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Relação entre nutrição, doença e imunidade DISCIPLINA CLÍNICA DAS DOENÇAS CARENCIAIS, ENDÓCRINAS E METABÓLICAS. DEPARTAMENTO DE CLÍNICA E CIRURGIA VETERINÁRIA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS DA UNESP, Jaboticabal. Prof. Dr. Aulus Cavalieri Carciofi Hoje em dia, no Brasil, raramente se encontra algum Hospital ou Clínica Veterinária que possua um rigoroso critério para o controle do consumo de alimentos dos animais internados. Alguns clínicos ainda acreditam que a intervenção nutricional não é tão necessária e que se houver uma terapia adequada, o apetite pode se regularizar em até 5 dias (BURKHOLDER, 1995). No entanto, atualmente já está comprovado que a ingestão de alimentos é fundamental para a manutenção da imunocompetência, reparação de tecidos e metabolismo intermediário de drogas (CHANDRA, 1981; CRANE, 1989; CHANDRA, 1992 a ; CASE, et al., 2010; FETTMAN e PHILLIPS, 2000; REMILLARD, et al., 2001), sendo fundamental para o sucesso da terapia e na recuperação do animal (SIMPSON, et al., 1993; LEWS, et al., 1994; HILL, 1994; CASE, et al., 2010; TENNANT, 1996; REMILLARD, et al., 2000; BRUNETTO, et a., 2010). Geralmente os pacientes internados diminuem seu apetite não só pela doença, mas também pelo estresse da hospitalização. Nesta situação os animais ficam confinados, em um habitat desconhecido e junto a animais estranhos (BOULCOTT, 1967). Entretanto, é justamente neste momento que precisam de uma atenção nutricional especial, pois em resposta ao estresse e à doença, observam-se alterações metabólicas que resultam em aumento das necessidades nutricionais, da taxa metabólica (hipermetabolismo) e a persistente perda de nitrogênio. O déficit energético associado ao balanço nitrogenado negativo se sobrepõe ou agrava as deficiências nutricionais pré-existentes (BUTTERWICK e TORRANCE, 1995). Má-nutrição em humanos tem sido estatisticamente associada ao aumento nas taxas de

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Relação entre nutrição, doença e imunidade

DISCIPLINA CLÍNICA DAS DOENÇAS CARENCIAIS, ENDÓCRINAS E

METABÓLICAS.

DEPARTAMENTO DE CLÍNICA E CIRURGIA VETERINÁRIA

FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS DA UNESP,

Jaboticabal.

Prof. Dr. Aulus Cavalieri Carciofi

Hoje em dia, no Brasil, raramente se encontra algum Hospital ou Clínica Veterinária

que possua um rigoroso critério para o controle do consumo de alimentos dos animais

internados. Alguns clínicos ainda acreditam que a intervenção nutricional não é tão necessária

e que se houver uma terapia adequada, o apetite pode se regularizar em até 5 dias

(BURKHOLDER, 1995). No entanto, atualmente já está comprovado que a ingestão de

alimentos é fundamental para a manutenção da imunocompetência, reparação de tecidos e

metabolismo intermediário de drogas (CHANDRA, 1981; CRANE, 1989; CHANDRA,

1992a; CASE, et al., 2010; FETTMAN e PHILLIPS, 2000; REMILLARD, et al., 2001),

sendo fundamental para o sucesso da terapia e na recuperação do animal (SIMPSON, et al.,

1993; LEWS, et al., 1994; HILL, 1994; CASE, et al., 2010; TENNANT, 1996;

REMILLARD, et al., 2000; BRUNETTO, et a., 2010).

Geralmente os pacientes internados diminuem seu apetite não só pela doença, mas

também pelo estresse da hospitalização. Nesta situação os animais ficam confinados, em um

habitat desconhecido e junto a animais estranhos (BOULCOTT, 1967). Entretanto, é

justamente neste momento que precisam de uma atenção nutricional especial, pois em

resposta ao estresse e à doença, observam-se alterações metabólicas que resultam em aumento

das necessidades nutricionais, da taxa metabólica (hipermetabolismo) e a persistente perda de

nitrogênio. O déficit energético associado ao balanço nitrogenado negativo se sobrepõe ou

agrava as deficiências nutricionais pré-existentes (BUTTERWICK e TORRANCE, 1995).

