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Artigos Parecia com nossas casas, mas era bem maior: introdução a uma pesquisa interdisciplinar sobre a arquitetura yanomami Thiago Magri Benucci O patrimônio cultural do Brás: reflexões sobre um trecho específico Yasmin Darviche Merci ma mère / Obrigado minha mãe - um pedaço africano no Brás Otávio de Oliveira Melo Em uma fábrica cultural, um pensamento popular: Lina Bo Bardi e o Sesc Pompéia Laura Pappalardo O teatro de Lina Bo Bardi: preexistência, reposicionamento da plateia e condicionantes cênicas Thiago Ramos Reis Crítica e projeto Victor Assuar Panucci #2 2016 revista cadernos de pesquisa da escola da cidade

revista cadernos de pesquisa da escola da cidade · da plateia e condicionantes cênicas Thiago Ramos Reis Crítica e projeto Victor Assuar Panucci #2 2016 revista cadernos de pesquisa

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ArtigosParecia com nossas casas, mas era bem maior: introdução a uma pesquisa interdisciplinar sobre a arquitetura yanomamiThiago Magri Benucci

O patrimônio cultural do Brás: reflexões sobre um trecho específicoYasmin Darviche

Merci ma mère / Obrigado minha mãe - um pedaço africano no BrásOtávio de Oliveira Melo

Em uma fábrica cultural, um pensamento popular: Lina Bo Bardi e o Sesc PompéiaLaura Pappalardo

O teatro de Lina Bo Bardi: preexistência, reposicionamento da plateia e condicionantes cênicas Thiago Ramos Reis

Crítica e projetoVictor Assuar Panucci

#22016

revista cadernosde pesquisa daescola da cidade

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Os Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade são um periódico da Escola da Cidade criado com o objetivo de divulgar e publicizar as ações de Iniciação Científica desenvolvidas por essa instituição. De caráter acadêmico e científico configuram-se como um espaço de discussão e reflexão dedicado às questões afeitas à pesquisa de arquitetura e urbanismo – bem como áreas afins – em seus múltiplos aspectos. Voltados para a publicação de trabalhos de pesquisa de-senvolvidos por alunos de graduação, os Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade buscam qualificar e fomentar as pesquisas desen-volvidas na Escola da Cidade, mas também chamar ao diálogo pesquisadores de outras instituições

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Comissão EditorialAmália Cristovão dos Santos (EC)Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro (FAU-USP)Eduardo Augusto Costa (EC / IFCH-UNICAMP)Fabio Lins Mosaner (EC) Fernanda Mendonça Pitta (EC / Pinacoteca SP)Joana Mello de Carvalho e Silva (EC / FAU-USP)Marianna Boghosian Al Assal (EC)Pedro Lopes (EC)

Conselho ConsultivoCristiane Checchia (ILAACH-UNILA)Nilce Cristina Aravecchia Botas (FAU-USP)Renato Cymbalista (FAU-USP)Taisa Helena Pascale Palhares (IFCH-UNICAMP)

Editora CientíficaMarianna Boghosian Al Assal

Projeto Gráfico e diagramaçãotrês design

Associação Escola da CidadeAnália M. M. C. Amorim (Presidente)

Escola da CidadeCiro Pirondi (Diretor)

Conselho de GraduaçãoAlvaro Puntoni (Coordenação)

Conselho CientíficoNewton Massafumi Yamato (Coordenação) Editora da CidadeAnderson Freitas Fabio ValentimJosé Paulo Gouvêa

Editora executivaMarina Rago Moreira

Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da CidadeNúmero 2 / set 2016ISSN 2447-7141Rua General Jardim, 65 – Vila BuarqueCEP 01223-011, São Paulo, SP, Brasil

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Apresentação

ArtigosParecia com nossas casas, mas era bem maior: introdução a uma pesquisa interdisciplinar sobre a arquitetura yanomamiThiago Magri Benucci

O patrimônio cultural do Brás: reflexões sobre um trecho específicoYasmin Darviche

Merci ma mère / Obrigado minha mãe - um pedaço africano no BrásOtávio de Oliveira Melo

Em uma fábrica cultural, um pensamento popular: Lina Bo Bardi e o Sesc PompéiaLaura Pappalardo

O teatro de Lina Bo Bardi: preexistência, reposicionamento da plateia e condicionantes cênicas Thiago Ramos Reis

Crítica e projetoVictor Assuar Panucci

VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola da CidadeProgramaçãoResumos dos trabalhosProfessores convidados

Normas para a submissão de textos

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43

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91

111115120154

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Sumário

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Apresentação

É com grande satisfação que trazemos a público o segundo número da revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade, periódico lançado em 2015 com o objetivo de tornar-se um espaço aberto à reflexão e ao debate, em que alunos e professores da Escola da Cidade e de outras instituições pudes-sem publicizar suas pesquisas, divulgar seus re-sultados, debater suas questões e encontrar seus leitores. Num mundo saturado de palavras e imagens, esperava-se que estes Cadernos pudessem de fato se tornar um espaço de crítica, um espaço de experimentação, espaço onde jovens pesquisa-dores pudessem experimentar com liberdade e expressar suas ideias. Nesse sentido temos muito a comemorar.

Por um lado, o conteúdo aqui expresso corro-bora o crescimento e afirmação de um programa de Iniciação Científica rumo a sua maturidade. Em 2016 a pesquisa na Escola da Cidade não só teve seu número de bolsas financiadas pelo Conselho Científico acrescidas em suas diversas modalidades - Iniciação Científica, Pesquisa Experimental e Vivência Externa em Pesquisa -, mas também pode contar com outras formas de financiamento externo, quer seja de agências tradicionais de fomento, quer seja de projetos capitaneados pelo Conselho Técnico da Escola da Cidade.

Por outro lado, a diversidade tanto de temáti-cas abordadas, quanto da origem dos pesquisado-res - não apenas do estado de São Paulo, mas também de outras partes do Brasil -, evidenciada tanto na seção de artigos quanto na seção referen-te à VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade, mostram o potencial da revista em atingir seus objetivos iniciais, estimulando alunos e professores a desenvolverem suas trajetórias acadêmicas na instituição de maneira plena, bem como contribuindo de forma mais ampla para a

formação de pesquisadores nos mais diversos en-foques das áreas de arquitetura e urbanismo.

O primeiro dos artigos apresentados nesse número - “Parecia com nossas casas, mas era bem maior: introdução a uma pesquisa interdisciplinar sobre a arquitetura yanomami” -, de autoria de Thiago Magri Benucci, procura contribuir com o debate acerca dos diversos sentidos e significados que permeiam a casa yanomami. Busca-se inicial-mente desconstruir uma série de lugares comum de forma mais geral sobre aspectos culturais e linguísticos dos numerosos grupos que habitam a região amazônica, e de forma específica sobre as casas indígena - por vezes reforçados a partir de explicações historiográficas que insistem em dividir a arquitetura produzida entre matrizes eruditas e práticas autóctones. O autor centra-se então em apontar algumas das maneiras pelas quais a casa yanomami ultrapassa seus significados físico-ma-teriais, e assume outros sentidos ligados ao corpo, às visões de mundo e ao universo dos espíritos.

Em seguida, a partir da pesquisa de Yasmin Darviche, “O patrimônio cultural do Brás: reflexões sobre um trecho específico”, novamente somos levados do universo de uma arquitetura cujo valor monumental é destacado para outra, segundo a autora, “de caráter simples, proporções menores, produzida sem pretensões à excepcionalidade”. Nesse caso trata-se, de um lado dos bens tutelados pelos órgãos de patrimônio como significativos do caráter industrial do Brás, em São Paulo, e de sua história - a estações de trem, a Hospedaria dos Imigrantes e etc. -; e do outro sobretudo casas, mas também dos espaços cotidianos que, como ressal-ta a autora, são significativos da cultura material e imaterial das diversas ondas de imigrantes que por ali passaram, e cuja preservação pode ser entendida como um direito social à memória.

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Do mesmo modo, Otávio de Oliveira Melo também se interessa pelo Bairro do Brás em São Paulo, seus habitantes migrantes e espaços de sociabilidade procedendo, no entanto, para um recorte diametralmente distinto ao concentrar-se nos fluxos contemporâneos de imigrantes africanos para São Paulo e mais especificamente o Brás. Seu artigo, “Merci ma mère / Obrigado minha mãe - um pedaço africano no Brás”, debruça-se inicialmen-te sobre parâmetros e perspectivas teóricas acerca da migração e da condição de migrante, para então lançar-se em um relato etnográfico sobre um res-taurante do bairro, pertencente a um imigrante / refugiado do Mali, procurando mostrar como esse espaço se torna centro não apenas de sociabilida-de, mas também de referência para alguns dos imigrantes africanos recém-chegados à cidade.

Embora com enfoque bastante diferente, Laura Pappalardo também toma como tema central cultura popular e espaços de sociabilidade, con-centrando-se, no entanto, no percurso e proposi-ções da arquiteta Lina Bo Bardi e de forma mais específica do Sesc Pompéia. O artigo “Em uma fábrica cultural, um pensamento popular: Lina Bo Bardi e o Sesc Pompéia” expõe assim os resultados da pesquisa que procurou compreender e contex-tualizar os sentidos que “a função social do arqui-teto” e que “cultura popular” assumiram para a arquiteta ao longo de suas experiências e vivências no Brasil; bem como enxergar, quer seja no projeto original e seus detalhamentos, quer seja na apro-priação pública que hoje se faz dos espaços do Sesc Pompéia, os desdobramentos desses conceitos.

Ainda com o olhar voltado para Lina Bo Bardi, Thiago Ramos Reis - em “O teatro de Lina Bo Bardi: preexistência, reposicionamento da plateia e con-dicionantes cênicas” - destaca a atuação da arqui-teta particularmente no que diz respeito aos edi-fícios teatrais construídos e às arquiteturas cênicas desenvolvidas. A análise é construída a partir de três eixos - as pré-existências e ruínas abarcadas em seus projetos, o reposicionamento espacial e de sentidos das relações palco e público, além das possibilidades e condicionantes cênicas que lhe orientam na elaboração dos projetos -; buscando destacar a atualidade e inovação das propostas trazidas por Lina Bo Bardi.

Por fim, ao levantar e abordar sistematicamen-te parte da bibliografia acadêmica e de textos crí-ticos produzidos sobre o programa Minha Casa, Minha Vida e posteriormente sobre o concurso Renova São Paulo, Victor Assuar Panucci, na pes-quisa “Crítica e projeto”, procura identificar alguns dos pontos centrais pelos quais o programa é re-

preendido por um lado e o concurso exaltado por outro e, a partir desses, esboçar impasses enfren-tados não apenas pela crítica, mas pelo campo da arquitetura e do urbanismo hoje, no Brasil de forma geral e especificamente em São Paulo. Destaca assim como e em que termos algumas narrativas consagradas nas abordagens críticas e historiográ-ficas da arquitetura moderna das décadas de 1940 e 1950 continuam a reproduzir-se repetidamente como ideários, até a contemporaneidade no campo.

A revista conta ainda com uma seção dedicada à VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade, composta por um breve relato da Comissão Científica acerca da organização do evento; o re-gistro da composição das mesas; além da relação dos professores convidados a comentar os traba-lhos e dos resumos das pesquisas.

Agradecemos aos demais membros da Comis-são Editorial, do Conselho Consultivo e do Conselho Científico da VIII Jornada de Iniciação Científica que em muito engrandecem a revista com sua participação e envolvimento; e também à Diretoria da Escola da Cidade, ao Conselho Científico e à Editora da Cidade, por encamparem essa iniciati-va de construção de uma revista científica dedica-da ao debate, reafirmando a relevância da pesqui-sa acadêmica na Escola da Cidade. Cabe ainda agradecer e parabenizar os autores dos artigos por suas reflexões de grande interesse e qualidade, que, com o vigor de suas pesquisas e pontos de vista, lançam luz nos horizontes sombreados do contexto atual.

Marianna Boghosian Al AssalEditora dos Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade

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artigos

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Parecia com nossas casas, mas era bem maior: introdução a uma pesquisa interdisciplinar sobre a arquitetura yanomami

Thiago Magri Benucci1

Orientador: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP) Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida desde outubro de 2015 com financiamento FAPESP

Este artigo é um excerto e um primeiro esboço teórico da pes-quisa interdisciplinar, ainda em andamento, intitulada “Casa-al-deia: microcosmo”. A pesquisa procura aprofundar-se no estudo da casa yanomami, para além de sua estrutura física, mas também em consonância com sua concep-ção de espaço, corpo e mundo. Aqui, inicialmente se introduz brevemente o problema do des-conhecimento da complexidade intrínseca às habitações indíge-nas, sobretudo no campo da ar-quitetura dita erudita. Em seguida, serão introduzidos alguns dos direcionamentos teó-ricos a partir dos quais a pesqui-sa se estrutura, sobretudo a “an-tropologia da arquitetura”. Na segunda parte, núcleo principal do artigo, é ensaiado um mergu-lho no estudo da casa yanomami, a fim de demonstrar, por fim, como a casa extrapola seus limites físicos e atinge outros níveis conceituais.

Palavras-chavearquitetura; antropologia; habitação indígena yanomami

This essay is an excerpt and a first theoretical draft of the ongoing interdisciplinary re-search “Casa-aldeia: microcos-mo”. The research seeks to develop the study of the yanoma-mi house, beyond its physical structure, and in relation with the yanomami house, space, body and world conceptions and notions. In this paper, initially the problem of the ignorance about the intrinsic complexity of the indigenous dwellings, mainly in the architectural field, will be shortly presented. Next, some of the theoretical lines and direc-tions that structure the research will be introduced, especially the “anthropology of architecture”. In the second part, core of the paper, there is a dive into the study of the yanomami house, in order to demonstrate, lastly, how the house extrapolates its physi-cal limits and reaches other con-ceptual levels.

Keywordsarchitecture; antropology; yanomami indigenous dwellings

Este artículo es un extracto y un primer bosquejo teórico de pes-quisa interdisciplinario, todavía en desarrollo, intitulado “Ca-sa-pueblo: microcosmo”, que trata de profundar en el estudio de la casa yanomami, además de la estructura física, pero también en consonancia con su concep-ción del espacio, cuerpo y mundo. Aquí, será inicialmente introdu-cido brevemente el problema do desconocimiento de la compleji-dad intrínseca de la vivienda indígena, especialmente en el campo de la arquitectura dicho académica, y luego se introduci-rá algunas de las direcciones que la investigación se estructura, en especial la “antropología de la arquitectura”. En la segunda parte, núcleo del artículo, se ex-perimenta una inmersión en el estudio de la casa yanomami con el fin de demostrar, por último, como la casa va más allá de sus límites físicos y alcanza otros niveles conceptuales.

Palabras-clavearquitectura; antropología; viviendas indígenas yanomami

Looked like our homes, but it was much bigger: introduction to interdisciplinary research on yanomami architecture

Parecía nuestras casas, pero era mucho más grande: introducción a una investigación interdisciplinaria sobre arquitectura yanomami

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1. Introdução a uma pesquisa interdisciplinar

1.1. O problema da “oca”

Esteja onde estiver não é raro deparar-se com a ideia generalizante e reducionista da oca2, enten-dida, talvez inconscientemente e/ou inconsequen-temente, como a tradicional casa redonda, de madeira e palha, do índio no Brasil. Em 2010, foram listados pelo censo do IBGE duzentos e quarenta e seis (246) povos indígenas e mais de cento e cinquenta (150) línguas e dialetos indígenas no Brasil (IBGE, 2010), distribuídos em dois grandes troncos linguísticos - Tupi e Macro-Jê -, em deze-nove (19) famílias linguísticas - como é o caso da família Yanomami, composta de pelo menos quatro línguas, cada uma delas subdividas em vários dia-letos (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.553)3 - e ainda em diversas línguas isoladas (IBGE, 2010). Consi-derando, em linhas gerais para efeito de estimati-va, que as habitações de um determinado tronco ou família linguística, embora possuam certas características em comum, são normalmente dis-tintas entre si, como é o caso dos Yanomami; e considerando o expressivo número de grupos in-dígenas listados pelo censo de 2010, podemos estimar que hoje existem, no mínimo, cerca de duzentas e quarenta (240) diferentes tipos de “ocas” no Brasil. Entretanto, não se surpreendam se nem todas forem redondas ou mesmo nem se chamarem de oca. Estamos diante de uma complexidade in-trínseca e imensa. Se para cada povo indígena houver uma concepção e visão de mundo distinta, não poderíamos então imaginar para cada um destes uma ideia e uma concepção de casa, física ou metafísica, também distinta?

Procuraremos adentrar na complexidade in-trínseca e muitas vezes ignorada das habitações

indígenas, a partir do estudo do modo de habitar, construir e conceber a casa coletiva yanomami. Vale dizer que este artigo é um dos produtos iniciais de uma pesquisa de Iniciação Científica em anda-mento, inconclusa e em constante transformação, intitulada “Casa-aldeia: microcosmo”, orientada pelo Prof. Pedro Cesarino (DA/FFLCH/USP). Essa pesquisa tem como principal ferramenta metodo-lógica a revisão e a reflexão sobre a bibliografia teórica relacionada ao tema das habitações indí-genas, sobre os Yanomami e tantas outras discus-sões próximas, seja do ponto de vista da arquite-tura ou da antropologia. Trata-se, então, de um trabalho, de certo modo, experimental e aberto a críticas, sugestões, revisões etc.

Ressalta-se, de modo singelo e modesto, o valor deste artigo tendo em vista que no campo da ar-quitetura essa ideia generalizante e reducionista da oca não é muito diferente do que no senso comum. É nítida a lacuna no pequeno número de estudos no campo específico da arquitetura, frente a tamanha diversidade, variabilidade e complexi-dade. De um modo geral, a história, o ensino e a prática da arquitetura continuam ainda ofuscadas com períodos, lugares, personagens, e com os grandes mestres de nossa história. Há, de fato, inúmeras dificuldades conceituais em situar as habitações indígenas nas discussões historiográfi-cas da arquitetura e, sem sombra de dúvida, uma reflexão adequada sobre este problema seria assunto, eventualmente, para outro artigo. Aqui, entretanto, algumas das ‘dificuldades’ serão trata-das de modo ligeiro, com o objetivo de problema-tizar a questão e introduzir o tema.

Nos diálogos cotidianos, nas entrelinhas do discurso ou mesmo em sua própria ausência, as casas indígenas, ocas e malocas são comumente postas como algo primitivo, referente aos primór-

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dios. Aparentam-se assim como mortas, passadas. E ao mesmo tempo em que não figuram nos quadros da arquitetura antiga, não constam nas discussões da arquitetura contemporânea, pois afinal e su-postamente sempre foram realizadas da mesma maneira. Com isso, acabam, na maioria das vezes, por ser enquadradas em mais um termo reducio-nista como o da arquitetura vernácula, tradicional, popular, regional e semelhantes. São diversos os trabalhos que tratam das construções indígenas desta perspectiva, como por exemplo, o livro “Ar-quitetura popular brasileira” do arquiteto Gunter Weimer (2005). Além disso, são frequentemente vistas como construções inferiores, efêmeras, pre-cárias e pobres, fadadas a desaparecer. E ainda oferecem mais um desafio à compreensão e ao patrimônio uma vez que são cotidianamente des-truídas, construídas e reconstruídas, ano após ano, sem grandes singularidades, muitas vezes em lugares distintos, de modo coletivo pela comuni-dade em que se situa e com isso sem um autor-ar-quiteto reconhecido a quem se referenciar. Dife-rentes, portanto, dos vestígios das grandiosas obras mesoamericanas ou andinas, estudadas a fundo por historiadores, arqueólogos, antropólogos e arquitetos; e vistas, sob a perspectiva popular, mas não só, como a suposta alta-cultura arquitetônica pré-colombiana. Enfim, toda a complexidade in-trínseca às habitações indígenas é constantemen-te situada à margem da arquitetura erudita e com isso, em certa medida, são obscurecidas, ignoradas e desconhecidas.

Silvana Rubino (1996) colabora com esta refle-xão inicial em um instigante artigo sobre o nasci-mento da ideia de preservação no Brasil e os anos primordiais do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o SPHAN (atualmente chamado de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN), sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade. Rubino (1996, p.97) observa que nos primeiros anos do SPHAN foi intenso o trabalho de identificação dos bens que se referiam à dita “nação brasileira”, em uma clara operação de passar a limpo a história do que chamamos de Brasil. Segundo a autora, este inventário inventa-do do Brasil histórico e artístico “documenta fatos históricos, lugares hegemônicos e subalternos, mapeando não apenas um passado, mas um passado que essa geração tinha olhos para ver e, assim, deixar como legado” (RUBINO, 1996, p.97). Com isso, ressalta como o SPHAN, frente a um território imenso e complexo, desenvolveu suas atividades e voltou seus olhares de modo marca-damente desigual. Estabelecendo um paralelo com

a discussão das construções indígenas, talvez bas-tasse mencionar que o Amazonas foi o último estado da nação a entrar para o conjunto de bens tombados, tendo como seu representante, por assim dizer, o eclético Teatro Amazonas (RUBINO, 1996, p.98). Com isso, como nota Rubino, “ao ganhar um número de inscrição o bem adquire uma segunda existência: passa a fazer parte do modelo reduzido de um país imaginado” (1996, p.98), e assim por vezes sobrepõe às múltiplas construções dos povos autóctones, fatos e “personagens ilustres, que ca-minham entre pontes e chafarizes” (RUBINO, 1996, p.98). Neste período que compreende os anos da criação do SPHAN e da gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade, de 1937 a 1967, esse conjunto de mais de seiscentos bens tombados que, segundo Rubino “podemos chamar de modelo reduzido, seria a marca da cultura e da civilização, oposição e resposta a categorias como território, paisagem, natureza. [...] Rodrigo chegou a chamar esse con-junto de documentos de identidade” (1996, p.98). Mais do que isso, “o conjunto eleito revela o desejo por um país passado, com quatro séculos de his-tória, extremamente católico, guardado por canhões, patriarcal, latifundiário, ordenado por intendências e casas de câmara e cadeia” (RUBINO, 1996, p.98).

