitrado).

c) Cota de implantação dos diversos ramos

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As secções de entrada dos diversos ramos devem ser colocadas a cotas tais que não provoquem regolfos de elevação a montante, nem afogamento do descarregador. Sendo assim, e atendendo às perdas de carga estimadas para o escoamento na câmara de entrada, podem calcular-se as cotas máximas das soleiras das diversas entradas nos ramos, para as quais aquelas condições não se verificam. Neste exemplo, considera-se a soleira do colector de entrada, de diâmetro 400 m, à cota zero.

Nº de ordem do ramo

Altura máxima da soleira dos ramos (secção inicial) na câmara de entrada

Altura adoptada (mm)

1º 1371-2002 = -63 -70 2º 4001-1063-3002 = -6 -70

Por razões construtivas foram dispostas as soleiras no início dos dois ramos a igual cota, isto é, uniformizou-se a cota da soleira das secções de entrada nos dois ramos, na câmara de entrada, com base num valor mínimo imposto, que garante a inexistência de regolfos para montante.

3) Câmara de saída

Tendo em conta as disposições apresentadas nas alíneas b) e d) da secção 7.2.2, é conveniente dispor a cota de soleira da secção de saída do colector do 2º ramo, a um valor superior à cota de entrada de sólidos em suspensão transportados pela água residual no 1º ramo, quando no 2º ramo se verifique uma velocidade que não garanta auto-limpeza. As coroas dos dois ramos, na secção de saída, são dispostas de modo a ficarem alinhadas com as alturas de escoamento uniforme no colector de jusante, correspondentes aos caudais de projecto.

Apresentam-se, na Figura 7.1, plantas e cortes do sifão invertido concebido de acordo com os cálculos apresentados no exemplo.

1 Altura da crista do descarregador respectivo, cujo comportamento hidráulico não deve ser

influenciado pela cota do nível da água a jusante.

2 Diâmetro dos ramo do sifão.

3 Perdas de carga previamente calculadas.

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Figura 7.1 - Planta e cortes do sifão invertido apresentado no exemplo de cálculo (retirada de Sousa e

Matos, 1991).

7.3. Descarregadores

7.3.1. Considerações introdutórias

Os descarregadores são, usualmente, utilizados na beneficiação do comportamento de sistemas de drenagem unitários ou pseudo-separativos, de modo a desviar os caudais domésticos para emissários afluentes às ETAR. Nestas circunstâncias, os descarregadores devem ser dimensionados de forma a que os caudais desviados sejam limitados aos caudais de dimensionamento das infra-estruturas dispostas a jusante. Em sistemas unitários na Europa, é usual proceder-se ao desvio de duas vezes o caudal de ponta de tempo seco ou seis vezes o caudal médio, assegurando o tratamento integral dos caudais de ponta domésticos em tempo seco e, ainda, parte dos caudais pluviais, em tempo húmido.

Por vezes, no entanto, e por razões de segurança, estes órgãos são colocados em sistemas de drenagem concebidos para funcionarem de forma separativa, a montante de estações de tratamento ou de instalações elevatórias. A sua função, nestes casos, é

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garantir que não afluem, a jusante, caudais superiores aos de dimensionamento daqueles órgãos do sistema.

Embora os descarregadores laterais sejam os mais utilizados, em determinadas condições, nomeadamente face à ocorrência de pequenos caudais, são utilizados descarregadores de superfície frontais e de salto.

No caso do descarregador de superfície frontal, pode considerar-se, em regime permanente, a carga constante ao longo da crista. Neste caso, o dimensionamento hidráulico é simples e apenas dependente da lei de vazão do descarregador.

No caso do descarregador de salto, existe um orifício concebido para a vazão do caudal de estiagem. O caudal excedente transpõe esse orifício cuja abertura deve ter dimensão adequada ao caudal de cálculo.

Segundo Ministry of Housing and Local Government 1970, apenas 8% dos sistemas de drenagem de águas residuais do Reino Unido são inteiramente separativos, sendo 41% pseudo-separativos. Por outro lado, foram identificados, neste país, mais de oitocentos descarregadores, sendo cerca de dois terços descarregadores laterais. Em Portugal, é muito comum a utilização de descarregadores de superfície laterais, como órgãos de segurança a montante de estações de tratamento de águas residuais.

O controlo do caudal desviado pode ser concretizado pela cota das próprias paredes descarregadoras, por intermédio de equipamento de regulação de caudal ou de tubos curtos. No primeiro caso, a crista da parede descarregadora é colocada à cota correspondente à altura do escoamento, em regime uniforme, correspondendo ao caudal que se pretende desviar. Quando os caudais são superiores àquele limite, é desviado uma parcela, que pela própria lei de vazão do descarregador aumenta com o incremento do caudal afluente, não sendo assim possível controlar eficazmente o caudal desviado.

Se à parede descarregadora for associado um “tubo curto” (colector de diâmetro reduzido, com escoamento em pressão), possibilita-se um maior controlo do caudal desviado. No entanto, a aplicação desta solução não é muitas vezes adequada pois acarreta problemas de operação, nomeadamente de entupimentos.

As válvulas de regulação de caudal constituem uma das soluções mais adequadas para controlar os caudais desviados para os sistemas interceptores, pois asseguram que, independentemente da carga hidráulica a montante, os caudais desviados não excedem os valores pré-determinados.

Assim, no presente sub-capítulo, são desenvolvidas as bases de cálculo e dimensionamento de descarregadores de superfície laterais. São igualmente descritos os principais critérios a considerar na concepção de câmaras de desvio, referindo-se as características de funcionamento dos reguladores de caudal mais usuais: as válvulas de “vórtice” e as válvulas de “flutuador”. A selecção do tipo de regulador depende das características da rede, nomeadamente do caudal e das alturas de escoamento, tanto em tempo seco como em tempo de chuva, no colector unitário a interceptar.

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7.3.2. Dimensionamento de descarregadores

7.3.2.1. Critérios de dimensionamento

Os descarregadores de superfície, em particular os implantados a montante de estações de tratamento, devem ser concebidos e dimensionados tendo em vista a satisfação dos seguintes requisitos:

a) minimização da turbulência e dos riscos de obstrução dos colectores a jusante;

b) auto-limpeza;

c) minimização dos cuidados de exploração e conservação;

d) entrada em funcionamento, apenas para caudais superiores a um certo limite, pré-fixado;

e) acréscimo do caudal descarregado, em função do caudal afluente, de modo a permanecer aproximadamente constante o caudal de água residual a tratar;

f) minimização da poluição causada pelos caudais descarregados, nomeadamente em termos de sólidos flutuantes e em suspensão.

No caso dos descarregadores laterais, o objectivo referido na alínea d) é concretizado colocando as cristas a cotas suficientemente altas para garantir que os caudais transportados em tempo seco não sejam descarregados. É razoável, segundo esta perspectiva, colocar a crista dos descarregadores à altura correspondente ao escoamento do caudal máximo de estiagem. Em Ministry of Housing and Local Government 1970 é divulgada a prática usual, no Reino Unido, de dimensionar os descarregadores para caudais superiores a seis vezes o caudal médio de estiagem (Qme) (entende-se por caudal médio de estiagem o caudal médio em tempo seco, excluindo caudal de infiltração), garantindo-se tratamento secundário para metade desse caudal (3 x Qme). O restante caudal (3 x Qme) é apenas sujeito a uma simples decantação, sendo os tanques dimensionados para um tempo de retenção de duas horas.

Os objectivos referidos nas alíneas e) e f) que traduzem, respectivamente, a eficiência de comportamento hidráulico e sanitário dos descarregadores, podem ser satisfeitos, pelo menos parcialmente, controlando, por intermédio de uma válvula ou de um tubo curto funcionando sob pressão, o escoamento para jusante, e instalando anteparas laterais. As anteparas, que devem ser colocadas sobre o canal descarregador aproximadamente ao nível das cristas, têm como função evitar a descarga dos corpos flutuantes e possibilitar, assim, o respectivo transporte para a estação de tratamento. Apresenta-se na Figura 7.2, o corte de um canal descarregador com as anteparas laterais.

A cota das cristas dos descarregadores deve ser suficientemente baixa para garantir, sem a ocorrência de grandes regolfos de elevação prejudiciais, a descarga dos caudais de tempestade, quando da ocorrência de chuvadas. Os volumes descarregados podem ser conduzidos, em regra sem qualquer tratamento, para uma linha de água natural, ou podem ser armazenados temporariamente, após gradagem, em tanques previstos para o efeito.

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Figura 7.2 - Corte esquemático de um canal descarregador com anteparas laterais (retirado de Sousa e Matos, 1991).

7.3.2.2. Bases teóricas do dimensionamento hidráulico

Considera-se um canal de secção transversal qualquer, onde exista um descarregador lateral de comprimento L e de crista paralela ao fundo do canal. Nestas condições, e estando o descarregador em carga, o caudal sofre, ao longo do percurso, uma diminuição gradual.

A condição de constância da energia específica determina que num canal descarregador lateral, de secção constante, a curva de regolfo seja ascendente para jusante, em regime lento, e descendente em regime rápido, como facilmente se conclui da análise da curva representativa da função h = h(Q), em que h é a altura de escoamento no canal e Q é o caudal escoado, para energia específica constante, Ho. Esta situação está representada graficamente na Figura 7.3.

Observa-se que a condição mencionada é, em regra, admitida como hipótese de base para o estudo do escoamento em descarregadores de superfície laterais e, segundo DE MARCHI, fornece resultados muito próximos dos obtidos experimentalmente, quando o regime de escoamento é lento e o declive do canal é fraco.

Figura 7.3 - Tipos de curvas de regolfo em descarregadores laterais, para H=Ho.

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A curva de regolfo pode ser obtida a partir da condição de energia específica constante, da lei de vazão do descarregador e do conhecimento das condições de escoamento na secção de controlo. DE MARCHI identificou os seguintes perfis da superfície livre, em descarregadores laterais:

1º Caso de canal com inclinação forte e regime rápido a montante do descarregador: o perfil da água é descendente para jusante e evolui de acordo com a representação esquemática apresentada na Figura 7.4 - a); a montante do descarregador o regime é uniforme e a jusante a altura de água aproxima-se assimptoticamente da altura uniforme.

2º Caso do canal com inclinação fraca e crista do descarregador acima da altura crítica: o perfil da água é ascendente para jusante e evolui de acordo com a representação esquemática apresentada na Figura 7.4 - b); a jusante do descarregador o regime é uniforme e a montante a altura de água é superior à altura crítica mas inferior à altura uniforme, que se estabelece ainda mais a montante.

3º Caso de canal com inclinação fraca e crista do descarregador abaixo da altura crítica: o perfil da água é descendente para jusante e evolui de acordo com a representação esquemática apresentada na Figura 7.4 - c); na secção de montante do descarregador, a altura de água aproxima-se da altura crítica e, ao longo do descarregador, o escoamento dá-se em regime rápido; a jusante verifica-se um regolfo de elevação e um ressalto, após o qual se estabelece o regime uniforme.

Figura 7.4 - Regolfos em descarregadores laterais para H = Ho.

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Existem, no entanto, outros perfis possíveis de superfície livre, induzidos, nomeadamente, pela condição da altura de água a jusante do descarregador ser superior à altura uniforme, ou superior ao diâmetro do colector se o escoamento se verificar sob pressão. A condição referida pode manifestar-se na sequência da obturação da secção do escoamento, ou se a capacidade de transporte do colector implantado a jusante for, voluntária ou involuntariamente, insuficiente para o transporte, com superfície livre, dos caudais afluentes. Nestas circunstâncias, o perfil da água no canal descarregador pode ser ascendente, e evoluir de acordo com a representação esquemática apresentada na Figura 7.4 - d).

Embora seja possível a ocorrência de ressaltos hidráulicos no interior dos canais descarregadores, promovendo a passagem do regime rápido, a montante, para o regime lento, a jusante, tal não foi contemplado na Figura 7.4. Nesta figura hc e hu representam, respectivamente, as alturas de água correspondentes aos regimes crítico e uniforme e ic representa a inclinação crítica.

Perfil da água descarregada

Segundo Metcalf & Eddy 1981, no caso do perfil da água ser descendente no descarregador, a análise teórica desenvolvida por DE MARCHI não se ajusta bem aos resultados experimentais, sendo conveniente adoptar outra formulação teórica, apresentada pela primeira vez por Ackers.

Este autor propõe uma expressão que pode ser apresentada na seguinte forma:

L = 2,03 B {2,83 [(m2-0,4)1/2 (1-0,4 p/H1) +

+ 0,310 p/H1 - 0,948 arcos (0,4/m2)1/2 + 0,065]} (7.1)

sendo,

L -comprimento do descarregador (m);

B -largura do canal (m);

h1 -altura de água a montante, medida a partir da crista do descarregador (m); h2 -altura de água a jusante, medida a partir da crista do descarregador (m); m2 -parâmetro dado por h1/h2 (m/m);

p -altura da crista do descarregador, referida à soleira do canal (m);

H1 -energia específica do escoamento, referida à crista do descarregador (m).

No Quadro 7.2 apresentam-se, para diversos valores do parâmetro m2, as equações que resultam da aplicação da expressão (7.1).

QUADRO 7.2 - Expressões de cálculo de descarregadores laterais com perfil de água descendente

m2 = h1/h2 Expressões de cálculo 5 L = 2,03 B (2,81 - 1,55 p/H1) 7 L = 2,03 B (3,89 - 2,03 p/H1) 10 L = 2,03 B (5,28 - 2,63 p/H1) 15 L = 2,03 B (7,22 - 3,45 p/H1) 20 L = 2,03 B (8,88 - 4,13 p/H1)

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Segundo Ackers, a energia específica, H1, referida à crista do descarregador, pode ser calculada pela seguinte expressão:

H1 = α Vu2/2g + λ (hu-p) (7.2)

sendo,

α -coeficiente de energia cinética (adimensional);

Vu -velocidade média do escoamento correspondente ao regime uniforme no canal de chegada (m/s);

λ -coeficiente que exprime a variação da cota piezométrica na secção considerada;

hu -altura de água correspondente ao regime uniforme no canal de chegada (m).

Com base em resultados experimentais, Ackers, sugere as seguintes relações:

h1 = H1/2 (7.3)

ou o que é equivalente,

h2 = H1 /(2 m2) (7.4)

e os seguintes valores:

- na secção de montante do descarregador, α = 1,2 e λ = 1,0

- na secção de jusante do descarregador, α = 1,4 e λ = 0,95

Convém frisar que as expressões (7.1) e (7.2) só se devem aplicar no caso do perfil da água no descarregador lateral ser descendente, o que ocorre quando a razão entre a altura da crista do descarregador e a energia específica do escoamento, referida à cota da crista, é inferior a 0,6. Na secção 7.3.4 é apresentado um exemplo ilustrativo da aplicação desta formulação.

A relação entre os parâmetros m2, p/H1 e L/B representa-se graficamente na Figura 7.5.

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Figura 7.5 - Relação entre os parâmetros de cálculo m2, p/H1 e L/B, para descarregadores laterais

com perfil descendente (adaptada de Metcalf & Eddy 1972 e retirada de Sousa e Matos, 1991).

Perfil da água descarregada

No caso do perfil de água no descarregador lateral ser ascendente para jusante, situação que se ilustra na Figura 7.4 -d), recomenda-se a aplicação da expressão desenvolvida por DE MARCHI para canais de secção rectangular que pode ser apresentada sob a forma seguinte:

I - Io = B/C {[(2Ho-3p)/(Ho-p)] [(Ho-h)/(h-p)]1/2 - 3 arcsen [(Ho-h)/(Ho-p)]1/2} (7.5)

sendo,

I -distância da origem de referência até à secção considerada (m);

Io -abcissa da secção (real ou ideal), na qual se verificam as seguintes relações; h=Ho e Q=0 (m)

B -largura do canal (m);

C -coeficiente de vazão do descarregador;

Ho -energia específica do escoamento, referida ao fundo do canal, dada por h + + V2/2g (m);

p -altura da crista do descarregador, referida ao fundo do canal (m);

h -altura de água no canal descarregador (m);

V -velocidade média do escoamento no canal (m).

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207

Se se definir a função φ (h/Ho), que substitua os termos entre chavetas da expressão (7.5) e se se proceder ao cálculo do seu valor para os diversos valores de h/Ho e p/Ho, obtêm-se os resultados apresentados na Figura 7.6.

Por outro lado, dado que Io é uma constante de integração, o comprimento entre duas secções do descarregador pode ser traduzido por I2-I1; assim, quando φ(h/Ho) é calculado num e noutro extremo do descarregador, I2-I1 = Lt iguala o comprimento teórico da crista do descarregador. Nestas condições, obtém-se a seguinte expressão:

Lt = B/C [φ(h2/Ho) - φ(h1/Ho)] (7.6)

Figura 7.6 - Variação da função φ(h/Ho) com os parâmetros p/Ho e h/Ho, para descarregadores

laterais com perfil ascendente (adaptada de Metcalf & Eddy 1972 e retirada de Sousa e Matos 1991).

