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Rebeldes Primitivos

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PREFCIO [7] Meuinteresse pelosassuntosqueestelivrocontmfoi, inicialmente,despertado,halgunsanospassados,pelo ProfessorromanoAmbrogioDonini,quemecontoualgoa respeito dos Lazaristas Toscanos e dos sectrios da Itlia do Sul. O Professor Max Gluckman conseguiu, em 1956, que eu fosse convidado a fazer trs conferncias na Universidade de Manchestereeutiveasorte,naquelaocasio,depoder discutiroassuntocomeleecomumgrupode antropologistas,historiadores,economistasepesquisadores polticos,inclusivecomespecialistasemmovimentos milenrioscomo o Dr.Peter Worsleye o Professor Norman Cohn.Opresentelivroumaampliaodaquelas conferncias,mascontm,tambm,captulosadicionais sobretpicosqueeupretendiaincluirnasconferncias originais,masquenoopudefazer.Aminhagratido UniversidadedeManchestere,especialmente,aoProfessor Gluckman, pois este livro no teria, com certeza, sido escrito sem o encorajamento que deles recebi. Aquelesqueforampormimminuciosamente interrogadossomuitonumerososparaumaidentificao pessoal.Quandonecessrio,procurareifaz-loemnotasde pdepgina.Estasindicam,tambm,oslivrosemque particular e essencialmente me baseei. Gostaria, tambm, de agradecer aos funcionrios da Biblioteca do British Museum; daBibliotecadaUniversidadedeCambridge;daBiblioteca BritnicadeCinciaPoltica;daBibliotecadeLondres;da BibliotecaFeltrinelli,deMilo;daBibliotecada UniversidadedeGranada;doInstitutoInternacionalde HistriaSocial,deAmesterd;daBibliotecaGiustino Fortunato,deRoma,edasBibliotecasMunicipaisdeCdis, [8]daEspanha,eCosenza,daItlia,pelagentileza manifestada a um estudioso estrangeiro. Um assunto como este no pode ser estudado, apenas, basededocumentos.essencialcertocontato,mesmo ligeiro, com as pessoas e at mesmo com os lugares sobre os quaisohistoriadorescreveseestequiserentender problemasquesomuitssimoimprovveisdeocorrerna vidasocialdeumprofessoruniversitrioingls.Qualquer leitordesseestudoclssicosobrerebeliosocialprimitiva, OsSertes,deEuclidesdaCunha,sedarcontadequanto essagrandeobradeveaoconhecimentodiretoe percepodoautorarespeitodocaboclobrasileiroedo seumundo.Nopossodizersefuibemsucedidoquanto compreenso dos lugares e das pessoas desse livro. Se assim no foi a culpa no cabe aos vrios homens e mulheres que, muitasvezesinvoluntariamente,procuraramensinar-me. Seria tolice enumerar todos eles mesmo se eu o pudesse. H, noentanto,umoudoisaquemgostariadeagradecer especialmente,sobretudoaMicheleSala,prefeitoe deputadodePianadegliAlbanesi,naSiclia,aoprefeitoe SenhoresLuigiSpadaforo,campons,eGiovanniLopez, sapateiro,doAbadeJoachimdeFlora,dacidadedeSan Giovanni in Fiore, na Calbria; Senhora Rita Pisano, antiga camponesa,atualmenteorientadorademulheresparao Partido Comunista da Provncia de Cosenza, na Calbria; ao SenhorFrancescoSticozzi,agricultor,eaoDr.Rafaelle Mascolo,veterinriodeSanNicandro,Aplia,eaalguns informantes da Andaluzia que em virtude das circunstncias prevalecentestiveramqueficarnoanonimato.Nenhuma dessaspessoasresponsvelpelospontosdevista manifestadosnestelivroe,talvez,sejareconfortantesaber que,muitasdelas,nosepreocuparodemodoalgumcom os mesmos porque nunca os lero. Contudo,eugostariadeobservarqueestoubastante conscientedasdeficinciasdesseensaiocomoumapeade conhecimentohistrico.Nenhumdeseuscaptulos exaustivooudefinitivo.Emboraeutenharealizadoum pequeno labor sobre fontes primrias e um pequeno trabalho decampo,comtodaacerteza,ambossoinadequados,e qualquer especialista sabe to bem quanto eu que nenhuma tentativa foi feita no sentido de exaurir as fontes secundrias e,muitomaisagudamentedoqueeu,percebermeus deslizeseerros.Noentanto,eugostaria[9]tambmde observarqueopropsitodestelivronooconhecimento exaustivo. UmcaptulocontmmaterialpublicadonoCambridge Journal, VII, 12, 1954. O contedo de outro foi apresentado em uma entrevista radiofnica em 1957. Birkbeck College Julho de 1958 E. J. H. Captulo I INTRODUO [11] Esteensaioenglobaestudosarespeitodosseguintes assuntos,osquaispodemserdescritoscomoformas primitivasouarcaicasdeagitaosocial:banditismodo tipoRobinHood,sociedadessecretasrurais,vrios movimentosrevolucionrioscamponesesdognero milenrio,motinsurbanospr-industriaiseconsequentes tumultos,certasseitasreligiosastrabalhistaseousodo ritualemorganizaesrevolucionriaseoperrias primitivas.Completeiminhasconsideraescomdossiers queilustramospensamentoseasafirmaesdaspessoas que tomaram parte em tais movimentos, conforme vm aqui descritos, de preferncia empregando as expresses por elas usadas.Namaiorparte,ocampopesquisadoaEuropa ocidentalemeridionale,especialmente,aItlia,desdea RevoluoFrancesa.Oleitorcuriosotalvezleiaestelivro, simplesmente,comoumadescriodealgunsfenmenos sociaisquesointeressantese,surpreendentemente,pouco conhecidoseque,apenas,motivarameminglsuma literatura um tanto esparsa. A finalidade deste livro, porm, tanto analtica quanto descritiva de fato, ele no contm fatosquesejamdesconhecidosparaosespecialistasnessas matrias e, portanto, pode ser tambm a de explicar o que est tentando fazer. Ahistriadosmovimentossociais,emgeral,tratada em duas divises separadas. Conhecemos alguma coisa sobre a antiga e a medieval: revoltas de escravos, heresias e seitas sociais,insurreiodecamponeses,ecoisassemelhantes. Dizerquepossumosumahistriadeles,talvez,seja ilusrio,poisque,nopassado,foramamplamentetratados comoumasrie[12]deepisdios,pontilhandoahistria geraldahumanidade,emboraoshistoriadorestenham discordadosobreaimportnciadosmesmosdentrodo processohistricoeaindadebatamsobreasrelaes precisasdelescomesteltimo.Noquesereferespocas modernas,taisagitaestmsidoencaradasportodos, excetopelosantropologistasquesoforadosalidarcom sociedadespr-capitalistasouimperfeitamentecapitalistas, simplesmente como movimentos precursores ou estranhas sobrevivncias.Poroutrolado,osmovimentossociais modernos, digamos os da Europa ocidental desde o sculo XVIIIeosocorridosemsetoresdomundocadavezmais amplos nos perodos subsequentes, tm sido, normalmente, tratadosdeacordocomumesquemahmuitoassentadoe razoavelmente seguro. Por razes bvias, os historiadores se concentraramnosmovimentosoperriosesocialistaseem outrosmovimentosqueseencaixavamdentrodoquadro socialista.Estesso,comumente,encaradoscomoosque tiveram etapas primitivas sociedade dos artfices, ludismo, radicalismo,jacobinismoesocialismosutpicose, finalmente, tendo-se desenvolvido para um padro moderno quevariadeumpasparaoutro,masquetemuma considervelaplicaogeral.Assimosmovimentos operriossedesenvolveramemcertasformasde sindicalismoedeorganizaocooperativa,certostiposde organizao poltica como os partidos de massa e certos tipos de programa e de ideologia como o socialismo secular. Osassuntosdopresentelivronoseencaixamem nenhumacategoria.primeiravista,pertencemprimeira diviso.Ningum,comcerteza,sesurpreenderiade encontrarumVardarelliougruposcomoaMafiaou movimentosmilenriosnomedievoeuropeu.Masa caractersticadelesquenoocorreramnaIdadeMdiae simnossculosXIXeXXe,atmesmo,nosltimos150 anos surgiram em quantidades anormalmente elevadas, por razesquesoaquidiscutidas.Tambm,nopodemser simplesmenteriscadoscomofenmenosmarginaisousem importncia,emborahistoriadoresmaisantigostenham sempremanifestadopropensoafaz-lo,empartecomo decorrnciadastendnciasracionalistasemodernistas, em parte porque, conforme pretendo demonstrar, a lealdade poltica e o carter de tais movimentos, com frequncia, so indeterminados,ambguose,atmesmo,ostensivamente conservadores[13]eemparteporqueoshistoriadores, sendo, em geral, ilustrados e homens da cidade, no tinham simplesmente,athbempoucotempo,feitoesforos suficientesparacompreenderaspessoasquesodiferentes deles. Com exceo de irmandades rituais do tipo Carbonaro, todososfenmenosestudadosnestelivropertencemao mundo das pessoas que no s no escrevem como no lem muitoslivrosmuitasvezesporquesoanalfabetasque raramentesoidentificadasporoutraspessoaspelos prpriosnomes,excetopelosprpriosamigose,ento,em geral,peloapelido,quenormalmentearticulammale, raramente,socompreendidasmesmoquandomanifestam suasidias.Almdomais,sopessoaspr-polticasque aindanoencontraramouapenascomearamaencontrar umalinguagemespecficaemquepossamexpressarsuas aspiraesemrelaoaomundo.Emboraosmovimentos delessejam,portantoeemdiversosaspectos,cegose hesitantesemrelaoaosstandardsdosmovimentos modernos, no so nem sem importncia nem marginais. Os homenseasmulheresreferidosnestelivroconstituema grandemaioriaemmuitose,talvez,emquasetodosos pases,hojeemdia,efoiaconscinciapolticaqueeles adquiriram que tomou o nosso sculo o mais revolucionrio da histria. Por essa razo, o estudo desses movimentos no apenascurioso,interessanteoucomoventeparaosquese preocupamcomodestinodoshomens,mas,tambm, apresenta uma importncia prtica. Os homens e as mulheres citados neste livro diferem dos inglesesporquenonasceramdentrodeummundo capitalistacomoumengenheirodaTyneside,quenasceu comquatrogeraesdesindicalismonascostas. Introduziram-senelecomoimigrantesdeprimeiragerao ou,oqueaindamaiscatastrfico,omundocapitalista penetrounelesvindodefora,insidiosamente,pelaatuao de foras econmicas que eles no compreendiam e que no podiamcontrolar,ouimpudentementepelaconquista, revoluesemodificaesfundamentaisdaleicujas consequnciaselesnopodiamcompreender,mesmo quandotinhamajudadoarealiz-las.Nocresceramcomo agoradentrodeumasociedademoderna;foramatirados dentro dela, ou mais raramente como no caso do gangster sicilianodaclassemdiaseatiraramnela.Oproblema delesconsisteemcomoadaptar-sevidaeaosconflitos dessa sociedade [14] e o assunto deste livro , exatamente, o processo de adaptao (ou o insucesso em adaptar-se) que se manifesta nos respectivos movimentos sociais arcaicos. Palavrascomoprimitivoearcaiconodevem, porm,nosenganar.Osmovimentosdiscutidosnestelivro possuem,todoseles,umaconsidervelevoluohistrica, poispertencemaummundoque,hmuito,conheceo Estado(i.e.,soldadosepoliciais,prises,cobradoresde impostos,talvezfuncionriospblicos),diferenciaoe exploraodeclassespeloslatifundirios,comerciantese outrose,atmesmo,cidades.Oslaosdeparentescooude solidariedadetribalquecombinadosounocomligaes territoriais1 so a chave daquilo que hoje, normalmente, se consideracomosociedadesprimitivaspersistem.No entanto,emboraelessejamaindadeconsidervel importncia,nomaisconstituemumadefesafundamental