De modo bastante contraditório, em 1936, Rodrigo Melo Franco de Andrade, durante intensas campanhas pela criação do SPHAN, “declarava que o Brasil possuía valores artísticos que, embora não tendo o mesmo porte daqueles encontrados na Grécia, Itália ou Espanha, apresentariam grande interesse se não fossem medidos apenas por um modelo clássico” (apud RUBINO, 1996, p.103). Com isso, segundo Rubino, “se uma das questões que envolviam a criação [...] era igualar o Brasil às nações civilizadas, aqui tínhamos o que na Europa era cobiçado e admirado: o folclore, a arte etno-gráfica” (1996, p.103). As ideias expostas por Mario de Andrade em seu projeto inicial para o SPHAN eram de fato interessantes e promissoras:

[…] um inventário que abrangesse tanto a arte primitiva como a de influência europeia termi-naria por romper os limites cronológicos da história de um país novo. Nossa história, afir-mava, se alonga para trás muito além de 1500 e também não se sujeita aos limites espaciais, abrangendo os três continentes e as nações de que o Brasil procede. (RUBINO, 1996, p.103)Em consonância com a conclusão de Rubino,

podemos pensar que “caso a prática do SPHAN tivesse cumprido essa disposição mais etnográfica, a preservação que marcou a história do barroco

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no Brasil poderia ter trazido à tona esses itens mais ‘exóticos’” (1996, p.103), e com isso, provavelmen-te, teríamos outra relação com as construções e as noções de casa e cultura dos povos ameríndios, “e certamente no Amazonas, por exemplo, teríamos mais do que o teatro do ciclo da borracha” (RUBINO, 1996, p.103).

De forma análoga nesse ponto à reflexão de Rubino e, ao mesmo tempo, ampliando ainda mais a questão, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em uma recente entrevista, questiona a possibilidade de pensar uma “arquitetura brasileira”. Segundo a reflexão sugerida pelo arquiteto, talvez assumir a ideia de uma “arquitetura brasileira” seja corro-borar com a invisibilidade e as violências cometidas após séculos de omissões e violências físicas, terri-toriais, sociais e ontológicas da qual passaram os povos indígenas brasileiros e americanos. Assim, ao mesmo tempo, o arquiteto reforça, em certo sentido e com outros termos, a proposta deste artigo:

Talvez seja melhor dizer que não há e nem deveria haver uma “arquitetura brasileira”. Não faz muito sentido, para mim, defender um caráter nacional. O que, entretanto, se pode imaginar de modo sadio é que há algo de pe-culiar na experiência da América. O colonialis-mo produziu horrores porque não soube (e nem pretendeu) ler a experiência dos nativos. (MENDES DA ROCHA apud WISNIK, 2012, p.209)Há, nesta breve fala de Paulo Mendes da Rocha,

algo excepcionalmente instigante. Não se trata aqui de defender um caráter nacional com base no que chamamos e concebemos como História. Primei-ramente, estamos dialogando com povos que sim-plesmente não concebem a História como nós concebemos, não se pensam historicamente como nós nos pensamos. Qual o sentido então de tentar-mos inclui-los em determinada historiografia? Bem, talvez nenhum. Mais importante do que isto, talvez fosse justamente, como afirma Mendes da Rocha, a experiência. Faltam-nos, na arquitetura de um modo geral, a sabedoria e a pretensão de ler, compreender, debruçarmos sobre essa expe-riência, em todos seus sentidos.

O historiador da arquitetura Joseph Rykwert (2015) compartilhou dessa angústia em relação à tremenda falta de profundidade em que as habita-ções dos povos autóctones costumam figurar em ricamente ilustrados livros e catálogo de exposições de arquitetura. Em particular, Rykwert (2012, p.7) parece irritar-se com a célebre exposição realizada no MOMA em 1964, conhecida pelo livro catálogo que originou, relacionada ao arquiteto Bernard Rudofsky, “Architecture Without Architects”, cujas

“sedutoras imagens [...] foram apropriadas pelos críticos do modernismo como composições abstra-tas surgidas por acaso, isoladas de qualquer lugar ou contexto conceitual” (Rykwert, 2015, p.20). Rykwert (2012, p.7) afirma ainda que a resposta a esse incomodo teria sido um de seus motivos con-dutores de sua rica pesquisa teórica. Contrário às respostas dos ditos críticos do modernismo, Rykwert resume então seu principal questionamento teórico, e assim, compartilha também com este trabalho, em linhas gerais, seu questionamento principal: “[...] de que modo essas formas que admiramos foram geradas pelo pensamento de seus constru-tores, e de que modo esse pensamento guiou a mão que as executou me pareceu a questão mais inte-ressante e mais urgente a ser considerada pelos meus contemporâneos” (2012, p.7).

Corroborando com essa discussão, mesmo que sob outro ponto de vista e alguns anos antes, Lévi--Strauss assinala que “existem alguns estudos desse gênero, mas que raramente ultrapassam o nível descritivo e, quando o fazem, é com notável timidez” (2008, p.315). Embora Lévi-Strauss, escrevendo em 1958, referia-se as correlações que podem existir, mesmo que ninguém tenha procurado, entre a configuração espacial dos grupos e os demais as-pectos de sua organização social - “[...] como se [a aldeia] fosse uma espécie de diagrama [da estrutu-ra social] traçado num quadro-negro” (LÉVI-S-TRAUSS, 2008, p.316) -, tratamos, em certa medida, do mesmo assunto: a falta de profundidade versus tímidas descrições no estudo das variadas habita-ções dos povos indígenas do Brasil e das Américas.

Entretanto, cinquenta e oito anos depois seria injusto e insensato compartilhar a afirmação de que “ninguém procurou” certo aprofundamento no estudo das habitações dos povos autóctones e as correlações possíveis entre as estruturas sociais e as diferentes visões de mundo de cada povo (LÉVI-STRAUSS, 2008, p.315). Uma série de pesqui-sadores, de fato, procuraram certo aprofundamen-to teórico, dentre arquitetos e antropólogos4, e outros focaram em seguir por um método de cunho descritivo, fazendo o notável esforço de situar as habitações indígenas no panorama da história da arte e arquitetura brasileira5. A questão que per-manece, por outro lado, é que o conhecimento geral e mesmo as discussões dentro da escola de arquitetura sobre os mais variados modos de habitar dos indígenas continua ainda deveras su-perficial e, no limite, inexistente.

É sabido que esta questão não é nova. Em 1923, Le Corbusier fazia para si um questionamento similar: “A maioria dos arquitetos não teria esque-

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Figura 1. Différentes formes de huttes des sauvages bréziliens (Diferentes formas de cabanas dos índios brasileiros), de Jean Baptiste Debret, 1834. Em Voyage pittoresque et historique au Brésil, Debret antecede esta litografia com uma breve introdução e descrição dos 11 abrigos representados e referentes aos índios Puris (1); Pataxós (2); Mundurukus (3); povos nômades em geral (4); Botocudos (5); grupos “já mais ou menos civilizados” como os Puris, Camacans e Coroados (6); Coroados (7); caboclos do Cantagalo, em São Pedro de Cantagalo na província do Rio de Janeiro (8); Coroados

(9); e Guaianás (10-11). Reside aqui o interesse de Debret em demonstrar a variedade dos tipos, formas e soluções das diferentes cabanas dos indígenas e caboclos brasileiros, vistos como “construtores”, como ressalta o pintor e desenhista francês. Fonte: DEBRET, Jean Baptiste. Voyage pittoresque et historique au Brésil. vol.1, pl.26. Paris: Institut de France, 1834. Acervo Digital Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Domínio Público. Disponível em: <http://goo.gl/34K3Fm>. Acesso em: 29/02/2016.

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cido hoje que a grande arquitetura está nas pró-prias origens da humanidade e que é função direta dos instintos humanos?” (2009, p.44). Bem, tendo em vista que a arquitetura não parte simplesmen-te de um instinto, ou um impulso natural indepen-dente da razão ou da faculdade do pensamento e sim, é fruto justamente dessa construção racional, a qual o próprio autor tratará (CORBUSIER, 2009, p.43 et seq.), Le Corbusier estabelece um ponto para reflexão bastante interessante. Se “a arqui-tetura é a primeira manifestação do homem criando seu universo [...]” (CORBUSIER, 2009, p.43), ou seja, é o estabelecimento da ordem contra a desordem e o caos, não há então um “homem pri-mitivo; há meios primitivos”, pois “potencialmen-te, a ideia é constante desde o começo” (CORBUSIER, 2009, p.43): abrigar, construir, criar, organizar e ordenar o espaço, e com isso o próprio corpo e o universo em que habita. Em outras palavras, Cor-busier propõe que arquitetura dita primitiva seja colocada no mesmo patamar hierárquico da ar-quitetura erudita, afinal sua única diferença lhes são os meios, bem como seus métodos, modos, maneiras e significados. Ou ainda, como diria Paulo Mendes da Rocha (MENDES DA ROCHA apud WISNIK, 2012, p.209), a experiência.

1.2 “Antropologia da arquitetura”

A fim de colaborar aos estudos relacionados ao tema das habitações indígenas, bem como para o preenchimento desta lacuna teórica, ainda que de modo pontual, há de se pensar aqui, um método alternativo a generalidade que permeia a discussão. Um método, talvez, que se posicione mais próximo do outro, através da experiência etnológica, e neste caso, através dessa experiência interdisciplinar arquitetônica e antropológica. Para isso, devemos relativizar nosso próprio campo de conhecimento, suspender nossas próprias crenças, valores e con-cepções, evitando assim conclusões precipitadas, reducionistas ou preconceituosas, a fim de “cons-truir uma experiência alargada” (MERLEUAU-PON-TY, 1989, p.199) através do contato com outros regimes de pensamento e outras noções de casa que não as nossas. Em suma, aceitar o desafio proposto pela antropologia e pela etnologia, através da “[...] incessante prova de si pelo outro e do outro por si” (MERLEUAU-PONTY, 1989, p.199). Assim, se “o objeto é ‘outro’”, devemos nos transformar: “ver o que é nosso como se fôssemos estrangeiros, e como se fosse nosso o que é estrangeiro” (MER-LEUAU-PONTY, 1989, p.200).

Entrar em contato com uma casa de uma cultura distinta, distante e, em boa medida, desconhecida não só implica essa troca de perspectiva de si pelo outro, como equivale, em certa medida, a entrar em um pensamento estrangeiro, em uma sensibi-lidade outra e em outro modo de ser que não o seu. A partir dos trabalhos de Roger Neich acerca do simbolismo6 cosmológico da casa coletiva maori, o antropólogo Alfred Gell ilustra essa perspectiva:

To enter a house is to enter a mind, a sensibility; […] is to enter the belly of the ancestor and to be overwhelmed by the encompassing ancestral presence; overhead are the ribs of the ancestor, in the form of the superbly decorated rafters, which converge towards the ancestral backbone, the ridge-pole - the fountainhead of ancestral continuity. (GELL, 1998, p.253)Entrar em uma casa é, portanto, entrar em uma

sensibilidade, um pensamento, um modo de ser, ver, agir e viver. Consequentemente, é também deparar-se com o Outro:

To enter another culture is to stand nervously in front of an alien house and to step inside a world of unfamiliar objects and strange people, a maze of spatial conventions whose invisible lines get easily scuffed and trampled by ignorant foreign feet. (CARSTEN; HUGH-JONES, 1995, p.04) É deste modo que Carsten e Hugh-Jones, na

introdução do livro About the House7, ilustram a experiência do contato com uma cultura desco-nhecida, sob a perspectiva da pesquisa etnográfi-ca, problematizando assim a abordagem normal-mente dada pelo etnólogo em relação à casa:

But these first, revealing, architectural impres-sions, reinforced by the painful process of learn-ing who is who, who and what lives where, and what to do where and when, soon fade into the background to become merely the context and environment for the increasingly abstract and wordy conversation of ethnographic research. In time, for both anthropologists and their hosts, much of what houses are and imply becomes something that goes without saying. (CARSTEN; HUGH-JONES, 1995, p.04)Carsten e Hugh-Jones estabelecem assim uma

interessante ressonância com as ideias apresenta-das anteriormente e sugerem, do mesmo modo, que a casa, tanto pelo antropólogo quanto pelo arquiteto, não deve ser compreendida isoladamen-te de um sistema espacial e social mais amplo. Deve ser entendida como parte integrante da cultura e da cosmologia de um determinado povo. Por outro lado, reforçam também o interesse e a validade, seja aos arquitetos ou aos antropólogos, em se

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debruçarem mais atentamente e com mais pro-fundidade sobre o tema da casa e com isso sugerem uma oportuna e possível fusão entre campos: a “antropologia da arquitetura” (CARSTEN; HUGH--JONES, 1995, p.02). Segundo os autores, ao mesmo tempo em que a arquitetura tem sido em parte negligenciada pela antropologia (HUMPHREY apud CARSTEN; HUGH-JONES, 1995, p.03), a arquitetura tem deixado de lado as informações e reflexões a cerca da organização social dos que ali habitam (CARSTEN; HUGH-JONES, 1995, p.04). Deste modo, acreditam ser possível um passo adiante, uma leitura mais holística da casa, em busca de uma “linguagem alternativa” que permita unir aspectos da casa anteriormente tradados separadamente.

De acordo com a proposta teórica interdiscipli-nar da antropologia da arquitetura, nas páginas seguintes seguiremos com o objetivo principal de aprofundar o estudo das habitações indígenas, em particular a casa e as várias noções de casa yano-mami. Neste sentido, procuraremos discorrer mais do que sobre sua estrutura física, mas também sobre suas outras facetas, outras noções em torno da ideia da casa e da arquitetura yanomami, conduzindo-nos a uma leitura mais abrangente e mais holística, em consonância com a organização social yanomami e suas concepções de espaço, corpo e mundo.

Tomaremos como início desta reflexão as va-riadas espécies vegetais utilizadas na construção da casa, de modo que poderemos ver como deter-minada variabilidade opera não só no sentido prático construtivo, mas também na concepção das múltiplas formas de habitar e construir yano-mami. Em seguida, veremos uma possível unidade conceitual entre todas estas formas a partir do ritual funerário sabonomo. Veremos também, como se dá a relação intrínseca entre indivíduo-comu-nidade-casa-aldeia, tanto a partir da casa entendi-da como um importante referencial sócio simbó-lico da identidade coletiva, quanto da casa como um nó de uma extensa rede de relações que compõem o tecido social yanomami. Por fim, veremos como a noção de casa extrapola a dimen-são física e chega a outros níveis conceituais, visí-veis e invisíveis, do corpo ao cosmos.

2. Yano, xapono ou sai a: a casa como noção essencial

2.1 Entre os modos de construir e o modo de conceber: uma unidade conceitual em uma galáxia de variações infindáveis

A notável diversidade de espécies vegetais utiliza-

das na construção da casa coletiva de Watorikɨ8 demonstra um primeiro aspecto da complexidade arquitetônica yanomami. Foram registradas cin-quenta e duas espécies vegetais utilizadas dos pilares à cobertura; no entanto, foram notadas algumas nomenclaturas botânicas yanomami que se referiam a mais de uma espécie, normalmente do mesmo gênero ou família, sendo assim provável que este número seja ainda maior. Como a espécie sikäri a, que se refere a três espécies da família Myristicaceae - angiospermas de troncos retos não ramificados -, utilizadas, dentre outras espécies, como vigas principais de cobertura, com cerca de nove metros de comprimento (ALBERT; MILLIKEN, 1997, p.222). Em contrapartida, é igualmente possível verificar a situação inversa, na qual mais de um nome é utilizado para uma única espécie numa mesma comunidade, possivelmente “em razão da heterogeneidade de sua composição sócio histórica (caso de uma aldeia formada por grupos de falantes migrantes de regiões diferentes)” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ, 2009, p.28)9. Como, por exemplo, a árvore Aspidosperma nitidum - po-pularmente chamada em português como carapa-naúba - utilizada pelos Yanomami para fabricação de cabos de machado e também para uso medici-nal no tratamento da malária, e conhecida em uma mesma aldeia tanto por hura sihi quanto por poo hetohʰni (“árvore de cabo de ferramenta”) (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ, 2009, p.102). Não existe, portanto, um “saber etnobotânico yanomami fixo, homogêneo no tempo e no espaço, potencialmen-te totalizável numa pesquisa” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ, 2009, p.28). O que existe, segundo afirma Albert, Milliken e Gomez, é “uma imensa galáxia de conhecimentos yanomami sobre as plantas, em processo permanente - individual e coletivo, local e regional - de recomposição e experimentação” (2009, p.28). O mesmo poderia ser dito em relação à casa: não existe um único modo de construir e tampouco de habitar, e assim, não há um único modelo fixo ou restrito à ser seguido. Pelo contrá-rio, a casa se situa em complexa dinâmica de cons-tantes transformações. Entretanto, como veremos mais adiante, isto não quer dizer que não há ordem, ou unidade, alguma.

É necessário recordar que o exemplo citado acima trata de apenas uma casa e uma aldeia, uma casa-aldeia10 por assim dizer, dentre um conjunto de cerca de seiscentos e quarenta (640) comunida-des. Desta maneira, essa aproximação das espécies utilizadas na construção da casa de Watorikɨ ilustra apenas uma pequena parte da complexa variabi-

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lidade dos modos de construir e do saber etnobo-tânico yanomami, ambos em constante reorgani-zação interna (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ, 2009, p.28). Nessas mais de seiscentas comunidades, o território yanomami conta com mais de trinta e três mil (33.000) pessoas, subdivididos em cinco subgrupos - Yanomamɨ, Yanomam, Sanoma (mais comumente grafada entre os pesquisadores como Yanomami e Sanumá), Ninam e Yaroam (FERREI-RA, 2011) - com variadas línguas e dialetos apa-rentados e parcialmente inteligíveis, ocupando uma área de aproximadamente duzentos e trinta mil quilômetros quadrados (230.000 km²), próxima da área total do Reino Unido, em ambos os lados da fronteira entre o Brasil - nas bacias do Alto Rio Branco e Rio Negro - e a Venezuela - nas bacias do Alto Orinoco e Cassiquiare (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.44). As comunidades são geral-mente formadas por uma grande casa coletiva (conhecida também como maloca) com forma troncônica (como é o caso de Watorikɨ) ou cônica (chamadas de yano ou xapono, respectivamente), ou por várias casas coletivas menores, ou por uma casa coletiva maior e pequenas habitações de formato diverso, ou ainda por um conjunto de pequenas casas retangulares (chamadas de sai a, sendo esta mais comum entre o subgrupo sanumá) [ver imagem 02].

Além disso, cada comunidade é em geral cons-tituída de um conjunto de parentes cognáticos reais ou classificatórios corresidentes, unidos por repe-tidos laços de intercasamento (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.564) e considera-se politicamente e economicamente autônoma, embora mantenham relações multicomunitárias de troca matrimonial, cerimonial e econômica com vários grupos Yano-mami circunvizinhos através de uma extensa rede de caminhos pela floresta (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.13). Dessas seiscentos e quarenta comunidades, podemos dizer que cada uma dessas possui uma configuração específica: variam não só de subgrupo a subgrupo, como também de as-sentamento a assentamento, e de região a região.

Uma especificidade da casa de Watorikɨ apre-senta um exemplo interessante desta variabilida-de das técnicas de construção yanomami. Segundo Albert, Milliken e Gomez, “as casas troncônicas anteriormente habitadas pelo grupo, como ainda é o caso na maioria das comunidades yanomami da região, possuíam apenas um teto principal in-clinado para fora e uma parede exterior” (2009, p.86). Entretanto, a casa de Watorikɨ apresenta, além do telhado cuja água aponta para o exterior, um telhado interno inclinado para a praça central,

“que tem a vantagem de fornecer sombra durante todo o dia” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.86). Segundo os autores, esta foi uma “inovação recente, emprestada dos Yanomami ocidentais da aldeia de Kapirota u, localizada no rio Jutaí, afluen-te do rio Demini” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.86). Destacam ainda que, além das técnicas de construção e da morfologia em si, é notável a expressiva diferença de espécies utilizadas em cada casa coletiva, variando de região a região: “um rápido levantamento durante a construção da casa coletiva de Tirei, na região de Homoxi, demonstrou consideráveis diferenças na escolha de madeiras em comparação com a casa de Wato-rikɨ” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.82).

Essa dinamicidade e, essencialmente, “essa capacidade do modelo tradicional da casa yano-mami de se reproduzir por meio de sucessivas inovações materiais, técnicas e arquiteturais” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.87), adqui-ridas e adaptadas com base em relações de contato com outros povos indígenas vizinhos, como os Yekuana, ou mesmo do contato com os napë (termo em Yanomam, subgrupo da família linguística yanomami, que designa os inimigos e forasteiros não indígenas, e posteriormente os brancos), “cons-titui um exemplo microestrutural [...] do processo de mudança na continuidade e de estabilidade na transformação que caracteriza todas as dimensões da sociedade e da cultural yanomami” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.88). No entanto, nessa “imensa galáxia de conhecimentos” (ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ; 2009, p.28) constituídas de distintas formas de ocupação e construção com dezenas, senão centenas, de variedades vegetais em um amplo conjunto de mais de seiscentas aldeias yanomami possuem uma unidade que mesmo aparentemente ocultas na construção física são reveladas, conceitualmente, através do ritual funerário sanumá, o sabonomo11.

