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O IBGE e as pesquisas populacionais Focaliza-se o histórico dos censos demográficos, do registro civil e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), com ênfase nas principais questões investigadas por cada uma dessas pesquisas. Destaca-se o importante papel do Estado no desenvolvimento, principalmente, dos censos demográficos, o que explica seu desenvolvimento mais rápido, enquanto as estatísticas do registro civil ficaram dependentes, em sua fase inicial, das nem sempre estáveis relações entre o Estado e a Igreja. É mostrada a importância crescente dos censos demográficos como instrumento de análise das componentes demográficas, sendo o Censo de 1970 considerado um marco divisório, tanto no que diz respeito à organização, à riqueza de detalhes, como à confiabilidade dos números, destacando-se o papel da sociedade civil, da comunidade acadêmica e dos formuladores de políticas públicas nesse processo. Destaca- se também a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada durante os períodos intercensitários, com múltiplos propósitos de investigação, incluindo, com periodicidade variável, características demográficas (migração, fecundidade, nupcialidade) e de saúde. Palavras-chave: Censos. Registro civil. PNAD. População. Fecundidade. Mortalidade. Migração. Cidadania. Características socioeconômicas. Luiz Antonio Pinto de Oliveira * Celso Cardoso da Silva Simões ** Introdução Em sua já razoavelmente longa história, o IBGE elaborou e produziu um conjunto de pesquisas bastante significativo no que diz respeito à oferta de informações sobre as diversas características demo- gráficas e socioeconômicas da população brasileira. Dentre essas pesquisas, o censo demográfico é um eixo de referência para todas as demais. Uma outra pesquisa que foi muito uti- lizada desde o final do século XIX, sobretudo pelos órgãos de saúde pública, foi o Sistema * Coordenador de População e Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). ** Pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). de Estatísticas Vitais, originado das esta- tísticas do registro civil. A primeira lei brasileira determinando a realização de recenseamentos nacionais de população, a cada dez anos, foi a Lei n. 1829, sancionada em 1870, ainda du- rante o Império. A mesma lei determinava, ainda, que o governo deveria organizar os sistemas de nascimentos, casamentos e óbitos, criando na capital uma Diretoria Geral de Estatística. Até então, as estatísticas limitavam-se a registros não sistematizados e listas nominativas provinciais, com objetivos R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 291-302, jul./dez. 2005

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O IBGE e as pesquisaspopulacionais

Focaliza-se o histórico dos censos demográficos, do registro civil e daPesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), com ênfase nas principaisquestões investigadas por cada uma dessas pesquisas. Destaca-se o importantepapel do Estado no desenvolvimento, principalmente, dos censos demográficos,o que explica seu desenvolvimento mais rápido, enquanto as estatísticas doregistro civil ficaram dependentes, em sua fase inicial, das nem sempre estáveisrelações entre o Estado e a Igreja. É mostrada a importância crescente doscensos demográficos como instrumento de análise das componentesdemográficas, sendo o Censo de 1970 considerado um marco divisório, tantono que diz respeito à organização, à riqueza de detalhes, como à confiabilidadedos números, destacando-se o papel da sociedade civil, da comunidadeacadêmica e dos formuladores de políticas públicas nesse processo. Destaca-se também a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada durante osperíodos intercensitários, com múltiplos propósitos de investigação, incluindo,com periodicidade variável, características demográficas (migração,fecundidade, nupcialidade) e de saúde.

Palavras-chave: Censos. Registro civil. PNAD. População. Fecundidade.Mortalidade. Migração. Cidadania. Características socioeconômicas.

Luiz Antonio Pinto de Oliveira*

Celso Cardoso da Silva Simões**

Introdução

Em sua já razoavelmente longahistória, o IBGE elaborou e produziu umconjunto de pesquisas bastante significativono que diz respeito à oferta de informaçõessobre as diversas características demo-gráficas e socioeconômicas da populaçãobrasileira. Dentre essas pesquisas, o censodemográfico é um eixo de referência paratodas as demais.

