Upload
antonio
View
221
Download
7
Embed Size (px)
Citation preview
Rev Port Cardiol. 2014;33(3):177.e1---177.e6
Revista Portuguesa de
CardiologiaPortuguese Journal of Cardiology
www.revportcardiol.org
CASO CLÍNICO
Reversibilidade da miocardiopatia induzida porcatecolaminas associada ao feocromocitoma
Milan Satendraa,∗, Cláudia de Jesusb, Armando L. Bordalo e Sáa, Luís Rosárioa,José Rochac, Henrique Bicha Casteloc, Maria José Correiaa, António Nunes Diogoa
a Servico de Cardiologia, Hospital Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugalb Servico de Medicina, Hospital Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugalc Servico de Cirurgia II, Hospital Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal
Recebido a 5 de maio de 2013; aceite a 13 de setembro de 2013Disponível na Internet a 28 de março de 2014
PALAVRAS-CHAVEMiocardiopatia;Catecolaminas;Feocromocitoma;Insuficiência cardíaca
Resumo O feocromocitoma é um tumor originário do tecido cromafim. Habitualmenteapresenta-se por sinais e sintomas de excesso de catecolaminas, tais como hipertensão arterial,taquicardia, cefaleias e sudorese. Das manifestacões cardiovasculares inclui-se a miocardiopa-tia induzida por catecolaminas, que pode apresentar-se sob a forma de disfuncão ventricularesquerda grave e insuficiência cardíaca congestiva. Relatamos o caso de um homem a quemfoi diagnosticado feocromocitoma na investigacão de um quadro de miocardiopatia dilatada.Realca-se neste doente a dramática reversão da miocardiopatia, com melhora sintomática erecuperacão da funcão do ventrículo esquerdo após o tratamento.© 2013 Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos osdireitos reservados.
KEYWORDSCardiomyopathy;Catecholamines;Pheochromocytoma;Heart failure
Reversible catecholamine-induced cardiomyopathy due to pheochromocytoma:Casereport
Abstract Pheochromocytoma is a tumor originating from chromaffin tissue. It commonly pre-sents with symptoms and signs of catecholamine excess, such as hypertension, tachycardia,headache and sweating. Cardiovascular manifestations include catecholamine-induced cardi-omyopathy, which may present as severe left ventricular dysfunction and congestive heart
failure. We report a case of pheochromocytoma which was diagnosed following investigation ofdilated cardiomyopathy. We highlight the dramatic symptomatic improvement and reversal ofcardiomyopathy, with recovery© 2013 Sociedade Portuguesa
reserved.
∗ Autor para correspondência.Correio eletrónico: [email protected] (M. Satendra).
0870-2551/$ – see front matter © 2013 Sociedade Portuguesa de Cardiologhttp://dx.doi.org/10.1016/j.repc.2013.09.011
of left ventricular function after treatment.
de Cardiologia. Published by Elsevier España, S.L. All rightsia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados.
1 M. Satendra et al.
C
Htidpprnp
prqmatldodtqh
hap9iachs
sQit
edte
isvdnnt
-tcsbcgd
Tabela 1 Parâmetros ecocardiográficos: antes da terapêu-tica e dois meses pós-cirurgia
Parâmetro Pré-terapêutica Dois mesespós-cirurgia
DDVE/ASC (cm/m2) 3,3 2,8DSVE/ASC (cm/m2) 2,7 2,0VTS/ASC (mL/m2) 84 39VTS/ASC (mL/m2) 53 16FEj (%) 37 58
DDVE/ASC: dimensão diastólica do ventrículo esquerdo indexadoà área de superfície corporal; DSVE/ASC: diâmetro sistólico doventrículo esquerdo indexado à área de superfície corporal; FEj:fracão de ejecão ventricular esquerda; VTD/ASC: volume tele-diastólico do ventrículo esquerdo indexado à área de superfície
dde 4,5 x 5,5 cm (Figura 2).
