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O Motor V-6 a dois tempos e os DKW nas pistas - 1966 Por Carlos Eduardo Zavataro - revisão de Bob Sharp Eu era um pouco mais novo na época, mas, muito atento, registrava todos os encontros, corridas e conversas da turma mais velha. Lembro-me bem por exemplo do GP IV Centenário do Rio de Janeiro quando pela primeira vez vi os Malzonis correndo e, a partir daí, fiquei fascinado por aquele carrinho de 3 cilindros que enfrentou com valentia carros muito mais potentes. Foi justamente a partir dssa corrida que o Jorge Lettry constatou que para enfrentar os carrões da época (Simca Abarth de 2 litros, Alpine 1300 etc) precisava de um motor mais forte. A partir daí a Vemag tentou importar um motor mais forte - o V6 a 2 tempos. Já não havia tempo pois a Vemag estava em declínio e os diretores dormiram durante a apresentação do Jorge Lettry a respeito das tratativas para se adquirir um lote desses motores da Alemanha. Esse motor era uma lenda, Até hoje muitos ainda não tem conhecimento da existência desse fantástico motor. A partir dessa curiosidade natural pesquisei bastante a partir do ano 2000 e consegui, graças a interveniência do Sr Byron Brill, então Chairman do Auto Union Club of America, levantar a história inédita desse motor, hoje tb publicada nos USA. Escreví abaixo essa primeira história, muito mais em função das memórias entusiasmadas de um adolescente apaixonado por corridas, que na verdade trata-se de uma visão de época minha e de dois depoimentos a respeito do motor. Depois consegui na Áustria uma interessante reportagem de um jornal especializado a respeito desse motor, como uma interessante comparação entre um DKW F102 equipado com o motor V6 com outros carros da época, inclusive o primeiro Audi 72 equipado com o motor 4 cilindros de 1700 cc desenvolvido pela Mercedes. Muito já foi escrito a respeito do sucesso do DKW nas pistas. No Brasil, a equipe de competições da Vemag, comandada pelo lendário Jorge Lettry, conseguiu resultados

O Motor V6 DKW

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O Motor V-6 a dois tempos e os DKW nas pistas - 1966Por Carlos Eduardo Zavataro - revisão de Bob Sharp

Eu era um pouco mais novo na época, mas, muito atento, registrava todos os encontros, corridas e conversas da turma mais velha. Lembro-me bem por exemplo do GP IV Centenário do Rio de Janeiro quando pela primeira vez vi os Malzonis correndo e, a partir daí, fiquei fascinado por aquele carrinho de 3 cilindros que enfrentou com valentia carros muito mais potentes.

Foi justamente a partir dssa corrida que o Jorge Lettry constatou que para enfrentar os carrões da época (Simca Abarth de 2 litros, Alpine 1300 etc) precisava de um motor mais forte. A partir daí a Vemag tentou importar um motor mais forte - o V6 a 2 tempos. Já não havia tempo pois a Vemag estava em declínio e os diretores dormiram durante a apresentação do Jorge Lettry a respeito das tratativas para se adquirir um lote desses motores da Alemanha.

Esse motor era uma lenda, Até hoje muitos ainda não tem conhecimento da existência desse fantástico motor. A partir dessa curiosidade natural pesquisei bastante a partir do ano 2000 e consegui, graças a interveniência do Sr Byron Brill, então Chairman do Auto Union Club of America, levantar a história inédita desse motor, hoje tb publicada nos USA.

Escreví abaixo essa primeira história, muito mais em função das memórias entusiasmadas de um adolescente apaixonado por corridas, que na verdade trata-se de uma visão de época minha e de dois depoimentos a respeito do motor. Depois consegui na Áustria uma interessante reportagem de um jornal especializado a respeito desse motor, como uma interessante comparação entre um DKW F102 equipado com o motor V6 com outros carros da época, inclusive o primeiro Audi 72 equipado com o motor 4 cilindros de 1700 cc desenvolvido pela Mercedes.

Muito já foi escrito a respeito do sucesso do DKW nas pistas. No Brasil, a equipe de competições da Vemag, comandada pelo lendário Jorge Lettry, conseguiu resultados surpreendentes em disputas com carros muito mais potentes e velozes do que os seus.

A estréia oficial da fábrica em competições deu-se em 27 de novembro de 1960, quando da edição da V Mil Milhas Brasileiras, vencida pela dupla Francisco Landi /Christian Heins com um Alfa Romeo (JK) 2000. Digno de nota o fato de ser a primeira vez que um carro de fabricação nacional vencia aquela competição, antes dominada pelas carreteras com grandes motores Ford e Chevrolet norte-americanos.

