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INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS - IBET CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO TRIBUTÁRIO MATHEUS FONTES MONTEIRO OS LIMITES DA DURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL Salvador 2012

OS LIMITES DA DURAÇÃO DO PROCESSO ......RESUMO O presente trabalho tem o propósito de discorrer sobre os limites da duração do processo administrativo fiscal. Para avaliar o tema,

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Page 1: OS LIMITES DA DURAÇÃO DO PROCESSO ......RESUMO O presente trabalho tem o propósito de discorrer sobre os limites da duração do processo administrativo fiscal. Para avaliar o tema,

INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS - IBET CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

MATHEUS FONTES MONTEIRO

OS LIMITES DA DURAÇÃO DO PROCESSO

ADMINISTRATIVO FISCAL

Salvador

2012

Page 2: OS LIMITES DA DURAÇÃO DO PROCESSO ......RESUMO O presente trabalho tem o propósito de discorrer sobre os limites da duração do processo administrativo fiscal. Para avaliar o tema,

MATHEUS FONTES MONTEIRO

OS LIMITES DA DURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Salvador 2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

MATHEUS FONTES MONTEIRO

OS LIMITES DA DURAÇÃO DO PROCESSO

ADMINISTRATIVO FISCAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Aprovado em: _____de_______________de 2012.

BANCA EXAMINADORA

Nome:_________________________________________ Titulação:___________________________________________________ Nome:_________________________________________ Titulação:___________________________________________________ Nome:_________________________________________ Titulação:___________________________________________________

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RESUMO

O presente trabalho tem o propósito de discorrer sobre os limites da duração do processo administrativo fiscal. Para avaliar o tema, busca-se explanar sobre o princípio constitucional da duração razoável do processo na esfera administrativa fiscal, bem como demonstrar os fundamentos infraconstitucionais que legitimam a sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Ao reconhecer a sua ingerência no sistema, passa-se a retratar a demora da Administração em proceder ao controle interno de legalidade, através de uma análise diante de outros princípios estampados na Constituição Federal, além de descrever o posicionamento das Cortes Superiores quanto à referida questão. No mesmo período, examina a importância do prazo no encerramento do processo administrativo fiscal, como também coteja a mora administrativa com o abuso de poder e suas consequências. Palavras-chave: direito tributário; processo administrativo fiscal; duração razoável; prazo para encerramento.

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ABSTRACT

This paper aims to discuss the limits of the duration of the fiscal administrative process. To analyse the matter, it intends to explain the constitutional principle of the reasonable duration of the process applied in the fiscal administrative sphere, as well as to demonstrate the legal base that legitimizes its application in brazilian legal system. While recognizing the interference of the mentioned principle in the system, it will discuss about the delay of the State in proceeding with the execution of the internal legal control, by analysing other constitutional principles, besides describing the position of the superior courts about the matter. In the same place, it examines the importance of deadline in finishing the fiscal administrative process, as well as compares the delay of the State with the abuse of power and its consequences. Keywords: tax law; fiscal administrative process; reasonable duration; deadline to finish.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

§ Parágrafo

Art. Artigo

CF Constituição Federal CDA Certidão de Dívida Ativa CTN Código Tributário Nacional EC Emenda Constitucional STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 08

2 O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NO ÂM BITO

ADMINISTRATIVO FISCAL 10

2.1 FUNDAMENTOS INFRACONSTITUCIONAIS DE LEGITIMIDADE DA

APLICAÇÃO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL NO PROCESSO ADMINISTRATIVO

FISCAL 13 3 A DEMORA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROCEDER AO CONTROLE

INTERNO DA LEGALIDADE E A DECORRENTE AFRONTA AOS DE MAIS

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 19

3.1 A IMPORTÂNCIA DO PRAZO PARA ENCERRAMENTO DO PROCESSO

ADMINISTRATIVO FISCAL 21

3.1.1 Posicionamento das Cortes Superiores 23

3.1.2 A mora administrativa e o abuso de poder 25

4 CONCLUSÃO 28

REFERÊNCIAS 30

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1 INTRODUÇÃO

Como sabido, o processo administrativo fiscal também é um meio de defesa do administrado,

de modo que, similar ao processo judicial, se presta como veículo de convalidação da

exigência da garantia dos direitos destes.

De certa forma, tem-se apresentado vantagem ao contribuinte a utilização dessa via

processual, uma vez que, em regra, tal desiderato demonstra-se ser menos exigente ao

formalismo, como também aparenta causar menor gravame ao interessado.

Contudo, cumpre salientar que, hodiernamente, a morosidade da Fazenda Pública, enquanto

órgão julgador, tem acarretado diversas queixas daqueles que acreditavam se beneficiar desse

instrumento. Notícias de processos administrativos com décadas de trâmite, sem que se lhe

tenha havido qualquer solução final, vem se tornando algo rotineiro no cotidiano do

administrado.

O estudo do tema tem sua importância ao passo em que busca analisar o problema em voga

sob a perspectiva constitucional, partindo-se do mandamento do princípio da duração razoável

do processo, demonstrando a existência do prazo e a importância da sua aplicação no processo

administrativo fiscal. Além de, é claro, certificar o efeito a ser sofrido pela Administração, na

hipótese de sua não observância.

Para isso, o trabalho ora exposto será segmentado em dois capítulos, sendo que, no primeiro,

por uma abordagem mais principiológica, invocará a duração razoável do processo como

elemento imperativo para introduzir a matéria, bem como expor-se-á sua influência no âmbito

Administrativo Fiscal. Através dessa premissa, tentará exprimir comandos normativos

existentes no ordenamento, que balizem a materialidade do postulado constitucional.

Por outro lado, revelará a demora da Administração Tributária em proceder ao controle

interno da legalidade, confrontando sua análise a outros princípios estampados na Lei Maior,

da mesma forma que invocará a necessidade de existir prazo na esfera administrativa, vez que

a tardia apreciação e o consequente retardo na solução processual implicam efeitos jurídicos

relevantes para relação compreendida entre Administração x administrado.

Enfim, interessante se faz esclarecer que o trabalho a seguir apresentado não tem por

pretensão encerrar a discussão existente sobre a matéria, mas tão somente incentivar o debate,

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todavia, sob outro ponto de vista, de forma a acrescentar e colaborar com argumentações

apoiantes a propositura dos objetivos perpetuados na República Federativa do Brasil.

