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RELAÇÕES VISÃO INDUSTRIAIS: PANORÂMICA LAERTE LEITE CORDEIRO Sumário: 1. Relações industriais na pequena em- prêsa. 2. Relações industriais na emprêsa média. 3. Relações industriais na Ilrande emprêsa. o objetivo dêste artigo é o de oferecer uma visão panorâ- mica da realidade atual do desempenho da função de relações industriais nas emprêsas brasileiras. Para esta comunicação, o lastro acadêmico são duas pes- quisas realizadas com o inestimável apoio do Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas; a primeira, referente à pequena emprêsa e a segunda, obje- tivando o reconhecimento da realidade da grande emprêsa. Alguns comentários feitos sôbre a emprêsa média são produto de especulação, a partir dos dados das duas pes- quisas citadas. O artigo examina o desempenho funcional em relações industriais ao longo de suas atividades mais típicas, a fim de que a comparação - em têrmos do porte das emprêsas - seja facilitada. 1. RELAÇÕES INDUSTRIAIS NA PEQUENA EMPRÊSA Em pesquisa realizada pela Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, 1 LAERTE LEITE CORDEIRO- Professor-Adjunto do Departamento de Adminis- tração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. 1CORDEIRO,L. L., DE CARVALHO,A. R., e PEREIRA, L. C. B. Administração Geral e Relações Industriais na Pequena Emprêsa Brasileira, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1968. R. Adm. Emp., Rio de Janeiro 9 (1): p. 54-71, jan.-mar. 1969

RELAÇÕES INDUSTRIAIS: PANORÂMICA - rae.fgv.brrae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034... · R.A.E. 1/69 RELAÇÕES INDUSTRIAIS 55 sôbre os problemas administrativos

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RELAÇÕESVISÃO

INDUSTRIAIS:PANORÂMICA

LAERTE LEITE CORDEIROSumário: 1. Relações industriais na pequena em-prêsa. 2. Relações industriais na emprêsa média.3. Relações industriais na Ilrande emprêsa.

o objetivo dêste artigo é o de oferecer uma visão panorâ-mica da realidade atual do desempenho da função derelações industriais nas emprêsas brasileiras.Para esta comunicação, o lastro acadêmico são duas pes-quisas realizadas com o inestimável apoio do Centro dePesquisas e Publicações da Escola de Administração deEmprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas; aprimeira, referente à pequena emprêsa e a segunda, obje-tivando o reconhecimento da realidade da grande emprêsa.Alguns comentários feitos sôbre a emprêsa média sãoproduto de especulação, a partir dos dados das duas pes-quisas citadas.O artigo examina o desempenho funcional em relaçõesindustriais ao longo de suas atividades mais típicas, a fimde que a comparação - em têrmos do porte das emprêsas- seja facilitada.1. RELAÇÕES INDUSTRIAIS NA PEQUENA EMPRÊSA

Em pesquisa realizada pela Escola de Administração deEmprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, 1

LAERTE LEITE CORDEIRO- Professor-Adjunto do Departamento de Adminis-tração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Emprêsasde São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.1 CORDEIRO,L. L., DE CARVALHO,A. R., e PEREIRA, L. C. B. Administração

Geral e Relações Industriais na Pequena Emprêsa Brasileira, Rio deJaneiro, Fundação Getúlio Vargas, 1968.

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro 9 (1): p. 54-71, jan.-mar. 1969

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sôbre os problemas administrativos da pequena emprêsabrasileira, examinaram-se as principais áreas de preocupa-ção, incluindo-se nelas a administração da produção, aadministração mercadológica, a administração contábil-financeira, a jurídico-econômica e a administração geral erelações industriais. Nossas observações em tôrno da rea-lidade atual da atividade de relações industriais estãobaseadas nos resultados dessa pesquisa, cujas monografiasestão em fase de publicação.

A primeira preocupação dos pesquisadores foi definir apequena emprêsa no Brasil. Pareceu-lhes que seriam qua-tro os itens importantes na verificação das condições dapequena emprêsa: a) contrôle de capital e administração,executado pessoalmente pelos proprietários; b) indepen-dência - não deveria estar ligada a qualquer holding; c)inexistência de contrôle monopolista no mercado em quevendia; e d) não ter mais de 100 empregados e não haverfaturado, em 1963, mais de 50 milhões de cruzeirosantigos.