A equipe Vemag foi a primeira equipe oficial de fábrica a participar de competições. Logo em seguida vieram a Simca, a FNM (Alfa Romeo) e a Willys.

Durante os primeiros tempos os principais pilotos (e que pilotos), foram o Mário César de Camargo Filho, o “Marinho”, sempre ostentando o número 10, e o Bird Clemente, com o número 11. Cada um mais rápido do que o outro e com

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estilos de pilotar totalmente diferentes. A equipe tinha como segundos pilotos nomes como Eduardo Scuracchio  e Roberto Dal Pont.

Posteriormente o Bird Clemente transferiu-se para a equipe Willys. Continuava da mesma forma o sempre empolgante duelo com o Marinho, mas doravante pilotando as berlinetas Willys Interlagos amarelas e posteriormente os Renault Alpine.

Os carros DKW rapidamente começaram a colecionar vitórias, principalmente em circuitos mistos e de rua. Memoráveis corridas com os DKW brancos de fábrica tornaram a marca popular e respeitada no meio automobilístico. A marca aproveitava o momento e realçava o desempenho e a robustez do carro em campanhas publicitárias.

Na categoria até 1.000 cm3 não havia adversário que ameaçasse a hegemonia dos DKW-Vemag. Em provas de curta duração e em circuitos mistos Simca, JK, carreteras com motores importados V-8 e outros ainda mais potentes frequentemente eram derrotados. Em provas de longa duração o carro quebrava muito, principalmente devido às características do motor a 2 tempos — um ciclo-motor a cada volta do virabrequim, o que, associado a problemas relacionados à lubrificação, causava um maior desgaste nos pistões devido às altas temperaturas atingidas na câmara de combustão.

Entretanto, em 1962 a Willys lançou o Interlagos, um carro esporte com carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro, nas versões Berlineta, Cupê e Conversível, que chegou a “virar” em Interlagos em 4m06s (recorde do carro). A partir daí as coisas começaram a se complicar para a equipe de competições liderada pelo Lettry.

Em 1964, apesar das evidentes limitações de peso, carros DKW obtiveram cerca de 30 vitórias em competições no Brasil. No Nordeste ganharam o II GP de Fortaleza e Circuito de João Pessoa. No Sudeste, venceram no Circuito da Barra da Tijuca e em Petrópolis. No Sul, as provas 1000 Km de Interlagos e 500 Km de Porto Alegre. No exterior, venceram no circuito de Rivera no Uruguai com Marinho vencendo a “classe B” e Max Weiser na standard.

Porém o excessivo peso dos carros (quase uma tonelada), estava tornando difícil novas vitórias para a marca. A solução seria a construção de um veículo com características esportivas, cujo peso final não passasse de 700 kg. Em 1964 surgiu o primeiro protótipo Malzoni, ainda em chapa, com 830 kg, que entretanto demonstrou para o que veio. Sua estréia foi um sucesso. Em 1965 surgiu o DKW Malzoni (versão IV), com uma magnífica carroceria em fibra de vidro, inicialmente projetada e construída por Genaro “Rino” Malzoni em sua fazenda em Matão, no Estado de São Paulo.

O Malzoni definitivo na versão espartana pesava cerca de 690 kg e rapidamente tornou-se um veículo vitorioso em competições.  Viravam em Interlagos na casa dos 3m55s — recorde da categoria. A melhor marca obtida em treinos para as “6 Horas de Interlagos” de 1965 foi de 3m51s (ver nota no

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final do texto). Ainda em Interlagos, chegava a 185 km/h no final do retão. Na corrida Curitiba—Apucarana—Curitiba foi cronometrado a 203 km/h.

Suas dimensões principais eram:

Comprimento total           3.830  mm

Largura total                     1.610  mm

Bitola dianteira                 1.320  mm

Bitola traseira                   1.300  mm

Distância entre eixos       2.220  mm

Com esses veículos a marca reencontrava o caminho das vitórias que obtivera nos anos de 1960 a 1962.

Malzoni correndo na Barra da Tijuca - Rio de Janeiro em 1964

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No mesmo ano, os três Malzonis “passearam” no Circuito de Piracicaba, chegando em 1º, 2º e 3º lugares, dando o título de tetracampeão dessa corrida ao piloto Marinho.