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2 O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NO ÂM BITO ADMINISTRATIVO FISCAL

A Administração Pública, no impulso de sua atuação, incumbe subjugar-se ao sistema jurídico

brasileiro, vez que a harmonia do ordenamento é resultante dos fundamentos inerentes à

eficácia dos princípios constitucionais.

Não obstante, como a atividade pública tem de ser conduzida em prol da defesa dos direitos

individuais e do bem comum, os atos que presidem o processo administrativo devem

consubstanciar instrumentos para garantir os direitos dos administrados.

A duração razoável do processo é um princípio constitucional insculpido na Carta Magna,

especificamente no artigo 5º, que denota um desses direitos pertencentes aos administrados, o

qual requer interminável obediência por parte do Poder Público, tendo em vista que serve de

instrumento para efetivação do Estado Democrático de Direito. Vejamos o teor deste

dispositivo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrat ivo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Grifos nossos).

O princípio da duração razoável do processo foi acrescido ao ordenamento jurídico com a

Emenda Constitucional nº. 45, de 08 de dezembro de 2004, que reformou o Poder Judiciário.

Todavia, é salutar asseverar que tal princípio vinha expressamente assegurado no sistema

pátrio antes mesmo de a Constituição ser emendada, pois, em razão da Convenção Americana

sobre Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica1, em que o Brasil é signatário, este

direito fundamental ingressou no aparato jurídico por intermédio do § 2º, do artigo 5º da CF,

tendo aplicação imediata, consoante dispõe o § 1º, do art. 5º da CF. Nessa esteira, pode-se

certificar que a EC nº. 45/2004 outorgou notoriedade ao emprego da duração razoável do

processo quando inseriu esse direito no seu conteúdo prescritivo.

1 Art. 8.1: Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (DIDIER JR., 2007, p. 39).

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Com efeito, tem-se que a resolução da discussão em sede administrativa, que se instaura no

bojo do processo, não pode ser dirimida rapidamente de maneira a afrontar o direito de defesa

do administrado, tendo em vista que, conquanto possa ser revista em âmbito judicial, deve

preceder a preservação dos direitos que acompanham os litigantes em geral. De igual modo,

não pode preservar elementos de imprescritibilidade, pois tal instituto tão-somente é invocado

pela Lei Maior em casos excepcionais2, ratificando, dessa forma, a prescritibilidade como

substrato basilar e regra geral do sistema nacional, instituto que guarda relação com o

princípio da segurança jurídica.

É inequívoco, então, dizer que a Administração Pública não pode se eximir em impulsionar o

processo administrativo fiscal por período indeterminado, pois não é admissível que a

apreciação da demanda seja preterida indefinidamente. Assim, os dispositivos que definem

prazos para a prática dos atos processuais consolidam a efetiva aplicação do direito

fundamental em exame.

Evidente que, uma vez iniciado o processo administrativo fiscal, é dever da autoridade

competente promover a marcha processual da postulação, vez que a ela cumpre infirmar

conflito que lhe foi submetido. Sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 930)

elucida: “ [...] o dever da Administração é inerente à função de concluir os processos para a

verificação da conduta a ser adotada, satisfazendo assim o interesse da coletividade”.

Esse princípio permite, em razão da supremacia do interesse público sobre o privado,

determinar que a relação processual, uma vez iniciada, se desenvolva e se encerre em um

razoável tempo, de modo que se dê a oportunidade da Administração Tributária exercer seu

dever jurisdicional. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2006, p. 350).

Daí busca-se defender que os prazos quando estipulados pelo legislador visam estabelecer, no

sistema jurídico positivo, ordem procedimental de controle dos atos administrativos,

impedindo a instauração da arbitrariedade dos agentes públicos, evitando que o ato omissivo

2 A Constituição Federal, ao discorrer sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, enumera explicitamente quais fatos jurídicos devem ser considerados imprescritíveis. São eles: Art. 5º [...] XLII – a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (Grifos nossos); XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (Grifos nossos); Art. 37 [...] § 5 º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos o erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. (Grifos nossos).

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por parte da Administração não transgrida outros princípios fundamentais, como o da

segurança jurídica, o da dignidade da pessoa humana e o da eficiência.

Por conta desses fundamentos, não é difícil encontrar na doutrina quem defenda que o

princípio em questão é corolário da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, está o

entendimento de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco (2008, p. 497),

in verbis:

A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a idéia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos estatais.

A eficácia deste comando constitucional está atrelada a existência de prazo específico para

duração dos atos administrativos. E, é inegável que o ordenamento jurídico brasileiro tem

ratificado esta afirmativa, fato comprovado nas lacunas legislativas impregnadas no sistema

positivo, que, por sua vez, corroboram ao enriquecimento de empecilhos influenciáveis no

tolher dos efeitos jurídicos oriundos do núcleo substancial deste direito.

Diante desse hiato, alguns doutrinadores, respaldados nas jurisprudências dos tribunais

internacionais, têm oferecido soluções que se não resolvem, ao menos, minimizam a ausência

do parâmetro temporal. É o caso de Bianca Ramos Xavier (2009, p. 31 e 33), que, utilizando

de critérios adotados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos - TEDH, aponta o tempo a

ser considerado para efeitos de contagem do prazo para verificar a razoável duração

processual no âmbito fiscal administrativo. Transcreve-se:

Percebe-se que o critério utilizado pelo TEDH permite a contagem do prazo até mesmo antes da notificação do auto de infração, pois, segundo o tribunal, o prazo se inicia no momento em que o contribuinte foi afetado substancialmente pela existência das imputações realizadas pelo Estado, o que em regra ocorre, na seara tributária, a partir do primeiro ato de fiscalização.

[...]

Assim, o tempo que deve ser levado em consideração para fins da contagem do prazo de duração razoável do processo, na linha definida pelo TEDH, se iniciará com a ciência do contribuinte da imputação do Estado, que poderá incluir o prazo de fiscalização e terminará com a decisão final do processo, no caso em análise, com a decisão administrativa irreformável.

De certa forma, o direcionamento linear deste princípio depende da consonante convivência

dos prazos com os requisitos a ele inerentes. Transgride o direito em análise quando se

certifica desrespeito a esses subsídios, quais sejam: a complexidade da matéria discutida, o

comportamento das partes envolvidas, Fisco versus Contribuinte, e seus respectivos

procuradores; e, ainda, da postura adotada pelo órgão administrativo responsável pelo

julgamento da matéria posta ao seu crivo.

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Torna-se inadmissível aceitar que iniciado o processo administrativo fiscal, entre a notificação

do lançamento tributário e a solução do processo inexistam limitações temporais para o seu

encerramento, haja vista que tanto o contribuinte quanto o próprio Fisco sofrem

consequências negativas dessa demora.

