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VOLUME I METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESAngua Portuguesa - V1.pdfgua Portuguesa, enquanto língua de escolarização, na formação pessoal, académica e profissional dos professores

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VOLUME I

METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

VOLUME I

Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa

2010

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMÁRIO

REPÚBLICA DE ANGOLAMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Equipa ESE de Setúbal (Portugal)Ana Pires SequeiraFernanda Botelho

José Victor AdragãoLuciano Pereira

MP Benguela (Angola)Colaboração dos professores de Língua Portuguesa de Metodologia

do ensino da Língua Portuguesa

Criação e DesignJL Andrade

www.jlandrade.com

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DOINSTITUTO POLITÉCNICO DE SETÚBAL

www.ese.ips.pt

MAGISTÉRIO PRIMÁRIO DE BENGUELA

também disponível em http://moodle.ese.ips.pt em Projetos – PREPA

Índice

I. Introdução, 07II. Metodologia Geral, 11

III. Oralidade, 13Introdução

A. Língua e linguagem1. O nascimento das línguas2. A estrutura de uma língua

B. A língua materna- sua importância no desenvolvimento pessoal

- sua importância na aprendizagem de outras línguasC. A questão da oralidade

D. Princípios orientadores do ensino do Português1.A oralidade na escola

2.O ensino e a aprendizagem da oralidade3. Compreensão e expressão 4. A avaliação da oralidade

E. Da Escola do Magistério Primário à Sala de aula do Ensino PrimárioPropostas de actividades para o desenvolvimento da compreensão e expressão oral

IV. Funcionamento da Língua, 41A. Introdução

1. A língua, uma dupla convenção2. A gramática

3. A gramática implícita4. Importância do ambiente e da escola

5. A questão da terminologiaA. Conteúdos desenvolvidos neste módulo

1. Razão das escolhas2. Desenvolvimento de cada tema

A. A morfologia verbal1. Noção e importância do verbo

2. Categorias verbais3. O tempo verbal4. O modo verbal

D. A sintaxe1. Noção de frase

2. Estrutura da frase simples3. Da frase simples à complexa

E. A semântica1. Introdução

6 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

2. Semântica vocabular3. Significado e significação4. Campos (ou áreas) lexicais

a. O parentesco b. O meio ambiente

c. Os sentimentosF. Da Escola do Magistério Primário à sala de aula do Ensino Primário

1. Morfologia verbal2. Sintaxe

3. SemânticaV. Bibliografia Geral, 81

1. Importância da disciplina de Língua Portuguesa no curriculum

A decisão política do Estado angolano de ter a língua portuguesa como lín-gua oficial e, por inerência, como língua de ensino e de aprendizagem no siste-ma escolar é razão suficiente para sustentar a importância desta disciplina no curriculum do Ensino Primário e, naturalmente, na formação dos agentes de en-sino nesse nível de escolaridade.

O facto de a língua portuguesa não ser a língua materna de uma alta per-centagem das crianças angolanas (e, provavelmente, dos seus professores) im-plica que o seu ensino se faça com metodologia adequada, capaz de minorar as dificuldades de acesso a uma língua que não se aprende desde o berço e de promover o sucesso dos alunos, como estudantes e como cidadãos. Com efeito, o correcto domínio da língua portuguesa, como receptores e como produto-res, nas suas vertentes oral e escrita, ditará o percurso dos alunos nas restantes disciplinas curriculares e a sua inserção na sociedade, como membros activos de pleno direito. Por outro lado, só professores de comprovada competência no uso reflectido e na metodologia da língua portuguesa (que ensinam e em que ensinam) poderão assegurar o perfeito cumprimento dos objectivos do sistema educativo.

INTRODUÇÃO

I

8 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

2. Estrutura do Módulo

Porque considera que o domínio de uma língua é qualquer coisa de uno e internamente articulado, a equipa que se responsabilizou por esta disciplina, em decisão acordada com os docentes da Escola do Magistério Primário de Bengue-la, propõe um único módulo para a metodologia da Língua Portuguesa, com os seus capítulos na seguinte ordem:

– Metodologia Geral

– Oralidade

– Funcionamento da Língua

– Leitura e Escrita

– Texto Literário

Todavia e para efeitos de edição organiza-se em três volumes, distribuídos da seguinte forma:

Volume I

Introdução

Metodologia Geral

Oralidade

Funcionamento da Língua

Bibliografia Geral

Volume II

Introdução

Metodologia Geral

Leitura e Escrita

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Bibliografia Geral

Volume III

Introdução

Metodologia Geral

Texto Literário

Antologia Poética Africana

Contos Angolanos

Bibliografia Geral

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Inúmeros estudos têm correlacionado directamente o bom domínio da língua com o sucesso escolar, a integração social, salientando ainda as suas implicações no exercício de uma cidadania activa e consciente. Sabemos que um baixo nível de domínio da língua oral e escrita compro-mete directamente o desempenho académico, porquanto este domínio é factor de sucesso nas outras disciplinas, interage negativamente com o desenvolvimento pessoal, uma vez que é a língua que fornece catego-rias para a organização do pensamento, e, consequentemente, tem refle-xos evidentes na qualificação e desempenho profissional dos cidadãos. Acrescente-se ainda que a língua é meio de comunicação e interacção social e constitui um dos suportes da tradição.

Assim, com este módulo pretende-se actualizar e consolidar aspectos estruturais e de funcionamento da Língua Portuguesa, nas suas vertentes oral e escrita, tendo sempre presente a importância do domínio da Lín-gua Portuguesa, enquanto língua de escolarização, na formação pessoal, académica e profissional dos professores.

As propostas elaboradas procuram responder às necessidades do pú-blico a que se destina, isto é, professores e estudantes de Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa das escolas do Magistério Primário em Angola.

METODOLOGIA GERAL

II

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Os conteúdos apresentados decorrem destes princípios. A proposta metodológica do módulo é que os conteúdos sejam trabalhados por for-ma a que os formandos deles se apropriem e, simultaneamente, sejam capazes de os adequar a situações pedagógicas posteriores.

A concepção das actividades teve em consideração a experiência dos formadores da Escola Superior de Educação de Setúbal e as experiências reais dos professores da Escola do Magistério Primário (EMP) de Benguela e ainda o conhecimento adquirido nas visitas a algumas escolas primárias desta província.

Os capítulos que o compõem - Oralidade, Leitura e Escrita, Funciona-mento da língua e Texto literário - foram elaborados, organizados e ex-perimentados com os formadores da EMP de Benguela e muitas das suas actividades testadas em situação de aula com os estudantes desta escola de formação de professores, ao longo de sete missões realizadas pelos seus autores para o efeito.

INTRODUÇÃO

A. Língua e linguagem

A capacidade de linguagem, isto é, a possibilidade de utilizar os sons orais (produzidos na boca, pelos “órgãos da fala”) para exprimir o seu pensamento e comunicá-lo aos outros, é inata no homem. É verdade que, ao nascer, a criança não sabe falar mas tal capacidade adquire-se muito cedo e vai-se desenvolven-do com a idade. Só em caso de graves lesões no cérebro ou no aparelho fonador (ou se, por acaso excepcional, não houver qualquer contacto social, nem com os pais, nem com qualquer outra pessoa) é que esta capacidade não é exercida. Ainda assim, a criança será capaz de encontrar outros meios de comunicar.

Ao contrário da escrita ou da habilidade para fazer um cesto ou guiar um automóvel, que requerem uma aprendizagem, a aquisição da comunicação oral faz-se de uma forma natural, sem que seja possível medir o trabalho do «mestre» nem o do «aprendiz».

Tudo começa no cérebro, no sítio onde nascem e se organizam os nossos pensamentos. A complexidade do cérebro humano já foi muito estudada e sabe-

ORALIDADE

III

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-se hoje muito acerca da forma como ele funciona, como recebe as impressões colhidas pelos órgãos dos sentidos (pela vista, pelo ouvido…), como escolhe aquelas que lhe interessam e rejeita outras, como as organiza e faz delas ideias que se articulam com outras ideias já existentes… E ainda a forma como imagi-na, como cria ideias «a partir do nada», como é capaz de se separar do objectivo e do concreto e partir para descobertas e invenções, sonhos e aspirações.

Mas o homem não é só pensamento, tal como o cérebro não é só um instru-mento para armazenar e organizar o conhecimento. Os antigos diziam que o homem é um «animal social», que vive com os outros, aprende com os outros e precisa de comunicar com os outros para poder subsistir. E é deste modo que aparece a linguagem.

1. O nascimento das línguas

Pouco sabemos acerca dos tempos em que nenhum dos homens sabia escre-ver e, portanto, acerca da forma como apareceu a linguagem humana – não há registos desses tempos. No entanto, o que conhecemos hoje acerca dos povos não alfabetizados diz-nos que desenhos nas árvores e pedras no chão serviram muitas vezes para transmitirem informações uns aos outros, para «falar» com os que não estavam perto. Mas tudo leva a crer que, desde sempre, quando esta-vam em presença uns dos outros, os homens terão usado a voz para comunicar, tanto os seus pensamentos, como os seus desejos. E assim nasceram as línguas.

Como foi a primeira língua? Ninguém sabe. Uma coisa é certa: é que ela servia para comunicar, quer dizer, ela era a mesma para os interlocutores, era conhecida por todos dentro da comunidade falante. E mais: ao nascerem, as crianças eram logo «mergulhadas» nessa língua e, muito cedo, aprendiam a comunicar com os pais, com os irmãos, com os velhos. Não custa a acreditar que, mesmo nas socie-dades mais primitivas, essa língua pudesse ir mais longe do que responder às necessidades imediatas e servisse para contar a história dos avós, para partilhar os desejos mais profundos, para dizer o amor e a raiva. Também é compreensível que, sendo sociedades fechadas, cada grupo (tribo, povo) tivesse uma língua própria, que transmitia de pais para filhos e que, de alguma forma, manifestasse a sua organização mental, a sua estrutura social, as suas crenças: língua que era, ao mesmo tempo, vínculo de unidade entre os membros daquele grupo e fron-teira que os separava dos outros, amigos ou inimigos. Muito cedo, na história da

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humanidade, começaram a aparecer os tradutores, pessoas que por qualquer razão dominavam duas línguas e serviam para se estabelecer o contacto entre povos diferentes.

2. A estrutura de uma língua

O que sabemos hoje acerca de centenas (milhares) de línguas existentes no planeta diz-nos que todas elas têm em si dois princípios de força e de limitação: a gramática e o léxico. A gramática é a estrutura que as suporta tal como o es-queleto suporta os nossos músculos, as relações de número, género, tempo, os mecanismos de comparação, designação, hierarquização. O léxico é o conjunto de palavras disponíveis para dizer as realidades, quer as que são objectivamente detectáveis (os nomes concretos, por exemplo), quer as que existem apenas no pensamento e no sentir dos homens, ou para exprimir relações, acções ou quali-dades (os adjectivos, as conjunções…).

Mas a gramática tem limitações. Uma gramática que, eventualmente, não distinga o género das palavras terá de encontrar artifícios para não confundir uma cabra e um bode ou então usar para eles um único termo, neutro, que ig-nore a diferença entre o macho e a fêmea, como nós fazemos com a girafa ou com os nomes dos peixes. Uma gramática que distinga no possessivo o plural do possuidor (o que é dele e o que é deles) e o do possuído (um objecto, muitos objectos) terá mais facilidade em transmitir plenamente a noção e os contornos de uma posse. O mesmo se passa com o léxico: uma língua que se refira a três tons de azul com palavras diferentes terá muito mais possibilidades de definir as cores do que outra língua que confunda azul e verde num mesmo vocábulo, por exemplo.

Muitas vezes, aquilo que nos parece ser uma enorme riqueza de uma língua em relação a outra não é mais do que o fruto de uma organização social espe-cífica ou de um conjunto de oportunidades e circunstâncias. A língua de um povo que distinga, na família, diferentes relações na linha matriarcal e patriarcal distinguirá provavelmente o irmão da mãe e o irmão do pai com palavras dife-rentes, enquanto outras terão uma só palavra para dizer tio. Tal como as línguas de povos que não conheçam a cultura do vinho ou o uso dos computadores não terão muitos termos para designar a actividade vinícola ou informática.

Muito frequentemente, o que verificamos é que, tanto na gramática como

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no léxico, as línguas dispõem de materiais que se compensam e cobrem o que a um estranho parecem ser falhas ou deficiências, sendo perfeitamente capazes de responder às necessidades culturais, sociais e comunicativas dos povos que as usam.

B. A língua materna

- sua importância no desenvolvimento pessoal

Cada um de nós, como atrás se dizia, é confrontado com uma língua mal aca-ba de nascer. Alguns garantem que, ainda no seio materno, o nascituro ouve e reage aos sons da fala da mãe. Essa primeira língua, a que chamamos «língua materna» é essencial para o desenvolvimento das relações sociais (que permi-tem à criança exprimir as necessidades básicas e obter satisfação – comida, hi-giene, carinho) e da organização mental (que lhe permite construir um pensa-mento próprio e compreender o mundo que a rodeia). Daqui decorre também a importância de proteger e reforçar esta língua no sentido do desenvolvimento pleno do indivíduo e do crescimento das suas capacidades. Aí radica a responsa-bilidade da sociedade em facultar à criança condições externas e internas para que ela atinja o domínio completo e eficaz da sua língua materna. É nela que a criança, o jovem, o adulto vai pensar, imaginar, sonhar, rezar; é ela que lhe vai fornecer as categorias mentais, as percepções da sociedade que o envolve, os instrumentos que lhe permitirão exercer os seus deveres cívicos e reclamar os seus direitos como membro dessa sociedade.

