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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES GIANI DE CÁSSIA SANTANA POLITICAS PÚBLICAS CULTURAIS: PRECONCEITO RACIAL NAS REDES SOCIAIS DE INTERNET E EDUCAÇÃO. Mogi das Cruzes, SP 2017

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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES GIANI DE CÁSSIA SANTANA

POLITICAS PÚBLICAS CULTURAIS: PRECONCEITO RACIAL NAS

REDES SOCIAIS DE INTERNET E EDUCAÇÃO.

Mogi das Cruzes, SP 2017

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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES GIANI DE CÁSSIA SANTANA

POLITICAS PÚBLICAS CULTURAIS: PRECONCEITO RACIAL NAS

REDES SOCIAIS DE INTERNET E EDUCAÇÃO.

Orientadora: Prof.ª Dra. Rosália Maria Netto Prados

Mogi das Cruzes, SP 2017

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade de Mogi das Cruzes como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas. Área de concentração: Realidade Regional: Qualidade de Vida e Dignidade Humana

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha orientadora, professora Dra. Rosália Maria de Neto Prados pela

dedicação;

A todos os docentes do Programa de Mestrado em Políticas Públicas, em especial à

Dra. Luci Mendes de Melo Bonini, que nas aulas de Seminário de Pesquisa - em um

de seus preciosos insights sugeriu o trabalho com Memes: objeto desta pesquisa,

bem como ao Dr Francisco Franco que trouxe eximias contribuições ao presente

trabalho, compondo a banca de qualificação junto à Dra.Luci Mendes de Melo

Bonini;

Dr Sônia Maria Alvarez, que foi minha professora no curso de Letras pela

Universidade Braz Cubas em 1998, responsável por minha admiração pela

Linguística. Na medida em que me fez perceber o mundo fantástico que se

descortina quando compreendemos a função social da linguagem, as inúmeras

interpretações que se estabelecem a partir de um mesmo discurso - dependendo do

contexto em que este se insere - e a polifonia de vozes que subjazem deste;

Ao meu marido Roberto, pela compreensão, apoio e cumplicidade;

Aos meus irmãos exemplos de vida que me instigaram a aprimorar minha vida

acadêmica;

Aos discentes do Programa de Mestrado, em especial às amigas: Marinete Pereira

de Souza Oliveira e Luciana Vieira Tamamoto, com as quais dividi angústias,

superei desafios e comemorei avanços;

À grande amiga Ma. Rogata Antanes Netto que me motivou a entrar para o

mestrado, me incentivou e ajudou todas as vezes que precisei;

À Dirigente Regional de Ensino de Suzano Profa. Vera Lúcia Miranda, bem como a

Diretora de Núcleo Pedagógico Marina Toshiko Tachira Sato;

A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a execução deste

trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho tem por tema a análise do discurso subjacente em textos sincréticos retirados das redes sociais de internet que evidenciam como se dão as relações étnico-raciais brasileiras no contexto contemporâneo. A pesquisa, primeiramente, apresenta conceitos históricos sobre o combate ao racismo no mundo, bem como sobre os efeitos das Mídias sobre a subjetividade. A metodologia, de abordagem qualitativa, é a da análise semiótica do discurso. Faz-se uma análise do corpus deste trabalho: textos sincréticos retirados das redes sociais de internet no período de fevereiro de 2015 a dezembro de 2016, associando-os ao termo “meme”. Por fim se dão discussões a respeito dos valores eurocêntricos evidenciados nas redes sociais de internet por meio dos textos selecionados e da necessidade de estímulo ao uso das mídias, segundo uma perspectiva educacional, além da importância da escola enquanto um ambiente de construção de atitudes de respeito e valorização das diferenças etnico-raciais. Pôde-se então observar, após análises e discussões, a riqueza polifônica dos textos ora selecionados e as ideologias e valores que os mesmos propagam para melhor compreensão da maneira como se dão as relações etnico-raciais na sociedade brasileira contemporânea dentro e fora do espaço midiático. Tal compreensão poderá auxiliar na elaboração e no fomento de Políticas Públicas étnico-raciais mais eficazes, bem como poderá ser um valioso material de apoio à formação de professores. Palavras Chave: Análise do discurso; “Memes”; Preconceito; Políticas Públicas Culturais.

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ABSTRACT

The theme of this work is the analysis of the underlying discourse in syncretic texts taken from the social networks of the internet that show how the Brazilian ethno-racial relations occur in the contemporary context. The research, firstly, presents historical concepts on the fight against racism in the world, and also on the media’s effects on subjectivity. The qualitative approach is the semiotic analysis of discourse. An analysis of the corpus of this work is made: syncretic texts taken from the internet social networks from February 2015 to December 2016, associating them with the "meme" term. Finally, there are discussions about the Eurocentric values evidenced in internet social networks through the selected texts and the need to stimulate the use of the media, according to an educational perspective, besides the importance of the school as an construction’s environment of respect and appreciation’s attitudes of ethnic-racial differences. After analyzsis and discussions we can observe, the polyphonic richness of the selected texts and the ideologies and values that they propagate to better understanding the ethno-racial relations in the contemporary Brazilian society inside and outside the media space. This understanding may help in the elaboration and promotion of more effective Public Policies and can be valuable material in support of teacher training. Keywords: Discourse analysis; "Memes"; Cyberspace; Preconception; Cultural Public Policies.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Somos todos Maju ................................................................................... 53

Figura 2 - Relações Actanciais subjacentes à enunciação: Somos todos Maju ....... 53

Figura 3 - Ludmila ..................................................................................................... 55

Figura 4 - Relações Actanciais subjacentes à enunciação:Ludmila. ........................ 55

Figura 5 - Discurso das relações raciais no Brasil .................................................... 56

Figura 6 - Campanha Somos todos Macacos........................................................... 67

Figura 7 - Relações Actanciais:Somos todos macacos ............................................ 68

Figura 8 - Programa narrativo: Somos todos macacos ............................................ 69

Figura 9 - Campanha Somos todos bananas. .......................................................... 71

Figura 10 - Relações Actanciais: Somos todos bananas. ........................................ 72

Figura 11 - Programa Narrativo: Somos todos bananas .......................................... 73

Figura 12 - Octógono Semiótico (baseado em Pais, 1997) ...................................... 75

Figura 13 - Pior seria se eu fosse negro. .................................................................. 76

Figura 14 - Se o negro for você. ............................................................................... 76

Figura 15 - Relações actanciais: Pior seria se eu fosse negro. ................................ 78

Figura 16 - Relações actanciais: Se o negro for você. ............................................. 79

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CNE - Conselho Nacional de Educação

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

ERER – Educação para as Relações Etnico-raciais

LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ONU – Organização das Nações Unidas

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense

UNB - Universidade de Brasília

STF - Supremo Tribunal Federal

DEM – Democratas

CNE – Conselho Nacional de Educação

DNA - Ácido desoxirribonucleico

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNAIDS - Nações Unidas sobre HIV/AIDS

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11

1.1 Da previsão legal de Combate ao racismo no mundo e das Políticas Públicas para efetivação de direitos da população negra. ....................................................... 12 1.2 Mídia e preconceito racial: efeitos sobre a subjetividade e excessos quanto à liberdade de expressão. ............................................................................................ 18 1.3 Mídia e preconceito racial: a incitação ao discurso do ódio e seus reflexos no meio jurídico. ............................................................................................................. 21

2 OBJETIVOS ....................................................................................................... 27

2.1 Objetivo Geral ..................................................................................................... 27 2.2 Objetivos Específicos .......................................................................................... 27

3 MÉTODO ............................................................................................................ 28

3.1 Natureza do Estudo ............................................................................................. 28 3.2 Objeto de Estudo ................................................................................................. 28 3.3 Critérios de inclusão do Objeto ........................................................................... 29 3.4 Método de Coleta de dados ................................................................................ 30 3.5 Método de Análise ............................................................................................... 30

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES .................................................................. 33

4.1 Conceito de Meme .............................................................................................. 33 4.2 “Memes” nas Redes Sociais de Internet: uma proposta de análise do discurso. 34 4.3 Semiótica nas linguagens visuais. ....................................................................... 38 4.4 Preconceito étnico-racial nas redes sociais de internet: ameaça aos direitos da personalidade. ........................................................................................................... 40 4.5 Análise semiótica do discurso: evidências da violação de direitos da personalidade nas redes Sociais de Internet e perspectivas educacionais neste meio de comunicação. ....................................................................................................... 43 4.6 O espaço escolar enquanto ambiente de construção de atitudes de respeito e valorização das diferenças. ....................................................................................... 59 4.7 Análise semiótica do discurso: Somos todos macacos ou bananas? ................. 65 4.8 Análise semiótica do discurso: O Mito da Democracia Racial e o tratamento diferenciado entre brancos e negros no Brasil. ......................................................... 76 4.9 “In” diferenças. .................................................................................................... 81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 83

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 85

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1 INTRODUÇÃO

A defesa aos direitos das populações vulneráveis vem se incorporando às

políticas públicas brasileiras de modo geral, inclusive às políticas educacionais. E

favorecem, em certa medida, populações que jamais poderiam pensar em ter

visibilidade e serem ouvidas, como é o caso das populações negra e indígena, mas

não há de olvidar-se que apesar de muitas conquistas persiste ainda a liderança

cultural-ideológica de uma classe sobre as outras, conforme nos diz Gramsci 1978c,

quanto este de refere à hegemonia cultural.

Eis que, por meio da metodologia associada à Análise Semiótica do Discurso,

esse estudo propõe evidenciar, nos textos veiculados nas redes sociais da internet,

a maneira como são retratadas as relações etnico-raciais no contexto midiático atual

brasileiro e, consequentemente no contexto social, uma vez que as redes sociais e

as mídias em geral reproduzem as falas, ou discursos, da vida em sociedade. Tal

análise nos permitirá dar início a discussões expressivas a respeito do discurso

subjacente nos textos ora selecionados - corpus da nossa pesquisa - e revelar as

representações ideológicas contemporâneas sobre a temática pesquisada.

O método semiótico, segundo Greimas (2001), o modelo greimasiano,

possibilitar-nos-á a depreensão das estruturas subjacentes aos textos por meio de

narrativas que poderão ser analisadas em quadrados semióticos. Este modelo,

denominado percurso gerativo da significação, parte das estruturas mais profundas

do texto para as estruturas da superfície, convertendo os diferentes níveis

estruturais uns aos outros, seguindo um percurso do discurso, enriquecedor e

complexo.

Discutir-se-á também a respeito do papel dos gêneros textuais veiculados nas

redes sociais de internet, enquanto força que molda nossa evolução cultural,

conforme nos diz Blackmore (1999). Chomsky (2014) afirma que o sistema

discursivo tenta impor seus pontos de vista através dos meios de comunicação de

modo a difundir no imaginário social o individualismo, o machismo, o nacionalismo, a

competitividade, entre outros, além de induzir a um estilo de vida que faz uso da

violência como meio e propagação do racismo. Para ele a finalidade social da mídia

é a de incutir e defender a ordem econômica, social e política de grupos

privilegiados, sendo esta um dos principais dispositivos discursivos por meio do qual

se desenvolve uma “história do presente” e que tensiona a memória e o

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esquecimento. Para Chomsky a mídia formata a historicidade que nos constitui e

modela a identidade histórica que nos liga ao passado e ao presente, interpelando o

leitor através de textos verbais e não-verbais que compõem o movimento da história

presente por meio da ressignificação de imagens e palavras enraizadas no passado.

As interpretações contemporâneas derivam, pois, do exercício de rememoração e

esquecimento. Algumas figuras são recolocadas em circulação e isso permite

movimentos interpretativos, deslocamentos e retomadas de sentido.

Este Projeto de Pesquisa, portanto, encontra-se inserido no Programa de

Mestrado em Políticas Públicas, na Linha de Pesquisa de Políticas Culturais:

Diversidade e Cidadania. Para o programa de mestrado e para a ciência,

possivelmente os resultados deste trabalho poderão motivar outros estudos sobre a

temática que carece de maior visibilidade, vez que desde 1948, segundo ONU

(2011), o combate à discriminação racial e étnica tem sido objeto de convenções,

declarações e conferências das Nações Unidas e outras instituições, contudo

existem ainda tensões no ambiente social contemporâneo, geradas pela

discriminação étnico-racial.

Esta pesquisa, em princípio, tem por objetivo desvelar valores etnocêntricos

de desrespeito às diferenças étnico-raciais, por meio da análise semiótica

Greimasiana de textos mêmicos e faz-se, pois, relevante, uma vez que ampliará a

visibilidade a respeito da maneira como se dão as relações étnico-raciais no

contexto social contemporâneo brasileiro, fomentando discussões acerca da

temática. Pretende-se ainda, uma leitura dos “memes” para além das imagens ou

palavras, desconstruindo práticas ingênuas de leitura.

Isto posto, será apresentado a seguir um breve panorama a respeito da

maneira como são representadas as relações étnico-raciais no contexto midiático

contemporâneo, bem como do preconceito que, por vezes, se manifesta nas Redes

Sociais de Internet. Fato que afronta os Direitos Humanos e o princípio da dignidade

da pessoa humana.

1.1 Da previsão legal de Combate ao racismo no mundo e das Políticas

Públicas para efetivação de direitos da população negra.

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O combate ao racismo não é uma preocupação contemporânea e teve origem

em articulações internacionais que impactaram legislações em nível mundial, dando

origem a normas jurídicas que visavam à proteção de populações etnicorracialmente

desprivilegiadas, logo a questão da supressão de uma determinada raça em

detrimento de outra já é assunto antigo.

No século XX, com o fim da Primeira Guerra Mundial, Woodrow Wilson, o

então presidente dos Estados Unidos e Vladmir Lenin, o arquiteto da Revolução

Russa, fizeram apelos pela autodeterminação dos povos. Tal apelo desencadeou a

criação da Liga das Nações e viabilizou a independência de diversas populações da

Europa Central, por intermédio da proteção dos direitos das minorias étnicas na

Europa. (ROLAND; SANTORO, 2007).

Pequenas populações foram criadas de forma desconexa no território

Europeu dentre escombros dos ex-impérios. Local propício para o crescimento da

intolerância e da xenofobia. Em Viena, por exemplo, originaram-se movimentos de

ódio racial bastante violentos. Foi nesta conjuntura que Hitler se destacou na política

e ocorreram os piores massacres raciais da história por meio da ascensão do

nazismo e do fascismo que provocaram o genocídio da população judaica, a

tentativa de colonização de países africanos e a utilização dos povos da Europa

Oriental como mão-de-obra barata. (ROLAND; SANTORO, 2007).

Ainda segundo Roland e Santoro (2007), na Segunda Guerra Mundial os

projetos totalitários foram vencidos, sendo tal evento um marco na luta mundial

contra o racismo, mas as democracias que venceram o conflito não eram referência

em relação ao convívio racial. A título de exemplo, os Estados Unidos lutaram

contra o nazismo segregando pessoas negras de brancas e tal segregação perdurou

até o ano de 1948. Na França, os 130 mil soldados árabes, que lutaram ao lado da

causa aliada contra o nazismo, convocados para o exército francês foram

discriminados pelos superiores brancos. Percebemos que assim como hoje o papel

histórico das populações negra e árabe, acima citadas foi, contudo, esquecido. Sua

cultura, costumes e valores foram suprimidos em detrimento da cultura, costumes e

valores dos brancos.

Inobstante os obstáculos impostos pelos interesses das grandes potências o

combate ao racismo avançou no pós-guerra. Os movimentos em defesa do combate

ao racismo como elemento essencial da luta por direitos humanos se fortaleceram.

Deste período em diante se deram: a mobilização pelo fim da segregação racial no

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Sul dos Estados Unidos que culminou com a Lei dos Direitos Civis, em 1964, a

descolonização na África e na Ásia, a destruição dos impérios coloniais europeus

que deu origem aos Estados independentes e internacionalmente ligados por

articulações solidárias, o enfrentamento ao apartheid na África do Sul, dentre outros

movimentos. (ROLAND; SANTORO, 2007).

Para Roland e Santoro (2007) o cenário de mudanças ocorridas na sociedade

provocou transformações no direito. Houve à época a preocupação com os valores

que deveriam nortear as relações internacionais e isso deu origem à criação das

Nações Unidas que estabeleceu a igualdade formal entre os países signatários e a

dinâmica de cooperação entre si. Estando estes submetidos às regras elaboradas e

impostas em conjunto.

Ainda neste cenário de transformações ocorreu também em 1960, a

expansão do sistema global de proteção dos direitos humanos. O Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e a Convenção sobre a Eliminação

de todas as Formas de Discriminação Racial (1965) que foram celebrados com

status de compromissos internacionais obrigatórios e não meramente

recomendações. (ROLAND; SANTORO, 2007).

Atualmente, a Carta Internacional dos Direitos Humanos é composta pelos

dois pactos ora citados junto à declaração de 1948. Documento, no qual se

encontram os valores considerados essenciais para o convívio entre os Estados no

sistema internacional. Associando o binômio igualdade e liberdade e afugentando

qualquer forma de discriminação em termos de raça, religião, gênero e condição

econômica.

Apesar disso, vê-se que o racismo e o preconceito são ainda problemas

comuns na maioria das sociedades contemporâneas. Eles refletem as relações

raciais excludentes que ocorreram entre colonizador e colonizado em tempos idos e

que se enraizaram na expansão do modelo moderno e ocidental de sociedade que

se replica até os dias atuais.

Não há, pois, olvidar-se que a redução das desigualdades sociais existentes

no Brasil e no mundo depende do combate ao racismo e ao preconceito e é certo

que o Direito internacional já contribuiu formalmente para isso, elevando os direitos

humanos a um patamar superior de exigibilidade. Contudo é necessária uma

democratização radical das organizações e dos Estados para que esses possam

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garantir os direitos das populações vulneráveis. Roland e Santoro (2007) nos dizem:

Observa-se, portanto, que a internacionalização dos direitos humanos consagrou as normas de direitos humanos como imperativas, pertencentes a um plano superior ao plano das normas internacionais comuns. Nesse caminho, adapta-se à legislação brasileira. Consequentemente, a prática do racismo tem a sua proibição rechaçada de forma peremptória, no plano internacional e internamente, como um fundamento do Estado de Direito contemporâneo, acompanhando as mais avançadas legislações do mundo. Não são favores ou assistencialismos a determinadas parcelas da população, mas afirmação da cidadania. (ROLAND; SANTORO, 2007, p. 74).

As Políticas Públicas, portanto, têm contribuído em grande medida para que

direitos e garantias destinados às populações vulneráveis produzam seus efeitos.

São muitos os programas, planos, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado

direta ou indiretamente, com a participação de entes públicos e ou privados, que

visam assegurar tais direitos.

Chorão (2011) afirma que a implementação de ações afirmativas no Brasil,

por exemplo, colocou definitivamente a discriminação e o preconceito na agenda

pública e viabilizou o debate acerca da reparação histórica ao povo negro, bem

como dos efeitos do preconceito que se revela cotidianamente e da

responsabilidade do Estado sobre a promoção da igualdade. “Apesar da

insuficiência das ações até aqui adotadas, o sentido das iniciativas em curso é

colocar em debate o tema da reparação histórica ao povo negro, algo que faz parte

das reivindicações do movimento desde a década de 1980”. (BELCHIOR, 2011, p.

29).

As primeiras Políticas Públicas brasileiras voltadas ao combate à

discriminação começaram em meados de 1990, após um período em que o tema se

voltou para o reconhecimento e a penalização dos crimes raciais. Em 2000, o

governo federal começou a investir em projetos de caráter afirmativo e na III

Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e as

Formas Conexas de Intolerância em Durban no ano de 2001 o Itamaraty assumiu o

compromisso de promover ações afirmativas. O Programa de Ação Afirmativa do

Instituto Rio Branco (órgão responsável pela formação de diplomatas) foi lançado

pelo Itamaraty em 2002. Tratou-se da concessão de bolsas a afrodescendentes em

cursos preparatórios para o processo de seleção do Instituto. E em 2011 foi criada

também uma cota de vagas para negros e indígenas na primeira etapa do processo

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seletivo. (CHORÃO, 2011).

