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RAE-CLÁSSICOS • ECOLOGIA POPULACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES 70 RAE VOL. 45 Nº3 ECOLOGIA POPULACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES RESUMO A perspectiva da ecologia populacional sobre as relações organização–ambiente é uma proposta alternativa para a perspectiva de adaptação dominante. A força das pressões de inércia sobre a estrutura organizacional sugere a aplicação de modelos que dependam da competição e seleção nas populações das organizações. Neste artigo são discutidos vários desses modelos, bem como questões que surgem da tentativa de aplicação destes ao problema da organização–ambiente. Michael T. Hannan Stanford University John Freeman University of California – Berkeley ABSTRACT A population ecology perspective on organization–environment relations is proposed as an alternative to the dominant adaptation perspective. The strength of inertial pressures on organizational structure suggests the application of models that depend on competition and selection in populations of organizations. Several such models as well as issues that arise in attempts to apply them to the organization–environment problem are discussed. PALAVRAS-CHAVE Ecologia populacional, ecologia organizacional, relação organização–ambiente, inércia estrutural, competição e seleção. KEYWORDS Population ecology, organizational ecology, organization–environment relation, structural inertia, competition and selection.

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RAE-CLÁSSICOS • ECOLOGIA POPULACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES

70 • RAE • VOL. 45 • Nº3

ECOLOGIA POPULACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES

RESUMO

A perspectiva da ecologia populacional sobre as relações organização–ambiente é uma proposta alternativapara a perspectiva de adaptação dominante. A força das pressões de inércia sobre a estrutura organizacionalsugere a aplicação de modelos que dependam da competição e seleção nas populações das organizações.Neste artigo são discutidos vários desses modelos, bem como questões que surgem da tentativa de aplicaçãodestes ao problema da organização–ambiente.

Michael T. HannanStanford University

John FreemanUniversity of California – Berkeley

ABSTRACT A population ecology perspective on organization–environment relations is proposed as an alternative to the dominant adaptation

perspective. The strength of inertial pressures on organizational structure suggests the application of models that depend on competition and

selection in populations of organizations. Several such models as well as issues that arise in attempts to apply them to the organization–environment

problem are discussed.

PALAVRAS-CHAVE Ecologia populacional, ecologia organizacional, relação organização–ambiente, inércia estrutural, competição e

seleção.

KEYWORDS Population ecology, organizational ecology, organization–environment relation, structural inertia, competition and selection.

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INTRODUÇÃO

A análise dos efeitos do ambiente sobre a estrutura orga-nizacional tem sido deslocada, recentemente, para umaposição central na teoria e pesquisa das organizações.Essa mudança abriu um número enorme de possibilida-des. Porém, até o momento, nada de semelhante à plenapromessa de mudança foi realizado. Acreditamos que afalta de desenvolvimento se deve, em parte, ao fracassode produzir modelos ecológicos relacionados a questõesde caráter preeminentemente ecológico. Sugerimos umareformulação do problema em termos da ecologia popu-lacional.1

Embora exista uma ampla variedade de perspectivasecológicas, todas elas dão enfoque à seleção. Isto é, atri-buem padrões na natureza à ação dos processos de sele-ção. O vasto acervo literário sobre as organizações con-tribui para dar uma visão diferente, a qual chamamos deperspectiva de adaptação.2 De acordo com essa perspec-tiva, subunidades da organização – geralmente coalizõesde gerentes ou coalizões dominantes – fazem uma varre-dura do ambiente relevante para oportunidades e amea-ças, formulam respostas estratégicas e ajustam a estrutu-ra organizacional apropriadamente.

A perspectiva de adaptação é vista mais claramente naliteratura sobre gestão. Contribuintes desta assumem,geralmente, uma hierarquia de autoridade e controle quedetermina decisões com relação à organização como umtodo no seu topo. Acontece, então, que as organizaçõessão afetadas por seus ambientes de acordo com os mo-dos pelos quais os gerentes ou líderes formulam estraté-gias, tomam decisões e as implementam. Os gerentesparticularmente bem-sucedidos são capazes tanto de sal-vaguardar suas organizações de perturbações ambientaiscomo de organizar ajustes leves que exigem perturbaçãomínima da estrutura organizacional.

Uma perspectiva parecida, freqüentemente expressade forma diferente, domina a literatura sociológica sobreo assunto. Ela tem um papel importante na análise fun-cional das relações entre a organização e o ambiente deParsons (1956) e é encontrada em uma tradição maisestritamente weberiana (veja Selznick, 1957). É interes-sante notar que, enquanto os funcionalistas têm se inte-ressado sobre os efeitos do sistema e baseado muito dalógica de sua abordagem nos imperativos de sobrevivên-cia, eles não têm lidado com os fenômenos de seleção.Isto é, provavelmente, uma reação contra a teoria da or-ganização que reflete o darwinismo social.

Os partidários da teoria das trocas também adotarama perspectiva de adaptação (Levine e White, 1961), e é

natural que teorias enfatizando a tomada de decisão ado-tem a visão de adaptação (March e Simon, 1958; Cyert eMarch, 1963). Mesmo o celebrado casamento deThompson (1967) entre os sistemas abertos e fechadospensando em abordar a perspectiva de adaptação de ummodo explícito (veja, particularmente, a segunda partedo livro de Thompson).

De maneira clara, os líderes das organizações realmenteformulam estratégias e as organizações se adaptam àscontingências do ambiente. Como resultado, ao menosalguma relação entre estrutura e ambiente deve refletir ocomportamento ou a aprendizagem adaptativos. Contu-do, não existe uma razão para concluir que a grande va-riabilidade estrutural das organizações reflete somenteou determinantemente uma adaptação.

Existem muitas limitações na habilidade de adapta-ção das organizações, ou seja, existem muitos processosque geram uma inércia estrutural. Quanto mais fortes aspressões, mais baixa a flexibilidade de adaptação das or-ganizações e mais provável que a lógica da seleção am-biental seja apropriada. Como conseqüência, o proble-ma da inércia estrutural é importante na escolha entre osmodelos de adaptação e seleção.

A possibilidade de a estrutura da organização conterum grande componente inercial foi sugerida por Burns eStalker (1961) e Stinchcombe (1965). Contudo, o assuntoem sua globalidade tem sido ignorado. E, no entanto,muitas proposições importantes podem ser encontradasna literatura organizacional.

As pressões inerciais surgem tanto de arranjos estru-turais internos quanto de restrições ambientais. Uma lis-ta mínima de restrições surge das seguintes considera-ções internas:1. O investimento da organização em planta industrial,

equipamento e pessoal especializado constitui recur-sos que não são facilmente transferíveis a outras tare-fas ou funções. A maneira pela qual tais despesasirreversíveis restringe as opções de adaptação é tãoóbvia que não precisa ser mais discutida.

2. Aqueles que tomam decisões organizacionais tambémenfrentam restrições nas informações que recebem.Muito daquilo que sabemos sobre o fluxo de informa-ção por meio das estruturas organizacionais nos dizque os líderes não chegam nem perto de obter a infor-mação completa sobre as atividades dentro da organi-zação e sobre as contingências ambientais que assubunidades enfrentam.

3. As restrições da política interna são até mais impor-tantes. Quando as organizações alteram suas estrutu-ras, o equilíbrio político é alterado. Quando uma gama

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de recursos é fixada, a mudança estrutural quase sem-pre envolve redistribuição de recursos através dassubunidades. Tal redistribuição desorganiza o sistemapredominante de troca entre as subunidades (ou líde-res de subunidades). Então, ao menos algumas irãoresistir a qualquer proposta de reorganização. Alémdisso, os benefícios da reorganização estrutural pode-rão ser tanto generalizados (projetados para beneficiara organização como um todo) quanto de longo prazo.Qualquer resposta política negativa tenderá a gerarcustos a curto prazo que são suficientemente altos atéo ponto em que os líderes organizacionais irão abrirmão da reorganização planejada (para uma discussãomais ampla sobre como a política interna da economiadas organizações impede a mudança ou adaptação, vejaDowns [1967] e Zald [1970]).

4. Finalmente, as organizações enfrentam restrições ge-radas por sua própria história. Uma vez que os padrõesde procedimento e distribuição de tarefas e a autorida-de se tornaram tópico de contratos normativos, os cus-tos de mudança aumentaram enormemente. Contra-tos normativos restringem o processo de adaptação aomenos de duas formas. Primeiro, fornecem uma justi-ficativa e um princípio organizador para aqueles ele-mentos que desejam resistir ao processo de reorgani-zação (isto é, podem resistir em termos de um princí-pio compartilhado). Segundo, os contratos normativosimpedem as graves considerações de diversas reaçõesalternativas. Por exemplo, poucas universidades orien-tadas à pesquisa consideram seriamente o fato de adap-tar-se à diminuição de matrículas eliminando a funçãoensino. Manter essa opção seria desafiar as normas daorganização central.3

As pressões externas concernentes à inércia parecemser, ao menos, igualmente fortes. Estas incluem pelomenos os seguintes fatores:1. As barreiras fiscais e legais para entrar e sair dos mer-

cados (amplamente definidos) são numerosas. As dis-cussões sobre o comportamento organizacionalenfatizam, de modo característico, as barreiras à en-trada (por exemplo, posições de monopólio licencia-das pelo Estado). As barreiras de saída são igualmenteinteressantes. Existe um número crescente de casos emque as decisões políticas impedem as empresas de aban-donarem certas atividades. Todas essas restrições so-bre a entrada e a saída limitam a amplitude das possi-bilidades de adaptação.

2. As restrições internas sob a disponibilidade da infor-mação são equivalentes às restrições externas. A aqui-

sição de informação sobre ambientes relevantes é cus-tosa, particularmente em situações turbulentas em quea informação é mais essencial. Além disso, o tipo deespecialistas empregados pela organização restringetanto a natureza da informação provável de ser obtida(veja Granovetter, 1973) quanto o tipo de informaçãoespecializada capaz de ser processada e utilizada.

3. Restrições de legitimidade também emanam do ambien-te. Qualquer forma de legitimidade que uma organiza-ção tenha sido capaz de gerar constitui um recurso aomanipular o ambiente. Ao ponto que a adaptação (porexemplo, eliminando a instrução universitária nas ins-tituições públicas) viola as exigências da legitimidade,acarretando custos consideráveis. Portanto, conside-rações sobre a legitimidade externa tendem a limitar aadaptação.

4. Finalmente, existe o problema da racionalidade coleti-va. Um dos temas mais difíceis na economia contem-porânea diz respeito ao equilíbrio geral. Se alguém querencontrar uma estratégia mais eficiente para um com-prador ou vendedor individual em um mercado com-petitivo, não precisa necessariamente compreender queexista um equilíbrio geral assim que todos os jogado-res comecem a negociar. De um modo mais geral, édifícil estabelecer que uma estratégia que seja racionalpara uma única tomada de decisão seja também racio-nal quando adotada para um grande número de deci-sões. Muitas soluções para esse problema têm sido pro-postas na teoria do mercado competitivo, mas não sa-bemos de nenhum tratamento para as organizações deum modo geral. Até que tal tratamento seja estabeleci-do, não deveríamos presumir que ações que serviramà adaptação de uma organização a uma determinadamudança ambiental possam ser adotadas por outrasorganizações concorrentes que possuem uma estraté-gia semelhante.

Muitas dessas pressões inerciais podem ser acomoda-das dentro da estrutura de adaptação, isto é, pode-semodificar e limitar a perspectiva a fim de considerar es-colhas dentro do conjunto de restrições alternativas. Po-rém, assim o fazendo, limita-se enormemente o objetivoda investigação. Argumentamos que, para lidar com asvárias pressões inerciais, a perspectiva de adaptação deveser suplementada com a orientação de seleção.