Uma outra pesquisa que foi muito uti-lizada desde o final do século XIX, sobretudopelos órgãos de saúde pública, foi o Sistema

* Coordenador de População e Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).** Pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

de Estatísticas Vitais, originado das esta-tísticas do registro civil.

A primeira lei brasileira determinandoa realização de recenseamentos nacionaisde população, a cada dez anos, foi a Lein. 1829, sancionada em 1870, ainda du-rante o Império. A mesma lei determinava,ainda, que o governo deveria organizar ossistemas de nascimentos, casamentos eóbitos, criando na capital uma DiretoriaGeral de Estatística.

Até então, as estatísticas limitavam-sea registros não sistematizados e listasnominativas provinciais, com objetivos

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principalmente fiscais. Cabe destacar queem 1808, com a vinda da Corte portuguesapara o Brasil, foi feito um primeirolevantamento, contabilizando um total de 4milhões de habitantes no país.

Sob os efeitos da citada lei, a DiretoriaGeral de Estatística do Ministério deNegócios do Império realizou em 1872 oprimeiro Censo Nacional de População.Como se vê, a série histórica dos censosbrasileiros tem origem nesta decisão degoverno. Porém, se os censos e a DiretoriaGeral de Estatística tiveram uma institucio-nalização rápida e estruturada, o mesmonão se pode afirmar em relação ao registrocivil.

O primeiro ato que, de certo modo, podeser considerado relacionado ao futurofuncionamento do registro civil foi a proi-bição do sepultamento de pessoas sem acertidão de óbito expedida por “médico ououtro facultativo”, determinada por leidatada de 1814.1 Naturalmente, os efeitosdesta proibição foram restritos, em face dapequena disponibilidade desses profis-sionais em um país profundamente rural.No início da década de 1860, quando aimigração internacional começava a seintensificar no Brasil, foram sancionadosdecretos atribuindo ao Estado a regula-mentação dos registros de casamentos ede óbitos de todos aqueles que nãoprofessavam a religião oficial, ou seja, acatólica.

Fica, portanto, claro o papel do Estadono desenvolvimento dessas duas impor-tantes fontes de informação demográfica.Mas, enquanto as estatísticas populacio-nais censitárias, desde sua origem, foramde exclusiva responsabilidade do Estado,o registro das estatísticas vitais (casamento,batismo e sepultamento), em um primeiromomento, coube principalmente à Igreja.Esta situação explica, talvez, o desenvol-vimento mais rápido e eficiente dos censosdemográficos, enquanto as estatísticas doregistro civil ficaram dependentes das nemsempre estáveis relações entre o Estado ea Igreja.

Por outro lado, as duas fontes de infor-mação tinham também funções distintas: seaos censos cabia produzir e fornecer asestatísticas então demandadas peloEstado, os dados do registro civil sempreforam encarados como subproduto de umafunção administrativa e legal, principal-mente após a laicização dos registrospúblicos, a partir do governo republicano.

Evolução dos censos demográficos e doregistro civil

Os censos demográficos

Os censos têm oferecido as maisamplas possibilidades para os estudos depopulação – sua quantificação, compo-sição, estrutura e distribuição política-administrativa – e, em especial a partir doCenso de 1940, já sob a responsabilidadedo IBGE (criado em 1936), para a inves-tigação das componentes demográficas,tais como fecundidade, mortalidade emigrações internas.

O primeiro censo brasileiro, realizado,como vimos, em 1872, teve como meta “orecenseamento de todos os habitantes doImpério, nacionais e estrangeiros, livres eescravos, presentes ou ausentes, em 1° deagosto de 1872”.

Por problemas políticos, deixou-se derealizar o censo em 1880. Os censos de1890 e 1900 apresentaram-se bastanteproblemáticos quanto à sua cobertura equalidade.

Em 1910 e 1930, também por questõespolíticas, não foram realizados os res-pectivos censos. O Censo Demográfico de1920, muito rico em detalhes, teria sobrees-timado em cerca de 10% a população, deacordo com avaliações posteriores feitas porGiorgio Mortara.

