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TECNOLOGIAS MOTION TRACKING E MOTION CAPTURE: POÉTICAS E CIBERNÉTICAS Profa. Dra. Ludmila Pimentel, Escola de Dança da UFBA, Brasil Resumo Entre os anos de 1986 a 1990, o artista David Rokeby pioneiramente desenvolveu o Very Nervous System (VNS), plataforma essa que permitia que os movimentos e dados obtidos a partir do corpo do performer pudessem, através de câmeras e de sensores de movimento, alimentar a programação do software e produzir outputs gráficos ou sonoros. O VNS foi o primeiro sistema a nos oferecer a possibilidade de produzirmos performances de dança e instalações artísticas de qualidade interativa em tempo real, e esse estado da arte muito nos interessa pois propomos aqui que a História e surgimento da tecnologia Motion tracking se entrelaça e faz derivar a também contemporânea tecnologia chamada Motion capture (Mocap), propondoas aqui como protocolos derivados da mesma família cibernética. Considerando que o sistema criado por Rokeby se fundamenta na Teoria da Ciência Cibernética, ou a chamada Primeira Cibernética de Norbert Wiener, publicada por primeira vez em 1948, e que ainda nos influencia contemporaneamente, já que o performer gera dados que alimentam ao sistema, através de inputs, e que após processamento no sistema esses dados geram outputs diversos, também podemos afirmar que o experimento/sistema de Rokeby é coerente com a Cibernética de 2a. ordem, ou Cibernética da Cibernética de Heinz von Foerster (1960), em sua proposição quanto à circularidade, autonomia e autoreferencia do sistema, já que com o VNS o performer produzia novas respostas ao software a partir dos outputs gerados, estabelecendo a circularidade e retroalimentação do sistema, que também possui protocolos de autoorganização regulando eventos que o perturbem. Refletindo que as tecnologias Motion tracking e Motion capture são ainda recentes na História da Media Art, assim que propomos tecer interfaces e intercessões entre as especificidades técnicas dessas tecnologias, apresentandoas como tecnologias cibernéticas, e observando alguns exemplos, aqui usados como rastros, para delinearmos esse panorama instaurado na Contemporaneidade, apreciando também suas aplicações no campo da Performance de Dança. Em última instância nos interessa observar essas tecnologias cibernéticas para refletirmos sobre a poética gerada pelas mesmas, traçando algumas primeiras variáveis de observação sobre o fenômeno. Palavras chaves Media Art, Tecnologia, Motion capture, Motion tracking, Cibernética.

Ludmila Pimentel

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TECNOLOGIAS  MOTION  TRACKING  E  MOTION  CAPTURE:  POÉTICAS  E  CIBERNÉTICAS    

   

Profa.  Dra.  Ludmila  Pimentel,  Escola  de  Dança  da  UFBA,  Brasil    

     Resumo   -­‐   Entre   os   anos   de   1986   a   1990,   o   artista   David   Rokeby   pioneiramente   desenvolveu   o     Very  Nervous   System   (VNS),   plataforma   essa   que   permitia   que   os  movimentos   e   dados   obtidos   a   partir   do  corpo   do   performer   pudessem,   através   de   câmeras   e   de   sensores   de   movimento,   alimentar   a  programação  do   software   e   produzir   outputs   gráficos   ou   sonoros.  O  VNS   foi   o   primeiro   sistema  a   nos  oferecer   a   possibilidade   de   produzirmos   performances   de   dança   e   instalações   artísticas   de   qualidade  interativa  em  tempo  real,  e  esse  estado  da  arte  muito  nos  interessa  pois  propomos  aqui  que  a  História  e  surgimento   da   tecnologia   Motion   tracking   se   entrelaça   e   faz   derivar   a   também   contemporânea  tecnologia  chamada  Motion  capture   (Mocap),  propondo-­‐as  aqui   como  protocolos  derivados  da  mesma  família  cibernética.    Considerando   que   o   sistema   criado   por   Rokeby   se   fundamenta   na   Teoria   da   Ciência   Cibernética,   ou   a  chamada  Primeira  Cibernética  de  Norbert  Wiener,  publicada  por  primeira  vez  em  1948,  e  que  ainda  nos  influencia  contemporaneamente,   já  que  o  performer  gera  dados  que  alimentam  ao  sistema,  através  de  inputs,   e   que   após   processamento   no   sistema   esses   dados   geram   outputs   diversos,   também   podemos  afirmar  que  o  experimento/sistema  de  Rokeby  é  coerente  com  a  Cibernética  de  2a.  ordem,  ou  Cibernética  da   Cibernética   de   Heinz   von   Foerster   (1960),   em   sua   proposição   quanto   à   circularidade,   autonomia   e  auto-­‐referencia  do  sistema,  já  que  com  o  VNS  o  performer  produzia  novas  respostas  ao  software  a  partir  dos  outputs  gerados,  estabelecendo  a  circularidade  e  retroalimentação  do  sistema,  que  também  possui  protocolos  de  auto-­‐organização    regulando  eventos  que  o  perturbem.      Refletindo  que  as  tecnologias  Motion  tracking  e  Motion  capture  são  ainda  recentes  na  História  da  Media  Art,   assim   que   propomos   tecer   interfaces   e   intercessões   entre   as   especificidades   técnicas   dessas  tecnologias,  apresentando-­‐as  como  tecnologias  cibernéticas,  e  observando  alguns  exemplos,  aqui  usados  como  rastros,  para  delinearmos  esse  panorama  instaurado  na  Contemporaneidade,  apreciando    também  suas  aplicações  no  campo  da  Performance  de  Dança.  Em  última   instância  nos   interessa  observar  essas  tecnologias   cibernéticas   para   refletirmos   sobre   a   poética   gerada   pelas   mesmas,   traçando   algumas  primeiras  variáveis  de  observação  sobre  o  fenômeno.    Palavras  chaves    —    Media  Art,  Tecnologia,  Motion  capture,  Motion  tracking,  Cibernética.      