Sabemos que, em muitos países, esta atenção e reforço da língua materna é praticamente impossível – quer se trate de uma língua minoritária e não nor-malizada (sem apoio escrito, por exemplo), quer de uma sociedade plurilingue e sem possibilidade de resposta a todo os idiomas que nela estão presentes, ou ainda de uma família emigrante e sujeita à pressão linguística dos que a ro-deiam. No entanto, o desejável é que todo o indivíduo seja respeitado na sua língua materna e nela possa construir os mecanismos de auto-afirmação e de integração social.

- sua importância na aprendizagem de outras línguas

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Mesmo nos casos acima descritos (especialmente nos casos acima descritos), é a língua materna porta de entrada para a aprendizagem de outras línguas que, eventualmente, serão mais úteis ao falante para participar na sociedade em que as circunstâncias o inseriram ou, meramente, por interesses culturais ou acadé-micos. É por comparação com a sua língua materna, por aproximações e diferen-ciações, que cada indivíduo aprende uma nova língua e a assimila. Isto é válido tanto para a gramática, com as suas regras e categorias, como para o vocabulá-rio, com as suas especificidades, riquezas e aparentes deficiências.

Sabemos que as marcas da língua materna são frequentemente indeléveis e um bom professor de línguas estrangeiras deve ter em conta o passado linguísti-co dos seus aprendizes: ensinar português a um chinês não é o mesmo do que a um falante de umbundo. É necessário ter em conta os hábitos articulatórios (que chegam a criar situações de «surdez fonológica», tornando o aprendiz incapaz de distinguir e pronunciar certos sons da nova língua), a estrutura gramatical, a hierarquização lexical, os padrões semânticos, os usos pragmáticos. Tudo isto interfere na aprendizagem de uma outra língua com consequências inesperadas para quem não conhece minimamente o passado linguístico dos seus alunos.

Digamos, em abono da verdade, que, em alguns casos, o professor recebe uma ajuda exterior que não pode ignorar – refiram-se as situações da aprendi-zagem do que se convencionou chamar «língua segunda»: a língua do país de imigração, ou da sociedade dominante, ou da escola. Se o indivíduo está imerso numa outra língua, se em toda a parte a ouve falar ou a encontra escrita, se ela lhe faz falta para sobreviver no imediato ou num futuro próximo e previsível, as circunstâncias de aprendizagem são totalmente diferentes do que quando se aprende por gosto ou por dever escolar uma língua estrangeira. Mas, aqui, há ainda outras questões a ter em conta: nem sempre se aprende a língua segunda por prazer ou por dever assumido e, às vezes, o aprendiz sente-se violentado nos seus direitos de homem e de cidadão, chegando a viver situações de revolta mais ou menos surda.

C. A questão da oralidade

O que se tem vindo a dizer assume uma particular relevância no que toca à oralidade.

Consideramos com facilidade que a oralidade é o espaço da nossa intimidade,

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das relações com os que nos estão próximos, sejam eles amigos, companheiros, rivais. É com eles que estabelecemos as relações preferenciais, é a eles que te-mos de compreender, explicar as nossas ideias, exprimir os nossos sentimentos e desejos, conversar, discutir, namorar. E, na maior parte dos casos, a oralidade da nossa língua materna é bem suficiente para tal. Aprender (compreender, utili-zar) a componente oral de outra língua parece supérfluo, para não dizer artificial. Não é por acaso que, durante muitos anos, o ensino das línguas estrangeiras privilegiava a componente escrita – particularmente a leitura e compreensão de textos –, em detrimento da prática da oralidade – da conversa, da discussão…

A verdade, no entanto, é que, sendo a oralidade a expressão primária (porque primeira) de uma língua e a escrita uma actividade secundária, se torna essencial trabalhá-la e desenvolvê-la até se dominar de uma forma segura a capacidade de ouvir (e entender) e de falar (e ser compreendido), mesmo na língua materna. Só então, se for o caso disso, conseguirá a escrita atingir a desenvoltura que se pretende, tanto na vertente da leitura como na da produção de textos correctos, adequados e eficazes.

D. Princípios orientadores do ensino do Português

O ensino de uma língua que não a materna não pode ignorar todos estes factores e os programas escolares que o suportam devem tê-los em linha de conta. Ensinar uma língua não é como gravar uma informação em cima de uma «tábua rasa» – o aprendiz já dispõe de um instrumento (mais ou menos conso-lidado) para comunicar com os outros e exprimir a sua originalidade e, através dele, já organizou a sua capacidade de compreender e interagir com o mundo. Aprender uma segunda língua não é só aprender a articulá-la com a que ante-riormente existia (e, preferencialmente, continua a existir e a desenvolver-se); é muitas vezes apreender uma nova visão do mundo, uma nova cultura, uma nova teia de relações sociais.

1. A oralidade na escola

Tudo o que atrás se diz se reveste de contornos muito mais prementes quan-do se trata de ensinar uma língua oficial a crianças analfabetas na sua língua ma-

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terna – no caso de Angola, a raiz desse analfabetismo prende-se, não só à tenra idade das crianças (como acontece, por exemplo, à aprendizagem do francês ao filho de um imigrante português em França) mas também ao facto de grande parte das línguas nacionais de Angola não ter um suporte escrito (isto é, toda a população é analfabeta nessas mesmas línguas).

Por isso, o ensino do português na escola primária em Angola tem necessa-riamente de passar por um desenvolvimento efectivo da prática da oralidade, tanto na compreensão de mensagens recebidas como na construção de textos orais que exprimam, de uma forma correcta e eficaz, as necessidades, os pensa-mentos, as emoções dos pequenos aprendizes.

Por vezes, confunde-se a prática da oralidade com a capacidade de leitura oralizada de textos escritos. Há, naturalmente, pontos em comum e a prática de uma leitura em voz alta é essencial para se poderem corrigir deficiências de pronúncia ou desvios de entoação, capazes de perturbar a recepção do ouvin-te e, eventualmente, alterar o sentido do que se quer dizer. Não pode, pois, o professor descurar este tipo de exercícios, velando pelo progresso do grau de dificuldade e pela variedade das situações comunicativas presentes nos textos propostos para leitura. Mas não poderá nunca convencer-se de que está a “trei-nar a oralidade” só porque pede aos alunos que participem nesses mesmos exer-cícios. O âmago da oralidade, a capacidade de se construírem actos de fala que traduzam, de uma forma autónoma e fluente, o pensamento ou o sentimento do falante, não tem muito a ver com a proclamação, ainda que muito correcta, de textos que outros escreveram (nem sequer de textos que o próprio escreveu).

2. O ensino e a aprendizagem da oralidade

Este ensino/aprendizagem comporta vários vectores, todos eles igualmente importantes, que, por uma questão organizativa, se vão expor aqui um a um, sem que isso signifique a sua hierarquização.

a) O primeiro é de ordem fono-fonológica. Desde que nasceu, a criança ou-viu os sons da sua língua materna e, como qualquer outra criança, habituou-se a reproduzi-los, corrigindo os erros e aceitando as correcções dos mais velhos. Em muitos casos, há sons nessa língua que são profundamente diferentes dos da nova língua a aprender. Noutros casos, e tudo se torna então mais complicado,

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as diferenças são mínimas e só um bom treino do ouvido as distingue. Perante uma nova língua, o falante, com o ouvido habituado aos padrões e às distinções que funcionam na sua língua materna, tem tendência a neutralizar esses matizes aparentemente pouco interessantes e a reduzi-los aos que constam no sistema fonológico da língua em que aprendeu a falar. Por outras palavras, as marcas sonoras da língua materna bloqueiam a percepção de novas sonoridades e o resultado são situações de verdadeira surdez fonológica, com consequências na produção de frases orais porque, não percepcionando distintamente o que lhe é dito, muito difícil se torna a articulação correcta de palavras da língua que está a aprender. O problema torna-se ainda mais complexo quando a criança está rodeada de outras crianças, e até de adultos, que utilizam a segunda língua de uma forma descuidada, sem grandes preocupações de correcção articulatória. O professor terá de encontrar mecanismos (entre eles, uma efectiva preocupa-ção de auto-correcção) que ajudem o aluno a ultrapassar essas dificuldades, as quais, de outra forma, lhe vão perturbar a compreensão das frases, a articulação das palavras, a escrita dos seus próprios textos. Não se esqueça, no entanto, que a pouca idade do aprendente funciona a seu favor, uma vez que normalmente ele não terá ainda adquirido “vícios” fonológicos inultrapassáveis.

b) O segundo vector age no campo do vocabulário. Por um lado, as pala-vras que a criança conhece dizem a realidade que a viu crescer e a aprendizagem de uma nova língua lançá-la-á noutra realidade, por vezes bem diferente; por outro lado, a falta de consciência fonológica nessa nova língua pode conduzir a confusões em palavras parónimas e prejudicar a comunicação linguística. Igno-rar este facto pode perturbar, desde os primeiros contactos, a relação pedagógi-ca e impedir um harmonioso progresso escolar.

c) Outro vector relaciona-se com a gramática e é determinante, sendo normalmente tão discreto que é possível não o reconhecer. No entanto, as es-truturas gramaticais das línguas da família Banto têm profundas diferenças em relação às línguas europeias, designadamente no campo da morfologia nominal (com reflexo na organização vocabular) e verbal (com manifestações na cons-trução frásica). Perceber minimamente a estrutura gramatical da língua materna dos seus alunos é, pode dizer-se, um dever de todo o professor de ensino pri-mário; treinar oralmente as situações em que se manifestam as diferenças mais importantes é uma necessidade, uma tarefa que dará bons frutos ao longo dos anos e das actividades futuras.

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d) Finalmente, o vector pragmático, presente desde o primeiro momento e tantas vezes ignorado, exige uma atenção constante e uma atitude pedagógica específica. Para todas as crianças, a chegada à escola é o choque com um mundo novo, com uma profusão de relações inesperadas, com um conjunto de regras até então desconhecidas. Para uma criança que aprende uma língua estranha, esse choque é ainda maior porque, em grande parte dos casos, ela não é capaz de criar por si só os mecanismos de defesa e de auto-afirmação. E é na oralidade que eles se manifestam e se desenvolvem. Cabe ao professor ensinar a estar, a interagir, a ser oportuno, a usar as palavras certas no momento certo, a controlar a entoação…

3. Compreensão e expressão

Pensar sobre o desenvolvimento da oralidade no Ensino Primário impõe que se olhe esta competência nas duas faces que a compõem: a compreensão oral e a expressão oral.

A compreensão do oral (CO) é a competência responsável pela atribuição de significado a cadeias fónicas produzidas de acordo com a gramática de uma lín-gua. Envolve a recepção e a decifração da mensagem e implica o acesso e a arti-culação com a informação linguística registada permanentemente na memória.

A compreensão e a expressão orais (EO) relacionam-se, intimamente; todavia, por sistema, a CO precede a EO, no sentido em que, ao utilizar a linguagem, a criança compreende primeiro e só posteriormente é que produz. Parece pois evidente que dificuldades de compreensão do oral conduzam à perda de infor-mação, à incapacidade de prestar atenção à mensagem ouvida e reter o seu con-teúdo, dificultando a recuperação da informação transmitida oralmente. Daqui, pode-se facilmente concluir que, dado o peso da CO na eficácia da comunicação escolar, designadamente, no acesso ao conhecimento, o domínio desta compe-tência é vital para o sucesso escolar. Além disso, ser capaz de ouvir é reflectir sobre o que os outros dizem e, no seio de uma estrutura social, é enriquecedor compreender os outros.

A Expressão Oral é a capacidade que os falantes têm para produzir cadeias fónicas dotadas de significado e conformes à gramática de uma língua; envolve o planeamento do que se pretende dizer, o recurso a um vocabulário disponível,

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a formatação linguística do enunciado e a sua execução articulatória.

Este último aspecto comporta dois elementos que se hão-de ter em conta e a que atrás brevemente nos referimos.

Um deles é de ordem tendencialmente mecânica e refere-se à capacidade de pronúncia correcta e solta das palavras de uma língua. Na aprendizagem de qualquer língua, o confronto com palavras desconhecidas cria hesitações e pode quebrar o ritmo da produção de uma frase, de um discurso. O mesmo se dirá, com mais razão, quando se está a usar uma língua que não a materna em que, ao desconhecimento de certos vocábulos, se junta por vezes a ocorrência de sons que não fazem parte do sistema fonológico original do aluno.

O outro elemento é de ordem comunicativa: referimo-nos à prosódia. Aqui se agrupam, por um lado, as entoações basicamente interactivas, as de interro-gação e as de espanto, as de hesitação, as de desdém, as de dúvida… Mas, por outro lado, não se pode descurar a pragmática linguística e as correspondentes entoações de pedido, de promessa, de elogio, as formas de interromper, de pe-dir a palavra, de saudar, de se despedir, de falar ao telefone…

À entrada da escola, a criança é capaz de uma conversa espontânea na sua língua materna, mas, como sabemos, esta não é ou nem sempre é o Português. Compete, pois, à Escola e ao professor construir situações favorecedoras da aqui-sição de vocabulário preciso e diversificado, de uma progressiva complexidade sintáctica na construção frásica e discursiva, de confronto com variadas e esti-mulantes situações de interacção comunicativa, que proporcionem aos alunos aprendizagens conducentes ao desenvolvimento da sua compreensão e expres-são orais em Português, de modo a que, progressivamente, se exprimam com fluência e adequação aos vários géneros do oral, incluindo os públicos e formais (entrevista, debate, exposição…).

Esta atenção à componente oral, essencial na escola primária, é um dever de todo o professor, ao longo de toda a escolaridade. Aprender a exprimir-se oral-mente é ser capaz de reflectir sobre os vários géneros do oral, conhecendo as regras sociais que os regulam; prever as reacções dos interlocutores, reformulan-do o seu discurso em função dos mesmos e construir estratégias para informar, narrar, persuadir e explicar. Trabalhar, desenvolver esta competência comunica-tiva estende-se, por isso, muito para além dos poucos anos que a criança passa na escola primária.