Com o Censo de 1940 o Brasil iniciauma nova etapa da história das estatísticaspopulacionais, sobretudo no que se refereà dinâmica demográfica, graças ao esforçoe conhecimento do demógrafo italianoemigrado para o Brasil, Giorgio Mortara.

1 Registro Civil 1961. Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Rio de Janeiro, 1963.

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Atendendo aos padrões internacionais daépoca, visando à uniformidade e compara-bilidade dos resultados com outras nações,objetivos que de certo modo já estavampresentes nas preocupações dos respon-sáveis pelo planejamento do Censo de1940, o Brasil participa, em 1946, doprograma de censos simultâneos propostopelo Comitê do Censo das Américas.

Importante ressaltar que com os censosde 1940 e 1950 são criadas as condiçõespara que se iniciem, efetivamente, osestudos demográficos abrangendo oconjunto do país. Nesse processo, Mortaradesempenhou papel importantíssimo, dadaa repercussão de seus artigos, publicadospelo IBGE, nos meios científicos e entre ospesquisadores da área de demografia naAmérica Latina.

A partir de 1960, em função do aumentodos custos devido ao extraordináriocrescimento da população brasileira desdeos anos 30, o IBGE reorganizou o questio-nário de coleta do censo, criando umquestionário básico, para ser respondidopelo universo dos domicílios, e um ques-tionário mais amplo e detalhado para umafração de amostra correspondente a 25%dos domicílios.

Em decorrência de crises internas e dainstabilidade política do país no início dosanos 60, os resultados censitários com-pletos não foram divulgados durante adécada; somente em 1978, e apenasparcialmente, eles se tornaram públicos.

O Censo de 1970 é considerado ummarco divisório na história dos censosdemográficos brasileiros, tanto no que dizrespeito à organização, à riqueza de deta-lhes, como à confiabilidade dos números.Seus resultados foram amplamente anali-sados durante a década de 70 e até o iníciodos anos 80. Nesse período, o mundo aca-dêmico e científico, inclusive nas chamadasciências sociais, havia se fortalecido econsolidado, com grande crescimento deinstituições voltadas para a análise e pes-quisa. Temas como distribuição de renda,mercado de trabalho e educação foramexaustivamente estudados, não só em nívelnacional como, principalmente, com ênfasenas expressivas desigualdades regionais.

No campo dos estudos demográficos,instituições públicas e centros de pesquisaenvolveram-se com as informações rela-tivas ao crescimento populacional – achamada “explosão demográfica” – e aosníveis de fecundidade e, de forma bastanteintensa, buscaram um diagnóstico e a men-suração dos fluxos e características dosmovimentos migratórios, tradicionais enovos. Em se tratando de um momentoinicial do processo de informatização dasinformações, o IBGE recebeu, ao longo dadécada, um grande número de pedidos detabulações especiais com cruzamentos devariáveis socioeconômicas e demográficasespecíficas para os vários estudos entãorealizados.

Os censos de 1980 e 1991 ampliarama riqueza da investigação dos censosanteriores, apesar de algumas dificuldadesmomentâneas enfrentadas, especialmenteo Censo de 1991, adiado por força dascrises fiscais e políticas da virada dos anos80 para os 90.

O período que antecedeu e aquele quese seguiu ao Censo de 1991 foram for-temente marcados pelas demandas dasociedade e pelo início da discussão sobrea produção de estatísticas tanto com asociedade civil como entre os formuladoresdas políticas públicas. O IBGE estimulou epropiciou essa discussão com amplossetores sociais, da qual resultaram, ini-cialmente, a reformulação de alguns itensconstantes do questionário de 1991 e aincorporação de novos no Censo de 2000.A participação cada vez maior da socie-dade e a importantíssima contribuição dosgovernos municipais e estaduais e deempresas de serviço público na preparaçãoda malha cartográfica básica para ostrabalhos dos recenseadores são umreflexo dessa tendência. Hoje, em tese, oIBGE está muito mais aberto às deman-das da sociedade, tanto em relação aoscensos como às pesquisas conjunturais eestruturais.