A segunda preocupação foi determinar a amostra de ma-neira a que fôsse possível tornar válida a pesquisa, emtêrmos das pequenas emprêsas brasileiras, como um todo.Pareceu aos pesquisadores que, para o tipo de indagações,uma amostra de conveniência seria suficientemente repre-sentativa e, assim, foram selecionadas 155 firmas represen-tando três regiões do País: Nordeste, Centro-Sul e Sul.Foram entrevistados seus proprietários, mediante questio-nário preparado para tal fim.

Recolhidas as respostas necessárias, foram realizadas váriasmesas-redondas, para esclarecer, num contato amplo comempresários de pequena emprêsa, pontos nebulosos dosresultados obtidos na tabulação dos questionários. Com-pletada a pesquisa, seus autores passaram a analisar osresultados e, finalmente, a escrever as monografias que jáestão sendo publicadas.

Do esfôrço pioneiro realizado pelos pesquisadores da refe-rida Escola, tomamos algumas informações que nos permi-

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tirão oferecer, neste trabalho, um quadro da realidade viva,objetiva e verdadeira das relações industriais na pequenaemprêsa brasileira, observada no desempenho de suas ati-vidades típicas.

1.1. Recrutamento 2

Êste é feito, em grande parte, através de contatos pessoaisdo encarregado ou do próprio patrão, sem nenhuma pre-ocupação por análises de mercado, por tipo de materialhumano necessário, ou por investigação de melhor métodoou fonte de recrutamento. As tabuletas rudimentares colo-cadas à porta da fábrica foram mencionadas várias vêzes,sendo muito citada a utilização de anúncios em jornaispara a maioria dos casos.

A solicitação às agências profissionais de emprêgo é muitopouco freqüente na pequena emprêsa[ em reduzido númerode casos foi tentada quando se buscava pessoal de super-visão média, técnicos ou funcionário de escritório.

1 .2 . Seleção 3

Em 50% dos casos, a seleção tem constado exclusivamentede uma entrevista realizada com o patrão ou com o encar-regado. Alguns dos proprietários informaram sôbre a rea-lização de provas práticas tipo "vá ali e faça um paraque eu veja", sem qualquer outra preocupação, a não sera de verificar a habilidade profissional do candidato. APsicotécnica positivamente não encontrou ainda possibili-dade de maior aplicação na pequena emprêsa. O exame doconteúdo da carteira profissional foi um método práticobastante mencionado e também o período de experiência:"Desde que não podemos selecionar imediatamente, acei-tamos o homem e, no dia a dia, verificamos se serve ounão". As agências de emprêgo, pouco procuradas pararecrutamento, também não são muito consideradas naseleção dos candidatos.

2 Idem, ibidem, p. 69 a 73.3 Idem, ibidem, p. 73 a 74.

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1.3 . Treinamento 4

A grande maioria dos proprietários ou responsáveis infor-mou que não havia treinamento sistemático e orientado emsuas emprêsas. O treinamento ocorre, informalmente, noserviço e o nôvo empregado aprende o que tem que apren-der em seu contato diário com o encarregado.

O treinamento é, em alguns casos, deixado a cargo de umdos empregados mais antigos que apadrinha a preparaçãodo nôvo, ensinando-lhe o que sabe sôbre os serviços a seremexecutados. Em uns poucos casos, o próprio patrão parti-cipa do processo. E é necessário recordar que isso é feitosem qualquer planejamento ou contrôle formal, com todosos prejuízos ou vantagens que tal processo possa oferecer.

1.4. Remuneração 5

Na pequena emprêsa brasileira não se faz avaliação ouclassificação dos cargos. A diretriz básica é a de que sempreé melhor não diferenciar salários para não haver proble-mas. Assim, o salário-mínimo foi lembrado como regrageral. Talvez por fôrça do pequeno número de empregados,o cargo e o ocupante do cargo são muitas vêzes confundi-dos na determinação do salário. Muitas emprêsas entrevis-tadas mencionaram utilizar incentivos salariais, a despeitode recearem as complicações oriundas do processo. Argu-mentaram que, às vêzes, se deve produzir ou vender mais,mesmo até para salvar a emprêsa da quebra. Sucede entãoque, passada a fase que justificava o incentivo, não hácomo convencer os empregados da nova situação. O valefoi, também, confirmado como tradição da pequena em-prêsa, ainda que os empresários "se arranquem os cabelos"para lidar com êsse problema. Sua justificativa para a con-cessão é a de que, sem o vale, o empregado não conseguesubsistir.