Entre as razões que levaram o Itamaraty a adotar um programa de ação afirmativa está o fato de que a diplomacia é uma carreira que sofria de uma percepção social elitista; segundo, é uma carreira que representa o País e houve o entendimento de que essas duas questões deveriam ser enfrentadas” (REBOUÇAS, 2011, p. 30).

Outros programas foram formulados em respeito ao compromisso firmado

pelo Itamaraty e em respeito aos direitos da população negra e indígena, dentre

outras tão vulneráveis quanto esta. O Ministério da Saúde, portanto, lançou o

Programa de Combate ao Racismo Institucional que buscou formar gestores para a

promoção da equidade racial na área e que se estendeu do ano de 2003 ao ano de

2006, já o Ministério da Educação criou o Programa Diversidade na Universidade

que apoiava cursinhos pré-vestibulares voltados para afrodescendentes e indígenas.

E ainda que não tenha agradado a opinião pública de modo geral, em 2001 as

universidades estaduais do Rio de Janeiro – UERJ e UENF – criaram cotas para

negros e índios nos seus processos seletivos, e em 2003, a UnB aprovou a criação

das cotas raciais, numa iniciativa inédita entre as federais. É imprescindível ressaltar

que tal medida foi alvo de uma ação no STF, movida pelo DEM, que refuta a

constitucionalidade de tais políticas. (CHORÃO, 2011). “Uma pesquisa da

Associação dos Juízes Federais sobre a jurisprudência em segunda instância

mostra que há prevalência do entendimento sobre a constitucionalidade das cotas

na educação” (SILVA, 2011, p. 31).

Fica, portanto, evidente que apesar das Políticas Públicas afirmativas ou até

mesmo universais voltadas para as populações negra e indígena, existem ainda

muitos entraves no sentido de garantir efetivamente que esta população possa

usufruir de seus direitos e figurar na sociedade contemporânea de maneira

igualitária. A mídia, por exemplo, muitas vezes atendendo a interesses de um grupo

social especifico, divide a opinião publica acerca de medidas afirmativas como as

citadas acima. Conde (2009) afirma que:

O emissor, um grupo econômico, ou religioso, ou político, ou governamental, mantém um grupo de pessoas, os diversos profissionais envolvidos, na produção de uma similaridade discursiva, criando uma unidade, um estilo, uma personalidade, como se fosse uma pessoa, aquele falante que se apresenta como se fosse o nosso vizinho, um conhecido, ou alguém que sabe mais, a falar assertivamente sobre seu tema. Já o “telespectador”, privado de pertencimento a etnias, escolarizações

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diferenciadas, capacidades de compreensão, conhecimentos prévios, crenças religiosas, foi transformado naquele que deve receber, e gostar do que recebe... (CONDE, 2009, p. 74).

Não há, pois que se falar em preconceito ou em efetivação dos direitos das

populações vulneráveis sem pensar nas ideologias que intensificam a não efetivação

de tais direitos, bem como maximizam o preconceito racial que se manifesta em

discursos cotidianos da vida real bem como nos das mídias.

Conde (2009) fortalece sua opinião complementando que para Vygotsky

estudar um fato completamente isolado do resto do mundo, insento de suas inter-

relações com os demais fenômenos, significa condenar o objeto de estudo a

permanecer sem identificação. Daí fazermos a relação entre preconceito e o poder

da mídia sobre os modos de pensar e agir das pessoas.

As contribuições de Vygotsky sobre a aquisição e o desenvolvimento das funções superiores, como a memória, a atenção, o pensamento, a percepção, são da mais alta relevância para se entender o impacto das mídias e de seus conteúdos como um dos elementos sociais ativos na produção das subjetividades, nos valores sociais que transmitem, nos modos de agir que difundem, na produção dos sujeitos contemporâneos. (CONDE, 2009. p. 76).

Na compreensão do autor a relação do brasileiro com as TVs, por exemplo,

não é mais uma relação de consumo, mas familiar. Apresentadores e artistas

ganharam um espaço de intimidade nas famílias. Discute-se cotidianamente o que

ocorre nas novelas, nos reality shows, programas de família, contudo não se

discutem as questões educacionais, as pesquisas científicas, as políticas públicas

para a saúde, as relações atuais com os trabalhos, os projetos de sociedade, etc.

Afinal nenhum desses assuntos faz parte da programação de rotina nos canais de

televisão. E quando temos que nos posicionar em relação a qualquer um deles ou

em relação a outras questões mais complexas o fazemos a partir de como esta é

veiculada e apresentada pela TV. Logo, tudo que nos chega é pré-delimitado e tem

grande impacto na produção das subjetividades. Daí pensarmos na importância de

discutirmos acerca do racismo que se evidencia nas mídias e em especial nas redes

sociais.

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1.2 Mídia e preconceito racial: efeitos sobre a subjetividade e excessos quanto

à liberdade de expressão.

O espaço midiático é o local onde se desenvolve boa parte das relações

étnico-raciais brasileiras e identificamos muitas vezes em propagandas, novelas ou

em textos veiculados nas redes sociais a legitimação da exclusão étnico-racial que

oprime populações vulneráveis.

As representações negativas a respeito dos negros podem ser constatadas através da categoria do imaginário, levando-se em conta que desde o século XIX "o africano e seus descendentes eram conotados", nos setores dominantes "como seres fora da imagem ideal do trabalhador livre, ou motivos eurocentrados". E hoje, o imaginário racista pode ser reproduzido através do "discurso mediático-popularesco” (SODRÉ, 1999, p. 244).

O autor nos traz a assertiva de que no espaço midiático são veiculados

discursos que reproduzem o racismo de outrora. Reforçando antigas representações

negativas a respeito da população negra. Nesse sentido, Roso (2002) nos traz

valorosa contribuição quando afirma que palavras, imagens, mensagens, ou

qualquer outra forma simbólica seriam inofensivas se não carregassem ideologia

consigo. Para a autora os itens ora citados promovem interesses de grupos de

pessoas que, consciente ou inconscientemente, discriminam aqueles/as que são

minorias. (ROSO et all, 2002).

Pensarmos, pois, nas ideologias replicadas por meio de tais elementos nos

meios de comunicação, no poder que a mídia exerce sobre as pessoas e no quanto

ela contribui para com a propagação do preconceito etnicorracial é essencial para

fortalecer as discussões que se farão no decorrer deste trabalho. Uma vez que a

difusão de palavras, imagens e mensagens, a priori uma inócua atividade externa,

na verdade ratifica ideologias e valores que são internalizados pelos sujeitos e que

pressupõe uma série de transformações subjetivas. Conde (2009) assevera: “Nós

nos posicionamos sobre os fatos que cercam nossas vidas a partir de como são

veiculados, apresentados pela TV: tudo nos chega pré-escolhido, com palavras

definidas”. (CONDE, 2009, p. 76).

Percebe-se na fala do autor a questão de que as pessoas são afetadas pelos

diversificados meios de comunicação a ponto de assumirem determinadas posições

em relação aos fatos cotidianos de acordo com aquilo que elas visualizam neste

espaço, ou melhor, de acordo com a opinião daqueles que pré-escolhem as

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mensagens a serem veiculadas neste ambiente. Daí ratifica-se a ideia da influência

dos meios de comunicação sobre a subjetividade das pessoas.

Araújo (2009) alude que a mídia, em especial, na América Latina e no Brasil,

cresceu junto à construção da nossa identidade nacional e que não podemos perder

isso de vista. No Brasil, um momento fundamental na construção da ideia de ser

brasileiro, veio no período do Estado Novo, a partir da década de 30. Antes deste

período já havia o jornal, mas a primeira mídia de massa, o rádio, apareceu no

mesmo ínterim da construção de uma nova ideia de nação.

Um dos intelectuais que se destacaram a época na discussão do “quem

somos nós” foi Gilberto Freire. Tratou-se de um ciclo em que se estavam produzindo

várias subjetividades, de certa forma desvinculadas de um imaginário, de uma

subjetividade anterior e que a mídia de massa começou a construir no nosso

imaginário singular por meio da difusão de produtos culturais, tais como: o samba e

o papel do futebol ou do jeitinho brasileiro. (ARAÚJO, 2009). “Quem inventou, quem

consolidou o “o que é ser brasileiro” foi um grupo de intelectuais, pensadores,

artistas, desde o fim da colônia, mas a mídia tornou essas ideias extremamente

populares” (ARAÚJO, 2009, p.165). Para as elites brasileiras, bem como para o

Estado, a vocação natural do Brasil era ser um país branco, ser como os países

europeus e, portanto, a modernidade e o futuro brasileiro estariam vinculados ao

fortalecimento das nossas características europeias. (ARAÚJO, 2009).

E é o que está na base da política do Estado brasileiro, de substituição de mão de obra escrava por brancos europeus com a promoção de campanhas migratórias na Itália, Espanha e Alemanha. Isso foi incorporado pela mídia, portanto, essa é a história racial de nossa mídia... (ARAÚJO, 2009, p.166).

A vista disso, o autor prossegue afirmando que a mídia foi também a difusora

de um padrão estético ariano de beleza na escolha de seus galãs e mocinhos que

consolidou a ideia de superioridade de uma raça em relação à outra por meio de

imagens. Em consequência internalizamos que o belo é o branco e que quanto mais

negro, mais feio, mais marginalizado, mais inferiorizado.

Então, a mídia reforçou essas ideias que já estavam presentes desde o período da escravidão, só que reforçou por meio de um discurso estético, um discurso de imagens. Transformou em imagens o que era um discurso oral e político. Ela começou a alimentar, de uma forma que causava muito mais impacto dentro da nossa subjetividade, esse tipo de imaginário. (ARAÚJO, 2009, p.166-167).

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Eis que um Novo Estado se construía, contudo, fez-se sobre antigas

concepções acerca das questões etnicorraciais. Incutindo padrões estéticos, morais

e culturais europeus em detrimento dos demais padrões já existentes no Brasil. Na

sociedade contemporânea nada é diferente. A televisão e os celulares com suas

redes sociais e transmissão de programas televisivos se tornam cada vez mais

populares e acessíveis. E a ideologia do branqueamento nos é internalizada como

um fato natural por intermédio desses meios de comunicação. Não há estranheza

nenhuma nisso. Sequer nos questionamos a respeito das desvantagens de ser

negro e dos privilégios de ser branco. (ARAÚJO, 2009).

Moreira (2010) complementa as ideias de Araújo afirmando que toda mídia

impressa ou televisiva determina modos de existência e subjetividade e salienta que

a nova mídia: a internet - amplia o potencial de produção da subjetividade, uma vez

que modifica as experiências físicas, mentais e sociais dos indivíduos. Alterando as

noções de tempo e espaço e incutindo nos sujeitos a ideia de autonomia subjetiva.

Ademais a internet tem sido uma grande aliada da ideologia eurocêntrica

(aquela ideologia que tem a Europa como centro de referência e "modelo" de

sociedade) na propagação do preconceito étnico racial. O mundo virtual e anônimo

torna as redes sociais e a web, de forma geral, num ambiente engenhoso para a

disseminação de ofensas (SANTOS, 2013). Tratamos adiante de casos de

preconceito sofrido por personalidades famosas, tais como a jornalista Maria Júlia

Coutinho, a atriz Tais Araújo e cantora Ludmila nas redes sociais de internet. Casos

que tiveram grande repercussão no meio virtual, chegando até mesmo a virarem

“memes” que se replicaram na Web.

Pode-se dizer que a rede mundial de computadores é um novo modo de agir daquelas pessoas preconceituosas, ou seja, um novo modus operandi à disposição do preconceito e da discriminação, que adquire status virtual, podendo ser cometido pela Internet, isto é, uma forma de cibercrime. (SANTOS, 2013, p. 268-269)

É sabido que a liberdade de expressão é necessária para uma democracia,

sendo uma forma de autonomia individual, mas deve existir um limite à livre

manifestação de expressão em determinados casos, como no caso do preconceito

racial e da incitação de pensamentos racistas que contrariam a existência de uma

sociedade democrática, que zela pela igualdade entre todos. (SANTOS, 2013).

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Vejamos: “Uma ordem democrática, que se preocupa com a inclusão social de

grupos étnicos estigmatizados, a liberdade de expressão não pode se converter em

um escudo para o racismo” (SARMENTO, 2006, p. 104).

Os autores acima relacionados nos alertam a respeitos dos excessos em

relação à liberdade de expressão. Até que ponto tal liberdade não afeta outros

diretos subjetivos? Santos (2013) sustenta que a liberdade de expressão sempre

caminhou lado a lado com os avanços tecnológicos, especialmente os ligados à

comunicação e que este fato carece de adaptação do direito a fim de lidar com os

novos problemas e desafios que se relacionam ao surgimento e desenvolvimento da

Internet.

Desvela-se, pois, uma nova forma de se expressar que possui características

individuais, mas que se refletem no coletivo. Por meio da Internet qualquer pessoa

pode se expressar ou tornar público o que acredita ser verdade sobre qualquer tema

social, dinamizando e potencializando a liberdade de expressão “até então

conhecida” e que passa agora a não contar com barreiras geográficas, temporais ou

mesmo impostas por Estados.

Não há olvidar-se que tal liberdade deve ser protegida, contudo ela tem

acarretado consequências até então impensáveis, como por exemplo, a prática de

crimes raciais e a violação de direitos por meio da Internet que requerem uma

unidade de pensamento internacional de como agir de maneira uniforme e

colaborativa em casos de excesso para que a liberdade de expressão não seja de

fato uma arma que favoreça a veiculação do preconceito. (SANTOS, 2013).

1.3 Mídia e preconceito racial: a incitação ao discurso do ódio e seus reflexos

no meio jurídico.

Embora não pretendamos nos aprofundar em questões do direito nesta

pesquisa, não há como falar do preconceito etnicorracial sofrido por populações

vulneráveis sem pensarmos na fissura moral, e em muitos casos física, sofrida pelos

agredidos e nas questões jurídicas que envolvem tal assunto. Deixar de lado as

questões legais que cercam tal tema e que protegem as populações vulneráveis de

atitudes que violem seus direitos e garantias é o mesmo que negar a importância do

assunto e a relevância do combate a práticas racistas como já previsto em lei.

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Santos (2013) nos fala das consequências impensáveis causadas pela liberdade de

expressão na internet (conforme dito no capítulo anterior). Dentre as quais temos:

... as que violam direitos de personalidade pela Internet, como a difusão de ofensas individuais ou dirigidas a determinados grupos sociais como o chamado “discurso do ódio”, relacionado ao preconceito e discriminação racial. (SANTOS, 2013, p. 246)

Esta parte vem a desenvolver um pouco daquilo que foi tratado na anterior, no

sentido de que partiremos da questão dos excessos quanto a liberdade de

expressão nos meios de comunicação que tem uma relação íntima com a questão

do “discurso do ódio”. Santos (2013) expõe que nos meios de comunicação se

propaga tal discurso e que esse viola de maneira imediata os direitos da

personalidade de pessoas e grupos sociais.

Rothemberg e Stroppa (2015) nos dizem que os discursos discriminatórios

(hate speech) ganharam uma versão cibernética, sendo necessária a reflexão

prática a respeito dos limites do direito de expressão em atenção à veiculação de

mensagens preconceituosas que atingem pessoas e ou grupos vulneráveis.

Tratando-se, pois de uma hipótese em que a manifestação do pensamento entra em

conflito com outros direitos e valores constitucionalmente protegidos.

[...] o discurso do ódio refere-se a palavras que tendem a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que têm a capacidade de instigar violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas (BRUGGER, 2007, p. 118).

Diante da definição temos que o “discurso do ódio” tornou-se uma prática

comum, em especial nas redes sociais de internet. É frequente a prática de insultos

ou assedio a outrem neste espaço. Rothemberg e Stroppa (2015) a cerca de tal

discurso compreendem a divulgação de mensagens que revelam e fomentam o ódio

racial, a xenofobia, a homofobia e outras formas de ódio e se baseia na intolerância,

causando confrontos na convivência social diária e tendo como objetivo justificar a

privação de direitos.

Um chorrilho de leis se contrapõe ao “discurso do ódio”. Tal como o art. 5º,

Inciso XLI da Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988) que versa sobre a

punição de qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades

fundamentais e o Inciso XLII, que caracteriza o crime de racismo como inafiançável

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e imprescritível e ainda, em nível internacional. Temos o artigo 13, parágrafo 7º, da

Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que

determina a proibição de toda propaganda a favor da guerra e toda apologia ao ódio

nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade,

ao crime ou à violência. (ROTHEMBERG; STROPPA, 2015).

Dentre tantas leis que versam sobre esta temática temos duas que julgo muito

importante serem discutidas nesta pesquisa, quais sejam: a Lei Nº 12.288, de 20 de

julho de 2010, que institui o Estatuto da igualdade racial, bem como o artigo19 que

preparou os Princípios de Camden sobre Liberdade de Expressão e Igualdade. O

Estatuto da igualdade racial estabelece:

...o poder público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de: I - coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas (BRASIL, 2010).

O objetivo deste Estatuto foi o de garantir aos adeptos de religiões de

matrizes africanas a concretização da igualdade de oportunidades, a defesa dos

direitos individuais, coletivos e difusos deste grupo e o combate à discriminação e à

intolerância etnicorracial. Já os “Princípios de Camden sobre a Liberdade de

Expressão e Igualdade” (preparados pelo Artigo 19) tiveram sua base em

discussões sobre liberdade de expressão e igualdade e representam uma

interpretação progressiva dos padrões e normas internacionais das práticas aceitas

pelos Estados e dos princípios gerais do direito reconhecidos pela comunidade das

nações. Tais discussões foram feitas por um grupo de oficiais da ONU e de outras

organizações, bem como especialistas em direito internacional dos direitos

humanos, da academia e da sociedade civil. Vejamos o princípio nove que versa

sobre a responsabilidade dos meios de comunicação:

9.1. Todos os meios de comunicação devem, por responsabilidade moral e social, desempenhar um papel no combate à discriminação e na promoção do entendimento intercultural, inclusive levando em consideração o seguinte: i. Ter o cuidado de informar dentro do contexto e de uma maneira factual e sensível, garantindo, ao mesmo tempo, que atos de discriminação sejam levados à atenção do público. ii. Ficar alerta ao perigo da discriminação ou dos estereótipos negativos de indivíduos e grupos serem fomentados pela mídia.

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iii. Evitar referências desnecessárias a raça, religião, gênero e outras características de grupo que possam promover a intolerância. iv. Conscientizar a respeito dos danos causados pela discriminação e pelos estereótipos negativos. v. Informar sobre diferentes grupos ou comunidades e dar a seus integrantes a oportunidade de falarem e serem ouvidos de uma maneira que promova melhor compreensão a seu respeito e que ao mesmo tempo transmita as perspectivas desses grupos ou comunidades. 9.2. As emissoras de serviço público devem estar sob a obrigação de evitar estereótipos negativos de indivíduos e grupos, e seu mandato deve exigir que promovam o entendimento intercultural e encorajem a melhor compreensão das diferentes comunidades e das questões que enfrentam. Isso deve incluir a transmissão de programas que retratem comunidades diferentes como membros iguais da sociedade. 9.3. Códigos profissionais de conduta para a mídia e para jornalistas devem refletir princípios igualitários, e medidas efetivas devem ser tomadas para promulgar e implementar esses códigos. 9.4. Programas de capacitação profissional para profissionais da mídia devem conscientizar sobre o papel que os meios de comunicação podem desempenhar para promover a igualdade e sobre a necessidade de se evitar estereótipos negativos. (ARTICLE XIX, 2009, p.8).

Em ambas as citações temos a questão dos cuidados que devem ser

destinados quanto a seleção de mensagens veiculadas pelos meios de

comunicação, para que estes se adaptem no sentido de não reprodução do discurso

do ódio. Afinal não podemos deixar de questionar o papel dos meios de

comunicação de massa para com a disseminação e consolidação de tal discurso.

A internet, por exemplo, que deveria ser um meio para a difusão de

informações, tem, muitas vezes, servido de veículo para a propagação da violência

moral, etnicorracial, sexual e simbólica. Trataremos adiante da análise de alguns

textos precisamente selecionados que ilustrarão a questão do preconceito

etnicorracial nas redes sociais, por exemplo.

