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Rodrigo Fileto Cuerci Maciel
INTELIGÊNCIA DE ESTIMATIVA:
A EXPERIÊNCIA ESTADUNIDENSE
Trabalho de Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública, oferecido pela Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais em parceria com o Centro Universitário Newton Paiva
Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco
Belo Horizonte
Centro Universitário Newton Paiva Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
2010
Centro Universitário Newton Paiva Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
Curso de Pós-Graduação de Especialização em Inteligência de Estado e
Inteligência de Segurança Pública
Projeto de pesquisa intitulado “Inteligência de estimativa: a experiência
estadunidense”, de autoria de Rodrigo Fileto Cuerci Maciel, considerado
aprovado, com a nota 95 (noventa e cinco), pela banca examinadora
constituída pelos seguintes professores:
____________________________________________________________
Professor Doutor Denilson Feitoza Pacheco – Orientador
____________________________________________________________
Professora Doutora Marta Macedo Kerr Pinheiro
____________________________________________________________
Professor Especialista José Eduardo da Silva
____________________________________________________________
Professor Especialista Vladimir de Paula Brito
Belo Horizonte/MG, 22/maio/2010.
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, Bairro Barro Preto
30140-062 - Belo Horizonte - MG Tel: 31-3295-1023.
www.fesmpmg.org.br
RESUMO
Efetua-se pesquisa acerca do conceito de Inteligência de Estimativa, seus
propósitos, processo de produção e importância. Para isso, analisa-se a forma
como é praticada nos Estados Unidos, utilizando-se, como referencial teórico,
estudos e documentos de Estado desclassificados, bem como revisão de
literatura sobre o tema. Trata-se de um produto de assessoramento
direcionado aos dirigentes políticos do mais alto nível governamental. Seu alvo
são as entidades estrangeiras, sejam atores estatais ou outros tipos de
entidades transnacionais, que causam uma ameaça, real ou potencial, aos
interesses ou segurança do Estado. Um produto estimativo parte de
informações coletadas por todo o sistema governamental para, em seguida,
rumar ao desconhecido, avaliando as forças atuantes sobre a questão e
especular sobre as prováveis linhas de ação do adversário. Sua produção
envolve toda a comunidade de inteligência assim como especialistas externos,
tornando-se o mais completo e competente julgamento que um sistema de
inteligência pode produzir.
Palavras-chave: Inteligência de Estimativa; Inteligência de Estado; Inteligência
Estratégica; Análise de Inteligência; Estados Unidos da América.
ABSTRACT
This research is about the concept of Intelligence Estimative, its purposes,
production process and importance. For this, it´s analyzed the way it is
practiced in the United States using the theoretical studies, State declassified
documents and also reviews of literature on the subject. It concludes that it is an
assessment product for political leaders of the highest government level. Its
target is the foreign entities – state actors or any types of transnational
organizations - which can cause a threat, real or potential, to the interests or
national security. An estimative product starts with the information collected in
the entire government system to head to unknown, assessing the active forces
about the problem and speculate on the possible courses of opponent actions.
Its production involves the entire intelligence community as well as outside
experts, making it the most comprehensive and competent trial that an
intelligence system can produce.
Keywords: Estimative intelligence; intelligence of State; Strategic intelligence;
intelligence analysis; United States of America.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Pirâmide de humint de acordo com a sensibilidade,
quantidade e valor da fonte...............................................................................27
FIGURA 2 – Esboço do processo de inteligência.................................................35
FIGURA 3 – A pirâmide da produção do conhecimento especulativo...............51
FIGURA 4 – Organograma do Escritório Nacional de Estimativas....................65
FIGURA 5 – Palavras de estimativa..................................................................77
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABIN – Agência Brasileira de Inteligência
CIA – Central Intelligence Agency
COI – Office of the Coordinator of information
DCI – Diretor Central de Inteligência
DNI – Diretor Nacional de Inteligência
DoD – Department of Defense
DSN – Doutrina de Segurança Nacional
EUA – Estados Unidos da América
EOU – Enemy Objectives Unit
FBI – Federal Bureau of Investigation
IAC – Intelligence Advisory Committe
KGB – Komitet Gosudarstveno Bezopasnosti
NCS – National Clandestine Service
NIC – National Intelligence Council
NIC – National Intelligence Board
NIE – National Intelligence Estimate
NIO – National Intelligence Office
NCS – National Clandestine Service
NSC – National Security Council
ONU – Organização das Nações Unidas
ORE – Office of Reports and Estimates
ONE – Office of National Estimates
OSS – Office of Strategic Services
MI5 - Military Intelligence, section 5
R&A – Research and Analysis Branch
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 9
2 CONCEITUAÇÃO E EVOLUÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA.............................. 12
2.1 INTELIGÊNCIA POSITIVA ........................................................................................................... 15
2.2 INTELIGÊNCIA MILITAR ............................................................................................................. 17
2.3 INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA E CONTRAINTELIGÊNCIA ......................................................... 19
2.4 CICLO DE INTELIGÊNCIA .......................................................................................................... 21
2.4.1 Requerimento ................................................................................................................... 22
2.4.2 Planejamento e direção .................................................................................................. 23
2.4.3 Coleção de única fonte e processamento .................................................................... 23 2.4.3.1 Fontes abertas ...................................................................................................................... 25 2.4.3.2 Inteligência humana (humint) ............................................................................................. 26 2.4.3.3 Inteligência de sinais (sigint) ............................................................................................... 30 2.4.3.4 Inteligência de imagens (imint) ........................................................................................... 31
2.4.4 Análise de todas as fontes ............................................................................................. 32
2.4.5 Difusão............................................................................................................................... 35
3 CONHECIMENTOS DE INTELIGÊNCIA ................................................................................... 37
3.1 CONHECIMENTOS DESCRITIVO-BÁSICOS ................................................................................ 37
3.2 CONHECIMENTOS CORRENTES ............................................................................................... 38
3.3 INDICAÇÕES E ALERTAS .......................................................................................................... 39
4 INTELIGÊNCIA DE ESTIMATIVA............................................................................................... 44
4.1 O CONHECIMENTO ESPECULATIVO-AVALIATIVO ..................................................................... 46
4.1.1 Processo de produção do conhecimento especulativo-avaliativo ............................ 49
4.1.2 Construção de cenários .................................................................................................. 53
4.2 EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA ORGANIZACIONAL .................................................................... 55
4.2.1 Sistema de estimativa antes da criação da CIA .......................................................... 56
4.2.2 A criação da CIA e o surgimento da Estimativa Nacional de Inteligência ............... 60
4.2.3 O Escritório de Estimativas Nacionais .......................................................................... 64
4.2.4 Os Escritórios Nacionais de Inteligência ...................................................................... 67
4.2.5 Conselho Nacional de Inteligência ................................................................................ 70
4.3 PROCESSO DE PRODUÇÃO DAS NIES ..................................................................................... 72
4.3.1 Requerimento ................................................................................................................... 73
4.3.2 Seleção do coordenador e do redator .......................................................................... 73
4.3.3 Termos de referência ...................................................................................................... 74
4.3.4 Confecção do rascunho .................................................................................................. 75
4.3.5 Coordenação com outras agências em nível de trabalho ......................................... 78
4.3.6 Análise pelo Serviço Clandestino Nacional ................................................................. 78
4.3.7 Revisão pelo Conselho Nacional de Inteligência ........................................................ 80
4.3.8 Painel de revisão .............................................................................................................. 80
4.3.9 Disseminação ................................................................................................................... 81
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 86
6 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 88
9
1 INTRODUÇÃO
A atividade de inteligência remonta aos tempos mais antigos. Desde
quando o ser humano começou a travar batalhas, primeiramente entre tribos,
depois entre reinos, e num tempo mais recente entre nações, os comandantes
procuravam saber informações sobre o exército inimigo para auferir vantagem
nas batalhas e, por conseguinte, vencer a guerra.
Porém, inteligência, como atividade institucional e sistematizada, é
advento recente. Enquanto na antiguidade as ordens eram dadas por
mensageiros, a invenção do rádio fez com que a “distância” entre o comando e
a frente de batalha encurtasse. As armas com miras rudimentares foram
trocadas por um sistema mais preciso, o cano raiado. A artilharia começou a
cobrir uma distância maior e com mais precisão. Aliado a isso, o surgimento do
trem, veículos e navios com propulsão a vapor tornou a movimentação de
tropas mais rápido.
Todas estas inovações tecnológicas, dentre outras, abriram um
grande leque de oportunidades ao exército atacante em obter vantagem
estratégica lançando mão de um ataque fulminante. Daí se começou a
sistematização da atividade de inteligência.
O maior impulso ocorreu durante a segunda guerra mundial que
durou de 1939 a 1945. Este grande conflito bélico mostrou que em tempos de
guerra total, torna-se maior a necessidade de informações sobre o inimigo. A
maioria das disciplinas de coleta de inteligência tem seus alicerces nas
necessidades identificadas na segunda guerra mundial.
Assim, utilizando o avião e uma máquina fotográfica se registravam
a disposição das tropas inimigas em terreno e suas fontes de suprimento. O
surgimento do rádio, um sistema público de comunicações por meio de ondas
eletromagnéticas que atravessam o ar, e sua utilização para fins militares,
fizeram com que surgissem complexos sistemas de interceptação sobre as
comunicações inimigas. Deste modo, a partir da coleta sistematizada de várias
disciplinas, o aparato de inteligência cresceu.
10
Na segunda guerra, evoluíram também as técnicas de negação e
engano, destinadas a iludir o adversário com relação ao verdadeiro plano de
ataque engendrado. Deste modo, informações eram deliberadamente
repassadas com a finalidade de enganar.
Com todas essas oportunidades de coletar informações através de
meios tecnológicos, somadas àquelas deliberadamente repassadas pelo
adversário para confundir, surgiu a necessidade de análise. Nasce assim, uma
nova função de inteligência cuja função é avaliar a grande massa de dados
disponíveis para a partir destes tirar conclusões acerca das capacidades e
intenções do inimigo.
Terminada a segunda guerra mundial, uma nova ordem mundial foi
instaurada com duas novas potências emergentes. Por um lado, liderando o
bloco capitalista veio os Estados Unidos tendo como seu principal antagonista
no bloco socialista a já extinta União Soviética. Ambos possuíam enormes
arsenais nucleares o que serviu como mecanismo mútuo de dissuasão para um
conflito direto.
Porém, visando resguardar suas áreas de influência, os sistemas de
inteligência passaram a analisar ainda mais as capacidades e intenções dos
adversários no sentido de antecipar suas ações pelo mundo, fossem elas
políticas ou militares.
É neste contexto que, em 1947, os Estados Unidos criaram sua
primeira agência de inteligência central e, em 1950, iniciaram a construção de
um modelo de inteligência, voltado ao assessoramento do mais alto escalão
governamental, tendo em vista analisar os desdobramentos futuros dos atores
adversos, utilizando-se de todas as informações relevantes disponíveis na
comunidade de Inteligência. Nos Estados Unidos, esta atividade é chamada de
inteligência de estimativa.
Desta forma, o problema deste trabalho busca responder à seguinte
indagação: O que é, e como é praticada a inteligência de estimativa nos
Estados Unidos?
11
Cabe então explicar o porquê da escolha deste país como objeto de
pesquisa. Quando dos inícios dos estudos sobre sistemas de assessoramento
de alto nível, observamos que os dois países que mais avançaram nesta
aplicação foram os Estados Unidos e a Inglaterra. Sendo assim, um dos
motivos para escolha do primeiro é devido ao seu peso mundial como potência
econômica, militar e possuidora do maior aparato de inteligência conhecido na
atualidade. Além disso, pode-se dizer de certa forma que foram eles os
“vencedores” da guerra-fria.
O outro motivo preponderante, de cunho eminentemente prático, é a
grande produção de livros e artigos sobre inteligência neste país, além da
disponibilização na internet de uma enorme quantidade de materiais
desclassificados, dentre eles, inúmeros produtos estimativos.
Outro ponto de suma importância, mais especificamente ligado ao
Brasil, diz respeito à escassez de literatura sobre o tema que esteja disponível
em fontes abertas, bem como, a ausência de informações sobre, produtos de
cunho estimativos, gerados pelas agências de inteligência brasileiras e tiveram
relevância na formulação política nos assuntos relativos à segurança nacional.
Sendo assim, para responder a pergunta proposta, esta monografia
será dividida em três partes.
Na Parte I, Estudaremos os pressupostos e o marco teórico-
conceituais, fundamentando os conceitos da área de inteligência e
contextualizando em qual ramo se encontra a inteligência de estimativa.
Buscaremos estudar ainda o ciclo de inteligência no intuito de explicitar os
diversos atores e processos englobados pela atividade.
Na Parte II, abordaremos os tipos de conhecimentos estratégicos
produzidos pela atividade de inteligência.
Na Parte III, trataremos sobre a conceituação da inteligência de
estimativa, especialmente como é praticada nos Estados Unidos. Para isso,
discutiremos, primeiramente, qual o tipo de conhecimento produzido. Em
seguida, estudaremos a evolução organizacional do sistema para, no final,
tratarmos do processo de elaboração do documento formal.
12
2 CONCEITUAÇÃO E EVOLUÇÃO DA ATIVIDADE DE
INTELIGÊNCIA
Antes de iniciarmos a discussão sobre inteligência de estimativa
buscaremos, inicialmente, fixar alguns parâmetros que acreditamos de grande
importância, no que diz respeito aos conceitos e procedimentos envolvidos na
atividade de inteligência. Quais as atividades são abarcadas por este conceito
e quais produtos são gerados na e pela atividade?
Inteligência é uma das atividades informacionais dentre diversas
outras dentro do aparato estatal. Trata-se de um dos sistemas de gestão do
conhecimento governamental, desempenhado por instituições específicas
vinculadas ao poder coercitivo estatal, que objetiva suprir os gestores com
informações relevantes, confiáveis e produzidas em tempo hábil.
Porém, não se trata de toda e qualquer informação, mas de um
processo no qual, em seu ciclo de produção de resultados, geralmente
demanda acesso a determinadas informações de difícil obtenção, sejam elas
negadas ou protegidas por sistemas de senhas, cifras ou outro tipo de
procedimento. Neste sentido, tal acesso implica um conflito entre vontades,
cuja possibilidade de intervenção e violação dos sistemas de segurança
constitui-se em prerrogativas do estado, detentor legítimo do monopólio dos
meios de coerção. Tal intervenção, em um estado democrático, deverá
considerar sempre a proporcionalidade entre os interesses deste mesmo
estado e as ameaças implicadas.
Sherman Kent1 (1967), ao definir o que seria inteligência desdobra
este conceito a partir de três perspectivas: a) atividade; b) conhecimento; e c)
organização.
Como conhecimento, inteligência busca responder aos governantes
questões específicas relacionadas aos conflitos com os quais o Estado se 1 Sherman Kent foi analista de inteligência da OSS (The Office of Strategic Services), órgão dos Estados Unidos responsável por análise de informações na segunda guerra mundial. Com o fim da guerra, Kent retornou à sua vida acadêmica nela permanecendo até 1950, quando então ingressou nos quadros da recém-criada Agência Central de Inteligência estadounidense, como subchefe do Escritório Nacional de Estimativas. Em 1952, Kent assumiu a direção do referido escritório até sua aposentadoria em 1967.
13
depara, ou seja, ela visa obter informações sobre as capacidades e intenções
do adversário com o objetivo de subsidiar a ação e formulação política por
parte dos tomadores de decisões governamentais.
Como atividade, inteligência possui duas dimensões, uma operativa
(coleção) e a outra analítica (análise). A primeira diz respeito ao modo pelo
qual os serviços de inteligência buscam superar os obstáculos impostos pelo
adversário com o objetivo de coletar informações úteis sobre seus planos,
intenções e capacidades. Superada esta primeira fase, tornam-se necessários
o processamento e a análise dos produtos de coleta com o objetivo de moldar
o quadro sobre o assunto estudado o mais próximo possível da realidade.
Como organização, inteligência se refere à arquitetura
organizacional na qual o aparato estatal está distribuído de forma a executar
atividades de coleção e análise de informações. Apesar de não haver uma
estrutura de funcionamento uniforme ao se compararem os diversos serviços
de inteligência nacionais, de maneira geral ela é composta de uma
coordenação central e demais instâncias departamentais responsáveis por
colecionar dados e/ou proceder análises específicas de acordo com suas áreas
de especialização.
A estas três perspectivas explanadas por Sherman Kent, devemos
ainda adicionar um fator delimitador, qual seja, a existência de relação
adversarial contra o Estado. Desta forma, seguem-se algumas definições
acerca da atividade de inteligência.
Neste sentido, Marco Cepik argumenta que o escopo dos serviços
de inteligência é a “[...] a compreensão de relações adversariais, e por isso a
maioria de seus alvos e/ou problemas é principalmente internacional e difícil.” E
Mesmo os alvos internos são tomados no sentido adversarial “aos olhos do
arcabouço constitucional e da ordem política constituída.” (CEPIK, 2003, p. 29).
Explicando sobre os aspectos próprios da inteligência militar, John
Keegan argumenta que inteligência consiste nos “esforços para evitar que o
inimigo obtenha uma vantagem militar e para obter essa vantagem para si.”
(KEEGAN, 2006; p. 20, grifo nosso).
14
Schmitt e Shulsky argumentam que inteligência se refere à “[...]
informações relevantes para formulação e implementação da política nas áreas
de interesse da segurança nacional bem como lida com ameaças de atuais ou
potenciais adversários.”2 (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 01, tradução nossa).
De acordo com Michael Herman “[...] a maioria dos alvos são
estrangeiros. [...] Inteligência é sobre ‘eles’, não sobre ‘nós’. Ela não é auto-
conhecimento.”3 (1996, p. 34, tradução nossa). O estudioso inglês argumenta
que mesmo os alvos internos da inteligência deverão ser estudados como
“estrangeiros” na medida em que ameaçem o Estado ou a sociedade de
alguma forma especial.
De forma elucidativa, Robert Clark (2006, p. 09) discorre que
inteligência é sobre um conflito, dando apoio informacional à operações
militares, negociações diplomáticas, negociações e políticas comerciais no
estrangeiro e aos órgãos de repressão penal.
Tomando como base tais ensinamentos, levaremos em conta que a
inteligência, como atividade de suporte informacional, tem como escopo a
busca de informações que servirão de base para a formulação de políticas e
ações relacionadas à segurança nacional.
Cabe então analisar o que se entende por segurança nacional e
seus reflexos sobre a atividade de inteligência no campo interno e externo.
Num sentido amplo, segurança diz respeito a um estado desejável,
que permita aos indivíduos e sociedades o estabelecimento de laços estáveis,
sejam do ponto de vista cultural ou comercial (PROENÇA JR; DINIZ, 1998, p.
55).
A partir da formação do Estado, este, como tutor de seus cidadãos,
passou a garantir a manutenção da situação de segurança através de medidas
e padrões que neutralizem as ameaças que impeçam a estabilidade acima
referida. Cepik (2003, p. 138) argumenta que tais medidas devem ser
2 Intelligence refers to information relevant to a government’s formulation and implementation of policy to further its national security interests and to deal with threats from actual or potential adversaries. 3 […] most of its targets are foreign. […] Intelligence is about ‘them’, not ‘us’; it is not self-knowledge.
15
proporcionais em relação à ameaça, correndo o risco de que elas próprias
ameacem à existência do objeto que se pretende proteger.
