Merleau-Ponty Fenomenologia Percepçao

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  • Maurice Merleau-Ponty Fenomenologia da

    Percepo

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    Traduo C A R L O S A L B E R T O RIBEIRO D E M O U R A

    Martins Fontes So Paulo 2006

  • Ttulo original: PHNOMNOLOGIE DE LA PERCEPTION. Copyright ditions GaUimard, 1945.

    Copyright 1994, Livraria Martins Fontes Editora Lta., So Paulo, para a presente edio.

    I a ed io 1994 3a e d i o 2006

    Preparao do original Silvana Cobucci Leite

    R e v i s e s grf icas Renato da Rocha Carlos Maurcio Balthazar Leal

    Dinarte Zorzanelli da Silva Produo grfica

    Geraldo Alves

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (Cf I') (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Merleau-Ponty, Maurice, 1908-1961. Fenomenologia da percepo / Maurice Merleau-Ponty ;

    traduo Carlos Alberto Ribeiro de Moura. - 3a ed. - So Paulo : Martins Fontes, 2006. - (Tpicos)

    Ttulo original: Phnomnologie de la perception. Bibliografia. ISBN 85-336-2293-7

    1. Percepo 1. Ttulo. II. Srie.

    06-3450 CDD-153.7 n d i c e s para ca t logo s i s temt ico:

    1. Desenvolvimento perceptivo : Psicologia 153.7 2. Percepo : Psicologia 153.7 3. Processos perceptvos 153.7

    Todos os direitos desta edio para o Brasil reservados Livraria Martins Fontes Editora Ltda.

    Rua Conselheiro Ramalho, 330 01325-000 So Paulo SP Brasil Tel (11) 3241.3677 Fax (11) 3101.1042

    e-mail: [email protected] http:llwww.martinsfontes.com.br

  • C A P T U L O III

    A "ATENO" E O "JUZO"

    A discusso dos prejuzos clssicos foi conduzida at aqui contra o empirismo. Na realidade, n o apenas o empirismo que ns visamos. E preciso mostrar agora que sua ant tese intelectualista situa-se no mesmo terreno que ele. Um e ou-tro tomam por objeto de anl ise o mundo objetivo, que n o c primeiro nem segundo o tempo nem segundo seu sentido; um e outro so incapazes de exprimir a maneira particular pela qual a conscincia perceptiva constitui seu objeto. A m -bos guardam d i s tnc ia a respeito da percepo, em lugar de aderir a ela.

    Poder-se-ia mos t r - lo estudando a h is tr ia do conceito de a teno. Ele se deduz, para o empirismo, da " h i p t e se de cons tnc ia ' ' , quer dizer, como ns o explicamos, da priorida-de do mundo objetivo. M e s m o se aquilo que percebemos n o corresponde s propriedades objetivas do est mulo, a h ipte-se de constncia obriga a admitir que as "sensaes normais" j es to ali . E preciso e n t o que elas estejam despercebidas, e chamar - se - de a t e n o a funo que as revela, assim como um projetor i lumina objetos preexistentes na sombra. O ato de a t eno e n t o n o cr ia nada, e um milagre natural, co-mo d iz ia mais ou menos Malebranche, que faz jorrar justa-

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    mente as percepes ou as idias capazes de responder s ques-tes que eu me colocava. J que o " B e m e r k e n " ou o "take not ice" n o causa eficiente das idias que ele faz aparecer, ele o mesmo em todos os atos de a t e n o , assim como a luz do projetor a mesma qualquer que seja a paisagem i lu -minada . A a teno portanto um poder geral e incondicio-nado, no sentido de que a cada momento ela pode dirigir-se indiferentemente a todos os con tedos de conscincia . Est-r i l em todas as partes, ela n o poderia ser em parte alguma interessada. Para r ea t - l a v ida da conscincia , seria preciso mostrar como u m a pe rcepo desperta a a t e n o , depois co-mo a a t eno a desenvolve e a enriquece. Seria preciso des-crever u m a conexo interna, e o empirismo s dispe de co-nexes externas, s pode justapor estados de conscincia . O sujeito empirista, a partir do momento em que lhe a t r ibu -mos u m a iniciat iva e essa a r azo de ser de uma teoria da a t eno , s pode receber u m a liberdade absoluta. O intelectualismo, ao con t r r i o , parte da fecundidade da aten-o: j que tenho consc incia de obter por ela a verdade do objeto, ela n o faz um quadro suceder fortuitamente a um outro quadro. O novo aspecto do objeto subordina-se ao an-tigo e exprime tudo o que ele queria dizer. A cera desde o comeo um fragmento de ex tenso flexvel e m u t v e l , sim-plesmente eu o sei clara ou confusamente "segundo minha a t eno se dirija mais ou menos s coisas que es to nela e das quais ela compos ta" 1 . J que experimento na a teno um esclarecimento do objeto, preciso que o objeto percebi-do j encerre a estrutura inteligvel que ela destaca. Se a cons-cincia encontra o crculo geomt r ico na f isionomia circular de um prato, porque ela j o t inha posto a l i . Pa ra tomar posse do saber atento, basta-lhe voltar a si, no sentido em que se diz que um homem desmaiado volte a si . Reciprocamen-te, a pe r cepo desatenta ou delirante um semi-sono. E l a s pode ser descrita por negaes , seu objeto n o tem consis-

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    tncia, os nicos objetos dos quais se pode falar so os da cons-cincia desperta. Sempre temos conosco um pr inc p io cons-tante de d is t rao e de vertigem que nosso corpo. M a s nos-so corpo no tem o poder de fazer-nos ver aquilo que no exis-te; ele pode apenas fazer-nos crer que ns o vemos. A lua no horizonte n o e n o vista maior do que no zni te : se a olharmos atentamente, por exemplo a t ravs de um tubo de cartolina ou de u m a luneta, veremos que seu d i m e t r o apa-rente permanece constante2. A percepo d is t ra da nada con-t m a mais e nem mesmo nada de outro do que a pe rcepo atenta. A s s i m , a filosofia n o precisa considerar u m a iluso da a p a r n c i a . A consc incia pura e d e s e m b a r a a d a de todos os obs tculos que ela consentia em se criar, o mundo verda-deiro sem nenhuma mistura de devaneio es to disposio de cada u m . N o precisamos analisar o ato de a t eno como passagem da confuso clareza, porque a confuso n o na-da. A conscincia s c o m e a a ser determinando um objeto, e mesmo os fantasmas de u m a " e x p e r i n c i a in te rna" s so possveis por emprs t imo experincia externa. Portanto, no h v ida privada da conscincia , e a conscincia s tem como obs tcu lo o caos, que n o nada. M a s em u m a conscincia que constitui tudo, ou, antes, que possui eternamente a es-trutura inteligvel de todos os seus objetos, assim como na consc incia empirista que n o constitui nada, a a t eno per-manece um poder abstrato, ineficaz, porque ali ela n o tem nada para fazer. A conscincia n o est menos intimamente l igada aos objetos em re lao aos quais ela se distrai do que que les aos quais ela se volta, e o excedente de clareza do ato de a t eno n o inaugura nenhuma re lao nova. Ele volta a ser e n t o uma luz que n o se diversifica com os objetos que i l umina , e mais uma vez se substituem "os modos e as dire-es especficas da i n t e n o " 3 por atos vazios da a t eno . E n f i m , o ato de a teno incondicionado, porque ele tem to-dos os objetos indiferentemente sua disposio, como o era

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    o Bemerken dos empiristas, j que todos os objetos lhe eram transcendentes. C o m o um objeto atual, entre todos, poderia excitar um ato de a t e n o , j que a consc incia os tem a to-dos? O que faltava ao empirismo era a conexo interna entre o objeto e o ato que ele desencadeia. O que falta ao intelec-tualismo a con t ingnc i a das ocasies de pensar. No pr imei-ro caso, a consc incia muito pobre; no segundo, r ica de-mais para que a lgum fenmeno possa solicit-la. O empiris-mo n o v que precisamos saber o que procuramos, sem o que n o o p r o c u r a r a m o s , e o intelectualismo n o v que pre-cisamos ignorar o que procuramos, sem o que, novamente, n o o p r o c u r a r a m o s . A m b o s concordam no fato de que nem um nem outro compreendem a consc incia ocupada em apreen-der, n o notam essa ignornc ia circunscrita, essa in teno ain-da " v a z i a " , mas j determinada, que a p r p r i a a t eno . Q u e r a a t eno obtenha aquilo que procura por um milagre renovado, quer o possua previamente, nos dois casos a cons-t i tu io do objeto passou em silncio. Seja ele u m a soma de qualidades ou um sistema de relaes, desde que existe pre-ciso que seja puro, transparente, impessoal, e n o imperfei-to, verdade para um momento de minha v ida e de meu sa-ber, tal como emerge conscincia . A consc incia percepti-va confundida com as formas exatas da conscincia cient-fica, e o indeterminado n o entra na def inio do esp r i to . M a l g r a d o as in tenes do intelectualismo, as duas doutrinas t m portanto em comum essa idia de que a a t eno n o cria nada, j que um mundo de impresses em si ou um universo de pensamento determinante esto igualmente sub t ra dos ao do esp r i to .

    C o n t r a essa concepo de um sujeito ocioso, a anl ise da a t e n o pelos psiclogos adquire o valor de u m a tomada de conscincia , e a cr t ica da " h i p t e s e de c o n s t n c i a " vai aprofundar-se em u m a crtica da crena dogm t i ca no " m u n -d o " , considerado como realidade em si no empirismo e co-

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    mo termo imanente do conhecimento no intelectualismo. A a t eno supe primeiramente u m a t r a n s f o r m a o do campo mental, u m a nova maneira , para a consc incia , de estar pre-sente aos seus objetos. Seja o ato de a t eno pelo qual eu pre-ciso a local izao de um ponto de meu corpo que tocado. A anl ise de certos d i s t rb ios de origem central, que tornam impossvel a local izao, revela a operao profundada cons-cincia . H e a d falava sumariamente de um "enfraquecimen-lo local da a t e n o " . N o se trata, na realidade, nem da des-t ru io de um ou vr ios "signos loca is" , nem do desfaleci-mento de um poder secundr io de apreenso . A condio pri-meira do d is trb io u m a desag regao do campo sensorial, que n o mais permanece fixo enquanto o sujeito percebe, move-se seguindo os movimentos de exp lo rao e encolhe-se enquanto o interrogamos4. U m a localizao vaga, este fenme-no con t r ad i t r io , revela um espao pr-obje t ivo onde h ex-tenso , j que vr ios pontos do corpo tocados em conjunto no so confundidos pelo sujeito, mas ainda n o h posio unvoca, porque nenhum quadro espacial fixo subsiste de uma pe rcepo a outra. A pr imei ra ope ra o da a teno portan-to criar-se um campo, perceptivo ou mental, que se possa "do-m i n a r " (Ueberschauen), em que movimentos do rgo explo-rador, em que evolues do pensamento sejam possveis, sem que a conscincia perca na p r o p o r o daquilo que adquire, e perca-se a si mesma nas t ransformaes que provoca. A po-sio precisa do ponto tocado ser o invariante dos diversos sentimentos que dele tenho segundo a o r i en t ao de meus membros e de meu corpo, o ato de a t eno pode fixar e obje-tivar esse invariante porque ele tomou d is tnc ia em relao s m u d a n a s da apa rnc i a . Portanto, n o existe a a teno en-quanto atividade geral e formal 5 . Existe em cada caso certa liberdade a adquirir , certo espao mental a preparar. Resta mostrar o prpr io objeto da ateno. Trata-se ali, literalmente, de u m a cr iao. Por exemplo, sabe-se h muito tempo que