No dia 19 de setembro de 1965 aconteceu aquela que foi considerada pela crítica especializada da época como “a mais dura corrida do ano” — o Grande Prêmio IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro. Assistimos à memorável disputa do Malzoni 10 com os dois Renault Alpine da equipe Willys,  com os dois Simca Abarth da equipe Simca e com nada menos que um Ferrari 250 GTO, pilotada pelo Camilo Christófaro, que acabou vencendo a corrida. 

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Francisco Lameirão no Malzoni 11 - sem vidro - no Grande Prêmio IV Centenário da Guanabara

Circuito da Barra da Tijuca ( atual Praça do O ) em 19 de setembro de 1965

O resultado final foi: 

1º         carro nº 18      Ferrari 250 GTO         –          Camilo Christófaro

2º         carro nº 10      DKW Malzon              –          Marinho

3º         carro nº 47      Renault Alpine            –          Wilson Fittipaldi Jr.

4º         carro nº 26      Simca Abarth             –          Jaime Silva

5º         carro nº 05      DKW Malzoni             –          Eduardo Scuraccchio

6º         carro nº 21      Willys Interlagos         –          Bird Clemente

Em 11º lugar já aparecia como piloto oficial da fábrica Francisco Lameirão, com o DKW Malzoni número 11, no lugar do Bird Clemente, que correu pela Willys (6º lugar na geral).

Apesar da estrondosa “vitória” do Malzoni 10, percebeu-se que o motor estava no seu limite de desenvolvimento. Mesmo com os esforços do chefe do departamento de Competições da fábrica (Lettry), constatava-se que os motores dos Alpines da Willys, de 1.300 cm3, eram mais eficientes que os de três cilindros da Vemag.

O que fazer? A solução, mais uma vez, foi proposta pelo Jorge Lettry. Sabedor da existência de um novo e altamente aperfeiçoado motor V6 a 2 tempos de 1.300cm³ desenvolvido pelo engenheiro Müller, chefe do departamento de desenvolvimento de projetos da Auto Union alemã, inicialmente destinado aos Mungas (jipe aqui vendido com Candango) e ao DKW F-102, iniciou as tratativas para adquirir todo o acervo, inicialmente para o departamento de competições da fábrica e, eventualmente, no futuro, para os DKW Malzoni de rua.

Entretanto, já não havia mais interesse dos dirigentes da Vemag pelo assunto. Assim, aquele que poderia ser o grande motor a 2 tempos da Vemag ficou na Alemanha. Nos dias atuais, temos conhecimento de um motor desses instalado num DKW 59 de um representante da marca na Alemanha (ver box 2).

O grande destaque do motor era o excepcional torque máximo de 15,4 m.kgf, semelhante a de um motor 1,8 moderno a quatro tempos. Para se ter uma idéia desse torque, basta dizer que o carro canta pneus nas quatro marchas (!) se o seu motorista tirar o pé da embreagem de forma mais rápida.

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Pode-se imaginar o que esse motor poderia render nas mãos do Jorge Lettry...É fácil supor que poderia facilmente atingir uns 150 cv. E o resultado nas corridas da época? Isso fica por conta da imaginação de cada um.

O texto a seguir tem o objetivo de apresentar e divulgar o último e espetacular motor a 2 tempos desenvolvido pelo engenheiro Müller, da Auto Union. Pelos aspectos inéditos para a grande maioria das pessoas que acompanharam essa fase de nosso automobilismo, acredito que a matéria irá despertar grande interesse entre os aficionados pelas corridas, em especial dos leitores apaixonados pelos DKW.

Nota : Posteriormente, nos treinos classificatórios para o GP Faria Lima, realizado em 2 de outubro de 1966, o piloto Francisco Lameirão pulverizou os cronômetros de Interlagos, com a espetacular marca de 3min49,2s, recorde absoluto do carro para o circuito completo! Tal feito se deve às modificações efetuadas na suspensão traseira do Malzoni, em termos de redução da bitola do eixo traseiro (já utilizada nos carros de competição de fábrica) e a instalação de uma barra estabilizadora na suspensão traseira, semelhante à utilizada na dianteira, modificando a tendência do carro em sair de frente, fazendo com que a traseira passasse a desgarrar um pouco, mais de acordo com o estilo e preferência do piloto.

Malzonis 10 (Marinho) e 11 (Chico Lameirão) "subesterçando" na II 6 Horas de Interlagos (Prova com 3 baterias de 2 horas) em 20 de junho de 1965

  

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6 =12:  A DERRADEIRA ESPERANÇA, O EXTRAORDINÁRIO MOTOR V6 A DOIS TEMPOS

Uma antiga propaganda da DKW destacava que 3=6, isto é, enquanto um motor de três cilindros a dois tempos necessitava de apenas uma volta para realizar o ciclo completo de funcionamento — admissão, compressão, combustão e escapamento —, seria necessário um motor de seis cilindros para executar tarefa equivalente. Daí a expressão 3=6.