Na expressão (3.6) o coeficiente C pode tomar valores próximos de 0,415. No entanto, segundo Subramanya e Awasthy, citados em Metcalf & Eddy 1981, tal coeficiente toma valores inferiores a 0,415 e que são função do número de Froude do escoamento.

É proposto, dadas essas circunstâncias, um factor correctivo a aplicar ao comprimento teórico determinado a partir da expressão (7.6). Nestas condições verifica-se que:

L = K Lt (7.7)

K = 3,1/(2,8 - Fr1) (7.8)

sendo,

Lt -comprimento teórico do descarregador, calculado admitindo, na expressão (7.6), C = 0,415 (m);

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208

K -factor correctivo a aplicar ao comprimento teórico do descarregador;

Fr1 -número de Froude do escoamento, na secção de montante do canal descarregador, dado por V1/(g h1)

1/2.

Ao aplicar-se a expressão (7.6), admite-se que a energia específica do escoamento ao longo do descarregador lateral é constante. Num canal de secção rectangular, a altura de escoamento, o caudal escoado e a energia específica relacionam-se pela seguinte expressão:

Q = B h [2g(Ho-h)]1/2 (7.9)

A aplicação das expressões anteriores permite resolver, de uma forma iterativa, a maioria dos problemas com descarregadores laterais que se podem encontrar em casos práticos.

7.3.2.3. Exemplos de cálculo

Nesta secção são apresentado dois exemplos de cálculo ilustrativos do dimensionamento hidráulico de descarregadores laterais, em que a curva de regolfo tem um perfil descendente para jusante e um outro em que o perfil é ascendente.

A) Caso de curva de regolfo no descarregador com perfil descendente

Neste exemplo de cálculo, pretende-se dimensionar um descarregador lateral a montante de uma estação de tratamento de água residual (ETAR), com uma capacidade inferior à capacidade de transporte, a secção cheia, do colector unitário afluente.

- Dados

a) Diâmetro do colector afluente: D = 600 mm b) Declive do colector: J = 0,003 /m c) Coeficiente de rugosidade de Manning: n = 0,013 m-1/3s d) Caudal máximo de cheia: Q1 = 0,250 m3/s e) Caudal máximo de estiagem: Q2 = 0,03 m3/s f) Caudal máximo admitido na ETAR: Q3 = 0,110 m3/s

- Cálculos

a) Determinação das características hidráulicas do escoamento, em regime uniforme, no colector de chegada

Q (m3/s) hu (m) Vu (m/s) 0,14 0,21 1,07 1,90 0,88 2,14

Como ao caudal máximo de 0,25 m3/s corresponde uma altura crítica hc de 0,33 m, inferior à altura uniforme hu, o regime uniforme nessas condições de escoamento pode ser considerado lento.

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209

Por outro lado, dado que se pretende que a totalidade do caudal em tempo seco aflua à ETAR, é necessário colocar a crista do descarregador pelo menos a uma altura, referida ao fundo do canal, igual a 0,12 m. A esta altura do escoamento corresponde uma largura superficial de 0,48 m.

b) Análise do comportamento hidráulico do descarregador lateral para o caudal afluente máximo:

. Determinação da energia específica do escoamento, na secção de montante:

H1 = 1,2 Vu2/2g + 1,0 (hu-p) = 1,2 x (1,302/19,6) + 1,0 x (0,39-0,12) = 0,37 m

. Verificação do tipo de curva de regolfo

p/H1 = 0,12/0,37 = 0,32 < 0,60

ou seja, pode considerar-se uma curva de regolfo com perfil descendente para jusante (ocorrendo, assim, em regime rápido).

. Determinação do comprimento do descarregador:

Admitindo-se m2 = h1/h2 = 10, tem-se, consultando o Quadro 7.2:

L = 2,03 B (5,28-2,63 p/H1) = (2,03x0,48) x (5,28-2,63x0,32) = 4,3 m

. Determinação do caudal máximo afluente à ETAR

1,4 V22/2g = H2 - 0,95 (h-p)2 = H1 - 0,95 h2 = H1 - 0,95 [H1/(2m2)] =

= 0,37 - 0,95 [0,37/(2x10)] = 0,352 m

donde resulta:

V2 = 2,22 m/s

h1 = H1/2 = 0,37/2 = 0,185 m

h2 = h1/m2 = 0,185/10 = 0,018 (altura de água referida à crista do descarregador).

Por outro lado, a altura de água a jusante, referida ao fundo do canal, será dada por:

h2* = 0,12 + 0,018 = 0,138 m

Por relações geométricas, a partir da altura do escoamento h2* pode determinar-se a secção do escoamento S, donde resulta:

S = 0,049 m2

Q = V S = 2,22 x 0,049 = 0,108 m3/s < 0,110 m3/s

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210

- Comentários

Dado o facto de o caudal afluente à ETAR, em situação de tempestade, ser inferior à sua capacidade, pode considerar-se o descarregador lateral bem dimensionado em termos hidráulicos.

Se se tivesse arbitrado um valor inferior para o parâmetro m2, o comprimento do descarregador viria menor do que 8,7 m, o que conduziria, possivelmente, ao seu subdimensionamento e à necessidade de o redimensionar:

B) Caso de curva de regolfo no descarregador com perfil ascendente

Neste exemplo de cálculo, pretende-se determinar o comprimento de um descarregador lateral que se desenvolve a montante de uma ETAR, de tal modo que o caudal afluente à mesma não ultrapassa a sua capacidade.

- Dados

a) Secção do colector unitário: quadrangular, com 0,40 x 0,40 m2 b) Declive do colector: J = 0,0015 m/m c) Coeficiente de rugosidade de Manning: n = 0,013 m-1/3s d) Caudal máximo admitido na ETAR: Q = 0,04 m3/s e) Caudal máximo afluente ao descarregador: Qo = 0,052 m3/s

- Cálculo

a) Determinação das características hidráulicas do escoamento, em regime uniforme, no colector que se desenvolve a jusante do descarregador.

Q = 0,04 m3/s

(h2)u = 0,166 m

(V2)u = 0,60 m/s

Ho = h2 + V22/2g = 0,166 + 0,602/19,6 = 0,184 m

b) Escolha da altura de crista do descarregador

Neste exemplo de cálculo considera-se a altura da crista do descarregador de modo a que o perfil da água seja ascendente, ou seja, a um cota superior à altura crítica. Para canais de secção rectangular, isto equivale à condição:

p > 2/3 Ho

Considerando p = 0,7 Ho, obtém-se p = 0,7 x 0,184 = 0,13 m

c) Determinação da altura de água a montante do descarregador

A altura de água a montante do descarregador pode ser determinada resolvendo a seguinte expressão, iterativamente:

h1i+1 = Ho - V1i2/2g, com V1i = Qo/(bxh1i) = 0,052 / (0,40xh1i)

donde resulta (em regime lento) h1 = 0,14 m e V1 = 0,94 m/s

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211

d) Determinação do comprimento do descarregador:

h1/Ho = 0,14/0,184 = 0,76; h2/Ho = 0,166/0,184 = 0,90; p/Ho = 0,7

Recorrendo à Figura 7.6, obtém-se:

φ(h1/Ho) = -4,2 e φ(h2/Ho) = -2,2

donde resulta,

Lt = 0,4/0,415 x (-2,2+4,2) = 1,93 m

Fr1 = 0,94/(9,8x0,14)1/2 = 0,80

L = 3,1/(2,8-0,80) x 1,93 = 3 m

- Comentários

A um comprimento do descarregador lateral de 3 m corresponde um caudal descarregado de 0,012 m3/s e um caudal afluente à ETAR igual ao máximo admitido, de 0,04 m3/s. O escoamento dá-se sempre em regime lento.

7.3.2.4. Considerações finais

Embora a expressão (7.5) possa ser aplicada, tanto no caso de regime rápido como de regime lento, ajusta-se melhor à realidade do segundo caso, nomeadamente quando o número de Froude do escoamento na secção de montante do descarregador varia entre 0,3 e 0,92 e a curva de regolfo tem perfil ascendente para jusante. Para a resolução das restantes situações, recomenda-se a aplicação da expressão (7.1).

Existem casos em que a situação pode aconselhar a construção de dois descarregadores (primário e secundário), dispostos em série, ou a construção de canais descarregadores, em que a carga de água é controlada pela capacidade de vazão de um tubo curto, por um orifício, ou pelo grau de abertura de uma válvula comandada ou não automaticamente. Na prática, são, em regra, estes últimos casos que interessa considerar.

Segundo Minsitry of Housing and Local Government 1970, os descarregadores mais eficientes, nomeadamente no que concerne o cumprimento dos pontos e) e f) referidos na secção 7.3.2 destas folhas, são aqueles em que existe controlo de escoamento por jusante, nas condições atrás referidas, induzindo cargas hidráulicas elevadas no canal descarregador e a presença de um perfil de água ascendente (regime lento). Esta situação é especialmente favorável quando combinada com a existência de canais descarregadores com cristas altas, colocadas aproximadamente ao nível da cota da coroa do colector afluente. A montante convém que esteja estabelecido o regime lento, para evitar a possível ocorrência de ressaltos hidráulicos.

A Figura 7.7 é apresentada com o objectivo de evidenciar a diferença entre o comportamento hidráulico de descarregadores de superfície laterais, face a duas situações distintas de funcionamento.

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212

Figura 7.7 - Comportamento hidráulico de um descarregador de superfície lateral face a diversas

condições de escoamento (adaptada de Matos e Sousa, 1987.

Na primeira, o regime de escoamento não é controlado por jusante e o perfil de água é descendente. Nestas condições, o caudal que não é descarregado (qa) é, invariavelmente, mesmo para elevados desenvolvimentos do canal descarregador, bastante superior ao limite desejável. Teoricamente, esse valor nunca deverá ser superior ao caudal máximo de estiagem (Qme).

Na segunda situação, o regime de escoamento considera-se controlado por jusante (eventualmente recorrendo a uma válvula motorizada) e o perfil de água é ascendente. Admitiu-se, na Figura 7.7, uma altura de água a jusante do canal descarregador independente do caudal afluente e igual a 0,80 m. Nestas condições, mesmo com canais descarregadores de reduzida extensão e, portanto, mais económicos, torna-se possível garantir o escoamento de caudais, para jusante, semelhantes ao caudal máximo de estiagem.

7.3.3. Concepção de câmaras de desvio

As câmaras de desvio podem ser constituídas pelas seguintes quatro partes, que se representam esquematicamente na Figura 7.8 (MATIAS, 2006):

• Uma câmara central que dispõe de uma caleira por onde a água residual do colector unitário é conduzida à entrada do elemento regulador de caudal e que se encontra separado da câmara de retenção e de alívio por muros com cristas a cotas distintas (a

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213

altura do muro da câmara de retenção é inferior à altura do muro da câmara de alívio).

• Uma câmara de retenção que se destina ao armazenamento do caudal afluente, quando ultrapassada a capacidade da primeira câmara (constitui uma reserva em paralelo “off line”); caso exista, esta câmara é usualmente dimensionada de modo a armazenar, tanto quanto possível, o volume correspondente ao “first flush”, a que se associam as maiores cargas poluentes.

• Uma câmara de alívio para a qual é conduzido o excesso de caudal que as câmaras anteriores não conseguem reter, sendo o efluente encaminhado para o meio receptor.

• Uma câmara seca, onde se instala o equipamento regulador de caudal. Nesta câmara deve prever-se um desvio (em terminologia anglo-saxónica, by-pass), com válvula de guilhotina, de forma a manter o sistema de drenagem em funcionamento durante os eventuais trabalhos de manutenção e inspecção do equipamento.

Figura 7.8 - Representação esquemática de regulador de caudal com câmara de armazenamento.

No que se refere aos reguladores de caudal, distinguem-se dois tipos de instalações: em câmara húmida ou em câmara seca. Numa instalação em câmara húmida, o equipamento regulador de caudal encontra-se na câmara central, pelo que fica submerso quando tem lugar aumento significativo de caudal. Numa instalação do segundo tipo, o regulador de caudal é instalado à parte, na câmara seca - neste caso, a manutenção é facilitada, embora a obra de construção civil se revele mais complexa e onerosa.

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214

Na generalidade das situações, é comum a instalação do equipamento de controlo de caudal em câmara seca. É recomendável que as dimensões interiores da câmara seca sejam, em planta, superiores a 1.5 x 1.5 m (dependendo do caudal a regular e do tamanho, tipo e posição do equipamento regulador).

Tanto as caleiras existentes no fundo desta câmara (meias canas de betão) como o colector doméstico que transporta o caudal desviado devem ser dimensionados de forma a que o escoamento se processe em superfície livre, sem inundar a câmara.

Na Figura 7.9 apresentam-se, a título exemplificativo, a planta e o corte de uma câmara de desvio simples, constituída apenas por uma câmara central e por uma câmara seca. As relações entre as cotas “A”, “B” e “C” devem ser cuidadosamente definidas: a diferença entre “A” e “C” deve ser tal que garanta que é desviado o caudal de dimensionamento da válvula; o desnível entre os pontos “B” e “C” deve assegurar um adequado “efeito de chamada”, sem “afundar” em demasia o colector doméstico que se desenvolve a jusante. No caso de se tratar de uma zona com influência da maré, é importante ter em consideração a diferença entre o nível máximo da maré e a cota “A”, de modo a impedir a entrada de caudal proveniente do meio receptor no sistema interceptor.

CORTE AB

A

BY-

PA

SS

6

B

PLANTA

AC

B

Colector "doméstico "(ETAR)

Colector efluente(Meio receptor)

Colector afluente

Figura 7.9 – Representação esquemática de uma câmara de desvio simples, em câmara seca (dispondo

de uma válvula do tipo vórtice).

Refere-se ainda que a abertura de acesso da câmara seca deve apresentar dimensões compatíveis com a fácil entrada e saída do equipamento. A conduta de by-pass deve ser colocada a uma distância suficiente do regulador de caudal, de forma a facilitar o acesso para manutenção, e próximo das escadas de acesso: deste modo, ao abrir o by-pass, é possível o operador sair rapidamente da câmara, em caso de inundação.

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215

7.3.4. Reguladores de caudal

7.3.4.1 Reguladores de caudal do tipo vórtice

As válvulas do tipo vórtice regulam o caudal em função da carga de água a montante, apresentando um modo de funcionamento simples: em tempo seco, o caudal afluente passa pelas válvulas com perdas de carga localizadas reduzidas, enquanto que em tempo de chuva é introduzida uma perda de carga significativa que permite o controlo do caudal descarregado.

De facto, durante a ocorrência de precipitações, o caudal afluente é superior ao caudal de projecto da válvula de regulação, o que leva a uma acumulação de água no colector a montante – assim, a altura da massa líquida aumenta, verificando-se uma acumulação de ar na parte superior da válvula. O movimento ou escoamento rotacional da massa líquida (vórtice) tem lugar com arrastamento de ar. O efeito de vórtice processa-se com conversão da energia potencial da água em energia cinética (movimento de rotação), com elevada perda de carga localizada, regulando-se desta forma a descarga. No final da chuvada, e com a diminuição da altura de água, destrói-se o vórtice, tendo lugar um novo aumento do caudal para a mesma secção de escoamento. Deste modo, aumenta a velocidade de escoamento e favorece-se a auto-limpeza, não só da soleira da câmara de desvio como também dos colectores dispostos a jusante.

Na Figura 7.10 apresenta-se, a título ilustrativo, a curva característica (caudal versus altura de água) de uma válvula de regulação de caudal do tipo vórtice. Como é possível observar, uma vez formado o vórtice, a variação do caudal desviado com a carga hidráulica a montante (que depende do caudal afluente) é pouco acentuada. Para elevados valores de altura da água, o caudal descarregado é semelhante ao correspondente a alturas muito inferiores. De notar o fenómeno de histerese associado à formação do vórtice: para o mesmo caudal, correspondem duas alturas de escoamento possíveis.

Figura 7.10 – Exemplo de curva característica de uma válvula de regulação de caudal do tipo vórtice.

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216

Uma característica importante deste tipo de válvula é o facto de permitirem regular caudais reduzidos com elevada altura de água, pois o caudal de saída varia pouco com o nível de água a montante. Assim, as válvulas do tipo vórtice operam para caudais entre 10 e 800 l/s, com cargas de água que podem ser superiores a 4 m.

Salienta-se ainda que as válvulas do tipo vórtice não possuem peças móveis e operam de forma automática, sem necessidade de energia eléctrica.

7.3.4.2 Reguladores de caudal do tipo flutuador

Em sistemas unitários sujeitos a elevada variabilidade do nível de água, e em particular quando os colectores se encontram sob forte influência da maré, não devem ser instaladas válvulas do tipo vórtice pois estariam sistematicamente a entrar em funcionamento, levando a um desgaste acelerado do equipamento. Nestas situações, deve optar-se por instalar uma válvula do tipo flutuador.