Perante a suspeita diagnóstica de feocromocitoma, efe-tuou doseamento das catecolaminas plasmáticas e urinárias
A
B
Ecocardiograma transtorácico inicial
Ecocardiograma transtorácico pós - cirurgia
HD
P RT
1,9 3,8
P RT
1,9 3,8
+ VDF (MDD-ps4) = 152 cm3LVEd apical = 8,01 cmAVEd apical = 38,8 cm2VVEd ap4 = 38,8 cm2
+ VDF (MDD-ps4) = 79,6 cm3LVEd apical = 8,65 cm
AVEd apical = 29,1 cm2VVEd ap4 = 29,1 cm2
69bpm
77.e2
aso clínico
omem de 40 anos, aparentemente saudável até cerca derês meses antes da ida ao servico de urgência (SU), quandonicia tosse noturna não produtiva, emagrecimento (cercae 10-15 kg durante os três meses), anorexia e dispneiaara esforcos progressivamente menores. Dos antecedentesessoais destacam-se apenas, desde há vários anos, espo-ádicas determinacões de hipertensão arterial ligeira queão valorizava, hipersudorese e frequência cardíaca (FC)ersistentemente elevada.
Recorreu ao seu médico assistente que o referenciouara o centro de diagnóstico pneumológico da área deesidência por suspeita de patologia pulmonar, entre asuais tuberculose ou pneumonia atípica. Efetuou exa-es complementares que foram inconclusivos e iniciou
ntibioterapia com ausência de resposta a vários antibió-icos (amoxicilina com ácido clavulânico, claritromicina eevofloxacina), apesar de apenas um episódio de febreocumentada (39,0 ◦C de temperatura axilar) sob antibi-terapia. O doente manteve as queixas e iniciou crisese dispneia paroxística noturna, ortopneia, palidez, apertoorácico e intensa diaforese, com agravamento progressivoue motivaram a ida ao SU e consequente internamentoospitalar.
Ao exame objetivo apresentava-se ansioso, apirético masipersudorético, pálido, hidratado e anictérico. A pressãorterial era 178/119 mmHg, FC de 113 bpm, frequência res-iratória de 20 cpm, saturacão periférica de oxigénio de2% com oxigenoterapia por óculos nasais a 2 L/min, semngurgitamento jugular a 45◦. À auscultacão cardiopulmonarpresentava-se taquicárdico, sem sopros cardíacos audíveis,om fervores crepitantes na metade inferior de ambos osemitórax. Abdómen sem alteracões. Membros inferioresem sinais de edema ou trombose venosa profunda.
O eletrocardiograma (ECG) apresentava taquicardia sinu-al com FC de 104 bpm e prolongamento do intervaloT (QTc = 488 ms). A telerradiografia torácica mostrava
nfiltrado intersticial bilateral com apagamento do seio cos-ofrénico direito.
O ecocardiograma transtorácico revelou um ventrículosquerdo dilatado e globalmente hipocinético com fracãoe ejecão de 37%, com aurícula esquerda ligeiramente dila-ada (Tabela 1 e Figura 1). O valor de NT-proBNP na admissãora de 7.678 pg/mL.
Após instituicão da terapêutica farmacológica para ansuficiência cardíaca, com inibidores da enzima conver-ora de angiotensina, diuréticos e nitratos endovenosos,erificou-se melhoria ligeira do quadro clínico, nomea-amente da dispneia, ortopneia e dispneia paroxísticaoturna. Apesar da terapêutica, não se obteve controlo dosíveis de pressão arterial e da FC, mantendo-se com hiper-ensão arterial e taquicardia sinusal.
Fez tomografia axial computadorizada (TAC) tóraco-abdominal que demonstrou ligeiras alteracões esclerofibró-icas apicais, infiltrados em vidro despolido disseminados,om espessamento dos septos interlobulares, adenopatiaubcarinal com 1,5 cm de diâmetro, engurgitamento hilar
ilateral, derrame pleural bilateral com componente inter-isural e massa sólida hipodensa em contiguidade com alândula suprarrenal esquerda, com calcificacão no interior,e limites relativamente bem definidos embora com ligeiraFarA
corporal; VTS/ASC: volume telesisstólico do ventrículo esquerdoindexado à área de superfície corporal.
ensificacão estriada da gordura adjacente, medindo cerca
igura 1 Imagens do ecocardiograma transtorácico, planopical de quatro câmaras em telediástole, que mostram aeducão do volume telediastólico do ventrículo esquerdo:) antes da terapêutica; B) dois meses pós-cirurgia.