Kumov (2004) amplia a nossa discussão quando fala a respeito do chamado

“Crime de Ódio”, explicando que este se trata de um ato motivado, total ou

parcialmente, pelo ódio, intolerância ou preconceitos e que para que tal crime se

constitua o agressor deve cometê-lo em virtude da raça, cor, religião, procedência

nacional, opção sexual, sexo ou na incapacidade de determinado grupo ou

indivíduo.

No Brasil não existe ainda a “Lei dos Crimes de Ódio”, nem um dispositivo

para aquele que mata por ódio e por esse motivo inúmeros crimes que se

enquadram nesta categoria não chegam ao conhecimento da coletividade com essa

designação. A classificação dos mesmos se dá como “homicídio qualificado por

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motivo fútil ou torpe”, “crime hediondo” ou qualquer outro título. Nos meios de

comunicação percebemos claramente, em especial nos noticiários, a banalização

deste tipo de violência e a não constatação da presença do ódio nos mesmo.

Reportagens truculentas são televisionadas de maneira superficial e se viralizam na

internet, propagando milhares de páginas e ou memes sobre o assunto, mas sem

fomento a qualquer reflexão a respeito do ocorrido (KUMOV, 2004). Contudo:

Consultando os sites, surgem curiosidades sobre o tema em questão. No Brasil, os homossexuais são os que lutam por uma legislação especial e os que denominam as agressões como Crimes de Ódio. As mulheres vítimas deste tipo de crime reportam-se à questão tratando-a como “ameaça aos seus direitos civis”, camuflando a monstruosidade dos Crimes de Ódio praticados contra elas. (KUMOV, 2004, p. 48).

Já nos Estados Unidos da América e no Canadá há legislação específica

sobre o Crime de Ódio, com as devidas punições aos agressores e proteção às

vítimas em potencial, denominada “Hate Crime Law”. No primeiro país citado, por

exemplo, se dá a luta de ativistas homossexuais para que governadores assinem

diplomas que adicionem a orientação e a identidade sexual dos mesmos e no

Canadá, portanto os Chefes de Polícia realizam reuniões a fim de obter sugestões

sobre a prevenção dos Crimes de Ódio (KUMOV, 2004).

A necessidade de legislações nacionais que salvaguardem as possíveis

vítimas de tais crimes e punam seus agressores se faz necessária tendo em vista a

quantidade de crimes cotidianos que se enquadram nesta categoria. Vê-se com

frequência nos meios de comunicação o individualismo de determinados grupos com

falsos nacionalismos que são propagados por indivíduos intolerantes por meio de

discursos que insultam, intimidam e assediam pessoas em razão da cor de sua pele,

identidade de gênero ou religião, instigando a discriminação e o ódio contra estes.

As crianças crescem em uma sociedade onde a opressão, o desumanizar do outro e

o desrespeito ao ser humano se dá de maneira natural. (KUMOV, 2015). Para o

autor:

Tudo começa com um processo de difamação e preconceito. Criam-se falsas imagens que estereotipam o subconsciente coletivo que, consequentemente, assume tais estereótipos. Assim, pregam a inidoneidade dos negros, a falta de pudor dos homossexuais, a inteligência superior dos brancos e, depois de todos estigmatizados, começa-se a propagar o ódio contra aqueles que portam os estigmas diferenciados da maioria (KUMOV, 2004, p. 46).

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Donde surge a ideia de existência de grupos humanos superiores a outros e a

necessidade de extermínio dos que não se adéquam às características daqueles

que se autodenominam superiores. Este modo de pensar e agir sobre o mundo é

gerado pelo sentimento de ódio nutrido há tempos. Tal sentimento arruína vidas e

elimina a civilidade e a tolerância. A mente das crianças, indefesas a influência

destrutiva do ódio é destorcida e isso permite sua reprodução durante gerações. O

ódio se torna, pois, o poder mais destrutivo da face da Terra, contra o qual devemos

nos prevenir. (KUMOV, 2015).

Como no Brasil não há inda nenhuma legislação específica para os

crimes de ódio. Exige-se a observância de algumas legislações análogas na busca

por soluções jurídicas a este respeito. De tal modo que restrições mais intensas para

as expressões que tenham forte conteúdo preconceituoso e que incitem à violência

em face de grupos e indivíduos em prol da proteção da dignidade da pessoa

humana e da igualdade possam ser discutidas.

De acordo com tudo o que vimos neste capítulo tem-se que o preconceito

racial e a incitação ao discurso do ódio nas mídias brasileiras são uma realidade que

precisa ser discutida, pois afrontam uma ordem mundialmente constituída que prevê

a observância dos Direitos Humanos. Contudo o Direito brasileiro teceu salutar

evolução, no que diz respeito à proteção do ser humano em geral e de populações

vulneráveis de modo a integrá-los na sociedade e a banir o preconceito e ou a

discriminação destas, mas vale lembrar que esta questão não e apenas jurídica,

mas econômica, social, educacional e de formação e está intimamente ligada à

liberdade e à consciência humana, além da substituição do bem particular ou

privado pelo bem comum.

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2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Desvelar valores etnocêntricos subjacentes nos memes veiculados nas Redes

Sociais de Internet.

2.2 Objetivos Específicos

Analisar à luz da Semiótica o discurso dos memes selecionados.

Propor uma reflexão sobre o preconceito etnico-racial dentro e fora do espaço

escolar.

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3 MÉTODO

3.1 Natureza do Estudo

Esta pesquisa se propõe à realização de um estudo de natureza qualitativa,

com um tipo de recorte transversal de agosto de 2014 a julho de 2017, dentro da

modalidade exploratório-descritiva.

3.2 Objeto de Estudo

O termo Meme foi criado pelo escritor Richard Dawkins, em seu livro “The

Selfish Gene” (O Gene Egoísta, lançado em 1976). Para o autor um Meme é um

composto de informações que podem se multiplicar entre os cérebros, ou ainda uma

evolução cultural, capaz de se propagar. O Meme pode ser considerado uma ideia,

um conceito, sons ou qualquer outra informação que se transmita rapidamente e o

estudo deste conceito é chamado de Memética.

Nesta pesquisa, abordamos o termo Meme, como os usuários do ciberespaço

o definem. A expressão Memes de Internet caracteriza uma ideia ou conceito, que

se difunde através da web rapidamente. O Meme pode ser neste caso uma frase,

hashtag, vídeo, imagem entre outros, os quais se espalham por meio de sites, redes

sociais e demais fontes de informação.

Em alguns casos, certos Memes se transformam em virais e servem para

divulgar e propagar ideias de determinados grupos sociais, marcas e ou serviços. Os

Memes são utilizados comercialmente por conta de sua publicidade massiva e

espalham o denominado Marketing Viral, sendo muito estudados pelos profissionais

de Relações Públicas e Publicidade.

Os tipos mais comuns de Memes são frases acompanhadas de figuras que

envolvem trocadilhos, ironia e ou humor, contudo, o Meme de Internet em sua forma

básica é tudo aquilo que os internautas repetem: uma carinha, uma foto, uma frase,

um texto sincrético, um hiperlink, vídeo, imagem, website, hashtag, ou seja, uma

ideia que se propagada, de pessoa para pessoa nas redes sociais, através da World

Wide Web.

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Um Meme pode permanecer o mesmo ou pode evoluir por meio de

comentários, imitações ou paródia, na medida em que se replicam no ciberespaço,

chegando muitas vezes à popularidade em todo o mundo e desaparecendo

completamente logo após. Uma importante característica de um Meme é a de poder

ser recriado ou reutilizado por qualquer pessoa. Seu impacto chama a atenção de

pesquisadores que criaram modelos para explicar como eles evoluem e prever quais

os memes que sobreviverão e se espalharão pela web.

3.3 Critérios de inclusão do Objeto

Foram considerados excluídos da pesquisa outros gêneros textuais de menor

abrangência dentre jovens leitores, em especial das escolas estaduais do Estado de

São Paulo, ou seja, aqueles textos aos quais eles na maioria das vezes só têm

acesso na escola.

O critério de inclusão do Meme de Internet se deu, pois, pelo fato de que este

é um gênero textual lido com muita frequência dentre jovens leitores, sendo de fácil

acesso para os mesmos, mas que estão carregados de valores e ideologias

etnocêntricos que podem ser nocivas à formação cidadã dos meninos.

Por conseguinte, as Redes Sociais de Internet têm adquirido importância

crescente na sociedade moderna e são caracterizadas pela autogeração de seu

desenho, pela sua horizontalidade e sua descentralização. Por meio desse veiculo

de comunicação os jovens estão em contato constante com os Memes que se

espalham em questão de segundos por todo o mundo, mas a leitura ingênua destes

pode colocar as Redes Sociais de Internet num patamar de adversárias potenciais

na educação de jovens, fazendo muitas vezes o papel contrário ao da escola no

sentido de fomentar atitudes racistas e de desrespeito às diferenças que podem

gerar conflitos dentro e fora do ambiente escolar.

Ademais segundo o Instituto Pró-livro (BRASIL, 2016), na sua 4ª edição de

Retratos da leitura no Brasil, temos que o uso da internet está em terceiro lugar

entre as atividades que os alunos do Ensino Médio mais gostam de fazer em seu

tempo livre. Perdendo apenas para assistir televisão 1º lugar e escutar música 2º

lugar. Deste modo os Memes de Internet são um gênero textual que está

intimamente ligado ao universo dos jovens leitores o que pode facilitar a proposição

de uma leitura menos ingênua dos mesmos, ampliando e aprofundando os

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mecanismos de leitura deste público, de modo a potencializar a competência leitora

dos mesmos.

3.4 Método de Coleta de dados

Seleção de 12 Memes e 2 reportagens que se replicaram na internet, no

período de agosto de 2014 a dezembro de 2016, de acordo com as características

do tema pesquisado. Consideramos que a Análise Semiótica deste material pode

fornecer um panorama a respeito da maneira como se dão as relações etnico-raciais

no contexto social contemporâneo.

A pesquisadora acessou sites de pesquisa a procura de Memes sobre a

temática, bem como diversas Redes Sociais, dentre as quais as mais visitadas foram

o Whatsup e o facebook: mais especificamente uma página denominada “Nego

Meme”.

3.5 Método de Análise

Utilizamo-nos da Análise Semiótica do Discurso para refletirmos acerca do

papel dos Memes como forma de representação ideológica das vozes da sociedade

contemporânea em relação às questões étnico-raciais.

A Semiótica, de acordo com Prados (2008), em que se fundamenta esta

pesquisa, tem suas raízes na teoria da linguagem, em que se concebe a língua

como instituição social, protagonizada por Algirdas Julien Greimas. O objeto desta é

a significação e estruturas significantes que modelam os discursos social e

individual. Segundo Bertrand (2003), o lugar exato do exercício semiótico não é o do

signo empírico e de suas codificações, mas o do sentido que o signo suscita, que

articula e que o atravessa na constituição dos discursos. Segundo Greimas (2001),

cabe à Semiótica uma metodologia que possa alcançar o significado, no sentido

amplo, uma vez que, o plano da manifestação, no processo discursivo, reúne uma

expressão e um conteúdo. A análise semiótica, segundo a perspectiva do discurso,

não se poderia constituir, sem que se tomasse significado e significante, tal como na

análise linguística, e se ultrapassasse esse nível para analisar as unidades mais

profundas e menores de cada um desses planos, para a reconstrução do sentido

nesse processo enunciativo (PRADOS, 2008). Dessa maneira, segundo Prados

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(2008), pressupõe-se uma estrutura narrativa do discurso, bem como uma semântica

narrativa e a generalização de uma dimensão semio-narrativa, das estruturas

modais e passionais, para o reconhecimento das principais articulações da

sequência discursiva. Para a compreensão do campo de estudo dos discursos, de

acordo com a Semiótica, inicialmente, de acordo com a autora, é necessário

considerar a capacidade de linguagem do ser humano, que se comunica por meio

de sistemas de signos que, por sua vez, estão disponíveis para a atualização, que é

o processo que permite trazer um signo, dos bancos de memória, para uma situação

nova. No processo da atualização linguística, por exemplo, signos e regras comuns

a todos os membros de um grupo são organizados num percurso exclusivo, de

modo a poder dar conta de uma experiência e transmitir essa análise ao próprio

falante (diálogo interior) e a outros falantes (processo de comunicação). O processo

da atualização é um nível semiótico, porque são signos e leis combinatórias que

constituem processos discursivos e pertencem a um grupo sócio-linguístico-cultural,

em que são selecionados e organizados nas diferentes linguagens, verbais ou não

verbais (PRADOS, 2008). De acordo com a metodologia semiótica, ao tratarmos da

reconstrução do processo discursivo dos “memes”, segundo a estrutura narrativa do

discurso, que é uma etapa do percurso gerativo do sentido, conseguimos identificar

não apenas os sistemas de valores socioculturais neles veiculados, mas também os

sistemas passionais ali subsistentes que afetam diretamente o leitor. Num percurso

de manipulação, o Destinador instaura um Sujeito, na modalidade do querer um

Objeto de Valor, por meio da sensibilização. Temos a transformação no decorrer da

narrativa para a qual se dá o nome de transformação do estado da alma dos

sujeitos.

A Semiótica, a princípio, buscou explicar as transformações nos “estados de

coisas”, pouco se falava do sujeito que passava por essas transformações e que

experimentava diferentes “estados de alma” na sua relação com o objeto-valor e

com outros sujeitos (destinador, antissujeito). No entanto, os avanços no estudo da

modalização do ser abriram, definitivamente, o caminho para a semiótica das

paixões, que, diferentemente da lógica e da psicanálise (que enfocam as paixões

apenas do ponto de vista taxionômico), voltou-se para a descrição do processo,

buscando dar às paixões-lexemas e a suas expressões discursivas, definições

sintáticas (BARROS, 1999, p. 61).

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Neste sentido, estudamos as diferentes linguagens e a construção dos

sentidos no universo dos “memes” com o auxílio da semiótica das paixões que trata

dos sentimentos, emoções e paixões manifestadas nos universos discursivos, a

partir do quadrado semiótico de Greimas (2001). Para Prados (2008), o campo da

pesquisa da Semiótica das Paixões tem sua origem diretamente das hipóteses

teóricas e dos procedimentos metodológicos da Semiótica geral, mas foi delimitado

progressivamente, a partir do engajamento da subjetividade no campo da

afetividade.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Conceito de Meme

Nesta pesquisa, abordamos o termo “meme”, como os usuários do

ciberespaço o definem: ideias que se propagam, ou se espalham aleatoriamente,

replicando-se na Internet, por meio de frases ou imagens.

Tal termo foi fundado por Richard Dawkins. Para o autor a vida evolui pela

sobrevivência diferencial de entidades replicadoras - no caso o gene. Sendo a

molécula de DNA (ácido desoxirribonucleico, composto orgânico, cujas moléculas

contêm as instruções genéticas), parte componente daquele, a entidade replicadora

mais comum em nosso planeta. Portanto, segundo Dawkins, outro replicador, além

do gene, haveria surgido em nosso planeta: o Meme e, apesar deste estar em sua

infância, já consegue uma mudança evolutiva a uma velocidade que deixa o gene

para trás. É mister dizer que o vocábulo “mimeme” que na língua grega significava

imitação, foi adaptada para “meme” pelo autor (DAWKINS, 2007).

O estudioso afirma que a cultura "evolui", por meios não genéticos, sendo a

variação linguística um dos muitos exemplos, tais como a moda, alimentação,

costumes, entre outros. Segundo o autor, o agente replicador responsável pela

evolução dos exemplos elencados acima são os “memes”, que se propagam de uma

mente a outra, por meio da imitação, daí a analogia aos genes.

Blackmore (2002) reforça as ideias de Dawkins, dizendo que os memes são

histórias, canções, hábitos, habilidades, invenções e maneiras de fazer coisas que,

através da imitação, são copiadas de uma pessoa por outra. Dawkins intensifica esta

discussão dizendo que um “meme” tem a garantia da extensão de sua sobrevivência

ou evolução pela sua fertilidade. Partindo desse pressuposto podemos dizer que um

Meme de Internet fértil, por exemplo, é aquele que se replica por muito tempo no

mundo virtual e que se grava na mente dos sujeitos transformando-a num veículo

para sua propagação. Dawkins (2007) afirma que, quando um meme fértil é plantado

em nossa mente, este, literalmente, parasita nosso cérebro, transformando-o num

veículo para sua propagação, como um vírus pode parasitar o mecanismo genético

de uma célula hospedeira. Blackmore (2002) complementa as ideias do autor

dizendo que devemos pensar no papel do gênero em questão, enquanto força

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poderosa que molda nossa evolução cultural através de ideias copiadas de indivíduo

para indivíduo pela imitação. Veremos, porém, nesta pesquisa replicas idênticas de

alguns “memes” que se replicaram nas redes sociais de internet, bem como algumas

replicas metamórficas (RECUERO, 2007) destes, que nos permitirão analisar os

diferentes discursos que circundam a temática das relações etnico-raciais no

contexto brasileiro contemporâneo.

4.2 “Memes” nas Redes Sociais de Internet: uma proposta de análise do

discurso.

Diante de tudo que foi exposto até este ponto da presente pesquisa, podemos

dizer que no Brasil tivemos alguns avanços em relação ao reconhecimento dos

direitos e garantias de populações vulneráveis, bem como em relação à educação

formal e não formal nesse sentido, mas não houve grandes mudanças em termos de

mentalidade. Parece-nos que a propagação do preconceito étnico-racial apenas

adquiriu uma nova roupagem. Por este motivo trataremos desse tema por outro viés,

buscando interpretá-lo em sua fardagem mais moderna possível. De modo a

evidenciar a maneira como tal tema se replica de geração a geração, adquirindo

novas formas de transmissão de ideologias eurocêntricas.

Daí analisarmos alguns “memes” precisamente selecionados no espaço

virtual. Visto tratar-se de textos sincréticos que aludem ao preconceito de uma

maneira peculiar. Reforçam ideias e valores antigos, transformando o discurso oral e

político em imagens que alimentam o ódio racial e as atitudes de desrespeito às

diferenças de uma forma que causa muito mais impacto sobre a subjetividade, como

nos diz Araújo (2009).

Então, a mídia reforçou essas ideias que já estavam presentes desde o

período da escravidão, só que reforçou por meio de um discurso estético, um

discurso de imagens. Transformou em imagens o que era um discurso oral e político

e começou a alimentar, de uma forma que causava muito mais impacto dentro da

nossa subjetividade, esse tipo de imaginário. (ARAÚJO, 2009). Palavras, imagens,

mensagens, ou qualquer outra forma simbólica seriam inofensivas se não

carregassem ideologia consigo, se não estivessem promovendo interesses de

grupos de pessoas que, consciente ou inconscientemente, discriminam aqueles/as

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que são minorias. (ROSO et all; 2002, p. 80). Deste modo imagens, hiperlinks,

vídeos, hashtags, dentre outros, popularmente denominados “memes” no espaço

virtual, assumem formas simbólicas de grande impacto e podem ser entendidos

como portadores de ideologia, uma vez que contribuem para a consolidação de

relações de dominação.

Nas redes sociais os “memes” tem certa dinamicidade e são altamente

persuasivos, reproduzem falas cotidianas e chegam às pessoas até mesmo sem que

elas os acessem, se replicando pelo ciberespaço em velocidade muito acelerada

tornando-se muitas vezes viral e assumindo, portanto uma característica diferente do

texto impresso. O termo “meme” cunhado por Richard Dawkins em seu livro O Gene

Egoísta (1976), é, contudo, definido como uma unidade de informação cultural que é

replicada de pessoa para pessoa – em analogia ao gene. Daí pensarmos nas

implicações e no papel desempenhado por componentes mêmicos nas redes sociais

como forma de representação ideológica das vozes do mundo real.

À vista disto, analisamos adiante o discurso contido nos “memes”

selecionados, não mais com o olhar de meros receptores, mas de pesquisadores

críticos. Prestaremos atenção a sua estrutura específica e às inter-relações que

perpassam tais textos. Buscaremos compreender o que eles representam a que eles

se referem, o que está sendo dito e em qual contexto sócio-histórico estão inseridos.