Isto é, por parte do contribuinte, a falta de parâmetro temporal pode ocasionar prejuízos

irreversíveis na apresentação de provas a serem produzidas, considerável acréscimo dos

valores exigidos, insegurança jurídica face à expectativa do retorno financeiro etc. Ao passo

que, por parte do Fisco, pode acarretar delonga na capitação dos tributos cobrados, arruinar

elementos probatórios que convalidam o ato fiscalizador realizado pelo agente etc.

Enfim, evocar esta diretriz fundamental estampada na Constituição não é o mesmo que

malferir outros direitos processuais pertencentes aos administrados. Defender uma razoável

duração do processo na esfera administrativa tributária, de forma alguma significa permitir

que este direito se sobreponha e/ou aniquile outros, como o direito à ampla defesa e ao

contraditório, bem como o direito à produção de prova e a verdade material. Duração razoável

é resultado de uma eficiente tutela jurisdicional, não sinônimo de aceleração infundada dos

atos processuais. A principiologia que rege este estudo convive em perfeita sintonia com

outros direitos constitucionais, razão pela qual invocá-lo não deturpa a regular marcha

processual, ao revés, dá-lhe efetividade.

Decerto, os princípios insculpidos no texto constitucional são regras gerais que devem ser

observadas no sistema normativo, a fim de se resguardar os direitos que lhe são subjacentes.

Em termos práticos, a conduta dos agentes administrativos é pautada na estrita legalidade, o

que dificulta, ou até impossibilita, a aplicação correta do princípio da duração razoável do

processo quando inexiste regra explícita determinando o prazo.

Para tanto, necessário se faz analisar os regramentos infraconstitucionais que servem de

veículo normativo para concretizar o mandamento constitucional objeto do princípio

invocado.

2.1 FUNDAMENTOS INFRACONSTITUCIONAIS DE LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Entre o lançamento fiscal efetuado pela autoridade competente e a determinação da quantia

exigida neste procedimento, afigura-se a fase do processo administrativo denominado de

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“controle interno de legalidade”3, no qual a Administração Tributária avalia a prática dos seus

próprios atos mediante provocação do contribuinte por meio da impugnação administrativa.

A apreciação destes atos perpetrados configura um poder-dever ao Fisco e um direito ao

contribuinte, razão pela qual torna imprescindível a existência de determinativos que

fundamentem os perímetros para seu encerramento, como forma de evitar a tutela de um

encargo sem limite temporal, haja vista que o lançamento tributário não pode permanecer de

modo indefinido.

O processo administrativo fiscal é inerente a toda cadeia política pertencente à República

Federativa do Brasil. Sobre cada ente federado evidenciam normas reguladoras dos processos

administrativos fiscais, que têm como escopo disciplinar os procedimentos a serem adotados

por seus agentes públicos, sendo que, em virtude do princípio da estrita legalidade, são

veladas de ordem impositiva, as quais coíbem seu descumprimento ou sua abdicação.

Diante das numerosas legislações no sistema positivo brasileiro, que acondicionam cada

Município, cada Estado, União e Distrito Federal, adota-se, no referido trabalho, como corte

epistemológico, apenas comandos normativos de âmbito federal, em face da maior

abrangência jurídica.

Neste espeque, passa-se a apreciar os fundamentos infraconstitucionais que legitimam a

aplicação da duração razoável no processo administrativo fiscal na esfera federal.

O primeiro conteúdo normativo que impera é o Decreto nº. 70.235/72 - recepcionado com

força de lei -, que rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos

tributários da União e o de consulta sobre a aplicação da legislação tributária federal. O

emprego dos prazos para os atos administrativos nesta legislação é tratado nos artigos 3º e 4º.

Eis a íntegra dos enunciados:

Art. 3º A autoridade local fará realizar, no prazo de 30 (trinta) dias, os atos processuais que devam ser praticados em sua jurisdição, por solicitação de outra autoridade preparadora ou julgadora.

Art. 4º Salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de 8 (oito) dias.

Observe que o artigo 3º estipula prazo para realização de atos em jurisdição diversa da qual o

processo está pendente ou na hipótese de conduzir requerimentos instados pelos conselhos de

3 O termo “Controle interno de legalidade” adotado no presente trabalho deve ser interpretado em sentido amplo, tendo em vista que a Administração também denomina de controle de legalidade o expediente praticado pela Procuradoria da Fazenda na verificação dos elementos materiais da CDA, antes do ajuizamento da execução fiscal.

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julgamento. Por outro lado, o art. 4º estabelece prazo de caráter ordinário para consecução dos

atos fiscais administrativos4.

Ademais, antes de a Lei nº. 9.532/97 imprimir novo vocábulo ao artigo 27 do mesmo

regramento legislativo, o verbete instituía que “o processo será julgado no prazo de trinta dias,

a partir de sua entrada no órgão incumbido do julgamento”. No entanto, com o acréscimo do

parágrafo único ao mencionado dispositivo, ficou-se assentado que os prazos do julgamento

dos processos seriam estabelecidos por ato do Secretário da Receita Federal.

Importa registrar que, muito embora esses artigos procurem estampar o instituto do processo

sem dilações indevidas no âmbito fiscal administrativo federal, alguns doutrinadores têm

outorgado aos precedidos prazos a natureza de “impróprios”, confirmada pela inexistência de

expressa e peculiar previsão legal de penalidades em caso de seu descumprimento.

Essa, pois, é a linha de compreensão seguida por Marcos Neder e Maria Teresa López (2010,

p. 123 e 124):

Os prazos podem ser próprios ou impróprios. Próprios são aqueles prazos fixados para o administrado (contribuinte), enquanto os impróprios são os concedidos para o juiz e aos auxiliares da Justiça. Os próprios acarretam numa consequência processual específica e desvantajosa para aquele que o descumpriu, levando à preclusão. Impróprios são os fixados na lei apenas como parâmetro para a prática do ato, sendo que o seu desatendimento não acarreta situação processual detrimentosa para aquele que o descumpriu, mas apenas sanções disciplinares.