Primeiramente, consideramos dois amplos aspectosque são preliminares para o modelo ecológico. O pri-meiro diz respeito às unidades apropriadas de análise.Análises típicas da relação das organizações com os am-bientes têm como ponto de vista uma única organização

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defrontando-se com um ambiente. Argumentamos paraum enfoque explícito sobre as populações das organiza-ções. O segundo aspecto refere-se à aplicabilidade demodelos da ecologia populacional ao estudo da organi-zação social humana. Nossa proposta substantiva se ini-cia com a afirmação clássica de Hawley (1950, 1968)sobre a ecologia humana. Procuramos estender a obrade Hawley de duas maneiras: usando modelos de com-petição explícita para especificar o processo de produ-ção do isomorfismo entre a estrutura organizacional e asdemandas ambientais, e usando a teoria do nicho paraestender o problema para ambientes dinâmicos. Argu-mentamos que a perspectiva de Hawley, modificada eestendida desse modo, sirva como ponto inicial útil paraas teorias da ecologia populacional das organizações.

PENSANDO ORGANIZAÇÕES COMO POPULAÇÕESAO RELACIONAR ORGANIZAÇÃO E AMBIENTE

Pouca atenção tem sido dada na literatura das organiza-ções para assuntos referentes a unidades apropriadas deanálise (Freeman, 1975). De fato, a escolha da unidade étratada de modo tão casual que sugere não se tratar deum problema. Suspeitamos que o oposto seja verdadei-ro: que a escolha da unidade envolva problemas sutis etenha conseqüências de longo alcance para a atividadede pesquisa. Por exemplo, neste caso, determina qual dasliteraturas ecológicas pode ser usada como suporte parao estudo das relações entre ambiente e organização.

A comparação do problema da escolha da unidade queo analista organizacional enfrenta com aquele que obioecologista enfrenta é elucidativa. Para simplificar aomáximo, uma análise ecológica é conduzida em três ní-veis: individual, populacional e comunitário. Os eventosem um nível quase sempre têm conseqüências em ou-tros níveis. Apesar dessa interdependência, os eventospopulacionais não podem ser reduzidos a eventos indi-viduais porque os indivíduos não refletem plenamente adiversidade genética da população. Adicionalmente, oseventos comunitários não podem ser simplesmente re-duzidos a eventos populacionais. Ambos empregam aperspectiva de população que não é apropriada em nívelindividual.

A situação enfrentada pelo analista organizacional émais complexa. Ao invés de três níveis de análise, eledepara com cinco: (1) membros, (2) subunidades, (3)organizações individuais, (4) populações de organizaçõese (5) comunidades (populações) de organizações. Osníveis 3-5 podem ser vistos como correspondentes aos

três níveis discutidos para a ecologia geral, com a orga-nização individual tomando o lugar do organismo indi-vidual. A complexidade acrescentada surge porque asorganizações estão mais perto de se decomporem empartes constituintes do que estão os organismos. É pos-sível a membros individuais e subunidades se moveremde organização em organização de um modo sem parale-los em uma organização não-humana.

Exemplos da teoria e pesquisa que tratam dos efeitosdos ambientes sobre as organizações são encontrados emtodos os cinco níveis. Por exemplo, a conhecida análisede Crozier (1964) sobre os efeitos da cultura na burocra-cia focalizam os materiais culturais que os membros tra-zem para as organizações. Na outra extremidade docontinuum, encontramos análises dos “campos organiza-cionais” (Turk, 1970; Aldrich e Reiss, 1976). Contudo, oenfoque mais comum é sobre “a” organização e o “seu”ambiente. De fato, essa escolha é tão difundida que pare-ce ser uma compreensão tácita de que as organizaçõesindividuais são as unidades apropriadas para o estudodas relações organização-ambiente.

Defendemos para que seja feito um desenvolvimentoparalelo da teoria e pesquisa em nível de população (e,em última análise, de comunidade). Por causa das dife-renças de opinião sobre os níveis de análise, “popula-ção” tem, ao menos, dois referenciais. Tratamentos con-vencionais da ecologia humana sugerem que as popula-ções relevantes ao estudo das relações organização–am-biente são aqueles agregados de membros anexados àorganização ou, talvez, servidos pela organização. Nessesentido, a organização é vista como análoga à comunida-de: possui seus meios coletivos de adaptar-se às situa-ções ambientais. O caráter de unidade de uma popula-ção assim definido depende do resultado final comum.Todos os membros compartilham, de certo modo, as con-seqüências do sucesso e do fracasso organizacionais.

Usamos o termo população em um segundo sentido:para referir-se mais aos agregados das organizações doque aos membros. As populações de organizações devemser semelhantes em alguns aspectos, isto é, devem teralgum caráter de unidade. Infelizmente, identificar umapopulação de organizações não é questão simples. A abor-dagem ecológica sugere que se tenha um enfoque no re-sultado final comum em relação às variações ambientais.Uma vez que todas as organizações são distintas, duasnão são afetadas identicamente por qualquer choqueexógeno. No entanto, podemos identificar classes de or-ganizações que são relativamente homogêneas em ter-mos de vulnerabilidade ambiental. Note que as popula-ções de interesse podem mudar um pouco segundo a in-

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vestigação, dependendo da preocupação do analista. Aspopulações das organizações referidas não são objetosde natureza imutável, mas abstrações úteis para propósi-tos teóricos.

Se tivermos de seguir as indicações dos biólogos depopulações, devemos identificar um análogo à noção deespécie do biólogo. Várias espécies são definidas, em últi-ma análise, em termos de estrutura genética. Como Monod(1971) indica, é útil pensar no conteúdo genético de cadaespécie como uma matriz. Essa matriz contém as regraspara transformar energia em estrutura. Conseqüentemen-te, todas as capacidades adaptativas de uma espécie estãoresumidas na matriz. Se quisermos identificar uma espé-cie análoga para as organizações, devemos procurar portais matrizes. Elas consistirão de regras ou procedimentospara obter estímulos e agir sob eles a fim de produzir umresultado ou uma resposta organizacional.

O tipo de matriz identificada depende de preocupa-ções substantivas. Por exemplo, Marschak e Radner(1972) empregam o termo “forma organizacional”4 paracaracterizar os elementos-chave da matriz como vistosdentro de uma estrutura de tomada de decisão. Para eles,a matriz ou forma tem duas funções: uma função de in-formação que descreve as regras usadas na obtenção,processamento e transmissão de informações sobre osestados dos ambientes externos; e uma função de ativi-dade que declara as regras usadas na ação sobre a infor-mação recebida de tal forma a produzir uma respostaorganizacional. Até o ponto que se possam identificarclasses de organizações que se diferenciam em relação aessas duas funções, podem-se estabelecer classes ou for-mas de organização.

Uma vez que a nossa preocupação vai além da tomadade decisão, contudo, achamos a definição das formas deMarschak e Radner muito limitada. De fato, não há umarazão para limitar a priori a variedade de regras ou fun-ções que possam definir matrizes relevantes. Portanto, paranós uma forma organizacional é uma matriz para uma açãoorganizacional, para transformar insumos em produtosfinais. A matriz pode ser deduzida, geralmente, de modosum pouco diferentes, examinando qualquer um dos se-guintes pontos: (1) a estrutura formal da organização nosentido restrito – tabelas de organização, regras escritasde operação etc.; (2) os padrões de atividades dentro daorganização – o que na verdade é feito por alguém; ou (3)a ordem normativa – os modos de organizar que são defi-nidos como corretos e apropriados tanto pelos membrosquantos pelos setores relevantes do ambiente.

Para completar a analogia com as espécies devemosprocurar diferenças qualitativas entre as formas. Parece

mais provável que encontraremos tais diferenças no pri-meiro e terceiro pontos listados anteriormente: estrutu-ra formal e ordem normativa. O último deles oferece, demodo particular, possibilidades intrigantes. Sempre quea história de uma organização, sua política e sua estrutu-ra social são convertidas em reivindicações normativas(por exemplo, profissionalização e autoridade colegial),pode-se usar essas reivindicações para identificar formase definir populações para a pesquisa.

Tendo definido a forma organizacional, podemos for-necer uma definição mais precisa de uma população deorganizações. Assim como o analista organizacional deveescolher uma unidade de análise, do mesmo modo deveescolher um sistema para o estudo. Sistemas relevantespara o estudo das relações organização–ambiente são,geralmente, definidos pela geografia, pelas fronteiraspolíticas, pelo mercado ou considerações de produtos etc.Dada uma definição para sistemas, a população de orga-nizações consiste de todas as organizações dentro de umafronteira particular que têm uma forma comum, isto é, apopulação é a forma à medida que ela existe ou é com-preendida dentro de um sistema específico.

Ambos os usos do termo população (e as teorias eco-lógicas expressas dessa maneira) mostram-se provavel-mente benéficos ao estudo da estrutura organizacional.A primeira visão, mais comum, sugere que a estruturaorganizacional deveria ser vista como resultado de umprocesso coletivo adaptativo. De acordo com essa visão,estrutura e mudança deveriam depender da adaptabili-dade das subunidades e do acesso diferencial dassubunidades aos recursos ambientais. A segunda visãoignora as atividades adaptativas dos elementos dentro daorganização, exceto quando estas constituem a estruturaorganizacional. Essa focaliza a organização como umaunidade em adaptação. Certamente ambas as perspecti-vas são necessárias. Entretanto, neste artigo estamos pre-ocupados somente com a segunda.

Finalmente, gostaríamos de identificar as proprieda-des das populações de mais interesse aos ecólogospopulacionais. A principal preocupação a esse respeitofoi expressa claramente por Elton (1927): “Ao resolverproblemas ecológicos, estamos interessados no que osanimais fazem como um todo, enquanto animais vivos,não como animais mortos ou como partes de animais.Temos que estudar as circunstâncias sob as quais elesfazem aquelas coisas, e, o mais importante, os fatoreslimitantes que os impedem de fazer certas outras. Ao re-solver essas questões, é possível descobrir as razões da‘distribuição e dos números dos animais na natureza’”.Hutchinson (1959), no subtítulo de seu famoso ensaio

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Homage to Santa Rosalia, expressou o ponto principalainda de modo mais sucinto: “Por que existem tantostipos de animais?” Levando em conta as indicações des-ses distintos ecólogos, sugerimos que uma ecologia po-pulacional das organizações deveria procurar compreen-der as distribuições das organizações através das condi-ções ambientais e as limitações das estruturas organiza-cionais nos diferentes ambientes, e procurar, de modomais geral, responder a seguinte pergunta: por que exis-tem tantos tipos de organizações?

DESCONTINUIDADES NA ANÁLISE ECOLÓGICA

A utilização de modelos da ecologia no estudo das orga-nizações apresenta muitos desafios analíticos envolven-do diferenças entre as organizações humanas e as não-humanas em relação a seus componentes essenciais. Va-mos considerar, primeiramente, a transmissão não-ge-nética. Análises biológicas são enormemente simplifica-das pelo fato de que a maioria das informações úteis re-lacionadas à adaptação ao ambiente (cuja informaçãochamamos de estrutura) é transmitida geneticamente. Osprocessos genéticos são quase tão invariáveis que a con-tinuidade na estrutura é uma regra. Um número peque-no de imperfeições gera mudanças estruturais que, seaceitas pelo ambiente, serão transmitidas com quase ne-nhuma invariância. A extrema invariância estrutural dasespécies simplifica enormemente o problema de delimi-tação e identificação das populações. Mais importante, aadaptabilidade da estrutura pode ser identificada clara-mente com taxas reprodutivas líquidas. Quando umapopulação, com dadas propriedades, aumenta sua taxareprodutiva líquida após uma mudança ambiental, estasegue aquilo para qual está sendo selecionada. É por issoque os biólogos modernos têm estreitado a definição daadequação da taxa reprodutiva líquida da população.

