Report a Gem Dissertativa (Aula 30 de Julho)

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Reportagem DissertativaRevista Imprensa, abril de 1990, pgina 14. Demisso do diretor da Central Globo de Jornalismo, Armando Nogueira, substitudo por Alberico de Souza Cruz. H um ano e meio, o Armando vinha pedindo para se aposentar. Roberto Irineu Marinho (Presidente das Organizaes Globo) A cirurgia que o Dr. Roberto Marinho aplicou no jornalismo da Globo significou sua entrega a um homem de estrita confiana do governo Collor. Wianey Pinheiro (Editor da Globo SP) A cirurgia que o Dr. Roberto Marinho aplicou no jornalismo da Globo significou sua entrega a um homem de estrita confiana do governo Collor. Wianey Pinheiro (Editor da Globo SP)

Reportagem DissertativaDe repente, a questo interna da Globo tomou a dimenso de uma troca de ministro. Miro Teixeira (Deputado Federal) 1) Cada um dos comentrios de entrevistados foi, no texto, antecedido por outro comentrio, com carter generalizante, de autoria do prprio autor. 2) As declaraes dos entrevistados se relacionam, claramente, com as do autor do texto. A relao declarao do entrevistado declarao do autor , nos trs casos, uma relao de confirmao de uma por outra, ou melhor, de exemplificao desta por aquela. Antes de transcrever a declarao de Roberto Irineu Marinho, segundo a qual Armando Nogueira j queria se aposentar, havia um ano e meio, o autor do texto sustentou:

Reportagem DissertativaSe no foi abrupta e at brutal, a queda de Armando Nogueira no foi, certamente, surpresa para ningum. Antes de revelar que o editor da Globo , em So Paulo, considerava a mudana da Central Globo de Jornalismo como sua entrega a um homem de confiana do presidente Collor, o autor afirmou: [...] no faltou quem somasse um mais um e visse no resultado o dedo do presidente. Segundo essa linha de interpretao, Collor teria pedido a Marinho a troca de Armando Nogueira por Alberico de Souza Cruz, com quem tem um relacionamento direto. E, antes de inserir no texto o comentrio do deputado Miro Teixeira sobre a dimenso tomada pela questo interna da Globo a de uma troca de ministros , o autor inseriu o seu: E agora que pilota o mais poderoso veculo de comunicao do pas, prestigiado pelos dois presidentes o da Globo e o do Brasil , seu poder (Alberico) s tende a crescer.

Reportagem DissertativaA forma como est organizado este texto no compromete em nada a lisura do seu autor, mas deixa transparecer alguns dados muito importantes sobre a estrutura de um tipo de texto jornalstico impresso: a) No so somente, como em geral se supe, os textos do chamado Jornalismo Opinativo o dos editoriais, por exemplo , que sustentam em afirmaes generalizantes, muitas com juzos de valor de seus autores. As de um tipo de reportagem, tambm. A diferena que as afirmaes dos autores dos textos das reportagens, como a da revista Imprensa, so fundamentadas em dados, declaraes etc, que lhes seguem no texto, imediatamente.

b) Estas afirmaes generalizantes se encadeiam, no texto da reportagem, por serem parte de um raciocnio o que compe a anlise de aspecto de um fato ou de um conjunto de fatos. No gratuitamente, estas reportagens so chamadas de interpretativas, embora a denominao seja incorreta.

Reportagem Dissertativac) Como o que amarra os dados e as declaraes do texto destas reportagens um raciocnio explcito desenvolvido pelo autor, a relao entre cada afirmao generalizante e a sua fundamentao tem sempre um sentido lgico de causa e efeito, de exemplificao, de confronto, de enumerao etc. d) So essas afirmaes generalizantes, seguidas de fundamentao, que, de fato, dividem a estrutura do texto destas reportagens e no os seus entrettulos quase sempre arbitrrios porque ditados pela convenincia da diagramao e tampouco os pargrafos criados somente por uma primeira linha um pouco afastada da margem. As afirmaes generalizantes dos autores destes textos os tpicos frasais, as idias-ncleos marcam a verdadeira unidade de sua composio, o seu pargrafo real. E cada unidade desta, cada pargrafo, tem sua prpria estrutura, internamente.