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    durante os primeiros nove meses da v ida as c r ianas s dis-t inguem globalmente entre o colorido e o ac rom t i co ; na se-qnc ia , as superfcies coloridas se articulam em tintas "quen-tes" e em tintas " f r i a s " , e enfim chega-se ao detalhe das co-res. M a s os ps ic logos 6 admit iam que apenas a i gno rnc ia ou a confuso dos nomes impede a c r i an a de distinguir as cores. A cr iana devia sim ver o verde ali onde ele existe, faltava-lhe apenas prestar a t e n o nisso e apreender seus p rp r ios f enmenos . E porque os psiclogos n o t inham conseguido representar um mundo em que as cores fossem indetermina-das, u m a cor que n o fosse uma qualidade precisa. A cr t ica desses prejuzos permite, ao con t r r io , perceber o mundo das cores como u m a fo rmao segunda, fundada em u m a srie de dis t ines " f i s i o n m i c a s " : a das tintas "quentes" e das tintas " f r i a s " , a do " c o l o r i d o " e do " n o - c o l o r i d o " . N o podemos comparar estes fenmenos , que para a c r iana subs-ti tuem a cor, a alguma qualidade determinada, e da mesma maneira as cores "estranhas" do doente n o podem ser iden-tificadas a nenhuma das cores do espectro7. A pr imeira per-cepo das cores propriamente ditas portanto u m a mudan-a de estrutura da consc inc ia 8 , o estabelecimento de u m a nova d imenso da exper incia , o desdobramento de um aprio-ri. O r a , a partir do modelo destes atos originrios que a aten-o deve ser concebida, j que uma a t eno segunda, que se l imi ta r ia a trazer de volta um saber j adquir ido, nos reen-viaria aquisio. Prestar a teno no apenas i luminar mais dados preexistentes, realizar neles u m a a r t i cu lao nova considerando-os como figuras3. Eles s esto pr- formados en-quanto horizontes; verdadeiramente, eles constituem novas re-gies no mundo total. E precisamente a estrutura original que eles trazem que manifesta a identidade do objeto antes e de-pois da a t eno . U m a vez adquir ida a cor qualidade, e ape-nas graas a ela, os dados anteriores aparecem como prepa-raes da qualidade. U m a vez adquir ida a idia de e q u a o ,

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    as igualdades a r i tmt icas aparecem como variedades da mes-ma e q u a o . E justamente subvertendo os dados que o ato de a t eno se l iga aos atos anteriores, e a unidade da cons-cincia se constr i assim pouco a pouco por u m a " s n t e s e de t r a n s i o " . O milagre da conscincia fazer aparecer pela a t eno fenmenos que restabelecem a unidade do objeto em uma d i m e n s o nova, no momento em que eles a destroem. Ass im , a a teno no nem u m a associao de imagens, nem o retorno a si de um pensamento j senhor de seus objetos, mas a cons t i tu io ativa de um objeto novo que explicita e tematiza aquilo que at e n t o s se oferecera como horizonte indeterminado. Ao mesmo tempo em que aciona a a t eno , a cada instante o objeto reapreendido e novamente posto sob sua d e p e n d n c i a . Ele s suscita o "acontecimento cog-noscente" que o t r ans fo rmar pelo sentido ainda ambguo que lhe oferece para ser determinado, se bem que ele seja seu "mo-t i v o " 1 0 e n o sua causa. M a s pelo menos o ato de a teno acha-se enraizado na v ida da conscincia , e compreende-se enfim que ela saia de sua liberdade de indi ferena para dar-se um objeto atual. Esta passagem do indeterminado ao de-terminado, essa retomada, a cada instante, de sua p r p r i a h is tr ia na unidade de um novo sentido, o p rp r io pensa-mento. "A obra do espr i to s existe em a t o . " 1 1 O resulta-do do ato de a t eno n o es t em seu comeo . Se a lua no horizonte n o me parece maior do que no znite quando a olho com uma luneta ou a t ravs de um tubo de cartolina, no se pode concluir disso 1 2 que t a m b m na viso livre a apa rn-cia invar ivel . O empirismo acredita nisso porque n o se ocupa daquilo que se v , mas daquilo que se deve ver segun-do a imagem retiniana. O intelectualismo t a m b m acredita nisso porque descreve a pe rcepo de fato segundo os dados da pe rcep o " a n a l t i c a " e atenta em que a lua, com efeito, retoma seu verdadeiro d i m e t r o aparente. O mundo exato, in -teiramente determinado, ainda posto primeiramente, sem

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    d v i d a n o mais como a causa de nossas pe rcepes , mas co-mo seu fim imanente. Se o mundo deve ser possvel , preci-so que ele esteja implicado no primeiro esboo de conscin-cia, como o diz t o fortemente a d e d u o transcendental 1 3 . E por isso que a lua nunca deve parecer maior do que ela no horizonte. A reflexo psicolgica nos obriga, ao con t r -rio, a repor o mundo exato em seu be ro de conscincia , a perguntarmo-nos como a p r p r i a idia do mundo ou da ver-dade exata possvel , a procurar seu pr imeiro jorro para a conscincia . Quando eu olho livremente, na atitude natural , as partes do campo agem umas sobre as outras e motivam essa enorme lua no horizonte, essa grandeza sem medida que to-davia uma grandeza. E preciso colocar a conscincia em p r e s e n a de sua v ida irrefletida nas coisas e desper t - l a para sua p r p r i a h is tr ia que ela esquecia; este o verdadeiro pa-pel da reflexo filosfica e assim que se chega a u m a verda-deira teoria da a t e n o .

    O intelectualismo propunha-se a descobrir a estrutura da pe rcepo por reflexo, em lugar de expl ic- la pelo jogo combinado entre foras associativas e a a teno , mas seu olhar sobre a pe rcepo ainda n o direto. N s o veremos melhor examinando o papel que a noo de juzo desempenha em sua anl ise . O ju zo f r eqen temen te introduzido como aquilo que

    falta sensao para tornar possvel uma percepo. A sensao n o mais suposta como elemento real da conscincia. M a s , quan-do se quer desenhar a estrutura da pe rcepo , isso feito vol-tando ao pontilhado das sensaes . A anl ise encontra-se do-minada por essa n o o empirista, se bem que ela s seja ad-mi t ida como o l imite da conscincia e s sirva para manifes-tar u m a po tnc ia de l igao da qual ela o oposto. O intelec-tualismo vive da refutao do empirismo e nele o j u z o tem f r e q e n t e m e n t e a funo de anular a d i spe r so possvel das s e n s a e s 1 4 . A anl ise reflexiva se estabelece levando as te-ses realista e empirista at as suas conseqnc i a s , e demons-

  • ()S 1 'R EJ UZOS CLSSICOS E O RETORNO A OS FENMENOS 61

    l i ando a ant tese por r e d u o ao absurdo. M a s , nessa redu-o ao absurdo, o contato com as operaes efetivas da cons-cincia n o necessariamente estabelecido. Con t inu a sendo possvel que a teoria da percepo, se idealmente parte de uma in lu io cega, chegue por c o m p e n s a o a um conceito vazio, c que o j u z o , contrapartida da sensao pura, recaia em uma funo geral de l igao indiferente aos seus objetos, ou at mesmo volte a ser u m a fora ps qu ica revelvel por seus efei-los. A clebre anl ise do pedao de cera salta de qualidades como o odor, a cor e o sabor para a po tnc ia de uma infini-dade de formas e de posies , que est para a lm do objeto percebido e s define a cera do fsico. Para a p e r c e p o , n o li mais cera quando todas as propriedades sensveis desapa-receram, e a cincia que supe ali alguma m a t r i a que se conserva. A cera " p e r c e b i d a" ela mesma, com sua maneira original de existir, sua p e r m a n n c i a que n o ainda a iden-I idade exata da c incia , seu "horizonte i n t e r i o r " 1 5 de varia-o possvel segundo a forma e segundo a grandeza, sua cor mate que anuncia a moleza, sua moleza que anuncia um ru-do surdo quando eu a golpear, enfim a estrutura perceptiva do objeto, tudo isso perdido de vista porque so necessr ias de te rminaes de ordem predicativa para ligar qualidades in-teiramente objetivas e fechadas sobre si . Os homens que vejo de u m a janela es to escondidos por seus chapus e por seus casacos, e sua imagem n o pode fixar-se em minha retina. Portanto, eu n o os vejo, eu julgo que eles es to a l i 1 6 . Defi-nida a viso maneira empirista como a posse de u m a quali-dade inscrita no corpo por um e s t m u l o 1 7 , a menor i luso, j que d ao objeto propriedades que ele n o tem em minha retina, basta para estabelecer que a pe rcepo um j u z o 1 8 . C o m o tenho dois olhos, eu deveria ver o objeto duplicado, e se s percebo um porque construo, com o auxlio das duas imagens, a idia de um objeto n ico d i s t n c i a 1 9 . A percep-o torna-se u m a " i n t e r p r e t a o " dos signos que a sensibili-

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    dade fornece conforme os estmulos corporais 2 0 , u m a " h i p -tese" que o espr i to forma para "explicar-se suas impres-s e s " 2 1 . M a s t a m b m o j u z o , introduzido para explicar o excesso da pe rcepo sobre as impresses retinianas, em lu -gar de ser o p rp r i o ato de perceber apreendido do interior por u m a reflexo au t n t i ca , volta a ser um simples " fa tor" da percepo, encarregado de fornecer aquilo que o corpo no fornece em lugar de ser uma atividade transcendental, ele volta a ser uma simples atividade lgica de conc lu so 2 2 . A t ra -vs disso somos levados para fora da ref lexo, e cons t ru mos a pe rcepo em lugar de revelar seu funcionamento p r p r i o ; mais u m a vez, deixamos escapar a o p e r a o pr imordia l que impregna o sensvel de um sentido e que toda m e d i a o lgi-ca assim como toda causalidade psicolgica p r e s s u p e m. R e -sulta disso que a anl ise intelectualista termina por tornar in-compreens ve i s os f enmenos perceptivos que deveria i l umi -nar. Enquanto o j u z o perde sua funo constituinte e torna-se um pr inc p io explicativo, as palavras " v e r " , " o u v i r " , " s en t i r " perdem qualquer significao, j que a menor v i -so ultrapassa a impres so pura e assim volta a ficar sob a rubr ica geral do " j u z o " . Entre o sentir e o j u z o , a expe-r inc ia comum estabelece u m a di ferena bem clara. O ju zo para ela u m a tomada de pos io , ele visa conhecer algo de v l ido para m i m mesmo em todos os momentos de minha v i -da e para os outros espr i tos existentes ou possveis ; sentir, ao con t r r i o , remeter-se a p a r n c i a sem procurar possu-la ou saber sua verdade. Essa d is t ino se apaga no intelec-tualismo, porque o j u z o es t em todas as partes em que n o est a pura sensao , quer dizer, em todas as partes. O teste-munho dos f enmenos , portanto, ser recusado em todas as partes. U m a grande caixa de pape lo me parece mais pesada do que uma caixa pequena feita do mesmo pape lo e, atendo-me aos fenmenos , eu d i r ia que previamente a sinto pesada em minha m o . M a s o intelectualismo del imita o sentir pela