1 NomeupropsitoentrarnadiscussoreavivadaporI.Schapera, Government and Politics in Tribal Societies (Londres, 1956). dohomemcontraoscaprichosdomeiosocialambiente.A distinoentreessasduasfasesdosmovimentossociais primitivosnopodeserneminflexvelnemapressada, mas, acho eu,deveriaser feita. Os problemas aqueela leva nosodiscutidosnestelivro,maspodemserilustrados razovel e rapidamente com exemplos tirados da histria do banditismo social. Issonospeemconfrontocomdoistiposextremosde criminosos.Numextremotemosoclssicocriminosoda vinganadesangue,comonaCrsega,quenoeraum bandoleirosocialquelutavacontraosricosparaajudaro pobre, mas um homem que lutava com e pelos seus parentes (incluindoosricos)contraoutrafamlia(incluindoos pobres). No outro extremo, temos o clssico Robin Hood que erae,essencialmente,umcamponsrevoltadocontraos latifundirios, os agiotas e outros representantes daquilo que ThomasMorechamavadeconspiraodorico.Entreos doisseestendeumacorrentedeevoluohistricacujos detalhesnopretendoexpor.Dessamaneira,todosos membrosdeumacomunidadeaparentada,incluindoos criminosos,deviamconsiderar-seinimigosdosestrangeiros exploradoresquelhestentassemimporasprpriasregras. Todosdeveriamconsiderar-se,coletivamente,como[15]o pobre contra, digamos, os habitantes ricos das plancies que elesatacavam.Essasduassituaes,quetrazememsios germesdosmovimentossociaistaiscomoos compreendemos,podemserencontradasnopassadonas regies montanhosas da Sardenha que foram estudadas pelo Dr. Cagnetta.Oadventodaeconomiamoderna (combinado ou no com a conquista estrangeira) pode, e provavelmente o far,romperoequilbriosocialdasociedadeconsangunea, transformandocertosparentesemricasfamliaseoutros empobresourompendocomoprprioparentesco.O sistematradicionaldecrimeporvinganadesanguepode escapare,defato,provavelmente,sucederdo controleeproduzirumamultiplicidadederixas singularmentesangrentasedecriminososexasperadosem quesenotaoaparecimentodalutadeclasses.Essafase tambmfoidocumentadae,parcialmente,analisadanas zonas montanhosas da Sardenha, sobretudo no perodo que vai, digamos, dos fins de 1880 at o fim da Primeira Guerra Mundial.Outrascoisaspermanecendoiguais,talvez, finalmente,possamlevaraumasociedadeemqueos conflitosentreasclassessejamdominantesondeofuturo RobinHoodaindatenhacomoacontecemuitasvezesna Calbria deir paraas montanhas por razespessoais que seassemelhamsquelevaramoclssicocorsoaocrime, principalmente,vinganadosangue.Oresultadofinal dessaevoluotalvezsejaoclssicobandidosocial,que parteparaocrimeporcausadealgumacontendacomo Estadooucomaclassedirigentev.g.,umaquerelacom algumaautoridadefeudaleque,simplesmente,uma formamaisoumenosprimitivaderebeldecampons.Nos termosgerais,esteopontoapartirdoqualseiniciaa anlise contida no presente livro mesmo se, ocasionalmente, elevoltederelanceparatrs.Apr-histriados movimentosnelereferidosfoideixadadelado.Osleitores, noentanto,devemtercinciadaexistnciadela,sobretudo seseinclinamaaplicarasobservaeseconclusesdeste livrosagitaessociaisprimitivasqueaindaapresentam traosdela.Nominhaintenoencorajargeneralizaes descuidadas.Osmovimentosmilenrioscomoodos camponesesandaluzestm,foradedvida,algoem comum, vamos dizer, com os cultos de carga melansios; as seitas dos operrios das minas de cobre da Rodsia do Norte tmalgumacoisaemcomumcomados[16]mineirosdas minasdecarvodeDurham.Jamaissedeveesquecer,no entanto,queasdiferenaspodem,tambm,sergrandese que o presente ensaio no oferece uma orientao adequada para discerni-las. Oprimeirogrupodemovimentossociaisexaminado nestelivropredominantementerural,pelomenosna Europa ocidental e meridional dos sculos XIX e XX, embora noexistanenhumarazoaprioriparaoconfinamento delesentreoscamponeses.(Defato,aMafiaestendeu algumasdesuasrazesentreosmineirosdaminasde enxofredaSicliaantesdeelessetornaremsocialistas,mas naquelapocaosmineiroseramumamassade trabalhadores peculiarmente arcaica.) Eles so aqui tratados emordemdeambiocrescente.Obanditismosocial,um fenmenouniversalevirtualmenteimutvel,maisdoque um protesto endmico de camponeses contra a opresso e a pobreza: um grito de vingana contra o rico e os opressores, umvagosonhodepoderimpor-lhesumfreio,justiaros errosindividuais.Modestaaambiodele:ummundo tradicionalemqueoshomenssejamtratadosjustamentee no um mundo novo e perfeito. Ele se torna mais epidmico doqueendmicoquandoumasociedaderuralqueno conheceoutrosmeiosdeautodefesaseencontraem condiesanormaisdetensoedesmembramento.O banditismosocialnotemquaseorganizaoeideologiae noseadaptadeformaalgumaaosmovimentossociais modernos.Formasaltamentedesenvolvidasdebanditismo quelimitemumaguerranacionaldeguerrilhassorarase, em si mesmas, ineficientes. AMafiaefenmenossemelhantes(captuloIII)so maisencaradoscomoumdesenvolvimentoumpoucomais complexodobanditismosocial.Elesseassemelhamaeste quantoorganizaoeideologiaque,normalmente,so rudimentares e quanto ao fato de serem, fundamentalmente, maisreformistasdoquerevolucionriosexceto,mais umavez,quandoassumecertasformasderesistncia coletiva invaso de uma nova sociedade e, portanto, so tambmendmicos,mas,svezes,epidmicos.Comoo banditismosocial,paraelesquaseimpossveladaptar-se ouserabsorvidospormovimentossociaismodernos.Por outrolado,asMafiassomaispermanentesemais poderosas,umavezquesomaisumsistema institucionalizado de leis fora da lei oficial do que uma srie de[17]revoltasindividuais.Emcasosextremos,podem constituirumsistemavirtualmenteparaleloousubsidirio de leis e de poder ao dos governantes oficiais. Extremamentearcaicose,narealidade,pr-polticos,o banditismoeaMafiasodifceisdeclassificaremtermos polticosmodernos.Podemseresousadosporvrias classese,svezes,comonocasodaMafia,setornamat instrumentosdepoderososoudehomensqueaspiramo podere,emconsequncia,deixamdeser,nosentidototal, movimentos de protesto social. Os diversos movimentos milenrios de que me ocupo oslazaristasdaToscana(captuloIV),movimentosde camponesesandaluzesesicilianos(captulosVeVI) diferemdobanditismoedaMafiaporqueso revolucionriosenoreformistaseporque,poressarazo, somaisfacilmentemodernizadosouabsorvidospor movimentos sociais modernos. O problema interessante aqui consisteemqueeatondevaiessamodernizao.Minha sugestonosentidodequeelanoocorre,ouqueocorre, apenas,muitolentaeincompletamenteseaquestofor deixadacomosprprioscamponeses.Elaocorrecommais xitoecompletamentequandoomovimentomilenrio enquadradoemumaorganizao,teoriaouprogramaque chegaaocamponsvindodefora.Issopodeserilustrado pelocontrasteexistenteentreasaldeiasanarquistas andaluzas e as aldeias comunistas e socialistas sicilianas;as primeirasconvertidasaumateoriaque,virtualmente, ensinavaaoscamponesesqueaformaarcaicaeespontnea deagitaosocialdeleseraboaeadequada;asltimas convertidas a uma teoria que as transformou. Osegundogrupodeestudostrata,essencialmente,dos movimentosindustriaiseurbanos.,naturalmente,muito menosambiciosoporqueamaiorpartedatradio fundamental das agitaes urbanas e da classe trabalhadora foideixadadelado,deliberadamente.H,bvio,muita coisaadizerarespeitodasfasesprimitivasemesmo desenvolvidasdasagitaesoperriasesocialistasa respeito, por exemplo, das etapas do nacionalismo utpico masoobjetodestelivronoodecomplementaroude reavaliarumahistria,quejrazoavelmentebem conhecida em linhas gerais, e sim o de chamar [18] a ateno para certos tpicos que foram muito escassamente estudados equepermanecemainda,emgrandeparte,desconhecidos. Poressarazo,tratamosaquidefenmenosquemais corretamente devem ser classificados como marginais. O estudo sobre a turba (captulo VII) trata daquilo que talvez seja o equivalente urbano do banditismo social, o mais primitivo e pr-poltico dos movimentos do pobre da cidade, especialmenteemcertostiposdecidadespr-industriais.A turbaumfenmeno,particularmente,difcildeser analisadoemtermoslcidos.Anicacoisaquasecertaem relaoaelaquesempredirigiusuasatividadescontraos ricos,mesmoquandovisandoaoutraspessoascomoos estrangeiros,etambmquenotemnenhumlaofirmee duradouro com qualquer ideologia ou poltica, exceto, talvez, comaprpriacidadeecomosprpriossmbolos. Normalmente,eladeveserencaradacomoreformistana medidaemque,raramente,quandoconcebeuaconstruo de uma nova ordem de sociedade, o fez em termos diversos, para a correo das anormalidades e injustias, dos da velha ordemtradicional.Noentanto,foicapazdesemobilizar levada por lderes que eram revolucionrios, embora, talvez, no atinasse, completamente, com as implicaes do prprio revolucionismoe,pelofatodeserurbanaecoletiva,estava familiarizadacomoconceitodetomadadopoder.Em consequncia, est muito longe de ser fcil poder responder perguntasobreapossibilidadedeelaseadaptars condiesmodernas.Comoelatendeadesaparecerna cidade industrial de tipo moderno, a pergunta, muitas vezes, contmemsiarespostaporqueumaclasseoperria industrial organizada opera em linhas bastante diferentes. E quandopersisteapergunta,talvezconviessereformul-la desta forma: em que etapa a turba que opera sob ostensivos sloganspolticosdeixadeligar-sesturbastradicionais (IgrejaeRei)epassaaaderiraosmodernos,jacobinos, socialistas ou outros semelhantes? E em que medida capaz deserpermanentementeabsorvidapormovimentos modernosaqueelamesmaseprendeu?Estouinclinadoa pensar que ela foi e , fundamentalmente, pouco adaptvel, o que de esperar, alis. AsSeitasOperrias(captuloVIII)representam,mais claramente,umfenmenodetransioentreovelhoeo novo: organizaes proletrias e aspiraes de certa maneira expressas [19] atravs de ideologias religiosas tradicionais. O fenmenoexcepcionalemsuaformadesenvolvidae,na verdade,confinadosIlhasBritnicasporqueemoutros lugaresdaEuropaocidentalemeridionalaclasseoperria industrialemergiu,desdeoincio,comumgrupo descristianizado,comexceodoslugaresemqueera catlicaromana,religioqueaconduziumuitomelhordo queoprotestantismoaessasingularadaptao.Mesmona Gr-Bretanha,deveserencaradocomoumfenmenode industrialismoarcaico.Emboranohaja,apriori,razo algumaqueimpeaosmovimentosreligiososdeserem revolucionrios e algumas vezes at o foram, h certas razes ideolgicasemaisrazessociolgicasparaasseitas operriassetereminclinadoparaoreformismo.O sectarismo operrio, apesar de como grupo adaptar-se bem e prontamenteaosmovimentosoperriosmodernos moderados,tem,certamente,manifestadoumaespciede resistnciaadaptaoaosrevolucionriosmesmoquando estescontinuamoferecendocampopropcioaos revolucionrios individuais. Tal experincia, porm, talvez se baseie excessivamente na experincia inglesa, o que equivale adizernahistriadeumpasemqueosmovimentos revolucionriosoperriosforamanormalmentefracosno sculo passado. Oltimoestudo,oritualnosmovimentossociais (captuloIX),absolutamentedifcildeserclassificado. Includo,principalmente,porcausadaritualizaopeculiar a muitos movimentos desse tipo no perodo de tempo entre o fimdosculoXVIIIeametadedosculoXIX,to patentementeprimitivoouarcaico,naacepocomumda palavra, que impossvel deix-lo de fora. Mas ele pertence, essencialmente,histriadacorrenteprincipalde movimentossociaismodernosquevaidojacobinismoao socialismoecomunismomodernos,edesdeasantigas sociedadesdeartesosaosindicalismomoderno.Olado sindicalista dele muito simples. Apenas procurei descrever ocartereafunodosrituaisprimitivosqueforam, gradualmente, extinguindo-se medida que o movimento se tornoumaismoderno.Oestudodaconfrariaderitual revolucionriomaisanmaloporqueenquantoosoutros fenmenostratadosnestelivropertencemclassedo trabalhadorpobre,este,aomenosnassuasfasesiniciais, ummovimento[20]essencialmentedepessoasque pertencemsclassesmdiaealta.Elafazpartedahistria porqueasformasmodernasdeorganizaorevolucionria entreospobresdevemser,empartepelomenos, investigadas em conexo direta com ela. Taisobservaes,naturalmente,noesgotamo problemadecomoosmovimentossociaisprimitivosse adaptamscondiesmodernas,semfalarnoproblema maiordequeesteapenasumaparte.Comojobservei antes,certostiposdeprotestosocialprimitivonoforam absolutamente considerados aqui. Nenhuma tentativa se fez nosentidodeanalisarosmovimentosanlogosou equivalentes que ocorreram e ainda ocorrem na esmagadora maioriadospasessituadosforadaestreitareageogrfica aquiexaminadaeomundono-europeuproduziu movimentossociaisprimitivosemmuitomaiorprofusoe variedade do que a Europa meridional e setentrional. Mesmo dentro da rea escolhida, houve certos tipos de movimentos que foram, apenas, examinados de relance. Por exemplo, fiz poucasrefernciasarespeitodapr-histriadaquiloque pode,vagamente,serchamadodemovimentosnacionais, pelo menos na medida em que representam movimentos de massas,emborapossamnelesentrarelementosdos fenmenosaquidiscutidos.AMafia,porexemplo,pode, numadeterminadafasedesuaevoluo,serconsiderada comoumembriomuitovigorosodeumsubsequente movimento nacional. No conjunto, limitei-me pr-histria dosmovimentosoperriosecamponesesmodernos.Todos osassuntosexaminadosnestelivroocorreram,falandoem termosgerais,noperodoapartirdaRevoluoFrancesae tratam,fundamentalmente,daadaptaodasagitaes popularesmodernaeconomiacapitalista.Foigrandea tentaoderessaltarasanalogiasentreahistriaeuropia primitiva ou entre outros tipos de movimentos, mas procurei resistir a ela na esperana de evitar argumentos irrelevantes e, possivelmente, perturbadores. No se deve defender tais limitaes. So urgentemente necessrios estudos comparativos e anlises dos movimentos sociaisarcaicos,maspensoquenopodemseriniciados agora,pelomenosaqui.Oestadodenossoconhecimento ainda no permite. Pois o conhecimento que temos mesmo a respeitodosmovimentosmaisbemdocumentadosdeste livro ainda varivel e a nossa ignorncia [21] no que a eles sereferevasta.Comfrequncia,oqueserelembrae observaemrelaoamovimentosarcaicosdessetipo apenas um pequeno ngulo dos mesmos que, por acaso, vem sendo revelado aos tribunais ou por jornalistas procura de sensaoouporumestudanteinteressadoemmatrias desprezadas.Onossomapa,mesmonaEuropaocidental, noestprojetado,assimcomonoestodomundono perodoanteriorboacartografia.svezes,comono banditismosocial,osfenmenossotoestandardizados quenotmgrandeimportnciaparaasfinalidadesdeum pequenoensaio.Outrasvezes,ameratarefadeextrairuma estimativacoerente,ordenadaeracionaldeumamassade fatosduvidososereciprocamentecontraditriosquase irrealizvel. Os captulossobre aMafia e sobre o ritual, por exemplo,atmelhorafirmativa,podemsercoerentes. Emboraasinterpretaeseasexplanaesdadas,tambm, sejam verdadeiras, muito mais difcil de verificar do que no caso, digamos, dos bandidos sociais. Quem estuda as Mafias conta, para basear seus pontos de vista, com pouco mais do quefenmenosisoladoserazoavelmenteprovados.Mesmo emsetratandodaSiclia,omaterialdequedispe extremamentepobre,comexceo,talvez,deumperodo especficodedesenvolvimentodaMafia,emesmoem relaoaesteasfontessefundam,emgrandeparte,em rumoresounoconhecimentogeral.Almdomais, qualquerquesejaomaterial,geralmentecontraditrio mesmo quando tem a aparncia de bom senso e no consiste nognerodetagarelicesensacionalquecostumaenvolver essetipodeassuntoassimcomoaspereirasatraemas vespas.Ohistoriadorquesemostrasseconfiante,emtais condies, mesmo sem falar em afirmaes definitivas, seria um louco. Por conseguinte, este livro uma tentativa incompleta e pretendeserapenasisso.Estabertocrticadetodos aquelescujosterrenoseleinvade,noapenasporter invadido, mas, em certos casos, por invaso imprpria. Est, tambm,abertocrticadetodosaquelesqueachamque umamonografiasimplesecompletamelhordoqueum conjuntodehistriasinevitavelmentedesagradveis.Existe umasrespostaparataisobjees.Jhorarealmentede considerarcomseriedadeostiposdemovimentosqueso examinadosnestelivronoapenascomoumasrie desconexadecuriosidadespessoais,como[22]notasde rodapparaahistria,mascomoumfenmenode importnciageraledeconsidervelpesonahistria moderna.AquiloqueAntonioGramscidissearespeitodos camponeses do SuldaItlia,na dcadade1920, se aplica a um grande nmero de grupos e de reas do mundo moderno. Elasestoemperptuafermentao,comomassa,porm so incapazes de dar uma expresso concentrada s prprias aspiraesesprpriasnecessidades.Essefermento,as lutasincipientesparadarumaefetivaexpressoatais necessidadeseaspossveisdireesemqueambas,talvez, evoluamconstituemocontedodestelivro.Noconheo nenhumoutropesquisadornestepasquetenha,atagora, procuradoconsideraremconjuntovriosdesses movimentoscomoumaespciedefasepr-histricada agitao social. Talvez a nossa tentativa de realizar issoseja errada e prematura. Por outro lado, no entanto, algum deve comear mesmo correndo o risco de fazer um falso incio. NOTA:Talvezaquisejaolugarparaapresentarumanota esclarecedorasobrealgunstermos,frequentementeusadosno decorrer deste estudo. Seria pedante definir todos aqueles que levam interpretaes errneas. O emprego que dou a termos como feudal podeestarsujeitocrticadosmedievalistas,masdesdequea argumentaodotermonosejaperturbadapelasubstituiopor outrotermooupelaomissodomesmo,torna-serealmente desnecessrioexplic-looujustific-lo.Poroutrolado,a argumentao,emparte,repousanaaceitaodadistinoentre movimentossociaisrevolucionriosereformistas. conveniente, portanto, dizer alguma coisa a respeito desses termos. Oprincpiobemclaro.Osreformistasaceitamaestrutura geral de uma instituio ou de um sistema social, mas a consideram capazdeaperfeioamentooudereformasondeosabusosse manifestaram;osrevolucionriosinsistememqueeladeveser transformadafundamentalmenteou,ento,substituda.Os reformistas procuram melhorar e alterar a monarquia ou reforma da Cmara dos Lordes; os revolucionrios acham que a nica coisa til quesepodefazercomambasasinstituiesaboli-las.Os reformistas desejam criar uma sociedade em que o policial no seja umarbitrrioeemqueosjuizesnosejamfavorveisaos latifundirioseaosnegociantes;osrevolucionrios,embora simpatizem com esses objetivos, uma sociedade em que no existam policiaisejuizesnosentidoatual,semfalarnoslatifundiriose negociantes. Por convenincia, os termos so usados para descrever movimentos que tm mais em vista a totalidade da ordem social do que instituies particulares dentro desta. A distino antiga. Foi, com[23]efeito,apontadaporJoachimdeFiore(1145-1202),o milenrioquefoi,razoavelmente,consideradoporNormanCohno inventordosistemaprofticomaisinfluenteconhecidonaEuropa antesdoaparecimentodomarxismo.Elefaziaadistinoentreo reinodajustiaoudaleique,emessncia,consistena regulamentaoequitativadasrelaessociaisdentrodeuma sociedadeimperfeita,eoreinodaliberdade,queasociedade perfeita.importantelembrarqueosdoisnoeram,demodo algum,amesmacoisa,emboraumdevesseser,necessariamente,a fase preliminar para alcanar o outro. Oessencialdadistinoconsisteemqueosmovimentos reformistaserevolucionrios,naturalmente,tenderoa comportamentosdiferenteseadesenvolverumaorganizao, estratgia,tticaetc.,diferentes.Porconseguinte,importante saber,quandoseestudaummovimentosocial,aqualdosdois grupos ele pertence. Nonadafcilfaz-lo,comexceodecasosextremose relativos a certos perodos de tempo, no havendo, no entanto, razo para abandonar essa distino. Ningum poder negar as aspiraes dosmovimentosmilenriosquerejeitamomundoexistenteatal pontoqueserecusamaplantar,acolhereatmesmoaprocriar enquanto ele no acabar, ou ento o carter reformista, digamos, da ComissoParlamentardoT.U.C.britnico,nosculopassado.Mas normalmenteasituaomaiscomplexamesmoquandono ofuscadapelarelutncia(quegeralemrelaoaospolticos)por partedaspessoasemaceitardescriesacuradascujasimplicaes no lhes agradam; por exemplo, a relutncia dos socialistas radicais francesesemdesistirdasvantagenseleitoraisdeumnomeque dissimulava o fato de eles no serem radicais nem socialistas. Naprtica,qualquerpessoaquenosejaoDr.Pangloss,e qualquermovimentosocial,sofreaatraotantodoreformismo quantodorevolucionismo,comintensidadediversaeempocas diferentes.Comexceodosrarosmomentosqueexatamente precedemoudurantecriseserevoluesprofundas,os revolucionriosmaisextremadosdevemtambmterumapoltica queseapliqueaomundoemquesoforadosaviver.Sequerem torn-lomaistolervel,enquantoopreparamparaarevoluo,ou se realmente o querem transformar, tambm tm de ser reformistas a menos que abandonem por completo o mundo construindo algum Siocomunistanodesertoounum prado,ouentocomomuitos gruposreligiososamenosquetransfiramcompletamenteas prpriasesperanasparaumalm,procurandoatravessar,apenas, estevaledelgrimassemselamentaratserlibertadopelamorte. (Noltimocaso,deixamdesertantorevolucionriosquanto reformistas para se transformarem em conservadores.) Ao inverso, a esperanaemumasociedaderealmenteboaeperfeitato poderosaqueoidealdelapersegueatmesmoaquelesquese resignaramanteaimpossibilidadedemodificar,queromundo, quer a natureza humana, e aspiram somente a reformas menores e correodosabusos.Entreamaioriadosreformistasmilitantes existe, muitas vezes, um modesto e temeroso revolucionrio ansioso porescapar,emboraopassardosanos,emgeral,oaprisione firmemente dentrodele. Dada a total ausncia[24] de perspectivas paraosucessodarevoluo,osrevolucionriospodem transformar-se de facto em reformistas. Nos momentos inebriantes e de enlevode uma revoluo, agrande vaga de esperanahumana deve empurrar at os reformistas para o campo dos revolucionrios embora,talvez,comalgumasreservasmentais.Entreestesdois extremos h uma variedade de posies a serem ocupadas. Taiscomplexidadesnoinvalidamadistinocujaexistncia, dificilmente, poder ser negada uma vez que (estejam ou no certos) humasriedemovimentosedeindivduosqueseconsideram revolucionriosoureformistasequeagembasedesuposies revolucionrias ou reformistas. Ela, porm, tem sido indiretamente atacadasobretudoporaquelesquenegamapossibilidadede qualquertransformaorevolucionriadasociedadeouqueela possaserimaginadaporsereshumanosracionaise,por conseguinte,incapazesdecompreenderasignificaodos movimentosrevolucionrios.(Cf.atendnciapersistente, sistematizadapelaprimeiravezpeloscriminalistaspositivistasdo sculo XIX para encar-los como fenmenos psicopatolgicos.) No o lugar aqui para discutir esses pontos de vista. Ao leitor deste livro noseexigequesimpatizecomosrevolucionriosnemtampouco comosprimitivos.Simplesmente,elealertadoareconhecerque elesexistemeque,pelomenos,houvecertasrevoluesque transformaram,profundamente,asociedade,emborano necessariamente na direo planejada pelos revolucionrios, ou no tototal,completaedefinitivamentecomoelesteriamdesejado. Masaaceitaodaexistnciadetransformaesprofundase fundamentaisocorridasnasociedadenodependedeacreditar-se que a utopia seja realizvel. Captulo II O BANDIDO SOCIAL [25] OSbandidoseossalteadoresdeestradaspreocupama polcia,masdeveriam,tambm,preocuparoshistoriadores sociais, pois, num certo sentido, o banditismo apenas uma forma primitiva de protesto social organizado, talvez o mais primitivoqueconhecemos.Dequalquerforma,eleassim consideradopelohomempobreemmuitassociedadesque, emconsequncia,protegeobandido,considera-ocomoseu heri,transforma-oemseuidealefazdeleummito:Robin Hood, na Inglaterra, Janosik, na Polnia e Eslovquia, Diego Corrientes, na Andaluzia, provavelmente, eram figuras reais, depoistransmudadas.Reciprocamente,obandido,porsua vez,procuraviveroseupapelmesmoquandonoum rebeldesocialconsciente.claroqueRobinHood,o arqutipoderebeldesocialquetiravadoricoparadarao pobre e nunca matava a no ser para se defender ou apenas para se vingar, no o nico homem desse tipo. O homem violentoquenosedispeasuportarascargastradicionais impostas ao homem comum em uma sociedade de classes, a pobrezaeahumildade,podeescapardelasunindo-see servindoosopressoresassimcomorevoltando-secontraos mesmos. Em toda sociedade rural h bandidos fazendeiros assim comobandidoscamponeses parano mencionar os bandidosdoEstado,emboraapenasosbandidos camponesesmereamotributodebaladaseanedotas.Os capatazes,policiais,soldadosmercenriosso frequentementerecrutados,assim,entreomesmomaterial queosbandidossociais.Almdomais,comomostraa experincia da Espanha meridional, entre os anos de 1850 e 1875,umtipodebandidopode,facilmente,transformar-se emoutrooladronobre[26]eocontrabandistaem bandoleiros,protegidospelocheferuraldelocalidadeou pelocacique.Arebeldiaindividual,emsimesma,um fenmeno socialmente neutro, e, por conseguinte, espelha as divises e as lutas dentro da sociedade. Esse problema ainda ser considerado no captulo sobre a Mafia. Contudo,existealgoparecidocomotipoidealde banditismosocial,eissooquemeproponhodiscutir mesmosepoucosbandidosregistradospelahistria, diferentesdoscriadospelalenda,correspondam inteiramente aele. Algunscomo ngelo Duca(Angiolillo) entretanto, correspondem exatamente a ele. No,dejeitoalgum,umairrealidadedescrevero bandido ideal. Porque a caracterstica mais impressionante dobanditismosocialumanotveluniformidadede estandardizao.Omaterialusadonestecaptuloprovm, quasetodo,daEuropadossculosXVIIIaXXe,na realidade, principalmente no Sul da Itlia.1 Mas os casos que se apresentam so to semelhantes, embora provenientes de perodos muito espaados, como a metade do sculo XVIII e ametadedosculoXX,elugarestoindependentesumdo outro,comoaSicliaeCrpatosUcranianos,quesetema tendnciaageneralizarcommuitacerteza.Essa uniformidadeseaplicatantoaosmitosisto,partedo bandidoquemoldadapelopovocomoaoseu comportamento real. Alguns exemplos desse paralelismo servem para ilustrar aquesto.Apopulaodificilmenteajudaasautoridadesa pegarosbandidoscamponeses,masaocontrrioos protege.Issoaconteceunasaldeiassicilianasnadcadade

