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VOLUME III METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

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VOLUME III

METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

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VOLUME III

Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa

2010

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMÁRIO

REPÚBLICA DE ANGOLAMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

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Equipa ESE de Setúbal (Portugal)Ana Pires SequeiraFernanda Botelho

José Victor AdragãoLuciano Pereira

MP Benguela (Angola)Colaboração dos professores de Língua Portuguesa de Metodologia

do ensino da Língua Portuguesa

Criação e DesignJL Andrade

www.jlandrade.com

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DOINSTITUTO POLITÉCNICO DE SETÚBAL

www.ese.ips.pt

MAGISTÉRIO PRIMÁRIO DE BENGUELA

também disponível em http://moodle.ese.ips.pt em Projetos – PREPA

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Índice

I. Introdução, 07II. Metodologia Geral, 11

IntroduçãoMetodologia Geral

III. Texto Literário, 131. Introdução

2. Sensibilidade, emoção e linguagem poética3. O acto poético e a conotação

4. A pesquisa poética e a activação da função poética da linguagem5. Algumas figuras do pensamento

6. Algumas figuras de palavras7. Melodia sugestiva e ritmo

8. O texto literário para a infância e os seus conteúdos9. Temas contemporâneos

10. Ensinar literatura11. Algumas estratégias para o desenvolvimento do domínio da linguagem literária

12. Fichas de trabalho para desenvolver as competências de leitura e produção do re-gisto literário dos alunos da Escola do Magistério Primário

13. Fichas de trabalho para desenvolver as competências de leitura e produção do tex-to literário narrativo de tipo tradicional dos alunos da Escola de Magistério Primário e

das Escolas Primárias.IV. Antologia Poética Africana, 47

O Burro. Mutimati – MoçambiqueSerão de Menino. Viriato da Cruz – Angola

O Ferro. Mutlmati – MoçambiqueO Moringue. Henrique Guerra – AngolaIrene no Céu. Manuel Bandeira – Brasil

Lá no água grande. Alda do Espirito Santo - São Tomé e PríncipeMenino de Timor. Jorge Barros Duarte – Timor

Quitandeira de Luanda. Maria Eugénia Lima – AngolaMãe Negra. Aguinaldo Fonseca – Cabo Verde

Visão. Caetano da Costa alegre – São Tomé e PríncipeRetrato de Tristão, filho do Rei do Mar. Luís de Camões – Portugal

O Mostrengo. Fernando Pessoa – PortugalMeninas e Meninos. Fernando Sylvan – Timor

Não vale a pena pisar. Manuel Rui – AngolaMagaíça. Reinaldo Ferreira – Moçambique

Prelúdio. Jorge Barbosa – Cabo VerdePaís Natal. António Batica Ferreira – Guiné

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6 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

Negra. Noémia de Sousa – MoçambiqueQuero ser tambor. José Craveirinha – Moçambique

Caçada. Rui Bueti – AngolaSão meus estes rios. Manuel Lima – Angola

Exílio. Jorge Lauten – TimorNão mais sob a árvore de Bô. Jorge Lauten – Timor

Poema do Pacto de Sangue. Trad. Ruy Cinatil – Potugal/TimorMãos. Francisco José Tenreiro – São Tomé e Príncipe

V. Contos Angolanos, 79A Hiena e o cão

QuimbaMãe vale mais que qualquer outra mulher

Vampaza “O homem-fantasma”O “Feitiço” de Catumbo

Castigo do malVOVÔ Bartolomeu

O atrevimento castigadoA cabra tola e o médico

O leão e o ChacalNotas e Bibliografia

VI. Bibliografia Geral, 105

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1. Importância da disciplina de Língua Portuguesa no curriculum

A decisão política do Estado angolano de ter a língua portuguesa como lín-gua oficial e, por inerência, como língua de ensino e de aprendizagem no siste-ma escolar é razão suficiente para sustentar a importância desta disciplina no curriculum do Ensino Primário e, naturalmente, na formação dos agentes de en-sino nesse nível de escolaridade.

O facto de a língua portuguesa não ser a língua materna de uma alta per-centagem das crianças angolanas (e, provavelmente, dos seus professores) im-plica que o seu ensino se faça com metodologia adequada, capaz de minorar as dificuldades de acesso a uma língua que não se aprende desde o berço e de promover o sucesso dos alunos, como estudantes e como cidadãos. Com efeito, o correcto domínio da língua portuguesa, como receptores e como produto-res, nas suas vertentes oral e escrita, ditará o percurso dos alunos nas restantes disciplinas curriculares e a sua inserção na sociedade, como membros activos de pleno direito. Por outro lado, só professores de comprovada competência no uso reflectido e na metodologia da língua portuguesa (que ensinam e em que ensinam) poderão assegurar o perfeito cumprimento dos objectivos do sistema educativo.

INTRODUÇÃO

I

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8 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

2. Estrutura do Módulo

Porque considera que o domínio de uma língua é qualquer coisa de uno e internamente articulado, a equipa que se responsabilizou por esta disciplina, em decisão acordada com os docentes da Escola do Magistério Primário de Bengue-la, propõe um único módulo para a metodologia da Língua Portuguesa, com os seus capítulos na seguinte ordem:

– Metodologia Geral

– Oralidade

– Funcionamento da Língua

– Leitura e Escrita

– Texto Literário

Todavia e para efeitos de edição organiza-se em três volumes, distribuídos da seguinte forma:

Volume I

Introdução

Metodologia Geral

Oralidade

Funcionamento da Língua

Bibliografia Geral

Volume II

Introdução

Metodologia Geral

Leitura e Escrita

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 9

Bibliografia Geral

Volume III

Introdução

Metodologia Geral

Texto Literário

Antologia Poética Africana

Contos Angolanos

Bibliografia Geral

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10 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

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Inúmeros estudos têm correlacionado directamente o bom domínio da língua com o sucesso escolar, a integração social, salientando ainda as suas implicações no exercício de uma cidadania activa e consciente. Sabemos que um baixo nível de domínio da língua oral e escrita compro-mete directamente o desempenho académico, porquanto este domínio é factor de sucesso nas outras disciplinas, interage negativamente com o desenvolvimento pessoal, uma vez que é a língua que fornece catego-rias para a organização do pensamento, e, consequentemente, tem refle-xos evidentes na qualificação e desempenho profissional dos cidadãos. Acrescente-se ainda que a língua é meio de comunicação e interacção social e constitui um dos suportes da tradição.

Assim, com este módulo pretende-se actualizar e consolidar aspectos estruturais e de funcionamento da Língua Portuguesa, nas suas vertentes oral e escrita, tendo sempre presente a importância do domínio da Lín-gua Portuguesa, enquanto língua de escolarização, na formação pessoal, académica e profissional dos professores.

As propostas elaboradas procuram responder às necessidades do pú-blico a que se destina, isto é, professores e estudantes de Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa das escolas do Magistério Primário em Angola.

METODOLOGIA GERAL

II

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12 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

Os conteúdos apresentados decorrem destes princípios. A proposta metodológica do módulo é que os conteúdos sejam trabalhados por for-ma a que os formandos deles se apropriem e, simultaneamente, sejam capazes de os adequar a situações pedagógicas posteriores.

A concepção das actividades teve em consideração a experiência dos formadores da Escola Superior de Educação de Setúbal e as experiências reais dos professores da Escola do Magistério Primário (EMP) de Benguela e ainda o conhecimento adquirido nas visitas a algumas escolas primárias desta província.

Os capítulos que o compõem - Oralidade, Leitura e Escrita, Funciona-mento da língua e Texto literário - foram elaborados, organizados e ex-perimentados com os formadores da EMP de Benguela e muitas das suas actividades testadas em situação de aula com os estudantes desta escola de formação de professores, ao longo de sete missões realizadas pelos seus autores para o efeito.

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O texto literário para a infância no contexto do ensino do português

1. Introdução

Contribuindo para o desenvolvimento global da criança, o texto literário faci-lita o desenvolvimento das capacidades cognitivas, uma vez que se processa em íntima articulação com o desenvolvimento afectivo.

No contexto literário, as competências linguísticas desenvolvem-se numa li-berdade construída no íntimo diálogo entre o texto e o leitor e eventualmente algum outro mediador que pode, na ocorrência, ser um educador, um professor, um colega ou um membro da família. Numa primeira abordagem, o texto literá-rio é sempre apreendido através das representações do corpo e do calor da voz.

O texto literário valoriza o indivíduo como pessoa através das leituras indivi-duais e colectivas. A sua pluralidade significativa, quer pelo vocabulário e estru-tura próprios, quer pelo valor atribuído pelos autores são espaços de acolhimen-to das sensibilidades e das interpretações individuais. A intersubjectividade e a

TEXTO LITERÁRIO

III

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14 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

aceitação de outras interpretações, proporcionadas pelas leituras colectivas, são processos que se afirmam como poderosos instrumentos para a aprendizagem dos valores da cidadania e da participação democrática.

O texto literário é um espaço de representação e produção cultural; é, nessa medida, um precioso adjuvante da construção de identidades. O texto literário convida o educando a construir, de forma crítica, a sua individualidade e a sua dimensão colectiva. O texto literário permite a construção de uma identidade solidária, reforçando as diferentes pertenças, a consciência nacional e a dimen-são regional. Contribui para a construção das solidariedades sociais e para o re-conhecimento de afinidades culturais, que ultrapassam os limites de quaisquer e de todas as fronteiras, línguas e territórios, desenvolvendo sentimentos de es-tima e respeito mútuo.

O respeito pelas diferenças, a vontade de caminhar para o outro, o gosto pela viagem, o desejo de outros espaços são outras tantas aprendizagens que estru-turam o educando e lhe reforçam o respeito por si próprio.

Se todo o texto é produto e produtor de ideologias, o texto literário é-o por mais forte razão. Porque é uma das máquinas de produção ideológica, o texto deve ser desmontado e desmistificado. A sua leitura crítica tornou-se uma práti-ca fundamental ao exercício da democracia e da liberdade enquanto partilha de responsabilidades para a construção de qualquer nação moderna e progressista.

Enquanto espaço de confluência de vários saberes e disciplinas, a leitura do texto literário reproduz o processo de conquista do real e do mundo, não se limitando à sua reprodução, mas levando à sua recriação. Nessa medida, exigirá sempre abordagens transdisciplinares e compreensivas, levando o educando a formular hipóteses complexas e globais sobre o real, sobre a sua relatividade e sobre as suas lógicas.

Enquanto objecto estético, o texto é sonho, desejo e prazer. A lógica literária ostenta os poderes da comunicação, da linguagem, da língua e do discurso em

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toda a sua plenitude. A essa plenitude alguns chamam a função poética da lin-guagem.

Com ela, o educando aprende o prazer da comunicação, do dizer e do escre-ver. Com ela, o educando aprende, com a cabeça e o coração, formas de afirma-ção colectiva e pessoal, no respeito por si e pelos outros. Com ela, o educando aprende as inesgotáveis potencialidades da linguagem, a sua capacidade de transformação, a força das metáforas e das imagens que só o pensamento ana-lógico permite. Com ela, o educando reforça as suas competências de adapta-ção, num permanente desafio ao imobilismo intelectual e à acomodação opor-tunista. Com ela, as aprendizagens são constantes renovações do mais profundo espírito revolucionário.

Por tudo quanto o texto literário constitui, pelas características formativas que apresenta, pelas relações específicas que permite, pelo seu contributo para a aprendizagem do mundo, e de cada universo cultural em particular, pelo jogo simbólico que se estrutura em torno das actividades de codificação e descodi-ficação, pelo prazer que proporciona no âmbito das trocas comunicativas, na fruição da linguagem, da palavra, da voz, da escrita e da leitura..., a sua presença nunca pode ser dissociada da aprendizagem, nem da língua materna nem de qualquer língua de aprendizagem. Qualquer aprendizagem de uma língua se-gunda ou de uma língua estrangeira que se limite à sua dimensão pragmática, procurando apenas desenvolver competências que possibilitem trocas comu-nicativas profissionais, assim como atender às necessidades de um quotidiano desprovido da sua dimensão afectiva e lúdica, sujeita-se, mais cedo ou mais tar-de, ao fracasso.

Apesar disso, a presença do texto literário, tanto no contexto do ensino da língua materna quanto no do ensino da língua segunda, deve respeitar as moti-vações, os interesses e as necessidades dos aprendizes.

Os textos “infantis” da literatura oral, tais como os que foram expressamente escritos para a infância, são os mais adequados para as aprendizagens precoces dos mais jovens. Apresentam os temas mais pertinentes, seleccionam o vocabu-lário mais adequado, as estruturas mais essenciais, os jogos de sons e de ima-gens mais cativantes e constituem poderosas máquinas para apoiar o desenvol-

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vimento da linguagem, a aprendizagem das línguas concretas e a estruturação dos discursos que ostentam.

A produção literária lusófona é, nesse âmbito, particularmente rica e possibi-lita a construção de uma identidade plural e solidária no respeito pelas diferen-ças, pelas nações e nacionalidades.

Tal como os outros saberes, a cultura literária necessita que o docente a inte-gre num espaço colectivo, interactivo e interdisciplinar, onde cada interlocutor aprenda a mover-se no respeito pelo texto, pelos outros e por si próprio.

A aproximação ao texto literário, no contexto específico deste módulo, assu-mir-se-á como uma das metodologias específicas do ensino do português en-quanto língua segunda.