4 Idem, p. 74 a 76.5 Idem, p. 86 a 93.

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1.5. Avaliação do Desempenho e Promoções 6

Não ocorre, na pequena emprêsa, a aplicação de técnicassistemáticas e objetivas de avaliação do desempenho indi-vidual dos empregados. Como já foi visto acima, não hámuito interêsse dos empresários em diferenciar os indiví-duos, seja qual fôr o critério. É evidente que uma avalia-ção acontece em todos os casos, mas ela é subjetiva,assistemática e principalmente política. As promoções, nospoucos casos em que ocorrem, sejam verticais ou horizon-tais (aumentos), são sempre feitas a partir da avaliaçãonão estruturada e subjetiva. Não há rotinas, formulários,sistemas.1. 6 . Benefícios 7

A grande maioria das emprêsas pesquisadas informou queo benefício mais freqüente é o empréstimo pessoal, em di-nheiro, feito aos empregados. Segundo informaram, pareceque dificilmente são lesadas, com respeito ao reembôlsodo que lhes é devido. Já há pequenas emprêsas que dão ousubsidiam uniformes, oferecem assistência médica e remé-dios, pagam o prêmio total do seguro de vida em grupopara seus empregados, fazem pequenas doações para oclube (em geral de futebol) dos empregados, têm seu re-feitório, outorgam assistência jurídica gratuita e, quandoé o caso, vendem produtos de sua fabricação com um des-conto especial. Ainda assim, é importante notar que -.embora as emprêsas já façam mais do que seria de se espe-rar - as concessões são estabelecidas de acôrdo com asnecessidades do momento, sem uma diretriz a orientá-las,sem contrôle de sua eficiência e sem planejamento admi-nistrativo. São concedidas ao sabor do vento paternal quesopra aqui e acolá.

1.7 . Relações Trabalhistas 8

Ainda que a pesquisa tenha sido realizada em uma fasepolítico-econômico-social do Brasil em que a agitação sin-

6 Idem, p. 93 a 95.7 Idem, p. 96 a 98.8 Idem, p. 99 a 100.

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dical podia fàcilmente sentir-se, somente 15% dos entre-vistados declararam haver tido alguma dificuldade com osindicato operário. E ainda mais, nos poucos casos men-cionados, os problemas sempre foram resolvidos de ma-neira fácil e rápida. No que se refere à participação dosempregados na atividade sindical, a resposta da grandemaioria foi a de que essa participação não existe, sendototalmente verdadeiro que nenhum empregado de pequenaemprêsa é líder de movimento sindical no Brasil. As razõesinvocadas para essa pequena participação dos empregadosno sindicato foram tôdas relacionadas com o fato de êsteórgão da classe nunca fazer nada por êles: sentindo-se,assim, abandonados, não o buscam.

Em 95% das firmas pesquisadas, jamais houve uma greve,ainda que para muitas o trabalho tivesse que ser interrom-pido, às vêzes, em virtude do receio de represália dosindicato, ou por causa de piquêtes à porta da emprêsa,principalmente nas greves gerais ou de solidariedade, tãocomuns à época em que a pesquisa foi realizada.

1.8. Relações com Empregados 9

Um dos dados curiosos da pesquisa foi aquêle sôbre asrelações entre os empregados e o dono. Foram descritascomo sendo muito informais, permitindo-se, geralmente,uma comunicação direta entre êles, por meio de sugestõesou reclamações dos primeiros, passando por cima de even-tuais chefes ou encarregados intermediários. A justificativados patrões foi a de que êsse procedimento, condenável emteoria, cria um ambiente democrático e permissível. "Naprática", dizem, "leva a uma administração mais dinâmi-ca". Por outro lado, muitos contatos entre o dono e osempregados sucedem em razão de problemas pessoais oudomésticos porque: a) o patrão está sempre perto e dis-posto a escutar suas dúvidas; b) o patrão tem algumaintimidade com seus empregados, conhecendo-os pelo nomee sabendo da situação pessoal de cada um; c) é êle quemtem poder de decisão; não há motivo, portanto, para bus-

9 Idem, p. 59 a 63.

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car auxílio de outros; d) representa proteção para os em-pregados que, em geral, não conhecem bem seus direitos;e) como o sindicato não os ajuda a resolver seus problemas,o patrão é a única saída.