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Tudo isto se faz com exercícios específicos de compreensão e expressão ver-bal. Tudo isto se faz dando à oralidade um peso (um tempo e uma atenção pri-vilegiada) que sirva de porta de entrada eficaz para um percurso escolar que se deseja rápido e eficiente. Para tal, no entanto, é essencial que o professor tenha um uso seguro e escorreito da oralidade em língua portuguesa e que não perca qualquer oportunidade de a praticar.

Os exercícios que se seguem, que têm como destinatário preferencial as crianças que frequentam a escola primária e propõem aos (futuros) professores formas de desenvolver as suas competências na oralidade, podem ser frutuosa-mente utilizados por estes, para, com as necessárias adaptações de conteúdo e complexidade, melhorarem a sua proficiência e se tornarem cada vez mais efi-cazes no ensino dos seus alunos. Por isso, sistematicamente, foram introduzidas questões e propostas de tratamento dos mesmos nas aulas das escolas do Ma-gistério Primário.

4. A avaliação da oralidade

A primeira das avaliações da oralidade é a que cada um faz de si mesmo, ao verificar se as suas produções atingem ou não os fins desejados. Esta prática de auto-avaliação oral começa muito cedo, nas primeiras trocas linguísticas da criança e pode durar toda uma vida, evoluindo com o grau de exigência de cada falante, com o meio social em que se move, com a profissão que tem, com os objectivos que pretende alcançar.

Por vezes, ela é automática porque facilmente o falante detecta a ineficácia ou a imperfeição da sua tentativa de comunicar. Outras vezes, implica uma re-flexão mais cuidada, com a procura da melhor forma para exprimir determinado conteúdo em determinada circunstância. Nestes casos, e quando não procura espontaneamente um recurso exterior, precisa o falante de ser ajudado a avaliar a sua produção, para ser capaz de reconhecer a origem da falha e de a corrigir.

A avaliação da oralidade em contexto escolar é uma tarefa simultaneamente delicada e complexa.

Por um lado, sendo a oralidade uma competência básica e indispensável para o sucesso em (quase) todas as disciplinas curriculares, não pode o professor de forma alguma descurar a sua constante avaliação e, sempre que necessária, cor-recção. No entanto, de acordo com a mais elementar pedagogia, não se deve

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fazer apelo a competências mais complexas para avaliar as mais simples. Por ou-tras palavras, a avaliação da oralidade terá de ser oral, sem recurso a materiais escritos.

Por outro lado, a expressão oral implica uma componente psicológica incon-tornável – a timidez ou a desenvoltura do aluno podem encobrir ou potenciar a competência linguística –, do mesmo modo que a memória auditiva tem par-ticular incidência na compreensão oral. Não ter estes factores em conta pode induzir situações de injustiça mais ou menos evidente.

Finalmente, a envolvência social do aluno é determinante para ambas as competências orais (compreensão e expressão), revelando saberes oriundos de espaços exteriores à escola e que, portanto, escapam ao controlo do professor.

Por estas razões, parece ser de bom senso que, procurando sempre e insis-tentemente alcançar a boa proficiência das competências de oralidade dos seus alunos, não será justo o professor fazer dela componente determinante para os classificar.

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E. Da Escola do Magistério Primário à Sala de aula do Ensino Primário

- propostas de actividades para o desenvolvimento da compreensão e expressão oral -

ACTIVIDADE nº1 - Fotografia

RECURSO – uma fotografia

Legenda: ACÁCIA RUBRA – ex-libris da Cidade de Benguela

1- Actividades a realizar na EMP

O professor mostra a fotografia à turma e lê a legenda.

Em seguida, passa-a a um grupo de estudantes (os grupos devem ser consti-tuídos por 3 a 5 elementos).

26 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

O grupo seleccionado deve observar a fotografia, descrevê-la e ler a legen-da. Um dos elementos do grupo repete para toda a turma o efectuado, ou seja descreve-a (a descrição apresentada deve ser fruto de um consenso encontrado no grupo) e lê a legenda.

Toda a turma deve estar atenta à descrição e à leitura.

A descrição ouvida deve ser objecto de discussão, em turma. Esta deve ali-cerçar-se em:

- fidelidade à imagem (elementos, cor, …);

- riqueza ou não do léxico utilizado;

- dicção utilizada;

- correcção na leitura da legenda.

Em seguida, os grupos de estudantes devem elaborar um questionário escri-to (3 a 5 questões no máximo) contendo perguntas de verificação da compreen-são (compreensão do oral).

Os grupos trocam os questionários entre si e respondem ao que lhes foi atri-buído. Ao responderem devem verificar se as questões formuladas correspon-dem ou não a uma compreensão do que foi dito.

Segue-se o colocar em comum das conclusões obtidas, por cada um dos gru-pos de trabalho. Exemplo:

- no quadro, o professor organiza uma tabela.

Questões que não correspondem à compreensão da descrição ouvida

Questões que correspondem à com-preensão da descrição ouvida

..... .....

..... .....

..... .....

- os estudantes referem exemplos a inserir em cada uma das colunas.

Após o preenchimento da tabela o professor direcciona a discussão para os

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 27

pressupostos inerentes ao trabalho realizado, ou seja a importância da prática e da exposição à língua.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

O professor mostra a fotografia aos alunos, descreve-a e lê a legenda. Exem-plo de possível descrição:

A imagem mostra-nos, ao fundo, um céu límpido. Em primeiro plano vemos ra-mos de uma árvore. Os ramos da árvore são de um verde intenso. Um dos ramos, o que fica mais à esquerda, está completamente florido. As flores, em cachos, são vermelhas. São as flores da acácia rubra.

Sugestão: conforme vai descrevendo a fotografia, indica os elementos que vai referindo, de modo a que os alunos visualizem o que está a descrever.

A descrição deve ser repetida mais do que uma vez, bem como a leitura da legenda.

Em seguida, o professor solicita a um aluno que repita a descrição que ouviu. Esta tarefa pode ser solicitada a mais do que um aluno. Sempre que um aluno finalizar a sua descrição, o professor questiona outro sobre a descrição ouvida. Exemplos:

- a Maria (nome do/a aluno/a) não se esqueceu de nada?

- a Maria conseguiu recordar-se de tudo o que ouviu?

- a Maria pronunciou correctamente todas as palavras?

- …

O professor pede aos alunos que refiram palavras de que não saibam o signi-ficado. Lista as palavras no quadro, e escreve o seu significado. Lê, em voz alta,

28 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

o que escreveu e pede a um aluno, ou a mais alunos, que faça(m) o mesmo. Segue-se questionamento sobre a descrição do professor. Exemplos de possí-veis questões a colocar:

- de que cor está o céu?

- a imagem mostra-nos ramos de uma árvore?

- de que cor são as flores da fotografia?

- como se chama a flor fotografada?

- qual a data referida na legenda?

- …

No quadro o professor escreve algumas das respostas dadas. Segue-se um jogo realizado oralmente: adivinhar a que pergunta corresponde cada uma das respostas escritas. O professor vai solicitando o pretendido a um aluno de cada vez, questionando sempre a turma sobre a concordância ou não com o referido pelo colega.

No final do jogo o professor solicita a um ou mais alunos que façam, oralmen-te, a sua própria descrição da fotografia. Segue-se a avaliação da mesma por ou-tro colega, ou seja outro aluno avalia o referido pelo colega tendo em atenção:

- a fidelidade à descrição efectuada pelo professor.

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 29

ACTIVIDADE nº 2 – Vamos Jogar…

RECURSO – texto recolhido ou produzido pelo professor

Exemplo:

Pepetela nasceu em Angola em 1941. Professor e romancista, é um dos escritores angolanos mais conhecidos internacionalmente e um escritor de destaque na literatura lusófona. Em 1987 foi-lhe atribuído o Prémio Camões pelo conjunto da sua obra. Os seus romances estão traduzidos em várias línguas.

In: Pepetela (2002) “As aventuras de Ngunga” Lisboa: Publicações Dom Quixote.

1- Actividades a realizar na EMP

O professor lê o texto em voz alta, uma ou duas vezes. Pede a um ou vários estudantes que refiram palavras, do texto, que tenham retido.

Em seguida, o professor escreve o mesmo texto três vezes, no quadro. Pede a três estudantes que se dirijam ao quadro. Cada um terá de apagar o mais rápido possível as palavras que o professor for dizendo. Ganha o estudante que mais rapidamente apagar as palavras ditadas.

Nota: o professor pode ditar palavras que não estejam no texto. É uma forma de tornar mais aliciante e complexo o jogo.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

Esta actividade pode ser adaptada a alunos do Ensino Primário.

30 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

ACTIVIDADE nº 3 – Noticiário

RECURSO – um aparelho de rádio

1- Actividades a realizar na EMP

O professor leva para a aula um aparelho de rádio. Sintoniza uma estação de rádio num noticiário.

Após a audição do noticiário, os estudantes organizam-se em pares. Um dos elementos relata ao outro uma das notícias ouvidas.

Em seguida, o professor propõe que os diferentes pares preparem uma ques-tão referente à notícia relatada, por um dos seus elementos. Os grupos apresen-tam a sua questão aos outros colegas que têm de adivinhar qual a notícia em causa.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

Esta actividade pode ser adaptada a alunos do Ensino Primário.

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 31

ACTIVIDADE nº 4 – Atenção às Instruções…

RECURSO – Vários cartões com diferentes instruções

Por exemplo:

Vira à esquer-da e salta

com o pé di-reito no ar.

Com os olhos fechados le-

vanta o braço esquerdo.

Com os bra-ços no ar dá uma volta completa.

Dá três pas-sos para trás e dois passos para a frente.

….

1- Actividades a realizar na EMP

O professor elabora vários cartões, cada um deles tem uma instrução diferente. Em seguida, organiza os alunos em pares. A um dos elementos dá um conjunto de cartões. O estudante lê a instrução e o par tem de a executar. Em seguida, trocam de papéis.

Nota: o professor pode solicitar aos estudantes que refiram as instruções a inserir nos cartões.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

O professor elabora vários cartões, cada um deles tem uma instrução diferente. Em seguida, lê a instrução e os alunos executam.

Esta actividade pode ser ainda aproveitada para trabalhar noções como: esquer-da, direita, em cima, em baixo, atrás, à frente, … para tal o professor só tem de incluir instruções nesse sentido. Por exemplo:

Põe o cader-no em cima

da mesa.

Põe o lápis por baixo do

caderno.

Põe a pasta em cima da

cadeira.

Levanta o pé esquerdo. …….

32 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

ACTIVIDADE nº5 – Recorte de jornal

RECURSO - recorte de jornal

Exemplo:

TEMPO

Sol – encoberto (imagem)

Possibilidade de aguaceiros (imagem)

Temperatura – 20º (imagem)

1- Actividades a realizar na EMP

Previamente o professor solicita aos estudantes que tragam, para a sala, recortes de jornal com a previsão do tempo (imagens), para uma semana.

Com os diferentes recortes o professor propõe que os estudantes, em grupos, organizem os seus recortes pelos dias da semana, de domingo a sábado.

Em seguida, o professor solicita a um grupo que refira:

- a fonte da informação trazida;

- a semana a que se refere a previsão do tempo;

- a previsão do tempo.

Um dos elementos do grupo questiona outro colega (de outro grupo) sobre a informação ouvida. Sempre que necessário corrige o colega.

Este exercício pode repetir-se o número de vezes que o professor considerar ne-cessário, com recurso aos outros grupos de estudantes.

Finalizado este exercício, o professor propõe a elaboração de gráficos. Cada gru-

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 33

po vai elaborar o seu próprio gráfico da previsão do tempo para uma semana.

Antes da elaboração o professor deve definir os elementos a contemplar.

Exemplo de um gráfico:

Após a realização do trabalho por todos os grupos, deve proceder-se à verifica-ção dos gráficos. Para isso, cada grupo deve ser responsabilizado pela verificação do trabalho de outro grupo.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

O professor mostra um recorte de jornal aos alunos com a previsão do tempo (imagens). Anteriormente, reproduz em cartolina (ou noutro papel) o recorte, de modo a que seja visível por toda a classe. Assim, tem o material em tamanho real e ampliado.

Lê o recorte aos alunos, explica algumas palavras cujo significado as crianças ainda não saibam e pede a várias que repitam o que acabaram de ouvir.

Segue-se uma discussão orientada pelo professor sobre as diferenças ou seme-lhanças entre a previsão do tempo lida e o tempo no dia em que estão a realizar o trabalho.

Após essa discussão o professor elabora no quadro uma tabela semanal intitu-lada - TEMPO.

34 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

A tabela tem como objectivo o registo diário do tempo (dos dias em que as crianças vão à escola).

Exemplo:

Tempo Segunda--feira Terça-feira Quarta-

-feiraQuinta-

-feira Sexta-feira

Sol

(imagem)

Sol

(imagem)

Aguaceiros

(imagem)

Nuvens

(imagem)

Chuva forte

(imagem)

Trovoada

(imagem)Trovoada (imagem)

Chuva forte

(imagem)

…..

Na primeira coluna são apresentadas as imagens. As diferentes imagens devem ser feitas pelos alunos, em cartolina (ou num papel igualmente forte), e recorta-dos de modo a poderem ser afixados numa tabela (igual ou semelhante à apre-sentada). Os desenhos podem ser guardados em sacos de plástico (pequenos) presos por um prego à parede. Irão ser afixados (com um pouco de fita cola en-rolada) na cartolina que vai ser afixada numa parede da sala e onde, diariamente, um aluno fica responsável por assinalar o tempo.

Todos os dias o professor solicita ao aluno responsável pela tarefa que refira aos colegas o que assinalou.