Entretanto, a persistência de dificul-dades econômicas, que se vêm tornandosistemáticas, tem direcionado o IBGE aprocurar alternativas na área da informá-tica, seja disponibilizando aos principais

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usuários das informações censitárias astabulações básicas em meio magnético(CD), seja criando processos e regras paraacesso ao microdado, mantidas as re-comendações relativas ao sigilo. A Internettambém tem sido uma outra alternativa paraviabilizar a democratização do acesso

às informações, não só dos censosmas também das demais pesquisas dainstituição.

O Quadro 1 permite melhor entendi-mento e percepção da evolução no conteú-do dos temas e quesitos investigados nasérie dos censos demográficos.

QUADRO 1Evolução dos dados coletados nos censos demográficos de1872, 1890, 1900, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000

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Fonte: Conselho Nacional de Estatística - Serviço Nacional de Recenseamento, Legislação Básica dos Recensamentos de 1872,1890, 1990 e 1920. Documento Censitário, Série A, n. 2, Rio de Janeiro, 1951, IBGE. Censos Demográficos de 1940, 1950, 1960,1970, 1980, 1991 e 2000.

Registro civil

Da mesma forma que os censosdemográficos, as estatísticas do registrocivil são um importante instrumento deacompanhamento dos movimentos dedinâmica demográfica que se processam

dentro do país, em seus distintos níveis dedesagregação geográfica.

Um sistema de boa qualidade – comoacontece na totalidade dos países maisdesenvolvidos e mesmo em outros nãotão desenvolvidos, mas que têm preocu-pações com questões relacionadas à

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contendo os dados de nascimentos,óbitos e casamentos registrados;

2. Posteriormente, esta função ficou acargo dos Departamentos de Es-tatística dos estados, que recebiam ainformação dos cartórios e a remetiamà Direção Geral de Estatística;

3. Esta intermediação foi abolida em1973 pela Lei 6.015, que determinoua centralização da coleta dos dadosvitais pelo IBGE.

Esta lei, que entrou em vigor em 1º dejaneiro de 1976, estabelecia normas sobreos registros públicos relativos ao:

• Registro Civil de Pessoas Naturais;

• Registro Civil de Pessoas Jurídicas;

• Registro de Títulos de Documentos;

• Registro de Imóveis.

A publicidade dos registros públicosé uma determinação legal. Os oficiais eos encarregados das repartições em quese fazem os registros são obrigados a lavrarcertificados (atas) do que lhes foi requeri-do e oferecer às partes as informaçõessolicitadas.

Qualquer pessoa pode requerer cer-tificado de registro civil sem informar aooficial ou ao funcionário o motivo do pedido.Os certificados do Registro Civil de PessoasNaturais mencionarão, sempre, a data emque foi lavrado o assentamento. Oscertificados de nascimento mencionarão,além da data em que foi feito o registro, adata do nascimento e o lugar de ocorrência.Sempre que haja qualquer alteraçãoposterior ao ato cujo certificado é solicitado,deverá o oficial mencioná-la obriga-toriamente, não obstante as especificaçõesdo pedido, sob pena de responsabilidadecivil e penal.

Até 1997, o registro civil e o respectivocertificado não eram cobrados para aspessoas comprovadamente pobres. Emdezembro do mesmo ano foi aprovada aLei 9.534, que determinou a gratuidade doregistro civil de pessoas naturais a todos osbrasileiros.

O registro de nascimentos deverá serrealizado dentro do prazo máximo de 15

cidadania (p. ex., acesso universal de seuscidadãos ao documento básico, que é acertidão de nascimento) – possibilita arealização de estudos e análises, emtempo real, das principais componentesdemográficas (natalidade e mortalidade),das mudanças nas estruturas familiares e,naqueles países que têm o sistemade registro único, até o acompanhamentodos movimentos migratórios de suaspopulações.