É essa a realidade apurada em relação à pequena emprêsabrasileira.

2 . RELAÇÕES INDUSTRIAIS NA EMPRÊSA MÉDIA

No que diz respeito à emprêsa de porte médio, não há, quesaibamos, informações mais reais. Não conhecemos, naliteratura, qualquer trabalho no Brasil que possa servir debase a um relatório sôbre o atual desempenho funcionalnas relações industriais na emprêsa média. Assim, nossoscomentários serão baseados exclusivamente em especula-ções sôbre as pesquisas citadas ao longo do texto. Perdoem-nos sucumbir a essa tentação.

Devemos, talvez, em primeiro lugar, imaginar e determinaraquilo que poderíamos denominar de emprêsa média, esta-belecendo suas diferenças para com a pequena e grandeemprêsa, em têrmos do que nos interessa nesta análise.Parece-nos, por exemplo, que o número de empregados seelevaria a mais de 59, não ultrapassando, geralmente, onúmero de 200 ou 300, dependendo do tipo de emprêsa.

O organograma mostraria uma estrutura que, sem ser tãoachatada como a da pequena emprêsa, não teria a mesmasuperposição de níveis das grandes. Os proprietários talvezjá não sejam os únicos administradores, mas, também, nãoterão delegado a outros administradores - profissionais- grande parte da administração de suas emprêsas, comono caso das grandes. Há um desempenho mais técnico emrelação à emprêsa pequena, mas sem as proporções viáveispara a grande. Dispõe de maiores recursos financeiros ehumanos, sem que possa chegar às ótimas condições dagrande. É, indubitàvelmente, mais burocrática que a pe-quena, embora não possa competir ainda com a burocracianecessária e estruturada da emprêsa grande. E assim pordiante.

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Construída, portanto, nossa imagem de emprêsa de portemédio no Brasil, que substitui dados de pesquisa que nãose têm, resta-nos agora desenvolver os estudos sôbre seusproblemas específicos de relações industriais, seguindo omodêlo que estabelecemos para a análise da situação dapequena emprêsa.

Em nossa opinião, as emprêsas, nesse estágio de desenvolvi-mento, já se encontram em condições e com necessidade deampliar e aperfeiçoar seus esforços para melhor adminis-trarem seus recursos humanos. O recrutamento e a seleçãode pessoal já merecem mais atenção, em face do númeromaior de admissões e do movimento geral de pessoal; o nú-mero de cargos e de pessoal aumenta, fazendo com que osproblemas de administração salarial mereçam maiores cui-dados. Os empregados talvez já não sejam João, Antônioou Alberto, que o dono conhecia pelo nome, já que, ao per-derem sua identidade humana, são hoje o 221, o 300 e o97. Os problemas relacionados com a obediência aos pre-ceitos da legislação trabalhista ampliam-se em função domaior número de empregados.

Há que se estabelecer diferenças entre os empregados, ava-liá-los, e promovê-los. A delegação da autoridade, para serexercida, demanda um condicionamento dos indivíduos, anecessidade de planejar e executar um treinamento, tor-nado indispensável, ainda que em bases modestas.

Por tudo isso, cremos que neste tipo de emprêsa já existadesenvolvimento na direção de uma administração de pes-soal exercida de maneira mais técnica, ainda que não sepossa imaginar profundidade maior em seu desempenho.Êsses são nossos breves comentários especulativos sôbre aemprêsa média e seu desempenho em relações industriais.