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 35

ACTIVIDADE nº 6 - Vamos desenhar…

RECURSO – um texto descritivo

1- Actividades a realizar na EMP

O professor selecciona um texto descritivo, por exemplo: descrição de uma pai-sagem. O texto deve ser rico em pormenores.

A partir da audição do texto os alunos desenham o que foi descrito.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

Esta actividade pode ser adaptada a alunos do Ensino Primário. Contudo o pro-fessor deve ser criterioso na escolha do texto a ler, deve escolher não só um texto rico em pormenores como não deve ser um texto longo.

36 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

ACTIVIDADE nº 7 – Visita de estudo

RECURSO – Visita ao Mercado

Legenda: Mercado de Benguela

1- Actividades a realizar na EMP

O professor propõe uma visita de estudo com a finalidade de recolha oral do maior número possível de palavras ouvidas durante o percurso e no decorrer da visita. A visita realiza-se ao mercado local.

Durante a mesma, os estudantes vão registando, num caderno de notas, as pala-vras ouvidas. Vão surgir termos oriundos das línguas maternas dos falantes, mis-turados com o português e, por vezes, alterados como resultado dessa mistura.

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 37

De novo na EMP elaboram uma lista, no quadro, com todas as palavras recolhi-das.

De seguida, vão seleccionar as palavras que sofreram esta interferência e identi-ficar qual a sua origem.

Num cartaz são registadas as palavras recolhidas, bem como a interferência de que foram alvo.

Exemplo:

Palavra Origem da interferência

Esta actividade possibilita ainda uma discussão mais alargada a outras palavras do conhecimento dos estudantes de modo a que se consciencializem da varie-dade de vocábulos com os quais os seus futuros alunos estão em contacto e que podem ser inibidoras de sucesso na aprendizagem em português.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

O professor propõe uma visita de estudo com a finalidade de recolha oral do maior número possível de nomes de produtos alimentares. A visita realiza-se ao mercado local.

Os alunos registam, mentalmente, o nome dos diversos alimentos que vão ob-servar. O professor vai referindo o nome de cada um dos produtos observados (ananás, banana, batata, feijão, beringela, …) e solicita a um ou mais alunos que repitam o nome por si referido.

De novo na sala de aula o professor solicita aos alunos que desenhem os dife-rentes produtos que observaram. De seguida, cada aluno refere à turma o nome dos diferentes alimentos desenhados. No final, mostra fotografias (cartazes, de-senhos, …) de vários produtos alimentares (carne, peixe, frutas, legumes, …) e pede a vários alunos que indiquem o nome do produto que vai assinalando.

38 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

ACTIVIDADE nº 8 – Vamos improvisar…

RECURSO – uma ou mais palavras

ELEFANTE LAGO RELVA SOL

MONTANHA

VERDEJANTE CRIAS RADIOSO IMPONENTE

1- Actividades a realizar na EMP

O professor refere uma ou mais palavras (por exemplo: as acima registadas).

Seguem-se improvisações dos estudantes. Em grupos concebem uma pequena história em que entrem todas as palavras referidas, e encenam uma pequena dramatização.

Em seguida, todos os grupos mimam a história para os colegas e estes têm de adivinhá-la.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

Esta actividade pode ser adaptada a alunos do Ensino Primário.

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 39

ACTIVIDADE nº 9 – Jogo das DEZ PALAVRAS

RECURSO – 10 palavras

1- Actividades a realizar na EMP

O professor diz dez palavras. Por exemplo:

- castelo, irmão, crocodilo, amizade, amanhecer, mujimbo, maninha, chefe, Mada-lena, riacho –

Em seguida, o professor solicita que cada estudante conceba um texto narrativo (oral) a partir das dez palavras ouvidas. As diferentes narrativas devem ser con-tadas à turma.

A narrativa considerada e votada, por toda a turma, como a mais criativa pode ser redigida e editada (se houver possibilidade) no jornal da Escola.

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

À semelhança do anteriormente exposto, o professor diz dez palavras. Por se tra-tar de crianças pequenas, as dez palavras devem ser ditas mais do que uma vez.

Em seguida, cada aluno imagina uma história onde as dez palavras estejam in-seridas. Segue-se o relatar à turma, por cada um dos alunos, das histórias ima-ginadas.

40 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

ACTIVIDADE nº 10 – Vamos adivinhar…

RECURSO – qualquer animal

1- Actividades a realizar na EMP

O professor refere que vão jogar um jogo em que têm de adivinhar o animal que está a descrever de acordo com um conjunto de características que vai enunciar.

O jogo continua, podendo ser incluídas variações:

- um aluno enumera características de um animal para os colegas adivinharem;

- os alunos, em pares ou em grupos, combinam como caracterizar um animal e apresentam à turma a caracterização, para os colegas adivinharem.

Nota: a enumeração das características pode ser feita não só com animais como, também, com objectos, alimentos, …

2- Actividades a realizar no Ensino Primário

Esta actividade pode ser adaptada a alunos do Ensino Primário.

A. Introdução

Como várias vezes dissemos, é indiscutível a importância de uma língua como instrumento de comunicação entre os membros de uma comunidade (uma família, uma aldeia, uma tribo, um país). Pode dizer-se que há outras for-mas de comunicação possíveis: um gesto, um sorriso, uma agressão. Mas nenhu-ma pode ser tão carregada de significado como a língua; assim como, nenhuma é capaz de transmitir uma informação objectiva com tanto rigor. Além disso, a língua é, não só meio de relação entre as pessoas, como elemento de construção da própria comunidade, porque ela tece a malha que une os indivíduos, mesmo quando à superfície parece ser, por vezes, causadora de perturbações e até se-parações.

1. A língua, uma dupla convenção

Para atingir este estatuto, a língua teve de aceitar ser fruto de uma série de convenções que passam despercebidas aos falantes. O vocabulário é disso uma boa prova: nada nos obriga a dar a uma árvore o nome de “árvore”, a uma mesa o nome de “mesa” ou a uma cabra o nome de “cabra”, por exemplo. Porque é fruto de uma convenção/tradição que herdámos dos nossos antepassados, a língua não pertence a nenhum indivíduo em particular mas a todo o povo que a tem de guardar e respeitar, velando mesmo pela sua constante evolução. Se o não

FUNCIONAMENTO DA LÍNGUA

IV

42 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

fizéssemos, se cada falante a usasse à sua maneira, permitindo (gerando) uma evolução anárquica, a língua deixaria de ser elemento de comunicação – em breve não nos entenderíamos

Para além do vocabulário, há outra convenção: a estrutura da língua, a que chamamos vulgarmente gramática, que é, também ela, uma herança. Na verda-de, a língua é uma estrutura, uma série de elementos que se articulam uns com os outros e que devem ser usados de uma certa maneira. É como se fosse um jogo, com muitas peças, que só servem para jogar se nós conhecermos as regras e as respeitarmos. Senão, pode ser brincadeira, mas já não é a mesma coisa.

Isto é válido para qualquer língua, mesmo para aquelas que não se escrevem, que só têm componente oral. Daí a importância de conhecermos o funciona-mento da língua e sabermos utilizá-lo: estamos ao mesmo tempo a garantir a boa comunicação entre os membros da nossa comunidade e a defender este património extraordinário que é o nosso idioma, tanto mais frágil quanto menos conhecido e estudado.

2. A gramática

Como se diz atrás, costumamos chamar gramática à estrutura que suporta uma língua. Podemos comparar a gramática ao esqueleto de uma pessoa (não se vê mas, sem ele, não nos poderíamos pôr de pé) ou aos ramos de uma árvore (são eles que dão à árvore a forma que ela tem). Na língua, as palavras podem ser comparadas aos músculos e à pele de um corpo, ou às folhas de uma árvore. Sem a estrutura gramatical, as palavras não servem para muito – ficam no estado em que as encontramos num dicionário: podem servir para ensinar coisas, mas não servem para comunicar, para estabelecer relações entre as pessoas.

Neste módulo, vamos dar particular atenção às três componentes que for-mam o “núcleo duro” da gramática: a morfologia, a sintaxe e a semântica. Por morfologia, entendemos a generalidade dos estudos relacionados com a forma das palavras, com as suas variações e derivações; por sintaxe, entendemos a organização das palavras em grupos portadores de sentido, a que chamamos frases; na semântica, enquadramos todos os estudos sobre a significação das palavras ou das frases, tanto nas suas múltiplas acepções e sentidos, como nas articulações significativas – mas de tudo isso se falará mais adiante.

Afins a este “núcleo duro” do funcionamento da língua, encontramos a fo-nologia (que estuda os sons capazes de distinguir significados), o léxico (que

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 43

propõe o conjunto de vocábulos disponíveis numa língua) e a pragmática (que se preocupa com as normas de uso adequado da língua, de acordo com os dife-rentes contextos e intenções comunicativas). Estes aspectos do funcionamento da língua não serão explicitamente contemplados no módulo, mas serão aflora-dos sempre que vier a propósito fazê-lo.

3. A gramática implícita

Embora se creia, com alguma superficialidade, que “a gramática se aprende na escola”, o certo é que qualquer criança, em paralelo ao desenvolvimento da sua capacidade comunicativa, vai construindo a sua própria gramática interior e adequando-a às suas necessidades comunicativas, que crescem à medida que ela mesma cresce e se relaciona com outros falantes da sua língua. Muito cedo, a criança sabe distinguir na fala dos outros e utilizar na sua própria produção conceitos como a singularidade e a pluralidade, o passado e o presente, o mas-culino e o feminino. E rapidamente compreende que há formas linguísticas liga-das a esses conceitos, e variações linguísticas que lhe permitem utilizá-los sem o recurso constante a novas palavras. Digamos que há uma “gramática implícita”, interior ao próprio indivíduo, ligada à capacidade inata de compreender e usar uma língua e que essa gramática é susceptível de um desenvolvimento constan-te até se atingir o perfeito domínio da língua.

Esse desenvolvimento, essa aprendizagem decorre, em primeiro lugar, do facto de que uma criança “normal” vive imersa num banho linguístico: desde sempre ouviu falar os pais, os avós, os irmãos, os amigos, quer se lhe dirigissem directamente, quer falassem entre si. A evolução do domínio da língua (e, conse-quentemente, da gramática) faz-se na simbiose entre as tentativas de resposta às solicitações linguísticas dos outros, a criatividade comunicativa da criança, os correctivos dos mais velhos e os esforços de auto-correcção feitos pelo próprio aprendiz. Pouco a pouco, passo a passo, ela vai atingindo uma competência gra-matical igual (ou melhor), um controlo do uso da língua capaz de responder a todas as suas necessidades de comunicação.

4. Importância do ambiente e da escola

Compreende-se facilmente que a qualidade do ambiente linguístico em que a criança vive e a quantidade de produções que a envolvem desde tenra idade sejam factores importantes para a sua boa execução e, paralelamente, para a for-mação da sua estrutura intelectual e relacional. Por outro lado, diz a experiência que uma criança submetida desde cedo a uma influência bilingue, isto é, que

44 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

habite num meio em que convivam duas ou mais línguas, terá maior facilidade de pensamento abstracto e, consequentemente, um maior e mais rápido desen-volvimento intelectual, desde que respeitadas certas normas na aprendizagem (por exemplo, referência firme de cada falante à sua própria língua, ou seja, que cada um dos membros do seu grupo lhe fale sempre na mesma língua).

Se, como vimos, a gramática implícita “se bebe com o leite da mãe”, é na es-cola que se faz a aprendizagem da explicitação gramatical. Por outras palavras, é na escola que se aprende a olhar para a língua como um objecto que se pode es-tudar, analisar, compreender…, para bem se poder utilizar, para comunicar, para inclusivamente brincar com ela. É na escola que se percebe quais os elementos que compõem esta estrutura, para que servem, como se articulam uns com os outros, como e quando se podem substituir. E isto faz-se desde os primeiros dias e nunca se sabe quando está acabado.

No entanto, sendo esta aprendizagem essencial para um correcto domínio da língua (e, como se sabe, patamar para aprendizagens posteriores e voos mais altos no tecido social), é imprescindível que o ensino da gramática se faça de forma harmoniosa e adequada às capacidades e necessidades da criança e não como um conjunto de saberes que se hão-de adquirir a qualquer preço. Daí a ne-cessidade, por um lado, de programas bem elaborados e respeitadores da evo-lução dos aprendentes e, por outro lado, de professores que não só dominem a língua com à-vontade e rigor, mas também a saibam ensinar de forma apelativa e eficaz.

1. A questão da terminologia

Ao finalizar esta introdução de âmbito mais teórico, importa acrescentar uma nota sobre a terminologia gramatical. Qualquer conjunto de conhecimento implica, necessariamente, um vocabulário que explicite a sua organização – re-conhecer as realidades e não as nomear dificulta a sua apreensão e memoriza-ção, bem como impede que sobre ele se teçam considerações e se partilhem opiniões. Sabe-se que, como qualquer ramo do saber, os estudos linguísticos têm evoluído e frequentemente tem havido alterações na terminologia utilizada para referir os factos gramaticais. Como indivíduos inteligentes, os professores têm o direito de as conhecer e até de tomar posição intelectual perante elas, escolhendo para si a que lhes parecer mais adequada. Como agentes de ensino, cabe aos professores acolher a terminologia proposta pelas entidades responsá-veis e utilizá-la nas suas aulas de forma a promover a correcta aprendizagem dos seus alunos e não introduzir perturbações nefastas. Na realidade, cabe à entida-

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 45

de reguladora do ensino, no caso de Angola ao Ministério da Educação, definir a terminologia a utilizar na escola (por vezes, a necessidade de uma adaptação aos avanços da ciência linguística vai de encontro a hábitos enraizados pelos professores e dá azo a acesas querelas, como as que ocorreram em Portugal por ocasião da apresentação da chamada TLEBS1 ou do mais recente Dicionário Ter-minológico).