Tudo indica que a organização social humana refleteum grau maior de aprendizado ou adaptação. Como re-sultado, é mais difícil definir a adequação de um modomais preciso. Sob ao menos algumas condições, as orga-nizações podem sofrer tal mudança extrema que mudade uma forma para outra. Como conseqüência, uma adap-tação extrema pode aumentar as mudanças observadas atal ponto que imitem a seleção. Isso é particularmenteproblemático quando as várias formas organizacionaissão similares em muitas dimensões.

Defendemos em um artigo anterior (Hannan eFreeman, 1974) uma medida composta de adequação queinclua tanto a seleção (perda real das organizações) quan-

to a mobilidade entre as formas (adaptação extrema). Aadequação seria então definida como a probabilidade pelaqual uma dada forma de organização persistiria em umcerto ambiente. Continuamos a pensar que tal aborda-gem tem valor, mas acreditamos, agora, que é prematurocombinar os processos de adaptação e seleção. A primei-ra ordem de negócios é estudar processos de seleção paraaquelas situações nas quais pressões inerciais são tãosuficientemente fortes que a mobilidade entre as formasé improvável.

Além do mais, vale notar que a capacidade de adap-tar-se está sujeita à evolução ou à seleção sistemática.Como argumentamos em seguida, as organizações de-senvolvem a capacidade de adaptar-se a um custo de bai-xar os níveis de desempenho em ambientes estáveis. Setais formas organizacionais adaptáveis sobreviverão ounão (isto é, resistirão à seleção) depende da natureza doambiente e da situação de competição. Portanto, um pon-to de vista da seleção trata altos níveis de adaptabilidadecomo resultados evolucionários particulares.

Há um segundo sentido em que a ecologia humanaparece diferenciar-se da bioecologia. Blau e Scott (1962)apontam que, à diferença da situação usual biológica, asorganizações individuais (e populações de organizações)têm um potencial para expandir-se quase sem limites. Acapacidade de expansão dos elementos primitivos é umproblema por causa do nosso enfoque na distribuiçãodas formas organizacionais sobre os ambientes. Uma dadaforma (por exemplo, a burocracia formal) pode expan-dir-se por meio de algum sistema, mercado ou atividade,ou porque uma burocracia cresce ou porque muitas bu-rocracias são fundadas. Ambos os processos gerarão umaumento na prevalência da atividade burocrática organi-zacional. Uma aplicação literal da teoria da ecologia po-pulacional ao problema da mudança organizacional en-volveria simplesmente contar números relativos nas po-pulações. Tal procedimento pode deixar de lado um fe-nômeno de interesse central ao analista organizacional.Winter (1964), ao discutir o problema analítico aqui le-vantado, sugere uma distinção entre sobrevivência, quedescreve o destino da organização individual, e viabili-dade, que descreve a “porção de mercado” de uma dadaforma organizacional.

Encontramos, ao menos, muito mérito em uma outraperspectiva sobre o problema do tamanho. Muitos teóri-cos têm afirmado que a mudança estrutural acompanhao crescimento; em outras palavras, uma única organiza-ção não pode crescer indefinidamente e ainda manter asua forma original. Por exemplo, um rato não poderiapossivelmente manter a mesma proporção do peso cor-

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poral em relação à estrutura óssea ao crescer tanto quan-to uma casa. Ele nem se pareceria com um rato nem ope-raria fisiologicamente como um. Boulding (1953) e Haire(1959) argumentam que o mesmo é verdadeiro para asorganizações. Caplow (1957), considerando o trabalhode Graicunas (1933) e outros, argumenta que a habilida-de de cada membro de uma organização de continuartendo interações face a face com os outros membros di-minui com o número de participantes da organização.Isto cria uma mudança na natureza das interações a talponto que elas assumem um estilo mais impessoal e for-mal. Blau e muitos autores têm argumentado a favor deefeitos causais similares do tamanho sobre a estrutura(Blau e Scott, 1962, p. 223-42; Blau e Schoenherr, 1971;Blau, 1972). Se for verdadeiro que a forma organizacio-nal muda com o tamanho, os mecanismos de seleçãopodem, de fato, operar com relação à distribuição de ta-manho. Quando grandes organizações predominam, podeser útil ver isso como um caso especial de seleção, noqual o movimento da “forma menor” para a “forma maior”é teoricamente indistinguível da dissolução (“morte”) dasorganizações pequenas e sua substituição por (“nasci-mento” de) grandes organizações.

Em resumo, temos identificado muitos desafios. O pri-meiro diz respeito às duas fontes de mudança: seleção eaprendizado adaptativo. Percebemos que a literatura dasorganizações tem dado excessiva ênfase à segunda em de-trimento da primeira. Sabe-se muito mais sobre as práti-cas de tomada de decisão, previsão e outras do que sobre aseleção nas populações das organizações. O segundo de-safio envolve a distinção entre seleção e viabilidade. Se taldistinção é necessária depende dos resultados da pesquisasobre o tamanho que está atualmente sendo perseguidopor muitos pesquisadores de organizações.

O PRINCÍPIO DE ISOMORFISMO

Na melhor formulação desenvolvida sobre os princípiosda ecologia humana, Hawley (1968) responde à questãode por que existem muitos tipos de organizações. Segun-do Hawley, a diversidade das formas organizacionais éisomórfica à diversidade dos ambientes. Em cada confi-guração ambiental distinguível encontramos, em equilí-brio, somente aquela forma organizacional otimamenteadaptada às demandas do ambiente. Cada unidade expe-rimenta restrições que a forçam a se assemelhar as ou-tras unidades com o mesmo conjunto de restrições. Aexplicação de Hawley enfatiza os padrões de comunica-ção e os complementos estruturais daqueles padrões:

“[unidades de organização] devem submeter-se aos ter-mos-padrões da comunicação e aos procedimentos-pa-drões em conseqüência dos quais eles desenvolvem ar-ranjos internos parecidos dentro dos limites impostos porseus respectivos tamanhos” (Hawley, 1968, p. 338).

Enquanto a proposição parece ser completamenteplausível segundo uma perspectiva ecológica, esta nãotrata de muitas considerações interessantes. Existem, aomenos, dois particulares em que a formulação do iso-morfismo deve ser modificada e estendida para dar umaresposta satisfatória à pergunta feita. A primeira modifi-cação diz respeito ao mecanismo ou mecanismos respon-sáveis pelo equilíbrio. A esse respeito, o princípio do iso-morfismo deve ser suplementado por um critério de se-leção e uma teoria de competição. A segunda modifica-ção mostra que o princípio do isomorfismo não trata doproblema da adaptação ótima para ambientes que estãosofrendo mudanças nem reconhece que as populaçõesde organizações freqüentemente enfrentam ambientesmúltiplos que impõem algumas demandas inconsisten-tes. Uma compreensão das restrições sobre as formasorganizacionais parece requerer uma modelagem múlti-pla e dinâmica dos ambientes. Naturalmente, não pode-mos estender completamente o princípio de Hawley. Ten-tamos somente esboçar os principais pontos e sugerirconotações particulares.

TEORIA DA COMPETIÇÃO

A primeira das ampliações necessárias é uma especifi-cação do processo de otimização responsável pelo iso-morfismo. Já discutimos dois mecanismos: a seleção e oaprendizado adaptativo. O isomorfismo pode ocorrer ouporque as formas não-ótimas não são selecionadas emuma comunidade de organizações ou porque aqueles quetomam as decisões organizacionais aprendem respostasótimas e ajustam o comportamento organizacional deconseqüência. Continuamos a focalizar o primeiro des-ses processos: a seleção.

A consideração da otimização levanta duas questões:quem está otimizando e o que está sendo otimizado?Geralmente se pensa que, como na teoria da firma, aque-les que tomam as decisões organizacionais otimizam olucro sobre os conjuntos de ações organizacionais. Apartir de uma perspectiva da ecologia populacional, é oambiente que otimiza.5 Se as organizações individuaisestão ou não se adaptando de forma consciente, o ambi-ente seleciona as combinações ótimas das organizações.Portanto, se há uma racionalidade envolvida, ela é a “ra-

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cionalidade” da seleção natural. A racionalidade organi-zacional e a racionalidade ambiental podem coincidir nainstância das empresas nos mercados em competição.Nesse caso, o comportamento ótimo de cada empresa émaximizar o lucro, e a regra utilizada pelo ambiente (nes-se caso o mercado) é selecionar os maximizadores dolucro. Friedman (1953) faz uso dessa observação parapropor a justificativa da teoria da firma em termos dosprincípios da evolução. Contudo, Winter (1964) argu-mentou de modo convincente que a situação real é mui-to mais complicada do que esta e que é mais incomumpara a racionalidade individual e ambiental ou a racio-nalidade de mercado levar aos mesmos pontos de ótimo.Quando as duas racionalidades não coincidem, nos vol-tamos ao comportamento otimizador do ambiente.

O enfoque na seleção provoca uma ênfase na competi-ção. As formas organizacionais, aparentemente, não con-seguem florescer em certas circunstâncias ambientais por-que outras formas competem com essas pelos recursosessenciais. Somente se os recursos que sustentam as orga-nizações são finitos e as populações têm uma capacidadede expansão ilimitada, a competição deve acontecer.

Hawley (1950, p. 201-3), seguindo Durkhein (1947),entre outros, dá uma grande ênfase à competição comouma determinante dos padrões da organização social. Acaracterística distintiva do seu modelo está na ênfasesobre a natureza indireta do processo: “A ação de todossobre a oferta comum gera uma relação recíproca entrecada unidade e todas as demais somente se o que umareceber reduzir a quantidade que os outros podem obter.Caso isso não ocorra, ou seja, se as unidades não se afe-tarem ao restringirem uma oferta limitada comum, nãoexiste competição” (Hawley, 1950, p. 202). No modelode Hawley, os processos de competição envolvem tipica-mente quatro estágios: (1) a demanda de recursos exce-de a oferta; (2) os competidores se tornam mais pareci-dos enquanto as condições-padrão de competição pro-duzem uma resposta uniforme; (3) a seleção elimina oscompetidores mais fracos; e (4) os competidores depos-tos se diferenciam ou territorial ou funcionalmente, pro-duzindo uma divisão do trabalho mais complexa.

É surpreendente notar que há quase nenhuma confian-ça nos mecanismos competitivos no último trabalho deHawley. Particularmente, como notado anteriormente, arazão elementar dada ao princípio de isomorfismo usauma lógica de adaptação. Propomos equilibrar o trata-mento adicionando um foco explícito sobre a competi-ção como um mecanismo de produção de isomorfismo.6

Dessa forma, podemos trazer um rico conjunto de mo-delos formais para apoiar e conduzir o problema.

O primeiro passo na construção de um modelo ecológi-co de competição é declarar a natureza do processo de cres-cimento populacional. No mínimo desejamos que o mode-lo incorpore a idéia de que os recursos disponíveis a qual-quer momento para cada forma de organização sejam finitose fixos. Isto corresponde à noção de Hawley sobre o forne-cimento limitado e à afirmação de Stinchcombe (1965) deque as comunidades humanas têm limitadas “capacidadesde organização”. Desejamos também incorporar a visão deque a taxa na qual as unidades são adicionadas às popula-ções de organizações depende de quanto da capacidade fixajá tenha sido esgotado. Quanto maior a capacidade nãoutilizada em um ambiente, mais rápida deveria ser a taxade crescimento das populações das organizações. Mas ataxa a que as populações de organizações podem se ex-pandir em capacidades não utilizadas variam com as for-mas de organização. Portanto, existem duas consideraçõesecológicas distintas: a capacidade de o ambiente apoiar asformas de organização e a taxa de crescimento (ou dimi-nuição) quando o apoio ambiental muda.

A fim de expressar o modelo de maneira formal, é útilcomeçar com a função de controle que Hummon, Doreiane Teuter (1975) usam para adicionar considerações di-nâmicas à teoria de Blau sobre o tamanho e a diferencia-ção. O modelo de controle afirma que a taxa de mudançano tamanho de qualquer unidade (aqui uma populaçãode organizações) varia proporcionalmente com a dife-rença entre o tamanho existente, X, e o nível de equilí-brio do tamanho, X*, permitido naquele ambiente. En-tão uma possível representação seria

Em (1), X* e r representam respectivamente o forne-cimento limitado ou a capacidade ambiental e a habili-dade estrutural de as populações das organizações res-ponderem às mudanças ambientais.