3. RELAÇÕES INDUSTRIAIS NA GRANDE EMPRÊSA

No que se refere à grande emprêsa, felizmente, podemoscontar com resultados de pesquisa que informam as con-dições reais em que ocorre o desempenho da função de

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relações industriais. Com efeito, em trabalho realizado hájá algum tempo, pesquisadores investigaram emprêsas in-dustriais de São Paulo, com mais de 1.000 empregados, econsideradas grandes para as condições brasileiras. 10 Aamostra foi de, aproximadamente, 25% do universo eincluíram-se emprêsas dos ramos industriais mais represen-tativos, entre os quais: eletromecânico, químico-farmacêu-tico, de borracha, alimentos, têxteis e brinquedos. Entreos resultados gerais colhidos na pesquisa, verificou-se que100% das emprêsas da amostra têm um departamento derelações industriais que participa da formulação das dire-trizes gerais que se referem aos recursos humanos ligadosà emprêsa e que, ao mesmo tempo, as implementa, exe-cutivamente, tornando realidade efetiva o planejamentode pessoal. Na seqüência histórica do desenvolver dasemprêsas pesquisadas ocorreu. a absorção, pelo departa-mento de relações industriais atual, da antiga e menos am-biciosa seção de pessoal que se mantém como uma unidadesubalterna, executando tarefas ligadas à rotina burocráticade registro e contrôle legal dos recursos humanos e empre-gados. Quanto à localização do departamento de relaçõesindustriais na estrutura formal das organizações, somenteduas alternativas puderam ser anotadas na pesquisa:1) localizado como área funcional básica, ao lado das ven-das, produção e finanças; e 2) localizado debaixo de umagerência ou uma diretoria administrativa, ao lado de finan-ças, mas ainda sem alcançar a importância de vendas eprodução consideradas por muitos como as funções fun-damentais na indústria. (Vide organograma na páginaseguinte.)

O organograma de relações industriais, considerado próxi-mo da média, nas grandes emprêsas inclui os setores derecrutamento e seleção, registro e contrôle, administraçãosalarial, treinamento, benefícios, relações trabalhistas, pre-venção de acidentes e segurança.

10 VALLEDA SILVA,L. F. e CORDEIRO,L. L. A Função de Relações Indus-triais em Emprêsas Industriais do Grande São Paulo, 1965/66, cujosresultados vão aqui relatados.

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G) Gerente Geral

II 1 I 1

Vendas Produção Finanças RelaçõesIndustriais

Gerente Geral

Administração

No que se refere ao maior responsável pelo departamentode relações industriais, o título de seu cargo mais freqüen-temente encontrado é o de Gerente de Relações Indus-triais. Quanto à instrução, verificou a pesquisa que 60%dos titulares ao departamento de relações industriais dis-põem de diploma de curso superior, aparecendo com bas-tante freqüência os advogados, os economistas e os cientis-tas sociais. O Gerente de Relações Industriais, em geral,tem assento nas reuniões da cúpula, incorporando-se, destaforma, ao grupo profissional componente da administraçãosuperior. Entre os dados gerais, verificaram ainda os pes-quisadores que a relação entre o número total de empre-gados na emprêsa e o número de empregados do departa-

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Organograma Típico de RelaçõesIndustriais em Grandes Emprêsas Brasileiras

l Departamento de 1Relações Industriais

IRegistro e Contrõle

I Administração deI Saf àrto s

I RecrutamentoI e Seleção

I BeneficiosI

I TreinamentoI

I Prevenção deI Acidentes

I SegurançaI

I RelaçõesI Trabalhistas

mento de relações industriais oferecia um resultado médiode 5% e um resultado mediano de 4,4% que demonstramo grau de especialização já alcançado por tais organizaçõese a relevância com que esta área já é distinguida no con-cêrto das atividades administrativas das emprêsas.