Dentro da mesma linha de raciocínio, podemos então afirmar que 6=12, ou seja, seria necessário um motor de 12 cilindros para realizar um ciclo completo de funcionamento eqüivalente a um motor de seis cilindros a dois tempos!

A história do motor V6 inicia-se no pós-guerra, quando o engenheiro Müller, chefe do departamento de desenvolvimento de projetos da DKW, se transfere para a cidade de Andernach, na ex-Alemanha Ocidental, onde restabelece o antigo escritório de projetos, situado até então em Zschopau, região ocupada pelos soviéticos após a 2ª Guerra Mundial.

Em Andernach, Müller desenvolveu vários projetos de motores a 2 tempos, muitos deles acabando por equipar veículos de produção em série como o Saab 93 sueco. Entretanto, sem dúvida alguma, o mais ambicioso projeto desenvolvido pelo engenheiro Müller foi o projeto de um motor dois-tempos de seis cilindros em “V”.

Esse motor foi desenvolvido a partir de dois blocos de três cilindros em linha do DKW  IFA f-9 (espelho do sedan DKW, fabricado na ex- Alemanha Oriental).

Tinha uma particularidade singular, pois o bloco e o cabeçote constituíam uma só peça, de ferro fundido. Este, por sua vez, tinha uma tampa de alumínio que configurava e continha hermeticamente as câmaras d’água de grande capacidade volumétrica, o que era excelente para o resfriamento do motor, além de reduzir sensivelmente os custos de usinagem (ver fotos).

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Motor V6 DKW - vista frontal 

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Motor V6 DKW - detalhes dos carburadores

A árvore de manivela possuía duas bielas por mancal e entre este havia um disco separador isolando cada câmara. O diâmetro dos cilindros era de 62,5 mm e o curso dos pistões, 70 mm, resultando numa cilindrada total de 1.280 cm3, com um rendimento surpreendente tanto em desempenho como em consumo.

Com uma taxa de compressão de 9,5 : 1 desenvolvia uma potencia de 83 cv a 5.000 rpm com um torque máximo de 15.4 m.kgf a 3.400 rpm, de acordo com matéria original, recentemente localizada, publicada em 1966 na edição nº 5 do Austria Motor Journal.

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Motor V6 DKW - vista traseira 

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Motor V6 DKW - detalhe do bloco com pistões expostos

Uma das características mais interessantes era o baixo peso do motor: somente 83 kg, o que resultava na excelente relação de 1 kg/cv. A ignição era composta por dois distribuidores, um para cada bancada de três cilindros. Outra característica excepcional era o baixo consumo. Consumia somente 8,6 litros/100 km (11,6 km/l) de gasolina comum a uma velocidade média de 100 km/h e nada mais que 11,2 litros/100 km (8,9 km/l) a uma velocidade média de 140 km/h. A mistura gasolina-óleo usada era de 25:1 (4%).

De acordo com o mesmo jornal, um DKW F 102 equipado com esse motor fazia de 0 a 100 km/h em 12,6 s, de 0 a 120 km/h em 18,0 s e o quilômetro de arrancada em 34.6 s. Marcas essa superiores segundo testes realizados pela revista Auto, Motor und Sport , também em 1966, à de cinco novos modelos alemães a quatro tempos da época: Audi 1.7 L, Ford Taunus 17M 1.7 L, Glas (BMW) 1700, Opel Rekord 1.7 L e VW 1600 TL.

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Motor DKW V6 - detalhe das janelas de descarga 

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Motor DKW V6 - detalhe das janelas de admissão

Segundo a revista, em termos de desempenho o que mais se aproximou do F-102 foi o Audi 1,7 L, justamente o modelo lançado pela Volkswagen para substituir o DKW F-102 a dois tempos. O Audi 1.7 L fazia de 0 a 100 km/h em 13,7 s, de 0 a 120 km/h em 21,2 s e o quilômetro de arrancada, em 35 s.

Em termos de velocidade máxima temos a informação prestada pelo Sr. Martin Hesse de que seu Auto Union 1000 S atingia somente 170 km/h (!) em função da curta relação de marchas do carro... (v. Box 2). O Audi 1.7 l atingia a marca de 153,5 km/h e o Glas, 156 km/h.