Má-nutrição em humanos tem sido estatisticamente associada ao aumento nas taxas de

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complicações, permanência prolongada no hospital e aumento nos custos totais de tratamento

(MEGUID e MUGHAL, 1987).

Na “desnutrição simples”, ou desnutrição não acompanhada de doença, a oxidação de

gorduras é acompanhada por cetogênese e reduzida degradação protéica. Quando a

desnutrição e o hipermetabolismo – conseqüente à doenças - ocorrem ao mesmo tempo

(“desnutrição-estresse”), a degradação protéica não é suprimida e pode mesmo acelerar-se

ainda mais. Como não há estoques de proteína no corpo, os substratos para a gliconeogênese

são obtidos à partir de tecidos estruturais e funcionais. O catabolismo de tecido muscular

periférico pode sustentar o paciente por um período, até que funções vitais começam a ser

afetadas. Sistemas orgânicos que dependem de um turnover celular rápido, tais como o

intestino e o sistema imune, são mais vulneráveis. A combinação de função imune deprimida

e falha da barreira da mucosa gastrintestinal apresenta graves conseqüências para o

prognóstico do paciente. O tecido linfóide intestinal sofre depleção e há redução na secreção

de IgA, aumentando-se os riscos de translocação bacteriana do lúmen intestinal, através da

mucosa comprometida, para o sangue portal. O sistema retículo endotelial hepático também

pode estar comprometido e, assim, mais bactérias e toxinas do intestino atingem a circulação

sistêmica podendo levar à sepse e à endotoxemia.

Nos últimos estágios da desnutrição protéico-energética a hipoproteinemia

desenvolve-se, resultando em redução da pressão oncótica, edema, infecção e atraso na

cicatrização de feridas. A má-nutrição protéico-energética é um dos principais fatores

contribuintes para a falência múltipla de órgãos. Pacientes desnutridos e hipermetabólicos são

relativamente intolerantes à glicose e usam-na ineficientemente como fonte de energia. O

hipermetabolismo é sustentado primariamente pela oxidação de gordura e catabolismo

protéico. Assim, proteínas e gorduras são as principais fontes de energia para pacientes

críticos (TORRANCE, 1996), determinando a seleção de alimentos com mais proteínas e

gorduras e, proporcionalmente, menos carboidratos.

A assistência nutricional ao paciente hospitalizado tem como objetivos manter ou

evitar o decréscimo da imunocompetência, da síntese e reparação tecidual e do metabolismo

intermediário de drogas, as três principais conseqüências da desnutrição (HAND et al., 2000).

Entende-se como desnutrição, ou má-nutrição, o consumo insuficiente de calorias, proteínas e

oligoelementos necessários para o metabolismo tecidual normal, o que prejudica diretamente

o manejo médico ou cirúrgico do paciente (REMILLARD et al., 2001; BATTAGLIA, 2001).

Deve-se buscar mudança de paradigma, não se deve esperar que o animal

melhore para que o apetite retorne e este volte a se alimentar, mas sim alimentá-lo para

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que este se sinta melhor e se recupere mais rápido. A maioria dos animais doentes requer

atenção intensificada para a quantidade e qualidade do que comem. O suporte nutricional

pode ser tão vital como qualquer outra terapia, como fluídos ou antibióticos (DEVEY, et al.,

1995). Segundo Giner et al. (1996), o suporte nutricional oferecido a pacientes desnutridos

poderia prevenir complicações, reduzir a permanência hospitalar e aumentar a taxa de

sobrevivência, pois a má-nutrição é fator prognóstico negativo em pacientes criticamente

doentes e, dessa forma, há alta relevância na sua identificação e correção precoces.

A literatura apresenta inúmeros fatores pelos quais a baixa ingestão energético-

protéica correlaciona-se com maior mortalidade. Esta é, ainda hoje, a causa mais comum de

imunodeficiência em pacientes humanos hospitalizados (JOHANSEN et al, 2003). Carnevale

et al. (1991) verificaram incidência de desnutrição ou subnutrição de 25% a 65%, baseando-se

no histórico, efeitos fisiológicos da doença primária e parâmetros bioquímicos dos pacientes

caninos e felinos estudados. Na rotina clínica veterinária é comum receber-se os pacientes

com histórico de hiporexia, ou mesmo anorexia, ha vários dias. Esta condição não pode ser

desconsiderada pelo clínico, pois neste momento o paciente já adentra o consultório

desnutrido, necessitando de intervenção nutricional imediata.