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    ao , no meu corpo, de um es t mulo real. C o m o aqui no h nenhum es t mulo , ser preciso dizer en to que a caixa no sentida, mas ju lgada mais pesada, e este exemplo que pa-recia feito para mostrar o aspecto sensvel da i luso serve, ao con t r r io , para mostrar que n o h conhecimento sensvel e que sentimos como ju lgamos 2 3 . Um cubo desenhado no pa-pel m u d a de aspecto segundo visto de um lado e por c ima ou do outro lado e por baixo. M a s , se eu sei que ele pode ser visto de duas maneiras, ocorre que a figura se recusa a mu-dar de estrutura e que meu saber tem de esperar sua realiza-o intui t iva. A q u i , novamente, se deveria concluir que j u l -gar n o perceber. M a s a alternativa entre a sensao e o juzo obriga a dizer que a m u d a n a da figura, no dependendo dos "elementos s ens ve i s " que, como os es t mulos , perma-necem constantes, s pode depender de u m a m u d a n a na in-t e rp re t ao e que, enfim, "a concepo do espr i to modifica a p r p r i a p e r c e p o " 2 4 , "a a p a r n c i a adquire forma e sen-tido no c o m a n d o " 2 5 . O r a , se se v aquilo que se ju lga, co-mo distinguir a pe rcepo verdadeira da percepo falsa? C o -mo se p o d e r dizer, depois disso, que o alucinado ou o louco "acredi tam ver aquilo que n o v e m de forma a l g u m a " 2 5 ? Onde es ta r a diferena entre " v e r " e "crer que se v " ? Se se responde que o homem n o s ju lga segundo signos sufi-cientes e sobre uma m a t r i a plena, porque h en to uma diferena entre o j u z o motivado da pe rcepo verdadeira e o j u z o vazio da pe rcepo falsa, e, como a di ferena n o est na forma do j u zo mas no texto sensvel que ele pe em for-ma, perceber no sentido pleno da palavra, que se ope a ima-ginar, n o julgar, apreender um sentido imanente ao sen-svel antes de qualquer j u z o . O fenmeno da pe rcepo ver-dadeira oferece portanto u m a significao inerente aos sig-nos, e do qual o j u zo apenas a expresso facultativa. O intelectualismo n o pode levar a compreender nem este fe-n m e n o , nem tampouco a imi tao que dele d a i luso.

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    M a i s geralmente, ele cego ao modo de exis tncia e de coe-xis tncia dos objetos percebidos, v ida que atravessa o cam-po visual e l iga secretamente suas partes. Na i luso de Zll-ner, eu " v e j o " as linhas principais inclinadas u m a em dire-o outra. O intelectualismo reconduz o f e n m e n o a um simples erro: tudo p r o v m do fato de que fao intervir as l i -nhas auxiliares e sua re lao com as linhas principais, em lu -gar de comparar as p r p r i a s linhas principais . No fundo, eu me engano sobre a ordem, e comparo os dois conjuntos em lugar de comparar seus elementos p r inc ipa i s 2 7 . Restaria sa-ber por que me engano sobre a ordem. "A q u e s t o deveria impor-se: como acontece que seja to difcil, na iluso de Zll-ner, comparar isoladamente as p r p r i a s retas que devem ser comparadas segundo a ordem dada? De onde vem que elas se recusem assim a deixar-se separar das linhas auxil iares" 2 8 ? Seria preciso reconhecer que, recebendo linhas auxiliares, as linhas principais deixaram de ser paralelas, que elas perde-ram aquele sentido para adquirir um outro, que as linhas au-xiliares impor tam na figura uma significao nova que dora-vante ali vagueia e dal i n o pode mais ser destacada 2 9 . E es-sa significao aderente figura, essa t r a n s f o r m a o do fe-n m e n o , que motiva o j u zo falso e est, por assim dizer, atrs dele. ela, ao mesmo tempo, que restitui um sentido pala-vra " v e r " , para a q u m do j u z o , para a l m da qualidade ou da impre s so , e faz reaparecer o problema da pe r cepo . Se se admite chamar de j u z o toda p e r c e p o de u m a re lao , e reservar o nome de viso impres so pontual , en t o segu-ramente a i luso um j u z o . M a s essa anl ise supe , pelo menos idealmente, u m a camada de i m p r e s s o em que as l i -nhas principais seriam paralelas como o so no mundo, quer dizer, no meio que ns cons t i tu mos por medidas e u m a ope rao segunda que modifica as impresses fazendo inter-v i r as linhas auxiliares, e falseia assim a re lao entre as l i -nhas principais. O r a , a pr imeira fase de pura conjectura

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    c, com ela, o j u zo que forma a segunda. C o n s t r u m o s a i l u -so, n o a compreendemos. O j u z o , neste sentido muito ge-ral e inteiramente formal, s explica a pe rcepo verdadeira ou falsa se ele se guia pela o rgan izao e s p o n t n e a e pela con-figurao particular dos f enmenos . E verdade que a i luso consiste em inscrever os elementos principais da figura nas relaes auxiliares que apagam o paralelismo. M a s por que elas o apagam? Por que duas retas at e n t o paralelas dei-xam de fazer par e so levadas a uma pos io ob l qua pela v i z inhana imediata que lhes damos? T u d o se passa como se cias n o fizessem mais parte do mesmo mundo. Duas obl-quas verdadeiras es to situadas no mesmo espao que o es-pao objetivo. M a s elas n o se incl inam em ato uma em di -reo outra, impossvel v-las ob l quas se as fixamos. E quando as tiramos do olhar que elas tendem surdamente pa-ra essa nova re lao. Existe a l i , para a q u m das relaes ob-jetivas, u m a sintaxe perceptiva que se articula segundo re-gras p rpr ias : a ruptura das relaes antigas, o estabelecimen-to de relaes novas, o j u z o exprimem apenas o resultado dessa o p e r a o profunda e so sua cons ta tao final. Falsa ou verdadeira, assim que a pe rcepo deve primeiramente se constituir para que u m a p red icao seja possvel. verda-de que a d is tnc ia de um objeto ou seu relevo n o so pro-priedades do objeto assim como sua cor ou seu peso. ver-dade que elas so relaes inseridas em uma conf igurao de conjunto que, alis, envolve o peso e a cor eles mesmos. M a s n o verdade que essa configurao seja cons t ru da por uma " i n s p e o do e s p r i t o " . Isso seria dizer que o espr i to per-corre impresses isoladas e descobre pouco a pouco o sentido do todo, assim como o cientista determina as incgni tas em funo dos dados do problema. O r a , aqui os dados do pro-blema n o so anteriores sua soluo, e a pe rcepo jus-tamente este ato que cria de um s golpe, com a constelao

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    dos dados, o sentido que os une que n o apenas descobre o sentido que eles tm, mas ainda faz com que tenham um sentido.

    E verdade que essas crt icas s se aplicam aos p r i m r -dios da anl ise reflexiva, e o intelectualismo poderia respon-der que inicialmente se est obrigado a falar a l inguagem do senso comum. A concepo do j u z o como fora ps qu ica ou como m e d i a o lgica e a teoria da pe rcepo como "inter-p r e t a o " este intelectualismo dos psiclogos so com efeito apenas u m a contrapartida do empir ismo, mas prepa-ram uma verdadeira tomada de conscincia . S se pode co-m e a r na atitude natural, com seus postulados, at que a dia-ltica interna desses postulados os destrua. Compreendida a percepo como in terpre tao , a sensao, que serviu de ponto de partida, es t definitivamente ultrapassada, qualquer cons-cincia perceptiva j estando para a l m dela. A sensao n o sent ida 3 0 e a consc incia sempre consc incia de um obje-to. Chegamos sensao quando, refletindo sobre nossas per-cepes , queremos expr imi r que elas n o so absolutamente nossa obra. A pura sensao , definida pela ao dos estmulos sobre nosso corpo, o "efeito l t i m o " do conhecimento, em particular do conhecimento cientfico, e por uma iluso, alis natural , que a colocamos no comeo e acreditamos que seja anterior ao conhecimento. E l a a maneira necessr ia e ne-cessariamente enganosa pela qual um esp r i to representa sua p r p r i a h i s t r i a 3 1 . Pertence ao d o m n i o do cons t i tu do e n o ao espr i to constituinte. E segundo o mundo ou segundo a op in i o que a pe rcepo pode aparecer como uma interpre-t ao . Para a p r p r i a conscincia , como ela seria um racioc-nio se n o existem sensaes que possam servir de premis-sas, como ela seria u m a in t e rp re t a o se antes dela n o h nada a ser interpretado? Ao mesmo tempo em que assim se ultrapassa, com a idia de sensao , a idia de uma ativida-de simplesmente lgica, as objees que faz amos h pouco desaparecem. P e r g u n t v a m o s o que ver ou sentir, o que

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    distingue do conceito este conhecimento ainda preso a seu ob-jeto, inerente a um ponto do tempo e do espao . M a s a refle-xo mostra que ali nada h para se compreender. E um fato que primeiramente eu me creio circundado por meu corpo, preso ao mundo, situado aqui e agora. M a s cada u m a dessas palavras, quando reflito nelas, desprovida de sentido e n o coloca e n t o nenhum problema: eu me perceberia " c i r c u n -dado por meu corpo" se eu n o estivesse nele tanto quanto em m i m , se eu mesmo n o pensasse essa re lao espacial e assim escapasse ine rnc ia no p rp r io momento em que eu ma represento? Eu saberia que estou preso no mundo e nele situado se ali estivesse verdadeiramente preso e situado? Eu me l imi ta r ia agora a estar onde estou como u m a coisa, e, se sei onde estou e me vejo no meio das coisas, porque sou u m a conscincia , um ser singular que n o reside em parte alguma e pode tornar-se presente a todas as partes em inten-o . T u d o o que existe existe como coisa ou como conscin-cia, e n o h meio-termo. A coisa est em um lugar, mas a pe rcepo n o est em parte alguma porque, se estivesse si-tuada, ela n o poderia fazer as outras coisas existirem para ela mesma, j que repousaria em si maneira das coisas. A per-cepo portanto o pensamento de perceber. Sua encarna-o n o oferece nenhum ca r t e r positivo do qual se precise dar conta, e sua ecceidade apenas a ignornc ia em que ela est de si mesma. A anl ise reflexiva torna-se u m a doutrina puramente regressiva, segundo a qual toda pe rcepo u m a inte leco confusa, toda d e t e r m i n a o u m a negao . A s -sim ela suprime todos os problemas, salvo u m : o de seu p r-prio comeo . A finitude de u m a percepo que me apresen-ta, como diz ia Spinoza, " c o n s e q n c i a s sem premissas", a i ne rnc ia da conscincia a um ponto de vista, tudo se recon-duz minha ignornc i a de m i m mesmo, ao meu poder intei-ramente negativo de n o refletir. M a s essa ignornc ia , por sua vez, como ela possvel? Responder que ela nunca seria