1 Paraestareamevalinoapenasdasfontesimpressas,mastambmda valiosainformao doProfessorAmbrogioDonini,deRoma,quetevecertos contatos com ex-bandidos, e algum material jornalstico. 1940 como nas moscovitas do sculo XVII. 2 Assim sendo, o fimcomumumavezquesefazvriascoisasqueo prejudicam,quasetodobandido,individualmente,ser derrotado,emboraobanditismopermaneaendmico sertrado.OleksaDovbush,obandidodosCrpatosdo sculoXVIII,foitradopelaprpria[27]amante;Nikola Shuhaj, queao quepareceteve famaentre1918 e 1920, por amigos.3 ngeloDuca(Angiolillo),c.1760-84,talvezo exemplomaisgenunodebanditismosocialesobrecuja carreiraBenedettoCroceescreveuumaanlisemagistral,4 teveomesmodestino.Omesmoaconteceu,em1950,com Salvatore Giuliano, de Montelepre, Siclia, o mais conhecido dosbandidossociais,cujacarreirafoidescritaemumlivro comovente.5 Assim acabou, tambm, Robin Hood. Mas a lei, para esconder sua prpria impotncia, reivindica o mrito da capturaedamortedobandido:ospoliciaisatiraramno cadverdeNikolaShuhajparadizerqueomataram,assim como fizeram com Giuliano, se que Gavin Maxwell merece crdito. to comum tal prtica que existe at um provrbio corsoqueadescreveassim:Assassinadodepoisdemorto comoumbandidopelapolcia. 6 Eoscamponeses,em compensao,acrescentamainvulnerabilidadesvrias outrashericaselendriasqualidadesdobandido.Diziam que Angiolillo possua um anel mgico que desviava as balas.