As rimas infantis, as lengalengas, as canções infantis, os provérbios serão apresentadas com o intuito de desenvolver a consciência fonológica e as com-petências articulatórias dos aprendizes. O desenvolvimento dos valores semân-ticos da entoação é das primeiras conquistas de todos os processos de aquisição da linguagem. A poesia mais adequada à infância permite, pela sua simplicidade e pelas suas redundâncias, consolidar estruturas fonéticas, morfológicas e sin-tácticas, assim como reflectir sobre os jogos de produção e equivalências se-mânticas. Os contos, as lendas e as narrativas ensinam a memorizar, a resumir e a contar. Pela arte poética esboçam-se os princípios da descrição e da conquista das palavras sugestivas, assim como dos recursos que, com subtileza, expressam o fluir do tempo. Na vida, nos livros e nos textos contemporâneos com que as crianças melhor se identificam, afinam-se processos de leitura que de globais e intuitivos procuram esclarecer sentimentos, emoções e impressões. A leitura do texto literário ostenta a descodificação da escrita como a confirmação das intui-ções mais profundas. Na leitura do texto lido, o leitor reconhece o texto que por si tinha sido pressentido.

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Se algum texto tem a virtude de merecer ser lido ou escrito por uma criança é precisamente o texto das emoções e dos afectos; por isso, os textos para a in-fância encenam os dramas vitais da vida, da morte e do amor. O núcleo familiar é representado com toda a complexidade das suas relações interpessoais. As di-ferentes cores da amizade e do amor fraterno impulsionam para os sentimentos de solidariedade, de aceitação e de tolerância pelas diferenças. O respeito pelos outros e por si leva ao respeito pela terra-mãe que nos viu nascer, que nos ali-menta e que nos mata a sede: a defesa do meio ambiente é, nos dias de hoje, um dos motivos que mais aproxima as crianças de todos os povos, credos e etnias.

Costuma-se dizer que no início era o verbo, isto é a palavra em acção, a pala-vra indistinta do movimento, do espaço, do tempo e do referente, isto é a palavra motivada, a palavra mítica, a palavra poética.

É no livro da vida e nas representações da natureza que o homem aprende primeiramente a ler. A actividade da leitura é, numa primeira instância, uma prá-tica sagrada e mágica, uma vez que possibilita a descodificação do próprio mun-do. No início, a criança, tal como o homem imbuído do sagrado, necessita de ler com o seu corpo e com a sua voz, a leitura é primeiro colectiva e expressiva; só posteriormente, com a individualização, se torna solitária e silenciosa. Para uma criança, os primeiros textos que merecem ser lidos são os textos que respeitam a fase do desenvolvimento educacional em que se encontram. Os primeiros tex-tos lidos devem respeitar a estrutura do mito, do sagrado e do poético. Isto é, do texto literário.

2. Sensibilidade, emoção e linguagem poética

A leitura do texto literário no contexto do ensino-aprendizagem da língua segunda permite a construção de uma relação afectiva, emotiva e sentimental com a língua alvo. Todos já terão certamente ouvido dizer que a língua portu-guesa é uma língua de poetas. Tal afirmação não só indica o gosto e a propensão que os povos lusófonos têm para a leitura e para a escrita do texto poético mas pretende, sobretudo, sublinhar as potencialidades poéticas da língua portugue-sa, e mais ainda as características poéticas da alma e das culturas lusófonas.

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O domínio de qualquer língua passa pelo domínio dos diferentes registos dessa língua. A partilha de um determinado corpus literário reforça a identidade linguística e cultural, assim como o sentimento de pertença que está na base da estruturação de qualquer Nação, Estado ou Comunidade. Consequentemente, tornam-se claras as vantagens da abordagem do texto literário no contexto do português, língua segunda.

No conjunto das manifestações culturais e do património literário de língua portuguesa, a poesia ocupa um espaço verdadeiramente privilegiado. A poesia, enquanto dimensão do real, expressa-se na música, na dança, na pintura, na es-cultura, etc. Um olhar ou um gesto, tal como a representação de uma paisagem, podem expressar uma sensibilidade poética. Determinados acontecimentos, factos, coisas e palavras suscitam determinadas emoções e sensibilidades poé-ticas que variam nos seus efeitos e nas suas manifestações de indivíduo para indivíduo, de época para época, de sociedade para sociedade.

A dimensão poética não se limita à criação artística mas é sobretudo na cria-ção literária que ela encontra a sua forma de expressão privilegiada. A actividade poética no seu contexto literário caracteriza-se por recursos verbais, rítmicos e estilísticos. As sonoridades, as palavras e as estruturas linguísticas, relativamente arbitrárias na linguagem denotativa do uso quotidiano da língua, ganham uma motivação puramente estética, uma dimensão polissémica, sentidos conotati-vos que recriam as regras da língua e da própria linguagem. Este jogo tem como objectivo a procura do belo, do bom e do prazer.

As crianças são introduzidas neste mundo pelas toadas encantatórias das cantigas de embalar ou de nanar (Vai te embora papão…/ O meu menino é de oiro…), pela musicalidade dos versos infantis (mão morta, mão morta… vai ba-ter àquela porta), pelas lengalengas (Rei, capitão, soldado, ladrão…/ O tempo perguntou ao tempo, quanto tempo o tempo tem…/ O rato roeu a rolha da gar-rafa de rum do rei da Rússia…) e pelos jogos e canções populares:

“Lagarto pintado

Quem te pintou?

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Foi uma velha

Que aqui passou.

No tempo da eira,

Ó que poeira

Puxa lagarto

Por esta orelha!”

“Papagaio louro

De bico dourado,

Leva-me esta carta

Ao meu namorado.

Ele não é frade

Nem homem casado.

É rapaz solteiro

Lindo como um cravo.”

“Que linda falua, que lá vem, lá vem, é uma falua, que vem de Belém.

Eu peço ao Senhor Barqueiro que me deixe passar, tenho filhos pequeninos não os posso sustentar.

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20 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

Passará, não passará, algum deles ficará, se não for a mãe à frente, é o filho lá de trás.”

A linguagem poética tem as suas regras assentes em associações, em combi-nações e em disposições de palavras, de sons e de ritmos que adquirem senti-dos e significações próprias no interior da individualidade de cada texto. O acto poético no contexto literário consiste na actualização dos recursos específicos da função poética da linguagem. Se é verdade que a linguagem poética corres-ponde a uma procura do belo, se é verdade que ela procura penetrar os segre-dos mais íntimos da existência e do mundo, não é menos verdade que, antes de mais, ela visa o prazer dos sentidos: dizer e escutar os sons e as vozes, do espírito e do corpo, implicados no movimento perpétuo da vida e da poesia.

Podemos distinguir fundamentalmente três tipos de recursos poéticos: os recursos formais, os recursos de sentido e os recursos de forma e de sentido. Na linguagem poética, qualquer característica formal está intimamente relacionada com o sentido.

Os recursos formais manifestam-se essencialmente a nível do som e da dis-posição gráfica. Os efeitos sonoros podem incidir sobre a rima, a repetição, a assonância (repetições de vogais), a aliteração (repetições de consoantes) e a aproximação de parónimos (palavras foneticamente vizinhas e semanticamente diferentes).

Os recursos de sentido consistem na aproximação ou na associação inespe-rada de palavras e conceitos com maior ou menor estranheza, procurando desta forma uma exploração original e criativa das potencialidades linguísticas da am-biguidade sob todas as formas, da sinonímia, assim como de todas as violações de sentido propriamente ditas:

“Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor

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Imagino Irene entrando no céu:

- Licença, meu branco!

E São Pedro Bonacheirão:

- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.” (Manuel Bandeira)

“Quem quiser ofender-me não me chame de burro

Quem quiser ofender-me não seja tão amável!

Quem quiser ofender-me inventa outra palavra

Porque chamar-me burro lembra-me burro mesmo

E não posso magoar-me com simpatia.” (Mutimati)

“Mãos Zimbabwe ao largo do indico das pandas velas

Mãos Mali do sono dos historiadores da civilização

Mãos Songhai episódio bolorento dos Tombos

Mãos Ghana de escravos e oiro só agora falados

Mãos Congo tingindo de sangue as mãos limpas das virgens

Mãos Abissínia levantadas a Deus nos altos planaltos:

Mãos de África, minha bela adormecida, agora acordada pelo relógio das balas!”

(Francisco José Tenreiro)

Estes exemplos ilustram determinadas “ousadias” formais, uma recriação das regras gramaticais, uma pesquisa de todas as potencialidades da língua para di-zer o indizível. É neste trabalho sobre a língua e nesta pesquisa sobre as suas potencialidades afectivas e referenciais; é na valorização da dimensão estética da mensagem, dos seus mecanismos de construção; é na exploração de toda a sua riqueza semântica, de toda a sua capacidade conotativa que reside a sua

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22 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

função poética. A função poética da linguagem afirma assim, antes de mais o seu carácter polissémico ou plurisignificante.

Esta pesquisa pode recorrer a alguns “desvios” gramaticais para construir no-vos sentidos, explorando deste modo semelhanças sonoras, rítmicas e semânti-cas.

Exemplo: O poema “Mãos” exibe uma musicalidade e um ritmo produzido em grande parte pela repetição anafórica da palavra “Mãos” e pela sua dimensão es-trófica inusitadamente longa. Trata-se de reproduzir uma das características da musicalidade típica das culturas africanas que reside no ritmo dos instrumentos de percussão, tambor, batuque, tam-tam, etc. Os elementos semânticos contri-buem todos para a valorização, também ela, das realidades culturais africanas, das suas produções, dos seus gestos e dos seus actos condensados na expressi-vidade poética das mãos e da sua capacidade criadora.

O texto literário e o texto poético, em particular, criam a sua própria lingua-gem e as suas próprias normas, construindo uma relação motivada, isto é, muito íntima entre o significante e o significado. Os seus sentidos são o produto das relações complexas que conseguem estabelecer entre a sua dimensão semân-tica e as suas estruturas formais, gramaticais, rítmicas e sonoras. É esta relação motivada entre forma e sentido que distingue a linguagem poética da lingua-gem corrente:

“Só tambor noite e dia

dia e noite só tambor

até à consumação da grande festa do batuque!

Ó velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor

só tambor!” (Francisco José Tenreiro)

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3. O acto poético e a conotação

O poema repousa sobre o processo fundamental da conotação pelo qual uma palavra se torna, em determinado contexto, significante de um outro signi-ficado: conservando o seu sentido denotativo, ela adquire uma nova dimensão semântica e simbólica. O texto poético não se distingue nem por palavras es-peciais, raras ou cultas, nem por um vocabulário próprio, mas sim pela expressi-vidade das palavras mais comuns e usuais. A polissemia da linguagem poética reside na sua dimensão afectiva e nas suas conotações culturais. É essa caracte-rística que permite acolher a subjectividade do leitor e que não prescinde dela para encontrar toda a sua pujança. O leitor é convidado a ser, de forma activa, o co-autor do texto lido em função, dos seus gostos, da sua sensibilidade e da sua cultura.

4. A pesquisa poética e a activação da função poética da linguagem

A função poética pode ser activada sempre que as palavras, formas e estru-turas encontrem, por processos diversos, novas significações ou significações que, no uso do quotidiano, estejam esquecidas ou desaparecidas. As palavras, as formas e as estruturas tomam novos valores consoante os seus textos e os seus contextos. As palavras adquirem novos valores nos contextos menos habituais e insólitos:

“Tenho rios vermelhos e quentes na minha dimensão física,

rios remotos, remotos como eu.” (Manuel Lima)

As figuras de estilo são as marcas mais visíveis da pesquisa e do trabalho poé-tico. Estas figuras giram em torno da materialidade do significante ou em torno das formas do pensamento. Outros agrupam o conjunto das figuras poéticas em torno de três processos cognitivos: a comparação, a associação e o contraste. Parece-nos que algumas destas figuras do pensamento são especialmente im-portantes no desenvolvimento da linguagem e das estruturas do pensamento da criança: a personificação, a metáfora, a comparação, a imagem e a metonímia

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pelas suas capacidades de associação e de expressão dos conceitos simbólicos.

5. Algumas figuras do pensamento

- Personificação – Atribuição de qualidades, atitudes e impulsos humanos a seres inanimados e animais irracionais:

“Mas olha o céu estrelado

E de repente sorri.

Parece-lhe que cada estrela

É uma mão acenando

Com simpatia e saudade... ” (Aguinaldo Fonseca)

- Comparação – Aproximação entre dois termos ou expressões, através de uma partícula comparativa, levando à compreensão mais profunda do primeiro elemento:

“A minha alma está neles,

líquida e sonora

como a água entre o quissange das pedras,

o anoitecer nas fontes.” (Manuel Lima)

- Metáfora – Comparação abreviada pela omissão do primeiro termo e da partícula comparativa:

“E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,

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jarra etrusca, exotismo tropical,

demência, atracção, crueldade,

animalidade, magia...

e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.” (Noémia de Sousa)

- Imagem – A imagem dá-nos uma visão mais larga e complexa que a com-paração e que a metáfora. Chega a ser constituída por um encadeamento de metáforas e comparações mas antes de mais define-se pela relação entre as pa-lavras num mesmo conjunto. Os efeitos criados por elas variam bastante, indo do lugar-comum, à descoberta de novos valores expressivos e significados. O lugar-comum que, na maior parte das vezes, é entendido de forma pejorativa designando imagens “convencionais” e “vulgares”, constitui, quando descoberto pela primeira vez por uma criança, uma importante conquista no domínio da cognição e da linguagem poética.

- A metonímia – Referência à parte pelo todo ou atribuição de um nome di-ferente a determinada realidade ou conceito baseada na existência de relações analógicas (causa - efeito, continente - conteúdo, acção - agente…):

“Mãos que moldaram em terracota a beleza e a serenidade do Ifé.