Reportagem DissertativaO pargrafo Se o texto dissertativo, enquanto composio, um conjunto de idias associadas, ento cada pargrafo, segundo Othon M. Garcia, em Comunicao em prosa moderna, como unidade desta composio, deve conter uma idia a central desenvolvida, isto , acompanhada por outras, secundrias, s quais est intimamente relacionada pelo seu sentido. Assim como h vrios processos de desenvolvimento de idias, pode haver tambm diferentes tipos de construo de pargrafos. Incio de pargrafo Sob o ttulo Eis o fascnio radical, a revista Isto , de 25 de julho de 1979, pgina 10, trazia um texto, assinado por Wagner Carelli, que iniciava assim: Eles vagavam por onde estiver a briga, coloridos e s vezes imberbes. Errantes, diriam ambiguamente os maldosos. fcil localiz-los. Nas assemblias estudantis ou sindicais esto sempre esquerda do plenrio.

Reportagem DissertativaPoucos, mas agigantados por rudo e eficcia de claque adestrada. O olhar esgazeado dos moos poderia confundir-se como um dos ltimos existencialistas. Depois de relacionar uma srie de informaes sobre as pessoas a quem estava se referindo envolvem-se em brigas, usam roupas coloridas, so imberbes, etc. o autor do texto acrescenta outras. Diz que aquelas pessoas trazem uma determinao no rosto que faria inveja a Alexandra Kollontai. E mais: os esquerdistas os tm como inconseqentes, o coronel-deputado Erasmo Dias acha-os maotrotskistas e a Igreja, provocadores. S ento revelado que as pessoas de quem o texto est tratando so os rapazes e moas da corrente poltica conhecida como Libelu, corruptela da sigla Liberdade e Luta. Sete anos depois, uma outra revista, a Veja, na edio de 10 de setembro de 1986, pgina 42, entrava num terreno considerado extremamente perigoso na poca. O texto sobre este assunto, sob o ttulo O tamanho do poro, comeava enigmtico:

Reportagem DissertativaQuando ela comeou, era vista como um remdio milagroso pelos comandantes militares que a autorizavam e premiaram. Os presos confessavam, grupos terroristas desabavam como castelos de cartas. Quando ela terminou, tinha-se transformado em fonte de indisciplina. O autor diz ainda que ela foi louvada sem ser chamada por seu nome e liquidada sem que seus crimes fossem comentados. E afirma, em seguida, que, assim, como se acreditou que ela pudesse existir sem que dela se falasse, acreditou-se que, sendo possvel viver sem ela, era de mau gosto mencion-la. Na linha seguinte, surge por fim a identificao. Ela, na verdade, era a tortura a presos polticos. Quase trs anos aps, em 14 de junho de 1989, pgina 48, a mesma revista Veja tinha como matria de capa o massacre de estudantes que se manifestavam pela democratizao da sociedade chinesa, na Praa da Paz Celestial, em Pequim.

Reportagem DissertativaA matria correspondente ao ttulo da capa, Fria na China, abria falando de um sorridente, animado e frgil velho baixinho de traos conhecidos que havia aparecido no noticirio da televiso chinesa na noite de sexta-feira da semana anterior, como quem participa de uma festa. Havia a transcrio de uma frase dita pelo velhinho na televiso: Nossas tropas valem por uma grande muralha de ao. E, depois, aparecia o seu nome, Deng Xiaoping, o lder mximo da China e maior responsvel pelo massacre dos jovens estudantes. evidente que na abertura destas trs matrias publicadas em duas diferentes revistas e em momentos distintos, ao longo de uma dcada, h a adoo de um mesmo procedimento: o retardamento da insero no texto de dados identificadores do seus assuntos. Garia (1969, p. 193), que dedica um longo captulo de sua obra ao estudo da estrutura do pargrafo dissertativo, relaciona isso como um dos inmeros meios que poder ser adotados para se iniciar um pargrafo dissertativo.