B. Conteúdos desenvolvidos neste módulo

Como exemplos paradigmáticos da estrutura e funcionamento de uma lín-gua, escolheram-se três situações susceptíveis de dar ao professor modelos para analisar e ensinar gramática aos seus alunos. São eles, o tratamento do tempo e do modo (na morfologia verbal), a frase simples (na sintaxe) e algumas áreas lexicais privilegiadas – o parentesco, o meio ambiente e os sentimentos (para a semântica).

1. Razão das escolhas

A razão das escolhas foi a seguinte:

I. Qualquer das situações tem importância central dentro da sua área

a. Na maioria das línguas, o verbo ocupa uma posição estratégi-ca e típica: por um lado, transporta em si o dinamismo da frase e é, portanto, o núcleo da comunicação interpessoal; por outro, ele é o eixo da construção sin-táctica da própria frase. A morfologia verbal engloba um conjunto de categorias que lhe são próprias, entre elas, a variação correspondente ao tempo em que se desenrola a acção (tempo) e a que manifesta a atitude do falante perante essa mesma acção (modo). Uma e outra merecem uma particular atenção.

b. Na construção de unidades linguísticas portadoras de signi-ficado, o elemento mínimo e incontornável é a frase simples: toda a frase com-plexa não é mais do que a articulação entre várias frases simples e, em última instância, a sua análise pode reduzir-se ao paradigma de uma frase simples.

c. Ainda que a semântica frásica e a análise textual sejam im-portantes para o bom domínio de uma língua, a verdade é que as palavras são elementos essenciais, exigindo especial cuidado na verificação dos seus valores

1 Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário.

46 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

significativos, das suas combinatórias, das possibilidades de substituição. Daí a opção por uma análise de alguns campos do léxico português. A escolha destes campos deveu-se ao facto de eles cobrirem áreas particularmente sensíveis na vida de uma criança (e adolescente): a sua família, o meio onde cresceu e se de-senvolveu, as atitudes interiores perante a sua própria vida e as circunstâncias que a rodeiam.

II. São campos particularmente sensíveis à interferência entre o portu-guês e as línguas nacionais em Angola

A aprendizagem de uma língua segunda tem de considerar as caracterís-ticas da língua materna dos alunos, bem como as diferenças existentes entre as (duas?) línguas em contacto, não para eliminar uma em proveito de outra, antes para de ambas tirar partido e potenciar uma rápida aquisição. Este reco-nhecimento das diferenças estruturais toma aspectos distintos e conduz a me-todologias de ensino diferenciadas, conforme as línguas são da mesma famí-lia (e, portanto, razoavelmente próximas) ou de famílias muito distantes, com profundas marcas diferenciadoras, o que é mais frequente em Angola. O aluno tem tendência a transpor para a segunda língua que aprende as características gramaticais da primeira que aprendeu (ainda que, frequentemente, não a tenha sequer estudado de uma forma organizada e consequente).

Se é certo que esta contaminação surge na forma de construção das frases e, muitas vezes, também na escrita, o caso do léxico exige uma especial aten-ção porque é ele que transporta os conceitos culturais que, particularmente em sociedades africanas, são frequentemente distintos entre as diferentes etnias e, ainda mais, entre as culturas locais e a dos europeus cuja língua se está a apren-der.

III. Todas elas têm presença visível nos programas do ensino primário

De uma forma mais ou menos visível, as questões escolhidas para serem de-senvolvidas nesta parte do módulo estão presentes em todos os programas do ensino primário, da 1ª à 6ª classe. Naturalmente que o seu tratamento terá de ser diferenciado à medida que o aluno vai crescendo, não só devido à evolução da sua capacidade de compreensão e de raciocínio abstracto, como por causa do alargamento da sua rede de acesso à informação, designadamente com o seu à-vontade no domínio da leitura.

2. Desenvolvimento de cada tema

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 47

Cada um dos temas será desenvolvido da seguinte forma:

a. Aprofundamento do tema para informação e uso dos professores das EMP.

Sendo os professores das EMP os principais destinatários deste módulo, é evidente a necessidade de se fazer um aprofundamento do tema para que o do-minem com segurança e objectividade, tendo em conta a sua formação anterior para exercerem a profissão de formadores de professores.

b. Tratamento do tema tendo em vista as aulas dadas nessas Escolas e as necessidades de aprendizagem dos seus alunos (futuros professores).

Sendo a melhoria do Ensino Primário em Angola o principal objectivo deste projecto, a aprendizagem dos futuros agentes de ensino torna-se o alvo primor-dial a atingir. A sua formação anterior, as dificuldades a ultrapassar, a construção de um saber articulado e harmonioso implicam que a linguagem seja adequada, que seja clara e inequívoca, de modo a que eles se apropriem dos conhecimen-tos e possam vir a ser plenamente “professores” e não meros reprodutores do saber.

c. Princípios metodológicos afins

Pelas razões anteriormente enunciadas, a forma como estas matérias são en-sinadas aos alunos das EMP não pode ser descurada e procurar-se-á fazer pro-postas metodológicas consequentes, tendo em especial consideração o facto de, em muitos casos, particularmente em meios rurais, o professor do ensino primário ser também um professor de língua segunda.

d. Aplicação no Ensino Primário

Na verdade, não podemos esquecer que os últimos destinatários de todo este trabalho são os alunos dos primeiros anos de escolaridade e, por isso, caso a caso, se terão em linha de conta os programas de ensino primário e se farão propostas de aplicação adequadas aos diferentes níveis.

C. A morfologia verbal

Por definição, e tal como a própria palavra o diz, a morfologia ocupa-se da for-ma das palavras, da sua organização em classes (nomes, verbos, conjunções…) e

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da variação que lhes é introduzida quer pela flexão (plural, feminino, etc.), quer pela derivação (mesinha, retomar…), quer ainda pela composição (matabicho, chapéu de chuva…). Como se vê, a variação morfológica é um princípio impor-tantíssimo para a economia da língua porque permite que a mesma palavra pos-sa assumir significados diferentes só pela adjunção de pequenos elementos, que fazem parte de uma lista muito reduzida; mas é simultaneamente uma fonte “económica” de enriquecimento vocabular porque consegue criar palavras no-vas por junção ou articulação das antigas.

Se pusermos de parte as chamadas palavras invariáveis, verificamos que a grande divisão da morfologia distingue, por um lado, os nomes e os adjectivos e, por outro, os verbos (os pronomes bebem um pouco da morfologia nominal e adjectival e da verbal). Algumas categorias, como o número, por exemplo, são comuns a todas estas classes; outras, como o grau, só tocam os substantivos e adjectivos; outras ainda, como a pessoa, são comuns aos verbos e aos prono-mes; já outras, como a voz, o tempo e o modo, só se aplicam aos verbos.

Em português, exceptuando algumas situações de irregularidade, a morfolo-gia nominal e adjectival não apresenta grandes problemas. De facto, os nomes e os adjectivos organizam-se em singular e plural (quanto ao número), mascu-lino e feminino (quanto ao género) e a categoria de grau, utilizada quando se comparam objectos ou qualidades, implica uma variação restrita e facilmente assimilável.

Quanto aos pronomes, as duas situações mais complexas encontram-se na variação do pronome pessoal de acordo com a função sintáctica que desem-penha (eu, me, mim…, ele, o, lhe…) e na distinção que existe nos pronomes demonstrativos, de acordo com a proximidade ao falante (este, esse, aquele).

Porque o verbo é, na maior parte das línguas conhecidas no mundo, o ele-mento chave em torno do qual se organiza a comunicação linguística, decidiu-se introduzir neste módulo algumas reflexões e propostas metodológicas acerca da morfologia verbal, designadamente em duas categorias que lhe são privati-vas: o tempo e o modo.

1. Noção e importância do verbo

Quase por definição, o verbo é o elemento mais importante da linguagem humana: “verbo” em latim (verbum) significa “palavra” e, sem ela, evidentemen-te que não há comunicação linguística. Este facto provocou tradicionalmente a

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organização de todo o estudo da gramática em torno desta classe de palavras e, portanto, da análise do núcleo da frase (“cada frase com seu verbo”), consi-derando-se os outros estudos subsidiários deste. O reconhecimento de “frases nominais” (em que certas frases podem não ter verbos) e o desenvolvimento da “gramática textual” (em que o contexto comunicativo por suprir situações a apa-rente agramaticalidade) deslocaram um pouco esta predominância.

A importância reconhecida ao verbo conduziu também a elaboradas refle-xões em torno do seu valor significativo. No entanto, independentemente desse valor e mesmo da forma como, em sua volta, se organizam as frases, a caracte-rística mais marcante do verbo é o seu estatuto morfológico. É em termos de morfologia que o Dicionário de Termos Linguísticos define esta classe de pa-lavras: “Elemento que pode exibir contrastes morfológicos de tempo, aspecto, voz, modo, pessoa e número”. Os verbos apresentam, com efeito, um sistema de flexão que lhes é próprio e inconfundível (apesar da coincidência com os prono-mes pessoais no que respeita a pessoas e números). A capacidade de apresentar formas variadas segundo a sua relação com o tempo real e com a atitude do sujeito gramatical são duas marcas exclusivas do verbo.

A língua portuguesa contém um sistema de desinências que, por si, chegam para distinguir pessoas, números, tempos e modos. Se, no que respeita às pes-soas e números, há uma certa uniformidade, o mesmo não podemos dizer das desinências para os tempos e modos, que se organizam em três conjuntos ho-mólogos a que chamamos conjugações (verbos em -ar, em -er e em -ir). Os pró-prios verbos irregulares organizam-se em torno dessas três conjugações.

A visualização da distinção flexional de pessoa (e de número) é típica de to-das as línguas românicas. Ela prende-se à necessidade de clarificar o sujeito gra-matical. Em português, a terminação que distingue a pessoa verbal pode estar oculta nas 1ª e 3ª pessoas do singular, impondo uma clarificação através do con-texto ou da explicitação da forma do pronome pessoal sujeito (fazia e faça, por exemplo, podem ser 1ª ou 3ª pessoa do singular; por vezes, torna-se necessário dizer “eu fazia” e “ele fazia”). Tirando este pormenor e algumas excepções (as for-mas de perfeito do indicativo e de imperativo), trata-se de uma categoria que apresenta um alto grau de regularidade.

2. Categorias verbais

Embora costumemos enunciar os verbos dizendo a sua forma de infinitivo (no infinito impessoal): falar, dizer, ouvir…, é da nossa experiência que, ao con-

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trário de outras línguas, como o inglês e muitas línguas africanas, os verbos por-tugueses têm uma variação riquíssima que, por vezes, se torna difícil para quem os aprende como língua não-materna.

Entre as categorias verbais, duas são particularmente fecundas e exigem es-pecial atenção: o tempo e o modo.

Como atrás se disse, as categorias de tempo e modo apresentam variações flexionais de acordo com o paradigma de conjugação de cada verbo. Qualquer gramática descritiva apresenta as tábuas comparativas das três conjugações e um estudo atento porá em evidência as semelhanças e as diferenças entre as de-sinências que caracterizam cada uma das formas, permitindo frequentemente isolar a primeira conjugação e considerar em bloco as outras duas, reconhecen-do a pertença a uma ou a outra dos chamados verbos irregulares.

3. O tempo verbal

Sendo o verbo, por excelência, o elemento linguístico que transporta a noção de acção, e porque as acções se inscrevem no tempo, surgiram na maior parte das línguas partículas, normalmente adjuntas à raiz verbal, que situam a acção descrita numa continuidade temporal, às quais se acrescentam as desinências de número e pessoa.

Na gramática, tal como no mundo real, o tempo organiza-se em passado, presente e futuro. No entanto, em algumas línguas, e o português é uma delas, há tempos verbais que se referem a aproximações mais minuciosas – é o que se passa com a distinção entre perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito; outras vezes, o uso da língua consagra valores significativos que não coincidem com os descritos pela morfologia. Vejamos um e outro caso.

Se bem que os três tempos da série do perfeito se refiram a acções situadas no passado, sabemos que o pretérito perfeito se refere a uma situação pontual e o imperfeito a uma duração no tempo (passado), dentro da qual podem ter ocorrido diversas situações pontuais. É o caso de “Chovia mas ele saiu de casa” ou de “Enquanto ele lia, a mulher caiu e o filho começou a chorar”. O pretérito mais-que-perfeito refere-se simultaneamente a uma situação anterior à descrita pelo perfeito, transportando também ele uma certa noção de duração (de notar que, na linguagem coloquial, a forma de mais-que-perfeito simples foi pouco a pouco abandonada em favor da forma composta). Na frase ”Quando ela chegou, ele já tinha almoçado”, percebe-se que a acção de almoçar é anterior à de che-

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gar. A aprendizagem desta diversidade na representação gramatical do passado real é, frequentemente, dificultada pela inexistência deste pormenor na língua materna do aluno.

O facto de, no português, e ao contrário de algumas línguas africanas, ser o presente do indicativo a forma mais fecunda na geração de outras formas ver-bais, deu a este tempo um uso e um valor significativo que ultrapassa as limi-tações da morfologia. Deste modo, podemos encontrar o presente com valor real (“eu vejo-te”), com valor de identificação (“sou angolano”, “sou professor”), como expressão de um hábito (“passo as férias no Lobito”), de uma capacidade (“sei guiar”, “falo inglês”), de uma decisão (“vou comprar bananas”) ou com valor de futuro (“à noite, vou ao cinema”). Neste último caso, verifica-se no português que o futuro do indicativo tem vindo a ser abandonado na sua acepção original, guardando um valor de hipótese ou de certeza moral (“ele chegará a horas”).

