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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA PROCESSOS FERMENTATIVOS Trabalho acadêmico apresentado à disciplina Processos Fermentativos Industriais da Universidade Federal do Paraná ministrada. CURITIBA 2008

Processos fermentativos

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Page 1: Processos fermentativos

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA

PROCESSOS FERMENTATIVOS

Trabalho acadêmico apresentado à

disciplina Processos Fermentativos

Industriais da Universidade Federal

do Paraná ministrada.

CURITIBA

2008

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SUMÁRIO

1- USO DE MICRORGANISMOS NA FERMENTAÇÃO.................................... 2

2- DEFINIÇÃO DE FERMENTAÇÃO.................................................................. 8

3- METABOLISMO MICROBIOLÓGICO............................................................ 10

3.1- FERMENTAÇÃO ETANÓLICA................................................................. 15

3.2- FERMENTAÇÃO DE ÁCIDO LÁCTICO................................................... 19

3.3- FERMENTAÇÃO DO GLICEROL............................................................ 20

3.4- FERMENTAÇÃO ACETONA-BUTANÓLICA........................................... 22

3.5- FERMENTAÇÃO BUTANOL-ISOPROPANÓLICA................................... 24

3.6- FERMENTAÇÃO ACETONA-ETANÓLICA.............................................. 25

3.7- FERMENTAÇÃO DO ÁCIDO PROPIÔNICO........................................... 26

3.8- FERMENTAÇÃO DO ÁCIDO CÍTRICO................................................... 27

4- CULTIVO DE CÉLULAS MICROBIANAS...................................................... 28

4.1- BACTÉRIAS............................................................................................. 28

4.2- FUNGOS.................................................................................................. 29

4.3- LEVEDURAS............................................................................................ 29

5- CULTIVO DE CÉLULAS ANIMAIS E VEGETAIS.......................................... 31

6- APLICAÇÕES DA FERMENTAÇÃO.............................................................. 35

6.1- PRODUÇÃO DE ALIMENTOS................................................................. 36

6.2- PRODUÇÃO DE ANTIBIÓTICOS............................................................ 39

6.3- PRODUÇÃO DE ENZIMAS...................................................................... 40

6.4- PRODUÇÃO DE ANTICORPOS.............................................................. 40

6.5- PRODUÇÃO DE INOCULANTES............................................................ 41

6.6- TRATAMENTO AMBIENTAL................................................................... 42

6.7- PRODUTOS RECOMBINANTES............................................................. 43

7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 46

8- ANEXO............................................................................................................ 49

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1- USO DE MICRORGANISMOS NA FERMENTAÇÃO

A utilização de microrganismos na biotransformação da matéria vem desde a

antiguidade. Através da observação do ambiente ao seu redor, o ser humano

passou a perceber que certos processos se desenvolviam devido à presença de

microrganismos no meio. A descoberta de microrganismos que podiam modificar um

determinado substrato possivelmente foi feita ao acaso, como ao perceber que a

carne seca resistia a deteriorização; ou que ao deixar o leite azedar era possível

retirar o líquido do coalho para fabricar queijo; ou ainda que ao secar os grão antes

da estocagem era possível evitar o aparecimento de fungos. (TORTORA et al.,

2006) A partir dessas observações, foi possível estudar mais a fundo e utilizar esses

microrganismos de forma a atender da melhor forma as nossas necessidades.

Os babilônios e os sumérios usavam leveduras na produção de álcool antes

de 6000 AC (NAJAFPOUR, 2007). Já os egípcios, em 2000 AC, utilizavam leveduras

para a produção de pães. Na Ásia, antes do nascimento de Cristo, utilizava-se

Penicillium rouquefortii na produção de queijos. A 2500 anos atrás, na China, o

fungo Aspergillus oryzae era usado no processo de fabricação de koji, que foi levado

também para o Japão no século VII (PANDEY et al., 2007).

Na metade do século XIX, Luis Pasteur estudou a função de microrganismos

na produção de vários produtos como alimentos fermentados, vinho, cervejas,

queijo, leite, iogurte, combustíveis e química fina. Ele identificou muitos processos

microbiológicos e descobriu um dos principais princípios da fermentação: a utilização

de substratos por microrganismos para a produção de metabólitos primários e

secundários de interesse ao homem (NAJAFPOUR, 2007).

Através do isolamento de alguns microrganismos e cultivo em meio

adequado, Pasteur também conseguiu desvendar a base do que hoje recebe o

nome de biotecnologia. Para se conseguir um bom rendimento muitas vezes é

necessária presença de um cultivo puro com somente um microrganismo isolado e

evitar o aparecimento de microrganismos indesejados, que podem alterar o

processo. Além disso, uma vez terminado o processo, é necessário que os

microrganismos presentes também sejam “desativados”. Para isso, Pasteur

desenvolveu em 1864 o processo de pasteurização, que consiste em aquecer um

determinado meio a uma temperatura de 60ºC por 30 minutos (SCHWARTZ, 2001).

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Durante a Primeira Guerra Mundial começou-se a utilizar microrganismos

para a produção de substâncias como etanol, acetona e ácido cítrico. Foi durante

esse período que foi feito pela primeira vez um cultivo microbiológico asséptico em

larga escala, quando Chaim Weizmann usou um fermentador líquido para a

produção de acetona por Clostridium acetobutylicum (STANBURY et al.,1995). A

partir da Segunda Guerra Mundial, os microrganismos tiveram importância na

produção em larga escala de antibióticos. (TORTORA et al., 2006)

As usinas de bioprocessos são muito importantes na indústria de alimentos,

química fina, e farmacêutica. Apesar de que a produção de produtos como cervejas,

vinhos e queijos já vêm acontecendo desde a antiguidade, atualmente a produção é

muito mais controlada e eficiente (NAJAFPOUR, 2007). Por exemplo, primeiramente,

os pães eram fermentados com leveduras presentes no meio ambiente. Mais tarde

passou-se a manter uma cultura própria de leveduras, guardando uma parte da

produção anterior para servir de inóculo para a próxima. Atualmente pode-se

comprar o fermento produzido industrialmente de forma padronizada. (TORTORA et

al., 2006)

Processos como a produção de pães, vinhos e queijos, que antes eram

realizados em casa ou pequenas propriedades, passaram a ser realizados em

grades indústrias, evidenciando a grande vantagem que a microbiologia pode dar à

indústria (PRESCOTT et al., 1959).

Exemplificando, pode-se citar a ação de leveduras em extratos de frutas ou

grãos, fazendo fermentação alcoólica, onde os carboidratos são reduzidos a piruvato

e então ocorre a reoxidação da forma reduzida da nicotinamida adenina

dinucleotídeo (NADH) e a produção de moléculas de etanol. Outro tipo de

fermentação inclui o cultivo de bactérias acéticas na produção de vinagre. Bactérias

lácteas são responsáveis pela preservação do leite, produção de iogurte e queijo.

Num cultivo pode-se visar também à produção de biomassa, onde as células estão

em meio nutritivo que favorece a multiplicação, como na produção de fermento

(NAJAFPOUR, 2007). A tabela 1 mostra alguns produtos de fermentação.

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Tabela 1- Produtos de origem fermentativa

Produto da fermentação

Microrganismo Aplicação

Etanol (não utilizado em bebidas)

Saccharomyces cerevisiae Química fina

Ácido 2-cetoglucônico Pseudomonas sp. Intermediário para o ácido D-araboascórbico

Pectinase, protease Aspergillus niger, A. aureus Agente clarificante em sucos de frutas

Amilase bacteriana Bacillus subtilis Amido modificado, tratamento de papel

Protease bacteriana B. subtillis Tratamento de fibras, removedor manchas

Dextrano Leuconostoc mesenteroides Estabilizante alimentício

Sorbose Gluconobacter suboxydans Manufatura de ácido ascórbico

Cobalamina (vitamina B12)

Streptomyces olivaceus Suplemento alimentar

Ácido Glutâmico Brevibacterium sp. Aditivo alimentar

Ácido glucônico Aspergillus niger Produtos farmacêuticos

Ácido Lático Rhizopus oryzae Alimentos e produtos farmacêuticos

Ácido cítrico Aspergillus niger, A. wentii Alimentos, medicamentos

Acetona-butanol Clostridium acetobutylicum Solventes, intermediários químicos

Insulina, interferon E. coli recombinante Terapia humana

Início de cultura Levedura de pão, Lactobacillus bulgaricus

Produção de pães, queijo e iogurte

Proteína microbiana Candida utilis Suplemento alimentar

Penicilina Penicillium chrysogenum Antibióticos

Cefalosporina Cephalosparium ecremonium

Antibióticos

Eritromicina Streptomyces erythreus Antibióticos

Fonte: NAJAFPOUR, 2007

Os microrganismos utilizam uma fonte orgânica e produzem metabólitos

primários como o etanol, que são formados durante a fase de crescimento

exponencial, ao mesmo tempo em que as novas células são produzidas, e a curva

de produção do metabólito segue a curva de crescimento celular quase que paralelo,

como mostra o gráfico esquerdo da figura 1. Outros produtos como a penicilina e

polissacarídeos são considerados metabólitos secundários, sendo produzidos

durante a fase estacionária. A fase de crescimento exponencial anterior a produção

de metabólitos secundários é camada de trofofase, e a etapa estacionária em que

há produção é chamada de idiofase, como mostra o gráfico da direita da figura 1.

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Um metabólito secundário pode ser a simples conversão de um metabólito primário

ou também pode ser originado de outros compostos, mas pode necessitar uma

quantidade suficiente de células ou metabólitos primários acumulados

(NAJAFPOUR, 2007; TORTORA et al., 2006).

Figura 1- Metabólito primário e secundário.

Fonte: TORTORA et al., 2006.

Os bioprocessos vêm substituindo uma série de processos que antigamente

só podiam ser feitos quimicamente. Eles apresentam algumas vantagens como a

possibilidade de utilizar matéria-prima barata e disponível no mercado (como por

exemplo, o bagaço de cana), o processo pode ser desenvolvido sob pressões e

temperaturas normais (evitando sistemas pressurizados caros e perigosos), e não

há a produção em quantidade de resíduos tóxicos (e quando há a produção, ainda

existe a possibilidade de utilizar um outro processo microbiológico no tratamento do

resíduo). (TORTORA et al., 2006)

Os processos desenvolvidos no cultivo de microrganismos se desenvolvem

geralmente em equipamentos denominados biorreatores. Eles consistem em um

sistema aberto ou fechado, onde há a manipulação dos parâmetros físicos (pH,

concentração de reagentes, transferência de calor e massa, aeração) de forma a

regular a catálise, promovendo um melhor rendimento em biomassa e/ou produto,

além de tentar minimizar os custos de produção (PURICH & ALLISON, 2000). Eles

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geralmente são tanques cilíndricos que apresentam ou não sistema de agitação,

mas também podem ser um simples erlenmeyer. Novos modelos de biorreatores

aparecem constantemente, de forma a melhorar a qualidade do processo

dependendo do tipo de célula a ser cultivada (bactérias, fungos, tecidos animais ou

vegetais, células ou enzimas imobilizadas, etc.) (DORAN, 1995).