Benefícios do suporte nutricional a cães e gatos hospitalizados incluem: favorecimento

da recuperação do paciente; redução da mortalidade e melhora da resposta orgânica ao trauma

e ao estresse. Um de seus objetivos primários é prevenir o catabolismo de proteínas teciduais,

pois pacientes hospitalizados freqüentemente se apresentam em balanço de nitrogênio

negativo. A prevenção do catabolismo pode ser conseguida pelo fornecimento de suficiente de

energia e proteína em proporção adequada (DONOGHUE, 1994).

Johansen et al. (2003) avaliaram o efeito da intervenção nutricional em amostra

randomizada de pacientes humanos hospitalizados em risco nutricional. A intervenção foi

efetiva em promover ingestão de mais de 75% das necessidades de energia em 62% dos

pacientes. No grupo que não recebeu intervenção apenas 36% dos pacientes ingeriram mais de

75% de suas necessidades energéticas. A taxa de complicações e o período de hospitalização

médio não diferiram entre os dois grupos. Entretanto, dentre os pacientes com complicações,

houve diferença significativa (p=0,028) entre a média de dias de internação do grupo que

recebeu intervenção nutricional (17± 2 dias) e a média do grupo que não a recebeu (22± 2

dias).

Não existem muitos estudos em pacientes veterinários sobre a incidência e

conseqüências da má-nutrição. Quanto esta aumenta a morbidade e a mortalidade? Estes são

aspectos que necessitam de melhor quantificação. Da mesma forma, poucos estudos clínicos

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foram realizados em pacientes veterinários para se determinar quais parâmetros são aplicáveis

e quão acurados eles são na determinação da condição nutricional e na predição da alta

hospitalar (MICHEL, 1993).

Influência da nutrição sobre a imunidade

Nas últimas duas décadas houve avanço das informações científicas a respeito da

nutrição do animal enfermo. A síndrome de imunodeficiência adquirida nutricional é hoje

bem conhecida e estabelecida. Este conhecimento, no entanto, ainda não faz parte da rotina

médica de clínicas e hospitais veterinários, que usualmente não têm a nutrição como parte do

tratamento médico veterinário (REMILLARD, et al. 2010). A má nutrição de animais

internados é mais comum do que usualmente se reconhece. Estudo nos Estados Unidos

envolvendo 276 cães e 821 dias de hospitalização, REMILLARD et al. (2001) encontraram

que somente em 27% dos dias os animais ingeriram alimento suficiente para atingir balanço

energético positivo. Entre as causas que levaram ao balanço energético negativo listaram a

recusa do animal em se alimentar ou anorexia (43%), prescrição de jejum (34%) e prescrição

dietética incorreta por parte do veterinário (22%). Não existem informações a este respeito

para o Brasil.

Existe importante interação entre nutrição, imunocompetência e doenças. Esta está

resumida na Figura 1, a seguir.

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Figura 1: Inter-relação entre desnutrição, imunidade e infecção

infecçãoinfecção

desnutriçãodesnutriçãoprejuízo aoprejuízo ao

sistema imunesistema imune

febre

anorexia

necessidades

catabolismo

perda da integridade epitelial

secreções (ac gástricos, lisozima)

prejuízo das funções imunes

atividade células T

atividade do complemento

atividade microbicida

neutropenia

imunossupressão

consumo do complemento

A doença primária leva ao aumento do catabolismo e das necessidades nutricionais,

estado denominado hipercatabolismo. Esta condição vem, normalmente, acompanhada por

anorexia. Esta associação de fatores culmina com acelerado consumo e perda das reservas

nutricionais do organismo, resultando em desnutrição. No animal doente, três fatores

normalmente estão presentes favorecendo o estabelecimento da desnutrição: a) aumento do

catabolismo com redirecionamento das reservas nutricionais para áreas mais importantes,

como sistema imune e reparação tecidual, e também para atender ao ritmo metabólico mais

acelerado (gliconeogênese); b) aumento do anabolismo representado pela síntese de elementos

do sistema imune e reparação tecidual, gastos energéticos novos que surgem em adição ao

metabolismo basal; c) menor digestão e assimilação associada à perdas adicionais

representadas por diarréias, hemorragias, transudações, etc., que carreiam nutrientes do meio

interno para o meio externo. A maioria dos pacientes hospitalizados estão sob estresse

metabólico em função de infecções ou traumas. Alguns encontram-se hipermetabólicos e

outros hipometabólicos. Doenças primárias podem exacerbar desbalanços nutricionais e a

terapia pode alterar a capacidade homeostática do animal. Feridas e tumores podem atuar

como fatores adicionais, levando a aumento das necessidades energéticas (DONOGHUE,

1989).