Deste modo, uma política de segurança seria composta de duas
dimensões. A primeira seria a externa, voltada para assuntos de defesa contra
ações de outros Estados (PROENÇA JR; DINIZ, 1998, p. 55-6). É neste
aspecto que se enquadram as políticas militares e diplomáticas com as
respectivas ações de inteligência focada na compreensão das relações
adversariais externas.
A segunda seria a interna, voltada para ações do Estado que
objetivam assegurar o monopólio do uso da força dentro de seu território
(PROENÇA JR; DINIZ, 1998, p. 55-6). Aqui, se relacionam as políticas de
provimento da ordem pública e as ações de inteligência que objetivam
identificar ações externas em território nacional. Uma ramificação sobre a
atividade de inteligência no campo interno é a investigação sobre organizações
criminosas.
Estabelecido o campo do conflito como delimitador da atividade de
inteligência, bem como suas dimensões internas e externas, vamos analisar
sua origem a partir de suas três matizes históricas – Diplomacia, guerra e
policiamento (CEPIK, 2003, p. 91-102; HERMAN, 1996, p. 2-135) – as quais
conformariam as três principais áreas de atuação dos serviços de inteligência
moderno, respectivamente, inteligência positiva, inteligência militar e
inteligência de segurança.
2.1 Inteligência positiva
Também chamada de inteligência externa, é o ramo da inteligência
que visa buscar informações estratégicas no exterior sobre atores estatais ou
não estatais que ameaçem os interesses ou a segurança do país. De acordo
com Kent (1967, p. 17) inteligência positivas de alto nível de exterior trata dos
conhecimentos que o Estado “[...] deve possuir em relação aos outros estados
a fim de assegurar que nem sua causa nem suas iniciativas falhem, devido ao
fato de seus estadistas e soldados planejarem e agirem na ignorância.”
16
A origem deste tipo de inteligência tem origem na consolidação das
atividades diplomáticas na Europa do século XVI e XVII. Nesta época, as
representações diplomáticas nos países vizinhos “serviam tanto para a
representação e a negociação dos interesses coletivos das unidades políticas
quanto para obtenção e a comunicação das informações.” (CEPIK, 2003, p.91).
Como exemplo, a Inglaterra criou um aparato destinado a interceptar
correspondências no exterior, forjar selos e quebrar códigos e cifras levando os
resultados para os reis, isso já no século XVIII. A inglaterra começou também a
disponibilizar dinheiro para compra de inteligência intercontinental. (HERMAN,
1996, p. 13).
Herman (1996, p. 13) argumenta que existem duas diferenças entre
a atividade de inteligência exercida na época com a inteligência moderna. Em
primeiro lugar, apesar da coleta no campo diplomático ser bem estabelecida,
faltavam instituições permanentes para coleta de informações em outras áreas.
Além disso, faltava controle e avaliação sobre os resultados obtidos
por intermédio da atividade de inteligência, bem como a separação desta do
processo decisório pois, “para reis e ministros ‘intelligência’ em todos os seus
aspectos era parte do estadismo, inseparável do exercício do poder.”4
(HERMAN, 1996, p. 13, tradução nossa).
Gradativamente foi se operando a separação das duas atividades. A
atividade diplomática ficou com a tarefa de representar políticamente o Estado
perante o país extrangeiro. Já a atividade de inteligência, ficou com o papel de
fazer redes de contatos clandestinos e produzir conhecimentos acerca das
capacidades e intenções de países estrangeiros.
A inteligência de estimativa, objeto de estudo principal deste
trabalho, é um principalmente um produto deste ramo de inteligência. É através
do sistema de estimativa de uma comunidade de inteligência que os
governantes dos mais altos níveis governamentais recebem informações
4 For kings and ministers ‘intelligence in all its aspects was part of statecraft, inseparable from the exercise of power.
17
acerca dos planos, intenções e capacidades dos adversários estrangeiros,
sejam eles Estados ou organizações não estatais.
2.2 Inteligência militar
Na guerra torna-se indiscutível a necessidade de informações sobre
as capacidades do inimigo para obtenção da vitória com custos em vidas
humans e materias minimizados. “Desde os tempos mais remotos, os líderes
militares sempre procuraram obter informações sobre o inimigo, seus pontos
fortes, suas debilidades, suas intenções e sua organização bélica.” (KEEGAN,
2006, p. 25).
Cerca de 500 A.C. foi redigido na China um manual com treze
capítulos intitulado de “A arte da guerra” de autoria do general Sun Tzu. Neste
manual encontramos algumas referências com relação a estudo de fatores
necessários a serem conhecidos pelo comandante de um exército, quais
sejam: influência moral, clima, terreno, comando e doutrina. Em seu capítulo
XIII, Sun Tzu aborda ainda o uso de espiões para melhor conhecer o inimigo
(SUN TZU, 2008).
Entretanto, conhecimento sistematizado acerca do inimigo para
obtenção de vantagem estratégica e tática no campo de batalha seria advento
recente obitido “[...] somente com as mudanças radicais introduzidas na área
militar durante o período da Revolução Francesa e de Napoleão que começou
a mudar o significado da inteligência para o comando.” (CEPIK, 2003, p. 95)
Antes da era napoleônica os combates eram efetuados através de
colunas táticas fazendo se parecendo mais com um desfile militar com
priorização da ordem e da disciplina. O advento de inovações tecnológicas
próprias da era industrial transcederam para o campo militar adicionou
desordem ao combate, pois, lutar em linhas de formação contra metralhadoras
e rifles raiados se tornou uma prática suicida (LIND, 2005).
Aliado a isso, houve a evolução das comunicações diminuindo o
lapso temporal entre a ordem do comando e o seu recebimento no campo de
18
batalha. Tal desordem gerou a necessidade de adaptação por parte dos
comandos militares conforme Herman explica:
A mudança no statuts da inteligência vem da nova tecnologia militar da segunda metade do século dezenove e seus efeitos no comando. Exércitos adquiriram armas melhoradas e o uso de ferrovias e comunicações telegráficas; Marinhas vieram a ter embarcações de ferro com propulsão a vapor, grandes canhões, explosivos, blindagem, e (muito depois) a introdução do rádio. Guerra envolvia grandes exércitos ao longo de grandes áreas, com mais oportunidades para surpresa estratégica e vitória através de rápido movimento e concentração. Comando teve de adaptar-se para esta nova escala de complexidade. [HERMAN, 1996, p. 16, tradução nossa]5.
Uma prática usual em tempos de paz é a utilização pela inteligência
militar de adidos militares sediados em outros países para a troca de
experiência e coleta de dados a respeito do exército estrangeiro. Conforme
Herman (1996, p. 357) escreveu, “Adidos de defesa – se linguisticamente
treinados apropriadamente – podem se tornar [...] as principais autoridades nas
forças estrangeiras para as quais eles estão autorizados.”6
Já em época de guerra, o acesso de adidos militares provavelmente
será restringido pelo país adversário, sendo assim, a inteligência militar utilizará
os demais recursos disponíveis pela comunidade de inteligência para obter
informações, tais como fotografias aéreas e fontes humanas.
Na segunda guerra mundial (1939-1945) temos o exemplo da
utilização de espionagem tendo em vista ludibriar os inimigos sobre as
verdadeiras ações de combate a serem tomadas.
Keegan (2006, p.345-347) e Schmitt e Shulsky (2002, p.112-114)
relatam a utilização de agentes duplos pela inteligência britânica para
manipulação do serviço secreto alemão, chamando na época de Abwehr. Um
dos agentes duplos mais famosos da rede criada pelos britânicos é o de
5 The change in intelligence’s status came from the new military technology of the second half of the nineteenth century and its effects on command. Armies acquired improved weapons and the use of railways and telegraph communications; navies came to have iron construction, steam propulsion, big guns, explosives and armour, and (much later) the introduction of radio. Warfare involved bigger armies over bigger areas with more opportunities for strategic surprise and victory by rapid movement and concentration. Command had to adapt itself to this new scale and complexity. 6 Defence attachés – if properly trained linguistically – can once again become the main authorities on the foreign forces to which they are accredited.
19
codinome Garbo (chamado na vida real de Juan Pujol García). Operando a
partir de Lisboa, Garbo convenceu os alemães de que possuía na Grã-
Bretanha uma rede de agentes com acesso a informação de guerra dispostos a
repassá-las aos alemães em troca de dinheiro.
Em seguida, transferindo aos britânicos sua dupla lealdade, conseguiu formar em sua área virtual de operações uma rede de 27 agentes completamente fictícios, cujas despesas, pagas a ele pela Abwehr em dinheiro vivo, chegaram em certo momento a 31 mil libras. [KEEGAN, 2006, p. 345]
De acordo com o oficial do MI5 que dirigia o sistema de agentes
duplos, havia sete objetivos a serem cumpridos: 1) Controlar o sistema de
espionagem inimigo; 2) capturar espiões sendo infiltrados dentro do país; 3)
Adquirir conhecimentos sobre as pessoas e métodos do serviço secreto
alemão; 4) Obter informações sobre os códigos e cifras do serviço alemão; 5)
Obter evidências sobre os planos e intenções dos inimigos através das
requisições feitas aos espiões e consequentemente; 6) influenciar planos e
intenções dos alemães através de respostas plantadas aos espiões; e 7)
Enganar o inimigo sobre os planos e intenções de guerra Britânico (SCHMITT;
SHULSKY, 2002, p. 112).
2.3 Inteligência de segurança e contrainteligência
De acordo com Cepik a inteligência de segurança tem origem na
área de policiamento interno, surgido na Europa no século XIX “[...] decorrente
da percepção de ameaça representada por movimentos inspirados na
Revolução Francesa e pelo nascente movimento operário anarquista e
socialista.” (CEPIK, 2003, p. 99).
As forças policiais começaram então a utilizar técnicas próprias da
atividade de inteligência, tais como uso de informantes e interceptação de
correspondências, para monitoração dos inimigos do regime. A mais antiga
instituição específica para este propósito foi a Terceira Seção Russa da
20
Chancelaria Imperial fundada em 1826, que depois foi sucedida pela Okhrana e
seu descendente comunista, o Komitet Gosudarstveno Bezopasnosti7 (KGB).
Entretanto, com o advento das duas grandes guerras mundias e a
revolução russa, esta faceta do policiamento interno voltou-se ao combate dos
inimigos externos do estado que agiam dentro do território nacional (CEPIK,
2003, p. 100).
Nas últimas décadas, o crime organizado, tráfico de drogas e crimes
eletrônicos passaram também a ser assunto tratado pela inteligência interna. A
expansão neste campo “ocorreu de forma mais ou menos concomitante com a
transformação dos antigos serviços secretos e polícias políticas em serviços de
inteligência de segurança (security intelligence), principalmente nos países
democráticos.” (CEPIK, 2003, p. 100).
Como desdobramento da inteligência de segurança, temos a
contrainteligência, que em linhas gerais, diz respeito à informação analisada e
coletada, e atividades empreendidas, para proteger a nação contra ações do
serviço de inteligência estrangeiro (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 99). Tais
ações não se restringem ao território nacional podendo ser desenvolvidas
ativamente no exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, a contraespionagem
interna fica a cargo de sua polícia federal, o Federal Bureau of Investigation8
(FBI), e a contraespionagem externa é função da sua agência de inteligência
externa, a Central Intelligence Agency9.
Cepik (2003, p. 58) escreve que contrainteligência “[...] depende da
identificação das operações de coleta de inteligência de um adversário, da
detecção e da neutralização dos meios intrusivos de obtenção de informações
utilizados por um governo ou organização considerada hostil.”
Para identificação das operações de coleta de inteligência do ator
adverso, torna-se necessário entender sua capacidade tecnológica e seus
meios de coleção. Por causa desta grande amplitude de ação e à constante
atualização tecnológica, a contrainteligência não foca apenas às atividades de
7 Comitê de Segurança do Estado (tradução nossa) 8 Escritório Federal de Investigação (tradução nossa) 9 Agência Central de Inteligência (tradução nossa)
21
contraespionagem, possuindo um campo mais amplo (SCHMITT; SHULSKY,
2002, p. 114). Por exemplo, a situação explanada no capítulo seguinte na qual
a China testa mísseis contra satélites espaciais, abre uma possibilidade no
campo de contrainteligência para neutralizar monitoramento de imagens e
comunicações efetuadas através de um satélite adversário.
A atividade de espionagem, como ferramenta da contrainteligência,
envolve a identificação e recrutamento de oficial estrangeiro que por sua
posição ou confiança de seu governo, tem acesso a importante informação, e
por alguma razão – como, por exemplo, financeira ou ideológica – estaria
propenso em repassá-la ao oficial do serviço de inteligência adverso
(SCHMITT; SHULSKY, 2002, p.11).
No espectro contrário, estaria a contraespionagem voltada para
“prevenção, detecção, neutralização, repressão ou manipulação/infiltração de
atividades hostis de espionagem” inimiga. (CEPIK, 2003, p.59).
Outro desdobramento recente da inteligência de segurança é a
chamada inteligência criminal, que visa, através das técnicas de coleção e
análises próprias da inteligência, identificar e neutralizar organizações
criminosas, atuantes no território nacional, de difícil investigação pelos meios
convencionais e cujo potencial lesivo justifique o uso da atividade de
inteligência.
2.4 Ciclo de inteligência
Neste tópico, abordaremos a estrutura básica de uma comunidade
de inteligência com relação as suas transações informacionais entre seus
atores internos (agências de inteligência) e externos (usuários e alvos).
Faremos isso através do estudo do ciclo de inteligência, que é uma
apresentação gráfica do fluxo da informação pela comunidade de inteligência.
Trata-se de uma representação teórica cuja “[...] principal contribuição da idéia
[...] é justamente ajudar a compreender essa transformação da informação e
explicitar a existência desses fluxos informacionais entre diferentes atores [...]”
(CEPIK, 2003, p. 32).
22
Apesar de tecer sérias críticas com relação a sua aplicação prática
no processo de análise de inteligência, Clark reconhece que o “ciclo de
inteligência tradicional pode adequadamente descrever a estrutura e função de
uma comunidade de inteligência [...].”10 (CLARK, 2006, p. 12, tradução nossa).
O ciclo de inteligência é aquele composto pelas etapas de
requerimento, planejamento e direção, coleção, processamento, análise e
disseminação. (CLARK, 2006, p. 10; FBI, 2009).
2.4.1 Requerimento
A partir da identificação de lacunas informacionais pelos agentes
tomadores de decisões nos campos relacionados à política externa ou de
defesa, estes acionam os dirigentes dos órgãos de inteligência para que
direcionem seus esforços para suprir esta falta de informação. Os
requerimentos podem ser feitos através do contato pessoal ou ainda, quando
genericamente descritos, formalizados por meio de planos de inteligência.
Com relação aos requerimentos, CEPIK (2003, 34-5) tece algumas
considerações importantes. Deve-se haver certa flexibilização quando se
pensar nesta etapa de requerimento como exclusiva dos tomadores de
decisões do alto escalão governamental, pois, a maioria dos requerimentos são
feitos a partir de iniciativas dos próprios dirigentes, analistas e/ou coletores de
inteligência, quando identificam uma necessidade informacional ou percebem
uma vulnerabilidade no sistema de segurança adversário que permite naquele
momento coletar uma informação.
Ocorre com certa frequência também a situação em que o tomador
de decisão, diante da relação adversarial, não tem a especialidade necessária
para tecer requerimentos específicos e detalhados acerca de suas
necessidades sendo responsabilidade dos profissionais da “área de inteligência
utilizar um conjunto de ferramentas organizacionais e analíticas para completar,
10 In summary, the traditional cycle may adequately describe the structure and function of an intelligence community[…]
23
detalhar e priorizar aquelas demandas, transformando-as em requerimentos
informacionais mais efetivos.” (CEPIK, 2003, 34).
2.4.2 Planejamento e direção
A partir das necessidades identificadas caberá à comunidade de
inteligência direcionar seus esforços de coleta tendo em vista obter
informações sobre a questão demandada.
O planejamento e direcionamento advêm também da necessidade
de se otimizar a utilização dos recursos disponíveis pela comunidade de
inteligência
Dado que mesmo os recursos dos países mais ricos são escassos, os responsáveis pelas diversas disciplinas de coleta precisam planejar a utilização dos meios técnicos e fontes humanas disponíveis para produzir a máxima sinergia possível e atender às demandas dos policymakers. [CEPIK, 2003, p.33].
2.4.3 Coleção de única fonte e processamento
Trata-se dos esforços empreendidos pelo sistema de inteligência em
coletar dados brutos sob determinada disciplina de inteligência. (CEPIK, 2003,
p. 35-6). A fase de processamento corresponde “converter a vasta quantidade
de informação coletada em uma forma utilizável pelos analistas.” (FBI, 2009).
O termo “única fonte” não deve ser entendido como informação
gerada a partir de uma única origem. Na realidade, com o crescimento dos
meios tecnológicos de coleta de dados, as diversas agências de coleta foram
se especializando em extrair informações de meios específicos e através de
técnicas diferenciadas. Sendo assim, “única fonte” diz respeito ao tipo de dado
que se coleta – obtido a partir de imagens ou sinais eletromagnéticos, por
exemplo – e à especificade de processamento que este dado demanda.
No Brasil se utiliza muito a terminação “coleta” para se referir a esta
fase do ciclo de inteligência. Entretanto, adotamos o termo coleção por
entender que é mais amplo e transparece uma ideia mais completa do que a
simples busca de informações. Englobando, então, os esforços que o aparato
de inteligência empreende tanto no sentido de buscar e, principalmente, de
24
organizar os dados de maneira tal que seja possível sua utilização pelas
agências de análise.
Grande parte dos investimentos de inteligência são direcionadas
para a área de coleção. Nos países centrais, oitenta a noventa por cento dos
recursos aplicados na área de inteligência são absorvidos pelas atividades de
coleta de informações principalmente “[...] às plataformas, aos sensores e
sistemas tecnológicos de coleta e processamento de informações,
especialmente os satélites, no caso dos Estados Unidos, Rússia, China, França
e outros poucos países que operam frotas desse tipo.” (CEPIK, 2003, p.35).
A etapa de coleção é estudada a partir dos vários métodos de coleta
de dados. Grande parte da literatura estadunidense utiliza o acrônimo int de
intelligence para se referir às disciplinas de coletas. Deste modo, Herman
(1996, p. 11-40) enumera as principais disciplinas de inteligência, quais sejam:
Humint (human intelligence) para os dados obtidos através de fontes humanas,
imint (imagery intelligence) para as fotografias coletadas pela inteligência, sigint
(signals intelligence) que deriva informações de inteligência a partir da
interceptações de ondas eletromagnéticas sendo subdivida em: comint
(communications intelligence) que consiste na busca de dados de
comunicação, e elint (eletronics intelligence) que “[...] envolve monitorar e
analisar emanações eletromagnéticas, que não sejam comunicações, de um
equipamento militar estrangeiro.”11 (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 30).
Apesar de serem descritos de forma separada, uma estratégia de
coleção perfeita sobre um alvo pressupõe utilização de diversificadas
disciplinas de coleção sendo imprudente atribuir para alvos específicos apenas
um meio de coleta, correndo assim, um risco maior de ser atingido por ações
de negação e engano promovidas pelo adversário contra determinada
disciplina de coleção, já que não haverá outra para confirmar ou desmentir os
dados coletados.