Ao se utilizar um biorreator, procura-se atender, se não todos, a maioria dos

requisitos listados abaixo:

O recipiente onde ocorrerá o cultivo deverá permanecer em condições

assépticas durante um grande período de tempo.

Devem ser promovidas condições adequadas de agitação e areação para

satisfazer as condições metabólicas dos microrganismos, mas sem haver

danificação mecânica das células dos mesmos devido ao processo.

O consumo de energia deve ser minimizado.

Deve haver um controle de temperatura e pH.

Deve haver uma forma de retirar amostras do fermentado para o controle do

processo.

Não deve haver perdas excessivas devido à evaporação.

Não deve haver a necessidade de uma grande quantidade de trabalhadores

para a sua operação, limpeza e manutenção do tanque de fermentação,

minimizando assim os custos com relação à mão-de-obra.

Materiais mais baratos, mas que ainda propiciam um rendimento desejado,

devem ser utilizados. (STANBURY et al.,1995)

O cultivo dos microrganismos pode ocorrer em diferentes tamanhos, como em

escala de bancada, piloto ou de planta industrial. Biorreatores de escala laboratorial

variam de 2 à 100 litros, mas durante operações em larga escala na indústria eles

podem chegar a 100000 litros.

Inicialmente utiliza-se biorreatores menores para se investigar qual é o melhor

microrganismo a ser utilizado, qual meio de cultivo proporcionará um melhor

crescimento e quais condições operacionais são mais favoráveis para a formação do

produto desejado. São feitos estudos sobre parâmetros como: transferência de

massa, agitação, taxa de cisalhamento, formação de espuma, energia necessária,

taxa de diluição, forma e tamanho do biorreator, pH, temperatura, entre outros. Isso

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deve ser feito em pequena escala porque não seria vantajoso fazer esses testes em

larga escala, correndo o risco de perder grandes quantidades de material e ter um

prejuízo econômico (NAJAFPOUR, 2007).

O processo de mudança de escala está exemplificado esquematicamente na

figura 2. Após a fase de testes em frascos de 250mL a 1L e análise dos fatores de

produção, passa-se para um biorreator de bancada com capacidade de 1 a 2 litros, o

qual é normalmente equipado com sensores de ajuste de temperatura, pH e

aeração. Isso propicia uma análise mais cuidadosa de alguns parâmetros e um

controle maior sobre o processo do que o cultivo em erlenmeyer. Nessa etapa

também deve-se observar se o processo se desenvolve melhor em batelada, semi-

batelada ou contínuo. Próximo passo é o cultivo em um biorreator em escala piloto

de 100 a 1000 litros. A cada processo de aumento de escala deve-se observar se há

alguma alteração na resposta celular com relação ao rendimento do processo. Se

tudo estiver correto, a etapa final seria um biorreator de escala industrial (DORAN,

1995).

Figura 2- Processo de aumento de escala

Fonte: Adaptada de DORAN, 1995

Mas ao mudar de escala laboratorial para escala industrial não ocorre

somente a mudança do tamanho em proporção. Devem-se preservar alguns

parâmetros de forma a continuar tendo um bom processo. Esses parâmetros seriam:

Número de Reynolds ou fatores de momento semelhantes.

Consumo de energia constante por unidade de volume de líquido.

Velocidade da pá de agitação constante.

Mistura do líquido e tempos de recirculação semelhantes.

Coeficiente volumétrico de transferência de massa constante.

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Manter todos os fatores ambientais constantes para o microrganismo.

(NAJAFPOUR, 2007)

O cultivo de microrganismos pode ser feito utilizando substratos de baixo

valor comercial, muitas vezes podendo ser resíduos de outros processos. A

produção de álcool e solventes orgânicos muitas vezes utiliza resíduos como fonte

de carbono ou nitrogênio, sendo o bagaço de cana, por exemplo, bem importante na

indústria alcooleira. Isso é bastante viável no cultivo de microrganismos, mas já no

cultivo de células animais isso já não é possível devido ás várias exigências da

célula, o que geralmente encarece o processo de cultivo de células animais

(NAJAFPOUR, 2007).

O papel de um engenheiro de bioprocessos é entender o mecanismo de

produção e selecionar o melhor biocatlisador (microrganismo ou enzima) para tal.

Após, deve-se estudar as melhores condições ambientais que propiciam um melhor

crescimento e uma melhor produção. Também cabe ao biotecnologista otimizar o

processo procurando recursos mais econômicos, mas que ainda produzam um

rendimento satisfatório (NAJAFPOUR, 2007). O artigo em anexo mostra a função de

um engenheiro de bioprocessos e os conceitos básicos que um profissional dessa

área deve ter para o desenvolvimento de um bom trabalho.

2- DEFINIÇÃO DE FERMENTAÇÃO

Antes de se elucidar o papel dos microrganismos na fermentação, ela era

definida de forma diferente do conceito aceito atualmente. Por exemplo, em 1839,

Liebig definiu o termo fermentação como sendo “... a putrefação de substâncias

vegetais que se realiza sem que haja a liberação de nenhum odor, ou pelo menos

nenhum desagradável.”.

Já Luis Pasteur tentou associar o processo de fermentação com o

desenvolvimento de organismos: “... fermentação, longe de ser o fenômeno sem

vida, é um processo vivo... todo fenômeno de fermentação é correlacionado com o

desenvolvimento de células micodérmicas e plantas, as quais eu preparei e estudei

em estado puro e isolado.” (SCHWARTZ, 2001)

Atualmente, o termo “fermentação” pode apresentar diferentes significados

dependendo o setor do conhecimento que o utiliza. O sentido geral do termo

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significa qualquer processo de cultivo microbiológico que ocorre com ou sem ar. O

significado bioquímico da fermentação é o processo metabólico onde o substrato

orgânico atua como doador e como receptor final de elétrons, ocorrendo em

condições anaeróbias, mas sem a utilização de uma cadeia respiratória, como

acontece na respiração anaeróbia. (TORTORA et al., 2006)

O termo “fermentador” também pode gerar alguma discordância devido a

esses conceitos. Ele primeiramente foi utilizado para descrever os tanques onde

ocorria o cultivo. Como a maioria dos cultivos realizados nesses tanques era de

forma aeróbica, propôs-se um novo nome para não contradizer a definição

bioquímica de fermentação. O termo “biorreator” então começou a ser usado para

descrever o local onde eram realizados cultivos de microrganismos em condições

aeróbicas e anaeróbicas (NAJAFPOUR, 2007).

A fermentação ocorre como uma forma de reoxidar as coenzimas reduzidas

NADH e NADPH que são formados durante a glicólise, de forma a manter o balanço

de redução-oxidação dentro da célula. Os elétrons são transferidos das coenzimas

para um composto orgânico, fornecendo NAD+ e NADP+ suficientes para a

continuação da glicólise. (TORTORA et al., 2006)

Durante uma fermentação, um mesmo composto orgânico pode sofrer uma

oxidação ou outras a redução dependendo do microrganismo. Por exemplo, no caso

do ácido pirúvico, ele pode sofrer uma oxidação formando ácido acético ou pode

sofrer uma redução e formar ácido láctico. (CROCOMO, 1967)

O tipo de fermentação realizada vai depender da espécie de microrganismo

utilizada, do substrato que está sendo fornecido e dos tipos de enzimas que ele

possui e estão ativas. A análise do tipo de produto final formado na fermentação

também pode ser utilizada como forma de identificação de microrganismos,

realizando testes bioquímicos. A figura 3 mostra o tipo de fermentação que segue

alguns microrganismos.

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Figura 3 – Produtos finais de fermentação dependendo do microrganismo

Fonte: TORTORA et al., 2006

3- METABOLISMO MICROBIOLÓGICO

Antes do processo metabólico que inclui a fermentação, há as reações de

quebra do substrato, que geralmente é a glucose. Essa via recebe o nome de

“glicólise” ou via de Embden-Meyerhof, onde a glucose é catabolisada a piruvato e a

energia livre liberada é estocada na forma de ATP e NADH.

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Figura 4- Glicólise

Fonte: LEHNINGER et al., 2006

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Como mostra a Figura 4, a glicólise pode ser dividida em duas etapas, a fase

preparatória e a fase de pagamento. Na fase preparatória, inicialmente ocorre a

fosforilação da glucose em C-6 através da enzima hexoquinase. Para isso deve

haver o gasto de uma molécula de ATP. Há então uma conversão entre glucose-6-

fosfato em frutose-6-fosfato através da fosfoexose isomerase. Após, a molécula

sofre outra fosforilação, mas agora em C-1, formando frutose-1,6-bifosfato.

Essa molécula já está pronta para sofrer uma quebra em duas moléculas de

três carbonos, uma diidroxiacetona fosfato e um gliceraldeído-3-fosfato. É nesse

passo que ocorre a lise da molécula, e por isso ela se chama glicólise. A

diidroxiacetona é isomerizada em outro gliceraldeído-3-fosfato. Aqui termina a etapa

de preparação, onde a molécula de glucose é preparada com o gasto de 2 ATP,

para que depois essa energia armazenada possa gerar lucros energéticos.