A casa sanumá, como foi mencionado anterior-mente, difere consideravelmente das imponentes e conhecidas construções cônicas ou troncônicas (anulares) dos Yanomamɨ e Yanomam. Ao contrá-rio, “são geralmente construções retangulares de duas águas, várias em número, dispostas de maneira aparentemente aleatória e até displicen-te, sem uma orientação definida” (RAMOS, 1990, p.41). Também não possuem um pátio central interno bem conformado e delimitado pela forma circular da casa, considerado como “o coração cerimonial dessas comunidades” (RAMOS, 1990, p.41). No entanto, assim como para os outros sub-grupos, são com os “rituais dos mortos, as discus-

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Figura 2. Resultado de busca de imagens no Google para a palavra “yanomami”. Nestas, são visíveis a complexa variedade de tipos e formas de casas coletivas yanomami, sejam estas troncônicas, cônicas, várias casas coletivas menores, uma casa coletiva maior e pequenas habitações de formato diverso, ou ainda por um conjunto de pequenas casas retangulares. Fonte: Imagens Google. Disponível em: <https://goo.gl/IgNn5Q>. Acesso em: fev. 2016.

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sões acaloradas, as grandes sessões xamanísticas, os debates interfamiliares e intercomunitários, os duelos e muita brincadeira de criança” que o espaço entre as casas, aparentemente disforme e desor-denado, é transformado em praça cerimonial, mesmo que sem contornos físicos bem delimitados. Segundo Ramos, a concepção da aldeia sanumá “pode ficar bem mais complexa”, em comparação às grandes casas coletivas dos outros subgrupos, “se prestarmos atenção à linguagem que denuncia dimensões escondidas nessa modéstia arquitetural” (RAMOS, 1990, p.41).

As diferentes grafias para “casa”, entre os sub-grupos linguísticos sanumá (sai a), yanomamɨ (xabono, xapono ou shapono) ou yanomam (yano) revelam que mesmo com essa diferença, nenhum desses termos têm seu significado restrito à cons-trução física da casa: “em cada um desses vocábu-los está inscrita uma carga semântica muito mais densa, fazendo das casas yanomami verdadeiros microcosmos sociais e simbólicos” (RAMOS, 1990, p.41). Deste modo, “tanto yano como xabono refe-rem-se a casas redondas, comunais, com as foguei-ras domésticas ao redor das paredes e o pátio central, onde se realizam os cerimoniais dos mortos, chamados de reahu” (RAMOS, 1990, p.43). A casa sanumá (sai a), por sua vez, por mais que não apre-sente e não contenha a definição de um espaço cerimonial claramente delimitado pela sua própria forma ou vazio, segundo Ramos, esse espaço existe conceitualmente através do ritual funerário sabo-nomo. Para os sanumá, o termo sabonomo corres-ponde ao termo em yanomam reahu, e apresenta uma interessante relação do ponto de vista morfo-lógico e semântico com o xabono. Segundo Ramalho, sabonomo (ou xaponomou, como originalmente refere-se o autor) “pode ser traduzido como ‘cons-truir uma casa coletiva’” (2008, p.148). O significa-do da palavra shaponomou na língua Yanomamɨ corresponde a esta afirmação: shaponomou quer dizer também fazer, construir, reparar ou manter uma casa coletiva (LIZOT, 2004, p.380).

Com algumas pequenas variações, pode-se dizer que o rito funerário yanomami tem a mesma es-trutura em todos os subgrupos (LIZOT, 2004, p.380). A morte no universo yanomami, “além de reavivar os feitos do morto [...] faz os parentes relembrarem uma série de incidentes e eventos que marcaram a vida da pessoa [...]” (GUIMARÃES, 2010, p.112). Ao recompor esta espécie de biografia do falecido, compõe-se também a história das relações sociais mantidas por ele (GUIMARÃES, 2010, p.113). Re-tratando estes momentos, e principalmente os conflituosos, é na cerimônia funerária o momento

de esquecê-los (falaremos também sobre o “esque-cimento material” mais adiante). Para isso, é “ne-cessário reapresentá-lo para depois destruí-lo” (GUIMARÃES, 2010, p.112). Celebra-se o morto com uma grande reunião de aliados, oriundos de di-versas casas-aldeias dos arredores. Com isso, o sabonomo se torna o lugar de selar alianças e de criar ou reforçar a diplomacia entre as aldeias.

Deste modo, ao celebrar o morto e reunirem-se com os aliados, os sanumá “fazem o xabono” (GUI-MARÃES, 2010, p.115), como se o tratamento ceri-monial do morto supusesse a convivência dele com os outros, e, com isso, reforçasse alianças entre as aldeias. Segundo complementa Guimarães, “além da celebração do morto, o termo sabonomo enfa-tiza a necessidade de se reunir ou estar com outros” (GUIMARÃES, 2010, p.112). Nesses momentos de encontro entre aldeias trocam-se bens, informações e relações sexuais e matrimoniais; além de reme-morarem alianças e conflitos de outrora vividos pelo falecido (GUIMARÃES, 2010, p.112). Com isso, o sabonomo literalmente “faz o xabono” na medida em que reforça e consolida alianças, e assim faz, constrói, repara e mantém as comunidades. Neste sentido, é interessante notar a palavra, em Yanomam, yano thëri thëpë, que estabelece essa correspondência entre casa-comunidade, assim como foi sugerida pelo termo ‘casa-aldeia’ men-cionado anteriormente: yãno a (yano) significa ‘casa’ e yano thëri thëpë, significa comunidade.

Portanto, o ritual funerário sanumá além de operar como espaço de troca simbólica intercomu-nitária, conecta e relaciona diretamente o modo de construir e habitar sanumá aos seus respectivos subgrupos. Deste modo, diferenças e transforma-ções morfológicas e espaciais são superpostas por seu sentido essencial, gerando assim uma unidade conceitual. Ao “fazer o xabono” os sanumá conce-bem para si o espaço cerimonial que, “se algum dia existiu em suas vidas, hoje se deixa antever no imaginário do não-cotidiano” (RAMOS, 1990, p.43). Com isso, percebemos que a casa para os Yanoma-mi não se reduz simplesmente à sua forma física, ou aos seus detalhes construtivos ou mesmo às espécies vegetais utilizadas. As casas são, portanto, mais do que um edifício, uma noção essencial (CESARINO, 2011, p.53).

2.2. Somos a caça que mora em casas: identida-de, comunidade e agência coletiva

A correspondência ‘invisível’ da casa sanumá (sai a) com as demais tipologias construtivas yanomami

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(xapono e yano, por exemplo) demonstra não somente um sentido de unidade e uma ideia em comum entre elas, mas extrema também a relação sugerida por Lévi-Strauss (1996), em “Tristes Tró-picos”, entre as concepções de espaço e as identi-dades coletivas. De modo que a casa não se confi-gura somente como uma referência da organização social e da identidade coletiva (LÉVI-STRAUSS, 1996), mas é por si só um sujeito e, por essência, um sujeito coletivo, um grupo-sujeito (RAMALHO, 2008, p.25).

Façamos uma breve incursão à cosmologia yanomami. Nos tempos primeiros, antes mesmo da existência do demiurgo Omama, recriador do mundo ordenado em que estamos, os ancestrais míticos eram humanos com nomes de animais, incestuosos e canibais. Estes são chamados de Yarori pë: a raiz yaro significa animal; -ri, refere--se ao que se refere ao tempo das origens, não humano, superlativo, supernatural, monstruoso, excessivo, de extrema intensidade; e pë, sua forma plural (ALBERT, 2009, p.151). Após tempos e tempos de práticas aberrantes e canibais, opostas as normas sociais do presente, estes seres primeiros foram divididos em duas classes, tais quais vemos hoje, no presente. Alguns destes, perderam sua proto-forma humana, e de humanos-animais míticos, transformaram-se nos animais, urihi tʰeripë, os verdadeiros habitantes da floresta - como estes se consideram - e do ponto de vista yanomami, em caça. Enquanto isso, os humanos, ou o que chamamos de os Yanomami, descenden-tes de Omama, transformaram-se no que se auto-denominam yahi tʰeripë, povo de casa (“house people”), habitantes por essência das casas coleti-vas (ALBERT, 2009, p.151):

Os Yanomami [i.e. humanos] queixadas viraram queixadas; os Yanomami veados viraram veados; os Yanomami cutias viraram cutias; os Yanomami araras viraram araras. Eles assumi-ram a forma dos queixadas, dos veados, das cutias e das araras que habitam a floresta hoje em dia. São esses antepassados transformados que caçamos e comemos. [...] Eles eram humanos e se transformaram em caça. Nós os vemos como animais, mas são Yanomami. São sim-plesmente habitantes da floresta. Somos seme-lhantes a eles, também somos caça. Nossa carne é idêntica, não fazemos senão trazer o nome de humanos. No começo do tempo, quando nossos antepassados ainda não tinham se trans-formados em outros, éramos todos humanos: as araras, os tapires, os queixadas, eram todos humanos. Depois, esses antepassados animais se transformaram em caça. Para eles, porém,

somos sempre os mesmos, somos animais também; somos a caça que mora em casas, ao passo que eles são os habitantes da floresta (KOPENAWA; ALBERT, 2003, p.75).Ao perguntar a um determinado sujeito de uma

determinada aldeia (ou casa-aldeia), digamos que da casa-aldeia de Watorikɨ, “o que ele é”12, ele res-ponderá “sou watorikɨtheri”. Isto quer dizer que “um Yanomami se define face a outro declarando sua pertença a uma comunidade” (KOPENAWA; ALBERT, 2003, p.24), aproximando assim a relação entre indivíduo-comunidade-casa-aldeia. Isto se expressa acrescentando o sufixo -teri ou -theri”13 no nome da respectiva aldeia a qual pertence (KOPENAWA; ALBERT, 2003, p.75). Algumas varia-ções deste modelo podem ocorrer, por exemplo um grupo que muda para uma outra aldeia, com um outro nome, e mantêm o mesmo nome da aldeia passada etc (KOPENAWA; ALBERT, 2003, p.75).

Parece, portanto clara a importância da casa e da aldeia como referência sócio-simbólica da identidade. Mas como a casa pode ser entendida como um sujeito, um sujeito coletivo ou mesmo um grupo-sujeito?

Vale recordar brevemente o tabu em torno do nome dos mortos e do sigilo que cerca os nomes pessoais. O nome dos mortos representa um pro-fundo desrespeito aos entes próximos do falecido pelo simples fato de lembrar a existência passada do sujeito, através de seu nome pessoal, no momento ao qual, após o rito funerário, o mesmo deveria ser completamente esquecido (KOPENAWA; ALBERT, 2003, p.29). Em relação aos nomes pesso-ais, estes são e devem ser preservados, em certa medida, do domínio público (RAMOS, 1990, p.228)14. Não se trata aqui de aprofundarmos nesse assunto, no entanto, o interesse reside justamente na con-sequência desse certo tabu ou sigilo em relação aos nomes: nos relatos feitos pelos Yanomami “jamais é adotado o ponto de vista de alguém ou de uma família em particular - trata-se sempre da comunidade, da aldeia” (RAMALHO, 2008, p.29). De um modo geral, “todo Yanomami se define em relação ao pertencimento a um coletivo discreto, um nós” (RAMALHO, 2008, p.24).

Ramalho comenta sobre uso do pronome inclusivo pëmakɨ (2ª pessoa do plural inclusiva), utilizado principalmente entre os Yanomami ocidentais.

Certamente, seu emprego, como o de todos os pronomes, depende do contexto e é relativa ao englobamento ou não do(s) interlocutor(es) ao nós - no caso contário utiliza-se o pronome yamakɨ. Entretanto, notei que a utilização do

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pronome pëmakɨ em discursos e pronuncia-mentos públicos sempre se dava quando o au-ditório se reduzia aos próprios membros da aldeia; ou seja, o limite do nós inclusivo se situa nos muros da própria aldeia, ou melhor dizendo, nas paredes do xapono. (RAMALHO, 2008, p.35)Com isso, percebe-se que no “contexto de rela-

ções entre indivíduos e grupos Yanomami, a refe-rência, o ponto de partida, é sempre essa comuni-dade” (RAMALHO, 2008, p.35), a casa-aldeia por assim dizer, “é jamais a parentela imediata, ou um grupo qualquer de comunidades” (RAMALHO, 2008, p.35). Aproximamo-nos assim de entendi-mento da casa como sujeito coletivo, ou ainda, da ideia sugerida por Gell (1998, p.252) da casa como detentora de uma agência coletiva15. Se o uso do pronome inclusivo pëmakɨ só é utilizado quando o nós refere-se exclusivamente aos habitantes da mesma casa-aldeia e consequentemente quando se situam dentro do xapono, podemos tirar algumas conclusões em concordância com Ramalho (1998). Uma vez que a casa faz parte da audiência da qual o discurso é direcionado, poderíamos dizer que a casa não só é o pano de fundo desta ação, mas é também parte dessa coletividade e dessa comuni-dade, e assim pode ser entendida como “um dos nós - tanto no sentido de uma identidade coletiva quanto no de ‘nó’ de uma rede de relações [...] talvez mesmo o mais importante nó da rede de relações que compõem o tecido social yanomami” (RAMALHO, 2008, p.35).

2.3. Não queimem nossa casa: apagamento ritual e a casa dos espíritos

Ainda sobre tema da morte e dos ritos funerários yanomami, ressalta-se mais um aspecto que pode complementar a ideia da casa como uma noção essencial, como um referencial de identidade, ou mesmo como um sujeito ou um agente coletivo. Refiro-me ao processo de pôr em esquecimento as cinzas dos ossos dos mortos e o “apagamento ritual” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.669), descrito em Yanomam por Davi Kopenawa como õno kɨ wãriaɨ, “destruir os rastros”. O procedimento se dá logo depois que uma pessoa morre. Neste momento, as pessoas mais próximas do morto “começam a des-truir tudo o que ela possuía ou tocava quando em vida” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.416), das plantas de sua roça às árvores em que subiu. “A casca dos postes da casa onde pendurava a rede e a terra em que pisava na sua casa são raspadas. As folhas paa hana do telhado acima de sua foguei-

ra são retiradas e queimadas” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.416). Apenas alguns pertences de maior importância cerimonial, como os adornos de plumas, serão poupados a fim de serem destru-ídos posteriormente, “durante as lamentações das festas reahu [ou sabonomo, para os sanumá] em que suas cinzas serão postas em esquecimento” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.416).

Entretanto, a situação se dá de forma diferen-te no caso do morto ser um velho, grande e impor-tante xamã: “quando um xamã morre, abandona-mos e queimamos a casa onde as cinzas de seus ossos foram enterradas. Construímos outra afas-tada dela, para continuar vivendo nela sem perigo” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.489). Este procedi-mento segue a mesma lógica do apagamento ritual das cinzas do morto no reahu e da destruição dos rastros materiais logo após a morte do sujeito:

[...] Pouco depois do falecimento, despejamos as cinzas dos ossos do defunto [neste caso o xamã] num buraco cavado no chão ao pé de um dos postes da casa, perto do fogo onde se esquentava. Em cima jogamos também tabaco, mingau de banana e yãkoana16 (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.490)Sua especificidade, portanto, é de que não basta

queimar seus pertences pessoais, mas sim a casa toda. Por que a casa toda? Afinal, qual a relação entre a morte do xamã e a destruição e o abando-no da casa coletiva?

Este procedimento tem como razão e meta afastar os espíritos maléficos do xamã, uma vez que estes são muito poderosos, perigosos, agres-sivos e determinados a permanecer perto dos rastros do falecido. Segundo o xamã yanomami Davi Kopenawa:

Se não fizéssemos isso, não poderíamos evitar os ataques dos espíritos maléficos do morto. É assim. Quando procuramos afugentá-los, esses xapiri17 [espíritos auxiliares] protestam com muita raiva: ‘Ma! Não queimem nossa casa! Não somos culpados por esta morte! Vão embora! Queremos continuar vivendo aqui em silêncio!’. Então, eles tentam reconstruir suas próprias casas nas vizinhanças e, quando re-cuperam forças, atacam sem trégua os humanos que andam pelas roças (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.489).Há, todavia, um duplo sentido na expressão do

xapiri quando diz “não queimem nossa casa!” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.489). Um primeiro e mais óbvio entendimento é de que os xapiri e o xamã falecido coabitavam a mesma casa coletiva em vias de ser destruída para justamente afugen-

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tá-los. Esta leitura é, de fato, possível. Uma vez que os xapiri são os espíritos auxiliares do xamã, a casa onde o xamã habita é, por sua vez, território comum dos xapiri. Mas há também uma segunda leitura, um tanto mais profunda e visível somente através dos olhos do xamã, neste caso, do xamã yanomami Davi Kopenawa. Segundo Kopenawa (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.157), estes espíritos auxiliares, assim como os humanos, moram em casas. No caso de serem espíritos que não foram convocados por nenhum xamã, essas casas se en-contram no topo das montanhas:

[...] Eles vivem no frescor das terras altas, longe dos brancos e de suas cidades esfumaçadas. Vi com meus próprios olhos as montanhas onde ficam suas casas. Seus topos são cobertos de uma brancura tão brilhante quanto um monte de penugem branca (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.489).As casas dos espíritos auxiliares convocados

por um determinado xamã têm, por sua vez, sua clareira aberta no peito do xamã durante a inicia-ção xamânica. Com este procedimento, os espíritos, após a dança de apresentação no peito do xamã iniciado, resolvem fixar ali a sua residência e cons-truir sua casa: “Hou! Se este lugar continuar vazio, se não houver habitação para receber-nos, não ficaremos aqui!” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.157). Entretanto, não é no peito do xamã em que está casa será edificada, e sim fixada, como que pendurada, no “peito do céu” - algo que poderíamos relacionar com a parte visível da abobada celeste, ou ainda, aproximando-se assim da concepção das camadas do cosmos18 yanomami, a parte visível e o lado côncavo de uma tigela, que é o céu, voltada para baixo, em oposição às costas do céu que seria o seu lado convexo. “Esses primeiros xapiri vêm apenas preparar o terreno para a nova casa de espíritos ser edificada. Por isso, assim que termina sua dança de apresentação, desaparecem logo nas alturas do céu” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.157). Assim, após que essa clareira foi aberta no peito do jovem xamã, “outros xapiri começam a descer das lonjuras, trazendo consigo a nova casa de es-píritos do iniciando, já toda construída” (KOPE-NAWA; ALBERT, 2015, p.157).

Talvez possamos propor uma relação entre a operação que a casa dos espíritos sugere, ao ser totalmente pré-fabricada, à um dos pilares do pen-samento moderno na arquitetura. Deste modo, a casa dos espíritos se aproxima da lógica do kit de habitações seriadas e industrializadas proposto pelo sistema Dom-ino de Corbusier em 1914-15 (CURTIS, 2008, p.83). O sistema Dom-ino “foi con-

cebido como um kit para habitações, para ajudar à rápida reconstrução de Flandres, destruído pela guerra. Jeanneret [Charles Edouard Jeanneret, conhecido por Le Corbusier] esperava, de forma otimista, que a guerra terminaria rapidamente, e seu ideal era produzir em série um conjunto básico de componentes [...] A ideia intrínseca era de que componentes simples, retangulares e produzíveis em série poderiam ser dispostos de forma a con-figurar residências e comunidades modernas” (CURTIS, 2008, p.83). Neste sentido, ideais de velo-cidade, agilidade, praticidade e, de certo modo, leveza, se aproximam de características dos espí-ritos-auxiliares xapiri, bem como do modo de cons-trução e concepção de suas casas. Embora não há, para os Yanomami, nada como um ideal moderno, vale notar que os xapiri são sempre tidos como seres excepcionais, exemplares, superiores e ideais - assim como pressupõe o sufixo - ri, que indica algo superlativo, supernatural, excessivo, de extrema intensidade. As casas dos espíritos, por-tanto, são tidas como exemplares e superiores. Diferentes das casas dos humanos, que levam tempos e tempos para serem construídas e ainda se deterioram após certos anos, as casas dos espí-ritos não só são pré-fabricadas como também são fabricadas com os materiais mais resistentes pos-síveis e impossíveis; e, justamente, por essa repulsa pela poeira e sujeira que suas casas se situam nas alturas do céu, onde contemplam e controlam todos confins da terra e do céu. Esta lógica da agilidade e da leveza, bem como o grau de superioridade e superlatividade se expressa claramente na cons-trução, ou ainda na implantação, de suas casas pré-fabricadas [ver imagem 03]:

Os espíritos macaco-aranha seguram e puxam a ponta de seu teto, para enganchá-la no peito do céu. Os espíritos celestes hutukarari susten-tam todo o seu peso, enquanto os espíritos do vendaval yariporari a empurram em direção ao zênite. Todos esses xapiri trabalham duro, todos juntos, pois os postes de uma casa de espíritos são feitos de árvores comparadas às quais da floresta parecem bem mirradas! Seus troncos são imensos, inteiriços, e seu peso é enorme. Não se trata de meros postes de madeira cuja base acaba apodrecendo, como os de nossas casas. São resistentes como barras de metal. São estacas do céu, e pesam tanto quanto ele. [...] Essas casas de espíritos não são erguidas na terra como as nossas, e tampouco são construídas da mesma maneira. São mesmo outras! Os xapiri, enviado por Omama [demiur-go yanomami], trazem-nas consigo de muito

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longe, já prontas, com seus postes e o seu teto já amarrados. Porém, como temem poeira e sujeira, não dançam no chão dessas casas, como fazemos nas nossas. A praça central delas parece uma vasta superfície de vidro limpo, liso e cintilante [...] Os tetos das casas de espí-ritos, como eu disse, não são feitos de palmas paa hana como as nossas. São cobertas com folhas sólidas, brilhantes como espelhos e sal-picadas de penugem luminosa. (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.157 et seq.)Quando os xapiri são chamados pelos xamãs,

“não são suas casas inteiras que descem [...] são somente seus espelhos19, que ficam suspensos nos ares, sobre os quais fazem sua dança de apresen-tação” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.159). Assim, descem até o xamã através de “caminhos resplan-decentes de luz, cobertos de penugem branca, tão fina quanto os fios das teias de aranha”20. É, portanto, através dessas três dimensões, cruzadas pelo caminho percorrido pelos xapiri, em que podemos verificar uma correspondência instigan-te entre a casa dos espíritos fixada no peito do céu, o corpo do xamã e a casa coletiva terrena.