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 Abstract   -­‐     Between   the   years   1986-­‐1990,   the   artist   David   Rokeby   innovatively   developed   the   Very  Nervous   System   (VNS),   this   platform   that   allowed     data   obtained   from   the   body´s   movement   of   the  performer   could   feed,   through   cameras   and   motion   sensors,   the   programming   of   the   software   and  produce  graphics    or  sound  outputs.  The  VNS  was  the  first  system  to  offer  us  the  possibility  of  producing  dance  performances  and  art   installations  with   interactive  quality   in   real   time,  and   this   state  of   the  art  really  interests  us  because  we  are  proposing  here  that  the  History  and  the  emergence  of  Motion  tracking  technology  intertwines  and  also  derives  the  contemporary  technology  called  Motion  capture  (mocap),  we  are  also  proposing  them  as  protocols  derived  from  the  same  Cybernetics  family.    Considering   the   system   created   by   Rokeby   is   based   on   the   Theory   of   Cybernetics   Science,   the   First  Cybernetics  of  Norbert  Wiener,  this  theory  was  published  for  the  first  time  in  1948,  and  still  influences  us,  since  the  performer  generates  data  that  feeds  the  system  through  inputs,  and  after  processing  data,  the  system  generates  different  outputs,  we  can  also  say  that  the  Rokeby´s  experiment  /  system  is  consistent  with  the  Second  Cybernetics,  or  Cybernetics  of  Cybernetics  proposed  by  Heinz  von  Foerster  (1960),  in  his  proposition   as   to   circularity,   autonomy   and   self-­‐reference   system,   because   the   performer   in   the   VNS  system  produced  also  new  answers  to  the  software  from  the  generated  outputs  by  setting  the  circularity  and  feedback  of  the  system,  which  also  has  protocols  for  self-­‐organizing    that  regulate  disturb  events.    Reflecting   about   the  Motion   tracking   and  Motion   capture   technologies   is   still   recent   in   the   History   of  Media   Art,   in   this  way  we   are   porposing   to  weave   interfaces   and   intersections   between   the   technical  specificities   of   these   technologies,   presenting   them   as   cybernetic   technologies,   and   observing   some  examples,  here  used  as  tracks  for  delimited  this  contemporary  scenery,  also  enjoying  their  applications  in  the  field  of  Dance  Performance.  Ultimately  we  are  interested  in  observing  these  cybernetic  technologies  to   reflect   on   the   poetic   generated   by   them,   tracing   some   first   observation   variables   about   the  phenomenon.        

 keywords    —    Media  Art,  Tecnology,  Motion  capture,  Motion  tracking,  Cybernetics.        

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 I.  Introdução        O   Elétrico   –   Grupo   de   Pesquisa   em   Ciberdança   do   Programa   de   Pós-­‐graduação   em  Dança  da  Escola  de  Dança  da  Universidade  Federal  da  Bahia  (UFBA,  Brasil),  desde  2000  investiga   as   interfaces   entre   a   linguagem   da   dança   contemporânea   e   as   tecnologias  digitais,   visando   produzir   conhecimentos   específicos   nessa   área   ainda   recente   de  pesquisa,   observando,   mas   também   produzindo   essas   novas   formas   híbridas  contemporâneas;   inserindo   e   contextualizando   a   Escola   de   Dança   da   UFBA   no  ambiente  tecnológico  e  digitalizado  que  vivemos  contemporaneamente.  O  Elétrico  tem  como  objetivo  principal  fomentar  a  produção  teórica  e  artística  relacionada  à  questões  emergentes  da  Cibercultura  e  Ciberdança.    Com   esse   objetivo   no   ano   de   2009   a   Professora   Doutora   Ludmila   Pimentel,   líder   do  Elétrico,   apresentou   o   Projeto   de   Pesquisa  Digitalização   e   Animação   do   Movimento  com   o   software   Lifeforms   à   Pró-­‐Reitoria   de   Pesquisa   e   Pós-­‐graduação   da   UFBA  (PRPPG/UFBA);   a   pesquisa   gerou   diversos   experimentos   coreográficos   digitalizados   e  também   recebeu   o   Prêmio   PUBLIC/Fapex   2010   por   ter   produzido   um   tutorial   em  português  do  software  Lifeforms.  Já  no  edital  PIBIC/UFBA  2010/2011  foi  apresentado  o  Projeto  de  Pesquisa  Interfaces  e  softwares  para  a  Performance  Interativa,  e  em  2011  a  Professora   Pimentel   ampliando   o   projeto   de   2010,   propôs   o   a   pesquisa   Interfaces   e  softwares   para   a   Performance   Interativa:   as   tecnologias   Motion   capture   e   Motion  tracking,   em   ambos   os   projetos   os   integrantes   do   Elétrico   puderam   conhecer   e  aprofundar  conhecimento  sobre  essas  duas   tecnologias  contemporâneas  possíveis  de  serem  aplicadas  à  Dança:  a  tecnologia  Motion  tracking  e  a  tecnologia  Motion  capture  (Mocap).  Como  ação  complementar  e  complexificadora  ao  projeto,  no  ano  de  2012,  a  Professora  Pimentel  realizou  seus  estudos  de  pós-­‐  doutoramento  intitulado   Interfaces  e   Diálogos   entre   as   tecnologias   Motion   Tracking   e   Motion   Capture:   Estética  Coreográfica  e  Biomecânica  do  Movimento,  na  Hochschule  der  Bildenden  Künste  (HBK),  em  Saarbrücken,  Alemanha,  com  apoio  da  CAPES.  

Nesse  estudo  pós-­‐doutoral,  além  de  ter  realizado  e  acompanhado  sessões  de  captura  de  movimento  com  o  sistema  Optitracking  Arena,  em  um  ambiente  especializado  para  esse   fim,   e   analisado  as  possibilidades   técnicas  da   tecnologia  Mocap,   foram   também  realizados  estudos  comparativos  entre  as   tecnologias  Mocap   e  Motion   tracking,   e   foi  nesse  momento  que  se   iniciaram  as  primeiras  reflexões  da  Professora  Pimentel   junto  ao   Elétrico   quanto   a   proposição   de   que   essas   tecnologias   possam   ser   consideradas  como  emergência  poética  contemporânea  para  a  Dança.  Iniciando-­‐se  com  a    primeira  indagação   de     como   poderíamos   classificar   a   poética   na   dança   em   interface   com   as  tecnologias   digitais   em   esses   novos   ambientes   derivou-­‐se   uma   primeira   reflexão   de  que   se   faz   necessário   ampliarmos   o   conceito   de   poética   no   seu   sentido   clássico,  encontrado   na   referência   histórica   da   obra   Poética   de   Aristóteles,   já   que   as  manifestações  e   formatos  artísticos  vêm  sofrendo  constantes  modificações,  há  novas  formas  de  se  fazer  arte,  e  portanto  há  novas  formas  de  se  fazer  Dança.      