A fase de pagamento inicia-se com duas moléculas de gliceraldeído-3-fosfato,

as quais são oxidadas e fosforiladas por fósforo inorgânico, formando 1,3-

bifosfoglicerato. A partir desse ponto acontecerá a liberação de energia, onde o

“pagamento” é feito na forma de produção de ATP através da fosforilação à nível de

substrato, diferentemente da fosforilação ligada a respiração que ocorre na cadeia

respiratória. Um dos fósforos do 1,3-bifosfoglicerato será transferido para uma

molécula de ADP através da ação da enzima fosfoglicerato quinase, formando 3-

fosfoglicerato. A enzima fosfoglicerato mutase irá então fazer uma transferência

reversível do grupo fosfato do C-3 para o C-2, sendo que a transferência ocorre em

duas etapas. Primeiramente um grupo fosfato presente no sítio ativo da enzima se

liga ao C-2 do substrato, e depois o grupo fosfato em C-3 é transferido para a

enzima. Depois desse processo tem-se 2-fosfoglicerato. Essa molécula irá então

sofrer uma desidratação através da enolase, formando fosfoenolpiruvato (PEP). O

PEP é uma molécula de alto potencial de transferência do grupo fosforila, e isso

ocorrerá com a ação da enzima piruvato quinase. Esta enzima requer a presença de

íons K+ e Mg2+ ou Mn2+, e nesse ponto acontece mais uma fosforilação a nível de

substrato, com a formação de mais uma molécula de ATP por PEP. O resultado final

é a formação de piruvato. Considerando inicialmente uma molécula de glucose e

desconsiderando desvios para outras vias, a cada molécula de glucose

metabolizada, tem-se no final duas moléculas de piruvato, dois ATP e dois NADH

formados.

Page 14: Processos fermentativos

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Essa é a via pela qual a maioria dos organismos realiza a quebra da glucose.

No entanto, alguns microrganismos procariotos utilizam a via de Entner-Doudoroff,

pois não apresentam fosfofrutoquinase-1 e não pode converter frutose-6-fosfato em

frutose-1,6-bifosfato. No entanto, a via das pentoses-fosfato (ou ciclo da hexose

monofosfato) pode ser feita ou não por esses organismos (RATLEDGE &

KRISTIANSEN, 2001).

Inicialmente, a glucose-6-fosfato é então transformada em ácido 6-

fosfoglucônico por uma enzima desidrogenase. Esse ácido é então transformado em

piruvato através de duas reações:

-HOH

6-P-gluconato 2-ceto-3-desoxi-6-P-gluconato (CDGP) CDGP piruvato + gliceraldeído-3-fosfato (CROCOMO, 1967)

A gliceraldeído-3-fosfato irá seguir o resto da via glicolítica normal até chegar

a piruvato. A Figura 5 mostra a via Entner-Doudoroff. Essa via é geralmente

realizada por organismos como Pseudomonas, Azotobacter, Rhizobium,

Enterococcus faecalis e Zymomonas mobilis.(TORTORA et al., 2006)

Figura 5: Via de Entner-Doudoroff

Glucose Glucose-6-P Ácido 6-fosfoglucônico

Ácido Pirúvico GA-3P CDGP

Fonte: Adaptada de TORTORA et al., 2006

ATP ADP NADP+

H+

+ NADPH

H2O

Etapas 6 a 10 da glicólise

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Depois de ocorrida a transformação de glucose até piruvato, em condições

aeróbias ocorrerá o ciclo de Krebs, como mostra a Figura 6. Mas como se pode

observar, esse ciclo de reações gera muitos NADH os quais seguem para a cadeia

respiratória e há a transferência de elétrons, onde o aceptor final é o oxigênio. No

entanto, em condições de anaerobiose, a célula não conseguirá manter o balanço

adequado de NAD+/NADH, pois não poderá utilizar essa cadeia.

Figura 6: Ciclo de Krebs (ou ciclo do ácido cítrico)

Fonte: LEHNINGER et al., 2006

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Portanto, em condições anaeróbias evita-se o ciclo do ácido cítrico (exceto

nos casos de produção de metabólitos para biossíntese), e utiliza-se as vias

fermentativas, as quais, apesar de não gerar tantas moléculas de ATP como o ciclo

de ácido cítrico, conseguem reoxidar NADH suficientemente para manter o

funcionamento celular. A Figura 7 mostra algumas das possíveis vias de

fermentação.

Figura 7- Vias Fermentativas

* Reações em que há reoxidação de NADH

Fonte: RATLEDGE & KRISTIANSEN, 2001

A seguir serão discutidas em maiores detalhes algumas dessas

fermentações.

3.1- FERMENTAÇÃO ETANÓLICA

É possível obter etanol de três formas: por via destilatória, por via sintética (a

partir de hidrocarbonetos não saturados e de gases de petróleo e da hulha) e por via

fermentativa. A forma fermentativa é uma das mais vantajosas aqui no Brasil, pois

há uma grande disponibilidade de matéria-prima (LIMA et al., 2001).

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O processo reacional do etanol já começou a ser descrito em 1815 por Gay

Lussac através da equação:

C6H12O6 2 CH3CH2OH + 2 CO2 ∆G=-56000 cal/mol (CROCOMO, 1967)

O francês Luis Pasteur provou que a natureza dessa reação é microbiana, e

se realiza através de uma fermentação em condições anaeróbias (LIMA et al., 2001).

Ele observou que a presença de O2 no meio inibia a formação de etanol, diminuindo

o consumo de açúcar pela levedura e aumentando o crescimento celular. Essa

propriedade foi chamada de Efeito Pasteur. (CROCOCOMO, 1967) No entanto, o

efeito Pasteur é somente observado em culturas quimioestáticas quando a

concentração de substrato limita o crescimento ou quando o cultivo é feito na

ausência de fontes de nitrogênio (LAGUNAS et al., 1982).

Lagunas e colaboradores fizeram experimentos aeróbicos e observaram que

S. cerevisiae cultivada na presença de fonte de nitrogênio usava somente 3 a 20%

do açúcar metabolizado para respiração, o restante ia para a via fermentativa do

etanol. Já leveduras cultivadas em meios sem nitrogênio utilizavam 25 a 100% dos

açúcares metabolizados para respiração. No entanto, isso não significava que ouve

um aumento da respiração, mas sim uma perda da função fermentativa devido à

inativação dos sistemas de transporte de açúcares (LAGUNAS et al., 1982).

Com o avanço dos estudos, foram elucidados os mecanismos reacionais

intermediários da produção de etanol a partir de glucose. Até a formação de piruvato

a reação segue exatamente igual a glicólise. O ácido pirúvico formado é

descarboxilado a acetaldeído e dióxido de carbono. Essa etapa da reação é um

processo irreversível que exige a presença da enzima carboxilase, da coenzima

difosfato de tiamina e de íons magnésio. O acetaldeído é então reduzido a etanol

através da ação da enzima desidrogenase alcoólica, ocorrendo também nessa etapa

a reoxidação de um NADH (Figura 8).

O conjunto de reações que resultam na formação de álcool etílico e CO2 à

partir de um carboidrato recebe o nome de via de Embden-Meyer-Parnas. Essa via

metabólica foi demonstrada in vitro pela primeira vez em 1950 por Koshland e

Westheimer, utilizando glucose com carbono marcado radiativamente em C1, e após

o seu consumo por leveduras, verificou-se que havia carbono radioativo na molécula

de etanol, mais especificamente nodo grupo metil (CROCOMO, 1967).

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Figura 8 – Transformação de piruvato a etanol

Fonte: LEHNINGER et al., 2006

Nesse tipo de fermentação há um rendimento de 2 ATP por molécula de

glucose consumida, pois são gastos dois ATP na reação da hexoquinase, mas são

formados quatro ATP (na reação de formação de ácido 3-fosfoglicérico e na

formação de piruvato).

As leveduras podem consumir além da glucose outros açúcares, como

manose e galactose. A manose sofre uma fosforilação através da hexoquinase,

formando manose-6-fosfato, que por sua vez é transformada em frutose-6-fosfato

pela isomerase de manosefosfato, possibilitando assim a sua entrada na glicólise. Já

a galactose sofre uma transfosforilação, formando galactose-1-fosfato (CROCOMO,

1967). Também podem ser utilizados açúcares exógenos como maltose e sacarose,

e endógenos como glicogênio e trealose, como mostra a figura 9.

Durante o cultivo, pode ocorrer também a formação de produtos secundários

através de outras vias metabólicas realizadas para a o crescimento celular e

produção de biomassa. Estima-se que 95% dos açúcares metabolizados tem como

destino a produção de etanol e CO2. Os outros 5% são desviados para a formação

de glicerol, ácidos orgânicos (como ácido succínico, acético e pirúvico), álcoois

superiores, acetaldeído, acetoína, butilenoglicol, entre outros (LIMA et al., 2001).

A fermentação alcoólica é realizada normalmente por leveduras como

Saccharomyces cerevisiae, S. ellipsoideus, S. carlbergensis e S. warum, e bactérias

como Zymomonas mobilis, sendo que as leveduras são os microrganismos mais

utilizados na indústria.

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Figura 9- Utilização de outros carboidratos na fermentação por Saccharomyces

Fonte: LIMA et al., 2001

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19

3.2- FERMENTAÇÃO DE ÁCIDO LÁCTICO

O ácido lático foi isolado pela primeira vez a partir do leite azedo por Scheele.

Pasteur também realizou estudos com relação à fermentação láctica. Ele observou

que assim como é sempre encontrada levedura na produção de cerveja, onde o

fermento promove a conversão de açúcares em álcool e dióxido de carbono, deve

haver um fermento que produza ácido láctico - a levedura láctica - convertendo

açúcares em lactato. Ele também verificou que nessa fermentação o produto

principal é o ácido láctico, mas também é possível encontrar no caldo fermentado

outros produtos como ácido butírico, álcool e manitol, sendo que suas proporções

podem variar (PASTEUR, 1857). Evitar essas outras vias e direcionar os compostos

de carbono somente para a produção de lactato é uma forma de otimizar a sua

produção.

Figura 10- L-lactato a partir de piruvato

Fonte: LEHNINGER et al., 2006

O ácido lático pode ser produzido através da fermentação de bactérias como

os bactérias homofermentativos (Lactobacillus delbrueckii, L. bulgaricus, L.

pentosus, L. casei, L. leichmannii, Streptococcus lactis), de fungos como leveduras e

ficomicetos, e também de algumas algas. Ele também pode ser produzido de forma

sintética, através da hidrólise da lactonitrila (LIMA et al., 2001).

O ácido lático pode apresentar duas formas esterioquímicas, devido ao

carbono quiral presente. Durante a fermentação são formadas as duas formas,

formando uma mistura racêmica (PRESCOTT et al, 1959).

A fermentação ocorre em temperaturas relativamente altas e dependerá do

microrganismo utilizado. Lactobacillus delbrueckii cresce bem à temperatura de

45ºC; L. bulgaricus, pode ser incubado em 45-50ºC; já L. pentosus, L. casei, e

Streptococcus lactis podem ser cultivados em 30ºC (PRESCOTT et al, 1959).