Reversibilidade da miocardiopatia por catecolaminas associada ao feocromocitoma 177.e3
Figura 2 TAC abdominal: massa sólida hipodensa em conti-guidade com a glândula suprarrenal esquerda (setas).
e seus metabolitos. A avaliacão analítica demonstrouaumento de todas as catecolaminas plasmáticas e naurina de 24 horas verificou-se aumento das normetanefri-nas urinárias e da adrenalina, com metanefrinas normais(Tabela 2).
A cintigrafia de corpo com I123-metaiodobenzilguanidina(MIBG) revelou a existência de hiperfixacão nodular comaproximadamente de 3-4 cm de diâmetro a nível da suprar-renal esquerda, na mesma localizacão da massa observadana TAC abdominal, consistente com o diagnóstico de feocro-mocitoma. Não se detetavam outras zonas de hiperfixacão
anómalas (Figura 3).Efetuou um ECG de Holter de 24 horas (Figura 4)que demonstrou ritmo de base sinusal com FC variandoentre 74-123 bpm, com FC média do registo de 103 bpm
Tabela 2 Valores dos doseamentos das catecolaminas plas-máticas e urinárias e dos seus metabolitos na avaliacãoinicial
Análise Resultado Valor dereferência
Catecolaminas plasmáticasAdrenalina (pg/mL) 160,2 < 100Noradrenalina(pg/mL)
10.058,0 < 600
Dopamina (pg/mL) 827,7 < 100Catecolaminastotais
11.045,9 < 800
Catecolaminas urináriasAdrenalina(�g/24 h)
Abaixo do níveldetecão
Noradrenalina(�g/24 h)
1.943,9 12,1-85,5
Dopamina (�g/24 h) 187,8 0-498Normetanefrina(�g/24 h)
6.002,9 105-354
Metanefrina(�g/24 h)
180,6 74-297
Ácidovanilmandélico(mg/24 h)
24,9 1,8-6,7
Figura 3 Cintigrafia de corpo com I123-MIBG, incidênciapd
eibq(
d-2dp
crpxar
pnncgArr
óstero-anterior, que demonstra hiperfixacão nodular ao nívela suprarrenal esquerda (setas).
variabilidade da FC muito diminuída (desvio-padrão dosntervalos RR normais [DPNN] = 39 ms). Na análise da varia-ilidade da FC no domínio da frequência verifica-seuase abolicão do componente de alta frequência (HF)HF = 15 ms2) e de baixa frequência (LF) (LF = 43 ms2).
A monitorizacão ambulatória da pressão arterial (MAPA)emonstrou elevacão dos valores tensionais médios sisto-diastólicos das 24 horas (pressão arterial sistólica média das4 horas de 143 mmHg e pressão arterial diastólica médiae 92 mmHg), com perfil circadiano não dipper (descida daressão arterial noturna de 7%).
O doente iniciou tratamento médico pré-operatórioom hidratacão e bloqueio farmacológico dos receto-es alfa e beta-adrenérgicos. O bloqueio alfa-adrenérgicoré-operatório fez-se com titulacão progressiva da feno-ibenzamina (até à dose de 90 mg/dia). Posteriormentedicionou-se bisoprolol (5 mg) com controlo tensional eeducão marcada da sudorese.
O doente foi submetido a adrenalectomia esquerdaor via laparoscópica, sem alteracões hemodinâmicas sig-ificativas durante a cirurgia. Foi removida uma pecaodular de 7 x 4 x 3,7 cm, revestido por tecido adiposoom 0,4-1,3 cm de espessura. O exame anatomopatoló-
ico confirmou o tumor suprarrenal como feocromocitoma.pesar do procedimento operatório decorrer sem intercor-ências, no pós-operatório, o doente teve hipotensão queeverteu com terapêutica com cristaloides endovenosos.177.e4 M. Satendra et al.
