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PESQUISAS SOBRE IDENTIDADES PROFISSIONAIS NO TRABALHO DOCENTE: PERSPECTIVAS E CAMINHOS TEÓRICO- METODOLÓGICOS Este Painel reúne pesquisas, cujas discussões sobre construção de identidade profissional docente incluem desde questões mais amplas, relativas ao processo de produção das pesquisas sobre essa temática, passando pelo exame de bibliografia e pesquisas recentes sobre perfil e identidade de alunos concluintes de curso de Pedagogia, até a discussão de questões específicas sobre processos de reconfiguração identitária de professores em exercício em escolas de educação básica. O primeiro trabalho A produção das pesquisas sobre construção de identidades profissionais no trabalho docente analisa resultados de pesquisas realizadas nos últimos anos 10 anos, ao abrigo de Projeto de Pesquisa coletivo, pondo em destaque aspectos teórico- metodológicos presentes no debate atual e na produção da pesquisa sobre o tema e fatores intervenientes na construção das identidades docentes. O segundo texto Interfaces entre identidade profissional e didática: a pesquisa como elemento articulador propõe o diálogo entre identidade profissional e Didática, tendo como eixo pesquisas bibliográfica e empírica sobre formação docente. Explicitam-se resultados de pesquisa sobre formação/perfil de alunos concluintes de curso de Pedagogia, indicando contribuições para o campo da Didática. A terceira pesquisa A construção de retratos sociológicos recuperando processos de socialização e reconfigurações identitárias de professoras da educação básica traz a construção de retratos sociológicos de professoras da educação básica e seus processos de socialização, como metodologia para análise das interações e reconfigurações identitárias que as professoras realizam para responder aos desafios do cotidiano na sala de aula e na escola. Palavras-chave: Identidade Profissional Docente. Professores em Formação e Em E, Produção de Pesquisas XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3376 ISSN 2177-336X

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PESQUISAS SOBRE IDENTIDADES PROFISSIONAIS NO

TRABALHO DOCENTE: PERSPECTIVAS E CAMINHOS TEÓRICO-

METODOLÓGICOS

Este Painel reúne pesquisas, cujas discussões sobre construção de identidade

profissional docente incluem desde questões mais amplas, relativas ao processo de

produção das pesquisas sobre essa temática, passando pelo exame de bibliografia e

pesquisas recentes sobre perfil e identidade de alunos concluintes de curso de

Pedagogia, até a discussão de questões específicas sobre processos de reconfiguração

identitária de professores em exercício em escolas de educação básica. O primeiro

trabalho – A produção das pesquisas sobre construção de identidades profissionais no

trabalho docente – analisa resultados de pesquisas realizadas nos últimos anos 10 anos,

ao abrigo de Projeto de Pesquisa coletivo, pondo em destaque aspectos teórico-

metodológicos presentes no debate atual e na produção da pesquisa sobre o tema e

fatores intervenientes na construção das identidades docentes. O segundo texto –

Interfaces entre identidade profissional e didática: a pesquisa como elemento articulador

– propõe o diálogo entre identidade profissional e Didática, tendo como eixo pesquisas

bibliográfica e empírica sobre formação docente. Explicitam-se resultados de pesquisa

sobre formação/perfil de alunos concluintes de curso de Pedagogia, indicando

contribuições para o campo da Didática. A terceira pesquisa – A construção de retratos

sociológicos recuperando processos de socialização e reconfigurações identitárias de

professoras da educação básica – traz a construção de retratos sociológicos de

professoras da educação básica e seus processos de socialização, como metodologia

para análise das interações e reconfigurações identitárias que as professoras realizam

para responder aos desafios do cotidiano na sala de aula e na escola.

Palavras-chave: Identidade Profissional Docente. Professores em Formação e Em E,

Produção de Pesquisas

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INTERFACES ENTRE IDENTIDADE PROFISSIONAL E DIDÁTICA:

A PESQUISA COMO ELEMENTO ARTICULADOR

Adriana Patrício Delgado – UNINOVE/SP

Resumo

O presente trabalho objetiva propor um diálogo entre dois campos do

conhecimento – identidade profissional e Didática – tendo como eixo interlocutor

pesquisas desenvolvidas no campo da formação docente, oriundas tanto de fonte

bibliográfica quanto empírica. Para tal o texto se estruturou em três partes. Em seu

início, propõe uma reflexão sobre a formação docente, com enfoque na identidade

profissional. Na sequência aponta o cenário recente de pesquisas no Brasil sobre

formação de professores, com base em dois descritores: “identidade docente no curso de

Pedagogia” e “alunos do curso de Pedagogia”. Em seguida, apresenta o percurso

metodológico referente ao mapeamento do perfil de 90 alunos concluintes do curso de

Pedagogia de uma instituição de ensino superior privada, localizada no município de

São Paulo. Cabe acrescentar que este estudo se fundamenta em um repertório teórico-

conceitual, de viés sociológico, com destaque a autores como Berger e Luckmann,

Dubar, Marcelo Garcia e Waillant. Por fim, são explicitados alguns resultados de

pesquisa empírica sobre o processo formativo dos alunos, sujeitos dessa pesquisa,

indicando contribuições para o campo da Didática - eixo central dos cursos de

licenciaturas.

Palavras-chave: Formação Docente. Identidade Profissional. Didática.

Introdução

Ao longo de anos exercendo a docência no ensino superior, em especial, no

curso de Pedagogia, pude deparar com inúmeras situações e vivenciar variadas

experiências, das quais emergiram inquietações e indagações relativas tanto ao que se

refere às práticas institucionais quanto às práticas dos professores formadores. Nesse

ínterim, os comportamentos e ações dos alunos em seu percurso formativo, sobretudo,

dos concluintes, chamaram muito minha atenção, despertando um interesse particular

expresso nos seguintes questionamentos: Que concepções os alunos constroem acerca

da docência no decurso da formação inicial? Há alterações nestas concepções, do

ingresso ao término do curso? Quais os impactos da Pedagogia, como primeira etapa

formativa, na construção da identidade profissional?

Focalizando estas concepções, segundo Roldão (2011) “[...] ainda é forte a

visão do professor como vocação, chamado ao magistério por um sentido de missão,

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imagem compreensível diante do passado da atividade, então associada à missionação

[...]” (p.21). Em posição contrária a este tipo de concepção a autora defende que a

docência assuma seu estatuto de profissionalidade, superando conotações militantes,

vocacionais ou míticas, ainda tão arraigadas no imaginário de alunos e professores.

Já, para Libâneo (2002), ao se falar em curso de Pedagogia, de imediato, se

pensa em modos de ensinar, pois se “[...] estuda ou se serve da pedagogia para ensinar

melhor a matéria, a utilizar técnicas de ensino [...]” (p. 62). O mesmo autor também

aponta a origem do termo pedagogia (peda – que vem do termo grego paidós, que

significa criança), de modo que quem se torna responsável pelo ensino das crianças é o

pedagogo. Disso decorre a caracterização da Pedagogia como um curso voltado à

formação de profissionais que ensinam crianças e, por conseguinte, o mito que circunda

os alunos que ingressam nesta área que “para fazer este curso é preciso gostar de

crianças”.

Não há dúvidas e, tampouco se coloca em discussão, a relevância da

afetividade na relação pedagógica entre professor-aluno, contanto que o curso de

formação conceba a afetividade como algo que transcenda a crença de que “gostar de

crianças”, por si só, seja suficiente para o exercício da prática profissional. Afinal, é

preciso superar, como bem diz Severino (2006), “[...] a ideia medíocre do senso comum

de que a educação de crianças é tarefa simples, rotineira, para a qual não se exige nada

além de um curto treinamento didático” (p. 62).

Frente ao exposto até o momento é notória a necessidade de que tais

concepções sobre docência – vocação, ato missionário ou “gostar de crianças” como

condição suficiente para uma prática docente desejável – sejam devidamente

problematizadas e discutidas ao longo do percurso formativo dos professores, com

vistas à desnaturalizá-las. Para tal, a Didática, como uma das disciplinas que compõem

o currículo do curso de Pedagogia, se coloca como central ao focalizar em seus estudos

a formação profissional docente.

Na busca em entender estas questões acerca da formação docente, suas

interfaces com a identidade profissional e, por conseguinte, com o campo da Didática,

realizou-se um levantamento bibliográfico no Portal CAPES, nos níveis Mestrado e

Doutorado, utilizando dois descritores: “alunos do curso de Pedagogia” e “identidade

docente no curso de Pedagogia”. Por meio desse levantamento se constatou um número

significativo de pesquisas voltadas ao descritor “alunos do curso de Pedagogia”,

entretanto observou-se um percentual mais reduzido em relação às pesquisas

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relacionadas à “identidade docente”, especialmente, àquelas cujos estudos evidenciaram

o aluno do curso de Pedagogia em sua trajetória formativa.

