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Os Uniformes do Exrcito Portugus na Transio da Monarquia para a
Repblica
Srgio Veludo Coelho1
Introduo
Conforme afirma Lus Salgado de Matos, a implantao da Repblica foi
precursora de um utpico programa de modernizao militar, ambicioso se
considerado em grande escala, mas que na prtica e em muitos aspectos no
mais fez do que seguir anteriores projectos do final da monarquia,
nomeadamente do reinado de D. Carlos.2
A nvel tecnolgico a modernizao j havia arrancado em 1904-1906 com a
aquisio de novos armamentos para o Exrcito e relegando os materiais
obsoletos para as reservas e para as tropas nativas do Imprio, como j era
tradicional. Em termos uniformolgicos pouco se havia alterado com o ltimo
grande plano de uniformes de 1892 e subsequentes alteraes de 1894 e
1898, a no ser a substituio dos txteis azuis ferretes e do linho branco como
tecidos de campanha pelo cotim de algodo cinzento claro, em 1904.
Mais do que rupturas, permaneceram continuidades aps 1910.
O Exrcito Portugus e a evoluo da tecnologia
O exrcito de 1910, em termos de armas ligeiras, encontrava-se armado com a
recente espingarda Mauser-Vergueiro (com culatra de ferrolho e calibre de 6,5
mm) com a metralhadora pesada Maxim (do mesmo calibre e ainda agregada a
1 Professor Adjunto da Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico do Porto. 2 Matos, 2004: 117
2
um reparo de rodado) e os oficiais podiam contar com a pistola automtica
Luger Parabellum, de 9 mm. A nvel da artilharia destacava-se a aquisio do
material francs de tiro rpido Schneider Canet, de 75 mm.
Relativamente modernizao do exrcito no perodo anterior ao 5 de Outubro
de 1910 fundamental a leitura de Antnio Jos Telo, na Nova Histria Militar
de Portugal.3 De acordo com o investigador, o Exrcito Portugus conseguiu
acompanhar a vaga tecnolgica que entre 1899 e 1908 ocorreu nos exrcitos
dos pases europeus. De acordo com Antnio Jos Telo, Portugal encetou um
esforo de modernizao e reequipamento das suas foras terrestres que se
traduziram em quatro programas, do qual o mais importante se verificou a nvel
do armamento individual.4 Esta questo tinha j um vasto antecedente desde
que se fizera a demorada transio dos sistemas de pederneira para os de
percusso, num processo de mais de quinze anos (1840-1855), mas que
depois mudaria para uma tendncia rpida, ou com um atraso mnimo, a
manter o armamento de acordo com os padres europeus, tal como referido
nos trabalhos do especialista em armamento ligeiro Jaime Augusto Regalado.5
Numa fase de transio crucial como foi o final do sculo XIX, Portugal adquiriu
as suas primeiras armas de repetio em 1886, com a compra de 46000
espingardas Kropatschek, fabricadas pela Steyr austraca. Este modelo de
espingarda, nas suas variantes para as diferentes Armas e servio, trouxe uma
larga vantagem em poder de fogo, sobretudo para a infantaria.6 Nas
campanhas africanas tal ficou demonstrado pela capacidade de manter um
forte fogo sustentado nos quadrados defensivos portugueses face s mangas
3 Telo, 2004: 358-365 4 Telo, 2004: 358 5 Regalado, 1997 6 Telo, 2004:358
3
dos Vtuas, em Moambique.7 Apesar de ser uma arma ainda a usar plvora
com fumo e ser municiada atravs de uma carregador tubular abaixo do cano,
havia sido inovadora por usar uma munio de baixo calibre (8 mm) e alta
velocidade. Mais tarde viriam carabinas Mannlicher, de calibre 6,5 mm para
equipar a cavalaria e a artilharia, sendo que estas caractersticas,
nomeadamente os baixos calibres de alta velocidade, podero ter influenciado
as comisses para que em 1904 se chegasse aquisio das novas
espingardas Mauser, na verso de calibre 6,5 mm, um state of the art em
termos de armamento ligeiro. Com as modificaes levadas a cabo no sistema
de disparo de ferrolho, levadas a cabo pelo Capito Vergueiro e que segundo
Jaime Regalado passara por adaptar um mais gil fecho de tipo Mannlicher
arma, ficou esta espingarda conhecida como Mauser Vergueiro M/904 (calibre
6,5 mm), tendo a encomenda sido de 100000 exemplares Alemanha. Os
lotes teriam chegado entre 1905 e 1907 e levado criao de condies de
fabrico de plvora sem fumo em Portugal.8
Mas o esforo de modernizao no se ficaria por aqui. Depois de uma tardia
adopo de uma arma de fogo para oficiais com o revlver Abadie (9 mm) em
1875-1876 e que estaria em servio at 1908, o Exrcito Portugus recebe no
mesmo ano os primeiros lotes da famosa pistola Luger Parabellum, de fogo
automtico e alimentada por carregador no punho. O seu calibre era de 7,65
mm, mas usava a munio de tipo Mauser, com cartucho tipo garrafa, o que na
prtica equivalia a ter uma carga de 9 mm a disparar uma bala de 7,65.