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Considerando   a   mediação   tecnológica   como   emergência   poética   (LOUPPE,   2000)  estabelecida   na   Contemporaneidade,   a   poética   da   Dança   digital   apresenta   suas  particularidades   e   especificidades,   pois   trata-­‐se   aqui   da   construção   de   uma   poética  digital,   mas   fundamentalmente   uma   poética   de   corpo.   Dessa   maneira,   e   em  concordância   com   cibernética,   as   tecnologias   do   Mocap   e   Motion   tracking   aqui  abordadas   são   entendidas   aqui   como   inputs   poéticos   para   a     Dança,   se   inserem   no  contexto  da  criação  em  Dança,  ou  seja,  na  ideia  contemporânea  de  “um  corpo  que  não  está   pronto,   que   está   a   se   descobrir,   que   está   prestes   a   se   inventar”(LOUPPE,   2000,  p.64),  e  em  nossa  proposição,  a  partir  das  novas  tecnologias  digitais.    Louppe   nos   ajuda   a   estabelecer   as   tecnologias   digitais,   em   especial,   as   de  Mocap   e  Motion   tracking   como   dinamizadores   do   pensamento   em   Dança,   e   que   contribuem  para  um  campo  fértil  de  novas  interfaces  entre  dois  campos  científicos  anteriormente  tratados  equivocadamente  como  polos  não  complementares,  a  Dança  e  as  Tecnologias.  Em   nossa   proposição   e   investigação   sobre   a   poética   da   Dança   em   interface   com   as  tecnologias  digitais,  o  que  alguns  autores  já  consideram  sob  o  termo  de  Dança  Digital,    as   tecnologias   digitais   são   mediadoras   de   informação,   sendo   que   a   informação   de  Dança   é  mediada   pela   tecnologia   digital   e   a   poética   da   Dança,   nessa   complexidade,  assume  uma  nova  “emergência”    como  nos  apregoa  Louppe  (2000,  op.cit.).        Cabe  ressaltar  que  devido  as  transformações  conceituais  e  estéticas  que  as  tecnologias  digitais   da   imagem   têm   impulsionado   na   cultura,   elegemos   a   Teoria   da   Ciência  Cibernética,   e   sua   atualização   através   da   Cibernética   da   Segunda   ordem,     para   nos  conduzir  ao  entendimento  de  que   tais   relações,   só   se   tornaram  pertinentes  devido  a  formalização  de  trocas  de  informações  entre  humanos  (corpos  humanos)  e  máquinas,  e  quando  culturalmente  o  nosso  corpo  passou  a  construir  relações  em  interface  com  os  artefatos  eletrônicos,  o  que  resultou  em  última   instância  na  modificação  da  natureza  das   relações   físicas,   pessoais   e   interpessoais,   inspirando   uma   nova   cultura,   a  Cibercultura.      II.  sobre  as  Cibernéticas:  Wiener  e  Foerster      

O   processo   de   consolidação   da   Cibernética   como   campo   de   experimento   com   os  humanos   está   dividido   em   dois   períodos   distintos   e   complementares:   o   primeiro   foi  estruturado   em   1948   por   Norbert   Wiener,   e   ficou   conhecido   como   Cibernética   de  Primeira  Ordem;  e  o  segundo,  a  Cibernética  de  Segunda  Ordem,  em  1960,   idealizada  por  Heinz  von  Foerster.    

A  palavra  “cibernética”  foi  cunhada  por  Norbert  Wiener  em  1948  na  tentativa  de  que  um  único   termo  compreendesse  o   complexo  de   idéias  que  abarcavam  “o  estudo  das  mensagens  como  meios  de  dirigir  a  maquinaria  e  a  sociedade,  o  desenvolvimento  de  máquinas   computadoras   e   outros   autômatos   que   tais,   certas   reflexões   acerca   da  psicologia  e  do  sistema  nervoso,  e  uma  nova  teoria  conjectural  do  método  científico”  (WIENER,  1954,  p.15).  Ele  nos  explica  em  esse  livro  que  criou  a  palavra  “cibernética”  a  

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partir  da  derivação  da  palavra  grega  kubernetes,  que  significa  “piloto”,  mas  ressalta  que  foi  Ampère,  nos  primórdios  do  século  XIX,  o  primeiro  a  utilizar  o  conceito  dentro  de  um  outro  contexto:  com  referência  à  ciência  política.  

Apontamos   que   Wiener   foi   brilhante   em   sua   antevisão   dos   fatos,   construindo   os  fundamentos   da   Cibernética   como   a   teoria   do   controle   de   informaçao   aplicada   à  sistemas  complexos,  o  que  em  nossas  reflexoes  abrangeriam  o  corpo  humano,  já  que  o  nosso  corpo  é  um  hierarquizado  e  sofisticado  sistema  complexo.  Não  seria  portanto  o  corpo  humano  o  mais  sofisticado  aparato  cibernético?  

Em  plena  década  de   50,  Wiener   acreditava  que   “as  mensagens   entre  o   homem  e   as  máquinas,   entre   as   máquinas   e   o   homem,   e   entre   a   máquina   e   a   máquina,   estão  destinadas   a   desempenhar   papel   cada   vez  mais   importante”   (WIENER,  op.cit.)   e   nos  oferece   um   recorrido   histórico   sobre   a   evolução   dos   mecanismos   maquínicos:   as  máquinas   mais   antigas   funcionam   a   base   de   um   mecanismo   do   tipo   relógio;   as  modernas,   como   o   abridor   de   portas   automáticos,   possuem   órgãos   sensórios.    Portanto  neste  estágio,  a  máquina  torna-­‐se  condicionada  em  sua  relação  com  o  mundo  exterior,   funcionando   com   os   dados   introduzidos   (input),   que   provocam   um  determinado   efeito   (output).   A   partir   dos   acontecimentos,   há   registros   que   são  armazenados   na   “memória”.   Wiener   assim   propoe   que   a   forma   de   funcionar   das  máquinas  tem  paralelo  com  a  do  homem,  já  que  ele  também  está  sujeito  às  alterações  externas  através  de   sua   sensibilidade   cinestésica  e,   igualmente   como  as  máquinas,  o  corpo  humano  utiliza-­‐se  de  mecanismos  de  retroalimentação.  A  tese  de  Wiener  mostra  que   ambos,   máquinas   e   humanos,   têm   receptores   sensórios,   em   ambos   existe   um  instrumento  especial  para  coligir  informação  do  mundo  exterior,  e  também  em  ambos  os  casos,  tais  mensagens  externas  não  são  acolhidas  em  estado  puro,  mas  por  via  dos  poderes   internos   de   transformação   do   aparelho,   seja   ele   animado   ou   inanimado  (WIENER,  1954,  p.16).  