Em janeiro de 1965 a Volkswagen adquire da Daimler-Benz AG o controle acionário da Auto Union (que o detinha desde 1958) e decide lançar em setembro do mesmo ano o Audi 72 com um motor de 4 tempos, de 72 CV, desenvolvido pela Mercedes-Benz. Nascia assim, em setembro de 1965, o Audi da era moderna.

Nesse ínterim, a fábrica DKW planejava equipar o DKW F-102 e o jipe Munga com esse fantástico motor. Porém, ele surgiu um pouco tarde, em 1966, época em que a insatisfação dos clientes, o declínio de vendas de veículos equipados com esse tipo de motor e o alto custo de reparos em garantia já tinha levado a Volkswagen a decidir paralisar a fabricação dos motores a dois tempos.

Motor DKW V6 - detalhe do cabeçote de descarga

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Motor DKW V6 - detalhe  da tampa da câmara d`água

Assim, no início de 1966, apesar de o motor V6 ter superado os antigos problemas relacionados com a falta de potência do antigo motor 3-cilindros e representar um enorme avanço tecnológico na construção de motores a 2 tempos, principalmente em termos de rendimento, relacionado a desempenho e consumo, veio a determinação de se suspender a produção de todos os motores 2-tempos e, em conseqüência, o fim desse extraordinário motor DKW V6.

Em março de 1966 deixa a linha de produção o DKW F-102 a dois tempos com cerca de 13 motores V6 instalados no modelo e morre a esperança dos admiradores da marca de virem a contar com um autêntico motor a dois tempos de alto desempenho instalado em seus carros.

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Foto do motor DKW V-6 visto de cima - por Ferdinand Henckel

Este artigo escrito por Ferdinand Henckel, complementa alguns dados inéditos à matéria apresentada no DKW Magazine nº 3:

Aproximadamente só foram construídos de 10 a 15 motores pelo engenheiro Müller, que já trabalhava na fábrica DKW em Zschopau como chefe de desenvolvimento desde o ano de 1943.

No final dos anos 1940 estabeleceu uma industria de fabricação de motores na pequena cidade de Andernach (aproximadamente a 30 quilômetros de Nürburgring). Projetou e construiu então vários motores de dois tempos que se chamavam “Müller-Andernach”. Um dos motores mais famosos foi o 3-cilindros, dois tempos, de 750 cm3, para o carro sueco Saab.

Assim, também combinou dois motores em “V” com uma árvore de manivelas de duas bielas em cada mancal. Tinha valores notáveis de potência, baixo consumo, pouco peso e pequeno comprimento do motor. As medidas dos cilindros 62,5 mm de diâmetro por 70 mm de curso dos pistões deram 1.280 cm3 de cilindrada total, com uma potência de 83 cv a somente 5.000 rpm, taxa de compressão de 9,5: 1, e torque máximo de 15,4 m.kgf a 3.400 rpm.

O motor sem acessórios pesava 83 kg, o que dá um rendimento de 1 kg por cv (potência líquida). Com um consumo a velocidades constantes de 8,6 litros/100

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km a 100 km/h (11,9 km/litro) e de 11,2 litros/100 km a uma velocidade média de 140 km/h (8,9 km/litro), demonstrava um rendimento comparável a um quatro tempos da época. Consumia gasolina comum com mistura de 25:1 (4%) de óleo.

Com estas características, o motor estava previsto para ser implantado no Munga e também no DKW F-102.

Como nesta época entre os anos 1964/65 a Auto Union foi adquirida pela Volkswagen, seguido da decisão de não continuar com a produção do motor de dois tempos, igualmente o prematuro falecimento do engenheiro Müller impediu a realização de outros projetos com este motor.

Box 2:  O motor DKW V-6 a dois tempos -  de Martin Hesse

Segundo o Sr. Martin Hesse, representante de peças e carros da marca na Alemanha e que possui um desses motores, foram construídos cerca de 100 motores para testes em carros DKW. Segundo ele, nos anos 1960 existiam 13 DKW F-102 equipados com motor V6. Um carro ainda existe e também dois Auto Union 1000 Sp. Eles pertenciam ao engenheiro Müller.

Existiam também alguns Mungas (jipe DKW) equipados com o motor na fábrica DKW em Ingolstadt, porque o exército alemão estava também interessado neste potente motor.

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Normalmente eram utilizados dois carburadores para 83 cv, quatro carburadores para 100 cv e seis carburadores para 130 cv, com 1300 cm3 e chegou a existir versão com seis carburadores, embora o Martin nunca a rtenha visto. A maioria dos motores de teste eram equipados com dois carburadores. Os primeiros protótipos V6 foram construídos em 1960, com 1 000 cm3. Os últimos motores foram construídos em 1966 com 1.300 cm3.