Nestas circunstâncias ideais, é bomque se o diga, muitas das questões que hojeem dia são investigadas no Brasil em cen-sos demográficos e pesquisas domiciliarestornar-se-iam desnecessárias, com conse-qüências positivas em termos de reduçãode custos, na medida em que haveria umaredução importante no conteúdo dosquestionários.

A evolução do registro civil foi marcadapor acontecimentos políticos e alteraçõesadministrativas e culturais que o afetaramdiretamente.

Criado em 1888, no final do Império, oRegistro Civil de Pessoas Naturais so-freu mudanças após a proclamação daRepública, em 1889, uma vez que algunsdos dispositivos da lei de sua criaçãocontrariavam princípios constitucionaisrepublicanos.

Assim, antes mesmo de ser posta emprática, a primeira lei que regulamenta oregistro de nascimentos, casamentos eóbitos sofreu reformas. Uma das principaisalterações foi a introdução da perguntasobre cor, com a seguinte justificativa: “OBrasil foi sempre um país em que pre-dominou a raça preta, principalmente até1888, quando foi a mesma redimida do jugohorrível de um governo prepotente […]”.Logo, de acordo com a Diretoria Geral deEstatística, a cor deveria ser investigadaem todas as estatísticas: censos e registrocivil.

Em termos históricos, o processo decoleta das informações do registro civilseguiu os seguintes passos:

1. Numa primeira etapa, os cartóriosenviavam diretamente à DiretoriaGeral de Estatística os mapas

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dias, contado a partir de seu acontecimento,prazo que pode ser estendido por trêsmeses, para aquelas situações em que oslugares distam mais de 30 km da sede docartório, não estando obrigados a essainscrição somente os índios não integrados,podendo esta ser feita em livro próprio doórgão federal de assistência ao indígena,no caso, a Funai. As declarações de nas-cimento feitas após o prazo legal estãosujeitas a multa.

É obrigatória a apresentação no car-tório do boletim de ocorrência do evento.No caso em que o nascimento foi domiciliar,a legislação estabelece que o responsáveltem que fazer uma comunicação sobre onascimento a uma unidade de saúde, queentão emitirá o boletim de ocorrência.

O assentamento de nascimento deveráconter:

• o dia, mês, ano e lugar do nascimento,a hora exata ou aproximada doevento e o número do registro;

• o sexo do registrado;

• a natureza do parto (o fato de ser gêmeo,quando assim haja acontecido);

• o nome e sobrenome que haja sidoposto na criança;

• a declaração de que a criançanasceu morta ou morreu no ato ouem seguida ao parto;

• os nomes e sobrenomes dos avóspaternos e maternos.

Quanto ao registro de óbito, é im-portante lembrar que, em termos legais, omesmo é precondição para qualquersepultamento.

O registro de óbito deverá conter:

• a hora, se for possível, dia, mês e anodo falecimento;

• o lugar do falecimento, com indicaçãoprecisa;

• o sobrenome, nome, sexo, cor, estadocivil, profissão, naturalidade, domi-cílio e residência do morto;

• se casado, o nome do cônjuge sobre-vivente, mesmo quando desquitado/divorciado; se viúvo, o nome docônjuge já falecido e o cartório onde

se realizou o matrimônio em ambosos casos;

• os nomes, sobrenomes, profissão,naturalidade e residência dos pais;

• se faleceu com testamento conhe-cido;

• se deixou filhos, o nome e a idade decada um;

• se a morte foi natural ou violenta, e acausa conhecida;

• o lugar do sepultamento;

• se deixou bens e herdeiros menoresou interditados;

• se era eleitor.

O Quadro 2 apresenta a evolução dostemas e quesitos arrolados na certidão dosregistros.

Complementando as informaçõesrelativas às estatísticas vitais, o registro civilinvestiga e fornece também informaçõessobre óbitos fetais.

O formulário de óbitos fetais é muitoparecido com o de nascidos vivos. Apenasdifere deste no fato de não incluir a data deocorrência do evento e de agregar a infor-mação correspondente à duração dagestação (menos de 20 semanas, de 20 a27 semanas e mais de 27 semanas). Estadiscriminação permite a identificação doschamados óbitos tardios, ou seja, aquelesque ocorreram após 27 semanas degestação e que são classificados comonascidos mortos.