11 [...] involves monitoring and anlyzing nocomunication electromagnetic emanations from foreign military equipment. (tradução nossa)
25
Deste modo, HERMAN ensina que “colocar as diferentes fontes
juntas faz parte dos maiores avanços da inteligência.”12 e exemplifica:
As conclusões iniciais sobre o programa Alemão de foguetes na Segunda Guerra Mundial vieram da fusão de relatórios de diversas fontes, de um engenheiro dinamarquês, uma conversa “grampeada” num campo de prisioneiros de guerra, uma fotografia aérea, outro relatórios de agente e algumas pistas de SIGINT.13 [HERMAN, 1996, p. 87, tradução nossa].
2.4.3.1 Fontes abertas
Trata-se de informações cujo material está disponível publicamente
através de alguma forma. São os livros, periódicos, informações obtidas
através de conferências, simpósios, jornais, rádios, televisão dentre outros
tipos de materiais publicados.
Também podemos enquadrar nesta categoria as informações não
publicadas, mas disponíveis para assinatura ou compra, como ocorre
atualmente com imagens de satélites comerciais, e grande bases de dados de
informações econômicas (CLARK, 2006, p. 87).
A regra é que quanto mais aberto o regime do Estado mais fontes
abertas estejam disponíveis sendo a relação inversa verdadeira para os
Estados de regimes mais secretos. Nestes, algumas informações como mapas
de rodovias e ferrovias podem ser consideradas secretas, como ocorria com a
antiga União Soviética que admitiu ter falsificados mapas como medida de
segurança (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 38).
A natureza sigilosa ou não da fonte pode alterar ao longo do tempo
dependo de sua aplicação. Assim, torna-se necessário o monitoramento e
armazenamento desta categoria de informações. A máquina enigma, por
exemplo, utilizada para cifrar as mensagens alemãs na segunda guerra
mundial, estava disponível comercialmente entre os anos de 1910 e 1920.
No período entre 1910 e 1920 foram feitas diversas tentativas para mecanizar o princípio dos discos giratórios, mas nenhuma obteve sucesso comercial. A princípio, tampouco foi esse o caso da máquina
12 Putting different sources together is part of most intelligence advances. (tradução nossa) 13 The early conclusions about the German rocket programme in the Second World War came from fusing the diverse sources of reports from a Danish engineer, a “bugged” conversation in a POW camp, an aerial photograph, other agent reports and some SIGINT clues. (tradução nossa)
26
de Scherbius, ao ser posta à venda com a marca comercial Enigma em 1923. Na parte final da década de 1920, no entanto, Scherbius conseguiu o interesse das Forças armadas da Alemanha pela Enigma. Modelos foram comprados e adaptados, e em 1928 o Exército alemão começou a utilizá-la em todas as comunicações suscetíveis de interceptação[...]. [KEEGAN, 2006, 188].
Na segunda guerra mundial temos outro exemplo de utilização de
informações de fonte aberta que serviu para a inteligência. A partir da
publicação pelos alemães de suas tarifas de frete de todos os bens, incluído
produtos derivados do petróleo, um analista dos Estados Unidos utilizando
referenciamento geoespacial conseguiu identificar a localização exata das
refinarias alemãs subsequentemente bombardeadas pelas bombas aliadas
(CLARK, 2006, p. 87).
Outro exemplo mais recente de análise a partir de dados publicados
foi a reprodução do esquema de detonação nuclear de uma ogiva dos Estados
Unidos, bem como sua potência, pelo físico brasileiro Dalton Ellery Girão
Barroso. Com base em informações vazadas e publicadas pela revista
estadunidense insight magazine em agosto de 1999, a partir de cálculos
complexos e com ajuda computacional Dalton conseguiu descobrir a
“configuração para o módulo secundário do explosivo, abrindo o que estava em
segredo sobre a parte termonuclear do W-87.” (QUADROS, 2009).
2.4.3.2 Inteligência humana (humint)
Esta sem dúvida é a faceta mais conhecida pelo senso comum
sendo por vezes confundida com o próprio conceito de inteligência. Trata-se da
inteligência obtida através da cooptação e/ou manipulação de pessoas que
possuem acesso à informação desejada e que possuam alguma motivação
para repassá-la ao serviço de inteligência estrangeiro.
Em aspectos gerais, a utilização de fontes humanas busca coletar
informações sobre os planos e intenções do adversário bem como fornecer
pistas importantes para a identificação de outras fontes humanas a serem
recrutadas ou de alvos que poderão vir a ser monitorados por outra disciplina
27
de coleta. Humint é muito utilizada também pela inteligência criminal sendo um
de seus métodos primários de coleta (CLARK, 2006, p. 89).
A diplomacia contém também suas fontes humanas confidenciais no
país hospedeiro “[...] compatíveis com a prática e condição diplomática, e um
dos papéis das agências de humint é simplesmente coletar informação de
pessoas que diplomatas não podem encontrar.”14 (HERMAN, 1996, p. 61).
O tipo de pessoas visadas é de grande amplitude variando desde
viajantes até agentes “plantados” no país estrangeiro. Neste sentido, Herman
(1996, p. 63) estabeleceu uma pirâmide de fontes humanas que ilustra o grau
de sensibilidade, quantidade e valor das informações prestadas.
Figura 1: Pirâmide de Humint de acordo com a sensibilidade, quantidade e valor da fonte (tradução nossa). Fonte: HERMAN, 1996, p. 63 14 [...] compatible with diplomatic status and practice, and one role of Humin agencies is simply to get information from people diplomats cannot meet. (tradução nossa)
28
Na base estão as fontes humanas que aparecem em maior
quantidade, menor valor agregado e baixa sensibilidade, “tais informações, no
entanto, por sua abundância e informalidade, ajudam a montar o quebra-
cabeça representado por um alvo ou problema.” (CEPIK, 2003, p. 37).
A progressão para a parte mediana da pirâmide ocorre na medida
em que se deixa a postura passiva de coletar apenas o que as fontes sabem
para uma medida mais ativa de solicitar informações. Assim, surgem as fontes
feitas pela ocasião, cujo grau de clandestinidade pode variar de forma que a
fonte pode ou não saber que está repassando informações para fins de
inteligência. À medida que as relações com o serviço de inteligência se tornam
permanentes, a natureza de tais fontes vão migrando para o topo da pirâmide
(HERMAN, 1996, p. 62).
No topo estão as fontes que geram a menor quantidade de
informações, porém as de maior relevância. Tratam-se dos agentes no local,
informantes e desertores. Segundo Herman, (1996, p. 63) agentes no local são
as pessoas recrutadas pelo serviço de inteligência estrangeiro que
conscientemente espionam contra seus próprios países, e informantes são
aquelas que fornecem informação de dentro de organizações terroristas ou
outro tipo de organizações clandestinas ou criminosas. Estes tipos de fontes
humanas também podem ser chamadas de clandestinas (CLARK, 2006, p. 93).
Um agente bem posicionado numa alta estrutura governamental
pode fornecer dados precisos sobre os planos políticos e militares do país alvo.
Neste setor da pirâmide estaria a espionagem propriamente dita (CLARK,
2006, p. 93; HERMAN; 1996, p. 63).
Para fazer a intermediação entre o agente no local e a sede do
serviço de inteligência surge a figura do agente. Tratam-se dos empregados do
serviço de inteligência que buscam o recrutamento de fontes com acesso e
motivação para repassar informação. Não necessariamente os agentes de
inteligência estarão operando no país alvo e sim no local onde estão as fontes
pretendidas. Pode inclusive atuar no próprio território para cooptar fontes
estrangeiras que nele estejam trabalhando.
29
Quando em atividade no exterior, segundo a linguagem dos Estados
Unidos, os agentes podem ser de cobertura oficial ou cobertura não oficial.
SCHMITT e SHULSKY ensinam a diferença entre estes dois tipos
Cobertura oficial se refere a disfarçar um oficial de inteligência como um diplomata ou algum outro tipo de oficial do governo que poderia normalmente ser destacado no estrangeiro. Cobertura não oficial se refere a qualquer outro tipo de disfarce – como um homem de negócios, jornalista, turista, etc. – que poderia explicar a razão do oficial estar no país hospedeiro.15 [SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 12, tradução nossa].
Ambos os tipos possuem vantagens e desvantagens. O agente
oficial pode encontrar potenciais fontes de informações utilizando-se do
argumento que se trata de um encontro normal de sua atividade diplomática.
Além disso, caso seja acusado de estar cometendo espionagem, de acordo
com as leis internacionais o país hospedeiro poderá apenas declará-lo persona
non grata e expulsá-lo do país. Existem ainda conveniências administrativas
através da utilização dos canais regulares do governo para troca de
informações seguras e movimentação de fundos para pagamento do seu
salário e de suas fontes recrutadas. As desvantagens giram principalmente em
torno do pequeno número de oficiais de diplomacia enviado a um país. Desta
forma, medidas simples como vigilância ou pesquisas no país de origem sobre
a carreira do oficial pode facilmente revelar sua ligação com a atividade de
inteligência (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 12-3).
O agente sem cobertura diplomática apesar de ser mais efetivo do
ponto de vista da discrição e sigilo apresenta grandes dificuldades operacionais
e apresenta-se mais dispendioso. Uma alternativa para driblar este custo é
convencer que uma entidade privada permita a um oficial de inteligência se
passar como funcionário de seu quadro no país estrangeiro, ou,
alternativamente, que o agente por si mesmo estabeleça negócios ou
atividades que suportem explicações plausíveis para sua permanência no país
alvo (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 13). 15 Official cover refers to disguising an intelligence officer as a diplomat or some other kind of governmental official who would ordinarily be posted abroad. Nonofficial cover refers to any other type of disguise – as a businessman, journalist, tourist, etc. – that could explain why the officer is in the host country. (tradução nossa)
30
Um exemplo de utilização de fontes humanas para coletar
informações sobre o serviço de inteligência adversário bem, como, repassar
informações fictícias visando comprometer sua capacidade analítica, foi
descrito no subtítulo 2.2 quando explicamos sobre o uso de espiões na
segunda guerra mundial.
2.4.3.3 Inteligência de sinais (sigint)
Esta disciplina de coleta tem sua origem na interceptação,
decodificação e análise de mensagens por um terceiro, além do emissor e
receptor da mensagem. Em paralelo, com o aumento da utilização mensagem
escrita para fins militares, surgiu a necessidade de elaboração cifras mais
complexas que evitassem que as mensagens, caso interceptadas, fossem
entendidas pelo adversário (CEPIK, 2003, P. 40).
Um dos produtos da inteligência de sinais é a inteligência de
comunicações (comint), a qual diz respeito às informações obtidas através da
interceptação, processamento e consequente difusão das comunicações do
oponente, abrangendo “[...] comunicações de voz e de dados, fax, mensagens
de internet ou outra transmissão deliberada de informação.”16 (CLARK, 2006, p.
95, tradução nossa). Assim como as fontes humanas, este tipo de coleção
também podem gerar boas indicações acerca dos planos e intenções do
adversário.
Os meios para se proceder à interceptação de comunicações são os
mais variados possíveis podendo ser utilizados satélites espaciais, aviões,
bases de solo ou um simples microfone instalado por um informante recrutado
ou agente de inteligência.
Como contramedida visando resguardar o sigilo de suas
comunicações contra os dispositivos de comint do adversário, os serviços de
inteligência utilizam-se do artifício de codificar suas mensagens de modo que
caso interceptadas não revelem seu conteúdo.
16 [...] voice and data communications, facsimile, Internet messagens, and any other deliberate transmission of information. (tradução nossa)
31
Deste modo, surge uma disputa entre os criadores das cifras e
aqueles que objetivam descobrir um método para decifrá-las. Enquanto nos
tempos antigos as cifras consistiam em simples substituições de letras, com o
advento da máquina eletrônica e, a seguir, do computador, a complexidade das
cifras envolvidas se tornaram altamente complexas. “Atualmente a batalha
criptoanalítica é uma disputa de computação aplicada bem como as
habilidades dos especialistas de defesa e ataque.”17 (HERMAN, 1996, p. 69).
A interceptação de comunicações também é muito utilizada para a
atividade de inteligência criminal que visa combater o crime organizado e
demais redes ilícitas (CLARK, 2006, p. 96). No campo interno tais atividades
geralmente são estritamente regulamentadas no intuito de resguardar a
privacidade dos cidadãos. Como exemplo, no Brasil a lei 9.296/1996 dispõe
que não se pode proceder a interceptação telefônica quando “a prova puder ser
feita por outros meios disponíveis” (BRASIL, 1996).
Entretanto, mesmo que o conteúdo das mensagens interceptadas
não sejam descobertos, outras técnicas de sigint podem ser utilizadas sobre os
elementos não textuais das comunicações.
Um deles é o chamado análise de tráfego (HERMAN, 1996, p. 70;
SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 28). Esta técnica consiste em derivar
informações uteis a partir da quantificação e identificação de variações no fluxo
de comunicações do adversário, “reconstruindo a arquitetura de redes de
comunicações e identificando suas estações.” (HERMAN, 1996, p. 70). Através
destas informações é possível reconstruir a disposição de combate do inimigo
no campo de batalha. A Outra técnica de sigint sobre elementos não textuais
busca localizar os transmissores de sinais da inteligência adversária.
2.4.3.4 Inteligência de imagens (imint)
Esta disciplina de coleta de inteligência início quase que
concomitante com o surgimento da aviação. Sua função é registrar através de
17 Nowadays the cryptanalytic battle is a contest of applied computer power as well as the specialist skills of defence and attack (tradução nossa)
32
fotografias ou gravação de vídeo, a partir de uma plataforma de longa
distância, um alvo (edificação, terreno e etc.) cujo acesso direto não seja
possível (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 22). A imint pode ajudar na
identificação de instalações de teste de armas assim como desdobramento de
unidades militares no campo de batalha
Os meios utilizados atualmente são os mais diversos possíveis. As
fotografias de curto alcance são muito úteis para identificação de produtos
industriais e habilitam boa análise de máquinas e veículos de guerra. Já os
vídeos de curto alcance são imensamente valorosos para vigilância de alvos.
Existem ainda dispositivos que registram fotografias de longo alcance que
podem ser instalados em aviões ou satélites (CLARK, 2006, p. 101).
Como exemplo de fotografia de curto alcance como disciplina de
coleta de inteligência, no âmbito da inteligência criminal, observamos na
atualidade os sistemas de vigilância implantados por algumas secretarias de
segurança pública no Brasil18.
Finalizando as explanações sobre esta disciplina de inteligência,
cabe destacar a percepção de Clark de que a grande disponibilidade de
imagens de satélites através dos meios comerciais tem feito com que
organizações ilícitas ou governos que estejam envolvidos em alguma forma de
conflito procurem levar suas atividades clandestinamente, “[...] usando
disfarces, ou agendando atividades para evitar imagens de satélite.”19 Deste
modo, dificultando o modo de coleta através desta disciplina (CLARK, 2006, p.
100).
2.4.4 Análise de todas as fontes
Nesta etapa, os dados coletados separadamente pelas agências de
coleção, geralmente especializadas na busca de dados a partir de uma única
18 Apenas a título de exemplo, no Rio de Janeiro foi instalado um sistema de monitoramento por câmaras no metrô integradas à secretaria de segurança daquele Estado (BORGES; DIAS, 2009). Tal sistema propiciará que agentes de segurança visualizem movimentações em pontos críticos do metrô tendo em vista frustrar possíveis ataques terroristas quando da realização da copa do mundo em 2014 e das olimpíadas em 2016. 19 […] using concealment and deception, or scheduling sensitive activities to avoid imagery satellites. (tradução nossa)
33
plataforma de coleta, devem ser integrados, avaliados e contextualizados com
outras fontes não específicas da atividade de inteligência, tendo em vista um
entendimento acerca do requerimento proposto ou necessidade informativa
identificada pelo órgão de inteligência.
Os tipos de produtos resultantes deste processo bem como suas
características específicas serão estudados a seguir, cabendo neste ponto
apenas explicitá-los: a) conhecimento básico-descritivo; b) conhecimento
corrente; c) conhecimento especulativo-avaliativo; d) indicações e alertas.
Num certo sentido, os responsáveis pela coleta e processamento de
dados de única fonte, a todo o momento, exercem julgamentos e interpretam
as evidências obtidas com base em seu conhecimento sobre a questão
envolvida. Por exemplo, um desmatamento linear que propicia pouso e
decolagem de aeronaves, encontrado na região amazônica em área fronteiriça
com algum país produtor de cocaína, pode ser relatado pelos responsáveis
pela coleta de imagens como um possível aeródromo utilizado como ponto de
apoio para o tráfico de drogas na região.
Em procedimentos de vigilância, os agentes de inteligência de
maneira intuitiva exercem sua capacidade analítica buscando identificar as
prováveis intenções dos alvos, tendo em vista antecipar seu movimento.
Da mesma forma, a interceptação de sinais necessita determinar os
padrões de comunicação, identificar interlocutores, suas localizações, e por
vezes interpretar, no momento da conversa, o conteúdo dissimulado através de
gírias ou códigos, para acionamento de outro meio de coleção, tendo em vista
coletar a maior quantidade de dados possíveis.
Por vezes, a “janela” de oportunidade para a coleta de dados não
estará aberta por muito tempo, necessitando que os coletores estejam
frequentemente analisando, à luz dos dados disponíveis, o alvo de inteligência.
Este tipo de análise gerado pelas agências de coleção são chamados de
relatórios de única fonte (HERMAN, 1996, p. 39).
Entretanto, para uma melhor compreensão sobre um determinado
assunto abordado torna-se necessário agregar todos os dados coletados
34
esparsamente pela comunidade, adicioná-los e contextualizá-los com outros –
tais como fontes abertas, informações relatadas pela diplomacia – para formar
um quadro o mais completo possível sobre a situação em tela. É neste sentido
que Herman (1996, 100-112) se refere a este processo pelo termo “análise de
todas as fontes”20. Além disso, a característica preponderante do trabalho
analítico é sua ênfase na previsão, a abordagem voltada para o futuro.
Herman (1996, p. 100-101) descreve algumas diferenças entre o
processo de coleção e o de análise. Enquanto o primeiro encontra-se envolto
numa áurea de mistério e clandestinidade, o método de análise possui algumas
similaridades com atividades desenvolvidas fora dos muros da inteligência.
Primeiramente, os conhecimentos correntes produzidos se
assemelham à atividade jornalística inclusive na manutenção de fontes
clandestinas e rapidez no repasse da informação ao tomador de decisão. Já as
atividades de análise de longo alcance têm sua semelhança com o método
científico.
Inteligência de segurança é bem diferente, já que “aqueles que
procuram detectar espionagem e terrorismo são mais parecidos com detetives
do que com jornalistas ou pesquisadores que produzem julgamentos e
previsões sobre tópicos e situações.” (HERMAN, 1996, p. 101).
Porém, a principal diferença reside na responsabilidade imposta à
coleção de única fonte e à análise de múltiplas fontes. Enquanto o pessoal
empregado na primeira tarefa são especialistas em técnicas de inteligência
para coleta de dados, aqueles responsáveis em analisar todas as fontes são
especialistas em assuntos e temas que importem na formulação política
(HERMAN, 1996, p. 43).
Outro fator intrínseco ao processo de análise é sua capacidade de
multiplicar a efetividade do sistema de coleção do sistema de inteligência de tal
forma que os meios de coletas combinados, numa relação sinérgica, produzam
um efeito superior ao relatório de única fonte (CLARK, 1996, p. 105).