Na perspectiva de Foucault (1986), antes de analisarmos discursos

precisamos recusar explicações unívocas, interpretações fáceis e a busca insistente

do sentido oculto das coisas, ficando apenas no nível de existência das palavras.

Para tanto precisamos desprender-nos de um aprendizado que ainda nos faz olhar

os discursos apenas como um conjunto de signos.

(...) não mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse “mais” que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever. (FOUCAULT, 1986, p.56)

Para o autor os discursos são práticas e estão imersos em relações de poder

e saber, ou melhor, constituem-se em práticas sociais por definição atreladas às

relações de poder, que as supõem e as atualizam. Ademais os discursos existem

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para além da utilização de letras, palavras e frases e não podem ser entendidos

como um fenômeno de simples expressão de algo ou serem considerados uma

reprodução de fala individual, uma vez que o sujeito do discurso em si é ao mesmo

tempo falante e falado, porque através dele outros ditos se dizem (FISCHER, 2001).

Fischer (2001) nos traz outro elemento importante sobre o discurso quando

discorre que a ideia da pluralidade de vozes que se enfrentam nos textos se funda

na concepção pela qual se introduziu a presença do Outro no discurso. Tal

pensamento se fortaleceu com a noção de Marx de que o homem é inconcebível

fora das relações sociais que o constituem. A filosofia da linguagem, de inspiração

marxista se revelou de modo especial, trazendo para a área da linguística outros

conceitos, dentre estes temos o conceito da teoria da polifonia, a partir do qual se

entende que há inúmeras vozes num mesmo discurso, seja porque o destinatário

está ali também presente ou porque aquele discurso está referido a outros. Esse

duplo cruzamento constituiria, contudo, a polifonia discursiva.

A partir deste pressuposto teórico, entendemos que os textos objeto desta

pesquisa, assim como qualquer outro enunciado, são constituídos por diferentes

“vozes”. Bakhtin (1995) apresentou em primeiro lugar a ideia de polifonia, fazendo

uma crítica ao objetivismo abstrato que percebia a língua como um sistema

monológico. Desde então temos que a palavra não é monológica e sim plurivalente,

dialógica, uma vez que o dialogismo é uma condição constitutiva do sujeito que não

pode ser concebido fora das relações que o ligam ao outro, sendo, pois, a linguagem

social.

Bakhtin (1995), contudo, criticou o subjetivismo individual que ratificava a

ideia de enunciação monológica e individual e propôs a eliminação da distinção

entre o conteúdo interior e o exterior, definindo qualquer aspecto da enunciação

pelas reais condições de enunciação, ou seja, a situação social presente. Seguindo

os ensinamentos do autor ressaltamos a importância de analisarmos no corpus

desta pesquisa, a linguagem social nele utilizada, seu pertencimento a determinado

segmento social e o momento sócio-histórico de sua enunciação e produção, tendo

em vista a relevância substancial de tais elementos para a análise do discurso. Para

Bakhtin a palavra:

[...] penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político [...] são tecidas a partir de

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uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios” (BAKHTIN, 1995, p.41).

A partir da citação anterior podemos dizer que a vida cotidiana se constitui

inevitavelmente a partir de relações dialógicas entre as múltiplas vozes sociais e que

tal visão se sustenta em uma teoria do discurso que contempla a língua não apenas

como sistema formal, mas ainda como uma manifestação social, cultural e histórica.

[...] a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal (BAKHTIN, 1995, p.123).

O corpus desta pesquisa retrata, contudo, o momento sociocultural

contemporâneo de tensão e prevalência de uma sociedade que ainda privilegia uma

determinada população em detrimento de outras tantas, relegando a estas seus

direitos e submetendo-as ao preconceito étnico-racial. Evidenciar-se-á tal afirmação

por meio dos textos selecionados que veiculam diferentes vozes que se posicionam

em relação ao preconceito ora citado. Para tanto utilizamo-nos, outrossim, do

modelo Greimasiano para a análise semiótica do discurso subjacente dos “memes”.

Tal modelo se baseia na reconstrução do percurso que gera o sentido nos textos

selecionados, revelando a polifonia contida nos mesmos e os sistemas de valores

sociais etnocêntricos que se replicaram inúmeras vezes por meio deles.

Por meio da metodologia semiótica, tratamos da reconstrução do processo

discursivo dos “memes”, ora selecionados, segundo a estrutura narrativa do

discurso, que é uma etapa do percurso gerativo do sentido e conseguimos identificar

não apenas os sistemas de valores socioculturais neles veiculados, mas também os

sistemas passionais ali subsistentes que afetam diretamente o leitor. Em Fiorin

(2009) considera-se que os efeitos de sentido passionais são construções de

linguagem e que a Semiótica reconhece a paixão como um componente que

perpassa todas as relações e atividades humanas e que os efeitos afetivos ou

passionais do discurso resultam da modalização do sujeito de estado. São quatro,

pois as modalidades básicas: querer, dever, saber e poder. A elas acrescentam-se

as modalidades veridictórias, resultantes de um jogo entre o ser e o parecer. Logo,

dizemos que as paixões são efeitos de sentido das compatibilidades e

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incompatibilidades das qualificações modais que modificam o sujeito de estado.

Vejamos:

Por exemplo, a obstinação define-se como um querer ser aliado a um não poder ser, enquanto a docilidade reúne um querer ser a um poder ser. O obstinado é aquele que quer, apesar da impossibilidade evidente, enquanto o dócil limita-se a desejar o que é possível (FONTANILLE, 1995, p.182).

Podemos dizer que a obstinação e a docilidade no exemplo acima se referem

ao que Barros (1998) chama de “estados da alma”. Tal termo se deveu ao

aperfeiçoamento nos estudos da modalização do ser que abriu espaço para a

análise das paixões, momento em que a semiótica deixou de falar apenas no

“estado das coisas”, mas considerou o sujeito que passava por diferentes “estados

de alma”.

A semiótica, a princípio, buscou explicar as transformações nos “estados de coisas”, pouco se falava do sujeito que passava por essas transformações e que experimentava diferentes “estados de alma” na sua relação com o objeto-valor e com outros sujeitos (destinador, antissujeito). No entanto, os avanços no estudo da modalização do ser abriram, definitivamente, o caminho para a semiótica das paixões, que, diferentemente da lógica e da psicanálise (que enfocam as paixões apenas do ponto de vista taxionômico), voltou-se para a descrição do processo, buscando dar às paixões-lexemas e a suas expressões discursivas definições sintáticas. (BARROS, 1988, p.61).

Neste sentido estudamos as diferentes linguagens e a construção dos

sentidos no universo dos “memes” também com o auxílio da semiótica das paixões

que trata dos sentimentos, emoções e paixões manifestas nos universos discursivos,

a partir do Quadrado Semiótico de Greimas. Para Prados (2008), o campo da

pesquisa da Semiótica das Paixões tem sua origem diretamente das hipóteses

teóricas e dos procedimentos metodológicos da Semiótica geral, mas foi delimitado

progressivamente, a partir do engajamento da subjetividade no campo da

afetividade.

4.3 Semiótica nas linguagens visuais.

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Para Prados e Silva (2008) o ser humano é um ser de linguagem e discurso.

Logo ele usa a língua como forma de expressão e comunicação. Contudo a

linguagem não é somente um conjunto de palavras faladas ou escritas, mas também

de gestos, imagens, expressões fisionômicas dentre outros. Ela, contudo, pode ser

não verbal e se utilizar de outros meios comunicativos, como: placas, figuras,

gestos, objetos, cores, ou outros signos visuais.

É o ser humano, portanto, um ser de linguagem, ou seja, um ser de discurso. Discurso é o Ato de Fala e o homem fala com suas roupas, com seu sorriso, olhares, enfim comportamentos, além de falar com suas artes plásticas, musicais, tecnologias, literatura, arquitetura etc. (PRADOS; SILVA, 2008, p.1).

Todos os itens acima são, pois, tipos diferentes de linguagem, ainda que não

sejam verbais. Uma imagem para comunicar uma ideia, por exemplo, pressupõe o

uso de uma linguagem visual.

Podemos dizer que todas as mensagens visuais designam duas funções: a cognitiva e a emotiva. Estas duas funções da comunicação referem-se à denotação (conteúdo da mensagem), e à conotação (dependente da forma como a mensagem é organizada), sendo suas possíveis leituras e interpretações oriundas da experiência do receptor, podendo ser produtora dos mais diferentes sentidos. (PRADOS; SILVA, 2008, p.3).

As autoras acima explanam a respeito da Análise Semiótica de uma fotografia

no referido artigo citado e nos utilizaremos das discussões tecidas pelas mesmas

fazendo uma analogia entre fotografia e imagens, por se tratarem de mensagens

visuais. Podemos então dizer que os elementos pertinentes ao conteúdo de uma

imagem, por exemplo, só adquirirão sentido por intermédio das relações

estabelecidas entre imagem e conteúdo e se tornarão visíveis através da

interpretação que lhes for dada. Contudo os efeitos de sentido advindos de uma

imagem dependerão do olhar de cada leitor. A este respeito Prados e Silva (2008)

nos dizem que a leitura semiótica de qualquer texto é variável, pois os sujeitos em

função de sua visão de mundo e valores culturais podem fazer diferentes leituras de

um mesmo texto.

Leone (2015) complementa as ideias do parágrafo acima nos falando a

respeito de uma das dificuldades da semiótica visual e afirma que a beleza da

comunicação visual está na dificuldade de comunicar sem ambiguidade. Os códigos

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da comunicação visual na maioria das vezes não são rígidos e isso possibilita a

variação entre o projeto do criador e a interpretação do observador. “Muito mais

frequentemente, as imagens não permitem uma coincidência entre o autor modelo e

o leitor modelo, e é por esta razão que são interessantes, uma vez que estimulam o

livre jogo das interpretações”. (LEONE, 2013, p.113)

Deste modo nesta pesquisa faz-se necessário refletirmos acerca dos sentidos

suscitados por meio da análise de imagens e palavras contidas nos “memes”

enquanto produtos de um processo discursivo em que determinado sujeito

selecionou e tratou a informação de acordo com seus sistemas de valores,

revelando, entretanto uma verdade social contemporânea. (PRADOS; SILVA, 2008).

Na visão de Martins e Souza (1998):

O signo coenvolve uma cooperação de três sujeitos: o elemento de conteúdo, o elemento de expressão e o interpretante. O interpretante é aquilo que o signo produz na mente do intérprete. No contato continuado de um agente humano com um elemento de conteúdo relacionado a um elemento expressivo novas associações se estabelecem, gerando novos interpretantes, num processo de semiose ilimitada. Os incontáveis interpretantes possíveis de um determinado conteúdo podem ser tidos como representações referidas ao mesmo objeto. O signo é o produto dinâmico de uma correlação entre os elementos da expressão e os elementos do conteúdo definida por um código, na presença de um intérprete. O conceito de signo como algo dinâmico elimina a distinção tradicional entre significado semântico e pragmático, estando ambos incorporados no conceito de signo. (MARTINS; SOUZA, 1998, p.3)

No ponto de vista das autoras - como num diálogo não há garantias de que o

interpretante do agente receptor seja o mesmo do agente emissor - deve-se, porém

perseguir uma boa linguagem de comunicação em que a distância entre os

interpretantes de cada agente seja a menor possível. Quanto mais próximos estes

estiverem maiores serão as chances de que a mensagem seja bem compreendida.

4.4 Preconceito étnico-racial nas redes sociais de internet: ameaça aos direitos

da personalidade.

Em capítulos anteriores falamos da questão do combate ao racismo no

mundo e da ameaça aos direitos de personalidade nas Redes Sociais de Internet.

Vale lembrar que na Carta Internacional dos Direitos Humanos encontramos os

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valores considerados essenciais para o convívio entre os Estados no sistema

internacional. Neste documento encontram-se os direitos fundamentais que são o

resultado da constante evolução social e histórica em nível mundial. Haja vista que

os regimes totalitários impulsionaram a necessidade de proteção de alguns direitos

inerentes ao ser humano. Tal medida estimulou um arsenal legislativo por todo o

mundo que visasse a proporcionar os minimos existenciais às populações

vulneráveis. No intuito de proteger um bem que estaria acima de todos os outros: o

bem da vida. (JR ELIAS; BONINI, et all, 2016)

Consideradas as devidas proporções, e a evolução histórica e social como

algo contínuo e inerente ao ser humano. Estamos em constante processo evolutivo,

especialmente, no sentido de combater as desigualdades sociais e garantir os

direitos das populações vulneráveis. Por este motivo nos colocamos a discutir a

acerca do que está posto nas legislações a este respeito e da efetivação destas no

contexto social contemporâneo. À luz da Constitução Federal (CF) temos que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Artigo II Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (BRASIL,1998)

É sabido que embora esteja prevista a proibição de tratamento desigual entre

pessoas ou entre as variadas populações que compõem a nação brasileira e a

garantia de gozo dos direitos e liberdades estabelecidos na CF, isto não se dá de

fato em nosso cotidiano. Muitas são as vezes em que nos deparamos com a

violação de direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico acima.

As discussões que se teceram anteriormente neste estudo revelaram isso. O

Brasil é um país racista e o ódio racial foi alimentado desde a época colonial por

diferentes discursos manifestados em frases como: “serviço de preto”, “cabelo ruim”

e ainda recentemente pela frase: “lugar de negro não é no Mackenzie é no presídio”,

dentre outras. Tais discursos também se manifestam na contemporaneidade por

meio das mais variadas mídias, dentre as quais temos as Redes Sociais de Internet.

Percebe-se nesse espaço a intolerância às diferenças culturais e religiosas e a

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imposição da cultura branca europeia (tomada como padrão) em detrimento das

demais culturas. Munanga (2012, online) nos diz que o racismo é um crime perfeito

no Brasil uma vez que ele destrói a consciência do povo brasileiro sobre a questão

racial e ainda culpabiliza a própria vítima pelo racismo cometido contra ela mesma.

O corpus desta pesquisa ratifica as afirmações feitas no parágrafo anterior,

mas vale lembrar que não pretendemos transformar o espaço virtual e as mídias em

geral em vilões, contudo não podemos deixar de considerar seu alto grau de

persuasão, bem como a abrangência mundial da Web e os prejuízos que

mensagens que incitam ao racismo neste meio de comunicação podem provocar

sobre a subjetividade de seus usuários.

Seguem algumas frases proferidas no espaço virtual às personalidades sobre

as quais falaremos a seguir. São expressões altamente ofensivas e que causam

constrangimento ao serem transcritas nesta pesquisa, mas se fazem necessárias.

Maju foi xingada de: “vagabunda, puta africana, macaca”. Outrossim, Kaik Pereira foi

xingado de “safado, imundo, nojento, lixo”.

As ofensas proferidas à jornalista, bem como ao ator, ora citados, violam os

direitos de personalidade dos mesmos. Tais direitos são conceituados como

inerentes à pessoa e à sua dignidade. Quais sejam, de acordo o artigo 5º, X, da CF:

“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação”. (BRASIL, 1998). É notório que as ofensas aos dois sujeitos acima citados

ferem sobremaneira a honra e a imagem dos mesmos, vez que estas foram

projetadas negativamente perante a sociedade. Tratando-se, pois, de uma violação

de direitos para a qual cabe indenização, mas que muitas vezes passa despercebida

pelo fato de que praticas racistas são muitas vezes tratadas como um acontecimento

corriqueiro, posto que teoricamente vivemos em um país etnicorracialmente

democrático.

Segundo Melo (2010), no meio jurídico discute-se a respeito dos crimes

eletrônicos que envolvem práticas preconceituosas no ambiente virtual, dentre

outras práticas. Muitas vezes os agentes de tais crimes usam o espaço virtual

exatamente por suas peculiaridades tecnológicas e se beneficiam do distanciamento

entre os usuários, muito comum no espaço em questão. Por consequência, a

discriminação sofrida pelas personalidades evidenciadas no corpus desta pesquisa é

recorrente nas redes sociais. Nesse espaço veiculam-se diferentes mensagens e

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textos que tratam de maneira perversa as questões da diversidade étnico-racial,

dentre outras diferenças. Ratificando o tratamento discriminatório entre homens e

mulheres na contemporaneidade e propagando a violência de maneira dissimulada

sob a ideia de que vivemos em uma sociedade “democrática” e “civilizada”.

4.5 Análise do discurso: evidências da violação de direitos da personalidade

nas redes Sociais de Internet e perspectivas educacionais neste meio de

comunicação.

É elementar dizer que os meios de comunicação, mesmos que sejam de

posse de pessoas jurídicas, prestam um serviço público pelo qual devem ser

responsáveis. Afinal a mídia não apenas comunica e informa, mas também forma

opiniões. Ela é portadora das notícias e mensagens produzidas e propagadas na e

para a sociedade, além de gozar de credibilidade social, embora nem sempre seja

utilizada de maneira ética e coerente.

Nesta parte da pesquisa não nos detivemos ao fato de a mídia se colocar a

serviço da população de maneira ética ou não, mas tratamos de analisar

criticamente alguns recortes que esta fez da vida real. Investigamos, pois, alguns

momentos em que mídia tenta se posicionar de maneira solidária em relação ao

preconceito sofrido por personalidades negras, saindo em defesa destas e fazendo

uma espécie de militância, ainda que de maneira superficial.

Digo superficial, vez que, a mídia é um meio de educação informal, ou seja,

não existe de fato a intenção de educar e de transformar a realidade das pessoas.

Ao contrário da educação não formal que acontece por meio das Organizações Não

Governamentais (ONG), Movimento Negro, Associações, Fundações, dentre outras

instituições que lutam, por exemplo, pela causa das populações vulneráveis,

mediante Iniciativas, Programas, Políticas Públicas, etc.

Para Gohn (2006), a educação não formal desenvolve laços de pertencimento

e ajuda na construção da identidade coletiva de um determinado grupo social,

trabalhando e formando a cultura política deste e colaborando para o

desenvolvimento de sua autoestima e do empowerment. Ela se fundamenta no

critério da solidariedade e identificação de interesses comuns, tornando-se parte do

processo de construção da cidadania coletiva e pública do grupo.

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A educação não formal de combate à discriminação racial, portanto, se dá por

meio de um diversificado aparato legislativo, ações afirmativas, movimentos sociais,

entre outras ações. Tais iniciativas nascem, em geral, da problematização da vida

cotidiana dos sujeitos e o conteúdo pertinente a cada uma delas emerge de temas

que se colocam como necessidades, carências ou desafios a serem superados em

relação ao preconceito racial. Gohn, destarte afirma que os conteúdos da educação

não formal não são dados a priori, mas se constroem no processo. Ademais este

tipo de educação não se subordina às estruturas burocráticas tendo como objetivo a

formação integral dos indivíduos e é neste ponto que a autora afirma ter esse tipo de

educação um caráter humanístico.

Embora as emissoras de televisão e as Redes Sociais não tenham uma

intenção educativa, visto não contemplarem as características acima arroladas por

Gohn, evidenciamos, pois, o caráter humanístico citado pela autora nas reportagens

e textos sincréticos que se seguirão, vez que estes documentos veiculados no

espaço midiático suscitaram reflexões a respeito do preconceito racial e fomentaram

o sentimento de justiça e solidariedade para com as pessoas que foram vítimas

daquele.

Em contrapartida Sodré (1999) nos diz que a mídia legitima a desigualdade

social existente entre as populações negra e branca por sua capacidade de catalisar

expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais. Percebe-se,

pois, que no espaço midiático ocorre grande parte das relações étnico-raciais

brasileiras e que esse espaço reproduz, na maioria das vezes, a lógica racista. Por

este motivo, tal pesquisa instiga pequenas discussões para que possamos pensar

no uso deste ambiente como um forte aliado para a promoção da igualdade racial.

Um lugar significativo para a abordagem do racismo de forma direta, sem melindres

ou eufemismos.