A resposta imune é dependente de replicação celular e da síntese de compostos

protéicos ativos. Desta forma, é fortemente afetada pelo status nutricional do animal, que

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determina a habilidade metabólica celular e a eficiência com que a célula reage aos estímulos,

iniciando e perpetuando o sistema de proteção e autoreparação orgânicas. Energia,

aminoácidos, vitaminas A, D, E, piridoxina, cianocobalamina, ácido fólico, Fe, Zn, Cu, Mg e

Se são nutrientes para os quais já se estabeleceu a estreita relação existente entre seu status

orgânico e o funcionamento do sistema imune (CHANDRA, 1992b). Diminuição de

anticorpos humorais e da superfície de mucosas, da imunidade celular, da capacidade

bactericida de fagócitos, da produção de complemento, do número total de linfócitos, do

equilíbrio dos subtipos de linfócitos T e dos mecanismos inespecíficos de defesa – barreiras

anatômicas da pele e mucosas, microbiota intestinal, substâncias secretoras como linfocina,

suco gástrico e muco, febre, alterações endócrinas e seqüestro de ferro sérico e tecidual – são

conseqüências de deficiências nutricionais. Os sistemas antimicrobianos dos neutrófilos são

afetados pela desnutrição, tanto os sistemas oxigênio-dependentes como os oxigênio

independentes (lactoferrina, lisozimas, hidrolases e proteases). Normalmente, o sistema imune

é o primeiro a sofrer alterações na desnutrição, respondendo antes mesmo do sistema

reprodutivo.

Os efeitos da má-nutrição energético-protéica tendem a ser específicos para cada

tecido e podem se tornar generalizados quanto maior for a demora em sua correção. Longos

períodos de privação alimentar culminam em grande mobilização de aminoácidos, que são

utilizados na síntese de DNA e RNA, na produção de proteínas de fase aguda e de energia

(gliconeogênese), agravando ainda mais o estado de desnutrição (SEIM III e BARTGES,

2003).

Com isto, cria-se um círculo vicioso no qual a desnutrição pode tanto ter sido a causa

como resultado da doença. Cabe ao veterinário investigar estas relações durante a anamnese e

exame físico, compondo o raciocínio clínico com a integração de todos os fatores causais de

morbidade. Muitas doenças têm sua origem em imunodeficiências conseqüentes à

desnutrição. Limitar-se ao emprego de fármacos seria restringir as opções terapêuticas e piorar

o prognóstico.

Pode-se argumentar, no entanto, que nem todas as doenças têm como pano de fundo a

desnutrição. Com o advento de bons alimentos industrializados para cães e gatos, desnutrição

tem sido situação cada vez menos freqüente. Mesmo assim, situação a instituição de plano

nutricional adequado é fundamental, caso contrário a desnutrição poderá vir a ser

conseqüência da doença, agravando o caso e piorando as chances de recuperação (CASE et

al., 2010)

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Baixa ingestão energético-protéica é causa relevante de imunodeficiência em pacientes

humanos. Estudo conduzido por Giner et al. (1996) verificou que dos 129 pacientes

estudados, 43% estavam malnutridos. A incidência de complicações (P<0,01) e o número de

pacientes que não apresentaram alta do hospital (P<0,05) foram maiores dentre os

desnutridos. Não existem muitos estudos a este respeito na Medicina Veterinária, especula-se

que a incidência de desnutrição energético-protéica é bem maior em cães e gatos, em

decorrência do não fornecimento de suporte nutricional na grande maioria das clinicas e

hospitais veterinários. Verifica-se na desnutrição calórico-protéica um decréscimo progressivo

da resposta imune incluindo a resposta mediada por células, produção de IgA secretória, poder

de fagocitose, funcionamento do sistema complemento, afinidade de anticorpos e produção de

citoquinas (CHANDRA, 1981; CHANDRA, 1992a; CHANDRA, 1992b).