Mãos que na cera perdida encontram o orgulho perdido do Benin.” (Francis-co José Tenreiro)

O trabalho poético, a pesquisa sobre as virtualidades expressivas da lingua-gem é o elemento gerador do sentido mais profundo deste texto.

6. Algumas figuras de palavras

A dimensão musical da língua é particularmente importante no contexto li-terário em geral, na poesia em particular e muito mais o será no espaço africano

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onde as culturas e as línguas se distinguem por uma musicalidade muito pro-nunciada e bastante expressiva.

O prazer obtido pela dimensão sonora e musical da língua não se limita ob-viamente ao contexto da literariedade, embora encontre no texto literário e na poesia em particular a sua expressão máxima.

Algumas das figuras que caracterizam a exploração dos recursos musicais da língua e a pesquisa sobre as suas capacidades expressivas parecem-nos espe-cialmente pertinentes no processo do desenvolvimento da linguagem, assim como na construção da percepção gramatical:

- Aliteração — Repetição sensível do mesmo som consonântico:

“Lá no Água Grande a caminho da roça

negritas batem que batem co’a roupa na pedra.

Batem e cantam modinhas da terra.” (Alda do Espírito Santo)

- Assonância – Repetição sensível da mesma vogal:

“na noite de breu.

ao quente da voz

de suas avós.

meninos se encantam

de contos bantos...” (Viriato da Cruz)

- Onomatopeia – Repetições de sons, com o objectivo de imitar os próprios

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ruídos. As palavras exibem a sua matéria sonora e a sua relação com o que re-presentam:

“baque no peito

corrida

ziguezague

estertor

e trás!” (Rui Bueti)

Estes processos reforçam a coesão melódica e provocam sensações variadas, permitindo uma exploração mais íntima dos recursos afectivos da língua e uma maior “motivação poética” entre o significante e o significado:

“Cantando caju ou manga,

maboque, ananás, mamão.

Alta e Baixa de Luanda,

o Muceque e Sambizanga

reconhecem-lhe o pregão.” (Maria Eugénia Lima)

7. Melodia sugestiva e ritmo

No contexto literário, os sons combinam-se de um modo musical para maior sugestão. Esta melodia constitui uma das formas do prazer poético e não reen-via directamente para nenhum sentido, nem para nenhuma sensação precisa. É uma das formas de dizer o indizível e o seu uso é quase exclusivamente literá-rio. Um dos elementos que melhor caracteriza a linha melódica é precisamente o ritmo. O prazer poético está bastante dependente da sua fruição. O ritmo é

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construído, antes de mais, pela repetição de determinados fenómenos sonoros, pela pontuação, pelos acentos gramaticais e expressivos e pelas suas articula-ções lógicas. A poesia e a canção recorrem, em primeira instância, a tais recursos. As técnicas de versificação são, na prática, uma das explorações dos recursos rítmicos, consubstanciada nos jogos silábicos, nas rimas, na dimensão estrófica e no agrupamento e disposição dos versos. A dimensão melódica e rítmica da língua não se limita, de nenhuma forma, ao texto literário e pode ser desenvolvi-da em outros contextos e em outros textos em que se joga com a língua e com as palavras: provérbios, slogans, adivinhas, etc. Esse jogo não obedece apenas a intencionalidades estéticas mas também persuasivas (política e publicidade), pragmáticas (provérbios e ditos), humorísticas (anedotas, lengalengas, trava-lín-guas…) Na linguagem infantil, este jogo é quotidiano, muitas vezes espontâneo e inconsciente:

“Eu

moro

na minha mãe.” (Tiago, 2 anos)

“Trouxe-te

um beijo…

no bolso.” (Pedro, 3 anos)

“O magusto

é a festa de Carnaval

das castanhas.” (Filipe, 4 anos)

“O vento

bate as asas

quando chega

a Primavera...” (Vera, 4 anos)

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O ritmo literário é sempre uma das representações do movimento regular que está presente em todas as formas da experiência humana: ritmos cósmicos (dia/noite, estações do ano); ritmos biológicos (dormir/acordar); ritmos sociais (trabalho/descanso); ritmos psicológicos (alegria/tristeza); ritmos físicos (veloci-dade/lentidão); etc.

8. O texto literário para a infância e os seus conteúdos

Não há assuntos poéticos, privilegiados ou específicos. Se toda a realidade pode ser assunto para a literatura e para a poesia em particular, nem toda a reali-dade se inscreve na literatura para a infância com a mesma pertinência.

Tal como uma época, uma corrente, um movimento, um autor podem ter te-mas específicos, a literatura para a infância define-se antes de mais pela sua ade-quação ao seu destinatário específico que é a infância. Tal como a linguagem, os temas devem ser apropriados ao seu desenvolvimento linguístico, afectivo e cognitivo. Os temas também estão dependentes da sua pertinência formativa, cultural e política. Alguns dos temas literários para a infância, mais pertinentes na maior parte dos contextos culturais, são as questões que dizem respeito à construção da identidade e da auto-estima, à sociabilização, à família, à relação interpessoal, ao respeito pelos outros, à protecção da natureza e do meio am-biente, à valorização do trabalho e do estudo, à valorização do património cul-tural, da história pátria e do imaginário colectivo. Para além das suas intenções culturais e estéticas, a expressão dos sentimentos é uma das características do texto poético que contribui para a resolução dos conflitos interiores e para a compreensão de si: a alegria, a angústia, o sofrimento, a solidão, a amizade e o amor, o sentimento religioso, moral e cívico.

9. Temas contemporâneos

A diversidade da produção literária contemporânea para a infância relaciona--se com a história política e cultural de cada povo. Cada época, cada cultura e

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cada meio privilegia certos temas que assumem dimensões simbólicas com car-gas emocionais diferenciadas. Os temas que reforçavam o espírito de obediência passiva, a submissão, a falta de espírito crítico e o individualismo tiveram a sua época. Vieram depois os temas que reforçavam a solidariedade, a autonomia, o trabalho colectivo, o respeito pelo meio ambiente, a liberdade individual e os valores cívicos. Hoje, temas como as novas estruturas familiares, a xenofobia, a ecologia, a solidão, a droga e o sexo começam a fazer cada vez mais sentido. As opções e as evoluções políticas, culturais e sociais, sempre condicionaram a va-riação temática proposta ao adulto, ao adolescente e até à criança.

10. Ensinar literatura

Tal como acontece com qualquer texto oral ou escrito, o texto literário pode ser interpretado de maneiras diferentes. A diferença é que o texto literário per-mite e exige uma multiplicidade de leituras que se completam e se enriquecem mutuamente, acolhendo por vezes interpretações contraditórias cuja única fun-ção é a de afirmar novos sentidos e o seu princípio polissémico.

O aluno necessita de adquirir os conhecimentos elementares sobre as carac-terísticas da linguagem literária. A dimensão poética e as noções de literarieda-de, de poesia, de prosa, de texto dramático e de texto narrativo conquistam-se no acto da leitura, da interpretação e da partilha de experiências. As noções so-bre análise de texto narrativo podem ser úteis no estudo da poesia, tal como as noções de poeticidade podem ser úteis para a interpretação do texto literário e dramático.

A emoção e a sensibilidade poéticas não se ensinam mas desenvolvem-se, pertencem à experiência íntima, são pessoais e intransmissíveis. Podemos to-davia tentar explicitar essas impressões e sensações e podemos tentar reflectir sobre os elementos que as provocam. Podemos tentar compreender a organiza-ção de um discurso, os seus elementos constitutivos e as suas lógicas específicas. Podemos descrever as suas estruturas e as emoções que provocam. Qualquer aluno é capaz de interpretar, descrever, analisar, isolar elementos e até brincar com os diferentes elementos constitutivos de forma a inovar e a experimentar o prazer da escrita criativa.

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Qualquer abordagem passa sempre pela identificação das suas marcas de enunciação (autor, época, destinatários), da sua relação com o contexto (con-texto histórico, cultural, intertextual), do seu jogo de associações e oposições fónicas, estruturais e semânticas.

11. Algumas estratégias para o desenvolvimento do domínio da lingua-gem literária

O texto narrativo deve antes de mais ser apreciado na sua forma oral. Os mi-tos, os contos, as fábulas e as lendas tradicionais envolvem a criança numa at-mosfera simultaneamente estranha, familiar e mágica. Convidem-se contadores e familiares que possuam o dom do saber contar. Peça-se à criança que ilustre um conto ou uma lenda contado por um dos anciãos. Convidem-se as crianças a contar e a escrever pequenas fábulas.

O texto narrativo presta-se para consolidar o pensamento sequencial e as re-lações de causalidade. As sequências de imagens e as bandas desenhadas são excelentes contributos para levar as crianças a produzir histórias.

As primeiras aproximações ao texto poético fazem-se pelos jogos e rimas infantis. Levem-se os alunos a coleccioná-las como se de cromos se tratasse. Organize-se uma listagem de provérbios por temas. Exercite-se a memória e desenvolva-se o prazer lúdico com todo o tipo de versos “aqui e acolá” e deixe-se a imaginação à solta: “Voa, voa Joaninha…”

A poesia é uma das formas literárias privilegiadas para o estudo e para a ex-perimentação das características expressivas da linguagem e permite uma práti-ca pedagógica criativa em torno de diversas formas de expressão verbais e não verbais, orais e escritas, lúdicas, dramáticas e teatrais, permitindo o desenvolvi-mento do imaginário.

Propostas gerais de trabalho a desenvolver tanto com os alunos da Escola do Magistério Primário, quanto com os alunos da Escola Primária:

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1. A leitura expressiva

Convidar os alunos a ler ou a dizer textos com ritmo e com emoção, acompa-nhando com mímica, gestos e movimentos.

2. Os jogos de palavras

- Aplicar metáforas e comparar diferentes partes do seu próprio corpo com elementos da natureza (Os olhos são os espelhos da alma).

- Experimentar o valor da metáfora a partir da definição de sentimentos (Amor é fogo…)

- Aprender a expressar as sensações, as cores, os cheiros, os gostos, as impres-sões e os sentimentos com termos de comparação, distinguindo os lugares das comparações originais:

“A noite

A noite é um campo

semeado de estrelas

sem árvores

sem belezas

apenas a rosa

brilhante

cintila no céu escuro.” (António Manuel in Meneres, 1999, 60)

3. Actividades de produção e de reprodução

- Relacionar palavras sugeridas aleatoriamente. Cada aluno sugere uma ou várias palavras. Todas são escritas no quadro, numa ordem aleatória. Depois,

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cada um cria um texto em prosa ou em poesia tentando utilizar o maior núme-ro possível de palavras sugeridas. (Também pode criar um texto narrativo, um conto ou uma história de ficção a partir da sugestão de personagens, espaços e momentos do ano ou do dia).

- Aprender a expressar os seus sentimentos através de uma estrutura imposta ajuda os alunos a desenvolver a expressão escrita e a ultrapassar facilmente as suas dificuldades ortográficas e gramaticais.

- Ler e completar textos narrativos. Propor alternativas diferentes para o fim dos mesmos.

12. Fichas de trabalho para desenvolver as competências de leitura e produção do registo literário dos alunos da Escola do Magistério Primário

12. 1. Trabalho individual:

12.1.1. A Comparação e a Sinestesia

Associar à sua pessoa um tributo evocando uma cor, um sabor, um cheiro, uma sensação, um ritmo ou um som e compare-se a um elemento que lhe evo-que Angola. “Eu sou … como …”.

12.1.2. A Metáfora e a Imagem

Descrever o quadro natural que mais o/a impressionou ultimamente no me-nor número possível de versos/frases. Substitua em seguida as referências ao elemento natural dominante ou ao espaço referido por uma ou várias partes do seu corpo e depois por um ou vários sentimentos.

Ex:

O sol incendiou o mar

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O sol incendiou-me a pele

O sol incendiou-me a vontade.

12.1.3. Aliteração e a Assonância

Escrever o seu nome na vertical. Cada letra constitui o início de um verso de um poema com ou sem rima. Tente repetir o máximo possível as sonoridades do seu nome. O tema é: “Os meus sonhos”.

12.2. Trabalho em grupos de 3:

12.2.1. Poema Colorido

- Um participante escolhe um espaço (ex; o mar), outro um momento do dia (ex; o anoitecer), outro um conjunto de três cores sem que cada um tenha co-nhecimento da escolha dos outros.

- Escreve-se uma primeira estrofe (terceto) com estes três elementos em que o último verso seja composto exclusivamente pelas cores.

- Cada participante selecciona um elemento sugerido pela primeira estrofe (gaivotas, ondas …) e um elemento espacial mais específico relacionado com o novo elemento (o céu, a praia …) e escreve uma nova estrofe, incluindo estes elementos e terminando sempre com a repetição do verso que refere as cores.

- Em grupo, organiza-se a ordem das estrofes escritas individualmente e pro-cede-se a uma expansão de texto.

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12.3. Trabalho em grupos de 4/5 ou mais elementos:

12.3.1. Após o Vendaval

- Escreve-se uma palavra/tema no centro de uma cartolina (Angola). Cada participante escreve um grupo de palavras (substantivos e adjectivos) que asso-cia à palavra/tema, utilizando cores diferentes.

- Cada participante escreve um texto, o mais sucinto e coerente possível, limi-tando-se apenas aos substantivos e adjectivos referidos.

- O grupo tenta redigir um texto poético que integre a maior quantidade possível de produções individuais, guardando uma grande coerência e coesão textual.

12.3.2. A Partilha Criativa

Cada grupo constituído por 4/5 pessoas selecciona as produções realizadas pelos seus elementos durante o trabalho e prepara a sua apresentação da forma mais criativa possível (leituras expressivas, dramáticas, representações com ce-nários, suporte sonoro, …).