Vale dizer que a luta pela igualdade racial nos meios de comunicação, que

vem sendo travada desde meados da década de 90 requer, pois, proporcionar

visibilidade às discussões sobre o racismo, de maneira menos branda, e o

reconhecimento do racismo como violência ao direito subjetivo de outrem. Para isso

não podemos pensar em atos racistas como casos isolados, acidentais ou como

uma exceção. Isso reforça a ideia do “mito da democracia racial” que denota a

crença de que no Brasil não há racismo e de que a discriminação racial é, pois

esporádica. (STRIEDER, 2001)

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Embora a mídia tenha iniciativas louváveis, ao abrir espaço para discutir o

racismo de forma mais adequada, ainda persiste no contexto atual o mito da

Democracia racial. Deste modo precisamos refletir a respeito de como o racismo é

estruturado por ações cotidianas. Isso permitirá que não se reforce a ideia de

igualdade desejável, mas utópica, que salienta as distâncias sociais econômicas e

culturais em nosso país, conforme nos diz Fernandes (1972).

Para tanto se segue a análise semiótica do discurso de parte do corpus

selecionado para esta pesquisa, onde se evidenciam a violação aos direitos de

personalidade da população negra e se sucedem discussões acerca da estruturação

do racismo na sociedade contemporânea.

Percebemos que, embora o teor das mensagens trazidas seja de repúdio ao

racismo, há nelas ideologias eurocêntricas sobre as quais discutimos à luz da

Semiótica Greimasiana. Segue a transcrição e posterior discussão dos textos

televisionados em jornais e replicados na internet:

Texto 1 - Famosos são vítimas de racismo nas redes sociais.

(Estúdio) Thalita Oliveira: A onda de ataques virtuais e reais a celebridades negras. Paulo Henrique Amorim: Nessa semana foi um músico famoso e ele reagiu. (Gravação externa) Narradora: Um cantor jovem e bem-sucedido no mundo do funk e faz questão de ressaltar a origem humilde Nego do Borel (trecho de um clip): Eu tenho orgulho de ser preto e de ser favelado. Narradora: Mas no último domingo durante um show, numa boate no Rio, o cantor mudou o tom, furioso partiu para cima de um homem na plateia. Muitos não entenderam, mas essa foi uma reação do cantor a um ataque racista. As imagens gravadas por celular mostram o cantor bastante irritado, ele interrompe a apresentação. O funkeiro está agitado e vai para o canto do palco, os seguranças tentam acalmar o cantor e também um grupo de rapazes que está na plateia. Exaltado Nego do Borel fala ao microfone, xinga alguém que está no meio do público. O cantor vai para o fundo do palco, se abaixa para amarrar o cadarço do sapato, não demora muito e o funkeiro toma uma atitude inesperada: vai para frente do palco e chuta as pessoas. Os seguranças tentam puxar o cantor, mas ele parte para cima da plateia. Não é possível identificar quem era o alvo do funkeiro. Começa a pancadaria. Dá para ver o momento em que um dos homens bate no funkeiro. No meio do tumulto alguém joga pedras de gelo e uma garrafa de água. O público vaia. Seguranças pulam do

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palco para tentar separar a briga. No meio da confusão um homem de camisa listrada empurra as pessoas, parece que ele tenta apartar a briga. Ele leva um soco e de repente saca uma arma e parte em direção ao agressor. Um segurança se aproxima, depois quando a câmera mostra novamente o homem de camisa listrada não é mais possível ver a arma. Este homem seria segurança particular de um frequentador do show. Nego do Borel é puxado de volta ao palco. O autor dos ataques não foi identificado. Evelyn Bastos: Bom, o Nego tá aqui pra conversar com o pessoal do Domingo espetacular pra saber exatamente o que aconteceu naquela noite, durante aquele show. (Estúdio) Paulo Henrique Amorin: O funkeiro Nego do Borel se envolveu numa briga ao reagir a uma ofensa racista Thalita Oliveira: O músico conversou com nossa equipe e contou detalhes de como perdeu a cabeça. (Gravação externa) Narradora: O cantor afirma, ouviu diversas ofensas racistas. Nego do Borel: Eu tava lá. A última coisa que eu queria era briga e tal, daí começou a vim pedra de gelo e tal, tá macaco, que não sei o que, preto e tal, seu isso, seu aquilo, que eu não gosto, eu não quero lembrar que eu fico nervoso, nervoso não, eu fico triste. Narradora: Nego do Borel se machucou, sofreu arranhões na testa e também foi atingido no olho. Nego do Borel: Foi é tá até roxo aqui. Graças a Deus não ficou, não ficou... na hora doeu, foi uma pancada. Tacaram a pedra que chegou no meu olho. Na hora eu não sabia o que fazer daí eu perdi a cabeça, não sabia o que fazer. Narradora: Aos 23 anos, Nego do Borel é um dos representantes do funk carioca. Já gravou 2 CDs e um DVD. Um videoclipe do funkeiro teve mais de 40 milhões de acessos na internet. O cantor não procurou a polícia para prestar queixa. No Brasil preconceito racial é crime, pode resultar em uma pena de até 4 anos, mas para que haja punição é preciso denunciar. Nego do Borel: Não vai ser eu, não vai ser a polícia, não vai ser ninguém que vai fazer justiça com ele, vai ser papai do céu. Narradora: Nas últimas semanas outras personalidades negras foram vítimas de injúria racial. O ator mirim, Kaik Pereira foi chamado de safado, imundo, nojento, lixo. O texto falava até em morte: Se mata mano vc é negro... O pequeno Kaik está no elenco de Escarva Mãe. A próxima novela da Record. O ator ficou chocado com os xingamentos. Kaik Pereira: Quem é? Fiquei me perguntando quem é, mas eu queria saber e... Mas minha reação num... Fiquei em choque assim de ver aquilo, porque não é normal. Narradora: A polícia ainda investiga o caso. A cantora Ludmila também passou por constrangimento numa rede social. Um internauta escreveu: nojo, negra, macaca, feia. Ela reagiu: pessoas como você deveriam estar atrás das grades e não nas Redes sociais. Ludmila: Foi equívoco de pessoas que não estão prontas ainda pra ficar na sociedade assim, não tão, elas não tão atualizadas ainda, porque isso aí é uma... Isso aí é uma pessoa invejosa que não tá feliz com a vida, que se esconde atrás da foto de alguém pra falar e denegrir a imagem e aí não tem nem como se irritar com uma pessoa dessa, porque a gente não sabe nem quem é né?

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Narradora: Na ocasião quem também comentou sobre o caso de Ludmila foi o próprio Nego do Borel. O funkeiro disse que ele não se importava com agressões. Nego do Borel: Eu não ligo. Eu num tô nem aí. Até porque eu tenho orgulho de ser preto, funkeiro, favelado. Eu amo ser negro. Eu gosto da minha cor. Narradora: Mas agora parece que até ele chegou ao limite. Nego do Borel: (em continuação à entrevista inicial) Além deu estar apanhando verbalmente, eu apanhei também fisicamente. Eu não estava preparado praquele momento, que eu acho que foi uma experiência pra minha vida, pra eu saber como lidar e tal. Ludmila: (falando sobre o caso ocorrido com Nego) Ali né? Ele... Todo mundo ia perder a cabeça, que se fosse pessoalmente, né, gente? Ninguém se controla. O lado humano dele falou mais alto do que o artista que tem atrás dele. Você é o cara nego, parabéns! Beijo.

Conforme Bakhtin (1990), todo discurso manifesta a presença de outros

discursos, sendo a linguagem por natureza dialógica, uma vez que nela se cruzam

as vozes de outrem. Deste modo podemos dizer que todo pensamento que se

materializa em discurso é resultado de outras falas, ou seja, nenhum discurso é

inovador. As ideias de Bakthin nos fundamentaram, no sentido de fazermos uma

análise crítica dos discursos que se seguem. Afinal toda voz carrega outras vozes e

aquele ponto de vista que muitas vezes parece tão original e próprio de um

determinado sujeito, na verdade subjaz de outros tantos pontos de vista.

Na análise dos textos jornalísticos aqui elencados, por exemplo, devemos

lembrar que embora todo Jornal falado ou impresso se diga imparcial, nenhum

discurso é totalmente imparcial. As reportagens em geral são um exemplo, antes de

serem televisionadas são previamente elaboradas com recortes e falas idealizadas

por seus editores. “Nós nos posicionamos sobre os fatos que cercam nossas vidas a

partir de como são veiculados, apresentados pela TV: tudo nos chega pré-escolhido,

com palavras definidas”. (CONDE, 2009, p. 76).

No texto 1, os jornalistas e a narradora tentam narrar da maneira mais

imparcial possível os casos de discriminação sofridos pelas personalidades

famosas, mas em um momento específico a narradora se posiciona, ainda que

sutilmente, quando diz: O cantor não procurou a polícia para prestar queixa. No

Brasil preconceito racial é crime, pode resultar em uma pena de até 4 anos, mas

para que haja punição é preciso denunciar.

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Neste caso a narradora se utiliza de um argumento de autoridade,

referenciando a legislação brasileira, para questionar o fato de Nego do Borel,

mesmo tendo sofrido agressões verbais e físicas por conta da cor da sua pele, não

recorrer à justiça o que contribui para a proliferação de atitudes racistas pela certeza

da impunidade.

Nego ratifica a ideia de deixar os agressores impunes dizendo: Não vai ser

eu, não vai ser a polícia, não vai ser ninguém que vai fazer justiça com ele, vai ser

papai do céu. Por trás de sua fala pacificadora, Borel faz o que muitos amigos seus

(negros ou brancos) fazem: se isenta de dar uma resposta negativa ao ocorrido e

banaliza o crime cometido contra ele. Atitudes pacificadoras acerca do racismo

contribuem para camufla-lo e nos fazem pensar que as práticas racistas são

incomuns em nossa sociedade fortalecendo o “Mito da Democracia Racial”, ou

ainda, a negação da existência do racismo, conforme explica Sales Jr (2006).

Os discursos que ratificam a existência da Democracia Racial propagam uma

ideologia opressora que nega e tenta calar a questão do racismo, ou seja, se recusa

a encará-lo como algo real, não abrindo precedentes para discussões ou reavaliação

do assunto abordado. Segundo Munanga (2012) o racismo é um crime perfeito no

Brasil uma vez que ele destrói a consciência do povo brasileiro sobre a questão

racial e ainda culpabiliza a própria vítima pelo racismo cometido contra ela mesma.

Em contrapartida à atitude pacificadora de Borel na fala da cantora Ludmila

revela-se uma atitude de repúdio e resposta imediata ao preconceito sofrido por ela

nas redes sociais. Vejamos: “pessoas como você deveriam estar atrás das grades e

não nas Redes sociais”. Percebe-se nesta fala a ideia de busca de justiça e de

reconhecimento da gravidade do ato do agressor como um crime de fato. Santos

(2013) nos fala a respeito deste tipo de crime como consequência do mau uso da

liberdade de expressão na internet:

... as que violam direitos de personalidade pela Internet, como a difusão de ofensas individuais ou dirigidas a determinados grupos sociais como o chamado “discurso do ódio”, relacionado ao preconceito e discriminação racial. (SANTOS J, E, L; 2013 p. 246)

A partir da reportagem analisada percebemos não apenas o racismo como

um crime contra a pessoa humana, mas, além disso, uma construção sociocultural

cruel, na medida em que os sujeitos que sofrem tal agressão se coloquem como

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cúmplices dela (MUNANGA, 2012). Isso fica evidente quando Nego do Borel, após

ser agredido verbalmente e fisicamente, com pedras de gelo, enfrenta seu agressor.

O cantor tenta se justificar pela ação cometida e tira de foco a agressão sofrida.

Vejamos: Tacaram a pedra que chegou no meu olho. Na hora eu não sabia o que

fazer daí eu perdi a cabeça, não sabia o que fazer. Percebe-se que Borel justifica o

motivo pelo qual enfrentou da plateia: perdeu a cabeça. Neste momento ele se

abstém da posição de vítima e se coloca na condição de cúmplice da agressão

sofrida. Todas as vezes em que o agredido atribui a si mesmo as agressões sofridas

ele introjeta a ideologia racista. Munanga (2012, online) afirma:

O racismo é uma ideologia. A ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia. Além das próprias vítimas, outros cidadãos também, que discriminam e acham que são superiores aos outros, que têm direito de ocupar os melhores lugares na sociedade. Se não reunir essas duas condições, o racismo não pode ser reproduzido como ideologia, mas toda educação que nós recebemos é para poder reproduzi-la. Há negros que introduziram isso, que alienaram sua humanidade, que acham que são mesmo inferiores e o branco tem todo o direito de ocupar os postos de comando. Como também tem os brancos que introjetaram isso e acham mesmo que são superiores por natureza. Mas para você lutar contra essa ideia não bastam as leis, que são repressivas, só vão punir. Tem que educar também. A educação é um instrumento muito importante de mudança de mentalidade e o brasileiro foi educado para não assumir seus preconceitos.

O racismo é um discurso ideológico institucionalizado na sociedade brasileira,

que legitima as desigualdades e os desequilíbrios provocados pelo sistema

capitalista, como afirma Fernandes (1972). Isso leva determinados grupos sociais a

se sobreporem em relação a outros que se sentem inferiores por natureza e não

merecedores dos melhores lugares na sociedade.

Texto 2 - William Bonner interrompe Jornal Nacional para Maju comentar caso racismo enfrentado na net.

(Estúdio) Willian Bonner: Olha a Maria Julia recebeu hoje uma demonstração de carinho do tamanho do Brasil. Hoje é o dia Nacional de combate à discriminação racial e uns 50 criminosos publicaram comentários racistas de maneira coordenada contra ela na página do Jornal Nacional no Facebook. Só que o que aconteceu depois de uma forma espontânea e avassaladora foi que milhares e milhares e milhares de pessoas manifestaram a indignação e o repúdio aos

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criminosos. Na internet a expressão: Somos todos Maju, ganhou todas as redes sociais. Renata Ceribelle: Isso também acabou provocando a reação das autoridades. No estado do Rio, por exemplo, o ministério público pedia à promotoria de investigação penal que acompanhe o caso com rigor na delegacia de repressão à crimes de informática e em São Paulo o promotor criminal Cristiano Jorge dos Santos, instaurou inquérito para apurar os crimes de racismos e injúria qualificada. Willian Bonner: A Globo espera que essas ações cheguem a bom termo e que os criminosos sejam punidos de verdade. E, além disso, a própria Globo também está estudando as medidas judiciais cabíveis. Agora Maria Júlia, me deixa pedir um favor pra você. Divide por favor com o público do Jornal Nacional aquela mensagem linda que você mandou pra gente por e-mail, hoje a tarde aqui. Porque tava todo mundo preocupado com você, cê mandou uma mensagem maravilhosa. Divide aqui com todo mundo. Maju: Pois é Bonner, estava todo mundo preocupado, muita gente imaginou que eu estaria chorando pelos corredores, mas na verdade é o seguinte, gente: eu já lido com esta questão do preconceito né desde que eu me entendo por gente. Claro que eu fico muito indignada, fico triste com isso, mas eu não esmoreço, não perco o ânimo que eu acho que é o mais importante né? Eu cresci numa família muito consciente, de pais militantes que sempre me orientaram, eu sei dos meus direitos né? Então acho importante, claro, essas medidas legais pra até que evitar novos ataques a mim e a outras pessoas né? Eu acredito que é... é muito importante e agora eu quero manifestar assim a felicidade que eu fiquei, porque é uma minoria que fez isso, né? Eu fiquei muito feliz com a manifestação de carinho mesmo, como vocês disseram. Eu recebi milhares de e-mails e mensagens, então eu acho que isso que é mais importante e a militância que eu faço gente é com o meu trabalho, é fazendo meu trabalho sempre bem feito, sempre com muito carinho muita dedicação e muita competência, que acho que é o mais importante. E pra finalizar Bonner e Renata é o seguinte: os preconceituosos ladram, mas a caravana passa. É isso. Willian Bonner: É isso. A Maju. Né Maju? A Majuzinha passa, é como você disse: os cães ladram... Maju: Ah. Eu falei isso. Os preconceituosos ladram, mas Majuzinha passa. É isso. William Bonner: É isso. Olha eu e a Renata falamos aqui em nome de todos os colegas da Globo. É claro que todos aqui repudiaram também essas agressões absurdas. Somos todos Maju né Renata? Renata Ceribelle: Somos todos Maju. Hoje e sempre. Maju: Obrigada. Renata Ceribelle: Tchau Maju.

No texto dois, percebemos de maneira mais evidente o discurso velado de

uma elite, que embora se pretenda justa, ainda se pauta nos ditames de uma

sociedade eurocêntrica e se apoia nas ideologias que regem o “Mito da Democracia

Racial”, veiculando a falsa ideia de igualdade racial. Haja visto que expressão:

“Somos todos Maju” ressignifica o antigo conceito de identidade unitária do povo

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brasileira e recoloca em circulação os valores que subjazem desta, bem como as

imagens preestabelecidas da existência de uma convivência pacífica entre os

diferentes povos que em nosso país habitam.

Novamente a questão do preconceito sofrido pela personalidade agora citada

parece esporádico. Não há que se falar em preconceito, somos todos iguais, poucos

são os criminosos que perpetuam o racismo. Vejamos a fala de Bonner: “Olha a

Maria Julia recebeu hoje uma demonstração de carinho do tamanho do Brasil. Hoje

é o dia Nacional de combate à discriminação racial e uns 50 criminosos publicaram

comentários racistas de maneira coordenada contra ela na página do Jornal

Nacional no Facebook. Só que o que aconteceu depois de uma forma espontânea e

avassaladora foi que milhares e milhares e milhares de pessoas manifestaram a

indignação e o repúdio aos criminosos. Na internet a expressão: Somos todos Maju,

ganhou todas as redes sociais”.

O jornalista enfatiza que milhares, e milhares e milhares de pessoas

repudiaram a ação dos 50 criminosos e comenta que a hashtag “Somos todos Maju”

se replicou de maneira rápida nas redes socais, como se o problema do racismo

sofrido pela mesma já estivesse resolvido, desconsiderando a fissura moral causada

à apresentadora ao ser xingada publicamente de "macaca", "puta africana",

"vagabunda", entre outras agressões. A apresentadora, contudo, reforça a ideia do

colega de trabalho dizendo: ...e agora eu quero manifestar assim a felicidade que eu

fiquei, porque é uma minoria que fez isso, né? Eu fiquei muito feliz com a

manifestação de carinho mesmo, como vocês disseram. Eu recebi milhares de e-

mails e mensagens, então eu acho que isso que é mais importante e a militância que

eu faço gente é com o meu trabalho, é fazendo meu trabalho sempre bem feito,

sempre com muito carinho muita dedicação e muita competência, que acho que é o

mais importante (...) Os preconceituosos ladram, mas Majuzinha passa.

Valores eurocêntricos são evidenciados nas falas dos apresentadores. A

impressão que temos é a de que em nosso país atitudes racistas são casos

esporádicos, ou parafraseando as palavras de Maju: uma minoria é racista, mesmo

que anteriormente ela tenha dito que lida com a questão do preconceito desde que

se entende por gente, sendo filha de militantes.

Voltamos então à questão do Mito da Democracia Racial. É notório que a

hashtag #Somos todos Maju# funciona como um recurso para equiparar-nos uns

aos outros, reforçando a equivocada ideia de igualdade racial, induzindo o

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telespectador a pensar que a discriminação racial é infundada no contexto social

brasileiro e que brancos, negros, amarelos ou vermelhos são de fato iguais e vivem

“pacificamente” no Brasil. Complementemos essa discussão com a fala de Ronaldo

Sales Júnior sobre o fenômeno da Integração Subordinada:

No Brasil, a Revolução de 1930 e o Estado Novo caracterizaram-se pela incorporação tutelada das massas urbanas à sociedade oligárquica e pela construção de uma ordem institucional que permitisse a incorporação dos novos atores à arena política. A inclusão do “negro” deu-se por meio de políticas nacional-populistas de integração subordinada das classes e grupos populares e pela redução dos poderes das oligarquias tradicionais com suas ideologias racistas. (SALES JR, 2006, p. 230) (grifo do autor).

Desta época, surgiu a ideia de igualdade racial que, ao contrário do que

muitos pensam, foi uma estratégia política para organização de uma nova ordem

institucional: o Estado Novo, para tanto era necessário integrar os negros à

sociedade e tal integração se deu de forma subordinada, ou seja, o negro era

considerado parte da sociedade, desde que sua posição fosse inferior a do branco

por hierarquia.

