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Prestes Mott a, Fernando C. Bu- rocracia e autogestão : a propos- ta de Proudho n. São Pa ulo, Bra- si li ense, 1981. 170p. Este texto constitL•i urna análise cir- . cunstanciada do caráter autoritário das organizações modernas, através do exame da proposta autogestioná- r ia em sua origem, a partir da obra de Pierre-Joseph Proudhon, o teórico mais expressivo do movimento auto- gestionário do século passado. O grande desenvolvi menta das organizações burocráticas no mundo contemporâneo e a burocratização da vida social atual parecem ser, segun- do o autor, os elementos que estimu- lam o interesse crescente pela auto- gestão e, portanto, por suas ra fzes no pensamento proudhoníano . A primeira parte do texto analisa as caractedsticas gerais das organiza- ções burocráticas, delineando-se o perfil das organizações que apresen- tam a heterogestão como elemento constitut i vo de seu modo de adminis- tração. As quatro partes restantes se empenham numa análise bastante exaustiva da obra de Proudhon, cuja proposta autogestionária revela-se atual pelo fato de constituir a única alternativa radical à heterogestão. O autor inicia seu estudo pela aná- lise das formas de cooperação - na manufatura e na indústria - como passo necessário ao entendimento das organizações. Segundo ele, são essas formas de cooperação que criam as funções administrativas e o ordena - menta soci al típ i co d essas insti- tuições. No decorrer da análise, o auto r va i de li neando o p erfil da empresa buro- crática, mostra ndo cada uma de suas caracter ísticas, detendo-se bastante na forma de gestão utilizada - a he - terogestão. Segu ndo ele, " a empresa mod erna e mecanizada intensifica ao máximo a heterog estão co mo for ma de controle do capital, su rgi ndo da( a direção autoritária e o excesso de re- gulamentações em beneHcio daqueles que ficam com parte intelectual do bolo .. ." Do estudo da empresa burocrática o autor passa a ar 1al i sa r as b urocrac ias :Júblicas, consolidad as pela articula- ção as funções repressivas da em :::resa capitalísta, culminando com o apareci menta da dom i nação buro- crática na sociedade. Relaciona a bu- rocracia não apenas à divisão téc ni ca do trabalho mas à sua divisão social , surgindo como representante das classes dirigentes do mundo contem- porâneo que, através do trabalho administrativo, respondem pela ma- nutenção do entre os proprietários e os não-proprietários. Dessa forma, a própria organização burocrát ica, enquanto estrutura de poder, é um aspecto de todo um or- denamento social mais amp l o, ambos marcadamente hierárquicos. Pela análise da estrutura de poder exist ente nas organizações burocrá- ticas e do ordenamento social da( de- corrente, o autor demonstra que a heterogestão reproduz as relações so- ciais, "naturalizando-as", por ser fun- damental, em todo ordenamento so- cial, a separação dirigente/dirigido. As organizações não só dão da reprodução da força de trabalho, como também da "natural ização" das relações de poder em uma dada sociedade. E, assim, o estudo das or- ganizações formais se expande, quase que necessariamente, para o das de- mais instituições sociais, que não só exprimem a mesma lógica como tam- bém representam um ordenamento social hierarquizado que se encontra generalizado na sociedade. A separação no plano da relação dirigente/dirigido, aspecto enfatizado pelo autor, é vista como natural, na medida em que exprime diferenças de compet ência, saber ou habi I i dad e. Como ele mesmo coloca, "a hetero- ges o permite a institucionalização da submissão sob a másca ra da auto- ri da de nece ssária. A relação dirige nt e/ dirigido expressa a autoridade, ocu l- ta ndo o pode r", fazendo da organiza- ção uma f or ma de poder in stitu ci ona- lizado, enco berto po r mecan ismos úe divisão e separação, espaço so ci al on- de a rep et ição expres sa a ordem e a lei. Da análise das organizações buro- cráticas, e do pod er exerci do por es- sas organizações - tanto no âmbito emp resarial como no social -de suas · c aractedsticas e reprodução na socie- dade, Prestes Motta passa à análise da obra de Proudhon, autor de · um tr a- balho notável de cdtica política e, principalmente, de uma proposta autogestionária, cuja influência se fa- rá sentir até fins do século XIX. A teorização proudhoniana surge de sua preocupação com a proprie- dade privada, cuja denúncia envolve também o capit alismo. Segundo eie, a propriedade é um ro ubo econ ômi- co, t ornado poss{vel po r um capi ta l exclusivo. A cr(tic a ao capitalismo re- fere-se a uma das formas de alienação que pesam sobre a sociedade, da mes- ma form a que a crftica ao Estado e à Religião revela outra s formas de a li e- nação. De modo geral, a teorização de · Proudhon é uma críti ca a toda e qualquer forma de jugo e submissão da sociedade. A propriedade é, para Proudhon, o monopólio, o despo- tismo econômico, o capital, o roubo legal, o que corresponde à exploração do homem pelo homem. Torna-se o direito de um homem dispor, da for- ma mais absoluta, de u ma proprie- dade que é social. Am da pr oprie- dade ; Proudhon combateu ta mbém o poder, razão pela qual fora consa- grado como pai da anarquia, enten - dida como sociedade libertada. Se- gundo ele, autoridade e liberdade constituem os dois pólos da pol (tica, e dessas duas noções resultam dois re- gimes diferentes para a sociedade: go- verno de todos por um só e governo de todos por todos. Para o pensador, o objetivo da luta revolucionária é a destruição do Estado centralizado, a sua subordi- Resenha bibliográfica 79