Uma forma particular do modelo de crescimento ge-ral em (1) embasa a maioria dos trabalhos de ecologiapopulacional sobre a competição. Este é o modelo docrescimento logístico (para crescimento per capita):

onde X1 denota o tamanho da população, k

1 é a capaci-

dade de o ambiente dar apoio a X1 (este parâmetro é ge-

ralmente chamado de capacidade de condução) e r1 é a

assim chamada taxa de aumento da população ou taxana qual a população cresce quando está muito abaixo dacapacidade de condução.

dXdt

= f(X* – X) = r(X* – X) (1)

dX1

dt= r

1X

1 (2)k

1 – X

1

k1

( )

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Como indicamos anteriormente, tanto k como r sãoparâmetros ecológicos de importância fundamental. Nos-sa pesquisa começou a comparar várias formas de orga-nizações estimando parâmetros de modelos como (2) paracada forma de organização. Até o momento temos sidobem-sucedidos com relação às características estruturaisdas organizações, tais como a complexidade da ativida-de central para as variações em r e k (Nielsen e Hannan,1977; Freeman e Brittain, 1977). Esse trabalho, bem comoo de Hummon et al. (1975), nos dá a segurança de que omodelo em (1) e/ou em (2) oferece uma boa aproxima-ção do crescimento das populações de organizações.

Até neste ponto temos presumido que os limites docrescimento refletem a natureza finita do ambiente (porexemplo, a riqueza da comunidade e a combinação dashabilidades ocupacionais). É o momento de reintroduzira competição. De acordo com Hawley, a competição en-tra indiretamente quando os competidores diminuem aoferta que é fixa. Podemos modelar isso seguindo aorientação dos bioecólogos e estendendo o modelo decrescimento logístico. Por exemplo, consideremos umasegunda população de organizações cujo tamanho é de-notado por X

2. As duas populações competirão se a adi-

ção das unidades de uma ou outra diminui a taxa de cres-cimento da outra. Isto será o caso quando ambas as po-pulações são mantidas pelos mesmos tipos de recursos.Então o modelo apropriado está representado pelo se-guinte sistema de equações de crescimento (conhecidocomo equações de Lokta-Volterra para populações emcompetição):

Os coeficientes α12

e α21

, chamados de coeficientes decompetição, denotam a magnitude do efeito dos aumen-tos em uma população sobre o crescimento da outra.Nessa simples formulação, a única conseqüência da com-petição é de diminuir a capacidade de condução do am-biente para uma população de organizações.

A análise de (3) produz resultados qualitativos inte-ressantes. Não é difícil mostrar que um equilíbrio está-vel de duas populações existe para o sistema em (3) so-mente se

Portanto, populações muito parecidas (isto é, popula-

ções com coeficientes próximos à unidade) podem coe-xistir somente sob uma razão k

2/ k

1 muito precisa. Como

resultado, quando α21

= α12

= 1, o equilíbrio de duas po-pulações não pode ser estável; qualquer choque exógenoresultará na eliminação de uma das populações. Esse re-sultado confirma a generalidade do amplamente citado“princípio da exclusão competitiva” (Gause, 1934).7 Deacordo com esse princípio, duas populações não podemocupar continuamente o mesmo espaço. Diz-se que duaspopulações ocupam o mesmo espaço na medida em quedependem de recursos ambientais idênticos. Se eles sãoidênticos, então a adição de um elemento a X

2 tem as

mesmas conseqüências no crescimento de X1 e vice-ver-

sa; em outras palavras, os coeficientes de competição sãounitários. A conclusão é de que, quanto maior a similari-dade dos dois competidores de recursos limitados, me-nor a probabilidade de que um único ambiente possamanter os dois em equilíbrio.

Se duas populações de organizações mantidas por re-cursos ambientais idênticos diferem em alguma caracte-rística organizacional, aquela população com caracterís-tica menos ajustada às contingências do ambiente ten-derá a ser eliminada. O equilíbrio estável irá conter, en-tão, somente uma população que poderá ser considera-da isomórfica ao ambiente.

A fim de ver as implicações do modelo para a diversi-dade organizacional, estenderemos o sistema de Lokta-Volterra para incluir M competidores:

O sistema geral (5) tem um equilíbrio de comunidade:

Estas equações podem ser expressas na formamatricial:

onde x e k são (M X 1) vetores coluna e A é a matrizda comunidade:

cujos elementos são os coeficientes de competição.A chamada teoria da estrutura da comunidade envol-

ve a análise do equilíbrio comportamental do sistema deequação (7) na perspectiva dos postulados dos proces-sos de competição.8 Os resultados, no entanto, expres-

dX1

dt= r

1X

1

k1 – X

1 – α

12X

2

k1

( )dX

2

dt= r

2X

2

k2 – X

2 – α

21X

1

k2

( )(3)

(4)1α

21

<k

2

k1

< α12

dXi

dt= r

iX

i (k

i – X

i – Σα

ijX

j)/k

i (i = 1, ... , M). (5)

ki = X

i + Σα

ijX

j

(i = 1, ... , M). (6)

k = Ax (7)

A=

1 α12

.... α1m

( α21

1 .... .α

m1 . . 1 ) (8)

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cadas em toda a extensão das organizações em amplasáreas de atividades, sem dúvida elas alteram o tamanhodas distribuições das organizações. Mais freqüentemen-te elas selecionam as organizações menores. Mas não édifícil imaginar situações nas quais organizações de mé-dio porte – mais precisamente, aquelas com um nívelmédio de complexidade – seriam mais adversamente afe-tadas. Além de alterar o tamanho das distribuições, taisregulações indubitavelmente afetam a diversidade dosarranjos organizacionais de outras maneiras. Aqui pode-ria ser analisado o impacto da ação do Estado sobre adiversidade dos sistemas de contabilidade dentro das in-dústrias, currículos dentro das universidades, estruturasdepartamentais dentro de hospitais etc. Em cada casoseria essencial determinar se a nova restrição impostasubstituiu as restrições de nível mais inferior; assim sen-do, a diversidade deveria diminuir ou, caso a restriçãotenha se acumulado, a diversidade organizacional pro-vavelmente aumentaria.

Para indicar a riqueza da teoria da competição sim-ples, propomos discutir brevemente um outro tipo deteste empírico. Notamos acima que a pesquisa sobre aregulação podia preocupar-se com os impactos sobre asdistribuições das organizações por tamanho. O modeloclássico das distribuições do tamanho das organizações(Simon e Bonini, 1958) propõe o seguinte processo sim-ples. Diversas organizações iniciam com o mesmo tama-nho. Algumas delas são capazes de elaborar ou tomaremprestadas algumas técnicas úteis ou mesmo inovaçãoorganizacional que as permitem crescer. Durante umperíodo de tempo especificado, o processo se repete coma mesma fração produzindo a inovação requerida paraobter um tamanho maior. No final, tal processo de cres-cimento produz a distribuição logarítmica que caracteri-za tantas distribuições de tamanho.

A teoria da competição sugere um refinamento dessemodelo clássico. Como foi afirmado anteriormente, seas grandes mudanças no tamanho organizacional sãoacompanhadas por mudanças estruturais (mudanças naforma), as organizações de tamanhos muito diferentesna mesma área de atividade tenderão a exibir diferentesformas. Como uma conseqüência dessas diferenças es-truturais, elas tenderão a depender dos diferentes con-juntos de recursos ambientais (e restrições), isto é, den-tro de qualquer área de atividade, padrões de uso de re-cursos tenderão a ser especializados para segmentos dadistribuição de tamanho. Sendo esse o caso, as organiza-ções competirão mais intensamente com organizações detamanho similares. Além disso, a competição entre paresde organizações dentro de uma atividade será uma fun-

sos em termos de diversidade das espécies, são muitogerais. Em particular, pode-se mostrar que, quando ocrescimento na população é limitado somente pelo dis-ponibilidade de recurso, o número de recursos distintospõe um limite superior na diversidade do sistema.9 Aindade um modo mais geral, o limite superior na diversidade éigual ao número de recursos distintos mais o número derestrições adicionais sobre o crescimento (Levin, 1970).

É difícil aplicar diretamente um ou outro resultado afim de calcular o limite superior na diversidade mesmoem um contexto não-humano. A dificuldade principal éa de identificar restrições distintas. Um grande númerode trabalhos empíricos é exigido se julgarmos como duasrestrições distintas devem ser a fim de termos conseqüên-cias distintas para os equilíbrios da comunidade. Os teo-remas, contudo, implicam resultados qualitativos úteis.Se quisermos identificar mudanças ambientais que acres-centem restrições ao sistema ou as eliminem, podemosconcluir que o limite superior da diversidade foi aumen-tado ou diminuído.

Esse amplo resultado qualitativo tem um número po-tencial de aplicações a problemas de pesquisa de interes-se. Por exemplo, a expansão dos mercados e os mecanis-mos do controle de estado por meio de sistemas sociaistendem a conseqüentemente eliminar ou reduzir o nú-mero de restrições que são idiossincráticas para os ambien-tes locais. Da perspectiva do sistema maior, a expansãodo centro econômico e político, tenderia a substituir al-gumas restrições locais por outras mais uniformes. So-mente se os ambientes locais forem heterogêneos no co-meço, a expansão do centro deveria reduzir o número derestrições sobre a organização em todo o sistema.

A teoria discutida implica, por um lado, que a mu-dança na estrutura de restrição deveria diminuir a diver-sidade organizacional por meio da eliminação de algu-mas populações.10 Pode-se imaginar, por outro lado, queem alguns ambientes locais a combinação de restriçõeslocais inalteradas e um novo sistema maior possa aumen-tar o número total de restrições no sistema local. Naque-le caso, a diversidade organizacional naqueles ambien-tes locais deveria aumentar. Tal aumento resultaria nacriação ou adoção de novas formas organizacionais.

A crescente importância do papel do estado naregulação da ação econômica e social provê numerosasoportunidades para analisar o impacto das mudanças emestruturas de restrições sobre a diversidade das formasorganizacionais. Deve-se considerar o impacto das leisde licenciamento, salário mínimo, saúde, legislação desegurança, ação afirmativa e outros regulamentos sobrea ação organizacional. Quando tais regulações são apli-

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ção decrescente da distância separando-as em gradientede tamanho. Por exemplo, pequenos bancos locais com-petem mais com pequenos bancos, menos com bancosregionais de média escala e dificilmente com bancos in-ternacionais. Sob essas condições, alterações significati-vas na distribuição de tamanho indicam seleção a favor econtra certas formas organizacionais proximamente as-sociadas com relação ao tamanho.

Agora, vamos retornar ao modelo clássico. Quandoorganizações de grande porte emergem, elas apresentamuma ameaça competitiva às organizações de médio por-te, mas dificilmente para aquelas de pequeno porte. Defato, o avanço das grandes organizações pode aumentaras chances de sobrevivência daquelas pequenas de ummodo não previsto pelo modelo clássico. Quando as gran-des organizações entram, aquelas de distribuição de ta-manho intermediário são pegas pela armadilha. Qualquerque seja a estratégia adotada para lutar contra o desafioem relação às formas maiores, elas são mais vulneráveisna competição com as pequenas organizações e vice-ver-sa, ou seja, ao menos em um ambiente estável os doisfins da distribuição de tamanho deveriam competir como meio (veja a seguir). Portanto, em uma análise longi-tudinal de distribuições de tamanho organizacional de-veríamos esperar ver o número de organizações de mé-dio porte diminuir sobre a entrada de organizações mai-ores. Também esperaríamos a sorte das pequenas orga-nizações melhorar assim que seus competidores fossemretirados do ambiente. Esse raciocínio se mantém geral-mente para a competição ao longo de um único gradien-te: aquelas intermediárias serão eliminadas em ambien-tes estáveis (MacArthur, 1972, p. 43-6).