Estas válvulas, embora mais dispendiosas que as do tipo vórtice, apresentam a vantagem de funcionarem praticamente a caudal constante. O equipamento consiste numa pequena câmara metálica que dispõe de duas comportas, situadas à entrada e à saída da câmara, no interior da qual é instalado um sistema de flutuadores. Em tempo seco, as comportas de entrada e saída encontram-se completamente abertas. Porém, em tempo de chuva, o nível de água aumenta fazendo com que o flutuador regule a comporta que controla a entrada fechando-a, mantendo-se, assim, o caudal de saída praticamente constante. Outra vantagem que os reguladores de caudal do tipo flutuador apresentam é o facto de ser possível ajustar o caudal de saída in situ, ajustando a posição da comporta de saída.

A curva característica de uma válvula do tipo flutuador apresenta-se na Figura 7.11. Através da curva característica da válvula, verifica-se que, com o aumento da altura de água, ocorre um período em que é permitida a passagem de um caudal superior ao teoricamente esperado. Este fenómeno pode ser eliminado, mas apresenta a vantagem de facilitar o arrastamento de sedimentos, contribuindo para a auto-limpeza da instalação.

Figura 7.11 – Exemplo da curva característica de uma válvula de regulação de caudal

do tipo flutuador.

As válvulas do tipo flutuador são adequadas à regulação de caudais unitários de 6 a 450 l/s, com alturas de água que variem entre 0,5 m e 4 m.

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217

Salienta-se ainda que estas válvulas operam de forma automática, sem necessidade de energia eléctrica.

7.4. Instalações elevatórias de águas residuais

7.4.1. Considerações gerais

Uma instalação elevatória constitui um órgão delicado num sistema de saneamento, devendo-se por isso adoptar grandes cuidados na localização, concepção, dimensionamento e construção das obras e na escolha dos equipamentos.

Dadas as características das águas residuais, estas instalações apresentam dificuldades que é necessário tratar e resolver de forma adequada, para que o seu funcionamento garanta a eficiência e a segurança que se exigem às obras de saneamento. Entre essas dificuldades incluem-se as decorrentes do facto das águas residuais apresentarem concentrações significativas de matéria em suspensão, e dos caudais poderem variar ao longo do dia de forma relevante.

Dada a vastidão do tema, nesta secção procura-se apenas sistematizar os princípios e principais aspectos da concepção e dimensionamento das instalações elevatórias de águas residuais.

7.4.2. Aspectos de localização

Um dos aspectos fundamentais do projecto de engenharia de um sistema elevatório consiste na localização adequada das instalações.

A localização das instalações elevatórias deve ser tal que não comprometa e condicione de forma negativa o planeamento e desenvolvimento urbano local. A arquitectura dos edifícios e os arranjos exteriores devem proporcionar uma adequada inserção urbanística.

A localização da instalação elevatória deve ser tal que possa dispor de fontes próximas de energia eléctrica e de abastecimento de água. A proximidade de um curso de água (ou outro meio receptor) é um factor importante, para servir como meio de descarga das águas residuais transportadas por colectores de recurso, no caso de ocorrência de situações extraordinárias de paragem prolongada dos grupos elevatórios.

7.4.3. Componentes das sistemas elevatórios

Uma instalação elevatória pode incluir as seguintes componentes principais:

- obra de entrada;

- poço de bombagem;

- grupos elevatórios;

- tubagens e acessórios;

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218

- equipamentos de protecção, comando e controlo.

Para além destas componentes principais do sistema elevatório, que inclui as instalações e a conduta elevatória, são por vezes previstos órgãos e equipamentos complementares, como sistemas de controlo de odores (filtros de carvão activado, por exemplo), sistemas de empilhamento e colecta de resíduos da câmara de grades, sistemas de arejamento e de injecção de ar comprimido ou de oxigénio puro na conduta de compressão, etc..

Nas secções seguintes são referidos alguns tópicos de dimensionamento das componentes principais dos sistemas elevatórios.

7.4.4. Obra de entrada

A obra de entrada de uma instalação elevatória é em regra constituída por uma câmara de grades, com os equipamentos adequados.

Para pequenos caudais é vulgar serem previstas duas grades, servindo uma de reserva. Em alternativa, é também corrente prever-se uma grade mecânica, mantendo-se uma grade manual de recurso. Para isolamento das grades, prevêem-se, vulgarmente, adufas de canal.

O tipo de grade (fina, média ou grosseira) deve depender das características da conduta elevatória, em particular da tensão de arrastamento de projecto e da secção de passagem dos grupos elevatórios. A distância entre barras varia usualmente entre 2 e 10 cm. No caso do recurso a parafusos de arquimedes, é vulgar não serem previstas grades a montante. Em certas situações, é aconselhável a instalação de trituradores, quando se admite a descarga directa das águas residuais para os meios receptores. Nestes casos, pode ser importante instalar desarenadores, nomeadamente quando se admita que as partículas arenosas possam interferir negativamente no funcionamento e exploração do sistema elevatório ou de tratamento que se desenvolve a jusante.

7.4.5. Poço de bombagem

7.4.5.1. Forma

A concepção do poço de bombagem, também vulgarmente designado como câmara de aspiração, deve atender aos riscos de acumulação de sedimentos, prevendo-se uma forma tal que favoreça o arrastamento dos mesmos para os “chupadores” dos grupos elevatórios. Na Figura 7.8 apresenta-se, esquematicamente, uma câmara de aspiração com quatro grupos submersíveis. As dimensões da câmara de aspiração são determinadas em função do número de grupos e do caudal bombado por cada uma.

A transição entre o corpo da câmara e o fundo deve ser efectuada através de paredes com inclinações que, segundo diversos autores, não devem ser inferiores a 60°, por forma a permitir a aspiração e arraste dos sedimentos.

O volume útil da câmara de aspiração corresponde ao espaço limitado por um nível mínimo, que é definido em função da velocidade do escoamento na aspiração e um nível máximo. O nível mínimo deve ser fixado por forma a evitar vórtices (ver dimensão G na Figura 7.8) susceptíveis de provocar a entrada de ar nas condutas. O nível máximo é estabelecido por forma a evitar regolfos no colector afluente. Estes

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219

níveis correspondem, respectivamente, a níveis de paragem e de arranque dos grupos elevatórios.

A câmara de aspiração deve também dispor de uma descarga de emergência ou de recurso, para entrar em funcionamento se for excedido o nível máximo.

A câmara de aspiração deve ser concebida por forma a ser facilmente visitável, para possibilitar as operações de inspecção e limpeza.

No caso de câmaras de bombagem com os grupos elevatórios a seco, é vulgar optar-se pela forma paralelepipédica, ao contrário do que ocorre quando se utilizam grupos submersíveis, situação em que a forma cilíndrica é correntemente a adoptada.

Em terrenos arenosos com elevados níveis freáticos, é vulgar serem construídos os poços por “havage”. Nesse caso, as paredes do poço são previamente “betonadas” e enterradas no local desejado. O fundo do poço é “enchido” posteriormente.

Figura 7.12 - Dimensões de uma estação elevatória com grupos submersíveis (retirada de Monteiro, 1987).

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220

7.4.5.2. Volume útil

A necessidade de garantir a regularização dos caudais afluentes, obriga a reservar um volume útil mínimo para a câmara de aspiração.

O volume útil mínimo deve ser definido em função da frequência máxima de arranque permitida para os grupos elevatórios.

O volume útil máximo é condicionado pelo caudal mínimo afluente, depois de fixado um valor limite para o máximo tempo de detenção, considerado igual ao tempo máximo de paragem do grupo ou grupos elevatórios.

Genericamente, o volume útil é definido por,

V = q x tp (7.10)

sendo,

q -caudal afluente (m3/s);

tp -tempo de paragem (s)

Se Q for o caudal de elevação e tf o tempo de funcionamento dos grupos, a equação de continuidade pode ser apresentada sob a seguinte forma:

Q x tf = q x (tf+tp) (7.11)

Definindo o ciclo (T), como o intervalo de tempo que medeia entre dois arranques sucessivos, ter-se-á:

T = tf + tp (7.12)

donde, tomando em consideração as equações (7.10) e (7.12), obtém-se,

T = v/q + V/(Q-q) (7.13)

A condição de ciclo mínimo, a que corresponde o máximo número de arranques por unidade de tempo, é então,

dT/dq = 0 (7.14)

condição que aplicada à expressão (7.13) conduz a,

q = 1/2 Q (7.15)

o que significa que a frequência de arranques é máxima quando o caudal afluente é igual a metade do caudal elevado. Nestas condições, obtém-se,

T = 4V/Q (7.16)

Ou, se se pretender definir a frequência de arranques em número de arranques por hora (N),

N = 3600/T (7.17)

Se se fixar um período de detenção máximo (tp max), deverá garantir-se a seguinte condição para respeitar o volume útil máximo definido:

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221

V ≤ qmin x tp max (7.18)

Por outro lado, ao fixar um número máximo de arranques por hora (Nmax), para atender à condição de volume mínimo, obtém-se, de (7.16) e (7.17);

V ≥ 900 Q/Nmax (7.19)

Conjugando as duas condições impostas,

q min x tp max ≥ V ≥ 900 Q/Nmax (7.20)

A expressão (7.20) define os volumes mínimo e máximo possíveis do poço de bombagem, para atender aos condicionamentos considerados.

Na expressão (7.20) figuram parâmetros em relação aos quais se procede seguidamente a uma breve análise.

- Caudal mínimo afluente (qmin): raramente se dispõe de elementos estatísticos que permitam estabelecer correctamente o valor do caudal mínimo afluente à instalação elevatória. Medições efectuadas parecem indicar uma relação entre o caudal máximo e o caudal médio (factor de ponta máximo instantâneo) da ordem de grandeza da relação que se verifica entre o caudal médio e o mínimo.

- Tempo de paragem máximo (tp max): este parâmetro deve ser adoptado em função das características das águas residuais afluentes (grau de septicidade, temperatura, CBO5). Em princípio, devem ser evitados tempos de paragem superiores a 2 horas.

- Caudal de elevação (Q): a capacidade de elevação não deve ser inferior ao caudal de ponta previsto. Pode, no entanto, ser superior. Esta situação ocorre designadamente nas pequenas instalações, quando o caudal de ponta máximo afluente não permite garantir a condição de auto-limpeza na conduta elevatória.

- Frequência de arranque dos grupos elevatórios (Nmax): a literatura especializada recomenda frequentemente valores máximos de 15 arranques por hora. No entanto, a partir de certa potência, ou quando as condições de arranque forem particulares (por exemplo quando se dispuserem de volantes de inércia), será recomendável consultar os fornecedores e fabricantes respectivos.

Os condicionamentos impostos pela expressão (7.20), nem sempre são possíveis de respeitar com um só “nível” de elevação, isto é, com apenas um grupo em funcionamento, ou com vários grupos em funcionamento simultâneo. Nos casos de grande variação de caudal, seja ao longo do dia seja ao longo do período de vida do equipamento, poderá ser necessário adoptar esquemas mais complexos de arranque e paragem dos grupos. Considerando grupos de velocidade constante, serão necessários outros “níveis” de arranque e paragem, a fim de aumentar o caudal elevado. A necessidade de não exceder o limite de frequência de arranques obriga a criar “volumes úteis” adicionais. Na Figura 7.10 são apresentados dois programas de funcionamento, para uma situação onde são previstos quatro “níveis” de elevação.

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Figura 7.13 - Representação esquemática, em corte, de uma câmara de aspiração.

Figura 7.14 - Tipo de programas de funcionamento de uma instalação elevatória (adaptada de

Carvalho, 1982).

Quando o caudal afluente excede a capacidade de elevação do primeiro grupo, o nível sobe na câmara de aspiração, apesar daquele se manter em funcionamento, atingindo-se um segundo nível (h2) que corresponde ao arranque do segundo grupo. Se mesmo assim o caudal afluente exceder a capacidade de elevação dos dois primeiros grupos, o nível na câmara de aspiração continua a subir, atingindo-se um terceiro nível. Arranca, então, o terceiro grupo, e assim sucessivamente.

No programa I, cada grupo interrompe o funcionamento, quando é atingido o nível de arranque de outro grupo.

No programa II, os grupos elevatórios também arrancam sucessivamente, mas todos os grupos accionados continuam em funcionamento até ser atingido o nível mínimo.

No caso do programa I, o que se passa em relação ao segundo “volume útil” (V2) é em tudo semelhante ao que foi descrito anteriormente para o primeiro “volume útil” (V1),

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considerando o caudal afluente em excesso relativamente ao caudal elevado pelo primeiro grupo.

Utilizando o programa II é possível obter um volume útil total inferior ao correspondente ao programa I. A dedução matemática da expressão de cálculo do volume útil do poço, para essas condições, pode ser lida em Monteiro 1987.

Para se evitarem variações bruscas da velocidade de escoamento na conduta elevatória, convém não fazer coincidir com precisão os níveis de arranque ou de paragem de vários grupos elevatórios.

7.4.6. Grupos elevatórios

O número de grupos elevatórios a instalar no sistema depende de diversos factores, entre os quais se incluem os seguintes:

• Variação diária de caudal;

• Variação de caudal médio ao longo do ano e ao longo do horizonte de projecto da obra;

• Limites de velocidade considerados aceitáveis para a conduta elevatória;

• Custos de instalação e exploração. O número de grupos elevatórios, em regra menor ou igual a três para as instalações elevatória usuais, pode ser superior em áreas onde as flutuações de caudal se preveja que sejam muito significativas. É o caso das instalações elevatórias localizadas em zonas balneares, onde os caudais médios em período estival são por vezes várias vezes superiores aos caudais médios diários no período invernoso. Neste caso, e tendo em vista reduzir os períodos de detenção hidráulica no poço de bombagem, torna-se necessário prever um número de grupos que possibilite a exploração adequada da instalação, face à grande diversidade dos caudais afluentes.

Existem diversos tipos de grupos elevatórios (ejecto-compressores, parafusos de arquimedes, grupos electrobomba de tipo submersível, de eixo vertical com bomba submersa, de eixo vertical com bomba em câmara seca e motor elevado e de eixo horizontal), cujas características principais se resumem no Quadro 7.3.

Actualmente, e mesmo para caudais elevados, é corrente a opção pelos grupos electrobomba do tipo submersível, dada a reduzida exigência de espaço requerido e os menores custos de construção associados.

Os parafusos de arquimedes são frequentemente utilizados quando as alturas de elevação não são elevadas, quando os caudais são significativos e quando se pretende uma elevação “pontual” da massa líquida. Quando se pretende ultrapassar obstáculos ou desníveis topográficos com desenvolvimento apreciável, de várias dezenas ou centenas de metros, opta-se em regra, por grupos electrobomba que bombam a massa líquida por uma ou mais condutas elevatórias, até ao destino pretendido.

QUADRO 7.3 - Tipo de grupos elevatórios e suas principais características. Tipos de grupos elevatórios Características

Ejecto-compressores secção de passagem elevada, alturas de elevação até 15 a 30 m; robustez; custo elevado; baixos rendimentos; estes grupos

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provocam, no processo de elevação, algum arejamento da massa líquida.

Parafusos de arquimedes alturas de elevação até 7 a 8 m; bons rendimentos, robustez;; em regra são utilizados para caudais superiores a 25 l/s.

Grupos electrobomba

• Tipo submersível

reduzida exigência de espaço e baixo custos das obras de construção civil; baixo custo do equipamento; possibilidade de elevação a alturas manométricas elevadas.

• Eixo vertical com bomba submersa exigem pouco espaço para instalação; o acesso ao grupo é difícil.

• Eixo vertical com bomba em câmara seca e motor elevado

acesso fácil à bomba; motor colocado ao abrigo de eventuais inundações e em espaço facilmente ventilável.

• Eixo vertical com bomba em câmara seca e motor directamente acoplado

eventual risco de inundação do motor.

• Eixo horizontal equipamento de custo reduzido; necessidade de mais espaço e maior custo das obras de construção civil (por comparação com as requeridas para os grupos submersíveis).

Os grupos devem ser montadas em carga, para se evitarem sistemas de ferragem difíceis de garantir. O nível mínimo na câmara de aspiração não deve ser inferior ao nível que corresponde ao topo do corpo da bomba.

Para evitar entupimentos, o corpo da bomba é geralmente do tipo voluta simples. As velocidades específicas destas bombas são, de um modo geral, elevadas, por lhes corresponderem propulsores mais amplos. Por este motivo e porque se evitam velocidades de rotação muito altas, as alturas de elevação não são, em regra, muito elevadas, e raramente ultrapassam 40 metros (Monteiro, 1987).

Devido à acção abrasiva de alguns materiais transportados pelas águas residuais, é corrente limitar a velocidade de rotação dos propulsores a 1450 rotações por minuto.

A utilização de grupos de velocidade variável não está muito divulgada na prática. No entanto, os automatismos de regulação da velocidade apresentam já graus de eficiência e de segurança apreciáveis, nomeadamente quando são baixas as potências instaladas.

7.4.7. Tubagem e acessórios

No interior das instalações elevatórias é recomendável a instalação de tubagem de ferro fundido, com uniões de flange, pois este tipo de tubagem é resistente ao ataque provocado pelas águas residuais; como o seu custo é elevado, por vezes aplica-se tubagem de ferro galvaniado, a qual deve ser revestida interior e exteriormente de forma adequada.