12.4. Os alunos, em grupo, adaptarão o maior número possível das propostas de trabalho apresentadas anteriormente para poder aplicá-las no contexto da Escola primária.

Ex: A linguagem poética

Cada aluno produz um conjunto de cartões com vários temas, verbos, sintag-mas nominais com função de sujeito e de complemento directo, complementos circunstanciais de tempo, modo e lugar. Tiram à sorte um dos cartões de cada uma destas categorias e utilizam-nos completando-os de forma a criar alguma

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surpresa nos leitores:

Tema: a mata

Verbo: sonhar

Sujeito: o leão

Complemento circunstancial de tempo: durante a chuva

Frase: Na mata, o leão sonha com as estrelas durante a chuva.

13. Fichas de trabalho para desenvolver as competências de leitura e produção do texto literário narrativo de tipo tradicional dos alunos da Es-cola de Magistério Primário e das Escolas Primárias.

Vamos contar contos:

O conto é uma narrativa breve que pode apresentar os mais variados prota-gonistas (heróis, animais, fenómenos naturais, gente comum,…) com caracterís-ticas temáticas e formais muito especiais:

• A história, enquanto unidade narrativa, com um início, um meio e um fim, é em si mesma garante de motivação, de compreensão e de memorização.

• O conto contribui para a resolução dos conflitos inerentes ao crescimen-to e à sociabilização.

• Os protagonistas correspondem à materialização das mais elementa-res e poderosas oposições presentes nas forças da natureza e nos dramas da existência humana.

• O tema pode se apresentar numa das suas expressões mais densas, por vezes resumido num provérbio.

• A lição do conto corresponde, geralmente, a um tópico da sabedoria universal.

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13.1. Com os alunos da Escola do Magistério Primário

1. - Organizar uma antologia de contos tradicionais, identificando a sua ori-gem geográfica com um índice temático e um dicionário com as palavras des-conhecidas (tanto das palavras portuguesas, como das palavras das diferentes línguas de Angola).

2. - Organizar uma antologia de fábulas com diversas origens e versões.

3. - Identificar um conjunto de personagens, identificando a sua função social e fazendo a sua caracterização física e psicológica.

4. - Identificar um conjunto de espaços bem diferenciados tanto do ponto de vista natural, quanto do ponto de vista social, caracterizá-los e procurar o seu significado.

5. - Identificar os objectos mágicos das diferentes culturas tradicionais africa-nas e pesquisar contos em que eles desempenham uma função determinante. Pesquisar o seu significado simbólico, identificando constelações de elementos a eles associados (espaços, acções, objectos, características, ideias, …)

6. - Identificar um conjunto de verbos especialmente relevantes nos contos tradicionais africanos. As acções são expressas por verbos. Os contos articulam várias acções, logo vários verbos. Tentar encontrar uma hierarquia, tendo em conta a frequência e a força que cada um apresenta. Referi-los pela sequência que vos parecer mais lógica e mais habitual no conjunto dos contos tradicionais.

7. - Fazer uma lista das expressões utilizadas para iniciar e para terminar um conto.

8. - Fazer uma lista de outras expressões linguísticas, recorrentes e específicas dos contos tradicionais.

9. - Constituir uma mala pedagógica com materiais elaborados pelos forman-dos, de preferência a partir de materiais reciclados (cartas, fotografias, recortes, colagens, pequenas esculturas, máscaras, fantoches, marionetes …), ilustrando algumas das personagens, dos espaços, dos objectos, das acções e dos verbos identificados.

13.2. Com os alunos da Escola Primária

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13.2.1. Com os alunos que estão a iniciar o processo de escolarização

1. - O professor conta um conto e, simultaneamente, incentiva os alunos a construírem o conto que vai contando, interrompendo e questionando os alu-nos.

2. - O professor entrega um conjunto de ilustrações dos diferentes momentos do conto e pede aos alunos que as ordenem por ordem cronológica.

3. - O professor pede aos alunos que façam desenhos dos protagonistas e dos locais referidos.

4. - O professor organiza uma representação do conto (teatro, fantoches…).

5. - O professor organiza um pequeno debate de opinião sobre os valores representados e sobre as qualidades e características dos protagonistas.

13.2.2. Com os alunos que já dominam a leitura e a escrita

- O professor entrega aos alunos, em pequenos grupos ou individualmente, diferentes materiais para exercitar as competências de organização textual, re-sumo e desenvolvimento:

1. - O professor fornece alguns dados tais como: personagens e espaços e solicita aos alunos que inventem uma história com ou sem um determinado fim.

Exemplo:

Personagens e sua caracterização:

- O leopardo Nebr, rei dos animais da floresta, doente, faminto e falso e o seu filho Shabeel seu representante;

- A gazela, pequena, desconfiada e esperta;

- O porco-espinho, lento e corajoso;

- Os restantes animais submissos, obedientes, incautos mas reconhecidos.

Espaço:

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 39

A floresta e a casa de Nebr;

2. - O professor fornece um embrião de história, com uma peripécia ou um conjunto de peripécias e solicita aos alunos que imaginem um conto.

Exemplo:

Peripécia

O leopardo faminto finge-se de moribundo e pede ao filho para con-vocar todos os animais para lhe prestarem uma última homenagem a fim de os poder devorar com o mínimo de esforço. Os primeiros a chegar foram mortos, alguns devorados, mas a pequena gazela suspeitou da armadilha e aconselhou os outros animais a esconderem-se. Pela sua lentidão, o porco-espinho não con-seguiu esconderijo longe do leopardo mas foi aconselhado pela gazela a escon-der-se num pequeno buraco, mesmo junto ao leopardo para o picar e assim o desmascarar.

3. - O professor fornece um conjunto de trechos de um conto (completo ou incompleto) para que os alunos o organizem e o completem de forma cronoló-gica.

Exemplo:

A.

O Leopardo

Um dia, o leopardo Nebr teve fome e logo pensou numa forma de en-contrar comida, e da maneira mais fácil. Para isso, apressou-se a pedir ao seu filho Shabeel, que espalhasse pelas redondezas que, ele, Sua Alteza, o Rei da Floresta, se encontrava muito doente.

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B.

E assim foi feito! Um pouco por todo o lado começou-se a ouvir o seguinte anúncio:

- O leopardo Nebr, nosso chefe, está a morrer. Todos os animais devem ir visitá-lo.

A pouco e pouco, alguns animais começaram a chegar a casa de Nebr, que ao pressenti-los, deitou-se, fechou os olhos e fingiu-se de morto.

Não demorou muito, para que os cânticos fúnebres começassem a circu-lar:

- O nosso Rei morreu, morreu. Que tristeza a nossa!

C.

Depois de Shabeel ter trancado as portas, Nebr levantou-se de repente e ma-tou todos quantos se encontravam na sua casa, comendo uns e guardando outros, para mais tarde se refastelar.

D.

Passado mais algum tempo, chegaram outros animais, para prestar as suas condolências. Entre eles, vinha a gazela, acompanhada do porco-espinho. Desconfiada, reuniu todos os presentes e contou-lhes das suspeitas que tinha sobre estarem a cair numa armadilha do leopardo. Como forma de precau-ção, decidiram procurar um lugar para se esconderem, caso fosse necessário. Todavia, só o porco-espinho é que não conseguiu encontrar um esconderijo. É então, que a gazela, espreitando para dentro da casa de Nebr, teve a seguin-te ideia:

E.

- Porco-espinho, tu vais devagarinho esconder-te naquele buraco que está perto do leopardo.

E assim foi! O porco-espinho dirigiu-se para junto de Nebr, o qual continuava

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 41

a fingir estar morto. Primeiro, espetou os espinhos devagarinho e nada acon-teceu. O leopardo parecia estar mesmo morto! Foi então que decidiu cravar com mais força e Nebr, não conseguindo aguentar as dores por mais tempo, levantou-se e começou a correr atrás do seu agressor.

F.

Todos se esconderam, enquanto o leopardo ficava cada vez mais furioso. Face a esta situação, a gazela cantarolou:

- O leopardo é o Rei da Floresta pela sua força e não pela esperteza!.

E os outros animais repetiram em coro:

- Devemos a vida à pequena e esperta gazela. A ela devemos a vida!

4. – O professor fornece um conto integral por escrito e solicita a um aluno que o memorize para o contar aos outros

5. - O professor fornece um conto integral por escrito e solicita a um grupo que desenvolva os diálogos e o represente (teatro fantoches…)

6. – O professor fornece um conto integral por escrito e solicita a um aluno ou a um grupo que identifique as suas diferentes peripécias ou os seus diferentes momentos e que redija uma nova versão abreviada ou em versos.

Fábulas, provérbios e valores

Propostas de trabalho para os alunos da Escola do Magistério Primário

1. - Apresentar uma definição de provérbio.

2. - Apresentar uma fábula para cada um (ou para apenas um) dos provér-bios seguintes, identificando a sua origem geográfica.

3. - Compor uma fábula original para ilustrar um dos provérbios apresenta-dos.

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Provérbios portugueses

“Quem não trabuca não manduca“

“Quem tudo quer, tudo perde“

“Devagar se vai ao longe“

“Quem muito fala, pouco acerta”

“Quem te avisa, teu amigo é”

“Quem desdenha, quer comprar”

“Não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti “

“Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”

“O que verga não quebra”

“Dá Deus nozes a quem não tem dentes”

“Mais vale pobre e honrado do que rico e deformado”

Provérbios angolanos

O que ensina a companhia é superior ao que ensina a escola.

O macaco só vê o rabo do outro.

Quem muito pergunta, não come veneno.

O que cresce por fora no tubérculo, já estava lá dentro.

4. - Separar os valores sociais positivos dos valores sociais negativos. Em se-guida, apresentar uma história (ou um conjunto de histórias, contos ou fábulas) em que estes valores estejam em oposição:

• a cobiça

• a astúcia

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• o desprezo

• o trabalho

• a vaidade

• a persistência

• a coragem

• a solidariedade

• o desrespeito

• a ignorância

• a humilhação

• a liberdade

• a adaptabilidade

• a inveja

• a traição

• a generosidade

• a gratidão

• a inteligência

• a perspicácia

• a segurança

• a cobardia

• a independência

• a tirania

• a insegurança

5. - Substituir, em cada provérbio, a palavra animal por um dos animais se-guintes (a raposa, o cão, o pardal, o lobo, a ovelha ou o leão) ou um outro com

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44 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

uma conotação semelhante. Em seguida, proceder às outras transformações frá-sicas necessárias tendo em conta as concordâncias.

Por exemplo:

- A manha do animal com manha se vence.

- A astúcia do animal é preferida à força do poder.

- Consegue o animal o que o animal não alcança.

- A fome faz sair o animal do mato.

- Tolo é o animal que se confessa ao lobo.

- Entrada de animal saída de sendeiro.

- O animal não caça animais.

6. - Fazer corresponder a cada fábula um dos provérbios apresentados e es-crever, para uma delas, uma versão original, comparando-a posteriormente com uma das versões que o professor fornecerá:

A cigarra e a formiga

O corvo e a raposa

A raposa e as Uvas

O lobo e o cordeiro

A lebre e a tartaruga

A Rã e o boi

“Mais vale calar o bico e encher a pança”

“Quem tudo quer tudo perde”

“Quem não trabuca não manduca”

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 45

“Devagar se vai ao longe”

“São verdes, não prestam”

“A lei do mais forte é sempre a que prevalece”

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46 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

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BURRO

Vejam o burro, Camaradas

Esta zebra pequena vestida de lama bonita fofa

Tem quatro pernas de andar aos saltinhos

Duas orelhas ouvidouras de ouvir tudo bem

Dois olhos espertos cheios até às lágrimas de paciência

O nariz do focinho muito fresco e macio.

O burro é burro, Camaradas?

Quem diz que é burro e despreza este companheiro?

Quem quiser ofender-me não me chame de burro

ANTOLOGIA POÉTICA AFRICANA

IV

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48 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

Quem quiser ofender-me não seja tão amável!

Quem quiser ofender-me inventa outra palavra

Porque chamar-me burro lembra-me burro mesmo

E não posso magoar-me com simpatia.

Não estou a defender o amigo útil somente

Não estou a pensar bem deste que faz o meu esforço e puxa

Não penso que ele me ouve tudo e puxa mais forte assim.

Há coisas deste companheiro para pensar melhor e espalhar.

Falo agora somente só de simpatia.

MUTIMATI

MOÇAMBIQUE

SERÃO DE MENINO

Na noite morna, escura de breu,

enquanto na vasta senzala do céu,

de volta das estrelas, quais fogaréus.

os anjos escutam parábolas de santos...

na noite de breu.

ao quente da voz

de suas avós.

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 49

meninos se encantam

de contos bantos...

“Era uma vez uma corça dona

de cabra sem macho...

................................................

... Matreiro, o cágado lento

tuc... tuc... foi entrando

para o conselho animal...

(.. - Tão tarde que ele chegou!..)

Abriu a boca e falou deu a sentença final:

.. - Não tenham medo da força!

Se o leão o alheio retém

- luta ao Mal! Vitória ao Bem!

Tire-se ao leão, dê-se uma corça.»

Mas quando lá fora

o vento irado nas frestas chora

e ramos xuaxalha de altas mulembas

e portas bambas batem em massembas

os meninos se apertam de olhos abertos:

- Eué

- É casumbi..:

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50 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

E a gente grande

bem perto dali

feijão descascando para o quitende -

a gente grande com gosto ri...