Objetiva-se com este trabalho, por meio dos dados de fonte bibliográfica

(estudos teóricos sobre identidade profissional e mapeamento de pesquisas na área) e de

fonte empírica (questionário, entrevista e produção escrita de 90 alunos concluintes de

curso de Pedagogia de uma universidade particular de grande porte do município de São

Paulo) estabelecer um ponto de diálogo entre formação docente, procedimentos de

pesquisa e Didática.

A identidade profissional docente como objeto de estudo

Ao falar em identidade docente, Vaillant (2007) aponta que esta não surge

repentinamente, como consequência de um título profissional, mas sim como algo

construído pelas e nas relações antes, durante e após o curso de formação, em um

processo que é tanto individual quanto coletivo.

Além de Vaillant (2007), outros estudiosos desse tema, como Dubar (1997) e

Marcelo Garcia (2009), sinalizam em suas produções que não há uma única identidade

docente, mas sim uma diversidade de identidades docentes. Nesse sentido, as

experiências pessoais, formativas e profissionais que constituem os processos de

socialização primária e secundária, segundo Berger e Luckmann (2012), consistem em

um dos fatores que incidem diretamente na construção dessas identidades e o curso de

graduação, por sua vez, como parte integrante da socialização secundária, representa um

momento significativo no processo de construção da identidade profissional docente.

Dessa forma, configuram-se como conceitos balizadores dos estudos de

formação de professores deste trabalho – os processos de socialização; identidade

profissional; e desenvolvimento profissional docente – a serem abordados,

respectivamente, pelos seguintes estudiosos, fundamentando pesquisas na área: Berger e

Luckmann (2012) – para compreensão dos conceitos socialização primária e

secundária; Dubar (1997) – para discussão do processo de construção da identidade

profissional a partir dos dois processos identitários fundamentais: o biográfico e o

relacional; e, por fim, Marcelo Garcia (2009) – para compreensão das relações entre

desenvolvimento profissional e identidade docente.

Assim, ao estudar as identidades construídas durante a formação inicial, é

preciso considerar três dimensões fulcrais que interferem diretamente na construção

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identitária do futuro pedagogo. A primeira refere-se à dimensão legal que caracteriza o

contexto histórico em meio às políticas sobre formação de professores.

Sabe-se que a história do curso de Pedagogia desvela um percurso marcado por

indefinições e dissensos, observados tanto no âmbito legal, que implicou em diferentes

formas de organização curricular e temporal do curso, quanto devido aos intensos e

constantes debates sobre formação de professores, em especial, referente às atribuições

e campos de atuação do pedagogo. Desde a década de 1940, ou seja, do momento de sua

criação (1939), o curso de Pedagogia vem sendo objeto de estudo de muitas pesquisas e,

ao longo dessas décadas, algumas questões ainda se encontram em debate, tais como:

Qual o campo profissional do egresso do curso de Pedagogia? O curso de Pedagogia

terá como objetivo a formação de um profissional especialista ou generalista? Trata-se

de um curso de bacharelado, licenciatura ou os dois simultaneamente?

Deste modo, o percurso histórico do curso de Pedagogia e, em paralelo da

profissão docente, situando as políticas educacionais na interface com a conjuntura

socioeconômica vigente, constitui um aspecto que interfere, sobremaneira, na

construção identitária dos professores em formação por incidir nos modos como as

IES’s – Instituições de Ensino Superior - organizam seus cursos.

Com base no contexto histórico-legal, depreende-se a necessidade de

considerar a cultura da instituição formadora como outro elemento constitutivo da

identidade profissional durante o percurso da formação inicial. Trata-se aqui da segunda

dimensão, intitulada institucional.

Compõe a dimensão institucional, a cultura da instituição formadora que

envolve suas práticas didático-pedagógicas e avaliativas, a relação professor-aluno, a

gestão e o Projeto Pedagógico incluindo os seguintes elementos: matriz curricular,

corpo docente, planos de ensino (seleção e forma dos conteúdos a serem ensinados),

estágios, projetos de pesquisa e extensão e, por fim, o perfil do egresso esperado.

Assim, o tipo de cultura que permeia a instituição formadora, constitui mais um

aspecto interveniente na construção da identidade profissional do aluno em formação.

Logo, se a cultura institucional e a cultura do curso, forem marcadas por práticas pouco

reflexivas e críticas, mais orais do que escritas, é bem possível que prevaleça nos

alunos, futuros professores, as concepções advindas do senso comum, voltadas, em sua

maioria, a uma visão “romantizada, mítica e cuidadora” da docência.

E, por último, a dimensão pessoal, que engloba os processos de socialização,

advindos de experiências e vivências pessoais e profissionais anteriores ao ingresso no

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curso de formação (logo, acríticas), constituindo-se, deste modo, outro elemento

interveniente na construção da identidade profissional do pedagogo.

Mapeando pesquisas sobre formação docente: fonte bibliográfica

Neste levantamento bibliográfico apresenta-se um balanço da produção

acadêmica disponível no Banco de Dissertações e Teses da CAPES, no período de 2001

a 2010 – primeira década do século XXI. A definição deste período levou em

consideração a fase de discussão, promulgação e implantação da Resolução n. 01/2006.

As pesquisas identificadas no levantamento bibliográfico, até o ano de 2006,

tiveram como sujeitos os alunos do curso de Pedagogia formados para áreas específicas

de atuação em função das habilitações, o que alternava seu campo de ação, a saber:

Pedagogia – Habilitação em Educação Infantil, Pedagogia – Habilitação nos Anos

Iniciais, Curso Normal Superior e Licenciatura em Pedagogia.

Todavia, após o ano de 2006, com base no que estabelece a Resolução n.01 do

CNE, essa formação sofreu alterações, ressoando nas pesquisas realizadas nos anos

subsequentes à sua promulgação, como demostram os dados coletados no Banco de

Teses e Dissertações da CAPES. Diante deste cenário, o ano de 2006 se tornou um

marco para o levantamento bibliográfico desta pesquisa.

As Tabelas 01 e 02, a seguir, reúnem as informações sobre o número de Teses

e Dissertações encontradas e selecionadas, tendo como referência dois descritores:

Alunos do Curso de Pedagogia e Identidade Docente no Curso de Pedagogia.

Tabela 01: Teses e Dissertações obtidas com odescritor - Alunos do curso de Pedagogia

Ano Dissertações

encontradas

Dissertações

selecionadas

Teses

encont

radas

Teses

selecio

nadas

2001 06 02 01 00

2002 07 02 01 00

2003 05 02 01 00

2004 180 10 01 01

2005 13 03 02 00

2006 259 13 62 05

2007 06 01 03 00

2008 09 02 57 03

2009 16 04 04 00

2010 00 00 00 00

Tota

l = 48

501 39 132 09

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Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES (2001 a 2010) – organizada pela autora.

Tabela 02: Teses e Dissertações obtidas com o descritor – Identidade Docente no curso de

Pedagogia

Ano Dissertações

encontradas

Dissertações

selecionadas

Teses

encontr

adas

Teses

selecion

adas

2001 09 00 02 00

2002 09 03 01 00

2003 07 02 03 00

2004 07 03 04 00

2005 10 02 02 00

2006 10 01 08 00

2007 10 02 09 00

2008 10 00 10 00

2009 10 00 04 00

2010 23 05 07 01

Total

= 19

105 18 50 01

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES (2001 a 2010) – organizada pela autora

Com base nas Tabelas 01 e 02, observa-se que após o ano de 2006 houve um

aumento de pesquisas relativas ao curso de Pedagogia, tanto no nível de Mestrado

quanto de Doutorado, comparativamente aos anos anteriores. Constata-se também um

número significativo de estudos (como indicado na Tabela 01) voltado ao descritor -

Alunos do Curso de Pedagogia; já em relação às pesquisas arroladas à Identidade

Docente no Curso de Pedagogia (Tabela 02) há um percentual mais reduzido, o que

aviva a relevância de se desenvolver estudos sobre identidade profissional que

focalizem o aluno em formação.