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    suprimir-me enquanto filsofo que investiga. N e n h u m a filo-sofia pode ignorar o problema da finitude, sob pena de ignorar-se a si mesma enquanto filosofia; nenhuma anl ise da pe rcepo pode ignorar a pe rcepo como f enmeno or i -ginal , sob pena de ignorar-se a si mesma enquanto anl ise , e o pensamento infinito que se descobriria imanente per-cepo n o seria o mais alto ponto de conscincia , mas, ao con t r r io , uma forma de inconsc incia . O movimento de re-flexo superaria a meta: ele nos transportaria de um mundo imobil izado e determinado a uma consc incia sem fissura, quando o objeto percebido animado por u m a v ida secreta e a pe rcepo , enquanto unidade, se desfaz e se refaz sem cessar. Enquanto n o tivermos seguido o movimento efetivo pelo qual a cada momento a conscincia refaz os seus passos, os contrai e os fixa em um objeto identif icvel , passa pouco a pouco do " v e r " ao "saber" , e o b t m a unidade de sua p r -pr ia vida, s teremos u m a essncia abstrata da conscincia . N o atingiremos essa d i m e n s o constitutiva se substituirmos por um sujeito absolutamente transparente a unidade plena da conscincia , e por um pensamento eterno a "arte escon-d i d a " que faz surgir um sentido nas "profundezas da natu-r e z a " . A tomada de conscincia intelectualista n o chega at este tufo vivo da pe rcepo porque ela busca as condies que a tornam possvel ou sem as quais ela n o existiria, em lugar de desvelar a o p e r a o que a torna atual ou pela qual ela se constitui. Na pe rcepo efetiva e tomada no estado nascente, antes de toda fala, o signo sensvel e sua significao n o so separveis nem mesmo idealmente. Um objeto um orga-nismo de cores, de odores, de sons, de apa rnc i a s tteis que se s imbolizam e se modif icam uns aos outros e concordam uns com os outros segundo u m a lgica real que a c incia tem por funo explicitar, e da qual ela es t muito longe de ter acabado a anl ise . Em re lao a essa v ida perceptiva, o inte-lectualismo insuficiente ou por ca rnc ia ou por excesso: ele

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    evoca, a t tulo de l imite, as qualidades ml t ip las que so ape-nas o invlucro do objeto, e dal i passa a u m a consc incia do objeto que possuiria sua lei ou seu segredo, e que por isso retiraria do desenvolvimento da exper incia a sua cont ingn-cia, e do objeto o seu estilo perceptivo. Esta passagem da te-se an t t ese , esta m u d a n a do p r ao contra que o procedi-mento constante do intelectualismo deixam subsistir sem al-le rao o ponto de part ida da anl ise ; partia-se de um mun-do em si que agia sobre nossos olhos para fazer-se ver por ns , tem-se agora u m a conscincia ou um pensamento do inundo, mas a p r p r i a natureza deste mundo n o mudou: ele sempre definido pela exterioridade absoluta das partes e apenas duplicado em toda a sua ex tenso por um pensa-mento que o const r i . Passa-se de u m a objetividade absoluta a u m a subjetividade absoluta, mas esta segunda idia vale exatamente tanto quanto a pr imeira e s se sustenta contra ela, quer dizer, por ela. O parentesco entre o intelectualismo c o empirismo assim muito menos visvel e muito mais pro-fundo do que se cr . Ele n o se l imi ta apenas definio an-t ropolgica da sensao , da qual um e outro se servem, mas refere-se ao fato de que um e outro conservam a atitude na-tural ou dogm t i ca , e a sobrevivncia da sensao no intelec-tualismo apenas um signo desse dogmatismo. O intelectua-l ismo aceita como absolutamente fundadas a idia do verda-deiro e a idia do ser nas quais se termina e se resume o tra-balho constitutivo da conscincia, e sua pretensa reflexo con-siste em p r como po tnc ias do sujeito tudo aquilo que necessr io para chegar a essas idias. A atitude natural, lan- a n d o - m e no mundo das coisas, me d a certeza de apreen-der um " r e a l " para a lm das aparncias , o "verdadeiro" para a l m da i luso. O valor dessas noes n o questionado pelo intelectualismo: trata-se apenas de conferir a um naturante universal o poder de reconhecer essa mesma verdade absolu-ta que o realismo ingenuamente situa em uma natureza da-

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    da. Sem dvida , o intelectualismo apresenta-se ordinariamen-te como uma doutr ina da cincia e n o como u m a doutr ina da pe rcepo , ele acredita fundar sua anl ise na exper inc ia da verdade m a t e m t i c a e n o na ev idnc ia i n g n u a do mun-do: habemus ideam veram. M a s na realidade eu n o saberia que possuo uma idia verdadeira se n o pudesse, pela m e m r i a , l igar a ev idnc ia presente que l a do instante escoado e, pelo confronto da fala, a minha ev idnc ia do outro, de forma que a ev idnc ia spinozista p res supe aquela da r eco rdao e da pe rcepo . Se se quer, ao con t r r i o , fundar a constitui-o do passado e a do outro em meu poder de reconhecer a verdade in t r nseca da idia , suprime-se s im o problema do outro e o do mundo, mas porque se permanece na atitude natural que os considera como dados e porque se u t i l izam as foras da certeza i n g n u a . Pois nunca, como Descartes e Pas-cal o v i r am, posso coincidir de um s golpe com o puro pen-samento que constitui u m a idia mesmo simples; meu pen-samento claro e distinto serve-se sempre de pensamentos j formados por m i m ou pelo outro, e fia-se na minha m e m -r ia , quer dizer, na natureza de meu espirito, ou na m e m r i a da comunidade dos pensadores, quer dizer, no esprito objetivo. Considerar concedido que ns temos u m a idia verdadeira crer na pe rcepo sem cr t ica. O empir ismo permanecia na c rena absoluta no mundo enquanto totalidade dos aconteci-mentos e spao - t e m por a i s , e tratava a consc incia como um c a n t o desse mundo. A anl ise reflexiva rompe com o mun-do em si, j que ela o constitui pela o p e r a o da conscincia , mas essa consc incia constituinte, em lugar de ser apreendi-da diretamente, cons t ru da de modo a tornar possvel a idia de um ser absolutamente determinado. E l a o correlativo de um universo, o sujeito que possui absolutamente acabados todos os conhecimentos dos quais nosso conhecimento efeti-vo o esboo. porque se supe efetuado em algum lugar aquilo que para ns s existe em in teno: um sistema de pensamen-

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    tos absolutamente verdadeiro, capaz de coordenar todos os f enmenos , um geometral que d r a z o de todas as perspec-tivas, um objeto puro sobre o qual trabalham todas as subje-tividades. N o preciso nada menos do que este objeto ab-soluto e este sujeito divino para afastar a a m e a a do gnio maligno e para garantir-nos a posse da idia verdadeira. O r a , h um ato humano que de um s golpe atravessa todas as dv idas possveis para instalar-se em plena verdade: este ato a p e r c e p o , no sentido amplo de conhecimento das exis-tncias . Quando me ponho a perceber esta mesa, contraio re-solutamente a espessura de du rao escoada desde que a olho, saio de minha vida individual apreendendo o objeto como ob-jeto para todos, r e n o e n t o de um s golpe exper incias con-cordantes mas separadas e repartidas em vrios pontos do tem-po e em vr ias temporalidades. Este ato decisivo que desem-penha, no interior do tempo, a funo da eternidade spino-zista, essa " d o x a o r i g i n r i a " 3 2 , ns n o censuramos o inte-lectualismo por servir-se dela, mas por servir-se dela tacita-mente. H ali um poder de fato, como d iz ia Descartes, uma ev idnc ia simplesmente irresistvel, que r e n e , sob a invoca-o de uma verdade absoluta, os fenmenos separados de meu presente e de meu passado, de minha d u r a o e daquela do outro, mas que n o deve ser cortada de suas origens percep-tivas e destacada de sua "fact ic idade". A funo da filosofia recoloc-la no campo de experincia privada em que ela sur-ge e i luminar o seu nascimento. Se, ao con t r r io , servimo-nos dela sem tom- la por tema, tornamo-nos incapazes de ver o f e n m e n o da pe rcep o e o mundo que nasce nela a t ravs da ruptura das experincias separadas, fundamos o mundo per-cebido em um universo que apenas este p rp r io mundo des-tacado de suas origens constitutivas e tornado evidente por-que esquecemos essas origens. Ass im , o intelectualismo dei-xa a conscincia em u m a re lao de familiaridade com o ser absoluto, e a p r p r i a idia de um mundo em si subsiste como

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    horizonte ou como fio condutor da anl ise reflexiva. A dv i -da interrompeu as af i rmaes explci tas sobre o mundo, mas ela n o muda nada nesta surda p r e sen a do mundo que se subl ima no ideal da verdade absoluta. A g o r a a reflexo fixa u m a essncia da conscincia que se aceita dogmaticamente, sem se perguntar o que uma essncia , nem se a essncia do pensamento esgota o fato do pensamento. E l a perde o ca-r t e r de u m a cons t a t ao e doravante n o s pode tratar de descrever fenmenos : a apa rnc i a perceptiva das iluses re-cusada como a i luso das i luses, s se pode ver aquilo que existe, a p r p r i a viso e a exper inc ia n o so mais distin-guidas da concepo . D a uma fi losofia em parte dupla, no-tvel em toda doutr ina do entendimento: salta-se de u m a v i -so naturalista, que exprime nossa cond io de fato, a u m a d i m e n s o transcendental em que todas as servides es to re-vogadas de direito, e nunca se precisa perguntar-se como o mesmo sujeito parte do mundo e p r inc p io do mundo, por-que o cons t i tu do sempre para o constituinte. Na realida-de, a imagem de um mundo const i tudo em que eu seria, com meu corpo, apenas um objeto entre outros e a idia de u m a conscincia constituinte absoluta s aparentemente formam ant tese : elas expr imem duas vezes o pre ju zo de um univer-so em si perfeitamente expl ci to . U m a reflexo au tn t i ca , em lugar de faz-las alternar como sendo ambas verdadeiras maneira da filosofia de entendimento, rejeita-as a ambas co-mo falsas.

    verdade que talvez ns desfiguramos uma segunda vez o intelectualismo. Quando dizemos que a anlise reflexiva rea-l i za , por an t ec ipao , todo o saber possvel acima do saber atual, encerra a reflexo em seus resultados e anula o fen-meno da finitude, talvez isso ainda seja u m a caricatura do intelectualismo, a reflexo segundo o mundo, a verdade vis-ta pelo prisioneiro da caverna que prefere as sombras s quais es t acostumado e n o compreende que elas der ivam da luz .

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    Ta lvez ainda n o tenhamos compreendido a verdadeira fun-o do ju zo na pe r cepo . A anlise do p e d a o de cera signi-ficava n o que u m a r a z o es t escondida a t rs da natureza, mas que a r azo es t enraizada na natureza; a " i n s p e o do e s p r i t o " no seria o conceito que desce na natureza, mas a natureza que se eleva ao conceito. A pe rcepo um j u z o , mas que ignora suas r a z e s 3 3 , o que significa dizer que o ob-jeto percebido se d como todo e como unidade antes que ns tenhamos apreendido a sua lei inteligvel, e que originaria-mente a cera n o u m a ex tenso flexvel e m u t v e l . D izen-do que o j u zo natural n o tem " tempo para pesar e conside-rar quaisquer r a z e s " , Descartes d a entender que, sob o nome de j u z o " , ele visa a const i tuio de um sentido do per-cebido que n o anterior p r p r i a pe rcepo e parece sair de la 3 4 . Esse conhecimento vital ou essa " inc l inao natura l" , que nos ensina a u n i o entre a alma e o corpo, quando a luz natural nos ensina sua dis t ino, parece contradi tr io garanti-lo pela veracidade divina , que n o outra coisa seno a cla-reza in t r nseca da idia , ou s pode, em todo caso, autenti-car pensamentos evidentes. M a s talvez a filosofia de Descar-tes consista em assumir essa c o n t r a d i o 3 5 . Quando Descar-tes diz que o entendimento se sabe incapaz de conhecer a u n i o entre a a lma e o corpo e deixa para a v ida conhec-l a 3 6 , isso significa que o ato de reflexo, se mostra como re-flexo sobre um irrefletido que ele no reabsorve nem de fato nem de direito. Quando reencontro a estrutura inteligvel do p e d a o de cera, n o me recoloco em um pensamento absolu-to a respeito do qual ele seria apenas um resultado, eu n o o constituo, eu o re-constituo. O " j u z o na tu ra l " n o se-n o o f enmeno da passividade. sempre pe rcepo que i n c u m b i r conhecer a pe rcepo . A reflexo nunca se impele para fora de qualquer s i tuao , a anl ise da percepo n o faz desaparecer o fato da pe rcepo , a ecceidade do percebi-do, a inernc ia da conscincia perceptiva a uma temporali-