Assim  que  a  Primeira  Cibernética  se  dedicou  a  entender  os  processos  operacionais  na  organização  dos  sistemas,  isto  é,  suas  metas,  propósitos  e  funcionamento.  Buscava-­‐se  melhores   resultados   nos   procedimentos   de   regulação   e   controle   entre   corpo   e  máquina,   proporcionando   a   comunicação   de   sistemas   de   naturezas   diferentes.   Tal  teoria  preconizava  que  algumas  funções  no  controle  e  processamento  de  informações  entre  máquinas   e   humanos   –   e   na   sociedade   em   geral   –   podem   ser   equivalentes   e  formalizadas  sob  os  mesmos  modelos  e  leis  matemáticas.  Dessa  maneira,  a  Cibernética  se  tornaria  uma  ciência  sobre  a  troca  de  mensagens  dentro  de  “um  campo  mais  vasto  que   inclui  não  apenas  o  estudo  da   linguagem,  mas   também  o  estudo  das  mensagens  como  meios   de   dirigir   a  maquinaria   e   a   sociedade,   o   desenvolvimento   de  máquinas  computadores  e  outros  autômatos”  (WIENER,1954,  p.15).      Atualizando  a  Cibernética  de  Wiener  temos  a  proposição  da  Cibernética  da  cibernética,  ou  Cibernética  da  Segunda  Ordem  de  Heinz  von  Foerster.  

Heinz  von  Foerster,  criador  da  Cibernética  de  Segunda  Ordem  passou  a  incluir  a  lógica  recursiva,  e  a  auto-­‐referência  na  teoria,  agregando  o  observador  externo  do  sistema  à  análise   da   pesquisa,   propondo   verificar   a   ocorrência   de   fenômenos   que   incluem  aspectos   subjetivos   em   circuitos   fechados.   O   observador   não   é   passivo   aos  

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acontecimentos   do   mundo,   está   imerso   no   sistema   observado,   incluindo   suas  experiências   e   suas   impressões   ao   perceber   o  mundo.   É   um  observador   participante  que   percebe   a   si,   no   momento   em   que   “percebe”   o   sistema   trocar   informações.   O  sistema   observado   é   também   toda   a   subjetividade   que   faz   parte   do   observador.  Informações  exteriores  ao  sistema  e  interiores  ao  corpo  participam  sem  hierarquização  da  mesma  observação,  operando  sob  a  condição  de  executar  trocas  de  informações  o  tempo   todo   e   simultaneamente;   não   é   possível   separar   as   partes   do   sistema,   o  observador  é  responsável  por  sua  observação.    Von   Foerster   ampliou   o   conceito   de   circularidade   proposto   na   Primeira   Cibernética,  passando  a   atribuir   a   esse  processo  a   capacidade  auto-­‐organizativa  de  determinados  sistemas,   pois,   ele   reage   aos   desvios   externos,   alterando   sua   própria   estrutura,   para  retornar  ao  equilíbrio.  Isso  significa  que  o  sistema  é  autônomo  e  busca  a  estabilidade.  Quando  o  sistema  é  desestabilizado  deve-­‐se  levar  em  conta  que  a  partir  das  crises  irão  ocorrer   processos   de   crescimento   e   aprendizagem   em   toda   estrutura   envolvida.   A  organização   de   Von   Foerster   propõe   uma   autonomia   no   sistema,   baseada   na   auto-­‐referência   do   observador;   este   produz   para   si   mesmo   um   tipo   de   comunicação  específica,   envolvendo   as   dimensões   sensoriais   do   corpo,   em   uma   linguagem   que  conecta   o   orgânico   e   o   não   orgânico.   Só   se   aplica   o   conceito   de   circularidade   nos  sistemas  cibernéticos  de  segunda  ordem  quando  o  observador   interfere  no  sistema  e  vice-­‐versa.  Isso  implica  em  uma  atividade  auto-­‐organizativa  própria  do  sistema,  em  que  a  comunicação  acontece  de   forma  cíclica:   se  o  sistema  não   receber  uma  resposta  do  observador,   para   o   que   foi   comunicado,   o   sistema   se   autorregula,   se   reorganiza   e  estimula  o  observador  para  que  este,  através  de  uma  ação  corporal,  envie  uma  nova  resposta  ao  sistema.    A  dança  em   interface  com  as   tecnologias  digitais  de  Mocap  e  Motion   tracking  é  aqui  proposta   no   contexto   da   Ciência   cibernética,   e   precisa   ser   entendida   como   um  processo   que   se   organiza   enquanto   um   sistema   sofisticado   e   complexo.   Essa   noção  coloca  os  elementos  que  a  estruturam  –  como  luz,  cenografia,  figurino,  musica,  vídeo  –    em   relação   uns   com   os   outros   e   não   em   hierarquia.   Quando   entendida   enquanto  sistema   produz   comunicação   que   gera   uma   linguagem   corporal   abstrata,   e   faz  comunicar   singularidades   quando   se   instaura   nas   particularidades   do   movimento  corporal  humano.        III.  Especificidades  técnicas  das  tecnologias  Motion  capture  (Mocap)  e  Motion  tracking      Entre  os  anos  de  1986  a  1990,  o  artista  David  Rokeby1  pioneiramente  desenvolveu  o  Very  Nervous   System   (VNS),   nessa   interface   configurada   tecnicamente  por  Rokeby,   o  performer  fornece  dados  ao  software  para  a  criação  de  outputs,  para  isso  são  utilizados  câmeras  de   vídeo,  processadores  de   imagem,   computadores  e   sintetizadores   criando  um  espaço  sensível  aos  movimentos  do  performer,  o  performer  além  de  criar  outputs  