Martin Hesse comprou o seu primeiro V6 em 1977 e instalou-o num Auto Union 1000 S. Dirigiu o carro por cerca de 15 anos (foto). Segundo ele era um motor muito potente com aproximadamente 100 cv. A velocidade máxima era de 170 km/h (!) por causa da curta relação final de marchas do AU 1000 SP (relação de diferencial 4,375:1). Fazia de 0 a 100 km/h em 12 s (!).

Nos anos seguintes, adquiriu mais seis outros motores V6. Atualmente são muito difíceis de serem encontrados.

 

Do três-cilindros para o motor de seis-cilindros a dois tempos

por Dipl. Ing. H. Müller Andernach

 Reimpressão especial do Austria Motor Journal no. 5, 1966 - Editora Fritz Morent, St. Pölten

 

Para os motores de dois tempos utilizados em automóveis, impôs-se nos últimos dez anos, cada vez mais, a configuração de três cilindros. Ela mostrou vantagens que com um número diferente de cilindros não poderiam ser alcançadas, especialmente torque elevado em rotação média e baixo consumo de combustível.

O fato de que com um motor de dois tempos corretamente construído e bem regulado pode-se alcançar ou até superar motores de quatro tempos em consumo, foi comprovado pelo Caltex Economy Run de 1958. O único carro de dois tempos participante, um Saab de 750 cm3, venceu na sua classe e obteve o quarto lugar na classificação geral entre 46 carros.  Como se explica esta superioridade da configuração de três cilindros?

Como se sabe, a mistura ar-combustível comprimida no cárter é forçada através dos canais de transferência para o cilindro, acima do pistão. Este processo, a transferência, pode e deve se iniciar somente quando a pressão dos gases queimados no cilindro caia para aquela reinante no cárter, de 0,3 a 0,4 bar. As janelas de escapamento, por conseguinte, devem abrir antes das janelas de transferência. Uma vez que o diagrama dos tempos de distribuição normalmente é simétrico,

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as janelas de escapamento ainda estão abertas quando as de transferência são encobertas pelo pistão. Dá para ver facilmente que com motores de um e de dois cilindros, uma parte da mistura ar-combustível admitida ao cárter é comprimida pelo pistão quando este ainda não abriu a janela de escapamento (ainda está em trabalho útil). Este é um dos principais motivos do elevado consumo de combustível de muitos motores dois-tempos.

No motor de três cilindros, esta perda causada pela compressão da mistura ar-combustível no cárter é evitada, de maneira elegante, praticamente na sua totalidade. Dado que a duraçào de escapamento é maior que 120o, os tempos de escapamento dos três cilindros se sobrepõem, dependendo do caso, em 30o a 50o de ângulo do virabrequim. A sobrepressão que se forma no tubo de escapamento, quando da abertura das respectivas janelas nos cilindros, em cada ciclo, retém a mistura fresca.

A retenção dos gases de escapamento atua, por conseguinte, de maneira semelhante a um diagrama de distribuição assimétrico, se bem que se possa obter o mesmo mas a um custo muito grande, por exemplo, com um motor de pistões duplos (como no motor Iso do Isetta) ou com uma válvula de escapamento rotativa. E mais: devido à sobrepressão que ocorre no tempo exato na tubulação de escapamento é obtida uma pressão inicial mais elevada para a compressão e, com isso, uma pressão efetiva mais alta o que, por sua vez, melhora o grau de eficiência da combustão. A quantidade maior de mistura ar-combustível remanescente no cárter e a compressão maior também provocam, claro, um aumento da potência principalmente na faixa entre 2.000 e 5.500 rpm, importante num carro normal de rua. Por isso, para um motor que fosse ter mais de três cilindros, era natural que se passasse logo para um de seis.

DESCRIÇÃO DO MOTOR

Ambos as bancadas de cilindros localizadas sobre o cárter são dispostas num ângulo de “V” de 80o. O virabrequim gira em quatro mancais principais e tem três moentes de manivela, com duas bielas em cada um. A separação dos cárteres se efetua por discos situados entre as bielas e que são vedados por anéis de segmento (figura 3). Uma vez que os sistemas de escapamento e de admissão são individuais para cada lado do motor, o funcionamento é o de dois motores de três cilindros com um virabrequim comum.

