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Pires Herculano - Pedagogia Espirita PT.pdf

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  • J. HERCULANO PIRES

    PEDAGOGIA ESPRITA

    1 Edio

    EDITORA CULTURAL ESPRITA LTDA.

    01316 Rua Genebra, 122 Fone: 36-2273 So Paulo, SP Brasil

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  • CIP-Brasil. Catalogao-na-Publicao Cmara Brasileira do Livro, SP

    Pires, Jos Herculano, 1914-1979. P745p Pedagogia esprita J J. Herculano Pires So Paulo : EDICEL, 1985 l.' Ed.

    1. Educao Filosofia 2. Espiritismo I. Ttulo 85-0502 CDD-370.12

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Educao esprita 370.12 2. Pedagogia esprita 370.12

    1.a edio: maio de 1985 3.000 exemplares Produo grfica e reviso: Equipe EDICEL Capa: Beato Ten Prenafeta

    Direitos desta edio reservados pela:

    EDITORA CULTURAL ESPRITA LTDA. EDICEL

    013.16 Rua Genebra,. 122 Fone: 36-2273

    (Quase esquina com a rua Maria Paula)

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  • NDICE INTRODUO................................................................................................................ 6 O MISTRIO DO SER .................................................................................................... 7 PELA EDUCAO INTEGRAL.................................................................................... 9 E A QUEM MELHOR DESPERTAR, SENO S CRIANAS?............................... 12

    Condies da criana .................................................................................................. 13 Educao familial ....................................................................................................... 14 Educao no lar .......................................................................................................... 15 Educao e regenerao.............................................................................................. 16

    AS DIMENSES DA EDUCAO ............................................................................. 19 As dimenses do homem............................................................................................ 20 Educao e Filosofia................................................................................................... 22 Um mtodo integral .................................................................................................... 23 Educao e religio..................................................................................................... 25 Situao atual.............................................................................................................. 26 Religio nas escolas.................................................................................................... 27

    NASCIMENTO DA EDUCAO CRIST................................................................. 30 A pedagogia crist ...................................................................................................... 31

    NASCIMENTO DA EDUCAO ESPRITA ............................................................. 33 A outra face do real .................................................................................................... 33 A descoberta do esprito ............................................................................................. 34 O ensino esprita ......................................................................................................... 36 Testemunho de Kardec ............................................................................................... 37 Formao do novo homem ......................................................................................... 38

    A PEDAGOGIA DE JESUS .......................................................................................... 39 Fundamentos pedaggicos.......................................................................................... 40 A pedagogia da esperana .......................................................................................... 41 A revoluo pedaggica ............................................................................................. 42

    A DIDTICA DE KARDEC ......................................................................................... 44 A didtica naturalista .................................................................................................. 44 Observao e ensino ................................................................................................... 46

    O LIVRO DOS ESPRITOS E A EDUCAO............................................................ 48 Os novos dados........................................................................................................... 49 O novo homem ........................................................................................................... 50

    O ESPIRITISMO NA ESCOLA .................................................................................... 52 Questo religiosa ........................................................................................................ 52 A cincia esprita ........................................................................................................ 54 Soluo filosfica ....................................................................................................... 55

    A PEDAGOGIA ESPRITA .......................................................................................... 57 Falem os dicionrios................................................................................................... 57 A educao esprita..................................................................................................... 59 A pedagogia esprita ................................................................................................... 61

    EDUCAO PARA UM MUNDO NOVO .................................................................. 64 Sinais do mundo novo ................................................................................................ 64 Unio para a grande luta............................................................................................. 66

    CONCEITO ESPRITA DE EDUCAO.................................................................... 67 Esquema da pedagogia esprita .................................................................................. 71 Pedagogia esprita (esboo geral) ............................................................................... 73 Conceito esprita do Educando................................................................................... 75

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  • O educando excepcional............................................................................................. 81 PARA UMA PEDAGOGIA ESPRITA ........................................................................ 88

    Necessidade e razes .................................................................................................. 88 Natureza e sentido ...................................................................................................... 89 Implicaes pedaggicas ............................................................................................ 90 O problema educacional ............................................................................................. 90 Contribuies gerais ................................................................................................... 91

    ESCOLAS DE ESPIRITISMO ...................................................................................... 92 As escolas de espiritismo............................................................................................ 93 Estrutura das escolas de espiritismo ........................................................................... 94 As cadeiras escolares .................................................................................................. 95 A realidade e a utopia ................................................................................................. 96 Por um mecenato esprita ........................................................................................... 97 Os programas.............................................................................................................. 98 Programa de um curso de quatro anos........................................................................ 98 Provas e ttulos ......................................................................................................... 101

    PORQUE OS ADULTOS SE ESQUECEM DE QUE J FORAM CRIANAS....... 102 Educao afetiva....................................................................................................... 102 Educar e amar ........................................................................................................... 102 O perigo do exemplo ................................................................................................ 103 Responsabilidade espiritual ...................................................................................... 103 A educao crist...................................................................................................... 104

    PSICOLOGIA ESPRITA DA EDUCAO.............................................................. 105 Mariotti, o provocador.............................................................................................. 105 Psicologia infantil ..................................................................................................... 106 Tarefas imediatas...................................................................................................... 107

    CONTRACAPA ........................................................................................................... 109

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  • INTRODUO Neste livro procuramos reunir tudo aquilo que julgamos, em nossa modesta

    opinio, que de mais importante apresentou o saudoso Prof. J. HERCULANO PIRES quanto Educao Esprita, tema por ele tido como dos mais apaixonastes e preocupantes, no momento presente, segundo suas prprias palavras (ainda to atuais), em que pesem os anos passados: "O problema da Educao Esprita impe-se, portanto, como o mais urgente do momento esprita que estamos vivendo".

    Renem se aqui, vrios trabalhos seus, publicados na revista Educao Esprita, por ns fundada em Dezembro de 1970, sendo a primeira no gnero editada no Brasil; e, que teve a orientao e direo do Prof. Herculano Pires.

    Alguns desses escritos foram assinados com o seu prprio nome, outros sob pseudnimo, porm, todos refletem o mesmo estilo e preocupao do educador, dedicado doutrina e atento pedagogia a ela filiada, buscando dimensionar to srio problema, enquanto conduz aqueles que se interessem ao caminho exato e correto da melhor formao espiritual.

    O desenvolvimento da cultura esprita abre novas perspectivas educacionais, por isso a elaborao da Pedagogia Esprita uma necessidade premente para a orientao do processo pedaggico nas escolas espritas, que se constituem em uma realidade social e cultural concreta. As escolas espritas sentem essa necessidade e de toda urgncia a efetivao de estudos, pesquisas, experincias e, sobretudo, de cursos intensivos de Pedagogia no meio esprita para que possam surgir os verdadeiros pedagogos espritas, devidamente aparelhados com os instrumentos da cultura atual e com as sugestes doutrinrias, que devero transformar em novos apartos no campo do ensino e da educao em geral, esprita, em particular.

    Para atender a esse reclamo, surgirem a revista Educao Esprita e o Grupo Esprita de Estudos Pedaggicos sob a direo do Prof. J. Herculano Pires, origem desta obra que ora entregamos a todos quantos se interessem pela formao de nossa juventude, especialmente, da infncia e adolescncia esprita como contribuio social para um mundo melhor.

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  • O MISTRIO DO SER A educao depende do conhecimento menor ou maior que o educador

    possua de si mesmo. Porque conhecer-se a si mesmo o primeiro passo do conhecimento do ser humano. A Humanidade uma s. O ser humano, em todas as pocas e em toda parte, foi sempre o mesmo.Sua constituio fsica, sua estrutura psicolgica, sua conscincia so iguais em todos os seres humanos. Essa igualdade fundamental e essencial o que caracteriza o homem. As diferenas temperamentais, culturais, de tipologia psicolgica, de raa ou nacionalidade, de cor ou tamanho so apenas acidentais. Por isso mesmo a Educao universal e seus objetivos so os mesmos em todas as pocas e em todas as latitudes da Terra.

    Essa padronizao, que devia simplificar a educao, na verdade a complica, porque por baixo do aspecto padronizador surgem as diferenciaes individuais e grupais. Cada indivduo nico, diferente de todos os demais, mesmo nos grupos afins. O tipo psicolgico de cada ser humano nico e irredutvel massa. O mistrio do ser, que aturde os educadores, chama-se personalidade. Cada ser humano uma pessoa. E o desde o nascimento, pois j nasce formada com sua complicada estrutura que vai apenas desenvolver-se no crescimento e na relao social. difcil para o educador dominar todas essas variaes e orient-las.

    Educar, como se v, decifrar o enigma do ser em geral e de cada ser em particular, de cada educando. Ren Hubert, pedagogo francs contemporneo, define a Educao como um ato de amor, pelo qual uma conscincia formada procura elevar ao seu nvel uma conscincia em formao. A Educao se apresenta, assim, como Cincia, Filosofia, Arte e Religio. Cincia quando investiga as leis da complexa estrutura humana. E Filosofia quando, de posse dessas leis, procura interpretar o homem. E Arte quando o educador se debrua sobre o educando para tentar orient-lo no desenvolvimento de seus poderes internos vitais e espirituais. E Religio porque busca a salvao do ser humano no torvelinho de todas as ameaas, tentaes e perigos do mundo. O verdadeiro educador o que pratica a Religio verdadeira do amor ao prximo, naquilo que podemos chamar o Culto do Ser no templo do seu prprio ser.

    No se trata de uma imagem mstica da Educao, mas de uma tentativa de v-la, compreend-la e aplic-la em todas as suas dimenses. O ato de educar essencialmente religioso. No apenas um ato de amor individual, do mestre para o discpulo, mas tambm um ato de integrao e salvao. A Educao no procura integrar o ser em desenvolvimento numa dada situao social ou cultural, mas na condio humana, salvando-o dos condicionamen-tos animais da espcie, elevando-o ao plano superior do esprito.

    fcil compreendermos como est longe de tudo isso o profissionalismo educacional do nosso tempo. Tinham razo os filsofos gregos quando condenaram o profissionalismo dos sofistas. No se tratava apenas de uma diferenciao de classes sociais, mas da luta contra o abastardamento da Educao pelos que negavam a existncia da verdade a troco de interesses imediatistas.

    Como ajustar os fins superiores da Educao s exigncias de uma civilizao baseada no lucro? A falta de uma soluo para esse ajustamento a origem da crise universal da Educao em nosso tempo. No obstante, a soluo poderia ser encontrada na aplicao de processos vocacionais. Nenhum tipo de educao coletiva pode ser eficiente se no estiver em condies de observar e orientar as tendncias vocacionais.