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Prestes Motta, Fernando C. Bu­rocracia e autogestão : a propos­ta de Proudhon. São Paulo, Bra­si liense, 1981. 170p.

Este texto constitL•i urna análise cir-. cunstanciada do caráter autoritário das organizações modernas, através do exame da proposta autogestioná­ria em sua origem, a partir da obra de Pierre-Joseph Proudhon, o teórico mais expressivo do movimento auto­gestionário do século passado.

O grande desenvolvi menta das organ izações burocráticas no mundo contemporâneo e a burocratização da vida social atual parecem ser, segun­do o autor, os elementos que estimu­lam o interesse crescente pela auto­gestão e, portanto, por suas r a fzes no pensamento proudhoníano.

A primeira parte do texto analisa as caractedsticas gerais das organiza­ções burocráticas, delineando-se o perfil das organizações que apresen­tam a heterogestão como elemento constitutivo de seu modo de adminis­tração. As quatro partes restantes se empenham numa análise bastante exaustiva da obra de Proudhon, cuja proposta autogestionária revela-se atual pelo fato de constituir a única alternativa radical à heterogestão.

O autor inicia seu estudo pela aná­lise das formas de cooperação - na manufatura e na indústria - como passo necessário ao entendimento das organizações. Segundo ele, são essas formas de cooperação que criam as

funções administrativas e o ordena-

menta soci al típ ico dessas insti­tuições.

No decorrer da análise, o autor va i deli neando o perfil da empresa buro­crát ica, mostrando cada uma de suas caracter ísticas, det endo-se basta nte na fo rma de gestão utili zada - a he­terogestão . Segundo ele, " a empresa moderna e mecanizada intensifica ao máximo a heterogestão como forma de co ntrole do capital, surgi ndo da( a d ireção autoritária e o excesso de re­gulamentações em beneHcio daq ueles

que ficam com ~ parte intelectual do bolo .. . "

Do estudo da empresa burocrática o autor passa a ar1al isar as burocracias :Júblicas, consolidadas pela articula­ção co,-~, as funções repressivas da em :::resa capitalísta, culminando com o apareci menta da dom i nação buro­crática na sociedade. Relaciona a bu­rocracia não apenas à divisão técnica do trabalho mas à sua divisão social , surgindo como representante das classes dirigentes do mundo contem­porâneo que, através do trabalho administrativo, respondem pela ma­nutenção do ~ntagonismo entre os proprietários e os não-proprietá rios. Dessa forma, a própria organização burocrática, enquanto estrutura de poder, é um aspecto de todo um or­denamento social mais amplo, ambos marcadamente hierárquicos.