Neste artigo do PAF, disciplinam-se prazos considerados impróprios, cujo descumprimento, em princípio, não traz prejuízos na esfera processual. Para a extrapolação deste prazo, bem como, dos prazos que existem para o juiz, julgadores e serventuários da Justiça, a legislação não previu sanção específica. Contudo, o servidor que descumprir a regra poderá ser sim responsabilizado administrativamente e, dependendo do caso, criminalmente, conforme o tipo descrito no art. 319 do Código Penal, assim reproduzido: “retardar ou deixar de

4 Apenas a título ilustrativo, convém observar algumas legislações, de esfera estadual e distrital, que perfilham de mesmo conteúdo legal. Lei nº. 4.567/2011, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, contencioso e voluntário, no âmbito do Distrito Federal e dá outras providências: Art. 7º Os atos serão praticados no prazo de 30 (trinta) dias, salvo disposição em contrário, e Art. 45 Admitida a impugnação contra o lançamento, os autos do processo serão encaminhados, no prazo de 5 (cinco) dias, à autoridade julgadora de primeira instância, que terá até 30 (trinta) dias para decidir, a contar da distribuição dos autos para elaboração de relatório e parecer. (Grifos nossos). Lei nº. 10.177/98, que regula o processo administrativo fiscal do Estado de São Paulo: Art. 32 Quando outros não estiverem previstos nesta lei ou em disposições especiais, serão obedecidos os seguintes prazos máximos nos procedimentos administrativos: I - para autuação, juntada aos autos de quaisquer elementos, publicação e outras providências de mero expediente: 2 (dois) dias; II - para expedição de notificação ou intimação pessoal: 6 (seis) dias; III - para elaboração e apresentação de informes sem caráter técnico ou jurídico: 7 (sete) dias; IV - para elaboração e apresentação de pareceres ou informes de caráter técnico ou jurídico: 20 (vinte) dias, prorrogáveis por 10 (dez) dias quando a diligência requerer o deslocamento do agente para localidade diversa daquela onde tem sua sede de exercício; V - para decisões no curso do procedimento: 7 (sete) dias; VI - para manifestações do particular ou providências a seu cargo: 7 (sete) dias; VII - para decisão final: 20 (vinte) dias; VIII - para outras providências da Administração: 5 (cinco) dias. [...] Art. 33 O prazo máximo para decisão de requerimentos de qualquer espécie apresentados à Administração será de 120 (cento e vinte) dias, se outro não for legalmente estabelecido. (Grifos nossos).

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praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal – Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”.

Outra legislação que merece destaque é a Lei nº. 9.784/99, a qual preceitua o processo

administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Ela, por sua vez, tem ingerência

subsidiária no aludido Decreto, primeiro, porque impera o princípio da especialidade, devido

à peculiar substância do objeto discutido no seu bojo - matérias de cunho fiscal -, e, segundo,

porque na própria lei em voga há prescritivo normativo que corrobora essa tese. É o caso do

artigo 69, que dispõe: “Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei

própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”5.

Nessa senda, analisando a insuficiência de dispositivos referentes aos prazos de atuação

administrativa no Decreto nº. 70.235/72, desperta interesse invocar a aplicação do quanto

preconizado na Lei nº. 9.784/99. Sobre essa perspectiva, exaltar-se-á o teor do artigo 49 da

lei. Nele está estabelecido que “concluída a instrução de processo administrativo, a

Administração tem o prazo de até 30 (trinta) dias para decidir, salvo prorrogação por igual

período expressamente motivada”.

O começo da instrução processual identifica-se após a materialidade do contraditório inserida

pelo contribuinte por intermédio da defesa administrativa. Isto é, com a lavratura do auto de

infração, ao contribuinte cabe apresentar impugnação acompanhada de documentos

necessários a fundamentar suas alegações. Entre esta impugnação e o momento da decisão ser

proferida, encontra-se a atividade da instrução processual, que se destina em “averiguar e

comprovar os dados necessários à tomada da decisão”, de acordo com o art. 29 da citada Lei

nº. 9.784/996. Assim, encerrada essa fase, dispõe a Administração Pública de 30 dias, exceto

quando prorrogado o prazo, para deliberar decisão no processo.

Entrementes, ressalva há de ser feita. Diante da apreciação acurada ao conteúdo regulamentar,

certifica-se ausência de prazos tipificados na Lei nº. 9.784/99 disciplinando o encerramento da

instrução processual.

Numa primeira análise, chegar-se-ia a conclusão de que o referido art. 49 em nada se coaduna

com o mandamento constitucional ora contemplado, tendo em vista que, embora exista prazo

para decidir, não há prazo para o encerramento da atividade que motiva a decisão. Dessa

5 Adernam do mesmo entendimento os magistérios de Bianca Ramos Xavier (2009, p.73) e de Marcos Neder e Maria Teresa López (2010, p. 34 e 90). 6 Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias

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forma, o processo perduraria por longo e desarrazoado tempo justamente pela demora nesta

fase processual.

No entanto, a jurisprudência pátria, visando conferir veneração aos princípios da tutela

executiva e da moralidade, tem atribuído prazos para encerramento da instrução processual no

prisma administrativo, quando sua avaliação se manifesta demorada. Neste vértice, verificam-

se diferentes parâmetros temporais aplicados7, vez que a análise dos prazos e sua

possibilidade de estabelecimento dependem diametralmente do caso apresentado, modelando

a razoabilidade na diretriz do período a ser assentado, haja vista diferentes complexidades dos

processos administrativos fiscais.

Na presença destes limites jurisprudenciais expostos, resta esclarecedor que o Poder

Judiciário tem resguardado o contribuinte do desfavor ocasionado através da dilação indevida

do processo administrativo, na medida em que anseia dar cumprimento à prerrogativa

constitucional da duração razoável ao processo.

Adequado, também, se torna invocar a Lei nº. 11.457/2007, que ordena sobre a Administração

Tributária Federal, em especial seu art. 24, o qual institui prazo para todo procedimento

administrativo federal, constituindo termo inicial a se computar ao período atinente à tomada

da decisão administrativa. In verbis:

É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.

Nesse cenário, tem-se que o protocolo de petições, as defesas administrativas ou recursos

apresentados pelo contribuinte equivalem ao tento inicial e o prazo de 360 dias assinala como

parâmetro de legitimidade da efetivação do direito delineado, em virtude de cada fase

processual estabelecida ser compreendida por limites legais que restringem o âmbito de

atuação daquele que tem o dever de decidir.