    O desenvolvimento da Era Csmica, apenas iniciada com ,as conquistas atuais da Astronutica, traz novos e graves problemas ao campo educacional. Toda a Terra est sendo afetada pela nova concepo do homem e da sua posio no Cosmos. O aceleramento do processo tecnolgico est levando o homem a conhecer melhor a sua prpria condio humana. O ceticismo dos ltimos tempos vai cedendo lugar a um despertar de novas e grandiosas esperanas. A Educao da Era Csmica comea a nascer e os educadores

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  • comeam a perceber que precisa renovar os processos educacionais.

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  • PELA EDUCAO INTEGRAL A Educao Esprita no surge como uma elaborao artificial em nosso

    tempo, como mais uma novidade educacional desta fase de transio. Sua importncia est precisamente na sua legitimidade cultural e histrica. O Espiritismo firmou-se como doutrina como uma concepo do mundo e do homem devidamente estruturada em princpios filosficos em meados do sculo XIX. Sua elaborao foi precedida de uma fase de ecloso mundial de fenmenos paranormais que teve o seu clmax nos Estados Unidos, em 1848, com o caso das irms Fox. S nove anos mais tarde, em 1857, a doutrina se definia na Frana, com o trabalho gigantesco de pesquisas psquicas e elaborao doutrinria do Prof. Denizard Rivail, que passaria a ser conhecido como Allan Kardec.

    O estudo desse problema histrico revela, em primeiro lugar, que o Espiritismo surgiu naturalmente. No foi inventado por ningum. O prprio Kardec relutou em aceit-lo, quando ele j se fazia uma realidade social. Isso demonstra que o Espiritismo surgiu como exigncia de uma poca. Sua propagao se realizou revelia e contra os poderes dominantes no mundo. At hoje, apesar de todo o seu desenvolvimento cultural pois a cultura esprita a est para os que tm olhos: de ver ele continua em posio marginal, o que mostra por sua propagao incessante, que continua a responder s exigncias histricas.

    J era tempo de os centros culturais compreenderem essa realidade. Infelizmente a atitude cultural para com o Espiritismo continua, em sentido geral, a mesma do sculo passado: preconceituosa e ignorante. Ao lado do preconceito avulta a mais completa ignorncia do contedo da doutrina e do seu significado. Mas, apesar disso, multiplica-se o nmero dos espritas por todo o mundo, a bibliografia esprita hoje um vasto acervo cultural, a imprensa esprita constitui considervel rede de jornais, revistas, boletins, anurios, programas radiofnicos e de televiso e at mesmo estaes de rdio.

    Essa cultura esprita no se desenvolveu sob o patrocnio de nenhuma autoridade, de nenhum Estado, de nenhuma organizao especial. Seu enorme desenvolvimento processou-se de maneira anrquica, por fora exclusiva das opes pessoais e apesar de todas as formas de represso. desencadeadas na famlia, na sociedade, nas escolas, nas igrejas, na imprensa e por toda parte. Toda forma de cultura exige meios de transmisso. O meio bsico de transmisso cultural a educao. Era inevitvel, portanto, o apa-recimento da Educao Esprita, que maneira da Educao Crist foi se delineando aos poucos: primeiro no lar, depois nas instituies em forma de catecismo e por fim na criao das primeiras escolas. Como o Brasil foi o pas em que o Espiritismo encontrou condies psicosociais, etnolgicas e culturais mais favorveis, foi aqui que ele se projetou mais cedo e de maneira mais evidente no campo educacional, e isso apesar de ter sido aqui, tambm, que; mais insistente e aguado se fez a luta contra ele.

    A realidade brasileira hoje marcada pela realidade esprita. E nesta se destaca a realidade educacional esprita pela presena de uma rede escolar que abrange os trs graus fundamentais do ensino. Desde o pr-primrio at o ps-graduao dos cursos superiores a presena esprita uma realidade institucional e atuante. Em So Paulo j se realizaram trs congressos educacionais espritas. No Rio e em Curitiba, importantes simpsios educacionais foram realizados em 1968 e 1969. O interesse pelos problemas

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  • da Educao Esprita culminou com as deliberaes do Simpsio de Curitiba e do III Congresso de So Paulo (1970), no tocante elaborao da Pedagogia Esprita.

    Antes, porm, que esses certames educacionais houvessem chegado compreenso do problema, as exigncias pedaggicas da Educao Esprita j se faziam sentir de maneira aguda. No Instituto Educacional Lins de Vas-concellos , de Curitiba, O Prof. Ney Lobo criava pioneiramente um centro de estudos pedaggicos, elaborava novas tcnicas educativas e formulava mtodos que foram aprovados pela Secretaria de Educao do Estado, ao mesmo tempo que publicava pelo jornal Mundo Esprita seus primeiros trabalhos de Filosofia Esprita da Educao. No Instituto Esprita de Educao, em So Paulo, eram realizadas experincias de renovao educacional, institudo um sistema experimental de ensino integrado e divulgados pelo jornal O Universitrio Esprita (1955) os primeiros trabalhos de Pedagogia Esprita de nossa autoria. Em Franca o Educandrio Pestalozzi, que comemorou neste ano o seu 25. aniversrio de instalao, reclamava a nossa presena e l realizando o primeiro curso de Introduo a Uma Pedagogia Esprita (1970), para os professores da instituio e outros interessados.

    Como se v, a Educao Esprita aparece no mundo seguindo as mesmas leis que presidiram ao aparecimento e desenvolvimento de todos os sistemas educacionais: Primeiro se formaram os ncleos sociais integrados por uma nova mundividncia, depois se manifestaram as exigncias de transmisso cultural. Estas exigncias, pela sua prpria especificidade, exigem por sua vez a teorizao educacional que leva elaborao da Pedagogia Esprita. E de todo esse vasto processo histrico surge a necessidade evidente da publicao de uma revista especializada, que procuramos atender com o lanamento da Revista Educao Esprita.

    Seria natural perguntar por que motivo esse rgo no lanado por uma instituio educacional esprita. A resposta simples. Porque a publicao de uma revista desta natureza e sua manuteno requerem condies tcnicas e meios de distribuio que so mais facilmente encontradas numa editora. Como a EDICEL - Editora Cultural Esprita Ltda.: , se disps, a enfrentar a tarefa com absoluto desinteresse a ponto de manter escrita parte dos rendimentos e despesas da revista, para que ela viva e se desenvolva por si mesma, sem qualquer lucro para a editora coube a ela a glria de mais esse pioneirismo: lanar a primeira revista de educao esprita do Brasil.

    Todos os esforos foram feitos para que o primeiro nmero pudesse aparecer ainda no ano de 1972, por ter sido esse o Ano Internacional da Educao, decretado pela UNESCO, e tambm o Ano Nacional da Educao decretado pelo governo do Brasil. Embora a contribuio esprita j tivesse sido dada de maneira substancial pela realizao de dois simpsios e de um Congresso, quisemos que ela se efetivasse no lanamento da Educao Esprita, que ser um instrumento permanente de ligao entre os ncleos educacionais espritas, um instrumento de trabalho para a elaborao das coordenadas da Pedagogia Esprita e uma livre tribuna para o debate de, toda a problemtica educacional..

    Resta-nos afirmar que a Educao Esprita objetiva sobretudo uma forma de Educao Integral e Contnua, abrangendo ao mesmo tempo todo o complexo da personalidade do educando e todas as faixas etrias em que ela se projeta. Sendo o Espiritismo uma doutrina que abrange, em seus trs aspectos fundamentais a Cincia, a Filosofia e a Religio todas as facetas do Homem, visando necessariamente unificao do Conhecimento, evidente que a Educao Esprita s pode ser integral e contnua, indo de um extremo a outro da existncia humana. Ligada historicamente linha

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  • rousseauniana da Educao Moderna, atravs de Pestalozzi, de quem Kardec foi discpulo e continuador, a Educao Esprita se entrosa naturalmente nas aspiraes e nos objetivos da Pedagogia contempornea.

    No assinalamos ainda, nos debates verificados em simpsios e congressos, no desenvolvimento do ensino nas escolas espritas e nos estudos realizados pelos especialistas espritas, nenhum conflito significativo entre as formas mais vlidas da Pedagogia atual e a Pedagogia Esprita. Pelo contrrio, verificamos sempre a existncia de conotaes evidentes e at mesmo de tipos de Pedagogia atual que correspondem em grande parte s exigncias do pensamento esprita. H, porm, uma especificidade inegvel da Educao Esprita que s pode ser sustentada e desenvolvida atravs de uma Pedagogia Esprita. Parece-nos que essa especificidade corresponde exigncia essencial do nosso tempo e da fase de transio cultural em que vivemos. Para o esclarecimento desse problema, nossa revista pretende contribuir por todos os meios possveis.

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  • E A QUEM MELHOR DESPERTAR, SENO S CRIANAS?

    Os evangelhos de Jesus, que chegaram at ns atravs dos relatos escritos

    dos seus discpulos e da tradio apostlica, constituem uma sntese das conquistas espirituais da Humanidade em toda a sua evoluo, at o momento histrico do advento do monotesmo como uma realidade social. Mas a essa sntese temos de acrescentar a viso proftica de Jesus, que a partir das conquistas j realizadas abriu novas perspectivas para o futuro humano. Seus ensinos no se limitam a uma repetio do passado. Como em todos os processos histricos, culturais e espirituais, as novas geraes reelaboram a experincia passada, segundo a tese pedaggica de John Dewey. Jesus procedeu essa reelaborao num plano superior, o da conscincia iluminada pela viso espiritual.

    Se juntarmos tese de Dewey e de Arnold Toynbee sobre as religies, o seu papel no processo histrico, vemos que as reelaboraes coletivas, sempre dirigidas por um mestre ou lder no caso um buda, um ,messias, um cristo, palavras que se equivalem se concretizam em novas mundividncias, como a do Budismo em relao ao Bramanismo antigo, a de Confcio em relao ao Taosmo, a do Cristianismo em relao ao Judasmo. Essas mundividncias (concepes gerais do mundo e da vida) englobam as conquistas vlidas do passado e as vises profticas do futuro. Ernst Cassirer, em seu ensaio sobre a tragdia da cultura, ou seja, o aspecto trgico do desenvolvimento cultural da Humanidade, lembra que as experincias do passado se concretizam ou se condensam nas obras de uma civilizao e podem ser depois despertadas por civilizaes futuras, como no caso do Renascimento, onde vemos a cultura greco-romana renascer de suas prprias cinzas, ao impacto da cultura nascente da Europa, nos fins da Idade Mdia.