Page 21: Processos fermentativos

20

O ácido lático é bastante utilizado na indústria de alimentos como acidulante e

conservante de refrigerantes, geléias, xaropes e sucos de frutas (LIMA et al., 2001).

3.3- FERMENTAÇÃO DO GLICEROL

O glicerol é usado amplamente como solvente, adoçante, constituinte de

loções, anti-sépticos, adesivos, tintas, agente anti-congelante. Ele também é

utilizado na preparação de meios nutritivos biológicos e na produção de

nitroglicerina, borracha sintética e massa de modelar (PRESCOTT et al., 1959).

Ao estudar vinhos e cervejas, Luis Pasteur observou que leveduras

regularmente formavam glicerol. Um pouco antes da Primeira Guerra Mundial,

Neuberg, ao tentar elucidar a fermentação alcoólica através da suplementação do

meio de cultivo com sulfito de sódio, acabou descobrindo que dessa forma havia um

incremento na produção de glicerol por leveduras (PRESCOTT et al., 1959).

Normalmente, produz-se cerca de 3% de glicerol durante a fermentação alcoólica,

mas, ao se alterar o pH através da adição de sais alcalinos (carbonato de amônio,

bicarbonato de sódio, acetato de sódio ou fosfato dissódico), é possível obter de 9 a

16% de glicerol (CROCOMO, 1967).

Segundo os trabalhos de Neuberg, a produção de glicerol pode ser feita de

quatro maneiras: fermentação alcoólica normal, presença de sulfito, soluções

alcalinas ou soluções neutras. No primeiro caso (Figura 11), durante a fermentação

alcoólica, pode ser desviado um pouco de gliceraldeído 3-fosfato, transformado em

diidroxiacetona fosfato. Esta, por sua vez, sofre a ação de desidrogenase de

glicerofosfato, reduzindo um NADH e formando glicerol 3-fosfato. A enzima fosfatase

retira o fosfato desse composto e forma o glicerol. (CROCOCOMO, 1967)

Figura 11- Produção de glicerol durante a fermentação alcoólica

Fonte: Adaptado de CROCOMO, 1967.

Page 22: Processos fermentativos

21

Já na presença de sulfito, haverá acúmulo maior de glicerol. Isso ocorre

devido a fixação do acetaldeído pelo sulfito de sódio, através da reação:

CH3-CHO + Na2SO3 + H2O CH3-CHO-HSO3Na + NaOH (PRESCOTT et al, 1959)

Normalmente o acetaldeído é transformado em etanol, mas como ele está

sendo fixado e a redução a etanol não acontece, uma outra molécula faz o papel de

aceptor de hidrogênio do NADH. Isso faz com que a via de formação de glicerol seja

favorecida (PRESCOTT et al, 1959). A fermentação utilizando sulfito foi utilizada

pelos alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Outros agentes que impeçam a

transformação de aldeído a álcool também podem ser utilizados, como carvão,

hidrazidas e oxalato de fenilhidrazina, desde que não haja impedimento de outras

reações in vivo (CROCOMO, 1967).

Quando a fermentação ocorre em meio alcalino, há uma alteração no curso

normal da fermentação, gerando a produção de etanol, ácido acético, glicerol e CO2.

Nessas condições, o acetaldeído não é reduzido a etanol, mas sim sofre a ação da

mutase aldeídica, formando ácido acético e etanol (Figura 12). Como não ocorreu a

reoxidação do NADH, a formação do glicerol a partir de diidroxiacetona fosfato é

favorecida (CROCOMO, 1967).

Figura 12- Ação da mutase aldeídica

Fonte: CROCOMO, 1967.

A última forma de fermentação seria em meio neutro. Nesse caso não haverá

produção de etanol nem CO2, sendo acumulados glicerol e ácido pirúvico. Essa

reação ainda não está muito bem elucidada, mas é representada como:

C6H12O6 CH3-CO-COOH + CH2OH-CH2OH-CH2OH (CROCOMO, 1967)

Page 23: Processos fermentativos

22

3.4- FERMENTAÇÃO ACETONA-BUTANÓLICA

Pasteur foi o primeiro pesquisador a mostrar que o álcool butílico era um

produto direto da fermentação, através dos seus experimentos da fermentação

butírica do ácido lático e do lactato de cálcio em 1861: “M. Pasteur... croit pouvoir

affirmer que l’alcool butylique est um produit ordinaire de la fermentation butyrique.”

(PRESCOTT et al., 1959). No entanto, foi somente em 1905 que Schardinger

notificou a produção de acetona através da fermentação (JONES & WOODS, 1986).

A partir de 1910, o químico Chaim Weizmann trabalhou junto com outros

pesquisadores no processo de fabricação de borracha sintética. Para isso seriam

necessários compostos como butanol e isoamil, que seriam produzidos através de

microrganismos. Em 1910 eles acharam um microrganismo capaz de produzir

butanol quando cultivado em batatas. Entre 1912 e 1914 Weizmann isolou várias

culturas, as quais ele chamou de BY (e que atualmente são classificadas como

bactérias da espécie Clostridium acetobutylicum). Durante a Primeira Guerra

Mundial a Inglaterra precisou de grandes quantidades de acetona, e foi o

microrganismo isolado por Weizmann que propiciou um aumento na produção.

Como durante esse período não houve necessidade de butanol, ele foi estocado em

grandes quantidade, sendo ele posteriormente a guerra muito utilizado como

solvente na indústria automobilística (JONES & WOODS, 1986).

A produção desses solventes em escala industrial era feita antigamente na

forma de batelada, usando fermentadores sem agitação mecânica e com

capacidade de 50000 a 200000 galões. Os fermentadores eram enchidos de 90 a

95% de sua capacidade e o restante era preenchido com uma camada gasosa de

dióxido de carbono estéril. O dióxido de carbono também era borbulhado antes e

depois da inoculação para facilitar a mistura (JONES & WOODS, 1986).

As bactérias freqüentemente utilizadas para a fermentação acetona-butanol

são do gênero Clostridium. Esses microrganismos são esporulados, apresentam

uma forma de bastão e são sacarolíticos (fermentam açúcares). Devido a esses

fatores o isolamento dessas bactérias é relativamente fácil. Elas são geralmente

encontradas em associação com plantas como batatas, raízes de legumes e cereais.

(JONES & WOODS, 1986).

Cada empresa que produz esses solventes pode possuir uma cepa de

bactérias diferente. A maioria dessas culturas é utilizada em processos já

Page 24: Processos fermentativos

23

patentiados (BEESCH, 1952). As diferenças que as cepas de Clostridium podem

apresentar podem ser com relação à proporção de solventes que produzem, como,

por exemplo: C. beijeirinckii (C. butylicum) produz solventes na mesma proporção

que C. acetobutylicum, mas ao invés de acetona produz isopropanol; C.

aurantibutyricum produz tanto acetona quanto isopropanol junto com butanol; já C.

tetanomorphum produz quantidades equimolares de butanol e etanol (JONES &

WOODS, 1986).

A temperatura ótima para a fermentação aceto-butanólica é em torno de

30,6ºC, podendo variar de 28,9 até 33,3ºC tomando as devidas precauções de

controle do processo. Os microrganismos são estritamente anaeróbios e tem um

maior rendimento em condições anaeróbias. O pH pode variar de 5 a 7, dependendo

da cepa. Usualmente utiliza-se um pH inicial de 5,5-6,5 e final de 5,2-6,2 (BEESCH,

1952).

A maioria das bactérias desse gênero necessita de nitrogênio de proteínas

degradadas no meio nutritivo para otimizar o processo fermentativo. Essa fonte de

nitrogênio inclui produtos intermediários de degradação de proteínas, como

polipeptídeos e aminoácidos, e também produtos finais de degradação como amônia

e seus sais. Os sais de amônia e a própria amônia dão resultados satisfatórios, mas

é preferível utilizar a amônia acompanhada de outros compostos nitrogenados mais

complexos. Elas também precisam de uma fonte de fosfato, caso as fontes de

carbono utilizadas (como melaço ou bagaço) não contenham quantidades mínimas

necessárias (BEESCH, 1952).

A via metabólica de produção de acetona e butanol está presente na figura

13. Durante a fase inicial de crescimento (também chamada de fase acidogênica), a

bactéria produz hidrogênio, dióxido de carbono, acetato e butirato, resultando na

diminuição do pH do meio. Quando o cultivo entra em fase estacionária (chamada

também de fase solventogênica), o metabolismo passa a produzir solventes como

acetona e butanol, e também ocorre a reassimilação dos ácidos produzidos na

primeira fase, ocasionando a elevação do pH (JONES & WOODS, 1986).

Page 25: Processos fermentativos

24

Figura 13- Produção de Acetona-Butanol

Fonte: RHEM & REED, 1981.

3.5- FERMENTAÇÃO BUTANOL-ISOPROPANÓLICA

A formação de butanol e isopropanol como produtos principais ocorre através

do microrganismo Clostridium butyricum, que é uma bactéria anaeróbia formadora

de esporos, com temperatura ótima de 37ºC, flagelada e Gram-positiva em culturas

jovens (podendo ser Gram-negativa em culturas mais velhas). Durante a Segunda

Guerra Mundial utilizava-se Clostridium toanum para esse processo. Em 1926,

Morikawa também isolou um microrganismo que produzia isopropanol e butanol

denominado Bacillus technicus (PRESCOTT et al, 1959).

Os produtos finais da fermentação incluem butanol, isopropanol, dióxido de

carbono, hidrogênio, pequenas quantidades de ácido acético e butírico, e

possivelmente traços de acetona e ácido fórmico (PRESCOTT et al, 1959). O

rendimento da fermentação é de aproximadamente 53-65% de butanol, 19-44% de

isopropanol, 1-24% de acetona e 3% de etanol (LIMA et al., 2001). O caminho

metabólico seguido até a formação de isopropanol e butanol está exemplificado na

figura 14.

Page 26: Processos fermentativos

25

A fermentação é otimizada quando o suprimento de nitrogênio é feito através

de proteínas parcialmente hidrolisadas (como no caso anterior) e a adição de malte,

extrato de leveduras, peptonas, água de maceração de milho ou glúten. A adição de

acetona ou de outros aceptores de hidrogênio aumentam o teor de isopropanol no

meio fermentado (LIMA et al, 2001).