7 O prazo para encerramento da instrução no processo administrativo, segundo a jurisprudência, pode ser: 30 (trinta) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias – REsp nº. 1.006.191/PI (2007/0268600-4), 2ª Turma, Relator para Acórdão Min. Castro Meira, DJe de 18/12/2008; AgRG no REsp nº. 1081812 (2008/0184320-3), 1ª Turma, Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 17/08/2010, DJe de 30/08/2010; Mandado de Segurança no STJ nº. 13.349/DF (2008/0030624-9), 3ª Seção, Relator: Min. Feliz Fischer, DJe de 13/08/2008. 60 (sessenta) dias – Mandado de Segurança no STJ nº. 9061/DF (2003/0076295-5), Relator: Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 22/10/2003, DJ de 24/11/2003. 120 (cento e vinte) dias – TRF 4ª Região, Apelação em Mandado de Segurança - AMS nº. 2007.70.00.001511-5/PR, Relatora: Juíza Eloy Bernst Justo, 2ª Turma, julgado em 25/03/2008, DE de 21/05/2008; TRF 4ª Região, Apelação em Mandado de Segurança - AMS nº. 2007.72.00.004494-6/SC, Relatora: Juíza Tais Schilling Ferraz, 1ª Turma, julgado em 19/09/2007, DE de 02/10/2007.

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Pelo exposto, é possível concluir que ao administrado desperta o direito de fazer valer a

materialidade da garantia constitucional ao exigir da autoridade administrativa sua apreciação

processual conforme o termo legalmente prenunciado na disposição normativa.

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3 A DEMORA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROCEDER AO CONTROL E INTERNO DA LEGALIDADE E A DECORRENTE AFRONTA AOS DEMAIS PRI NCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Conforme alhures esclarecido, ao Processo Administrativo Fiscal é assegurada a celeridade,

bem como razoável duração do seu trâmite. Certamente que não só desses princípios perdura

tal categoria processual, sendo possível, e até indispensável, se acolher do emprego de outras

garantias constitucionais responsáveis para condução dos atos administrativos.

Ocorre que a demora da Administração Fiscal em proceder ao controle interno da legalidade

dos seus atos tem ocasionado violação a diversos princípios, além do rogado no capítulo

anterior, capaz inclusive de configurar abuso de poder da autoridade tributária competente,

responsável por aplanar o pleito que procedeu a sua existência.

Fato este é comprovado diante do corriqueiro anacronismo na apreciação e julgamento dos

processos e, por conseguinte, a surpresa evidenciada pelo administrado/contribuinte em tomar

ciência da manifestação expedida pela autoridade julgadora em um processo que foi

apresentado defesa e já persiste há anos.

Indubitavelmente, essa conjuntura orgânica e procedimental afeta a legalidade, afronta o

devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, obsta a verdade material inerente ao

processo administrativo e compromete a segurança jurídica, bem como o dever de boa

administração.

Em outras palavras, ao contribuinte é certificado o direito de demandar à autoridade

responsável sua análise processual no tempo legalmente tipificado e conforme disposição

normativa apontada, tendo em vista fundamentos infraconstitucionais que legitimam tal

propósito.

No entanto, quando a atuação administrativa está em dissonância com os ditames jurídicos, no

caso específico a tardia propositura do ato administrativo decisório, os efeitos oriundos desta

influência não consolidam elementos substanciais a favor da eficiência processual, mas

apenas evidenciam a ilegalidade transmitida por intermédio do desrespeito aos remédios

constitucionais.

A estima da legalidade perpetua tanto nos procedimentos fiscalizadores, como no controle

interno de legalidade. A seara processual tributária solidifica-se em conformidade com o

quanto estabelecido em lei. É garantia legal o contribuinte utilizar-se de todos os meios de

defesa existentes nas distintas instâncias julgadoras, sendo-lhe afiançado direito de resposta

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até o trânsito em julgado. Impedir a propositura deste preceito é o mesmo que infirmar direito

subjetivo estampado na Lei Maior.

Vislumbra-se, ainda, que o legislador constituinte erigiu ao administrado o acesso e usufruto

dos meios e recursos inerentes ao processo fiscal administrativo, permitindo em sua defesa

todos os elementos essenciais à exposição de suas alegações, bem como a demonstração dos

fatos que corroboram o quanto assinalado.

O controle de legalidade dos atos não pode prejudicar porvindouro direito de defesa, visto

que, em respeito ao devido processo legal, a ninguém cabe restringir liberdade ou bens

particulares sem, contudo, haver um processo respaldado em bases legais.

Destarte, as provas conduzidas nas defesas apresentadas podem ser difundidas aos autos a

todo o momento, haja vista a indigência de se comprovar a veridicidade do que foi arguido. É

a verdade material, associada ao devido processo legal e seus consectários, que admite a

produção de provas a qualquer tempo, independente da esfera de competência hierárquica

julgadora.

Por mais que os atos administrativos sejam dotados do atributo da presunção de veracidade, a

autoridade fazendária não está adstrita a aceitar os fatos e fundamentos veiculados no auto de

infração, razão que convém a Administração apurar a legitimidade do ato fiscalizador.

Nessa vertente, Luís Eduardo Schoueri (apud SCHOUERI; SOUZA, p.15) leciona:

Enquanto o fisco não comprovar que os indícios por ele apresentados implicam necessariamente a ocorrência do fato gerador, estaremos diante de mera presunção simples, não de prova. Não terá, pois, o fisco cumprido seu ônus e a conseqüência é o dever do julgador considerar não comprovada a ocorrência do fato gerador e do nascimento da obrigação tributária [...].

Assegurar defesa ampla é possibilitar que o litigante comprove não se ter concretizado a hipótese abstratamente descrita pelo legislador para a imposição da sanção legal. Poder-se-ia, pois, afirmar ser inconstitucional toda e qualquer presunção absoluta, dado impedir a prova da inocorrência da subsunção que se impõe para a sanção legal.

Na medida em que um longo período se passa sem que a autoridade administrativa

competente julgue o processo, o direito de defesa proporcionalmente vai perdendo sua

validade, uma vez que as provas, consideradas basilares para comprovação dos fatos sobre os

quais se instituiu as argumentações, tornam-se inviabilizadas. O tempo, neste caso, afasta e

prejudica as provas. E esse prejuízo é examinado na exposição da defesa e/ou recurso

administrativo, onde se certifica a vaga condição de contestar face ausência de elementos

efetivos que foram despendidos ao tempo.

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Não bastassem tais danos, outro efeito negativo a ser notado é o aumento do valor do tributo a

ser cobrado, tendo em vista que, neste interstício do controle de legalidade, aos valores

originários do débito são adicionados juros e correção monetária, o que, de certo forma,

implica na economia financeira do contribuinte e, por conseguinte, desfigura a segurança

jurídica outrora almejada.