A1
A2
B1
FC média = 102.7 bpm
RR médio = 584 ms
DPNN = 39.41 ms
FC média = 73.4 bpm
RR médio = 817 ms
DPNN = 96.89 ms
500
5000
1000
1000
1500
1500
6T
ms/Hz
ms/Hz
319
FFT from 14:33:39 to 14:26:59
FFT from 13:27:04 to 10:04:48
2394315
Power (ms2)
Power (ms2)
VLFLFHF
T 22701653376139
VLFLFHF
4
2
0
6
4
2
0
0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 Hz
0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 Hz
ms
ms
B2
Figura 4 A) Histograma dos intervalos RR de ECG de Holter 24 horas: A1) inicial e A2) pós-cirurgia. B) Variabilidade da FC nodomínio da frequência: B1) inicial e B2) pós-cirurgia. DPNN: desvio-padrão dos intervalos RR normais. Verifica-se um aumentodo DPNN de 39 ms para 97 ms entre os dois exames. Verifica-se ainda que previamente à cirurgia havia uma quase abolicãoc pós a(
Tn2
rvp2dialrLddr(daa
D
Otndm0dddrdhc
sogtm
d2fi-
ccTtpnaca
ctmdmvscl
sve
om componente de HF (HF = 15 ms2) e da LF (LF = 43 ms2). AHF = 139 ms2) e da LF (LF = 376 ms2).
eve alta medicado com furosemida 40 mg/dia, espiro-olactona 25 mg/dia, carvedilol 18,75 mg/dia e enalapril,5 mg/dia.
No seguimento, não se registou evidência bioquímica ouadiológica de feocromocitoma. Do ponto de vista analíticoerificou-se normalizacão dos valores séricos de NT-proBNPara valores inferiores a 20 pg/mL. O ECG de Holter de4 horas efetuado duas semanas após a cirurgia (Figura 4)emonstrou ritmo de base sinusal com FC média bastantenferior (73 bpm) à do exame prévio e variabilidade da FCumentada em relacão ao basal (DPNN = 97 ms). Na aná-ise da variabilidade da FC no domínio da frequência haviaecuperacão do componente de HF (HF = 139 ms2) e deF (LF = 376 ms2). O ecocardiograma transtorácico efetuadoois meses depois da cirurgia revelou uma normalizacãoas dimensões da cavidade do ventrículo esquerdo eecuperacão da funcão sistólica ventricular esquerdaTabela 1; Figura 3). Perante a reversibilidade do qua-ro clínico de miocardiopatia e encontrando-se o doentessintomático, foi possível suspender toda a medicacão emmbulatório.
iscussão
s feocromocitomas são tumores neuroectodérmicos secre-ores de catecolaminas, de localizacão mais frequentea medula suprarrenal, sendo a localizacão extra-adrenalesignada por paraganglioma. A incidência é de aproxi-adamente 1-8 por milhão na populacão em geral, de
,1% nos idosos e de 0,1-0,6% na populacão geral deoentes com hipertensão arterial. É uma causa comume «incidentaloma» suprarrenal, responsável por 4-6,5%esses tumores. Os feocromocitomas podem ser espo-
ádicos ou familiares. Os esporádicos são geralmenteiagnosticados entre os 40-50 anos, enquanto as formasereditárias, por exemplo as associadas à neoplasia endó-rina múltipla tipo 2, à neurofibromatose tipo 1 ou àirat
cirurgia registou-se uma recuperacão do componente de HF
índrome de Von Hippel-Lindau, apresentam-se na infânciau na idade adulta e na maioria dos casos exigem testesenéticos. Os feocromocitomas podem ser isolados ou múl-iplos. São habitualmente benignos havendo também formasalignas1,2.Os feocromocitomas tinham anteriormente uma mortali-
ade muito elevada (25-40%) que foi reduzida a menos de% na atualidade, principalmente devido à compreensão dasiologia das catecolaminas e a uma preparacão pré-operatória adequada1.
A hipertensão arterial, a taquicardia, a palidez, asefaleias e a ansiedade habitualmente dominam o quadrolínico, embora nem todos os doentes sejam sintomáticos.em sido postulado que a ausência de hipertensão em cer-os doentes com feocromocitoma é secundária a secrecãoredominante de adrenalina, a inativacão de noradrenalinao interior do tumor ou a tolerância dos recetores tecidu-is para as catecolaminas circulantes3. No nosso doente, asatecolaminas plasmáticas eram ambas elevadas, mas maiscentuadamente a noradrenalina.