A TEORIA DO NICHO

O princípio de isomorfismo implica que as organizaçõessociais em equilíbrio exibirão características estruturaisque são especializadas para salientar características dorecurso ambiental. Contanto que o ambiente seja estávele certo, esta proposição não apresentará dificuldades. Maseste se manterá quando o ambiente sofrer mudanças pre-vistas ou imprevistas entre as tantas configurações alter-nativas? Embora os problemas levantados na tentativade responder a essa pergunta sejam complexos, fazê-lo écrucial para desenvolver modelos adequados de relaçõesambiente–organização.

A intuição sugere que o isomorfismo assegura umaboa aproximação somente em ambientes estáveis. Em setratando de ambientes instáveis, as organizações deveriam

desenvolver uma estrutura geral que não esteja otima-mente adaptada a qualquer configuração ambiental úni-ca, mas ótima em relação ao conjunto total das configu-rações. Em outras palavras, deveríamos encontrar orga-nizações especializadas em ambientes estáveis e instá-veis, e organizações generalistas em ambientes instáveise incertos. Se esta proposição simples é verdadeira ounão para organizações sociais, somente a pesquisaempírica poderá dizer. Contudo, uma variedade de mo-delos de ecologia populacional sugere que isto seja mui-to simplista. Não podemos esperar em um artigo desen-volver completamente os argumentos envolvidos. Em vezdisso, indicamos as linhas principais de desenvolvimentocom relação a uma perspectiva mais evocativa desenvolvi-da por Levins (1962, 1968): a teoria da largura do nicho.

O conceito de “nicho”, inicialmente emprestado dosbiólogos nos primórdios das ciências sociais, tem umpapel importante na teoria ecológica. Este não é o lugarpara discutir os múltiplos usos do conceito (vejaWhittaker e Levin, 1976). O modelo a seguir usa a for-mulação de Hutchinson (1957). Desse ponto de vista, o(realizado) nicho de uma população é definido como aque-la área no espaço restrito (o espaço cujas dimensões sãoos níveis de recursos etc.) no qual a população competecom todas as outras populações. Então, o nicho consistede todas aquelas combinações de níveis de recursos paraos quais a população pode sobreviver e se reproduzir.

Cada população ocupa um nicho distinto. Para o pre-sente propósito é suficiente considerar casos em que pa-res de populações diferem com relação a uma única di-mensão ambiental, E, e são similares com relação a todasas outras. Então as posições competitivas relativas po-dem ser simplesmente resumidas como na Figura 1. Con-forme representado nesta figura, uma população, A, ocupaum nicho muito amplo, embora a outra, B, tenha con-centrado a sua aptidão denotada por W, em uma faixamuito estreita de variação ambiental. Essa distinção, ge-ralmente referida como generalismo versus especialismo,é crucial para a ecologia biológica e para a ecologia po-pulacional de organizações.

Na essência, a distinção entre especialismo e gene-ralismo se refere ao fato de uma população de organi-zações prosperar porque maximiza sua exploração doambiente e aceita o risco de ter aquela mudança am-biental ou porque aceita um nível mais baixo de ex-ploração em troca de maior segurança. Se o equilíbrioda distribuição das formas organizacionais é ou nãodominado pelo especialista depende, como veremos, dosconjuntos da aptidão e configuração e das proprieda-des do ambiente.

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Parte da eficiência resultante da especialização é pro-veniente de baixos requisitos pela excessiva capacidade.Dada uma incerteza, a maioria das organizações mantémuma capacidade ociosa para assegurar a confiabilidadena sua atuação. Em um ambiente que muda rapidamen-te, a definição de capacidade ociosa também mudará fre-qüentemente. O que é usado hoje pode tornar-se exces-so amanhã, e o que é excesso hoje pode ser crucial ama-nhã. As organizações que operam em ambientes em quea transição de estado para estado é menos freqüente te-rão (em equilíbrio) de manter a capacidade ociosa emum dado modelo de distribuição por períodos de tempomais longos. Enquanto aqueles encarregados de avaliara atuação serão tentados a ver tais distribuições comodesperdiçadoras, elas podem ser essenciais para a sobrevi-vência. Thompson (1967) afirmou que as organizaçõesdistribuem recursos para as unidades encarregadas com afunção de separar a tecnologia central da perturbaçãoambientalmente induzida. Então, por exemplo, firmas demanufatura podem reter ou empregar funcionários legaismesmo quando eles não estejam enfrentando litígio.

A importância da capacidade ociosa não está comple-tamente ligada ao problema de quanto será mantido. Eletambém envolve a maneira como ela é usada. As organi-zações podem assegurar atuações confiáveis criando uni-dades especializadas, como Thompson (1967) sugere, ouelas podem alocar capacidade ociosa para partes da or-

ganização, empregando pessoal especializado com habi-lidades que excedam os requisitos de rotina de seus tra-balhos. Essa é uma das razões importantes para usar pro-fissionais em organizações. Profissionais usam mais re-cursos não somente porque eles tendem a ser mais bempagos, mas também porque as organizações devem per-mitir-lhes mais liberdades de ação (incluindo a liberda-de para responder a grupos de referência externos). Asorganizações, por sua vez, tornam-se mais flexíveis em-pregando profissionais. Eles aumentam a sua capacida-de de lidar com uma variável ambiental e as contingên-cias que esta produz. Por exemplo, os hospitais e seuspacientes freqüentemente empregam obstetras e pedia-tras nas suas salas de parto, mesmo se um parto normalpode ser feito igualmente bem, e talvez até melhor, porparteiras. As habilidades do médico representam a capa-cidade ociosa para assegurar uma atuação confiável nocaso de o parto não ocorrer normalmente. Geralmente, opediatra examina o bebê imediatamente após o nasci-mento para ver se existe qualquer anormalidade que re-queira ação imediata. Se a mãe tem seqüelas perigosas aodar à luz, e a criança também precisa de atenção, a pre-sença do pediatra assegura que o obstetra não terá queescolher entre um deles para dividir a sua atenção.

A capacidade ociosa pode também ser alocada ao de-senvolvimento e manutenção dos sistemas processuais.Quando o grau de certeza de um dado estado ambiental

Figura 1 - Funções de aptidão (nichos) para especialistas e generalistas.

A

B

E nm

(w)

Aptidão

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é alto, as operações organizacionais deveriam ser roti-neiras, e a coordenação pode ser feita por regras formali-zadas e o investimento de recursos no treinamento deoficiais para seguirem esses procedimentos formalizados.De fato, se o ambiente estivesse mudando (p = 1), todosos participantes seriam habilitados de forma legal, e osprocedimentos seriam perfeitamente mudados, não ha-veria necessidade de qualquer estrutura de controle,exceto para monitorar o comportamento. Contudo, quan-do a certeza diminui, as operações organizacionais sãomenos rotineiras. Nessas condições, maior distribuiçãode recursos para desenvolver e manter os sistemas pro-cessuais é contraprodutivo e as formas organizacionaisótimas distribuirão os recursos para sistemas menos for-malizados, capazes de dar resposta mais inovadora (porexemplo, comitês e grupos). Nesse caso, a capacidadeociosa é representada pelo tempo aumentado que taisestruturas empregam para tomar decisões e pelo incre-mento dos custos de coordenação.

O ponto é que as populações de formas organizacio-nais serão selecionadas ou eliminadas dependendo daquantidade de capacidade ociosa que mantêm e como aalocam. Pode ser ou não racional para uma organizaçãoparticular adotar um padrão ou outro. O que pareceriadesnecessário para quem avaliasse o desempenho a umdado momento talvez fosse a diferença entre a sobrevi-vência e a falência mais tarde. Do mesmo modo, as orga-nizações podem sobreviver porque os altos níveis deprofissionalização produzem coordenação pelo ajustemútuo apesar de uma aparência um pouco caótica. Ou-tras, em que todas parecem saber precisamente o quealguém está fazendo a todo momento, podem fracassar.Em um dado conjunto de circunstâncias ambientais, apergunta ecológica fundamental é: quais as formas con-seguem sobreviver e quais as formas desaparecem?

Portanto o generalismo pode ser observado em umapopulação de organizações, por sua dependência de umaampla variedade de recursos simultaneamente ou pelamanutenção da capacidade ociosa a um dado momento.Essa capacidade ociosa permite que tais organizaçõesmudem a fim de aproveitar os recursos que se tornammais prontamente disponíveis. As corporações que ge-ralmente mantêm uma grande proporção do seupatrimônio total na forma fluida (“slack resources” emtermos da teoria da firma, Penrose, 1959; Cyert e March,1963) são generalizantes. Em qualquer caso, ogeneralismo é custoso. Sob circunstâncias ambientaisestáveis, os generalistas serão extremamente competidospelos especialistas. E a um dado ponto no tempo, umaanálise estática revelará a capacidade ociosa. Uma impli-

cação – mudando o nosso enfoque para os generalistasindividuais – é que agentes externos freqüentemente con-fundirão capacidade ociosa com desperdício.

Podemos investigar a evolução da largura do nicho seassumirmos que as áreas abaixo da curva de adaptaçãosão iguais e que os especialistas diferenciam-se dosgeneralistas no modo em que distribuem a quantidadefixa de adaptação sobre os resultados ambientais. Os es-pecialistas competem com os generalistas em uma varia-ção de resultados para os quais eles têm se especializado(por causa do nível fixo de hipótese de adaptação). En-quanto a variação ambiental permanece dentro daqueleintervalo (o intervalo [m,n] na Figura 1), os generalistasnão têm nenhuma vantagem adaptativa e não serão sele-cionados. Alternativamente, se o ambiente está apenasocasionalmente dentro do intervalo, os especialistas sesairão pior que os generalistas. Esses breves comentáriosdeixam clara a importância da variação ambiental para aevolução da largura do nicho.

Para simplificar, consideremos um ambiente que podeempregar somente dois estados e em cada período de-cresce num estado um com a probabilidade p e no estadodois com a probabilidade q = (1 – p). Assumamos aindaque as variações nos estados ambientais são testes deBernoulli (independentes de período para período). Paraessa situação, Levins (1962, 1968) mostrou que a largu-ra ótima de nicho depende de p e da “distância” entre osdois estados do ambiente.

Para ver isto, mudemos ligeiramente o enfoque. Comocada organização enfrenta dois ambientes, sua adequa-ção dependerá de adequar-se aos dois ambientes. Pode-mos resumir o potencial adaptativo de cada organizaçãorepresentando estes pares de valores (adequação no es-tado 1 e no estado 2) em um novo espaço cujos eixos sãoadequados a cada um dos estados, como na Figura 2.Nessa representação, cada ponto denota a adequação deuma forma organizacional distinta. A nuvem de pontos édesignada “conjunto de adequação”. Presumimos quetodas as adaptações naturais possíveis estejam represen-tadas no conjunto de adequação.

Nosso interesse está em determinar quais pontos noconjunto de adequação serão favorecidos pela seleção na-tural. Note primeiro que todos os pontos no interior doconjunto são internos em termos de adequação em pelomenos algum ponto no limite do conjunto. Nesse sentidoo limite, representado por uma linha contínua, representaas possibilidades ótimas. Uma vez que a seleção naturalmaximiza a adequação, esta deve escolher pontos sobre alinha divisória. Isto restringe nossa busca para encontrarqual ou quais formas na linha divisória serão favorecidas.