20 All-source analysis (tradução nossa)
35
2.4.5 Difusão
Difusão diz respeito à saída dos produtos informacionais produzidos
pelas agências de inteligência em direção a outras agências ou direto aos
usuários de inteligência21. Cabe ressaltar que um requisito essencial nesta fase
é a entrega do produto de inteligência em tempo oportuno de forma que o
tomador de decisão tenha tempo para efetuar a ação ou formulação política.
A figura abaixo ilustra bem como se transacionam as informações no
sistema de inteligência e de que forma os produtos gerados chegam aos
clientes.
FIGURA 2: Esboço do processo de inteligência Fonte: HERMAN, 2006, p. 39 (tradução nossa).
Os relatórios de única fonte são os insumos básicos da atividade de
inteligência contendo processamento dos dados brutos coletados pelas
agências específicas para tal fim. Eles poderão seguir direto aos usuários de
inteligência quando os dados brutos forem úteis para utilização em ações
imediatas como, por exemplo, ao comandante em campo de batalha que
necessita de informações atualizadas sobre a movimentação das tropas
inimigas.
21 Usuários de inteligência devem ser entendidos como todos aqueles que necessitam das informações geradas para formulação de políticas ou tomadas de decisões, como por exemplo, agentes políticos, comandantes militares e juízes e promotores públicos no caso da inteligência voltada para produção de provas no processo criminal.
36
Para aquelas questões que necessitam de uma análise mais
apurada que integre todas as fontes de informações disponíveis, os relatórios
de única fonte são absorvidos no processo de análise de múltiplas fontes
buscando um melhor entendimento sobre o assunto. Os produtos gerados
nesta etapa de análise geram suporte informacional aos usuários e ao mesmo
tempo avaliam a efetividade do sistema de coleção, proporcionando novos
requerimentos de acordo com a identificação de lacunas de informação.
Uma camada adicional de análise de múltipla fonte é o chamado
assessoramento de alto nível. Trata-se de um processo adicional de análise,
custoso e com difusão restrita, que propicia o encontro de mentes através da
máquina interdepartamental da comunidade de inteligência. Nos Estados
Unidos, este produto é chamado de Estimativa Nacional de Inteligência e na
Inglaterra, Avaliações do Comitê de Inteligência. (HERMAN, 1996. P.44).
O processo que demanda a produção de uma Estimativa pode ser
iniciado por requisição governamental direcionada para a comunidade de
inteligência tendo em vista uma eminente tomada de decisão, ou, “produzidos
por iniciativa da inteligência em desenvolvimentos que explicíta, ou
implicitamente, apontam para a necessidade da decisão – por exemplo, alerta
de iminente ataque militar ou outra ameaça direta à segurança ou interesse
nacional”. (HERMAN, 1996, p.106, tradução nossa)22
Em ambos os países, o processo de elaboração deste tipo de
produto de inteligência permanece a base formal de importantes decisões do
alto nível governamental nas questões afeitas à segurança nacional
(HERMAN, 1996, p. 44).
22 Other reports in this third category are not specifically commissioned by users, but are produced on intelligence’s initiative on developments that explicitly or impliacitly point to a need for decisions – for example, warning of imminent military atack or other direct threats to national interests or security.
37
3 CONHECIMENTOS DE INTELIGÊNCIA
A partir da conceituação de inteligência, vamos analisar quais os
conhecimentos necessários que a atividade deve produzir tendo em vista
satisfazer as necessidades informacionais dos gestores públicos nos assuntos
referentes à segurança e bem-estar da nação. Sherman Kent (1967, p. 21)
definiu três tipos de elementos que em conjunto formam os conhecimentos
estratégicos a serem produzidos pela inteligência.
a) descritivo-básicos;
b) corrente;
c) especulativo-avaliativo.
A estes, adicionaremos ainda os conhecimentos chamados por
“indicações e alertas” devido a sua relevância no estudo de indicadores que
apontam a existência de ameaça armada ao país.
Por ser o conhecimento principal da inteligência de estimativa, a
conceituação e o método de produção do conhecimento especulativo-avaliativo
serão explicados no capítulo seguinte.
3.1 Conhecimentos descritivo-básicos
Tratam-se dos conhecimentos produzidos a partir de dados descritivos,
de estilo enciclopédico, levantados pela comunidade de inteligência sobre o
país alvo ou ator não estatal, sendo “a base que empresta significação às
alterações diárias e sem ela qualquer especulação sôbre o futuro não terá
provavelmente a mínima significação." (KENT, 1967, p. 25).
A intenção deste tipo de conhecimento é delinear um cenário sobre uma
dada entidade da maneira mais completa possível a partir de dados disponíveis
e informações relevantes de todas as fontes de inteligência (SHULSKY;
SCHMIT, 2002, p. 60).
São muitas as áreas do conhecimento abrangidas e devem ser
levantadas e armazenadas informações das mais diversas, tais como povo,
economia, transportes, geografia militar dentre outros (KENT, 1967, p. 25-26).
38
Atualmente, um exemplo de produto básico-descritivo produzido é o The
World Factbook23 da CIA, agência de inteligência estadunidense,
disponibilizado em seu sítio eletrônico24 contendo informações básicas de 266
países do globo.
O Almanaque do Mundo fornece informação sobre a história, povo, governo, economia, geografia, comunicações, meios de transporte, forças armadas e questões transnacionais de 266 entidades do mundo. Nosso guia de referências inclui: mapas da maioria das regiões do mundo bem como bandeiras, um Mapa Físico e Político do Mundo e as zonas padrões de fuso horário do Mapa mundial25 [CIA, 2009, tradução nossa].
3.2 Conhecimentos correntes
Tratam-se dos relatórios periódicos produzidos pelas agências de
inteligência visando suprir as necessidades informacionais correntes dos
tomadores de decisões governamentais. A atividade de produção deste tipo de
conhecimento se assemelha à produção de notícias diárias pelas mídias de
jornal ou televisão (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 57).
Segundo Kent (1967, p. 42), “A função dos ‘relatórios de
informações correntes’ é acompanhar o rumo das alterações que se
processam” buscando primordialmente atualizar os conhecimentos básicos
descritivos já conhecidos pela organização de inteligência.
Um exemplo de produto de inteligência corrente é o Relatório
Presidencial Diário (tradução nossa)26 produzido pela CIA com compilação
sobre as informações atuais coletadas pelas suas diversas agências por todo o
mundo. De acordo com a agência central de inteligência estadunidense,
O PDB compila a análise do mais alto escalão da Comunidade de Inteligência orientadas para as questões fundamentais da segurança nacional e de interesses do Presidente. [Com distribuição extremamente restrita, o relatório é] dado somente ao Presidente,
23 O almanaque do Mundo (Tradução nossa). 24 https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/index.html 25 The World Factbook provides information on the history, people, government, economy, geography, communications, transportation, military, and transnational issues for 266 world entities. Our Reference tab includes: maps of the major world regions, as well as Flags of the World, a Physical Map of the World, a Political Map of the World, and a Standard Time Zones of the World map. 26 President’s Daily Brief (PDB).
39
Vice-Presidente e a um seleto grupo de oficias de gabinete designados pelo Presidente.27 [CIA, 2007].
Mesmo sendo um relatório de breve amplitude temporal com
abrangência sobre os acontecimentos imediatos, este deve ter orientação para
o futuro. Neste sentido Kent (1967, p. 50) argumenta que a produção deste tipo
de conhecimento, que busca atualizar os conhecimentos básicos descritivos,
deve se preocupar em monitorar o ambiente externo tendo em vista vislumbrar
e identificar os problemas futuros.
3.3 Indicações e alertas
Outro tipo de conhecimento é aquele produzido através da atividade
chamada por inteligência de alerta. A tarefa central deste tipo de produto é
fornecer, em tempo hábil, alerta aos agentes responsáveis pela ação e
formulação política sobre possíveis ataques militares ou outros tipos de
ameaças à segurança do país.
Conforme Cynthia Grabo ensina (2004, p. 133), inteligência de alerta
é intimamente ligado à inteligência de estimativa com a diferença de que esta é
voltada mais para o longo prazo além de ter uma abordagem mais geral sobre
os prováveis cursos de ação do adversário.
A sistematização desta espécie de conhecimento, na forma de um
sistema, tem origem na escalada militar durante a guerra fria e o risco de uma
guerra nuclear total com a União Soviética.
Devido a sua importância (especialmente durante a Guerra Fria, quando os Estados Unidos e USRR, com seus respectivos aliados, possuíam grandes exércitos e centenas de armas nucleares), e porque decisões deveriam ser tomadas rapidamente, essa função de inteligência tornou-se (pelo menos nos Estados Unidos) sistematizada mais que qualquer outra. O sistema, conhecido como indicadores e alertas (I&A), é baseado na análise dos passos que um adversário deveria necessariamente ou provavelmente tomar para se preparar a
27The PDB compiles the Intelligence Community’s highest level intelligence analysis targeted at the key national security issues and concerns of the President. The PDB is given only to the President, the Vice President, and a very select group of Cabinet-level officials designated by the President.
40
um ataque armado.28 [SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 58-59, tradução nossa]
Apenas para ressaltar a importância que este conhecimento de
inteligência assumiu em tempos modernos, com a onda de ataques terroristas
assombrando o solo estadunidense, cabe destacar a existência de um
Escritório Nacional de Inteligência29 (NIO) específico para a função de alerta.
Grabo (2004, p. 02) define os campos de atuação desta função da
atividade de inteligência, que visa identificar:
a) ação direta de Estados hostis envolvendo a participação de suas
forças armadas;
b) outros desenvolvimentos, particularmente conflitos, que afetem os
interesses nacionais e nos quais tais Estados hostis estão ou podem
tornar-se envolvidos;
c) ação militar significante entre outras nações não aliadas
d) ameaça de ação terrorista.
As funções de alertas são divididas em táticas e estratégicas
(DAVIS, 2002; GRABO, 2004). O alerta do tipo estratégico pode vir a ser um
dos objetos de estudo da inteligência de estimativa buscando especular sobre
ameaças diretas aos interesses do país em seu território ou no estrangeiro.
Como exemplos de estimativas cuja análise se dá no campo da inteligência de
alertas temos a NIE – 85-2-62, “A situação e prospectos em Cuba” de
01/08/1962, e a SNIE 85-3-62, “A Escalada Militar em Cuba” de 19/09/1962.
Ambas analisaram se a União Soviética instalaria mísseis nucleares em Cuba.
O alerta estratégico, tomado como um instrumento de prospecção
de futuro, não pode ser tomado como um produto tangível cuja “entrega” ao
tomador de decisão seja uma resposta conclusiva. O grau de ambiguidade
28 Because of its importance (especially during the Cold War, when the United States and the USRR and their respective allies had large armies and thousands of nuclear arms facing each other), and because judgments might have to be made quickly, this intelligence function has been (in the United States, al least) systematized to a much greater extent than any other. The system, known as indications and warnings (I&W), is based on an analysis of the steps an adversary would either necessarily or probably take to prepare for an armed attack. 29 National Intelligence Office.
41
contida neste produto se assemelha com o aspecto de incerteza contido na
estimativa. Neste sentido,Grabo quando diz que
Alerta [Estratégico] é algo intangível, uma abstração, uma teoria, uma dedução, uma percepção, uma crença. É fruto do raciocínio ou da lógica, uma hipótese cuja validade não pode ser confirmado nem refutada até ser tarde demais.30 [GRABO, 2004, p. 04, tradução nossa]
Ajudando a delimitar essa imprecisão conceitual, Davis (2002, p.03)
enumera alguns pontos existentes no alerta estratégico como, percepção
analítica em tempo hábil e comunicação efetiva aos agentes políticos de
mudanças importantes no nível ou nas características das ameaças para os
interesses de segurança nacional.
Deste modo, para se evitar a surpresa estratégica torna-se
necessário tratar as questões sobre as “mudanças no nível de probabilidade de
um ataque inimigo” ou as “mudanças sobre seus mecanismos para infligir
dano.”31 (DAVIS, 2002, p. 03).
Apesar de não haver definição única aceita, esta é a principal
diferença entre alerta estratégico e alerta tático. Enquanto o primeiro foca nas
mudanças de níveis ou características da ameaça o segundo busca identificar
o “quando, onde, e como um declarado ou potencial adversário vai atacar
diretamente [...] ou descobrir novas armas [...].”32 (DAVIS, 2002, p. 03).
Muito mais que habilitar o contra-ataque, a lógica do alerta
estratégico é prevenir o conflito armado através da comunicação efetiva aos
agentes políticos da mudança nos indicadores de alerta, para que estes
possam tomar as medidas políticas e diplomáticas adequadas visando
resguardar a segurança nacional, preferencialmente evitando o conflito
armado.
30 [Strategic] Warning is an intangible, an abstraction, a theory, a deduction, a perception, a belief. It is the product of reasoning or of logic, a hypothesis whose validity can be neither confirmed nor refuted until it is too late.” 31The goal is to prevent strategic surprise. The issues addressed here are changes in the level of likelihood that an enemy will strike or that a development harmful to US interests will take place and changes in his mechanisms for inflicting damage. 32 “[...] when, where, and how a declared or potential adversary will strike [...] directly […] or make a weapons breakthrough […]”
42
Já na situação do alerta tático, a ameaça está eminente ou
potencialmente presente cabendo ao aparato de inteligência agir de forma a
identificar o “quando, onde e como” o adversário vai agir tendo em vista
neutralizar o ataque. Segundo GRABO:
[...] alerta tático não é função da inteligência [...] porém um conceito operacional. É o alerta que estaria a disposição do comandante na linha de frente, ou através dos sistemas de radares ou outros sensores que poderiam indicar que as forças de ataque já estariam se movimentando em direção ao objetivo. [GRABO, 2004, p.04, tradução nossa]
Para uma melhor elucidação destes conceitos, vamos analisar um
exemplo atual de alerta estratégico observando a preocupação de vários
países com uma possível batalha espacial e a contínua monitoração sobre o
espaço objetivando avaliar a capacidade tecnológica dos armamentos dos
outros.
No dia 17 de janeiro de 2007, a Aviation Week noticia que
[...] agências de inteligência dos Estados Unidos acreditam que a China realizou um bem-sucedido teste de arma antissatélite a mais de 500 milhas de altitude em 11 de janeiro, destruindo um envelhecido satélite Chinês de medição meteorológica alvejado com um veículo cinético lançado a bordo de um míssil balístico.33 [COVAULT, 2007, tradução nossa]
Cerca de uma semana depois, no dia 23/01/2007, o New York Times
noticia que o ministro do exterior chinês confirma o teste de uma arma de
destruição de satélites espaciais. Na notícia, verificamos ainda o pedido de
explicações por parte dos governos dos Estados Unidos, da Inglaterra, Japão e
Austrália, já que esta é a primeira destruição bem sucedida por mais de vinte
anos (KAHN, 2007).
Este exemplo se enquadra na definição explicitada acima acerca de
alerta estratégico, qual seja, identificar e avaliar o ator adverso levando em
conta as “[...] mudanças sobre seus mecanismos para infligir dano.” (DAVIS,
2002, p. 03).
33 U. S. intelligence agencies believe China performed a successful anti-satellite (asat) weapons test at more than 500 mi. altitude Jan. 11 destroying an aging Chinese weather satellite target with a kinetic kill vehicle launched on board a ballistic missile.
43
Do ponto de vista chinês, abre-se uma possibilidade no campo da
contrainteligência, qual seja, destruir os satélites de coleta de imagens e de
interceptação de sinais evitando assim a coleção de imint e sigint pelos
sistemas adversos.
Analisando pela perspectiva dos Estados Unidos, verifica-se que,
com base na identificação de mudança na capacidade bélica espacial da
China, medidas defensivas poderiam ser tomadas contra tal arma, ou ainda,
exercer pressões políticas para que o seu desenvolvimento seja barrado. Além
disso, é muito provável que se prossiga no monitoramento de outros possíveis
testes. Qualquer que seja a ação, ela só foi propiciada a partir da boa execução
do alerta estratégico.
44
4 INTELIGÊNCIA DE ESTIMATIVA
Neste capítulo abordaremos a inteligência de estimativa definida
como o produto produzido, pela comunidade de inteligência dos Estados
Unidos, tendo em vista o assessoramento dos dirigentes do mais alto nível
governamental, em relação aos desdobramentos futuros das ameaças
estrangeiras contra o Estado. É a menos volumosa e a mais importante
categoria de conhecimentos produzidos (HERMAN, 1996, p. 106).
Trata-se de um processo adicional de análise com custo elevado,
pois depende primordialmente da participação de toda a comunidade de
inteligência. Sua elaboração não é uma tarefa simples, necessitando de
arranjos organizacionais que permitam o encontro de especialistas – de dentro
e de fora da comunidade de inteligência – que interajam e colecionem todas as
informações disponíveis sobre uma determinada questão, de forma que o
produto final entregue ao tomador de decisão seja um julgamento produzido
em nome da comunidade de inteligência.
Neste ponto, é interessante tecermos algumas considerações sobre
o significado do termo estimativa utilizado neste trabalho. A doutrina brasileira
se apropria do vocábulo estimativa para se referir ao conhecimento produzido
através da atividade de inteligência em qualquer escalão governamental ou
área da inteligência. Assim sendo, projeções acerca da evolução da
criminalidade tendo em vista assessorar comandantes de batalhões da Polícia
Militar e secretários de segurança pública, de acordo com a prática brasileira,
seria uma função estimativa.
Conforme foi dito no subtítulo 2.4.4, a essência da atividade de
análise de inteligência é a sua capacidade preditiva. Deste modo,
reconhecemos a competência da análise sobre os desdobramentos futuros
efetuadas pelos órgãos de inteligência ligados à persecução penal e prevenção
da criminalidade. Porém, como este trabalho trata sobre a doutrina
estadounidense, há que ser feita uma compatibilidade semântica tendo em
45
vista uma delimitação didática mínima dos conceitos apresentados, de forma a
ficar clara a diferenciação com a doutrina brasileira.
Nos Estados Unidos, estimativa diz respeito, especificamente, ao
trabalho praticado pela comunidade de inteligência tendo em vista assessorar
os dirigentes do mais alto nível governamental com relação aos
desdobramentos futuros sobre alvos estrangeiros.
Sendo assim, a atividade de análise preditiva, executada pelos
órgãos de inteligência criminal, deve ser entendida como o produto resultante
do processo de produção do conhecimento especulativo-avaliativo.
Os Estados Unidos e a Inglaterra possuem os mais avançados
sistemas de estimativa, cuja origem remontam ao período da segunda guerra
mundial. Na ocasião, foi verificado que a análise departamental, sem
compartilhamento de informação entre as agências, não era suficiente para
analisar de forma eficiente e completa as ameaças proporcionadas pelos
adversários.
Entretanto, mesmos nestes países, a imensa maioria dos produtos
de inteligência produzidos na atualidade não passam pelo filtro
interdepartamental e vão direto aos formuladores de política. Já nos demais,
por depender de grande interação entre os atores da comunidade, pouco se
avançou na conformação de um sistema similar ao dos Estados Unidos e da
Inglaterra, ficando a cargo dos tomadores de decisões formar “[...] seus
próprios julgamentos sobre relatórios conflitantes”34 (HERMAN, 1996, p. 265,
tradução nossa).
Feita esta breve introdução, estudaremos, a partir deste ponto, a
atividade de assessoramento de alto nível praticada nos Estados Unidos35, cujo
produto formal, gerado em nome de toda a comunidade de inteligência, é
denominado National Intelligence Estimate36 (NIE).