    A cultura humana que abrange todas as reas do Conhecimento e, portanto, tambm a religiosa um imenso esforo coletivo de geraes e pocas, de civilizaes e culturas encadeadas e solidrias atravs do tempo. Sua transmisso se efetua pela educao, mas a educao no um simples fio transmissor ou objeto passivo, e sim uma espcie de caldeiro em que fervem as idias, semelhante ao caldeiro medieval de que falou Wilhelm Dilthey em O Homem e o Mundo. E nesse caldeiro que temos de ser inevitavelmente mergulhados, desde que nascemos e at mesmo antes do nascimento, para sermos devidamente cozidos moda do sculo. Se formos deixados fora dele no recebemos os ingredientes da cultura e nem os estmulos necessrios ao despertar das nossas foras latentes, na linha das experincias adquiridas. Sem o processo da educao, o ato de amor de Kerchensteiner e Hubert, no despertaremos para a nova orientao que devemos seguir na nova encarnao, na nova experincia existencial. Sem o impacto da educao a cultura do passado no renascer em ns o seu novo desenvolvimento.

    Dessa maneira, negar s crianas o direito educao crist, atravs da evangelizao, seria sonegar-lhes o quinho que lhes cabe na herana cultural. As pesquisas sobre a educao primitiva, bsica para a compreenso de toda a problemtica educacional, mostram de sobejo que mesmo nas tribos selvagens a iniciao nos costumes, nos rituais, nas crenas e nas tradies da nao se processam com regularidade, dentro de uma sistemtica apropriada. Porque o direito de escolha, de opo, no exerccio do livre-arbtrio individual, pressupe inevitavelmente o direito de aquisio dos elementos

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  • necessrios ao julgamento. A educao no um ato de imposio, de violao de conscincia, mas um ato de doao. O educador oferece ao educando os elementos de que ele necessita para integrar-se no meio cultural e poder experimentar por si mesmo os valores vigentes, rejeitando-os, aceitando-os ou reformulando-os mais tarde, quando amadurecer para isso. J dizia o Eclesiastes: Deus fez tempo para tudo. E o povo repete: Tudo tem o seu tempo.

    Condies da criana

    condies de aprendizado da criana variam numa escala progressiva, segundo o seu desenvolvimento psicossomtico. Determinar uma idade-limite em que essas fases se sucedem temerrio. Atualmente as escalas ontogen-ticas so bastante flexveis. No campo especfico da psicogentica verifica-se uma continuidade (e no uma sucesso descontnua) entre a percepo e o desenvolvimento da representao. Por outro lado, o desenvolvimento da lin-guagem, como observa Ren Hubert (La Croissance Mentale) equivale ao desenvolvimento da inteligncia. Vejamos a sua afirmao textual: Em particular, a linguagem humana certamente o fator mais poderoso da passagem da inteligncia prtica inteligncia representativa. Tanto Piaget como Wallon concordam com isso e so citados por Hubert. (I parte: a Infncia, obra citada.)

    A inteligncia infantil se manifesta progressivamente, passando da fase sensrio-motora para a fase prtica, desta para a representativa e desta para a abstrata. Mas est sempre atuante no desenvolvimento orgnico e psquico. Enfrentando o problema na posio materialista podemos negar criana a capacidade de compreenso de certos princpios abstratos, mas enfrentando-o numa posio esprita teremos de admitir as suas possibilidades latentes. A captao intuitiva, subliminar, antecipa a compreenso racional e prepara o seu desabrochar no futuro. A contribuio atual da Parapsicologia, nesse sentido, abre novas perspectivas ao revelar maior dinamismo do inconsciente, tanto na criana quanto rio adulto. As cincias de hoje se aproximam rapidamente das rejeitadas concluses espritas.

    Mas, alm disso, preciso lembrar que a evangelizao da infncia no nem pode ser feita em termos de pura abstrao, o que seria um ilogismo. Da o apelo muito justo e muito pedaggico, pois inegavelmente didtico, s esto-rietas figuradas. Trata-se de uma tcnica audio-visual de inegvel eficincia. E seu objetivo no a transmisso dos princpios doutrinrios, mas o despertar da criana para a compreenso de realidades que ela j traz no inconsciente, na memria profunda que guarda as vivncias do passado. A funo da estorieta a mesma da maiutica de Scrates e lembra o acordar da reminiscncia platnica na mente do esprito encarnado. Essa funo, por sinal, corresponde precisamente ao objetivo real da educao, que no trans-mitir ensinamentos mas predispor a mente a receb-los atravs da instruo e assimil-los na formao cultural.

    Por tudo isso a evangelizao da criana no pode ser encarada como ato de imposio ou de violncia. Nenhuma aula de evangelizao esprita impe dogmas de f nem pretende realizar a internalizao dos princpios espritas, pois sua finalidade o contrrio: despertar na criana as suas foras interiores e faz-las aflorar no plano da conscincia. O que se pode enriquecer essas aulas com as contribuies do Mtodo Montessori, criando um ambiente estimulante e juntando s estorietas outros elementos sen-soriais, de acordo com as faixas etrias dos alunos. Os trabalhos de Maria Montessori e a sua teoria educacional correspondem em grande parte s

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  • aspiraes e aos objetivos da evangelizao esprita das crianas. No seria deixando a criana entregue a si mesma, a ttulo de respeitar o seu livre-arbtrio, que a poderamos conduzir liberdade de conscincia e responsabilidade pessoal sustentadas pelo Espiritismo. O prprio conhecimento da psicologia infantil, particularmente acrescida da contribuio esprita que nos oferece uma. interpretao psicolgica da infncia muito mais profunda e real exige que nos interessemos pela sua evangelizao.

    Educao familial

    Mas no seria certo deixarmos esse problema para o mbito familial? Se Q Livro dos Espritos preceitua que esse o dever dos pais, misso sagrada de que tero de dar contas, no parece claro que s a eles compete a tarefa? Esse preceito consta do item 385 do livro bsico. Mas no item 383 encontramos o seguinte: Encarnando-se o Esprito com o fim de se aperfeioar, mais acessvel, durante esse tempo (a infncia) s impresses que recebe que podem ajud-lo no seu adiantamento, para o qual devem contribuir os que so encarregados da sua educao. Querer, pois, restringir a educao aos pais seria negar a existncia da vida social, do processo de relaes em que os homens se completam uns aos outros pelo auxlio mtuo (item 766 e seguintes), negar a lei de justia, amor e caridade (item 873 e seguintes).

    No item 685, tratando dos problemas sociais, Kardec lembra a necessidade do desenvolvimento da educao e acentua: no da educao intelectual, mas da educao moral: mas no tambm da educao moral pelos livros, e sim daquela que consiste na arte de formar caracteres, daquela que transmite hbitos: porque a educao o conjunto dos hbitos adquiridos. Quando essa arte for conhecida, aplicada e praticada o homem chegar a um mundo de hbitos ordeiros e de previdncia... No mesmo trecho Kardec lamenta a massa de indivduos que diariamente so lanados no meio da populao sem princpios, sem freios e entregues aos seus prprios instintos...

    Absurdo querer apegar-se a um trecho em que a responsabilidade dos pais acentuada, como devia ser, para limitar a educao esprita famlia. Maior ainda se torna esse absurdo quando sabemos que a educao familial s teve predominncia nas civilizaes anteriores nossa, ou seja, nas civilizaes primitivas, agrrias e feudais. A partir da revoluo industrial, e particularmente na civilizao tecnolgica dos nossos dias, com o desenvolvimento e a complexidade crescente da vida social, a educao fami-lial ficou restrita infncia nas suas primeiras fases, e assim mesmo sempre secundada pela educao escolar. Por outro lado, a educao religiosa, nem mesmo nas religies formalistas e tradicionais, nunca se restringiu famlia, exigindo sempre, desde as pocas mais remotas, o complemento da escola da igreja.

    Por fim, devemos assinalar que a preocupao dos cursos de evangelizao da infncia, no meio esprita, no nem pode ser a da transmisso de princpios, mas apenas a de preparao do esprito infantil para o bom aproveitamento da sua atual encarnao. A orientao moral no uma preparao filosfica, mas um processo de integrao das novas geraes em determinado sistema de vida, a fim de que elas possam beneficiar-se com as experincias e as conquistas das geraes anteriores, capacitando-se na pr-tica para o exerccio futuro da crtica e da reelaborao de experincias. No

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  • h desperdcio nem perda de tempo, e muito menos incoerncias no cumprimento desse dever social e moral pelos jovens espritas e pelas instituies doutrinrias. Desperdcio, perda de tempo e incoerncia haveria se os responsveis pela educao das crianas espritas no cumprissem o seu dever nesse sentido.

    Educao no lar A educao esprita comea no lar. Nas famlias espritas dever dos pais

    iniciar os filhos nos princpios doutrinrios desde cedo. A falta de compreenso da doutrina faz que certas pessoas pensem que as crianas no devem preocupar-se com o assunto. Essas pessoas se esquecem de que os seus filhos necessitam de orientao espiritual e que essa orientao ser tanto mais eficiente quanto mais cedo lhes for dada. Kardec, num trecho da Revista Esprita, conta como na Frana, j no seu tempo, a educao esprita no lar comeava a produzir maravilhosos efeitos.

    preciso no esquecer que as crianas so espritos reencarnados, espritos adultos que se vestem, como ensina Kardec: "com a roupagem da inocncia" para voltarem Terra e iniciarem uma vida nova. Os espritos que se reencarnam em famlias espritas j vm para esse meio para receberem desde cedo o auxlio de que necessitam. Os pais que, a pretexto de respeitar a liberdade de escolha de quem ainda no pode escolher, ou de no forar os filhos a tomarem um rumo certo na vida, deixam de iniciar os filhos no Espiritismo, esto faltando com os seus deveres mais graves.

    Ensinar s crianas o princpio da reencarnao, da lei de causas e efeitos, da presena do anjo-guardio em suas vidas, da comunicabilidade dos espritos e assim por diante, um dever inalienvel dos pais. Pensar que isso pode assustar as crianas e criar temores desnecessrios ignorar que as crianas j trazem consigo o germe desses conhecimentos e tambm que esto mais prximos do mundo espiritual do que os adultos.

    Descuidar da educao esprita dos filhos negar-lhes a verdade. O maior patrimnio que os pais podem legar aos filhos o conhecimento de uma doutrina que vai garantir-lhes a tranqilidade e a orientao certa no futuro. Os pais que temem dar educao esprita s crianas no tm uma noo exata do Espiritismo e por isso mesmo no confiam no valor da doutrina que esposam.