Ainda que a intenção dos editores da reportagem tenha sido boa, não

podemos deixar de considerar que as falas de Bonner e Maju ainda carregam

ideologias eurocêntricas. Maju foi lesada moralmente nas redes sociais, mas sua

fala evidencia certa indiferença ao que aconteceu quando diz: os preconceituosos

ladram e a Majuzinha passa, como se ela estivesse em uma posição que nada a

pudesse afetar. Ela não relata o ocorrido nas redes sociais, os xingamentos que

recebeu, mas passa a maior parte do tempo se justificando pelo ocorrido e explana

sobre sua condição econômica e educação privilegiadas, sem se solidarizar com

seus pares que não tiveram a mesma sorte, que sofrem preconceito cotidianamente

e não podem se dar ao luxo de abdicar de seus diretos ignorando a exclusão social

sofrida frequentemente.

A integração do negro ainda se dá de forma subordinada, ou melhor, ele é

considerado como “igual” desde que “tenha uma alma branca”. Seria esse o caso de

Maju? Desde que se adapte à cultura e aos padrões ocidentais, reduzindo-se a ser

grato pelas oportunidades que o branco lhe dá. Desde que seja bem-sucedido

financeiramente, em áreas profissionais específicas, às quais os brancos não

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almejem, ou se contentem com pequenos espaços em profissões de destaque e nas

universidades.

A questão da indiferença contra o preconceito sofrido pelo próprio negro

muitas vezes funciona como defesa, mas é resquício de uma integração ilusória

deste na sociedade, ou melhor, de uma falsa democracia racial como vimos. A

indiferença, pois, se esconde por traz da ideia de que o racismo só acontece em

casos esporádicos e de que todo o brasileiro, independentemente da cor, tem as

mesmas oportunidades em termos de educação, saúde, etc, bastando apenas

aproveitá-las para garantirem uma vida bem-sucedida. Reduzindo-se, pois, o próprio

sujeito, excluído socialmente, é culpado por sua condição social fragilizada. Vejamos

um Meme de Internet que faz um recorte do caso Maju:

Figura 1 – Somos todos Maju

Fonte: Geledés (2015)

Agora com a ajuda do modelo canônico da análise narrativa em Semiótica,

observemos o percurso de manipulação, entre destinador e destinatário, e o

percurso de ação, entre sujeito e objeto de valor:

Figura 2 - Relações Actanciais subjacentes à enunciação: Somos todos Maju

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Destinatário Destinador Geledés

Sujeito Objeto de valor

(Sociedade contemporânea) Percepção do preconceito velado

O destinador do discurso manifestado nesse texto, Geledés, evidencia o

preconceito racial no contexto social brasileiro de maneira bem-humorada, quando

coloca as personagens da figura se posicionando de diferentes maneiras em relação

ao preconceito étnico-racial em contextos sociais diferentes. Existe por parte do

Destinador, a intenção de fazer saber que o preconceito se dá de maneira enevoada

em nossa sociedade, ou seja, os mesmos sujeitos que criticam o preconceito de

outrem na primeira cena são os que se manifestam preconceituosamente em

contextos sociais e ou momentos diferentes, como pode ser visto nas cenas

seguintes.

A campanha de apoio a Maju que liderou o trend topics, do twitter, com

certeza foi uma boa iniciativa, mas o destinador do discurso acima evidencia a falta

de posicionamento crítico das pessoas que se solidarizaram com a campanha,

reproduzindo o jargão replicado nas diferentes mídias: “Somos todos Maju”, sem

sequer parar para refletir sobre o mesmo. O destinador nos leva a pensar quantas

vezes a sociedade brasileira se diz respeitar as diferenças étnico-raciais existentes

em nosso meio, mas reproduz ainda que de maneira velada o preconceito racial.

Isso é evidenciado na cena três da charge quando o rapaz (ao lado de sua

namorada) que no quadrinho anterior se solidarizava com a campanha por Maju,

desconfia da índole do jovem negro que se posiciona logo atrás do casal na cena

em questão, advertindo a sua suposta namorada para que tenha cuidado com a

bolsa. Na cena quatro a senhora (do casal de senhores na cena 1) estranha o fato

de que a médica que a atende seja negra, chegando a questioná-la a esse respeito.

Eis novamente a ideia da integração subordinada, segundo Sales Jr (2006). Quando

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a suposta igualdade existe desde que as pessoas negras se sujeitem a circular em

espaços não requisitados pelas pessoas brancas.

Outro acontecimento que evidencia a reincidência do racismo cotidiano foi o

da socialite Val Marchiori que teceu comentários racistas a respeito do cabelo da

funkeira Ludmilla, durante a transmissão dos “Bastidores do Carnaval” da Rede TV.

Disse, ao vivo, que o cabelo da cantora era similar a uma palha de aço. O

comentário da socialite levantou discussões a respeito do racismo e se replicou na

internet por meio de diferentes textos, dentre os quais a o Meme de Internet abaixo:

Figura 3 - Ludmila

Fonte: Vini Oliveira Charges (2016)

A partir do Quadrado Semiótico abaixo, analisemos o percurso de manipulação,

entre destinador e destinatário, e o percurso de ação, entre sujeito e objeto de valor:

Figura 4 - Relações Actanciais subjacentes à enunciação. Destinatário Destinador Vini Sujeito Objeto de valor (Sociedade contemporânea) Perceber a indiferença em relação ao preconceito racial

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Do quadrado acima se depreende que o destinador manipulador- Vini -

instaura o sujeito, Sociedade Contemporânea, num percurso gerativo de “fazer

saber” a respeito da indiferença da cantora Ludmila em relação ao preconceito por

ela sofrido no carnaval de 2016. Tal indiferença é evidenciada na charge com um

trecho de sua música: “Fala mal do meu cabelo e da minha maquiagem, ô racista

escrota pode falar a vontade...”, bem como pela posição de destaque de Ludmila na

figura, estando em pé à frente da segunda personagem, com brilho nos cabelos

evidenciado por efeito de uma espécie de estrela na figura. O que enaltece a beleza

natural de seus cabelos cacheados e fortalece a questão da beleza negra. Em

contrapartida, a personagem de Val Marchiori está em posição subalterna, ao chão,

xingando a funkeira, com uma espécie de gosma saindo da boca, além de uma

expressão facial maldosa.

Aprofundemos-nos um pouco mais na análise da figura 3, mas a faremos em

conjunto com a figura 1. Utilizando-nos do Quadrado Lógico Aristotélico, afinal as

estruturas mais profundas do discurso se sustentam em contrários e contraditórios.

Tal quadrado serviu como modelo de análise, na metodologia semiótica, ampliando-

se e constituindo o octógono semiótico, por meio do qual é possível descrever, como

veremos a seguir, as ideologias ou sistemas de valores, subjacentes em diferentes

textos. (PAIS,2009). Podemos, então, verificar a axiologia e os sistemas de valores

das relações raciais no Brasil e as controvérsias discursivas em relação ao

preconceito racial.

Figura 5 - Discurso das relações raciais no Brasil

Relações raciais no Brasil

Etnocentrismo Diversidade Racial

Subordinação Emancipação

~Diversidade racial ~ Etnocentrismo

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Nos textos sincréticos das charges: Figuras 1 e 3, verificam-se os contrários,

Etnocentrismo X Diversidade Racial, subjacentes aos textos. Temos então do lado

esquerdo do octógono o etnocentrismo que se caracteriza pela subordinação de

algumas raças em relação a outras. No caso das figuras analisadas percebemos de

maneira direta na figura 1 e de maneira indireta na figura 3, a ideia de subordinação

do negro em relação ao branco, por meio do padrão eurocêntrico de civilização. Tal

padrão tenta incutir na sociedade brasileira as normas e valores ocidentais.

Logo, os valores e a cultura do povo negro são julgados inferiores, primitivos,

sendo rejeitados por aqueles que se autodenominam “brancos”. Por outro lado, na

parte esquerda do octógono e a partir dos discursos analisados percebemos

também o desejo de emancipação da população negra. Tal desejo se pauta em uma

ideologia que visa diminuir as desigualdades socioeconômicas e raciais brasileiras,

desconstruindo o mito da igualdade racial e fortalecendo a ideia de diversidade racial

e o respeito às diferenças.

Tanto nas figuras 1 e 3 quanto nas reportagens, evidencia-se que as relações

raciais no Brasil são, ainda, um entrave. Contudo, nas mídias são visíveis alguns

avanços e a boa intenção de alguns apresentadores é percebida, embora esses

ainda reproduzam discursos eurocêntricos sem perceberem.

Nas novelas, por exemplo, a população negra já começa a ser percebida de

outras maneiras e a participação de negros em comerciais é crescente, porém não

podemos esquecer que neste meio também se reforçam alguns preconceitos e é

importante dizer que na mídia televisiva já existe algum controle relacionado à

transmissão de mensagens racistas ou a propagação de estereótipos. Em muitos

casos algumas emissoras de televisão sofreram penalidades judiciais, por

veicularem conteúdos em que a população negra era estereotipada, mas na internet

esse controle é muito difícil e isso se dá por conta de sua abrangência, bem como

por questões de inviolabilidade de direitos dos usuários deste espaço. É importante

que haja, neste caso, o mínimo de razoabilidade, de modo que os direitos e

garantias devidos aos usuários da internet, não prejudiquem os direitos

fundamentais de outrem.

Pensar, pois, nestes meios de comunicação numa perspectiva que se

aproxime da Educação não formal, sobre a qual nos falou Gohn, no início deste

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capítulo, é pensar na leitura critica do que se veicula em tais meios e em nossa

corresponsabilidade na medida em que curtimos ou compartilhamos mensagens que

ironizam a diversidade etnico-racial inerente ao ser humano, ou quando assistimos

programações com apelo racista, sem nos posicionarmos ou sequer pararmos para

pensar a respeito daquilo que lemos ou vimos.

Contudo o bom uso das mídias em geral no sentido de fomentar atitudes de

respeito e valorização das diferenças é um instrumento valioso para a minimização

dos conflitos sociais relacionados às questões etnico-racial. É imprescindível que

esses meios de comunicação se atentem àquilo que a educação formal e não-formal

ensinam, a respeito deste tema e que se sintam corresponsáveis por desfazerem a

mentalidade e o pensamento pessimista sobre determinadas populações, bem como

sobre o papel destas na sociedade brasileira contemporânea. Para tanto as mídias,

em geral, podem propiciar o debate a respeito das questões etnico-raciais no

contexto social brasileiro, bem como difundir o reconhecimento das diferentes

culturas que estruturaram nosso país.

Já existem algumas contribuições neste sentido. A emissora Globo de

televisão, por exemplo, em parceria com UNESCO, UNICEF, UNAIDS e ONU,

lançou, a pouco tempo a campanha “Tudo começa pelo respeito”. Em pequenas

chamadas, durante os comerciais, discussões sobre os direitos de públicos

vulneráveis à discriminação e ao preconceito, são instigadas. Com o intuito de

sensibilizar a sociedade sobre a importância do respeito para o bem comum, bem

como mobilizar a sociedade para o fortalecimento de uma cultura que não apenas

tolere, mas respeite direitos.

Trata-se de uma iniciativa modesta, mas que denota uma mudança útil nos

meios de comunicação e que pode ser ampliada para outras emissoras televisivas e

demais mídias. De modo que estes dispositivos venham a contribuir de maneira

positiva para com as instituições de educação formal e não-formal no sentido de

reeducar as relações etnico-raciais brasileiras. No espaço escolar, por exemplo, já

existe a previsão de trabalho com legislações e políticas públicas específicas sobre

a temática. Elas têm a finalidade comum de transformar o ambiente escolar em um

espaço onde o respeito e a valorização das diferenças sejam essenciais.

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4.6 O espaço escolar enquanto ambiente de construção de atitudes de respeito

e valorização das diferenças.

As análises semióticas tecidas nesta pesquisa desvelam o racismo que se

replica dentro e fora do espaço escolar e têm por objetivo ampliar o olhar do leitor

acerca de como se dão as relações etnico-raciais no contexto social brasileiro. Para

tanto, fortalecemos nossa discussão a este respeito refletindo sobre as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações (DCN).

Sabe-se que as dificuldades para implantação de políticas públicas

educacionais, assim como para a implementação das leis que se relacionam a

temática desta pesquisa se devem à história das relações étnico-raciais neste país e

aos processos educativos que elas desencadearam (SILVA, 2007). Tais processos

refletem a falta de material didático e procedimentos pedagógicos apropriados para

uma nação multiétnica e o fortalecimento de estereótipos e preconceitos.

De acordo com Silva (2007) em primeiro lugar precisamos prestar a atenção

nas maneiras como nossos alunos aprendem, nos atentarmos para experiências

educativas entre povos indígenas, quilombolas e habitantes de outros territórios

negros.

Essas populações nos mostram que não é só com a inteligência que se tem acesso a conhecimentos. O corpo inteiro, os sentimentos, as emoções, a espiritualidade podem nos auxiliar a ensinar, aprender e descobrir o mundo. “Corpos negros, brancos, indígenas, mestiços, doentes, sadios, gordos, magros, com deficiências, produzem conhecimentos distintos, todos igualmente humanos e, por isso, ricos em significados”. (SILVA, 2007, p.501)

Os mantenedores e administradores dos sistemas de ensino, seus

professores e todos os envolvidos com a educação devem refletir a respeito do que

foi dito acima, bem como a respeito do reconhecimento e valorização da história e

cultura do povo brasileiro, da diversidade deste e do igual direito que estes têm à

educação de qualidade e a formação para a cidadania responsável pela construção

de uma sociedade justa e democrática. (BRASIL, 2004, p 10)

Discussões a respeito das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura afro-brasileira

(DCN) que são, pois, uma Política Curricular, podem nos auxiliar nesse sentido. As

DCN atendem aos propósitos expressos na Indicação CNE/CP 6/2002, bem como

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regulamentar a alteração trazida à Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, pela Lei 11.645 de 2008, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e indígena na Educação Básica. Tal legislação visa

a garantir o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania das populações

brasileiras, assim como confirmar igual direito às histórias e culturas que compõem

esta nação e o acesso às diferentes fontes de cultura nacional a todos brasileiros.

“[...] A educação constitui-se um dos principais ativos e mecanismos de transformação de um povo e é papel da escola, de forma democrática e comprometida com a promoção do ser humano na sua integralidade, estimular a formação de valores, hábitos e comportamentos que respeitem as diferenças e as características próprias de grupos e minorias. Assim, a educação é essencial no processo de formação de qualquer sociedade e abre caminhos para a ampliação da cidadania de um povo.” (BRASIL, 2004, p.7).

A questão da diversidade etnico-racial tem que ser discutida por toda a

sociedade e em todos os espaços, mas não podemos desconsiderar o potencial

transformador que tem a escola. Se meninas e meninos forem educados tendo

como base essencial valores para conviverem com as diferenças,

consequentemente eles respeitarão tais diferenças e isso se refletirá em suas

atitudes cotidianas. A escola cabe esta tarefa, a de educar para as relações étnico-

raciais, ou como melhor nos diz Silva (2007): “reeducar”.

Esta empreitada exige reflexão a cerca do que já foi feito substancialmente

no ambiente escolar até agora e o que ainda precisa ser feito em relação à atuação

de todas aquelas pessoas envolvidas com o processo de educação dentro da

escola. E vale lembrar que “Não basta promulgar uma lei; precisa mudar a mente

das pessoas e seus posicionamentos”. Pereira (2013, on line)

Logo, não se deve limitar apenas a inclusão daquilo que descrevem as leis no

currículo escolar, precisamos ainda fazer com que elas saiam do papel e se efetivem

no meio social, incentivando atitudes de respeito e valorização da diversidade. Afinal

existem ainda tensões no ambiente escolar geradas por questões étnico-raciais que

exigem uma tomada de decisão por parte dos educadores e demais atores

escolares. Coisas que parecem corriqueiras não podem passar despercebidas, tais

como, crianças que se negam a dar a mão a outras por causa da cor do colega, ou

que usam algumas falas preconceituosas como: “chuta que é macumba”, “isso é

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coisa de preto” ou mesmo chamam um colega de “macaco”. Estas falas revelam o

preconceito presente na cultura escolar brasileira.

A Análise Semiótica dos Memes de Internet desenvolvidas nesta pesquisa

são, pois um instrumento valioso para a formação de professores, bem como para o

trabalho com jovens estudantes, vez que ela evidencia o preconceito racial latente

em nossa sociedade e viabiliza uma análise crítica do corpus em questão, além de

propiciar o debate sobre a diversidade etnico-racial. Trata-se de uma maneira

diferente e efetiva de abordar a temática que se estabelece nas DCN para Educação

das Relações Etnico-raciais (ERER). Vejamos o que nos diz este documento:

... divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada. (BRASIL, 2004, p.2).

Valorizar identidades é pensar a respeito da pluralidade da população

brasileira, compreendê-la, respeitá-la. E a escola, contudo, deve se pautar em uma

pedagogia que considere as diferenças. Afinal é sabido que a escola se abriu para

todos de direito, mas não de fato. Muitas de suas práticas pedagógicas ainda se

voltam para uma parcela pequena da população, aquela que goza de maior prestígio

social.

Segundo Silva (2007) o privilégio e a valorização das raízes europeias, por

exemplo, deram origem ao currículo escolar “monocultural” que temos hoje na

maioria das escolas, ou seja, a diversidade cultural existente no Brasil é ocultada e

isso tem reproduzido, entre populações culturalmente diversificadas o sentimento de

não pertencerem à sociedade. Trata-se de uma visão de mundo que se baseia em

uma única raiz étnico-racial e que se torna incapaz de perceber outras vozes e

imagens ausentes dos currículos escolares.

Os currículos, porém, precisam ser reestruturados de modo a dialogar com

todas as culturas que os rodeiam. Isto significa reconhecer que o Brasil é uma das

nações mais multicultural e etnicamente diversificada do mundo. Sua população é o

resultado da mistura cultural de grupos de imigrantes vindos de diferentes países,

diferentes continentes, são, pois, inúmeras raças que formam um povo culturalmente

rico. (RIBEIRO, 1995)

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As DCN (BRASIL, 2004) tratam do reconhecimento de toda essa diversidade

priorizando a inclusão do estudo da história da África e dos africanos por considerar

a relevância do povo negro na formação da sociedade nacional, resgatando a

contribuição deste nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do

Brasil. É válido salientar que a palavra de ordem aqui é reconhecer a contribuição

deste povo. Não se trata, pois, de uma questão de benemerência e liberalidade de

quem o faz. Não se deve esperar agradecimento por tal atitude ou ter a pretensão

de que o povo negro se sinta em dívida pelos benefícios recebidos. Tais sentimentos

e atitudes levam a considerar os atuais marginalizados pela sociedade, como o

foram colonizados e escravizados, “potenciais inimigos que precisam ser vigiados.”

Logo, uma educação que reconhece a diversidade – étnico-racial respeita as

diferenças e contribuições de cada povo sem pretender deixar implícita a ideia de

que a benemerência de um determinado povo seja a responsável pelo progresso de

outro. (SILVA, 2007).

As DCN são, pois, uma medida afirmativa que visa a ressarcir os

descendentes de africanos, dos danos sofridos sob o regime escravista, das

políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população brasileira e da

manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir

na formulação de políticas, no pós-abolição (GOMES, 2003). Ademais, cabe ao

Estado promover e incentivar políticas de reparação como esta, conforme o disposto

na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever do Estado de garantir

indistintamente, por meio da educação, iguais direitos para o pleno desenvolvimento

de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou profissional. (BRASIL, 1998)

É mister dizer que tais políticas devem ter como meta o direito não apenas

dos negros, mas de todos cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de

ensino, em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores

sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos

étnico-raciais, bem como qualificados para o ensino das diferentes áreas de

conhecimentos e com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo

racismo e discriminações. (BRASIL, 2004)

Sendo a escola ainda o único lugar onde as camadas populares têm acesso

ao conhecimento científico e artístico do saber sistematizado e elaborado, do qual

muitos são excluídos, a qualificação do professor é, pois, muito importante e deve se

dar por meio de sua formação contínua, e da percepção da necessidade de uma

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escola inclusiva que compreende e respeita o jeito de ser de cada indivíduo e cada

grupo social e ainda que preserve os valores básicos da nossa sociedade e

reconheça a alteridade e o direito à diferença dos grupos vulneráveis.