Finalmente, as uniões legais tambémfazem parte do elenco de informações doregistro civil. Entretanto, o registro dematrimônios não é obrigatório. Muitas uniõesse dão à margem do sistema legal e sópodem ser investigadas por meio depesquisas censitárias ou domiciliares.Também existem as uniões religiosas, cujoregistro fica a cargo da instituição ecle-siástica, ainda que não sejam reconhe-cidas judicialmente.

O IBGE também investiga, nas Varasde Família, os divórcios e separações judi-ciais. O registro dos mesmos se dá depoisde sua decretação pelos juízes das Varasde Família ou de seu encaminhamento paranotificação no cartório onde se realizou ou

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QUADRO 2Registro civil, 1888-2004 – Nascimementos

(*) Esta informação é coletada no mapa de nascidos mortos/ou óbitos fetais, com as demais informações.

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QUADRO 3Registro civil, 1888-2004 – Óbitos

foi registrado o matrimônio. A falta de notifi-cação não caracteriza a ruptura do vínculo.

As Pesquisas Domiciliares por Amostrade Domicílios

Histórico

Uma outra fonte de informações quetem sido de suma importância nos estudos

e análises da dinâmica demográfica do paísé a Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios (PNAD). Esta pesquisa, implan-tada progressivamente no Brasil a partir de1967, por ter propósitos múltiplos, investigadiversas características demográficas e so-cioeconômicas, umas de caráter permanen-te nas pesquisas, como as característicasgerais da população, educação, trabalho,rendimento e habitação, e outras com

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periodicidade variável, como as caracte-rísticas sobre migração, fecundidade,nupcialidade, saúde, nutrição e outrostemas que são incluídos no sistema deacordo com as necessidades de informaçãopara o país.

Inicialmente, os resultados apresen-tados pela PNAD tinham periodicidadetrimestral. A partir de 1971 os levantamentospassaram a ser anuais, com a realizaçãoda pesquisa no último trimestre. A PNAD foiinterrompida para a realização dos CensosDemográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000.

Na década de 70, os principais temasinvestigados na PNAD, além de aspectosgerais da população, educação, trabalho,rendimento e domicílio, foram migração,fecundidade, habitação e cor. Em 1974-1975 foi levada a efeito uma pesquisaespecial denominada Estudo Nacional daDespesa Familiar (Endef), que, além dostemas anteriores, investigou o consumoalimentar e os orçamentos familiares. Du-rante a realização do Endef o levantamentobásico da PNAD foi interrompido.

As pesquisas realizadas na década de80 mantiveram inalteradas as caracterís-ticas do levantamento básico, visando, comisso, gerar uma série histórica de resultados.A única alteração ocorrida foi a incorporaçãodefinitiva na pesquisa básica dos quesitossobre a cor das pessoas, a partir de 1987, esobre a existência de rádio e televisão nosdomicílios particulares permanentes, apartir de 1988. Por meio de pesquisassuplementares foram investigados os se-guintes temas: saúde em 1981; educaçãoem 1982; mão-de-obra e previdência em1983; fecundidade em 1984; situação domenor em 1985; anticoncepção, acesso aserviços de saúde, suplementação alimentare associativismo em 1986; participaçãopolítico-social e estoque de aparelhosutilizadores de energia em 1988; e trabalhoem 1989 e 1990.

Ao final da década de 80 e início dosanos 90 o IBGE promoveu uma ampladiscussão interna e externa com vistas àreformulação e atualização do conteúdo einstrumentos de pesquisa da PNAD. A partirda PNAD de 1992, em função dessa re-formulação, aprofundaram-se algumas

questões referentes à investigação, princi-palmente, sobre trabalho e rendimento,incluindo-se no corpo básico da pesquisa,além dos aspectos gerais da população,educação e domicílio, blocos de quesitosque investigam a migração, fecundidade enupcialidade da população. Este modelodo corpo básico da pesquisa, em linhasgerais, foi mantido durante os anos 90, àexceção de 1994, quando a PNAD deixoude ir a campo.