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    dade e a u m a localidade. A reflexo n o absolutamente transparente para si mesma, ela sempre dada para si mes-ma em u m a experincia, no sentido da palavra que ser o sen-tido kantiano, ela sempre brota sem saber ela mesma de on-de brota, e sempre se oferece a m i m como um dom da natu-reza. M a s se a descr io do irrefletido permanece v l ida de-pois da reflexo, e a VI M e d i t a o depois da segunda, reci-procamente esse p rp r i o irrefletido s nos conhecido pela reflexo, e n o deve ser posto fora dela como um termo in -cognoscvel . Entre m i m , que analiso a p e r c e p o , e o eu que percebe, h sempre u m a d is tnc ia . M a s , no ato concreto de reflexo, eu transponho essa d i s tnc ia , provo pelo fato que sou capaz de saber aquilo que eu percebia, domino praticamente a descontinuidade dos dois Eus, e finalmente o cogito teria por sentido n o revelar um constituinte universal ou reconduzir a pe rcepo in te leco, mas constatar este fato da reflexo, que ao mesmo tempo domina e m a n t m a opacidade da per-cepo . p rp r i o da resoluo cartesiana identificar assim a r a z o e a cond io humana, e pode-se sustentar que a sig-nificao l t ima do cartesianismo est al i . O " j u z o na tura l " do intelectualismo antecipa agora aquele j u z o kantiano que faz nascer no objeto indiv idual o seu sentido, e n o o fornece inteiramente fe i to 3 7 . O cartesianismo, assim como o kantis-mo, teria visto plenamente o problema da percepo, que con-siste em que ela um conhecimento originrio. H uma per-cepo emp r i c a ou segunda, aquela que exercemos a cada instante, que nos mascara este f e n m e no fundamental por-que ela inteiramente plena de aquis ies antigas e opera, por assim dizer, na superfcie do ser. Quand o olho rapida-mente os objetos que me circundam para me situar e orientar-me entre eles, mal tenho acesso ao aspecto i n s t a n t n e o do mundo, identifico aqui a porta, ali a janela, mais adiante a minha mesa, que so apenas os suportes e os guias de u m a in t eno p r t i ca orientada em outra d i r eo , e que agora s

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    me so dados como significaes. M a s , quando contemplo um objeto com a n i c a p r e o c u p a o de v-lo existir e desdo-brar diante de m i m as suas riquezas, e n t o ele deixa de ser uma a luso a um tipo geral, e eu me apercebo de que cada pe rcepo , e n o apenas aquela dos espe tculos que descu-bro pela pr imeira vez, r e c o m e a por sua p r p r i a conta o nas-cimento da in te l igncia e tem algo de uma inveno genial: para que eu r econhea a rvore como uma r v o r e , preciso que, abaixo desta significao adquir ida, o arranjo momen-t n e o do espetculo sensvel recomece, como no primeiro dia do mundo vegetal, a desenhar a idia indiv idua l desta rvo-re. T a l seria este j u z o natural , que ainda n o pode conhecer suas razes j que ele as cria. M a s , mesmo se se concede que a exis tncia , a individualidade, a "fact ic idade" es to no ho-rizonte do pensamento cartesiano, resta saber se ele as tomou por temas. O r a , preciso reconhecer que ele s poderia t-lo feito transformando-se profundamente. Para fazer da percep-o um conhecimento o r ig in r io , ele precisaria atribuir f i -nitude u m a significao positiva, e precisaria levar a srio esta estranha frase da IV M e d i t a o que faz de m i m " u m meio entre Deus e o n a d a " . M a s se o nada n o tem propriedades, como o deixa entender a V M e d i t a o e como o d i r M a l e -branche, se ele n o nada, e n t o essa definio do sujeito hu-mano apenas u m a maneira de falar e o finito nada tem de positivo. Para ver na reflexo um fato criador, u m a reconsti-tu io do pensamento passado que n o estava p r - fo rmado nela e todavia a determina validamente porque apenas ele nos d a sua idia e porque para ns o passado em si como se no fosse, teria sido preciso desenvolver uma intuio do tem-po qual as Meditaes fazem apenas u m a curta a luso . "Engane-me quem puder, ele n o poderia fazer com que eu n o seja nada, enquanto penso ser algo; ou que algum dia seja verdade que eu jamais tenha sido, sendo verdadeiro agora que eu sou."38 A exper inc ia do presente a de um ser fundado de

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    u m a vez por todas, e que nada poderia impedir de ter sido. Na certeza do presente, h uma in teno que ultrapassa a pre-sena , que antecipadamente o pe como um "ant igo presen-te" indubi tve l na srie das r e m e m o r a e s , e a pe rcepo en-quanto conhecimento do presente o f e n m e n o central que torna possvel a unidade do eu e, com ela, a idia da objetivi-dade e da verdade. M a s ela apresentada no texto somente como uma dessas ev idncias irresist veis apenas de fato, que permanecem sujeitas d v i d a 3 9 . A soluo cartesiana n o portanto considerar o pensamento humano em sua condio de fato como garantia de si mesmo, mas apoi- lo em um pen-samento que se possui absolutamente. A conexo entre a es-sncia e a exis tncia n o encontrada na exper i nc ia mas na idia do infinito. Portanto, no final das contas verdade que a anl ise reflexiva repousa inteira em u m a idia d o g m t i c a do ser, e que nesse sentido ela n o u m a tomada de cons-cincia acabada 4 0 . Quando o intelectualismo retomava a no-o naturalista de sensao, neste passo estava implicada uma filosofia. Reciprocamente, quando a psicologia e l imina defi-nitivamente essa noo , podemos esperar encontrar nessa re-forma o esboo de um novo tipo de ref lexo. No plano da psicologia, a crtica da "h ip tese de c o n s t n c i a " significa ape-nas que se abandona o j u z o como fator explicativo na teoria da pe rcepo . C o m o pretender que a p e r c e p o da d is tnc ia seja conc lu da a partir da grandeza aparente dos objetos, da disparidade das imagens retinianas, da a c o m o d a o do cris-talino, da convergnc ia dos olhos, que a p e r c e p o do relevo seja conc lu da a partir da di ferena entre a imagem forneci-da pelo olho direito e a imagem fornecida pelo olho esquer-do, j que, se ns nos atemos aos f e n m e n o s , nenhum desses "signos" claramente dado consc incia , e j que n o po-deria haver rac iocnio ali onde faltam as premissas? M a s es-sa cr t ica ao intelectualismo s atinge a sua vu lga r i zao en-tre os psiclogos. E, assim como o p r p r i o intelectualismo,

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    ela deve ser transposta para o plano da ref lexo, em que o filsofo n o mais procura explicar a p e r c e p o , mas coinci-dir com a ope rao perceptiva e c o m p r e e n d - l a . A q u i , a cr-tica da h iptese de cons tnc ia revela que a pe rcepo n o um ato de entendimento. Basta que eu olhe u m a paisagem de cabea para baixo para nada mais reconhecer ali . O r a , em relao ao entendimento, o " a l t o " e o " b a i x o " s t m um sentido relativo, e o entendimento no poderia chocar-se com a o r i en tao da paisagem como se ela fosse um obs tcu lo ab-soluto. Diante do entendimento, um quadrado sempre um quadrado, quer repouse em u m a de suas bases ou em um de seus vr t ices . Para a pe r cepo , no segundo caso dificilmen-te ele reconhecve l . O Paradoxo dos objetos simtricos opunha, ao logicismo, a originalidade da exper inc ia perceptiva. Es-sa idia deve ser retomada e generalizada: h uma significa-o do percebido que n o tem equivalente no universo do en-tendimento, um meio perceptivo que ainda n o o mundo objetivo, um ser perceptivo que ainda n o o ser determina-do. Apenas os psiclogos que praticam a descr io dos fen-menos ordinariamente n o percebem o alcance filosfico de seu m t o d o . Eles n o v e m que o retorno exper inc ia per-ceptiva, se essa reforma conseqen te e radical , condena to-das as formas do realismo, quer dizer, todas as filosofias que abandonam a conscincia e tomam como dado um de seus resultados, n o v e m que o verdadeiro defeito do intelectua-lismo justamente o de considerar como dado o universo de-terminado da cincia, que esta censura se aplica afortiori ao pensamento psicolgico, j que ele situa a conscincia per-ceptiva no meio de um mundo inteiramente acabado, e que a cr t ica h iptese de cons tnc ia , se levada at o fim, adqui-re o valor de u m a verdadeira " r e d u o f e n o m e n o l g i c a " 4 1 . A Gestalttheorie mostrou muito bem que os pretensos signos da d i s tnc ia a grandeza aparente do objeto, o n m e r o de objetos interpostos entre ele e ns , a disparidade das imagens

  • 78 FENOMENOLOGIA DA PERCEPO

    retinianas, o grau de a c o m o d a o e de convergnc ia s so expressamente conhecidos em u m a pe rcep o anal t ica ou refletida, que se desvia do objeto e se dirige ao seu modo de ap re sen t ao , e que assim ns n o passamos por esses in -t e rmed i r io s para conhecer a d is tnc ia . Apenas ela conclui disso que as impresses corporais ou os objetos interpostos do campo, n o sendo signos ou razes em nossa pe rcepo da dis tncia , so causas dessa p e r c e p o 4 2 . Volta-se assim a uma psicologia explicativa cujo ideal a Gestalttheorie nunca aban-donou 4 3 porque, enquanto psicologia, ela nunca rompeu com o naturalismo. M a s neste mesmo movimento ela se torna in -fiel s suas p rp r i a s descr ies . Um paciente cujos mscu los cu lo-motores es to paralisados v os objetos se deslocarem para a esquerda quando acredita que ele mesmo vi ra os olhos para a esquerda. A psicologia clssica diz que porque a per-cepo raciocina: considera-se que o olho oscila para a esquer-da, e, como todavia as imagens retinianas n o se moveram, preciso que a paisagem tenha deslizado para a esquerda para mant - las em seu lugar no olho. A Gestalttheorie faz compreen-der que a pe rcepo da posio dos objetos n o passa pelo meandro de u m a consc incia expressa do corpo: em nenhum momento eu sei que as imagens permaneceram imveis na retina, eu vejo diretamente a imagem se deslocar para a es-querda. M a s a consc incia n o se l imi ta a receber um fen-meno i lusrio inteiramente acabado que causas fisiolgicas fora dela engendrariam. Para que a i luso se produza, pre-ciso que o paciente tenha tido a i n t eno de olhar para a es-querda, e que tenha pensado mover seu olho. A i luso sobre o corpo p rp r i o acarreta a a p a r n c i a do movimento no obje-to. Os movimentos do corpo p rpr io so naturalmente inves-tidos de certa significao perceptiva, eles formam, com os f enmenos exteriores, um sistema to bem ligado que a per-cepo externa " l e v a em conta" o deslocamento dos rgos perceptivos, encontra neles, seno a explicao expressa, pelo