2 J.L.H.Keep,BanditsandtheLawinMuscovy,SlavonicReview,XXXV, 84, dez. de 1956, 201-203. 3 AnoveladeIvanOlbracht,OLadroNikolaShuhaj(NikolaSuhaj Loupeznitk),edioalemRuetten&Loening(Berlim,1953),conformefui informado, no apenas uma clssica novela tcheca, mas, muito mais do que isso,oretratomaiscomoventeehistoricamenteautnticodobanditismo social que jamais encontrei. 4 Angiolillo, capo di banditti, em La Rivoluzione Napoletana del 1799 (Bari, 1912). 5 Gavin Maxwell, God preserve me from my friends (1956). 6 P. Bourde, En Corse (Paris, 1887), 207. Shuhajerainvulnervelporqueasteoriasdivergem tinha uma vara verde com que espantava as balas ou porque uma bruxa o tinha feito beber um lquido fermentado que o tornararesistentesbalas;que,porcausadisso,eletinha que ser morto com um machado. Oleksa Dovbush, o lendrio bandido-heridosCrpatos,nosculoXVIII,spodiaser assassinadocomumabaladeprataquetivessesido conservadaduranteumanonumpratodebrotosdetrigo, benzido por um padre no dia dos doze grandes santos e sobre o qual doze padres tivessem rezado doze missas. No tenho a menor dvida de que mitos similares existam no folclore de muitos outros bandidos. 7 bvio que nenhuma [28] dessas prticasoucrenasderivaumadaoutra.Elassurgemem lugareseperodosdiferentesporqueassociedadeseas situaesdeondeemergeobanditismosocialsomuito semelhantes. Talvez seja conveniente fazer um esboo estandardizado da carreira do bandido social. Um homem se torna bandido porquefazalgumacoisaquenoconsideradacomoum crimepelasconvenesdesualocalidade,masqueopelo Estado e pelas normas locais. Assim, Angiolillo fugiu para as montanhasdepoisdeumacontendasobredesviodegado comumguardadoDuquedeMartina.Omaisconhecido dentreosbandidosatuaisdareadoAspromonte,na Calbria,VicenzoRomeodeBova(que,casualmente,a ltimaaldeiaitalianaquefalagregoantigo),tornou-seum foragido depois de raptar uma moa com a qual se casou, em seguida,enquantongeloMacrideDelianovamatouum policialquehaviaatiradonumseuirmo. 8 Tantoarixa sangrenta (faida) quanto o casamento por rapto so comuns

7 Arespeitodacrenarealnaeficciadosamuletos(nessecasouma autorizao do rei), ver Apndice 3: Interrogatrio de um bandoleiro Bourbon. 8 Paese Sera, 6-9-1955. nessapartedaCalbria.9 Naverdade,dos160foragidos singularesregistradosaolongodaprovnciadeReggio Calabria em 1955, amaioriadosquarenta que fugirampara asmontanhasporhomicdioeraconsideradanolocal comohomicidashonrosos.OEstadoseenvolveem contendas privadas legtimas e aos olhos dele um homem quesetornacriminoso.OEstadomanifestainteressepor um campons em virtude da menor infrao lei, e o homem vai para as montanhas porque como ele pode saber o que um sistema que no conhece nem entende os camponeses, e que oscamponesesnoentendem,vaifazercomele?Mariani Dionigi,umbandidosardodadcadade1890,foiembora porqueestavaprestesaserpresoporcumplicidadeemum homicdio justo. Goddi Moni Giovanni foi outro que sumiu pelamesmarazo.Campesi(apelidadodePiscimpala)foi advertidopelapolciaem1896,presoumpoucodepoispor contravenoadvertnciaesentenciadoaumanoedez [29]diassobvigilnciae,tambm,aumamultade12,50 lirasporterdeixadoseurebanhopastarnoscamposdeum certoSalisGiovanniAntonio.Preferiupartirparaas montanhas,decididoamatarojuizeoprpriocredor.10 Conta-sequeGiulianoatirounumpolicialquequeriabater nele porque havia feito cmbio negro de dois sacos de trigo, enquantodeixavaemliberdadeoutrocontrabandistaque tinha dinheiro suficiente para suborn-lo; trata-se de um ato que,comtodaacerteza,seriaconsideradohonroso.Na realidadeoqueseobservouemrelaoSardenhapode, quase que certamente, ser aplicado mais genericamente.

9 LaVoce diCalabria, 1-2-9-1955; R. Longnone,Unit,de 8-9-1955, observa que,mesmodepoisdodeclniodasoutrasfunesdasociedadelocal,os rapazesaindarapisconoladonnacheamanoechepoiregolarmente sposano. 10 VelioSpano,IIbanditismosardoeiproblemidellarinascita(Roma, biblioteca da Riforma Agraria, s. d.), 22-24. A carreira de um bandido quase sempre comea por algum incidente que, em si mesmo, no grave, mas que o conduz criminalidade:aqueixadeumpolicialapresentadapor ofensa mais dirigida contra o homem do que contra o crime; falsotestemunho;errojudicirioouintrigaesentena injustaemrelaoadomiclioforado(confino)ouo sentimento de estar sendo injustiado. 11 muito importante que o bandido social incipiente seja vistopelapopulaocomoumhonestoouno-criminoso porqueseeleforconsideradoumcriminosocontraas convenes locais no conseguir gozar da proteo local na qualdeveconfiarinteiramente.Quasetodoaqueleque enfrenta os opressores e o Estado, necessariamente, deve ser consideradocomovtimaouheriou,ento,ambasas coisas.Davemquequandoumhomemtemdefugir, naturalmente,protegidopeloscamponesesepelopesodas conveneslocaisqueservemdesuportenossalei costume,rixasangrentaouoquequerquesejacontraa deles, e a nossa justia contra a dos ricos. Na Siclia, salvo se for muito turbulento, ele gozar, tambm, das boas graas daMafia;noSuldaCalbria,dachamadaOnorata Societ,12 emtodososoutroslugares,daopinio[30] pblica.Defato,elepodeeamaioria,talvez,ofaa morar perto de sua prpria aldeia uma vez que seja suprido naquilodequenecessita.Porexemplo,Romeovive, normalmente, em Bova com a mulher e os filhos, e construiu umacasaali.OmesmofezGiulianonasuacidadenatalde Montelepre.Naverdade,oslaosque,comumente,ligamo

11 IIbanditismosardoelarinascitadell'isola(Rinascita,X,12,dezembro, 1953). 12 R.Longnone,emUnit,de8-9-1955:Quando,porexemplo,umrapaz comete um crime contra a honra em alguma aldeia e foge para as montanhas, asociedadesecretalocalseachanodeverdeajud-loaescapar,aencontrar umrefgioeamant-lobemcomorespectivafamlia,mesmoqueeleno seja um de seus membros. bandido prpria terra geralmente o lugar em que nasceu eodoseupovoso,realmente,impressionantes. Giuliano viveuemorreudentrodoterritrio deMontelepre assimcomootinhamfeitoseuspredecessores,osbandidos sicilianosValvo,LoCiceroeDiPasquale,queviverame morreramemMontemaggioreouCapraro,emSciacca.13 A piorcoisaquepodeaconteceraumbandidovercortados seus contatos com as fontes de suprimento, porque ento ele simplesmente forado a assaltar e a roubar, isto , roubar o povo e assim transformar-se num criminoso que poder ser denunciado.Afraseditaporumfuncionriopblicocorso que,regularmente,deixavatrigoevinhoparabandidosem sua casa de campo, expressa um lado da situao: melhor dar de comer a eles dessa maneira do que obrig-los a roubar aquilo de que necessitam.14 O comportamento dos bandidos emBasilicatailustraooutrolado.Nessarea,o bandoleirismocostumamorrerduranteoinverno,alguns bandidosatemigramparatrabalhar,porcausada dificuldadedeconseguiralimentoparaosforadalei.Na primavera,quando,denovo,oalimentoadquirvel recomeaatemporadadebandoleirismo.15 Osdegoladores lucanianossabiamporquenoforavamoscamponeses pobres a aliment-los, como por certo teriam feito se fossem umaforadeocupao.OGovernoespanhol,nadcadade 1950, acabou com as atividades guerrilheiras nas montanhas andaluzasatacandoossimpatizantes[31]republicanoseos fornecedoresdasaldeias,obrigandoassimoscriminososa roubarcomidaeaindispor-secontraospastoresapolticos

13 G. Alongi, La Maffia (Turim, 1887), 109. Apesar do ttulo, este livro muito mais til a respeito do bandoleirismo do que da Mafia. 14 Bourde, op. cit., 218-19. 15 G. Racioppi, Storia dei Moti di Basilicata... nel 1860 (Bari, 1909), 304. Uma testemunha ocular referida por um oficial liberal revolucionrio da localidade. que,porconseguinte,sedispuseramaprestarinformaes contra eles.16 Algumasobservaesmaiscompletem,talvez,nossa explanaosobreamecnicadavidadobandido. Normalmente, ele joveme solteiro ou sem compromissos, quando mais no seja porque muito difcil para um homem revoltar-secontraoaparelhogovernamentalquandotem responsabilidadesfamiliares:doisterosdosbandidosde Basilicata e Capitanata, na dcada de 1860, tinham menos de vinteecincoanos.17 Ocriminoso,naturalmente,deveficar sozinhodefato,noscasosemqueelecometeumcrime tradicionalque,segundooscostumes,talvezlhepermita finalmentevoltarlegalidadetotal(comoavendettaouo rapto),issoaregracomum.Doscentoesessenta presumveisbandidosexistentesnoSuldaCalbria,a maioriatidacomolobossolitrios,isto,indivduosque vivemnaperiferiadesuasprpriasaldeias,ligadosaelas peloslaosdeparentescoepelaajudarecebida,afastados delas por inimizades e pela polcia. Se ele adere ou forma um bando e assim levado a perpetrar certo volume de roubos, esteraramentesermuitogrande,emparteporrazes econmicas e em parte por questes de organizao porque o bando s se mantm unido base do prestgio pessoal do seu lder. So conhecidos alguns pequenos bandos e. g., os trs homens que foram apanhados no Maremma em 1897 (nem necessriodizerqueportraio).18 Bandosextremamente grandes,commaisdesessentapessoas,foramregistrados entreosbandoleirosandaluzes,nosculoXIX,maseles gozavamdoapoiodoslordes(caciques)locaisquese