                                                                                                               1  Ver  a  homepage  do  artista  In:  http://homepage.mac.com/davidrokeby/vns  (acesso  em  31/05/2012).    

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sonoros   e   visuais,   também   faz   gerar   outros   corpos   (outputs   visuais)   a   partir   do   seu,  considerados   como   duplos   digitais,   dançando   em   um   espaço   interativo   e   assim  exemplificando   um   primeiro   sistema   da   tecnologia   Motion   tracking   na   área   da  Performance,  que  em  nossa  proposição  é  um  protocolo  da  mesma  família  cibernética  e  que   faz   derivar   a   tecnologia   Mocap.   Precisamos   entretanto   evidenciar   algumas  diferenças  estruturais  e  técnicas  entre  a  tecnologia  Mocap  e  Motion  tracking.      Um  primeiro  esclarecimento  sobre  as  diferenças  entre  as  tecnologias  Mocap  e  Motion  tracking   nos   foi   dado   em   2007   pelo   diretor   do   Palindrome   Intermedia   Performance  Group,   Robert   Wechsler,   que   nos   revelou   pela   primeira   vez   a   questão   de   que   a  tecnologia  Motion   tracking   frequentemente  é   confundida   com  Mocap,  mas   seguindo  as   proposições   de   Wechsler   há   uma   primeira   distinção   fundamental:   a   tecnologia  Mocap   geralmente   não   é   utilizada   em   eventos   que   necessitam   interatividade   em  tempo   real   (como   performances   ao   vivo),   pois   requer   após   captura   dos   dados   sua  posterior   limpeza   e   tratamento   dos   mesmos,   e   ainda   sua   utilização   final   em   outros  softwares  de  animação  3D.  Somando-­‐se  a  essa  diferenciação  Wechsler  evidencia  que  a  tecnologia   Mocap   é   extremamente   sofisticada   e   exige   pré   e   pós-­‐produção;   já   a  tecnologia  Motion  tracking  que  frequentemente  vem  sendo  utilizada  em  performances  que   requisitam   interatividade     em   tempo   real,   é   mais   imediata   em   gerar   produtos  finais,  ou  seja,  os  dados  após  captura  são  utilizados  e  geram  outputs  após  seu  rápido  processamento  pelo  software,  sem  sequer  apresentar  delays  visuais.      Outra  diferença  entre  essas  tecnologias  é  quanto  ao  custo  delas.  A  tecnologia  Mocap  é  extremamente   cara,   podendo   ser   encontrada   de   versões   mais   sofisticadas   como   o  software  Vicon  na  faixa  de  250.000  até  900.000  dólares,  até  versões  mais  económicas  e  recentemente  desenvolvidos    como  o  OptiTrack  Arena  na  faixa  de  20.000  dólares,  e  o  Kinect  que  em  suas  versões  atuais  necessita  do  sensor  XBox  360°,  que  custa  em  torno  de   100   dólares,   mas   que   ainda   não   traz   a   excelência   técnica   dos   outros   softwares  citados,  e  que  considerando  o  contexto  extremamente  exigente  da  indústria  do  cinema  e   entretenimento,   ainda   não   vem   sendo   considerado   um   software   profissional   para  realizar   sessões   de  Mocap.   A   vantagem  do  Kinect  Xbox   é   que   pode   ser   utilizado   em  associação  com  o  software  Processing  sendo  esse  um  software  de  plataforma  livre,  se  torna   dentro   do   contexto   político   e   económico   atual   um   pequeno   mas   potente  concorrente  aos  softwares  profissionais  de  Mocap.    Já   a   tecnologia  Motion   tracking   sempre   possuiu   preços   extremamente   acessíveis,   e  além   do   software,   que   variam   de   300   a   350   dólares,     apenas   nos   é   requerido   uma  câmera  digital,  e  por  essa  razão  a  tecnologia  Motion  tracking  foi  e  continua  sendo  mais  frequentemente   utilizada   pelos   artistas   para   instalações,     performances   ou   qualquer  outro   tipo   de   objeto   artístico   que   necessite   interatividade   em   tempo   real.   Assim  chegamos  a  terceira  diferença  entre  essas  tecnologias,  suas  funções  e  produtos  finais;  enquanto  a  tecnologia  Motion  tracking  se  destina  a  produtos  finais  que  necessitam  de  interatividade  em   tempo   real,   a   tecnologia  Mocap   se  destina  a   coleta  de  dados  para  sua  posterior  utilização  em  outros  softwares  de  animação  3D,  como  o  Maya  ou  Motion  Builder,    pela  animação  de  avatares  ou  personagens  dos   filmes,   como  o   famoso   leão  Alex   dançando   breakdance   do   filme  Madagascar   (2009),   e   seus   produtos   finais   não  serão   interativos   e   sim   produtos   finalizados,   não   abertos   a   interferência   do   público.  