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    menos o motivo das m u d a n a s que intervieram no espe tcu-lo, e assim pode compreend- l a s imediatamente. Quando te-nho a in teno de olhar para a esquerda, este movimento do olhar traz nele, como sua t r a d u o natural , u m a oscilao do campo visual: os objetos permanecem no seu lugar, mas depois de terem vibrado por um instante. Essa conseqnc i a n o aprendida, ela faz parte das montagens naturais do su-jeito psicofsico, ela , ns o veremos, um anexo de nosso "es-quema corpora l " , a significao imanente de um desloca-mento do " o l h a r " . Quando ela falha, quando temos cons-cincia de mover os olhos sem que com isso o espetculo seja afetado, este fenmeno se traduz, sem nenhuma t r a d u o ex-pressa, por um aparente deslocamento do objeto para a es-querda. O olhar e a paisagem permanecem como que cola-dos um ao outro, nenhum estremecimento os dissocia, o olhar, em seu deslocamento i lusrio, leva consigo a paisa-gem, e o deslizamento da paisagem no fundo apenas sua fixidez no fim de um olhar que se cr em movimento. A s -s im, a imobilidade das imagens na retina e a paralisia dos mscu lo s cu lo -motores n o so causas objetivas que deter-mina r i am a i luso e a levariam inteiramente pronta cons-c incia . A in teno de mover o olho e a docilidade da paisa-gem a esse movimento n o so mais premissas ou razes da i luso. M a s elas so seus motivos. Da mesma maneira, os ob-jetos interpostos entre m i m e aquilo que fixo n o so perce-bidos por eles mesmos; mas eles so todavia percebidos, e n o temos r azo para recusar a essa pe rcepo marginal um papel na viso da d i s tnc ia , j que, a partir do momento em que um anteparo esconde os objetos interpostos, a d i s tnc ia aparente se estreita. Os objetos que preenchem o campo n o agem sobre a d i s tnc ia aparente como u m a causa sobre seu efeito. Quando se afasta o anteparo, vemos o distanciamento nascer dos objetos interpostos. E essa a linguagem muda que a pe rcepo nos fala: neste texto natural, objetos interpostos

  • !!() FENOMENOLOGIA DA PERCEPO

    "que rem d i ze r " uma d i s tnc ia maior. N o se trata, todavia, de u m a das conexes que a lgica objetiva, a lgica da ver-dade const i tu da , conhece: pois no h nenhuma razo para que um c a m p a n r i o me p a r e a menor e mais distante a partir do momento em que posso ver melhor em seu detalhe os decli-ves e os campos que dele me separam. N o h r a z o , mas h um motivo. F o i justamente a Gestalttheorie que nos fez to-mar conscincia dessas tenses que, como linhas de fora, atra-vessam o campo visual e o sistema corpo p r p r i o / m u n d o , e que os animam com uma vida surda e mg ica , impondo aqui e ali to res , con t raes , d i la taes . A disparidade entre as imagens retinianas, o n m e r o de objetos interpostos no agem nem como simples causas objetivas que produz i r iam do ex-terior a minha pe rcepo da d is tnc ia , nem como razes que a demonstrariam. Eles so tacitamente conhecidos por ela sob formas veladas, eles a justificam por u m a lgica sem pala-vra . M a s , para expr imir suficientemente essas relaes per-ceptivas, falta Gestalttheorie u m a r e n o v a o das categorias: ela admit iu seu p r inc p io , aplicou-o a alguns casos particula-res, mas no percebeu que toda uma reforma do entendimento necessr ia se queremos traduzir exatamente os f enmenos , e que preciso, para chegar a isso, recolocar em qu es t o o pensamento objetivo da lgica e da filosofia clssicas, p r em suspenso as categorias do mundo, p r em d v i d a , no sentido cartesiano, as pretensas evidncias do realismo, e proceder a u m a verdadeira " r e d u o f e n o m e n o l g i c a " . O pensamen-to objetivo, aquele que se aplica ao universo e n o aos fen-menos, s conhece noes alternativas; a partir da exper in-cia efetiva, ele define conceitos puros que se excluem: a no-o da extenso, que a de u m a exterioridade absoluta entre as partes, e a noo do pensamento, que a de um ser reco-lhido em si mesmo, a noo do signo vocal como f enmeno fsico arbitrariamente ligado a certos pensamentos, e a da sig-nificao como pensamento para si inteiramente claro, a no-

  • OS PREJUZOS CLSSICOS E O RETORNO A OS FENMENOS 81

    o de causa como determinante exterior de seu efeito, e a de razo como a lei de const i tu io in t r nseca do f enmeno . O r a , a pe rcepo do corpo p rp r io e a pe rcepo externa, acaba-mos de v-lo, oferecem-nos o exemplo de u m a conscincia no-ttica, quer dizer, de u m a conscincia que n o possui a plena d e t e r m i n a o de seus objetos, a de u m a lgica vivida que no d conta de si mesma, e a de u m a significao imanente que no para si clara e se conhece apenas pela exper inc ia de certos signos naturais. Esses fenmenos so inassimilveis pelo pensamento objetivo, e eis por que a Gestalttheorie, que, como toda psicologia, prisioneira das " e v i d n c i a s " da cincia e do mundo, s pode escolher entre a r a z o e a causa, eis por que toda crtica do intelectualismo desemboca, em suas mos , em u m a res t au rao do realismo e do pensamento causai. Ao con t r r io , a noo fenomenolgica de motivao um desses conceitos " f luentes" 4 4 que preciso formar se se quer retor-nar aos fenmenos . Um fenmeno desencadeia um outro no por u m a eficcia objetiva, como a que une os acontecimen-tos da natureza, mas pelo sentido que ele oferece h uma razo de ser que orienta o fluxo dos fenmenos sem estar ex-plicitamente posta em nenhum deles, um tipo de r azo ope-rante. E assim que a i n t eno de olhar para a esquerda e a ade rnc i a da paisagem ao olhar motivam a i luso de um mo-vimento no objeto. A medida que o f enmeno motivado se realiza, sua re lao interna ao f enmeno motivante aparece, e, em lugar de apenas suced- lo , ele o explicita e o faz com-preender, de maneira que ele parece ter preexistido ao seu p r p r i o motivo. A s s i m , o objeto d is tncia e sua projeo fsica nas retinas explicam a disparidade das imagens e, por u m a iluso retrospectiva, ns falamos, com Malebranche, de u m a geometria natural da pe rcepo , colocamos antecipada-mente na pe rcepo u m a cincia que cons t ru da sobre ela, e perdemos de vista a re lao original de mo t ivao , em que a d i s tnc ia surge antes de toda cincia, n o de um ju zo so-

  • 8 2 FENOMENOLOGIA DA PERCEPO

    bre "as duas imagens", pois elas no so numericamente dis-tintas, mas do f e n m e n o do " m o v i d o " , das foras que habi-tam esse esboo, que procuram o equi l b r io e que o levam ao mais determinado. Pa ra uma doutr ina cartesiana, essas descries nunca t e r o i m p o r t n c i a filosfica: elas sero tra-tadas como aluses ao irrefletido que, por p r inc p io , nunca podem tornar-se enunciados e que, como toda psicologia, so sem verdade diante do entendimento. Pa ra legi t im- las i n -teiramente, seria preciso mostrar que em caso algum a cons-cincia pode deixar inteiramente de ser aquilo que ela na p e r c e p o , quer dizer, um fato, nem tomar inteira posse de suas operaes . Portanto, o reconhecimento dos fenmenos impl ica enfim u m a teoria da reflexo e um novo cogito*5.

  • C A P T U L O III

    A COISA E O MUNDO NATURAL

    M e s m o se n o pode ser definida por isto, uma coisa tem "caracteres" ou "propr iedades" estveis , e ns nos aproxi-maremos do f enmeno de realidade estudando as constantes perceptivas. Em primeiro lugar, uma coisa tem sua grandeza e sua forma prpr ias sob as variaes perspectivas que so ape-nas aparentes. N s n o l a n a m o s estas apa rnc ia s na conta do objeto, elas so um acidente de nossas relaes com ele, n o concernem a ele mesmo. O que queremos dizer por isso e a partir de que julgamos en to que uma forma ou uma gran-deza so a forma e a grandeza do objeto?

    O que nos dado para cada objeto, d i r o psiclogo, so grandezas e formas sempre var iveis segundo a perspectiva, e ns convimos em considerar como verdadeiras a grandeza que obtemos d i s tnc ia de tocar ou a forma que o objeto as-sume quando est em um plano paralelo ao plano frontal. Elas n o so mais verdadeiras do que outras, mas essa d is tncia e essa orientao tpica, sendo definidas com o auxlio de nosso corpo, referencial sempre dado, ns sempre temos o meio de reconhec- las , e elas mesmas nos fornecem um referencial em re lao ao qual podemos fixar enfim as apa rnc ias fugidias, distingui-las umas das outras e, em uma palavra, construir

  • 402 FENOMENOLOGIA DA PERCEPO

    uma objetividade: o quadrado visto obliquamente, que qua-se um losango, s se distingue do losango verdadeiro se leva-mos em conta a o r i e n t a o , se, por exemplo, escolhemos a a p a r n c i a em a p r e s e n t a o frontal como a n i c a decisiva e se reportamos toda a p a r n c i a dada qui lo que ela se tornaria nessas condies. M a s essa reconst i tuio psicolgica da gran-deza ou da forma objetivas concede-se aquilo que seria pre-ciso explicar: uma gama de grandezas e de formas determina-das, entre as quais bastaria escolher uma , que se tornaria a grandeza ou a forma real. Ns j o dissemos, para um mes-mo objeto que se distancia ou que gira em torno de si mes-mo, n o tenho u m a srie de "imagens p s q u i c a s " cada vez menores, cada vez mais deformadas, entre as quais eu possa fazer u m a escolha convencional. Se dou conta de minha per-cepo nesses termos, porque j introduzo ali o mundo com suas grandezas e suas formas objetivas. O problema n o apenas o de saber como u m a grandeza ou u m a forma, entre todas as grandezas ou formas aparentes, t ida por constan-te; ele muito mais radical : trata-se de compreender como u m a forma ou uma grandeza determinada verdadeira ou mesmo aparente pode mostrar-se diante de m i m , cristali-zar-se no fluxo de minhas exper inc ias e enfim ser-me dada, em u m a palavra, como existe algo de objetivo.