34[...] their own judgments from conflicting reports 35 Apesar de ter a mesma finalidade, o sistema de assessoramento de alto nível praticado na Inglaterra apresenta características específicas cabendo ser tratado num estudo próprio. 36 National Intelligence Estimates (tradução nossa)
46
Harold Ford (1993, p. 34) explica que o conceito de “estimativa
nacional37” não se restringe apenas à elaboração da Estimativa Nacional de
Inteligência. Segundo este autor, estimativa nacional engloba outras atividades
de assessoramento sobre desdobramentos futuros, efetuadas através de meios
menos formais, tais como encontros, reuniões ou congresso interagências,
quando oficiais de inteligência dialogam e transmitem sua percepção aos
tomadores de decisão.
Entretanto, inicialmente, tomaremos a parte pelo todo, estudando a
conceituação e propósitos de uma NIE, tendo em vista alcançar um melhor
entendimento da função estimativa da atividade de inteligência.
Para isso, analisaremos a NIE através de três perspectivas: o tipo de
conhecimento produzido; a arquitetura organizacional necessária para sua
produção; e a atividade laborativa desenvolvida desde sua requisição até a
disseminação aos formuladores de política.
4.1 O Conhecimento especulativo-avaliativo
Uma Estimativa Nacional de Inteligência buscará identificar as
capacidades, vulnerabilidades e intenções de atores estrangeiros, estatais ou
não estatais, que ameaçam os interesses ou a segurança nacional dos Estados
Unidos (GEORGE; BRUCE, 2008, p. 316). Vamos a uma breve definição
destes fatores:
a) Capacidades
O termo tem origem na doutrina militar quando da identificação dos
fatores de força do adversário, tais como armas e efetivo mobilizável. A partir
da análise deste fatores, contextualizados com outros aspectos relativos a
clima e terreno, entende-se como capacidade os cursos de ações que o inimigo
é capaz de adotar fisicamente. (SMITH, 1994)
37 National estimating (tradução nossa)
47
Grabo ensina que em algumas ocasiões, as capacidades militares
mobilizadas e desdobradas no terreno serão fortes indicadores sobre a
intenção do adversário.
É a história da guerra e de alerta, que o acúmulo extraordinário de
força militar ou capacidades é frequentemente a única indicação mais
importante e válida sobre as intenções. Não é uma questão de
intenções versus capacidades, mas de chegar a decisões lógicas das
intenções à luz das capacidades. O fato é que os estados não
costumam empreender uma escalada grande e dispendiosa de
poder de combate, sem a expectativa ou intenção de usá-los.
[GRABO, 2004, p. 22, tradução nossa, grifo nosso]38
Com o término da segunda guerra mundial o termo ganhou uma
dimensão não mais restrita apenas ao campo militar. Chamado por Kent (1967,
p. 53) pelo termo estatura estratégica, a capacidade passa a ser entendida
como “[...] a soma total de meios coatores e suasórios que o Grande Fusina39
possui, ao qual deve adicionar a vontade de usá-los e sua adaptação ao seu
uso.” Desta forma, além das capacidades tipicamente militares – que não
deixaram de ser importantes – torna-se necessário avaliar outros fatores como
flexibilidade da produção econômica e as relações diplomáticas que o ator
adverso possui com os demais atores que estejam, ainda que indiretamente,
ligados à uma dada situação.
b) Vulnerabilidades
Este é o fator que deve ser subtraído das capacidades para se
chegar a uma noção mais realista sobre o pontencial de força real do ator
adverso. Uma vulnerabilidade indica as fraquezas, que caso eficientemente
38 It is the history of warfare and of warning, that the extraordinary buildup of military force or capability is often the single most important and valid indication of intent. It is not a question of intentions versus capabilities, but of coming to logical judgments of intentions in the light of capabilities. The fact is that states do not ordinarily undertake great and expensive buildups of combat power without the expectation or intention of using it. 39 Sherman Kent usou em seu trabalho um país hipótetico chamado de Grande Fusina para enredar suas explicações.
48
atingidas, reduzem o potencial bélico do adversário ou diminua sua pré-
disposição para a luta. “Isso inclui as atividades diretamente relacionadas ao
potencial de guerra, como o potencial industrial, científico e político.” (PLATT,
1974, p. 95).
A identificação das vulnerabilidades é feita através de apurada
análise dos conhecimentos básicos-descritivos coletados para se chegar aos
fatores do adversário vulneráveis à armas psicológicas, políticas, econômicas e
militares. (KENT, 1967, p. 67-68). Em tempos de paz, as vulnerabilidades são
muito importantes para se conjecturar oportunidades em negociações
diplomáticas.
Na segunda-guerra mundial por exemplo, uma vulnerabilidade
específica identificada pela inteligência dos Estados Unidos foi a produção de
combustíveis pela indústria alemã. Assim, depois de identificados, os locais de
produção foram bombardeados causando grande dificuldade para o
abastecimento do exército alemão.
c) Intenções
Este é o campo mais obscuro e na maioria das vezes o mais
requisitado pelos usuários de inteligência. De forma resumida, pode-se dizer
que a partir do conhecimento sobre as capacidades e as vulnerabilidades do
adversário, torna-se menos impreciso as estimativas e especulações sobre
suas prováveis linhas de ação. As intenções precisam ser analisadas sob o
prisma multifacetado das relações adversariais existentes e não apenas sobre
o aspecto estritamente do que é possível um país obter em termos militares.
Esclareceremos com o exemplo da segunda guerra mundial. Tanto os
japoneses quanto os Estados Unidos reconheciam a superioridade industrial e
militar deste último. Poderia um país com inferioridade bélica atacar o outro?
Os Estados Unidos avaliaram que não. Mesmo assim, em novembro de 1941
os japoneses atacaram a base de Pearl Harbor no Havaí. Os japoneses
avaliaram que um primeiro ataque bem sucedido tornaria a opinião pública
49
estadounidense aversa a guerra. A intenção japonesa, mais que subjugar
militarmente, era intimidar para conseguir vitórias no campo político.
Este exemplo serve apenas para demonstrar que não
necessariamente as capacidades militares apontam diretamente para uma
intenção. Sendo assim, torna-se necessário avaliá-las num contexto mais
amplo envolvendo as complexas relações econômicas, comerciais e
diplomáticas existentes no mundo.
4.1.1 Processo de produção do conhecimento especulativo-
avaliativo
Todo o processo de produção do conhecimento especulativo-
avaliativo é permeado pela ação de estimar, sendo através dela que os
analistas buscarão chegar a julgamentos a partir de informações ambíguas
e/ou incompletas. Ela é realizada sobre todos os fatores acima destacados e
não erroneamente como pode se imaginar, que se resume apenas às
intenções.
Dificilmente, mesmo dispondo do mais completo aparato analítico e
de coleção a disposição, a comunidade de inteligência irá lidar com
informações completas e precisas sobre o adversário. Como é típico de uma
relação adversarial, as partes sempre irão procurar esconder suas capacidades
e vulnerabilidades com ações de ocultação e engano.
Por exemplo, na operação Barbarossa, na qual a Alemanha Nazista
procedeu a tentativa militar de dominar o território russo na Segunda Guerra
Mundial, vários foram os erros de estimativa por parte da Alemanha, Inglaterra
e Estados Unidos relacionados à capacidade de guerra daquele país. Isso,
além de plano ideológico existente, apressou a decisão de Hitler em atacar já
que se esperava uma vitória rápida.
Foi a ação de desinformação sobre a real capacidade da indústria
bélica russa que acarretou erro de avaliações por parte dos outros países.
(ABRIL COLEÇÕES, 2009, p. 16). Isso fez com que um erro de estimativa
50
sobre as capacidades da produção industrial levasse o serviço secreto alemão
a identificar uma vulnerabilidade.
Desta forma, no início dos combates de fronteiras, os alemães se
depararam com tanques de guerra até então desconhecidos, cuja blindagem
era impenetrável pelas armas antitanque disponíveis.
Entretanto, o erro crucial foi na estimativa sobre a quantidade de
divisões que o exército russo seria capaz de organizar. Quando no início dos
ataques, em junho de 1941, os serviços de inteligência alemãs tinham apurado
a existência de apenas três dos vinte corpos de exércitos blindados que os
russos possuíam. Avaliaram ainda que os russos poderiam organizar trezentas
divisões, o que se mostrou equivocado em cinquenta por cento, quando em
dezembro de 1941 o exército alemão já tinha constatado a existência de pelo
menos seiscentas. (COLEÇÃO 70º ANIVERSÁRIO DA 2ª GUERRA MUNDIAL,
2009, p. 72-3).
Esta exemplo histórico serve para demonstrar que numa relação
adversarial, onde sempre existirá ações de negação e engano com algum grau
de intensidade – mesmo que seja pequeno – invariavelmente teremos de
estimar tanto sobre as intenções como sobre capacidades
É a partir desta necessidade, de se alcançar julgamentos a partir de
informações incompletas e ambíguas, que os analistas se utilizarão da
estimativa. É neste sentido que Kent ensina que em inteligência, “estimativa é o
que você faz quando você não sabe.” (KENT, 1994, p. 60).
Para explicar como funciona o processo de produção do
conhecimento especulativo utilizaremos a metáfora da pirâmide, concebida por
Kent (1994, p. 61-3) conforme figura que segue abaixo:
51
Figura 3: A pirâmide da produção do conhecimento especulativo Fonte: KENT, 1994, p. 61-3.
O ponto de partida é a identificação da necessidade informacional.
Ela pode ser uma dúvida sobre capacidades, como por exemplo: O país X
possui as matérias-primas e conhecimento tecnológico para a produção de
uma bomba atômica? Adicionando o fator “intenção”, a necessidade pode
adquirir uma outra forma de indagação: O país X tem a capacidade e a
intenção de produzir uma bomba atômica?
Qualquer que seja a indagação, a regra geral é partir do que se é
conhecido em direção a especulação – da base ao pico da pirâmide.
Desta forma, inicia-se juntando os conhecimentos básicos
descritivos, adquiridos através dos meios de coleção, com o mínimo de
manipulação e inferência e com eles vamos preenchendo a base da pirâmide.
Trata-se de procedimento de pesquisa onde os analistas buscarão todas as
informações disponíveis pela comunidade de inteligência sobre o assunto.
Verificada a falta de informações, serão emitidos requerimentos para os
coletores para que possam suprir as lacunas existentes.
52
Para exemplificar, no caso da NIE 85-3-62, que analisou a escalada
militar da União Soviética em Cuba, o ponto de partida, o fato indisputável e
conhecido, era a existência de mísseis nucleares de médio alcance em poder
russo, bem como a identificação de frequentes desembarques de materias
militares oriundos da União Soviética.
Verificado e analisados os conhecimentos básicos relacionados ao
assunto, prosseguimos preenchendo a pirâmide em direção ao seu topo. Na
sua seção intermediária, adicionamos os dados advindos do monitoramento do
ambiente tendo em vista identificação de mudanças de padrões ou surgimentos
de novos atores. Conforme ensina Kent.
Os elementos encarregados das informações correntes devem manter a organização completamente informada da evolução dos acontecimentos à medida que forem obtendo dados, quer clandestinamente ou ostensivamente40, de modo que as especulações tenham como ponto de partida o extremo da pista de vôo da imaginação dirigido na direção que mostrar-se a mais correta. [KENT, 1967, p. 56]
No caso de uma estimativa que esteja analisando a probabilidade de
ataque militar, juntamente com as informações correntes serão adicionados os
conhecimentos existentes acerca dos indicadores estratégicos e táticos que
apontam ou refutam uma ação armada por parte do adversário.
Chega-se então ao ponto mais difícil de uma análise. Presume-se
que tenham sido esgotadas todas as capacidades coletivas da comunidade de
inteligência. Tomando como ponto de partida os conhecimentos básicos,
atualizados com as informações correntes, o analista buscará preencher o
terço superior da pirâmide em direção ao futuro e/ou desconhecido. Nesta
etapa sua tarefa será delineada pela linha pontilhada que representa o apoio
que o analista buscará na sua capacidade de julgamento individual e em
conjunto, bem como nas técnicas analíticas.
Neste sentido, Kent escreveu que no esforço de buscar uma
aproximação que seja útil para a análise do problema, o analista busca
40 Trata-se de termo utilizado para representar a ação de coletar informações disponíveis em fontes abertas.
53
[...] um conjunto de técnicas e maneiras de pensar, e com a ajuda delas você se esforce lógica e racionalmente (você espera) para desvendar o desconhecido, ou pelo menos grosseiramente definir alguma área de possibilidade pela exclusão de uma grande quantidade do impossível41. [KENT, 1994, p.61, tradução nossa].
As técnicas utilizadas, por mais eficientes e por maior que seja seu
critério metodológico, não irão prever o futuro, o pico da pirâmide, de maneira
exata. Este ainda é o grande desafio das ciências sociais e a restrição vale
para o conhecimento especulativo produzido numa Estimativa Nacional de
Inteligência.
Neste sentido, em relação ao futuro, o propósito da estimativa é o
seguinte:
Ainda que seja impossível predizer o curso preciso dos eventos, a boa NIE descreve em detalhes como as várias partes envolvidas vêem uma situação, e como elas podem agir em relação a mudanças hipotéticas. A estimativa irá explicitar, e muitas vezes classificar, um leque de possíveis resultados, especialmente aqueles que ameaçam Interesses americanos ou apresentem uma oportunidade para os Estados Unidos42. [CHURCH43 apud FORD, 1993, p. 32, tradução nossa]
De acordo com esta definição em relação aos verdadeiros
propósitos de uma Estimativa Nacional de Inteligência, vamos a uma breve
explanação sobre a ferramenta de construção de cenários por entedermos que
ela engloba tanto a avaliação das forças quanto a explicitação de diversos
futuros plausíveis.
4.1.2 Construção de cenários
A técnica de construção de cenários ganhou grande dimensão no
mundo empresarial a partir da década de setenta com o trabalho de Pierre
41 […] a group of techniques and ways of thinking, and with their help you endeavor logically and rationally (you hope) to unravel the unknown or at least roughly define some area of possibility by excluding a vast amount of the impossible. 42 Though it is impossible to predict the precise course of events, the good NIE describes in detail how various parties involved view a situation, and how they might act toward hypothetical changes. the estimate will lay out, and often rank, a range of possible outcomes, especially aqueles que ameaçam interesses Americanos ou apresentam uma oportunidade para os Estados Unidos. 43 CHURCH, Frank. An imperative for the CIA: professionalism free of politics and partisanship. Congressional Record, 11 nov 1975.
54
Wack na Shell. Trata-se de uma ferramenta de suporte para a tomada decisões
ensinando a organização a lidar com as incertezas do futuro.
Peter Schwartz (2004), especialista nesta ferramenta e com vasta
experiência na área, explica que a construção de cenários não se trata de
prever o futuro e sim, de preparar a organização para suas incertezas. Desta
forma, analisando e visualizando os futuros cuja ocorrência seja plausível,
busca-se explicitar quais forças precisariam ocorrer, ou não, para
concretização dos cenários imaginados. Assim, quando elas forem
acontecendo, a organização estaria apta a identificar qual cenário está se
concretizando.
Assim, a função do planejador por cenários é olhar “[...] para as
forças convergentes e tenta compreender como e porque devem interagir –
depois amplia a imaginação em figuras coerentes de futuros alternativos.”
(SCHWARTZ, 2004, p. 119).
Retomando a metáfora anteriormente utilizada, com esta técnica
iríamos imaginar os vários ápices (cenários) para a pirâmide. Em seguida, o
papel do analista de inteligência é explicitar os vários indicadores que apontam
para a ocorrência de cada uma das situações vislumbradas. Estes indicadores
deverão ser monitorados pela inteligência corrente e sempre revistos pelos
analistas, tendo em vista atualizá-los com o momento presente, tornando-se
assim, um processo contínuo de aprendizado e análise por parte de toda a
organização de inteligência.
Uma abordagem similar de construção de cenários foi proposta por
CLARK (2006, p. 175-178) tomando como base o estado presente do alvo e as
prováveis evoluções das forças atuantes sobre ele. Entende-se como alvo,
uma pessoa ou organização, estatal ou não.
Primeiramente, devem-se analisar quais forças estão agindo sobre a
questão objeto de estudo para trazê-la ao presente estado situacional. Em
seguida, se utilizam três mecanismos de predição: A extrapolação, a projeção e
a previsão.
55
Uma extrapolação assume que aquelas forças não mudam entre os estados presentes e futuros; uma projeção assume que elas vão mudar [de intensidade ou desaparecerão]; e uma previsão assume que elas vão mudar e que novas forças serão adicionadas.44 [CLARK, 2006, p. 176, tradução nossa].
Para ilustrar a análise, vamos ao golpe de Estado ocorrido no Irã em
1979. Na ocasião, a inteligência e o governo dos Estados Unidos tinha íntimo
contato com os militares e o Xá do Irã, entretanto, falharam em avaliar o
surgimento de uma nova força naquela situação, no caso, a forte influência que
o movimento religioso estava exercendo na política.
A ênfase aqui, mais do que adivinhar o futuro estado das coisas, é
analisar a evolução das forças. Conforme Clark explica
O valor de uma predição reside na análise das forças que vão moldar eventos futuros e o estado do alvo. Se o analista precisamente analisar essas forças, ele ou ela tem servido bem o cliente de inteligência, mesmo se a predição que o analista desdobrou daquela análise estiver errada. [CLARK, 2006, p. 195, tradução nossa].
4.2 Evolução da arquitetura organizacional
Avaliamos a produção do conhecimento especulativo cabendo agora
analisar a estrutura organizacional necessária para a produção de uma
Estimativa Nacional de Inteligência. Este por vezes é o maior desafio.
Conforme ensina Herman (1996, p. 258, tradução nossa) “o processo não é
puramente intelectual. Ele implica orquestrar múltiplas organizações, incluindo
inteligência departamental fiel ao órgão de origem, em direção a uma política
departamental única.”45
Para ser efetiva e corresponder a um julgamento competente em
nome de toda a comunidade de inteligência, torna-se necessário então dispor
as diversas agências departamentais, de forma que elas compartilhem
informações, analisem em conjunto, e cheguem a um julgamento sobre a
questão de interesse para a formulação política.
44 An extrapolation assumes that those forces do not change between the present and future states; a projection assumes that they do change; and a forecast assumes that they change and that new forces are add. 45 The process is not purely intellectual. It entails orchestrating multiple organizations, including departmental intelligence with its primary allegiance to a single policy department
56
Arrumar as diversas partes da comunidade para execução desta
tarefa não é simples, pois lida com resistência de grandes burocracias
governamentais, civis e militares.
Conforme desdobraremos a seguir, ao longo de cerca de 60 anos de
existência, os Estados Unidos passaram por quatro mudanças significativas em
sua estrutura de produção de Estimativa. A cada fase, necessidades foram
sendo identificadas, e assim implementadas correções para a formação de um
novo modelo.
4.2.1 Sistema de estimativa antes da criação da CIA
Nos Estados Unidos, o surgimento da inteligência de estimativa
advém da necessidade verificada na segunda guerra mundial de que
importantes segredos sobre os planos e intenções do inimigo mesmo que
eficientemente coletados pelas diversas agências nacionais de inteligência de
nada adiantariam se não fossem analisados em conjunto.