Daí pensarmos no espaço escolar enquanto um ambiente que deve ser

marcado pelo respeito aos diversos sujeitos, contextos e práticas, além do privilégio

ao diálogo e as interações interpessoais, reproduzidas em atitudes de respeito à

diversidade, valorizando a cultura local e a linguagem como parte dela, sem

desconsiderar os fenômenos culturais como construções históricas e sociais que

envolvem relações de poder. Para tanto a escola deve ainda se tornar um espaço de

negociação permanente, onde o professor ocupará o lugar de ator principal, tendo

como papel examinar as práticas culturais do ponto de vista histórico e social, bem

como levar seu aluno a percebê-la como uma instituição social formada por sujeitos

socioculturais e, sendo assim, um espaço da diversidade cultural, onde não deve

haver divergências veladas ou ignoradas. (SILVA, 1993)

Vale dizer que o gestor escolar é imprescindível para que tudo isso ocorra,

afinal ele é o responsável por tornar a escola um ambiente de construção de atitudes

de respeito e valorização das diferenças étnico-raciais, vez que como nos diz

Aranha (2005) é ele quem mobiliza professores, funcionários e demais atores sociais

e forma uma equipe única, cooperativa e eficiente, tendo papel essencial na

condução da prática educativa. E para que tal prática obtenha êxito todos os atores

ora citados não podem improvisar.

Têm que se desfazerem mentalidades racistas e discriminadoras seculares, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais e desalienando processos pedagógicos. É importante salientar que tudo isso não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizado, vivida pelos negros. Tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas. (BRASIL, 2004, p.15)

É sabido que as relações excludentes presentes na prática social cotidiana

fazem com que estudantes pertencentes a etnias oprimidas sejam submetidos ao

fracasso escolar. Apple (1997) ratifica que diversas teorias tentaram explicar o

fracasso escolar com base em características biológicas, utilizando-se da ideia de

inferioridade genética relacionada à raça. Essa perspectiva serviu para que vários

governantes, formuladores de políticas neoliberais e conservadoras legitimassem a

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eliminação dos direitos sociais e educacionais de pobres, mulheres e negros. Isso

pode ser evidenciado nos índices de alfabetização e escolaridade da população

negra, que revelam a discrepância em termos de quantidade e qualidade de ambas,

se relacionadas a outras etnias. Para que se mude esse panorama é necessário

desvencilhar-se de um currículo eurocêntrico que durante muito tempo privilegiou a

cultura branca, menosprezando as demais culturas e as relegando a uma

inferioridade que perpassou gerações. Gonçalves (2006) defende que devido a

colonização portuguesa no Brasil a valorização da cultura europeia, principalmente

como componente curricular, levou as outras culturas a serem negadas,

inferiorizadas e excluídas. Para a autora, a aculturação de um povo é o mesmo que

privá-lo de sua representação social, tirar-lhe a alma, rebaixar sua autoestima:

A ideologia da superioridade do branco conserva em nosso país elementos no plano estrutural e pessoal que reforçam mecanismos de exclusão e preconceito racial. Esse aspecto assume uma materialidade explícita no campo da educação escolar por meio do vínculo entre conhecimento, identidade e poder. (GONÇALVES, 2006, p.07).

Silva (2001, p. 102) ratifica as ideias de Gonçalves: “Em termos de

representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente as marcas da

herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial”.

Para a autora as orientações curriculares oficiais: rituais escolares, datas festivas e

nacionais, por exemplo, celebram os mitos da origem nacional e privilegiam as

identidades dominantes, colocando em segundo plano as identidades dominadas e

tratando-as como exóticas ou folclóricas.

A escola é um lugar privilegiado para a formação cidadã e é evidente a necessidade de se pensar em projetos político-pedagógicos e em currículos que reconheçam e valorizem a formação multicultural e multirracial do povo brasileiro, de modo a sair de uma educação conservadora e autoritária para uma educação humanista. Afinal o processo educacional converge para identidades plurais, o que distancia da falsa imagem cultuada como fixa e estável durante muitos anos da história da formação docente. Sendo assim, a pluralidade cultural assume a tarefa de avançar em direção à construção de uma proposta pedagógica efetivamente multicultural. (GONÇALVES, 2006, p.10,11).

Podemos concluir que sendo a diversidade algo inerente ao cotidiano das

práticas escolares, ela não pode deixar de constar da elaboração curricular das

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escolas. Estratégias metodológicas e didáticas para tratamento das questões

culturais e etnico-raciais devem ser pensadas neste ambiente. Afinal nele se

intercruzam uma multiplicidade de culturas, tratando-se, pois de um lugar constituído

pela dissemelhança.

... a educação é o único processo pelo qual é possível preservar, restaurar ou restabelecer uma civilização, na medida em que pode realizar a reinserção das pessoas no processo histórico de uma cultura. Para tanto, é necessário que a comunidade humana em questão se organize e se sustente permanentemente, segundo os princípios básicos do humanismo, da racionalidade e da civilização: liberdade, igualdade, fraternidade (PAIS, 2009, p.24).

O Brasil que queremos construir se faz em um processo de médio e longo

prazo e nesse sentido, a educação torna-se crucial na efetiva redução de

desigualdades, ampliação de oportunidades e no combate ao preconceito racial.

Muitas já foram as conquistam, mas não percamos de vista que da legislação

existente em torno do assunto a uma nova maneira de pensar e agir há ainda muito

que se fazer, desfazer e refazer, como nos diz Silva (2007). Para tanto, no próximo

capítulo seguem-se análises semióticas do discurso dos “memes” que desvelam os

valores e ideologias circundam as relações etnico-raciais brasileiras.

4.7 Análise semiótica do discurso: Somos todos macacos ou bananas?

O objeto de análise desta parte da pesquisa são dois “memes” que foram

replicados nas Redes Sociais de Internet, bem como em outras mídias durante um

curto período de tempo, tendo como suporte uma “campanha solidária” que se

relacionava a questões raciais e que propagava o jargão: “Somos todos macacos”.

Inobstante, a replicação de tais textos tenha se dado por pouco tempo, podemos

dizer que este foi o bastante para percebermos a existência do preconceito racial,

ainda que velado, em nossa sociedade.

O primeiro “meme” a ser analisado nos leva a perceber isso. Ora, equiparar o

ser humano à figura do macaco, tira de foco o conceito controverso de raças,

propagando a ideia de que todo ser humano é igual e não há barreiras ao convívio e

à mobilidade sociais entre os povos de diversas origens raciais dentro do Brasil. Tal

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ideia foi reforçada pela imagem não apenas de jogadores, mas de outras

personalidades brasileiras, tais como: atores e políticos, negros ou brancos, que

aderiram à campanha, como se estes de fato figurassem de maneira igualitária

dentro da sociedade brasileira.

Se houvesse tal igualdade esta pesquisa não teria razão de existir, mas sabe-

se que no cotidiano social brasileiro o momento de humilhação vivido pelo jogador,

ora citado, no exterior, não é uma fatalidade ou um episódio esporádico para muitos

brasileiros como pareceu ser. Pelo contrário, muitas pessoas passam por situações

parecidas com aquela vivida por Daniel Alves.

Numa reportagem recente do jornal BBC Brasil, Barreto (2015, online), após

analisar mais de 11 mil edições de jornais e revistas entre 1808 e 2015, disse: "A

noção de que o Brasil é um país hospitaleiro, onde todos os estrangeiros e

imigrantes são bem-vindos, não passa de um mito". O pesquisador se referiu ao

racismo contra imigrantes no Brasil e concluiu que este se manteve constante,

apesar dos avanços, e que a aceitação é seletiva, com diferenças entre europeus e

africanos. Tais diferenças remontam de tempos atrás e é sabido que o Brasil é

marcado pela marginalização histórica de uma raça em relação à outra, desde sua

formação inicial, excluindo o povo negro das decisões públicas e sociais e

privilegiando o pensamento e cultura ocidentais.

Para caracterizarmos de maneira bastante clara os textos mêmicos, que

analisamos a seguir e que respondem respectivamente pelos slogans: “Somos todos

macacos”, “Somos todos bananas”, passamos pelo campo das paixões, uma vez

que os textos selecionados remetem a um momento sociocultural de controvérsias a

respeito da identidade do brasileiro, partindo do contexto de um ato de discriminação

racial sofrida por um jogador da seleção brasileira que causou uma mobilização

nacional.

Em reportagem da Folha Uol, do dia 27/04/2014, o jogador Daniel Alves, do

Barcelona, enquanto se preparava para cobrar um escanteio, abaixou-se, pegou

uma banana atirada por um torcedor e a comeu. Prosseguiu o jogo como se nada

tivesse acontecido e respondeu de forma peculiar a uma manifestação racista da

torcida do Villarreal, no estádio El Madrigal, em partida do Campeonato Espanhol.

Tal atitude teve repercussão por todo o mundo e o jogador recebeu elogios de toda

parte, dando origem à campanha #somostodosmacacos.

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Segundo a revista Veja de 28/04/14, a manifestação antirracista se replicou

nas redes sociais. Foi uma campanha de marketing pensada pela equipe do jogador

de futebol, Neymar que, ao publicar, em sua conta no Instagram, uma imagem de

apoio ao companheiro do Barcelona, Daniel Alves, e usar a marcação

#somostodosmacacos, deu o pontapé inicial a uma ideia arquitetada duas semanas

antes com a agência de publicidade Loducca, do grupo ABC, logo após Neymar,

também, ter sido alvo de racismo durante um jogo entre o Barcelona e o Espanyol.

Em entrevista à Veja, o publicitário Guga Ketzer, sócio da agência Loducca,

disse que Neymar e seu pai o haviam procurado para dizer que precisavam se

posicionar em relação às manifestações racistas. Foi então que surgiu a ideia de

acabar com o preconceito tirando a força dele. Quando jogassem uma banana em

campo, Neymar a comeria e isso se tornaria um movimento, mas como Daniel Alves

fizera isso antes, eles soltaram a campanha apenas com Neymar se manifestando

sobre o ocorrido. Tal atitude deu origem a um movimento que teve grande

repercussão e apesar de fomentar discussões controversas contou com a

colaboração de inúmeras personalidades: dentre artistas, jogadores, cantores e

políticos brasileiros.

No “meme”, fig. 6, revela-se o discurso do preconceito racial, mas, anterior a

este, existe outro discurso, o da agência publicitária que recortou a realidade sob o

olhar de jogadores brasileiros, que sofreram discriminação no exterior, e tratou esta

informação segundo uma semiótica sincrética.

Figura 6 - Campanha Somos todos Macacos

Fonte: Google search (2014)

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Segundo Pietroforte (2006), no plano de conteúdo do texto a figuratividade

semantiza as categorias sintáticas de pessoa, tempo e espaço. Na relação entre o

verbal e o plástico, tanto a foto quanto a legenda manifestam o mesmo percurso

figurativo. Evidencia-se, portanto, uma ancoragem. A legenda explica a foto, pois há

uma redundância sêmica e a figuratividade formada no conteúdo do texto é

expressa tanto no verbal, quanto pela foto.

Vejamos agora o modelo canônico de análise narrativa em Semiótica

(evidenciado na figura 7 (abaixo)) que apresenta as relações actanciais do texto

acima, figura 6, onde o destinador manipulador é a Agência de Publicidade que

instaurou no sujeito sociedade contemporânea, um fazer crer; qual seja: não há

desigualdade racial no Brasil. Somos todos iguais sem qualquer distinção.

Reduzindo cada brasileiro a um único comparativo, pejorativo: o macaco.

Figura 7 - Relações Actanciais

Fonte: Bonini, Prados; Santana (2016)

De acordo com Prados (2008), do texto em questão, depreendem-se outras

leituras significativas, para tanto, valemo-nos agora do programa narrativo (PN) que

é uma estrutura que revela o paradigma actancial, pela relação entre o sujeito e o

objeto de valor. O discurso manifestado no texto, três jogadores, que tratamos como

Sujeito1 e focalizamos a estrutura de superfície do “meme 6”, que apresenta em sua

tematização e figurativização o preconceito racial contra as pessoas negras (tema) e

(figurativizado pela frase “Somos todos macacos” e pela imagem de três jogadores

segurando uma banana). O Sujeito (S1) (três jogadores) que têm um Programa

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Narrativo Principal (PNp) em busca do seu Objeto de Valor (OV) (Igualdade) e

Programas narrativos Auxiliares (PNa). Essa narratividade vai se manifestar em uma

estrutura superficial, que em Semiótica é tratada como estrutura discursiva, na qual

configuram-se os temas (preconceito racial e injustiça social).

Figura 8 - Programa narrativo

Fonte: Bonini, Prados; Santana (2016)

Tal leitura nos permitiu perceber outros programas auxiliares do Sujeito1, em

busca do seu Objeto de valor principal e que, para isso, passa por provas

qualificantes, na busca de objetos de valor auxiliares. No PN, o Destinador

manipulador, na ordem do saber, instaura o Sujeito1 na narrativa, num percurso

virtualizante que o seduz a crer que todo brasileiro é igual, independente de sua

etnia ou raça, mas o jogo dos contrários é evidente no texto e podemos perceber

claramente que temos um não-poder-fazer-crer, que se evidencia pelo discurso da

diversidade racial brasileira, revelada na imagem dos três jogadores brasileiros com

características étnico-raciais distintas.

Os jogadores, no entanto, fazem uma campanha antirracista buscando justiça

racial e social, defendendo a ideia que se manifesta pelo Destinador manipulador, o

que é bastante plausível, mas igualam-se a macacos. Seria esta, a melhor maneira

de combater o racismo? Somos mesmo macacos? Quais ideologias estão por trás

deste “meme”? É sabido que o homem é um tipo de primata como os macacos, mas

macacos e os homens seguiram caminhos distintos no processo evolutivo. O que

existiu no caso foi um ancestral comum entre os dois que viveu há mais de 6

milhões de anos, em algum lugar da África e tinha detalhes anatômicos que não

existem em nenhum animal hoje. Este primata deu origem a duas linhagens

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distintas, quais sejam: os macacos de hoje e o homem moderno. Neste caso,

podemos dizer que tivemos um antepassado em comum ao macaco, mas não

somos necessariamente macacos.

Ademais, no “meme 6”, reduzir todos os brasileiros ao termo “macacos”

funciona como um recurso para equiparar-nos uns aos outros, ainda que de forma

pejorativa, mas o fato é que a ideia de igualdade racial é reforçada pelas expressões

de espanto ou indiferença, ao ato discriminatório sofrido por Daniel Alves, retratada

no rosto dos três jogadores no texto, induzindo os leitores a pensarem que a

discriminação racial é infundada no contexto social brasileiro e que brancos, negros,

amarelos ou vermelhos vivem “pacificamente” no Brasil. Ronaldo Sales Júnior daria

a tal fenômeno o nome de Integração Subordinada, o que se justifica pela citação

que segue:

“No Brasil, a Revolução de 1930 e o Estado Novo caracterizaram-se pela

incorporação tutelada das massas urbanas à sociedade oligárquica e pela

construção de uma ordem institucional que permitisse a incorporação dos

novos atores à arena política. A inclusão do “negro” deu-se por meio de

políticas nacional-populistas de integração subordinada das classes e

grupos populares e pela redução dos poderes das oligarquias tradicionais

com suas ideologias racistas”. (SALES JR, 2006, p. 230) (grifo do autor).

Desta época, surgiu a ideia de igualdade racial que, ao contrário do que

muitos pensam, foi uma estratégia política para organização de uma nova ordem

institucional: o Estado Novo, para tanto era necessário integrar os negros à

sociedade e tal integração se deu de forma subordinada, ou seja, o negro era

considerado parte da sociedade, desde que sua posição fosse inferior a do branco

por hierarquia.

O discurso subjacente do “meme” (fig.6), propagado nas redes sociais apenas

por personalidades de destaque no contexto midiático brasileiro, pode revelar que a

integração do negro ainda se dá de forma subordinada, ou melhor, ele é

considerado como “igual” desde que “tenha uma alma branca?” Desde que se

adapte à cultura e aos padrões ocidentais, reduzindo-se a ser grato pelas

oportunidades que o branco lhe dá e ser bem sucedido financeiramente, em áreas

profissionais específicas, às quais os brancos não almejam. Desde que se

contentem com pequenas cotas em universidades, não que o sistema de cotas seja

algo ruim, mas limitar uma quantidade de vagas para negros é um tanto estranho. E

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por fim desde que o negro aceite ser discriminado em público pelo branco e ignore

tal situação, como no caso do jogador. Guimarães afirma que:

“Tais práticas racistas são quase sempre encobertas para aqueles que as

perpetuam por uma conjunção entre senso de diferenciação hierárquica e

informalidade das relações sociais, o que torna permissíveis diferentes tipos

de comportamentos verbais ofensivos e condutas que ameaçam os direitos

individuais. Trata-se de um racismo às vezes sem intenção, às vezes "de

brincadeira", mas sempre com consequências sobre os direitos e as

oportunidades de vida dos atingidos.” (Guimarães, 1999 p 155,156).

O fato de reduzirmo-nos a macacos, ainda que de forma irônica, apenas

reproduz a antiga ideia de que a questão racial brasileira é um falso problema, um

mito, fortalecendo o espaço relegado a população negra na contemporaneidade que

se vê impossibilitada de gozar de direitos fundamentais. Salles Jr (2006) ratifica que

a convivência pacífica entre negros e brancos no Brasil é um “mito da Democracia

Racial” que provoca o desconhecimento ideológico do racismo, produzindo a

ausência de dados e fatos sobre as desigualdades raciais existentes no país. Tal

mito é utilizado intencionalmente para camuflar dados e fatos discriminatórios,

obscurecer as desigualdades raciais existentes no Brasil e as ideologias racistas que

apartam e subordinam o negro, negando-lhes o direito às mesmas oportunidades e

ao mesmo respeito destinado ao branco.

As contradições descritas acima colocaram em xeque, à época, a veracidade

do texto mêmico em questão (fig 6), gerando réplicas, segundo Recuero (2007)

metamórficas, ou seja, aquelas que reinterpretaram e alteraram o “meme” quando

passado adiante, dando origem a um novo “meme” com o slogan “somos todos

bananas” como podemos ver abaixo:

Figura 9 - Campanha Somos todos bananas.

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Fonte: Google search (2014)

Esse “meme” (Fig. 9), uma charge de Duke que se replicou na internet, se

opõe à ideia de igualdade racial brasileira propagada no “meme” (Fig. 6). Na imagem

acima podemos ver várias bananas descascadas, cada qual com a casca de uma

cor, porém a fruta em si tem as mesmas características, inobstante a cor se suas

cascas, o que nos leva a fazer a analogia das bananas com pessoas, cada qual com

suas características próprias, mas com uma única essência: a de ser humano. O

texto mêmico em questão deixa evidente um poder fazer saber, qual seja: somos

diversos. Temos características físicas diferentes, pensamos de formas diferentes,

mas acima de tudo somos humanos e isso basta para termos assegurados os

mesmos direitos. Não somos iguais, mas temos a priori os mesmos direitos. Digo a

priori porque existem casos especiais em que são assegurados a algumas pessoas

direitos especiais. Vejamos agora o modelo canônico de análise Semiótica da

narrativa do discurso manifestado neste texto mêmico:

Figura 10 - Relações Actanciais: diversidade racial.

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Fonte: Bonini; Prados; Santana (2016)

O destinador do “meme” (fig. 9) evidencia a diversidade racial de maneira

bem humorada na figura das bananas, levando o leitor a saber, como foi dito, que

somos racialmente diversificados. Temos nossa cultura, costumes, maneira de vestir

e culinária próprias, sendo, pois, essas diferenças que nos identificam e que

caracterizam quem somos e a qual grupo pertencemos. A respeito da identidade,

Pais (2009) nos diz: “Trata-se de um conjunto de características que uma pessoa

atribui a si mesma, ou, então, de qualidades que um grupo humano confere a si

mesmo.”

O Brasil, pois, se constitui por povos de diversas etnias e raças, logo temos

dentro do nosso território vários grupos humanos com características distintas, ou

seja, a diversidade nos caracteriza como brasileiros, nossa identidade é multirracial,

logo não há no contexto atual brasileiro uma identidade central e unificadora para

todos, em contraponto ao que foi dito no “meme” (Fig.6).