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3 . 1. Recrutamento e Seleção

A tarefa de procurar e escolher os recursos humanos neces-sários para as atividades das emprêsas é realizada de formaampla e atualizada. A existência de agências de emprêgopermite o recrutamento por essa via ainda que, na maiorparte das vêzes, sua utilização se restrinja à procura deadministradores e chefes burocráticos de nível intermediá-rio. As escolas são outra via de recrutamento não só paracolocações permanentes dos já graduados como, também,para prática dos alunos durante seus cursos; Os métodostradicionais de procura no arquivo de antigos pretendentes,de recomendações de funcionários da emprêsa, tabuletas àporta da fábrica e anúncios em jornais são amplamenteutilizados. O processo de seleção também é o recomendado,clàssicamente, na literatura especializada e inclui entrevis-tas, preenchimento de formulários, provas de capacidade,testes psicológicos, verificação de referências e examemédico. Dado curioso é ser a Psicotécnica ainda utilizada,embora presente teoricamente, na descrição dos passosmais comuns do processo de seleção. Só 27,7% das em-prêsas utilizam testes de inteligência, sendo que sua aplica-ção fica restrita a cargos burocráticos ou de supervisão; ostestes de personalidade são empregados em apenas 11,1%das indústrias e, em geral, só para cargos superiores denível executivo.O teste de RAVEN foi mencionado como o mais utilizado.para inteligência e o psicodiagnóstico miocinético de'MYRA Y LÓPEZ, o mais comum para as característicos depersonalidade.3 .2 . Turnover

A taxa de turnovet - considerada por muitos como otermômetro que mede a condição e o estado geral da admi-nistração e, em especial, da política de pessoal das emprê-sas - é, efetivamente, computada e considerada por,aproximadamente, 60% das organizações pesquisadas. Agrande maioria dessas emprêsas (63,2 % ) efetua o cá]culoda taxa em bases mensais e as demais, em cômputo anual,semestral ou sem periodicidade estabelecida.

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3 .3 . Treinamento

A pesquisa demonstrou que 95% das emprêsas inquiridasoferecem algum treinamento sistemático a seus emprega-dos. Aos aprendizes (menores) ministram, através do Ser-viço Nacional de Aprendizagem Industrial e Comercial(SENAI-SENAC), o ensinamento de formação profissio-nal. Aos empregados recém-admitidos dá treinamento deorientação inicial destinado a promover sua integração noquadro de pessoal. Muito freqüente também é o treina-mento de supervisores de primeira linha, tanto no setoroperário quanto no setor burocrático. A maior colaboraçãoque a administração pública oferece à emprêsa privada,através do departamento de relações industriais, é o trei-namento de supervisores pelo método TWI ÇTrsiningWitbin Industry) que, trazido ao Brasil por uma equipenorte-americana, em meados de 1950, logo ganhou pres-tígio oficial por adequar-se eficientemente às nossas neces-sidades de rápida formação de mão-de-obra de supervisão,em virtude do início do processo de expansão industrial,já então, em ritmo acelerado. O Govêno assumiu a res-ponsabilidade por sua divulgação, ofereceu cursos gratui-tos, graduou instrutores para as necessidades dos departa-mentos de relações industriais das emprêsas. Transcorridosjá quase 20 anos de seu lançamento no Brasil, o TWI éainda o curso para supervisores de primeira linha maisrealizado nas emprêsas industriais. Embora os programasatuais de treinamento para supervisão sejam mais comple-tos do que o TWI, nem por isso se abandona êste eficientemétodo.

Um grande número de emprêsas oferece treinamento tam-bém aos níveis mais altos da administração em suas orga-nizações. Há no Brasil um número bastante grande deuniversidades e instituições que oferecem cursos de desen-volvimento de executivos, deixando de ser necessário paraas emprêsas o envio de administradores para cursos no'exterior, acontecimento bastante comum alguns anos atrás.Apenas para oferecer uma imagem mais nítida de comoas emprêsas encontram facilidade no treinamento (forma-

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ção ou desenvolvimento) de pessoal para os níveis deadministração, basta dizer que só na cidade de São Pauloexistem seis Faculdades de Administração de Emprêsas e,pelo menos, 30 instituições destinadas a aperfeiçoar super-visores e executivos. O treinamento é, sem dúvida, umadas mais bem cuidadas áreas de atividade de relações in-dustriais no Brasil.3.4. Avaliação do Desempenho