    Porque razo os catlicos e os protestantes podem ensinar aos filhos que existe o inferno e o diabo, que a condenao eterna os ameaa e que o anjo da guarda pode proteg-los, e o esprita no pode ensinar princpios muito mais confortadores e racionais? Se o medo do diabo e do inferno no traumatiza as crianas das religies formalistas, por que razo o ensino de que no existe o inferno nem existe o diabo vai apavor-las? No h lgica nenhuma nessa atitude que decorre apenas de preconceitos ainda no superados pelos pais, na educao errnea que receberam quando crianas.

    As crianas de hoje esto preparadas para enfrentar a realidade do novo mundo que est nascendo. Esse novo mundo tem por alicerce os fundamentos do Espiritismo, porque os princpios da doutrina esto sendo confirmados dia a dia pelas Cincias. A mente humana se abre neste sculo para o conhecimento racional dos problemas espirituais. Chegou o momento do Consolador prometido pelo Cristo. Os pais espritas precisam compreender isso e iniciar sem temor os seus filhos na doutrina que lhes garantir tranqilidade e confiana na vida nova que iniciam.

    A melhor maneira de desenvolver a educao esprita no lar organizar

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  • festinhas domingueiras com prece, recitativos infantis de tema evanglico, explicao de parbolas, canes espritas e brincadeiras criativas, que aju-dem a despertar a criatividade das crianas. Espiritismo alegria, espontaneidade, sociabilidade. Essas festinhas preparam o esprito da criana para o aprendizado nas aulas dos Centros e para as aulas de Espiritismo na escola.

    Esconder s crianas de hoje a verdade esprita cometer um verdadeiro crime contra o seu progresso espiritual e a sua integrao na cultura esprita do novo mundo que est nascendo. Que os pais espritas no se furtem a esse dever. A educao no lar a base de todo o processo posterior de educao escolar e de educao social, que os adolescentes e os jovens iro enfrentar na vida.

    No importa que alguns espritas metidos a sabiches combatam a educao esprita. Deus os perdoar, porque eles no sabem o que fazem. O que importa os pais se inteirarem de suas responsabilidades pessoais, que no podem transferir a ningum, e tratem de cumpri-las. Se forem realmente espritas, os pais sabero quanto o Espiritismo lhes tem valido na vida. Que direito tero de negar aos filhos o conhecimento dessa doutrina que tanto bem lhes faz? Querero que os filhos se extraviem no materialismo e na irresponsabilidade que desgraa tantos jovens de hoje?

    Educao e regenerao Espiritismo educao. Educao individual e educao em massa.

    Muitas pessoas, mesmo entre as que se colocam frente do movimento esprita e de grandes instituies doutrinrias, no so capazes de abranger na sua compreenso essas duas dimenses do processo educacional esprita. Querem reduzir a Educao Esprita ao campo do autodidatismo. S entendem a educao individual pela doutrina. E por isso andam por a os pregoeiros, bem intencionados mas equivocados, de uma campanha obscurantista (valha-nos Deus) contra os cursos, as escolas, as instituies educacionais e a Educao Esprita.

    Temos de compreender a posio desses companheiros, pois o objetivo do Espiritismo sempre a compreenso, em todos os campos das atividades humanas. O esprita tem de ser, em todas as ocasies, um compreensor, ou seja: aquele que compreende. Tem de ser o substituto natural do comprehensorem da antiga Teologia, daquele que tinha a compreenso beatfica e permanente de Deus. "Homem no mundo", face a face com os semelhantes, o esprita deve ter a viso palingensica ou evolucionista das coisas e dos seres. No pode fechar-se num beco sem sada.

    Esses companheiros que s entendem a Educao Esprita como individual sofrem a presso do passado, do tempo em que o Espiritismo, assediado por todos os lados, refugiava-se na convico individual. Mas esse tempo j vai longe, como tinha fatalmente de ir, e hoje o Espiritismo se transformou numa convico de massas. Cumprindo assim um dos seus objetivos, de acordo com os postulados doutrinrios e a previso de Kardec, Denis, Delanne e seus companheiros, o Espiritismo de massas exige educao massiva.

    A misso do Espiritismo no esclarecer alguns indivduos em meio s multides mas, esclarecer as multides, alargar o conhecimento humano, colocar os homens diante da realidade integral da vida para regener-los.

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  • No se trata de uma doutrina individualista, maneira do estoicismo grego, fechado em seu ceticismo herico, mas de uma doutrina coletiva, que parte do indivduo como unidade formadora do todo visando ao todo. Por isso que a sua funo na terra precisamente regenerar o planeta, que est passando, nestes tempos, da fase de mundo de provas e expiaes para a fase superior de mundo de regenerao.

    natural que os companheiros traumatizados pelo passado de duras e amargas lutas que o Espiritismo teve de enfrentar, ainda se fechem numa concepo restrita. Mas no devemos nos impressionar com isso. Nossa obri-gao procurar ajud-los a compreender o problema na amplitude esprita em que ele hoje se nos apresenta. Segundo vemos em O Livro dos Espritos pela Educao que o mundo poder regenerar-se. A Educao Crist substituiu a Educao Pag e modificou a Terra. A Educao Esprita renovar a Educao Crist, e com ela o Mundo.

    Mas o que Educao Esprita? o processo de orientao das novas geraes de acordo com a viso nova que o Espiritismo nos oferece da realidade. A realidade compreende o mundo e o homem. Para o homem viver com proveito no mundo, deve saber, antes de mais nada, o que ele prprio e qual o seu destino. Para que o mundo no aturda(1) o homem preciso que o homem saiba o que mundo. Nada disso pode ser conhecido sem o conhecimento dos princpios espritas.

    Apesar disso a Educao Esprita no um processo de coao, de imposio das idias espritas. Mesmo porque um dos princpios fundamentais do Espiritismo o da liberdade de conscincia. O Espiritismo no uma forma de dominao de conscincia, mas de libertao. Sua grande tarefa desvencilhar o homem das imposies do passado para que ele possa viver a sua vida terrena em plenitude, livr-lo dos temores e terrores que o cercaram nas geraes anteriores.

    Assim, a Educao Esprita, como a Crist, apresenta-nos dois aspectos correspondentes s exigncias atuais. De um lado h de ser um sistema educacional aplicvel ao meio esprita, de outro uma influncia educacional remodelando os postulados pedaggicos no sentido geral. No podemos pretender que todas as naes se tornem espritas, o que seria uma utopia e um contra-senso. Por isso no podemos pretender que a Educao Esprita absorva e englobe numa s todas as formas pedaggicas existentes. Essa inteno seria contrria concepo esprita. Mas devemos compreender que a Educao Esprita, uma vez definida como tal, influir decisivamente na orientao pedaggica geral, como j est influindo antes mesmo de sua definio total.

    Regenerar quer dizer gerar de novo. Regenerar o homem gerar no homem velho dos nossos tempos o homem novo do Evangelho. Sabemos, como afirmou Kardec, que o espiritismo a chave sem a qual no podemos compreender o Evangelho. Sabemos isso no apenas porque Kardec o disse e escreveu, mas porque as nossas prprias experincias, individuais e coletivas, nos fizeram comprovar essa verdade. Se os cristos no puderam manter a Educao Pag, que contrariava a viso nova que o Cristianismo lhes dava, como podemos ns, espritas, manter a Educao Crist, orientada pelos dogmas teolgicos de um passado superado? Tanto mais que essa forma educacional igrejeira j se tornou to obsoleta, to antiquada, que foi substituda pela Educao Moderna, de tipo positivista e pragmatista, o que

    1 Aturdir - perturbar a mente ou os sentidos, dificultar o raciocnio [de] (algum ou de si prprio); atordoar(-se), estontear(-se), tontear(-se) (Dicionrio electrnico Houaiss da lngua Portuguesa v1.0)

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  • vale dizer materialista. E tanto mais que essa forma materialista j invadiu as prprias instituies educacionais religiosas.

    A substituio, cada vez mais acentuada, das formas educacionais religiosas pela materialista, inegavelmente dominante em nosso tempo, mostra-nos a necessidade urgente de elaborao da Pedagogia Esprita, nica que poder socorrer o mundo nesta hora de profundas transformaes. E podemos dizer mais, sem medo de errar, porque os fatos o comprovam: se a Educao atual no mergulhou ainda no caos, em face da rapidez do processo evolutivo, graas presena dos postulados espritas no planeta, assinalando aos homens uma nova perspectiva da vida. O Prof. Humberto Mariotti demonstrou isso com dados e exemplos em seu artigo "Para Uma Filosofia da Educao" que publicamos em nosso nmero anterior da Revista Educao, fato de duas Universidades norte-americanas haverem recorrido ao Espiritismo para a reorientao espiritual de seus alunos, e os bons resultados obtidos com a experincia, mostram suficientemente a necessidade de cuidarmos da Educao Esprita. Mais do que isso, mostram de maneira gritante que estamos em falta com o nosso dever de esprita no tocante ao campo educacional.

    Por outro lado, como sabemos, a Educao Esprita, .seguindo uma lei natural do fenmeno educacional em todo o mundo e em todos os tempos, no esperou que despertssemos para o problema. As escolas espritas comearam a surgir por toda parte antes que pensssemos na Pedagogia Esprita. Hoje constituem, no Brasil, uma vasta rede escolar, que vai do pr-primrio at o universitrio, abrangendo todos os graus de ensino. J temos mesmo uma tradio educacional, com instituies como o Educandrio Pestalozzi, de Franca, o Educandrio Bezerra de Menezes. de Marlia, o Instituto Esprita de Educao, em So Paulo, o Colgio Allan Kardec, de Sacramento, Minas, o Instituto Lins de Vasconcelos, de Curitiba, Paran, e assim por diante, que j atingiram dezenas de anos de funcionamento.

    Por que espcie de Pedagogia se orientam esses estabelecimentos existentes s dezenas em nosso pas? Que orientao pedaggica tero dezenas de outros que esto surgindo por toda parte? Vemo-los, na verdade, lutando para elaborar a Pedagogia Esprita, cada qual dando a sua contribuio possvel no campo das experincias e das pesquisas. Seremos to cegos e to surdos para no ver esse desafio, para no ouvir esse clamor? No seremos capazes de atender s exigncias naturais da Educao Esprita que se levantam diante de ns neste momento? Que falem e escrevam contra o nosso dever todos os que no o compreendem. Que importam os seus argumentos, quando a realidade dos fatos um desmentido concreto a todos eles? Nossa revista surgiu para atender a esse desafio o mais srio, o mais grave e o mais importante do nosso tempo abrindo suas pginas s sugestes, aos estudos, s pesquisas, aos exemplos de todos os que militam no campo educacional esprita. No pretendemos elaborar individualmente, nem mesmo atravs dos esforos de um grupo fechado, a Pedagogia Esprita. Como Kardec fez com a Revista Esprita, queremos apenas que a nossa revista sirva de ligao entre todos os centros educacionais espritas e entre todos os professores espritas para que, do trabalho assim conjugado e articulado, do esforo comum, possa surgir o edificio grandioso da Nova Pedagogia.