Reportagem DissertativaEle denomina esse procedimento de omisso de dados identificadores, descrevendo-o como uma tcnica que consiste omitir certos dados que permitam a identificao de um personagem ou a apreenso da verdadeira inteno do autor, para, com isto, manter em suspense durante algum tempo a ateno do leitor. Ele transcreve, como exemplo, o incio de um texto de Rui Barbosa sobre a importncia do Poder Judicirio na vida poltica de um povo. Rui Barbosa usa a lenda segundo a qual, quando Marshall morreu, se fendeu o sino da Liberdade, da Filadlfia, pelo qual havia sido anunciado o nascimento dos EUA. Prximo a este incio de pargrafo est o que outro estudioso, Agnelo de Carvalho Pacheco, em Dissertao teoria e prtica, chama de introduo com exemplo. Ele acrescenta: , talvez, a que mais atraia a ateno e o interesse do leitor. (1998, p.59) A introduo com exemplo d ao leitor a dimenso do problema de que o texto tratar e funciona como uma pequena narrao introdutria. Pacheco cria dois exemplos para uma notcia sobre o rio Tiet, de So Paulo.

Reportagem DissertativaMilhares de peixes mortos boiando nos rios. Espumas alvas decolando da superfcie da gua. Um cheiro insuportvel de enxofre na avenida Marginal do rio Tiet (1988, p.58) O menor C.A.C.M., de 13 anos, est internado na Santa cata de Misericrdia. Motivo: intoxicao por mercrio, devido a ingesto de peixe contaminado. (1988, p.59) Outro meio de iniciar o pargrafo considerado por Othon Garcia aquele que se utiliza de uma indagao. Visa despertar a ateno e a curiosidade do leitor (Garcia, 1969, p.194). Ele afirma que esta introduo apresenta questes relacionadas ao tema que devem ser respondidas ao longo do texto. Sugere trs formas de iniciar a mesma notcia sobre o rio Tiet. Com a crescente poluio dos rios, como chegaremos ao terceiro milnio? (1988, p.59) possvel combater os efeitos da poluio dos rios? (1988, p.59). Por que o homem est matando seus rios? (1988, p.59).

Reportagem DissertativaTpico frasal Retomando o final daquela abertura da matria sobre tortura, publicada pela Veja: Quando ela comeou, era vista como um remdio milagroso pelos comandantes militares que a autorizavam e premiaram. Os presos confessavam, grupos terroristas desabavam como castelos de cartas. Quando ela terminou, tinha-se transformado em fonte de indisciplina. Acrescentando o perodo seguinte, grifado pelo autor: Assim como se acreditou que ela pudesse existir sem que dela se falasse, acredita-se hoje que, sendo possvel viver sem ela, de mau gosto mencion-la. Tortura este o nome do problema que o regime de 1964 instalou em pores de quartis e com o qual o regime de 1985 comea a exercitar uma complexa e tortuosa convivncia. (p.42) Facilmente se percebe que o primeiro perodo transcrito acima corresponde a uma parte da estrutura do pargrafo (a introduo) e que o seguinte perodo, grifado, corresponde a outra, o tpico frasal, freqentemente uma generalizao.

Reportagem DissertativaPor sua vez, generalizao que constitui muitas vezes o tpico frasal seguemse pormenores, exemplo e outros elementos necessrios sua justificao e fundamentao. O tpico frasal tambm pode adquirir outras formas (Tcnicas de Redao a recepo e a produo do texto), mas quase sempre generalizao. Sob forma de generalizao ou sob qualquer outra forma, no entanto, o tpico frasal traz sucintamente a idia-ncleo do pargrafo dissertativo em um ou dois perodo. Modos de iniciar um pargrafo: com omisso dos dados identificadores, com aluso histria, com indagao etc. necessrio acrescentar que o pargrafo pode iniciar-se diretamente com tpico frasal, sem nenhuma introduo. Ex.: Globo Rural, janeiro de 1987 (Jos Hamilton Ribeiro), sobre o Pantanal matogrossense, intitulada Tuiui, o primeiro grito de socorro.