É importante dizer que, muitas das pesquisas identificadas pelos descritores

utilizados não foram selecionadas por tratarem de temas díspares que não estabeleciam

relação direta com o foco deste estudo, dentre elas: - estudos sobre outros cursos de

Licenciatura (em especial: Educação Física, Matemática, Biologia e Letras); - ensino de

inglês em cursos superiores; - educação musical; - educação especial; - educação à

distância; - trajetória de professores bem sucedidos no ensino superior; - formação

didático-pedagógica do docente no ensino superior; - formação continuada; - papel do

professor supervisor; - formação do professor de espanhol; - processo de aligeiramento

da formação docente; - identidade docente e o MST; - estudos sobre alunos com mais de

60 anos em cursos de Licenciatura; - competências do pedagogo na gestão educacional;

- resgate da função e imagem do orientador educacional; - novas tecnologias; -

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síndrome de Burnout; e - imaginários docentes sobre o ensino da Língua Portuguesa nos

processos formativos e na prática pedagógica.

Em ambos os descritores, foram também registradas pesquisas com temas

distantes das discussões relativas ao âmbito escolar, dentre elas: cursos de bacharelado

(como: Psicologia, Enfermagem, Medicina, Administração e Fisioterapia); formação de

soldados; docência na policia militar; conceito de competência para ingresso; e fixação

do profissional no mercado de trabalho.

A partir da leitura dos resumos, tendo como referência o descritor – Alunos do

Curso de Pedagogia – foi possível identificar que boa parte não fez referência aos

aportes teóricos e, aqueles que o fizeram, destacam-se os seguintes autores: Stuart Hall,

Stephen Ball, Vygotsky, Edgar Morin, Laurence Bardin, Boaventura de Souza Santos,

Michel de Certeau, Antônio Flávio Moreira, Tomaz Tadeu da Silva, Michel Apple,

Henry Giroux, Ivor Goodson, Donaldo Schön, Selma Garrido Pimenta, Maurice Tardif,

José Carlos Libâneo, Marli André, Maria das Graças Mizukami, Paulo Freire, Miguel

Arroyo, Antônio Nóvoa e Henry Wallon. No tocante ao descritor - Identidade Docente

no Curso de Pedagogia – em sua maioria os resumos também não indicam o referencial

teórico utilizado para o desenvolvimento das pesquisas. Nos poucos resumos em que foi

identificada a referência bibliográfica, evidenciam-se os seguintes autores: Iria

Brzezinski, Leonor Tanuri, Antônio Nóvoa, Bernadete Gatti, Isabel Alarcão, Maria do

Céu Roldão, Tadeu Silva, Gimeno Sacristán, Maurice Tardif, Liston e Zeichner, Marli

André, José Pacheco, Bernard Charlot, Menga Lüdke, Carlos Marcelo Garcia, Francisco

Imbérnon.

No que tange aos procedimentos metodológicos adotados nas pesquisas e

mencionados nos resumos, observou-se o predomínio da abordagem qualitativa por

meio de instrumentos, como: entrevistas, questionários, análise de documentos e

depoimentos.

A Tabela 03 indica os temas destacados nas pesquisas relativas aos dois

descritores já mencionados, os quais foram organizados em blocos temáticos para

facilitar a construção e apresentação dos dados.

Tabela 03: Focos específicos e questões abordadas nas pesquisas sobre alunos do curso de

Pedagogia/ formação de professores (2001 a 2010)

Temas Abordados Freq

uência

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Estágio supervisionado, didática e prática de ensino

Aprendizagens da docência pelas próprias experiências

Relação teoria e prática/ formação e experiências profissionais

Representações dos alunos sobre a docência e a profissão docente

Carreira docente e primeiras experiências profissionais

Organização do trabalho pedagógico e avaliação de aprendizagem

Aspectos do currículo e saberes da docência

Dimensão estética de professores egressos

Dimensão afetiva na formação dos professores

Aspectos históricos do curso de Pedagogia no Brasil

Concepções e narrativas de aprendizagem

Expectativas das licenciadas em relação ao curso e motivos de

escolha

Feminização do magistério e discussão de gênero

Experiências educativas anteriores ao ingresso no curso de

Pedagogia

Relação professor-aluno a partir do conceito de

interdisciplinaridade

Identidade profissional (atribuída e construída/ individual e

coletiva)

Interfaces das políticas na organização dos cursos

Cultura escolar e cultura docente

Pedagogo reflexivo

Práticas de pesquisa

Formação do gestor

17

01

02

04

01

02

07

01

03

01

04

01

02

01

01

09

01

01

01

01

01

TOTAL:

62*

Fonte: Tabela elaborada a partir dos dados obtidos no levantamento no Banco de Teses e

Dissertações da CAPES: organizada pela autora. *Obs.: Este total não se refere ao número de Teses e

Dissertações selecionadas (51), mas sim ao número de vezes em que os Blocos / temas foram

identificados nos resumos.

Foi possível identificar que o maior número de pesquisas está voltado para

temas relativos ao “Estágio Supervisionado, Didática e Prática de Ensino”, disciplinas

que estão presentes amiúde na Matriz Curricular dos cursos de Pedagogia e das demais

licenciaturas. Os outros dois temas de destaque referem-se à “Identidade Profissional”

(abordada em diferentes enfoques) e aos “Aspectos do Currículo e Saberes da

Docência” – devidamente negritados na Tabela 03.

Em relação ao descritor – Identidade Docente no Curso de Pedagogia –

observa-se, com base no levantamento feito, que os sujeitos pesquisados alternam-se

entre: estudantes do curso de Pedagogia (formação inicial) e egressos (professores em

exercício no campo profissional). Dentre os focos de pesquisa que abordam a

construção da identidade profissional docente destacam-se: relação das dimensões

pessoais e profissionais; relação currículo e cultura; estágio supervisionado; saberes

da docência; relação entre os saberes da escola e da Universidade; formação inicial e

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continuada; “crise de identidade” decorrente das inúmeras atribuições delegadas ao

pedagogo após a promulgação das DCN’s e um trabalho que abordou a identidade do

gestor educacional.

Alicerçado nos dados apresentados pôde-se verificar, na primeira década do

século XXI, um número não expressivo de pesquisas voltado ao tema identidade

docente, sobretudo, sob o enfoque do licenciando. Condição esta que sinaliza a

necessidade de mais pesquisas acerca deste tema, as concepções dos alunos no que

tange sua trajetória formativa ao longo do curso de graduação.

Tendo em vista contribuir com as pesquisas sobre formação de professores, o

interesse investigativo deste trabalho situa-se na área dos estudos de ensino superior

área da formação inicial docente, constituindo-se sujeitos de pesquisa os alunos

concluintes do curso de Pedagogia, amparado pelos estudos sobre identidade

profissional docente em uma perspectiva sociológica.

Mapeando perfil de alunos concluintes do curso de Pedagogia: fonte empírica

Uma universidade privada de ensino superior de grande porte, localizada na

região metropolitana do município de São Paulo, com campi distribuídos em diferentes

regiões do município, constitui o locus desta pesquisa. A escolha dessa universidade

deve-se ao número expressivo de alunos que possui no curso de Pedagogia, bem como

ao lugar que ocupa no campo educacional em relação à quantidade de formandos a cada

semestre e que exercem a profissão docente inserindo-se em espaços públicos e

privados. Outro ponto que influenciou na escolha dessa universidade foi o acesso aos

alunos, documentos e rotinas institucionais, que favoreceu a obtenção de dados, assim

como sua análise.

O curso de Pedagogia, na referida universidade, contava no 1º semestre de

2013 com 76 turmas no total, contabilizando os campi em que o curso é oferecido e,

dentre elas, 20 turmas correspondem à modalidade à distância (nove turmas de primeiro

semestre, quatro de segundo, cinco de terceiro e duas de quarto semestre). Vale ressaltar

que os alunos matriculados no curso à distância não se configuram como sujeitos desta

pesquisa: primeiro, por questões de interesse da pesquisadora e, segundo, por ainda não

haver nenhuma turma concluinte até 2013.

Destaca-se que em cada turma há uma média de 50 alunos, dessa forma, tem-se

um universo de cerca de 3.800 alunos, para um total de, aproximadamente, 100

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professores. Assim, considerando o significativo número de alunos da instituição

pesquisada foi necessário trabalhar com uma amostragem de alunos e definir um único

campus como locus da pesquisa. Desse modo, a pesquisa organizou-se com base em

uma amostra de alunos concluintes do curso no primeiro semestre de 2013 da unidade

em que há maior fluxo de alunos em razão de sua localização geográfica.