Deveras, é plausível concluir que a tardia apreciação decorrente da mora administrativa junto

ao processo fiscal, além de ser considerado desvio de finalidade, pode ser suficiente para

promover a nulidade do processo, haja vista a inobservância dos princípios constitucionais.

Paralelo a essa assertiva, é o ensinamento de James Marins (2004, p. 187), que, ao relatar

sobre o tema, expõe sua opinião da seguinte forma:

O processo administrativo fiscal será inválido por alvitamento a garantias constitucionais individuais do cidadão-contribuinte se não observar eficazmente quaisquer de suas garantias principiológicas: será inválido o processo fiscal que não observe o direito ao contraditório; será inválido o processo que deixe de assegurar a ampla defesa ao contribuinte; será inválido se não se prestar a produção das provas necessárias ao conhecimento da matéria alegada; será inválido se não for assegurado o princípio do duplo grau de cognição e se deixar de observar o princípio do julgador competente.

Ora, destas explanações pode se extrair que a execução dos princípios constitucionais supra

referidos tem de ser delineada de maneira unidimensional, ao passo que intervir na sua

concretude é reconhecer a ascendência de vícios processuais, cujos efeitos jurídicos mutilam o

harmônico trâmite processual e, por conseguinte, danificam requisitos cogentes à constituição

do crédito tributário. Por isso, defende-se a necessidade da existência de prazo para

encerramento do processo administrativo fiscal como forma de saciar essas garantias.

3.1 A IMPORTÂNCIA DO PRAZO PARA ENCERRAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Todo ato administrativo comporta-se como reflexo da essência dissipada nos ditames legais.

Tipificar a conduta administrativa por meio de prazos não significa apenas restringir a atuação

da Administração Pública, tendo, sobretudo, característica mais relevante que é a de inibir a

perpetuação de direito por tempo indeterminado.

A relação jurídica apresentada no processo administrativo fiscal deve se condicionar a fixação

de prazos, uma vez que a performance do agente administrativo é revestida pelo tempo, no

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qual condiciona seu comportamento aos marcos estabelecidos nas normas que imperam sua

atuação.

Requerer a existência de prazo no âmbito administrativo fiscal é propagar a sincronização do

sistema a ele inerente, bem como reconhecer o regular trâmite processual decorrente da sua

compleição. Tanto é verdade que o tempo tem o pontual atributo de controlar o modo e a

permanência da realização dos atos, como também sua forma de execução.

A categoria processual em análise carece de prazos que estabeleçam o seu encerramento, vez

que os atos jurídicos nela perpetrados necessitam se adequar aos parâmetros referenciados nos

termos inicial e conclusivo do procedimento.

A afirmação destes limites temporais tende a manifestar o momento em que os atos devem ser

concretizados, servindo de itinerário para padronização das etapas processuais aplicáveis ao

seu regulamento, negando a desmesurada morosidade por parte da autoridade fiscal.

É fundamental que o encerramento do processo administrativo fiscal venha a tempo de tutelar

os modelos constitucionais supra reproduzidos, razão pela qual deferir o contrário é consentir

o desenvolvimento da incerteza no contribuinte quanto à justificativa do ato daquele a quem

se espera a apreciação.

Não se pode permitir que o encerramento do processo fique sem um prazo estabelecido, pois

esta inconstância afeta o âmago do administrado e, por conseguinte, atinge a coletividade, na

forma em que propicia hesitação quanto ao término do processo e quanto à verificação da

(i)legalidade do lançamento realizado.

Neste sentido, veementes são os apontamentos certificados por Hugo de Brito Segundo (2010,

p. 183):

[...] se o CTN prevê prazos para a decadência e a prescrição em nome da segurança jurídica, seria inadmissível que deixasse em aberto um prazo indeterminado, o que instauraria a insegurança jurídica, estiolando praticamente a finalidade em razão da qual estabelecera aqueles prazos. É claramente irrazoável estabelecer um prazo de decadência, e outro de prescrição, se entre eles há um hiato infinito que é o tempo para a conclusão do processo administrativo.

Aos procedimentos administrativos cabe a subordinação ao lapso temporal veiculado através

dos prazos, pois esse mínimo exigível estabelece cronologia à interpretação adotada pela

Administração Fiscal.

De fato, a defesa à existência do prazo enseja proteção a segurança jurídica, evidencia a

justiça fiscal, além do que preserva a relação jurídica ali instituída. Ao determinar restrições

para o ato de encerramento do processo administrativo fiscal à autoridade competente, estar a

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introduzir regramento procedimental a ser contemplado por todos os órgãos dos entes

federados, de modo a condicionar o ordenamento à acurada postura jurídica.

Por isso, a interpretação da lei e dos prazos nela dispostos consiste na valoração, acima de

tudo, do Estado Democrático de Direito, no qual a construção de parâmetros temporais para

conclusão do processo demonstra desmedida proximidade com os princípios constitucionais

mais do que se imagina.

3.1.1 Posicionamento das Cortes Superiores

Sobre a matéria acima esclarecida, no que diz respeito às Cortes Superiores, relevante se faz

arrazoar a questão referendada aos debates existentes nestes Tribunais. Assim, há de se

perceber que o objeto em análise é composto por diferentes ponderações, as quais geram

divergentes entendimentos, ao ponto de traçarem caminhos conclusivos totalmente opostos.

Neste cenário, torna-se apropriado asseverar as distintas colocações que se fazem presentes,

perfazendo, de um lado, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e trilhando,

do outro, o ponto de vista adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Pois bem. Para o STJ, não existe a locução “prazo” quando estiver a se referir sobre o

encerramento do processo administrativo fiscal. Para este Tribunal, não há, nem tão-pouco

deve existir, prazo para conclusão dessa categoria processual.

Isto é, a interseção existente entre a lavratura do auto de infração e a decisão do recurso

administrativo interposto pelo contribuinte ou a revisão de ofício não tem de ter limitação

temporal. O que tem, e desse modo a jurisprudência denomina, é um hiato.

Logo, na percepção da Corte Superior “enquanto há pendência de recurso administrativo, não

se fala em suspensão do crédito tributário, mas sim em um hiato que vai do início do

lançamento, quando desaparece o prazo decadencial, até o julgamento do recurso

administrativo ou revisão ex-officio” 8.

Neste diapasão, colaciona-se o seguinte aresto:

EMENTA: TRIBUTÁRIO - DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. 1. A antiga forma de contagem do prazo prescricional, expressa na Súmula 153 do extinto TFR, tem sido hoje ampliada pelo STJ, que adotou a posição do STF.