Com isso, aos poucos retomamos ao tema do apagamento ritual e da destruição da casa coletiva em que habitava o grande xamã falecido. Por que queimar a casa toda? Bem, há uma consonância e uma correspondência entre a casa coletiva terrena e a casa dos espíritos: a casa terrena é, por vezes, vista como uma reprodução malfeita, com certo grau de inferioridade em relação a casa exemplar dos espíritos xapiri. Através do “tornar-se outro” - característica, ou modo de agir, estruturalmente presente na figura do xamã - o xamã é levado a “assemelhar-se” (KOPENAWA; ALBERT, 2015) ao outro referencial, neste caso os seres-imagens dos tempos primeiros, os xapiri. Desta maneira, ao

mesmo tempo em que se o xamã se assemelha também se diferencia, através de atos que recriam e reinventam o mundo prototípico dos xapiri - e neste meio figura o problema da casa - por meio de suas próprias configurações e ações: “A refe-rência a um outro mundo possibilita a criação de novos mundos estéticos ou sociais” (GEBAUER; WULF, 2004, p.09).

Contudo, a correspondência entre a casa e a casa dos espíritos vai ainda mais além e perpassa pelo corpo do xamã. Este, por sua vez, assume mais do que a posição de mediador desta consonância, uma vez que é ele que tem acesso e a possibilida-de de transitar entre estes dois mundos, visível e invisível, e entre as várias camadas do cosmos yanomami, acompanhado pelos xapiri. A casa dos espíritos, como já foi dito, não só nasce a partir de uma clareira aberta do peito do xamã iniciado, como o seu interior “reproduz” e “imita” o interior do peito do xamã:

Uma casa de espíritos nada se assemelha a uma casa comum. Seus esteios imitam o interior o peito do xamã, o pai dos xapiri. As clavículas de seu torso são as vigas que sustentam o círculo do teto. Seus quadris são a base dos postes que a assentam no chão. Sua boca e garganta são a porta principal. Seus braços e pernas são os caminhos que conduzem a ela. Seus joelhos e cotovelos são clareiras-espelhos, onde os espí-ritos fazem uma parada antes de entrar (KOPE-NAWA; ALBERT, 2015, p.165).

Logo, podemos ver que há mais do que uma eventual relação mimética entre a casa coletiva terrena e a casa dos espíritos. Há, portanto, uma correspondência - a ser aprofundada daqui em diante - no pensamento yanomami entre casa(s), corpo e cosmos.

Figura 3. Desenho de Davi Kopenawa, publicado no livro A Queda do Céu (2015), intitulado “habitação, espelhos e caminhos dos espíritos”, e adaptado aqui, com sua respectiva legenda a partir das passagens narradas pelo próprio Kopenawa (cf. KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.156-173). Legenda: fixação no peito do céu (1); espíritos macaco-aranha (2); redes (3); xapiri (4); espelho/praça central (5); caminhos luminosos (6). Fonte: KOPENAWA; ALBERT, 2015.

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2.4. Casa, corpo e cosmos: conexão, caminhos e correspondências

Em uma descrição de Kopenawa (KOPENAWA; ALBERT, 2015) sobre seu processo de iniciação, o autor relata suas primeiras experiências com a yãkoana, e através deste processo xamânico de “tornar-se outro” é onde podemos nos aproximar de uma compreensão da correspondência entre casa-corpo-cosmos no pensamento yanomami:

Eu rolava e me debatia no chão, como um fan-tasma. [...] Minha pele permanecia estirada no chão, enquanto os xapiri pegavam minha imagem e a levavam para longe, muito ligeiros. Eu voava com eles até as costas do céu, onde vivem os mortos21, ou para o mundo subterrâ-neo dos ancestrais aõpatari (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.98).Desta maneira, é através do transe xamânico,

partindo do consumo da yãkoana, que os xapiri conduzem o xamã pelas diversas camadas do cosmos yanomami:

A yãkoana, como eu disse, é o alimento dos xapiri. [...] Bebem-na sem descanso, com avidez. Assim que sua força aumenta [a força, experi-ência, do xamã], eles a absorvem através de seu pai, o xamã, pois a yãkoana penetra nele pelo nariz, que é a entrada de sua casa de es-píritos. [...] Logo depois de beber yãkoana, os xapiri se apoderam da imagem de seu pai, o xamã, e levam-na consigo para longe em seus voos, enquanto a pele dele fica estirada no chão (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.136).Quer dizer, se o nariz (corpo) do xamã - o qual

está localizado na casa coletiva firmada sobre camada terrena - é a entrada de sua casa de espí-ritos - fixada nas alturas do peito do céu (cosmos) - haveria uma conexão, um caminho ou mesmo uma correspondência entre ambas as camadas, mediadas pelo corpo interior do xamã. Como se habitassem o mesmo corpo, embora em dois níveis do cosmos distintos, a casa terrena e a casa dos espíritos são ligadas pelo interior do corpo do xamã. Além disso, há também um processo de identifi-cação entre o xamã e os espíritos: “o xamã inala a yãkoana que é bebida ‘através dele’ pelos espíritos que, como ele e ao mesmo tempo que ele, ‘morrem’, ‘tornam-se fantasmas’ [morrer e tornar-se fantas-ma refere-se ao processo de alteração de consci-ência provocado pelo alucinógeno]” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.624). Um simples fluxograma poderia resumir esta operação que gera a corres-

pondência, da qual nos ocupamos em desenvolver até agora, entre casa, corpo e cosmos: casa coleti-va > xamã > yãkoana > nariz > casa de espíritos > xapiri > imagem do xamã > cosmos.

É esta correlação entre arquiteturas, ideias e pessoas que permite imaginar a associação propos-ta por Blier (1987, p.2) de uma arquitetura, inva-riavelmente antropocêntrica, na qual as casas re-presentam e objetificam não só mundo ao seu redor, mas seu corpo, seu modo de ser e sua essência:

Architecture, like history, is invariably anthro-pocentric. Architecture is integrally identified with human activity, experience, and expression, for, in ordering space, architecture also orders human action. […] The analysis of architecture in this way closely parallels the study of humans (BLIER, 1987, p.2)).Como observa Blier (1987), é ordenando o

espaço, que a arquitetura também ordena a ação humana. Segundo Ramos (1990, p.413), sobre a casa sanumá, mais do que o feitio que as casas possuem, ou mesmo seus detalhes, materiais e formas, “o que deve ser ressaltado é que elas são, acima de tudo, entidades socialmente constituídas”, isto é, resul-tado essencial da ação humana e das relações sociais. Seja de madeira, palha, barro, pedra, metal, vidro ou concreto, a arquitetura é e sempre será feita de homens: “sempre é certo que após a morte do rei Davi, [...] viria aquele que edificaria uma casa à Deus, não de madeira e pedra, mas de homens” (AGOSTINHO apud PULS, 2006, p.15).

Como complementa o sociólogo Mauricio Puls: “O edifício nada mais é que o lugar do homem no mundo” (PULS, 2006, p.13), mundo este que o homem concebeu para si mesmo à sua imagem, e “como se existisse um laço invisível” (PULS, 2006, p.14) que os une - digamos, a priori, a faculdade do conhecer, pensar e ordenar -, o edifício, o mundo e o homem tornam-se um só. Mas então, retomemos ao questionamento primeiro que originou essa ligeira digressão. Por que não basta queimar seus pertences pessoais, mas sim a casa toda. Quero dizer, qual a relação, qual este laço invisível, entre a morte do xamã e a destruição e o abandono completo da casa coletiva? Bem, talvez a resposta da pergunta esteja na própria pergunta, ou no mínimo, na digressão que trilhamos até aqui. Quando um xamã morre, ou está perto de morrer, seus xapiri se afastam dele (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.489). Consequentemente, abandonam sua casa de espíritos até que esta desabe por si mesma (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.489). No entanto, como vimos, nem todos xapiri vão embora com tamanha facilidade. São os espíritos maléficos que

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insistem em permanecer perto dos rastros do xamã falecido, seu pai. Reside aqui, o problema do laço invisível. Tendo o corpo do xamã como mediador, a casa a ser queimada, na qual o mesmo habitava, e a casa dos espíritos, situada no peito do céu, estão intimamente e imutavelmente relacionadas, co-nectadas. Desta maneira, os espíritos que se recusam a ir embora ou voltar de onde vieram antes, permanecem próximos dos rastros do fale-cido. Lembremos, entretanto, que os rastros dos quais Kopenawa referindo-se ao apagamento ritual expressa como õno kɨ wãriaɨ, “destruir os rastros” (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.669), são mais do que o corpo ou as cinzas do morto. Incluem-se aí, tudo o que a pessoa, e neste caso o xamã, “possuía ou tocava quando em vida” (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.669), das plantas de sua roça às árvores em que subiu, da terra em que pisava à casca dos postes em que pendurava sua rede ou às folhas do telhado acima de sua fogueira (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.669). Assim, quando um xamã morre suas cinzas são enterradas “num buraco cavado no chão ao pé de um dos postes da casa, perto do fogo onde se esquentava. [...] Depois, fe-chamos o buraco com uma pedra e a cobrimos de terra, amassando-a bem com o calcanhar”. Trata--se, assim, de afastar os eventuais ataques dos espíritos maléficos do morto e de desviar os olhos de seu fantasma para longe dos parentes do fale-cido. Após este procedimento, a casa é enfim aban-donada e queimada. Isto é, a morte do xamã implica diretamente na morte da casa, de modo que o laço invisível entre a correspondência casa-corpo-cos-mos é rompido, queimado e posto em esquecimen-to (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.495).

3. Considerações finais: conclusão inconclusa em constante reticência

Se para Guimaraes Rosa (2001, p.59), “o sertão é o mundo”, aqui não poderíamos imaginar que a casa é o mundo, que o homem é a casa, e por extensão, que o mundo é o homem? Dada a importância central e fundamental da casa dentro das relações sociais, da identidade, do pensamento e da cosmo-visão yanomami - como brevemente se procurou mostrar - torna-se certamente evidente a comple-ta impossibilidade racional de reduzir e minimizar a arquitetura indígena à tal da “oca redonda”, de madeira e palha, do índio no Brasil. Bem, em alguns casos, as tais “ocas” são de fato redondas, de madeira e palha, o que não quer dizer que se limite a isto. É clara a complexidade, especialmente em

relação à gigantesca diversidade de povos e varia-bilidade de modos de construir e habitar, mesmo que somente em território brasileiro.

Como vimos, a noção de casa extrapola a di-mensão física e terrena e atinge outros níveis, sejam estes sociais, identitários, conceituais, invi-síveis, corporais ou cosmológicos. Além disso, vimos como uma miríade de outras casas, visíveis para os xamãs e invisíveis para nós, figuram no pensamento yanomami e complexificam ainda mais o estudo. Isto é, a fim de compreender em profundidade a casa yanomami devemos abranger as outras casas, as casas dos espíritos, que como vimos, estão em relação constante e direta. Fica evidente, portanto, a posição central que ocupa a ideia de casa no pensamento yanomami e a com-plexidade arquitetônica intrínseca a esta ideia, seja ela visível ou invisível.

Em um breve retrospecto vimos da complexa galáxia de conhecimentos botânicos e construtivos às mais variadas formas de habitar e sua unidade conceitual; da casa como sujeito coletivo à casa como um dos mais importantes nós da rede de relações yanomami; da casa em correspondência e correlação com o corpo e com o cosmos à, por fim, a casa como noção essencial. Isto não quer dizer, entretanto, que o assunto esteja esgotado. Muito pelo contrário. Este é apenas um excerto e um primeiro esboço teórico desta pesquisa.

Essa pesquisa interdisciplinar segue em inin-terrupta transformação, sempre aberta a reinven-ções, a novos caminhos e a críticas, estando assim em constante reticência. Ou, como diria Davi Kope-nawa embora se referindo à escala e grandiosida-de da casa dos espíritos - ao mesmo tempo em que poderíamos entender como uma sútil metáfora ao problema ontológico do descobrimento e do co-nhecimento do eu e do outro nesta desconcertan-te, múltipla e aparentemente infindável concepção de mundo, de casa e de ser, que defrontamos até aqui -: “Parecia com nossas casas, mas era bem maior [...]” (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.107).

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Notas

1. Aluno de graduação do curso de Arquitetura e Urba-nismo na Escola da Cidade e Bolsista FAPESP para o desenvolvimento de pesquisa de Iniciação Científica sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Cesarino, do Departa-mento de Antropologia da FFLCH-USP.2. A palavra oca tem origem tupi, oká, e significa casa (HOUAISS, 2009).3. A antropóloga Alcida Rita Ramos (1990) problematiza esta classificação dialetal e sugere assim uma variabili-dade linguística e construtiva possivelmente ainda maior, ou no mínimo distinta, a depender do ponto de vista de

quem classifica: “Essa classificação de linguistas não é, necessariamente, o modo como os Yanomami de cada subgrupo consideram a questão. Em primeiro lugar, nem todos os Yanomami têm conhecimento da existência de todos os outros. Aqueles grupos mais afastados, como, por exemplo, os Sanumá [ou Sanoma] ao norte e os Yanomam ao sul do território Yanomami utilizam, se tanto, um termo geral, difuso que se refere àqueles que talvez existam a muitos quilômetros de distância. Em segundo lugar, a proximidade social e geográfica desem-penha um papel bem mais marcante nas classificações locais do que considerações de idioma. Para alguns Sanumá do Brasil, por exemplo, os Yanomam conhecidos como Parahuri, da região da cachoeira de Tucuxim, são-lhes mais próximos do que os Sanumá das comuni-dades mais distantes da Venezuela. Este fator parece, portanto, ter maior relevância social do que a semelhan-ça linguística pura e simples” (RAMOS, 1990, p.289). O pesquisador de línguas indígenas Helder Perri Fereira (FERREIRA apud. KOPENAWA, ALBERT, 2015, p.689), por sua vez, considera a inteligibilidade mútua de todas as línguas yanomami proporcional à frequência do contato entre elas, mais do que, em certa consonância com Ramos (1990), a alguma ausência ou presença de diferenças fonológicas e morfossintáticas.4. Dentre alguns dos que aprofundaram a questão, di-retamente e indiretamente, e trataram, sobretudo das construções ameríndias, vale mencionar novamente as reflexões de Lévi-Strauss (1955/1996) acerca da indisso-ciável relação entre a concepção do espaço e as identi-dades coletivas bororo, em “Tristes trópicos”, bem como a seção destinada à organização social (e assim, também à organização espacial) bororo, em “Antropologia estru-tural” (LÉVI-STRAUSS, 1958/2008); as investigações de Reichel-Dolmatoff (1971) e Béksta (1988) sobre o simbo-lismo da maloca tukano-dessana; a dissertação de Sá (1982) sobre uma aldeia xavante; a importante coleção de artigos organizada por Novaes (1983), intitulada “Ha-bitações indígenas”; a tese de doutorado de Costa (1989) sobre a habitação guarani; o trabalho de Guss (1990) sobre o simbolismo yekuana da Venezuela; os diversos trabalhos apresentados no livro “About the House”, or-ganizado por Carsten e Hugh-Jones (1995), assim como as pesquisas de Hugh-Jones (1993) sobre a maloca tukano; o capítulo, em especial, sobre a casa maori de Gell (1998); e a pesquisa de Cesarino (2011), em Oniska, que trata, dentre outras questões, da noção (ampliada e interiori-zada) de maloca para o povo marubo. Dentre aqueles que se debruçaram sobre populações nativas de outras regiões e continentes, vale mencionar os trabalhos fun-damentais de Rykwert sobre a antropologia da forma urbana etrusca romana (2006), sobre a ideia arquetípica da cabana primitiva na história da arquitetura (2009), e sobre a ideia de ordem, metáfora e mimese na arquite-

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tura desde a antiguidade (2015); o clássico artigo de Bourdieu (1999) sobre a casa kabyle; as pesquisas do arquiteto Aldo Van Eyck (1975) sobre o povo dogon no Sudão; o excelente trabalho de Blier (1987) sobre a tra-dição arquitetônica do povo Batammaliba no Togo e na República do Benim; e o trabalho de Waterson (2009) sobre as construções dos povos do sudeste asiático.5. Dentre os que permaneceram no nível descritivo, e com isso também alguns dos que tentaram inserir as habitações indígenas no panorama da história da arte e arquitetura brasileira, sem pretender uma abrangência completa, vale citar os trabalhos de Zanini (1983), Costa e Malhano (1986), Oliver (2003), Derenj (2002), Weimer (2005) e Van Lengen (2013). Acredito que esta compilação possa colaborar como uma introdução ao tema das cons-truções de povos autóctones, a partir de distintos meios de abordagem sobre o tema. 6. O termo “simbolismo” é mantido entre aspas pelo próprio autor, o qual contesta a ideia do simbolismo considerando-a, neste caso, como imprópria, inapropria-da, “misnomer” (GELL, 1998, p.253). Sobre isto, os argu-mentos de Gell (1998, p.6) são fundamentais para repen-sar a constante associação que tendemos a fazer entre arte e arquitetura como símbolo ou simbolismo de algo, como se existisse, de fato, um simbolismo intrínseco, divino, dentro de determinada obra de arte ou arquite-tônica que pudessem ser associadas com a linguagem, por exemplo: “I entirely reject the ideia that anything, except language itself, has ‘meaning’ in the intended sense. [...] Using language, we can talk about objects and attribute ‘meanings’ to them in the sense of ‘find some-thing to say about them’ but visual art objects are not part of language for this reason, nor do they constitute an alternative language. […] We talk about objects, using signs, but art objects are not, except in special cases, signs themselves, with ‘meanings’ […]”(GELL, 1998, p.6). Com isso, Gell refuta a ideia de “simbolismo” e sugere novos conceitos para pensar a arte e a arquitetura: “In place of symbolic communication, I place all the emphasis on agency, intention, causation, result, and transformation. I view art as a system of action, intended to change the world rather than encode symbolic propositions about it.” (GELL, 1998, p.6). Neste sentido, Gell reitera que para o caso da casa maori - bem como para reflexão aqui presente - não se tratam de símbolos e sim de índices de agênciamento, “indexes of agency” (GELL, 1998, 253), coletivo e ancestral. Assim, a casa é entendida como um índice, uma guia, um instrumento, que orienta a percep-ção do coletivo e contém em si mesma a capacidade de agir, de estabelecer e mediar relações e transformações.7. A coletânea de artigos “About the House” (CARSTEN; HUGH-JONES, 1995) pauta-se a partir do conceito de “sociétés à maison” (sociedade de casa) proprosto por Lévi-Strauss. Nele, o antropólogo procura relacionar, do

ponto de vista das discussões em torno do parentesco, a ideia de casa como uma forma específica de organização social. Este conceito, entretanto, é tido apenas como um pano de fundo, um propulsor inicial, que orienta a coleção de artigos organizada por Carsten e Hugh-Jones (1995). Os autores procuram ir além do conceito lévi-straussiano, propondo uma abordagem mais holística da casa, para além das discussões especificamente sobre parentesco e organização social.8. A casa coletiva de Watorikɨ está situada aos pés da serra do Demini, no extremo nordeste do estado do Ama-zonas, entre a bacia do rio Catrimani (tributário do rio Branco) a leste, e a do rio Demini (afluente do rio Negro) a oeste. A ampla casa coletiva se instalou nessa região em 1993, com oitenta e nove (89) habitantes. Em 2010, sua população já era de cento e setenta e quatro (174) moradores, distribuídos em aproximadamente trinta (30) grupos familiares, instalados um ao lado do outro sob a cobertura circular, cada qual com seu espaço próprio, onde ficam penduraras as redes da família ao redor de uma fogueira. A conhecida aldeia é a casa do líder indígena e xamã yanomami Davi Kopenawa. A casa de Watorikɨ tem forma troncônica, anular, de cerca de setenta (70) metros de diâmetro, com uma grande praça central aberta e fechada, em seu perímetro, por uma pequena parede de ripas de madeiras diversas com menos de um metro e meio de altura. 9. Ramos (1990) complementa essa composição hetero-gênea, de origens sócio históricas, das aldeias e dos di-versos termos utilizados para mais de um objeto ou planta: “Apesar da quantidade de dialetos que despontam praticamente em cada vale, há uma grande inteligibili-dade entre eles e até entre línguas Yanomami distintas, o que permite haver um bilinguismo parcial, em que é possível estender-se uns aos outros sem se falar a língua ou o dialeto uns dos outros. Essa riqueza dialetal injeta no vocabulário de cada comunidade, graças à grande movimentação espacial entre elas, palavras e expressões que coexistem com outras de significado aparentemente idêntico, criando, entre outros efeitos, uma grande fonte de confusão para o etnógrafo” (RAMOS, 1990, p.49).10. O termo casa-aldeia é utilizado em diversos trabalhos pelo antropólogo Bruce Albert (cf. KOPENAWA; ALBERT, 2015; ALBERT; MILLIKEN; GOMEZ, 2009) e contém em si uma ideia bastante interessante. Ao mesmo tempo em que em diversos casos as aldeias são, de fato, formadas por exatamente uma grande casa coletiva, como veremos adiante, politicamente e economicamente autônoma, este termo ressalta uma característica intrínseca e muito interessante da organização sócio espacial yanomami: a relação de proximidade entre o âmbito doméstico e o público. Como sugerido pelo arquiteto Amos Rapoport (1969, p.70), no caso das sociedades indígenas, a casa não deve ser considerada como algo isolado, de modo que a