Figura 1: vista de frente

figura 2: vista pelo lado esquerdo

Figura 3: virabrequim

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Os cárteres estão em comunicação com os cilindros apenas através de estreitas janelas de transferência. Por disso, uma grande parte de óleo é retida no cárter e serve para a lubrificação dos mancais do virabrequim e das bielas.

A transferência se dá, a partir da parte de baixo dos cilindros, por canais longos. O roteiro até os cilindros é configurado cuidadosamente, de maneira que as perdas de lavagem sejam baixas. A forma da câmara de combustão, comprovada em muitos modelos de motores, permite uma compressão elevada sem risco de detonação.

A fim de conseguir uma boa refrigeração da câmara de combustão, esta forma uma só peça com o cilindro. A câmara d’água é formada por uma tampa de liga leve. A usual junta do cabeçote, que costuma dar problemas com pressões de combustão elevadas, simplesmente deixa de existir (figura 4).

A bomba de óleo fresco é combinada com a bomba d’água e com o ventilador. No inverno, o óleo é aquecido no reservatório e na tubulação que leva à bomba de óleo pela água que retorna do sistema de aquecimento do habitáculo, de maneira que o óleo não precisa ser trocado por outro menos viscoso. A dosagem do óleo realiza-se em função da rotação e da carga (como no Lubrimat).

A alimentação de óleo, inicialmente prevista para ser direta aos carburadores (como no Lubrimat), não foi mantida porque no inverno ocorreram dificuldades em razão do entupimento do giclê da marcha-lenta pelo óleo. Em vez disso, o óleo junta-se ao combustível antes dos carburadores, sendo que um misturador se encarrega de realizar uma mistura perfeita.

Não se pode esconder: o motor recebe, como sempre foi, uma mistura de óleo e combustível. Como conveniência para o motorista registre-se apenas a comodidade de combustível e óleo poderem ser abastecidos separadamente (como no Lubrimat).

Para a ignição são previstos dois distribuidores Bosch, um para cada bancada de cilindros. Os distribuidores normalmente não possuem nenhum mecanismo de avanço automático de ignição, mas apenas um corretor a vácuo para carga parcial. Com isso, em velocidades de cruzeiro é obtida uma redução do consumo de combustível de 5% a 10%.

A vela de ignição Bosch M 280 T 1 deu ótimo resultado. A elevada gama térmica, por causa da alta taxa de compressão, mas a surpresa agradável é que não existe a menor tendência das velas se sujarem em marcha-lenta e com pequena carga.

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Os carburadores são bem pequenos e de corpo simples. Estão à disposição, facultativamente, dois modelos: o Solex 32 ICB (no DKW-Vemag era 40 ICB) e o Bing V 31. Com uma regulagem cuidadosa do motor, os valores de potência e de consumo obtidos com esses carburadores são praticamente os mesmos.

A ficha técnica do motor segue na tabela. É notável a baixa relação peso-potência, considerando que o bloco do motor e o cárter são de ferro fundido.

Figura 4: cilindros e pistões

Figura 5: potência e consumo do motor normal

Figura 6: potência e consumo do motor marítimo

Dados Motor normal Motor marítimo

Diâmetro dos cilindros (mm)

Curso dos pistões (mm)

Cilindrada

Taxa de compressão

Potência máxima líquida, DIN (cv)

Potência específica (cv/l)

Torque máximo, DIN (m×kgf) /rpm

Peso seco com instalação elétrica

Potência específica (kg/cv)

62,5

70

1.288 cm3

9,5:1

83

65 PS/l

15,4 / 3.400

83 kg

1,0

62,5

70

1.288 cm3

10,8:1

101

79 PS/l

16,6 / 3.600

81 kg

0,8

 Tabela 1: Ficha técnica

TESTES EM DINAMÔMETRO

Os valores para o motor normal, equipado com dois carburadores Solex, podem ser depreendidos da folha de curvas figura 6. Notável é o torque de 15,4 m×kgf, correspondente a uma pressão média efetiva de 7,55 kg/cm2. Já a 3.800 rpm é alcançada uma potência de 80 cv; ela cai abaixo desse valor acima de 5.100 rpm somente. Com o auxílio de um avanço centrífugo se poderia adiantar a ignição, a

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4.800 em, 5o a 6o e com isso manter a potência até 6.100 rpm. Entretanto, como no uso normal raramente se usa mais que 5.000 rpm, o avanço centrífugo é dispensável.