Os dados foram coletados, inicialmente, por meio de questionário (contendo

questões relativas a aspectos mais objetivos, com vistas a traçar o perfil dos 90 alunos

respondentes, concluintes do curso de Pedagogia na instituição pesquisada) e, em

seguida, por meio de 10 entrevistas individuaissemiestruturadas (aprofundando questões

relativas aos processos identitários biográficos e relacionais e ao percurso de formação

na instituição). Para escolha dos 10 alunos a serem entrevistados, foi feita uma prévia

seleção, com vistas a obter um grupo heterogêneo considerando: diferenças de gênero;

faixa etária; tempo de conclusão do Ensino Médio e ingresso na universidade; atuação

na área profissional; ser egresso ou não do curso de Magistério e, sobretudo, a anuência

em serem sujeitos dessa pesquisa. Vale salientar que tanto o Roteiro para as entrevistas

quanto o Questionário foram previamente construídos (com base nos conceitos teóricos,

questões, objetivos e hipóteses norteadores da pesquisa) e testados (por meio de análise

do instrumento por pesquisador experiente na área e aplicação-teste com sujeitos não

representantes da amostra). A intenção era a de assegurar a adequação dos instrumentos

e permitir que, tanto a pesquisadora quanto os sujeitos investigados, se sentissem à

vontade no momento da coleta dos dados.

A coleta de dados com os alunos incluiu, ainda, instrumento de investigação de

pensamento que possibilitou não só acesso aos processos internos de pensamento dos

alunos, como pressupõe a valorização da subjetividade e ações dos sujeitos pesquisados,

segundo o que propõe Januário (1996). São exemplos desses instrumentos de apreensão

de estratégias ou linhas de pensamento: análise de protocolos, relatos escritos ou

verbalização oral sobre situações interativas mais frequentes ou mais incomuns vividas

pelos sujeitos em seu processo de formação e profissionalização.

Nesta pesquisa, o instrumento utilizado refere-se à análise das atribuições

indicadas pela Resolução n. 01/2006, organizadas em um Quadro-Síntese entregue aos

alunos, contendo cada uma das atribuições a serem desenvolvidas pelos egressos do

curso de Pedagogia no seu exercício profissional.

Considerando a subjetividade e amplitude de funções atribuídas ao pedagogo

pela Resolução n. 01, como já mencionado, estas apenas reforçam a diversidade de

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3386ISSN 2177-336X

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funções, saberes e locais de atuação propostos ao futuro pedagogo. Em meio a essa

diversidade, o instrumento de pesquisa utilizadovisa identificar, dentre as 24 (vinte e

quatro) atribuições, quais seriam aquelas em que os alunos concluintes do curso de

Pedagogia se sentiriam plenamente preparados, parcialmentepreparados ou não

preparados, visto que em pouco tempo estariam formados e, portanto, legalmente, aptos

ao exercício da profissão.

Por fim, resta acrescentar que a coleta de dados incluiu ainda a análise

documental, também orientada por roteiro norteador previamente construído e testado –

o primeiro deles se refere à Matriz Curricular do curso e o segundo diz respeito a

imagens fotográficas de produções coletivas e individuais discentes, que retratam

diferentes situações e momentos vivenciados no curso, expressando suas visões sobre a

profissão docente e também sobre o próprio curso de Pedagogia. Dentre os documentos

que se configuraram como fonte de pesquisa, destacam-se o PPC – Projeto Pedagógico

do Curso, onde constam a Matriz Curricular, as Resoluções Institucionais, os Planos de

Ensino, bem como os instrumentos e processos de avaliação. Juntamente com os

documentos institucionais, foram ainda analisados documentos legais como: a LDB n.

9.394/96 e as DCN’s instituídas pela Resolução n. 01/2006 do CNE.

Considerações finais

Com base nos dados empíricos, devidamente fundamentados pelos estudos

teórico-metodológicos, foi difícil, como um dos achados da pesquisa, estabelecer um

traço distintivo de mudança entre os alunos. Ademais, os estudantes concluintes,

sujeitos da pesquisa, ao expressarem suas concepções sobre o profissional professor os

formandos, no momento da entrevista, utilizaram termos variados, mas não divergentes.

Acrescenta-se a esse dado, os modelos formativos vigentes de professores, que

aligeirizam a aquisição dos saberes e fazeres próprios da docência tendendo a favorecer

a construção de traços de fragilidade no perfil identitário, expressos pelos discentes em

seus modos de ver e conceber a profissão durante sua trajetória no curso de Pedagogia.

Cabe destacar que, se tais traços forem identificados tanto nas práticas dos alunos

ingressantes quanto na dos concluintes, pode-se inferir que a formação não provocou

mudanças significativas nos alunos no tocante às concepções construídas sobre a

profissão e sobre a docência.

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3387ISSN 2177-336X

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Tendo como premissa as diversas identidades docentes possíveis de ser

construídas, cumpre identificar, no âmbito coletivo, uma especificidade do campo da

atividade docente que seja comum ao grupo profissional de professores, permitindo que

se reconheçam e sejam reconhecidos como tais, além de criar relações de identificação

ou diferenciação com os demais profissionais da mesma área ou de outras áreas. No

caso reconhecerem o professor como um profissional e a docência como profissão, que

tem como espinha dorsal o conhecimento.

Nesse sentido, se o futuro professor não se perceber e tampouco se reconhecer

como profissional intelectual, o qual pesquisa, reflete, estuda, isto é, se profissionaliza

para a docência, tenderá a construir uma identidade fragilizada sobre o que é ser

professor. Daí a relevância dos conhecimentos do campo da Didática, os quais servirão

tanto como elemento articulador do processo de construção da identidade profissional

quanto da efetivação de um espaço para se discutir formal e sistematicamente temas

relacionados à formação e prática docente.

Referências

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Petrópolis: Vozes, 2012.

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Nacional n. 9.394 de 20/12/96. Estabelece as Diretrizes as Diretrizes e Bases da

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2006. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em

Pedagogia, Licenciatura. Diário Oficial da União – Brasília: MEC, 2006.

DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais.

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JANUÁRIO, Carlos. Do pensamento do professor à sala de aula. Coimbra-Pt:

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RETRATOS SOCIOLÓGICOS: PERSPECTIVAS DA IDENTIDADE

DOCENTE

Lúcia Matias da Silva Oliveira

SEESP

Resumo

Esta pesquisa privilegiou a construção de retratos sociológicos que recuperam

processos de socialização, como metodologia para análise das interações que três

professoras da educação básica realizam e de que modo elas potencializam suas

disposições a partir do principio gerador do habitus, bem como promovem

reconfigurações identitárias para responder aos desafios do cotidiano na sala de aula e

na escola. As hipóteses norteadoras foram pautadas em pressupostos que admitem a

reconfiguração identitátia a partir das interações nos contextos de trabalho com ações e

atitudes oriundas de disposições dependentes do habitus. Para registrar suas trajetórias

individuais foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas e planejadas a partir da

elaboração de um roteiro constituído por seis categorias: família, escola, trabalho,

sociabilidade, lazer/cultura e corpo. Cada professora respondeu a 160 questões em 37

horas de entrevistas. A sustentação teórica se pauta na lógica de que a construção social

do sujeito se dá a partir dos princípios geradores do habitus, das disposições construídas

ao longo da trajetória de vida e trabalho, que respondem pelas identidades profissionais,

segundo Bourdieu, Lahire e Dubar. O levantamento bibliográfico aponta lacunas em

relação à uma sociologia na perspectiva do sujeito que decifre as estruturas dessa matriz

de percepções e permita analisar como ela interfere na constituição das disposições. Os

resultados apontam que as disposições construídas pelas professoras estão intimamente

imbricadas com as estruturas constituintes do habitus e que, embora possuam

especificidades ligadas à interpretação singular que cada uma delas expressa nas suas

ações cotidianas nos diferentes contextos de inserção profissional, elas decorrem desses

princípios geradores. Por outro lado, tais disposições acionadas num jogo de mostrar-

ocultar para responder às demandas cotidianas, mostram uma tendência a manter as

regularidades orientadas pelo habitus e não promovem uma reconfiguração identitária,

mas rupturas e mudanças pautadas em fracas e provisórias mobilizações.

Palavras-chave: Habitus, Disposições, Identidade

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Introdução

Esta pesquisa privilegiou a construção de retratos sociológicos que recuperam

processos de socialização, como metodologia para análise das interações que três

professoras da educação básica realizam e de que modo elas potencializam suas

disposições a partir do principio gerador do habitus, bem como promovem

reconfigurações identitárias para responder aos desafios do cotidiano na sala de aula e

na escola. As hipóteses norteadoras foram pautadas em pressupostos que admitem a

reconfiguração identitátia a partir das interações nos contextos de trabalho com ações e

atitudes oriundas de disposições dependentes do habitus.