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aldeia não representa apenas um lugar a ser atravessa-do, de caráter secundário. A casa deve ser sempre vista e entendida em conjunto com a aldeia, sendo a casa apenas uma parte deste domínio, mais íntima e mais resguardada. A casa e a aldeia estão integralmente co-nectadas (radicalmente diferente de nossas cidades, por exemplo, no caso de entendermos a aldeia como um equivalente possível, em dimensões inferiores, de cidade). No caso dos yanomami isto não é diferente. Em vários casos, casa e aldeia formam um mesmo corpo.11. O termo referente ao rito funerário sanumá, sabo-nomo (correspondente ao reahu Yanomam), é grafado desta maneira por Ramos (1990) e por Guimarães (2010), e grafado por Taylor (1996) e Ramalho (2008) como xapo-nomou. Esta variação é comum e opta-se aqui por seguir a primeira forma de grafia, sabonomo.12. Segundo Ramalho (2008, p.24), “em yanomami, a pergunta seria, literalmente, ‘que tipo de habitante/gente você é? [weti teri kë wamakɨ / weti theri wamakɨ?]”, o que poderia ser traduzido para nossos termos como, “de que aldeia você é” ou “a que comunidade pertence?” (RAMALHO, 2008, p.24).13. Esta diferença fonética se deve a uma variação entre o dialeto yanomami oriental e ocidental (RAMALHO, 2008, p.3). Isso suscita uma relação com a palavra yano thëri thëpë (comunidade) discutida anteriormente e entendida, deste outro ponto de vista, como “membros / moradores do yano”.14. Ramos (1990) adiciona que há uma variação em torno do sigilo do nome dos mortos, uma vez que para os Sanumá - diferentemente dos outros subgrupos como o estudado por Ramalho (2008) -, por exemplo, “não há nenhum tabu especial com relação aos nomes dos mortos. Estes são tratados do mesmo modo que os nomes dos vivos [...]” (RAMOS, 1990, p.229).15. Segundo Gell (1998, p.252), com base nos estudos de Neich, as casas são consideradas artefatos com caracte-rísticas especiais o bastante para serem consideradas como índices de uma agência coletiva, ou ainda, como detentoras de agência coletiva, isto é, como um ser orgâ-nico, dinâmico e vivo, que representa e objetiva tanto o modus operandi como o modus vivendi do homem. Segundo Gell (1998, p.252) isto se dá por três razões. Primeiramente, devido as casas serem, simplesmente, coletivas: construídas e habitadas coletivamente - como é o caso também dos Yanomami - e seus habitantes são assim unidos por ela. Em segundo lugar, pois as casas são entendidas por Gell (1998, p.252) como artefatos complexos, organizados e concebidos como entidades orgânicas, capazes de se desmontarem, remontarem, remodelarem e redecorarem, e com isso, objetivarem processos históricos e relações sociais. Em terceiro e último lugar, complementa o autor (GELL, 1998, p.252), pois as casas são vistas como corpos: “The house is a body

for the body. […] they are containers which, like the body, have entrances and exits. Houses are cavities filled with living contents […] they have strong bones and armoured shells […] they have organs of sense and expression […]”(GELL, 1998, p.252).16. Yãkoana refere-se à espécie arbórea virola elongata, ucuuba-vermelha. Com a resina retirada da parte interna de sua casca é fabricado o pó alucinógeno yãkoana, que contém como principal princípio ativo a dimetiltripta-mina (DMT). Seus efeitos psíquicos, segundo Albert (KOPE-NAWA; ALBERT, 2015, p.612), são similares aos do LSD. O pó é soprado nas narinas do xamã noviço, por outro xamã, e ao fazer isto, diz-se que o xamã que o inicia lhe transmite seus espíritos auxiliares através de seu ‘sopro vital’, wixia ou wixi aka, em Yanomam (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.612).17. Para prosseguirmos sobre o problema da destruição da casa, é válido de se elucidar aqui quem são estes que traduzimos por “espíritos” e que Kopenawa chama de xapiri. Segundo nota explicativa de Albert: “Todo ente possui uma ‘imagem’ (utupë a, pl. utupa pë) do tempo das origens, que os xamãs podem ‘chamar’, ‘fazer descer’ e ‘fazer dançar’ enquanto ‘espírito auxiliar’ (xapiri a). Esses seres-imagens (‘espíritos’) primordiais são descritos como humanoides minúsculos paramentados com ornamentos e pinturas corporais extremamente luminosos e coloridos. Entre os Yanomami orientais, o nome desses espíritos (pl. xapiri pë) designa também os xamãs (xapiri tʰë pë). Praticar o xamanismo é xapirimuu, ‘agir em espírito’, tornar-se xamã é xapiripruu, ‘tornar-se espírito’. O transe xamânico, consequentemente, põe em cena uma identi-ficação do xamã com os ‘espíritos auxiliares’ por ele convocados” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.610). Por outro lado, como um complemento, segundo o próprio Kopenawa: “Os xapiri são as imagens dos ancestrais animais yarori que se transformaram no primeiro tempo. É esse seu verdadeiro nome. Vocês os chamam de ‘espí-ritos’ mas são outros” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.111).18. O cosmos yanomami, isto é, o universo como conce-bido pelos yanomami, é composto por quatro níveis (mosi) superpostos, cada um destes compostos de dois lados (lado superior e inferior, concebidos como algo similar a uma cumbuca cerâmica) cercados de um grande vazio e sujeitos, no futuro, a uma nova queda do céu. Foi com este primeiro colapso, que se criou o presente estado do universo. Sendo assim, as quatro camadas que estru-turam o cosmos não são estáticas, ou infinitas, e sim vivas. E, sendo vivas, estão sujeitas a novos cataclismos, a uma nova queda do céu. De cima para baixo e, portan-to, do mais novo para o mais velho, são estes, segundo Kopenawa e Albert (2015, p.622): o “céu novo” (tukurima mosi), o “céu atual” (hutu mosi), o “céu velho” (warõ patarima mosi) e o “nível embaixo” (pëhëtëhamɨ mosi). A camada superior (tukurima mosi) é entendida como

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uma espécie de “céu jovem”, em gestação, embrionário, destinado a substituir o céu atual, ou o que chamamos de abóboda celeste, após sua queda futura. O “céu atual” (hutu mosi), possivelmente entendido como o que co-nhecemos por abóboda celeste, é o destino, segundo a escatologia yanomami, dos fanstasmas yanomami. Isto é, ao morrerem, os fantasmas (pore pë) dos humanos vão para as costas do céu, o seu lado superior. E após a morte desses mesmos fantasmas, estes se metamorfose-arão em seres moscas (prõõri) e urubus (watupari) e passarão a habitar o “céu novo” (tukurima mosi). Entre-tanto, o que chamamos de abóboda celeste é somente o “peito” do céu, a sua parte inferior e visível. Lá, habitam os corpos celestes e é onde está fixada a cumeeira da casa celeste dos espíritos. Acima do “peito” do céu, estão as “costas” do céu. Esta camada é feita de terra, e sobre ela há uma floresta, onde nunca falta caça, tudo é fértil, grande e abundante. Tudo que existe na terra, existe também nesta camada, com a diferença de que é habi-tada pelos espíritos e tudo é melhor, superior. Ou seja, uma réplica idealizada da vida terrena, da qual a camada terrestre não passa de um “modelo-reduzido” das “costas” do céu. Na camada terrena, conhecida como o “céu velho” (warõ patarima mosi), é onde se encontra a urihi a, a terra-floresta. Para os Yanomami, a terra-floresta é con-siderada o centro do mundo terrestre, de modo que o que está às margens são as terras dos estrangeiros-ini-migos, os brancos, no caso. Por fim, a camada subterrâ-nea: úmida e lamacenta, habitada por criaturas mons-truosas e assustadoras. Somente os espíritos maléficos, transmissores das epidemias e doenças, habitam ali e, sem floresta para caçar, sobem a terra. Estes seres são do tempo dos primeiros homens, antes da existência de Omama, o demiurgo yanomami, criador da humanidade e de suas regras sociais. 19. Segundo Viveiros de Castro (2006, p.333), “os ‘espelhos’ em que abunda a narrativa de Kopenawa são precisa-mente o instrumento de passagem entre as experiências da intensidade luminosa e da inumerabilidade dos espí-ritos, isto é, à sua infinitude quantitativa. Como se foram imagens da imagem, os espelhos se multiplicam na nar-rativa, ao mesmo tempo signo da presença e meio de deslocamento dos xapiripë”. Entretanto, os espelhos de que se refere Kopenawa, como nota Viveiros de Castro, “não enfatizam a propriedade icônica que têm os espelhos de produzir imagens”, quer dizer, não se tratam, portan-to, de propriedades reflexivas. Pelo contrário, “o que os espelhos sublinham é, antes, a propriedade [...] de ofuscar, refulgir e resplandecer. Os espelhos sobrenaturais ama-zônicos não são dispositivos representacionais extensivos, espelhos refletores ou ‘reflexionantes’, mas cristais in-tensivos, instrumentos multiplicadores de uma experi-ência luminosa pura, fragmentos relampejantes. [...] Luz, não imagens” (VIVEIROS DE CASTRO, 2006, p.333-334).

20. Kopenawa exemplifica estes ‘caminhos resplande-centes de luz’, comparando-os aos “faróis dos carros à noite” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.161), que avançam numa “luminosidade ofuscante”, “projetando raios de luz em todas as direções, como se agitassem espelhos à sua volta” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p.161).

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Yasmin Darviche1

Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Mugayar Kühl (FAU-USP)Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2013-2014 com financiamento do CNPq

O patrimônio cultural do Brás: reflexões sobre um trecho específico

The cultural heritage of Brás neighborhood: reflections about a specific portion

El patrimonio cultural del barrio de Brás: reflexiones sobre un trecho específico

O presente artigo propõe-se a re-fletir sobre o patrimônio cultural existente no bairro do Brás, como resultado de uma pesquisa voltada para o levantamento do patrimônio edificado, construído durante o período de formação e consolidação do Brás como bairro industrial. A pesquisa mostra que a tutela oficial deste patrimônio atendeu em maior escala a arqui-tetura de caráter monumental, representada pelos grandes equi-pamentos da região - como a estação de trem, a Hospedaria dos Imigrantes, e a igreja do Brás -, em detrimento da arquitetura cotidiana. Sustenta que esta ar-quitetura, ainda presente em grande parte do bairro, represen-tada pelas vilas habitacionais, casas independentes, fábricas e galpões, constitui importante ele-mento de identidade para o bairro. Não tutelada pelos órgãos de patrimônio, a arquitetura de caráter simples, proporções menores, produzida sem preten-sões à excepcionalidade, passa por constantes modificações in-seridas no contexto de mudança da área como um todo e na dinâ-mica da metrópole.

Palavras-chavepatrimônio cultural; preserva-ção; Brás

This paper intends to reflect about the cultural heritage in the Brás neighborhood in São Paulo, as a result of a research about built heritage, constructed in the period of formation and consol-idation of Brás as an industrial neighborhood. The research shows that the oficial custody of this heritage paid attention to the monumental architecture - that has representative buildings as the train station, the immi-grantion office and the Brás church - rather than ordinary architecture. It supports that the remaining “ordinary architec-ture” of the neighborhood, rep-resented by the residential villas, independent houses, factorys and industrial sheds, composes an important identity element of this region of the city. As they are not under custody of any govern-mental institution, these smaller proportion buildings with simpler characteristics and pro-duced with no pretensions to be exceptional, has suffered con-stant modifications as well as the surrounding area in the context of the metropole’s dynamics.

Keywordscultural patrimony; preserva-tion; Brás

La presente ponencia propone una reflexión sobre el patrimo-nio cultural existente en el barrio de Brás, como resultado de una investigación orientada al estudio del patrimonio edificado, construido durante el período de formación y consolidación del barrio como industrial. Esta in-vestigación muestra que la tutela oficial de este patrimonio atendió en mayor medida a la arquitec-tura de carácter monumental, representada por las grandes edificaciones de la región - como la estación de tren, la “Hospeda-ria dos Imigrantes” y la iglesia del Brás -, en detrimento de la arquitectura cotidiana. Además, en este trabajo se sostiene que esta arquitectura, todavía pre-sente en gran parte del barrio, representada por viviendas, casas independientes, fábricas y galpones, se constituye como un importante elemento de identi-dad del barrio. No tutelada por órganos de patrimonio, la arqui-tectura de carácter sencillo, pro-porciones menores, producida sin pretensiones a la excepciona-lidad, pasa por constantes modi-ficaciones involucradas en el contexto del cambio del área como un todo y en la dinámica de la metrópolis.

Palabras-clavepatrimonio cultural; preservaci-ón; barrio Brás

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1. Introdução

A formação urbana no bairro do Brás, iniciada em fins do século XIX, se consolidou no primeiro quartel do século XX (MORSE, 1970). Durante os anos que se seguem a atividade industrial no bairro é mantida, ainda que na década de 1950 surja uma nova região industrial na metrópole, notadamente a região do ABC. No período de implantação da atividade industrial, a população imigrante de origem italiana2 representava o grande grupo que no Brás vivia e trabalhava e, nos anos seguintes, seus filhos foram assimilados. Durante a década de 1970, parte desses antigos habitantes, descen-dentes de italianos, transferiram-se para outras partes da cidade, quando também tomou força a migração nordestina para o bairro3. Atraídos pela indústria, e consequente demanda por mão de obra, a população nordestina foi absorvida, garantindo a continuidade da produção têxtil no Brás, vista ainda hoje como principal atividade da região4.

A atividade industrial no Brás seria afetada com a crise econômica iniciada em fins da década de 1970, perdurando por quase toda a década de 1980. Neste momento aconteceria o declínio da produção industrial nesses antigos bairros - ocor-rendo muitas falências -, e os grandes equipamen-tos destinados à produção entrariam em um forte processo de abandono e obsolescência, dado seu desuso, restando áreas e edifícios desocupados durante toda a década. Entretanto, o padrão de ocupação urbano - marcado pela coexistência de grandes lotes, ocupados pelos galpões industriais, e pequenos lotes, onde se instalavam as casas des-tinadas aos operários - se manteve até fins da década de 1990.

Com a estabilização financeira da década de 1990, a matriz econômica antes voltada para a

produção industrial se transferiria para a finan-ceira e seria retomado o interesse nesses locais. Como aponta Luciana Gennari (2004, p.3): “o caráter de construção e da ocupação das edificações na área foi mantido praticamente igual até final da década de 1990. Seu perfil mudaria apenas […] nos últimos anos”. Ligada ao período de desindus-trialização, a legislação urbana5, a partir da década de 1990, entenderia então as antigas áreas indus-triais, principalmente as contíguas às grandes ar-térias urbanas - no caso a linha do metrô - como passíveis de modificação, através da reorganização de seus lotes. Assim, os grandes lotes que abrigavam fábricas, ou formados a partir da agregação de pequenos lotes antes habitacionais, cederiam espaço para empreendimentos imobiliários, com a construção de condomínios residenciais.

Construções modestas para habitação, fábricas e galpões se tornaram, então, vulneráveis à des-truição para dar lugar à tipologia do condomínio residencial que conhecemos hoje - monofuncional, sem diálogo com o entorno6 - ou a edifícios comer-ciais destoantes do conjunto, seja em volume ou em suaarquitetura. O fomento a um novo tipo de ocupação urbana é compreensível e benéfico, dado que muitas estruturas podem se tornar ociosas, entretanto, ele imprime uma nova dinâmica para a área e pode modificar a constituição urbana da paisagem, deixando de lado os valores urbanos do local, sobrepondo-se a uma lógica preexistente (SOUZA, 2001).

Estas ações sobre o conjunto edificado da área, pontuadas brevemente acima, incentivaram os órgãos de preservação, técnicos de planejamento e pesquisadores, a mapear as reminiscências edi-ficadas, indicando exemplares importantes para a constituição do bairro, representantes da memória do local.

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Assim, no bojo de tais acontecimentos, estudos relevantes sobre patrimônio constituinte dos antigos bairros industriais, passaram a tomar corpo no fim da década de 1970. Materializados em dois inventários - o “CURA Brás-Bresser” e o “Patrimônio Ambiental Urbano - Zona Metrô Leste”- esses estudos indicariam exemplares remanescentes importantes para a constituição da memória do bairro, fornecendo base para estudos posteriores. Alguns anos depois, estudos como os de Manoela Rossinetti Rufinoni (2004; 2009) e Beatriz Mugayar Kühl (2009), constituíram-se como referenciais para a discussão sobre o tema da preservação do patri-mônio de caráter industrial7 na cidade de São Paulo. E, no que compete à ação dos órgãos estadual e municipal, foi com o instrumento do tombamento, aplicado na área a partir da década de 1980, que a região passou a receber atenção institucional.

Segundo Manoela Rufinoni, a tutela do patri-mônio industrial é importante pois abrange a análise de diferentes eixos:

[...] como recurso educacional, como subsídio aos estudos de história da técnica, dos proces-sos produtivos ou equipamentos, ou ainda como artefatos que permitem novas perspectivas de análises e releituras históricas sobre o proces-so de industrialização e as transformações sociais, espaciais, políticas e econômicas dele derivadas. (RUFINONI, 2012, p.2)O presente projeto de pesquisa surgiu então a

partir do interesse do Departamento do Patrimônio Histórico da Secretária Municipal de Cultura em estudos como este, pois seus resultados podem oferecer fundamentos mais amplos para um novo inventário sobre a área. Desenvolvida com apoio da CNPq, a pesquisa esteve articulada com outros projetos de iniciação científica propostos conjun-tamente8, através de grupos de pesquisa da FAU-USP

e da UNIFESP, coordenados respectivamente pelas Professoras Dras. Beatriz Mugayar Kühl e Manoela Rossinetti Rufinoni, junto ao Núcleo de Apoio à Pesquisa “São Paulo: Cidade, espaço, memória”.

Dividida em duas etapas de desenvolvimento, a pesquisa inicialmente voltou-se ao conhecimen-to geral do bairro, baseada em estudos bibliográ-ficos de fonte primária e secundária, análise de documentos de arquivo, exame pormenorizado da cartografia da área, e pesquisas de campo. E, num segundo momento, de estudo aprofundado sobre um perímetro específico, compreendido no bairro do Brás.

2. O olhar para o monumental

Os resultados da pesquisa indicam a riqueza ma-terial e imaterial que o Brás concentra. Embora tenha passado por transformações tanto de ordem social quando física (de caráter sobretudo urba-nística), o bairro, quando comparado com a Mooca9 - bairro com origem e desenvolvimento similar -, despertou em menor escala o interesse do mercado imobiliário. Ou seja, não sofreu tantas intervenções de ordem física por parte da iniciativa privada. Isso garantiu, de certo modo, a manutenção de sua constituição territorial e seus principais exempla-res edificados.

As primeiras iniciativas institucionais para proteção desse patrimônio vieram do órgão esta-dual, na década de 1980, indicando a preocupação dos órgãos de patrimônio para com as áreas que foram abandonadas, ou perderam sentido quando da desindustrialização. O Condephaat tombou, em 1982, a Estação do Brás e a Hospedaria dos Imi-grantes. Em 1988, tombou ainda a Escola Estadual Padre Anchieta (antiga Escola Normal do Brás).

Figura 1. Escola Estadual Romão Puiggari - detalhe da fachada. Fonte: fotografia da autora, 2013.

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Edifícios esses tombados ex-officio pelo Conpresp, em 1991, marcando o início de sua atuação no bairro.

Esses primeiros tombamentos indicam o caráter dos bens reconhecidos como importantes: a estação de trem, a hospedaria e uma escola. Exemplares de arquitetura monumental, são grandes elementos que marcam a paisagem e qua-lificam a dimensão industrial do bairro. Receber uma estação de trem e uma hospedaria para os imigrantes recém-chegados mostra quão impor-tante o bairro foi para a dinâmica e afirmação da lógica industrial na cidade. Não por acaso, foram os primeiros a receber proteção legal em dois níveis, municipal e estadual10.

Durante a década de 1990, após esses primeiros tombamentos, não foram estabelecidos muitos outros. Em 1992 o Conpresp tombaria a Tecelagem de Seda Mariângela e o Moinho Matarazzo. Os tombamentos desses dois exemplares, construídos diretamente para a produção industrial, podem ser entendidos como tentativa de proteção dos exemplares da industrialização, ameaçados de demolição para construção de condomínios resi-denciais, como mencionado. A proteção oficial é retomada 16 anos depois, em 2008, com o tomba-mento da Estação de Bondes do Brás, em nível estadual. No que tange a proteção da arquitetura de maior representatividade na paisagem, de caráter excepcional, muitos deles entraram para a lista de bens tutelados durante os anos 2000.

Os últimos bens tombados pelo Condephaat foram Gasômetro, as Escolas Estaduais Carlos de Campos e Romão Puiggari [Figura 1], em 2010. Já o Conpresp continuou atuando, com o tombamen-to ex-officio do Gasômetro - em 2012 -, da Estação de Bondes, das Escolas Estaduais Romão Puiggari e Carlos de Campos e da Igreja do Bom Jesus do

Brás, em 2014 [Figura 2]. Todos estes se encontra-vam, há pelo menos 10 anos, em processo de tom-bamento a nível municipal.

Além do caráter monumental, os bens prote-gidos oficialmente estão localizados, em sua maioria, no eixo da Avenida Rangel Pestana, e da linha do trem. O que pode ser uma forma de ex-plicar a formação do bairro, dado que seus prin-cipais elementos, como a estação de trem, a Hos-pedaria dos imigrantes, escolas e grandes fábricas, foram edificadas contíguas às estruturas de loco-moção, tanto para a otimização da produção in-dustrial como para facilitar a ligação com o centro, realizada principalmente a partir da Avenida Rangel Pestana, paralelamente à ferrovia. Esse eixo viário se caracteriza como o mais importante do bairro, organizando a estruturação urbana11.