Conforme afirma Antnio Jos Telo esta modernizao colocava Portugal ao
nvel dos grandes poderes europeus, com uma margem mnima de atraso
7 Formao de combate em cabea de bfalo, similar s usadas pelos Zulus. 8 Telo, 2004:359
4
relativamente a armamento individual, mas no s.9 Adoptam-se as primeiras
metralhadoras de fogo totalmente automtico, do modelo Maxim, tambm de
calibre 6,5 mm (e daqui se v o cuidado posto na uniformizao dos calibres
ligeiros), cuja cadncia de tiro chegava aos 600 tiros por minuto. No entanto,
Antnio Jos Telo refere que as metralhadoras pesadas foram encaradas
inicialmente como uma pea de artilharia ligeira, no estando organicamente
integradas como armas de apoio da infantaria, at porque nas suas verses
iniciais surgem com reparos de rodado e no em trips. Em alguns exemplares
da Ilustrao Portugueza de 1911 e 1912, em nmeros referentes s
campanhas contra as incurses monrquicas em Vinhais, surgem as seces
de metralhadoras Maxim associadas aos batalhes de caadores do Exrcito
Portugus para l enviadas para combater os couceiristas. Estas
metralhadoras vinham em reparos de rodas e com um pequeno mantelete
protector para as suas guarnies.
Outra aquisio importante foi a artilharia de tiro rpido, recaindo a escolha no
material deste tipo mais moderno da Europa, o sistema Schneider-Canet,
concebido em 1897 para o exrcito francs. Portugal usava tradicionalmente o
material alemo desde a renovao do parque de artilharia em 1871, com a
predominncia da marca Krupp, mesmo quando s se usavam as suas culatras
de ao para adaptar s peas de bronze comprimido fabricadas nos arsenais
portugueses. O final do sculo XIX ainda v Portugal a adquirir material Krupp
T/Am 1900, que j tinha um incipiente sistema de absoro do recuo de pea
no disparo. Mas o salto qualitativo d-se com a aquisio das peas Schneider-
Canet, de 75 mm, em 1904. Estas peas tinham um bero hidrulico que
9 Telo, 2004: 359
5
permitia a sua imobilidade durante os disparos, a culatra de parafuso dava uma
grande cadncia de fogo arma e trouxeram um avano tecnolgico
significativo artilharia de campanha portuguesa que assim ganhava uma real
capacidade operacional na poca. As fbricas Schneider e Canet tambm
forneceram obuses pesados de 150 mm e peas ligeiras de montanha, estas
desmontveis e com o mesmo sistema de tiro rpido das TR 75 mm.10
Tambm as comunicaes de campanha evoluram com a introduo da TSF
(telegrafia sem fios) em 1901, operada pela Companhia de Telegrafistas.
Todo este esforo foi acompanhado em menor escala por uma discreta
evoluo uniformolgica que se limitou a introduzir o cotim cinza de algodo
nos uniformes de campanha do Exrcito, substituindo o brim branco aps
muitos anos de uso como tecido dos uniformes de caserna e de Vero. Mas no
geral os uniformes mantinham-se nos modelos sados do plano de 1892.
As mudanas estruturais do Exrcito Portugus
Este processo de modernizao teve o seu auge em 1908, coincidindo com o
trgico final do reinado de D. Carlos. D. Manuel II, numa poltica de conciliao
difusa com sectores crescentemente opostos monarquia, afasta os oficiais
veteranos e experimentados das campanhas africanas dos comandos
estratgicos do exrcito, que haviam sido valorizados pelo seu pai.
Desmotivados pela perda da importncia e indiferena do Rei, os oficiais do
quadro permanente tornam-se quase alheios ao que se passa no pas. Tal vai
afectar profundamente todo o trabalho de modernizao encetado na dcada
anterior e que capacitava Portugal a ter uma defesa credvel face aos
10 Telo, 2004: 360
6
arremedos anexionistas de Afonso XIII de Espanha e necessidade, previsvel,
de formar corpos expedicionrios para frica e mesmo para um eventual
conflito na Europa, o que acabaria por acontecer j na Repblica.11
O 5 de Outubro de 1910 confirma a apatia dos oficiais do quadro permanente,
que no aderindo em massa insurreio republicana, tambm no se
empenharam a fundo na defesa da monarquia, excepo feita a Paiva
Couceiro. Seria aqui redundante e fastidioso descrever as operaes militares
de 5 e 6 de Outubro de 1910. A mudana de regime trouxe uma alterao na
filosofia de um antigo exrcito semi-permanente, a ensaiar o recru