16 J. Pitt-Rivers, People of the Sierra (1954), 181-3. 17 CitadoporPani-Rossi,LaBasilicata(1868),emG.Lombroso,Uomo Delinquente (1896), I, 612. 18 E. Rontini: I Briganti Celebri (Florena, 1898), 529. Uma espcie de folheto excelente. utilizavam deles; talvez por essa razo no possam de forma algumaserincludosnestecaptulo.19 Duranteuma revoluoemqueosbandossetransformam,[32] virtualmente,emunidadesguerrilheiras,aparecemat gruposmaiores,dealgumascentenasdepessoas;noSulda Itlia,porm,estestambmgozavamdoapoiofinanceiroe deoutranaturezadosBourbon.Oquadrogeralmesmode gruposdebandoleiros-guerrilheirosodeuma multiplicidadedeunidadesmuitomenoresquesejuntam paraoperaes.EmCapitanata,sobJoachimMurat,havia comoquesetentabandos;emBasilicata,nadcadados sessenta, trinta e nove; na Aplia, cerca de trinta. O nmero mdio de membros de um bando em Basilicata dado como devinteatrinta,maspelasestatsticaspode-sefazerum clculo de cinquenta a sessenta. Pode-se imaginar que um bandodetrintaindivduos,comooqueGiuseppedeFria comandoudurantemuitosanosnapocadeNapoleoe duranteaRestaurao,representaolimite, maisoumenos, doquepodeserdominadoporumlderdequalidades mdias sem organizao e disciplina, como eram capazes de manteroscabeasdosbandoleiros,poisunidadesmaiores levamasecesses.(Convmlembrarquealgoparecido existia nas seitas protestantes fissparas como, por exemplo, as dos West Country Bible Christians, cujo nmero mdio de membros por capela, na dcada de 1870, era de trinta e trs pessoas.) 20

19 ObservarasconstantesreclamaesdoloquazDonJulindeZugasti, governador da provncia de Crdova, acusado de suprimir um bandido, na sua obra El Bandolerismo (Madri, 1876-80), dez volumes; e. g., Introduo, vol. I, 77-8, 181 e esp. 86 e segs. 20 Lucarelli,IIBrigantaggioPoliticodelMezzogiornod'Italia,1815-1818 (Bari, 1942), 73; Lucarelli, II Brigantaggio Poltico delle Puglie dopo il 1860 (Bari, 1946), 102-3, 136-7; Racioppi, op. cit., 299. Blunt's Dictionary of Sects and Heresies (Londres, 1874), Methodists, Bryanite. Nosabemosexatamentequantotempoumbando durava.Imagina-sequeissodeveriadependerdas complicaesqueelemesmocriava,dograudetensoda situaosocialedograudecomplexidadedasituao internacionalnoperodoquemedioude1799a1815a ajudadadapelosBourbonepelosinglesesaosbandidos locaisdeveterfacilitadoasobrevivnciadelesdurante muitosanosedograudeproteodequegozavam. Giuliano(altamenteprotegido)durouseisanos,masde supor que um Robin Hood um pouco ambicioso seria muito felizseconseguissesobrevivermaisdoquedoisouquatro anos;Janosik,oprottipodosbandidosdos[33]Crpatos, noinciodosculoXVIII,eShuhajduraramdoisanos;o Sargento Romano, na Aplia, depois de 1860, trinta meses, e cincoanosacabaramcomaresistnciadamaioriados bandoleirosdosBourbon,noSul.Umpequenobando isolado,noentanto,comoodeDomenicoTiburzi,nos confins do Latium, conseguiu sobreviver durante vinte anos (c. 1870-90). Se o Estado o deixasse em paz, o bandido podia muitobemsobreviveredepoisvoltarsuavidanormalde campons,umavezqueosex-bandidoserammuito facilmente integrados na sociedade, pois apenas o Estado e a nobreza consideravam criminosas as atividades a que eles se dedicavam. 21 Nodegrandeimportnciaofatodeumhomemter comeadosuacarreiraporrazesquase-polticas,como aconteceucomGiulianoquetinhadiodapolciaedo Governo, ou se simplesmente roubava porque natural que umcriminosoofaa.Quasecomcertezaeleprocurar moldar-seaoesteretipoRobinHood,emcertosaspectos; isto , procurar ser um homem que tira do rico para dar ao pobreenuncamatasalvoemlegtimadefesaoujusta

21 Pitt-Rivers, op. cit., 183; Conde Maffei, Brigand Life in Italy, 2 vols. (1865), I, 9-10. vingana. Virtualmente, obrigado a faz-lo, pois do rico se podemtirarmaiscoisasdoquedopobre,eporqueseele tirar do pobre ou tornar-se um assassino ilegtimo perder seu mais poderoso recurso, a simpatia e a ajuda pblicas. Se ele esbanja o que ganha s porque um homem na sociedade devalorespr-capitalistademonstrapoderestatuspela generosidade. E, se ele pessoalmente no encara as prprias aescomoumprotestosocial,opublicoofazeassimat mesmo um criminoso puramente profissional pode servir de instrumentoparaisso.Schinderhannes,omaisfamoso, emboranoomaisimportantedoschefesdegangsque infestavamoRenono fimdadcadade1790,22 no era, em nenhumsentido,umbandidosocial.(Conformemostrao seunome,eleprovinhadeumacastainferiordocomrcio, tradicionalmenteassociadaaosubmundo.)Mesmoassim, achava vantajoso para suas relaes pblicas anunciar o fato dequeelesroubavajudeus,isto,osque[34]tinhame emprestavamdinheiroeemcompensaoasanedotaseos folhetinsquesemultiplicavamemtornodapessoadeleo vestiamcommuitosdosatributosdoherinacional,Robin Hood:oliberal,ojustiadordeerros,ocorts,oquetem sensodehumor,astciaevalor,ubiquidadequechega invisibilidadetodasashistriascontamqueosbandidos entram na cidade com disfarces impenetrveis e assim por diante. No caso dele, os tributos prestados eram, totalmente, imerecidos,equemmerecetodaasimpatiaJeanbonSt. Andr, o velho membro do Comit de Salvao Pblica, que acabou com tais gangsters. Apesar disso, bem possvel que, devezemquando,eleseconsiderassecomoumprotetor dospobres.Oscriminososvmdospobreseso sentimentaisemrelaoacertascoisas.Umescroque profissional tpico como BillyHill, cuja autobiografia (1955)

22 Aprincipalfonte:B.Becker,ActenmaessigeGeschichteder Raeuberbanden an den beyden Ufern des Rheines (Colnia, 1804). merece mais estudo sociolgico do que foi feito at agora, cai naquelaautolamentaopiegasdebbedoquandoexplica todaasuacarreiracomosalteadorebandidopela necessidadededistribuirdinheiroentreoseupovo,quer dizer,entreasvriasfamliasdetrabalhadoresbraais irlandesesdeCamdenTown.Orobin-hoodismotilpara os bandidos, quer eles acreditem nele ou no. Muitos,entretanto,noprecisamassumiressepapel. Desempenham-noespontaneamente,comoofezPasquale Tanteddu,daSardenha,cujospontosdevista(decerta formainfluenciadospelocomunismo)somelhor apresentados no Apndice. Por outro lado, fui informado de queumdosprincipaisbandidoscalabresesdeantesda vindimade1914contribuacomdoaesregularesparao PartidoSocialista.Conhecem-se,tambm,RobinHood sistemticos.GaetanoVardarelli,daAplia,quefoi perdoadopeloreiedepoistradoemortopelomesmoem 1818,distribuaconstantementepartedoquepilhavaentre ospobres,davasalgratuitamenteemandavaosmeirinhos oferecerpoaostrabalhadoresdoEstado,sobpenade massacre,eexigiadaburguesialatifundirialocalque deixasseospobresrespigarememsuasterras.(Paramais informaessobreasatividadesdele,veroApndice.) Angiolillofoiexcepcionalnaprocurasistemticadeuma justiamaisampladoqueaqueeraobtidaporpresentes casuaisouintervenesindividuais.Quandoeleentrava numa aldeia, conta-se, fazia instalar um tribunal, ouvia os litigantes,pronunciavasentenas[35]epreenchiatodasas obrigaes de um magistrado. Diz-se at que ele processou criminososcomuns.Costumavaordenarabaixadospreos do trigo, confiscava os armazns de trigo das mos dos ricos e o distribua entre os pobres. Em outras palavras, agia como umGovernoparalelonointeressedoscamponeses.No nadasurpreendenteportantoque,aindaem1884,aaldeia em queele nasceuquisesse dar o nomedele rua principal do lugar. Nasuamaneiraprimitivadeverascoisas,osbandidos do Sul do pas, na dcada de 1850, como os de 1799 a 1815, se consideravamospaladinosdopovocontraosnobreseos estrangeiros. O Sul da Itlia, durante esses perodos, talvez tenhaapresentadooquehdemaisprximoauma revoluo de massa e a uma guerra de libertao conduzidas porbandidossociais.(Noporacasoqueotermo bandoleirosetenhatornadoadesignaohabitualcom queosGovernosestrangeirosdescrevemoguerrilheiro revolucionrio.)Graasaummaiorestudodaliteratura existente,compreende-seagoramelhoranaturezadessas pocasdebandoleirismo,epoucossoosestudiososque compartilham a incompreenso dos liberais da classe mdia quenelesvemumadelinqunciademassae barbarismo, quando no o encaram, como no Sul, como uma inferioridaderacial;incompreensoessaqueseencontra aindanaobra deNorman Douglas,OldCalabria. 23 E Carlo Levi,entreoutros,recordaemseuCristoParouemEboli, quoprofundaainda,entreoscamponesesdoSul,a lembranadosbandidos-heris,poisparaaquelesosanos dosbandidosconstituramumadaspoucaspartesvivase reaisdahistria,porque,diferentementedosreisedas guerras,elespertenciamaopovo.maneiradeles,os bandoleiros,vestidoscomroupasrasgadasdecampons comrosetasdadaspelosBourbonoucomtrajessuntuosos, eramosvingadoreseospaladinosdopovo.E,emborao caminhodelestenhasidoumaruelaescura,nolhes neguemos o ardor de liberdade e de justia que os movia.

23 Lucarelli (que oferece referncias copiosas) e Racioppi apresentam uma boa introduoaoproblema.WalterPendleton,emPeasantStrugglesinItaly (ModernQuarterly,N.S.VI,3,1951),dumresumodessapesquisa.Cf., tambm, Encicl. Italiana: Brigantaggio. [36]Emconsequncia,asvtimascaractersticasdo bandidosoosinimigosquinta-essenciaisdopobre. Conformeregistraatradio,sosempreosgrupos particularmenteodiadospelopobre:advogados(Robin Hood e Dick Turpin), prelados e monges preguiosos (Robin HoodeAngiolillo),agiotasenegociantes(Angiolilloe Schinderhannes), estrangeiros e os demais que perturbavam avidatradicionaldocampons.Nassociedades pr-industriaisepr-polticas,raramenteoumesmonunca, incluramosoberano,consideradomuitodistantee responsvelpelajustia.Defato,frequentemente,mostraa lendaosoberanoperseguindoobandido,noconseguindo derrot-lo e, ento, pedindo-lhe que venha corte para fazer aspazescomeleeassimreconhecendo,numsentidomais profundo,queointeressedeleedosoberano,ajustia,o mesmo.SucedeuassimcomRobinHoodecomOleksa Dovbush.24 Ofatodeobandido,sobretudoquandonoestava imbudodeumsentidomuitofortedemisso,viverbeme alardear riquezas normalmente no o afastava do pblico. O anel solitrio de Giuliano, as pencas de correntes e de outros enfeitescomqueosbandidosquelutavamcontraos francesesem1790compareciamsfestasnaItlia meridionalseriamencaradospeloscamponesescomo smbolosdotriunfosobreosricosepoderososassimcomo,

24 O Senhor Imperador ouvira dizer que existia esse homem a quem nenhuma fora podia venc-lo; ento, ordenou-lhe que viesse a Viena para tratar da paz comele.Masissoeraumaarmadilha.QuandoDovbushseaproximou, mandoutodooseuexrcitocontraeleparamat-lo.Pessoalmente,seps janela para observar. Mas as balas desviavam-se dele e iam ferir os soldados e os matavam. Ento, o Imperador ordenou que cessassem fogo e props paz a Dovbush.Deuaestealiberdadedelutarondequisessesalvocontraos prpriossoldadosdoImperador.Deu-lheumacartaeumselocomoprova disso. E, durante trs dias e trs noites, Dovbush foi hspede do Imperador e da corte do Imperador. Olbracht, op. cit., 102. talvez,provasdacapacidadedeproteg-losdadaspelo bandido.Porqueumadasmaioresatraesoferecidaspelo bandidoeraeaindaadesereleumpobrerapazque venceu,umpaladino,anteofracassodamassa,paratir-la desuapobreza,desamparoecondiohumilde.25 [37]Por conseguinte e paradoxalmente, os gastos notveis feitos pelo bandido, como osCadillacs blindados deouro e o diamante incrustadonosdentesdomeninoquesaiudocortioe conseguiu tornar-se campeo mundial de boxe, servem para lig-loaosseusadmiradoresenoparasepar-lodestes, desdequeelenuncaavancemuitonopapelhericoqueo povo traou para ele. Opadrofundamentaldebanditismo,comotentei demonstraratagora,quasesempre,universalmente, encontradodentrodecertascondies.Eleruraleno urbano.Associedadesruraisondeeleocorreconhecemo rico e o pobre,o poderoso e o fraco, osquecomandam e os comandados,maspermaneceprofundaetenazmente tradicional e pr-capitalista como estrutura. Umasociedade agrcolatalcomoaexistentenosculoXIXnaAnglia Oriental,naNormandiaounaDinamarcanoolugar indicadoparaprocurarobanditismosocial.(esta,sem dvida,arazopelaqualaInglaterra,quehaviadadoao mundoRobinHood,oarqutipodobandidosocial,no produziu nenhum exemplo notvel da espcie desde o sculo XVI. Tal idealizao dos criminosos, tendo-se tornado parte datradiopopular,apoderou-sedefigurasurbanascomo Dick Turpin e MacHeath, enquanto as miserveis aldeias de trabalhadores no conseguiram suscitar muito mais do que a