Dado que o reconhecimento do bem como pa-trimônio insere-se em estudos capazes de selecio-nar os valores a serem tutelados, entende-se que os valores escolhidos como memória desse bairro foram os de excepcionalidade. Ideais estes inseri-dos na lógica de preservação, seja nas instâncias municipal e estadual - atuantes na área em estudo -, como na federal. Pode-se dizer que grande volume de bens tutelados por esses órgãos ainda faz parte de uma excepcionalidade que nem sempre é reflexo da multiplicidade e interdisciplinaridade.

3. O olhar para o cotidianoA pesquisa voltada para um perímetro menor,

compreendido entre as ruas Inácio de Araújo, Bresser, Coimbra, Dr. Costa Valente, Dr. João Alves de Lima, e Hipódromo, apresenta arquitetura de diferente caráter das anteriormente mencionadas. Desprovida de excepcionalidade, porém não menos importante, a arquitetura das pequenas vilas - antes

Figura 2. Igreja do Bom Jesus do Brás. Fonte: fotografia da autora, 2013.

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operárias -, casas, edificações de uso misto, galpões e fábricas marcam o interior do bairro - onde a tutela do patrimônio ainda não chegou.

Um olhar generalizado para a área em estudo não desperta grande interesse no que tange à qua-lidade da produção arquitetônica, principalmente quando comparada aos grandes exemplares su-pracitados. Entretanto, a partir de pesquisas apro-fundadas em documentos de arquivo12, atreladas ao olhar cuidadoso de repetidas visitas ao local, foi possível descortinar a paisagem de uma área onde a arquitetura modesta, resultado do conhe-cimento empírico da mão de obra imigrante, em muitos casos, mostra-se preservada. Foi preciso o olhar aguçado para a paisagem do local, atentando principalmente aos elementos das fachadas, para mapear o patrimônio cotidiano do bairro.

A arquitetura de caráter modesto, representa-da principalmente pelas casas destinadas ao ope-rariado é resultado da atuação direta dos imigran-tes. Os mestres de obra italianos seguiam um programa simples para construção de casas em massa. Com poucos recursos, construíram casas típicas operárias, geminadas e com planta simples. Predominantemente térreas, continham: sala, uma fileira de quartos, cozinha e quintal. Essa produção apresenta solução bastante funcional para esse tipo de casa, ou seja, a construção da unidade mínima para satisfação das necessidades do ope-rariado. Sua grande importância se dá pela apli-cação do conhecimento do imigrante, principal-mente com a disseminação da alvenaria de tijolo (SALMONI; DEBENEDETTI, 2011).

A importância dos exemplares remanescentes de arquitetura cotidiana, bem como destinados à produção industrial, galpões e fábricas, ganhou destaque em fins da década de 1970, a partir de dois inventários produzidos para a região. Reali-zados em 1977 e 1978, pela EMURB, o “CURA Brás--Bresser”; e pela COGEP com o DPH, o “Patrimônio Ambiental Urbano - Zona Metrô Leste13”, indicaram as principais áreas passíveis de modificações diretas por conta da implantação do ramal leste do metrô, ou seja, do patrimônio cultural passível de desaparecimento. Preocupados em estabelecer uma abordagem ampla sobre os aspectos físicos, ambientais e culturais da área de estudo, os levan-tamentos apresentam os exemplares a serem pre-servado, a partir de uma seleção de valores.

O texto de apresentação do trabalho “Patrimô-nio Ambiental Zona Metrô Leste”, de 1978, eciden-cia seus objetivos:

É intenção preservar este repertório seleciona-do para a vida da Metrópole; mantê-lo funcio-

nal e socialmente ligado à contemporaneidade. Neste sentido, procuramos desvincular - sempre que necessário - a ideia de preservação daquela de monumento, ou monumentalidade. Isto porque acreditamos ser quando maximizada e valorizada na presença da herança ambiental/histórica no cotidiano das populações, que se atinge o melhor desempenho desta mesma herança em seu processo de identificação cul-tural e crescimento. (apud BAFFI, 2006, p. 170)Estes trabalhos mostraram que a região possui

grande potencial de bens passíveis a preservação e recuperação em termos de qualidade paisagísti-ca e ambiental (BAFFI, 2006). Apesar de engaveta-dos, suas indicações e propostas são justificadas ainda hoje14. As vilas habitacionais e os conjuntos industriais significativos, apresentados como im-portantes para área, estão inclusos nos exemplares indicados por essa pesquisa, o que denota sua permanência.

Além disso, os únicos quarteirões inteiramen-te modificados na área em estudo foram indicados pelos dois inventários como área propensa à mo-dificação dada sua proximidade com a linha do metrô. Estes quarteirões são, de fato, os únicos que não apresentam a configuração original dos lotes. Ocupados por condomínios residenciais, seguindo a lógica dos empreendimentos imobiliários da década de 1990, configuram-se como conjuntos bastante destoantes do entorno, fechados por muros, sem diálogo com as áreas adjacentes. Como mencionado, a legislação urbanística estabeleceu um dado padrão construtivo aos lotes urbanos, e a especulação imobiliária definiu o preço da terra, determinando o perfil social dos moradores. Para as áreas contíguas às grandes artérias da cidade, no caso a linha de metrô, essa regulação levou à construção desse tipo de ocupação, cuja tipologia já nasce segregada no espaço, arquitetônica e so-cialmente (OLIVEIRA, 2008).

Os outros quarteirões da área mantiveram, no geral, configuração de lotes e volumetria, o que pôde ser observado quando da comparação entre o mapa Sara-Brasil, produzido na década de 1930, e a configuração atual. A pesquisa mostrou a per-manência tanto de exemplares em bom estado de conservação [Figura 3], como de outros já degra-dados, mas ainda sim importantes para a ambien-tação do bairro. Entre as diretrizes propostas15, indica-se esses exemplares como passíveis de pre-servação, dada sua importância, tal qual os bens monumentais já mencionados. A representativi-dade, a permanência das características funda-mentais, da herança arquitetônica e ambiental, e

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o estado de conservação das construções, foram os critérios adotados para a pesquisa em questão16. Dessa forma, analisou-se os exemplares quanto à permanência de sua configuração no lote, carac-terísticas arquitetônicas - a partir do levantamen-to fotográfico das fachadas, atentando para ele-mentos ornamentais, platibandas, embasamentos, configuração das aberturas, como portas e janelas -, e relação com o entorno.

No eixo da Rua Bresser, importante polo co-mercial para o bairro - contido na área de pesqui-sa aprofundada -, são poucos os edifícios comple-tamente modificados, mas também são poucos os preservados em sua inteireza. O que se vê é a adaptação estrutural para responder às demandas atuais, em que junção de lotes, grandes aberturas no térreo e pintura modificada são os principais elementos que marcam essa adaptação. De caráter negativo se pensarmos que os bens estão, em partes, descaracterizados. Mas positivo se consi-derarmos que, mesmo com a ampliação para o comércio, muitos não foram demolidos para a construção de novas edificações. A proposta de preservação se coloca, pois, no sentido de evitar qualquer outra atuação que venha a descaracte-rizá-los completamente.

O tipo de apropriação para a habitação foi outro fator considerado. No que tange a preservação de sua materialidade, a maioria das residências con-seguiu, ao longo dos anos e, mesmo com as mu-danças no perfil dos moradores, preservar as ca-racterísticas das construções. Por outro lado, muitas receberam adição de pavimentos, abertura de garagem e modificações completas em suas facha-das, acabando por se descaracterizarem. Mas pode-se entender que a manutenção da configu-ração dos lotes, estreitos e profundos17, já repre-senta um importante aspecto caracterizador do

bairro, mantido em praticamente todas as casas [Figura 4].

Em contrapartida da manutenção de alguns exemplares, ainda que com as adaptações citadas, ocorrem no bairro constantes demolições que podem vir a modificar significativamente a paisa-gem. Mesmo que pontualmente, estas modificações acabam por criar elementos destoantes do entorno, ou prejudicar a visibilidade de algum exemplar remanescente.

Atrelado a esse processo, está a adaptação de muitos lotes para a função de estacionamento. Observado o grande fluxo de pessoas que se desloca - de carro -, até o bairro, em função da atividade comercial, é de interesse para empresas utilizarem dos antigos - e muitas vezes abandonados - galpões industriais para a criação de estacionamentos. Estas empresas acabam por utilizá-los de forma inapro-priada, destruindo parte das construções, muitas vezes o interior dos lotes, fechando antigas aber-turas, ou abrindo novas, e intervindo no tratamen-to das fachadas de forma a modificar o edifício em tamanha escala, até levá-lo à descaracterização completa. Esse movimento demonstra então uma forte despreocupação com a importância desses bens, e indica um processo que pode se repetir em outros edifícios abandonados ou subutilizados.

Um caso a ser destacado é o do chamado “Cas-telinho da Bresser”, exemplar de importância para a região, não protegido oficialmente. Originalmen-te sede de uma tecelagem, inaugurada em 1925, a chamada Tecelagem de Seda Santa Magdalena, passou a abrigar, em 1970, outra fábrica de tecidos, Rendamira Indústria Têxtil. Em 2012 o conjunto foi vendido para uma empresa de estacionamentos que pretendia construir um centro de compras no local. Após alguns impasses entre a prefeitura, moradores da região, e a empresa, a reforma do

Figura 3. Construção localizada na Rua Bresser. Em bom estado de conservação, abriga uso misto: comércio e habitação (albergue). Ao lado se pode observar construções já modificadas. Fonte: fotografia da autora, 2013.

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edifício foi permitida, tendo sido finalizada no início de 2015. O edifício apresenta atualmente a mesma configuração em fachada, porém foi pintado com cores diferentes das anteriores. No térreo o uso foi compartimentado, destinado ao comércio, o primeiro nível ainda não recebeu uso, é um grande salão, e o segundo é destinado a salas co-merciais. Como em muitos outros casos, a apro-priação não resultou em completa descaracteriza-ção do bem, mas poderia ter sido executada de forma a respeitar de forma mais coerente sua existência e representatividade para o bairro18 [Figura 6].

Este edifício exemplifica o foco da pesquisa, cujo objetivo foi elencar os exemplares que, apesar de modificados, se constituem como elementos importantes para a memória do bairro, conservam em si o caráter cotidiano, residencial ou fabril originários, passíveis de serem contemplados com alguma forma de proteção oficial. Podendo ser utilizados para responder às demandas do bairro, não precisariam ser demolidos.

Inicialmente acreditava-se que seriam poucas as reminiscências edificadas, porém o olhar apro-fundado indicou que a área está, de certa forma, preservada em sua morfologia, uso e ocupação, abrigando o mesmo uso no mesmo edifício, em edifícios reformados, ou ainda outros usos em edi-fícios novos, mas mantendo um padrão de ocupa-ção do lote em sua grande maioria (GENNARI, 2004). As características de um antigo padrão de ocupação, voltado para a ratificação da lógica industrial, a partir do levantamento apresentado na pesquisa, indicam uma área consolidada em termos de sua estrutura, porém não imune a mudanças futuras.

Hoje não se pode mais dizer que a área abriga predominantemente migrantes nordestinos. A população habitante do bairro é constituída de

pessoas de diversas proveniências, muitas inclusive nascidas na região. A possibilidade de permanência dessas pessoas no bairro, e a consequente manutenção de sua característica residencial, pode ser desconstruída no futuro, caso os interesses da especulação imobiliária adentrem na região. O estado atual do patrimônio remanescente externa a cultura de quem ali vive e com o passar dos anos dali se apropriou. O conjunto que vemos atual-mente é, portanto, o resultado de todas essas camadas que intervieram na área, construindo a paisagem que vemos atualmente, rica de vestígios e memória popular, patrimônio imaterial que também deve ser preservado.

4. Considerações finais

Em linhas gerais, a proposta que se apresenta é a valorização do nosso patrimônio cotidiano, tomando como estudo de caso o bairro do Brás. Elevada ao mesmo nível de importância dos bens monumentais mencionados, a arquitetura cotidia-na é parte da memória de um bairro, reflete a história da técnica, da imigração, da adaptação para novos usos, da presença nordestina, da chegada do metrô, de diversas raízes culturais, entre outras, apresentadas como elementos de nosso patrimônio de matriz industrial.

A preservação do patrimônio industrial deve ser entendida no contexto de ampliação daquilo que é considerado bem cultural (KÜHL, 2006). De acordo com Beatriz Kühl (2006), a discussão teórica aprofundada voltada para a realidade patrimonial brasileira, responsável por abarcar uma série de tipos cada vez mais variados, ainda é incipiente, porém vem sendo ampliada. É nesse contexto que o patrimônio industrial se insere.

Figura 4. Casas na Rua Vieira Martins. Fonte: fotografia da autora, 2014.

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Propõe-se que a preservação desses bens se coloque no sentido de absorver a noção identitária da população, ou seja, conservar a identidade cul-tural de um bairro que é relato das diversas camadas que por ele passaram. Preservar esse patrimônio significa cultivar a história como em palimpsesto, os registros desde os primeiros mo-radores, até os atuais. A arquitetura remanescen-te é o relato de suas vivências, atividades e também modificações. Dessa forma, a preservação é um instrumento para compreensão da história e da memória da área. Não se pretende, em nenhum aspecto, diminuir o valor documental, estético ou histórico dos bens tutelados, mas sim elevar a produção arquitetônica simples, anônima, ao nível de importância dos bens excepcionais, propondo sua preservação.

É importante que os moradores reconheçam o valor do bairro e se reconheçam como agentes de manutenção daquela área, pois a participação popular pode se configurar como um grande ins-trumento para proteger esses bens. Ou seja, o tra-tamento parcimonioso com o bem edificado, pode ser o modo mais efetivo para se dar início a um processo de tutela, principalmente quando se trata de um conjunto não protegido oficialmente. Men-cionou-se que essa área, não recebeu grandes in-vestimentos por parte do setor imobiliário, por isso de certa forma, mantém um antigo padrão de ocupação urbano, porém esse quadro pode vir a ser modificado, assim como aconteceu no bairro da Mooca.

O levantamento das qualidades físicas e cultu-rais, o consequente registro e propostas para sua preservação, objetos da pesquisa em questão, mostram o valor desse lugar e sinalizam a demanda por uma intervenção institucional. Mas, seria o tombamento a melhor saída? São muitos os casos

em que o tombamento não garante a manutenção qualitativa do bem, sua conservação, nem mesmo promove a qualificação urbana da área onde está implantado. Muitas vezes ele é usado como um instrumento político ou financeiro, dados os in-vestimentos previstos pelo poder público e privado em bens tombados.

Dessa forma, apresentadas as modificações pelas quais a área passou, e indicando as que ela pode vir a passar, a ideia de preservação vem no sentido de orientá-las, de modo que as novas cons-truções ou adaptações não descaracterizarem os bens reconhecidamente importantes, rompendo com a ambientação e lógica da área como um todo. Entender a passagem do tempo é permitir que esses bens, considerados de importância cultural, se mantenham em bom estado, respondendo às dinâ-micas do bairro, sem serem considerados obsoletos.

Os temas ligados à preservação do patrimônio industrial são, em comparação com outros temas, algumas vezes negligenciados. Para Manoela Ru-finoni é importante que se estabeleçam:

Análises atentas sobre a significação histórica e estética desses bens, ou sobre a representati-vidade dos espaços da indústria na conforma-ção de particulares dinâmicas de sociabilidade e convivência, aspectos associados aos espaços da memória na cidade. (RUFINONI, 2012, p.2)Ademais, as propostas para preservação dessa

área devem contar com o instrumento do plane-jamento urbano como aliado, pois é notável a desarticulação entre o planejamento e o patrimô-nio. Na prática são interpretados como opostos no processo de construção e melhoramento da cidade. Entretanto, se aplicados em consonância podem gerar áreas de muito melhor qualidade urbana, sem apagar importantes vestígios de nossa histó-ria, garantindo o direito à cidade e memória

Figura 5. Representação das novas construções no Brás, juntamente com o mau estado de conservação de alguns exemplares mais antigos. Fonte: fotografia da autora, 201

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aos cidadãos.

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Figura 5. Castelinho da Rua Bresser antes e depois da reforma. Fonte: fotografias da autora, 2013 e 2016, respectivamente.

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Notas

1. Aluna de graduação do curso de Arquitetura e Urba-nismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 2. A população do bairro do Brás era constituída predo-minantemente por italianos, assim como a massa de trabalhadores das fábricas era representada em sua maior parte, por esse grupo. Algumas delas, chegaram a empregar 90% de trabalhadores italianos, segundo Alfredo Moreira Pinto (1979).3. Atraídos pelos baixos preços dos aluguéis, dada a saída da população que ali morava, e pela possibilidade de trabalho na produção têxtil. Sobre a migração nordesti-na para a cidade, ver Paulo Fontes (2002).4. Ainda que a atividade industrial tenha diminuído, perduraram as pequenas oficinas e locais de armazena-mento, principalmente, garantindo a característica da área como produtora de roupas.5. A primeira Lei de Zoneamento da cidade é sancionada em 1972, imprimindo no bairro a tipologia resultante da ocupação característica do bairro industrial. Porém o declínio da indústria no Brás, na década de 1980, resulta em uma área que já não tem mais a atividade industrial como base, mas o zoneamento continuava o mesmo - como indica Lara Melo Souza (2011). Porém em 1990 é criada a Z19, uma nova zona de uso que prevê o reorde-namento espacial da área contígua ao ramal leste do metrô.6. Condomínios residenciais construídos a partir da década de 1990, murados, cujo projeto prevê o desenvol-vimento de uma vivência social interna àquele espaço,

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para o qual se cria uma espécie de parque para convi-vência estrita dos moradores. Além de apresentarem gabarito diferente, mais alto que o existente na área.7. Indicações referentes à preservação do patrimônio industrial estão compiladas na Carta de Nizhny Tagil. Documento organizado pelo The International Commit-tee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH), aprovado em 2003. De caráter consultivo, o documento apresenta questões relacionadas à definição de patrimônio industrial, bem como a abordagem da “arqueologia industrial”, seus valores, a importância do inventário, assim como indicações para proteção, con-servação e manutenção dessa matriz patrimonial.8. A pesquisa faz parte de um grupo de projetos com o mesmo tema. Comuns no que diz respeito à justificativa e método, se diferenciam, entretanto, no perímetro de estudo, compreendido dentro do bairro do Brás. Dessa forma as áreas estudadas por cada uma das bolsistas, quando vistas em conjunto, fornecem uma análise com-pleta e aprofundada do bairro como um todo. São também autoras de pesquisas com o mesmo tema: Bruna Dedini Silva, Gabriela Mascarenhas Piccinini, Renata Cima Cam-piotto, Tarsila Andriole de Sousa e Luiza do Carmo M.G. Nadalutti.9. Na Mooca o mercado imobiliário levou à destruição de grande parte do patrimônio residencial e industrial. Como os terrenos de grande porte apresentavam maior facilidade para compra, pois pertenciam a um único proprietário, houve a construção de grandes condomínios residenciais. No Brás, onde predominaram terrenos re-sidenciais - de pequeno porte -, o interesse imobiliário foi menor, o que dificulta, porém não impede, as nego-ciações por parte dos investidores, com os proprietários de cada um desses terrenos. Para aprofundamento no tema do patrimônio da Mooca ver Manoela Rufinoni (2004).10. Não há, no Brás, nenhum bem tombado em nível federal.11. A Avenida Rangel Pestana se localiza no antigo “caminho do Brás” (TOLEDO, 1983), foi a via a partir da qual o bairro se estruturou, sendo atualmente sua grande artéria. É citada por autores que trataram na história do bairro como o local de festas, reunião da população que ali vivia. Demonstrando que no Brás, isolado do centro a partir da Várzea do Carmo, existia um núcleo intenso de vida própria (ANDRADE, 1994).12. Foram realizadas pesquisas no Arquivo Histórico Municipal e nos arquivos do Departamento do Patrimô-nio Histórico.13. Para aprofundamento do histórico de elaboração dos primeiros projetos e propostas para a zona leste - pro-duzidos antes das propostas finais dos inventários men-cionados -, bem como da criação da EMURB, do Projeto CURA, da COGEP, e do DPH, ver Andrade (2004).

14. Mesmo que antigos, não podem ser considerados obsoletos. Precisam ser atualizados a partir da visão ampliada dos bens e experiências mais recentes.15. O trabalho estabeleceu três diretrizes para inventariar o patrimônio da área: bens a serem preservados, ele-mentos cuja volumetria deveria ser mantida e elementos que poderiam ser verticalizados.16. Critérios utilizados pelos técnicos responsáveis pelos inventários mencionados. Dada sua validade e impor-tância, foram adotados para a seleção realizada durante essa pesquisa.17. Essa maneira de parcelamento foi muito caracterís-tica dos bairros operários, ela deu forma ao tecido urbano, profundamente ligado à atividade industrial.18. O “Castelinho da Bresser”, como chamado pelos mo-radores é, para estes, um importante elemento de reco-nhecimento para a região. Como não é um bem tombado, recebe pouca atenção de autores no geral e também dos órgãos de proteção, o que dificulta o conhecimento do bem. Foi somente através de pesquisa digital e conversas com moradores/ ativistas da região que algumas infor-mações foram obtidas. Assim, ainda são necessários estudos aprofundados para documentação e obtenção de maiores detalhes sobre o caso. Entretanto se configu-ra como um bom exemplo a ser destacado.