Não se deve aplicar tubagem de fibrocimento ou PVC no interior das instalações elevatórias, pelo facto do material apresentar riscos significativos de danificação e pelo facto das respectivas juntas não se prestarem a montagem e desmontagem.

O traçado da tubagem em perfil deve ser tal que se evitem pontos altos; para além disso, devem garantir-se inclinações superiores a 2%. As aspirações devem ser independentes (uma por grupo) e o mais curtas possível.

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De um modo geral, os acessórios das tubagens deverão ser de ligação por flange, por forma a garantirem uma boa estanquicidade e facilitarem as operações de montagem e desmontagem.

No caso de dois ou mais grupos elevatórios bombarem o caudal para uma mesma conduta de impulsão, os tês de ligação devem ser de ramal curvo, para se reduzirem os riscos de formação de turbilhões.

7.4.8. Equipamento de protecção, de comando e de controlo

Os dispositivos de protecção e de comando dos grupos são constituídos por aparelhagem de arranque (botoneiras e contactores), dispositivos de protecção (disjuntores, fusíveis e relés térmicos) e por automatismos correspondentes ao esquema de funcionamento adoptado.

No circuito hidráulico, os equipamentos de protecção e comando podem ser constituídos por válvulas de seccionamento e de retenção, e por dispositivos de protecção contra o golpe de aríete.

Os dispositivos de controlo, que podem ser montados nas instalações, são mais ou menos numerosos e sofisticados. Os mais utilizados são medidores de caudal e nível, contadores de horas de funcionamento dos grupos, amperímetros, voltímetros e alarme à distância.

Na câmara de aspiração existem ainda os “reguladores de nível”, por meio dos quais se fixam os níveis de arranque e de paragem dos grupos elevatórios. Existem diversos tipos de reguladores, desde a simples bóia que acciona um ou mais interruptores, até sistemas eléctricos (“peras” e “eléctrodos”), sistemas de pressão (campânula imersa e “bolha de ar”) e outros mais sofisticados que recorrem a ultrasons ou células foto-eléctricas.

Nos casos em que se prevejam frequentes faltas de corrente, e se for manifestamente desaconselhável a descarga de recurso dos caudais afluentes, pode ser recomendável a instalação de um gerador de emergência, previsto para entrar em funcionamento quando for atingido um nível limite na câmara de aspiração.

7.4.9. Conduta elevatória

A conduta elevatória é uma das componentes do sistema elevatório e o seu dimensionamento é condicionado pelo número e características dos grupos escolhidos.

Não é necessário tratar-se de uma conduta muito extensa para que o seu volume exceda o volume útil da câmara de aspiração. Nestes casos, os períodos de detenção hidráulica são superiores aos verificados na câmara, com a agravante decorrente de se tratar de uma detenção complementar da já anteriormente ocorrida, e do escoamento se processar sob pressão. Essas condições podem contribuir para a ocorrência de septicidade da massa líquida.

Outro problema importante, ligado ao comportamento das condutas elevatórias, diz respeito à ocorrência e efeito dos choques hidráulicos, em consequência, sobretudo, das paragens bruscas dos grupos elevatórios.

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A eventual necessidade de reduzir os efeitos do choque hidráulico pode constituir um problema fundamental no dimensionamento dos sistemas elevatórios. Em Almeida 1981 é tratado com detalhe o problema da protecção contra o golpe de aríete em condutas elevatórias. Para ser garantida a condição de auto-limpeza, torna-se necessário que a velocidade de bombagem exceda um valor mínimo, necessário a ressuspensão e arraste das partículas em suspensão. Alguns autores recomendam genericamente velocidades mínimas de bombagem da ordem de 0,9 m/s a 1,2 m/s, admitindo, em certas circunstâncias, velocidades de 0,7 m/s.

Dada a natureza das águas residuais, é conveniente limitar o diâmetro mínimo da conduta, sendo muitas vezes fixado o valor de 100 mm. Esta imposição condiciona, evidentemente, o caudal mínimo bombado, que não deverá ser inferior a 6 l/s, por forma a serem garantidas condições de auto-limpeza.

Em pequenas instalações elevatórias, quando as condições de auto-limpeza não forem favoráveis, é conveniente que pelo menos semanalmente se proceda a uma intervenção do operador, no sentido do funcionamento simultâneo do grupo de reserva. Nessas condições, o aumento do caudal e da velocidade de bombagem é, em regra, suficiente para garantir a ressuspensão e arraste das partículas anteriormente sedimentadas.

É necessário prever uma descarga de fundo da conduta, destinada ao seu esvaziamento em caso de necessidade. Esta descarga pode eventualmente ser efectuada para o colector de recurso que serve de by-pass à instalação.

Em determinadas situações, quando a variabilidade dos caudais o justificar, pode ser necessário a instalação de duas condutas elevatórias em paralelo. Para os menores caudais apenas funciona uma das condutas elevatórias, entrando a segunda em exploração, quando os caudais se tornam progressivamente superiores.

7.4.10. Disposições e órgãos complementares

Além dos órgãos e componentes das instalações elevatórias já referidas anteriormente, existem outros órgãos, cujo funcionamento se pode tornar fundamental nesse tipo de instalações. É o caso dos ventiladores.

Quando a ventilação é mecânica, o que por vezes é indispensável, dadas as características do ar viciado nos espaços confinados da instalação (nomeadamente na câmara de grades e no poço de bombagem), dever-se-á proceder a insuflação de ar e não à sua extracção mecânica (Direcção Geral de Saneamento Básico 1978). Os caudais a ventilar dependem do volume da instalação e do número de renovações por hora pretendido. Por vezes, quando o risco de ocorrência de septicidade é elevado, e com vista a tratar o ar que é ventilado para o exterior, são previstos equipamentos de desodorização apropriados, como “scrubbers”, filtros de carvão activado e torres de ozono.

No caso das condutas elevatórias terem características, nomeadamente a extensão, que proporcionem a formação de sulfuretos no interior da massa líquida, designadamente sulfureto de hidrogénio, pode ser uma medida apropriada prever, na instalação elevatória, os equipamentos necessários ao tratamento e controlo dos sulfuretos (injecção de ar comprimido, injecção de oxigénio “puro”, injecção de cloro ou adição

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de peróxido de hidrogénio, nitratos ou sais de ferro). Esta matéria é tratada com maior detalhe no Capítulo 4? destas folhas.

7.4.11. Apresentação de esquemas de instalações elevatórias

Da Figura 7.11 à Figura 7.15 apresentam-se, esquematicamente, vários tipos e esquemas de instalações elevatórias. A Figura 7.11 refere-se à representação esquemática, em corte, de uma instalação com parafusos de Arquimedes. As representações esquemáticas apresentadas desde a Figura 7.12 até à Figura 7.15 Referem-se, respectivamente, a instalações elevatórias com grupos electrobomba submersíveis, só com a bomba submersível, grupos electrobomba de eixo vertical e grupos electrobomba de eixo horizontal.

A Figura 7.16, bem como a Figura 7.17, referem-se à instalação elevatória do Torrão (localizada no Concelho de Almada), que inclui três grupos electrobomba de eixo vertical, que bombam para duas condutas em paralelo, de diâmetro 400 mm.

Figura 7.15 - Representação esquemática (em corte) de uma instalação elevatória com parafusos de

Arquimedes (adaptada de DGSB, 1978).

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Figura 7.16 - Instalação elevatória com grupo electrobomba de eixo vertical instalado em câmara não

inundável (retirada de Monteiro, 1987).

Figura 7.17 - Instalação elevatória com grupo electrobomba de eixo horizontal instalado em câmara

não inundável (retirada de Monteiro, 1987).

Figura 7.18 - Instalação elevatória com grupo electrobomba submersível (retirada de Monteiro,

1987).

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Figura 7.19 - Instalação elevatória só com bomba submersível (retirada de Monteiro, 1987).

Figura 7.20 - Representação esquemática (em planta) do circuito hidráulico da instalação elevatória do Torrão (retirada de Matos, 1992).

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Figura 7.21 - Planta e corte da instalação elevatória do Torrão (retirada de Matos, 1992)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO 7

Almeida, A.S. - Manual de Protecção contra o Golpe de Aríete em Condutas Elevatórias. LNEC, Relatório, Lisboa, 1981.

Carvalho, R. - Estações Elevatórias de Águas Residuais. Estações Elevatórias no Saneamento Básico, LNEC, Lisboa, 1982

Direcção Geral de Saneamento Básico - Estações Elevatórias de Águas Residuais. Curso de Actualização em Engenharia Sanitária. (CAES). Centro Tecnológico da DGSB, 1978.

Matos, J.M. - Aerobiose e Septicidade em Sistemas de Drenagem de Águas Residuais. Dissertação de Doutoramento, Lisboa, IST, 1992.

Matos, J.M.S.; Ribeiro de Sousa, E.A. - Dimensionamento de Órgãos Especiais em Sistemas de Drenagem: Sifões Invertidos e Descarregadores. In “Encontro Nacional de Saneamento Básico”, APESB, Matosinhos, 1987.

Metcalf & Eddy INC. - Wastewater Engineering. Collection and Pumping of Wastewater. McGraw-Hill Book Company, New York, 1981.

Ministry of Housing and Local Government - Technical Committee on Storm Overflows and the Disposal of Storm Sewerage. Final Report. Her Majesty's Stationery Office, London, 1970.

Monteiro, A. - Estações Elevatórias de Águas Residuais. In “Curso de Dimensionamento de Sistemas de Abastecimento de Água e de Drenagem de Águas Residuais”. CEHIDRO, Funchal, 1987.

Quintela, A.C. -Hidráulica. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1981.

Sousa, E.R., Matos, J.M. - Órgãos Especiais do Sistema de Drenagem. MSB2. Doc. - Manual de Saneamento Básico - Abastecimento de Água e Esgoto. Direcção Geral dos Recursos Naturais, Lisboa, 1991.

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8. ASPECTOS PARTICULARES DO DIMENSIONAMENTO DE SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS: AVALIAÇÃO E CONTROLO DOS EFEITOS DO GÁS SULFÍDRICO

8.1. Considerações introdutórias

Em sistemas de drenagem típicos de grandes aglomerados urbanos, os tempos de percurso das águas residuais são, em regra, de várias horas ou mesmo de várias dezenas de horas, e a alteração da qualidade das águas reflecte-se, nomeadamente, na formação de sulfuretos.

Nos trechos iniciais das redes de drenagem é corrente verificarem-se altos valores do potencial redox e elevadas concentrações de oxigénio dissolvido no interior da massa líquida. No entanto, à medida que aumentam os tempos de percurso decrescem, em regra, tais concentrações, devido ao facto do consumo de oxigénio não ser compensado pelo rearejamento natural ocorrido através da interface ar-massa líquida.

O oxigénio é consumido, designadamente, em reacções de oxidação da matéria orgânica, sendo os produtos finais compostos orgânicos mais simples, dióxido de carbono e substâncias parcialmente oxidadas. Em termos de qualidade das águas residuais, e no seu conjunto, essas reacções contribuem para uma redução mais ou menos significativa no valor da carência bioquímica de oxigénio (CBO).

Num sistema de drenagem, após ter sido atingida a condição de anaerobiose, e desde que satisfeitas certas condições favoráveis, podem resultar das reacções de oxidação bioquímica da matéria orgânica, libertação de dióxido de carbono e de sulfureto de hidrogénio. Diz-se, então, que o escoamento se processa em condições de septicidade, circunstância associada a concentrações positivas de sulfuretos e baixos potenciais redox, representando o potencial redox, em solução aquosa, o balanço entre as substân-cias oxidantes e as redutoras. O sulfureto de hidrogénio e o dióxido de carbono tendem, também, a reduzir o pH da massa líquida.

Na atmosfera dos colectores e das câmaras de visita, à medida que se processa o escoamento, a tendência é, em regra, de redução do teor de oxigénio e do aumento das concentrações de dióxido de carbono e de gás sulfídrico no ar.

O sulfureto de hidrogénio (também conhecido por ácido sulfídrico ou gás sulfídrico, quando presente sob a forma gasosa) é uma das espécies de sulfuretos dissolvidos e a sua importância para o comportamento dos sistemas deve-se, principalmente, às seguintes causas:

a) odor que provoca, que é, de entre os gerados no interior das águas residuais, dos mais intensos e desagradáveis;

b) criação de ambientes tóxicos, por vezes mortais, no interior de atmosferas confinadas ou ventiladas deficientemente;

c) criação de condições para a ocorrência de corrosão em colectores, câmaras de visita, poços de bombagem, câmaras repartidoras de caudal e órgãos ou equipamentos de estações de tratamento;

d) contribuição para a ocorrência, em circunstâncias excepcionais, de atmosferas explosivas;

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e) contribuição para o mau ou irregular funcionamento de estações de tratamento.

O sulfureto de hidrogénio é moderadamente volátil e a sua libertação da massa líquida torna-se significativa quando as condições de turbulência são elevadas. O gás sulfídrico, mesmo em concentrações muito baixas, ataca directamente componentes metálicas, eléctricas e electrónicas das instalações dos sistemas de drenagem e tratamento, tem um odor característico a “ovos podres”, e é explosivo em concentrações entre 4,3 e 45,5%. Quando combinado com a humidade e oxigénio atmosférico pode ser oxidado, a ácido sulfúrico, cujos efeitos, em termos de corrosão, são responsáveis por grande parte das rupturas e colapsos totais ou parciais de colectores e emissários gravíticos de águas residuais.

Os problemas e dificuldades criados pela presença de sulfuretos, nomeadamente do sulfureto de hidrogénio, em sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais, assumiram especial relevo, sobretudo a partir do 2º quartel do século XX, altura em que começaram a adquirir particular significado a complexidade e extensão dos sistemas e se acentuou, nos países desenvolvidos, o sentido do direito público ao bem estar e à protecção individual, contra toda e qualquer agressão à qualidade de vida ambiental.

Em Portugal, existem extensas regiões onde a temperatura média de verão é bastante alta e onde, frequentemente, se escoa, nos sistemas de drenagem, água residual com elevada concentração de matéria orgânica. Estas circunstâncias, associadas à reduzida energia gravítica disponível para se processar o escoamento (zonas planas ou com pe-quenos desníveis topográficos) e a tempos de retenção elevados no interior do sistema, tornam provável a ocorrência de septicidade.

Num inquérito efectuado na década de 80 aos Municípios do Continente e das Regiões Autónomas da Madeira e Açores, é realçado o facto do efeito do gás sulfídrico evocado com maior frequência ser o de manifestação de odores desagradáveis, nomeadamente nos meios receptores (35% de respostas positivas), poços de bombagem de instalações elevatórias (18%) e obras de entrada e de tratamento de lamas das estações de tratamento (16%). Apenas em cinco por cento dos Municípios inquiridos é referenciada a existência de corrosão significativa em colectores de sistemas de drenagem.

Os prejuízos económicos e sociais provocados pela presença de gás sulfídrico em sistemas de drenagem e tratamento são praticamente incalculáveis, sendo de realçar a cifra apresentada em Environmental Protection Agency 1985, reportada a 1984, e referente apenas a custos de reconstrução e reabilitação de sistemas em exploração nos Estados Unidos da América, devidos a deterioração, maioritariamente atribuída ao gás sulfídrico: cerca de quinhentos milhões de contos. Esse valor reflecte bem a importância económica do tema e as preocupações que devem envolver os estudos de concepção e dimensionamento de sistemas e instalações de drenagem, designadamente de elevada extensão, com vista a prevenir e controlar os riscos e efeitos da septicidade.

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8.2. Origem, natureza e propriedades do sulfureto de hidrogénio

Nestas folhas, à semelhança do que ocorre em outros textos da especialidade, aplica-se o termo sulfuretos com o significado de sulfuretos inorgânicos. O sulfureto de hidrogénio é uma das espécies de sulfuretos inorgânicos dissolvidos. Num colector de águas residuais, a presença de sulfuretos pode ter várias origens, entre as quais se salientam as seguintes:

a) descarga de certas águas residuais industriais, provenientes, por exemplo, da indústria de curtumes, da indústria petroquímica, da indústria de pasta de papel ou do processamento de matéria animal;

b) infiltração de águas provenientes de aquíferos, onde a concentração de sulfuretos seja relevante;

c) descarga de águas residuais domésticas, já sépticas, provenientes, por exemplo, de tanques e poços de bombagem de instalações hoteleiras, onde a massa líquida permaneça várias horas;

d) formação no interior do sistema, a partir de substâncias, orgânicas e inorgânicas, que contenham enxofre.

A origem principal encontra-se associada, em regra, à formação no interior do sistema municipal. Todos os compostos sulfurosos, orgânicos e inorgânicos, podem contribuir, potencialmente, para a formação de sulfuretos.