Estas divergências entre o que a morfologia descreve, a realidade objectiva e o uso que se faz da língua merece que, tanto na reflexão a fazer com os alunos das EMP, como na prática lectiva no Ensino Primário, se lhe dê especial atenção e se activem metodologias adequadas a uma correcta aprendizagem.

Se olharmos para os programas de Ensino Primário, verifica-se que logo entre os objectivos referidos na 1ª classe estão: “escrever frases muito simples relacio-nadas com a vida local” e “saber contar histórias relacionadas com as pessoas, animais e objectos”. Se, para o primeiro item pode bastar o emprego do presente do indicativo (e essa pode ser uma boa oportunidade para treinar as três con-jugações verbais), na segunda proposta o tempo verbal é essencial para que a narrativa tenha vida e sequência.

É importante respeitar o programa que diz: “Na primeira e segunda classe, o saber gramatical deve ser apreendido, pela criança, de forma implícita, sem recurso a definições, nem explicitações”. Mas não esqueçamos que “a criança precisa de adquirir as regras gramaticais no decurso da prática da língua, no seu dia-a-dia”.

Na terceira e quarta classes, fala-se em “compreender a estrutura e o funcio-namento da língua em situações de uso” (o que adia o estudo aturado e siste-mático de regras e estruturas) e limita-se a morfologia verbal aos tempos e às pessoas gramaticais. No entanto, no que toca aos tempos verbais, apenas se fala de “noção de presente, passado e futuro”, a qual precisaria de estar dominada pelo menos desde a segunda classe, ficando o conhecimento e a sua prática

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para estes anos de escolaridade (3º e 4º). Se isso não for sistematicamente traba-lhado, não será possível cumprir o estipulado (ainda que de forma muito vaga) nos programas da 5ª e 6ª classes.

Na verdade, o programa da 5ª classe prevê o conhecimento e a reflexão sobre algumas características fundamentais do funcionamento da Língua Portuguesa em situações de uso (não referindo que características são essas). A propósito da metodologia, diz apenas: “O estudo da gramática deverá seguir a perspectiva indicada para o estudo do vocabulário porque os conteúdos gramaticais não de-vem ser estudados em si, mas pelo sentido que querem transmitir.” O programa da 6ª classe insiste na importância de “compreender a estrutura e o funciona-mento da Língua em situações de uso” dizendo que “o estudo da gramática ou funcionamento da língua deve ser feito de forma estruturada; os conteúdos gra-maticais não devem ser apreendidos senão em contexto, apesar de serem mi-nistrados já de forma explícita…; os conteúdos gramaticais programados para esta classe estão inseridos nos exercícios apresentados nos textos (do Manual do Aluno)”.

Constata-se que a grande preocupação do programa incide na recepção do texto: o aluno é chamado a “reflectir”, “compreender”, “apreender conteúdos”. Nada disto será possível se o aluno não acompanhar esta tarefa de apreensão de uma prática constante e crescente da gramática, em que a condução do pro-fessor e a liberdade de criação e execução (oral e escrita) caminhem lado a lado.

Compete ao professor das EMP ajudar os seus alunos a organizarem uma pro-gressão consistente dos conteúdos a transmitir e um conjunto de práticas me-todologicamente adequadas à recepção e produção de textos (orais e escritos), da 1ª à 6ª classes.

4. O modo verbal

Falar acerca do modo verbal é bastante mais complexo do que falar sobre qualquer outra categoria, sobretudo porque muitas línguas ignoram a flexão modal. Duas questões tornam complexo o que se possa dizer acerca do modo em português. Por um lado, a noção de modo diz respeito à perspectiva do fa-lante acerca da acção de que se trata, isto é, a atitude subjectiva (certeza, desejo, dúvida…) a propósito da realidade descrita pelo verbo; por outro lado, a evolu-ção da língua portuguesa impôs que a escolha do modo verbal dependa mais da construção sintáctica do que da original atitude do falante (da qual se acabou de falar).

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Vejamos os dois casos em separado.

Alguns modos correspondem a intenções claras ou a hipóteses que se apre-sentam (ou não): é o caso do imperativo e do condicional, respectivamente, cujas marcas morfológicas não criam confusões. Outros, mais estranhos dentro da morfologia verbal porque mais próximos de formas nominais, implicam cons-truções gramaticais nem sempre fáceis embora, por vezes, muito fecundas: o gerúndio, o particípio e o infinitivo, especialmente o infinito pessoal têm uso abundante na língua portuguesa.

Os modos indicativo e conjuntivo conduzem-nos a reflexões mais aprofun-dadas. O indicativo diz respeito a afirmações (positivas ou negativas), conclu-sões, perguntas acerca de realidades certas e de compreensão partilhada (“vou à rua”; “acabou o trabalho”; “já não quero mais”; “que horas são?”). O conjuntivo refere-se a situações de dúvida ou incerteza, hesitação, desejo, temor, vividas pelo falante e eventualmente partilhadas (“talvez se faça isso”; “oxalá ele che-gue”; “receamos que não venha”). Em português, a distinção entre o indicativo e o conjuntivo é marcada com desinências próprias que evitam confusões; outras línguas, porém, não têm esta distinção morfológica e, se a querem explicitar, devem recorrer a formas perifrásticas (o inglês, por exemplo, não tem qualquer forma para o conjuntivo).

Há línguas em que a característica do modo não existe (ou é muito rudimen-tar), mas em que subsiste uma outra, o aspecto verbal, por assim dizer inexisten-te em português mas amplamente representada em muitas línguas africanas e com uma marca morfológica diferenciada. Nestes casos, há formas para dizer uma acção que acabou de se realizar, ou que se vai realizando pouco a pouco, ou que está para começar – casos que o português só consegue dizer com recurso a verbos auxiliares. Ensinar uma língua com morfologia modal a um africano torna-se frequentemente muito difícil por haver alguma contaminação entre es-tas duas categorias.

A outra questão atrás referida, própria do português e de várias outras lín-guas europeias, prende-se ao facto de haver uma invasão sintáctica no campo do modo morfológico. Com efeito, algumas construções frásicas implicam con-juntivo, independentemente da atitude do falante: é o caso das subordinadas condicionais (“se soubesses”), finais (“para que saibas”), concessivas (“embora saibas”) e de algumas construções tipificadas (“não sei que te diga”; “é bom que venhas”…). Saber estas regras não diz respeito já à morfologia mas à sintaxe frá-sica e à pragmática.

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É curioso e revelador o facto de que, nos programas de Ensino Primário, não haja referências explícitas aos modos verbais. No entanto, eles são iniludíveis, sobretudo para o domínio das estruturas frásicas subordinadas atrás referidas, algumas delas muito frequentes em português. É certo que o programa da 6ª classe, no capítulo “Conteúdos gramaticais programados” refere, de uma forma imprecisa “o verbo, tipos de conjugação, verbos regulares e irregulares, formas especiais de conjugação”, remetendo o seu desenvolvimento para o Manual do Aluno que introduz o modo conjuntivo numa perspectiva exclusivamente for-mal e não explicativa. Parece, contudo, imprescindível que, na sua formação, o futuro professor de Ensino Primário não só reconheça, compreenda e saiba uti-lizar com destreza os modos verbais, como disponha de técnicas de ensino ade-quadas aos seus alunos, logo desde os primeiros anos de escolaridade.

D. A sintaxe

Há quem considere a sintaxe como “o coração” da gramática, uma vez que é ela que descreve, analisa, propõe a forma correcta de se organizarem as frases, que são o verdadeiro suporte da comunicação linguística. Cada língua tem a sua sintaxe própria e, muitas vezes, é por comparação entre diferentes aspectos sin-tácticos que somos capazes de aproximar as línguas e organizá-las em famílias. Neste módulo, vamos dar particular atenção á frase simples.

1. Noção de frase

A unidade significativa mínima que na comunicação humana é dotada de au-tonomia é a frase. É um conjunto de palavras com uma estrutura sintáctica defi-nida e completa e um conteúdo semântico coerente em si e/ou no contexto em que está inserido. A gramática de texto, que analisa situações de comunicação interpessoal ou produções mais longas do que a simples frase, mas claramente consistentes, permite aceitar frases “incompletas” e/ou “incoerentes”, desde que o contexto forneça os elementos em falta e/ou desfaça a incoerência. De toda a forma, estes casos são considerados excepcionais.

Quanto à sua relação com o conteúdo comunicado, podemos considerar al-guns tipos de frase: a assertiva (também chamada declarativa), a interrogativa, a imperativa e a exclamativa. Em português, cada um destes tipos apresenta uma construção sintáctica típica, se bem que as referências interrogativa e exclamati-va possam assentar apenas na entoação dada à frase (por exemplo: “Sabes falar inglês?”); por outro lado, a intenção directiva é transmitida por uma multiplici-dade de formas que excede em muito a expressão “morfológica” do imperativo

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(por exemplo: “Calados!” ou “Sentar!”). O mesmo conteúdo pode ser transmitido por formas diferentes, dependentes da opção do falante. Entre essas formas, so-bressaem a afirmativa e a negativa, a activa e a passiva, a neutra e a enfática. O programa de Ensino Primário de Angola dá um lugar importante a estas distin-ções.

No que diz respeito à estrutura sintáctica das frases, distinguem-se frases sim-ples e complexas, sendo estas últimas uma acumulação de frases simples, por coordenação ou por subordinação. Por esta razão, interessa sobremaneira estu-dar a estrutura da frase simples. Pode haver frases muito longas, cheias de com-plexidades de todos os tipos, e frases curtíssimas, reduzidas a uma só palavra. Embora, por regra, o verbo seja o núcleo da frase, de tal forma que se diz que, sem verbo, não há frase, é possível encontrar expressões desprovidas de verbo que são consideradas correctas e perfeitas (“Atenção!”, “Proibido fumar”, “Perigo de incêndio”, são exemplos possíveis) e, por isso, reconhecidas como verdadeiras frases.

2. Estrutura da frase simples

Chama-se frase simples àquela que tem um só verbo principal, o qual se reco-nhece facilmente por estar numa forma flexionada. Na frase “Vou à rua comprar bananas”, o verbo principal é “vou”. E, mesmo a frase “Vou à rua procurar o meu pai, comprar bananas e falar ao meu primo”, continua a ser uma frase simples, porque só tem um verbo flexionado – “vou”. Por vezes, a forma flexionada não é do verbo principal mas de um auxiliar; nesses casos, todavia, a compreensão da frase é suficiente para retirar a dúvida. Na frase “Ele tinha escrito uma carta”, percebe-se que o verbo principal é escrever numa forma de mais-que-perfeito composto, com o auxiliar ter; a frase “O edifício foi derrubado” é uma passiva em que o verbo principal é derrubar com o auxiliar ser.

Porque se considera a frase simples como o núcleo e o modelo de toda a es-trutura sintáctica e suporte mínimo da comunicação linguística, foi ela escolhida para figurar neste módulo de funcionamento da língua e a ela se dedicam as reflexões e recomendações que se seguem.

Em português, como atrás se dizia, o núcleo da frase é o verbo, sendo os ou-tros elementos essenciais da frase determinados pelo tipo de verbo utilizado. Já se referiu o facto de, por vezes, não se encontrar o verbo. Isso não quer dizer que não exista; o que se passa, nessas frases nominais, é que o verbo está oculto. Por exemplo, em “Atenção!”, subentende-se uma construção frásica como “Tenham

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atenção!”; tal como em “Proibido fumar” se entende “É proibido fumar” e, em “Perigo de incêndio”, “Há perigo de incêndio”. Presente ou escondido, o verbo existe e domina a frase.

O que sabemos acerca dos tipos de verbos é a base distintiva mais impor-tante das diversas estruturas possíveis de serem encontradas nas frases simples. Assim, de acordo com o tipo de verbo, temos:

F = SV (+SP)1 – “Chove (em Benguela)”,

Ou

F = SN + SV (+SP) – “O Pedro caiu (de cima da mesa)”, “A Maria riu (alegremente)”,

considerando-se que o elemento entre parêntesis é facultativo (e, como sa-bemos, substituível por SAdv). Se considerarmos que o SN atrás representado é o sujeito, o primeiro caso é o das frases construídas a partir de verbos que não admitem sujeito (os chamados “verbos impessoais”); o segundo corresponde às frases construídas com verbo “pessoal”, independentemente da forma concreta que SV possa revestir.

Quanto à forma do sintagma verbal, podemos ter as seguintes realizações:

SV = V (+SP) – “Lê (com prazer)”,

SV = V + SAdj (+SP) – “Ficou doente (com febre)”,

SV = V + SN (+ SP) – “Comeu peixe (com um garfo)”,

SV = V + SN + SP (+ SP) – “Dá o pão à filha (logo de manhã)”,

SV = V + SP (+ SP) – “Vai ao Lobito (de bicicleta)”,

1 Os componentes da frase (grupos ou sintagmas, conforme a terminologia que se escolha) são representados pelas iniciais por uma questão de facilidade. Não pretendem apontar explicitamente para qualquer teoria gramatical.

Eis a descodificação das siglas: F - frase, SN - sintagma ou grupo nominal, SV - sintagma verbal, SP - sintagma preposicional, SAdj - sintagma adjectival, V – verbo, SAdv – sintagma adverbial. Estas representações não têm em conta nem as funções sintácticas desempenhadas por cada elemento, nem a sua estrutura interna, nem as diferentes manifestações possíveis na estrutura de superfície.

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considerando-se, tal como atrás ficou dito, que a forma entre parêntesis é facultativa.

A cada estrutura atrás representada correspondem uma ou várias realizações, de tal forma que podemos dizer, com uma pequena margem de erro, que todas as frases “normais” da língua portuguesa se esgotam naquelas representações.