Os feocromocitomas têm sido associados a diversasomplicacões cardiovasculares, incluindo a hipertrofia ven-ricular esquerda, doenca isquémica cardíaca, enfarte doiocárdio, arritmias cardíacas, miocardiopatia de stresso tipo síndrome de Takotsubo, insuficiência cardíaca poriocardiopatia dilatada e choque. As complicacões cardio-
asculares graves e potencialmente letais destes tumoresão devidas aos potentes efeitos das catecolaminas, espe-ialmente da noradrenalina, o principal neurotransmissoribertado dos terminais dos nervos simpáticos4.
Nos doentes com feocromocitoma podem ocorrer diver-as alteracões do ritmo, da conducão e da repolarizacãoentricular no ECG. O nosso doente apresentava a nívelletrocardiográfico taquicardia sinusal e prolongamento do
ntervalo QT. As anormalidades paroxísticas marcantes daepolarizacão ventricular, consistindo no prolongamentocentuado do intervalo QT, bem como ondas T inver-idas, são frequentemente observadas em doentes comda a
1puer
hftfiAqa-bncneavAoa
adpedmechtmid
lphatncra
dpdacf
Reversibilidade da miocardiopatia por catecolaminas associa
feocromocitoma, podendo dar origem a arritmias ventricu-lares malignas4,5.
A avaliacão da variabilidade da FC fornece informacãosobre a funcão do sistema nervoso autónomo, de forma nãoinvasiva, nos doentes com feocromocitoma. O desvio-padrãodos intervalos RR normais (DPNN) é um dos parâmetros querefletem a atividade autonómica. O valor baixo do DPNNbem como a quase abolicão dos componentes de HF e deLF explicam-se pela inibicão do sistema nervoso simpá-tico central com o aumento prolongado das catecolaminasplasmáticas6.
O achado mais ecocardiográfico mais comum nos doen-tes com feocromocitoma é uma funcão sistólica ventricularesquerda normal ou elevada, sendo a prevalência de miocar-diopatia induzida por catecolaminas nestes doentes apenasde cerca de 10%7. No final dos anos 80 foram pela pri-meira vez relatadas as características ecocardiográficasda miocardiopatia induzida por catecolaminas associadaao feocromocitoma8. Os mecanismos potenciais propostospara o balonismo ventricular esquerdo transitório incluem:disfuncão microvascular das artérias coronárias, espasmomultiarterial epicárdico, alteracão do metabolismo de áci-dos gordos, miocardite e disfuncão do miocárdio mediadapor catecolaminas7. Estão descritos vários casos em quea primeira manifestacão de feocromocitoma é a miocar-diopatia de stress do tipo síndrome de Takotsubo com areversibilidade das alteracões da motilidade segmentar apósa resseccão do tumor, sendo recomendado que, perante umquadro de síndrome de Takotsubo, se deva excluir a presencade feocromocitoma9.
O prognóstico da miocardiopatia induzida por catecola-minas associada a feocromocitoma depende da identificacãoprecoce e do tratamento médico e cirúrgico atempado.Os exames para diagnóstico em doentes com suspeita defeocromocitoma incluem determinacões das catecolaminasurinárias e plasmáticas e das metanefrinas urinárias (nor-metanefrina e metanefrina). No entanto, uma vez que alibertacão de catecolaminas é muitas vezes paroxística,uma única determinacão pode dar uma falsa sensacãode seguranca. A sensibilidade pode ser melhorada atra-vés da repeticão das análises, duas ou mais vezes, e,especialmente, na sequência de um episódio paroxís-tico.