Para registrar suas trajetórias individuais foram utilizadas entrevistas semi-

estruturadas e planejadas a partir da elaboração de um roteiro constituído por seis

categorias: família, escola, trabalho, sociabilidade, lazer/cultura e corpo. Cada

professora respondeu a 160 questões em 37 horas de entrevistas.

A sustentação teórica se pauta na lógica de que a construção social do sujeito se dá a

partir dos princípios geradores do habitus (BOURDIEU, 2003), das disposições

construídas ao longo da trajetória de vida e trabalho (LAHIRE, 2004), que respondem

pelas identidades profissionais (DUBAR, 2005).

O levantamento bibliográfico aponta lacunas em relação à uma sociologia na

perspectiva do sujeito que decifre as estruturas dessa matriz de percepções e permita

analisar como ela interfere na constituição das disposições. Os resultados apontam que

as disposições construídas pelas professoras estão intimamente imbricadas com as

estruturas constituintes do habitus e que, embora possuam especificidades ligadas à

interpretação singular que cada uma delas expressa nas suas ações cotidianas nos

diferentes contextos de inserção profissional, elas decorrem desses princípios geradores.

Por outro lado, tais disposições acionadas num jogo de mostrar-ocultar para responder

às demandas cotidianas, mostram uma tendência a manter as regularidades orientadas

pelo habitus e não promovem uma reconfiguração identitária, mas rupturas e mudanças

pautadas em fracas e provisórias mobilizações.

Os processos de socialização e a gênese das disposições

A cultura dos professores se expressa no que pensam, dizem e fazem e decorre

de um conjunto de condições e processos que envolvem um sistema simbólico de

valores, normas, crenças e representações que, por sua vez, traduz uma cultura

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profissional que já existe na escola e com a qual o professor interage cotidianamente no

exercício da profissão.

Nessa relação entre sujeito e cultura profissional ocorre um processo permeado

por escolhas, decisões, posturas, adequações, inquietações, rupturas, rejeições,

acomodações, angústias, fracassos e vitórias, decorrentes de um modo de ser que,

embora explicitado na interação, é individual.

Esse comportamento individual diante das demandas profissionais é um

exercício que o sujeito faz baseado no habitus construído em seus processos de

socialização e, desse conjunto de disposições oriundas de um universo simbólico e

concreto de vida e socialização, constrói representações que carregam resquícios dos

modos de ser, estar e ser, que preexiste à sua entrada no mundo.

Os processos de socialização são responsáveis por inserir o sujeito nessa

realidade social, isto é, por subsidiar sua entrada nesse mundo compartilhado (BERGER

& LUCKMANN, 2012), local em que encontra condições de forjar um sistema de

referências, muito embora cada contexto possua modos específicos de atuação, lógicas e

valores distintos (SETTON, 2009).

Essas disposições construídas pelo sujeito possuem relação direta com o mundo,

uma vez que o indivíduo não se produz isolado da sociedade, afinal ele representa uma

realidade social caracterizada por sua complexidade disposicional, que se manifesta na

diversidade dos domínios de práticas ou cenários nos quais insere suas ações (LAHIRE,

2004).

Tal patrimônio de disposições, traduzido em pensamentos, sentimentos e ações,

resultante de experiências socializadoras múltiplas, se converte em modos de agir,

perceber, enfrentar, resolver seus impasses, numa palavra, em sua identidade (DUBAR,

2005). Portanto, o indivíduo não é redutível a um aspecto, mas deve ser considerado no

conjunto das relações que o definem.

A construção social do indivíduo é um processo edificado a partir da

configuração de forças entre as agências de socialização (SETTON, 2009) que constrói

um habitus como fruto de estruturas sociais herdadas por um lado e, como escolha ou

cálculo racional, por outro (LUGLI, 2007). O habitus é, assim, definido como sistema

de disposições que exprime uma ação organizada e designa uma predisposição,

tendência ou propensão (BOURDIEU, 2003).

A gênese das disposições aparece como construções derivadas dos processos de

socialização. As estruturas sociais que perpassam as primeiras experiências dos sujeitos

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3392ISSN 2177-336X

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no contexto familiar aparecem nos depoimentos por meio das características da

educação recebida dos pais que expressam seus valores, condutas, marcas, condições

objetivas e as relações, não como produto de obediência a regras, mas determinadas

pela antecipação implícita de suas consequências.

Por meio dessa dinâmica o sujeito constrói (BOURDIEU, 2003 e LAHIRE,

2004) um conjunto de disposições duráveis e transponíveis com as quais transita pelas

instituições e enfrenta o mundo da socialização secundária. A leitura interpretativa

recupera os indicadores desse processo, o modo natural de conceber o mundo em face

das condições sociais de sua produção para pôr em destaque essa “localização social”

do pensamento de acordo com a maneira que é ordenada pela sociedade e com a

significação que lhe é atribuída (BERGER & LUCKMANN, 2012).

Nessa lógica de entendimento, é importante ressaltar alguns elementos

apreendidos na análise deste estudo e destacar elementos que favorecem a compreensão

de seus mecanismos.

Perspectivas Identitárias

As estruturas constituidoras do habitus das professoras analisadas são

promotoras de disposições que respondem não apenas ao mundo social e aos diferentes

contextos de inserção profissional, mas representam uma coerência com o universo de

socialização primária para afastar os infortúnios ou negociar posições compartilhadas.

Essas estruturas constituidoras do habitus parecem responder por princípios

geradores que permitiram a construção de disposições resultantes de um processo em

que as experiências dolorosas vividas na infância, por exemplo, se traduziram por uma

independência e um amadurecimento precoce que foi caminho e não destino.

A opção pela fuga das situações limite, a criação de estratégias de defesa diante

das experiências que viviam permitiram espaços para constituição de disposições que

proporcionaram o alcance do mérito para reverter experiências que significavam algum

tipo de sofrimento e quando a estratégia não resultava positiva, protelavam decisões e

consequências.

Essa dinâmica criou a possibilidade de um movimento de mostrar/ocultar

dependente do contexto, de modo a ativar ou manter em estado de vigília uma

disposição para a defesa ou para a distinção, com variações em função da influência

exercida; se pressionadas se defendem, se sentem segurança, constroem uma imagem de

si que garante sua estabilidade emocional.

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3393ISSN 2177-336X

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Mostram uma disposição para resignação em face daquilo que não podem

mudar ou julgam de difícil solução, parece funcionar como uma defesa diante de

impasses e situações conflituosas; essa aceitação se traduz como enfrentamento e

possibilidade de fazer o possível. Embora a escola e o trabalho sejam contextos

importantes em suas concepções, a família aparece como um território constituído,

conquistado e construído para suprir os conflitos do passado. Por isso, precisa ser

defendido continuamente.

No que se refere às instituições, a escola parece ter papel de destaque, pois, foi o

caminho possível para que construíssem as condições pessoais e profissionais para

defesa de seus territórios. Reconhecem em seus relatos a importância e o valor da

educação formal para que os filhos alcancem seus objetivos, embora tenham uma visão

crítica da forma escolar. Há, também, nesse caso, uma disposição para a consideração

da “cultura escolar”.

A escolarização é o contributo mais importante para atingir objetivos, e num

segundo momento, a carreira acena como a possibilidade de estabilizar um imaginário

construído em face das experiências vividas no ambiente familiar e que empreenderam

muitos esforços para superar.

Essas professoras, sujeitos da pesquisa, na condição de alunas demonstram a

construção de disposições que apontam o aceite do desafio e a busca da excelência,

estudavam, se esforçavam, exploravam novas perspectivas e buscavam provar que

também mereciam respeito e consideração. As marcas da preleção em detrimento dos

irmãos parecem ter funcionado como um desafio para que conquistassem seu espaço.

A dinâmica de mostrar disposição para enfrentar os desafios e ocultar medos e

inseguranças, sempre dependentes do contexto, levou a estabelecer fronteiras que

garantissem conquistar posições. A disposição para a defesa em busca da excelência em

suas localizações sociais foi permeada por uma regularidade de condutas oriunda do

habitus familiar, com variações em função, por exemplo, do apelo moral quando a

família necessita dos préstimos filiais.

Embora as trajetórias sejam marcadas pela independência nas conquistas

pessoais, quando solicitadas correspondem às expectativas familiares, afinal a

consideração faz parte desse universo conquistado.