Observemos agora o programa narrativo (PN) abaixo, em que temos o

Sujeito1 (brasileiros) que está em busca do objeto de valor principal, Manipulação da

Mídia.

Figura 11 - Programa Narrativo S1

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Fonte: Bonini; Prados; Santana (2016)

No “meme” (fig.9) o sujeito 1: brasileiros, é retratado pelas bananas e para

este sujeito figuram-se dois objetos de valor dentre os quais o primeiro deles é a

manipulação da mídia. O percurso gerativo do texto leva o sujeito a saber da

manipulação da mídia sobre as atitudes humanas, quando em tom de crítica o

destinador diz: “Somos todos bananas”, demonstrando uma atitude de repúdio ao

que foi dito no “meme” 6 e em resposta a todos aqueles que concordaram com a

afirmação nele contida.

Ser “banana” no contexto informal de comunicação é o mesmo que ser uma

pessoa sem atitude, que não se posiciona diante dos fatos, que não se impõe, logo

tal expressão nos leva a saber da manipulação da mídia sobre as pessoas e

consequentemente nos leva a questionar a postura passiva da população brasileira

acerca da questão racial e da falta de criticísmo diante daquilo que é propagado

pelos meios de comunicação.

A ideia de respeito à diversidade racial também aparece implicitamente no

texto mêmico em questão se contrapondo mais uma vez ao primeiro texto que

desrespeita tal diversidade. Negando-a. Na figura 9 as cascas coloridas das

bananas descascadas, como já discutido, evidenciando o núcleo comum a todas

elas, qual seja a própria fruta, leva o sujeito a saber que apesar da essência humana

comum, somos diferentes de fato e se não reconhecemos tais diferenças, devemos

ao menos respeitá-las.

Uma estrutura mais profunda, sustentada em contrários e contraditórios e no

quadrado lógico aristotélico denominado Octógono semiótico, no qual a semiótica

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Greimasiana se alicerçou, nos permitiu descrever, como veremos a seguir, as

ideologias ou sistemas de valores, subjacentes nos dois “memes” analisados.

Vejamos, então, como se dão as relações raciais no Brasil e as controvérsias

discursivas em relação ao preconceito racial, por meio do octógono semiótico. De

um lado temos a ideologia etnocêntrica (propagada no “meme”, fig 6) com a ideia da

uniformidade racial e do outro a ideologia que valoriza a diversidade etnico-racial

brasileira (“meme”, fig 9.), reconhecendo a formação miscigenada do nosso povo:

Figura 12 - Octógono Semiótico (baseado em Pais, 1997).

Fonte: Bonini; Prados; Santana (2016)

No octógono temos o eixo dos contrários, o etnocentrismo e diversidade

racial, que se caracteriza pela tensão dialética, subordinação de algumas raças em

relação a outras e o respeito à diversidade. No eixo dos subcontrários, a “não

diversidade racial” e o “não etnocentrismo”. Na dêixis positiva, uma ideologia que

reconhece e valoriza a diversidade racial e esta se caracteriza pela emancipação,

não apenas do negro, mas do povo brasileiro como um todo.

E, na dêixis negativa, a posição do branco em relação ao negro, por meio do

padrão eurocêntrico de civilização, caracterizada pela combinação de

“etnocentrismo” e “não diversidade racial”, decorre das normas e valores ocidentais,

logo, os valores e a cultura do povo negro são julgados inferiores, primitivos, sendo

rejeitados por aqueles que se autodenominam “brancos”.

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As relações raciais no Brasil são ainda antagônicas, embora sejamos

reconhecidos no exterior pela nossa “capacidade” de vivermos pacificamente com as

diferenças de nosso povo. Mas, como se evidencia, ainda há muito que se fazer

para diminuir a distância social entre negros e brancos no Brasil, haja vista casos

recentes de discriminação racial. Vejamos no próximo capítulo alguns “memes” que

evidenciam casos de preconceito racial nas redes sociais de internet.

4.8 Análise semiótica do discurso: O Mito da Democracia Racial e o

tratamento diferenciado entre brancos e negros no Brasil.

A expressão “Mito da Democracia Racial” já foi abordada nesta pesquisa

muitas vezes. O fato é que a ideia da suposta democracia racial brasileira é

fomentada há muito tempo e se trata de uma distorção criada no mundo colonial

com a inclusão dos mestiços no núcleo legal das “grandes famílias.” Contudo,

sabemos que não se processou uma real democratização de renda, poder e

prestígio social em termos raciais, ou seja, as oportunidades e o tratamento

destinado à população negra se dão de maneira diferenciada no contexto brasileiro

contemporâneo. (FERNANDES, 1978). Os Memes que seguem evidenciam isso:

Figura 13 - Pior seria se eu fosse negro.

Fonte: Google search (2015)

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Figura 14 - Se o negro for você

Fonte: Google search (2015)

Na figura 13, gerada com a foto do cantor Stevie Wonder temos subjacente

um discurso que desqualifica a população negra, relegando a esta um lugar de

inferioridade na sociedade, na medida em que se faz a afirmação de que é melhor

ser cego a ser negro.

Temos aqui um duplo racismo, em relação às pessoas cegas e em relação às

pessoas negras. Como se o personagem consolasse a si mesmo a respeito de ser

cego. Vez que seria ainda pior ser negro. Sabemos que além do preconceito sofrido

pelos deficientes visuais, temos ainda outras dificuldades por eles enfrentadas

quanto à mobilidade dos mesmos, tais como: atravessar uma avenida, entrar em um

ônibus, fazer compras dentre outras. Contudo no Meme acima temos que ser negro

em nossa sociedade é algo muito pior do que ser cego.

Muitas são as vozes que subjazem neste discurso e elas carregam ideologias

e valores eurocêntricos que reiteram o preconceito e ou a discriminação em relação

à população negra. Além de comprovar o que foi dito em parágrafos anteriores, as

oportunidades e o tratamento dados a brancos e negros são desiguais.

(...) a sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar- se e de transformar-se

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para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e capitalista. (FERNANDES, 1978, p. 20).

Na figura 13, revela-se o discurso das desvantagens de ser negro na

sociedade contemporânea, segundo um Semiótica sincrética. Vejamos a estrutura

narrativa deste discurso segundo o modelo canônico de análise narrativa:

Figura 15 - Relações actanciais: Pior seria se eu fosse negro.

Destinatário _____________________ Destinador

Sociedade contemporânea

Sujeito__________________________ Objeto de Valor Sociedade contemporânea

No Meme, figura 13, temos um destinador manipulador que instaura o sujeito

da narrativa num percurso que o leve a saber, da desvantagem de ser negro na

sociedade atual. O apelo racista propagado neste Meme se camufla por traz da

ironia que provoca o riso, vez que o cantor retratado na figura é um negro cego. O

efeito de humor se revela, pois, pelo fato de que o cantor Stevie Wonder,

supostamente, não sabe que ele é negro.

No Meme, figura 14, temos a reiteração da ideia de desigualdade entre

brancos e negros, na medida em que se percebem outros discursos subjacentes à

figura em questão. Discursos que veladamente esteriotipam e denigrem a imagem

do negro, caracterizando-o como marginal. E isso de ratifica com a ideia trazida no

Meme de que assaltantes são sempre negros. O racismo grotesco contido neste

texto é camuflado por meio da ironia que causa riso e que se revela na expressão

facial do personagem na imagem. Vejamos o quadrado semiótico deste Meme:

Fazer saber da desvantagem de ser negro no contexto social contemporâneo

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Figura 16 - Relações actanciais: Se o negro for você.

Destinatário ______________ Destinador

Sociedade contemporânea

Sujeito ___________________ Objeto de valor

Neste Meme o destinador manipulador instaura o sujeito sociedade

contemporânea num percurso narrativo de modo a fazê-lo saber que assaltantes são

sempre negros. Trata-se de um discurso dos contrários, vez que quando o

destinador diz: Você não vai ser assaltado se o negro for você, ele insinua que se

você for negro, não será assaltado, pois você será o assaltante. Trata-se de um

texto que apesar de grotescamente racista é amplamente replicado, vez que o

destinador se utilizou do recurso da ironia que provoca riso, logo o texto é facilmente

confundido com uma brincadeira.

O humor, neste caso, se deu como uma critica ácida em relação à população

negra, mas sem qualquer problema para quem a fez e capaz de desarmar quem a

que recebeu. O fato é que ideologias e valores eurocêntricos estão subjacentes na

figura 14 e são reiterados no inconsciente coletivo. Kumov (2004, p.46) afirma:

Tudo começa com um processo de difamação e preconceito. Criam-se falsas imagens que estereotipam o subconsciente coletivo que, consequentemente, assume tais estereótipos. Assim, pregam a inidoneidade dos negros, a falta de pudor dos homossexuais, a inteligência superior dos brancos e, depois de todos estigmatizados, começa-se a propagar o ódio contra aqueles que portam os estigmas diferenciados da maioria (KUMOV, 2004, p.46).

Infelizmente os Memes acima analisados denunciam o desrespeito e a

desvalorização da história, cultura e costumes da população negra. E é muito

Fazer saber que assaltantes são sempre negros

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importante que façamos uma leitura crítica, não apenas deste gênero textual em

questão, mas de todo e qualquer gênero textual que se utilize do humor e da ironia

como embuste para propagar o preconceito e ou o racismo. Esta é uma alternativa

para a reeducação das relações etnico-raciais, no sentido de desvelar valores que

se reiteram e dificultam a efetivação de tal educação, bem como das legislações a

ela pertinentes.

Franco; Prados; Bonini (2015) nos dizem que a formação nos espaços

formais e não-formais devem desenvolver aprendizagens significativas, por

intermédio de postura crítica, reflexiva e emotiva, com o intuito de conhecer suas

contradições e impugnar qualquer forma de dominação, domesticação e

desumanização. Educar transcende a mera transmissão do conhecimento. O

processo educativo deve favorecer o questionamento da consistência e coerência

das coisas e das relações entre humanos e desses com o meio social e físico.

Contudo o espaço escolar e as mídias em geral não podem funcionar como

um mecanismo de afirmação das diferenças, conforme critérios culturalmente

legitimados pelas relações de poder presentes em nossa sociedade o que pode, em

certa medida, ser evidenciado nesta pesquisa por meio da análise semiótica de

“memes” retirados das redes sociais de internet. Deve-se, porém, haver a articulação

entre igualdade e diferença nestes contextos, mas sabemos que isso ainda se dá de

maneira conflituosa e o corpus desta pesquisa revelou, por exemplo, os conflitos

etnico-raciais contemporâneos.

Trazer à tona a existência de tais conflitos para dentro do espaço escolar é o

primeiro passo para propor ações que instiguem a discussão acerca da diversidade

etnico-racial brasileira, bem como da violência ainda latente contra populações

etnicorracialmente vulneráveis. Um segundo passo seria levar os estudantes a

perceberem que os valores e ideologias veiculados por meio dos “memes”

selecionados a respeito da temática em questão se reiterem dentro e fora deste

ambiente e por fim seria interessante levar tal público a tecer suas próprias

interpretações a partir de outros textos encontrados dentro e fora das redes sociais

que circundem a questão das relações etnico-raciais.

As proposições feitas acima podem propiciar discussões acerca do conceito

de igualdade e diferença e da necessidade de se reconhecer as diferenças para

garantir a igualdade de direitos, tendo em vista que a tensão entre igualdade e

diferença está associada aos processos de discriminação não apenas por critérios

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de raça ou cor, mas também por critérios de sexo, religião, convicção filosófica ou

política, entre outros. No próximo capítulo faremos uma pequena reflexão acerca na

necessidade de reconhecermos e conhecermos os motivos pelos quais se dão os

conflitos etnico-raciais no contexto brasileiro contemporâneo.

4.9 “In” diferenças.

A preposição In em língua inglesa significa estar dentro de um recipiente ou

lugar. Façamos uma analogia entre o significado da preposição ora citada e a

necessidade premente de chegarmos ao íntimo das questões que envolvem

conflitos relacionados à diversidade etnico-racial no contexto contemporâneo

brasileiro, além de refletirmos a respeito do jogo linguístico que se fez com o uso das

palavras: “In” diferenças, no intuito de produzir no leitor o efeito de sentido que se

relaciona à indiferença muitas vezes relegada as atitudes que insultam e depreciam

pessoas oriundas de populações vulneráveis.

Estar dentro de algo requer a atitude de entrar e a vontade de permitir-se

penetrar em algo, chegar ao seu intimo, entendê-lo. Inobstante o trabalho com a

temática dos conflitos étnico-raciais seja relevante para a sociedade contemporânea,

esta, em geral, ainda não se permitiu penetrar efetivamente a temática a ponto de

compreendê-la. Tal atitude abriria espaço para discussões sem pedantismos, mas

com pertença e isso seria o primeiro e grande passo para que as atitudes de

discriminação e preconceito vistas diariamente nos mais variados espaços sociais,

se tornassem nulas.

Afinal como tratar de um tema tão contundente sem antes compreendê-lo?

Como compreendê-lo sem penetrá-lo? Parece fácil trabalhar tal tema, mas o é

complexo, e não podemos fazê-lo sem conhecermos intimamente as questões que o

cercam, sem conhecermos e reconhecermos os motivos pelos quais se estruturam

os conflitos etnico-raciais na contemporaneidade e quais os valores e ideologias que

os circundam. Se assim não o fizermos incidiremos no erro de tratar os conflitos

étnico-raciais de maneira superficial e continuaremos reproduzindo preconceitos de

forma velada.

As reflexões aqui tecidas a respeito dos discursos etnico-raciais subjacentes

nos “memes” revelam as ideologias e valores que consolidam o racismo e ou o

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preconceito praticado contra a população negra. Propõe-se que de posse das

análises aqui feitas o professor leve seu aluno a pensar criticamente a respeito da

posição que a população negra ocupou e ocupa na sociedade contemporânea, bem

como a respeito das percepções negativas a respeito desta, abrindo espaço para

discussão e para a inserção de saberes construídos pelos movimentos sociais e

pelos setores populares, a respeito dos quais Gomes (2007) explana no documento

denominado: Indagações sobre currículo : diversidade e currículo.

...todos nós precisaremos passar por um processo de reeducação do olhar. O reconhecimento e a realização dessa mudança do olhar sobre o “outro” e sobre nós mesmos a partir das diferenças deve superar o apelo romântico ao diverso e ao diferente e construir políticas e práticas pedagógicas e curriculares nas quais a diversidade é uma dimensão constitutiva do currículo, do planejamento das ações, das relações estabelecidas na escola. (BRASIL, 2007, p.24)

A diversidade, portanto, é inerente ao ser humano e a reeducação do nosso

olhar em relação a ela é essencial para a reeducação das relações etnico-raciais

brasileiras. Neste ponto as análises aqui feitas devem ir muito além do propósito de

reconhecer a existência dos conflitos étnico-racias, mas deve-se, também,

reconhecer a existência do outro, do diverso, enquanto sujeito de direitos e deveres.

A este respeito Machado nos diz:

Além do conhecimento, é necessário compreender o outro, o que exige a disponibilidade para colocar-se em seu lugar e enriquecer a perspectiva pessoal com a percepção das relações que se estabelecem do ponto de vista do outro. Tal attitude compreensiva, no entanto, ainda é insuficiente para a caracterização de uma attitude tolerante, em razão justamente da expectativa de simetria que freqüentemente subjaz. A compreensão do outro costuma ocorrer por meio da assimilação de suas características pelo referencial daquele que compreende, como se realizasse certa tradução de seus horizontes na linguagem compreensiva. A tolerância, no entanto, deve fundar-se em outra atitude, que pressupõe o respeito, o reconhecimento. (MACHADO, 1997, p.03)

Partindo deste ponto de vista, o respeito e o reconhecimento tomam o lugar

da classificação dos sujeitos por categorias. Este é um ponto importante para a

assunção da diversidade nos currículos escolares e implica em compreender nossa

trajetória no processo de formação humana que se dá em um contexto histórico,

social, cultural e político. Durante esta jornada construímos as nossas identidades,

representações e valores sobre nós mesmos e sobre os “outros”. Gomes (2007).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As DCN nos falam a respeito de reeducar as relações étnico-raciais. Inicio as

considerações com esta ideia, vez que foi a partir do estudo de tal legislação que

nasceu esta pesquisa. Reeducar para tais relações é uma tarefa que não se deve

apenas às escolas, mas à sociedade como um todo. Afinal de que adiantaria

apostarmos na Educação para as Relações Étnico-raciais dentro das escolas se fora

dela tais relações se mostrarem fragilizadas?

Existe bom ânimo em relação à temática discutida nesta pesquisa e muitos

foram os avanços em relação à mesma, mas tanto no âmbito educacional quanto em

outros âmbitos da sociedade e em outras instituições que não a escola, existem

algumas falhas relacionadas à formulação, implementação e avaliação de Políticas

Públicas neste sentido que impossibilitam uma mudança real em termos de

mentalidade e atitudes de respeito às diferenças étnico-raciais existentes na

sociedade brasileira.

Um aparato legislativo ampara as políticas públicas educacionais, por

exemplo, mas estas se mostram ineficientes em muitos aspectos, tais como: falta de

formação para profissionais da área, entraves religiosos, questões partidárias e ou

políticas, carência de recurso financeiro e a falta de órgãos controladores que

acompanhem a implementação de tais políticas e as avaliem propondo medidas que

as aperfeiçoem.

Outras políticas públicas também passam por problemas parecidos,

particularmente quanto ao aporte financeiro, dilemas religiosos e ou políticos, bem

como a falta de órgãos controladores que façam uma avaliação de todo o processo

de desenvolvimento da política pública para proposição de melhorias efetivas.

Ademais o engajamento dos programas não é bem articulado com as demandas

reais da comunidade e não são submetidos a esta para avaliação de seus efeitos

em prol das populações vulneráveis.

Inobstante os problemas acima relacionados, podemos perceber a partir das

discussões feitas nesta pesquisa que o maior entrave para o bom desenvolvimento

das políticas públicas étnico-raciais e produção de seus efeitos é o fato de que ainda

subsiste em nosso país um imaginário étnico-racial que privilegia e valoriza as raízes

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e a cultura europeias, que enaltece a brancura e desvaloriza outras culturas

existentes em nosso meio, tais como as culturas: indígena, africana e asiática.

Não há, pois, que se falar em mudança de valores e atitudes sem que se

façam emergir os medos e as dores das populações vulneráveis e sem

compreendermos que na nossa sociedade o sucesso de uns poucos depende da

desigualdade e da marginalização de tantos outros. As discussões aqui tecidas nos

levaram a refletirmos a respeito de tais dores, configuradas em forma de agressão

verbal explicita e implicitamente veiculadas nas redes sociais, além de levar-nos a

pensar neste meio de comunicação enquanto um instrumento que desconstrói

relações étnico-raciais amistosas e repensarmos no seu potencial enquanto uma

ferramenta para a educação não formal de combate ao preconceito étnico-racial por

considerar seu alto grau de persuasão e abrangência.

As mídias em geral têm funcionado muitas vezes no sentido contrário ao das

políticas públicas sobre a temática estudada e isto é um contraponto forte na luta

contra o racismo. É necessário que todos os organismos sociais e que a população

em geral se sintam corresponsáveis pela reeducação das relações etnico-raciais, no

sentido de reconhecerem e respeitarem as diferenças etnico-raciais, bem como não

serem omissos quando o seu igual não o faça.

Nas redes sociais, por exemplo, o silêncio dos internautas em relação a

mensagens com forte teor racista ratifica ideologias e valores que pregam a

sobreposição de uma determinada população em relação às demais e solidifica a

estrutura social excludente que temos hoje. Precisamos, contudo, ter critérios éticos

e coerentes a respeito de nossas atitudes, bem como a respeito das mensagens que

curtimos, comentamos ou compartilhamos ou não conseguiremos descontruir

posturas, atitudes e valores que se reiteram e implicam em desrespeito e

discriminação étnico-racial. Afinal de contas reeducar para as relações étnico-raciais

é uma tarefa para todos e cada um na sociedade contemporânea.

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