Com gosto ri, porque ela diz

que o casumbi males só faz

a quem não tem amor, aos mais

seres busca em negra noite,

essa outra voz de casumbi

essa outra voz - Felicidade...

VIRIATO DA CRUZ

ANGOLA

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 51

O FERRO

Como se faz o ferro perguntou-me agora esta criança pequena

Que é um pastor de cabritos e há-de ser homem

E há-de ser um homem melhor se sabe do ferro

Com coragem de ferro e um coração generoso.

Expliquei-lhe mal porque só sei o que vi

E ninguém me falou nunca mais completo.

Menino: Há uma pedra de ferro que vem da Terra

Há outra pedra carvão que vem da Terra

Faz um forno de Terra como uma cabeça redonda

E no lugar de cabelos põe canudos de Terra

Com dentro pedra de ferro bem apertada

E enche aquela cabeça de boca pequena

Com pedras carvão da Terra, bem apertadas.

Casa toda esta Terra de sorrisos diferentes

Com o Fogo macho acendido na manhã baixa

Com o Padrinho Ar de Fole sempre a dizer piadas

E a Madrinha Agua Pouca esperando

Para dizer a sua sentença importante.

O ferro é o que fica da boda dos quatro elementos Por isso o ferreiro é um Ho-

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52 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

mem sábio

Faz a enxada, faz a machada, faz faca.

Com a semente de ferro que semeou

Planta e colhe nesta especial Agricultura

Come um pão de ferro que faz o coração generoso

O Ferreiro, este camponês especial

Menino.

Quanto tempo mais vai ficar esta criança pequena

Sem uma resposta melhor mais completa?

MUTlMATI

MOÇAMBIQUE

O MORINGUE

O sol que queima as folhas das palmeiras

E os pés caminhantes sobre a areia

O sol que traz o vento e afasta o peixe

Ele não esquentará a água do moringue.

Não há sol no canto desta casa

Há sombras dos luandos que fazem as paredes

A areia do chão traz a frescura da terra

Os caniços dos luandos têm a frescura

Que trouxeram das terras de Cabíri

IRENE NO CÉU

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 53

Quando, de andar nas canoas, voltamos do mar

E a garganta vem a arder como se era sal

A água do moringue sabe-nos como nada mais.

E a quem nos pede, com o coração alegre,

Nós a oferecemos, nas canecas de esmalte.

HENRIQUE GUERRA

ANGOLA

IRENE PRETA

Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor

Imagino Irene entrando no céu:

- Licença, meu branco!

E São Pedro Bonacheirão:

- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

MANUEL BANDEIRA

BRASIL.

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54 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

LÁ NO ÁGUA GRANDE

Lá no Água Grande a caminho da roça

negritas batem que batem co’a roupa na pedra.

Batem e cantam modinhas da terra.

Cantam e riem em riso de mofa

histórias contadas, arrastadas pelo vento.

Riem alto de rijo, com a roupa na pedra

e põem de branco a roupa lavada.

As crianças brincam e a água canta.

Brincam na água felizes...

Velam no capim um negrito pequenino.

E os gemidos cantados das negritas lá do rio

ficam mudos lá na hora do regresso...

Jazem quedos no regresso para a roça.

ALDA DO ESPIRITO SANTO

SÃO TOMÉ E PRINCIPE

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 55

MENINO DE TIMOR

Menino de Timor, estás triste?!...

Porquê?!... - Não tenho com que brincar!

Nem com quem!... Já nem posso falar!...

A minha terra correste e viste

Como só há silêncio e tristeza!...

Assim é na palhota que habito!...

Já nem oiço na várzea um só grito!...

Só vejo gente que chora e reza!...

Que saudades que eu tenho dos jogos

Da minha aldeia agora deserta!...

O «la ‘o-rai.., que a memória esperta.

Co’ as pocinhas na terra, ora a fogos

Mil sujeita!... O “caleic” também era jogo apreciado da pequenada:

Hana-caleic..!... De tudo já nada

Resta agora!... Só vejo essa fera

De garra adunca e dente aguçado

A rugir tão feroz que ninguém

A doma já, pois medo não tem

De um povo à fome; sem horta ou gado!...

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56 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

Menino, sou, mas sofro já tanto

Como se fora de muita idade

E co’ a alma cheia só de maldade!...

Jesus, tem pena deste meu pranto!...

Jesus Menino, dá-me alegria!...

Na minha terra é tudo tão triste!...

Gente tão má neste mundo existe?!... Coisas assim tão ruins?!... Não sabia!...

JORGE BARROS DUARTE

TIMOR

QUITANDEIRA DE LUANDA

Eh! laranjinha, ‘aranjinha boa

mia siôa!

Vem de longe, do Catete

onde há batuque e quitende.

Vem de longe o seu sorriso,

sorriso que se intromete

sem querer nos olhos da gente.

Vem de longe o seu sorriso

sempre fresco, sempre aberto.

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 57

E o passo ligeiro, certo,

batendo a terra encarnada

já quente ao sol matutino,

revela em cada pegada

o mover airoso, fino,

de uma rainha ignorada.

Leva colar de missanga,

panos de garrida cor.

E nos lábios - a verter

tom de madura pitanga

a promessa - de um amor

que é razão do seu viver.

Leva colar de missanga, panos de garrida cor.

Eh! Laanjinha, ‘aranjinha boa

mia siôa!

Cantando caju ou manga,

maboque, ananás, mamão.

Alta e Baixa de Luanda,

o Muceque e Sambizanga

reconhecem-lhe o pregão.

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58 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

E afirmam certos poetas

que a magia dessas cores

que lhe enfeitam a quitanda,

se derramou das paletas

de exotíssimos pintores.

Dengosa p’la estrada fora,

mal irrompe o claro dia,

com tanta graça apregoa

que a própria aurora

é nela que se anuncia!

Eh! laranjinha, ‘aranjinha boa

Mia siô…ô…a!

MARIA EUGÉNIA LIMA

ANGOLA

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 59

MÃE NEGRA

A mãe negra embala o filho.

Canta a remota canção

Que seus avós já cantavam

Em noites sem madrugada.

Canta, canta para o céu

Tão estrelado e festivo.

É para o céu que ela canta,

Que o céu

Às vezes também é negro.

No céu

Tão estrelado e festivo

Não há branco, não há preto,

Não há vermelho e amarelo.

Todos são anjos e santos

Guardados por mãos divinas.

A mãe negra não tem casa

Nem carinhos de ninguém...

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60 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

A mãe negra é triste, triste,

E tem um filho nos braços...

Mas olha o céu estrelado

E de repente sorri.

Parece-lhe que cada estrela

É uma mão acenando

Com simpatia e saudade...

AGUINALDO FONSECA

CABO VERDE

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 61

VISÃO

Vi-te passar, longe de mim, distante,

Como uma estátua de ébano ambulante;

Ias de luto, doce tutinegra,

E o teu aspecto pesaroso e triste

Prendeu minha alma, sedutora negra;

Depois, cativa de invisível laço,

(O teu encanto, a que ninguém resiste)

Foi-te seguindo o pequenino passo

Até que o vulto gracioso e lindo

Desapareceu longe de mim, distante,

Como uma estátua de ébano ambulante

CAETANO DA COSTA ALEGRE

SÃO TOMÉ E PRINCIPE

RETRATO DE TRISTÃO, FILHO DO REI DO MAR

Era mancebo grande, negro e feio

Trombeta de seu pai e seu correio

Os cabelos da barba e os que descem

Da cabeça nos ombros todos eram

Uns limos prenhes de água e bem parecem

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62 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

Que nunca brando pente conheceram;

Nas pontas pendurados não falecem

Os negros mexilhões que ali se geram;

Na cabeça por gorra tinha posta

Uma mui grande casca de lagosta.

LUÍS DE CAMÕES

PORTUGAL

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;

À roda da nau voou três vezes.

Voou três vezes a chiar,

E disse, “Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo. Meus tectos negros do fim do mun-do?..

E o homem do leme disse, tremendo,

“EI-Rei D.João Segundo!”

”De quem são as velas onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?”

Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso,

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 63

“Quem vem poder o que só eu posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?”

E o homem do leme tremeu, e disse,

”El-Rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,

Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes,

“Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um Povo que quer o mar que é teu;

E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,

Manda a vontade, que me ata ao leme,

De El-Rei D. João Segundo!..

FERNANDO PESSOA

PORTUGAL

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64 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

MENINAS E MENINOS

Todos já vimos

nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão

retratos de meninas e meninos

a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos

nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão

retratos de cadáveres de meninos e meninas

que morreram a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos!

E então?

FERNANDO SYLVAN

TIMOR

NÃO VALE A PENA PISAR

O capim não foi plantado

nem tratado,

e cresceu. É força

tudo força

que vem da força da terra,

Mas o capim está a arder

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 65

e a força que vem da terra

com a pujança da queimada

parece desaparecer,

Mas não! Basta a primeira chuvada

para o capim reviver.

MANUEL RUI

ANGOLA

MAGAÍÇA

Magaíça, ao partir, não se prende

mas sofrendo no Rand é que aprende

que a mina é inferno, desterro e má sina,

que a terra é o céu de quem vive na mina!

Vem ver o sol, vem ver,

que é morte viver debaixo

do chão!

Diz, Magaíça, diz,

diz adeus à raiz,

diz adeus ao carvão..,

O oiro que a mina te dá não paga a saudade que há no teu coração!

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66 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

É lá fora que correm gazelas,

é lá fora que há nuvens e estrelas,

que o milho espigado, na seara a crescer,

parece que pede que o venham colher!

REINALDO FERREIRA

MOÇAMBIQUE

PRELÚDIO

Para António Aurélio Gonçalves

Quando o descobridor chegou à primeira ilha

nem homens nus

nem mulheres nuas

espreitando

inocentes e medrosos

detrás da vegetação.

Nem setas venenosas vindas no ar

nem gritos de alarme e de guerra

ecoando pelos montes.

Havia somente

as aves de rapina

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 67

de garras afiadas

as aves marítimas

de voo largo

as aves canoras

assobiando inéditas melodias.

E a vegetação

cujas sementes vieram presas

nas asas dos pássaros

ao serem arrastadas para cá

pelas fúrias dos temporais.

Quando o descobridor chegou

e saltou da proa do escaler varado na praia enterrando

o pé direito na areia molhada

e se persignou

receoso ainda e surpreso

pensando n’El-Rei

nessa hora então

nessa hora inicial

começou a cumprir-se

este destino ainda de todos nós.

JORGE BARBOSA

CABO VERDE’

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68 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

PAÍS NATAL

Um sentimento de amor pátrio sobe no meu coração,

Em espírito demando o meu país natal,

E lembro aquela floresta africana,

Cheia de caça e de verdura;

Lembro as suas imensas árvores gigantes,

A folhagem verde ou amarela

Que nos perfuma.

Revejo a minha infância,

Toda cheia de alegrias:

Eu corria pelo mato,

Espiava os animais selvagens,

Sem medo;

E olhava os lavradores nos campos,

E, no mar, os pescadores,

Que lutavam contra o vento, para agarrar o peixe,

E que eu, atento, seguia com o olhar:

Como gostava de os ver no oceano

Domar as vagas, que lhes queriam virar as barcas!

(Ah! bem me lembro, bem me lembro do meu país natal!)

ANTÓNIO BATICA FERREIRA

GUINÉ

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 69

NEGRA

Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos

quiseram cantar teus encantos

para elas só de mistérios profundos

de delírios e feitiçarias...

Teus encantos profundos de África.

Mas não puderam.

Em seus formais e rendilhados cantos,

ausentes de emoção e sinceridade,

quedas-te longínqua, inatingível,

virgem de contactos mais fundos.

E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,

jarra etrusca, exotismo tropical,

demência, atracção, crueldade,

animalidade, magia...

e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.

Em seus formais cantos rendilhados

foste tudo, negra...

menos tu.

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70 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

E ainda bem.

Ainda bem que nos deixaram a nós,

do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,

sofrimento,

a glória Única e sentida de te cantar

com emoção verdadeira e radical, .

a glória comovida de te cantar, toda amassada,

moldada, vazada neste sílaba imensa e luminosa: MÃE

NOÉMIA DE SOUSA

MOÇAMBIQUE

QUERO SER TAMBOR

Tambor está velho de gritar

Ó velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor

corpo e alma só tambor

só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero

Nem rio correndo para o mar do desespero

Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero

Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!.

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 71

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra

Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra

Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu

Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala

Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra

Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens

eu quero ser tambor

e nem rio

e nem flor

e nem zagaia por enquanto

e nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando como a canção da força e da vida

Só tambor noite e dia

dia e noite só tambor

até à consumação da grande festa do batuque!

Ó velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor

só tambor

JOSÉ CRAVEIRINHA

MOÇAMBIQUE

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72 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

CAÇADA

Olhos oblíquos de bochímane

em mirada de través

baque no peito corrida

ziguezague estertor

e trás!

(três dias

nos capins

pela extenuação)

pega a presa nos cornos

põe nas costas

leva embora então

RUI BUETII

ANGOLA

SÃO MEUS ESTES RIOS

São meus estes rios

que buscam caminho

rastejando entre luar e silêncio, sombra e madrugada,

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 73

até ao seu fim marítimo.

A minha alma está neles,

líquida e sonora

como a água entre o quissange das pedras,

o anoitecer nas fontes.

Tenho rios vermelhos e quentes na minha dimensão física,

rios remotos, remotos como eu.