Reportagem DissertativaCerto, o Pantanal todo ele um show. As onas pintadas, as curvas insinuantes da sucuri, as capivarinhas mamando na tia ou na av, os quatis desfilando de rabo em p, um jacar no choco. O bal das ariranhas no coricho, o tropel das piranhas estraalhando uma cacharra, o andar de mo do tamandu [...]. Um tpico frasal, como o da reportagem assinada por Jos Hamilton Ribeiro classificado por Othon Garcia de declarao inicial. Nela se afirma ou se nega alguma coisa de sada. Imediatamente aps, apresentam-se os argumentos para justific-la sob forma de razes, analogias, exemplos, fatos, etc. Garcia (1969, p.189-90) afirma que o tpico frasal quando inicia o pargrafo, sob forma de declarao ou sob qualquer outra forma, estabelece o rumo das idias a serem desenvolvidas. Com isto, evita a digresso e assim garante trs qualidades ao trecho do texto a que corresponde: objetividade, coerncia e unidade.

Reportagem DissertativaPara ele, h ainda duas outras feies de tpico frasal, alm da de declarao inicial. O tpico frasal pode se constituir ainda de uma definio, quando, ento, ter natureza didtica. Esta feio recebe outro nome de Roberto Magalhes conceitual que tambm no usa a expresso tpico frasal, preferindo frase-ncleo. Deste modo, o que para Otho Garcia tpico frasal de feio definio, para Roberto Magalhes frase-ncleo conceitual. Magalhes a exemplifica, numa matria sobre o ouvido humano: Nossos ouvidos formam um sistema altamente complexo, destinado a captar e converter os sons em impulsos nervosos que o crebro se encarrega de interpretar. O outro aspecto do tpico frasal o da diviso, tambm de natureza didtica. Sobre ela, afirma Othon Garcia: Consiste em apresentar o tpico frasal sob a forma de diviso ou discriminao das idias a serem desenvolvidas.

Reportagem DissertativaO silogismo divide-se em silogismo composto (insto , feito de vrios silogismos ou implicitamente formulados). Distinguem-se quatro espcies de silogismos compostos [...].

Tanto Othon Garcia como Roberto Magalhes admitem a existncia de um tipo especial de tpico frasal, aquele que, por j estar de um modo diludo no pargrafo, no aparece explicitamente, conquanto possa ser reconstitudo parte. Magalhes v uma frase-ncleo diluda (que formula assim: Na luta pela sobrevivncia, homem e animal conduzemse diferentemente.) no seguinte pargrafo, sem frase-ncleo aparente, de S.I. Hayakawa, em A linguagem no pensamento e na ao:

Reportagem DissertativaOs animais conhecem o ambiente pela experincia direta: o homem cristaliza o seu conhecimento e os seus sentimentos em representaes simblicas fontica, e, mediante smbolos escritos, acumula conhecimento e o passa adiante para as futuras geraes. Os animais comem onde encontram comida, mas o homem, coordenando seus esforos com os esforos alheios mediante meios lingsticos, alimenta-se abundantemente com alimentos preparados por centenas de mos e trazidos de grandes distncias. Os animais exercem entre si apenas um controle limitado, mas o homem, tornando a fazer usos de smbolos, impe leis e sistemas ticos, que constituem instrumentos lingsticos para o estabelecimento da ordem e da previsibilidade sobre a conduta humana (apud Magalhes, p.23).

Reportagem DissertativaAlm das j mencionadas, para Roberto Magalhes a frase-ncleo pode assumir mais trs outras formas: Frase-ncleo interrogativa: Diante das enormes transformaes ocorridas no mundo moderno em face do surpreendente avano tecnolgico, quais seriam, hoje, as responsabilidades das escolas brasileiras? Frase-ncleo de impacto ou surpreendentemente: Um alarmante estudo da FAO (Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e a Alimentao) revela que, nos pases mais pobres, quase metade da populao pode ser classificada como subnutrida e que 22 milhes de recm-nascidos um sexto do total mundial por ano pesam menos de dois quilos e meio.

Reportagem DissertativaFrase-ncleo contestativa: O jovem brasileiro um alienado que vive em funo de modernismos importados. Nada mais falso que esta precipitada afirmao.