O ataque japonês à sua base militar em Pearl Harbor, numa manhã
de domingo em novembro de 1941, pegando suas tropas despreparadas e sem
alerta prévio, fez com que os Estados Unidos buscassem um arranjo entre as
agências departamentais que propiciassem um sistema de análise central.
O caso de Pearl Harbor é bastante ilustrativo no sentido de
demonstrar a dificuldade enfrentada na época em conformar inúmeras
agências de inteligência militares, com culturas e práticas próprias, sem
coordenação central, dentro de um sistema que produzisse análises de com
base em todas as informações disponíveis sobre um adversário.
A primeira diretriz na direção da criação da CIA ocorreu em julho de
1941. O presidente Franklin D. Roosevelt (FDR) criou o Office of the
Coordinator of Information46 (COI), nomeando Willian J. Donovan como
Coordenador de informação. O COI foi a primeira organização de inteligência
não departamental em tempos de paz dos Estados Unidos estando autorizada
a
46 Escritório do Coordenador de informação (tradução nossa)
57
[...] coletar e analisar todas as informações e dados, que dão suporte à segurança nacional: correlacionar informações e dados, e tornar essas informações e dados disponíveis ao Presidente bem como aos departamentos e oficiais do Governo na forma como o Presidente poderá determinar; e realizar, quando solicitado pelo Presidente, atividades complementares que possam facilitar a obtenção de informações importantes para a segurança nacional não disponíveis ao Governo47. [CIA, 2007, tradução nossa]
Apesar desta ampla gama de atribuições, na prática pouco se
avançou na coordenação de informações. Por exemplo, as informações do
Magic48 circulavam entre menos de 40 pessoas, entre elas o Presidente,
secretários de guerra, militares de altas patentes e aqueles que trabalhavam
com os códigos (TURNER, 2008, p. 20).
As operações relativas ao Magic tiveram início em 1940. Entretanto,
batalhas burocráticas entre as agências militares do exército e da marinha
fizeram com que o COI não tivesse acesso sobre as mensagens japonesas
interceptadas.
Desta forma, apesar da criação do COI, a inteligência americana
ainda continuou com um conjunto de agências virtualmente autônomas sem
uma coordenação central de análise. Este fato contribuiu em grande parte à
falha de prever o ataque japonês em Pearl Harbor. Segundo o ex-diretor da
CIA, Stansfield Turner (2008, p. 35), “Pelo menos, em alguma medida, essa
falha foi resultado tanto da falta de intercâmbio de dados entre agências de
inteligência quanto da falta de coordenação e foco nos esforços dessas
agências.”
Devido aos constantes conflitos burocráticos com os militares e com
o FBI, o COI perdeu inúmeras atribuições, dentre elas a da propaganda de
guerra psicológica, e sua estrutura remanescente passou a se chamar de
47 [...] collect and analyze all information and data, which may bear upon national security: to correlate such informantion and data, and to make such information and data available to the President and to such departments and officials of the Government as the President may determine; and to carry out, when requested by the President, such supplementary activities as may facilitate the securing of information important for national security not now available to the Government. 48 Nome batizado ao sistema empreendido pelos Estados Unidos de interceptação e decifração do código conhecido como PURPLE através do qual o governo japonês se comunicava com suas embaixadas no mundo.
58
Office of Strategic Services49 (OSS) no dia 13 de junho de 1942 passando a
atuar sob o comando do Estado-Maior conjunto.
Dentro de sua estrutura, a OSS contava com o Research and
Analysis Branch50 (R&A). Apesar de ainda não produzir estimativas nacionais
de inteligência, como conhecida nos dias atuais, o R&A produziu excelentes
estudos de vários tipos e para diversos clientes de alto nível governamental.
Suas análises produziam conhecimento relativo a recursos econômicos de
Estados estrangeiros, sistema logístico, moral, geografia militar, capacidades,
intenções dentre outros (FORD, 1993, p. 55).
Surge assim a disciplina de análise de inteligência estratégica não
departamental criada pelos acadêmicos e especialistas estadunidenses que
começaram a trabalhar no R&A, “inspirados pela visão do General Donovan de
um serviço que poderia colecionar dados de fontes abertas e de todos os
departamentos do governo [...].” (CIA, 2007, tradução nossa).
Uma das contribuições do R&A foi a identificação de locais
específicos na Alemanha cujo bombardeio poderia minar a capacidade de
guerra alemã. Uma análise sobre vulnerabilidades do adversário. Assim, foi
criado o Enemy Objectives Unit51 (EOU) um time de economistas do R&A
enviados para a embaixada em Londres, cujos estudos propiciaram o
bombardeio na Alemanha sobre fábricas de aviões de guerra nos anos de 1943
e 1944.
Em seguida, em outro trabalho, identificaram a produção de petróleo
como o ponto de estrangulamento do esforço de guerra nazista. Efetuando
análises se utilizando não apenas de segredos mas também de informações
econômicas disponíveis no objetivo de identificar os locais de produção de
petróleo. O jovem analista Walter Levy percebeu, apesar da grande censura
sobre os meios de comunicações, que os alemães publicavam as tarifas de
frete de todos os seus bens, incluindo os derivados de petróleo. Com isso,
49 Escritório de Serviços Estratégicos (Tradução nossa) 50 Braço de Pesquisa e Análise (tradução nossa) 51 Unidade de Objetivos Inimigos (tradução nossa)
59
baseado nessas tarifas, o analista utilizou técnicas de georeferenciamento para
achar a exata localização das refinarias de petróleo (CLARK, 2006, p. 87).
A análise foi muito bem documentada dando credibilidade e
convencendo o comando aliado a tentar esta alternativa. A destruição dos
campos de produção de petróleo teve como resultado a escassez de
combustível de aviação, e no final do ano de 1944, a produção de diesel e
gasolina despencou imobilizando centenas de caminhões e tanques de guerra
da Alemanha (CIA, 2007).
Entretanto, mesmo com o reconhecimento da importância dos
conhecimentos produzidos pelo R&A, as lutas burocráticas barraram o fluxo de
informações para este embrionário sistema de análise central. Um estudo
produzido pela CIA (2007) ilustra em que ponto encontrava-se a inteligência
dos Estados Unidos durante a segunda guerra mundial
Não obstante a contribuição do R&A, a coordenação de inteligência permaneceu um problema em Washington por toda a guerra. O desastre de Pearl Harbor ressaltou os problemas com a cooperação entre as agências e poderia servir como uma metáfora para a fragmentação do sistema Americano de inteligência em tempo de guerra. [...] Fora do salão oval, ninguém colecionava e analisava a totalidade dos dados de inteligência coletada pelo governo dos Estados Unidos. Esta ausência de ampla coordenação governamental limitou o sucesso do R&A e impeliu esforços para reformar a atividade de inteligência tão logo a guerra fosse vencida. [tradução nossa]52
Mesmo com todas as dificuldades que envolveram os arranjos
institucionais e a guerra burocrática entre os serviços de inteligência nesta
época, a importância do braço analítico do COI e da OSS, composto de
especialistas e acadêmicos de diversas áreas efetuando análises partindo de
informações de diversas fontes, foi uma inovação bem recebida por todo o
governo dos Estados Unidos durante a segunda guerra mundial, fazendo com
que o R&A, sobrevivesse às resistências externas e representasse um embrião
52 R&A’s contribution notwithstanding, the coordination of intelligence remained a problem in Washington throughout the war. The Pearl Harbor disaster underscored the problems with inter-service cooperation and could serve as a metaphor for the fragmentation of the American wartime intelligence establishment. […]Outside of the Oval Office, no one collated and analyzed the totality of the intelligence data collected by the US Government.This lack of government-wide coordination limited the success of R&A and prompted efforts to reform the intelligence establishment as soon as the war was won.
60
do Escritório Nacional de Estimativas, o qual seria criado formalmente em
1950. Mesmo com a dissolução da OSS em setembro de 1945, elementos do
R&A foram transferidos para o Departamento de Estado.
SCHMITT e SHULSKY (2002, p. 161-4) argumentam que neste
momento nasce uma nova visão sobre a atividade de inteligência. Segundo
estes autores, haveria a visão tradicional, praticada até a segunda guerra
mundial, que enfoca a inteligência como atividade de busca de segredos
guardados pelo adversário. Com todas as necessidades informacionais
identificadas neste conflito, surge uma visão diferente focada no trabalho de
juntar diferentes fragmentos de informação para em seguida revelar uma
imagem precisa sobre planos, intenções e capacidades do adversário.
“A importância central da análise é uma das principais características distintivas
da nova visão da inteligência.”53 (SCHMITT; SHULSKY, 2002, p. 162, tradução
nossa).
4.2.2 A criação da CIA e o surgimento da Estimativa Nacional de
Inteligência
As primeiras diretrizes na direção de uma agência central de
inteligência foram dadas pelo presidente Harry Truman quando em Fevereiro
de 1946 “[...] ele estabeleceu um Grupo Central de Intelligence (CIG) e
autorizou-o a avaliar inteligência de todas as partes do governo”54 (GEORGE;
BRUCE, 2008, p.21, tradução nossa). Subordinado ao CIG foi criado o Office of
Reports and Estimates55 (ORE) voltando principalmente para confeccionar
sínteses das diversas informações departamentais e relatá-las ao presidente.
Apesar do termo “estimates” em seu nome, este escritório pouco avançou na
produção de produtos preponderantemente estimativos.
53 the central importance of analysis is a major distinguishing characteristic of the new view of intelligence 54 In february 1946 he established a Central Intelligence Group (CIG) and authorized it to evaluate intelligence from al parts of the government. 55 Escritório de Relatórios e Estimativas
61
O National Security act56 de 1947 efetuou diversas mudanças no
sentido de reorganizar a política estrangeira e organizações militares do
governo dos Estados Unidos, sendo criado o Nationall Security Council57
(NSC), o Department of Defense58 (DoD) e a CIA, que serve até hoje como a
primeira agência civil de inteligência do governo estadunidense com o papel de
coletar inteligência externa através da disciplina de fontes humanas, exercer a
atividade de contrainteligência no exterior, executar operações encobertas
autorizadas pelo Presidente e, o mais importante no contexto desta
monografia, ser uma agência não departamental que efetuaria análises de
inteligência direcionadas ao presidente e ao Conselho de Segurança nacional,
podendo para isso, acessar qualquer informação e arquivos disponíveis por
todo o Governo.
Apesar de haver um avanço substancial no sentido de produzir
materiais de cunho estimativos o surgimento da CIA por si só ainda não tinha
criado a cultura e nem a prática sobre a comunidade de inteligência
estadunidense para uma efetiva elaboração de estimativas. Os estudos
produzidos pelo ORE ainda eram muito mais descritivos do que estimativos e
coordenados com a comunidade de inteligência apenas no nível operacional.
(FORD, 1993, p. 61)
Além disso, faltava pessoal qualificado com experiência e
especialidade para uma análise acurada dos alvos e assuntos que naquele
momento interessavam à política externa estadunidense. Por exemplo, o braço
analítico do ORE que cuidava das análises relativas à União Soviética e Leste
Europeu era composto de trinta e oito analistas dois quais apenas nove haviam
vivido lá e doze falavam russo. “Porém, seus conhecimentos eram menos
impressionantes em outros aspectos. Somente um tinha doutorado, e seis não
tinham diploma universitário.”59 (GERGE; BRUCE, 2008, p. 23, tradução nossa)
56 Ato de Segurança Nacional (tradução nossa) 57 Conselho de Segurança Nacional (tradução nossa) 58 Departamento de Defesa (tradução nossa) 59 But their backgrounds were less impressive in other respects. Only one had a PhD, and 6 had no college degree.
62
Em resumo, foi pouco o avanço no período de 1947 a 1950 na
direção de estruturar a produção de estimativas nacionais de inteligência com
julgamentos coordenados com a comunidade de inteligência.
Foi preciso os Estados Unidos passar por outra crise, outra falha de
inteligência similar a Pear Harbor para alavancar o seu processo de
centralização de análise para assessoramento do mais alto nível
governamental referente às ameaças que pairavam sobre o Estado.
Conforme Ford (1993, p. 30) explica, o atual sistema estimativa
nacional foi um produto direto das falhas de inteligência em 1950 na guerra da
Coréia. Primeiramente, em junho daquele ano, a inteligência falhou em alertar
que a Coréia do Norte atacaria a Coréia do Sul. Alguns meses depois, mais
uma vez a inteligência falhou em não identificar que tropas chinesas
atravessariam o rio Yalu – que fazia fronteira entre a China e a Coréia do Norte
– se juntariam às tropas norte-coreanas e lançariam um ataque maciço contra
as forças da ONU e dos Estados Unidos.
[...] nosso atual sistema nacional de estimativa foi basicamente formado naquele tempo, no outono de 1950. Desde então tem sido alterado e aperfeiçoado em particularidades por vários momentos, porém permaneceu substancialmente inalterado até os dias de hoje. (FORD, 1993, p. 30)
Em 1º de janeiro de 1949, Allen W. Dulles, William H. Jackson e
Mathias F. Correa, apresentaram um estudo ao NSC conhecido por Dulles-
Jackson-Correa Report no qual avaliaram as deficiências do processo de
análise interagências. Dentre elas, reconheceram que a grande falta de
coordenação no mais alto nível governamental relacionado aos mais amplos
aspectos da política de segurança nacional foi o principal motivo para a criação
da CIA. Entretanto, reconheceram que pouco se tinha avançado na produção
de inteligência alegando que a situação poderia ser remediada caso “(...) a
Agência Central de Inteligência reconheça a responsabilidade que o estatuto
lhe atribui e assuma a liderança na organização de seu próprio trabalho
63
valendo-se das outras agências do governo para a produção de inteligência
coordenada.” (LEARY60 apud FORD, 1993, p. 63)61
As conclusões contidas neste relatório formaram a base conceitual
para a formação em 1950 do Escritório Nacional de Estimativas (FORD, 1993,
p. 61; GEORGE; BRUCE, 2008, p.23; KENT, 1994, p. 82;).
No dia sete de outubro de 1950 o general Bedell Smith tornou-se
Diretor Central de Inteligência com a proposta de implantar efetivamente um
sistema de análise central coordenado com a comunidade de inteligência.
Em 20 de outubro de 1950, o Intelligence Advisory Committe62 (IAC),
composto por chefes de agências de inteligência e pelo Diretor Central de
Inteligência (DCI) aprovaram certos procedimentos que, virtualmente,
permanecem sem modificações até os dias de hoje. Em linhas gerais os
procedimentos são os descritos abaixo (FORD, 1993, p. 65).
a) O Escritório Nacional de Estimativas deveria preparar o primeiro
rascunho de uma estimativa nacional o qual receberia comentários e
modificações pelas outras agências de inteligência;
b) Depois de aglutinar as alterações e sugestões, o rascunho seria
enviado para o comitê dos chefes da comunidade de inteligência para a
discussão final e aprovação.
c) Neste processo, as diferenças de opiniões e julgamentos deverão
ser resolvidas, caso negativo, a Estimativa Nacional deveria incluir
dissensões e as razões da discordância.
d) Situações de crise simplificariam o processo em benefício da
resposta a uma questão em tempo oportuno e os chefes da comunidade
de inteligência poderiam ser chamados em regime de urgência
60 LEARY, William M. (ed.). The Central Intelligence Agency: history and documents, Tuscaloosa: University of Alabama Press, 1985 61 if the agency recognizes the responsability which it has under the statute and assumes the leadership in organizing its own work and in drawing upon that of the other intelligence agencies of Government for the production of coordinated intelligence 62 Comitê Consultivo de Inteligência (tradução nossa)
64
Maiores detalhes a respeito dos procedimentos metodológicos para
elaboração da Estimativa Nacional de Inteligência serão abordados mais
adiante. Neste momento, analisaremos a evolução dos arranjos
organizacionais utilizados para coordenação e elaboração das estimativas.
Tomaremos como base a classificação proposta por Ford (1993) no qual o ex-
oficial da CIA separa a evolução da produção da Estimativa Nacional, a partir
da Guerra da Coréia, em três fases:
a) NIEs produzidas pelo Office of National Estimates63 (O/NE) (81-105);
b) NIEs produzidas através dos National Intelligence Offices64 (106-
124);
c) NIEs produzidas pelo National Intelligence Council65 (125-6).
Podemos adicionar a estas, uma quarta fase, relacionada com as
mudanças implementadas no Intelligence Reform and Terrorism Prevention Act
of 200466.
4.2.3 O Escritório de Estimativas Nacionais
O Escritório Nacional de Estimativas (ONE67) foi criado formalmente
em 20 de novembro de 1950 em meio à crise causada pelos erros de
estimativa cometidos na guerra da Coréia pela inteligência Estadunidense.
Para compor os quadros de direção, o recém-empossado Diretor
Central de Inteligência, Walter Bedell Smith, chamou os oficiais veteranos do
braço analítico da OSS, William Langer, Sherman Kent e Ray Cline. Ford
(1993, P. 83) argumenta que esta liderança de alto nível foi um dos pontos
fortes do ONE.
O escritório estava localizado dentro da estrutura da CIA,
subordinado diretamente ao Vice-Diretor Central de Inteligência. Era formado a
partir de três componentes, o Conselho de Estimativas Nacionais, quadro de
63 Escritório de Estimativas Nacionais (tradução nossa) 64 Escritórios Nacionais de Inteligência (tradução nossa) 65 Conselho Nacional de Inteligência (tradução nossa) 66 Ato de Reforma da Inteligência e Prevenção ao Terrorismo (tradução nossa) 67 Sigla em inglês para Office of National Estimates
65
apoio para estimativas nacionais e quadro de apoio administrativo (KENT,
1994, p. 76).
Figura 4: Organograma do Escritório Nacional de Estimativas Fonte: (CIA, 2007c, tradução nossa)
O Conselho de Estimativas era o principal componente sendo o
responsável pela presidência dos trabalhos de coordenação que culminariam
na produção final de uma NIE.
De acordo com os pensamentos propostos no relatório Dulles-
Jackson-Correa, o Conselho permaneceu com tamanho reduzido. Em 1951, o
efetivo de todo o Escritório de Estimativas era cerca de sessenta pessoas. Dez
anos depois, eram cerca de setenta, das quais aproximadamente doze eram
integrantes do Conselho.
A concepção original era de que os membros do Conselho fossem
generalistas, sem especialização em determinado assunto ou área geográfica.
Entretanto, com o passar dos anos, foram surgindo, de maneira informal,
especializações, seja pelo fato de um determinado membro do Conselho
presidir sucessivas produções de Estimativas sobre uma área ou região em
particular, ou por crescente interesse em estudar determinada questão. (KENT,
1994, 78) Esta lógica de especialização tomou forma em 1973 quando foram
criados os Escritórios de Inteligência Nacional e segue-se assim até a
atualidade.
66
O outro componente do Escritório era o quadro de apoio para
Estimativas Nacionais de Inteligência. No início eram cerca de vinte e cinco
oficiais de inteligência, duas décadas depois cerca de trinta. Tratava-se de um
grupo analítico. A maioria, senão todos tinham produção acadêmica em
ciências sociais ou história. Da mesma forma, a maioria tinha experiência na
atividade de inteligência desde a época da segunda guerra mundial.