A localizacão pré-operatória do feocromocitoma pode serrealizada por uma variedade de estudos de imagiologia, taiscomo TAC, ressonância magnética (RM) ou cintigrafia comI123-MIBG. A TAC tem sensibilidade e especificidade supe-riores a 90% na localizacão primária do feocromocitomasuprarrenal, no entanto, é menos precisa na detecão des-tes tumores noutras localizacões. A RM ponderada em T2,com 91-100% de sensibilidade e 50-97% de especificidade,fornece detalhes anatómicos excelentes e é mais precisado que a TAC na localizacão de paragangliomas. A I123--MIBG radiomarcada, que é estruturalmente semelhante ànoradrenalina, é seletivamente absorvida e concentra-seno tecido cromafim. Com uma sensibilidade de 77-91% euma especificidade de 96-100%, é o teste de escolha para alocalizacão de tumores fora da suprarrenal, não detetados
em TAC ou RM10.A cirurgia eletiva é o tratamento de escolha para ofeocromocitoma e deve ser acompanhada por um trata-mento pré-operatório médico adequado durante cerca de
C
Os
o feocromocitoma 177.e5
0-14 dias. No entanto, em condicões extremas (por exem-lo, choque devido a uma necrose hemorrágica ou rutura dem feocromocitoma), onde a estabilizacão hemodinâmica
o pré-tratamento médico adequado não são possíveis, aesseccão de emergência do tumor pode ser a única opcão11.
A preparacão farmacológica pré-operatória e a corretaidratacão para expansão do volume intravascular são osatores-chave para a melhoria do prognóstico da doenca,endo permitido reduzir a mortalidade perioperatória doeocromocitoma para menos de 2%. A estratégia habitualnclui o bloqueio inicial dos recetores adrenérgicos alfa.
fenoxibenzamina é o fármaco alfa-bloqueante mais fre-uentemente utilizado, uma vez que bloqueia os recetoresdrenérgicos alfa de forma não competitiva. Os beta-bloqueantes são adicionados após os primeiros dias deloqueio dos recetores adrenérgicos alfa, especialmenteecessários quando ocorrem taquiarritmias induzidas pelasatecolaminas. Os beta-bloqueantes nunca devem ser admi-istrados na ausência de um bloqueio alfa-adrenérgicoficaz porque podem agravar os episódios hipertensivoso exacerbar a vasoconstricão em virtude da inibicão daasodilatacão mediada pelos recetores adrenérgicos beta-2.tualmente são mais utilizados os beta-bloqueantes cardi-sseletivos, com atividade predominante sobre os recetoresdrenérgicos beta-110.
A adrenalectomia por via laparoscópica tornou-se abordagem habitual para a patologia benigna da glân-ula suprarrenal, uma vez que reduz a morbilidadeós-operatória, os dias de internamento e os custos,m comparacão com laparotomia. Um estudo recenteemonstrou que a adrenalectomia laparoscópica dos feocro-ocitomas de dimensões superiores a 6 cm em doentes sem
vidência radiológica de neoplasia maligna é viável e segura,om resultados comparáveis aos de menores dimensões. Nãoouve diferencas significativas nas complicacões intraopera-órias, perda estimada de sangue, diagnóstico de neoplasiaaligna ou recorrência entre os dois grupos. O tempo de
nternamento foi comparável e não houve incidentese invasão capsular ou eventos cardiovasculares adversos12.
Após a cirurgia, os doentes precisam de estar sob vigi-ância apertada durante as primeiras 24 horas. As duasrincipais complicacões pós-operatórias são a hipotensão e aipoglicemia. A hipotensão pós-operatória é devida à quedabrupta das catecolaminas circulantes após a remocão doumor na presenca contínua de bloqueio dos recetores adre-érgicos alfa, tal como aconteceu com o doente do casolínico. O risco de hipoglicemia está relacionado com a hipe-insulinemia pela recuperacão da libertacão de insulina após
remocão do tumor.Os doentes que se apresentam com insuficiência car-
íaca aguda têm a possibilidade de experimentar um piorrognóstico em consequência de lesões focais extensaso miocárdio. No entanto, tem sido demonstrado que
miocardiopatia induzida por catecolaminas é poten-ialmente reversível após a remocão cirúrgica de umeocromocitoma13,14.
onclusões
diagnóstico diferencial rápido num doente jovem apre-entando um quadro de insuficiência cardíaca congestiva
1
ptf
gccfnvDmcs
R
PrcCcH
Csptep
Ddepm
C
O
B
1
1
1
1
77.e6
or miocardiopatia dilatada grave conduziu a procedimen-os diagnósticos analíticos e imagiológicos que revelaram umeocromocitoma.