25 Foi assim que se passou: ele era um pastor dbil, pobre, um aleijado e um louco.Porque,conformedizemospadreseosintrpretesdasescrituras,o Senhorqueriaprovar,poresseexemplo,quetodosns,todoaqueleque amedrontado, humilde e pobre pode realizar grandes faanhas, se Deus assim oquiser.Olbracht,op.cit.,100.N.B.queoslderesdosbandoslendrios raramente so os membros mais fortes e valentes. modesta admirao de furtivos caadores, excepcionalmente audaciosos.) Alm disso, mesmo nas sociedades retrgradas etradicionais,obandoleirosocialsapareceantesdeo pobreadquirirconscinciapolticaouchegaramtodos maiseficientesdeagitaosocial.Obandoleiroum fenmenopr-poltico,eaforadelesemanifestaem proporo inversa do revolucionismo agrrio organizado e do socialismo ou do comunismo. O bandoleirismo de Sila, na Calbria, desapareceu antes da Primeira Guerra Mundial quandoalisurgiramosocialismoeasligascamponesas. Sobreviveu no Aspromonte, a terra natal do grande Musolino edenumerososoutrosherispopularesparaosquaisas mulheresrezavam,comoventemente.26 Masaorganizao [38] camponesa ali menos desenvolvida. Montelepre, terra deGiuliano,umdospoucoslugaresnaprovnciade Palermo que no teve nenhuma liga camponesa importante, mesmoduranteolevantecamponsde1893 27 eondeat hojeopovovotamuitomaisafavordegruposquase lunticos,comoosmonarquistasouossicilianos separatistas,doqueafavordospartidospolticos organizados. Emtaissociedades,obandoleirismoendmico. Parece, entretanto, que o robin-hoodismo pode tornar-se um fenmeno importante quando o equilbrio tradicional delas perturbado:duranteedepoisdeperodosdemisria anormal,comoescassezdevvereseguerras,ouentonos momentos em que as ondas do mundo dinmico e moderno chegamscomunidadesestticasparadestru-lase transform-las. Como tais momentos, na histria da maioria das sociedades rurais, aconteceram nos sculos XIX e XX, a nossaera,emcertosaspectos,aeraclssicadobandido

26 Ver a edio especial calabresa de Il Ponte (1953). 27 VerM.Ganci,IImovimentodeiFascinellaprovinciadiPalermo,em Movimento Operaio, N. S. VI, 6 (nov.-dez., 1954). social.Verificamosoressurgimentodelepelomenosna idiadopovonaItliameridionalenoRenoduranteas transformaes revolucionrias e as guerras do fim do sculo XVIII; na Itlia meridional depois da Unificao, esmoreceu depoisdaintroduododireitocapitalistaedepolticas econmicas. 28 NaCalbriaenaSardenha,apocadeforte bandoleirismocomeouem1890quandoaeconomia moderna(eadepressoagrcolaeaemigrao)causouali impacto.NasremotasmontanhasdosCrpatos,o banditismofloresceucomoresultadodaPrimeiraGuerra Mundial, por razes sociais que Olbracht descreveu, como de hbito, com muito cuidado e sensibilidade. Masessefatoemsimesmomanifestaatragdiado bandidosocial.Asociedaderuralocria,eapelaparaele, quando [39] sente necessidade de ter um heri e um protetor mas,precisamente,nessahoraqueeleincapazde ajud-la.Porqueobandoleirismosocial,emborasejaum protesto,umprotestomodestoeno-revolucionrio.Ele protesta no contra o fato de os camponeses serem pobres e oprimidos,mascontraofatodeelesserem,svezes, excessivamente pobres e oprimidos. Os heris-bandidos no socapazesdecriarummundodeigualdade.Elesapenas podemconsertarerroseprovarque,algumasvezes,a opressopodesofrerumareviravolta.Muitomenosainda soelescapazesdecompreenderoqueacontececomas aldeiasdaSardenha,oquefazquealgunsestejam abarrotadosdegadoeoutros,queantestinhamumpouco, nadamaistenham;oqueconduzosaldeescalabresess minasdecarvonorte-americanasouaacumularnas

28 Artigo:Brigantaggio,naEncicl.Italiana.Mesmoosbandoleiros espanhiseram,eraparte,vtimasdoLivreComrcio.Comoumdos protetoresdelesdisse(Zugasti,IntroduoI,94):Escute,senhor,haqui muitas pessoas pobres que costumavam ganhar algumas pesetas nas estradas fazendocontrabando;mas,agora,estenoexistemais,eospobreshomens no sabem mais como arranjaro a prxima refeio. montanhas dos Crpatos exrcitos, armas e dividas. A funo prtica do bandido , na melhor das hipteses, impor certos limitesopressotradicionalesociedadetradicional, custadeilegalidade,assassinatoeextorso.Nemmesmo esta,elepreenchemuitobem,conformeseconvencero observadordepoisdeumpasseioporMontelepre.Almdo mais, ele apenas um sonho de como seria maravilhoso que todosostemposfossembons.Duranteseteanos,elelutou na nossa terra, dizem os camponeses crpatos a respeito de Dovbush, e enquanto ele vivia as coisas andavam bem para opovo.umsonhoconvincenteeporissoqueosmitos queseformamemtornodosgrandesbandidos emprestam-lhespoderessuper-humanoseaqueletipode imortalidade,dequegozavamosgrandesreisjustosdo passadoque,narealidade,nuncamorreram,masesto dormindoevoltarodenovoterra.assimqueOleksa Dovbushdormeenquantosuaachaenterradaseaproxima, cadavezmais,dasuperfciedaterra,empurradaporuma sementedepapoulaquebrotae,quandoelaemergir,outro heriselevantar,umamigodopovo,umterrorparaos senhores,umbatalhadorpelajustia,umvingadorda injustia. Tanto assim que, mesmo nos Estados Unidos de ontem em que lutaram homens pequenos e independentes quandonecessrioporterrorcomooIWWcontrao predomniodepoderososedecorporaes,haviamuita gentequeacreditavaqueobandidoJesseJamesnotinha morridoesimquetinhapartidoparaaCalifrnia.Se[40] nofosseassim,oquesucederiaaopovoseseusprprios heris estivessem, irrevogavelmente, mortos?29

29 Deacordocomoutraverso,realmenteestranhaefantstica,nofoi RomanoquemcaiuemVallata,esimoutrobandidoquesepareciacomele; pois a exaltada imaginao das massas considerava o Sargento invulnervel e imortalemvirtudedabnopapal,eGastaldiregistraquediziamt-lo vistodurantemuitosanos,depoisdisso,perambulando,secretamentee sozinho, pela regio rural. Lucarelli, Brigantaggio... dopo 1860, 133n. O bandido, portanto, se v desamparado ante a presso deumanovasociedadequeelenoconseguecompreender. No mximo, pode lutar contra ela e procurar destru-la para vingar a injustia, atacar os senhores, tirar destes as riquezas queroubaramecomofogoeaespadadestruirtudooque nosirvaaobemcomum:porprazer,porvingana,como advertncia para pocas futuras e, talvez, por medo deles.30 poressarazoqueobandido,comfrequncia, destruidorebrutal,almdoslimitesdoprpriomitoque insiste,principalmente,noseuespritodejustiae moderaoparamatar.Avingana,quenosperodos revolucionriosdeixadeserumassuntoprivadoesetorna uma questo coletiva, requer sangue, e a viso da iniquidade emrunaspodeembriagaroshomens. 31 Eadestruio, comocorretamenteOlbrachtencara,no,simplesmente, umaliberaoniilstica,masumavtentativadeeliminar tudo aquilo que impediria a construo de uma comunidade rural simples, estvel: os produtos do luxo, o grande inimigo da justia e das relaes equitativas. Pois a destruio nunca indiscriminada.Aquiloquedeutilidadeparaohomem pobre poupado.32 Da mesma maneira, os bandidos [41] do SulqueconquistaramascidadesdaLucnia,nadcadade

30 Olbracht, op. cit., 98. 31 Existeumaboadescriodoefeitopsicolgicodoincndiodoquarteiro comercialnumacidadedaEspanhafeitaporGamelWoolsey,Death'sOther Kingdom (1939). 32 Ilsontravaglesvergers,lesculturesscientifiques,couplesarbres fruitiers.Cen'estpasseulementparhaineirraisonnecontretoutcequia appartenuauseigneur,c'estaussiparcalcul.Ilfallaitgaliserledomaine, l'aplanir... pour rendre le partage possible et quitable... (Voil) pourquoi ces hommes qui, s'ils ignorent la valeur d'un tableau, d'un meuble ou d'une serre, saventcependantlavaleurd'uneplantationd'arbresfruitiersoud'une exploitationperfectionne,brisent,brlentetsaccagentletout indistinctement. R. Labry, Autour du Moujik (Paris, 1923), 76, sobre o saque dasfazendasnaguberniaChernigov,1905.Afonteoregistrodos interrogatrios dos camponeses. 1868, invadiram-nas, abrindo cadeias, queimando arquivos, saqueandoascasasdosricosedistribuindo,oqueelesno queriam,comopovo:cruis,brutais,hericose desamparados. Poisobandoleirismo,comoummovimentosocial,em taissituaesfoieineficiente,emtodosossentidos.Em primeirolugar,eleincapazmesmodeseorganizarcomo umaverdadeiraguerrilha.verdadequehouvebandidos queconseguiraminiciarumlevanteBourboncontraa conquista do Norte do pas isto , bandidos genunos, e no simplesmenteguerrilheirospolticosassimchamadospelos seus opositores. Mas quando um soldado espanhol Bourbon, Borjes, tentou reuni-los dentro de um movimento verdadeiro deguerrilhas,elesresistirameoalijaram:33 aprpria estruturadobandoespontneoimpedeoperaesmais ambiciosase,emboraostrintaenovebandosdaLucnia tivessem perturbado a regio durante alguns anos, estavam, na realidade, condenados a desaparecer. Em segundolugar, porqueaprpriaideologiadelesimpediaquechegassema uma verdadeira revolta. No porque os bandidos fossem, em geral,tradicionalistasempolticapoisleaismesmos eram ao povo mas porque a fora tradicional a cujo lado se tinham posto estava, tambm, condenada ou, ento, porque a antiga e a nova opresso se uniram, deixando-os isolados e sem amparo. Os Bourbon podem ter prometido distribuir as terrasentreoscamponeses,mas,narealidade,nuncao fizeram; no mximo, ofereceram a alguns ex-bandidos umas patentes no exrcito. Com muito maior facilidade os traam e os eliminavam quando no precisavam mais deles. Giuliano tornou-seumjoguetedasforasoficiaisquenoconseguia entender quando se deixou transformar em chefe militar dos separatistassicilianos(sobodomniodaMafia).Eonico

33 Racioppi, op. cit., cap. XXI. fato patente em relao aos homens que se utilizaram dele e depois o desprezaram a diferena de concepo que tinham sobre a independncia da Siclia, muito diversa da dele que, comtoda[42]acerteza,seaproximavamaisdospontosde vistadoscamponesesorganizadosqueelemassacrou,em 1947, em Portella della Ginestra, no comcio de 1 de maio. Para se tornarem realmente paladinos do prprio povo, precisoqueosbandidosdeixemdeserbandidos:nisso resideoparadoxodosmodernosRobinHood.Naverdade, nopodemassociar-seaoslevantescamponesesporque nessesmovimentosdemassa,emgeral,maisobando pequenoquepreparaterreno paraumaaoefetivaforada aldeiadoqueasgrandesmultides,34 equemelhorncleo parataistropasdechoquequeosgruposdebandoleirosj existentes?Assim,foraminiciadas,em1905,asatividades doscamponesesdaaldeiaucranianadeBykhvostovapelo cossacoVassiliPotapenko(otzardobando),pelo camponsPyotrCheremok(ministrodoprimeiro)eo respectivobando,doishomensqueanteriormentetinham sido expulsos da comunidade da aldeia por crimes cometidos no sabemos se voluntariamente ou por presso e, mais tarde,readmitidos.Comoemoutrasaldeias,essesbandos, querepresentavamospobres,oscamponesessemterraeo sentimentodacomunidadecontraosindividualistaseos protegidos,forameliminadosdepoispelacontra-revoluo doskulaks. 35 Contudo,obandonoteriapodidofuncionar