Certas substâncias podem inibir a formação de alguns produtos. A adição de

bicarbonato de sódio durante a fermentação pode inibir a formação de solventes,

principalmente o isopropanol, formando mais sais de ácidos acético, lático, pirúvico e

fórmico (LIMA et al, 2001)

Figura 14- Fermentação Butanol-isopropanólica

Fonte: Adaptada de RHEM & REED, 1981.

3.6- FERMENTAÇÃO ACETONA-ETANÓLICA

A produção de acetona e etanol em conjunto acontece por microrganismos

como Bacillus macerans e Bacillus acetoethylicus. No final da fermentação pode-se

ter como produtos a acetona, o etanol, o ácido acético e o ácido fórmico (LIMA et al.,

2001).

Schardinger em 1905 foi o primeiro a descobrir a acetona como produto de

uma fermentação bacteriana. O microrganismo por ele isolado era o Bacillus

Page 27: Processos fermentativos

26

macerans. Essa é uma bactéria móvel, esporulada, Gram-negativa e anaeróbia

facultativa (PRESCOTT et al, 1959).

A temperatura ideal para a fermentação varia entre 40 e 43ºC e a

fermentação dura aproximadamente 6 dias. O pH do meio influencia o produto

formado. Em pH elevado há a formação de mais ácidos voláteis e menos etanol,

enquanto em pH 5,8-6,0 há estímulo da produção de solventes (LIMA et al., 2001).

No entanto, o pH ótimo de crescimento para B. aceoethylicus é 8-9. (PRESCOTT et

al, 1959). Ao meio de cultura é geralmente adicionado carbonato de cálcio para

neutralizar os ácidos formados.

3.7- FERMENTAÇÃO DO ÁCIDO PROPIÔNICO

Bactérias produtoras de ácido propiônico, em geral, podem ser caracterizadas

como Gram-positivas, catalase positivas, não-esporuladas, imóveis, e aeróbicas

facultativas. Alguns exemplos são: Propionibacterium freudenreichii, P. jensenii, P.

peterssonii, P. shermanii, P. pentosaceum, P. rubrum, P. technicum, P. thoenii, P.

raffinosaceum, P. arabinosum e P. zeae. Elas podem ser isoladas de fontes como

leite, queijo, solo, silagem, e excreta de gado (PRESCOTT et al., 1959). Micrococcus

lactilycus (Veillonella gazogenes) e Clostridium propionicum também fazem esse tipo

de fermentação (CROCOMO, 1967).

As bactérias que produzem ácido propiônico podem fermentar um grande

número de carboidratos, polióis e ácidos orgânicos, como pentose, 2-cetogluconato,

lactato, piruvato, glucose, galactose, lactose, maltose, malato, sorbitol, manitol,

glicerol, entre outros. Abaixo há a estequiometria de algumas dessas fermentações

a partir de diferentes substratos:

3 ½ glucose 2 propionato + acetato + CO2 + HOH

3 lactato 2 propionato + acetato + CO2 + HOH

3 piruvato + HOH propionato + 2 acetato +2 CO2

glicerol propionato + HOH (CROCOMO, 1967)

A figura 15 mostra a formação de propionato a partir de glicerol ou glucose. Já

a figura 16 mostra em mais detalhe a formação de propionato e acetato a partir de

ácido lático.

Page 28: Processos fermentativos

27

Figura 15- Produção de Propionato Figura 16- Produção de Propionato

Fonte: CROCOMO, 1967. Fonte: RHEM & REED, 1981.

Além da produção de propionato, podem aparecer como subprodutos de

fermentação o acetato e o dióxido de carbono.

3.8- FERMENTAÇÃO DO ÁCIDO CÍTRICO

O ácido cítrico é normalmente encontrado em frutas cítricas, abacaxis, pêras,

figos e pêssegos. Wehmer em 1893 demonstrou a ocorrência de ácido cítrico como

metabólito microbiano de Citromyces pfefferianus e C. glaber em meio contendo

sacarose e carbonato de cálcio (PRESCOTT et al, 1959). Em 1922, Mollinard

descobriu culturas de Aspergillus niger que produziam ácido cítrico em condições de

deficiência de fosfato.

Até 1953, o ácido cítrico era obtido a partir de citrato de cálcio. Com a

descoberta de microrganismos capazes de produzi-lo, passou-se a utilizar a via

fermentativa. Há três processos fermentativos que podem ser utilizados: o processo

Koji (em substrato sólido utilizando uma cepa específica de Aspergillus niger), a

Page 29: Processos fermentativos

28

fermentação em superfície (o micélio de A. niger cresce sobre um meio de cultura

estático, sendo o produto recolhido do meio) e a fermentação submersa (meio de

cultura líquido sob agitação) (LIMA et al., 2001).

As espécies Aspergillus niger, A. clavatus, Penicillium luteum, P. citrinum,

Paecilomyces divacatum, Mucor piriformis e Ustilina vulagris são usadas em

laboratório ou comercialmente para a produção desse ácido, mas a importância

maior cabe ao A. niger.

O pH influencia fortemente a produção de ácido cítrico. A partir do controle do

pH com sais inorgânicos é possível variar a proporção de ácido cítrico e oxálico

formados. Um pH mais baixo favorece a formação de citrato e suprime a formação

oxalato, além de minimizar as chances de contaminação (PRESCOTT et al., 1959).

4- CULTIVO DE CÉLULAS MICROBIANAS

4.1- BACTÉRIAS

Bactérias são organismos unicelulares e sem compartimentalização interna

por um sistema de membranas, ou seja, são procarióticos. Elas são envolvidas por

uma parede celular peptidioglicana, sendo que elas podem apresentar várias

formas, como bacilos, cocos ou espirilos.

O crescimento bacteriano ocorre com o aumento do número de células, e não

com o aumento do volume de uma célula. Elas se reproduzem normalmente por

divisão binária, mas algumas podem fazer brotamento. Outras podem ainda se

fragmentar e a partir de cada fragmento se inicia uma nova célula (TORTORA et al.,

2006).

Uma cultura bacteriana apresenta inicialmente uma fase lag, quando as

bactérias ainda não se multiplicam e sofrem somente pequenas variações para se

adaptar ao novo meio de cultivo. Elas se encontram em um estado de latência. Após

determinado tempo, podendo levar de horas a dias, a cultura passa para a fase log,

ou crescimento exponencial. Nesse período os mecanismos de reprodução

encontram-se amplamente ativos e são bastante sensíveis a mudanças ambientais.

Depois de um longo período de crescimento ocorre a fase estacionária, e a taxa de

divisão se torna equivalente a taxa de mortalidade. Isso pode ocorrer devido ao

término de nutrientes, ao acúmulo de produtos de degradação ou a mudanças no pH

Page 30: Processos fermentativos

29

danosas à célula. Em determinado momento, a população microbiana entra em fase

de morte celular (ou declínio), quando o número de mortes excede a produção de

novas células (TORTORA et al., 2006).

A maioria das bactérias cresce em pH perto da neutralidade (6,5-7,5), sendo

que poucas delas (as acidófilas) conseguem crescer em pH 4. Elas podem ser

cultivadas tanto em meio sólido quanto em meio líquido (TORTORA et al., 2006).

4.2- FUNGOS

Os fungos pertencem ao reino Fungi e são organismos eucarióticos, quimio-

heterotróficos, multicelulares (exceto leveduras), e com parede celular formada de

glicanas, mananas e quitina. Os fungos multicelulares são classificados com relação

a sua morfologia da colônia e dos esporos reprodutivos (TORTORA et al. 2006).

No seu ciclo de vida pode acontecer a reprodução assexuada, através da

fragmentação de suas hifas ou pela formação de esporos assexuais, e também a

reprodução sexuada, através de esporos sexuais.

Os fungos filamentosos suportam ambientes que poderiam ser hostis a

bactérias. Eles conseguem suportar uma variação de pH maior que as bactérias,

mas os valores ótimos se encontram geralmente em pH 5-6. Eles são mais

resistentes à pressão osmótica, sendo que alguns podem crescer em concentrações

relativamente altas de sais e açúcares. Substratos com atividade de água muito

baixa também podem favorecer o crescimento de fungos. A maioria deles possui

metabolismo aeróbico. Eles também conseguem metabolizar carboidratos mais

complexos que as bactérias já não têm capacidade, como, por exemplo, degradar a

lignina (TORTORA et al., 2006).

4.3- LEVEDURAS

Leveduras são organismos eucarióticos, unicelulares, não filamentosos, e de

forma oval que pertencem ao reino dos fungos. Esses organismos estariam entre as

bactérias e os macro-fungos (PRESCOTT et al., 1959). Assim como as bactérias, a

identificação de leveduras pode ser feita através de testes bioquímicos. (TORTORA

et al., 2006)

Page 31: Processos fermentativos

30

Elas podem apresentam como forma de propagação vegetativa o brotamento

(gemulação), sendo que algumas podem sofrer fissão binária, como

Schizosaccharonyces (PRESCOTT et al., 1959). Em algumas espécies, como

Candida albicans, o broto pode não se separar da célula mãe, formando o que pode

ser chamado de pseudo-hifa. (TORTORA et al., 2006)

As células de levedura são capazes de realizar metabolismo anaeróbico

facultativo, podendo utilizar tanto o oxigênio quanto outros compostos orgânicos

como aceptor final de elétrons.

Elas vêm sendo bastante estudadas por serem organismos eucarióticos

relativamente fáceis de manipular, sendo então consideradas como modelo

metabólico, molecular e genético para os eucariotos assim como a bactéria

Escherichia coli é considerada como modelo para os procariotos (BADOTTI et al.,

2008).

Leveduras como Saccharomyces cerevisiae são utilizadas em vários

processos, como a produção de fermento de pão, extrato de levedura, cerveja,

aditivos alimentícios (vitaminas, proteínas, enzimas), proteínas heterólogas (vacinas

e outros componentes terapêuticos), e produtos de interesse farmacêutico através

da manipulação de novas vias metabólicas e do aumento da produção com a

engenharia genética, uma vez que o genoma de leveduras já foi inteiramente

seqüenciado (BADOTTI et al., 2008).

Para se cultivar leveduras pode-se utilizar vários meios de cultivo. Em meio

sólido, as células de levedura formam colônias semelhantes às de bactérias

(TORTORA et al., 2006). A maioria deles consiste em uma formulação que dispõe

dos nutrientes necessários para o crescimento de leveduras e ingredientes que

inibem o desenvolvimento de bactérias e bolores. Um dos meios bastante indicados

para o isolamento de leveduras é o YM (yeast malt extract medium).