O habitus como conjunto de disposições parece responder por princípios

geradores constituídos no processo de socialização primária, que garantem uma

coerência expressa nas respostas para negar ou reforçar as escolhas individuais, os

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modos de pensar, sentir e agir trazem as marcas desse habitus constituído na

socialização primária para reforçar ou negar posições.

Quando impõem ações diante das demandas, as professoras evidenciam posições

singulares como resposta ao mundo social, e esse processo possui singularidade e é

individual, no entanto, são respostas que têm relação direta com o mundo da

socialização primária; há momentos em que agem para negar essa experiência e outros,

em que agem para reforçar essa experiência socializadora.

De todo modo, suas ações respondem a essa socialização primeira, momento em

que se estabelecem os princípios geradores da ação. Parece ser essa a possibilidade de

compreensão da “teoria da prática” de que fala Bourdieu (2003), superando o que ele

próprio denomina de “amnésia da gênese”.

Entre os conflitos e contradições experimentados pelas professoras analisadas na

vida familiar e profissional, é evidente a busca por outras posições capazes de superar as

representações sentidas em face da interação nesses diferentes contextos.

Há tentativas de superação dadas pelo contexto e permeadas por um processo

conflituoso que ocorre por meio das tensões entre o pertencimento herdado e a seleção

ativa, contudo, o patrimônio de disposições construído por elas possui uma regularidade

que aponta para ações que se estruturam num habitus que emite respostas semelhantes

às dadas diante dos conflitos enfrentados na infância.

A relação estabelecida pelas professoras analisadas com as instituições em suas

trajetórias de socialização foi permeada por dinâmicas de submissão, orientadas em face

dos valores imprimidos pela família, portanto, processos com pouca ou nenhuma

autonomia, repressores e limitadores desse tipo de emancipação.

Essas estruturas representam as condições objetivas e a forma como interpretam

e expressam as subjetividades presentes na ação. A possibilidade e o limite que esses

processos imprimem são dependentes dessa maneira de interpretar o mundo e que, de

alguma maneira, é sempre um diferencial na qualidade dos resultados que apresenta. O

entendimento desses mecanismos interdependentes permite a decifração e a

compreensão da teoria da ação porque expressa como ela se processa nessa dinâmica de

interiorização e de exteriorização.

Entendida essa dinâmica processual, alguns elementos emergem da análise que

ajudam a pensar como é complexa essa rede de constituição de sentidos que torna os

sujeitos dependentes do habitus e das disposições que ele é capaz de produzir para

reconfigurar suas identidades docentes.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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A decifração de uma perspectiva possível desse processo implica duas

constatações que contribuem para entender a gênese das disposições e o que faz com

que os sujeitos respondam de maneira singular ao mundo social. Uma é a de que todos,

sem exceção são submetidos ao princípio gerador do habitus entendido como processo

de internalização de estruturas e, segundo que as disposições são decorrentes desse

habitus e interpretadas de maneira singular pelos sujeitos sociais.

A constituição desse habitus (BOURDIEU, 2003) explicitado por meio da

análise expressa a condição das professoras analisadas, a partir do processo de

socialização primária e da internalização das estruturas sociais possíveis para àquele

ambiente familiar. Ninguém escapa desse mecanismo de experiências em sua inserção

no contexto familiar e essa constatação torna os sujeitos dessa pesquisa iguais em face

de uma dinâmica de socialização que num primeiro momento, propicia condições

objetivas para agir no mundo social.

A gênese dessas disposições gira em torno dessa coerência interna que, embora

vivida e sentida de maneira singular pelos sujeitos investigados, é oferecida a todos

como princípios geradores da ação; como viver essas experiências, como reagir aos

conflitos, bem como os valores imbricados nessas ações representam um conjunto de

disposições específicos para cada um, não igual para todos, mas com a mesma força

para todos. O habitus é, assim, “um sistema único de referência, uma matriz geradora de

disposições, ainda que sejam disposições heterogêneas (SETTON, 2009, p. 303)”.

Essa coerência interna se torna também um princípio explicativo das práticas e

das representações, é uma mediação que particulariza cada sujeito como resultado de

uma história, “uma orquestração, de trocas e símbolos identitários, sem maestro,

classificados e organizados segundo contextos particulares (SETTON, 2009, p. 305)”.

A construção das disposições (LAHIRE, 2004) é, assim, o resultado da

possibilidade e do limite das professoras investigadas na interpretação do habitus,

assim, a gênese disposicional é decorrente dele e das condições subjetivas com que

respondem às demandas diversificadas, concorrentes e contraditórias do mundo social.

Esse processo é particular e específico e, por isso, diferente para cada sujeito social.

Com variações dependentes das interações nos diferentes contextos, as professoras

lançam mão de suas disposições como realidade reconstruída e interpretada para

responder ao mundo social.

Na constituição do habitus as professoras apresentam condições objetivas

semelhantes em alguns aspectos que poderiam tornar seu patrimônio de disposições

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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também semelhante, no entanto, elas reagem de maneira singular às demandas do

mundo social.

São filhas de pais migrantes em diferentes momentos e por diferentes razões, e

atravessam por isso, dificuldades financeiras, carências de afeto e pouco envolvimento

dos pais na vida escolar. Todas elas passam por sofrimentos emocionais, aprendem

desde cedo a buscar uma autodefesa para sobreviver ao mundo familiar e escolar e

experimentam decepções decorrentes do comportamento dos pais e dos irmãos.

Ainda assim, as respostas que emitem ao mundo social são muito diferentes para

cada uma delas e imbricadas com a coerência interna que produz princípios geradores

das disposições. A primeira partilha de um isolamento e de uma indiferença que aparece

nas suas respostas da vida adulta, a segunda experimenta um sofrimento emocional e

uma carência afetiva que serve como um dispositivo que emite o cuidado que deve

manter para a defesa de suas posições e a terceira que vive a experiência de ser preterida

em face do irmão, dos conflitos vividos pelos pais, além dos sacrifícios advindos da

dificuldade financeira, interpreta essas condições objetivas como incentivo a superação.

Em suas posições profissionais nos contextos de trabalho, a primeira leva com

indiferença e sacrifício um trabalho que faz de maneira mediana, a segunda defende sua

posição por meio de uma representação de si que lhe garante o respeito e a admiração

dos pares e a terceira, construiu dentro de seu espaço de atuação, uma excelência no

trabalho que lhe dá a segurança para manter-se na profissão.

É evidente que suas respostas são dependentes do modo como interpretaram

subjetivamente as condições objetivas de vida e trabalho, mas ainda assim, as

regularidades são comuns e as rupturas apresentam fracas e provisórias mobilizações.

Agora podemos nos perguntar? Até que ponto a formação responde por esse

retrato profissional das professoras pesquisadas?

Mas que formação é essa?

A profissão docente possui uma natureza complexa que envolve atividade

intelectual, técnica, moral e relacional, sobretudo após a implantação de uma escola de

massas, porém, as possibilidades de uma ação docente dessa ordem são muito limitadas

em face não só do caráter abstrato, impessoal e descontínuo da alocação de professores,

mas também das condições aligeiradas em que ocorre sua formação inicial

(LOUREIRO, 2001).

No âmbito das reformas, além das possibilidades anteriores é acrescido o Curso

Normal Superior voltado especificamente para formar professores para a educação

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3397ISSN 2177-336X

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infantil e anos iniciais do ensino fundamental no âmbito do ensino superior, agora

preconizado como nível “preferencial” para essa formação (GIOVANNI e MARIN,

2007).

A reestruturação da formação, aliada a essa questão pedagógica, que de inicio é

ausente, mas em momento posterior passa a ocupar posição central nas reformas, não

encontrou até hoje, um encaminhamento satisfatório. O que se revela permanente é a

precariedade das políticas formativas que não conseguem estabelecer um padrão

consistente de preparação docente face aos problemas enfrentados pela educação escolar

em nosso país (SAVIANI, 2009).

O estudo de Giovanni e Marin (2007) constata a continuidade expressa na

ausência de superação de problemas e dificuldades denunciados durante todo o século

XX, apesar da situação atual de disseminação da formação dos professores. De acordo

com as referidas autoras, tal afirmação é constatada em estudos com alunas de um curso

Normal Superior presencial que demonstram como é particularmente significativo

compreender que:

(...) A ação da escola, ao longo desses anos todos, não tem

permitido aos formandos superar totalmente o capital cultural

familiar, pois os diferentes momentos da trajetória escolar não

lhes permitiram adquirir disposições em relação aos

conhecimentos necessários para sua vida e para sua atuação

profissional. O domínio do capital pedagógico e de cultura geral

não lhes propicia sequer condições para continuidade de sua

formação (GIOVANNI e MARIN, 2007, p. 09).