34 Depreende-se,claramente,issodoestudosobreoLevantedos Trabalhadores Ingleses em 1830, sendo que o The Village Labourer, de J. L. e B. Hammond, , ainda, o nico bom relato publicado. 35 Labry,op.cit.,transcreveTheAgrarianTroublesintheGuberniade Chernigovin1905doIstoricheskiVyestnik(julhode1913),206-26.Nove camponeses e seis cossacos morreram. Labry observa, corretamente, que essa rea ficava nos limites da zona em que o mir era poderoso e resistente e onde a dissoluoeaformaodepropriedadesruraisindividuaisavanava, rapidamente (pgs. 72 e segs.). comoumaformaduradouradeorganizaopara camponesesrevolucionrios.Nomximoteriaconstitudo umauxiliarprovisriodeoutrosbandos,igualmente no-organizados. Assim,ospoetasromnticosquecriaramumaimagem do bandido, por exemplo, Schiller em Os Ladres, estavam enganadosquandoacreditavamqueeleseram,realmente, rebeldes.Osanarquistasbakuninistasquedelesfaziam uma idia [43] mais sistemtica porque de fato conheciam o espritodedestruioqueosanimava,oquepensavam poderaproveit-losembenefciodesuaprpriacausa, estavamperdendotempoeodoscamponesestambm.36 Umavezououtra,apenas,conseguiamtalresultado.H, tambm,pelomenosumcasodemovimentocampons primitivoemqueadoutrinaanarquistasecombinoucom umfortetraodebanditismoequesetransformouem forarevolucionriaregionaldeimportncia,embora temporria.Masquem,defato,acreditaquecomaquele gnioparacomandarguerrasirregulares, Makhnovshchina, o bandido da Ucrnia meridional (1918 - 21), teria aceito qualquer outra possibilidade que no fosse a de derrotar todo o poder supremo que conquistasse as terras russas? 37

36 Cf. Bakunin: O bandido sempre o heri, o defensor, o vingador do povo, o inimigo irreconcilivel de qualquer Estado, regime social ou civil, o lutador de vida e de morte, contra a civilizao do Estado, a aristocracia, a burocracia e o clero. O problema mais completamente apresentado por F. della Peruta, La bandadelMateseeilfallimentodellateoriaanarchicadellamoderna Jacquerie in Italia (Movimento Operaio, N. S. 1954, 337-85). 37 OrelatomaisequilibradodessemovimentoodeW.H.Chamberlin,The RussianRevolution,II,232esegs.,doqualtiradaacitao.Orelato makhnovistapadroodeP.Arshinov,MemriasdeMakhnodeonde foram extradas as citaes do Apndice que no parece ir alm de 1918. O trao de banditismo fortemente negado pelos anarquistas e superapontado peloshistoriadoresbolcheviques,mascasabemcomoprimitivismo notavelmentepurodesseinteressantemasinfelizmentedesprezado O futuro reside na organizao poltica. Os bandidos que noqueremseguirosnovoscaminhosdelutapelacausa camponesa,comomuitosdelesfazem,geralmente convertendo-senacadeiaoualistando-senoexrcito, deixamdeserospaladinosdospobresparasetornarem meros criminosos ou adeptos dos partidos dos latifundirios e dos negociantes. Tais bandidos no tm futuro. S os ideais pelosquaislutavamequefaziamqueoshomenseas mulheresentoassemcanesemhomenagem[44]aeles que sobrevivem e, em volta da lareira, estes ainda mantm a imagem de uma sociedade justa cujos heris so corajosos e nobrescomoasguias,velozescomooscervos,filhosdas montanhas e das florestas profundas. NOTA SOBRE BANDIDOS DE ESQUERDA, PR-SOCIALISTAS Como vimos, quando o bandido tinha uma ideologia poltica, estaerasempreumaformadetradicionalismorevolucionrio.O bandoleiroIgrejaeReicorrespondeaostumultosIgrejaeRei das cidades (ver captulo VIII). Uma vez que a lealdade fundamental do bandido era dirigida ao campons com a respectiva e permanente oposiosautoridadesdomomento,mesmoosbandoleirosmais tradicionalistasnotinhamamenordificuldadeemfazercausa comumcomoutroselementosdaoposioecomrevolucionrios, sobretudoseestes,tambm,estavamsendoperseguidos.Carmine Donatello(Crocco)pdefazeraseguinteproclamao,em1863 (A.Lucarelli,IIBrigantaggioPolticodellePugliedopoil1860, 138): Morteaostraidores,morteaosmendigos,longavidaparaobelo reinodeNpolescomseusoberanoprofundamentereligioso,longa movimento. significativo, alis, que embora exercendo suas atividades sobre uma extensa rea da Ucrnia meridional, Makhno voltasse, de vez em quando, suaaldeianatal,Gulai-Polye,qual,comoqualqueroutrochefedebando campons primitivo, ele permaneceu ligado. (Chamberlin, op. cit., 237.) Ele viveu de 1884 a 1934, depois de 1921 no exlio. Converteu-se ao anarquismo no incio da dcada dos 20. vidaaoVigriodeCristoPioIXelongavidaparanossosardentes irmosrepublicanos(i.e.,ospartidriosdeGaribaldiedeMazzini que, tambm, estavam na oposio). Sofrequentesasreferncias,emtodooSuldopas, cooperaoentrerepublicanosebourbonistascontraosliberais moderados o prprio Garibaldi rejeitou ofertas de ajuda de vrios bandoleiros(G.Doria,Perlastoriadelbrigantaggio,emArch, Stor.Prov.Nap.,N.S.17,1931,390)eunspoucossoldadosque tinhamservidoaGaribaldi,provavelmenteporcausadomau tratamentorecebidodoheri,sevoltaramcontraSabiaese tornaram chefes bandoleiros menos importantes. (Lucarelli, op. cit., 82-3.) H,noentanto,algunsexemplosdebandidositalianos pr-socialistascomumaideologiaesquerdistaidentificvel jacobina ou carbonarista, assim como os bandidos idealizados pelos jacobinos urbanos, v. g., Angiolillo. Pode-se correr o risco de afirmar queeleseramsocialmentefigurasdecertamaneiraexcepcionais. Assimqueosbandidosjacobino-carbonaristasde1815-18, descritosporLucarelli,noeramcamponeses,enquantoa esmagadoramaioriadosbandoleirosnormaiseracompostade camponeses,pastoresouoquevemaseramesmacoisa ex-soldados.GaetanoMeomartino(Vardarelli),quefoiaceitoentre oscarbonrioscomorespectivobando,em1816ou1817,eraum seleiro;CiroAnnicchiarico,queseuniuseitadosDecisi,eraum intelectualrural,i.e.,umpadredeorigemcamponesaquetinha partidoparaasmontanhasduranteosperodosnapolenicos,[45] porrazespuramenteapolticas,asaber,umabrigaporcausade umamulher.Arespeitodasvisesreligioso-iluministasmilenrias queeletinha,verLucarelli,1815-18,129-31.Naturalmente,era muito mais fcil um intelectual ou um arteso de uma aldeia uma classe que, normalmente, no forneceu muitos bandidos assimilar umaideologiapolticarelativamentemodernadoquecamponeses pobres e pastores de cabras analfabetos. No entanto, na ausncia de dadosmaisabundantesdoqueosexistentesatomomentoeem vistadaatmosferapolticaconfusaecomplexaemque,com frequncia,operavamosbandoleiros,nopossveladiantar nenhuma hiptese com certeza. Captulo III A MAFIA [46] Noexisteumalinhademarcadaeseguraentreo banditismo social do captulo anterior e os movimentos que vo ser discutidos neste, entre os quais a Mafia siciliana o maisinteressanteepersistente.Ambossoextremamente primitivos no s nos sentidos definidos originalmente bem comoportenderemadesaparecerassimquesurgem movimentosmelhororganizados.So,dopontodevista coletivo,bastanteinadaptveis.Noslugaresemque conseguemsobreviveraoaparecimentodemovimentos modernoscomoligascamponesas,sindicatostrabalhistase partidos de esquerda o fazem como uma coisa bem diferente dos movimentos sociais. As Mafias conveniente empregar o termo para todos osfenmenosdessetipoapresentamcertonmerode caractersticasespeciais.Emprimeirolugar,nuncaso movimentossociaispuroscomfinalidadesespecficaseum programa.So,comoeramantes,ospontosdereuniode todaasortedetendnciasexistentesdentrodassociedades emquefuncionam:defesadasociedadecomoumtodo contraasameaasprpriaformatradicionaldevida,as aspiraesdasvriasclassesqueexistemdentrodela,as ambiespessoaiseas aspiraesdosmembrosindividuais ativos.Emcertamedida,portanto,elassocomoos movimentosnacionaisdosquaissoumaespciede embrio,espontneas.Dependedascircunstnciasseoque determina a cor geral delas o protesto social por parte dos pobres,comonaCalbria,ousesoasambiesdaclasse mdialocal,comonaSiclia,oupuramenteocrime,como acontececomaMafianorte-americana.Emsegundolugar, porque,em[47]certamedida,elasnopossuem organizao.verdadequecertasMafiasso,pelomenos no papel, centralizadas e com canais prprios de comando epromoo,baseadas,talvez,nomodelodasordens manicas.Asituaomaisinteressante,noentanto,em relaoaelasque,comosucedecomaclssicaMafia siciliana, no existe ou ao menos at certa fase no existia umaorganizaoadequadaacimadonvellocalemesmo nesse nvel s uma organizao muito primitiva. SobquecondiessurgemasMafias?Estapergunta, simplesmente,nopodeserrespondidaporquenemao menossabemosquantasexistemouexistiram.AMafia sicilianaonicogrupodessetipoqueprovocoucerto nmero de descries e de anlises. Afora referncias casuais sassociaesdedelinquentes,associaessecretasde ladreseprotetoresdeladresecoisasdognero,quase nada sabemos acerca da situao delas em outros lugares e o poucoquesabemosnospermite,nomximo,dizerquea situaodeondeaMafiapoderiatersurgidoexistia,mas nonolugaremqueexisteagora.1 Nopodemoschegar concluso de que a ausncia de informao signifique que tal fenmeno no tenha existido. Assim, como veremos adiante, noh,absolutamente,dvidasobreaexistnciadeum grupodotipomafianaCalbriameridional.Mas,parte refernciasdepassagemsobresociedadessecretasna CalbriaeemCilento(aregiosuldogolfodeSalerno),ao

1 Ver Zugasti, op. cit., Introduo, vol. I, para os relatrios dos alcaides sobre a situao do crime nas respectivas reas da provncia de Crdova, c. 1870; e. g., uma sociedade secreta de ladres em Baena, uma sociedade de ladres em Montilla, algo quese parece um pouco com umamafia no famosopueblo de Benameji,deladres,eaoposiosilenciosaemIznajarestavadeacordo comocostumeinveteradodaquelepas,todosessescrimesficaramsem punio(t.e.,insolveis).Inclino-meaaceitaropontodevistadeBrenan segundo o qual se tratava mais de umaproto-mafia do que propriamente de uma Mafia. Cf. tambm captulo V sobre o anarquismo andaluz, mais frente. que parece, no h nenhum registro a respeito no passado.2 Isso[48]menossurpreendentedoquepossaparecer.Os grupossecretos,compostosquasequeinteiramentede homensiletrados,agemnaobscuridade.Oscidadosda classe mdia so profundamente ignorantes, e, via de regra, eram profundamente desdenhosos em relao classe baixa sobodomniodeles.Dadecorrequeanicacoisaque podemos fazer no presente concentrar-nos em um ou dois exemplosdeMafiasconhecidas,naesperanadequeestes possam, finalmente, elucidar algo sobre reas at agora no investigadas. AMafiamenosconhecidadoquesesupe.Embora nohajamuitacontrovrsiaquantoaosfatoseexistauma boaquantidadedeestudosteiseumaliteraturaanaltica,3 temsidoconfusaadiscussopblica,empartepelohbito jornalstico de romancear o problema, em parte pela simples impossibilidadedospiemonteseselombardos reconheceremquea'delinqunciasiciliana'era,na