A ordem por que surgem os diferentes elementos dentro da frase também obedece a certos critérios de “normalidade”. Em português, como nas outras lín-guas românicas, a ordem normal é F = SN + (SV + SN) ou, se quisermos utilizar a representação clássica, SVO (isto é, Sujeito-Verbo-Objecto directo). Esta ordem, tal como a ordem interna dos componentes dos diferentes sintagmas, pode ser alterada, desde que não ponha em causa o conteúdo significativo essencial da frase (por exemplo, “Chegou a Maria” ou “Com vinagre não se apanham mos-cas”). A maior importância que se queira dar a um ou a outro elemento, ques-tões de eufonia ou razões de ordem interpessoal podem justificar alterações da ordem das palavras.

Mais alguns comentários acerca da frase (simples):

1. Do ponto de vista sintáctico, uma das características que a frase apresenta é a concordância entre o sujeito e o verbo, no que respeita ao número e à pessoa (ao contrário de outras línguas que admitem também concordância em género). De facto, em português, dizemos: “eu tenho comprado” e “elas têm comprado”, não se admitindo nunca que o particípio passado tome a forma feminina (o que acontece, por exemplo, em francês).

2. Quando o verbo é “de significação indefinida”, o nome predicativo do sujeito, se for adjectivo, concorda totalmente com o sujeito (por exemplo: “As bananas estão maduras”).

3. Do ponto de vista semântico, convém referir que nem sempre o su-jeito gramatical é sujeito lógico da acção. Há frases em que é mero instrumento (“a faca cortou o pão”), outras vezes é beneficiário (“o Luis recebeu um prémio”), outras ainda é passivo (“a casa foi pintada por mim”)...

O programa da terceira classe refere explicitamente que se deve ensinar a estrutura da frase simples, indicando mesmo a distinção entre os tipos e as for-mas de frase atrás apontados. O da quarta classe acrescenta a noção de sujeito e predicado e a distinção entre “ideia principal” e “ideia acessória” o que, em sinta-

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xe, poderá significar “complemento obrigatório” e “complemento facultativo”… Como atrás se disse, é do domínio da frase simples que depende a perfeita com-preensão da sintaxe e, consequentemente, a produção de frases gramaticalmen-te aceites. Não basta distinguir as partes da frase e a sua importância relativa: é necessário saber construir frases simples, correctas e compreensíveis.

3. Da frase simples à complexa

As frases complexas são, como sabemos, conjuntos de frases simples. Po-dem juntar-se por coordenação, em que cada frase dispõe de igual importância sintáctica e semântica, pelo menos na aparência, (Exemplos: “Cheguei e vi” ou “Escorregou mas não caiu”) ou por subordinação, caso em que uma das frases domina ou parece dominar as estruturas sintáctica e lógica (Exemplos: “Sentou--se porque estava cansado” ou “Entrou em casa quando começou a chover”).

a. A coordenação

Entre as frases coordenadas, algumas assumem particular relevo, pela sua fre-quência e pelo seu encadeamento lógico: são as copulativas, as adversativas e as disjuntivas. No primeiro caso, trata-se de proposições que se podem “adicionar” sem que a lógica de cada uma seja questionada (“o Carlos é cabo-verdiano e a Alzira é guineense e o Filipe é português”); no segundo caso, uma das frases só é possível se a verdade da outra puder ser limitada (“estavam todos sentados mas a Fernanda estava de pé”); no terceiro, cada uma das frases anula a outra (“ou vais para Luanda ou ficas em Benguela”).

b. A subordinação

A subordinação é uma articulação de proposições em que uma assume cla-ramente o papel principal, a que chamamos “subordinante”, sendo as outras de-pendentes dela por laços sintácticos e, normalmente, semânticos.

Há três tipos de subordinadas:

a. as completivas, que se ligam directamente ao SV (completan-do-lhe o sentido) e desempenham o papel de SN2: “disse que ia fugir”, “pergun-tou se já eram horas de sair” (de notar que, por vezes, desempenham o papel de SN1: “é importante que venhas”); estas proposições, também chamadas ora in-tegrantes ora interrogativas indirectas, são particularmente usadas no chamado “discurso indirecto”;

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b. as relativas, que se ligam ao SN e desempenham o papel de SAdj: “o chapéu que tu me deste”, “o homem que passou”;

c. as circunstanciais, que se podem ligar a SV, a SAdj ou ao núcleo da frase e que, num caso ou noutro, desempenham o papel de SP: “saíu porque a Fi-lomena chegou”, “era um homem tão grande que não passava na porta”, “embora seja domingo, foi ao escritório”.

Os programas das quinta e sexta classes propõem que se introduzam as fra-ses complexas, remetendo constantemente para a análise os textos e para o Ma-nual do Aluno, isto é, sem indicar claramente quais os conteúdos a ensinar. Cabe ao professor programar o ensino da sintaxe de uma forma metodologicamente correcta e adequada para que os alunos não só saibam compreender o que lêem (objectivo repetidamente apontado pelos programas), mas também, e princi-palmente, saibam falar e escrever num português escorreito e de conteúdo sig-nificativo inequívoco.

E. A semântica

1. Introdução

Sendo a semântica, como se disse atrás, a parte do estudo da língua que se debruça sobre os significados, torna-se evidente que nela se analisem os senti-dos que as coisas que se dizem (ou escrevem) têm para quem as diz (ou escreve). Refiramos, contudo, que participar num acto comunicativo não é só falar e es-crever, mas também ouvir e ler. E, como a estrutura linguística de cada indivíduo, bem como a sua estrutura mental, são o resultado de uma história de relações que se estabelecem ao longo de toda a vida, não é certo que as mesmas produ-ções linguísticas (palavras ou frases) signifiquem o mesmo para quem as produz e para quem as acolhe. Este facto, causa de grandes desentendimentos, deve ser tido em consideração por todo aquele que ensina uma língua ou dela faz a sua profissão.

Ainda que as palavras sejam a forma mais visível da comunicação linguísti-ca, a verdade é que, quando falamos, nunca as usamos soltas mas incluídas em conjuntos coesos e coerentes, portadores de significado, de que já se falou na parte D. Por esse facto, a semântica que, numa primeira aproximação, se aplica ao estudo do significado das palavras (dos vocábulos) pode também dedicar-se à significação das frases e, em última análise, ao conteúdo de textos mais longos.

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Neste módulo, vamos referir-nos apenas à semântica vocabular, deixando em aberto as hipóteses de um estudo sobre as chamadas “frases feitas”, os provér-bios, as fórmulas convencionais, etc. que, frequentemente, têm sentidos diferen-tes mesmo entre povos que usam a mesma língua.

2. Semântica vocabular

O vocabulário é, como se sabe, o elemento da língua com maior visibilidade e não falta quem julgue que uma língua é um conjunto de palavras. Na realidade, as palavras são para a língua o que a carne é para o corpo: o que define a língua é prioritariamente a sua estrutura, a sua gramática, tal como para o corpo é o seu esqueleto. No entanto, é evidente a importância do vocabulário e, por isso, qualquer manual de gramática lhe dedica lugar proeminente.

As palavras dizem as coisas, os referentes do mundo real (a casa, o livro), tal como dizem os sentimentos (a tristeza, o entusiasmo), as virtudes (a prudência, a sinceridade), os conteúdos da nossa imaginação (os fantasmas, as fadas). Mas dizem também as qualidades que os seres têm, mais ou menos objectivas (as cores...), mais ou menos subjectivas (o resultado da nossa apreciação: bom, caro, grande…). Dizem ainda, de uma forma temporalmente adequada, as acções que praticamos (fazer, comer, dormir). Finalmente são palavras as formas que apenas usamos para ligar outras palavras (de, com, em…). Tal como ficou dito no capí-tulo sobre morfologia, são reconhecíveis elementos que comportam um peso significativo extra-linguístico (a que se chama morfemas lexicais) e outros que apenas servem objectivos da organização estrutural da língua (os chamados morfemas gramaticais). O estudo do léxico, naturalmente, debruça-se sobre os primeiros, se bem que haja um “léxico gramatical” (designadamente conjunções e advérbios) susceptível de análise significativa.

O léxico de uma língua pode ser estudado tendo em conta a sua organiza-ção semântica (áreas lexicais, sinonímia, polissemia) e a sua articulação com a experiência do sujeito falante (denotação e conotação), bem como em outras diferentes perspectivas, entre elas a sua história (formação, evolução, consolida-ção), os processos internos e externos de crescimento e renovação (derivação, composição, empréstimos, neologismos), a sua organização fonética (homoní-mia...). De qualquer forma, não poderemos nunca separar o léxico de uma língua e o povo que a fala, uma vez que é pelas palavras, pelas escolhas que faz, pelos sentidos que privilegia, que o povo diz a sua cultura, a sua visão do mundo, a sua filosofia de vida.

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3. Significado e significação

A propósito da relação entre as palavras e os seus significados usuais, os estu-diosos distinguem entre denotação e conotação.

A denotação é aquilo a que se pode chamar valor significativo neutro: um monte é um monte, um leão é um leão, um carro é um carro. É, se quisermos, o primeiro significado que dá um dicionário quando nele se procura uma pa-lavra. No entanto, a nossa prática linguística faz que, muitas vezes, se acrescen-tem novos valores à mesma palavra. Assim, “um monte” pode ser “uma grande quantidade de coisas”, “um leão” é frequentemente “uma pessoa valente” e mui-tos veículos bem diferentes podem corresponder à palavra “carro”. Estamos aqui perante valores conotativos.

Uma análise rápida e superficial remete o estudo da conotação para a área dos estudos literários, das grandes opções de estilo. Tal atitude é empobrece-dora na medida em que ignora não só as opções da linguagem coloquial, fami-liar, popular, como, e principalmente, as “conotações” normalizadas e aceites por toda a comunidade linguística.

Comecemos por estas. Algumas são evidentes e resultam da utilização, na comunicação habitual, de “figuras de estilo” reconhecidas pela retórica e desig-nadas normalmente por palavras de origem grega: “o Luis é burro”, “a Joana é uma flor” (metáforas), “o pé da mesa”, “o chá de dente de leão” (catacreses), “a calculadora” (hipálage), “partir a loiça”, “apanhar um eléctrico” (metonímias), “um rebanho de cem cabeças” (sinédoque)... são bons exemplos do que se disse. Para já não falar dos inúmeros casos de ironia e até de antífrase. Mas, a seu lado, há palavras “conotativas” que só se denunciam como tal a quem se quiser dedicar a uma análise mais profunda porque escondem as razões históricas que as jus-tificam: recordemos a relação entre solteiro e solitário, entre moreno e mouro, entre revisor (num comboio) e rever ou ainda entre doninha (mamífero) e dona ou entre joaninha (insecto) e Joana.

Ao lado destes exemplos, a que muitíssimos outros se poderiam acrescentar e que atravessam a língua portuguesa, encontramos os que são próprios de gru-pos mais restritos ou de registos particulares da língua. É o caso das alcunhas, dos códigos familiares, dos termos de calão ou de gírias: “o palito”, “o chato”, “uma raposa”... O emprego de algumas destas palavras fora do seu contexto habitual leva normalmente à perda da conotação e pode criar problemas de comunica-ção entre os falantes, ou por não lhe reconhecerem o significado, ou por acha-

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rem deslocado o seu uso.

Esta reflexão, aparentemente complexa, será útil ao professor das EMP para poder explicar aos seus alunos que as palavras não têm apenas o valor referido pelos dicionários. Aliás, em qualquer língua viva, é notório o uso que os falantes fazem de algumas palavras bem para lá do seu significado original e neutro.

4. Campos (ou áreas) lexicais

No conjunto do léxico de uma língua, podemos associar as palavras, quer pela categoria morfológica, quer pelo conteúdo significativo. Desta última asso-ciação, resultam os chamados “campos lexicais”, correspondentes a uma área de significação estruturada em campo conceptual: os laços de parentesco, o mar, os sentimentos, são exemplos de campos lexicais.

Algumas palavras pertencem a vários campos lexicais, de acordo com os diversos significados que podem ter. São as palavras polissémicas, quer dizer, com muitos significados. Algumas destas palavras têm sinónimos e antónimos diferentes conforme estão num campo lexical ou noutro (“fino” é sinónimo de “delgado” no campo lexical das formas e de “delicado” no das relações humanas).

Neste módulo de língua portuguesa foi decidido integrar uma reflexão mais aprofundada sobre três áreas lexicais, presentes em todo o percurso do aluno ao longo do Ensino Primário: o parentesco, o meio ambiente e os sentimentos.

a. O parentesco

Os laços de parentes são o primeiro vínculo que um indivíduo estabelece na sociedade que o acolhe ao nascer. Não espanta que certas palavras deste campo lexical se encontrem entre as primeiras que se aprendem. Algumas delas, por razões genéticas, têm igual importância em todas as línguas (mãe, pai). Outras são fortemente marcadas pela cultura e organização social de cada povo: irmão, por exemplo, não tem o mesmo valor em todas as línguas; avô, avó, tio, podem ter valores diferentes conforme essas pessoas sejam da família do pai ou da mãe. Em algumas línguas, esta distinção de significado profundo é servida por pala-vras diferentes.

Ao ensinar uma língua europeia a um africano, não se pode ignorar esta questão e as distinções que a ela podem estar ligadas. Por vezes, o próprio pro-fessor, que não domina a cultura do aluno, que não a conhece por dentro, pode

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nem se aperceber destas diferenças, as quais, porque correspondem a conceitos distintos, ocupam necessariamente espaços diferentes na organização mental da criança. Perceber a estrutura social em que o aluno foi criado e aprendeu a sua língua materna é, pois, essencial para se ensinar adequadamente o campo semântico do parentesco.