Vale salientar que a partir da PNAD de1992, para captar determinados grupos depessoas envolvidas em atividades eco-nômicas que anteriormente não eramincluídas na população ocupada, o conceitode trabalho e força de trabalho tornou-semais abrangente, incluindo, por exemplo,as pessoas que trabalhavam para auto-consumo e em construção para o própriouso, além daquelas enquadradas na po-sição de ocupações não remuneradas, paraas quais passou a se aceitar uma cargahorária mínima de apenas 1 hora semanal,quando anteriormente o limite mínimo erade 15 horas.

A extensão e profundidade da pesquisabásica determinaram que não houvessesuplementos temáticos em 1992, 1993 e1995. Em 1996, para possibilitar a inclusãodo tema suplementar mobilidade social,foram retirados três tópicos da pesquisabásica: trabalho das crianças de 5 a 9 anosde idade, ensino supletivo e nupcialidade.Em 1998, por solicitação do Ministério daSaúde, foi elaborado e levado a campo umsuplemento abordando questões relacio-nadas ao tema saúde.

A partir de 2001 foram ampliados osquesitos do tema domicílio e substituída ainvestigação sobre o trabalho das criançasde 5 a 9 anos de idade por uma pesquisasuplementar sobre o trabalho das criançase adolescentes de 5 a 17 anos de idade.Desde então, a investigação sobre otrabalho a partir de 5 anos de idade foiincorporada em definitivo ao questionáriobásico.

Em 2003, foi novamente realizado umsuplemento sobre saúde, basicamentesimilar ao de 1998, permitindo a obtençãode informações comparativas sobre a

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evolução do quadro geral de acesso aosserviços de saúde e aspectos relacionadosà morbidade da população brasileira ao lon-go do período entre as duas investigações.

Abrangência geográfica

A abrangência geográfica da inves-tigação da PNAD vem se ampliandogradualmente. Iniciada em 1967, na áreaque hoje compreende o Estado do Rio deJaneiro, ao final da década a PNAD jáabrangia as regiões Nordeste, Sudeste, Sule o Distrito Federal. Em 1971, a pesquisarestringiu-se às áreas que abrangem o atualEstado do Rio de Janeiro, o Estado de SãoPaulo e a região Sul. Em 1973 já incor-porava novamente as regiões Nordeste,Sudeste e Sul, o Distrito Federal e as áreasurbanas das regiões Norte e Centro-Oeste.Esta cobertura foi mantida até 1979.

Em 1981 a abrangência geográfica daPNAD foi mais uma vez ampliada, pas-sando a excluir somente a área rural dosestados da região Norte. A partir de 2004a PNAD passa a investigar também a áreaurbana de todos os estados da regiãoNorte, possibilitando, portanto, obter-se umquadro mais completo da situação demo-gráfica, social e econômica da populaçãoresidente nessa região, independen-temente de sua condição de residência.Com isso, a amostra domiciliar da PNADpassou a ser representativa de todo oterritório nacional.

As informações e os estudosdemográficos nas pesquisas do IBGE

As informações demográficas contidasnas publicações e meios magnéticos doscensos demográficos, estatísticas doregistro civil e Pesquisas por Amostra deDomicílios possibilitaram acompanhar todoo processo de transição demográfica quese verificou no país, com suas variaçõesregionais e sociais.

No caso específico dos censos, desde1940, conforme visto, existe um conjuntode quesitos básicos sobre fecundidade emortalidade (Quadro 1) que tornou possívelacompanhar as mudanças nos níveis e

padrões das componentes demográficas ena mobilidade espacial da população.

Além disso, as informações censitáriassão fundamentais para a atualização dasprojeções populacionais para o Brasil,Grandes Regiões e Unidades da Federa-ção, bem como para a construção dasestimativas municipais de população, quese tornaram legalmente obrigatórias a cadaano, a partir de 1989.