As águas residuais domésticas e industriais contêm, em regra, um ou mais compostos de enxofre. Das mais de trinta espécies de compostos de enxofre que existem, só seis são termodinamicamente estáveis, em solução aquosa e a temperatura e pressão atmosférica normal. São elas o ião sulfato (SO42-), o ião bisulfato (HSO4-), o enxofre elementar (So), o ião sulfureto (S2-), o ião hidrogenosulfureto (HS-) e o sulfureto de hidrogénio (H2S). Outros compostos inorgânicos, como o ião tiossulfato (S2O32-), também existem na natureza, mas não são considerados termodinamicamente estáveis. O tiossulfato pode encontrar-se presente em sistemas de drenagem, nomeadamente como resultado da oxidação, em condições aeróbias, do ião hidrogenosulfureto. O sulfito também se pode encontrar presente em colectores, como resultado da descarga de certos efluentes industriais.

O enxofre inorgânico é incorporado no material celular orgânico, e integra-se, dessa forma, no ciclo do enxofre. A decomposição da matéria orgânica pode dar origem a sulfuretos.

Os sulfuretos totais inorgânicos podem ser divididos em sulfuretos solúveis (S2-, HS- e H2S) e não solúveis em água (FeS, ZnS, ..., etc.). A concentração de sulfuretos não solúveis é função do pH e da concentração de determinados elementos metálicos, como o ferro, o zinco, o cobre ou o chumbo, usualmente presentes, embora em baixas concentrações, em águas residuais domésticas. Esses elementos metálicos reagem com o ião sulfureto, originando partículas em suspensão que podem precipitar.

Os sulfuretos inorgânicos solúveis em água, ou seja, os sulfuretos inorgânicos totais dissolvidos, podem apresentar-se sob a forma de sulfureto de hidrogénio (H2S), ião

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hidrogenosulfureto (HS-) ou ião sulfureto (S2-). O sulfureto de hidrogénio dissocia-se em água, de acordo com as seguintes reacções:

H2S k1 HS- + H+ (8.1)

HS- k2 S2- + H+ (8.2)

sendo as concentrações de H2S, HS- e S= função do pH da solução aquosa, tal como indicam as seguintes expressões:

log ([HS-]/[H2S]) = pH - pk1 (8.3)

log ([S2-]/[HS-]) = pH - pk2 (8.4)

sendo,

[H2S], [HS-] - actividades, respectivamente, do sulfureto de hidrogénio e do ião hidrogenosulfureto

[S2-] - actividade do ião sulfureto (moles/l); pk1, pk2 - cologaritmos, respectivamente, das constantes de ionização das

reacções correspondentes às expressões (8.4) e (8.5).

O valor da constante k1 depende, embora talvez sem muito significado prático, da temperatura e da força iónica da solução. No entanto, tendo em conta o grau de incerteza e imprecisão normalmente associado aos estudos de comportamento sanitário de sistemas de drenagem, é, em regra, considerado razoável admitir o valor do parâmetro pk1 como constante, e igual a 7.

Para o valor da constante de ionização k2, é vulgar referenciar-se o valor 10-14.

Na Figura 8.1 é apresentada a distribuição das concentrações de equilíbrio das espécies H2S, HS- e S2-, em função do pH da massa líquida, admitindo pk1 = 7 e pk2 = 14. Nestas folhas, quando se alude a concentração de H2S, HS- ou dos sulfuretos totais, é entendido que se referencia a concentração de enxofre, presente em combinação com os outros elementos. A concentração real de cada espécie pode ser facilmente deduzida, multiplicando o valor referenciado, pela razão dos pesos moleculares do composto e do enxofre.

Figura 8.1 - Distribuição das concentrações de equilíbrio das espécies H2S, HS e S2-, em função do pH da

massa líquida, admitindo pk1 = 7 e pk2 = 14.

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Como se pode constatar pela Figura 8.1, no intervalo comum de pH das águas residuais domésticas, entre 6,5 e 8,5, a concentração de ião sulfato é praticamente nula, sendo predominantes as concentrações de sulfureto de hidrogénio e ião hidrogenosulfureto. Para pH igual a 7, as concentrações de sulfureto de hidrogénio e hidrogenosulfureto são praticamente idênticas, aumentando a predominância daquele composto à medida que se reduz o pH da massa líquida.

A distinção entre as diversas espécies de sulfuretos torna-se particularmente importante, devido ao facto de apenas o sulfureto de hidrogénio ser volátil, ou seja, só o sulfureto de hidrogénio ter potencialidade para se libertar da massa líquida e criar, na atmosfera dos sistemas de drenagem e de tratamento, efeitos indesejáveis. Quando o sulfureto de hidrogénio se liberta da massa líquida, o equilíbrio representado pela expressão (8.4) é reposto, na prática, quase instantaneamente, de forma que as concentrações de H2S e HS- resultantes se repartem, em equilíbrio, na solução. Quando aparece sob a forma gasosa, é corrente designar o sulfureto de hidrogénio como gás sulfídrico.

O gás sulfídrico é incolor, 1,19 vezes aproximadamente mais denso que o ar e tem um odor característico a “ovos podres”. A exposição humana a relativamente pequenas concentrações desse gás tóxico, da ordem de algumas dezenas de p.p.m. (neste trabalho, é entendido o termo p.p.m. como referente a concentração em partes por milhão em volume), pode provocar dores de cabeça, náuseas e irritações de garganta e vista. Concentrações mais elevadas de algumas centenas de p.p.m., podem conduzir a paralisia do sistema respiratório e à morte. O gás sulfídrico no ar pode tornar-se explosivo em concentrações entre 4,3 e 45,5%. O sulfureto de hidrogénio é moderadamente solúvel em água, decrescendo a solubilidade com o aumento da temperatura. Para temperaturas de 15 e 25°C, as solubilidades são, respectivamente, de 4150 e 3175 mg/l.

8.3. Formação, libertação e oxidação do sulfureto de hidrogénio

8.3.1. Considerações de âmbito geral

Em redes de drenagem de águas residuais constituídas por colectores de pequeno diâmetro, com serviço de percurso, e em que as condições de escoamento asseguram auto-limpeza e ventilação, não é usual o estabelecimento de condições de septicidade. Essas condições verificam-se, no entanto, e em regra, em emissários, interceptores ou sistemas de drenagem de longa extensão, mesmo quando se verificam os critérios hidráulicos de auto-limpeza e de limitação de altura do escoamento. Em países ou regiões frias, o estabelecimento de condições de septicidade e a manifestação dos seus efeitos, em sistemas de drenagem de águas residuais, não é, em regra, tão grave, como a que ocorre em regiões de temperaturas médias elevadas. No entanto, existem sistemas, implantados em regiões frias (como em certas áreas dos Estados Unidos da América, da França, do Reino Unido ou da Dinamarca), onde já foram referenciados efeitos especialmente graves, provocados pela ocorrência de septicidade em colectores de águas residuais domésticas, nomeadamente devidos à presença de gás sulfídrico. Nesses casos, a ocorrência de septicidade deve-se, fundamentalmente, ao facto do escoamento de águas residuais se processar sob pressão, em condutas elevatórias, trechos de sifões invertidos ou colectores sub-dimensionados, não havendo pois lugar a rearejamento.

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A condição de septicidade está associada à formação de sulfuretos. A formação de sulfuretos depende de diversos factores ou parâmetros, entre os quais se incluem a disponibilidade de matéria orgânica e de sulfatos, a temperatura, o pH, a velocidade média do escoamento, o tempo de percurso, a concentração de oxigénio dissolvido e o potencial redox da massa líquida. No caso de sistemas de drenagem constituídos integralmente por colectores com escoamento com superfície livre, a concentração de sulfuretos na massa líquida não atinge valores muito elevados, devido ao facto do oxigénio absorvido na interface ar-massa líquida contribuir, directa ou indirectamente, para a oxidação de substâncias de menor potencial redox, entre as quais se incluem os sulfuretos, e devido ao facto de uma parcela dos sulfuretos se poder libertar para a atmosfera do sistema, sob a forma de gás sulfídrico. Naquelas condições, o escoamento processa-se em anaerobiose, mas com concentrações de sulfuretos inferiores, em regra, a 2 mg/l. Na Figura 8.2 é ilustrada a condição de septicidade num colector de águas residuais com escoamento com superfície livre.

Figura 8.2 - Formação de sulfuretos em colectores de águas residuais - condições anaeróbias.

A libertação do gás sulfídrico da massa líquida depende, designadamente, da concentração de sulfureto de hidrogénio em solução, da temperatura e das condições de turbulência, sendo superior no caso da existência de quedas, particularmente quedas bruscas (ou seja, quedas verticais, efectuadas sem transição) e inferior em trechos rectos, com baixas velocidades de escoamento. Em determinadas condições, ocorre dissolução do gás sulfídrico na humidade condensada das superfícies expostas, e a reacção de oxidação a ácido sulfúrico pode verificar-se, no caso de serem satisfeitas condições térmicas e de disponibilidade de nutrientes, necessárias ao desenvolvimento das bactérias intervenientes no processo. O ácido sulfúrico é formado de acordo com a seguinte reacção:

H2S + O2 bactérias

H2SO4 (8.5)

No caso do revestimento das superfícies ser inerte ao ataque do ácido sulfúrico, como acontece quando se aplicam tintas à base de resinas epoxídicas especiais, ou se cobrem as superfícies com membranas ou placas protectoras de materiais resistentes, como PVC

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ou grés, o ácido sulfúrico diluído desliza sob acção gravítica, indo finalmente incorporar a massa líquida.

Na Figura 8.3 são apresentadas as várias fases correspondentes à formação, libertação e oxidação do sulfureto de hidrogénio em colectores de águas residuais.

Figura 8.3 - Representação esquemática da formação, libertação e oxidação do sulfureto de hidrogénio num colector de águas residuais.

Para que a concentração de sulfuretos na massa líquida se mantenha positiva ao longo de um sistema de drenagem, torna-se necessário que a taxa de formação seja, em princípio, igual ou superior à taxa de remoção dos sulfuretos da solução. A formação de sulfuretos em colectores pode resultar das seguintes reacções:

a) decomposição de compostos orgânicos contendo enxofre, nomeadamente alguns aminoácidos;

b) redução do ião sulfato ou, menos frequentemente, redução de outras substâncias inorgânicas, como dos iões tiossulfato e sulfito ou do enxofre elementar.

Para o decréscimo das concentrações de sulfuretos dissolvidos contribuem os seguintes factores:

c) reacções de oxidação, em condições aeróbias, donde podem resultar, teoricamente, enxofre elementar, tiossulfato ou sulfato;

d) precipitação, por reacção com elementos metálicos usualmente presentes em águas residuais, como o ião ferro (II) e o zinco;

e) libertação de gás sulfídrico para a atmosfera, a qual ocorre, com mais significado, em meio ácido, e quando as condições de turbulência são elevadas.

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8.3.2. Natureza das reacções

A contribuição dominante para a formação de sulfuretos de hidrogénio provém da redução bioquímica do ião sulfato, levada a cabo na ausência de oxigénio, e que pode ser traduzida, simplificadamente, da seguinte forma:

SO4

2- + matéria orgânica bactérias

S2- + H2O + CO

2 (8.6)

S2- + 2H+ H2S (8.7)

Na oxidação bioquímica da matéria orgânica, as bactérias removem átomos de hidrogénio das moléculas orgânicas, adquirindo, no processo, energia. Após uma série de reacções bioquímicas, os átomos de hidrogénio são transferidas para um receptor. Tal receptor pode ser um composto orgânico ou inorgânico.

Em condições aeróbias, o oxigénio livre é o receptor final do hidrogénio, sendo a água o produto final da reacção.

Nas reacções que se apresentam no Quadro 8.1, e que ocorrem, ou podem ocorrer, em colectores de águas residuais, são identificados possíveis receptores de hidrogénio e os correspondentes produtos de reacção.

QUADRO 8.1 - Identificação de reacções em colectores de águas residuais (adaptado de ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 1985)

Número de ordem

Receptor de hidrogénio

Número de átomos de hidrogénio intervenientes

Produtos de reacção

(1) O2 + 4H+ 2H2O (2) 2NO3- + 12H+ N2 + 6H2O (3) SO4

2- + 10H+ H2S + 4H2O (4) corpos orgânicos

oxidados + x H+ compostos orgânicos

reduzidos (5) CO2 + 8H+ CH4 + 2H2O

As reacções identificadas com os números de ordem (1), (2) e (5) originam produtos que não provocam impacte, do ponto de vista dos odores. As reacções (3) e (4) originam compostos de odor desagradável, respectivamente sulfureto de hidrogénio e, frequentemente, mercaptanos.

As reacções (2) e (5) são anaeróbias, isto é, desenvolvem-se na ausência de oxigénio livre, utilizando os microrganismos intervenientes os receptores de hidrogénio, pela ordem seguida na apresentação das reacções do Quadro 8.1, isto é, primeiro o oxigénio, depois os nitratos e, finalmente, na ausência dos primeiros, os sulfatos.

Em águas residuais, a disponibilidade de enxofre orgânico e ião sulfato encontra-se naturalmente assegurada. Em estudos experimentais realizados num interceptor da cidade de Bruxelas, reportam capitações de ião sulfato, por habitante e por dia, de 16 g. Metcalf & Eddy 1979 referenciam contribuições, de origem doméstica, correspondentes a concentrações na massa líquida entre 15 e 30 mg/l (valores médios correspondentes a sistemas de drenagem em exploração nos Estados Unidos da América).

No caso de infiltração de água do mar em redes de drenagem de águas residuais, as concentrações de ião sulfato podem ser de várias centenas de mg/l.

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8.3.3. Expressões de cálculo da concentração de sulfuretos

Várias expressões empíricas têm sido propostas no sentido de estimar a formação de sulfuretos, ou parâmetros com ela relacionados, tanto em condutas com escoamento sob pressão, como em colectores com escoamento com superfície livre.

O cálculo da formação de sulfuretos em condutas sob pressão não é especialmente complexo, devido ao facto de, em regra, não ocorrerem nem reacções de oxidação, nem de libertação de gás sulfídrico para o ar. Ou seja, o aumento da concentração de sulfuretos no interior da massa líquida pode ser directamente calculado, a partir da estimativa da taxa de formação de sulfuretos.

No que concerne ao escoamento com superfície livre, as reacções e transformações que intervêm no balanço de sulfuretos na massa líquida são mais complexas. A partir de meados deste século, começaram a ser propostas formulações empíricas qualitativas, de complexidade crescente, preparadas por forma a caracterizar grandezas ou parâmetros, depois relacionados com estados ou condições mais ou menos favoráveis à formação de sulfuretos. Mais tarde, na década de setenta, e devido principalmente ao trabalho profundo e exaustivo levado a cabo por Thistlethwayte, na Austrália, e Pomeroy, nos Estados Unidos da América, conseguiu evoluir-se, embora com sucesso mais ou menos limitado, no sentido da estimativa da concentração de sulfuretos em sistemas de drenagem, a partir do conhecimento de dados de base referentes a características hidráulicas do escoamento (velocidade, raio hidráulico, tempo de percurso) e de qualidade da água residual (CBO5, CQO e concentração de ião sulfato).

Escoamento sob pressão

De entre as expressões de cálculo da concentração de sulfuretos em condutas sob pressão, a mais divulgada é, sem dúvida, a expressão proposta por Pomeroy. Pomeroy 1959 propõe uma expressão de cálculo de formação de sulfuretos, em condutas com escoamento de águas residuais sob pressão, que pode ser apresentada sob a seguinte forma:

d[S]/dt = Kp CBO5 (1,57 + 4/D) 1,07(T-20) (8.8)

sendo,

d[S]/dt - taxa de formação de sulfuretos expressa em termos da variação da concentração na massa líquida (mg/(l.h));

Kp - constante empírica, admitida, em regra, como igual a 0,001 (m/h);

CBO5 - carência bioquímica de oxigénio aos cinco dias e a 20°C (mg/l);

D - diâmetro da conduta (m);

T - temperatura da massa líquida (°C).

A expressão (8.8) é também proposta por Environmental Protection Agency 1985 e American Society of Civil Engineers 1989. Na segunda parcela do segundo membro da expressão apresentada, o inverso do raio hidráulico (4/D) figura a multiplicar o termo correspondente à taxa de formação de sulfuretos no interior do filme biológico

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(g/(m2.h)), com vista a expressar essa taxa em termos da concentração na massa líquida, (sendo as unidades g/(m3.h) ou mg/(l.h)).

A expressão (8.8) foi calibrada com base na análise de resultados experimentais obtidos em quarenta e duas condutas e pressupõe as seguintes condições:

a) condições favoráveis à formação de sulfuretos, nomeadamente em termos de potencial redox, desde a secção inicial da conduta;

b) independência entre a taxa de formação de sulfuretos e a velocidade média do escoamento e a concentração do ião sulfato;

c) proporcionalidade directa entre a CBO5 e a taxa de formação de sulfuretos;

d) desenvolvimento do filme biológico ao longo de todo o perímetro molhado.