As medidas políticas concretizadas acabam resultando na manutenção e

agravamento dos vários problemas, mantendo inalteradas as propostas de formação, o

que significa a ausência de um projeto educacional para o país, que supere as denúncias

feitas ao longo do século XX.

Considerações finais

A gênese constitutiva das ações aponta para um conjunto de experiências

socioculturais que permitem ao sujeito construir ideias e comportamentos para

responder às demandas surgidas nos diferentes contextos que se traduzem em

estratégias identitárias diferentes, dependentes do habitus do professor.

Os resultados apontam que as disposições construídas pelas professoras estão

intimamente imbricadas com as estruturas constituintes do habitus e que, embora

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3398ISSN 2177-336X

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possuam especificidades ligadas à interpretação singular que cada uma delas expressa

nas suas ações cotidianas nos diferentes contextos de inserção, elas decorrem da

coerência desses princípios geradores.

É claro que as frustrações e decepções decorrentes da falta de consideração, de

más condições de trabalho, da intensificação e proletarização da prática, geram a

necessidade de outras respostas, mas não se referem à formação como responsável pelos

enfrentamentos e suas disposições para responder às demandas possuem regularidades

com o habitus constituído; tal fato parece apontar para o fato de que o protagonismo

exercido pelas professoras analisadas é um exercício solitário que demanda alterações

no modo como se veem na escola para garantir posições e evitar conflitos.

Diante desse quadro, será possível afirmar que essas ações protagonizadas pelas

professoras representam indícios de uma reconfiguração identitária?

Para Dubar (2005) parece que não, pois, defende a denominação de “formas

identitárias” e afirma que a socialização é a construção de um mundo vivido pelo sujeito

em relação ao resultado das interações e das opções feitas frente às demandas

cotidianas. Em outras palavras, consiste em um processo que pode ser desconstruído e

reconstruído e, então, se torna, dentro de cada esfera de atividade, principalmente a

profissional, uma possibilidade para manter a regularidade ou promover a mudança.

Nessa dinâmica onde ocorrem tensões entre o pertencimento herdado e a

seleção ativa ou escolhida pelo sujeito, a socialização nunca é totalmente bem-sucedida

nem terminada, o que equivale a dizer que as disposições construídas podem não

responder ao que se espera alcançar, mas ainda assim, esse universo construído

anteriormente poderá influir diretamente, não apenas como processo de ruptura, mas

também na configuração de outras disposições, visto que as estruturas funcionam como

uma espécie de eixo em torno do qual toda a dinâmica ocorre.

As observações feitas por Dubar (2005) em consonância com os estudos que

empreendeu acerca das identidades profissionais permitem concluir que as identidades

docentes em interação nos contextos de trabalho, sofrem alterações ligadas às suas

“formas identitárias” dentro do contexto de ação considerado, mas com provisórias e

fracas mobilizações, em face das condições objetivas a que estão submetidas.

Tais considerações nos remetem ao desafio de pensar e repensar a formação, de

modo que seus princípios e pressupostos possam de fato, reordenar as cenas ainda tão

conflituosas e problemáticas da educação brasileira.

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3399ISSN 2177-336X

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A PRODUÇÃO DAS PESQUISAS SOBRE CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES

PROFISSIONAIS NO TRABALHO DOCENTE

LUCIANA MARIA GIOVANNI – PUCSP

Resumo

Este texto tem por objetivo identificar e discutir aspectos teóricos e

metodológicos presentes no debate atual e na produção da pesquisa sobre os processos

de socialização profissional e de construção de identidades profissionais no trabalho

docente. Pretende-se abordar tal discussão, considerando que as identidades

profissionais são sempre identificações em curso, em construção e nunca processos

prontos, acabados ou estáticos. Trata-se de pesquisa bibliográfica realizada, de um lado,

com base em estudos teóricos sobre o tema (com o auxílio de autores como C. Dubar, P.

Berger, T. Lukmann, M. Lawn, P. Bourdieu, M. Apple, A. Hargreaves, M. Tardif, J.

Gimeno Sacristán e A. I. Pérez Gómez) e, de outro lado, com base na análise de teses e

dissertações realizadas nos últimos 10 anos (2006 a 2015), ao abrigo de projeto de

pesquisa coletivo voltado para a mesma temática. O exame dos diferentes estudos

teóricos sobre identidade profissional docente permitiu pôr em destaque algumas idéias

recorrentes que dizem respeito: a) ao próprio conceito de identidade, b) às tensões

relativas à profissionalização da atividade docente e c) aos processos que definem a

produção das identidades profissionais. Os resultados das análises das teses e

dissertações selecionadas para esta pesquisa permitiram explicitar os principais

caminhos teórico-metodológicos na produção da pesquisa sobre essa temática; os

diferentes elementos revelados pelas pesquisas, associados aos processos de

socialização profissional e construção de identidades docentes; suas articulações com

variáveis organizacionais, profissionais e de contexto da profissão docente; bem como o

que representam para a produção da pesquisa e as novas possibilidades de investigação

que se abrem.

Introdução

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Este texto busca contribuir para a discussão dessa temática tão antiga e,

ao mesmo tempo, tão atual e complexa, que é a da construção de identidades

profissionais no trabalho docente. Para isso, a opção foi a de focalizar essa discussão,

pondo em destaque alguns aspectos teóricos e metodológicos presentes no debate atual

e na produção da pesquisa sobre o tema. Pretende-se abordar tal discussão exatamente

como ela aparece no título – no plural – considerando que as identidades são sempre

identificações em curso, em construção e nunca processos prontos, acabados ou

estáticos.

O texto constrói-se, ainda, em torno de resultados de pesquisas que temos

levado a efeito nos últimos anos (2006 a 2015), ao abrigo de Projeto de Pesquisa

coletivo voltado para a compreensão dos elementos que envolvem os processos de

formação, seja nos cursos de formação inicial e continuada, seja no próprio exercício da

profissão docente. Tais resultados são decorrentes, de um lado, de estudos realizados

nesse período em Seminários/Atividades de Pesquisa e em Disciplinas ministradas para

alunos de Mestrado e Doutorado e, de outro lado, de Teses e Dissertações orientadas

nesse mesmo período, voltadas para essa temática – reunindo elementos para a análise

da constituição identitária de profissionais docentes que atuam na escola básica ou no

ensino superior brasileiro, como formadores.

Autores como P. Berger e T. Luckmann (1985), P. Berger (1986), C.

Dubar (1997), P. Bourdieu (2001 e 2004) e M. Lawn (2001), com seus estudos sobre

processos de socialização, habitus, disposições sociais, construção de identidades

profissionais e construção social da realidade; A. Hargreaves (1999), M. Apple (2002) e

M. Tardif (2002), com estudos sobre cultura, identidade, desenvolvimento profissional e

saberes docentes; bem como J. Gimeno Sacristán (1999) e A. Pérez Gómez (2001) e

seus estudos sobre a centralidade da cultura docente na escola e a institucionalização

das práticas na profissão docente – constituem os apoios teóricos orientadores das

reflexões aqui expostas.

Tais reflexões estão divididas em três partes: a primeira retoma algumas

idéias recorrentes nos estudos atuais sobre identidades docentes; na segunda,

explicitam-se os principais caminhos teórico-metodológicos na produção de pesquisas

sobre essa temática; finalmente, na terceira parte são apresentados os principais fatores

intervenientes na construção das identidades docentes, o que representam para a

produção da pesquisa e as novas possibilidades de investigação que se abrem.

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O debate atual dobre o tema

O exame de diferentes estudos sobre identidade profissional docente

permite pôr em destaque algumas idéias recorrentes que dizem respeito: a) ao próprio

conceito de identidade, b) às tensões relativas à profissionalização da atividade docente

e c) aos processos que definem a produção das identidades profissionais.

O conceito de identidade, tal como outros conceitos, tem suscitado

problemas de terminologia e definição, conforme sua abordagem. Por exemplo, na

perspectiva da Psicologia Social identidade está relacionada ao pertencimento a

determinados grupos sociais, aos significados, orientações, ordenações que definem o

lugar do indivíduo no/s grupo/s, na sociedade. Já nas perspectivas da Sociologia e

Antropologia são os processos identitários de caráter relacional e cultural que vão

forjando, de um lado, os esquemas de referência ou identidades de pertença a

determinados grupos e, de outro lado, os processos de autonomização ou de fronteiras,

de aproximação ou de distanciamento, maior ou menor, em relação aos demais atores

sociais ou grupos.