A preparacão farmacológica pré-operatória e a aborda-em cirúrgica por via laparoscópica permitiram a remocãoom êxito do tumor e, em poucas semanas, houve reversãoompleta do quadro clínico, normalizacão progressiva dauncão ventricular esquerda e da disfuncão do sistemaervoso autónomo, evidenciada pela recuperacão daariabilidade da FC avaliada por ECG de Holter de 24 horas.estacamos por isso a importância de incluir o feocro-ocitoma no diagnóstico diferencial nos doentes jovens
om miocardiopatia de etiologia não esclarecida e sinais eintomas de excesso de catecolaminas.
esponsabilidades éticas
rotecão dos seres humanos e animais. Os autores decla-am que os procedimentos seguidos estavam de acordoom os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis daomissão de Investigacão Clínica e Ética e de acordoom os da Associacão Médica Mundial e da Declaracão deelsinki.
onfidencialidade dos dados. Os autores declaram tereguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca daublicacão dos dados de pacientes e que todos os pacien-es incluídos no estudo receberam informacões suficientes
deram o seu consentimento informado por escrito paraarticipar nesse estudo.
ireito à privacidade e consentimento escrito. Os autoreseclaram ter recebido consentimento escrito dos paci-ntes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autorara correspondência deve estar na posse deste docu-ento.
onflito de interesses
s autores declaram não haver conflito de interesses.
1
M. Satendra et al.
ibliografia
1. Subramaniam R. Pheochromocytoma --- Current concepts in diag-nosis and management. Trends in Anaesthesia and Critical Care.2011;1:104---10.
2. Correia MJ, Oliveira Lopes L, Bogalho MJ, et al. Feocromocitomano âmbito da neoplasia endócrina múltipla do tipo 2 A. Estudode uma família. Rev Port Cardiol. 2000;19:11---31.
3. Ho AD, Feurle G, Gless KH, et al. Normotensive familial phae-ochromocytoma with predominant noradrenaline secretion. BrMed J. 1978;1:81---2.
4. Galetta F, Franzoni F, Bernini G, et al. Cardiovascularcomplications in patients with pheochromocytoma: a mini--review. Biomed Pharmacother. 2010;64:505---9.
5. ter Bekke RM, Crijns HJ, Kroon AA, et al. Pheochromocytoma--induced ventricular tachycardia and reversible cardiomyo-pathy. Int J Cardiol. 2011;147:145---6.
6. Minami J, Todoroki M, Ishimitsu T, et al. Changes in heart ratevariability before and after surgery in patients with pheochro-mocytoma. Auton Neurosci. 2004;111:144---6.
7. Park JH, Kim KS, Sul JY, et al. Prevalence and patterns of leftventricular dysfunction in patients with pheochromocytoma.J Cardiovasc Ultrasound. 2011;19:76---82.
8. Shaw TR, Rafferty P, Tait GW. Transient shock and myocardialimpairment caused by phaeochromocytoma crisis. Br Heart J.1987;57:194---8.
9. Lopes A, Sousa C, Correia MJ, et al. Miocardiopatia de stress:primeira manifestacão de feocromocitoma --- Caso clínico. RevPort Cardiol. 2010;29:1065---9.
0. Pacak K. Preoperative management of the pheochromocytomapatient. J Clin Endocrinol Metab. 2007;92:4069---79.
1. Salinas CL, Gomez Beltran OD, Sanchez-Hidalgo JM, et al. Emer-gency adrenalectomy due to acute heart failure secondary tocomplicated pheochromocytoma: a case report. World J SurgOncol. 2011;9:49.
2. Carter YM, Mazeh H, Sippel RS, et al. Safety and feasibility oflaparoscopic resection for large (≥6 cm) pheochromocytomaswithout suspected malignancy. Endocr Pract. 2012;18:720---6.
3. Wood R, Commerford PJ, Rose AG, et al. Reversiblecatecholamine-induced cardiomyopathy. Am Heart J.
1991;121:610---3.4. Sardesai SH, Mourant AJ, Sivathandon Y, et al. Phaeochromocy-toma and catecholamine induced cardiomyopathy presenting asheart failure. Br Heart J. 1990;63:234---7.