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Quando a Figura 2b é desenhada, nenhuma forma or-ganizacional atua particularmente bem em ambos os esta-dos do ambiente: nenhuma forma apresenta altos níveisde adequação nos dois estados. Este será o caso quando osdois estados estão “bem mais separados” no sentido queimpõem sobre as organizações contingências adaptativasmuito diferentes. Em tais casos (veja Levins, 1968), o con-junto de adequação será côncavo. Quando a distância en-tre os estados é pequena, não existe razão para que certasformas organizacionais não possam atuar bem em ambosos ambientes. Em tais casos, o conjunto de adequação seráconvexo, como na Figura 2a.

As funções de adequação nas Figuras 2a e 2b descre-vem situações adaptativas diferentes. O próximo passo émodelar o processo de otimização. Para tanto, introduzi-remos mais uma distinção. Os ecologistas consideram útildistinguir a variação ambiental espacial e temporal segun-do a forma de nucleação. A variação ambiental é denucleação fina quando um elemento típico (organização)encontra muitas unidades ou réplicas. A partir de umaperspectiva temporal, a variação é de nucleação fina quan-do durações típicas nos estados são curtas em relação aotempo de vida das organizações. De outra forma, o ambien-te é dito ser de nucleação rústica. A demanda por produ-tos ou serviços é freqüentemente caracterizada pela varia-ção de nucleação fina, enquanto as mudanças nas estrutu-ras legais são mais tipicamente de nucleação rústica.

A diferença essencial entre os dois tipos de variaçõesambientais é o custo das estratégias subótimas. O pro-blema da adaptação ecológica pode ser considerado umjogo de sorte no qual a população escolhe uma estratégia(especialismo ou generalismo) e então o ambiente esco-lhe um resultado (como por exemplo, jogando uma mo-eda). Se o ambiente “aparece” em um estado favorável àforma organizacional, ele prospera; caso contrário, eledecresce. Contudo, se a variação é de nucleação fina (asdurações são curtas), cada população das organizaçõesexperimenta muitos testes e o ambiente é experimenta-do como uma média. Quando a variação é de nucleaçãorústica, no entanto, o período de declínio derivado deuma escolha errada pode exceder a capacidade organiza-cional para se sustentar em condições desfavoráveis.

Para capturar essas diferenças, Levins introduziu umafunção adaptativa para representar como a seleção natu-ral pesaria a adequação em cada estado em diferentescondições. Ao discutir a variação de nucleação fina, su-gerimos que o ambiente fosse experimentado como umamédia.11 A função adaptativa apropriada, então, simples-mente pesa a adequação nos dois estados (W1 e W2) se-gundo a freqüência de ocorrência: A(W

1,W

2) = pW

1 + qW

2.

A fim de considerar a adaptação ótima meramente so-brepomos a função adaptativa sobre o conjunto deadequação e encontramos os pontos de tangência da fun-ção adaptativa e das funções de adequação. Os pontos detangência são adaptações ótimas. As soluções para vári-os casos são apresentadas na Figura 2. Se o ambiente écompletamente estável (isto é, p = 1), então o especialis-mo é ótimo. Se o ambiente é maximamente incerto (istoé, p = 0,5), o generalismo é ótimo no caso convexo (quan-do as demandas dos diferentes ambientes não são muitodesiguais), mas não no caso côncavo. De fato, como o

Figura 2 - Adaptação ótima no ambiente de nucleação fina; a,conjunto de adequação convexa; b, conjunto de adequaçãocôncava.

p = 1.0

p = 0.5

W2

W1

a

p = 1.0

p = 0.5

W2

W1

b

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modelo é desenvolvido, o especialismo sempre tem su-cesso no caso côncavo.

Primeiramente consideremos os casos nos quais o am-biente é estável (isto é, p = 1). Não de maneira surpreen-dente, o especialismo é ótimo. Os resultados para os am-bientes instáveis divergem. Quando o conjunto de ade-quação é convexo (isto é, as demandas de diferentes esta-dos de ambientes são similares e/ou complementares), ogeneralismo é ótimo. Mas quando as demandas ambien-tais diferem (e o conjunto de adequação é côncavo), oespecialismo é ótimo. Este não é um resultado tão estra-nho quanto parece. Quando o ambiente muda rapidamen-te, o custo do generalismo é alto. Uma vez que as deman-das nos diferentes estados são desiguais, um considerávelgerenciamento estrutural é requerido dos generalistas. Mascomo o ambiente muda rapidamente, estas organizaçõespassarão a maioria do tempo empregando muita energiapara ajustar a estrutura. Aparentemente é melhor, sob taiscondições, adotar a estrutura especializada e conseguirsobreviver em ambientes adversos.

No caso de ambientes de nucleação rústica é um tantomais complexo. Nossa compreensão intuitiva é que, umavez que a duração de um estado ambiental é longa, deve-ria ser dado um peso maior para a adaptação inadequa-da. Isto é, os custos da adaptação inadequada pesam maisque qualquer vantagem adquirida pela escolha correta.Uma função adaptativa que apresenta esse resultado é omodelo linear-logaritmo de Levins: A(W

1,W

2) = W

1 pW

2 q.

O método para encontrar as adaptações ótimas é o mes-mo. Os resultados encontram-se na Figura 3. Somenteum caso difere do que encontramos para ambientes denucleação fina: a combinação da incerteza e da variaçãode nucleação rústica com conjuntos de adequação côn-cavos. Vimos anteriormente que, quando tal variação éde nucleação fina, é melhor especializar-se. No entanto,quando a duração dos estados ambientais é longa, oscustos dessa estratégia são enormes. Longos períodos denão-adaptação ameaçarão a sobrevivência da organiza-ção. Além disso, o fato de que o ambiente muda menosfreqüentemente significa que as generalistas não preci-sam gastar mais o seu tempo e energia alterando a estru-tura. Assim, o generalismo é uma estratégia ótima nessecaso, como podemos ver na Figura 3b.

A combinação da variação ambiental de nucleaçãorústica e do conjunto de adequação côncava levanta umapossibilidade adicional. A adaptação ótima diante da in-certeza ambiental possui níveis suficientemente baixosde adequação em ambos os casos. Parece claro que devaexistir uma solução melhor. Levins discute esse caso emprofundidade e conclui que, para o caso biológico com a

transmissão genética da estrutura “polimorfismo” ougeneticamente mantida, a heterogeneidade da populaçãoserá selecionada. A sugestão é de que as populações com-binem os tipos – diferenciando-se, por exemplo, pela cor,tipo sangüíneo etc. -, alguns dos quais são especializa-dos no estado 1 e outros no estado 2. Com tal combina-ção, ao menos, uma porção da população sempre flores-cerá e manterá a diversidade genética que a permite con-tinuar a florescer quando o ambiente muda de estado. Oconjunto de todas as populações heterogêneas – com-posto pelas proporções de especialistas para cada um dosdois ambientes – pode ser representado nos diagramasde adequação como uma linha reta unindo os pontos maisextremos com todas as combinações decrescendo sobreesta linha.

A nucleação rústica e a variação da incerteza favore-cem uma forma distinta de generalismo: o polimorfismo.Não temos que procurar muito longe para encontrar umresultado análogo. As organizações podem se confederarde tal modo que supra-organizações consistam de con-juntos heterogêneos de organizações especialistas unemrecursos. Quando o ambiente é incerto e de nucleaçãorústica e as subunidades são de estabelecimento e elimi-nação difíceis, os custos de manutenção dessa estruturadifícil são mais do que compensados pelo fato de pelomenos uma parte da organização resultante ter um bomdesempenho, independentemente das condições ambien-tais. Em termos do modelo sugerido anteriormente, nãoexistem outras situações em que organizações federadastenham uma vantagem competitiva. E até mesmo nessecaso, a única vez durante a qual elas tenham uma vanta-gem é quando a variação de nucleação rústica é incerta.

Tal padrão de “empresa holding” pode ser observadonas universidades modernas. Matrículas e apoio à pes-quisa crescem e diminuem ao longo do tempo, assimcomo o rendimento dos investimentos de doações e abeneficência das legislaturas. Alguns desses recursos se-guem ciclos previsíveis, enquanto outros não. Mas é ex-tremamente caro construir e desmantelar unidades aca-dêmicas. É custoso não somente em termos de dinheiro,mas também em consumo de energia devido ao conflitopolítico. Conseqüentemente, as universidades estão sem-pre “taxando” as subunidades com ambientes abundan-tes a subsidiarem aquelas menos favorecidas. É normal,por exemplo, que as universidades distribuam posiçõesdocentes de acordo com um plano geral prefixado,subapoiando o rápido crescimento de departamentos emantendo excesso de professores em outros. Esta expli-cação parcial de estruturas incômodas que circundam osdepartamentos de artes, escolas profissionalizantes, la-

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boratórios de pesquisa etc. é, ao menos, tão persuasivaquanto as explicações que enfatizam a interdependênciaintelectual entre as unidades.

Muito mais pode ser dito a respeito das aplicaçõesda teoria do nicho às relações organização–ambiente.Temos enfocado na simples versão destacando a influ-ência recíproca entre competição e variação ambientalna determinação da estrutura adaptativa ótima a fim demostrar que o princípio do isomorfismo necessita deuma expansão considerável para tratar das múltiplasconseqüências ambientais e suas incertezas associadas.A literatura sobre ecologia à qual temos nos referido

está atualmente crescendo exponencialmente e novosresultados e modelos estão surgindo. Os produtos des-ses desenvolvimentos concedem aos estudiosos das or-ganizações um rico potencial para o estudo das rela-ções organização–ambiente.

Considere-se um exemplo. Na sua análise da adminis-tração burocrática e profissional ou produção, Stinchcombe(1959) argumentou que a construção de empresas nãodepende de funcionários burocraticamente organizadosdevido às flutuações sazonais na demanda. Funcionáriosadministrativos constituem um custo elevado que perma-nece aproximadamente constante ao longo do ano. A van-tagem de qualquer outra administração profissional cus-tosa (em termos de salários) é que a coordenação do tra-balho é efetuada por meio da confiança da socializaçãoprior dos artesãos em relação à organização. Posto que osníveis de emprego possam ser mais facilmente incremen-tados ou diminuídos com a demanda sob o sistema ma-nual, os custos administrativos são mais facilmente alte-rados para irem ao encontro da demanda.

O recurso fundamental desse padrão é a variação sa-zonal na construção. Em termos ecológicos, a demandaambiental é de nucleação rústica. Além disso, os doisestados definidos pela estação são bem diferentes, resul-tando em uma curva de adequação côncava. As firmasde construção civil profissional são provavelmente bemineficientes quando a demanda atinge o seu pico e quan-do o tipo de habitação em construção é padronizado. Emtais situações, esperaríamos essa forma de organizaçãopara enfrentar a dura competição de outras empresas.Por exemplo, em regiões onde a construção civil é me-nos sazonal, casas modulares, casas móveis e pré-fabricadassão mais prováveis de prosperarem e esperaríamos queos negócios no ramo da construção civil fossem altamenteburocratizados.

Uma outra variação na demanda está para ser encon-trada no ciclo de negócios. Enquanto as flutuações sazo-nais são estáveis (incerteza é baixa), as taxas de juros, asrelações de trabalho e os custos de materiais são maisdifíceis de predizer. As variações desse tipo deveriam fa-vorecer um modo generalista de adaptação. Ou seja, quan-do os ambientes são de nucleação rústica – caracteriza-dos pelas curvas de adequação côncavas – e incertas, aspopulações das organizações terão mais probabilidade desobreviver se elas limitam as suas apostas procurandouma variedade mais ampla de recursos básicos. Por essarazão, achamos que as organizações de construção ad-ministradas profissionalmente são freqüentementeempreiteiras gerais que não somente constroem casas,mas também se engajam em outros tipos de construção

Figura 3 - Adaptação ótima em ambientes de granulação rús-tica; a, conjunto de adaptação convexa; b, conjunto de adap-tação côncava.

p = 1.0

p = 0.5

W2

W1

a

p = 1.0

p = 0.5

W2

W1

b

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(shopping centers, edifícios de escritórios). Igualmente, acasa modular é mais barata e as unidades são instaladasem espaço alugado. Conseqüentemente, as taxas de ju-ros são menos importantes. Uma vez que as organiza-ções que produzem esse tipo de habitação não empre-gam profissionais especializados, mas usam a mão-de-obra mais barata que elas podem obter, as relações detrabalho são menos problemáticas. Pode ser também quesua dependência em diferentes tipos de matérias (porexemplo, chapas de alumínio) contribua para um nívelde incerteza mais baixo. Com conseqüência, esperaría-mos que essa forma de organização fosse mais altamenteespecializada em sua adaptação (é claro que existem tam-bém fatores técnicos que podem contribuir para isso).