    Pelo menos p r imei ra vista, haveria u m a maneira de elidir a q u e s t o ; seria admit i r que no final das contas a gran-deza e a forma nunca so percebidas como os atributos de um objeto indiv idual , que elas so apenas nomes para desig-nar as relaes entre as partes do campo fenomenal. A cons-t nc ia da grandeza ou da forma real a t ravs das var iaes de perspectiva seria apenas a cons tnc ia das re laes entre o fe-n m e n o e as condies de sua a p r e se n t a o . Po r exemplo, a grandeza verdadeira de meu porta-caneta n o como uma qualidade inerente a tal de minhas percepes do porta-caneta, ela n o dada ou constatada em uma pe rcepo , como o ver-

  • O MUNDO PERCEBIDO 403

    melho, o quente ou o a u c a r a d o ; se ela permanece constan-te, n o que eu conserve a r eco rdao de u m a exper inc ia anterior em que a teria constatado. E l a o invariante ou a lei das var iaes correlativas da apa rnc i a visual e de sua dis-t nc i a aparente. A realidade n o uma a p a r n c i a privilegia-da que permaneceria sob as outras, ela a a r m a o de rela-es s quais todas as apa rnc i a s satisfazem. Se mantenho meu porta-caneta perto de meus olhos e ele me esconde qua-se toda a paisagem, sua grandeza real permanece m e d o c r e , porque este porta-caneta que mascara tudo t a m b m um porta-caneta visto de perto, e porque essa condio, sempre men-cionada em minha pe r cepo , reduz a a p a r n c i a a propor-es medocres . O quadrado que me apresentam obliquamen-te permanece um quadrado, no que a propsi to desse losango aparenteu evoque a forma bem conhecida do quadrado de frente, mas porque a aparnc ia losango com apresentao obl-qua imediatamente idnt ica apa rnc ia quadrado em apre-sen tao frontal, porque com cada u m a dessas configuraes me dada a o r i en t ao do objeto que a torna possvel , e por-que elas se oferecem em um contexto de relaes que tornam equivalentes apriori as diferentes apresen taes perspectivas. O cubo cujos lados so deformados pela perspectiva perma-nece todavia um cubo, n o que eu imagine o aspecto que as seis faces tomar iam u m a aps a outra se eu o fizesse girar em minha m o , mas porque as deformaes perspectivas no so dados brutos, como alis n o o a forma perfeita do lado que es t diante de m i m . C a d a elemento do cubo, se desen-volvemos todo seu sentido perceptivo, menciona o ponto de vista atual do observador sobre ele. U m a forma ou uma gran-deza apenas aparente aquela que ainda n o est situada no sistema rigoroso que formam em conjunto os fenmenos e meu corpo. Logo que toma lugar a l i , ela reencontra sua verdade, a de fo rmao perspectiva n o mais sofrida, mas compreen-dida. A apa rnc i a s enganosa e s apa rnc i a no sentido

  • 404 FENOMENOLOGIA DA PERCEPO

    prp r io quando indeterminada. A ques t o de saber como existem para ns formas ou grandezas verdadeiras, objetivas ou reais, reduz-se que la de saber como existem para ns for-mas determinadas, e existem formas determinadas, algo co-mo " u m quadrado" , " u m losango", u m a conf igurao es-pacial efetiva, porque nosso corpo enquanto ponto de vista sobre as coisas e as coisas enquanto elementos abstratos de um s mundo formam um sistema em que cada momento imediatamente significativo de todos os outros. U m a certa o r i en t ao de meu olhar em re lao ao objeto significa uma certa a p a r n c i a do objeto e uma certa a p a r n c i a dos objetos vizinhos. Em todas as suas apar ies , o objeto conserva ca-racteres invar iveis , permanece ele mesmo invar ivel , e ob-jeto porque todos os valores possveis que pode receber em grandeza e em forma es to antecipadamente includos na fr-mula de suas relaes com o contexto. A q u i l o que ns afir-mamos com o objeto enquanto ser definido na realidade uma facies totius universi que n o muda, e nela que se funda a equi-va lnc ia de todas as suas apar ies e a identidade de seu ser. Seguindo a lgica da grandeza e da forma objetiva, ver-se-ia, com K a n t , que ela reenvia posio de um mundo en-quanto sistema rigorosamente ligado, que ns nunca estamos encerrados na apa rnc i a , e que enfim apenas o objeto pode aparecer plenamente.

    A s s i m , ns nos situamos de um s golpe no objeto, ig-noramos os problemas do psiclogo, mas verdadeiramente os ultrapassamos? Quando se diz que a grandeza ou a forma ver-dadeiras so apenas a lei constante segundo a qual var iam a aparnc ia , a dis tncia e a or ien tao , subentende-se que elas possam ser tratadas como var iveis ou grandezas m e n s u r -veis, e portanto que elas j sejam determinadas, quando se trata justamente de saber como elas se tornam determinadas. K a n t tem r a z o em dizer que a pe rcep o , por si , polariza-da em d i reo ao objeto. M a s , junto a ele, a a p a r n c i a en-

  • O MUNDO PERCEBIDO 405

    quanto apa rnc i a que se torna incompreens ve l . As vises perspectivas sobre o objeto, sendo de um s golpe recoloca-das no sistema objetivo do mundo, o sujeito pensa sua per-cepo e a verdade de sua pe rcepo em vez de perceber. A conscincia perceptiva no nos d a percepo como uma cin-cia, a grandeza e a forma do objeto como leis, e as determi-naes n u m r i c a s da c incia tornam a passar sobre o ponti-lhado de u m a cons t i tu io do mundo j feita antes delas. K a n t , assim como o cientista, toma por adquiridos os resul-tados dessa exper inc ia pr-cient f ica e s pode silenciar so-bre ela porque os ut i l iza . Quando observo diante de m i m os mve is de meu quarto, a mesa com sua forma e sua grande-za n o para m i m u m a lei ou uma regra do desenrolar dos f enmenos , uma re lao invar ive l : porque percebo a me-sa com sua grandeza e sua forma definidas que presumo, pa-ra toda m u d a n a da distncia ou da or ientao, uma m u d a n a correlativa da grandeza e da forma e n o o inverso. E na evidncia da coisa que se funda a constncia das relaes, lon-ge de que a coisa se reduza a relaes constantes. Para a cin-cia e para o pensamento objetivo, um objeto visto a cem pas-sos sob u m a pequena grandeza aparente indiscernvel do mesmo objeto visto a dez passos sob um ngu lo maior, e o objeto justamente esse produto constante da d is tnc ia pela grandeza aparente. M a s , para m i m que percebo, o objeto a cem passos n o presente e real no sentido em que o a dez passos, e eu identifico o objeto em todas as suas posies, em todas as suas distncias, sob todas as suas aparncias , enquan-to todas as perspectivas convergem para a percepo que ob-tenho em uma certa d i s tnc ia e uma certa o r i en tao t pica. Essa pe rcepo privi legiada assegura a unidade do processo perceptivo e recolhe em si todas as outras apa rnc ia s . Para cada sujeito, assim como para cada quadro em uma galeria de pintura, existe uma d is tnc ia t i m a de onde ele pede para ser visto, uma o r i en t ao sob a qual ele d mais de si mes-

  • 406 FENOMENOLOGIA DA PERCEPO

    mo: a q u m ou a l m, s temos uma pe rcep o confusa por excesso ou por falta, tendemos agora para o m x i m o de vis i -bilidade e procuramos, como ao microscpio, u m a melhor fo-ca l i zao 1 , e ela obtida por um certo equi l br io do horizon-te interior e do horizonte exterior: um corpo v ivo , visto de muito perto e sem nenhum fundo sobre o qual ele se desta-que, n o mais um corpo v ivo , mas u m a massa material to estranha quanto as paisagens lunares, como se pode observ-lo olhando um segmento de epiderme com a lupa; visto de muito longe, ele perde novamente o valor de v ivo , n o mais do que u m a boneca ou um a u t m a t o . O corpo vivo ele mesmo apa-rece quando sua microestrutura n o nem muito, nem mui -to pouco visvel, e este momento t a m b m determina sua for-ma e sua grandeza reais. A d i s tnc ia de m i m ao objeto n o uma grandeza que cresce ou decresce, mas u m a t enso que oscila em torno de u m a norma; a o r i en tao o b l q u a do obje-to em re lao a m i m n o medida pelo n g u l o que ele forma com o plano de meu rosto, mas sentida como um desequi l -brio, como uma r epa r t i o desigual de suas inf luncias sobre m i m ; as var iaes da a p a r n c i a n o so m u d a n a s de gran-deza para mais ou para menos, distores reais: simplesmente, ora suas partes se mis turam e se confundem, ora elas se arti-culam nitidamente umas s outras e desvelam suas riquezas. Existe um ponto de maturidade de minha pe rcep o que sa-tisfaz simultaneamente a estas t rs normas e para o qual ten-de todo o processo perceptivo. Se aproximo de m i m o objeto ou se o fao girar em meus dedos para "v - lo me lho r " , por-que para m i m cada atitude de meu corpo de um s golpe po tnc ia de um certo e spe t cu lo , porque para m i m cada es-pe tcu lo aquilo que em u m a certa s i tuao cinestsica; em outros termos, porque diante das coisas meu corpo est permanentemente em posio para perceb-las e, inversamen-te, porque as apa rnc i a s so sempre envolvidas por m i m em uma certa atitude corporal. Se conheo a re lao das a p a r n -

  • O MUNDO PERCEBIDO 407

    cias s i tuao cinestsica, n o e n t o por u m a lei e em uma frmula , mas enquanto tenho um corpo e estou, por este cor-po, em posse de um mundo. E assim como as atitudes per-ceptivas n o so conhecidas por m i m u m a a uma , mas impl i -citamente dadas como etapas no gesto que conduz atitude t i m a , correlativamente as perspectivas que lhes correspon-dem n o so postas diante de m i m uma aps a outra e s se oferecem como passagens para a coisa mesma, com sua gran-deza e sua forma. K a n t o v iu muito bem, n o um proble-ma saber como formas e grandezas determinadas aparecem em minha exper inc ia , j que de outra maneira ela n o seria exper inc ia de nada e que toda exper inc ia interna s pos-svel sobre o fundo da exper inc ia externa. M a s disso K a n t conc lu a que eu sou u m a conscincia que investe e constitui o mundo e, neste movimento reflexivo, ele passava por c ima do f enmeno do corpo e do f enmeno da coisa. Ao con t r -r io , se queremos descrev- los , preciso dizer que minha ex-per inc ia desemboca nas coisas e se transcende nelas, por-que ela sempre se efetua no quadro de u m a certa montagem em re lao ao mundo, que a definio de meu corpo. As grandezas e as formas apenas do modalidade a esse poder global sobre o mundo. A coisa grande se meu olhar n o pode envolv-la; pequena, ao cont rr io , se ele a envolve am-plamente, e as grandezas md ias distinguem-se umas das ou-tras conforme, em d i s tnc ia igual, elas dilatam mais ou me-nos meu olhar ou o dilatam igualmente em diferentes d is tn-cias. O objeto circular se, igualmente p r x i m o de m i m por todos os seus lados, n o impe ao movimento de meu olhar nenhuma m u d a n a de curvatura, ou se aquelas que ele lhe impe so imputve i s apresentao obl qua , segundo a cin-cia do mundo que me dada com meu corpo 2 . Portanto, verdade que toda pe rcepo de uma coisa, de uma forma ou de uma grandeza como reais, toda constncia perceptiva reen-v ia posio de um mundo e de um sistema da exper incia

  • 408 FENOMENOLOGIA DA PERCEPO

    em que meu corpo e os f enmenos estejam rigorosamente l i -gados. M a s o sistema da exper inc ia n o est desdobrado diante de m i m como se eu fosse Deus, ele vivido por m i m de um certo ponto de vista, n o sou seu espectador, sou par-te dele, e minha ine rnc ia a um ponto de vista que torna possvel ao mesmo tempo a finitude de minha pe rcepo e sua abertura ao mundo total enquanto horizonte de toda per-cepo . Se sei que u m a rvo re no horizonte permanece aqui-lo que percebido de perto, conserva sua forma e sua gran-deza reais, apenas enquanto este horizonte horizonte de minha c i r c u n v i z i n h a n a imediata, enquanto pouco a pouco a posse perceptiva das coisas que ele encerre me garantida; em outros termos, as exper inc ias perceptivas se encadeiam, se mot ivam e se impl i cam umas s outras, a pe r cepo do mundo apenas u m a d i l a tao de meu campo de p resena , ela n o transcende suas estruturas essenciais, aqui o corpo permanece sempre agente e nunca se torna objeto. O mundo u m a unidade aberta e indefinida em que estou situado, co-mo K a n t o indica na Dia l t ica transcendental, mas como pa-rece esquec- lo na Ana l t i ca .