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  • AS DIMENSES DA EDUCAO

    A educao s se tornou problemtica nos momentos em que se desligou da religio. Isso visvel nos momentos histricos de desligamento parcial, como no mundo clssico, particularmente no apogeu da civilizao grega, e na fase de emancipao total que comea no Renascimento e vai encontrar seu ponto culminante em Rousseau. Enquanto as religies incorporaram, em suas estruturas gerais, o conceito de educao como salvao e a prtica educativa como catequese, no havia problema. Quando, porm, o pensamento crtico se desenvolveu, a ponto de atingir a prpria substncia da f, retirando ao homem a base ingnua de certezas tradicionais em que ele se sentia seguro dentro do mundo, tornou-se evidente a necessidade de criao de sistemas educacionais autnomos e surgiu a problemtica da educao.

    O episdio dos sofistas, seguido dos esforos de Scrates, Plato e Aristteles, bastante elucidativo desse fato. A transformao da estrutura esttica do antigo estado grego na estrutura dinmica do imperialismo de Pri-cles, como esclarece Jaeger,(2) exige a "racionalizao da educao poltica", como "um caso particular da racionalizao de toda a vida grega, que mais do que nunca se funda na ao e no xito". A educao supera os seus estgios familial e pico, ambos dominados pela concepo mtico-religiosa, para adquirir uma nova dimenso: a cvica ou poltica. Esse problema da "ao e do xito" tambm examinado por Marrou (3), que nos oferece um estudo do mecanismo de transio da educao pica para a tcnica, na "passagem progressiva de uma cultura de nobres guerreiros para uma cultura de escribas".

    A reincorporao da educao estrutura religiosa, que se verifica na Idade Mdia, no representa um retrocesso, porque se realiza num plano de enriquecimento conceptual. Quer dizer: a educao medieval, conquanto dominada pela concepo religiosa e submetida ao controle eclesistico, j se processa numa perspectiva racional. As contribuies do racionalismo grego, do pensamento jurdico romano e do providencialismo cristo misturam-se nessa perspectiva, em que se elabora, desde o declnio do Imprio, essa fuso conceptual que, segundo Dilthey,(4) "aflui como metafsica para os povos modernos". A homogeneidade do pensamento medieval no era mais do que o resultado de um lento processo de caldeamento em que a educao tambm se caldeava em novas possibilidades formais. O processo histrico no se interrompe, mas prossegue, no mais em extenso, mas em profundidade, como assimilao. E na medida em que vo surgindo, nas linhas sucessivas desse processo, as dimenses espirituais do homem, a educao naturalmente de desenvolve em perspectivas dimensionais.

    Esta possibilidade de encararmos a educao num plano de desenvolvimento progressivo, no apenas histrico, mas sobretudo historicista, parece-nos bastante fecunda para melhor compreenso do problema educacional. A partir da educao primitiva, como simples forma de 2 Jaeger, Werner Paidia, Fondo de Cultura Econmico, Mxico, primeira edio em um s

    volume, 1967. 3 Marrou, Henri-Irne Historie de l'Education dans l'Antiquit quatrime edition, Seuil, Paris,

    1958. 4 Dithey, Wilhelm Hombre y Mundo en los siglos XVI e XVII Fondo de Cultura Econmica,

    segunda edicin, Mxico, 1947.

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  • integrao, passamos s formas religiosas e cvica, como processos de domesticao, para atingirmos os conceitos clssico e moderno de formao cultural em que as condies de imanncia social so finalmente rompidas pelo impulso da transcendncia espiritual. Encontramos assim uma dialtica da educao que nos permite o processo educativo de maneira dinmica, acima dos traados rgidos da Histria como seqncia de fases e das condies deterministas biopsico-sociais.

    Essa dialtica talvez nos fornea os meios de que necessitamos, com tanta urgncia, para superarmos o impasse em que se encontra o problema da educao em nossos dias, no entrechoque de tantas teorias contraditrias. Se pudermos encarar a educao como um processo de desenvolvimento dimensional da cultura, no como substituio de fases histricas condicionadas pelo tempo, mas de um processo que se serve do tempo, estaremos mais prximos de uma viso global do problema. Parece-nos, pelo menos, que dessa maneira poderemos superar a representao esquemtica, fragmentria que hoje possumos do processo, gerando posies diversas e contraditrias na sua enfocao terica, para encontrarmos as linhas gerais de uma verdadeira Filosofia da Educao.

    As dimenses do homem evidente que as dimenses da educao decorrem das dimenses do

    homem. Se o homem pode ser encarado, tanto espiritual como socialmente, numa perspectiva de sucesses dimensionais, ento o processo educativo tam-bm ser susceptvel dessa visualizao. E precisamente numa teoria dimensional do homem que vamos buscar as possibilidades de uma formulao terica da educao nesse sentido. Formulao alis, que pode levar-nos a maiores possibilidades metodolgicas na colocao filosfica do processo 'educacional.

    Apesar de termos nos referido a Histria e a historicistas, no num historicista que vamos encontrar a teoria, mas no existencialista Jean Paul Sartre(5) com seu famoso ensaio de ontologia fenomenolgica. Tanto melhor, pois esse simples fato refora a nossa referncia s possibilidades de transcendncia do processo educacional. Embora Sartre tenha encontrado a transcendncia em termos fenomenolgicos no plano social, a sua teoria nos leva, por um impulso dialtico, a superar a polaridade ontolgico-social da educao. E essa superao vai nos fazer sentir as suas possibilidades num ensaio de Denis de Rougemont sobre o desenvolvimento das dimenses humanas na civilizao ocidental(6). nesse ensaio que podemos avaliar a fecundidade da aplicao da teoria dimensional aos processos sociais.

    O homem apresentado por Sartre, em L'tre et le Nant, na sua conhecida formulao dialtica: uma forma rgida ou fechada, len-soi, primeira dimenso do ser, que se nega a si mesma na especificidade humana, atingindo em le pour soi a segunda dimenso, da qual resulta necessariamente a terceira dimenso de l'tre pour autrui, na relao social. Essa formulao se repete no captulo sobre a terceira dimenso ontolgica do corpo da seguinte maneira: antes de mais nada, o corpo existe, e este existir a sua primeira dimenso; depois, o corpo entra em relao com os outros, e nesta relao surge a sua segunda dimenso; por fim, no conhecimento do corpo pelos 5 Sartre, Jean Paul L'Etre et le Nant NRF, Gallimard, dix-hui-time edition, Paris, 1949.6 Rougemont, Denis De L'Aventure Occidentgle de lmme, Albifi Michel, Paris, 1957.

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  • outros tem ele a sua terceira dimenso. ("J'existe pour moi comme connu par autrui titre de corps. Telle est la troisime dimension ontologique de mon corps.")

    Em Denis de Rougemont essa dialtica das dimenses adquire maior densidade ontolgica, passando do plano da fenomenologia para o da metafisica. Apresenta-se, porm, numa perspectiva fideista. A transcendncia do 'ser, que a sua terceira dimenso, equivale a um duplo processo de relaes: no plano social como amor do prximo, e no metansico como amor de Deus. Essas dimenses se tornam mais claras numa enfocao histrico-cultural: a primeira dimenso a do horizonte tribal, que o autor define ser-vindo-se da teoria do corpo mgico ou corpo-sagrado do ensaista austraco Rudolf Kessner, e em que o homem primitivo aparece como simples parcela de um todo fechado sobre si mesmo; a segunda dimenso a do horizonte civilizado em que surgem o indivduo urbano que se torna cidado. A terceira dimenso a do transcendente em que o homem se torna cristo, integrando-se nos princpios espirituais da civilizao. Esse particularismo de Rougemont equivale, entretanto, ao conceito universal da transcendncia pela cultura, que encontramos no horizonte proftico de John Murphy(7) em seus estudos sobre as Origens e a Histria das Religies.

    Vemos, assim, que as limitaes daquilo que chamamos perspectiva fidesta, no ensaio de Rougemont, no diminuem a importncia de sua tentativa de aplicao da teoria das dimenses humanas num plano mais fecundo que o da ontologia fenomenolgica de Sartre. Vejamos de que maneira Rougemont esquematiza a sua teoria das dimenses do esprito ocidental, que se eleva terceira dimenso pelo impacto de uma religio oriental. curiosa essa aplicao sectria da teoria das dimenses, que servindo-se de elementos orientais, faz surgir no ocidente, no fenmeno da pessoa, o homem tridimensional, ao mesmo tempo que nega aos orientais essa possibilidade.

    o seguinte o esquema apresentado pelo prprio Denis de Rougemont: "Se o homem do cl, da tribo ou da casta, s tinha uma dimenso real: sua relao com o corpo sagrado; se a segunda dimenso, inventada pelos gregos, a que rene o indivduo e seu modo de relaes, a cidade; So Paulo definiu a terceira dimenso: a relao dialtica com o transcendente, religando o indivduo como vocao divina comunidade, como amor do prximo. Esse homem, melhor liberado que o indivduo grego, melhor entrosado que o cidado romano, mais livre pela f mesma que o entrosa, o arqutipo do Ocidente que nasce, a pessoa."