MANUEL LIMA

ANGOLA

EXÍLIO

O búfalo com chifres de prata

poisa no nenúfar

no nenúfar do exílio

búfalo ou borboleta

JORGE LAUTEN

TIMOR

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74 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

NÃO MAIS SOB A ÁRVORE DE Bô

Não mais a pureza de Ramahyana

o incenso e o sândalo

os pés nus nas pedras do templo

enquanto eles comerem na minha mesa

na velha casa de Dili

não mais me sentarei sob a árvore de Bô

JORGE LAUTEN

TIMOR

POEMA DO PACTO DE SANGUE

Nobres há muitos. É verdade.

Verdade. Homens muitos. É muito verdade.

Verdade que com um lenço velho

As nossas mãos foram enlaçadas.

Nós, como aliados eu digo.

Panos, só um, tal qual afirmo.

A lua ilumina o meu feitio.

O sol ilumina o aliado.

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 75

Água de Helder Pelo vaso sagrado! Nunca esqueça isto o aliado.

Juntos, combater, eu quero!

Com o aliado, derrotar, eu quero!

A lua ilumina o meu feitio

O sol ilumina o aliado.

Poderemos, talvez, ser derrotados Ou

combatidos, mas somente unidos.

TRADUZIDO POR RUY CINATTI.

PORTUGAL/TIMOR*

Durante uma das suas estadas em Timor: Ruy Cinatti celebrou um pacto de sangue com o

chefe de uma linhagem timorense. Por isso, daí em diante, segundo os usos e tradições de

Timor, passou ele próprio a ser simultenemente português e timorense; facto que nunca

esquecia.

MÃOS

Mãos que moldaram em terracota a beleza e a serenidade do Ifé.

Mãos que na cera perdida encontram o orgulho perdido do Benin.

Mãos que do negro madeiro extraíram a chama das estatuetas olhos de vidro

e pintaram na porta das palhotas ritmos sinuosos de vida plena:

plena de sol incendiando em espasmos as estepes do sem-fim

e nas savanas acaricia e dá flores às gramíneas da fome.

Mãos cheias e dadas às labaredas da posse total da Terra,

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76 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

mãos que a queimam e a rasgam na sede de chuva

para que dela nasça o inhame alargando os quadris das mulheres

adoçando os queixumes dos ventres dilatados das crianças

o inhame e a matabala, a matabala e o inhame.

Mãos negras e musicais (carinhos de mulher parida) tirando da pauta da Terra o oiro da bananeira e o vermelho sensual do andim.

Mãos estrelas olhos nocturnos e caminhantes no quente deserto.

Mãos correndo com o harmatan nuvens de gafanhotos livres

criando nos rios da Guiné veredas verdes de ansiedades.

Mãos que à beira-do-mar-deserto abriram Kano à atracção dos camelos da aventura

e também Tombuctu e Sokoto, Sokoto e Zária

e outras cidades ainda pasmadas de solenes emires de mil e mais noites!

Mãos, mãos negras que em vós estou pensando.

Mãos Zimbabwe ao largo do indico das pandas velas

Mãos Mali do sono dos historiadores da civilização

Mãos Songhai episódio bolorento dos Tombos

Mãos Ghana de escravos e oiro só agora falados

Mãos Congo tingindo de sangue as mãos limpas das virgens

Mãos Abissínia levantadas a Deus nos altos planaltos:

Mãos de África, minha bela adormecida, agora acordada pelo relógio das balas!

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 77

Mãos, mãos negras que em v6s estou sentindo

Mãos pretas e sábias que nem inventaram a escrita nem a rosa-dos-ventos

mas que da terra, da árvore, da água e da música das nuvens

beberam as palavras dos corás, dos quissanges e das timbilas que o mesmo é

dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em coração.

Mãos que da terra, da árvore, da água e do coração tantã

Criastes religião e arte, religião e amor.

Mãos, mãos pretas que em vós estou chorando!

FRANCISCO JOSÉ TENREIRO

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

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78 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

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Introdução

Há já alguns anos que me tenho vindo a interessar pelos contos tradicionais africanos. Tenho apoiado vários trabalhos de recolha e de análise dos mesmos. Vários alunos me têm fornecido materiais preciosos. A presente recolha pareceu--me especialmente interessante pelas suas características formais e temáticas. Infelizmente apenas fiquei com a informação relativa à fonte bibliográfica e per-di a memória da escola que se tinha dado ao trabalho de os resgatar para de-senvolver um interessantíssimo projecto em torno das culturas e dos saberes. Lembro-me do orgulho com que me ofereceram o exemplar que, por minha vez, tenho o prazer de vos facultar com a introdução original:

“Dando continuidade ao projecto da escola que já vem a ser desenvolvido desde 1992/93 e que se debruça sobre o tema “das Culturas aos Saberes” e tendo em conta que o conselho escolar deliberou que seria a “Cultura Angolana” nos seus diversos campos, a ser estudada e divulgada este ano, nós debruçamo-nos com entusiasmo sobre este tema.

Deste trabalho resultou uma selecção de contos e a sua reunião nesta pequena colectânea que hoje, 9 de Junho dia dedicado pela escola à “Cultura Angolana” – vos oferecemos.”

CONTOS ANGOLANOS

V

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80 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

A hiena e o cão

Conta-se que uma hiena (otchimbungo) durante toda a sua vida desejara comer carne de cão.

Como nunca conseguira satisfazer o seu desejo, pensou consultar um otchim-banda1, para saber deste a maneira como poderia satisfazer o seu desejo.

Esta resolução da hiena depressa se espalhou, chegando ao conhecimento do cão, que logo se antecipou na visita ao feiticeiro. Quando ali chegou dirigiu-se com o othimbanda para o etambo 2 e, depois de se terem sentado, contou o cão o que a hiena pretendia fazer, pedindo ao feiticeiro que dissesse como havia de proceder para se livrar de tão grande mal. E expôs em pormenor os seus hábitos e a sua vida.

Ainda a conversa não terminara, ouviram que alguém pedia licença para entrar.

O feiticeiro, reconhecendo ser a hiena, meteu apressadamente o cão debaixo de um ohumbo 3 e mandou entrar a hiena. Logo esta contou o que queria, pedindo ao feiticeiro que, antes do fim da sua vida (que já não seria longa, dizia ela) pu-desse comer carne de cão.

Ootchimbanda, homem muito astuto, sabendo que o cão ia todos os dias a certo eiala 4, aconselhou a hiena a esperar junto de uns arbustos ali perto, na certeza de um dia seria recompensada.

Saiu a hiena muito satisfeita com o conselho do feiticeiro.

O cão apareceu de novo, saído do esconderijo e o feiticeiro aconselhou-o então a que nunca passasse pelo eiala, pois a hiena espreitava a oportunidade de o devorar. O cão foi-se embora, prometendo a si mesmo que resistiria, em razão do risco, à tentação de ali ir saborear os ossos.

Muitos dias se passaram e tanto a hiena como o cão cumpriram o que otchim-banda lhes dissera.

Um dia o cão, muito guloso pensando que a hiena já não ia ao eiala depois tan-tas desilusões e esperas, resolveu ir até lá, em busca de um bom petisco. Muito à cautela chegou-se ao eiala e, como nada visse de suspeito, entregou-se ao pra-zer de roer um belo osso que encontrara.

De repente, a hiena saltou da mata. Satisfazendo o maior desejo que sempre

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 81

tivera, devorou enfim um cão!

Assim este pagou com a vida uns breves momentos de prazer.

Com os homens também assim acontece: pagam bem caro e por longo tempo, certos prazeres passageiros. Acontece-lhes isso sobretudo quanto não é a cabe-ça que manda, mas o utima 5 – a cubata 6 do amor e do ódio.

Frederico Lázaro João

Lobito

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Quimba

Sitabi era um homem rico pois tinha muitos bois, porcos, cabritos, e galinhas.

Vivia feliz na aldeia de Silissengue em companhia da sua bonita mulher a quem dedicava toda a sua vida. Ela no entanto não correspondia à dedicação de Sitabi e namorava o caçador Quimba, homem astuto que vivia num quimbo próximo.

Quimba tentara já por diversas vezes conseguir que Chilombo – assim se cha-mava a mulher – saísse de casa do marido. Mas Chilombo nunca resolvera nada, porque a fortuna de Sitabi a prendia muito.

Um dia em que os dois se encontraram, Quimba pediu-lhe mais uma vez:

- Vamos resolver este assunto! Ou deixas o teu marido e vens para mim, ou então perdes-me para sempre...

Chilombo, muito ambiciosa, procurava de há muito arranjar uma solução para não perder nem a fortuna de Sitabi nem o coração de Quimba. Assim, disse a este:

- Como a minha criação está afastada da minha casa, tu à noite metes-te dentro do curral com o teu canhangulo e obrigas os bichos a fazer barulho. Sitabi, sem dúvida irá ver o que se passa e logo que o vejas aproximar-se dás-lhe um tiro. Toda gente vai supor que foi descuido dele com o canhangulo que tem e, de-pois, ficarei contigo e seremos muitos ricos.

À noite Sitabi ouviu os porcos a grunhir. A mulher disse-lhe que fosse ao curral pois deviam ser os lobos. O marido porém não se resolvia a sair de casa, talvez por julgar que fosse algum leão. Chilombo, aborrecida por saber que Quimba ficaria à espera em vão, e na ânsia de se encontrar com ele, saiu de casa para o ir avisar.

A noite estava muito escura e, quando ela se aproximava, Quimba disparou a arma, convencido de que era o marido de Chilombo. Viu cair o corpo e retirou-se satisfeito, pensando na vida regalada que no futuro levaria, gozando com Chi-lombo os bens de Sitabi, logo que as festas do óbito terminassem.

Passados alguns dias, dirigiu-se ao quimbo de Sitabi e ficou muito surpreendido por ver este sentado à porta da cubata. Receoso, perguntou-lhe pela mulher. Quando Sitabi lhe contou que Chilombo fora morta numa noite escura, por al-gum caçador que ali passara, Quimba ficou muito triste. Sentindo-se culpado

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daquela tragédia, embrenhou-se na selva e ali viveu até ao fim dos seus dias. E dizia, na sua dor:

- O próprio da mulher escapou a morte porque tinha porcos; e o namorado per-deu a sua querida porque tinha canhangulo.

E o seu coração nuca mais dormiu.

Não se deve estragar a vida dos nossos irmãos.

Latino Ceque

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Mãe vale mais que qualquer outra mulher

Em conversa acalorada, dizia Na Diogo a Nazuzu:

- Não comparemos o amor de Mãe com o amor da nossa mulher porque, sem dúvida o amor de Mãe vale mais.

Disse Nazuze:

- Insisto em que o da esposa vale mais, e apostemos para saber quem tem razão.

Fez-se a aposta que, com confirmação de testemunhas, (conforme o hábito do quimbo 7, daria razão a quem de facto a tivesse.

Na Diogo e Nazuze fizeram o seguinte entendimento:

- Enterremos um cabrito neste local e guardarás segredo disto. Veremos daqui a uma semana quem tem razão quanto à valia do amor de Mãe e do amor da esposa. O que perder é que pagará o custo do cabrito.

Ficaram de acordo. Arranjaram um cabrito e enterraram-no.

Chegado a casa, Na Diogo fez acreditar a sua mulher e a sua mãe, (pedindo que guardassem o maior segredo), que tinha enterrado um homem com quem tivera macas. Depois de certa luta em que ele ganhara, matara o outro com dois golpes de navalha. Sua mulher procurou logo saber qual o local onde o havia enterrado.

O homem não teve meias medidas e foi logo indicar-lhe o local.

Passados alguns dias, houve zangas entre Na Diogo e sua família, em que Na Diogo correu de casa, a sua mulher D.Nafefa e também a própria Mãe, D.Natita, por estarem contra ele em determinada discussão. D. Natita foi para casa do ou-tro filho, mas N afefa, muito zangada, quis vingar-se. Correu à administração, tendo contado que o seu marido tinha assassinado um homem, e que ela sabia o local onde o havia enterrado.

O Administrador resolveu ir desenterrar o cadáver para confirmação e resolução do caso. Foram ao local indicado por ela, acompanhados do Juiz da Comarca e do Delegado de Saúde. Chegados ao local, procedeu-se ao desenterramento do cadáver mas, com espanto geral, apareceu o “ cadáver” de um cabrito!

Logo o Administrador procurou saber de Na Diogo a razão do seu procedimen-to. Ele explicou, e foi absolvido. Todos os presentes concluíram que Mãe vale

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mais que qualquer outra mulher, como constava da aposta que os dois amigos haviam feito.

N Azuze, que também presenciou a sentença, teve de pagar o custo do cabrito, que mais valia tivesse sido comido de caldeirada.

D. N afefa pagou a maçada das Autoridades com três meses de cadeia.

Pedro Valle Sardinha da Costa

Luanda

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Vampanza “O homem-fantasma”

Era uma vez um caçador que tinha imensa sorte.

Trazia sempre, de cada batida que fizesse muita caça.

Sua mulher, porém, passava os dias tristonha. a pensar no destino que era dado à metade da caça; efectivamente o homem trazia sempre para casa só metade do corpo de cada animal.

Decididamente, tu tens outra mulher... - dissera-lhe certo dia a esposa.

- Juro-te, querida: és a única para mim...

A mulher, contudo, sempre desconfiada, resolveu contra a vontade do marido acompanha-lo na caçada seguinte para aclarar, de uma vez para sempre, aquele mistério.

- Já que insistes, vamos. Mas acautela-te: a caça está cheia de imprevistos e po-de-te suceder algum mal.

Não me metem medo “os tais imprevistos”… Preferia morrer a viver na incerteza.

Finalmente, o homem e mulher abalaram para o mato. É de notar que a caçada era feita com o auxílio de armadilhas e fossos, sendo os animais conduzidos às armadilhas por meio de algazarra infernal – batendo com paus em latas vazias.

