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Louis Lavelle - Sinceridade Trad.: Luiz de Carvalho A verdadeira sinceridade não consiste em uma correspondência exata entre o que trazemos em nós e o que exprimimos. O exterior não é imagem do interior, mas uma outra natureza. Dentro de si cada um encontra um mundo de possibilidades. Daí então, desde que torne o olar para si, esta impressão de riqueza in!inita que experimenta, que crê descobrir repentinamente, onde tudo é dado a uma só vez, onde as coisas atraem umas "s outras ao invés de se excluirem, onde elas disaparecem sem nos ser retiradas, conservando através das !lutua#$es de aten#ão a mesma presen#a latente, só se nos opondo em estado nascente e como primícias de nossa liberdade. %a unidade móvel de todos esses possíveis a palavra e a a#ão não param de escoler, escoler um &possível' para nele encarnar. (ontudo, ele muda de natureza. %este, nossa vida se compromete e nossa pureza espiritual se perde. O próprio da vida interior é o dever de sempre retornar a ela sem que aí possamos !icar. Daí também que a pr)tica da sinceridade exige uma delicadeza singular. De !ato, não posso tomar posse dos estados que experimento através do pensamento que deles teno e do consetimento que les dou. *nquanto eu não os tena produzido " luz do dia por meio de palavras ou atos, ) neles algo de virtual e inacabado. +asta apenas que le dê um corpo para que mudem de domínio e que até mesmo eu não mais os recone#a. aram de me pertencer. Diante deles, recuo. *stão sempre a sair-me do alcance, e cegam até a me espantar. ara explicar este !enmeno estrano, basta saber que este é um segredo cu/a essência é permanecer secreto e que, desde que se traia, trai nossa sinceridade e, em vez de se revelar, se !inda. 0ocês me  perguntam qual o sentimento que experimento. 1e o escrupulo me obriga a declar)-lo, esta mesma declara#ão que dele !a#o d)-le uma consistência que não tina, alterando sua qualidade. &2al declara#ão' arrisca-se corromper a pureza das rela#$es que eu tina consigo e que, pela con!ian#a que mostro para vocês, busco tão-somente assegurar e !orti!icar. 3algrado o aparente paradoxo, é preciso ser mui discreto para ser sincero. %ão ) con!idências que não tenam terríveis implica#$es e que /) não dêem corpo ao que tememos não poder evitar com antecedência. 3esmo nas con!iss$es, onde Deus é testemuna, ) uma extrema prudência a qual nem o con!essor nem o penitente podem abandonar sem matar a sinceridade, ao querer !or#)-la até seu 4ltimo retiro. A sinceridade é uma virtude da a#ão, mais ainda que o conecimento. *la é, indivisivelmente, a descoberta de nossas potências e de sua utiliza#ão. O nosso ser realizado, onde buscamos o que cremos ser, dissimula o !undo de nós mesmos, que nunca acaba de se mani!estar, i. e., de nascer. A verdadeira sinceridade consiste em ser-se, i. e., não basta apenas não p ermitir que nenuma dist5ncia se interpona entre o que somos e o que exibimos, mas !azer-se a si, i. e., ter su!iciente penetra#ão para descobrir suas próprias potências, e coragem o bastante  para p-las em pr)tica.  posted by Luiz de Carvalho @ 2:47 PM 

Louis Lavelle - Sinceridade

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Louis Lavelle - Sinceridade

Trad.: Luiz de Carvalho

A verdadeira sinceridade não consiste em uma correspondência exata entre o que trazemosem nós e o que exprimimos. O exterior não é imagem do interior, mas uma outra natureza.

Dentro de si cada um encontra um mundo de possibilidades. Daí então, desde que torne o

olar para si, esta impressão de riqueza in!inita que experimenta, que crê descobrirrepentinamente, onde tudo é dado a uma só vez, onde as coisas atraem umas "s outras ao

invés de se excluirem, onde elas disaparecem sem nos ser retiradas, conservando através

das !lutua#$es de aten#ão a mesma presen#a latente, só se nos opondo em estado nascente ecomo primícias de nossa liberdade. %a unidade móvel de todos esses possíveis a palavra e a

a#ão não param de escoler, escoler um &possível' para nele encarnar. (ontudo, ele muda

de natureza. %este, nossa vida se compromete e nossa pureza espiritual se perde. O próprio

da vida interior é o dever de sempre retornar a ela sem que aí possamos !icar. Daí tambémque a pr)tica da sinceridade exige uma delicadeza singular. De !ato, não posso tomar posse

dos estados que experimento através do pensamento que deles teno e do consetimento que

les dou. *nquanto eu não os tena produzido " luz do dia por meio de palavras ou atos, )neles algo de virtual e inacabado. +asta apenas que le dê um corpo para que mudem de

domínio e que até mesmo eu não mais os recone#a. aram de me pertencer. Diante deles,

recuo. *stão sempre a sair-me do alcance, e cegam até a me espantar. ara explicar este!enmeno estrano, basta saber que este é um segredo cu/a essência é permanecer secreto e

que, desde que se traia, trai nossa sinceridade e, em vez de se revelar, se !inda. 0ocês me

 perguntam qual o sentimento que experimento. 1e o escrupulo me obriga a declar)-lo, esta

mesma declara#ão que dele !a#o d)-le uma consistência que não tina, alterando suaqualidade. &2al declara#ão' arrisca-se corromper a pureza das rela#$es que eu tina consigo

e que, pela con!ian#a que mostro para vocês, busco tão-somente assegurar e !orti!icar.

3algrado o aparente paradoxo, é preciso ser mui discreto para ser sincero. %ão )con!idências que não tenam terríveis implica#$es e que /) não dêem corpo ao que

tememos não poder evitar com antecedência. 3esmo nas con!iss$es, onde Deus é

testemuna, ) uma extrema prudência a qual nem o con!essor nem o penitente podemabandonar sem matar a sinceridade, ao querer !or#)-la até seu 4ltimo retiro.

A sinceridade é uma virtude da a#ão, mais ainda que o conecimento. *la é,indivisivelmente, a descoberta de nossas potências e de sua utiliza#ão. O nosso ser

realizado, onde buscamos o que cremos ser, dissimula o !undo de nós mesmos, que nunca

acaba de se mani!estar, i. e., de nascer.

A verdadeira sinceridade consiste em ser-se, i. e., não basta apenas não permitir que

nenuma dist5ncia se interpona entre o que somos e o que exibimos, mas !azer-se a si, i.

e., ter su!iciente penetra#ão para descobrir suas próprias potências, e coragem o bastante para p-las em pr)tica.

 posted by Luiz de Carvalho @ 2:47 PM 

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