As empresas de construção organizadas em função deofícios (pedreiros, marceneiros, pintores, encanadores etc.)se adaptam rapidamente às mudanças na demanda, e elaspodem se adaptar a problemas diferentes da construçãovariando a mistura de habilidades representadas em suaforça de trabalho. As empresas de construção administra-das burocraticamente são mais especializadas e conseqüen-temente são eficientes somente quando a demanda é alta,e são muito ineficientes quando esta é baixa. Acreditamostambém que elas tendem a ser mais especializadas comrelação ao tipo de construção. As empresas organizadasem função de ofícios sacrificam a exploração eficiente deseu nicho pela flexibilidade. As organizações burocráticasescolhem a estratégia oposta. Essa formulação é uma ex-tensão daquela de Stinchcombe e serve para mostrar queeste argumento é essencialmente ecológico.

DISCUSSÃO

Nosso objetivo neste trabalho tem sido orientar em dire-ção a uma teoria moderna da ecologia populacional parao estudo das relações organização-ambiente. Para nós, aquestão central é: por que existem muitos tipos de organi-zações? Formular a pergunta dessa maneira abre a possi-bilidade de aplicar uma rica variedade de modelos formaispara a análise dos efeitos das variações ambientais na es-trutura organizacional.

Começamos com a formulação clássica de Hawley daecologia humana. Contudo, reconhecemos que a teoriaecológica tem progredido enormemente desde que os so-ciólogos aplicaram sistematicamente as idéias dabioecologia à organização social. No entanto, a perspecti-va teórica de Hawley permanece um ponto de partida muitoútil. Em particular, concentramo-nos no princípio deisomorfismo. Esse princípio afirma que existe uma cor-

respondência de um para um entre os elementos da orga-nização social e aquelas unidades que agem como inter-mediárias dos fluxos de recursos essenciais para o siste-ma. Explica as variações nas formas organizacionais emequilíbrio, porém qualquer isomorfismo observado podelevar de uma adaptação intencional das organizações arestrições comuns que elas enfrentam ou porque as orga-nizações não-isomórficas são excluídas. Certamente os doisprocessos estão funcionando na maioria dos sistemas so-ciais. Acreditamos que a literatura sobre as organizaçõestem enfatizado a primeira em detrimento da segunda.

Suspeitamos que uma pesquisa empírica cuidadosa re-velará que para muitas classes de organizações existempressões de inércia muito fortes sobre a estrutura surgin-do tanto dos arranjos internos (por exemplo, políticas in-ternas) quanto do ambiente (por exemplo, legitimaçãopública da atividade organizacional). Afirmar de outra for-ma é ignorar a maioria das características óbvias da vidaorganizacional. Igrejas em decadência não se tornam lojasde varejo; nem empresas se transformam em igrejas. Mes-mo dentro de amplas áreas de ação organizacional, tal comoa educação superior e a atividade sindical, parecem serobstáculos substanciais para uma mudança estrutural fun-damental. É necessário pesquisar sobre este assunto. Po-rém, até que se evidencie o contrário continuaremos aduvidar que as principais características do mundo dasorganizações se originam por meio da aprendizagem e daadaptação. Dadas essas dúvidas, é importante explorar umaexplicação evolucionária do princípio do isomorfismo, istoé, desejamos embutir o princípio de isomorfismo dentrode uma estrutura de seleção explícita.

Com o intuito de adicionar processos de seleção, pro-pomos uma teoria de competição usando os modelos deLotka-Volterra. Esta teoria depende dos modelos de cres-cimento que parecem apropriados para representar tan-to o desenvolvimento organizacional quanto o crescimen-to das populações das organizações. Trabalhos recentesde bioecólogos sobre os sistemas de Lotka-Volterra pro-duzem proposições que têm importância imediata paraos estudos das relações organização–ambiente. Esses re-sultados se relacionam com os efeitos das mudanças nonúmero e na mescla das restrições sobre os sistemas comrelação a um limite superior da diversidade das formasde organização. Propomos que tais proposições possamser testadas examinando o impacto das variedades daregulação de estado tanto no tamanho das distribuiçõesquanto na diversidade das formas organizacionais den-tro de áreas de atividade amplamente definidas (porexemplo, assistência médica, educação superior e publi-cação de jornal). Uma extensão mais importante do tra-

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balho de Hawley introduz considerações dinâmicas. Oproblema fundamental aqui se relaciona com o significa-do do isomorfismo em situações em que o ambiente parao qual as unidades são adaptadas está mudando e é in-certo. As organizações “racionais” deveriam tentar de-senvolver relações estruturais isomórficas especializadascom um dos possíveis estados ambientais? Ou deveriamadotar uma estratégia mais maleável e instituir caracte-rísticas estruturais mais generalizadas? O princípio doisomorfismo não aborda esses problemas.

Sugerimos que a aplicação concreta do generalismopara organizações são a acumulação e a retenção das va-riedades da capacidade ociosa. Reter a flexibilidade daestrutura requerida para a adaptação a diferentes resul-tados ambientais exige que algumas capacidades sejammantidas em reserva e não comprometidas com a ação.As generalistas serão sempre superadas em termos de atua-ção pelas especialistas que, com os mesmos níveis de re-cursos, conseguem atingir seu ambiente ótimo. Conse-qüentemente, em qualquer corte transversal, as genera-listas parecerão ineficientes porque a capacidade ociosaserá freqüentemente considerada desperdício. No entan-to, o enfraquecimento organizacional é uma característi-ca difusa dos muitos tipos de organizações. A questãoque surge é: que tipos de ambientes favorecem as gene-ralistas? Responder a essa pergunta nos leva a um longocaminho em direção à compreensão da dinâmica das re-lações organização–ambiente.

Começamos dirigindo a questão em uma estrutura su-gestiva de teoria do sistema de adequação de Levin (1962,1968). Esta é uma classe recente de teorias que relacio-nam a natureza da incerteza ambiental a níveis ótimosde especialismo estrutural. Levins argumenta que, alémda incerteza, deve-se considerar a nucleação do ambien-te ou a irregularidade dos resultados ambientais. A teo-ria indica que o especialismo é sempre favorecido emambientes estáveis ou certos. Isto não é uma surpresa.Mas, ao contrário da visão amplamente apresentada naliteratura das organizações, a teoria também indica queo generalismo não é sempre ótimo em ambientes incer-tos. Quando o ambiente muda de estado de modo incerto,colocando demandas muito diferentes sobre as organi-zações, e a duração dos estados ambientais é relativa-mente curta para a vida da organização (a variação é denucleação fina), as populações das organizações que seespecializam serão favorecidas em relação àquelas quese generalizam. Isto porque as organizações que tentamadaptar-se a cada resultado ambiental gastarão mais tem-po para ajustar-se estruturalmente e muito pouco tempona ação organizacional direcionada a outros fins.

Afirmada dessa forma, a proposição parece óbvia. Con-tudo, quando se lê a literatura sobre as relações organiza-ção–ambiente, nota-se que essa afirmação não é tão óbvia.O mais importante, a proposição segue de um modeloexplícito simples que tem a capacidade de unificar a am-pla variedade de proposições relacionadas com as varia-ções ambientais para a estrutura organizacional.

Temos identificado alguns dos principais obstáculosde caráter conceitual e metodológico aplicados aos mo-delos de ecologia populacional no estudo das relaçõesorganização-ambiente. Indicamos as diferenças entre or-ganização social humana e não-humana em termos demecanismos de invariância estrutural e mudança estru-tural, associadas aos problemas da delimitação das po-pulações das organizações, e as dificuldades em definir aadequação para as populações de unidades expansíveis.Em cada caso temos meramente delineado os problemase proposto simplificações a curto prazo que facilitariama aplicação de modelos existentes. Claramente, cada tó-pico merece um exame detalhado.

No momento, estamos frustrados tanto pela falta deinformação empírica sobre as taxas de seleção nas popu-lações das organizações como pelos problemas sem re-solução mencionados. As informações dos censos sãoapresentadas de maneira a tornar impossível o cálculodas taxas de falência; e pouca pesquisa longitudinal so-bre as populações das organizações tem sido relatada.Contudo, temos alguma informação sobre as taxas deseleção. Sabemos, por exemplo, que as taxas de falênciapara pequenos negócios são altas. Em estimativas recen-tes, mais de 8% dos pequenos negócios de empresas nosEstados Unidos vão a falência a cada ano (Hollander,1967; Bolton 1971; veja também Churchill, 1955).

Em parte, esta alta taxa de fracasso reflete o queStinchcombe (1965) chamou de ônus da novidade. Mui-tas novas organizações tentam entrar em nichos que jáforam preenchidos pelas organizações que acumularamrecursos sociais, econômicos e políticos que as tornamdifíceis de serem desalojadas. É importante determinarse existe ou não alguma desvantagem seletiva de insigni-ficância, e não de novidade.

Duvidamos que muitos leitores discutirão o fato de queas taxas de fracasso são altas para organizações novas e/oupequenas. Contudo, grande parte da literatura sociológi-ca e quase toda a literatura crítica sobre as grandes organi-zações aceitam tacitamente a visão de que tais organiza-ções não estão sujeitas a fortes pressões de seleção. En-quanto ainda não temos informação empírica para julgaressa hipótese, podemos tecer vários comentários a respei-to. Primeiramente, não discutimos aqui o fato de que as

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grandes organizações, quer individual ou coletivamente,exerçam um forte domínio sobre a maioria das organiza-ções que constituem os seus ambientes. Mas isso não re-sulta da observação de que tais organizações que são for-tes em qualquer período de tempo serão fortes sempre emtodos os períodos. Assim, é interessante saber quão in-crustadas estão as maiores e mais poderosas organizações.Consideremos, na Fortune 500, as maiores empresas in-dustriais de capital aberto nos Estados Unidos. Compara-mos as listas de 1955 e 1975 (ajustadas por mudanças denomes). Da lista de 1955, somente 268 (53,6%) consta-vam ainda na lista de 1975. Cento e vinte e dois tinhamdesaparecido por meio de fusão de empresas, 109 deixa-ram as “500” e 1 (firma especializada em açúcar cubano!)faliu. O número – cujo crescimento relativo de vendas lhescausou uma queda da lista – é muito impressionante e,com isso, um grande número de empresas que se fundi-ram tinha aberto muitas janelas na lista. Portanto, vemosque, enquanto a falência foi rara para as maiores firmasindustriais nos Estados Unidos em um período de 20 anos,existia uma grande volatilidade com relação à posição nessaestrutura de pseudodomínio devido tanto às empresas quese fundiram quanto a um decréscimo nas vendas.12

Em segundo lugar, a escolha da perspectiva de tempo éimportante. Mesmo as organizações maiores e mais pode-rosas não conseguem sobreviver por longos períodos detempo. Por exemplo, das mil firmas em negócios nos Es-tados Unidos durante a Revolução, somente 13 sobrevive-ram como autônomas e 7 como divisões reconhecidas dasfirmas (Nation’s Business, 1976). Aparentemente precisa-mos de um maior tempo de perspectiva para estudar aecologia populacional das organizações maiores e maisdominantes

Em terceiro lugar, estudar as pequenas organizações nãoé uma má idéia. A literatura sociológica tem-se concentra-do nas organizações maiores por razões de design. Mas, seas pressões de inércia sobre certos aspectos da estruturasão suficientemente fortes, a intensa seleção entre as pe-quenas organizações pode restringir enormemente a vari-edade observável entre as grandes organizações. Ao me-nos alguns elementos da estrutura mudam de tamanho(como discutido na seção “Descontinuidades na análiseecológica”) e a pressão em direção da inércia não deveriaser enfatizada demasiadamente. No entanto, observa-segrande mérito nos estudos do ciclo de vida organizacionalque nos dariam informações de quais aspectos da estrutu-ra são bloqueados durante as fases do ciclo. Por exemplo,conjetura-se que um período crítico é aquele durante oqual a organização cresce além do controle de um únicoproprietário/gerente. Nesse momento, a maneira pela qual

a autoridade é delegada parece provavelmente ter um im-pacto duradouro sobre a estrutura organizacional. Este éo período durante o qual uma organização torna-se me-nos uma extensão de uma ou poucas de domínio indivi-dual e mais uma organização per se com uma vida pró-pria. Se as pressões de seleção, a este ponto, são tão inten-sas quanto as evidências descritas sugerem que estas se-jam, os modelos de seleção se mostrarão úteis em explicaras variedades de formas entre a extensão total de organi-zações.