Para que haja adequada síntese e reparação de feridas, nutrição adequada é essencial.

Localmente são necessários aminoácidos e glicose para a síntese de colágeno e metabolismo

celular. Sistemicamente são necessários nutrientes para a síntese hepática de fibronectina,

complemento e glicose, atividade muscular cardíaca e respiratória envolvida no transporte de

oxigênio e nutrientes para a área afetada (CRANE, 1989).

O efeito terapêutico de drogas também é afetado pelo estado nutricional do animal. A

absorção, transporte, metabolismo e excreção de fármacos podem estar alterados. Diminuição

da biotransformação hepática, decréscimo das proteínas plasmáticas envolvidas no transporte

das drogas e diminuição do fluxo sangüíneo renal são conseqüências da desnutrição

energético-protéica que podem interferir na farmacocinética e eficácia dos medicamentos

(FETTMAN e PHILLIPS, 2010).

Deficiência protéica

A anorexia associada à mudanças endócrinas, especialmente representadas pelo

aumento do glucagon, hormônio de crescimento e corticosteróides circulantes, conduz o

animal doente a um balanço nitrogenado negativo. Este é decorrente do catabolismo de

aminoácidos oriundos da degradação das proteínas de reserva do organismo. Várias

citoquinas, especialmente a interleucina 1 e o fator de necrose tumoral também contribuem

para este processo. Ocorre no organismo um redirecionamento dos aminoácidos, que passam a

ser uma importante fonte de “combustível”, em um processo denominado gliconeogênese.

Este processo resulta em perda de massa corporal magra e, com ela, em redução de resposta

imune. Os efeitos da deficiência protéica sobre o sistema imune incluem: atrofia do timo e

órgãos linfóides, menor proliferação linfocitária, menor produção de citoquinas (interferon,

interleucinas 1 e 2, etc.), inadequada produção de anticorpos, menor concentração plasmática

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de imunoglobulinas, menor secreção de IgA, redução na resposta de hipersensibilidade

cutânea tardia e menor produção de complemento. Considerando-se que a expansão clonal do

sistema imune depende de síntese protéica e que as citoquinas são constituídas por

aminoácidos, fica fácil compreender porquê uma ingestão inadequada de proteínas leva a tão

grande comprometimento imune.

O valor biológico da proteína alimentar também deve ser considerado. Os efeitos

imunológicos adversos podem ocorrer tanto frente à ingestão insuficiente de proteína como

pela deficiência de apenas um ou mais aminoácidos. Aminoácidos específicos como arginina

(melhora a fagocitose de macrófagos, estimula linfócitos T helper e deprime T supressor, além

de ser precursor do óxido nitroso) e glutamina (principal composto neoglicogênico, aumenta

as vilosidades intestinais, promove melhora do trato linfóide associado ao intestino, aumenta a

replicação de linfócitos) têm recebido atenção especial em estudos científicos por

apresentarem efeitos específicos sobre o sistema imune.

Deficiência de vitamina A

Está associada ao aumento da susceptibilidade à infecções. A metaplasia escamosa

verificada em várias mucosas na hipovitaminose A representa quebra de barreira anatômica,

favorecendo a penetração de agentes infecciosos. Além disso, verifica-se redução do tamanho

do timo e do baço, menor atividade de células natural killer, redução da produção de

interferon e da resposta de hipersensibilidade cutânea tardia, menor atividade de macrófagos e

redução da proliferação linfocitária em animais deficientes nesta vitamina.

Deficiência de vitamina E

Leva a diminuição do poder bactericida de leucócitos e linfócitos, menor produção de

imunoglobulinas, redução da resposta imune mediada por células, menor produção e

funcionamento de linfocinas e citoquinas. Estudos têm demonstrado que a suplementação com

doses suprafisiológicas de vitamina E aumenta o poder de fagocitose e a resposta imune

humoral e celular dos animais. Este efeito parece ser mais pronunciado em populações

geriátricas.

Vitaminas do complexo B

As deficiências de piridoxina (B6) e ácido pantotênico levam à redução da resposta

antigênica, tanto humoral como celular. A deficiência conjunta destas duas vitaminas leva a

inibição quase completa da imunidade que é revertida com a suplementação das mesmas.