Na publicação original, Pomeroy 1959 constata que o valor do parâmetro empírico Kp parece variar significativamente com o tempo de retenção na conduta, sendo progressivamente superior para maiores tempos de retenção. Contudo, a expressão (4.8) tem sido correntemente divulgada admitindo o valor Kp igual a 0,001 m/h. Outros investigadores atribuem a variação desse parâmetro à existência de oxigénio dissolvido na secção inicial das condutas, e ao consequente atraso na formação de sulfuretos.

Escoamento com superfície livre

A primeira expressão empírica formulada com vista a prevenir a formação de sulfuretos em colectores de águas residuais, com escoamento com superfície livre, foi apresentada por POMEROY e BOWLUS 1946. Essa expressão, cuja aplicação é condicionada a alturas relativas do escoamento inferiores ou iguais a 0,5, permite estimar a velocidade crítica do escoamento, abaixo da qual existem condições potenciais para formação de sulfuretos. Essa expressão pode ser apresentada sob a seguinte forma:

Vcs = 0,042 [(CBO5 1,07(T-20))]1/2 (8.9)

sendo Vcs a velocidade crítica do escoamento, ou seja, a velocidade abaixo da qual as condições para formação de sulfuretos são potencialmente favoráveis (m/s). Na expressão (4.14) a CBO5 é dada em mg/l e T é dado em °C.

Davy 1950 postula que, para que a concentração de sulfuretos no interior da massa líquida seja praticamente nula, torna-se necessário que a taxa de oxidação seja pelo menos igual à taxa de formação. A oxidação dos sulfuretos é assegurada pela disponibilidade de oxigénio que depende da turbulência do escoamento, ou seja, do número de Reynolds. Combinando argumentos lógicos com os resultados experimentais obtidos em treze colectores da cidade de Melbourne, na Austrália, aquele autor define uma expressão que relaciona o valor crítico do número de Reynolds, a partir do qual a formação de sulfuretos se torna improvável, com a CBO5 e a largura e secção do escoamento. Essa expressão foi posteriormente modificada, por forma a tornar mais expedita a sua aplicação, e pode ser apresentada sob a seguinte forma:

Zp = (0,305 CBO5 1,07(T-20)) / (Q1/3 J1/2 f) (8.10)

sendo,

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Zp - parâmetro empírico de Pomeroy (-);

Q - caudal (m3/s);

J - perda de carga unitária (m/m).

O parâmetro f pode ser obtido a partir da seguinte expressão:

f = 1,4 b/p (Q/Qsc)0,064 (8.11)

sendo,

b - largura superficial do escoamento (m);

p - perímetro molhado (m);

Qsc - caudal correspondente à secção cheia (m3/s).

Os valores a atribuir às variáveis T, CBO5 e Q devem corresponder a valores médios, respeitantes aos períodos de seis horas de maior afluência ao sistema, nos três meses mais quentes do ano (designados por períodos “adversos”).

O parâmetro Zp relaciona-se com a possível ocorrência de sulfureto de hidrogénio, da seguinte forma:

- para Zp < 5 000 o sulfureto de hidrogénio raramente está presente. Materiais à base de ligas de prata e de cobre e, possivelmente, tintas contendo chumbo podem ser escurecidas;

- para 5 000 < Z ≤ 7 500 as concentrações máximas não excedem algumas décimas de mg/l. É possível a ocorrência de ligeira corrosão em estruturas de betão e alvenaria, especialmente se o escoamento se processar com turbulência significativa;

- para 7 500 < Zp ≤ 10 000 o sulfureto de hidrogénio pode, por vezes, desenvolver-se em quantidade suficiente para causar odores desagradáveis e danos substanciais em estruturas de betão e alvenaria, principalmente se o escoamento se processar com elevada turbulência. É previsível, mesmo em locais onde a turbulência do escoamento não seja significativa, ataque ligeiro do betão e do fibrocimento;

- para 10 000 < Zp ≤ 15 000 podem ocorrer períodos em que os odores desagradáveis se manifestem significativamente, sendo de esperar um rápido ataque das estruturas de betão. Em colectores de betão de 2,5 cm de espessura, pode dizer-se que são fortes as probabilidades de ocorrer ruptura nos primeiros 25 anos de vida;

- para Zp > 15 000 o sulfureto de hidrogénio está praticamente sempre presente na massa líquida, variando o período de vida útil de pequenos colectores e betão entre 5 e 10 anos.

A expressão (8.10) teve grande divulgação no mundo científico, e foi, praticamente até meados da década de oitenta, a única que se aplicou, nesse domínio, em países como Portugal ou Brasil. Esta expressão tem, no entanto, importantes limitações, havendo autores que limitam a sua aplicação a colectores com diâmetros iguais ou inferiores a 600 mm. No entanto, a maior limitação dessa expressão, segundo alguns autores, é não ter em conta o tempo de percurso e os efeitos da septicidade acumulada em trechos a montante, como os que decorrem, em particular, da presença de condutas sob pressão.

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Na Figura 8.4 e na Figura 8.5 apresenta-se, a título ilustrativo, a variação do parâmetro Zp, em função do diâmetro do colector e, respectivamente, da velocidade média do escoamento e da tensão de arrastamento. Para a elaboração dessas figuras foram consideradas as seguintes condições de cálculo:

a) CBO5 igual a 400 mg/l e temperatura de 20°C; b) coeficiente de Manning, N, igual a 0,013 m-1/3s; c) altura relativa do escoamento igual a 0,50.

Figura 8.4 - Variação do parâmetro Zp, em função da velocidade e do diâmetro do colector.

Figura 8.5 - Variação do parâmetro Zp, em função da tensão de arrastamento e do diâmetro do colector.

Em 1977, Pomeroy e Parkhurst apresentaram uma formulação, válida para o escoamento de águas residuais com superfície livre em condições anaeróbias, e que permite estimar a concentração total de sulfuretos na massa líquida. O estabelecimento dessa formulação corresponde a um grande avanço no que se refere à precisão da formação e efeitos do sulfureto de hidrogénio.

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A formulação pode ser sintetizada pelas seguintes expressões:

Sj = Slim - (Slim - Sm) exp (Ct) (8.12)

Slim = M/m CBO5 1,07(T-20) (JV)-0,375 (P/b) (8.13)

Ct = -Lm J0,375 / (3600 dm V0,625) (8.14)

sendo,

Sm, Sj - concentração de sulfuretos totais, respectivamente na secção inicial e final do trecho de cálculo;

Slim - concentração máxima de sulfuretos, para as condições hidráulico-sanitárias no trecho, que só pode ser atingida, teoricamente, se o mesmo tiver uma extensão infinita (mg/l);

M, m - constantes empíricas;

V - velocidade média de escoamento;

P - perímetro molhado (m);

b - largura superficial do escoamento (m);

dm - altura média do escoamento (m);

L - extensão do trecho (m).

Os valores CBO5, T, J e V têm o significado e são apresentados nas unidades já referidas anteriormente neste capítulo.

Para atribuição dos valores às constantes empíricas M e m aqueles autores sugerem, em função das características específicas do sistema a dimensionar, e do grau de segurança pretendido, a adopção de uma das hipóteses a seguir discriminadas:

- hipótese moderadamente conservadora: M = 0,32 x 10-3 m/h,

m = 0,96. - hipótese muito conservadora: M = 0,32 x 10-3 m/h,

m = 0,64.

A formulação proposta tem dado provas de ajustamento adequado à realidade, principalmente quando se admitem os valores menos conservadores para as constantes empíricas M e m, anteriormente referidas. Nesta formulação são admitidas, implicitamente, as seguintes hipóteses:

a) condições favoráveis à formação de sulfuretos, nomeadamente em termos de condições hidráulicas, ambientais e de disponibilidade de enxofre;

b) proporcionalidade directa entre a taxa de formação de sulfuretos e a CBO5;

c) proporcionalidade directa entre as taxas de oxidação e de libertação de sulfureto de hidrogénio da solução, e a concentração de sulfuretos.

Em teoria, a hipótese c) é, possivelmente, a mais criticável. A libertação do sulfureto de hidrogénio (gás sulfídrico) para o ar é função da concentração desse composto em

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solução aquosa, e não da concentração de sulfuretos totais. Isto é, em condições de elevado pH, a concentração de sulfuretos totais pode ser alta e nula a libertação de gás sulfídrico para a atmosfera, ao contrário do ocorrido em meio ácido, onde a libertação do gás sulfídrico pode ser elevada, pelo facto dos sulfuretos dissolvidos se apresentarem quase inteiramente sob a forma de sulfureto de hidrogénio. As consequências práticas desta incorrecção teórica parecem ser reduzidas, em grande parte, devido ao facto da fracção de sulfuretos que escapa para a atmosfera ser, em regra, diminuta, quando comparada com a que é oxidada pelo oxigénio proveniente do rearejamento superficial.

No entanto, em termos práticos, é a primeira hipótese referida que mais condiciona o rigor da aplicação do modelo de cálculo. Esta situação é claramente exemplificada pelo facto de, aplicando o modelo, serem determinadas concentrações positivas de sulfuretos, quaisquer que sejam as características hidráulicas do escoamento, o que, na realidade, não ocorre. Basta, para isso, por exemplo, que as condições de velocidade e turbulência sejam favoráveis à persistência de valores positivos de oxigénio dissolvido na solução.

Quando o escoamento se processa em condições de septicidade, a aplicação das expressões (8.12) a (8.14) fornece valores adequados, tal como ilustram vários estudos experimentais, a maior parte dos quais realizados nos Estados Unidos da América, em sistemas de drenagem de águas residuais de grande dimensão.

8.3.4. Libertação de gás sulfídrico e ventilação

Em atmosferas de sistemas de drenagem constituídos por colectores com escoamento com superfície livre em condições aeróbias, as concentrações dos principais elementos do ar, nomeadamente do azoto e do oxigénio, são, em regra, muito semelhantes às da atmosfera livre exterior. Nessas condições, a concentração de gás sulfídrico e de compostos orgânicos voláteis, como mercaptanos, é nula, e a concentração de dióxido de carbono poderá ser da ordem de 300 p.p.m..

O gás sulfídrico é moderadamente solúvel em água bastante mais, por exemplo, que o dióxido de carbono, o oxigénio ou o azoto, e segue a lei de Henry com razoável ajustamento. Em 1903, William Henry postulou que, a temperatura constante, a massa de gás dissolvida num determinado volume é directamente proporcional, em equilíbrio, à pressão parcial do gás no ar. Essa lei pode ser apresentada sob a seguinte forma:

xg = KHe Pg (8.15)

sendo,

xg - fracção do gás em equilíbrio (-);

KHe - constante de Henry (atm-1);

Pg - pressão parcial do gás no ar (atm).

Num sistema de drenagem de águas residuais, a concentração de equilíbrio de gás sulfídrico no ar só é atingida passadas várias horas, e, ainda assim, apenas se não houver ventilação, fugas de gás para o exterior e reacção com as paredes dos colectores (condensação, oxidação e corrosão). A constante de Henry depende da temperatura, da concentração da substância volátil em solução e, embora em menor grau, da composição química da água. Na Figura 8.6 é apresentada a variação da concentração

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de equilíbrio do gás sulfídrico no ar, em função da temperatura e da concentração desse composto no interior da massa líquida.

Figura 8.6 - Variação da concentração de equilíbrio do gás sulfídrico no ar, em função da temperatura e da concentração em solução (adaptada de ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 1985).

Libertação de gás sulfídrico para o ar

A libertação do gás sulfídrico para a atmosfera dos sistemas de drenagem depende do grau de septicidade da massa líquida, das condições de temperatura e de turbulência do escoamento, da composição da água residual e da própria concentração de gás sulfídrico na atmosfera dos colectores. No caso do teor de gás sulfídrico na atmosfera atingir a concentração de equilíbrio, a massa de gás sulfídrico libertada da massa líquida torna-se, obviamente, nula.

Por outro lado, a velocidade à qual o gás sulfídrico se escapa da solução, para dadas condições ambientais, é proporcional à concentração de sulfureto de hidrogénio no interior da massa líquida. Assim, a pH = 7,0, o gás sulfídrico escapará a aproximadamente metade da velocidade correspondente à libertação do mesmo gás numa solução fortemente ácida, com idêntica concentração de sulfuretos dissolvidos. Quando parte do gás sulfídrico se escapa para o ar, os sulfuretos dissolvidos na massa líquida repartem-se e equilibram-se, quase instantaneamente, na proporção decorrente das condições de temperatura e pH.

Em regra, a concentração de gás sulfídrico é muito inferior à concentração de equilíbrio, ascendendo, usualmente, apenas a valores entre 2 e 20%. Em zonas de queda, sujeitas a uma turbulência acrescida, a libertação de gás sulfídrico para a atmosfera pode ser bastante superior à verificada em trechos rectilíneos. Nessas condições, podem ocorrer concentrações especialmente elevadas de gás sulfídrico, em trechos localizados, possivelmente com uma extensão inferior a dez a vinte diâmetros. Nesses trechos localizados a concentração de gás sulfídrico poderá elevar-se, em certas circunstâncias, a mais de 20% da concentração de equilíbrio.

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Em Environmental Protection Agency 1985 é apresentada uma expressão, proposta por Pomeroy, que permite estimar a taxa de libertação do gás sulfídrico da massa líquida para a atmosfera de colectores. Esta expressão pode ser apresentada da seguinte forma:

Fi = 1,917 x 10-4 CA θ(T-20) (JV)(3/8) H2SL (1-q) (8.16) sendo,

Fi - taxa de libertação do gás sulfídrico (g/(m2.s)); CA - factor de turbulência, dado por (1+0,17 V2/(gdm)) (-); θ - parâmetro representativo do efeito da temperatura e que pode

ser considerado igual a 1,016; T - temperatura da massa líquida (°C); J - perda de carga unitária (m/m); V - velocidade média do escoamento (m/s); H2SL - concentração de sulfureto de hidrogénio na massa líquida

(mg/l); q - razão entre a concentração de gás sulfídrico no ar e a

concentração de equilíbrio (ch/ceq); g - aceleração da gravidade (m/s2); dm - altura média do escoamento (m).

Para aplicar a expressão (8.16) torna-se necessário conhecer o parâmetro “q” e, por isso, a concentração de equilíbrio, a qual pode ser determinada a partir da lei de Henry. A taxa de libertação do gás sulfídrico para o ar (g/(m2.s)) pode ser expressa em termos de taxa de variação de concentração de sulfuretos dissolvidos em solução (mg/(l.h)) tendo em conta a largura superficial e a secção do escoamento. Na Figura 8.7 é apresentada a variação da taxa de libertação de gás sulfídrico, expressa em termos de variação da concentração na massa líquida, em colectores de águas residuais com escoamento a meia secção. Para os cálculos foi admitida uma concentração de 1 mg/l de sulfureto de hidrogénio em solução, um coeficiente de Manning igual a 0,013 m-1/3s, e a aplicação da expressão (8.16).

Figura 8.7 - Libertação do gás sulfídrico em águas residuais sépticas em função do declive do colector

(h/D = 0,50; N = 0,013 m-1/3s; H2SL = 1 mg/l) (adaptada de Matos 1992).

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Ventilação em sistemas de drenagem

A ventilação em sistemas de drenagem de águas residuais deve ser promovida tendo em conta a manutenção de atmosferas respiráveis nas câmaras de visita e nos colectores e a redução dos riscos de desenvolvimento de atmosferas tóxicas ou explosivas. Por vezes, recorre-se a ventilação forçada, em trechos limitados, para controlo de odores por diluição, para controlo da corrosão por redução da humidade relativa do ar, ou, simplesmente, para se restabelecerem níveis de concentração de oxigénio adequados e diluir a concentração de substâncias tóxicas ou explosivas.

Em diversos países, como nos Estados Unidos da América, e em várias cidades de Portugal, a ventilação dos sistemas de drenagem municipais é garantida pela ligação aos ramais de ventilação domiciliários. Noutros países, como no Reino Unido e na Austrália, são concebidos, com frequência, sistemas de ventilação específicos ligados aos colectores municipais e a ventilação ocorre por trechos separados por membranas flexíveis, que impedem a continuidade da corrente de ar ao longo dos colectores e a dirige para os postes de ventilação. Por vezes são previstas, também, ranhuras de ventilação nas tampas das câmaras de visita.

O grau de ventilação natural que ocorre em colectores é difícil de prever, tendo em conta, nomeadamente, a contínua variação dos diversos parâmetros que o influenciam. Por vezes, as flutuações dos valores desses parâmetros (caso da temperatura, velocidade do vento e velocidade e altura do escoamento), mesmo em curtos intervalos de tempo, é suficiente para alterar não só a velocidade da corrente de ar no interior dos colectores, como a própria direcção do movimento.

Em dias ventosos, a variação da pressão barométrica é mais significativa, e as correntes do ar nos colectores são mais notadas. Pelo contrário, em dias calmos, o ar é movimentado devido, quase exclusivamente, à acção de arraste provocada pela massa líquida e devido às flutuações do nível de água.

Em determinadas condições, pode ocorrer tendência a uma inversão do sentido do escoamento do ar, ou seja, pode verificar-se um movimento global ascendente do ar, no sentido contrário ao do escoamento do líquido. Essa tendência pode tomar proporções mais significativas, em sistemas de drenagem implantados com grandes desníveis, e em que, simultaneamente, as alturas e velocidades médias do escoamento sejam reduzidas.