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Otávio de Oliveira Melo1

Orientadora: Profa. Dra. Ana Lúcia Duarte Lanna (FAU-USP)Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida desde agosto de 2015 com financiamento PIBIC-CNPq

Merci ma mère / Obrigado minha mãe - um pedaço africano no Brás

O presente artigo parte do enten-dimento das imigrações interna-cionais como um fenômeno da modernidade que se desdobra na formação e constituição das cidades. A cidade de São Paulo é compreendida como produto das presenças estrangeiras, pois elas fazem parte de processos econô-micos, sociais e culturais em curso no espaço urbano. O artigo então apresenta um estudo sobre a população de imigrantes afri-canos na cidade, que constituem espaços de sociabilidade. Um desses espaços é o Merci ma mère / Obrigado minha mãe - um res-taurante gerido por um imigran-te do Mali, localizado no bairro do Brás. O restaurante é lugar de diversos usos e acontecimentos, espaço central para estabilização dos imigrantes africanos que chegam na cidade.

Palavras-chave imigrantes; africanos; antropo-logia urbana

Understanding international mi-grations as a phenomenon of modernity that unfolds in the formation and constitution of the cities; and the city of São Paulo as a product of foreign that are part of economic, social and cul-tural processes of the urban space; this paper presents a study on the population of African im-migrants in the city, which com-poses spaces of sociability. One of these spaces is the Merci ma mère / Obrigado minha mãe - a restaurant run by an immigrant from Mali, located in the neigh-borhood of Brás. The restaurant is a place of many uses and events and a fundamental space for stabilization of African immi-grants arriving in the city.

Keywordsimmigrants; Africans; urban an-thropology

Este artículo parte de la compren-sión de las migraciones interna-cionales como un fenómeno de la modernidad que se expande en la formación y constitución de las ciudades. La ciudad de Sao Paulo, se entiende como un pro-ducto de presencias extranjeras, ya que é parte de los procesos económicos, sociales y culturales que tienen lugar en el espacio urbano. En el artículo se presen-ta un estudio sobre la población de inmigrantes africanos en la ciudad, que construyen espacios de sociabilidad. Uno de estos es-pacios es el Merci ma mère / Obri-gado minha mãe - un restauran-te dirigido por un inmigrante de Mali, situado en el barrio de Brás. El restaurante es un lugar de muchos usos y eventos, espacio central para la estabilización de los inmigrantes africanos que llegan a la ciudad.

Palabras-claveinmigrante; africanos; antropo-logía urbana

Merci ma mère / Obrigado minha mãe - an African place in the Brás neighborhood

Merci ma mère / Obrigado minha mãe - un espacio africano en el bario de Brás

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1. Introdução

Desde a colonização portuguesa, a história do Brasil é analisada - entre outras formas - como um processo construído por camadas e tempos de migrações variadas. (...) uma cronologia de nosso processo histórico, desde o século XVI ao final do século XX, pode ser escrita a partir dos deslocamentos populacionais que, assim, se con-fundem com a nossa história. (PAIVA, 2007, p.12)Esta mesma noção do processo histórico, colo-

cada sob perspectiva para entender a cidade de São Paulo enquanto metrópole industrial, nos ajuda a perceber o quão importante foram as presenças estrangeiras para a cidade que, desde finais do século XIX, recebe contínuos fluxos de imigrantes estrangeiros que notadamente - utilizando a noção de Paiva - adicionaram camadas ao processo de desenvolvimento da cidade, operando transfor-mações demográficas, econômicas, espaciais, cul-turais e sociais no espaço urbano.

A partir destas noções, reconheço o imigrante como um ator social importante na conformação do espaço urbano e a própria cidade atual como produto das várias temporalidades e influências de grupos estrangeiros, a ser compreendida a partir da complexidade de interconexões, trânsitos e apropriações imigrantes.

Ao pisar no território da cidade, o imigrante, como assim passa a ser chamado pela sociedade que o recebe (SAYAD, 1998), busca se fixar na cidade através das relações de trabalho. A partir do momento em que são absorvidos como força de trabalho, os imigrantes imprimem suas marcas na cidade, ao construírem suas redes de sociabilidade que geram novos percursos, e alteram seus espaços de trânsito e permanência.

O presente artigo partirá do reconhecimento

da presença do imigrante africano na região central da cidade, identificando uma “mancha africana” e reconhecendo esses lugares de pertencimento, relações e trânsitos na cidade. O recente e impor-tante fluxo de imigrantes africanos, e entre eles refugiados, é interpretado como fator constituinte de redes e práticas comuns.

O imigrante, peça chave no entendimento da cidade é o grande tema deste artigo. O recorte sobre a presença estrangeira na cidade incidirá sobre os imigrantes africanos, população que faz parte de um fluxo relativamente recente de migração para a cidade. O objeto do relato etnográfico é o restau-rante Merci ma mère / Obrigado minha mãe, no Brás, gerido por Adama Konate, um imigrante / refugiado do Mali2.

Por tornar-se um espaço de referência como lugar da sociabilidade, auxílio mútuo e contato com a África e por abrigar diversos problemas fundamentais para entender a questão do imigran-te na metrópole, escolhi este objeto. Desta maneira, acredita-se ser possível identificar um pedaço, o pedaço africano no Brás.

2. A questão migratória e a cidade: São Paulo como produto de estrangeiros

As migrações não são um fenômeno recente. O que se classifica como “migrações internacionais” só pôde ser observado sobretudo a partir de finais do século XIX, quando se consolidam os Estados-Na-ção. É neste período, de surgimento do mundo moderno, que o sistema capitalista é adotado am-plamente, baseando-se no trabalho como meio de geração de capital. A aglutinação da sociedade em torno de um mesmo corpo social-político, o Estado Nacional, garantiria seu pleno desenvolvimento

Figura 1. Mapa dos lugares de sociabilidade africana e imigrante na região central de São Paulo. Fonte: desenho do autor, 2016.

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econômico e social e consequentemente, o forta-lecimento do próprio Estado enquanto ente polí-tico.

Nesta organização política, a fronteira nacional é um dado fundamental para constituição e ma-nutenção do funcionamento dos Estados: além de preservar os limites do Estado enquanto entidade política autônoma, a fronteira é primordial para a definição de Estado, uma vez que ele se colocava em relação aos outros [Estados] para a afirmação de sua soberania internacional. As fronteiras, então, passaram a operar como verdadeiros “fatos sociológicos”, usando a definição de Simmel (1983) nos indicando que elas são sua potência nas cons-truções políticas e sociais, que especializadas, tem o poder de reiterar controles sociais e culturais, para além do dado controle territorial. Sob a re-gulação dos Estados, as fronteiras definiram o caráter dos deslocamentos populacionais, que sempre existiram, mas que, a partir de então, foram classificados como “migrações internacionais”.

O fenômeno das migrações internacionais adquire importância no bojo das relações interna-cionais e das políticas internas aos Estados, pois estes deslocamentos populacionais, ao mesmo tempo que reiteram as fronteiras nacionais ao “forçarem” políticas públicas na sua concretização, têm na sua essência, o questionamento da existên-cia das fronteiras (culturais, sociais e físicas). É a presença de imigrantes nos Estados Nacionais que tenciona a fronteira, que a coloca em questão com os conceitos estabelecidos de nacionalidade, e que consequentemente, diferenciam os nacionais dos estrangeiros.

As migrações internacionais, um fenômeno inerente à modernidade, vêm transformando e reconfigurando as sociedades que recebem as po-pulações estrangeiras. É no mundo urbano que essas mudanças podem ser percebidas de forma ampla, cristalizada e contínua, pois é nele que se concentram os conflitos e tensões relacionadas à presença do imigrante. As cidades, locais de con-centração do consumo, da produção de bens e das trocas, são os lugares em que a presença de imi-grantes se dá de forma sistemática, pois elas ao existirem para os migrantes como “lugar das opor-tunidades”, existem também como lugar da espa-cialização dos conflitos inerentes à questão das fronteiras, das trocas culturais e da contínua reite-ração das diferenças entre nacionais e estrangeiros.

A cidade de São Paulo, então, ocupa um lugar privilegiado de análise por se constituir enquanto metrópole, também a partir de finais do século XIX, com a chegada contínua de estrangeiros. A

cidade-metrópole foi inserida nos fluxos globais de comércio, a partir do desenvolvimento da ca-feicultura e de processos de industrialização, que tiveram a cidade de São Paulo como ponto de ir-radiação na estrutura econômica do país e que acabaram por consolidar a cidade como lugar de dinamismo econômico e oportunidades de traba-lho diversas.

A presença maciça de imigrantes na cidade, que desde finais do século XIX, chegam em um movimento contínuo e de certa forma permanen-te, consolidaram no imaginário da sociedade, a cidade de São Paulo como metrópole “cosmopoli-ta”. É importante ressaltar que esses imigrantes, tanto os internacionais quanto os nacionais, não encontraram uma sociedade (e cidade) amplamen-te acolhedora. Vale lembrar que os milhares que aqui chegaram, em fluxo contínuo, buscaram es-tratégias diversas de inserção, construindo para si um lugar de acolhimento, reunindo-se em co-munidades de hábitos, linguagens e projetos em comum.

É nesta dualidade permanente de acolhimento e rejeição, incorporação e exclusão, dos estrangeiros, sujeitos que carregam em si esta indefinição, que a cidade é construída desde finais do século XIX até a contemporaneidade (FAUSTO, 1997; HALL, 2004). A cidade é então, analisada a partir dos desdobramentos deste longo período de constituição da ideia de “metrópole cosmopolita”, encarando as presenças estrangeiras como ele-mento fundamental, constitutivo da cidade, que opera transformações espaciais, demográficas, econômicas, sociais e culturais que a consolidaram como “cidade de imigrantes”.

Diante deste quadro, a questão da imigração representa uma porta aberta à compreensão da cidade atual, que ainda reclama o título de “cidade acolhedora” e “cosmopolita”, mesmo com as notá-veis (e históricas) demonstrações dos limites e tensões relacionadas a esta autodenominação. É através desta perspectiva que procuro discorrer sobre este processo contemporâneo de construção da cidade, identificando algumas permanências que vem desde finais do século XIX, mas sobretudo, investigando formas correntes de produção da cidade que ocorrem através dos territórios de contato e de relações entre “os daqui” e “os de fora”.

3. Imigração e trabalho, uma forma de compre-ender a presença estrangeira

A ideia de São Paulo como metrópole diversa,

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multicultural, foi continuadamente construída pela chegada de imigrantes e os desdobramentos rela-cionados à inserção destes na sociedade paulista-na. Consolidou-se também a imagem de “cidade do trabalho”, que opera “positivamente” para os cidadãos dentro de uma lógica, por vezes perver-sa, de distinção entre outras cidades e regiões brasileiras, mas que também fixa a cidade como destino para àqueles que buscam oportunidades de trabalho.

Entender a questão da imigração a partir do universo do trabalho, em São Paulo, é uma escolha que nos abre outros campos de questões e situações diversas, pois o trabalho é um importante campo de intermediação entre nacionais e estrangeiros, pois ele produz, de fato, a cidade. O sociólogo francês Abdelmalek Sayad (1998), ao estudar a presença de imigrantes argelinos na França, durante os anos 1970 e 1980 - período de grande expansão econômica e oportunidades de trabalho -, nos fornece uma visão importante acerca de profunda ligação entre o imigrante e o trabalho. Sayad parte da ideia de que é no universo do tra-balho que o imigrante passa a existir para a socie-dade, que “o trabalho que fez ‘nascer’ o imigrante, que o fez existir; é ele, quando termina, que faz ‘morrer’ o imigrante, que o empurra para o não-ser.” (Sayad, 1998)

O universo do trabalho, a partir do momento em que é tratado como “ponto de partida” da questão imigratória, quando “nasce” o imigrante, contribui com um dos aspectos principais (e mais problemá-ticos) na relação de estrangeiros e nativos na medida em que ele posiciona o imigrante no campo do des-conhecido, do “diferente”. Ou seja, o estrangeiro que aqui chega só passa a “existir” a partir do momento em que encontra alguma ocupação no universo do trabalho livre, desta maneira, a sociedade receptora

se ausenta de (re)conhecer e compreender a história pregressa das populações estrangeiras.

Esta existência profundamente vinculada ao trabalho e, portanto, à situação econômica da so-ciedade receptora também imprime no imigrante um permanente estado de provisoriedade, ainda que seja notável em São Paulo, a permanência deles mesmo em estado de crise econômica. Vale notar que esta dualidade de estados, do “ser permanente” e do “ser provisório” é sempre revista, negociada: em cenários de expansão da economia, a “balança” tende a oscilar para a permanência, e nas crises há o “regresso” à condição de provisoriedade.

Enquanto a expansão econômica, grande con-sumidora de imigração, precisava de uma mão--de-obra imigrante permanente e sempre mais numerosa, tudo concorria para assentar e fazer com que todos dividissem a ilusão coletiva que se encontra na base da imigração. [...] O resul-tado disso tudo foi que todos acabaram por acreditar que os imigrantes tinham seu lugar durável, um lugar à margem e na parte inferior da hierarquia social, é verdade, mas um lugar duradouro. (SAYAD, 1998, p.46)Para os imigrantes recentes, há o sentimento

de não estarem sempre seguros de sua permanên-cia - pois ela não é garantida -, exigindo um contí-nuo esforço de re-garantia, mesmo para aqueles que tem como “certa” a permanência na sociedade que os recebeu, com a continuidade da condição de imigrantes. O mundo do trabalho é, portanto, este lugar em que a própria condição de imigran-te é constantemente revista e reiterada, por eles e pela sociedade que os recebe, surgindo deste campo de “negociações” os elementos que permeiam o contato entre estrangeiros e nativos, refletindo na complexidade de tempos e experiências percebidas na cidade de São Paulo.

Figura 2. Croqui da planta do restaurante, Merci ma mère / Obrigado minha mãe desenhado durante uma das visitas à campo. Fonte: desenho do autor, 2016.

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Portanto, o universo do trabalho nos aproxima de questões da imigração e da cidade de maneiras distintas: ele relega ao estrangeiro sua condição de “diferente”, determina “quando” o estrangeiro passa a existir, além de que, ele é um dos pilares fixos que constroem a ideia de São Paulo como metrópole dinâmica e multicultural. Porém, para o imigrante, ainda que todas essas dimensões estejam colocadas e operem, de fato, nas vivências dos estrangeiros na cidade, o trabalho é o para o imigrante o fator de atração principal, o que dá início ao processo de deslocamento de seu país de origem e que intermedia as relações entre os es-trangeiros e a cidade.

4. A cidade e o imigrante como lugar de análise da antropologia urbana

São Paulo como uma cidade de imigração é lugar de permanência da população estrangeira, do tra-balho, do lazer, é onde criam-se os filhos nascidos, onde desenvolvem-se laços com a comunidade de imigrantes, com a sociedade e com o próprio ter-ritório urbano. Estas “apropriações”, sendo pro-fundamente vinculadas ao território urbano, nos colocam a própria cidade como problema, na medida em que ela possibilita, justamente relações diversas dos imigrantes com o espaço.

A leitura da cidade pelos seus espaços urbanos é importante para a pesquisa, porque é neles que os imigrantes desenvolvem suas relações. Logo, como determinados grupos se apropriam e cons-tituem para si, relações distintas com lugares dis-tintos, podemos afirmar que essas diferenciações espaciais também são elementos que compõe uma dada identidade étnica.

A persistência dos “lugares de estrangeiros”

em São Paulo nos indica que a ligação entre os imigrantes e seus lugares de trânsito e permanên-cia é um fator que dá sentido e constitui diversos espaços da cidade, que é compreensível através da articulação de sua materialidade, dos processos de construção de alteridades e das redes de socia-bilidade3. Os estrangeiros são os atores sociais de um espaço socialmente construído. A cidade, por-tanto, não é um mero pano de fundo para o desen-volvimento das práticas sociais, mas um todo que é inconcebível sem as presenças estrangeiras, sendo produto e lugar de produção de encontros e de-sencontros, de tensões, disputas e negociações constantes. Assim, avançamos na leitura da cidade no nível em que o espaço e os atores sociais inter-seccionam-se e produzem a cidade.

Para entender os “lugares de estrangeiros” e com eles se constroem e operam na metrópole, nos valemos também do campo de questões propostos pela Antropologia Urbana, principalmente àquelas propostas por José Magnani4, com quem o presen-te estudo compartilha um modo de leitura da cidade que nos ajuda a compreender os diversos grupos, de imigrantes no caso da pesquisa, em sua relação com o espaço urbano e na constituição de novas identidades. Segundo Magnani,

Se o que está em pauta é o contexto urbano, é preciso levar em consideração dois fatores cons-tituintes: a paisagem e os atores sociais. Não se trata, contudo, de um cenário já dado no qual os atores desenvolvem suas práticas. Na verdade, a paisagem urbana é o resultado dessas práticas e das intervenções ou modifi-cações impostas pelos mais diferentes atores, em sua complexa rede de trocas. (MAGNANI, 2012, p.252) Os lugares de imigrantes são compreendidos

como espaços de sociabilidade que surgem a partir

Figura 3. Restaurante Merci ma mère / Obrigado minha mãe em dia movimentado. Fonte: foto do autor, 2015.

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do estabelecimento de uma rede trocas, encontros e apropriações diversas das populações estrange-rias. Ao reconhecer estes espaços como constituin-tes da experiência urbana, nos afastamos de uma visão da cidade “macro”, àquela que compreende a cidade como resultado de forças econômicas, políticas, variáveis demográficas, interesses imo-biliários, entre outros fatores.

Reconhecemos a influência destes “atores” e seu potencial para constituir a cidade e seus espaços, porém, reconhecemos também que as questões colocadas por eles tornam difícil a per-cepção das vivências que “escapam” diante de uma visão sistêmica, abrangente da cidade. A Antropologia Urbana apresenta um modelo que, reconhecendo a existência de várias centralidades da cidade (FRÚGOLI JR., 2000), busca compreender os múltiplos usos e apropriações que nelas e partir delas ocorrem. Magnani (2012) propõe um modelo etnográfico que relaciona uma visão de longe e de fora, abrangente, com uma visão de perto e dentro que nos permite identificar especificidades na relação entre os indivíduos e seus locais de uso na cidade5.

A especificidade do conhecimento proporcio-nado pelo modo de operar da etnografia, que, de acordo com a hipótese que está sendo tra-balhada, permite-lhe captar determinados as-pectos da dinâmica urbana que passariam despercebidos se enquadrados exclusivamen-te pelo enfoque das visões macro e dos grandes números. (MAGNANI, 2012, p.261)Este “olhar etnográfico” é o que nos permite

avançar para além da identificação dos lugares de estrangeiros, abrindo caminhos para a inves-tigação de como eles operam na cidade; consti-tuindo redes de sociabilidade, auxílio mútuo, lugares de identificação e representação. O método

proposto por Magnani, nos permite agrupar estes lugares em torno de conceitos e categorias que nos auxiliam a entender os lugares de estrangeiros em torno de suas próprias constituições e relações com a cidade, e também enquanto parte de uma verdadeira rede, ou circuito, que os coloca como integrantes de uma metrópole, no caso, a “metró-pole multicultural” com suas múltiplas vivências e lugares de estrangeiros.

A análise dos lugares de estrangeiros transita entre aproximações e distanciamentos. A leitura da cidade é organizada, a partir de então, através de níveis de análise que partem de uma visão menos aproximada, identificando os lugares es-trangeiros em relação com o todo da cidade, para uma visão que reconhece cada um desses lugares a partir dos atores que deles fazem parte e os constitui enquanto unidade de análise, identifi-cando e reconhecendo regularidades e padrões de comportamento. Vale ressaltar que, o olhar etno-gráfico supõe ainda, recortes bem delimitados para a análise etnográfica, e que eles fazem sentido tanto para os próprios atores, quanto para quem os analisa, não sendo arbitrários, mas sim, empi-ricamente definidos.

A partir da percepção das presenças estrangei-ras africanas como atores sociais constituintes da cidade podemos mapear, a partir de seus trajetos, uma mancha africana na cidade. A partir do olhar de perto e de dentro sobre esta mancha, podemos encontrar além das especificidades dos diversos pedaços, regularidades e padrões que se constituem através do uso cotidiano da cidade pelas populações africanas. Estas categorias de análise, a mancha, o trajeto, o pedaço, ao estarem sempre correlaciona-das, demandam as aproximações e distanciamentos, e é este movimento que nos permite apreender aspectos importantes sobre os imigrantes estudados.

Figura 4. Moradia coletiva, visitada em outubro de 2015. Fonte: foto do autor, 2015

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Essas categorias são importantes para a análise aqui desenvolvida e a aproximação com os usos da cidade e as presenças estrangeiras que estamos propondo apresentar neste trabalho. Neste sentin-do, vale explicitar o significado dessas categorias e como elas articulam-se com a pesquisa.

O conceito de mancha, definido por Magnani refere-se a um aglomerado de estabelecimentos e lugares reconhecidos por seus frequentadores como similares do ponto de vista dos serviços que oferecem e da sociabilidade que propiciam, cons-tituindo pontos de referência (MAGNANI, 2002). Uma mancha não é um lugar de fronteiras defini-das, mas a sua existência pressupõe a existência de lugares particulares, de uso quase restrito, por-tanto, as fronteiras são implícitas aos seus frequen-tadores, ao mesmo tempo em que são bem demar-cadas para os de fora. “Pois em uma determinada mancha sabe-se que tipo de pessoas ou serviços se vai encontrar, mas não quais, e é esta a expectati-va que funciona como motivação para seus fre-quentadores” (MAGNANI, 2002, s.p.). Assim, iden-tifico na cidade diversos estabelecimentos e lugares de sociabilidade imigrante africana, são os pedaços, que conformam a mancha africana, assim nomeada no desenvolvimento da pesquisa.