    Murphy, porm, ao tratar do horizonte-proftico como uma conseqencia universal do desenvolvimento do horizonte civilizado, acentua o aparecimento "das condies novas que tornaram possvel o advento de grandes indivi-dualidades, profetas, filsofos, instrutores ticos e religiosos, desde cerca de dois mil anos antes da nossa era." Situando o perodo desse desenvolvimento entre o IX e o III sculos antes de Cristo, e limitando-o geograficamente regio compreendida entre a Grcia e o Egito, passando pela Palestina e a Mesopotmia, at a ndia e a China, demonstra historicamente o aparecimento da pessoa, equivalente terceira dimenso de Rougemont, muito antes do advento do Cristianismo. Anulamos, assim, o exagero fidesta de Rougemont, como esse mesmo exagero anulou o negativismo existencial de Sartre, que limitava a terceira dimenso ao plano das relaes sociais. E assim, por um processo dialtico, temos a pureza conceptual da teoria das dimenses humanas, capaz de nos servir, sem qualquer limitao sectarista, para uma possvel tentativa de elaborao metodolgica, visando a mais ampla e mais

    7 Murphy, John Origines et Histoire des Religions, Payot, Paris, 1951.

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  • profunda enfocao filosfica do problema da educao. A validade da teoria dimensional do esprito parece-nos pelo menos bem

    sustentada nas formulaes de Dilthey, Sartre e Rougemont. Claro que ela se funda, para o primeiro e o ltimo, nos pressupostos da evoluo histrica, e para o segundo, na problemtica do ser. Temos assim, na sua base, a polaridade ontolgica-social, com todas as implicaes que vo de um plo a outro. Convm lembrar, como demonstra Jean Vahl,(8) que as razes da teoria dimensional, por assim dizer, se aprofundam no passado filosfico. De qualquer maneira, o que nos interessa a possibilidade de sua aplicao metodolgica. Essa possibilidade parece fecunda principalmente por oferecer Filosofia da Educao perspectivas filosficas para a soluo dos seus problemas at agora frustrados, em grande parte, pela falta dessas perspectivas.

    Educao e Filosofia

    A inquietao atual do pensamento pedaggico, procura de uma Filosofia da Educao que realmente corresponda s exigncias do mundo em transformao, resulta no s do fato mesmo dessa transformao, como tambm da falta de unidade, ou pelo menos de uma confluncia de vistas a respeito dos problemas a serem postos em equao. Quando, em 1941, a National Society for the Study of Education, dos Estados Unidos, resolveu dedicar um dos seus anurios ao problema da Filosofia da Educao, essa falta de unidade fundamental se tornou bem patente. Na introduo que escreveu para o anurio, publicado em 1942, o prof. John Brubacher, da Universidade de Yale, esclarece que o intuito da National Society era conseguir que "as diversas filosofias se dirigissem de maneira clara e inequvoca, aos pontos importantes de seus desacordos". Entretanto, os colaboradores convidados, representantes das vrias escolas atuais de Filosofia, e particularmente de Filosofia da Educao, no puderam atender a esse apelo.

    No correr destes ltimos anos muitos esforos foram desenvolvidos no sentido da superao desse estado de coisas. Mas a superao no era fcil, pois os desacordos eram ainda mais profundos, como podemos ver neste tre-cho do prefcio de Brubacher: "Afortunada ou desgraadamente, esse plano no foi adotado porque no Comit da obra, no somente se pode chegar a um acordo com referncia aos problemas que seriam selecionados, como nem mesmo foi possvel uma coincidncia a respeito do que constitui um problema na Filosofia da Educao. Em conseqncia dedidiu-se permitir a cada colaborador a exposio do seu sistema 'de Filosofia da Educao na forma que lhe parecesse mais adequada." (9)

    Mortimer Adler, que colaborou no anurio escrevendo uma defesa da Filosofia da Educao, ps em relevo a necessidade de uma definio do seu objeto como soluo dos desacordos existentes. Lamentou a posio individual e irredutvel de vrios filsofos que s tinham a expor "a sua opinio, o seu ponto de vista sobre educao, ou o seu sistema de filosofia", e acentuou a urgncia de se afastarem de cogitao os elementos que, no sendo filosficos, sobrecarregam as escolas atuais de Filosofia da Educao. Dez anos depois, ao publicar o seu Trait de Pedagogie Generale, na Frana,

    8 Vahl, Jean Las Filosofias de la Existncia, Vergara, Barcelona, 1956. 9 Brubacher, John M. S. Introduo: Filosofia de la Educacin, Losada, tercera edicin,

    Buenos Aires, 1956 (Kilpatrick, Breed, Horne, Adler).

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  • Ren Hubert denunciava essa mesma situao e procurava lanar as bases realmente filosficas de uma Filosofia da Educao.(910)

    O problema se torna claro nestas palavras de Paul Desjardins, que Hubert reproduz no prefcio da sua obra: "Os reformadores da educao, que temos observado, descobriram a verdade em quase todas as questes de detalhe: este, sobre a educao dos sentidos e sobre o processo do juzo na primeira infncia; aquele, sobre a aplicao do trabalho manual; um, sobre a ginstica racional; outro, sobre a maneira de ensinar idiomas, ou a Fsica, ou o Desenho, ou a Msica vocal, etc; descobrimentos contemporneos e diversos, cujo centro, se refletimos a respeito, aparece como nico; entretanto, este centro, de que tudo parte, no est assinalado com suficiente nfase em ne-nhum lugar, e isso o que falta determinar numa escola pensada francesa." Hubert comenta: "Porque este centro o homem, e o mestre cuja memria acabamos de evocar teria sem dvida acrescentado conosco que a escola pen-sada francesa a que se dedica a ensinar e fazer nascer o Homem."

    curioso que tenhamos encontrado, no prprio pensamento francs contemporneo, as sugestes para uma resposta ao reclamo de Desjardins. A escola pensada francesa, que pe a sua nfase no objeto e centro da educao, o homem, s poder aparecer, no campo vasto e contraditrio da Filosofia da Educao, com base num esforo metodolgico essencialmente humanista. A sugesto do esquema sartreano das dimenses do esprito parece-nos abrir amplas possibilidades nesse sentido. Da mesma maneira porque no estudo das religies a aplicao do mtodo dos horizontes culturais alargou a compreenso do problema, podemos esperar que um mtodo dimensional permita o reajuste necessrio do problema filosfico da educao.

    Um mtodo integral

    Poderamos aspirar a um mtodo integral que, aplicado histria da Educao e a toda a problemtica educacional, nos possibilitasse a investigao de todos os seus aspectos, ou que pelo menos nos desse, no plano da interpretao, uma viso geral e dinmica do processo educativo? Os mtodos histricos, comparativos e culturais no chegam a tanto. O mtodo dos horizontes culturais oferece perspectiva mesolgica em extenso, mas falta-lhe a profundidade ontolgica que procurada na complementao de pesquisas psicolgicas. Entretanto a Psicologia um particularismo, uma especializao, como a Sociologia. Suas pesquisas se referem a problemas particulares de estrutura e funo, como as sociolgicas aos problemas de relao. A Filosofia da Educao, porm, abrange todo o contexto de aes e reaes objetivas e subjetivas que vai do ser como ser ao social como social e como cultura. A Filosofia da Educao extravasa, assim, da extenso de sua prpria polaridade no momento em que transcende o social para penetrar no cultural, no pleno domnio do esprito. o que estuda Hubert, com admirvel clareza e segurana, no seu tratado.

    possvel que estejamos exagerando as possibilidades do mtodo dimensional e s os especialistas em metodologia podero responder at onde as nossas esperanas so viveis. O Prof. Cannabrava, que se destaca no estudo dos problemas metodolgicos entre ns, procurou solucionar a diversidade dos conceitos de verdade emprica e verdade formal atravs do

    10 Adler, Mortimer J. En de/ensa de la filosofia de la educacin in Filosofia de la Educacin,

    supra.

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  • objetivismo-crtico, propondo o mtodo nico da sntese-reflexiva. "A Filosofia elaborou um mtodo declara que permite conjugar a anlise da estrutura lgica do conhecimento com a interpretao sinttico-funcional dos processos empricos que se relacionam diretamente com a atividade cognitiva." (1011) A mesma unidade no tocante aos problemas gerais da Filosofia da Educao, em sua relao especfica com o objeto do problema educacional, no poder ser tentada?

    Investigar as possibilidades metodolgicas da teoria das dimenses humanas parece-nos, pois, tarefa das mais promissoras. Partindo da anlise do corpo-mgico, da feliz formulao de Kessner, onde o homem se apresenta na sua primeira dimenso, um mtodo dimensional nos levaria ao exame de todas as implicaes da passagem para a segunda dimenso e desta para a terceira. Esse mtodo global ou integral penetraria, assim, em todas as estruturas e conexes da polaridade pedaggica, abrangendo a simultaneidade do ser como ser existindo em si, agindo no para-si e se transcendendo no cultural do bio-psiquismo em sua dinmica funcional e do social em sua dinmica de relaes. Para essa penetrao simultnea o mtodo deveria dispor das tcnicas especficas necessrias, subordinadas sempre ao contexto dimensional. Essa soluo, se possvel, livraria a Filosofia da Educao das contradies atuais, eliminando o atomismo das teorizaes pessoais que tanto se apiam em mtodos filosficos quanto em mtodos cientficos ou simples tcnicas de pesquisa.

    Esta busca da unidade pode parecer um desejo de volta, em termos psicanalticos, homogeneidade religiosa a que nos referimos no incio. A educao, maneira do Positivismo comteano, encontraria assim um meio de negar a sua natureza problemtica para adormecer de novo no seio das certezas tradicionais. Mas o exemplo medieval a que j aludimos bastaria para mostrar-nos a irreversibilidade do processo evolutivo. Assim como na Idade Mdia o imprio religioso desenvolveu-se em plano racional e crtico, elaborando a autonomia mais completa do pensamento que eclodiria na Renascena, assim tambm a volta unidade, no presente, no seria um simples retrocesso mas um reajuste dialtico. Poderamos apelar para o prin-cpio marxista da negao da negao para explicar este aspecto do problema.

    No resta dvida que a unidade metodolgica uma tentativa de superao de problemas, mas no de anulao da natureza problemtica do processo educativo, o que seria impossvel. Essa busca, como j vimos, existe na Filosofia Geral, como existia nas Cincias. Busca-se no apenas a unidade metodolgica nesses dois campos, mas tambm a unidade conceptual, como vemos na obra de Einstein. E se o objetivo do conhecimento a reconstruo do Universo pela sntese aps a anlise, essa busca no a conseqncia de um complexo inconsciente mas um imperativo do prprio desenvolvimento cultural.

    No caso da educao, superar a situao conflitiva do presente para encontrar um plano de unidade equivaler realmente a reconstruir a homogeneidade religiosa, porque o destino do homem, segundo Hubert, "consiste em ser esprito", e o fim da educao, segundo Kerchensteiner, "a criao de um ser espiritual". Entretanto, no se trata da colocao do problema nos termos da antiga metafisica religiosa e sim nos da moderna ontologia. O esprito, nessa nova homogeneidade religiosa, uma entidade

    11 Cannabrava, Euryalo Elementos de Metodologia Filosfica, Cia. Editora Nacional, So Paulo, 1956.

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  • cultural acessvel s indagaes do pensamento cientfico e filosfico. Murphy j o disse na introduo do seu estudo sobre as origens da religio, que citamos acima: "O homem o produto da evoluo, tanto no seu corpo quanto no seu esprito." Assim, para usarmos uma expresso de Tagore, "a religio do homem" seria a nova homogeneidade em que a educao poderia reconstruir-se, no mais na base ingnua de certezas tradicionais, mas na base dinmica da expanso do conhecimento em busca de novas dimenses do esprito.