Especificamente no que tange à profissão docente, essa discussão tem se

situado na tensão entre a desprofissionalização docente (degradação das condições de

trabalho dos professores hoje e precarização de suas condições de formação, inicial e

continuada), de um lado, e sua profissionalização (crescente autonomia das escolas,

diversificação profissional e ampliação da qualificação dos agentes), de outro.

Nesse debate, dois processos se definem na produção das identidades

profissionais: o processo biográfico – relacionado à articulação entre a individualidade

de cada profissional e a relação com os demais, bem como à influência dos contextos

em que se inserem; e – o processo relacional – vinculado à “negociação identitária”

entre a “identidade para si” ou assumida pelo sujeito e a “identidade para o outro”, isto

é, atribuída ao indivíduo pelos outros.

Trata-se, portanto, de uma trajetória, um percurso. Ou seja, o que os

estudos têm revelado é que, considerar a construção de identidades profissionais como

uma trajetória, um percurso, significa trabalhar com perspectivas teóricas que recusem a

diferenciação ou polarização entre identidade individual e identidade coletiva, e façam

da articulação entre os dois processos (biográfico e relacional) a chave para

compreender a construção das identidades profissionais.

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Tal perspectiva teórica tem conseqüências para a metodologia das

pesquisas sobre identidades profissionais docente.

Metodologia das pesquisas sobre processos de socialização e construção de

identidades profissionais docentes

Que tipos de pesquisas são encontrados para investigação dessa temática?

Levantamentos bibliográficos já realizados encontrados em pesquisas

realizadas ao abrigo de projeto coletivo de pesquisa voltado para a análise dos processos

de socialização profissional docente e de construção de identidades ao longo da

formação inicial e do exercício da profissão (LOPES, 2001; LOUREIRO, 2002;

DOTTA, 2010; FURLAN, 2010; CUNHA, 2011; SLAVEZ, 2011; OLIVEIRA, 2013;

OLIVEIRA, 2014 e DELGADO, 2015) mostram que o que se tem são estudos

empíricos que incluem, na perspectiva dos processos biográficos, as histórias de vida, o

recurso à memória profissional e educativa de professores e outros profissionais ligados

ao ensino e, na perspectiva dos processos relacionais, os estudos da cultura e dos

contextos em que se movimentam os profissionais.

Em ambos os casos, o que se põe em destaque para compreender a

construção das identidades profissionais? Que elementos tais metodologias têm

permitido identificar, recorrentemente, na construção dessas identidades?

As informações apresentadas a seguir, reúnem os principais elementos

explicitados nas pesquisas, associados aos processos de socialização profissional e

construção de identidades docentes. Alguns desses elementos são citados com maior ou

menor ênfase, uns estão mais presentes nos relatos de pesquisa e são mais citados que

outros, revelando ainda, certo desequilíbrio nas investigações.

O exame desses elementos, no entanto, revela que o que se tem,

visivelmente desenhadas nos estudos, são articulações entre variáveis organizacionais,

profissionais e de contexto.

O Quadro 1, a seguir, sintetiza o conjunto dessas variáveis e suas

articulações descritas nas pesquisas analisadas.

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3405ISSN 2177-336X

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Quadro 1: Variáveis intervenientes nos processos de socialização profissional e

construção de identidades profissionais docente

IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

interações com pares na escola atividades individuais e coletivas articula-

na escola relações de ção de relações com alunos/ conteúdos/ trabalho variáveis:

materiais/ e formas de trabalharem sala de aula - organi-

interiorização progressiva de zacio-normas/valores/regras/gestos/ formação e naiscomportamentos da profissão regulamentação

percepção de diferenças / profissional - profis-distâncias e aproximações com sionaisoutros reconhecimento

relações pertença/reconhecimento: identitário e - e desistema ensino/sindicatos/comuni- legitimação de contextodade local/sociedade em geral saberes

interações com pares na escola atividades individuais e coletivas articula-

na escola relações de ção de relações com alunos/ conteúdos/ trabalho variáveis:

materiais/ e formas de trabalharem sala de aula - organi-

interiorização progressiva de zacio-normas/valores/regras/gestos/ formação e naiscomportamentos da profissão regulamentação

percepção de diferenças / profissional - profis-distâncias e aproximações com sionaisoutros reconhecimento

relações pertença/reconhecimento: identitário e - e desistema ensino/sindicatos/comuni- legitimação de contextodade local/sociedade em geral saberes

Fonte: Elaborado pela autora.

Tais variáveis representam cenários possíveis, tendências na construção

de representações, referências, disposições e comportamentos dos profissionais em

relação a seu próprio trabalho e ao seu lugar dentro dele. Vejamos.

Dentre as variáveis citadas nas pesquisas relacionadas à construção de

identidades profissionais docentes, algumas dizem respeito aos espaços das relações de

trabalho. São elas: as interações com os pares nas escolas; as atividades individuais e

coletivas na organização escolar; as relações com alunos, conteúdos e formas de

organização do trabalho em sala de aula; a interiorização progressiva de normas, regras,

valores, comportamentos, expectativas e gestos da profissão.

Outras relacionam-se com os espaços de formação profissional e de

regulação da profissão. São os conhecimentos e práticas adquiridos na formação

inicial e continuada, no exercício da profissão (como a interiorização progressiva de

normas, regras, valores, comportamentos, expectativas e gestos da profissão, já citada) e

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também a percepção de diferenças, o estabelecimento de fronteiras, distancias e

aproximações com outros profissionais.

Esta última variável e as relações sociais de pertencimento e

reconhecimento no interior do sistema de ensino; nos sindicatos e associações; na

comunidade local; e na sociedade em geral – compõem os espaços de reconhecimento

identitário e de legitimação de saberes.

A produção de pesquisas sobre identidades docentes

A revisão de estudos aqui realizada permitiu ainda identificar que os

estudos já realizados sobre identidades profissionais de professores podem ser

organizados em dois grandes grupos de pesquisas: de um lado, aqueles que se dedicam a

inventariar as diferentes facetas das identidades docentes, confirmando sua diversidade

e caráter sempre aberto a transformações e, de outro, os estudos que se concentram em

analisar e compreender tal diversidade e seus contextos.

No primeiro grupo os resultados das pesquisas tendem a explicitar os

conteúdos da profissão: atitudes, valores, crenças, práticas, concepções, interesses de

um grupo de professores ou de toda uma comunidade docente – algumas vezes ligados

às questões de gênero, raça e classe social. No segundo grupo as pesquisas realizam o

esforço de clarificar a forma como tais identidades processam ou “fabricam” a

profissão docente, identificando: padrões relacionais, modos de associação entre pares,

contradições, relações de controle e poder, processos de resistência.

Em síntese, o que se constata, ao examinar o conjunto de pesquisas já

produzidas sobre identidade de professores são as múltiplas possibilidades de

investigação dessas identidades e a complexidade de fatores que interferem nesse

processo. Dessa forma destacam-se como características desse esforço de investigação:

Aspectos fundantes dessa identidade e cultura profissional docente:

classe social, gênero e raça;

Diversidade: de contextos de formação, de condições de atuação, de

culturas e discursos envolvidos na construção das identidades, de fatores

que interferem no processo identitário do professor em relação ao seu

trabalho;

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O fato de que pesquisas são sempre parciais e restritas a alguns desses

aspectos, o que põe em pauta a impossibilidade de pesquisar a totalidade

desses aspectos, a heterogeneidade dessa categoria profissional e a

instabilidade e mudança das identidades.

Assim, novos caminhos metodológicos delineiam-se para identificar e

compreender as diferenças, as descontinuidades, as divisões no processo de construção

de identidades profissionais de professores. De um lado, os estudos investem sobre as

narrativas dos professores sobre si mesmos e seus contextos de formação e de

trabalho. Narrativas concebidas como práticas discursivas forjadas na relação com

outros discursos sobre a profissão (o discurso oficial ou da legislação, o da cultura

escolar, o da comunidade, o da imprensa/mídia). Não para tomá-las como verdade, mas

para uma aproximação maior a esse universo em que se encontram mergulhados os

professores e para compreensão do como se vêem dentro desse universo.

De outro lado, o esforço dos pesquisadores recai sobre pesquisas em

parceria com professores nas escolas, ou seja, pesquisas que aproximam o

pesquisador desse universo multifacetado em que se manifestam as diferentes

identidades profissionais docentes.

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