    As qualidades da coisa, por exemplo sua cor, sua dure-za, seu peso, nos ensinam sobre ela mui to mais do que suas propriedades geomt r icas . A mesa e permanece parda atra-vs de todos os jogos de luz e de todas as i l uminaes . Para comea r , o que e n t o essa cor real e como temos acesso a ela? Se r amos tentados a responder que a cor sob a qual vejo a mesa a maior parte das vezes, aquela que ela assume luz do dia, a curta distncia, nas condies "no rma i s " , quer dizer, as mais f reqentes . Quando a d i s t nc ia muito gran-de ou a i l u m i n a o tem u m a cor p r p r i a , como ao pr-do-sol ou sob luz eltr ica, desloco a cor efetiva em benefcio de uma cor da r e c o r d a o 3 , que preponderante porque es t inscri-ta em m i m por numerosas exper i nc ias . A cons t nc i a da cor seria e n t o u m a cons tnc ia real. M a s s temos aqui u m a re-

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    cons t ruo artificial do f e n m e n o . Pois, considerando a p r -pr ia pe r cepo , n o se pode dizer que o pardo da mesa se oferea sob todas as i luminaes como o mesmo pardo, co-mo a mesma qualidade efetivamente dada pela r eco rdao . Um papel branco na obscuridade, que reconhecemos como tal, n o pura e simplesmente branco, ele " n o se deixa si-tuar de maneira sat isfatria na srie negro-branco" 4 . Seja u m a parede branca na obscuridade e um papel cinza luz, n o se pode dizer que a parede permanece branca e o papel cinza: o papel faz mais impres so ao olhar 5 , ele mais lu -minoso, mais claro, a parede mais escura e mais fosca, n o , por assim dizer, seno a " s u b s t n c i a da co r " que perma-nece sob as var iaes de i l u m i n a o 6 . A pretensa cons tnc ia das cores n o impede " u m a incontes tvel m u d a n a durante a qual continuamos a receber em nossa viso a qualidade fun-damental e, por assim dizer, aquilo que nela existe de subs-t a n c i a l " 7 . Essa mesma r a z o nos i m p e d i r de tratar a cons-t nc i a das cores como u m a cons tnc ia ideal e de repor t - l a ao j u z o . Pois um ju zo que distinguisse, na a p a r n c i a dada, a parte da i l u m i n a o s poderia concluir-se por uma identi-ficao da cor p r p r i a do objeto, e ns acabamos de ver que ela n o permanece idnt ica . A fraqueza do empirismo, as-sim como do intelectualismo, n o reconhecer outras cores seno as qualidades fixas que aparecem na atitude reflexiva, quando na pe rcepo v iva a cor u m a i n t r o d u o coisa. E preciso perder esta i luso, sustentada pela fsica, de que o mundo percebido seja feito de cores-qualidades. C o m o os pintores o observaram, existem poucas cores na .natureza. A percepo das cores tardia na cr iana e, em todo caso, muito posterior cons t i tu io de um mundo. Os maoris t m 3.000 nomes de cor, n o que eles percebam muito, mas ao con t r -rio porque n o as identificam quando elas pertencem a obje-tos de estrutura diferente8. C o m o o disse Scheler, a percep-o va i diretamente coisa sem passar pelas cores, assim co-

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    mo ela pode apreender a expresso de um olhar sem p r a cor dos olhos. S poderemos compreender a percepo levan-do em conta uma cor - funo , que pode permanecer mesmo quando a apa rnc i a qualitativa est alterada. Digo que m i -nha caneta preta e a vejo preta sob os raios do sol. M a s este preto muito menos a qualidade sensvel preto do que u m a po tnc ia tenebrosa que irradia do objeto, mesmo quan-do ele es t coberto por reflexos, e este negro s visvel no sentido em que o o negrume moral . A cor real permanece sob as apa rnc ia s assim como o fundo continua sob a figura, quer dizer, no a t tulo de qualidade vista ou pensada, mas em u m a p resena no-sensor ia l . A fsica e t a m b m a psicolo-gia d o uma definio a rb i t r r i a da cor que na realidade s convm a um de seus modos de apar io e que por muito tem-po nos mascarou todos os outros. H e r i n g pede que, no estu-do e c o m p a r a o das cores, s se empregue a cor pura que se afastem dela todas as c i rcuns tnc ias exteriores. E preciso operar " n o sobre as cores que pertencem a um objeto de-terminado, mas sobre um quale, seja ele plano ou preencha o e spao , que subsista por si sem portador de terminado" 9 . As cores do especto preenchem mais ou menos essas condi-es. M a s estas superfcies coloridas (Flchenfarben) na reali-dade so apenas u m a das estruturas possveis da cor, e a cor de um papel ou a cor de superfcie (Oberflchenfarb) j n o obedecem mais s mesmas leis. Os l imiares diferenciais so mais baixos nas cores de superfcie do que nas superfcies color idas 1 0 . As superfcies coloridas so localizadas d is tn-cia, mas de uma maneira imprecisa; elas t m um aspecto es-ponjoso enquanto as cores de superfcie so espessas e pren-dem o olhar sobre sua superfcie; elas so sempre paralelas ao plano frontal enquanto as cores de superfcie podem apre-sentar todas as or ientaes; enfim, elas so sempre vagamente planas e n o podem esposar uma forma particular, aparecer como curvas ou como estendidas sobre u m a superfcie sem

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    perder sua qualidade de superfcie color ida 1 1 . M a i s uma vez, esses dois modos de apa r i o da cor figuram ambos nas ex-per inc ias dos psiclogos, em que alis so f r e q e n t e m e n t e confundidos. M a s existem muitos outros dos quais os psic-logos durante muito tempo n o falaram, a cor dos corpos transparentes, que ocupa as trs d imenses do espao (Raum-

    farbe) o reflexo (Glanz) a cor ardente (Glheri) a cor irradiante (Leuchten) e em geral a cor da i l u m i n a o , que se confunde to pouco com a da fonte luminosa que o pintor pode representar a primeira pela repar t io das sombras e das luzes sobre os objetos, sem representar a segunda 1 2 . O pre-ju zo acreditar que se trata ali de diferentes arranjos de uma pe rcepo da cor em si mesma invar ive l , de diferentes for-mas dadas a uma mesma m a t r i a sensvel . Na realidade, te-mos diferentes funes da cor em que a pretensa m a t r i a de-saparece absolutamente, j que a en fo rma o obtida por u m a m u d a n a das p r p r i a s propriedades sensveis . Em par-ticular, a d is t ino entre a i l uminao e a cor p r p r i a do ob-jeto n o resulta de u m a anl ise intelectual, n o a imposi-o de significaes nocionais a uma m a t r i a sensvel, u m a certa o rgan iza o da p r p r i a cor, o estabelecimento de u m a estrutura i luminao-coisa i luminada que precisamos descre-ver mais de perto se queremos compreender a cons tnc ia da cor p r p r i a 1 3 .

    Um papel azul luz do gs parece azul . E todavia, se o consideramos no fotmetro, espantamo-nos em perceber que ele envia ao olho a mesma mistura de raios que um papel par-do luz do d i a 1 4 . U m a parede branca fracamente i lumina-da, que na viso livre aparece como branca (com as reservas feitas acima), aparece cinza-azulada se a percebemos a t ravs da janela de um anteparo que nos esconde a fonte luminosa. O pintor o b t m o mesmo resultado sem anteparo, e chega a ver as cores tais como a quantidade e a qualidade da luz refletida as determinam, sob a condio de isol-las da cir-

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    cunv iz inhana , por exemplo entrecerrando os olhos. Esta mu-d a n a de aspecto inseparve l de u m a m u d a n a de estrutu-ra na cor: no momento em que interpomos o anteparo entre nosso olho e o e spe tcu lo , no momento em que entrecerra-mos os olhos, liberamos as cores da objetividade das superf-cies corporais e as reduzimos simples cond io de superf-cies luminosas. N o vemos mais corpos reais, a parede, o pa-pel , com uma cor determinada e em seu lugar no mundo, vemos manchas coloridas que esto todas vagamente situa-das em um mesmo plano " f i c t c i o " 1 5 . C o m o o anteparo age exatamente? Ns o compreenderemos melhor observando o mesmo f enmeno sob outras condies . Se se observa alter-nadamente, a t ravs de u m a ocular, o interior de duas gran-des caixas pintadas u m a de branco, a outra de negro, e i l u -minadas u m a fortemente, a outra fracamente, de tal manei-ra que a quantidade de luz recebida pelo olho seja nos dois casos a mesma, e se se acomoda para que n o exista no inte-rior das caixas nenhuma sombra e nenhuma irregularidade na pintura , e n t o elas so indiscernveis , n o se v aqui e ali seno um espao vazio onde se difunde um cinza . T u d o mu-da se se introduz um p e d a o de papel branco na caixa negra ou negro na caixa branca. No mesmo instante, a pr imeira aparece como negra e violentamente i luminada , a outra co-mo branca e fracamente i luminada . Pa ra que a estrutura i luminao-ob je to i luminado seja dada, so necessr ias en-to pelo menos duas superfcies cujo poder de reflexo seja diferente 1 6 . Se se d ispe para que o feixe de u m a l m p a d a caia exatamente sobre um disco negro, e se se pe o disco em movimento para eliminar a influncia das rugosidades que ele sempre traz em sua superfcie , o disco parece, assim co-mo o resto da pea , fracamente i luminado, e o feixe de l u m i -noso um slido e s b r a n q u i a d o do qual o disco constitui a base. Se colocamos um p e d a o de papel branco adiante do disco, " n o mesmo instante vemos o disco 'negro ' , o papel

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    'branco ' e ambos violentamente i l u m i n a d o s " 1 ' . A transfor-m a o to completa que se tem a i m p r e s s o de ver apare-cer um novo disco. Essas exper inc ias em que o anteparo n o i n t e r v m permitem compreender aquelas em que ele in -t e r v m : o fator decisivo no f enmeno de cons tnc ia , que o anteparo pe fora de jogo e que funciona na viso l ivre, a a r t i cu lao do conjunto do campo, a r iqueza e a sutileza das estruturas que ele comporta. Quando o sujeito olha atra-vs da janela de um anteparo, ele no pode mais " d o m i n a r " (Ueberschauen) as relaes de i l u m i n a o , quer dizer, perce-ber, no espao visvel, todos subordinados com suas clarida-des p r p r i a s , que se separam umas das outras 1 8 . Quando o pintor entrecerra os olhos, ele des t ri a o r g a n i z a o em pro-fundidade do campo e, com ela, os contrastes precisos da i lu -m i n a o ; n o existem mais coisas determinadas com suas co-res p r p r i a s . Se r e c o m e a m o s a exper inc ia do papel branco na penumbra e do papel cinza i luminado, e projetamos em uma tela as ps- imagens negativas das duas percepes, cons-tatamos que o f enmeno de cons tnc ia n o se m a n t m , co-mo se a cons tnc ia e a estrutura i luminao-ob je to i lumina-do s pudessem ter lugar nas coisas e n o no espao difuso das p s - i m a g e n s 1 9 . A d m i t i n d o que essas estruturas depen-dem da o rgan iza o do campo, compreendem-se de um s golpe todas as leis emp r i ca s do f enmeno de c o n s t n c i a 2 0 : que ele seja proporcional grandeza da r ea retiniana na qual se projeta o espe tcu lo , e tanto mais n t ido quanto, no espao retiniano posto em causa, projeta-se um fragmento do mundo mais extenso e mais ricamente articulado; que ele seja menos perfeito na viso perifrica do que na viso cen-tral , na viso monocular do que na viso binocular, na viso breve do que na viso prolongada; que ele se atenue a longa d i s tnc ia ; que ele varie com os ind iv duos e segundo a rique-za de seu mundo perceptivo; que enfim ele seja menos per-feito para i luminaes coloridas, que apagam a estrutura su-

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    perficial dos objetos e n ivelam o poder de reflexo das dife-rentes superfcies, do que para i luminaes incolores, que