Aceleração (s) Consumo em velocidade constante

com gasolina comum (km/l)

0-80 km/h8,2 80 km/h 13,1

0-100 km/h 12,6 100 km/h 11,60-120 km/h 18,0 120 km/h 10,40-1.000 m 34,6 140 km/h 8,9

Tabela 2: Aceleração e consumo

 A curva de consumo é plana. Na faixa mais importante, entre 4.000 e 6.000 rpm, o consumo com plena carga se situa em volta de 250 g/cv.h. Com carga parcial e avanço de ignição a vácuo, se obtém um menor consumo, 230 g/cv.h.

As propriedades quanto ao dimensionamento do motor marítimo com quatro carburadores Bing resultam da figura 7. A potência máxima supera 100 cv de 5.300 a 6.300 rpm. O torque alcança um valor de 16,6 m×kgf, com pressão média efetiva de 8,35 kg/m2.

Uma vez que a curva de consumo com plena carga tem pouca importância num motor marítimo, o consumo com carga parcial foi desenhado para utilização segundo a curva de estrangulamento. O valor mais favorável, 215 g/cv.h, é notavelmente baixo.

TESTES DE ESTRADA

Uma vez que o motor originalmente foi destinado para o DKW F 102, os testes de estrada foram concentrados em vários veículos deste tipo. Por causa do torque mais alto em 50 % foi preciso instalar uma embreagem mais forte. Os pneus diagonais de série 6.00-13 foram substituídos por radiais 165–13, o que resultou em clara melhora do comportamento do F 102. Outrossim, a menor resistência ao rolamento se faz notar logo.

ACELERAÇÃOem  segundos

Audi1,7 l

Ford17M 1,7

l

Glas1700

OpelRekord

1,7 l

VW1600 TL

0 – 40 km/h

0 – 80 km/h

0 –100 km/h

5,5

8,6

13,7

6,2

9,9

16,2

5,2

8,4

13,9

5,8

9,8

14,7

6,6

11,3

18,2

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0 –120 km/h

0 –140 km/h

0 – 1.000 m

Velocidade máxima (km/h)

21,2

37,6

35,0

183,9

27,0

51,0

36,7

152

21,6

40,2

35,3

156,0

22,4

27,0

36,1

146,5

50,1

-

38,4

145

CONSUMO (km/l)Rodovia a  65 km/h

Auto-estrada a 115 km/h

Auto-estrada a 130 km/h

8,6

9,9

7,9

8,5

10,0

7,9

8,4

9,8

7,7

7,6

8,6

6,6

8,3

10,4

7,7

Tabela 3:

Valores comparativos (da revista alemã Auto, Motor und Sport, caderno 1, 1966)

Os valores de aceleração e de consumo são mostrados na tabela 2. Para fins de comparação, foram adicionadas as tabelas de cinco veículos da classe dos médios, tiradas do caderno 1/1966 da revista Auto, Motor und Sport. Um comentário sobre os valores de aceleração já não é mais preciso.

São surpreendentemente baixos os valores de consumo, sendo que há de se considerar que o motor de seis cilindros, apesar da elevada taxa de compressão de 9,5:1, funciona com gasolina comum, enquanto todos os veículos do comparativo, com exceção do VW, precisam de gasolina super.

Evidentemente, uma comparação dos valores de consumo pela tabela da Auto, Motor und Sport, a rigor, não é admissível, já que as medições foram realizadas sob condições diferentes. Outrossim, é necessário chamar a atenção novamente para a mudança de pneus do F 102 para pneus radiais que, como se sabe, por causa da menor resistência ao rolamento, resultam em menor consumo de combustível. Pelo outro lado, há de se afirmar que o veículo, também em uso normal, é mais econômico: o consumo em trechos curtos é de 8,7 a 9,5 km/l, enquanto em trechos longos, com modo de dirigir agressivo, o mesmo não baixa de 9,1 km/l com gasolina comum.

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O consumo de óleo é de cerca de 1,8 litro por 1.000 km, ou seja, situa-se na ordem de grandeza de bons motores de quatro tempos da mesma classe de potência, levando em conta as trocas de óleo.

RESUMO

Com o motor de seis cilindros foi obtido um notável estado de aperfeiçoamento do motor de dois tempos, com certeza não esperado pelos cépticos. Com um baixo custo de construção foram obtidos valores de torque e potência que até agora eram tidos como não realizáveis.

O espaço necessário no veículo é pequeno. O comprimento total desde o flange da caixa de câmbio até o amortecedor de vibrações torcionais é de apenas 408 mm. Apesar do bloco e cárter de ferro fundido, o peso total resulta em 1 kg/cv, uma excelente potência específica.

O consumo de combustível em uso normal pode encarar, com certeza e sem preocupação, uma comparação com os melhores motores de quatro tempos