Diferentemente dos membros do conselho, entre os membros do
grupo de apoio havia especialização, fosse temática ou por área, fazendo com
que cada um deles, estivesse sempre em constante pesquisa referente aos
assuntos de sua alçada. Além disso ficava a cargo deste grupo, a confecção
do rascunho, etapa crucial na elaboração da estimativa. Ford (1993, p. 84)
argumenta que este foi outro pontos forte do O/NE durante os anos iniciais em
que foi comandado por William Langer e Sherman Kent, devido a qualidade
geralmente excelente do pessoal responsável pela elaboração do rascunho da
Estimativa.
Neste mesmo sentido, conforme Kent constatou, foi o quadro de
apoio para estimativas “que definiu o ritmo para um trabalho de qualidade que
conseguimos manter durante a vigência do escritório. Durante vinte anos foram
os melhores profissionais da cidade reconhecidos por um bom número de
pessoas de fora68” (KENT, 1994, p. 78, tradução nossa)
Entretanto, com o passar dos anos e constante mudança nos
cargos, o Escritório Nacional de Inteligência começou a perder prestígio. As
análises que na década de cinquenta no geral se mostraram bastante precisas,
perderam nos quesitos qualidade e impacto ao consumidor.
O fator preponderante para a queda na qualidade das Estimativas
está relacionado aos recursos humanos do Escritório Nacional de Estimativa.
Conforme o tempo foi passando, os então veteranos da OSS com grande
experiência na atividade de análise de inteligência, alto nível intelectual, e
68 they set a pace for a quality of workmanship that we were able to maintain during the lifetime of the office. For 20 years they were the best staff in town and so proclaimed by a good number of very knowledgeable outsiders.
67
grande credibilidade perante os agentes políticos, não tiveram uma substituição
a altura, devido principalmente à alguns entraves burocráticos.
Neste sentido, Ford (1993, p. 99) explica que enquanto se
desenrolavam as atividades do O/NE, excelentes novos escritórios analíticos
se desenvolviam na CIA atraindo analistas jovens e habilidosos, cuja chefia
ressentia de liberá-los para trabalhar no Escritório de Estimativas. Entraves
burocráticos impediram ainda que analistas de primeira linha de outras
agências do governo migrassem para o O/NE. “O resultado foi que nos últimos
dias do O/NE, novamente com algumas exceções, seus profissionais tendiam a
assemelhar-se a mais um escritório qualquer, não mais a elite da Comunidade
de Inteligência.”69 (FORD, 1993, p. 99, tradução nossa).
Intrinsecamente ligado à qualidade das estimativas está a confiança
que os agentes políticos depositam nas instituições e pessoas que elaboram e
coordenam as Estimativas Nacionais. (KENT, 1994, p. 14)
Deste modo, com a qualidade das estimativas declinando, com erros
críticos em avaliações de grande importância para a política exterior dos
Estados Unidos, decaiu a confiança dos tomadores de decisões em relação às
análises efetuadas pela CIA. Por exemplo, apesar de avaliar corretamente a
deterioração política e militar na guerra do Vietnã, a CIA não previu a grande
ofensiva Tet empreendida pelo exército do Vietnã do Norte bem como avaliou
de forma completamente equivocada que o Camboja não era a principal rota de
suprimentos do exército adversário (GEORGE; BRUCE, 2008, p. 44).
4.2.4 Os Escritórios Nacionais de Inteligência
No início de 1973, o DCI James Schlesinger iniciou a mudança
organizacional relativa a produção das Estimativas Nacionais de Inteligência
que se tornou completa no fim do ano quando o DCI era William E. Colby.
Seguindo uma evolução natural ocorrida na fase anterior no sentido
de criar áreas de especialização, foram criados os Escritórios Nacionais de
69 The upshot was that in the latter days of O/NE and again with some exceptions, its Staff tended to resemble just another office, no longer clearly the elite of the Intelligence Community.
68
Inteligência (NIO70), os quais estariam incumbidos, de coordenar e elaborar a
confecção de uma NIE. Inicialmente foram criados doze escritórios.
A intenção política na ocasião tinha como objetivo aproximar o
sistema de estimativa dos consumidores de inteligência de assessoramento de
alto nível. Isso seria feito a partir da participação da comunidade de inteligência
em fóruns políticos, pois acreditava que isto “(...)poderia educar o mecanismos
de estimativa nacional em relação aqueles tópicos de alta relevância aos
formuladores de política” (FORD. 1993, p. 107, tradução nossa)
Esta postura confronta diretamente os ensinamentos e aplicações de
Sherman Kent em seus trabalhos teóricos e quando na direção do Escritório
Nacional de Estimativas, pois, para ele, uma relação muito aproximada da
política poderia interferir na objetividade do julgamento de inteligência. Uma
discussão adicional entre a relação entre a inteligência e a política será
abordada em tópico posterior, cabendo neste momento apenas pontuar a
mudança de postura adotada naquele momento evolutivo da Inteligência de
Estimativa estadunidense.
A principal mudança, e também a mais drástica, foi a maneira pela
qual eram processados os rascunhos. Com a extinção do Conselho Nacional
de Estimativas, também foi extinto o seu grupo analítico, que antes eram os
responsáveis por estudos aprofundados e elaboração do rascunho das
estimativas. Ficaria a cargo do respectivo chefe do NIO, além dos trabalhos de
coordenação interagências, e um acompanhamento mais aproximado das
necessidades políticas, a elaboração dos rascunhos das estimativas.
Geralmente ocupado com as demais atividades, o chefe do NIO
poderia teoricamente recrutar qualquer oficial de inteligência pela comunidade.
Porém, isso se mostrou um grande obstáculo para uma produção qualidade
pois “(...) elaborar o rascunho da estimativas é uma habilidade única, que na
maioria das vezes não podem ser desenvolvidas de um dia para o outro, não
70 Sigla em inglês para National Intelligence Office
69
importa o quão talentoso seja o novo escritor”71 (FORD, 1993, p. 114, tradução
nossa)
Apesar das vantagens relativas à especialização dos escritórios um
efeito negativo foi a falta de coordenação do trabalho entre eles. Os escritórios
eram diretamente subordinados ao Diretor Analítico da CIA o qual tinha
diversas demandas com outros tipos de produtos de inteligência. A NIE era
mais uma delas. A consequência disso, é que um grupo de doze chefes de
escritório faziam tudo cada qual a sua maneira sem coordenação, gerando por
vezes trabalhos conflitantes sobre temas que de alguma forma se
sobrepunham (FORD, 1993, p. 113)
Além disso, outros fatores ocasionaram em 1980 uma readequação
deste modelo. A década de setenta foi muito conturbada nos Estados Unidos
para a atividade de inteligência. A CIA passou por intensas críticas em meio a
descoberta de que a agência teria atuado ilegalmente dentro de território
estadunidense, o que é vedado desde 1947 até os dias de hoje conforme
previsto no National Security Act of 1947. Em meio a estas investigações, logo
as atenções se voltaram para o sistema de estimativa tendo em vista avaliar
sua eficiência. Duas questões principais vieram à tona: O desenvolvimento de
armas nucleares estratégicas pela União Soviética e o golpe de Estado
ocorrido no Irã.
Com relação a União Soviética, enquanto as análises se mostraram
bastante apuradas com relação à sua capacidade bélica nuclear, grandes
divergências surgiram em relação à intenção dos líderes soviéticos. As
estimativas na época, avaliavam que estes não tinham a intenção de adquirir
capacidade de armas nucleares superiores ao arsenal dos Estados Unidos
buscando apenas uma paridade de forças, o que sofreu várias críticas no
campo político que acreditava o contrário. O evento culminou com a
implantação de um método analítico conhecido como time A/Time B, no qual se
71 drafting estimates is a unique acquired skill which in most instances cannot be developed overnight, no matter how gifted the new writer
70
nomeiam duas equipes, que analisam uma questão de forma independente e
com base nos mesmos dados.
Outro evento crítico, com alto impacto na política exterior dos
Estados Unidos, foi a falta de previsão do golpe de Estado no Irã em 1979.
O DCI na época, Stansfield Turner, explica sobre esta falha de
inteligência:
Como se viu, a queda do xá foi rápida. Ele deixou o Irã e se exilou apenas cinco meses depois de o rascunho da NIE prever que ele duraria mais dez anos. Ninguém se lembrou de observar na NIE que ele havia abandonado o país sobre pressão semelhante em 1953. Deveríamos ter feito um perfil psicológico analisando por que um homem com seu formidável poder militar e político desistira desse poder, em vez de usá-lo. [TURNER, 2008, p. 238, grifo nosso].
De acordo com George e Bruce o problema neste caso não foi a
incapacidade e falta de experiência analítica do grupo responsável. Também
não foi falta de contatos e informações sobre o Iran. O problema residia na
pobreza da diversificação de fontes. Enquanto a inteligência e o governo dos
Estados Unidos eram muito próximos da força política e militar do Irã, o que
rendia boas informações relativas à capacidade daquele governo, “pouca
atenção foi dada para o que estava acontecendo nas ruas ou sendo dito nas
orações matutinas. Analistas daqueles dias tinham pouco entendimento da
força do movimento religioso na política”72 (GEORGE; BRUCE, 2008, p. 47). A
falha neste caso foi a não identificação das forças atuantes no cenário.
4.2.5 Conselho Nacional de Inteligência
O Conselho Nacional de Inteligência (NIC)73 foi criado a partir de um
estudo feito em 1979 por Bruce C. Clarke, Jr., e Richard Lehman, a pedido do
então DCI Stansfield Turner. O estudo foi terminado no fim do ano, sendo suas
avaliações implantadas no início de 1980. Esta é a configuração que
basicamente existe até os dias de hoje, não havendo alterações
organizacionais significativas. (FORD, 1993, p. 125).
72 Little attention was directed toward what was happening in the street or being said in the morning prayers. Analysts in those days had little understanding of the force of the religious movements in politics. 73 Sigla em inglês para National Intelligence Council.
71
Este novo arranjo mantém o critério de especialização, não abolindo
os Escritórios Nacionais de Inteligência. Entretanto, reconhecendo que a falta
de coordenação entre eles causavam perda de foco com os objetivos nacionais
de inteligência e duplicação de trabalho, foi criada o NIC, uma camada
hierárquica adicional diretamente ligada ao Diretor Central de Inteligência.
Atualmente, com o Intelligence Reform and Terrorism Prevention Act of 2004, o
Conselho Nacional de Segurança passou a se reportar diretamente ao Diretor
Nacional de Inteligência, ao qual é vedado a direção da Agência Central de
Inteligência.
Neste aspecto é importante tecer algumas considerações. Desde a
criação do Escritório Nacional de Estimativas, o processo de coordenação e
elaboração das NIE foi basicamente um processo da CIA. Na época do ONE, o
processo de elaboração dos rascunhos eram dominados por oficiais da CIA e
poucas contribuições do restante da comunidade eram absorvidas. O próprio
conceito de dissensão era relativo àqueles que não concordavam com os
julgamentos propostos pelos analistas da CIA. Mesmo quando da criação dos
NIOs, pouco se avançou no sentido de tem um processo interagências sem
influência preponderante da CIA. (FORD, 1993, p. 101, p. 109). Isto por vezes
ocasionava desinteresse da comunidade de inteligência em apoiar firmemente
o processo de elaboração de estimativas.
Neste sentido, com o Intelligence Reform and Terrorism Prevention
Act of 2004 separando as funções de Diretor da CIA e Diretor Nacional de
Inteligência, e colocando sob este último o NIC, a tendência é que o processo
de estimativas agregue maior influência e comprometimento de outras
agências de inteligência.
De acordo Richard A. Best Jr., atualmente, “muitos, se não a
maioria, dos NIOs não são analistas de carreira da CIA e alguns observadores
acreditam que o papel analítico preeminente da CIA diminuiu.”74 Entretanto, por
ter uma maior quantidade de analistas cobrindo diversas áreas, mais que
74 Many, if not most, current NIOs are not CIA career analysts and some observers believe that CIA’s preeminent analytical role has diminished.
72
qualquer outra agência, é provável que a CIA ainda conte com um peso maior
na elaboração das futuras NIEs (BEST, 2007, p.01).
Com a implantação do NIC, foi resgatado também o conceito de
“homens sábios”, existente na época do Escritório de Estimativas Nacionais.
Desta forma foi criado um Grupo Analítico que serviria como equipe para
estudos aprofundados de acordo com uma área de especialização e
responsáveis também para a elaboração do rascunho da estimativa. A
princípio, todos os rascunhos seriam feitos pelo grupo analítico, porém, este se
mostrou pequeno para a quantidade de NIE demandadas, ficando com as
estimativas que ultrapassavam os limites regionais ou funcionais, ou aquelas
que fossem devolvidas pelo chefe do NIO devido a baixa qualidade.
Atualmente, subordinado ao NIC, existem treze Escritórios Nacionais
de Inteligência, com especializações temáticas e geográficas conforme relação
abaixo (NIC, 2010, tradução nossa):
1. África;
2. Europa;
3. Rússia e Eurásia
4. Ameaças transnacionais;
5. Hemisfério Ocidental;
6. Leste da Ásia;
7. Questões militares
8. Ciência e tecnologia;
9. Alerta
10. Questões econômicas
11. Oriente Médio
12. Sul da Ásia
13. Armas de destruição em massa
4.3 Processo de produção das NIEs
Abordaremos neste tópico como funciona o processo de elaboração
de uma Estimativa Nacional de Inteligência. Apesar das três grandes
73
mudanças organizacionais analisadas até este ponto as bases conceituais e
procedimentais pouco se alteraram desde 1950 quando da criação do ONE.
Abordaremos assim as seguintes fases: 1) Requerimento e agendamento; 2)
Seleção do coordenador e do redator; 4) Termos de referência; 5) confecção
do rascunho; 6) coordenação com outras agências; 7) análise pelo Serviço
Clandestino Nacional; 8) Revisão pelo Conselho Nacional de Inteligência; e 9)
Disseminação.
O processo é complexo e um de seus principais propósitos é
“confrontar as compreensões das ‘agências’, na esperança de assegurar que
decisores de alto nível não são prisioneiros da visão de ‘suas’ agências mas
sim ter o benefício da compreensão de toda comunidade analítica75.”
(GEORGE; BRUCE, 2008, p. 98, tradução nossa).
4.3.1 Requerimento
O procedimento de iniciativa de confecção de uma NIE tem lógica
similar à etapa de requerimento explicada no capítulo 2 que descreve as
etapas do ciclo de inteligência. Ou seja, agentes políticos, civis e militares, de
alto nível, ou um presidente de comissão da Câmara ou do Senado, conforme
suas necessidades informacionais, demandam uma questão ao NIC. De outra
forma, a iniciativa de uma Estimativa Nacional de Inteligência pode partir do
chefe do National Intelligence Council ou do chefe do respectivo escritório
nacional, quando vislumbram que a avaliação de determinado de assunto é de
grande importância para a formulação política (ODNI, 2007a, p. 03; BRUNO;
OTTERMAN, 2008).
4.3.2 Seleção do coordenador e do redator
Na maioria dos casos a coordenação da elaboração da estimativa
fica a cargo do chefe do respectivo National Intelligence Office, de acordo com
sua área de especialização (regional ou temática), correspondente ao assunto
tratado na NIE. Apesar de raras, conforme explica Ford (1993, p.145) existem 75 […] to confront “agency” views, in the hope of ensuring that senior policymakers are not the prisoners of “their” agency views but rather have the benefit of the entire community
74
algumas exceções quando o chefe do NIC repassa a estimativa para produção
em outro escritório devido à sobrecarga de trabalho naquele que seria o
correspondente, ou ainda, quando uma dupla chefia é atribuída para dois NIOs.
Em seguida, o coordenador da estimativa escolherá o responsável
por escrever a estimativa (redator) que poderá ser um membro do grupo
analítico do NIC, ou um oficial de análise da CIA ou de qualquer outra agência
da comunidade de inteligência com especialidades e habilidades reconhecidas.
4.3.3 Termos de referência
Nesta etapa, serão explicitadas as questões chaves a serem
respondidas pela NIE. A definição dos termos de referência é feita
normalmente pelo chefe do NIO, consultado o Diretor Nacional de Inteligência,
e os representantes das demais agências da comunidade de inteligência, bem
como especialistas fora do governo. Depois de agregar as sugestões que
existirem, o chefe do NIO juntamente com o redator emite um esboço do termo
de referência.
Conforme explica Kent (1994, p. 91-3), o documento produzido nesta
fase possui os seguintes objetivos.
a) Definir a questão principal da estimativa, seu escopo e tempo limite
de conclusão;
b) tornar claro ao redator e ao restante da comunidade de inteligência
qual as principais preocupações do solicitante.
c) Servir como um guia especial aos coletores de inteligência, em
território nacional ou estrangeiro, de modo a potencializar e integrar a
comunidade de inteligência na busca de informações que afetem a
produção da Estimativa.
d) Instruir as diversas agências de inteligência a iniciar seus trabalhos
analíticos tendo em vista preparar suas contribuições escritas para a
Estimativa.
75
4.3.4 Confecção do rascunho
Sob a supervisão do chefe do NIO responsável pela estimativa, o
redator procederá à elaboração do rascunho tendo em vista responder as
questões chaves descritas no termo de referência. Este “(...)é quase sempre o
mais importante estágio do processo de Estimativa”76 sendo também
geralmente a fase mais difícil do processo (FORD, 1993, p. 147, tradução
nossa).
O redator deverá lançar mão de todos os recursos existentes na
comunidade de inteligência, sejam requerimentos de coleção ou produtos
analíticos, para responder tão somente as questões definidas na fase anterior.
De acordo com Kent (1994, p. 100) uma regra não explicitada, mas válida é
que o documento seja de poucos parágrafos e conclusões curtas.
Quando pronto, o coordenador da estimativa estuda profundamente
o rascunho antes de compartilhá-lo com outras agências da comunidade de
inteligência. Ele pode assim sugerir algumas alterações que serão conversadas
com o redator. Outro ponto mais crítico é quando o rascunho inicial elaborado
não é de boa qualidade cujos julgamentos chaves não respondem as
indagações relacionadas no termo de referência, ou quando o coordenador da
estimativa não concorda com as conclusões. Neste caso, geralmente é feito o
redirecionamento da elaboração do rascunho para o grupo analítico ou outro
oficial de inteligência.
Este foi o caso referente a Estimativa no 15-90 de outubro de 1990
que previu o colapso da Yugoslávia. O Chefe do NIO para Europa em 1990 era
Marten van Heuven que inicialmente designou um analista do Departamento de
Estado com grande conhecimento sobre o assunto sobre o Leste Europeu. O
rascunho em meados de 1990, que não indicava a dissolução da República
Yugoslávia no período englobado pela Estimativa, não convenceu Marten Van
Heuven. Sendo assim, o coordenador da Estimativa repassou a tarefa de
elaboração do rascunho para outros oficiais que apresentaram suas
76 this endeavor, drafting, is almost always the most important stage of the estimative processfd
76
conclusões em outubro, com o julgamento de que a República Yugoslávia se
dissolveria. Conclusões estas que se mostraram verdadeiras num futuro
próximo (CLARK, 2007, p. 295-299).
Desta forma, a regra é que havendo grandes discordâncias com
relação ao rascunho entre o chefe do NIO e o redator, seja reiniciada a etapa
de elaboração com a nomeação de um novo redator.
Um ponto muito importante que deve ser levado em conta na
elaboração da estimativa diz respeito ao vocabulário a ser utilizado de forma
que a dimensão exata, do conhecimento e ignorância da comunidade de
inteligência sobre o assunto, seja esclarecida aos clientes da estimativa.