Sendo organismo saprófitos, as leveduras exigem a presença de uma fonte

de carbono elaborada para conseguir energia. Também pode ser necessária a

adição de vitaminas (tiamina e ácido pantotênico), de nitrogênio, fósforo, enxofre,

potássio, magnésio, cálcio, zinco, manganês, cobre, ferro, cobalto, iodo e outros

elementos traço (LIMA et al., 2001).

As leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae utilizam nitrogênio na

forma amoniacal (NH4+), amídica (uréia) ou amínica (na forma de aminoácidos), não

Page 32: Processos fermentativos

31

conseguindo metabolizar nitrato ou proteínas do meio. O fósforo é absorvido na

forma de H2PO4-, e o enxofre na forma de sulfato, sulfito ou tiosulfato.

Elas são microrganismos mesófilos, com temperatura ótima em

aproximadamente 26 a 35ºC, e com pH ótimo por volta de 4 a 5. A manutenção

dessas condições evita a contaminação do cultivo por outros microrganismos (LIMA

et al., 2001).

5- CULTIVO DE CÉLULAS ANIMAIS E VEGETAIS

Apesar da utilização de proteínas recombinantes em bactérias como

Escherichia coli, algumas modificações estruturais pós-traducionais só podem ser

feitas eficientemente em outros tipos de célula, como de mamíferos e insetos. O

cultivo de células de mamífero tem grande importância na produção de estruturas

específicas como anticorpos, que atualmente apresenta uma demanda bastante

elevada. (SCHEPER et al., 2006) Também é de grande importância na produção de

vacinas virais, citocinas, bioinseticidas (como o baculovírus), enzimas (asparaginase,

colagenase, citocromo P450, fatores sangüíneos VII, VIII e IX, pepsina, renina,

tripsina, uroquinase), hormônios de cadeia longa (luteinizante, coriônico, folículo

estimulante) e de células para testes toxológicos, bioensaios ou fabricação de

tecidos artificiais (LIMA et al., 2001). A Tabela 2 mostra o desenvolvimento de

processos que utilizam células animais.

Tabela 2- Histórico de cultivo de células animais

Ano Evento

1949 Crescimento de vírus em cultura de células. (Enders e col.)

1954 Vacina inativada Salk contra poliomielite (com células de rim de macaco)

1955 Vacina atenuada Sabin contra poliomielite (com células de rim de macaco)

1962 Estabelecimento de uma linhagem de células diplóides humanas – WI-38 (Hayflick)

1963 Vacina contra sarampo (com células de embrião de galinha)

1964 Vacina contra raiva (com células WI-38)

1967 Vacina contra caxumba (com células WI-38)

1969 Vacina contra rubéola (com células WI-38)

1970-

1974

a)Vacinas humanas experimentais (varicela, citomegalovírus, e outros);

b)Várias vacinas veterinárias.

Page 33: Processos fermentativos

32

1975 Produção de anticorpos monoclonais. (Kohler e Milstein)

1979 Primeira linhagem de células recombinantes

1980 Ampliação da escala de produção para 8000L (vacina contra a febre aftosa e interferon)

1981 Primeiro kit de diagnóstico com anticorpo monoclonal

1982 Primeiro produto farmacêutico resultado da tecnologia do DNA recombinante (insulina)

1986 a)Licença para a produção de γ-Interferon linfoblastóide;

b)Testes clínicos com vários produtos resultantes da tecnologia do DNA recombinante;

c)Vacinas contra poliomielite e raiva produzidas com células VERO.

1987 Licença para produção de OKT3 – anticorpo envolvido na imunologia de transplantes

1988 Licença para a produção de tPA recombinante (ativador de plasminogênio)

1989 Testes clínicos de eritropoetina

1990-

1995

Testes clínicos de diversos produtos oriundos da tecnologia de recombinação do

DNA (antígeno da hepatite B, fatores sangüíneos VIII e IX, anticorpos monoclonais,

anticorpos envolvidos na imunologia de transplantes, diversas citocinas, e outros).

Fonte: LIMA et al., 2001

Os processos de manipulação, esterilização, quantificação, controle de

qualidade, ampliação de escala e formação do produto são semelhantes aos de

bactérias, fungos e leveduras. No entanto, alguns cuidados especiais devem ser

tomados, pois células animais apresentam um crescimento mais lento, são mais

frágeis (não suportando grandes taxas de agitação), apresentam necessidades

nutricionais mais complexas, e, em muitos casos, necessitam de um suporte de

adesão para o crescimento. Devido a essas peculiaridades, muitas vezes o cultivo

de células animais pode ser muito mais caro (LIMA et al., 2001).

Originalmente, as células animais não conseguem crescer livres no meio de

cultivo assim como os microrganismos. Por isso são feitos cultivos primários, nos

quais células vindas diretamente de tecidos animais são cultivadas em meio e

dissociadas cuidadosamente em células individualizadas. Isso é realizado através da

fragmentação do tecido em pedaços suficientemente pequenos. Quando o

crescimento in vitro acontece e as células formam uma monocamada aderida ao

suporte, ocorre o descolamento das mesmas com o auxílio de enzimas e as células

são diluídas em meio de cultivo fresco para originar novas culturas (LIMA et al.,

2001).

Os meios de cultivo utilizados para o cultivo de células animais eram

originalmente oriundos em fluidos biológicos. Devido à falta de uniformidade,

Page 34: Processos fermentativos

33

começou-se a formulação de meios semi-sintéticos. Cada tipo de linhagem celular

requer um tipo diferente de meio, mas a maioria deles apresenta característica

como:

Glucose e glutamina como fontes de carbono para o catabolismo.

Sais que garantem a isotonicidade do meio, evitando a desregulação

osmótica.

Sistemas de tampão bicarbonato/CO2, succinato de sódio/ácido

succínico, e de tampões orgânicos do tipo HERPES (ácido 4-(2

hidroxietil)-1-piperazina-N’-2 etanossulfônico) e do tipo TRIS (2-amino-

2-hidroximetil-1,3 propanodiol).

Suplementação com soro sangüíneo (complexo de proteínas para a

nutrição, adesão e crescimento celular, para a proteção biológica –

antioxidantes e antitoxinas – e para proteção mecânica durante a

agitação e aeração). Como os soros utilizados são geralmente de

origem bovina ou eqüina, ele também pode ser fonte de contaminação

por parasitas, bactérias, fungos ou vírus. Para evitar isso, tenta-se

substituí-lo por outras composições, o que pode encarecer o processo.

Antibióticos como penicilina (100UI/mL), estreptomicina (50 μg/mL) e

anfotericina B (25 μg/mL).

Água desmineralizada, destilada e isenta de pirogênio.

(LIMA et al., 2001)

A maioria das células animais se desenvolve bem entre 35 e 37ºC, podendo

tolerar temperaturas mais baixas, mas morrem em temperaturas mais altas. O pH

ótimo se encontra entre 7,2 e 7,4, sendo que algumas linhagem podem suportar

extremos como 6,8 e 7,8 (LIMA et al., 2001).

Já as cultivo de células vegetais tem como objetivo a produção de metabólitos

secundários em processos em biorreatores ou a produção de mudas padronizadas

através das técnicas de micropropagação. Através da manipulação genética também

pode-se fazer um melhoramento de plantas, protoplastos (células sem parede)

podem ser fusionadas de forma a produzir novos híbridos, e células transgênicas

podem ser desenvolvidas a plantas inteiras (WALKER & GINGOLD, 1997). A figura

17 mostra algumas das utilidades do cultivo de células vegetais.

Page 35: Processos fermentativos

34

Com plantas, podem ser realizados cultivos com plantas inteiras, parte delas,

tecidos, ou células únicas. O cultivo é feito em meios estéreis, contendo sais,

vitaminas, fontes de carbono e reguladores de crescimento vegetal. Quando há o

cultivo de tecidos organizados, permitindo posteriormente a obtenção de plantas

inteiras, é possível obter um cultivo sem alteração do material genético. Já um

cultivo de células desorganizadas ou que passaram por um processo de

manipulação, é possível regenerar uma planta inteira modificada através da

biotecnologia (WALKER & GINGOLD, 1997).

Figura 17- Utilidades do cultivo vegetal

Fonte: VOGEL & TODARO, 1997.

Através do cultivo in vitro de plantas é possível obter condições ambientais

específicas, as quais são livres de enfermidades e pragas, e o cultivo pode ser

realizado continuamente. A produção pode ocorrer em fermentadores, onde o

crescimento celular ocorre até a fase estacionária, e depois ocorre extração do

produto; ou ainda em biorreatores de leito fixo, onde as células são imobilizadas na

forma de agregados celulares em matrizes inertes como géis, espumas ou fibras

ocas, e o produto é coletado de forma contínua ou semicontínua (WALKER &

GINGOLD, 1997).

Page 36: Processos fermentativos

35

Células vegetais, tecidos e cultura de órgãos podem ser cultivadas tanto em

meio sólido quanto em meio líquido, sendo que a cultura em meio líquido facilita o

aumento de escala de laboratório para a indústria. Recentemente, biorreatores de

cultivo vegetal em escala piloto no Japão tinham capacidade de 20 000L (VOGEL &

TODARO, 1997).

Os metabólitos secundários que podem ser produzidos por plantas podem ser

divididos em fármacos, essências, perfumes, pigmentos e agentes químicos de

utilidade na agricultura. No entanto, a maioria desses compostos é produzida em

baixas concentrações, devido, entre outros fatores, a instabilidade de expressão

gênica durante o cultivo (WALKER & GINGOLD, 1997).

6- APLICAÇÕES DA FERMENTAÇÃO

Os produtos biotecnológicos estão presentes em vários setores da economia,

como na área química, farmacêutica, energética, alimentícia e agricultural. Os tipos

de serviços que uma indústria de bioprocessos pode oferecer podem ser

classificados em:

Produção de biomassa: onde o objetivo é a produção em grande quantidade

de biomassa de bactérias, leveduras ou fungos. A biomassa de levedura pode

ser utilizada no processo de panificação; já a biomassa da microalga Spirulina

pode ser utilizada no enriquecimento de alimentos.

Produção de metabólitos celulares: visa à produção em larga escala de

produtos de metabolismo celular. Eles podem ser intra ou extracelulares.

Produção de proteínas recombinantes: através da engenharia genética é

possível manipular genes e introduzi-los em microrganismos de forma a

chegar a produtos que antes eram produzidos em outras células ou ainda

melhorar a especificidade de uma enzima.