Pela análise da estrutura de poder existente nas organizações burocrá­ticas e do ordenamento social da( de­corrente, o autor demonstra que a heterogestão reproduz as relações so­ciais, "naturalizando-as", por ser fun­damental, em todo ordenamento so­cial, a separação dirigente/dirigido.

As organizações não só dão cont~ da reprodução da força de trabalho, como também da "natural ização" das relações de poder em uma dada sociedade. E, assim, o estudo das or­ganizações formais se expande, quase que necessariamente, para o das de­mais instituições sociais, que não só exprimem a mesma lógica como tam­bém representam um ordenamento social hierarquizado que se encontra generalizado na sociedade.

A separação no plano da relação dirigente/dirigido, aspecto enfatizado pelo autor, é vista como natural, na medida em que exprime diferenças

de competência, saber ou hab i I idade. Como ele mesmo coloca, " a hetero­gestão permite a instit ucionalização da submissão sob a máscara da auto­ridade necessár ia. A relação dirigente/ dir igido expressa a autoridade, ocul­tando o poder", fazendo da organiza­ção uma forma de poder instituciona­lizado, encoberto po r mecanismos úe div isão e separação, espaço soci al on­de a repetição expressa a ordem e a lei.

Da análise das organizações buro­cráticas, e do poder exercido por es­sas organizações - tanto no âmbito empresarial como no social -de suas

· caractedsticas e rep rodução na socie­dade, Prestes Motta passa à análise da obra de Proudhon, autor de· um tra­balho notável de cdtica política e, principalmente, de uma proposta autogestionária, cuja influência se fa­rá sentir até fins do sécu lo XIX.

A teorização proudhoniana surge de sua preocupação com a proprie­dade privada, cuja denúncia envolve também o capit alismo . Segundo eie, a propriedade é um roubo econômi­co, tornado poss{vel por um capita l exclusivo. A cr(tica ao cap italismo re­fere-se a uma das formas de alienação que pesam sobre a sociedade, da mes­ma forma que a cr ft ica ao Estado e à Relig ião revela outras formas de a lie­nação.

De modo geral, a teorização de · Proudhon é uma crítica a toda e

qualquer forma de jugo e submissão da sociedade. A propriedade é, para Proudhon, o monopólio, o despo­tismo econômico, o capital, o roubo legal, o que corresponde à exploração do homem pelo homem. Torna-se o direito de um homem dispor, da for­ma mais absoluta, de uma proprie­dade que é social. Além da proprie­dade; Proudhon combateu também o poder, razão pela qual fora consa­grado como pai da anarquia, enten­dida como sociedade libertada. Se­gundo ele, autoridade e liberdade constituem os dois pólos da pol (tica, e dessas duas noções resultam dois re­gimes diferentes para a sociedade: go­verno de todos por um só e governo de todos por todos.

Para o pensador, o objetivo da luta revolucionária é a destruição do Estado centralizado, a sua subordi-

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nação "à sociedade econômica, e não a absorção desta últ ima pelo Esta­do" . A anarqu ia positiva, pregada por Proudhon, procura, através da errad i­cação da re lação de autoridade, inst i­tuir relações tota lmente novas entre indiv(duos e agrupamentos. Caracte­riza-se, antes de mais nada, pel a nega­ção de toda autoridade e, em parti­cular, pela negação d o Estado.

Proudhon reve la-se um crítico da burocracia, e toda sua teorização visa a estabelecer a autonomia da socie­dade, entendida como poder latente e possibilidade reai de se o rganizar e de governar a si mesma. A sociedaàe autogestionária, em Proudhon, é a soc i~ade organicamente autônoma, constitu (da de grupos autônomos se auto-ad minist rando, onde existe co­ordenação, mas não hiera rqu ização.