    Educao e religio

    O problema do aparecimento e desenvolvimento da escola leiga, do laicismo pedaggico, tem sua fonte em trs grandes equvocos que felizmente esto agora em fase de extino. Vejamo-los:

    1. O equvoco do Materialismo, que na verdade s apareceu de maneira clara, perfeitamente definida, na poca moderna. Tudo quanto se considera como materialismo na Antigidade s entra nessa classificao de maneira forada. Foi o desenvolvimento das Cincias que permitiu uma fundamentao positiva para o Materialismo e conseqentemente a sua formulao filosfica. Desde ento surgiu o conflito Cincia versus Religio. Os homens cultos e os espritos fortes opuseram-se ao ensino da Religio nas escolas por consider-lo determinante de retrocessos culturais.

    Nesse caso, o equvoco do Materialismo estava certo, porque o ensino religioso e o seu predomnio na Educao era tambm um perigoso e lamentvel equvoco, de vez que as religies se equivocavam no tocante a pontos fundamentais do Conhecimento. O laicismo tinha por finalidade garantir uma educao liberta de supersties e preconceitos que as religies semeavam e estimulavam no esprito dos educandos.

    2. O equvoco do Espiritualismo, que partindo de premissas certas, na base das Revelaes antigas, desenvolveu-se em vrias formas de falsos silogismos, chegando a concluses erradas na elaborao de suas teologias, teogonias e dogmticas. Esse equvoco, traduzido violentamente no sectarismo das Igrejas foi a razo fundamental da luta entre cincia e Religio. O sectarismo violento queria apossar-se de tudo, a comear pela criana, que desde os primeiros rudimentos de compreenso devia ser absorvida por ele. Da o domnio da escola, de que at hoje no desistiu, porque atravs dela o sectarismo pretende moldar a mentalidade das geraes.

    3. O equvoco da Filosofia, que atravs da Gnosiologia, da Teoria do Conhecimento, acabou referendando os dois equvocos acima, particularmente a partir do criticismo kantiano, que delimitou o campo do Conhecimento possvel, relegando para o impossvel e portanto fora do alcance cientfico os problemas espirituais. A separao entre Cincia e Religio foi ento oficializada no plano cultural. Se o homem s podia conhecer atravs da Cincia pelo uso da Razo, no havia motivo algum que justificas-se nas escolas a disciplina religiosa. A escola se tornava instrumento da Cincia. A Religio devia restringir-se ao mbito familial e ser ministrada nas igrejas.

    Temos nesse quadro, segundo me parece, o esquema geral do nascimento da Escola Leiga. Os homens de cultura tinham dois motivos bastante fortes para rejeitar a Religio na escola. De um lado, ela no podia oferecer dados positivos e portanto verdadeiros sobre o que pretendia ensinar. De outro lado o seu ensino contrariava a Cincia, prejudicando a formao cultural 'dos alunos, e alm disso criava e estimulava desentendimentos entre os homens, pelas pretenses exclusivistas do sectarismo. Longe de religar, ela na verdade

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  • desligava e gerava conflitos insensatos, sempre extremamente violentos porque baseados no fanatismo.

    Situao atual

    As campanhas pela escola laica abalaram o mundo e conseguiram vitrias parciais muito importantes. Apesar disso, o sectarismo religioso no desistiu e no desistir jamais das suas pretenses, pois no h nada mais insistente do que o fanatismo, mormente quando aliado a interesses materiais. No obstante, a situao atual no campo do conhecimento j traz em si mesma a soluo para esse velho problema. Basta que homens responsveis encarem o assunto a srio e procurem resolv-lo no interesse superior das coletividades, sem prejuzo para os sectarismos religiosos nem para os defensores da independncia cultural.

    Procuremos encarar a situao atual nos trs campos acima especificados, vendo como seriam solucionados os impasses seculares a respeito:

    1 O Materialismo perdeu, com a rpida evoluo dos conhecimentos cientficos nestes ltimos anos, os seus elementos de sustentao no campo da Razo. O prprio conceito de matria, tanto no Materialismo mecanicista do passado quanto no Materialismo dialtico de hoje, perdeu a sua substncia. Alm da descoberta de que a matria simples condensao de energia, temos agora o grande passo da fsica na descoberta da antimatria. Numa verdadeira ao de pina, as Cincias Fsicas de um lado e as Cincias Psicolgicas de outro, atravs das pesquisas nucleares e parapsicolgicas, demonstraram positivamente a existncia de outras dimenses do Universo e portanto das coisas e dos seres. J se pode falar cientificamente no Outro Mundo, sem qualquer implicao religiosa, em bases puramente cientficas, pois admite-se em face de provas de laboratrio a existncia do mundo da antimatria. Na Pa-rapsicologia a tese vitoriosa a da existncia do extra-fsico no prprio homem, demonstrando a possibilidade cientfica da sobrevivncia aps a morte. E para coroar essa conquista do invisvel os cientistas soviticos acaba-ram de descobrir o corpo bioplstico do homem, um corpo de forma humana e de natureza energtica, visvel atravs da Cmara Kirlian de fotografia com adaptao de lentes ticas. Est rompida a barreira kantiana entre o conhe-cimento positivo e o chamado conhecimento sobrenatural. No h sobrenatural: a Natureza continua em outras dimenses, que j esto sendo incorporadas ao conhecimento racional e sujeitas pesquisa cientfica.

    2. O Espiritualismo, at mesmo no seio das igrejas mais slidas e tradicionais, modificou-se e continua a modificar-se profundamente, ameaado nas suas fortalezas antiquadas pelo avano dos conhecimentos. H um acelerado processo de transformao nas Igrejas, que j atingiu a prpria essncia de vrias delas obrigando-as a modificar no s a sistemtica tradicional dos cultos mas tambm a sua Teologia. O caso Theilhard de Chardin na Igreja Catlica e o caso das Novas Teologias nas Igrejas da Reforma e suas constelaes de satlites so suficientes para mostrar a profundidade da revoluo havida e cujo processo continua a se desenrolar. E verdade que o sectarismo fantico e retrgrado procura reagir, mas evidente que os seus estertores so tipicamente agnicos. O fanatismo obscurantista no tem mais nenhuma possibilidade de manter o seu domnio nos povos.

    3. A Filosofia est francamente de volta s suas razes espiritualistas, sua verdadeira tradio, pois ela sempre foi um campo de cogitao sobre os problemas do esprito. Passado o surto de sarampo intelectual do Existen-cialismo ateu de Sartre, que punha a sua nfase na existncia e aniquilava o

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  • Ser, vemo-la de volta, ainda convalescente, aos braos do misticismo alemo renascido em Heidegger, com a afirmao enftica do Ser como nico objeto real da cogitao filosfica. Por outro lado, a Filosofia se imps de novo como o elemento fundamental e aglutinador do Conhecimento, com sua plena capacidade de restabelecer a unidade do Saber, at agora dividido em regies indevidamente antpodas.

    Assim a situao atual se revela inteiramente favorvel soluo do impasse educacional criado pelo fanatismo religioso. Cientfica e filosoficamente j se reconhece que a Religio uma das provncias principais do conhecimento. As pesquisas antropolgicas, sociolgicas e etnolgicas, apoiadas nos dados arqueolgicos e na investigao psicolgica e parapsicolgica, demonstraram de sobejo que o homem no apenas o animal poltico de Aristteles, mas tambm e sobretudo o ser religioso de Arnold Toynbee, cujas construes mais grandiosas tm sempre como esteio o seu substrato fidesta.

    O ecumenismo catlico, embora no tenha o poder que s o despreendimento, o desapego dos bens terrenos lhe poderia dar, nem por isso deixa de ser um sinal dos tempos, uma prova de que a conciliao das crenas se impe ao mundo religioso como uma exigncia da nova situao. Como acentuou Garaudy, passamos da era do antema era do dilogo. A Religio tenta superar o fanatismo e o pragmatismo sectrio que a haviam desfigurado. Ventos novos esto soprando na atmosfera poluda do planeta e devemos esperar que a renovem, afastando e extinguindo os elementos de poluio.

    Religio nas escolas Ao lado de todos esses eventos auspiciosos devemos assinalar o

    desenvolvimento das pesquisas e dos estudos universitrios sobre a Religio abrangendo todos os aspectos do problema. H um conceito novo de f, uma nova interpretao dos fatos religiosos. A contribuio esprita que impregnou, consciente ou inconscientemente a obra de Chardin e dos renovadores da Teologia em geral, j faz sentir a sua ao benfica por toda parte. O prprio Espiritismo comea a ser compreendido e pelos prprios adeptos no mais como uma nova seita destinada a substituir as anteriores, mas como aquela forma de sntese do Conhecimento de que nos falaram Kardec, Lon Denis e Sir Oliver Lodge, entre outros.

    Tudo isso facilita a compreenso de que no podemos ter Educao sem Religio, de que o sonho da Educao Laica no passou de resposta aos grandes equvocos do passado a que acima me referi. O laicismo foi apenas um elemento histrico, inegavelmente necessrio, mas que agora tem de ser substitudo por um novo elemento. E qual seria essa novidade? No, certamente, o restabelecimento das formas arcaicas e anacrnicas do ensino religioso sectrio nas escolas. Isso seria um retrocesso e portanto uma negao de todas as grandes conquistas que vimos na apreciao da situao atual. '

    Reconhecendo que a Religio corresponde a uma exigncia natural da condio humana e a uma exigncia da conscincia humana, e que pertence de maneira irrevogvel ao campo do Conhecimento, devemos reconduzi-la escola, mas desprovida da roupagem imprpria do sectarismo. Temos de introduzir nos currculos escolares, em todos os graus de ensino, a disciplina Religio ao lado da Cincia e da Filosofia. Sua necessidade inegvel, pois sem atender aos reclamos do transcendente no homem no atingiremos aos

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  • objetivos da paidia grega: a educao completa do ser para o desenvolvimento integral e harmonioso de todas as suas possibilidades.