Ácido fólico e cianocobalamina (B12) são essenciais à replicação celular. A deficiência destes

nutrientes leva à redução na formação de anticorpos e na replicação de linfócitos. A

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deficiência de colina está associada à atrofia do timo. As vitaminas hidrossolúveis não são

estocadas no organismo, sendo necessária ingestão constante. Além de sua interferência na

imunidade, são fundamentais aos processos de produção e uso de energia, como cofatores

enzimáticos em várias etapas do ciclo de Krebs. Como na doença associam-se anorexia,

hipermetabolismo e catabolismo, a suplementação destas vitaminas parece ser uma medida de

bom senso. Além disso sua síntese intestinal pode ser inibida na doença, seja pela anorexia

com alteração na microbiota intestinal seja por antibioticoterapia.

Deficiências Minerais

Zinco- sua deficiência resulta em extensivo dano aos linfócitos T, com atrofia do timo,

alteração da síntese de linfócitos, resultando em marcada imunossupressão. Leva também a

alterações epidérmicas associadas à maior penetração de agentes infecciosos. O zincoé

essencial e sua deficiência interfere na proliferação de linfócitos, reduz a produção de

anticorpos, reduz a relação CD4:CD8, incapacita a atividade das células NK e reduz a

atividade da timulina (hormônio do timo). Zn é componente de mais de 200 metalo-enzimas

dos mamíferos. Em seres humanos a deficiência de zinco pode causar linfopenia (diminuição

do número de linfócitos no sangue circulante) de células T, com conseqüente resposta

diminuída dos linfócitos a mitogeno (substância que induz à mitose), depressão da atividade

do hormônio tímico e depressão de populações especificas de células CD4+, diminuição das

atividades das células NK, e redução de concentrações de albumina, pré-albumina,

transferrina, no plasma. O Zn também tem um papel de modulador na regulação do açúcar no

sangue, na tiróide e no funcionamento gonadal, na produção de hormônio adrenal, na

produção da prolactina e no metabolismo de calcio/fósforo. Todas estas funções estão

comprometidas na deficiência de Zn. Foi observado que os sais de Zinco têm atividade

antivirótica direta ou por imunomodulação, contra mais de 40 viroses, inclusive na AIDS. A

suplementação de Zn e vitamina A em crianças com baixa oferta energético-protéica está

associada à reduzida incidência de diarréia e doenças respiratórias.

Cobre- redução do número de linfócitos circulantes, redução na produção de

anticorpos, do poder fagocitário, atrofia do timo e menor produção de citoquinas.

Ferro- a deficiência deste micro-elemento é bastante comum na espécie humana, mas

parece ser de menor ocorrência em cães e gatos. Ocorre redução no poder bactericida de

fagócitos, menor proliferação linfocitária, redução da população de células natural killer,

menor produção de interferon e da reação de hipersensibilidade cutânea tardia. Não corre

prejuízo, no entanto, à resposta humoral. O ferro é necessário tanto aos animais quanto aos

microorganismos, de modo que o hospedeiro secreta três proteínas, a transferrina,

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conalbumina e lactorerrina, que possuem elevada capacidade de se ligar a este elemento,

tornando este indisponível para as bactérias. Esta reduzida disponibilidade de ferro livre

apresenta efeito protetor para o animal. Suplementação de excessiva de ferro, principalmente

por via parenteral, pode ter efeito desastroso em animais doentes, especialmente se estão

desnutridos e com baixa quantidade das proteínas seqüestradoras de ferro. Nesta condição

ocorre aumento de infecções e morte. Suplementação diária fisiológica em animal desnutrido,

por outro lado, tem efeito positivo na redução da morbidade por doenças infecciosas.

Magnésio- alteração em funcionamento de linfócitos T e B, menor produção de

imunoglobulinas, redução da capacidade bactericida de fagócitos e menor produção de

citoquinas. Atribui-se estes efeitos ao fato deste elemento ser cofator na síntese de DNA.

Selênio- como componente da glutationa peroxidase, é importante na estabilização dos

peroxissomos dos fagócitos, tendo correlação com seu poder de inativar agentes infecciosos.

Sua deficiência afeta a capacidade proliferativa de linfócitos, bem como todos os

componentes do sistema imunológico, sendo hoje bastante estudado e de reconhecida

importância sobre a imunidade dos animais.

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