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Essa  etapa   subsequente  de  aplicação  dos  dados   capturados  na   sessão  de  Mocap  é  o  que  Alberto  Menache  (2011)  nos  propõe  que  seja  intitulado  de  Performance  Animation  e  não  mais  apenas  de  Mocap,  porque  o  personagem  recebe  os  dados  (inputs)  e  esses  dados   fazem   gerar   uma   performance   de   animação   em   seus   corpos   construídos  digitalmente;  Menache   com   esse   argumento   evidencia   as   diferenças   entre   a   fase   de  captura  e  armazenamento  de  dados  e  a   fase  posterior  de  transferência  desses  dados  ao  corpo  digital  dos  personagens  dos  filmes.        IV.  História  da  tecnologia  Mocap      Devido   as   transformações   recentes   na   História   das   Interfaces   digitais  contemporaneamente   já   existe  um  grupo  de  professores   investigadores  e   artistas  da  Coventry   University   (Inglaterra)   se   utilizando   contemporaneamente   da   tecnologia  Mocap  com  o  conceito  inovador  de  Live-­‐Mocap,  o  que  significaria  realizar  sistemas  de  Mocap  e  aplicá-­‐lo  em  tempo  real  com  finalidade  artística  ou  de  análise  biomecânica,  e  esse   novo   patamar   nos   faz   refletir   sobre   futuras   intersecções   ainda  maiores   que   os  atuais  para  distinguirmos  técnica  e  estruturalmente  esses  dois  tipos  de  tecnologias.    Reportando-­‐nos   a   História   da   tecnologia  Mocap,   e   tendo   como   referencias   teóricas  Alberto  Menache  (2011),  Midori  Kitagawa  e  Brian  Windsor   (2008)     registramos  que  o  desenvolvimento   e   a   realização   de   pesquisas   utilizando   a   tecnologia     Mocap    começaram  em   torno  do  ano  de  1970,   com   finalidade  médica  e   aplicações  militares.  Contemporaneamente  além  da  indústria  do  cinema,  do  exército  e  da  medicina,  poucas  pessoas     saberiam   descrever   o   que   é   a   tecnologia  Mocap,   entretanto   muitas   delas,  inclusive   as   crianças,   quotidianamente   se   utilizam   dela   quando   assistem   a   filmes,  animações,  comerciais  de  TV,  e  participam  de  jogos  (wii  sports)  nos  quais  são  utilizados  essa  tecnologia.    Podemos   considerar   pioneiros   do   sistema   Mocap   algumas   tecnologias   e   aparatos  criados   no   século   XIX   e   XX,     como   o   zoopraxiscópio   inventado   por   Muybridge   e   o  esfigmógrafo   inventado   por   Etiene-­‐Jules   Marey.   Marey,   inspirado   nos   estudos  fotográficos   de   Muybridge,   realizou   e   inventou   também   a   câmera   cronofotográfica,  tecnologia  fundamental  para  a  realização  de  diversos  dos  seus  estudos.  Marey  pode  ser  considerado   um   grande   revolucionário   e  mentor   pré-­‐histórico   na   história   do  Mocap,  inclusive   pelos   trajes   especiais   que   criou   ainda   em   1884,   bastante   semelhante   aos  atuais   trajes   utilizados   pelos   sistemas   de  Mocap.     Outro   aparato   precedente   e   que  contribuiu  ao  aparecimento  da  tecnologia  Mocap  pode  ser  listado,  o  rotoscópio  criado  por  Max  Fleischer  em  1915,  que  possibilitou  após  um  ano  de  trabalho  a  realização  de  uma  pequena  animação  caseira,  e  em  1918    a  finalização  por  Fleischer  de  sua  primeira  animação  comercial  chamada  Out  of  the  Inkwell.      Como  já  registrado,  as  pesquisas  mais  específicas  com  a  tecnologia  Mocap  começaram  com   finalidade   médica   e   para   aplicações   militares   nos   anos   70,   mas   o   seu   grande  ¨boom¨   foi   a  partir  da  década  de  80  quando  a   indústria  da   computação  gráfica  e  do  cinema  a  descobriu  em  seus  efeitos  e  possibilidades.  Naquele  momento  histórico  era  necessário  a  utilização  de  muitos  computadores  e  de  muitos  dias  para  a  renderização  

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final  dos  filmes.  Robert  Abel  criou  em  1985  a  animação  Brilliance  utilizando  um  método  de   Mocap   criado   por   ele   mesmo   em   associação   com   a   National   Canned   Food  Information   Council   Associates,   que   se   configurava   de  maneira   bastante   artesanal   e  experimental,   no   qual   eles   pintaram   bolas   pretas   em   18   articulações   de   um  modelo  feminina   e   fotografaram   a   ação   dela   em   diversos   ângulos,   sendo   as   imagens  posteriormente   importadas   para   uma   estação   de   trabalho   da   Silicon  Graphics,   e   um  grande   número   de   aplicações   foram   empregadas   para   extrair   os   dados   necessários  para  animar  finalmente  a  um  robô.    Apenas  em  1995,  com  o  FX  Fighter    que  tivemos  a  criação  do  primeiro  jogo  utilizando  interatividade  em  tempo  real  com  personagens  em  3D,  e   também   foi   a  partir  desse  momento  que  pudemos   interagir   com  os  ambientes  em  3D  em  nossas  salas  de  estar,  e  assim  nos  foi  dado  um  novo  patamar  na  história  da  tecnologia  Mocap,   a   interação   em   tempo   real   de   forma   quotidiana,   e   que   possui  derivados  contemporâneos  como  a  plataforma  Wii  e    Playstation.    Os  sistemas  de  Mocap  disponíveis  atualmente  podem  ser  categorizados  em  3  grupos  principais:   sistemas   ópticos,   sistemas  magnéticos   e   sistemas  mecânicos.   Os   sistemas  ópticos  (Fig.1)  de  Mocap  foram  desenvolvidos  primeiramente  para  aplicações  médicas,  e  o  primeiro  deles  e  ainda  hoje  muito  conhecido    é  o    Vicon  8.  Um  sistema  óptico  típico  consiste  na  utilização  de  4  a  32  câmeras  e  um  computador  que  controla  as  câmeras.  Como  a  maioria  dos  sistemas  ópticos  eles  capturam  as  marcas  colocadas  nos  objetos,  e  essas  marcas  podem  ser  entendidas  como  ou  reflexivas  (passivas)  ou  marcas  emissoras  de   luz   (ativas).   Os   sistemas   com  marcas   passivas   são   feitas   de  materiais   reflexivos   e  suas  formas  são  geralmente  esféricas,  semiesféricas  ou  circulares.  As  marcas  passivas  são  diretamente  colocadas  na  superfície    do  objeto  a  ser  capturado,  ou  também  podem  ser   fixadas   através   de   velcros   na   roupa  Mocap   (Mocap   suit).   As   câmeras   no   sistema  passivo   são  equipadas  de  emissores  de   luz  diódicas,   os   famosos   LEDs,   e   são  as   luzes  emitidas  pelos  LEDs  que  são  refletidas  nos  marcadores  corporais,  e  que  finalmente  são  capturados  pela  câmera.  As  marcas  do  sistema  de  marcadores  ativos  também  são  LEDs,  e  alguns  dos  mais  recentes  sistemas  de  marcas  ativas  funcionam  em  condições  de  luz  natural   e   não   se   torna   mais   necessário   o   uso   de   traje   especial   de  Mocap,     e   nem  estúdios.                            