    Faamos agora justia a Kant, que acima ficou um tanto prejudicado por sua posio agnstica. Lembremos que, fiel aos rigores metodolgicos da sua investigao, ele teve de separar o falso do real dentro das condies do saber do seu tempo. Nem por isso, entretanto, deixou de reconhecer a legitimidade dos impulsos afetivos do homem, e na Crtica do Juzo abriu perspectivas para a compreenso que hoje atingimos. Nele encontramos a idia de Deus reconhecida como o supremo conceito que dado criatura humana formular, pois que essa idia suprema representa uma sntese do Todo. E nele encontramos tambm a definio de Educao como desenvolvimento no homem de toda a sua perfectibilidade possvel.

    O prprio Kant, portanto, que respondeu pelo divisionismo do campo do Conhecimento, pode agora responder pela sua reunificao. E realmente o que acontece, no momento, graas corrente neokantiana da Filosofia con-tempornea, onde deparamos com a Pedagogia renovadora de Kerchensteiner e Ren Hubert aquele na Alemanha e este na Frana, pregando uma Educao que tem por fundamento a Filosofia do Esprito. Nessa forma nova de Educao a Religio comparece, no como um ensino dogmtico e sectrio, mas como uma resposta s exigncias conscienciais do homem, esclarecendo-lhe os problemas da existncia de Deus, da natureza espiritual das criaturas e da sua destinao transcendente. No o padre, nem o pastor, nem o rabi, nem a catequista que vo dirigir a cadeira, mas o professor especializado no assunto, tratando dos problemas religiosos como se trata dos filosficos e dos cientficos.

    De posse dos dados fornecidos pela disciplina escolar o educando decidir por si mesmo, de acordo com a sua vocao, as suas tendncias e preferncias, o setor religioso em que se localizar, se for o caso. Mas poder tambm apoiar-se nesses dados para o desenvolvimento da sua prpria religio, da sua posio pessoal pois como demonstrou Bergson, comprovando Pestalozzi, existe a religio dinmica individual que no se cristaliza em estruturas sociais.

    Alegaro certamente os sectrios que essa forma de ensino religioso livre e optativo (compreenda-se bem: optativo no sentido de facultar ao educando escolher ou no uma religio, mas obrigatrio nos currculos escolares) equivale ao laicismo vigente. Porque o sectrio s entende por religio vlida a que ele professa. Aconteceria o mesmo no campo da Filosofia se um professor fantico entendesse que s a escola filosfica de sua preferncia devesse ser ensinada. Mas os espritos arejados, abertos compreendero a importncia do ensino religioso como disciplina universitria nos cursos superiores e como matria didtica de informao geral no primrio e no secundrio.

    Os programas incluiro, nesse caso, os dados objetivos da Origem e Histria das Religies, da Filosofia da Religio, da Sociologia e da Psicologia da Religio, dentro do objetivo de formao cultural do aluno. Claro que no curso primrio o programa seria adequado, tratando da existncia de Deus, de seu poder criador e mantenedor do Universo, do sentimento religioso que a sua existncia desperta nas criaturas, das relaes entre Deus e o homem, da funo das religies na vida humana, da importncia dos valores religiosos para a formao da personalidade e assim por diante. No secundrio j se poderia, alm do necessrio desenvolvimento maior desses temas, incluir elementos de Histria das Religies, das provas da sobrevivncia do homem aps a morte, das relaes entre o mundo visvel e o mundo invisvel, da funo pragmtica das religies e assim por diante.

    Dessa maneira a Educao no seria parcial, voltada apenas para os

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  • problemas imediatos da vida, mas forneceria elementos racionais para a formao espiritual do educando. E por isso mesmo no seria tambm religiosa no sentido estreito e superado do sectarismo ainda hoje dominante. Essa providncia me parece urgente, pois estamos, como j vimos, s portas de uma civilizao espiritualista e no podemos continuar educando as crianas e os jovens nos moldes obsoletos do passado. Educao sem religio atualmente absurda, como absurda tambm a educao materialista que continuamos a aplicar.

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  • NASCIMENTO DA EDUCAO CRIST

    A prpria existncia da educao Judaica, independente e inteiramente distinta da Educao Greco-romana, indicava ao Cristianismo a possibilidade e a necessidade de organizao do seu sistema educacional. O exemplo his-trico, por sua vez, corroborava as exigncias tericas da nova doutrina. Assim, a prtica judaica e a teoria crist dariam nascimento a um novo tipo de educao, correspondente s aspiraes da nova era que brotava dos ensinos de Jesus. Mais tarde como sempre acontece em Educao teria de surgir a ,Pedagogia Crist, que por sinal se dividiria em vrios sistemas pedaggicos, adaptados s vrias correntes que surgiriam na interpretao evanglica.

    Bastaria o conhecimento deste fato histrico, obrigatoriamente registrado nos tratados de Pedagogia, para mostrar a professores e leigos, espritas ou no, a legitimidade da Educao Esprita que j um fato concreto e portanto histrico em nossos dias e a necessidade de formulao da Pedagogia Esprita. S o desconhecimento da Histria da Educao e a ignorncia do processo de nascimento da Educao Crist pode levar algum a se opor ao desenvolvimento da Educao Esprita e conseqente aparecimento do sistema pedaggico correspondente.

    Alm das bases histricas (judaicas) a Educao Crist se fundamentou ainda no prprio exemplo de Jesus e de seus discpulos, entre os quais se destaca, por sua cultura e sua atividade intensiva, a figura do apstolo Paulo. Lorenzo Luzuriaga, na sua Histria da Educao e da Pedagogia, oferece-nos este trecho que devia ser amplamente divulgado no meio esprita:

    A Educao Crist se realizou, nos primeiros tempos, direta e pessoalmente. Os educadores foram o prprio Jesus o Mestre por excelncia os apstolos, os evangelistas e, em geral, os discpulos do Cristo. Era ento uma educao sem escolas, como aconteceu com a budista, a judaica, e em geral com todas as religies em seus primeiros tempos.

    Note-se que Luzuriaga refere-se a outros exemplos histricos, relativos a outras religies. Sabemos que a forma pessoal e direta de educao marca sempre o incio de qualquer desenvolvimento de novo sistema educacional. um fenmeno obrigatrio e constante em todo o campo educativo e corresponde ao perodo inicial da educao familial em todas as civilizaes. Toda educao comea sempre pelo ato de educar, que se passa necessariamente entre duas ou mais pessoas. Jesus iniciou a Educao Crist ao ensinar pessoalmente os fundamentos da nova doutrina ao povo.

    Henri Marrou, professor da Sorbonne, em sua famosa Histoire de L'Education dans L'Antiquit, que todo estudante de pedagogia deve obrigatoriamente conhecer, abre com as linhas abaixo o seu captulo sobre o Cristianismo em face da Educao Clssica:

    A expresso educao crist encontrada nos escritos de So Clemente de Roma, l pelo ano 96. So Paulo, antes dele, j se preocupara em aconselhar os pais sobre a maneira de educar os filhos: essa uma preocupao constante do Cristianismo (1 Corntios; Efsios; Colossenses.)

    Pode-se alegar que a Educao Crist era, de incio, puramente religiosa. O mesmo aconteceu com todas as formas de educao nascidas das grandes religies. A prpria Educao Geral, que abrange todas as formas especficas, tambm se iniciou com os rituais das tribos. Na proporo em que o Cristianismo se propagava e se institucionalizava, a incipiente educao crist

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  • ia amadurecendo e se definindo. Foi por volta de 179 que o filsofo grego Pantenus, convertido ao Cristianismo, fundou em Alexandria a primeira escola de catequistas. Os didscalos, catequizadores sem preparo, iam ser substitudos por professores formados em curso especial, de natureza enciclopdica. Clemente e Orgenes fariam dessa escola, mais tarde, o mais importante centro de cultura religiosa da poca.

    Podemos dizer que, com a iniciativa do filsofo Pantenus, a educao crist deu um verdadeiro salto qualitativo, atingindo a institucionalizao em plano superior.

    A pedagogia crist A Pedagogia propriamente dita s aparece depois do desenvolvimento da

    Educao. Porque a Pedagogia o estudo, a pesquisa, a reflexo sobre o processo educacional. Assim, cada novo sistema educacional surge e se desen-volve sob a presso das necessidades culturais, amparado por uma orientao pedaggica estranha. A Educao Crist se desenvolveu em meio da cultura clssica greco-romana, mas sob a influncia pedaggica da Educao Judaica. As culturas grega, romana e judaica geraram historicamente a nova cultura crist. Assim, a Educao Clssica e a Educao Judaica foram as fontes naturais de que surgiu a Educao Crist.

    Jesus reformou o Judasmo e dessa reforma saiu o Cristianismo. Os cristos, a partir do impulso inicial do prprio Cristo (o Mestre por excelncia) teria de reformar a Educao Clssica e a Educao Judaica, e dessa reforma' surgiria a Educao Crist. S assim, nessa perspectiva histrica, poderemos compreender a continuidade natural que existe no processo educacional. Cada nova Educao no a negao da anterior, mas o seu desenvolvimento. O fenmeno de transmisso da cultura atravs das geraes explica as metamorfoses educacionais. A reelaborao da experincia, segundo a tese de Dewey, implica o aproveitamento dos valores adquiridos pela cultura anterior. O Cristianismo se apresenta, ainda hoje, sobrecarregado de heranas pags e judaicas. Essas heranas pesaram tambm no desenvolvimento da Educao Crist. Mas na era patrstica, entre os sculos III e IV, elas vo servir para a elaborao da Pedagogia Crist. Os primeiros pedagogos cristos eram homens formados no seio da Pedagogia Clssica greco-romana e influenciados (escri-turstica e teologicamente) pela Pedagogia Judaica.

    Clemente de Alexandria, autor de O Pedagogo, primeiro tratado pedaggico do Cristianismo, fora formado na Filosofia grega e deu ao professor cristo o nome de logos. Seu famoso discpulo e continuador, Orgenes, autor da Suma Teolgica Metafsica, teve a mesma origem cultural e considerava a Filosofia como o prembulo da Religio. Baslio, fundador da escola monstica, j se desprende da herana grega mas se apega judaica, especialmente s Escrituras. Quintiliano e Jernimo desenvolvem mtodos especiais e se voltam mais para a essncia crist dos Evangelhos. Com So Bento a Educao Crist j comea a abrir suas portas para o mundo, saindo do recinto fechado dos mosteiros para aceitar alunos externos. Mas com Agostinho autor de A Cidade de Deus, O Mestre de Deus, O mestre e Da Ordem, que a herana platnica se acentua vigorosamente na Pedagogia Crist, ao mesmo tempo que os elementos fundamentais da Pedagogia Pag so adaptados Escola Crist e nela integrados: as artes liberais,