8.3.5. Oxidação sobre as paredes dos colectores

O gás sulfídrico da atmosfera dos colectores acaba por dissolver-se na humidade condensada sobre as paredes, desde que as condições de humidade sejam favoráveis, originando sulfureto de hidrogénio em solução. A transferência do gás para as paredes dá-se por penetração e difusão molecular, através da película laminar gasosa que envolve a fronteira sólida do escoamento do ar. Em condições usuais do escoamento, a espessura da película laminar pode ser de alguns milímetros e oferece uma maior ou menor resistência à transferência de massa. Além do gás sulfídrico, outros gases, como o dióxido de carbono ou o oxigénio, também penetram através da película laminar, enquanto ocorrem reacções de carbonatação do betão e de oxidação do sulfureto de hidrogénio a tiossulfato e a ácido sulfúrico.

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Sobre a superfície dos colectores novos de betão, a humidade condensada apresenta-se muito alcalina, com valores de pH entre 11 e 13. O humedecimento do betão e fenómenos subsequentes de carbonatação e de fixação do sulfureto de hidrogénio, acabam por fazer baixar o pH a valores entre 7 e 8. Enquanto prosseguem as transformações puramente químicas, começa a ter lugar a proliferação de microrganismos capazes de oxidar lentamente o tiossulfato, sem consequências significativas no pH global. Para pH inferior a 9, existem bactérias que proliferam e oxidam o tiossulfato a enxofre elementar e a ácido sulfúrico. Essas reacções bioquímicas prosseguem até se atingirem valores de pH da ordem de 5. Nessas condições, desenvolve-se a espécie Thiobacillus concretivorus, que origina elevadas concentrações de ácido sulfúrico, e o pH pode descer abaixo de 1.

O encadeamento dos processos conducentes à redução do pH da superfície do betão é apresentado, esquematicamente, na Figura 8.8.

Figura 8.8 - Representação esquemática do encadeamento dos processos conducentes à redução do pH da

superfície de betão.

8.4. Efeitos do gás sulfídrico

8.4.1. Considerações introdutórias

Os efeitos principais do gás sulfídrico são, sem dúvida, o odor, a toxicidade e a corrosão.

Em sistemas de águas residuais, o odor e toxicidade manifestam-se, sobretudo, em volumes confinados com reduzida ventilação, como os que são usuais em câmaras de visita, poços de bombagem de instalações elevatórias, câmaras repartidoras de caudal e obras de entrada de estações de tratamento. A corrosão manifesta-se, sobretudo, ao nível dos próprios colectores e câmaras de visita.

Várias definições têm sido dadas para a concentração ou limite absoluto de percepção de gases odoríferos (em terminologia anglo-saxónica absolut threshold concentration),

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sendo vulgar aquela a que corresponde a concentração mínima do gás odorífero, detectada por 50% dos indivíduos consultados num painel de odor. O valor limite de concentração (em terminologia anglo-saxónica threshold limit value - TLV) corresponde a concentração média máxima à qual trabalhadores podem ser expostos, sem perigo de consequências gravosas, oito horas por dia, cinco vezes por semana e cinquenta semanas por ano.

Em atmosferas de sistemas de drenagem, compostas por vários compostos odoríferos, o odor global é, em regra, bastante superior ao correspondente à concentração de cada gás considerado isoladamente. Nesse caso, é usual recorrer-se ao conceito de unidade de odor. A unidade de odor (ou unidade padrão de odor) é a quantidade de ar viciado que, quando diluído na unidade de volume de ar isento de gases odoríferos, atinge o limite de percepção.

Quando, no interior dos sistemas de drenagem, a concentração de gás sulfídrico atinge valores muito altos, podem ocorrer acidentes que, em alguns casos, podem conduzir à morte.

A longo prazo, o efeito mais relevante do gás sulfídrico é a corrosão. Esse gás ataca directamente elementos metálicos e, indirectamente, após dar origem à formação de ácido sulfídrico, diversos materiais, entre os quais se realçam o betão, o fibrocimento e o ferro fundido.

8.4.2. Odor

No Quadro 8.2 são referenciados níveis de odor, em função da concentração de gás sulfídrico. A percepção do odor varia de indivíduo para indivíduo, e o mesmo indivíduo pode reagir de forma diversa, em função da condição física e psicológica, ou do tempo de exposição. Acima de 160 a 250 p.p.m., é perdida a percepção do odor e os efeitos de toxicidade passam a ser, então, ainda mais graves.

Diversos autores referenciam o valor 1 p.p.m., como limite de reconhecimento do gás sulfídrico a 100%.

QUADRO 8.2 - Impacte de odor associado ao gás sulfídrico Concentração de gás sulfídrico (p.p.m.)

Odor

< 0,00021 Limite de percepção. 0,00047 Limite de reconhecimento. 0,5 a 30 Odor forte e ofensivo. 10 a 50 Odor forte. Efeitos tóxicos.

Em sistemas de águas residuais, os efeitos do odor são, em regra, notados localmente, nas proximidades de estações de tratamento ou de postes de ventilação colocados junto de instalações elevatórias e das câmaras de montante de sifões invertidos. O transporte e dispersão do odor depende de vários factores, entre os quais assumem relevância os seguintes:

a) posicionamento do centro emissor; b) velocidade e direcção do vento; c) estrutura turbulenta da atmosfera.

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As concentrações mais desfavoráveis são as que se associam a baixas velocidades do vento e elevada estabilidade da camada inferior da estratosfera (com gradiente térmico positivo e ocorrência de inversão térmica).

Os modelos de cálculo de diluição e dispersão, nos campos próximo e afastado do local de emissão, podem ser muito complexos, especialmente se estruturadas para ter em conta os efeitos aerodinâmicos provocados por topografia e acidentes sobre o solo, e a sua discussão e análise não é tratada no âmbito destas folhas.

O controlo de odores pode levar à necessidade de confinamento das áreas onde são libertados, nomeadamente obras de entrada, decantadores primários e espessadores de estações de tratamento, e ao tratamento do ar colectado, antes da rejeição final. Em Portugal, podem ser referenciados os casos das instalações elevatórias da Barcarena (Oeiras) e do Gorgulho (Funchal), em que o ar é tratado por filtros de carvão activado, e as galerias da estação de tratamento preliminar do sistema de drenagem de águas residuais da Costa do Estoril, em que o ar “viciado” é diluído e oxidado em torres de ozono (oxidação húmida).

8.4.3. Toxicidade

O espectro de toxicidade do gás sulfídrico, para exposição humana, é apresentado no Quadro 8.3.

QUADRO 8.3 - Espectro de toxicidade do gás sulfídrico Concentração de gás sulfídrico (p.p.m.)

Efeito

< 30 Odor mais ou menos ofensivo, desde que a concentração seja superior a 0,00021 p.p.m..

10 a 50 Dores de cabeça, náuseas e irritação da vista, nariz e garganta 50 a 300 Lesão da vista e aparelho respiratório.

300 a 500 Ameaça mortal (edema pulmonar). > 700 Morte imediata.

O gás sulfídrico é tóxico e tem sido causa de vários acidentes mortais. É mais denso que o ar, ao contrário do metano, e, por isso, concentra-se muitas vezes nos volumes inferiores das câmaras de visita dos sistemas de drenagem. Pode, no entanto, devido a correntes de convexão e a diferenças de temperatura entre o ar e o gás sulfídrico libertado, suceder precisamente o contrário. Na câmara de parafusos da obra de entrada da estação de tratamento de águas residuais de Alcanena, foi medido, no Outono de 1989, junto à superfície do líquido, teores de 50 p.p.m., bastante inferiores aos medidos, na mesma altura, junto à cobertura da câmara (entre 80 e 100 p.p.m.). A toxicidade do gás sulfídrico tem sido comparada à do ácido cianídrico e têm sido referenciados casos de acidentes mortais, por exposição humana a concentrações superiores a 300 p.p.m.. Nos Estados Unidos da América, Pomeroy e Bowlus 1946 referenciam dois casos, ocorridos na mesma altura e no mesmo local, enquanto Keating 1978 referencia que, apenas no estado do Texas e entre 1974 e 1978, ocorreram vinte e quatro mortes atribuídas a inalação do gás sulfídrico.

Para exposição em atmosfera confinadas, instituições americanas, como a Occupational Safety and Health Administration (OSHA), o National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH) e a American Conference on Governamental Industrial Hygienists

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(ACGIH) advogam critérios distintos. A primeira admite exposição de duração de quinze minutos, em ambientes com teores médios de gás sulfídrico até 20 p.p.m. (considerando, também, como aceitáveis, exposições a concentrações médias de gás sulfídrico de 50 p.p.m., durante dez minutos.). O NIOSH adopta valores distintos para a duração da exposição (apenas dez minutos), e para a concentração média (10 p.p.m.), admitindo, no entanto, concentrações máximas instantâneas de 50 p.p.m.. A ACGIH admite 10 p.p.m., como máximo valor médio para a duração de um turno de trabalho, e 15 p.p.m., como máximo valor médio para inalação em quinze minutos (AMERICAN SOCIETY OF CIVIL ENGINEERS 1989).

8.4.4. Corrosão

A corrosão é um fenómeno natural, que consiste na deterioração de um material ou na alteração das suas propriedades, por acção do meio a que está exposto. A deterioração pode ocorrer por razões físicas, químicas, electroquímicas e bioquímicas, e pode ser de vários tipos, incluindo a corrosão selectiva, bimetálica, sob tensão, fadiga, erosão-cavitação, e devido a acção microbiana. No âmbito destas folhas é analisada a corrosão provocada pela presença de gás sulfídrico, e que é de origem microbiana.

Processo de corrosão

No caso do betão armado, as características do meio produzido pela hidratação do cimento, em particular a sua elevada toxicidade (pH > 11), fazem com que o aço se encontre no estado de passivação. Tal estado, em que a corrosão é pouco provável, considera-se resultante da formação de uma camada muito fina de óxido, directamente decorrente de uma reacção electroquímica anódica, camada essa que protege o aço de corrosão ulterior. O estado de passivação pode ser destruído por abaixamento do pH, presença de iões agressivos, particularmente de cloretos, e outros factores, como tensões aplicadas.

O abaixamento do pH pode decorrer da penetração de compostos ácidos, como o dióxido de carbono (CO2) ou o gás sulfídrico (H2S). Quando se trata de betão pré-esforçado, a acção do gás sulfídrico pode ter importância directa, devido à sua intervenção no processo de fragilização pelo hidrogénio, o qual ocorre quando se forma hidrogénio, sob a forma atómica, à superfície do metal, e nele penetra provocando uma redução da tenacidade.

Na carbonatação, o dióxido de carbono reage com o hidróxido de cálcio, originando carbonato de cálcio que é mais insolúvel que aquele. A profundidade da carbonatação, em betão de boa qualidade, não atinge, em regra, mais do que 4 ou 5 milímetros. Em betões porosos, a profundidade de carbonatação pode ser muito mais elevada. Todos os ácidos atacam o betão, nomeadamente o ácido sulfúrico, não se verificando corrosão se o betão estiver absolutamente seco ou completamente saturado.

Em regra, a corrosão inicia-se pontualmente e depois espalha-se, de forma concêntrica, ocupando áreas circulares progressivamente maiores, que se fundem formando bandas contínuas. Com o tempo, a camada superficial de betão transforma-se numa massa amorfa sem resistência efectiva. A película exterior, negro-acinzentada devido à incorporação de impurezas de origem orgânica, tem o aspecto de uma crosta. Sobre essa crosta existe como que uma pasta, efeito directo da corrosão, em regra muito ácida. Sob este estrato superficial o betão permanece, em regra, inalterado.

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A corrosão da superfície interna de um colector não é uniforme, dependendo tal facto de numerosos factores, que incluem migração do ácido sulfúrico através da superfície, correntes de ar e eventual exposição à acção da água. As paredes do colector estão, em regra, mais frias que as águas residuais, principalmente durante o período estival. O ar arrefecido pelo contacto com a superfície sólida eleva-se, sendo substituído por ar levemente mais aquecido, e que se evapora do centro da massa líquida. Como resultado, a máxima intensidade de transferência de gás sulfídrico para as paredes do colector pode ocorrer junto da coroa do mesmo. O ácido que resulta da oxidação do sulfureto de hidrogénio tem tendência, depois, a deslizar, sob a acção gravítica, ao longo da superfície interna do colector, chegando mesmo a incorporar-se na massa líquida. Estes efeitos são visíveis pelos sulcos irregulares deixados ao longo da superfície não molhada das paredes dos colectores.

A corrosão na zona adjacente à massa líquida é, também, em regra, bastante pronunciada, devendo-se tal circunstância ao processo de lavagem descontínuo induzido pelas flutuações do nível da água. Nessa situação, removem-se os produtos da decomposição originados pela corrosão, voltando a expor-se ao ácido as superfícies ainda não atacadas.

Na Figura 8.9 apresenta-se, esquematicamente, a secção transversal de um colector de águas residuais, elucidando-se a distribuição da profundidade da corrosão ao longo do perímetro não molhado do mesmo.

Figura 8.9 - Distribuição da corrosão num colector de águas residuais.

Modelo de cálculo

A aglutinação dos componentes inertes com que se fabrica o betão, brita e areia, deve-se à presa e endurecimento resultantes da hidratação dos constituintes do cimento, silicatos e aluminatos anidridos. A hidratação dá-se com formação de hidróxido de cálcio, que é a matriz do cimento hidráulico, e, nomeadamente, hidróxido de cálcio, a componente vulnerável do betão.

Com efeito, os componentes sólidos hidratados do cimento endurecido só são estáveis na presença de soluções saturadas de hidróxido de cálcio (vulgarmente designada cal), e qualquer causa, como a presença de ácidos, que elimine esse composto, provoca a

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decomposição daqueles, formando também sílica, no caso dos silicatos de cálcio, e alumina, no caso dos aluminatos de cálcio, que não têm propriedades ligantes.

A taxa média de corrosão em colectores de betão (ou fibrocimento) pode ser deduzida teoricamente. O seu valor depende, designadamente, da velocidade de formação do ácido sulfúrico e da reserva alcalina do material (tipo e teor de cimento, e natureza dos inertes).

Sabe-se que são necessários 32 gramas de enxofre para formar o ácido sulfúrico suficiente para reagir completamente com 100 gramas de material alcalino, expresso em carbonato de cálcio (CaCO3). De acordo com essa premissa, é possível deduzir a seguinte expressão de cálculo:

CR = 11,5 Ka Fi1 /Al (8.17)

sendo,

CR - taxa média de corrosão do betão (ou fibrocimento) (mm/ano);

Ka - parâmetro empírico, que traduz a fracção do ácido formado que

reage com as paredes do colector (-);

Fi1 - fluxo de gás sulfídrico para as paredes do colector (g/(m2.h));

Al - alcalinidade do material, expressa em percentagem de carbonato de

cálcio (-).

O fluxo de gás sulfídrico para as paredes do colector pode ser estimado a partir da expressão (8.16), que permite calcular a taxa de libertação do gás sulfídrico da massa líquida, multiplicando essa taxa pelo quociente entre a largura superficial do escoamento e o perímetro não molhado do colector. A expressão de cálculo é a seguinte:

Fi1 = Fi (b/p1) (8.18)

sendo,

Fi - taxa de libertação de gás sulfídrico do interior da massa líquida, e

que pode ser dada pela expressão empírica (4.16), adaptando as

unidades a (g/(m2/h));

(b/p1) - quociente entre a largura superficial do escoamento e o perímetro

não molhado do colector (-).

O parâmetro Ka aproxima-se da unidade se for lenta a taxa de formação de ácido sulfúrico, e toma valores entre 0,3 e 0,4, se as condições forem favoráveis e a formação for rápida (por exemplo, no caso de elevadas temperaturas das águas residuais em relação à temperatura ambiente). Em colectores onde a formação do ácido seja lenta, dá-se a neutralização à superfície do colector, e é praticamente nula a fracção que desliza para o interior da massa líquida.

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O valor do parâmetro Al pode tomar valores entre 0,18 e 0,23, no caso de betão construído com inertes graníticos, ou ascender a 0,9, no caso daqueles inertes serem calcários (visto dispor-se de maior reserva alcalina). No caso do fibrocimento, é comum serem admitidos, para dimensionamento, valores entre 0,4 e 0,5.

A corrosão das paredes dos colectores não se processa de forma uniforme. Em trechos rectilíneos, sem quedas e turbulência significativa, a razão entre as corrosões máxima e média pode ser, aproximadamente, de um e meio. Em trechos especiais, junto de locais onde a turbulência é significativa (como em quedas, junções de colectores e transições de secção bem dimensionadas), a corrosão máxima pode ser duas a cinco vezes superior à corrosão média, estimada em condições de regime uniforme em trecho rectilíneo.