Produção de enzimas: são os produtos celulares mais usados na indústria.

Elas podem ser extraídas de animais ou plantas, mas a produção por

microrganismos pode fornecer uma maior rendimento.

Biotransformação de compostos: há a transformação de substâncias do meio

em outras. Esse recurso é bastante útil principalmente na área ambiental,

Page 37: Processos fermentativos

36

onde é possível fazer com que microrganismos retirem substâncias tóxicas do

meio e convertam a produtos de toxicidade menor.

6.1- PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

Os microrganismos são amplamente utilizados na produção de alimentos,

tanto para consumo humano como animal. Aqui serão discutidos alguns exemplos

de produtos de fermentação na indústria alimentícia.

Antigamente, a produção de pães era feita guardando-se um pouco das

sobras da última formada para servir como inóculo para a próxima. Atualmente,

encontra-se levedura (fermento) comercialmente, sendo selecionadas as cepas mais

produtivas para tal atividade. A produção de biomassa de levedura para a

panificação é feita em meio líquido contendo melaço ou licor de milho, com pH 4-5 e

aeração. Ao final do cultivo as células são recuperadas por centrifugação e filtração.

É adicionado um pouco de óleo vegetal para agir como plastificante, e a biomassa é

moldada na forma de blocos e embalada para comercialização (NAJAFPOUR,

2007).

Na produção de queijos é necessária a formação do coalho, que é causada

pela ação da renina sobre a caseína do leite. O tipo de bactéria lática inoculada

também pode fornecer um sabor e odor característico. Queijos como o Cheddar e o

suíço são maturados através do crescimento anaeróbico de bactérias láticas em seu

interior. Já queijos como o Limburger são maturados por bactérias e outros

microrganismos contaminantes que crescem na superfície. Queijos como o blue e o

Roquefort são maturados pelos fungos Penicillium inoculados no queijo. Derivados

do leite como a manteiga, o iogurte, o kefir e o kumiss também são produzidos

através da fermentação (TORTORA et al., 2006).

Pode ocorrer também de o próprio microrganismo ser o alimento. No entanto

um pré-requisito básico para utilização de biomassa de microrganismos como

alimento e medicamento é a aprovação de sua segurança toxicológica. Alguns

microrganismos podem produzir toxinas que podem fazer mal ao organismo de

quem a ingerir (SILVA et al., 2007).

Cogumelos são um dos tipos de organismos utilizados na alimentação. Seu

uso é bastante difundido em vários países, principalmente asiáticos, onde eles são

consumidos na forma de chá, extratos ou em conjunto com outras ervas. Seu uso se

Page 38: Processos fermentativos

37

dá principalmente devido a propriedades antibacterianas, antifúngicas, antivirais,

imunomoduladoras, antialergênicas, antiinflamatórias, antiaterogênico e antitumoral,

hipolipidemica e hipoglicemica. (LIMA et al., 2007)

Existem aproximadamente duas mil espécies de cogumelos que podem ser

consumidas por humanos, mas somente 25 delas são as normalmente usadas na

alimentação. Daqueles que apresentam atividade biológica comprovada então o

Ganoderma lucidum (Reishi), Lentinus edodes (Shiitake), Agaricus brasiliensis

(Cogumelo do Sol), Inonotus obliquus (Chagas), G. frondosa (Maitake). Compostos

que apresentam atividade biológica estão presentes na biomassa desses fungos ou

então são excretados. Esses compostos incluem argenina, esteróides, lipídeos,

lectina e polissacarídeos, sendo esse último importante na ação antitumoral e

imunomoduladora. (LIMA et al., 2007)

Outra biomassa de poder nutritivo e terapêutico é das cianobactérias como a

Spirulina sp. podem produzir importantes compostos bioativos como metabólitos

secundários que podem ser constituintes de complementos alimentares ou ainda a

biomassa ser utilizada como um novo alimento. Compostos por elas produzidos

podem apresentar ação anticancerígena, antioxidante, antibacteriana, antiviral e

antifúngica (SILVA et al., 2007).

As tabelas 3 e 4 mostram alguns dos principais alimentos e bebidas que

utilizam a fermentação.

Tabela 3- Alimentos fermentados

Alimentos e Produtos Ingredientes Crus Microrganismos Fermentadores

Laticínios

Queijos (maturados) Coalho de leite Streptococcus spp., Leuconostoc

spp.

Kefir Leite Streptococcus lactis, Lactobacillus

bulgaricus, Candida spp.

Kumis Leite de água L. bulgaricus, L. leichmannii,

Candida spp.

Iogurte Leite, sólidos do leite S. thermophilus, L. bulgaricus

Produtos de Carne e Peixe

Presuntos curados Presunto de porco Aspergillus, Penicillium spp.

Salsichas Porco, carne de gado Pedicoccus cerevisiae

Molho de peixe Pequenos peixes Bacillus spp halofílicos

Page 39: Processos fermentativos

38

Produtos de Plantas

Cacau (chocolate) Fruto do cacau Candida krusei, Geotrichum spp.

Grão de café Fruto do café Erwinia dissolvens,

Saccharomyces spp.

Kimchi Repolho e outros

vegetais

Bactérias lácticas

Missô Grãos de soja Aspergillus oryzae,

Zygosaccharomyces rouxii

Azeitonas Azeitonas verdes Leuconostoc mesenteroides,

Lactobacillus plantarum

Poi Raízes de taioba Bactérias lácticas

Repolho azedo Repolho Leuconostoc mesenteroides,

Lactobacillus plantarum

Molho de soja Grãos de soja A. oryzae, A. soyae, Z. rouxii,

Lactobacillus delbrueckii

Pães

Bolos, pães e outros Farinha de trigo Saccharomyces cerevisiae

Pão azedo de São

Francisco

Farinha de trigo S. exiguus, Lactobacillus

sanfrancisco

Fonte: TORTORA et al., 2006

Tabela 4- Bebidas fermentadas

Bebida Levedura Função da levedura

Cerveja e vinho

Cerveja, cerveja lager Saccharomyces

cerevisiae

Converter açúcar em álcool e CO2. A

levedura cresce no fundo do recipiente.

Cerveja, ale S. cerevisiae Converter açúcar em álcool e CO2. A

levedura cresce no topo do recipiente.

Saquê S. cerevisiae Converter açúcar em álcool.

Vinho, natural S. cerevisiae Converter açúcar da uva em álcool.

Vinho, espumante

(champanhe)

S. cerevisiae Na fermentação secundária produz CO2. A

levedura assenta rapidamente.

Bebidas destiladas

Rum Levedura selvagem Converte açúcar em álcool.

Conhaque S. cerevisiae Converte açúcar em álcool.

Uísque S. cerevisiae Converte açúcar em álcool.

Fonte: TORTORA et al., 2006

Page 40: Processos fermentativos

39

6.2- PRODUÇÃO DE ANTIBIÓTICOS

Antibióticos são produtos secundários do metabolismo que, em contato com

outros microrganismos, podem inibir o crescimento do mesmo.

No ramo dos antibióticos, um dos principais é a penicilina, onde há a

produção de praticamente 33 milhões de toneladas métricas anuais movimentando

praticamente US$ 400 milhões. A venda mundial dos três principais grupos de

antibióticos (penicilina, cefalosporina, tetraciclina e eritromicina) gera US$ 4,2

bilhões por ano (NAJAFPOUR, 2007).

No início dos anos 40, Alexander Fleming notou a produção de penicilina pelo

fungo Penicillium notatum, a qual inviabilizou a cultura de Staphylococcus aureus.

Atualmente, a produção desse antibiótico é feita por uma outra espécie, Penicillium

chrysogenum, pois assim há a formação de uma maior quantidade de produto

(aproximadamente 1000 vezes mais). Já antibióticos como a estreptomicina são

produzidos por Actinomicetos. O cultivo submerso também favoreceu a produção de

antibióticos em larga escala (NAJAFPOUR, 2007).

Para a produção de penicilina, podem ser utilizados resíduos industriais como

melaço. As etapas de produção consistem basicamente em:

1. Preparação do inóculo.

2. Preparação e esterilização do meio.

3. Inoculação do meio no fermentador.

4. Aeração forçada com ar estéril durante a incubação.

5. Após a fermentação há a remoção do micélio formado.

6. Extração e purificação da penicilina.

A penicilina é produzida a partir da L-cisteína e L-valina. A produção se dá de

forma não ribossomal, por meio de um dipeptídeo composto de L-α-aminoadípico (L-

α-AAA) e L-cisteína ou um produto de degradação da cistationina. Após, ela se

conecta a L-valina através de uma epimerização. O produto da ciclização do

tripeptídeo é a isopenicilina N. A benzilpenicilina é produzida no intercâmbio de L- α-

AAA com ácido fenilacético ativado. (LIMA et al., 2001)

Dos antibióticos de origem microbiana, somente 123 são produzidos por

fermentação, o resto é produzido de forma sintética ou semi-sintética. As bactérias

Page 41: Processos fermentativos

40

produzem um número de 950 antibióticos, já os actinomicetos pruduzem 4600

antibióticos, e os fungos 1600 (LIMA et al., 2001).

6.3- PRODUÇÃO DE ENZIMAS

As enzimas são amplamente utilizadas na indústria. Como exemplo pode-se

citar o uso de amilases para a produção de xaropes do amido de milho, na produção

de papéis e na produção de glicose de amidos. No entanto, pode-se utilizar o

microrganismo inteiro para o processo ou somente a enzima. Percebendo isso,

indústrias resolveram se especializar somente na produção de enzimas (TORTORA

et al, 2006).

Vários fungos sintetizam e excretam grandes quantidades de enzimas no

meio de cultivo. Culturas como a de Aspergillus, Penicillium, Mucor e Rhizopus são

bastante utilizadas na indústria (NAJAFPOUR, 2007).

A produção de enzimas em larga escala se dá principalmente através da

fermentação submersa, embora em países orientais chega-se a utilizar fermentação

semi-sólida (LIMA et al., 2001). Elas podem ser separadas do meio de cultivo após a

fermentação através de solventes como etanol ou adição de sais inorgânicos como

sulfato de amônio (NAJAFPOUR, 2007).