Os resultados da pesquisa informaram que, aproximada-mente, 68,S% das grandes emprêsas industriais brasileirasse utilizam de um sistema de avaliação do desempenhoindividual dos empregados.A justificativa para o uso dêsse instrumento de relaçõesindustriais é a de que as promoções horizontais e verticaissão produzidas com resultados mais objetivos e menosdiscutíveis; que o moral da organização se eleva a partirda eqüidade que se estabelece entre todos os empregados;e que se podem perceber falhas de treinamento a seremcorrigidas.A avaliação do desempenho é realizada em vários momen-tos específicos da vida do empregado na emprêsa, como,por exemplo, ao final do período de experiência e ao tér-mino do primeiro ano de trabalho. Bàsicamente, todavia,essa atividade de relações industriais está relacionada coma política de salários da emprêsa e é fator de sua determi-nação. A maioria das emprêsas se vale dêsse instrumentopara todos os cargos operários, burocráticos ou de supervi-são média, mas não o utiliza para os cargos de gerênciaou executivos de nível superior. Em geral, os resultados daavaliação não são mostrados ao avaliado pelo superiorimediato nem pelo departamento de relações industriais,e são considerados confidenciais.3 . 5 . Benefícios

100% das emprêsas oferecem algum tipo de benefícioextra-salarial aos empregados. Trata-se, efetivamente, deprática comum no Brasil. A pesquisa anotou os mais co-muns: o restaurante da emprêsa, com alimentação ofere-

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cida dentro de bons padrões médios de qualidade, a preçode custo ou subsidiada pela emprêsa; assistência médico-hospitalar-dentária, completa e com extensão, em muitoscasos, aos dependentes do empregado; transporte dos em-pregados em ônibus especiais da emprêsa ou alugados,especialmente quando a fábrica se localiza na periferia dascidades; clube dos empregados, mantido ou subsidiado emseu orçamento por doações da emprêsa; colônias de férias;cooperativas de consumo; bôlsas de estudos; empréstimos;e outros mais. As explicações para essa concessão ampladas emprêsas são controvertidas e discutíveis: para alguns,as emprêsas têm que fazer o que o Instituto deveria fazere não faz; para outros, é uma corrida louca no sentido deconquistar e, principalmente, manter a mão-de-obra difícilde obter-se no mercado; para muitos, é uma forma depagar salários baixos e dar a aparência de que estão alta-mente preocupados com o bem-estar de "seus" empregados;e seguem-se outras explicações mais ou menos cínicas. Seja,porém, qual fôr a explicação, o fato é que hoje em dia, noBrasil, a grande emprêsa que não oferecer um bom planode benefícios terá, realmente, muitas dificuldades em con-seguir atrair os recursos humanos de que necessita.3 . 6 . Administração de Salários

Como em qualquer país, também no Brasil, o problema da.remuneração é o centro das preocupações do departamentode relações industriais. Isso se comprova com êsse fato quea pesquisa revelou: 95% das emprêsas estudadas tinhamum setor para cuidar especificamente dos problemas liga-::losà política de salários. A avaliação de cargos, a pesquisade salários, a avaliação do desempenho individual e o con-trôle das intervenções do Govêrno são as atividades maiscomumente atribuídas ao setor de administração de salá-rios, que as executa em detalhe. Nos países em processode desenvolvimento e de elevado índice inflacionário, asatisfação das necessidades primárias ou econômicas dosempregados é prioritária. 11 Daí a grande preocupação dos

11 MCGREGOR, Dougles. Os Aspectos Humanos da Emprêsa, Lisboa, LivrariaClássica Editôra, 1960.

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departamentos de relações industriais nas emprêsas peloconjunto de atividades que lidam com a remuneração dosempregados, em todos os níveis da hierarquia. O salário éa grande consideração. Se o trabalhador tiver que trocarrelações humanas por cruzeiros, aceitará fàcilmente a pro-posição. Assim sendo, para a emprêsa brasileira, a admi-nistração de salários é a atividade mais importante. Agrande emprêsa no Brasil analisa, descreve e avalia oscargos de suas estruturas organizacionais; realiza pesquisade salário com seus próprios recursos, associando-se a ou-tras, ou comprando o trabalho feito por agências externas.Determina, gràficamente, sua curva de salários e considerao desempenho individual do empregado como fator dife-rencial da remuneração. Leva em consideração as reivindi-cações sindicais e ajusta sua política às decisões indiscutí-veis do Govêrno.3 . 7 . Prevenção de Acidentes