8 Superior Tribunal de Justiça, REsp nº. 485.738/RO (2002/0149533-5), Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 17/06/2004, DJ 13/09/2004.

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2. Atualmente, enquanto há pendência de recurso administrativo, não se fala em suspensão do crédito tributário, mas sim em um hiato que vai do início do lançamento, quando desaparece o prazo decadencial, até o julgamento do recurso administrativo ou a revisão ex-officio. 3. Somente a partir da data em que o contribuinte é notificado do resultado do recurso ou da sua revisão, tem início a contagem do prazo prescricional. 4. Prescrição intercorrente não ocorrida, porque efetuada a citação antes de cinco anos da data da propositura da execução fiscal. 5. Recurso especial improvido. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RESP Nº. 435.896/SP (2002/0062316-9), Relator (a): Min. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2003, DJ 20-10-2003) (Grifos nossos)9.

Registre-se que, para o STJ, a identificação desse “hiato” é resultado de uma fase advinda

posteriormente ao término do prazo decadencial e anterior ao dies a quo do prazo

prescricional. Por esse motivo, é que o Tribunal, ao julgar o caso debatido no acórdão supra

acostado, entendeu que “a interposição do recurso administrativo ensejou o aparecimento de

um lapso temporal que não é computado para nenhum efeito, funcionando como uma espécie

de hiato, até seu julgamento”10.

Diante disso, tem-se que é esta a interpretação exteriorizada pelo Superior Tribunal de Justiça,

a qual tem como fundamento basilar toda a sua jurisprudência nos moldes desta compreensão.

Em contrapartida, no que se refere ao STF, atenta-se que, muito embora não se tenha havido

debate sobre a matéria na Corte, é possível verificar alguns proveitosos julgados, os quais

trazem elementos discursivos que encaminham para o assunto ora assentado.

É o caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 124/SC – Santa Catarina, que

discorre sobre a refutação do artigo 16, § 4º da Constituição Estadual do ente federal e do

artigo 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao estabelecer prazo a ser

pronunciada decisão final no processo administrativo fiscal, com penalidades para seu

descumprimento, que varia do arquivamento à impossibilidade de revisão ou renovação do

lançamento tributário.

O objeto em tese levou o referido eg. Tribunal a concluir pela necessidade da existência de

prazo para encerrar o processo fiscal administrativo face à violação de princípio

constitucional. No entanto, reconheceu que esse limite temporal ainda não está previsto no

ordenamento jurídico brasileiro. É o que se segue:

9 No mesmo sentido, REsp nº. 955.950/SC, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 20/09/2007, DJ 02/10/2007, p. 241; REsp nº. 734.680/RS, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 20/06/2006, DJ 01/08/2006, p. 376; REsp nº. 649.684/SP, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 03/03/2005, DJ 28/03/2005, p. 211, RSTJ, vol. 190, p.159; AgRg no REsp nº. 658.717/RS, Relator Ministro José Delgado, 1ª Turma, julgado em 09/11/2004, DJ 13/12/2004, p. 254. 10 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RESP Nº. 435.896/SP (2002/0062316-9), Relator (a): Min. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2003, DJ 20-10-2003.

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EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. NORMA DO ESTADO DE SANTA CATARINA QUE ESTABELECE HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO POR TRANSCURSO DE PRAZO PARA APRECIAÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO FISCAL. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO, ART. 16. ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, ART. 4º. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 146, III, B, DA CONSTITUIÇÃO. A determinação do arquivamento de processo administrativo tributário por decurso de prazo, sem a possibilidade de revisão do lançamento equivale à extinção do crédito tributário cuja validade está em discussão no campo administrativo. Em matéria tributária, a extinção do crédito tributário ou do direito de constituir o crédito tributário por decurso de prazo, combinado a qualquer outro critério, corresponde à decadência. Nos termos do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1996), a decadência do direito do Fisco ao crédito tributário, contudo, está vinculada ao lançamento extemporâneo (constituição), e não, propriamente, ao decurso de prazo e à inércia da autoridade fiscal na revisão do lançamento originário. Extingue-se um crédito que resultou de lançamento indevido, por ter sido realizado fora do prazo, e que goza de presunção de validade até a aplicação dessa regra específica de decadência. O lançamento tributário não pode durar indefinidamente, sob risco de violação da segurança jurídica, mas a Constituição de 1988 reserva à lei complementar federal aptidão para dispor sobre decadência em matéria tributária . Viola o art. 146, III, b, da Constituição federal norma que estabelece hipótese de decadência do crédito tributário não prevista em lei complementar federal. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ADI 124, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2008, DJe-071, divulgado 16-04-2009, publicado17-04-2009, ement vol-02356-01, pp-00011). (Grifos nossos).

Dessa maneira, fica evidente que, para a Suprema Corte, o prazo para se findar o processo

administrativo fiscal é garantia de respeito aos determinativos principiológicos aludidos na

Constituição. Na sua visão, o fato de não existir ainda amparo legal que discipline este

instituto, não se estar a admitir a delonga indevida simplesmente pela ausência de dispositivo

legal, pois é possível, diante da capacidade diretiva dos princípios, que estes regulem ações

comportamentais, independentemente da presença de lei regulamentadora.

Assim, o entendimento esposado pela Suprema Corte corrobora, de certa maneira, com a tese

até então defendida, no sentido de que é necessária a regulamentação de prazo apto a gerar

efeitos cominatórios ao hiato existente entre o lançamento e a sua definitividade.

3.1.2 A mora administrativa e o abuso de poder

Conquanto o STF não tenha abordado legislação infraconstitucional, nem tão-pouco

disciplinado prazos sobre os quais se elencam as atividades administrativas, compreende-se

que o prazo, cuja existência é tida por necessária - segundo voto do Ministro Joaquim Barbosa

-, de fato já existe, estando, por sua vez, disciplinado no art. 24, da Lei nº. 11.457/2007,

outrora abordado, em que comina prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias para se

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proferir decisão, a ser contado do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos

interpostos pelo contribuinte.

Muito embora a aplicabilidade deste prazo possa ser questionada por suposta inexistência de

conteúdo impositivo sancionatório pelo seu descumprimento, a mora administrativa tem

efeitos diretos na legalidade do ato, pois, ultrapassado o período de 360 dias, sem que seja

proferida a decisão administrativa vindicada pela própria Administração e pelos contribuintes,

partes no processo administrativo, a situação descamba para seara do abuso de poder.