6.4- PRODUÇÃO DE ANTICORPOS

Anticorpos são proteínas da família das imunoglobulinas, que são sintetizadas

normalmente pelo corpo de animais de forma a responder a moléculas estranhas. É

necessário haver uma grande produção de anticorpos, pois sua demanda é bastante

elevada. E para isso, as plantas de produção têm aumentado em tamanho e

quantidade nas últimas décadas. Também nessa época houve o desenvolvimento

de anticorpos recombinantes que são produzidos in vitro em grande quantidade

como se fossem produzidos por células in vivo. Isso foi obtido através da procura de

células com alto coeficiente de produtividade (SCHEPER & HU, 2006).

O cultivo em batelada é raramente utilizado nesse caso, exceto em escala

laboratorial. É mais freqüente o uso de batelada alimentada ou cultivo contínuo com

retenção de células (SCHEPER & HU, 2006).

Page 42: Processos fermentativos

41

A produção de anticorpos monoclonais tem sido bastante estudada,

principalmente a potencialidade de seu uso como uma droga terapêutica devido a

sua especificidade de ligação. Dentro da farmacoterapia, anticorpos monoclonais

tem sido utilizados no tratamento de doenças infecciosas (SynagisTM), câncer

(HerceptinTM) e doenças autoimunes (RemicadeTM). No entanto, esses tratamentos

ainda continuam sendo muito caros devido ao processo de produção. Eles eram

prduzidos antigamente em camundongos, mas atualmente é possível produzir

alguns tipos em Escherichia coli através de técnicas de DNA recombinante

(SCHEPER & HU, 2006).

6.5- PRODUÇÃO DE INOCULANTES

A biotecnologia não é utilizada na agricultura somente através de organismos

vegetais geneticamente modificados. É também bastante importante a técnica de

produção de inoculantes agrícolas. Ela consiste na utilização de microrganismos

para melhorar o solo em que ocorrerá o cultivo, propiciando a fertilização natural do

solo, reduzindo os danos causados por doenças, estimulando o crescimento vegetal

e reduzindo a carga de inseticidas que podem eventualmente permanecer no solo.

É bastante utilizado nessa área o fato de que algumas bactérias e fungos

podem fazer simbiose com vegetais. Bactérias como Bradyrhizobium e Rhizobium

são importantes na simbiose com leguminosas como soja e feijão, auxiliando na

fixação do nitrogênio atmosférico. Fungos são utilizados na micorrização das raízes

de Pinus sp. e Eucaliptus sp., auxiliando na fixação e crescimento de mudas no

ambiente (LIMA et al., 2001).

Para a fixação de nitrogênio, são utilizadas culturas isoladas de bactérias

(usualmente Rhizobium) que consigam formar nódulos de fixação nas raízes de

leguminosas. As características do solo onde ocorrerá o plantio também é

importante para selecionar uma cepa que seja adequada para aquelas condições de

temperatura e pH. Pode ocorrer também uma competição entre bactérias do inóculo

e bactérias naturais do solo, inviabilizando o seu desenvolvimento.

Outra característica importante da linhagem a ser usada é que as células

microbianas devem suportar as condições de produção industrial, se multiplicando

de forma significativa nos tanques cultivo.

Page 43: Processos fermentativos

42

Sobre os inoculantes a base de fungos, são utilizados microrganismos de

ação mutualística, formando associações com raízes de vegetais superiores.

Dependendo do tipo de colônias formadas nas raízes, os fungos podem ser

classificados como endomicorrizas (quando há penetração na raiz) ou

ectomicorrizas.

A seleção de microrganismos pode ocorrer de espécies naturais, a fim de se

encontrar o organismo que propicia uma melhor associação. A produção em grande

quantidade na indústria ocorre através de cultivos em estado sólido ou submerso. O

primeiro tipo apresenta problemas quanto ao controle de pH, temperatura e

disponibilidade de oxigênio e substrato. Essas condições já podem ser melhor

ajustadas durante o cultivo submerso (LIMA et al., 2001).

6.6- TRATAMENTO AMBIENTAL

Um processo industrial geralmente apresenta a produção de alguns produtos

indesejáveis, e esses resíduos devem ser descartados de uma forma apropriada

para não danificar o ambiente. Um modelo de industria ideal seria aquele em que

não haveria nenhum resíduo e ocorreria uma integração de todos os processos (o

resíduo de um processo poderia servir de substrato pra outro). ZANETE, 2007,

utilizou esse princípio para modelar uma biorrefinaria integrada, onde, por exemplo,

um resíduo como bagaço de cana poderia ser utilizado tanto na produção de energia

quanto no cultivo de microorganismos para a produção de etanol.

Com a constante preocupação da população com relação à preservação do

meio ambiente, deve-se prestar muita atenção aos resíduos industriais a

providenciar tratamento adequado para cada tipo.

Para compostos biodegradáveis pode-se fazer uso da biodegradação, onde

microrganismos fazem a decomposição de compostos, desde que eles tenham a

maquinaria enzimática necessária (LIMA et al., 2001). Outra utilização é o fenômeno

de absorção de metais tóxicos do ambiente por microrganismos (por exemplo,

algas), pois podem suportar quantidades um pouco mais elevadas. A utilização de

biofiltros no tratamento de gases tóxicos também tem sido bastante estudada (MOO-

YOUNG & CHISTI, 1994).

A diferença do tratamento biológico de efluentes líquidos, sólidos e gasosos

com relação aos outros processos discutidos anteriormente é que a escala de

Page 44: Processos fermentativos

43

operação é geralmente muito maior e os microrganismos são utilizados em culturas

mistas, muitas vezes sem esterilização (MOO-YOUNG & CHISTI, 1994).

6.7- PRODUTOS RECOMBINANTES

Através da tecnologia do DNA recombinante foi possível aumentar a

quantidade de produtos resultantes da fermentação realizada por microrganismos.

Por essa técnica consegue-se induzir em um microrganismo a produção de uma

proteína heteróloga que originalmente pertencia a outro organismo. Alguns

exemplos bem sucedidos são a produção de insulina humana, de hormônio do

crescimento e de interferon pela bactéria Escherichia coli (WALKER & GINGOLD,

1997). Um exemplo de processo recombinante está na figura 18, onde os genes de

origem externa, como, por exemplo, tecido animal, são inseridos em microrganismos

através de técnicas de biologia molecular.

Figura 18- Produção de plasmídio recombinante

Fonte: Adaptado de DORAN, 1995

Os organismos mais utilizados nesse processo são Escherichia coli, Bacillus

subtilis, leveduras, células cultiváveis de eucariotas superiores, como de inseto e de

mamíferos. As bactérias da espécie E. coli são amplamente utilizadas devido à

facilidade de crescimento e produção. Existem alguns fatores importantes durante

uma fermentação que utiliza um gene recombinante, como:

Modificações pós-traducionais.

Modo de secreção do produto.

Minimização da degradação do produto.

Page 45: Processos fermentativos

44

Proteção da expressão do gene estrangeiro.

Controle do início de sua síntese durante a fermentação.

(WALKER & GINGOLD, 1997)

Para conseguir a expressão de genes eucarióticos em bactérias, deve-se

levar em conta que esses genes possuem seqüências de exons e introns. Portanto

deve-se modificar a seqüência de modo a ter somente os códons que devem ser

codificados em aminoácidos. Proteínas originárias de organismos eucarióticos

podem não ter sua produção exata em microrganismos também devido à presença

de algumas modificações pós-traducionais, como glicosilação, o que não é feito por

muitas bactérias. Outros fatores a serem observados são a freqüência de códons

utilizados pelo organismo (codon usage bias), pois, como o código genético é

degenerado (apresentando mais de um códon codificando o mesmo aminoácido),

cada organismo utiliza um códon preferencialmente em relação a outro.

Para que o gene de interesse seja inserido na bactéria de interesse, é

necessária a utilização de vetores genéticos. Existe um vetor mais recomendado

dependendo do objetivo desejado. Plasmídios são pequenos segmentos de DNA

circulares que apresentam replicação autônoma, dentro dos quais podem ser

inseridas seqüências gênicas pequenas (até 10kb). Bacteriófagos já aceitam

seqüências maiores (de 20 a 40 kb). Existem também os cosmídios, fosmídios e

cromossomos de levedura artificiais (YAC).

A inserção de material genético exógeno por meio de vetores de clonagem é

muito importante na metagenômica, que é a análise genômica de comunidades

microbianas independentes de cultivo. Muitos microrganismos não conseguem se

desenvolver bem em meios de cultivo artificiais, mas ao mesmo tempo podem conter

seqüências gênicas importantes para o desenvolvimento de alguns processos. Para

se fazer uso delas pode-se fazer uma extração do DNA ambiental, ou seja, coleta-se

uma porção do meio ambiente e extrai-se o DNA de todos os microrganismos ali

presentes. Em seguida contrói-se uma biblioteca genômica de todos os segmentos

de DNA obtidos, fazendo uma fragmentação das seqüências, inserindo os pedaços

em E. coli através de plasmídios eselecinando aquelas bactérias que sofreram

transformação. Através de um “screening” seletivo das bactérias recombinantes, é

possível achar bactérias que realizam processos metabólicos de interesse que são

Page 46: Processos fermentativos

45

realizados de forma mais eficiente ou que antes só podiam ser realizados no meio

natural. A figura 19 mostra de forma esquematizada esse processo:

Figura 19- Montagem de uma biblioteca genômica através de DNA do ambiente

Fonte: Figura montada pelo autor.

A utilização de microrganismos é bem controlada, e existem regras como a

GILSP (Good Industrial Large-Scale Practice) que estipula que o organismo que irá

receber a seqüência gênica exógena deverá ser não patogênico, não deve conter

elementos patogênicos como vírus, fagos e plasmídios, deve ter uma longa história

de uso seguro na indústria ou ter limitações ambientais de crescimento (ou seja, ele

necessita de uma condição ambiental controlada industrialmente para crescer, caso

contrário ele morrerá). No caso de ser um organismo patogênico ele deve ser

manuseado com muita cautela e deve ser conhecido um tratamento eficiente para a

doença caso haja algum escape (VOGEL & TODARO, 1997).

O local de manipulação desses microrganismos também deve ser observado

de acordo com as características por ele apresentadas. Equipamentos, técnicas de

operação e local adequado para manipulação de determinados microrganismos

estão presentes em “Guideline for Industrial Application of Recombinant DNA

Technology”, que foi publicado pelo ministério de troca internacional e indústria do

Japão (VOGEL & TODARO, 1997).

Page 47: Processos fermentativos

46

7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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49

8- ANEXO

BIOCHEMICAL ENGINNERING IN BIOTECHNOLOGY (Technical Report)

M. MOO-YOUNG and Y. CHISTI