Contra o que era habitual, desta vez não lhes apareceu animal nenhum.

- Querida - desabafou o marido - a caça não gosta nada de mulheres...

Caminharam seguidamente em direcção a um grande fosso que havia ao pé; a mulher, atacada de vertigens, caiu para dentro dele. Nisto chega Vampaza, o “homem-fantasma”, que exclama:

- Que grande sorte! Hoje temos a melhor caça... caça humana!

- Não se trata de caça nenhuma. E minha mulher! - Respondeu o caçador.

- Não acredito! Temos que reparti-la ao meio, como é costume – exigiu o “ho-mem-fantasma”

Estabeleceu-se renhida discussão. Vampaza encolerizado, pega na muconda 9 e dispõe-se a cortar a mulher ao meio. Nisto, um cágado que se encontrava perto,

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Intervem:

- Que estais vós a discutir?

O homem explica-lhe o motivo da maca 10.

Então o cágado, virando-se para o “homem-fantasma”, exclama:

- Então tu és o Vampaza? O caçador, apanha já esse maldito: fugiu à justiça e é procurado pelas autoridades.

Será escusado dizer que o “homem-fantasma” nunca mais tomou a ser visto. O cágado, perdido de riso, diz para o caçador:

- Levei o atrevidão na curva. Eu não sei se ele é criminoso ou não; se autoridade o procura ou não. Mas ele que desapareceu, lá tem as suas razões de consciência!

- Quanto à tua mulher, leva-a para casa e que isto lhe sirva de lição. A curiosidade é feia. Se lhe juntarem o ciúme, fica horrível!

Moisés Mbambi

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O “Feitiço” de Catumbo

D. Antónia faleceu. Catumbo, que vivera desde pequena na companhia daquela senhora, ao ver-se desamparada resolveu voltar a casa de seus pais que viviam no interior da selva. Em homenagem ao regresso da jovem Catumbo, foi impro-visada uma grande festa na qual participaram os mais brilhantes dançarinos e tocadores da região; não faltaram comidas e bebidas que foram servidas em abundância. Os convidados ofertaram à pequena, que gozava da simpatia geral pela sua maneira carinhosa e dócil, os mais lindos presentes de acordo com as posses de cada um.

Passados tempos, a jovem Catumbo foi pedida em casamento por um rapaz de nome Jongo, que havia sido educado numa Missão Cat6lica. O pedi-do foi’ atendido e pouco tempo depois realizava-se o casamento. O jovem casal era muito feliz pois vivia em harmonia conjugal devido as sólidas bases cristãs em que haviam sido educados. Logo após este casamento, realizou-se o de sua prima, Ndete, que porém não possuía os mesmos predicados de Catumbo pois, nunca tendo abandonado o ambiente aborígene, vivia de crenças supersticiosas não tendo a preparação que a sua prima teve, enquanto que o lar de Gatum-bo se podia considerar um paraíso, o de Ndete não passava de um inferno, ali-mentado pelo baixo nível moral e social em que se debatiam. Certo dia, Cintura, aborrecido, disse para sua mulher:

- Não tive a mesma sorte de Jongo na escolha de esposa!

- Porquê? Acaso Catumbo é mais bonita que eu?

- Não, mas é melhor esposa pois sabe portar-se condignamente evitando criar aborrecimentos, contribuindo assim para que no lar haja paz, amor, respeito, en-fim: felicidade.

Ndete, furiosa, vira-lhe as costas dizendo:

- Porque não casaste com ela? Lá por vires irritado com qualquer coisa não é razão para descarregares nesta tua escrava o produto da tua hipocrisia.

Prudente, Cintura seguiu a sua mulher e perguntou-lhe:

- Por acaso já viste a tua prima em discussão com o seu marido?

- Não, porque Jongo é mais compreensível que tu, ou então, por Catumbo usar Kulú (pó preparado pelos indígenas para seduzir o próximo), coisa que me re-

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 89

pugna.

Ndete, depois deste diálogo desagradável, dirigiu-se a casa de seus pais, aos quais contou toda a sua mágoa.

Estes, pouco civilizados, foram consultar um Quimbada que lhes deu um kulú que devia dar bons resultados. Ndete, quando voltou para casa, fez tudo o que o Quimbada lhe havia aconselhado mas...as discussões continuaram; resolveu então pedir à sua prima que lhe indicasse o seu Quimbada.

- Tenho muita pena prima – respondeu Catumbo – porque a minha já morreu e não poderá valer-te.

Catumbo, que já estava a pai das desavenças conjugais de sua prima através das suas amigas, disse:

- Mas se quiseres poderei ensinar-te a preparar o verdadeiro kulú para poderes dominar o teu marido.

- Agradeço-te tal atenção e jamais esquecerei a tua boa amizade em quereres ajudar a encontrar a minha felicidade.

- Dar-te-ei o meu kulú e, se cumprires à risca, verás que o teu lar será um paraíso onde tudo o que me for exigido.

Então vem para o meu quarto para que ninguém nos oiça. E Ndete, cheia de expectativa, seguiu a prima.

Tens aqui este pó que a D. Antónia me ensinou a preparar para tornar os maridos mansos como cordeiros. Mas tens que jurar que cumprirás com o que te for pe-dido, pois o feitiço dos brancos é superior ao nosso e se não cumprires, morrerás!

- Asseguro-te que cumprirei pois já estou farta de dscussões e zangas.

- Então ouve-me com atenção. Este feitiço requer uita limpeza, pois a sujidade será um grande obstáculo para o seu sucesso; nunca consentirás que a roupa, talheres, pratos, etc., fiquem espalhados pela casa. Quando chegares a casa, lim-parás todos os teus móveis e utensílios colocando-os nos devidos lugares, assim como roupa. Depois de estar tudo em ordem, espalharás um pouco deste pó por toda a casa, repetindo a operação semanalmente, continuando com a ordem e limpeza todos os dias.

Ndete ouvia atentamente o “feitiço branco” da prima.

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- Quando cozinhares, deita este pó no fogo e farás com que o teu marido nunca esteja muito tempo à espera da comida, porque os espíritos “brancos são pon-tuais e comerão a comida toda enquanto o teu marido espera à mesa. Este pó dá para um ano aproximadamente. Quando acabares, ensinar-te-ei a prepará-lo para mais tarde ensinares às tuas filhas a serem boas esposas. Não esqueças que este feitiço aprendi com a senhora D. Antónia e que é perigoso e forte; portanto, segue à risca o que te acabo de dizer, pois não quero que te suceda algum mal.

Ndete, depois de haver solenemente prometido à prima, regressa a casa; come-çou imediatamente a cumprir com as instruções de Catumbo com medo de se deixar vitimar pelo terrível kulu dos brancos. Ficou maravilhada com os resulta-dos do feitiço, pois as desavenças com o marido acabaram e tudo em casa era um mar de rosas.

Dois anos depois, quando Ndete pediu a sua prima para ensinar-lhe a preparar o kulu, esta respondeu:

- Já te ensinei, prima. O verdadeiro kulú é o teu bom porte; a ordem e o asseio no lar para que o teu marido não tropece nas roupas e utensílios e possa respirar um ar puro, de uma pureza que não seja perturbada pela sujidade.

- Então, o pó que me deste, que era? - Perguntou Ndete admirada.

- O pó que te dei podes tu mesma preparar quando quiseres ludibriar alguém. Torras um pouco de milho, moendo-o seguidamente, para dar aquela cor casta-nho-escuro.

- Obrigada prima! O teu kuhí é poderoso; tenho vivido feliz e viverei sempre feliz porque já se entranhou em mim!

JomaCruz Cubal

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Castigo do Mal

Ndumba era caçador e sua mulher chamava-se Ngola. Embora gostasse do ma-rido, simpatizava muito com um moço de nome Ndembe.

Este, pressentindo a atracção que Ngola sentia por ele, resolveu pedi-la em casa-mento e dirigiu-se aos pais com esse fim.

- Como poderemos satisfazer esse desejo se ela já é casada?

Começaram porém a pensar que Ndumba afinal não passava de um simples ca-çador, enquanto Ndembe era um abastado criador de gado; além disso recebe-riam novo “alambamento”lI se atendessem o seu pedido.

Numa ocasião em que Ndumba se ausentou para a caça, mataram um cão, fize-ram algazarra chorando a morte da filha e, quando aquele regressou, anuncia-ram entre prantos e lágrimas que Ngola tinha morrido. O marido chorou a morte da sua querida esposa e cumpriu todas as tradições do luto.

Um dia, com grande espanto, vem a saber que a sua mulher continuava com vida e que vivia na margem oposta do rio, casada com Ndembe. Cheio de raiva pela partida que lhe havIam feito, Jurou vIngar-se.

No dia seguinte foi ter com ex-sogros e anunciou-hes que ia caçar para eles.

- Breve regressarei com boa carne para vocês.

Na manhã seguinte bem cedo (ainda os jacarés dormiam...) ergueu-se da esteira, atravessou o rio e foi colocar-se em sítio onde pudesse espiar Ngola quando ela fosse ao arimo12.

Esperou um dia, nasceu a lua outro dia surgia e ele sem dormir porque o coração estava em foco com ânsia de vingança. Já o sol ia alto quando viu Ngola dirigir-se a larva. Saltando em frente dela interropeu-Ihe o caminho dizendo:

- Porque me traíste, Ngola? Porque é que os teus pais mataram um cão dizendo que eras tu que estavas morta? Não sabes que chorei muito a tua morte quando afinal tu não mereces compaixão?

Aterrorizada, Ngola nada respondeu. Ndumba com os olhos a arder de raiva, continuou:

- Agora nem ficas comigo nem com Ndembe; vou matar-te!

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E logo ali a assassinou. Cortando-a em pedaços, meteu-os num saco e foi levá--los aQs pais de Ngola que já esperavam ansiosos que o ex-genro voltasse com a carne da caça.

Agradeceram muito a carne e atiraram-se gulosamente aos bocados, que con-forme iam tirando do saco iam assando, até que apareceu a cabeça de Ngola ; quando a viram ficaram horrorizados.

E, então arrependido e choroso, dizia o marido para a mulher:

- Fomos egoístas e cruéis! Eis aqui o nosso castigo: matamos um cão dizendo a Ndumba que Ngola morrera, a fim de recebermos o alambamento do nosso casamento.

Agora, como recompensa da nossa acção, comemos a nossa filha! Oh, que mal-dição! .

Assim se realizou o verdadeiro 6bito da pobre Ngola, que quis ter dois maridos.

Manuel Domingues

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 93

Vôvô Bartolomeu

Vôvô Bartolomeu desde manhãzinha que olhava o pardacento céu, enrugado a já bem engelhada testa.

- Vôvô, que é que você está vendo no céu?

- Estou vendo uma coisa que você vai ver só; logo ao meio-dia e que a estas ho-ras já chegou lá no senhor Luca.

- Que é que tem lá no senhor Luca?

- Diga aos homens para trabalharem depressa, senão você vai ver: ninguém pára com a chuva.

E vôvô Bartolomeu entrou arrastadamente na cubata, donde saía um fumo bom de fogueira quente.

- Eh! Pessoal! Vamos despachar o serviço. Vôvô Bartolomeu disse que vai vir chu-va.

E todo o pessoal (começou a trabalhar com força para acabar de recolher o milho antes do meio dia. A colheita não tinha sido má, e este ano havia de pagar todas as contas e ainda sobrava dinheiro para dar o alambamento 14 da filha do velho Gonga.

Este ano o senhor António tinha emprestado a espingarda a troco de carne e os javalis e as pacaças não tinham estragado o meu milho.

Ali estava o pessoal a meter na cubata 15 o milho todo, por causa da chuva. Ho-mens fortes de verdade! Aquele milho bonito que devia dar para pagar as contas e o alambamento. Depois tinha de comprar fiado um sobretudo na loja do se-nhor Magalhães porque no cacimbo 16, eh! O frio era o fim do mundo!

Enquanto os homens trabalhavam e cantavam lá fora o vôvô artolomeu contava à miudagem uma história que ele contava sempre que, estava para vir chuva.

«Quando a tia Mariquinhas foi para Luanda como lavadeira, regressou à Sanzala 17 com manias de pessoa fina e a dizer que já não sabia kimbundo 18.

Uma vez que começou a chover e a tia Anica disse:

- Eué! N’vula uiza e a tia Mariquinhas repreendeu-a dizendo:

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- Ai dona! Não fala assim; na língua de pessoas se diz assim: está chovar!

Primeiramente ouvi as gargalhadas de vôvô Bartolomeu e depois é que a miu-dagem começou a rir.

Começamos a ouvir barulho no céu. N’Zambi 19 estava com raiva. Umas pingas de água caíram. Vôvô Bartolomeu chegou à porta da cubata e a rir, mostrando as gengivas sem dentes, perguntou:

- Já está a chovar?

O pessoal tirou a camisa e começou a trabalhar com força. Bom pessoal tudo família da casa e mais o vizinho. As mulheres e a miudagem começaram a correr para enxotar os pintos e as galinhas. A criação parece que corria bem, mas os ga-rotos – aia! - comiam melhor. A minha cadela Quer-vir entrou na cubata de vôvô e começou a sacudir a água que tinha no corpo, vôvô refilou:

- Tunda 20. Quer-vir. Não faça chiqueiro aqui. Tundaco 21!

Quer-vir estava contente e parece que queria arreliar o vôvô. Veio dar voltas no terreiro, rebolou-se no chão e quando ficou toda molhada e cheia de terra, foi sacudir tudo em cima do vôvô que correu com ela.