A pesquisa demonstrou que em 95% das emprêsas odepartamento de relações industriais é o órgão encarregadoda tarefa de prevenir acidentes industriais. Na maioriados departamentos há um setor exclusivamente paracuidar dessa tarefa e em 95% dos casos há contrôle sôbreos acidentes ocorridos. O contrôle é exercido através deíndices de freqüências e gravidade dos acidentes, estatisti .•.camente computados. Ê bom recordar que a legislação,trabalhista, no Brasil, obriga as emprêsas com mais de 100empregados a manterem uma comissão interna de preven-ção de acidentes (C.I.P.A.), composta de representantesda administração e dos empregados, em igual número, como objetivo geral de prevenir acidentes através de inspeções,propaganda e contrôle nessa área. Deve-se dizer, ainda,que, na maioria das emprêsas, essas comissões, criadas porfôrça de lei, não encontram condições de melhor desem-penho, sendo, portanto, o resultado de sua ação bastanterelativo.3 .8 . Segurança

As atividades ligadas à segurança das pessoas e das insta-lações também se encontram, na maioria das emprêsas

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( 85% ), subordinadas ao departamento de relações indus-triais. Como no caso dá prevenção de acidentes tambémaqui há, em geral, um setor da estrutura de relaçõesindustriais a cuidar, especificamente, dos problemas queocorrem.

As atividades mais comumente atribuídas à segurança são:a supervisão do corpo de guardas, compreendendo a iden-tificação e a revista eventual de pessoas à porta; o con-trôle do trânsito interno; a guarda noturna; a prevenção ecombate a incêndios junto aos empregados; o treinamentode brigadas voluntárias e a supervisão eventual do Corpode Bombeiros e do equipamento especializado. Em 100%das emprêsas há um Corpo de Guardas, havendo Corpode Bombeiros em apenas 50% dos casos. Quando se imagi-nam emprêsas com 5.000 empregados, ocupando áreasquadradas imensas (como no caso das emprêsas automo-bilísticas), com grande circulação de fornecedores, clientese interessados diversos, operando com materiais e processospor vêzes altamente perigosos, tem-se que admitir queessas atividades devem realmente merecer a intençãoexclusiva nos departamentos de relações industriais paraque sejam desempenhadas de forma adequada e tranqüila.De seu bom exercício depende não só a integridade daemprêsa, como entidade responsável por suas instalações,mas, também, a dos sêres humanos que nela trabalham eque merecem todo o cuidado possível.

3.9. Relações Trabalhistas

É área de atividade das mais controvertidas no Brasil.Antes da Revolução de 1964, sendo os sindicatos alta-mente ativos, os departamentos de relações industriaiseram os órgãos que suportavam a carga do relacionamentocom as entidades dos trabalhadores, servindo de aríeteassim como de amortecedor.O setor de relações trabalhistas era, na maior parte dasvêzes, dirigido por um hábil advogado militante nas côrtesda Justiça Trabalhista, com grande prática de tôdas ascoisas que se referissem a sindicatos, a líderes sindicais, à

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legislação específica e assim por diante. Entre as muitastarefas, nem sempre muito elegantes, estavam as de com-prer informações ou pessoas, espionar as assembléias sin-dicais, chamar a polícia política quando os piquêtes nasportas das fábricas impediam a entrada de empregados nasgreves gerais, particulares ou de solidariedade, representaros interêsses das emprêsas nos problemas da Justiça doTrabalho e o aconselhamento na aplicação de medidasdisciplinares.

Com a Revolução, o rumo da problemática mudou: nãohá a agressividade sindical de luta, não há greves e asreivindicações de salários não são atendidas quando con-flitam com a política antiinflacionária do Govêrno Federal.O resultado da mudança, para o departamento de relaçõesindustriais, foi um alívio de pressão ocorrendo, porém, oesvaziamento das funções do setor de relações trabalhis-tas que, de unidade eminentemente política e de certamaneira policial, se transformou em simples órgão asses-sor, de conteúdo jurídico. A maioria das emprêsas, a partirda comprovação do fato, simplesmente eliminou êsse órgãoda estrutura de relações industriais.

Êste é o panorama de relações industriais na grande em-prêsa brasileira, que se ofereceu ao pesquisador interessado.