O programa do Ensino Primário inclui, logo na primeira classe, um item so-bre a família, sugerindo que “a criança conheça e seja capaz de identificar os diferentes elementos da família e o grau de parentesco que os une”, chamando a atenção para situações de famílias em que faltam elementos essenciais e para o conceito de família alargada, tão corrente em África e, muitas vezes, bem dife-rente das estruturas europeias. Na segunda classe, fala-se das “funções que cada encarregado desempenha na sociedade”, mas não há uma palavra sobre o papel que cada membro desempenha realmente dentro da família. Estes dois primei-ros anos, que coincidem em muitos casos com uma mudança muito forte nos hábitos das crianças (sair do seu círculo restrito, família, aldeia… e contactar com pessoas novas), são fundamentais para que elas compreendam a articulação so-cial básica do mundo que a rodeia. Os anos seguintes já propõem que se fale da importância da família como primeiro núcleo da sociedade, do papel dos velhos na família, da repartição do trabalho dentro e fora do lar. Alguns destes temas, como se pode depreender, não são unívocos em todas as culturas que povoam Angola. O aprofundamento do campo lexical do parentesco implica uma cons-tante atenção à realidade dos alunos, do ambiente em que foram criados e do meio que os cerca.

b. O meio ambiente

Nascida no seio de uma família, numa ou noutra etnia, em meio rural ou ur-bano, a criança começa muito cedo a interagir com o meio circundante, o espaço natural ou edificado, as plantas e os animais, os fenómenos meteorológicos e a alimentação. Não admira que, ao longo dos programas de ensino, esta área lexical se vá desenvolvendo e se torne mesmo uma das mais presentes entre os conteúdos de aprendizagem.

Tratando-se, pois, de um campo que cobre toda a experiência pessoal e social do aluno, o acervo vocabular que o serve é muito amplo e deve ser veiculado com cuidado e disciplina para ser convenientemente apreendido. Há que evitar a tentação de querer tudo ensinar nos primeiros anos, respeitando as propostas dos programas. O da primeira classe propõe a escola e os animais que a criança já conhece; o da segunda retoma a escola e alarga os animais à fauna de Angola,

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introduzindo a área da alimentação e da saúde. Os programas das terceira e quar-ta classes, introduzindo o tema da natureza e dos transportes e desenvolvendo o da saúde, implicam um alargamento da abstracção e obriga a uma metodologia de ensino que traga ao conhecimento do aluno elementos que eventualmente ele nunca viu nem verá – estes dois anos serão provavelmente aqueles que mais exigem do professor na apresentação e desenvolvimento deste campo lexical. A perspectiva da componente do meio no programa das quinta e sexta classes é completamente diferente, mais virada para uma mentalidade pré-adolescente de descoberta de si mesmo nas relações com os outros e com a introdução de items mais abertos e abrangentes (a indústria, o turismo, os inventos).

c. Os sentimentos

O campo semântico dos sentimentos é frequentemente negligenciado na educação das crianças, deixando-se tais assuntos ao cuidado das famílias e ali-mentando-se, muitas vezes, situações de grande dificuldade em exprimir o que se pensa, o que se sente, o que preocupa, o que se deseja. É certo que se trata de um campo de grande subjectividade mas, se nos importa formar cidadãos de pleno direito, é preciso garantir-lhes a capacidade (também linguística) de exercer a sua liberdade de pensar e de querer.

Os textos que apresentam os programas propostos para o Ensino Primário são quase omissos no que diz respeito ao campo dos sentimentos. No entanto, nas suas entrelinhas, podemos encontrar indicativos da importância desta área. Assim, no programa da primeira classe, diz-se textualmente que “os vocábulos (a aprender, a explorar) devem estar baseados nas vivências das crianças”, que es-tas devem “adquirir e desenvolver a capacidade de exposição de ideias, de sen-timentos e de saberes” e que a escola deve promover “o seu desenvolvimento sócio-afectivo”. O programa da segunda classe ignora por assim dizer este tema, embora diga que a escola deve “contribuir para o desenvolvimento integral da criança”. Num caso e noutro, há uma chamada de atenção para a necessidade de “treinar” a criança para dizer o que sabe, o que pensa, o que sente e o que quer.

As terceira e quarta classes são mais viradas para a comunicação interactiva e nos respectivos programas há profusas referências ao diálogo, à narração de vivências, à invenção de estórias, à produção de pequenos textos… Dificilmente estas produções linguísticas poderão dispensar a expressividade, o comprome-timento subjectivo, a emissão de opiniões e pareceres.

Os programas da quinta e sexta classes incluem explicitamente a análise de

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contos e poesia, situações privilegiadas para se observarem, exporem, partilha-rem sentimentos e, necessariamente, desenvolver-se este campo lexical. Não é, contudo, essa a perspectiva de quem elaborou os programas que reduz as análises de textos a meros exercícios técnicos, a que nem falta a componente gramatical… Mais uma vez se desperdiça a oportunidade de trabalhar uma área vocabular essencial para a expressão da autonomia e da originalidade de cada indivíduo, particularmente úteis neste momento das suas vidas.

Por outro lado, para além do contributo incontornável para o desenvolvi-mento integral do indivíduo, um dos objectivos transversais dos programas de língua portuguesa, o campo lexical dos sentimentos é particularmente fecundo para se trabalharem dois aspectos da semântica presentes em todos os anos de escolaridade – a sinonímia e a antonímia.

DA ESCOLA DO MAGISTÉRIO PRIMÁRIO À SALA DE AULA DO ENSINO PRIMÁRIO

Propostas de actividades

para o estudo do funcionamento da Língua Portuguesa

MORFOLOGIA VERBAL

1) Observa as seguintes frases.

O aluno cantou uma canção nova.

A peixeira vendeu muito peixe.

O cão dormiu no quintal.

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Escreve de novo as frases mas substituindo por outras as palavras que estão a negrito.

O aluno _______________ uma canção nova.

O aluno _______________ uma canção nova.

O aluno _______________ uma canção nova.

A peixeira ___________ muito peixe.

A peixeira ___________muito peixe.

A peixeira ___________ muito peixe.

O cão ______________ no quintal.

O cão ______________ no quintal.

O cão ______________ no quintal.

NOTA: as palavras cantou, vendeu e dormiu são verbos.

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2) Vê se descobres palavras que sejam verbos nas frases seguintes e escreve-os.

O Francisco joga no clube do bairro. __________________

O rato roeu o meu sapato. __________________________

A Andreza gosta muito de ler. _______________________

Os bombeiros apagaram o incêndio. __________________

O Leandro viajou para Luanda. ______________________

O Gil partiu o pé. _________________________________

A Ana bebeu o leite todo. __________________________

A professora sorriu para os alunos. __________________

A florista vendeu todas as flores. ____________________

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3) Observa as seguintes frases que estão erradas.

Os peixes está vivos.

As menina comeram o bolo.

Eu dormiste na casa da minha amiga.

Nós foi beber um sumo à pastelaria.

Identifica o erro e escreve as frases correctamente.

AGORA, preenche o quadro seguinte, e não te esqueças que o verbo concor-da em género e número com o sujeito.

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 69

O sujeito está O verbo está O verbo devia estar

Na 3ª pessoa do plural

Na 3ª pessoa do singu-lar

Na 1ª pessoa do singu-lar

Na 1ª pessoa do plural

4) Repara na poesia “O CHAPÉUZINHO”

A menina comprou um chapéu

E pô-lo devagarinho:

Nele nasceram papoilas,

Dois pássaros fizeram ninho.

Chapéu de palha de trigo

Que a foice um dia cortou:

Na cabeça da menina,

O trigo ressuscitou.

Depois tirou o chapéu,

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Tirou-o devagarinho,

Não vão murchar as papoilas,

Não se vá espantar o ninho.

E, chapéuzinho na mão,

De cabeça levantada,

A menina olhou o sol

Como a dizer-lhe: Obrigada!

Matilde Rosa Araújo

No texto que se segue, preenche as linhas com verbos à tua escolha.

Vê o exemplo.

A menina _________ um chapéu

E ___________ devagarinho:

Nele ___________ papoilas,

Dois pássaros fizeram ninho.

Chapéu de palha de trigo

Que a foice um dia ___________:

Na cabeça da menina,

O trigo ressuscitou.

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Depois __________ o chapéu,

Tirou-o devagarinho,

Não vão murchar as papoilas,

Não se vá espantar o ninho.

E, chapéuzinho na mão,

De cabeça levantada,

A menina __________ o sol

Como a sussurrar-lhe: Obrigada!

5) Lê como podes fazer um salame de chocolate

Amolece 200 gramas de chocolate num pouco de água quente, jun-ta 150 gramas de manteiga e 200 gramas de bolachas Maria tritura-das. Em seguida, adiciona 200 gramas de açúcar e 4 gemas de ovo. Numa tigela, mistura tudo muito bem até endurecer e o chocola-te cobrir todas as bolachas. Em seguida, faz um rolo que embru-lhas em papel vegetal. Coloca no frigorífico de um dia para o outro.

AGORA, vais escrever a receita, no teu caderno, como se a estivesses a con-tar a um amigo ou uma amiga.

SINTAXE

1) Repara nas frases que se seguem. Escreve outras frases substituindo as palavras a negrito.

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A panela cozeu muitos alimentos.

_______________________________.

_______________________________.

_______________________________.

A Mónica tem uma viola nova.

_______________________________.

_______________________________.

_______________________________.

O Gil rasgou o desenho do Vasco.

_______________________________.

_______________________________.

______________________________

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2) Liga as expressões da coluna A com as da coluna B, de modo a construíres uma frase. Escreve as frases no teu caderno.

A B

o avião o Ricardo

jogou à bola contou uma história

foram ao teatro os seres humanos

a avó aterrou em Benguela

os meninos as meninas

a fruta faz bem à saúde

precisam de beber água foram ao cinema

Escreve as frases que encontraste, dividindo-as nas suas duas partes mais importantes.

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3) Repara na frase.

A Maria comprou uma saia muito bonita.

Se quiseres dividir a frase nas suas duas partes mais importantes, encontra-rás:

A Maria comprou uma saia muito bonita.

AGORA, se reparares na segunda parte da frase e a dividires nas suas duas partes mais importantes, o resultado será:

comprou uma saia muito bonita

VOLUME I | METODOLOGIA DO ENSINO DA LíNGUA PORTUGUESA • 75

Faz o mesmo para as frases seguintes:

O leão é um animal muito imponente.

Os jogadores de voleibol visitaram a escola.

A corrida de carros decorreu no domingo passado.

As bolachas sabem a chocolate.

O mamão é um fruto muito saboroso.

As flores crescem no jardim da cidade.

4) No quadro que se segue

que/ se /quando /mas

escolhe a palavra que permite completar melhor cada uma das frases seguintes.

Abro o chapéu-de-chuva _______________ está a chover.

As minhas notas foram boas ____________ podiam ser melhores.

Vamos brincar ____________ quiseres.

Gostei do livro ____________ vi ontem na livraria.

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5) Acrescenta características que conheças dos alimentos que são refe-ridos, aumentando cada uma das frases abaixo. Vê o exemplo.

O amendoim é muito saboroso.

O amendoim é muito saboroso e a sua casca é rugosa.

O robalo é um peixe.

As papaias são frutos apetitosos.

A galinha é usada em diversas receitas.

O limão é amarelo.

As couves são verdes.

A abóbora usa-se na sopa.

SEMÂNTICA

1) Vamos jogar com o sabor das palavras.

Responde às perguntas, referindo-te a cada uma das palavras a negrito.

Papaia Banana Maçã

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De que cor é?

Come-se com quê?

Bebe-se?

Parece-se com quê?

2) Imagina que és um peixe…

Responde às perguntas, referindo-te a cada uma das palavras a negrito

Um robalo um carapau uma lagosta

Onde vivia?

Como era a minha boca?

Tinha escamas?

De que cor era?

3) Vamos formar equipas e jogar…

A equipa que disser o maior número de palavras, ganha.

Vê os exemplos.

78 • PROjECTO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMáRIO EM ANGOLA

O cozinheiro sabe muito sobre culinária (cozinha, fogão, tacho, balança, faca, receita, …).

A enfermeira sabe muito sobre saúde (hospital, doença, seringa, vacina, ade-sivo, comprimido, …)

O camionista sabe muito sobre ___________________________

O jogador sabe muito sobre ______________________________

Os professores sabem muito sobre ________________________

Os pescadores sabem muito sobre _________________________

4) Diário de um descobridor de palavras1

Vais registar a tua aprendizagem de palavras novas. Ora vê o exemplo e sempre que encontrares uma palavra nova, regista-a de acordo com o exemplo:

1 Esta actividade foi inspirada em Duarte, Inês (2008)

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A palavra e a situação em que sur-giu (em que livro ou frase a li ou ouvi)

O que me lembro da palavra (onde já a ouvi ou li)

O que faço para a com-preender (analiso as situações em que a palavra surge e à sua estrutura interna)

Significado

(o que a pa-lavra quer di-zer; substituo por um sinó-nimo e vejo se acertei no significado)

O uso da palavra

(Escrevo uma frase com a palavra e po-nho a data)

Feiticeira

Nosso musse-que, de José Luandino Vieira

“Toma, toma, toma, fei-ticeira sem vergonha”

Já ouvi várias histórias que me contou a minha avó

Reconheço a palavra “feitiço” e o bocadinho “eira” que encontro em lavadeira

Feiticeira quer dizer uma pessoa que faz bru-xarias

Posso subs-tituir por bruxa

4 de Novem-bro

Frase – “Aquela fei-ticeira fazia mal às pes-soas”

5) O Jogo da Escada1

Vamos fazer uma escada com palavras.

Ora vê a escada das palavras contentes:

eufórico

feliz

contente

1 Esta actividade foi inspirada em Duarte, Inês (2008)

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Queres experimentar com outras palavras?

Ora tenta com as palavras:

más, zangadas…

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PREPA