Ficou escuro cedo. O pessoal estava satisfeito. Nunca na minha vida ficara tão contente. Eu não sei o que tinha na Muxima mas há um ano que só pensava na filha do velho Gonga. Ela também dizia estar sempre a pensar em mim. Quando foi do óbito do velho Kalunga estive quase mesmo para fugir com ela. E tão bom pensar nestas coisas!

Nisto, do céu saiu um raio e caiu mesmo em cima da cubata que tinha o milho e começou a queimar tudo. Eu, o pessoal, as mulheres, a garotada e o vôvô Barto-lomeu viemos para fora, sem medo. Qual nada! O milho ardeu todo.

As mulheres começaram a gritar e a lamentarem-se e eu fiquei triste, muito tris-te... Estava a olhar as cinzas e os olhos cobriram-se de água, muita água que não era da chuva.

Deus tinha castigado, e bem! Não devemos pensar nas coisas que fazemos antes de termos o dinheiro; o homem quer mas N’Zambi é quem manda.

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O Atrevimento Castigado

Havia, numa grande ombala 22, um rapaz de nome Canjilu. Apesar de ser filho único, os pais de Canjilu sofriam e viviam tristes, pois ele não era estimado: pelo contrário, todos lhe queriam mal. Can jilu desde pequenino ganhara o tremen-do vício de zombar de tudo e de todos. Até atirava pedras às crianças e velhos. Regozijava-se imenso em fazer chorar os outros.

E assim cresceu. Atingiu os 25 anos mas o maldito defeito não o largou, não obs-tante as «ovinbu» 23 que seus pais pagavam: bois, porcos cabras, etc.

Canjilu era tão mau, que sentia um terrível prazer em ferir com as flechas de caça - quando a este desporto se entregava - os seus companheiros. Por vezes causava-lhes morte.

Um dia, andando a caçar sozinho no meio de uma cerrada mata, Canjilu encon-trou uma ekolokolo 24, descoberta esta que, longe de o atemorizar, o fez rir a bandeiras despregadas. Quando serenou um pouco, dirigiu-se à caveira e, entre risos, atirou-lhe com ar de mofa:

- «Eh! Ó caveira: que é que te tirou a vida?»

O seu pé já preparava para um certeiro pontapé à caveira quando, com grande espanto seu, esta articulou: - Tirou-me a vida um atrevimento igual a esse... Um pouco amedrontado, Canjilu ia retirar-se daquele sítio tão ermo, pensando: «Ora esta! Nunca imaginei semelhante coisa: uma caveira a falar! É a primeira vez que tal me acontece.

Eis, porém, que novamente a caveira se faz ouvir:

- Tudo isso está muito bem. Mas não me dirás por que não havia eu de falar? Não fui já gente como tu? Já tenho falado e agora falei contigo assim como falarei com qualquer pessoa...

Estas palavras encorajaram o nosso herói que, acercando-se da caveira-falante, indagou:

- Queres dizer que falarás com qualquer pessoa, assim como o fizeste comigo?

- Evidentemente. Por que havia de me calar? Gostava de falar em vida e, agora, procuro, sempre que posso, conversar com alguém.

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96 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

Não perdendo tempo, Canjilu marcou o lugar, para o encontrar facilmente quan-do ali voltasse, abalando a correr para a aldeia. ‘Aquela hora da tarde, estava o povo reunido no tojango 25.

É precisamente ao grande Soba que Canjilu se dirige para contar a sua descober-ta. Depos de lhe ser concedida a respectiva licença e perante assistência, Canjilu descreve, com todos os pormenores, tudo quanto vira e ouvira na mata.

Claro, ninguém acreditou! Pois se Canjilu desde pequenino se havia tornado um mentiroso e atrevido...

Então, para poder provar que dessa não mentia, Canjilu prestou o seu juramento solene perante o grande Soba. Esse juramento consistia no seguinte: no chão, traçava-se uma cruz e proferia-se um insulto ao grande Soba, o que equivalia a dar de penhor a própria vida.

Depois de cumprido este ritual, o grande Soba exige que Canjilu lhe mostre a sua descoberta, pelo que este, vaidosamente, se dirige (precedido do grande Soba, sua comitiva e toda a aldeia), ao local por ele assinalado.

Chegados que são, fica o povo estupefacto ao constatar que, de facto se encon-tra ali uma caveira abandonada como Canjilu afirmara

Fez-se o maior silêncio.

Mas por mais que Canjilu perguntasse à caveira quem lhe havia tirado a vida, esta mantém-se muda, obtendo Canjilu a mesma resposta quando indaga ou-tras coisas. Por mais que fale para ela e lhe faça perguntas, só lhe responde o silêncio da mata. Canjilu, vendo-se perdido, desata a soluçar e, então, insulta a caveira proferindo palavras obscenas, no intuito de que esta reaja. Mas a respos-ta é sempre a mesma: silêncio!

Vendo-se ludibriado, o Grande Soba ordena que imediatamente cortem a cabe-ça a Canjilu, sendo prontamente obedecido.

Ali mesmo, no meio da cerrada mata, a cabeça de Canjilu é decepada e, ante o pasmo de todos, quando esta cai, a caveira dá uma volta e ouve-se nitidamente: osiata ndoyo 26

Artur Filipe

Cuembe

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 97

A Cabra tola e o médico

Na floresta o Cágado gozava de uma consideração sem limites da parte dos ou-tros habitantes. Os seus conselhos eram ricos de sabedoria, e, para ele não havia problemas neste mundo.

- «Os problemas deixam de ser problemas logo que tenham uma solução» – di-zia o filósofo Cágado. - «Para mim tudo tem remédio, tudo se resolve» – concluía.

O Sr. Cágado era também um grande médico. Certo dia, veio ter com ele D. Can-dimba que se queixava de os seus filhotes, apesar de todos os cuidados conti-nuavam magrotes.

- «Minha senhora» - dizia-lhe o cágado - «os seus filhos não estão propriamente doentes. O que precisam é de uma boa alimentação. A falta de vitaminas é que está fazendo mal aos seus filhos. Certos alimentos como carne e ovos são óp-timos para os seus filhinhos «Senhor Cágado – dizia D.Candimba – ovos talvez consiga arranjar. Mas carne...?

- «Escusa de prosseguir: a bom entendor meia palavra basta. Quer dizer que sen-te dificuldade em apanhar animais como cabras, nuces porco, não é verdade?»

«Exactamente, Sr. Doutor».

-- «Eu posso encarregar-me disso desde que me pague bem».

No dia seguinte o Sr. Cágado muito madrugou e, de muhamba ao ombro, mar-chava lentamente em direcção a uma lagoa, donde a bicharia tirava água para o seu consumo caseiro.

- «Aonde vais, ó Cágado» – perguntou-lhe um elefante.

- «Vou apanhar uma cabra tola».

- «Quê! uma cabra... tola? A cabra, por muito tola que seja tu não a podes a apa-nhar, meu amigo».

Finalmente chegou à lagoa. Passados alguns minutos, chega também uma ca-bra trazendo à cabeça uma grande panela de barro.

«Oh! Doutor! Que o traz por aqui?» - pergunta-lhe a cabra.

- «Falta-me andar mais alguns quilómetros para apanhar uma cabra tola que

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quero levar comigo».

- «Não acredito! O Sr. Cágado não consegue apanhar uma cabra. Pelo contrário, a cabra é que o apanha a si. Sempre queria ver como o Sr. Cágado apanha uma cabra»!

- «É muito simples. Mas se quiseres experimentar...»

- «Eu quero ver» - Apressou-se a responder a cabra.

- «Quando encontrar a tal cabra tola – prosseguiu o Cágado - porei primeiro a muhamba no chão, assim ...e dir-Ihe-ei : põe a pata esquerda na muhamba».

E a cabra experimentou pôr a pata esquerda na muhamba.

- «Agora põe também a pata direita. Mete agora uma pata traseira. Mete mais a outra. Encolhe-te bem agora. E, naturalmente, quando encontrar a tal cabra tola, dir-Ihe-ei mais: não te mexas enquanto amarro levemente a boca da muhamba».

E amarrou fortemente, quando disse «levemente». - «Agora experimenta fugir» – ordenou o Cágado.

- «Como posso fugir, Sr. Cágado, se nem sequer me posso mexer? Desamarre-me agora, Sr. Cágado! Desamarre-me! Vou estoirar»!

- «Não te largo porque jamais encontrarei outra cabra tola como tu» – respondeu o Cágado.

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 99

O Leão e o Chacal

O Leão tinha um bode, e o Chacal uma cabra. O Chacal vai ao Leão e diz:

- Majestade, empresta-me o teu bode para fazer criação com a minha cabra. Quando esta for mãe, eu virei trazer-te o bode com o respectivo pagamento.

A cabra, passado tempo, teve dois cabritos: uma fêmea e um macho.

Então o Chacal pegou no bode e na pequena fêmea e levou-os ao leão, dizendo:

- Cá tens o teu bode e também o teu pagamento.

- Nasceu só este cabrito? - Perguntou o leão, dizendo:

- Nasceram dois – respondeu o Chacal.

Então onde deixaste o outro?

- Um deles, o macho, ficou para mim, para fazer criação.

O rei da floresta, quando ouviu tal, ficou zangado e disse:

- Vai já, já, buscar o outro cabrito para mo entregares.

- Quê? Tu queres roubar-me? - Perguntou o cabrito

- Se o meu bode não tivesse fecundado a tua cabra, teria ela porventura tido cabritos? Os dois cabritos são meus, pois o bode é que os gerou.

- Isto não pode ser de forma nenhuma! Tu queres roubar-me porque és rico! Va-mos chamar todos os bichos da floresta para fazerem um julgamento, a fim de vermos se sou eu quem te quer roubar ou se és tu que me queres roubar – res-pondeu Chacal.

- Os animais da floresta reunir-se-ão todos aqui amanhã de madrugada. Mas se eu obtiver razão, hei-de acabar com toda a tua raça! - Disse o rei da floresta, fu-rioso.

Quando Chacal se separou do leão, foi à procura do cágado e disse-lhe:

- Amigo cágado, amanhã tenho um julgamento com senhor da floresta. Vem defender-me!

- Que julgamento é esse?

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O chacal contou-lhe a história entre ele e o leão.

- Está bem. Encontrar-nos-emos amanhã no lugar marcado pelo rei, mas não deixes começar o julgamento sem eu estar presente.

Na madrugada seguinte, todos os bichos se puseram a caminho da ombala 27.

- Estão cá todos? - Perguntou o rei da selva.

- Sim, viemos todos!

Então vamos lá ao julgamento para vermos se chegamos a uma conclusão.

- Não, senhor não pode ser! Ainda falta um – disse chacal.

Quem é que falta ainda? - Perguntou o leão.

É o cágado!

Estiveram os bichos à espera até que sol se ergueu a prumo. O cágado não havia meio de chegar e os animais já começavam a impaclentar-se.

- Façamos o julgamento. Porquê estar a espera de um só? Será ele porventura mais inteligente do que nós?

Mal tinham acabado de falar quando se apresenta o cágado. Assim que ele che-gou disse a hiena:

- Finalmente! Foi este fedelho que fez de nós seus criados. E este bichinho de casca grossa que pretende ser mais inteligente do que todos nós. Toda a manhã estivemos à tua espera. Que andavas a fazer? Todos os teus companheiros vie-ram de manhã cedo!

- Está calado e não me ralhes. Tive que fazer em casa, porque o meu pai deu à luz – disse o cágado.

Todos os bichos presentes ficaram muito admirados com esta desculpa.

- Todos vós que estais aqui presentes: haverá alguém entre vós que tenha conhe-cimento de um macho que desse à luz? - Perguntou o cágado.

Não sabiam como responder. Ficaram embaraçados a olhar uns para os outros, até que um disse:

- Nunca vimos nem ouvimos tal coisa. Só as fêmeas é que podem dar à luz. O teu pai deve ser o único macho, nesta terra, a dar à luz!

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- Ah sim? Então a origem do julgamento por que estais reunidos, qual é? Não sois vós a dizer que o bode teve dois cabritos?

Todos os bichos se puseram de pé. Resmungando, disseram:

- Aqui não há causa justa!

Assim foi declarado o leão vencido por unanimidade, ficando o chacal com am-bos os cabritos.

Carlos Estermann

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102 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

Notas

1 Feiticeiro, curandeiro.

2 Local de reunião, consultório.

3 Buraco, alçapão.

4 Lixeira da aldeia.

5 Coração.

6 A casa, a sede.

7 Aldeia indígena, pequeno

8 Zanga, questão

9 Faca do mato

10 Pendência, desentendimento

11 Dote dado aos sogros pelo futuro marido 12 lavra junto aos rios

13 Aldeias indígenas

14 Dote dado pelo noivo aos pais da noiva

15 Habitação, feita de adobe e capim

16 Humidade excessiva própria do Inverno de Africa

17 Aldeia indígena

18 Dialecto indígena angolano

19 Deus

20 Sai

21 Sai daqui

22 Aglomerado importante, onde geralmente vive o Soba

23 Multas

24 Maveira

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 103

25 Casa grande, feita de estacas sustentando um tecto em forma cónica com cerca de 5 metros de diâmetro e coberto a capim. É dentro ou à volta desta casa (conforme o tempo), que o povo se reúne escutando conselhos e sentenças ditados pelo grande Soba, cujo poder é tão grande que pode mandar matar um seu súbdito sem consulta prévia ao seu «parlamento»

26 «Assim se castigou o atrevimento»

27 Capital

Bibliografia

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VOLUME III | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 111

PREPA

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