A expressão (8.17) permite estimar a corrosão média que se verifica num determinado intervalo de tempo, e pode ser adaptada, por forma a se tornar mais prática para efeitos de dimensionamento. Admitindo um factor de segurança de dois e especificando o intervalo de tempo, t, correspondente à acção da corrosão (que é, em regra, considerado igual ao horizonte de projecto da obra) é possível deduzir as seguintes expressões:

t = Ec/(2 CR) = Al Ec/(23 Ka Fi1) (8.19)

Al Ec = 23 Ka Fi1 t (8.20)

sendo,

t - período de exploração do colector de betão ou fibrocimento (anos);

Ec - espessura máxima de colector, ou espessura crítica, que se admite poder vir a ser deteriorada, sem colapso da infra-estrutura (mm).

Nas expressões (8.19) e (8.20), os símbolos Al, Ka, Fi1 e CR têm o significado e são expressos nas unidades já previamente definidas.

8.4.5. Critérios de projecto

Existem, fundamentalmente, dois princípios no que respeita ao controlo de sulfureto de hidrogénio em sistemas de drenagem de águas residuais, e que, por vezes, se complementam.

O primeiro é essencialmente preventivo, e traduz a preocupação em limitar a concentração de sulfureto de hidrogénio no interior da massa líquida, a valores baixos, por forma a que a presença de gás sulfídrico na atmosfera circundante não tenha efeitos significativos, e não obrigue à aplicação de medidas e procedimentos correctivos. Na prática, o estabelecimento desse princípio condiciona, de certa forma, a concepção do sistema. São privilegiados emissários gravíticos implantados com bons declives, não são admitidas condutas sob pressão de elevada extensão, e é limitada a extensão do emissário principal, criando, para isso, se necessário, vários sub-sistemas.

O segundo princípio é essencialmente correctivo, e condiciona a concepção e dimensionamento do sistema, tendo em conta o facto de se poderem vir a atingir concentrações elevadas de gás sulfídrico. São previstos equipamentos de desodorização, antes da rejeição do ar viciado para o ambiente exterior, é protegida especialmente a

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superfície exposta à acção da corrosão, e são redobrados os cuidados com a inspecção, a limpeza e a exploração dos sistemas.

No caso de grandes sistemas, é muito usual a aplicação complementar dos dois princípios definidos. Isto é, dimensionam-se as redes de drenagem e os emissários secundários, por forma ao escoamento se processar sem problemas especiais, do ponto de vista de comportamento sanitário, e concebe-se o interceptor ou emissário principal final prevendo a possibilidade de septicidade.

Thistlethwayte 1972 admite que em sistemas com concentrações médias de sulfuretos inferiores a 1,5 mg/l, referidas ao período adverso (ou seja, ao período correspondente às seis horas de maior caudal dos três meses mais quentes do ano) não ocorrem, em regra, problemas especiais devidos ao gás sulfídrico. É de admitir que este critério possa ser adequado do ponto de vista de corrosão. Em termos de odores, àquelas concentrações poderão corresponder, em determinadas condições, impactes ambientais mais ou menos significativos. Para averiguar quantitativamente os efeitos da corrosão, deve ser aplicada a expressão (8.17), admitindo as condições do escoamento correspondentes a concentrações médias anuais de sulfuretos.

No que respeita à qualidade do ar na atmosfera dos colectores existem dois procedimentos muito comuns:

a) conceber e dimensionar os equipamentos de desodorização, ou de controlo de septicidade da massa líquida, após o sistema estar construído e em exploração, e poder quantificar-se, no campo, os parâmetros de projecto. Este procedimento tem inconvenientes óbvios, do ponto de vista de reacção pública da comunidade afectada durante o período inicial de exploração, em que os efeitos, nomeadamente de odor, se fazem sentir, mas é, sem dúvida, o procedimento mais comum;

b) conceber e especificar os órgãos e equipamentos de desodorização, do lado da segurança, admitindo que a concentração de gás sulfídrico na atmosfera é, na condição do sistema, a máxima potencialmente possível, isto é, admitindo que aquela concentração iguala a concentração de equilíbrio, dada pela lei de Henry, em função da concentração de sulfureto de hidrogénio em solução previamente calculada. Nesse caso, a ordem de grandeza dos erros de sobredimensionamento variam, muitas vezes e em relação aos valores reais, entre cinco e vinte vezes.

8.5. Regras e procedimentos de controlo dos efeitos do gás sulfídrico

8.5.1. Considerações introdutórias

Nos sistemas de drenagem de águas residuais podem ocorrer outros compostos, para além do sulfureto de hidrogénio, tais como alguns mercaptanos, susceptíveis de provocarem odor desagradável. No entanto, o consenso geral é de que a presença desses compostos se relaciona com a dos sulfuretos, de tal modo que as medidas preventivas e correctivas conducentes a controlar a formação e efeitos do sulfureto de hidrogénio também inibem a produção e efeitos de outros compostos odoríferos.

Tem pois sentido, segundo tal perspectiva, controlar a libertação de odor e a corrosão em sistemas de drenagem de água residual, limitando a valores admissíveis a concentração de sulfuretos na água residual.

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A criação de atmosferas tóxicas, a libertação de odor indesejável e a ocorrência de corrosão em sistemas de drenagem de água residual podem ser minimizadas, atenuadas ou mesmo completamente anuladas, implementando os seguintes procedimentos:

1) cumprimento de regras específicas da manutenção e exploração dos sistemas de drenagem, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento de instalações elevatórias, e à limpeza periódica das condutas sob pressão e dos colectores gravíticos com escoamento com superfície livre;

2) tratamento químico da água residual escoada em condições de septicidade;

3) alterações estruturais, mais ou menos significativas, na concepção e funcionamento dos sistemas, incluindo, nomeadamente, redução da extensão das condutas sob pressão e do número de instalações elevatórias ou sifões invertidos, remodelação de colectores gravíticos de modo a terem maiores declives, utilização de tubagens protegidas da corrosão, construção de postos de ventilação, etc..

Nas secções 8.5.2 e 8.5.3 dá-se especial ênfase aos aspectos constantes dos pontos 1) e 2) acabados de referir.

As situações críticas dos sistemas de drenagem, no que respeita ao comportamento hidráulico-sanitário, são, em regra, motivadas por:

- colectores com atmosfera mal ventilada, como a que se pode desenvolver a montante de sifões invertidos, instalações elevatórias ou secções das redes de drenagem onde as obstruções sejam mais frequentes;

- caixas de visita (e colectores vizinhos), onde sejam rejeitados efluentes industriais com elevadas temperaturas;

- caixas de visita (e colectores vizinhos), onde aflua águas residual transportada sob pressão;

- colectores onde o escoamento se processe com elevada turbulência, devido à ocorrência de quedas bruscas ou de mudanças súbitas de direcção da corrente líquida;

- poços de bombagem, câmaras repartidoras de caudal, descarregadores ou outros espaços cobertos, porventura mal ventilados, em contacto com a massa líquida.

8.5.2. Regras de exploração de natureza mecânica

Embora constitua matéria própria de exploração de sistemas, considera-se pertinente incluir aqui algumas considerações relativas à exploração das redes de drenagem, a ter em mente na fase de projecto.

Existe uma série de acções e medidas, de carácter preventivo e de fácil implementação prática, que permitem atenuar, pelo menos em parte, os efeitos da formação de sulfuretos em sistemas de drenagem de água residual. Nestas acções e medidas consideram-se incluídas operações de limpeza e lavagem, de natureza essencialmente mecânica, que podem ser levadas a cabo por dispositivos especiais, concebidos para o

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efeito, e que são posicionados tangencialmente ao longo da superfície interna dos colectores, por ordem a promoverem a sua limpeza. Efeito semelhante pode ser conseguido, através da descarga de caudais adequados pelos colectores, nomeadamente nos casos de redes de drenagem com baixos declives. As velocidades de escoamento assim produzidas devem garantir auto-limpeza, promovendo não só o arrastamento de areias e partículas diversas depositadas na meia cana inferior dos colectores, mas também o desprendimento, pelo menos parcial, da porção activa do filme biológico desenvolvido nas respectivas paredes.

Além de se reduzirem as fontes de formação de sulfuretos, devido ao aumento da velocidade do escoamento e da turbulência, incrementam-se as trocas de oxigénio na interface ar-massa líquida, com benefícios óbvios.

A limpeza deve ser regular e preventiva, isto é, deve ser efectuada ciclicamente, de modo a evitarem-se entupimentos e obstruções totais ou parciais das secções de escoamento.

Na Figura 8.10 apresentam-se os efeitos da operação de limpeza de um colector, na evolução da concentração total de sulfuretos na água residual escoada.

Figura 8.10 - Efeito de uma operação de limpeza, num colector de água residual, na concentração total de sulfuretos (adaptada de Thistlethayte 1972).

A prática, de certo modo bastante utilizada em Portugal, de, em certas condições, implantar câmaras de corrente de varrer em redes de drenagem, em especial nos trechos de cabeceira, não conduz, em regra, aos efeitos de desejados. Este facto está, não raras vezes, associado à falta de cuidados especiais de conservação e manutenção de equipamentos, muitas vezes automáticos.

No que respeita ao comportamento dos poços de bombagem das instalações elevatórias, é corrente verificarem-se decréscimos progressivos da concentração de oxigénio dissolvido, à medida que o tempo de retenção hidráulica da massa líquida aumenta. É

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corrente verificarem-se decréscimos de 1 mg/(l.h) (1 miligrama de O2 por litro de água residual e por hora de retenção no poço de bombagem). Devido a esta circunstância, torna-se, em regra, especialmente recomendável, segundo esse ponto de vista, diminuir o volume útil dos poços de bombagem, o que deve estar presente na concepção dos equipamentos e na definição dos regimes de funcionamento dos grupos elevatórios.

8.5.3. Procedimentos de natureza química

O controlo da formação e dos efeitos do sulfureto de hidrogénio, em redes de drenagem de água residual, pode ser conseguido recorrendo a certos procedimentos, entre os quais se incluem os seguintes:

- injecção ou adição de ar, oxigénio puro e certos agentes químicos (como cloro, permanganato de potássio e peróxido de hidrogénio) à massa líquida; estes compostos actuam, por um lado, oxidando os sulfuretos dissolvidos e, por outro, inibindo a actividade das bactérias anaeróbias redutoras do ião sulfato;

- adição de nitratos (como o de sódio) à massa líquida; os nitratos, na ausência de oxigénio livre, oxidam os sulfuretos dissolvidos mas não inibem a actividade das bactérias redutoras do ião sulfato;

- adição de determinados tipos de reagentes metálicos, como compostos de cobre, de zinco e de ferro, que entram em reacção com os sulfuretos, originando compostos insolúveis em água, que precipitam;

- adição de bases fortes, que actuam elevando o pH da massa líquida, induzindo, assim, a presença de sulfuretos dissolvidos, apenas sob a forma de ião sulfureto (S2-) e de ião hidrogenosulfureto (HS-); por outro lado, a adição de bases pode inibir a actividade das bactérias anaeróbias redutoras do ião sulfato.

Injecção de ar

A injecção de ar (a concentração de oxigénio no ar, à temperatura de 20°C e à pressão atmosférica normal, é de aproximadamente 20,9%, em volume) na água residual que se escoe em condições de septicidade, origina oxidação dos sulfuretos dissolvidos. Se fornecido em quantidade suficiente, evita a formação de sulfuretos a jusante. Entre os vários métodos de arejamento, incluem-se os seguintes:

- injecção directa de ar comprimido nas condutas de compressão;

- recurso a dispositivos de Venturi, que actuam originando depressões que provocam a entrada de ar e o seu emulsionamento na massa líquida;

- recurso à dissolução do ar em tubagem em U, concebidas por forma a funcionarem como sifão invertido em condições de pressão e turbulência favoráveis à dissolução do oxigénio gasoso.

A injecção directa de ar comprimido, recorrendo a dois ou mais compressores, constitui, possivelmente, o método mais comum de injecção de ar em condutas de compressão. Os volumes de ar requeridos dependem das taxas de consumo de oxigénio no interior da massa líquida, do tempo de retenção hidráulica, da temperatura, da pressão na secção de injecção, do perfil longitudinal da conduta e dos graus de controlo e segurança

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pretendidos. Uma regra prática simples sugere, para controlo dos sulfuretos, a injecção de volumes de ar de 0,75 a 2,25 m3 por m3 de água residual.

Em regra, o dimensionamento de sistema de injecção de ar deve ser precedido de programas de amostragem, tendo em vista definir os valores e a variabilidade temporal das taxas de consumo de oxigénio livre no interior da massa líquida e do filme biológico que reveste as paredes das condutas.

A injecção de ar na massa líquida, para ser eficiente, deve efectuar-se em condições de pressão e de turbulência favoráveis. É corrente considerarem-se essas condições satisfeitas quando a pressão hidráulica é superior a 0,15 Mpa e a velocidade média do escoamento excede 0,6 m/s.

São citados alguns casos concretos, na literatura técnica da especialidade, de libertação de ar em válvulas colocadas nos sistemas elevatórios, que ascende a 30% dos volumes injectados.

Injecção de oxigénio puro

A injecção de oxigénio puro em condutas de compressão ou em colectores com escoamento com superfície livre, como meio de controlar a presença de sulfuretos na massa líquida, tem sido amplamente utilizada, nomeadamente na Grã-Bretanha, Austrália, Estados Unidos da América e Brasil.

Segundo Environmental Protection Agency 1985 existem em funcionamento, só na Grã-Bretanha e Austrália, mais de uma centena de instalações de injecção de oxigénio em sistemas de drenagem de água residual.

O recurso à injecção de oxigénio puro tem, em relação à injecção de ar, as seguintes vantagens:

- dispensa de compressores de ar;

- maior eficiência dos grupos electrobomba, que se traduz por economia, por vezes significativa, nos encargos de energia de bombagem;

- garantia de maior solubilidade; para as mesmas condições de pressão e temperatura, o oxigénio é cerca de cinco vezes mais solúvel na água do que o ar;

- menor necessidade de caudal a injectar, o que traduz, nomeadamente, em redução das taxas de formação de bolsas de gás, que não chegam a dissolver-se;

- maior eficiência do processo de “tratamento”, criando condições para a presença de oxigénio dissolvido residual, após a oxidação total dos sulfuretos dissolvidos inicialmente presentes.

A fim de serem garantidas boas condições de dissolução na massa líquida, a injecção de oxigénio é efectuada, em regra, recorrendo a difusores constituídos por material flexível microperfurado, por onde sai o gás para o fluído em movimento. O oxigénio é armazenado, sob a forma líquida, num tanque protegido, em regra cilíndrico, no interior

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do qual a pressão é suficiente para garantir a sua injecção nos locais pretendidos, sem encargo adicional de energia.

A oxidação dos sulfuretos exige, em regra, um mínimo de 1 g de oxigénio por cada grama de sulfureto dissolvido presente. A manutenção do escoamento da massa líquida em condições aeróbias exige a injecção de caudal suficientemente elevado para satisfazer as necessidades vitais dos microrganismos presentes no interior das condutas de compressão.

Em determinadas circunstâncias, pode justificar-se a utilização de equipamentos específicos, como bicones (dispositivos com uma forma cónica, concebidos de modo a promoverem condições de turbulência e de contacto entre o oxigénio gasoso e a água residual, que possibilitam a sua dissolução), para se garantir adequada eficiência de “tratamento”. Estas circunstâncias podem estar associadas a condições insuficientes de velocidade de escoamento, de pressão ou do tempo de contacto oxigénio-massa líquida, que inviabilizam o método de arejamento por injecção directa.

Adição de cloro

Uma outra técnica alternativa para o controlo sanitário em sistemas de drenagem de água residual consiste em adicionar hipoclorito ou cloro, sob a forma gasosa, à massa líquida. Em regra, o hipoclorito é usado em aplicações ocasionais ou quando as ne-cessidades não são significativas (menores que 2,3 kg/dia).

Se for adicionado cloro em excesso à água residual contendo sulfuretos dissolvidos, ocorre a seguinte reacção:

HS- + 4Cl2 + 4H2O → SO42- + 9H+ + 8Cl- (8.21)

de acordo com a qual, a oxidação completa de 1 g de sulfuretos exige 8,87 g de cloro.

Se o cloro for adicionado lentamente a uma solução contendo sulfuretos e mantida em grande agitação, pode ocorrer a seguinte reacção

HS- + Cl2 → S + H+ + 2Cl- (8.22)

segundo a qual, a oxidação de 1 g de sulfuretos exige 2,22 g de cloro.

A água residual inclui, em regra, vários compostos que reagem com o cloro. Devido a este facto, em aplicações práticas, as taxas de adição de cloro normalmente variam entre 10 e 15 g por grama de sulfuretos dissolvidos a oxidar.

A adição de cloro deve ser efectuada em locais de elevada turbulência, sendo os sistemas dimensionados de acordo com as necessidades estimadas pelos resultados de uma campanha de análises previamente realizada.

Adição de peróxido de hidrogénio

O peróxido de hidrogénio oxida o ácido sulfúrico, de acordo com as seguintes reacções:

para pH < 8,5 H2O2 + H2S → S + 2H2O (8.23)