Segundo a análise do autor, na teo­ria autogest ionária de Proudhon, a política torna-se governo do próprio povo e desaparece a apropriação eco­nômica e polít ica, característica do sistema burocrático . A autogestão surge, então, como a negação da bu­rocracia e de sua heterogestão. "As­sim, conclu i o autor, a criação de uma sociedade autogest ionária não é uma utopia, já que não se trata de uma impossibi_lidade. Trata-se, isto sim, de algo que incomoda profunda­mente os detentores do poder. Em uma sociedade autogestionária não há lugar para burocratas. A proposta autogestionária traz a incerteza para um mundo onde quase todos buscam a certeza .. . Enquanto as ideologias do poder procuram ocu ltar as múlti · pias alienações do homem moderno,

I •

a proposta autogestionária surge co-mo uma denúncia , como possibi li­dade real e rad ical de transformação social. Nesta possi bi lidade está sua grande dificuldade de operacionali ­zação, já que a razão que a sustenta é · o contrário da razão do poder." O

Ana Rosa Bulcão Vieira

Revista de Administração de Empresas

Werther Jr., Will iam B. & Davis, Keith. Personnel management and human resources . McGraw­Hi ll, 1981 . 508p.

Recorrendo às idéias básicas da Esco­la de Relações Humanas, de que as pessoas constituem o elemento co­mum a todas as organizações, os au­tores abordam a administração de re­cursos humanos dentro das t endên­cias mais at uais que se observam nos países ditos industriali zados.

Vão mais lo nge, é verdade, quan­do afirmam que os desafios à socieda­de deste fi m de século serão vencidos através da "nossa mais criativa inven­ção: as organizações" . Neste aspecto , seguem de perto Max Weber quando

· desenvo lve suas idéias centrais de bu­rocracia, este tipo ideal ao qua l ape­nas as grandes o rganizações se asse­melham.

A obra é mais propriamente uma receita de como aplicar a ad ministra­ção de pessoal aos recursos humanos da organização. Os ingredientes d a re­ceita visam, pois, a atender aos obje-. t i vos da área especiali zada de pessoal: socia l, organizacional, fu ncional e in­divid ual, ou sejam, os ob jetivos que orientam as atividades do dia-a-<tia do administrador de pessoal, agindo co­mo um departamento de serviço, através de suas á.reas que prestam as­sistência aos empregados, aos admi· nistradores (chefes) e à organização. Não deixam eles de lembrar que· o homem de pessoal não tem autor ida-

de de linha (que é típica d os gerentes de Departamentos operacionais), " meramente aconselhando aos ho­mens de li nha que são , em última ins­t ância, os responsáveis pelo desempe­nho dos empregados".

Como um Óígão composto de at i­vidades interdependentes, a ad minis­tração de pessoal é tratada como um sistema, cada subsistema afetando os demais, "o que permite reconhecer as relações entre as partes". As mudan­ças organizacionai s são o resultâdo de desafios ambientais, ext ernos à o rga­nização, e que se originam de infl uên ­cias sociais, t ecnológicas, econômicas e político-legal. Neste aspecto, enga· jam~se os autores nas fileiras dos que formam a linha avançac;a da "filoso­fia de ambiente" nos EUA nestes úl­t imos anos. Não vai aqui qualquer exagero, po is as p ressões que a admi­nistração de pessoal vem sofrendo

· nestes últill}OS três ; ustros não podem ser desprezadas: d i~~riminação racial, preconceitos os mai s diversos, cont ra indiv íd uos ou contra grupos minori- · tários, encont ram no estâtuto dos di­re itos humanos uma barre ira intrans­pon fvel nos EUA. As agênc ias gover­namentais interferem em todos os as· pectos de ad min ist ração de pessoa!, desde o recrutamento à d ispensa (f i rings ou lay-offs). A intervenção g;overnamental não é tão recente, po­rém . A permissão para si ndicalizar-se,

·o sa lário m (n imo, a jornada de traba­lho etc. têm sido tratados pelo legis­lado r americano há mais de c inco dé­cadas.

Numa democracia política, os efeitos de li berdade e igualdade obviamente chegariam à empresa: ho­mens e mulheres, maiores e menores, os velhos, os alienígenas, os menos dot ados, para citar algu ns exem plos, ·todos encontram hoje estat ut os onde se amparam contra a discriminação e arbítrio. Os autores abordam t ais le is com am plos coment ários, chegando ao palpitante tema : "qualidade de vi­da no t rabalho", e os fatores que a afetam: supervísão, ... condições de tra­balho, salários, beneHcios e delinea­mento do trabalho. *

Este último fator -delineamento do trabalho - é exposto com muita clareza, não só quanto às metas visa­

·das como aos problemas enfrentados.