 Fig.  1.   Exemplo  de  um  sistema  óptico  de  Mocap,  software  OptiTrack  Arena,  capturando  dados  de  2  alunos  (Valéria  Palmieri  e  Valentin  Glaser)    na  green  room  da  Hochschule  der  Bildenden  Kunste,  Saar,  

Alemanha    

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   Os   sistemas   eletromagnéticos   de   Mocap   também   são   chamados   de   rastreadores  magnéticos,   e   foi   derivado   do   sistema   de   simulação   de   treinamento   de   pilotos   de  avião,  os  sensores  colocados  nos  capacetes  dos  pilotos  rastreavam  a  posição  do  piloto  e   sua   orientação   dentro   do   display   de   treinamento.   Com   o   sistema   magnético   é  necessário  se  utilizar  de  12  a  20  sensores  que  são  colocados  no  objeto  a  ser  capturado,  esses   sensores   de   rastreamento   geram   dados   de   saída   (output)   das     traduções   e  orientações   geradas   pelo   objeto.   Os   sensores   de   rastreamento   podem   sofrer  interferências    por  outros  elementos  magnéticos  ou  elétricos  e  geram  amostras  acima  de  144  até  220  frames/por  segundo  e  portanto  são  sistemas  menos  eficientes  que  os  sistemas  ópticos  e  tampouco  podem  ter  suas  configurações  modificadas  tão  livremente  como  os   sistemas  ópticos,  mas   a   vantagem  é  que  esse   sistema  pode   capturar   vários  performers  simultaneamente  em  múltiplos  setups,  e  também  são  muito  mais  baratos    que  os  sistemas  ópticos.      E   por   últimos   temos   ao   sistemas   mecânicos   de  Mocap.   Os   sistemas   mecânicos   de  Mocap,  também  são  chamados  de  exoesqueleto  e  medem  diretamente  os  ângulos  das  articulações  do  sujeito  a   ser  capturado,   sendo  necessário  usar  um  aparato  articulado  que  consiste  de  diversos    potenciómetros    e  hastes  nas  articulações  do  corpo  e  hastes,  que   possuem   a   função   de   medir   os   ângulos   entre   as   articulações   quando   o  objeto/sujeito  se  move.  O  aparato  se  assemelha  a  um  exoesqueleto,  e  há  alguns  tipos  de   sistemas   mecânicos   que   incluem   também   data   gloves   e   armaduras   digitais.   Em  relação  aos  outros   tipos  de   sistemas,  o   sistema  mecânico   funciona  em   tempo   real,  é  relativamente   barato,   livre   de   interferências  magnéticas   ou   elétricas   e   portável,  mas  uma   notável   desvantagem   é   que   o   sistema   não   consegue   medir   o   movimento   de  translação   global   do   objeto/sujeito   de   maneira   eficaz.   Evidente   que   este   tipo   de  sistema   de   Mocap   somente   pode   ser   usado   com   objetos/sujeitos   que   possuam  movimentos  realizados  por  suas  articulações  como  o  corpo  humano.                        

 

 Fig.  2.   Videodança  Constelaciones  (2011)  de  Mariana  Carranza,  utilizando  o  Xbox  sensor    com  o  software  Processing,  sistema  que  consideramos  como  um  híbrido  das  tecnologias  Mocap  e  Motion  

tracking,  já  que  funciona  como  um  sistema  eletromagnético  de  Mocap  (controle  wii  e  seus  3  acelerómetros),  e  também  como  sistema  de  Motion  tracking  se  utilizando  apenas  o  sensor  Xbox  360o  

para  fazer  rastreamento  do  movimento  através  da  câmera.  

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   V.  Interfaces  entre  a  tecnologia  Mocap  e  a  linguagem  da  Dança      Destacamos   historicamente   algumas   interfaces   entre   a   linguagem   das   tecnologias  Mocap  e  a   linguagem  da  Dança.  Da  parceria  entre  o  Grupo  OpenEnded2  formado  por  Marc   Downie,   Paul   Kaiser   Shelley   Eshkar   com   o   coreógrafo   Bill   T.   Jones   surgiu   a  coreografia   GhostCatching   (1999)   e   sua   atualização   em   After   GhostCatching   (2010),  que   a   partir   da   improvisação   de   um   performer   solista   apresentava   como   resultado  visual  a  projeção  de  múltiplos  personagens  virtuais.      Ghostcatching  está  baseado  na  captura  óptica  do  movimento,  é  um  sistema  óptico  de  Mocap   e   se   utilizando   de   câmeras   infravermelhas   e   computadores   com   hardware   e  software  capazes  de   realizar  uma  representação  3D  dos  corpos  que  bailam.  Capturar  dados,   em   esse   processo,   implica   na   colocação   de   marcas   reflexivas   em   posições  estratégicas,   inclusive   na   parte   de   cima   do   corpo   do   performer.   Existem   câmeras   ao  redor   do   performer,   capturando   o   rastro   do   movimento   no   ambiente,   alimentando  assim   com   o   sistema   cibernético.   Os   dados   da   captura   do   movimento  subsequentemente  dirigem  os  movimentos  das  figuras  simuladas  no  ordenador,  onde  eles  podem  ser  transferidos  para  outras  anatomias  em  um  software  de  animação.  Essa  ferramenta  de  animação  pode  desenhar  e  reconfigurar  os  movimentos  capturados  e  as  trajetórias     da   dança.   Ghostcatching,   entre   outros   obras   artísticas,   aponta   algumas  novas   direções   para   que   possamos   refletir   sobre   a   autonomia,   circularidade,   e   auto-­‐referencia  dos  sistemas,  baseados  na  Segunda  Cibernética  de  Forster,  já  que  os  dados  capturados  derivam-­‐se  em  outros  que    novamente  são  introduzidos  ao  sistema.    Em  colaboração  com  a  Merce  Cunningham  Dance  Company,  o  grupo  OpenEnded    criou    Hand   Drawn   Spaces   que   foi   apresentado   na   Association   for   Computing  Machinery´s  Special   Interest   Group   on   Computer   Graphic   (SIGGRAPH,   1998),   que   assim   como  GhostCatching  teve  atualizações  até  2009.  Nesse  trabalho  Cunningham  e  o  OpenEnded  usaram  a  combinação  complexa  de  sensores  sensíveis  a  luz,  câmeras  ópticas  e  Mocap,  além  de  técnicas  de  projeção  com  imagens  em  tamanho  real  dos  performers,  para  criar  assim  uma  dança  impossível  de  ser  feita  no  palco.    Criado  em  2002,  e  recriado  em  2005  para  o  Ars  Electrónica  (Áustria)  e    atualizado  em  2007,   também   desenvolvida   na   parceria   de   Cunningham   com   o   OpenEnded,   a   obra  Loops   foi   derivada   dos  movimentos   das  mãos   de   Cunningham,   utilizando   tecnologia  Mocap  para  criar  assim  um  porta-­‐retrato  desse  famoso  coreógrafo,  e  registrando  não  a  aparência     visual   dele,   mas   uma   ilustração   gráfica   e   animada   da   sua   particular   e  complexa   forma   de   dançar.   Os   movimentos   capturados   através   de   marcadores   nas  articulações  de  Cunningham,  formavam  uma  rede  de  inúmeros  nós,  como  um  rizoma,  e  através  do  sistema  travavam  entre  si   relações   instáveis  e  complexas,  como  mais  uma  possibilidade   de   exemplificarmos   as   qualidades   de   auto-­‐referencia   e   circularidade,  além  de  retroalimentação    que  um  sistema  cibernético  possui.  