2 G.Alongi,LaCamorra(Turim,1890),30.AnotasobreaCamorrada Calbria(ArchiviodiPsichiatria,IV,1883,295)pareceinteressar-se, exclusivamente,porumaorganizaodeescroquesdacidadedeReggio Calabria,dandoaimpressodequequasenoseinteressapelasociedade rural.Cabenotarqueningummaisestevemaisapaixonadamente interessado por esse tipo de fenmeno do que a escola positivista (Lombroso) italiana de criminologia da qual o Archivio um dos rgos. 3 Asprincipaisfontesusadasnesteartigo,almdealgumasconversaes pessoaisentabuladasnaSiclia,so:N.Colajanni,LaDelinquenzainSicilia (1885),LaSiciliadaiBorboniaiSabaudi (1900); A. Gutrera,LaMaffiaedi Mafiosi(1900);G.Alongi,LaMaffia(1887);G.Montalbane,LaMafia (NuoviArgomenti,nov.-dez.,1953);vriaspesquisasoficiosasetrabalhos padressobreaeconomiaecondiessociaisdaSiciliadosquaisodeL. Franchetti,CondizioniPoliticheeAmministrativedellaSicilia(1877),um exemplar encorajador, e os artigos de G. Mosca no Giornale degli Economisti, 1900,eaEncyclopediaofSocialSciences.Ograndevolumedeliteraturade pesquisa interessada na Mafia surgiu entre 1880 e 1910 e de se deplorar, em comparao, a carncia de anlises mais modernas. realidade, a lei de uma sociedade diferente... uma sociedade semifeudal.4 Ser,portanto,convenientefazerumresumo do que se conhece a respeito. ApalavraMafiaapareceaquiparadesignarvrias coisasdistintas.Emprimeirolugar,representaumaatitude geralcomrespeitoaoEstadoeleiestatalqueno, necessariamente,muitomaiscriminosadoque,digamos,a dosestudantesdeescolaspblicasemrelaoaos respectivos mestres. Um mafioso nunca [49] invoca o Estado ou a lei em suas contendas pessoais, mas se faz respeitar e se protege atravs da reputao de agressividade e coragem que eleconquistaparasi,eresolveasdiferenaspelaluta.A nica obrigao que ele reconhece a do cdigo de honra ou omert(virilidade),cujoartigofundamentalprobeprestar informaessautoridadespblicas.Emoutraspalavras,a mafia(queserescritacomletraminsculaquando empregadanessesentido)eraumaespciedecdigode comportamentoquesempretendeadesenvolver-seem sociedades que no gozam de uma ordem pblica efetiva ou emsociedadescujoscidadosencaram,hostilmente,parte ouatotalidadedasautoridades(como,porexemplo,nas cadeiaspblicasounosubmundoforadelas)oucom menosprezo em relao a coisas realmente importantes (por exemplo, escolas) ou combinando ambas as coisas. preciso venceratentaodeligaressecdigoaofeudalismo,oua virtudesaristocrticasecoisassemelhantes.Aregramais completa e vinculadora dele era observada por souteneurs e valentes menores dos cortios de Palermo, cujas condies devidaseaproximavammuitssimodailegalidadeou daqueleestadohobbesianoemqueasrelaesentreos indivduoseosgrupospequenossosemelhantess existentes entre dois poderosos soberanos. Corretamente, se

4 E. Sereni, II Capitalismo nelle Campagne, 1860-1900 (Turim, 1948), 187. temressaltadoquenaspartesrealmentefeudaisdailha, omertqueriasignificar,apenas,queserapermitido denunciar o fraco e o derrotado. 5 Onde existe uma estrutura depoderestabelecida,ahonratendeapertencerao poderoso. Nascomunidadessemlei,raramenteopoderse dispersa entre uma anarquia de unidades competitivas, mas se concentra em torno dos pontos fortes locais. O patronato suaformatpica,eseuproprietriotpicoomagnataou chefesecretocomtodoocorpoderepresentantese dependentes e a rede de influncia que o cerca e que leva os homensasecolocaremsobaproteodele.AMafia,no segundosentido,quaseumsinnimodesteaqui,embora tenha a tendncia de ser aplicada mais aos asseclas (a baixa Mfia)doqueaospatres.Muitasformasdessesistema so,certamente,feudais,sobretudonoslatifundiado interior da ilha; muito provvel, tambm, na Siclia (onde, legalmente,asrelaesfeudaisaindanotinham[50]sido abolidasatosculoXIXeondeasimbologiadasmesmas ainda persiste, hoje em dia, nas batalhas entre cavalheiros e sarracenospintadasnosflancosdascarroasdos camponeses),queformasfeudaisdelealdadetenham contribudo para configur-la. Essa questo, no entanto, a demenorimportnciaporqueasseclasepatronatopodem comearaexistirsemqualquertradiofeudal.Oque caracterizava a Siclia era a prevalncia total de tal patronato eavirtualausnciadequalqueroutraformadepoder contnuo. AMafia,noterceiroemaisusualsentidodapalavra, no se distingue facilmente do segundo: o controle da vida dacomunidadeporumsecretoou,melhor,um no-reconhecidooficialmentesistemadegangs.Peloque

5 Franchetti, 219-21. sabemos,essetipodeMafiajamaisconstituiuuma sociedadesecretanica,centralmenteorganizada,comoa Gamorranapolitana,emboraasopiniesarespeitodograu decentralizaodamesmatenhamsempresido divergentes.6 OrelatriodoProcuradordePalermo expressa, provavelmente, melhor a situao: Asassociaesdepequenaslocalidadesnormalmente exercem jurisdio dentro destas e nas comunas vizinhas. As decentrosimportantesmantmrelaesumascomas outrasmesmocomasdasprovnciasmaisremotas, prestando-se assistncia e ajuda mtuas.7 Defato,sendo,emprimeirolugar,umfenmeno essencialmente rural, difcil imaginar que a Mafia pudesse serhierarquicamentecentralizadalevando-seemcontao que eram os meios de comunicao no sculo XIX. Era muito mais uma rede de gangs locais (coscke parece que hoje em diaelassechamamfamlias),svezesduasoutrs poderosas,svezesmuitomaisnumerosas,cadauma controlando certo territrio, [51] normalmente uma comuna ouumlatifundiumeligadasumassoutrasdevrias maneiras. Cada cosca explorava o prprio territrio, embora, svezes,duranteaemigraodogadoasgangsdos territriosporondepassavamosanimaistambm cooperassem.Asmigraesdostrabalhadoresparaa colheita, e especialmente as ligaes entre os latifundia e os advogados das cidades e a massa de mercados pecurios e de

6 Mafia, deEd.Reid,jornalistaamericano(NovaYork,1952),quesustentao ponto de vista da centralizao, no deve ser levado em conta porque o livro provavelmenterealizadospressasparaaproveitarummercadoabertopelo InquritoCriminaldoSenadorKefauver(quefazianumerosasacusaes contraaMafia)mostraumaacentuadacarnciadeestimativados problemassicilianos.A provamaisfortedecentralizao tiradadoperodo posterior a 1943, mas este, tambm, ambguo. 7 Citado em Montalbane, loc. cit., 179. feirasespalhadasportodoopas,deveriampossibilitar outros contatos entre os grupos locais. 8 Osmembrosreconheciam-seunsaosoutrosmaispela maneiradeser,devestir-se,defalaredecomportar-sedo queporsinaissecretamentecombinadosousenhas. Violncia e virilidade profissionais, parasitismo e banimento profissionaisalimentavamoespecialcomportamentodeles, destinado,numasociedadesemleis,aimpressionaro rebanhoe,talvez,tambm,osleespelopoderdas raposas, assim como para mant-los afastado do rebanho. Os bravi dos Noivos de Manzoni vestiam-se e comportavam-se maneira dos mocinhos (picciotti) na Sicilia, dois sculos e meiodepois.Poroutrolado,cadagangjtinha,em1870, rituaisdeiniciaoesenhasaltamentepadronizados, embora tenham cado no esquecimento, posteriormente. 9 Se verdadeouno,conformesustentaCutrera,queelesse desenvolveram,muitotempoantes,nacadeiadeMilazzoe foram popularizados atravs de canes e de peas literrias como Vida e Faanhas do Bandido Pasquate Bruno, no sei. Maseram,claramente,osrituaisdeumaantiquada fraternidadedesanguedoMediterrneo.Oritualcrucial normalmente(excetoondenoerapossvel,comonas cadeias)erarealizadodiantedeumaimagemsanta consistia em furar o polegar do candidato e tirar sangue que eraesfregadonaimagemsantaeesta,depois,queimada. Esteltimoatodeveriadestinar-seavincularonovio irmandade pela quebra de [52] um tabu; tambm referido umritualqueconsistiaemacertarcomumapistolauma

8 Alongi, op. cit., 70 e segs. 9 Montalbane, loc. cit. A descrio mais completa que existe sobre eles a dos Stoppaglieri,deMonrealeevizinhanas,edaFrateltanza,deFavara (provnciadeAgrigento)evizinhanas.Elasforampublicadasemvrios lugares,e.g.,Montalbane.Ver,tambm,F.Lestingi,LAssociazionedella Fratellanza, em Archivio di Psichiatria, V (1884), 452 e segs. esttuadeJesusCristo.10 Umaveziniciado,oMafioso tornava-seumcompadre,sendonaSiclia,comoem qualquerlugardoMediterrneo,ocompadrioaforma artificialdeparentescoqueimplicavaasmaioresemais solenesobrigaesdeajudamtuaentreaspartes contraentes.Assenhas,tambm,parecemtersido padronizadas.Isso,noentanto,noprovaqueaassociao eracentralizadaporqueaCamorraumaorganizao puramentenapolitana,semqualquerlaocomaSiclia tambm tinha uma iniciao para fraternidade de sangue de um tipo semelhante.11 Dentrodoslimitesemquepodemosadiantaralguma coisa, embora padronizados, parece que cada grupo encarava tais rituais como vnculos secretos da mesma maneira que as crianasadotamformaspadronizadasdepalavrastorcidas comosendo,estritamente,umalinguagemparticular.Na realidade,provvelqueaMafiatenhadesenvolvidouma espciedecoordenaoquase-nacional,comumadireo central,seestetermonofortomadocomdemasiada preciso,estabelecidaemPalermo.Todavia,comoveremos depois, isso refletia mais a estrutura e evoluo econmica e polticadaSicliadoquequalquerplanomagistralde criminalidade.12 SobodomniodoEstadoBourbonoupiemonts, embora,svezes,vivendoemumaestranhasimbiose,a Mafia (nos trs sentidos da palavra) forneceu uma mquina

10 Montalbane, 191. 11 Ed.Reid.,op.cit.,sobreumainiciaoemNovaYork,1917,143-4;Alongi, 41. 12 provvel tambm que a Mafia fosse mais centralizada entre os imigrantes na Amrica do Norte do que no prprio pas porque estes foram transferidos paraoNovoMundo empoucastravessias,relativamente,eestabelecidosem umpunhadodecidadesgrandes.Talnecessidade,entretanto,nonos interessa. paralela de direito e de poder organizados; de fato, no que se refereaoscidadosdasreassobinflunciadamesma,era elaonicodireitoepoder.Emumasociedadecomoa siciliana em que o Governooficial no podia ou no exercia umcontroleefetivo,oaparecimentodeumtalsistemaera to inevitvel quanto a presena de um poder de gang, ou a suaalternativa,bandosprivadose[53]vigilantesemcertas partes da Amrica do laissez-faire. O que distingue a Siclia aextensoeacoesodessesistemaprivadoeparalelode poder. Noera,contudo,universalporquenemtodasas camadas da sociedade siciliana precisavam igualmente dele. Ospescadoresemarinheiros,porexemplo,nunca desenvolveram o cdigo de omert e afora o submundo eleerapoucodesenvolvidonascidades,querdizer,nas verdadeirascidades,nonasgrandesaglomeraesemque viviamoscamponesessicilianos,numterritriodeserto, dominadoporbandidoseatmesmomalrico.Osartesos dacidade,narealidade,tendiam,especialmenteduranteas revoluescomoadePalermoem1773e1820-1a organizarsuasprpriasmilciasourondeatqueas classesdominantessealiaram,temerosasdasimplicaes revolucionriasdecorrentes,elhesimpuseramaGuarda Nacional,socialmentemaisseguraefinalmenteuma combinaodapolciacomosMafiosos,depoisde1848.13 Por outro lado, certos grupos tinham necessidade especial de proteoprivada.Oscamponesesdoimensointeriordos latifndio, e os mineiros das minas de enxofre precisavam de algummeioparamitigaraprpriamisriaalmdas peridicas jacqueries. Para os possuidores de certos tipos de propriedadegado,queeratofacilmenteroubadonos pastosdadesertaSicliaquantonoArizona,elaranjase

13 Montalbane, 194-7, para um valioso debate sobre o problema. limes,queconvidavamosladresaentrarnospomares abandonadosdacostaaproteoeravital.E,defato,a Mafia se desenvolveu em trs reas desse gnero. Dominou asplanciesirrigadasefrutferasemtornodePalermocom os respectivos ranchos arrendados pelos camponeses, frteis efragmentados,asreasdasminasdeenxofredocentro meridional e o campo raso dos latifundia. Fora dessas reas, era mais fraca, com uma tendncia a desaparecer na metade oriental da ilha. umerropensarqueasinstituiesqueparecem arcaicassejammuitoantigas.Elaspodem,comoasescolas pblicasouovesturiofantasiosoquefazpartedavida poltica inglesa, ter surgido recentemente (embora realizadas commaterialvelhooupseudo-antigo)pormotivos modernos.AMafianomedieval,[54]esimuma instituiodossculosXIXeXX.Seuperododegrandes glriascomeaacairdepoisde1890.Nocabedvidade queoscamponesessicilianosviveram,atravsdahistria, soboduploregimedeumGovernocentralremotoe, geralmente, estrangeiro, e um regime local de escravos ou de senhor