Abalizado no endosso doutrinário de Hely Lopes Meirelles (2011, p. 114), tem-se que:

O abuso do poder tanto pode revestir a forma comissiva como a omissiva, porque ambas são capazes de afrontar a lei e causar lesão a direito individual do administrado. A inércia da autoridade administrativa – observou Caio Tácito -, deixando de executar determinada prestação de serviço a que por lei está obrigada, lesa o patrimônio jurídico individual. É forma omissiva de abuso de poder, quer o ato seja doloso ou culposo. (Grifos nossos).

Na mesma linha de raciocínio, Georges Ripert (apud MEIRELLES, 2011, p. 113) assevera:

A teoria do abuso do poder foi inteiramente inspirada na moral e a sua penetração no domínio jurídico obedeceu a propósito determinado. Trata-se, com efeito, de desarmar o pretenso titular de um direito subjetivo e, por conseguinte, de encarar de modo diverso direitos objetivamente iguais, pronunciando uma espécie de juízo de caducidade contra o direito que tiver sido imoralmente exercido. O problema não é, pois, de responsabilidade civil, mas de moralidade no exercício dos direitos. (Grifos nossos).

O que se pode concluir desses esclarecimentos é que o ato abusivo de poder, perpetrado pelos

gestores da coisa pública, quando investidos de responsabilidades na Administração

Tributária, gera nulidade da conduta praticada, razão pela qual seu ato afigura-se desempenho

ilegítimo da prerrogativa.

Isto é, a mora administrativa qualifica-se como abuso de poder, pois viola o brocardo de que

“todos os atos administrativos têm de estar pautados na estrita legalidade”, haja vista que o

administrador fiscal responsável acaba por degradar sua atuação, quando, na verdade, deveria

exercer o seu dever de agir conforme os ditames legais. E, como consequência jurídica, tal

ato, revestido pelo abuso de poder, não poderá permanecer no ordenamento, nem ao menos

produzir efeitos jurídicos, razão pela qual deve ser considerado nulo e expurgado do sistema

em que se originou.

Com supedâneo ao que foi explanado, Fernanda Marinela (2011, p. 225 e 226) pontifica:

É possível o reconhecimento do abuso de poder, tanto na conduta comissiva do agente público, é dizer, no fazer do administrador, quando não deveria ter feito, como também na conduta omissiva, ou melhor, no não fazer, quando existia o dever de agir. Em ambos os casos, o ato é arbitrário, ilícito e nulo, retirando-se a

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legitimidade da conduta do administrador, colocando-o na ilegalidade e, até mesmo, no crime de abuso de autoridade, conforme o caso.

[...]

Em razão a natureza desses atos, todo abuso de poder caracteriza uma ilegalidade. Não é possível admitir que a conduta do agente incompetente ou contrária à finalidade da lei possa compatibilizar-se com o ordenamento jurídico vigente, exigindo-se revisão, seja na via judicial ou administrativa.

Note-se que nem toda ilegalidade decorre de conduta abusiva, mas todo abuso se reveste de ilegalidade. Esse entendimento não representa verdade absoluta, porém parecer ser o mais coerente com o direito pátrio. (Grifos nossos).

Pelas fundamentações até aqui trazidas, tem-se que a inércia administrativa em proceder à

solução do processo administrativo fiscal, ou seja, em não respeitar o prazo de 360 dias, acaba

por invalidar o lançamento tributário, visto que este ato administrativo, eivado pela

ilegalidade, não pode ser convalidado, motivo pelo qual se justifica a sua nulidade.

Se a Administração Tributária ultrapassa o prazo acima invocado, ela deixa de agir em

conformidade com a moralidade administrativa, o que afeta a legalidade e inviabiliza a

eficiência do seu exercício.

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4 CONCLUSÃO

Conforme visto, no decorrer deste trabalho, a ordem jurídica, instaurada com a Constituição

de 1988, trouxe princípios basilares que norteiam a conduta dos atores sociais. Ganha relevo,

tomando-se por base a questão enfrentada, o princípio da duração razoável do processo,

mandamento constitucional que deve ser observado também no âmbito administrativo.

O desdobramento prático deste princípio revela a necessidade de que, para possibilitar a sua

real aplicação, que é o objetivo último ao se estabelecer um postulado, sejam conferidos

prazos à prática de atos e às respectivas cominações legais punitivas, em caso de sua

inobservância.

É que o princípio constitucional, conquanto tenha sede no Texto Maior, a rigor precisa de um

veículo normativo apto a introduzir no mundo jurídico o seu mandamento. Nesse mister,

destaca-se a norma e o seu consequente, para fazer valer o respeito à razoabilidade do lapso

temporal, erigido pela lei como suficientemente necessário à prática de determinado ato.

Em relação ao tema em voga, resta claro que o desrespeito aos comandos do princípio da

duração razoável do processo não só afronta à Constituição Federal, como também agatanha

diretamente os direitos e garantias individuais do contribuinte.

Em sede jurisprudencial, torna-se incontestável o reconhecimento pelo Supremo Tribunal

Federal da necessidade de por termo à discussão sobre a legalidade do lançamento, conquanto

defenda não existir tal prazo em lei, ou seja, a sobredita norma, que dá aplicação prática ao

princípio alhures tratado, não está elencada no arcabouço legislativo.

A despeito deste argumento, na esfera federal, a análise da legislação aplicável aos embates

realizados no âmbito administrativo consubstancia nitidamente a aplicação da razoável

duração processual, sendo que a Lei nº. 11.457/2007, no seu art. 24, elucida a questão,

determinando o respeito ao lapso temporal de 360 dias, diga-se de passagem, mais do que

plausível, para proferir decisão administrativa.

Inclusive, a defesa da aplicação do prazo da Lei anteriormente invocada se faz em relação aos

processos administrativos de âmbito estadual, distrital e municipal. Com efeito, recorre-se a

figura da analogia, que tem lugar quando presente lacuna normativa capaz de prejudicar

direitos individuais, notadamente, relacionados à defesa do contribuinte.

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Quanto à matéria em destaque, a aplicação do prazo de 360 dias pode ser direcionada a todos

os processos administrativos, tomando-se por base o comando legal do art. 108, inciso I, do

CTN11.

Certo da existência de tal prazo, a consequência jurídica da sua inobservância configura abuso

de poder, mácula que acoima, por decorrência, o ato administrativo do lançamento tributário,

como forma de punição à Administração Pública pela desídia no cumprimento da duração

razoável do processo. Medida de lídima justiça, posto que, ao tempo em que preserva o

princípio constitucional, tutela os direitos e garantias endereçados aos administrados.

11 Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia [...].

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