                                                                                                               2  Ver  a  homepage  do  grupo  OpenEnded  In:  http://openendedgroup.com  (acesso  em  21/03/2012).  

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Conclusões          Contemporaneamente,  a  dança  pode  se  atualizar  e  se  redimensionar  em  seus  suportes,  mídias,  metodologias  e   formatos  através  das   tecnologias  digitais  de  Mocap   e  Motion  tracking,  que  aqui  são  considerados  como  protocolos  da  mesma  família  cibernética  e  que  provocam  a  construção  de  novas  poéticas  no  atual  estado  da  arte.    Ao   Elétrico   –   Grupo   de   Pesquisa   em   Ciberdança   nos   interessa   investigar   em   nossos  projetos  de  pesquisa  sobre  estas  novas   tecnologias  produzindo  novos  conhecimentos  artísticos  e  científicos  nessa  área  de  interface,  ainda  pioneira  e  recente,  entre  dança  e  novas  tecnologias  digitais.    As   tecnologias   Motion   tracking   e   Mocap   se   entrelaçam   e   se   ramificam   em  possibilidades  e  formas,  configurando-­‐as  como  artefatos  tecnológicos  contemporâneos  que  dialogam  e  que  ciberneticamente  se  retroalimentam  já  que  o  desenvolvimento  de    novas  técnicas  e  softwares  em  uma  dessas  linguagens  tecnológicas  subsequentemente  contamina  e  influencia  o  estado  da  arte  da  outra.  Diversos  artistas  e  investigadores  se  utilizam  dessas  tecnologias  para  seus  estudos  e  obras,  portanto  não  seria  diferente  no  campo  da  Dança,  que  em  interface  com  essas  recentes  tecnologias  se  redimensiona  e  se  atualiza  na  Contemporaneidade,  ampliando  estrategicamente  seus  territórios.        Nossa   intenção  é  de  registrar  e  de  anotar  historicamente  esses  fatos  refletindo  sobre  eles  embasados  na  Teoria  Cibernética  de  Wiener   (1948)  e  de  Foerster   (1995)  e  ainda  contar   com   a   contribuição   de   autores   contemporâneos   como   Louppe   (2000)   que   se  dedicam  a  analisar  poéticas  contemporâneas  e  emergentes,  aplicando  em  nosso  caso  específico  a  Dança  Digital.      Na  área  da  Dança  em   interface   com  as   tecnologias  digitais,   a  poética  emergente  das  tecnologias  Mocap   e  Motion   tracking   assumem   uma   possibilidade   contemporânea   e  inovadora  que  ao  utilizar  os  recursos  digitais  e  criar  relações  cibernéticas  também  com  o  corpo  humano,  esse  mais  complexo  sistema  cibernético,  numa  última  instância  criar  novas   formas   de   arte,   atualizando   e   redimensionando   os   fazeres   da   dança   e  estrategicamente  amplia  os  territórios  da  Dança.    Agradecimentos    Os  autores  agradecem  ao  apoio  da  Capes  (Capacitação  e  Aperfeiçoamento  de  Pessoal  do  Ensino  Superior),  ao  Programa  de  Pós-­‐graduação  em  Dança  da  Escola  de  Dança  da  UFBA,   ao   Dr.   Soenke   Zehle   (xm:Lab/HBK   Saar),   Jan   Tretschok   (xm:Lab/HBK   Saar),  Janosh  Obernauer,  Valéria  Palmieri,  Valentin  Glaser,  Mirella  Misi  do  Slash  Laboratório  de  Arte  e  Tecnologia  (Holanda),  Robert  Wechsler  (Palindrome  Intermedia  Performance  Group),   Mariana   Carranza,   Prof.   Dr.   Sarah   Whatley   (Coventry   University)   e   aos  integrantes  do  Elétrico  -­‐  Grupo  de  Pesquisa  em  Ciberdança  (CNPq/UFBA).    

   

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Bibliografia      KITAGAWA,  M.  WINDSOR  B.,  Mocap   for  Artists:  workflow  and  Techniques   for  Motion  Capture,  USA:  Elsevier  Inc,  2008.    LOUPPE,   Laurence,   Poetique   de   la   Danse   contemporaine,   Paris:   Deuxième   Edition,  2000.    MENACHE,   Alberto,   Understanding   Motion   capture   for   Computer   Animation,   USA:  Elsevier  Inc.,  2011.    von   FOERSTER,   Heinz.   Understanding   Understanding:   Essays   on   Cybernetics   and  Cognition,  New  York:  Spring-­‐Verlag,  2003.    von   FOERSTER,   Heinz.   Cybernetics   of   Cybernetics:   The   control   of   control   and   the  communication  of  communication,  Mineapolis:  Future  Systems  Inc.,  1995.    WECHSLER,   R.   “Motion   Trackings:   a   pratical   guide   for   performing   arts”,   In:  http://www.palindrome.de  (Consulta  em  12/07/2011).    WIENER,   Norbert,   Cibernética   e   sociedade:   o   uso   humano   de   seres   humanos,   São  Paulo:  Editora  Cultrix,  1954.