Conforme estudado anteriormente, a Estimativa Nacional de
Inteligência contêm essencialmente, a produção de conhecimento
especulativo-avaliativo. Aquele obtido de forma complexa, direcionado por
técnicas analíticas, partindo do que se conhece em direção ao desconhecido.
Conforme Kent escreveu, estimar é “(...) uma excursão além dos fatos
estabelecidos em direção ao desconhecido—uma aventura na qual o estimador
recebe ajuda e conforto o quanto puder da analogia, extrapolação, lógica e
julgamento.”77 (KENT, 1994, p. 202).
Nesta excursão vislumbrada por Sherman Kent, o estimador buscará
diversas informações, muitas delas não confirmadas ou de validade duvidosa,
que darão suporte para alcançar sua convicção e efetuar julgamentos. Não há
que se descartarem informações apenas porque elas não tratam de fatos ou
acontecimentos cuja ocorrência seja irrefutável.
Neste sentido, Washington Platt ensina:
Alguns relatórios, contendo fatos inverídicos e conclusões duvidosas, são altamente úteis à Comunidade de Informações e ao formulador político; não porque adivinhem o certo por mera casualidade, mas porque representam o melhor que temos, e pintam o exato estado de nosso conhecimento e ignorância. [PLATT, 1974, p. 239, grifo nosso]
77 (…)an excursion out beyond established fact into the unknown--a venture in which the estimator gets such aid and comfort as he can from analogy, extrapolation, logic, and judgment.
77
De forma complementar, George e Bruce (2008, p.51), explicam que
os analistas não podem renunciar ao dever de alcançar julgamentos quando a
informação é incompleta ou ambígua, sendo esta a principal diferença entre os
bons analistas e aqueles que apenas relatam fatos.
Entretanto, o formulador de política tem que ter a noção exata do
quanto a comunidade de inteligência sabe ou não sobre determinado assunto,
qual a probabilidade de ocorrência atribuída a determinado julgamento e o grau
de confiança nas fontes que serviram como base para tal.
Na NIE Iran: Nuclear Intentions and Capabilities78 vem uma figura
explicando quais os termos utilizados no documento e respectiva associação
probabilística a ser atribuída. Esta iniciativa partiu primeiramente de Sherman
Kent em seu trabalho Words of Estimative Probability79, quando ele percebeu
que expressões do tipo “séria possibilidade” tinha diferentes interpretações ao
longo da comunidade de inteligência. Os entendimentos variavam de uma alta
probabilidade de ocorrência para o seu oposto. (KENT, 1994, p. 153-4)
Deste modo, a NIE referente ao Irã apresentou a figura que segue
abaixo com os termos utilizados e a respectivo grau de certeza a ser atribuído.
Remota Muito
Improvável Improvável
Chances
iguais
Provável/
Possível
Muito
Provável
Quase
certamente
Figura 5: Palavras de estimativa Fonte: ODNI, 2007a, p. 05
Outra preocupação contida na estimativa relativa ao Irã, diz respeito
a explicitar aos usuários de inteligência, o quanto de confiança é depositada
nas fontes de informações que servirão como ponto de partida em direção aos
julgamentos.Desta forma, foram divididos três níveis de confiança: (ODNI,
2007, p. 05):
a) Alta confiança
78 Iran: Intenções e capacidades nucleares (tradução nossa) 79 Palavras de probabilidade estimativa (tradução nossa)
78
Os julgamentos estão assentados em fontes de alta
qualidade/confiança.
b) Confiança moderada
Significa que as informações são plausíveis porém não são de alta
qualidade nem corroboradas e avaliadas suficientemente para garantir um alto
nível de confiança.
c) Baixa confiança
A plausibilidade das informações são questionáveis, ou a informação
apresenta-se tão fragmentada que não é possível se chegar a alguma
conclusão. Outra possibilidade de enquadramento neste caso é quando se tem
problemas significantes com a confiabilidade de uma ou mais fontes.
4.3.5 Coordenação com outras agências em nível de trabalho
Terminado o rascunho são chamados os representantes das
agências de inteligência departamentais tendo em vista uma apurada análise
do documento elaborado.
Estas sessões interagências serão realizadas quantas vezes forem
necessárias e coordenadas pelo chefe do NIO responsável. Nesta etapa, os
representantes (reps) discutem, linha, por linha, parágrafo por parágrafo, e
analisam a validade de todos os julgamentos chaves propostos no rascunho.
Busca-se nesta fase o consenso entre as agências, porém caso
apareçam discordâncias substanciais, os representantes irão levá-las aos seus
chefes, membros do National Intelligence Board80 (NIC) os quais avaliarão se
irão propor uma nota de discordância.
4.3.6 Análise pelo Serviço Clandestino Nacional
Antes do rascunho da estimativa passar pela análise do Conselho
Nacional de Inteligência, os representantes das agências de inteligência
discutirão junto ao Serviço Clandestino Nacional (NCS)81 à qualidade e
confiabilidade das fontes de informações utilizadas, de forma que o rascunho 80 Conselho Nacional de Inteligência 81 Sigla em ingles para National Clandestine Service
79
não contenha qualquer uma cuja credibilidade seja duvidosa. (ODNI, 2007, p.
03)
O NCS, um departamento da CIA, foi estabelecido em 13 de outubro
de 2005 tendo em vista uma reorganização das atividades referentes à coleção
humana (humint). Além das atividades de coleta propriamente ditas, as
atribuições do NCS englobam também a coordenação e avaliação das
operações clandestinas por toda a comunidade de inteligência.
O Serviço Clandestino Nacional (NCS) serve como o braço clandestino da Agência Central de Inteligência (CIA) e como a autoridade nacional para coordenação, resolução de conflitos de competência, e avaliação de operações clandestinas em toda a Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos. [CIA, 2007d]82
Esta etapa, criada recentemente, tem como objetivo evitar erros
analíticos cometidos na NIE de outubro de 2002 que avaliou a capacidade do
Iraque para produção de armas químicas e biológicas, quando se concluiu que
este produzia tais capacidades e as armazenavam em caminhões, de forma
que iludia e evitava a fiscalização internacional. Tais conclusões tiveram como
base quase que exclusivamente as informações produzidas pela fonte humana
de codinome “curveball” “cuja credibilidade veio a ser questionada ao tempo da
publicação da NIE e desmoronou sobre exame minucioso nos meses seguintes
a guerra.” (WMD COMISSION, 2005, p. 80)
Sendo assim, caso existam, o NCS vetará as informações que
tiverem como origem fontes de qualidade duvidosa e as conclusões que nelas
se basearam terão que ser revistas novamente pelo grupo de trabalho
analítico..
82 The National Clandestine Service (NCS) serves as the clandestine arm of the Central Intelligence Agency (CIA) and the national authority for the coordination, de-confliction, and evaluation of clandestine operations across the Intelligence Community of the United States. (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, 2007)
80
4.3.7 Revisão pelo Conselho Nacional de Inteligência
O Conselho de Segurança Nacional (NIB)83 é composto de quinze
membros de alto escalão da comunidade inteligência servindo como um corpo
consultivo do Diretor Nacional de Inteligência para julgamentos analíticos e
questões afeitas à análises de inteligência nacional dos Estados Unidos.
Dentre suas responsabilidades, destacamos a função de assessoramento ao
Diretor Nacional de Inteligência no desenvolvimento e coordenação de
inteligência nacional, tanto no no sentido de direcionamento do sistema de
coleção e também para a produção coordenada de produtos analíticos. (ODNI,
2007b, p. 01)
Depois de coordenado com os representantes das comunidades de
inteligência, e analisada a credibilidade das fontes pelo serviço clandestino, o
rascunho é encaminhado para aprovação no NIB. Esta é a fase final da
confecção da NIE quando então os representantes da alta direção das
agências se reúnem para aprovação do texto final.
Caso um dos membros do NIB discorde de algum julgamento poderá
apresentar uma dissidência, ou seja, uma nota de discordância informando que
sua agência não compartilha dos julgamentos expostos na NIE. Entretanto, não
cabe apenas discordar e sim apresentar conclusões embasadas analiticamente
sobre os pontos específicos em que discorda. Deste modo, Kent escreveu
(1994, p. 117) “[...] o propósito de uma dissidência não é meramente identificar
uma diferença de opinião, porém, definir aquela diferença com a máxima
precisão que seja possível.”
4.3.8 Painel de revisão
É previsto ainda, um quadro de consultores, composto de membros
externos à comunidade de inteligência. Trata-se de especialistas, geralmente
com alta qualificação acadêmica, que serão consultados acerca dos assuntos
de sua especialidade.
83 Sigla em Inglês para National Intelligence Board
81
A participação deles pode ser em qualquer fase do processo de
elaboração da estimativa, seja a pedido do coordenador ou do responsável
pela confecção do rascunho.
4.3.9 Disseminação
Depois do encerramento deste complexo processo metodológico,
encontra-se finalizada a NIE e se providenciarão as medidas administrativas
com relação a impressão e numeração da estimativa bem como sua
classificação visando preservar o grau de sigilo. Em seguida, o documento será
relatado ao Presidente dos Estados Unidos e a um círculo restrito de agentes
políticos por ele autorizados. Do ponto de vista do relatório escrito, a NIE
possui algumas características a serem observadas típicas de um documento
de inteligência ensinadas por Clark (2006, p. 288-29), das quais destacamos as
seguintes: a) Separação entre fatos e análise; b) Ter amparo para cada
conclusão analítica; c) Ir direto ao ponto.
a) Separar fatos de análise
Num documento do tipo especulativo-avaliativo como é uma NIE, o
analista trabalhará com informações ambíguas, conflitantes, e por vezes com
escassez de informação, as quais servirão de base para os julgamentos
alcançados.
Entretanto, a estimativa deve assinalar claramente o que são fatos e
informações coletadas pela comunidade de inteligência, e o que são
julgamentos feitos no curso do processo analítico (FORD, 1993, p. 21).
b) Ir direto ao ponto
As respostas das necessidades informacionais dos agentes
políticos, deverão vir antes das suas devidas explicações. Desta forma,
aparecerão as “recomendações antes das justificações, respostas antes das
explanações, conclusões antes de detalhes.”. Mais especificamente na NIE,
virão primeiramente os julgamentos chaves depois em seguida suas
82
explicações. Na NIE sobre o IRAN, anteriormente citada, cabe destacar que ela
apresenta a seguinte estrutura:
1. Nota de Escopo: Define o objeto de estudo bem como a amplitude
temporal da estimativa. Neste caso específico, procura-se analisar a
situação atual do programa nuclear iraniano e suas perspectivas para os
próximos dez anos (ODNI, 2007a, p. 4).
2. Julgamentos chaves: São as conclusões alcançadas pela
comunidade de inteligência explicitadas de maneira direta, abordando o
grau de certeza que a comunidade de inteligência deposita nela. Assim,
na respectiva NIE, chegou-se, dentre outras, a seguinte conclusão: “Nós
julgamos com alta confiança que Iran não vai estar tecnicamente capaz
de produzir e reprocessar plutônio suficiente para uma arma antes de
2015.” (ODNI, 2007a, p. 8).
c) Ter amparo para cada conclusão analítica.
Cada julgamento chave numa NIE deverá ter algum amparo factual,
por mais ambígua e escassa o fluxo de informações coletados sejam. Porém,
conforme explicado anteriormente, grande parte do trabalho especulativo-
avaliativo é julgar em direção ao desconhecido. Entretanto, isso não faculta aos
analistas se eximir da responsabilidade de apresentar seu argumento e
métodos analíticos que serviram como base para suas conclusões. Desta
forma, todas estas deverão ser identificadas como produto de um esforço
analítico explicado no corpo do documento (CLARK, 2006, p. 289). No caso da
NIE do Irã, verifica que foi desclassificado apenas a nota de escopo e os
julgamentos chaves, entretanto, pressupõe que as informações que serviram
como base estão minuciosamente explicadas na parte classificada da
estimativa.
Outra questão concernente com a disseminação da estimativa diz
respeito ao modo pelo qual irão interagir os tomadores decisões e os analistas
de inteligência.
83
Tal relação permeia – ou deveria – todo o processo de produção de
uma NIE. Nem poderia ser diferente, pois, vamos imaginar a seguinte situação:
Uma estimativa é requisitada pelo Presidente dos Estados Unidos ao seu
diretor nacional de inteligência. Por ser uma questão importante, todo o
processo aqui descrito será iniciado, com aprofundado estudos sobre a
questão bem como mobilização dos melhores métodos de coleta e das mais
brilhantes mentes disponíveis na comunidade de inteligência. Este processo
interagências não é rápido, suponhamos que dure oito meses. Neste ínterim, é
bem possível que o assunto não seja mais importante para o requisitante da
estimativa, seja por mudança na agenda política, ou pior, seja porque a
resposta veio tarde demais e o agente político teve que agir na ignorância.
É por este motivo que o sistema de estimativa deverá estar
intimamente ligado aos planos políticos referente à política externa do país, de
forma que atenda em tempo oportuno às específicas e urgentes necessidades
informacionais dos tomadores de decisão. Surge assim uma das tensões entre
produtores e consumidores de inteligência.
Ao se aproximar do campo político, a análise de inteligência corre o
risco de perder a objetividade. Neste sentido, Sherman Kent (1967, p. 175)
escreveu que “as informações deve estar suficientemente próximas da política,
planejamento e operações para obter o máximo de orientação, mas não tão
próximas a ponto de perderem sua objetividade e integridade de julgamento.”
Nos Estados Unidos, este risco é chamado de politização.
Num aspecto amplo, politização é qualquer distorção de análise e
julgamento para favorecer determinada linha de pensamento desconsiderando
qualquer evidência. De forma mais específica, a politização ocorreria se os
analistas fossem pressionados a conformar suas análises em resposta a uma
pressão política. (GATES, 1992).
Após o início da guerra do Iraque em 2003 e o não descobrimento
das armas de destruição em massa, analisadas como existentes numa NIE em
outubro de 2002, logo foi levantada a questão se as conclusões constantes da
84
estimativa teriam sido elaboradas em reposta ao plano de guerra do governo
estadunidense que já estava em andamento.
Neste sentido, o então diretor da CIA na época, George Tenet,
refutou qualquer influência política para moldar as conclusões da NIE, porém,
reconhece uma intimidação indireta por causa das visitas anteriores do vice-
presidente na sede da CIA. (TENET84 apud KEISWETTER, 2008)
A comissão congressual instituída para investigar esta falha de
inteligência chegou a seguinte conclusão:
A comunidade de inteligência não fez ou mudou qualquer julgamento analítico em resposta a pressões políticas para alcançar uma conclusão em particular, porém, a sutil sabedoria convencional de que Saddam retinha WMD afetou o processo analítico.85 [WMD COMISSION REPORT, 2005 p.188].
Outro fator que ocasiona tensão na relação entre política e
inteligência é a diferente cultura entres os referidos mundos. O primeiro ponto a
ser destacado, é que “o mundo político é marcado por elementos de realismo
porém é essencialmente – e necessariamente – uma cultura de otimismo86.”
(GEORGE; BRUCE, 2008, p. 71-72). Esta proposição se desdobra na seguinte
conclusão de Peter Schwartz
Concluí que o governo federal em Washington, D. C., era sistematicamente incapaz de pensar sobre o futuro. Por definição, todas as políticas deveriam ser bem-sucedidas e eles previram todos os problemas. Pensar a respeito de outra possibilidade qualquer seria imaginar o impossível, ou seja, que eles eram menos oniscientes e poderosos. [SCHWARTZ, 2004, p.39]
Esta combinação de otimismo e prepotência faz com que os agentes
políticos não estejam acostumados a lidar com a verdadeira essência dos
produtos informacionais gerados pela atividade de inteligência. Tudo o que eles
querem é certeza. O máximo que um produto estimativo pode fornecer são as
principais tendências e prováveis linhas de ação.
84 TENET, George. At the center of the storm: my years at the CIA. New York: HarperCollins, 2007 85 The Intelligence Community did not make or change any analytic judgments in response to political pressure to reach a particular conclusion, but the pervasive conventional wisdom that Saddam retained WMD affected the analytic process. (tradução nossa) 86 [...] the policy world is marked by elements of realism but is essentially – and necessarily – a culture of optimism. (tradução nossa)
85
Em contrapartida, o mundo da inteligência é marcado pela cultura do
ceticismo, onde a preocupação em alertar sobre perigos, bem como as
pesadas críticas quando falha nesta tarefa, encoraja a comunidade de
inteligência a moldar um cenário mais obscuro, diferentemente do que ocorreria
no mundo político (GEORGE; BRUCE, 2008, p. 73).
86
5 CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que a inteligência de estimativa, praticada nos
Estados Unidos, tem como objetivo assessorar o corpo formulador de políticas
do mais alto escalão governamental, com relação às ameaças reais ou
potenciais contra a segurança nacional causada por entidades estrangeiras.
A conformação da inteligência de estimativa tem de ser analisada a
partir de três aspectos.
Primeiramente, o conhecimento produzido é preponderantemente de
cunho estimativo. Um produto de inteligência desta espécie busca alcançar
julgamentos sobre questões cujos dados sejam de difícil obtenção. Ou, então,
busca analisar os prováveis desdobramentos futuros que as entidades
adversas podem vir a tomar. Para isso a inteligência de estimativa utiliza, como
apoio, técnicas analíticas, tais como construção de cenários e análise de
forças.
Porém, nem tudo se resume ao processo intelectual. A parte mais
difícil é promover um sistema que congregue toda a comunidade de
inteligência, com culturas departamentais próprias, no objetivo de juntar todos
os fragmentos de informações disponíveis, e analisá-los em conjunto. Nos
Estados Unidos, o atual sistema de estimativa é fruto, em grande parte, das
batalhas burocráticas dentro da comunidade de inteligência, associado à
pressão pela mudança em busca da efetividade quando o Estado passa por
uma crise de segurança como, por exemplo, o ataque japonês a Pearl Harbor e
a entrada da China na guerra da Coréia. Dois casos não previstos pela
inteligência estadunidense.
O ápice da inteligência de estimativa, seu produto formal, é a
elaboração do documento chamado de Estimativa Nacional de Inteligência. Ele
permanece a base para as mais importantes decisões políticas referentes à
política externa estadounidense. Seu processo de produção tem metodologia
própria no intuito de agregar julgamentos de especialistas, de dentro e de fora
da comunidade de inteligência. Sendo assim, considerado o mais competente e
87
coordenado julgamento em nome da comunidade de inteligência sobre uma
questão afeta à segurança nacional.
Com a apresentação do sistema dos Estados Unidos, apesar de não
ser objetivo deste trabalho uma abordagem comparativa, algumas
considerações podem ser feitas concernentes à realidade brasileira.
A partir das nossas pesquisas efetuadas ao longo deste trabalho, se
apoiando exclusivamente em fontes abertas e materiais desclassificados,
observamos que no Brasil inexiste um sistema de assessoramento visando
subsidiar a formulação política nas relações adversariais no campo da
segurança externa. Neste sentido, não temos conhecimento sobre a produção
sistemática de produtos eminentemente estimativos e que tenham impacto nas
decisões dos agentes tomadores de decisões.
Além disso, falta uma literatura específica sobre este tema, a qual
serviria como ponto de apoio para discussões adicionais e desenvolvimento da
atividade. Isso esclareceria ainda, aos formuladores políticos e a sociedade
como um todo, sobre a importância de se terem informações precisas acerca
de nossos adversários, para que, num futuro incerto, tenhamos um governo
preparado.
88
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