Em relação às PNADs, nas décadas de70 e 80, como foi assinalado, os principaisquesitos que propiciam a análise daschamadas componentes demográficas nãoforam investigados para todos os anos dasérie. Assim mesmo, o cálculo de índicesdemográficos como as Taxas de Fecundida-de Total e de Mortalidade Infantil teve, emalguns anos em que foram elaborados,grande impacto e divulgação na sociedadee nos meios acadêmicos, inclusive na Asso-ciação Brasileira de Estudos Populacionais(Abep). Assim é que, com base na PNADde 1976, foi detectado, pela primeira vez, oinício do processo acelerado de declínio dafecundidade no Brasil. Tal tendência foi pos-teriormente confirmada no Censo de 1980e pelos suplementos das PNADs de 1984 e1986, que constataram a intensificação dodeclínio e sua generalização por todas asregiões e estratos sociais do país.

Nesses períodos, as informações denatureza demográfica das PNADs, emboraesparsas, permitiram o acompanhamentoe avaliações do processo de transição nadinâmica demográfica brasileira nos inter-valos intercensitários.

A partir dos anos 90, com a incor-poração do bloco demográfico ao corpobásico anual da pesquisa, os índices e taxasde fecundidade, mortalidade e mobilidadeespacial da população tornaram-se tambémelementos de subsídio para a atualizaçãoe monitoramento das componentes de-mográficas implícitas nas projeções eestimativas populacionais.

Finalmente, as estatísticas do registrocivil, embora ainda apresentem níveisrazoavelmente elevados de sub-registro denascimentos e óbitos em algumas regiõese unidades da Federação, revelam indica-tivos de que o grau de cobertura tem se

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O IBGE e as pesquisas populacionaisOliveira, L.A.P. e Simões, C.C.S.

R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 291-302, jul./dez. 2005

elevado, principalmente no caso dos nasci-mentos, acompanhando as tendências deurbanização e institucionalização da socie-dade brasileira.

Nesse sentido, os indicadores denatalidade, mortalidade e nupcialidadeextraídos do registro civil vêm sendo pro-gressivamente utilizados nas análisesdemográficas e na avaliação dos padrõesdas principais componentes demográficas

usadas nas projeções e estimativas popula-cionais. Os problemas estão praticamenteequacionados nos estados do Centro-Suldo Brasil, onde as estatísticas vitais sãoconfiáveis do ponto de vista da coberturae fornecem indicadores demográficoscontínuos, mas é importante ressaltar queas lacunas permanecem elevadas nasregiões Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste.

Abstract

IBGE and population research

This article studies the history of the demographic censuses in Brazil, as well as civil recordsand the PNAD (National Survey by Household Sampling), with emphasis on the main issuesinvestigated by each of these instruments. The important role played by the State, especially inthe development of the demographic censuses, is taken up, as this factor explains their rapiddevelopment. In contrast, during their early stages civil records remained dependent on thenot always stable relationships between Church and State. The increasing importance of thedemographic censuses as instruments of analysis of demographic factors is gone into. The1970 census is considered a milestone with respect to its organization, the wealth of detailstreated, and the reliability of the results. The role of civil society is also highlighted, as well asof the academic community and the formulators of public policies in this process. The PNADhas also played a special role in this process, as it has been carried out between censuses,with multiple investigative purposes, sometimes including demographic characteristics(migration, fertility, marital unions, etc.) and factors related to health.

Key words: Censuses. Civil records. PNAD. Population. Fertility, mortality and migration.Citizenship. Economic characteristics.

Referência bibliográfica

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SIMÕES, C.C.S. e OLIVEIRA, A.T. As Estatís-ticas Vitais do Registro Civil: seu histórico,situação atual e análise de alguns indicado-res demográficos da década de 90. In: IBGE/Abep/UNFPA. Saúde no Brasil: Conceitos,Programas e Indicadores. Brasília, 2003.

Recebido para publicação em 04/04/2005.Aceito para publicação em 24/06/2005.