O otimismo do parágrafo anterior deveria ser abranda-do pela realização de que, quando examinamos as organi-zações maiores e mais dominantes, estamos geralmenteconsiderando somente um pequeno número de organiza-ções. Quanto menor o número, menos úteis são os mode-los que dependem do tipo de mecanismos aleatórios quefundamentam os modelos de ecologia populacional.

Em quarto lugar, devemos considerar o que um leitoranônimo, tomado pelo espírito do nosso trabalho, cha-mou de ações antieugênicas do estado em salvar empresasda falência, tais como a Lockheed. Este é um caso dramá-tico do modo pelo qual organizações dominantes de gran-de porte podem criar conexões com outras organizaçõesgrandes e poderosas a fim de reduzir as pressões de sele-ção. Se tais ações são efetivas, elas alteram o padrão deseleção. Em nossa visão, a pressão de seleção é aumentadapara um nível mais alto. Então, ao invés de organizaçõesindividuais fracassarem, redes inteiras fracassam. A con-seqüência geral de um grande número de conexões dessetipo é um aumento na instabilidade do sistema inteiro(Simon, 1962 e 1973; May 1973), e, portanto, deveríamosver causar um aumento e quebrar ciclos de resultados or-ganizacionais. Então, modelos de seleção adquirem im-portância quando os sistemas das organizações estão fir-memente unidos (veja Hannan, 1976).

Finalmente, alguns leitores dos nossos primeiros esbo-ços têm tratado (alguns positivamente, outros não) nos-sos argumentos como metafóricos. Esta não era a nossaintenção. Num sentido fundamental toda a atividade teó-rica envolve uma atividade metafórica (embora reconhe-cidamente o termo “analogia” seja mais próximo do que“metáfora”). O uso de metáforas ou analogias entra naformulação de frases do tipo “se ... então”. Por exemplo,certos modelos genéticos moleculares traçam uma analo-gia entre as superfícies do DNA e estruturas de cristais.Estas últimas têm estruturas geométricas que se compor-tam de forma bem simples e capazes de se submeterem auma análise topológica (matemática). Ninguém discute ofato de que as proteínas do DNA são cristais; mas até umnível que suas superfícies têm certas propriedades pareci-

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MICHAEL T. HANNAN • JOHN FREEMAN

das com as dos cristais, o modelo matemático usado paraanalisar cristais vai iluminar a compreensão sobre a estru-tura genética. Esta é, como nós a entendemos, a estratégiageral da construção do modelo.

Por exemplo, temos usado resultados que dependemda aplicação de determinadas equações diferenciaislogísticas, as equações de Lotka-Volterra. Nenhuma po-pulação conhecida (de animais ou de organizações) cres-ce exatamente da maneira especificada pelo modelo ma-temático (e este fato tem feito com que numerosos natu-ralistas argumentem que o modelo é biologicamente semsentido). O que as equações fazem é modelar o cresci-mento da trajetória das populações que existem sobre osrecursos finitos em um sistema fechado (onde o cresci-mento da população na ausência de competição é logísticoe a presença de populações em competição diminui a ca-pacidade de manutenção naquele sistema). Até o pontoem que as interações das populações de Parameciumaureilia e P. caudatum (o experimento de Gause) satisfa-zem as condições do modelo, o modelo explica certas ca-racterísticas-chave da dinâmica populacional e a relaçãodas variações ambientais com a estrutura. Até o ponto emque as interações populacionais de burocracias do tiporacional-legal e populações de burocracias do tipopatrimonial também satisfazem as condições do modelo,o modelo explica os mesmos fenômenos importantes. Nemo protozoário nem as burocracias se comportam exata-mente como o modelo determina. O modelo é uma abs-tração que levará à compreensão sempre que as condiçõesdeterminadas forem aproximadas.

Sustentamos durante todo o tempo a hipótese da con-tinuidade de natureza. Propomos que sempre que as con-dições determinadas se mantêm, os modelos levam a com-preensões valiosas sem levar em consideração o fato deque as populações estudadas são compostas deprotozoários ou organizações. Não discutimos “metafori-camente”, isto é, não discutimos da seguinte forma: umaregularidade empírica é encontrada para manter certosprotozoários; porque hipotetizamos que as populações dasorganizações são como populações de protozoários empontos essenciais, propomos que as generalizações deri-vadas destas últimas também serão válidas para organiza-ções. Este é o tipo de raciocínio pelo qual proposições bi-ológicas têm entrado muito freqüentemente em discus-sões sociológicas (por exemplo, a desenvolvida analogiado organismo de Spencer).

Ao invés de aplicar leis biológicas à organização socialhumana, defendemos a aplicação das teorias da ecologiapopulacional. Como indicamos em vários pontos, essasteorias são bastante gerais e devem ser modificadas para

muitas aplicações concretas (sociológicas ou biológicas).Nosso propósito tem sido duplo. Primeiro, delineamosalgumas alterações na perspectiva requerida se as teoriasda ecologia populacional tiverem que ser aplicadas ao es-tudo das organizações. Segundo, queremos estimular areabertura de linhas de comunicação entre a sociologia e aecologia. É uma ironia que o diagnóstico feito por Hawley(1944, p. 399) há 30 anos continue válido ainda hoje: “Pro-vavelmente a maioria das dificuldades que incomodam aecologia humana podem ser delineadas a partir do isola-mento do sujeito da corrente dominante do pensamentoecológico.”

NOTAS

1 Esta pesquisa foi apoiada, em parte, por doações da Fundação Nacionalde Ciência (GS-32065) e pela Fundação Spencer. Comentários que muitonos ajudaram foram feitos por Amos Hawley, François Nielsen, John Meyer,Marshal Meyer, Jeffrey Pfeffer e Howard Aldrich.

2 Existe um relacionamento sutil entre seleção e adaptação. Aprendizadoadaptativo para indivíduos consiste, geralmente, na seleção de respostascomportamentais. Adaptação para uma população envolve a seleção entretipos de membros. De modo mais geral, os processos envolvendo seleçãopodem normalmente ser mudados em um nível mais alto de análise comoprocessos de adaptação. Contudo, uma vez que a unidade de análise éescolhida, não existe ambigüidade em distinguir seleção de adaptação. Asorganizações freqüentemente se adaptam às condições ambientais traba-lhando conjuntamente; e isto sugere um efeito de sistemas. Embora pou-cos teóricos neguem a existência de tais sistemas, a grande maioria nãoconsidera esses sistemas com um tema central de sua preocupação. É impor-tante notar que, do ponto de vista dos sociólogos, cujos interesses enfocamem um sistema social mais amplo, a seleção em favor de organizações comum conjunto de propriedades desfavoráveis àquelas com outras é, geral-mente, um processo adaptativo. Sociedades e comunidades que consis-tem em parte de organizações formais adaptam-se parcialmente por meiode processos que ajustam a combinação de tipos de organizações dentrodelas mesmas. Ao passo que uma teoria completa de organização e ambi-ente teria que considerar tanto a adaptação como a seleção, reconhecendoque são processos complementares, nosso propósito aqui é mostrar o quepode ser aprendido ao estudar somente a seleção (veja Aldrich e Pfeffer[1976] para uma revisão sintética de literatura focalizando essas diferen-tes perspectivas).

3 A discussão de Meyer (1970) a respeito de uma licença de organizaçãofornece mais apoio ao fato de que esses acordos normativos chegaramcedo em uma história da organização que restringe grandemente o alcan-ce de adaptação da organização em relação às restrições ambientais.

4 O termo “forma organizacional” é usado amplamente na literatura socioló-gica (veja Stinchcombe, 1965).

5 Assume-se que, em aplicações biológicas, o poder (no sentido físico) éotimizado pela seleção natural, de acordo com a lei de Darwin-Lotka. Parao caso da organização social humana é possível argumentar que a seleçãootimiza a utilização de um conjunto específico de recursos envolvidos nãosomente restritos ao poder e ao tempo dos membros.

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6 Incluímos em nosso modelo de competição somente o primeiro e tercei-ro estágios de Hawley. Preferimos tratar a uniformidade de resposta e adiversidade da comunidade como conseqüências das combinações de cer-tos processos competitivos e características ambientais.

7 Este princípio tem os valores mais sugestivos (veja MacArthur [1972, p.43-6] para uma crítica mais refinada das tentativas de derivar implicaçõesquantitativas do princípio de Gause; a maioria dessas críticas não se aplicaàs deduções qualitativas que consideramos).

8 Restringimos nossa atenção ao caso em que todas as entradas de A sãonão-negativas. Entradas negativas são apropriadas para as relações preda-dor/presa (ou, de forma mais geral, hospedeiro/parasita). O resultado típi-co para esse caso é o crescimento cíclico da população.

9 Uma formulação mais precisa do teorema é que existe um equilíbrionão-estável para um sistema de M competidores e N < M recursos(MacArthur e Levins, 1964).

10 Para uma formulação mais abrangente deste assunto com referência àorganização étnica, veja Hannan (1975).

11 Que a seleção dependa de resultados médios é somente uma hipótese.Templeton e Rothman (1974) argumentam que a seleção depende não deresultados médios, mas de um nível mínimo de adequação. Se os resulta-dos médios ou outro critério guiam a seleção nas populações das organi-zações é uma questão aberta. Seguimos Levins com o intuito de simplifi-car a exposição.

12 Ao menos a partir de algumas perspectivas, as fusões podem ser vistascomo mudanças na forma. Isto será quase certamente o caso quando asorganizações fundidas têm estruturas muito diferentes. Esta informaçãotambém indica uma forte vantagem seletiva para uma forma conglomera-da de organização industrial.

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Artigo originalmente publicado sob o título “The population ecologyof organizations”, de Michael T. Hannan e John Freeman, em TheAmerican Journal of Sociology, v. 82, n. 5, p. 929-964, 1977. Publica-do com autorização de The University of Chicago Press. © TheUniversity of Chicago Press. www.journals.uchicago.edu/AJS

Artigo convidado. Aprovado em 03.02.2005.

Michael T. HannanProfessor de Administração e Sociologia da Graduate School of Business, Stanford University.Interesses de pesquisa nas áreas de ecologia organizacional, recursos humanos em empresas emergentes, estratégia orga-nizacional e modelos formais de estrutura social.E-mail: [email protected]ço: Stanford University, Graduate School of Business, Stanford – CA – USA, 94305-5015.

John FreemanProfessor de Empreendedorismo e Inovação da Haas School of Business, University of California – Berkeley.Interesses de pesquisas nas áreas de empreendedorismo, inovação, comportamento organizacional e grupos industriais.E-mail: [email protected]ço: University of California, Berkeley, Haas School of Business 350, Barrows Hall, Berkeley – CA – USA, 94720-1900.

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