Os lugares que compõe a mancha africana, os pedaços, são todos aqueles percebidos enquanto lugares de identificação, onde os frequentadores não necessariamente se conhecem, mas se reco-nhecem, ao serem portadores dos mesmos símbo-los que remetem a gostos, orientações valores, hábitos de consumo e modos de vida semelhantes (MAGNANI, 2012). Esses lugares, além do restau-rante analisado, são compostos por lugares de lazer, trabalho, religiosidade, compras, que cons-tituem suas próprias sociabilidades e que permitem conexões entre si, constituindo-se de fato como uma rede. Como lugar de sociabilidades diversas, esses pedaços africanos fazem parte das diversas vivências da cidade experienciadas pelos imigran-tes. Como veremos mais adiante, os imigrantes africanos analisados aqui dão significados diferen-tes a esses espaços, mas de maneira geral, todos eles operam na relação dos imigrantes com a cidade, como formas de inserção na própria cidade. São, portanto, espaços de intermediação entre os estrangeiros e os nativos, pontos de contato e troca, lugar da redefinição negociada das identidades desses grupos étnicos e da própria sociedade.

5. Um mapa da sociabilidade: aproximação aos lugares de estrangeiros

Apesar da presença marcante na cidade, os imi-grantes africanos não fazem parte de um movi-mento de imigração massificado, capaz de se cons-tituir como “problema social” ou “questão humanitária”, como presenciamos nos atuais fluxos de imigração que cruzam o mar Mediterrâneo em direção à Europa, ou mesmo os bolivianos e / ou haitianos em São Paulo. Antes de nos atermos à imigração africana, é preciso esclarecer que a presença de imigrantes na cidade é pequena se comparada à sua população total, e menor ainda se comparada à da região metropolitana. A popu-lação imigrante (legalizada) está na casa de 360mil, porém, o número é certamente maior consideran-do que muitos ainda estão em situação de irregu-laridade. Estima-se que além dos 360mil, outros 185mil imigrantes estão atualmente irregulares.6 Porém, os imigrantes africanos representam uma pequena parcela: estima-se que são apenas 4mil vivendo atualmente na cidade.7

Estes números não incluem a população refu-giada / requerente de asilo, que neste trabalho, opto por incluir na mesma categoria de “imigran-tes”8. Porém, como será apresentado mais adiante em um dos locais analisados, a presença africana, é marcada pela população refugiada, em condições de fragilidade maiores que os migrantes voluntá-rios, ou econômicos. Dados da ACNUR (Alto Comis-sariado das Nações Unidas para Refugiados) sobre os solicitantes de refúgio mostram que o país recebe refugiados africanos que vem principal-mente do Senegal, Nigéria, Gana, República De-mocrática do Congo. Depois dos Sírios e Colombia-nos, as nações africanas são as que mais solicitam refúgio no país.9

Os dados nos mostram que os imigrantes afri-canos provêm majoritariamente da África negra, dos países localizados na região do Sahel (a chamada África subsaariana) e da porção central do continente, na região Equatoriana, dos países localizados ao longo do Rio Niger. Deixam essas localidades indivíduos negros, muitos deles mu-çulmanos, em sua maioria homens, que imigram sozinhos, sem suas mulheres e filhos. São esses indivíduos, portanto, que estão constituindo seus espaços de trânsito e permanência na cidade, reunidos majoritariamente no centro na cidade. Espaços que conformam uma mancha africana.

A partir das contínuas visitas à campo, buscan-do compreender a cidade a partir do olhar de perto e de dentro, foi produzido um “mapa das sociabi-lidades” africanas. Neste mapa podemos identificar diversos locais em que africanos entram em contato com seus pares, em suas determinadas redes de

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sociabilidade. Esses lugares são marcados por usos distintos, em diferentes horários, escalas e relações. A partir deste mapa, identifico então, a existência da mancha africana, que reúne dentro de si diver-sos “pedaços”, ou locais que são pontos chaves dentro de uma grande rede de sociabilidades e reconhecimentos dos imigrantes africanos.

Começaremos a nos aproximar desta rede de sociabilidades percorrendo pontos importantes que constituem este grande lugar dos imigrantes na cidade. Na região da Sta. Efigênia, nos arredores da Praça Júlio de Mesquita, existe um circuito bem demarcado de restaurantes étnicos geridos por imigrantes das mais diversas nacionalidades, cada um podendo fazer parte de seu circuito próprio de sociabilidade (o circuito dos bolivianos, perua-nos, sírios na cidade). Entre eles estão alguns res-taurantes africanos, que conferem à região um lugar de trânsitos e presenças imigrantes.

Na região da República, nos arredores da Praça, e da Avenida Ipiranga, existe o lugar de concen-tração dos vendedores ambulantes. A figura do imigrante africano que vende relógios, fones de ouvido e outros produtos é onipresente nas calça-das, nas saídas da estação do metrô e nas portas das lojas “oficiais”. Aproveitando a vocação turís-tica da região (Praça da República, Edifício Copan) também estão presentes os que vendem artigos africanos, que originam da África ou não, mas emulam uma África palatável paras os possíveis compradores turistas. São tecidos estampados, colares de búzios, pulseiras e miniaturas de animais da savana.

No Anhangabaú e entorno a presença imigran-te é marcada e tem seu centro na Galeria Presiden-te, conhecida como Galeria do Reggae. O espaço, é similar à famosa Galeria do Rock, porém suas lojas são dedicadas à cultura black, um pedaço

negro que aglutina rapazes e moças em torno de algumas características de negritude com deter-minada estética, música, ritmo, frequência a shows e danceterias (MAGNANI, 2012). Os diversos boxes abrigam lojas de roupas, capoeira e muitos cabe-leireiros especializados em dreads, tranças e pen-teados black power. A partir do terceiro andar as lojas tradicionais convivem com várias outras geridas por imigrantes, que além de restaurantes, e de lojas semelhantes às outras, possuem também lan-houses e cabines telefônicas. Estas são impor-tantes como lugares de contato entre os que aqui estão e os que ficaram. No térreo da galeria, os imigrantes tomam a calçada e misturam-se a uma infinidade de outros vendedores / anunciantes que chamam diretamente os clientes na rua, oferecen-do uma infinidade de serviços.

A região que vai do Mercado Municipal, Parque D. Pedro II e que se estende até o Glicério é o lugar onde a presença imigrante africana é mais notada e também região em que se encontra a população mais fragilizada. Na Rua 25 de Março em sua porção próxima ao Terminal Parque D. Pedro II, concentra-se os lugares de moradia de uma parte da população, e algumas habitações coletivas. Ainda na rua 25 de Março, próximo ao terminal, também se encontra o Restaurante Bom Prato, programa social do Governo do Estado de São Paulo que oferece um almoço completo R$1,00. O restaurante atrai uma fila grande de moradores de rua, vendedores ambulantes e muitos imigran-tes africanos. Apesar das evidentes diferenças, a convivência é pacífica, porém o local parece não ser um local de sociabilidade.

No Glicério, a mancha tem um ponto focal na Igreja Nossa Senhora da Paz, da Missão Scalabri-niana Nossa Senhora da Paz, ou Missão Paz, que iniciou suas atividades em 1940. A Igreja foi criada

Figura 5. Fachada do restaurante Merci ma mère / Obrigado minha mãe. Fonte: foto do autor, 2015.

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para a acolhida dos imigrantes italianos que cha-garam massivamente na cidade no início do século XX, e permaneceu prestando auxílio às contínuas levas de imigrantes e refugiados de diferentes nacionalidades que chegam na cidade. Localizada na Rua do Glicério, a Missão Paz faz um importan-te trabalho com a população imigrante e refugiada, nos âmbitos da assistência, cultura, política, reli-giosa, pesquisa e estudo, além da mediação das relações de trabalho e regularização de documen-tação. Atualmente, como o fluxo migratório prin-cipal a ser atendido pela Missão, é o dos africanos, eles são os elementos mais presentes na paisagem das redondezas.

Em um edifício anexo à Igreja funciona a Casa do Migrante, abrigo com 110 vagas para pernoitar. O local deve ser esvaziado (para que os imigrantes procurem emprego, ou saiam para trabalhar e realizar suas atividades, nas palavras da direção) pela manhã e o retorno só é permitido no final da tarde. Tal regra cria um fluxo diário constante, de imigrantes que saem para a cidade e retornam ao abrigo para dormir. Partindo deste ponto, os tra-jetos espalham-se pela mancha, com os diversos desdobramentos do cotidiano. Os que retornam mais cedo, usam o pátio / estacionamento da Igreja como praça: conversam em grupos, falando sempre em seus idiomas nativos, incompreensíveis, ou descansam sozinhos. Muitos outros frequentam o local para obter ajuda com documentação, procu-rar emprego e participar de reuniões, o que também fortalece a noção de um lugar pulsante, onde imi-grantes de vários países e culturas distintas rela-cionam-se.

A porção leste da mancha é a região do Brás / Mooca, local do restaurante Merci ma mère / Obri-gado minha mãe. A região é muito movimentada na porção em que se concentram as lojas do Brás, concentradas no Largo da Concórdia, que também é local de muitos vendedores ambulantes imigran-tes. Os africanos misturam-se aos latinos (bolivia-nos, peruanos, paraguaios) e também aos brasilei-ros, fazendo do local um lugar de múltiplas vivências e redes.

6. Merci ma mère / Obrigado Minha Mãe - pedaço africano no Brás

O primeiro contato com o lugar se dá pela internet: Adama Konate, o proprietário, é usuário da rede social Facebook. É em sua página que ele divulga o restaurante, publicando fotos do local e do car-dápio. Adama também tem o hábito de escrever e

divulgar poemas dos amigos em suas redes, de dar entrevistas e participar de diversas palestras, de-monstrando que as redes sociais são utilizadas pelos imigrantes como um modo de “fazer-se ouvir”, para sua própria rede de contatos e para a sociedade que os recebem.10

O restaurante localiza-se no bairro do Brás. A região é ocupada por muitos galpões, que aos finais de semana permanecem fechados, tornando as ruas do entorno vazias e sem circulação. Configu-ra-se um pórtico no percurso de 300m entre a estação e o restaurante: trata-se de espaços, marcos ou vazios na paisagem urbana que configuram passagens. Lugares da cidade que não fazem parte de nenhuma mancha, sendo lugares de transição, da indefinição de regras e classificações, são lugares insegurança e perigo (MAGNANI, 2012). São os “vazios urbanos”, estudados por Jane Jacobs em “Morte e vida das grandes cidades”, nos anos 60.

O Merci ma mère / Obrigado minha mãe é o térreo de um espaço comercial com 5m de frente, com portas de metal abertas pintadas de verde, amarelo e vermelho. Na porta é fixado um banner com o cardápio inteiramente bilíngue, em portu-guês-francês. Ao chegar no horário pós-almoço, por volta das 14 horas, a primeira impressão foi de que cheguei em um lugar privado. Cerca de vinte homens (não haviam mulheres no salão) estavam nas mesas, sentados em rodas, dividindo os espaços.

Adama chegou e pedi algo para comer, e Adama foi à cozinha e ordenou um prato de carne frita com banana, o que havia sobrado do almoço. Adama contou que é formado em contabilidade no Mali, natural de Bamako, capital do país. De-sembarcou na cidade em 2012 como refugiado. Sabia pouco do Brasil, mas reconhecia que “o Brasil é um país irmão”. Adama tinha planos de continu-ar os estudos nos Estados Unidos, mas acabou chegando ao Brasil e decidiu ficar. Chegando no país, frequentava a Galeria Presidente, onde usava as lan-houses para se comunicar com o restante da família no Mali. Lá conheceu seus “irmãos”.

Decidiu abrir uma lan-house, pois percebia que o deslocamento para a Galeria Presidente era “com-plicado” para a maioria dos irmãos. Contou com um fiador, que já alugava para ele um quarto no Brás e que o reconhecia como uma “boa pessoa”. Com a lan-house montada, Adama se firmou defi-nitivamente como referência para os que chegam.

As pessoas que ocupam o topo da hierarquia nos meios sociais e culturais locais e que im-pulsionam sua etnização, são as mesmas que, mais que quaisquer outras, provêm dos circui-

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tos mais globalizados ou circulam neles. Elas mostram, por sua própria atuação, que hoje há uma relação direta entre globalização e etnici-zação do local. (AGIER, 2000, p.10) Em um cômodo anexo, Adama organizou um

sistema de depósito, no qual os irmãos podem guardar seus pertences para poderem circular pela cidade, nas suas atividades cotidianas com mais segurança. A lan-house está localizada em frente a um terreno com 50m de fundo aproximadamen-te, onde são localizadas várias habitações. São casas/cômodos para alugar, todos ocupados por imigrantes africanos. Em cima, funciona uma “casa de passagem”, em que os imigrantes podem pagar R$2 para passar a noite, tudo organizado por Adama.

Rapidamente os “irmãos” começaram a pedir que Adama abrisse um restaurante. Ele que “nunca pensou em trabalhar com isso”, resolveu alugar mais um espaço e montar um restaurante. O Merci ma mère / Obrigado Minha Mãe abriu, reunindo no mesmo espaço uma lan-house, telefones, res-taurante e lavanderia. O espaço possui uma dinâ-mica singular devido à multiplicidade de seus usos.

Em um dos cantos do salão, um biombo verde--amarelo-vermelho separa o salão de um espaço de orações do Islã: um tapete de orações no chão, sem nenhum tipo de símbolo além de um adesivo com os dizeres “I (love) Allah”. O Mali é um país de ampla maioria muçulmana, apesar de não ter o Islã como religião oficial.

Uma cortina separa o salão da cozinha. Ao adentrar no espaço úmido e escuro, conheço a única mulher presente, muito tímida apenas me cumprimentou em português. Preparava sozinha todos os pratos.11 Ao lado da cozinha há duas má-quinas de lavar novas. Funciona no local o serviço de lavagem de roupas por R$1 cada peça lavada. O pequeno “quintal” serve de depósito dos restos da cozinha, varal de roupas, além de dar acesso a um banheiro com chuveiro (os banhos também são cobrados).

No fundo do salão, o cardápio em banner mostra o que é servido: arroz fat (arroz com molho de tomate, mandioca carne e repolho), sopa de galinha, arroz com molho de amendoim, aloco (carne com banana frita) e salada. No fim do banner eram anunciados refrigerantes, com uma frase: “Bom apetite / Bonne à petit”. Também nos fundos, há um mural de bandeiras que denuncia a diver-sidade de nacionalidades que estão ou já estiveram presentes no local: Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Mali, Nigéria, República Democrática do Congo, Togo. As paredes também continham fotos de personalidades afri-

canas como Patrice Lumumba (líder anticolonial, Congo Belga, 1925 - 1961), Thomas Sankara (militar, primeiro presidente de Burkina Faso, 1949 - 1987), Nelson Mandela (líder político, primeiro presiden-te democraticamente eleito, África do Sul 1919 - 2013), Amadou Hampâté Bâ (escritor e etnólogo, Mali, 1901 - 1991) e Muammar al-Gaddafi (Militar e líder político, Líbia, 1942 -2011).12

As paredes também exibem as regras do local, escritas inteiramente em francês: “Interdit de vendre drogues ou autre chose interdite mauvaise...le ou les suspects seront directement declarés á la police sans pitié” (Proibida a venda de drogas ou outra coisa ruim...o(s) suspeito(s) serão diretamen-te declarados à polícia sem misericórdia); “mès chers amis cet endroit est pour nous tous sans dis-tinction de nationalité ni race ou ethnie...” (Meus queridos amigos, este lugar é para todos nós, sem distinção de nacionalidade, raça ou etnia...); “cedez la place au gens qui veulent manger” (ceda o lugar para os outros que irão comer).

No fundo do restaurante um banner com uma foto grande de Adama Konate diz a todos: “Espace des africains Merci ma mère. Nous sommes touts egaux dans la justice et solidarité, sans difference. Soyez le bienvenus à la cabine internationale Merci ma mère».

O pedaço africano criado por Adama é lugar de alteridades, do reconhecimento enquanto iguais, é lugar do respeito e do contato. Enquanto pedaço, o restaurante é ponto chave em uma peculiar rede de relações que combina laços de parentesco, vizi-nhança, procedência, vínculos definidos por par-ticipação em atividades comunitárias e desportivas, é lugar dos colegas, dos chegados (MAGNANI, 2012).

A análise proposta por Sayad sobre a jornada da imigração se mostra muito representativa, na medida em que os imigrantes, ao buscarem nas sociedades de imigração um local para a recons-trução de suas vidas, tendo o trabalho como eixo estruturador [desta busca], necessitam também de um lugar estável, onde possam desenvolver laços com seus pares, bem como com a comunida-de ao redor, fortalecendo uma rede de sociabili-dade. Formada por conhecidos, vizinhos, amigos e parentes, as redes de sociabilidade desenvolvidas pelos imigrantes se mostram fundamentais o de-senvolvimento da comunidade, pois elas são também redes de auxílio.

Como vimos na trajetória do proprietário, a preexistência de uma rede de sociabilidade surgida a partir de um uso comum (das lan-houses na Galeria Presidente), permitiu que ele fosse reco-nhecido entre seus pares e posteriormente conhe-

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cido como ponto chave na sua própria rede de sociabilidade, que se reúne em torno da existência do restaurante. Os laços com a comunidade próxima, também permitiram alguma facilidade no processo de fixação (ao conseguir um fiador brasileiro) e inserção (não há conflitos com os vi-zinhos do local). O funcionamento do local também é baseado nos laços estabelecidos entre os imigran-tes, pois além da atmosfera pacífica, sem conflitos, todos conhecem e respeitam as regras do local, “este é um local para todos”. Para além do discur-so do restaurante, há de fato a criação de um local em que a regra é o respeito mútuo.

A coexistência no local de imigrantes de diver-sas nacionalidades, idades e religiões diferentes são permitidas primeiramente, porque todos que ali estão se reconhecem em torno de uma catego-ria comum, no restaurante “todos são africanos”, discurso que atenua as possíveis diferenças nacio-nais e reforça a ideia de que todos são “iguais”. Podemos observar tanto na trajetória do proprie-tário, quanto na análise do restaurante, que essas redes são também percebidas como essenciais para que o processo da imigração se torne menos traumático. Portanto, a existência do local é per-mitida e baseada na coexistência, o que torna o local um lugar de referência para àqueles que chegam na cidade e buscam alguma estabilidade que os possibilita a busca por emprego, e por con-sequência a inserção na sociedade.

Por reunir muitos imigrantes em situação de fragilidade e recém-chegados, o restaurante atua para além de um lugar de reconhecimento, como um lugar em que o desafio da inserção é o que dá significado à sua existência, que o liga diretamen-te com a necessidade desses grupos étnicos de estabelecerem redes de auxílio, que os projetam para um contato com a sociedade. A cidade, lugar de espacialização destes desafios, é também cons-tantemente reconfigurada e ressignificada diante desta pluralidade de experiências proporcionadas pela presença de estrangeiros. Através do mapa das sociabilidades, que nos mostra os diferentes espaços de uso e apropriação, podemos perceber a abrangência e importância das presenças estran-geiras na constituição de diferentes espaços.

Na pesquisa completa, pudemos desenvolver análises que tangem diversos aspectos da dinâmi-ca da inserção do imigrante africano na sociedade, que é inescapável a todos os imigrantes que ana-lisamos. O Merci ma mère representou dentro da análise, o local em que nos apresentava a impor-tância da existência de uma rede de sociabilidade e auxílio para a inserção desta população no

mercado de trabalho, além de representar (para nós e para eles) o esforço de uma comunidade que ainda enfrenta muita resistência ao seu reconhe-cimento e inserção plena na sociedade que os recebeu, e na cidade que problematicamente ainda reivindica para si a nomeação de “cosmopolita”.

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Notas

1. Aluno de graduação do curso de Arquitetura e Urba-nismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e bolsista PIBIC-CNPq para o desenvolvimento da pesquisa “Os estrangeiros em São Paulo; seus territórios de contato e relações com outro: a cultura gastronômica”. 2. O proprietário, Adama Konate, autorizou a realização da pesquisa, bem como a publicação de trabalhos aca-

dêmicos que mencionem seu nome e o lugar que ele constitui. Para além do contexto atual de recrudescimen-to das políticas migratórias, bem como a rejeição à de-terminados setores imigrantes na sociedade paulistana, Adama mantém-se como pessoa pública, e como veremos, é partir desta existência “pública” que ele consegue constituir seu espaço e suas relações.3. Os bairros estrangeiros não se constituem em guetos e nem mesmo em local de moradia permanente para as sucessivas gerações de imigrantes. Ao contrário uma de suas características é a permanente sucessão de grupos estrangeiros. Ou seja, o que os caracteriza como bairro de imigrantes não é a permanência exclusiva ou majo-ritária de um grupo étnico, mas a presença constante de grupos e marcas estrangeiros.4. José Guilherme Cantor Magnani é professor titular em Antropologia Social na Universidade de São Paulo e co-ordenador do NAU – Núcleo de Antropologia Urbana da USP, da revista eletrônica Ponto Urbe.5. Magnani coloca uma ressalva: “No entanto, não se trata de uma polarização entre um olhar de perto e de dentro, contraposto ao de longe e de fora. Na verdade, é neces-sário calibrar o foco de acordo com o plano de análise. Se, num primeiro momento, o “olhar de perto e de dentro” busca a lógica que orienta a prática dos atores sociais, é possível segui-los em suas redes, e para tanto é preciso flexibilizar o olhar, de forma a variar os ângulos e escalas de observação. É somente por referência a planos e modelos mais amplos que se pode transcender, incorpo-rando o domínio em que se movem os atores sociais” (MAGNANI, 2012, p.278)6. Ver a esse respeito a notícia “Um em cada três imigran-tes está em situação irregular na cidade de São Paulo” – Matéria publicada em 23/01/2014 no portal de notícias UOL, elaborada com dados da Polícia Federal e da Secre-taria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo. É importante esclarecer que a Polícia Federal não dispo-nibiliza publicamente os dados acerca do número de imigrantes na cidade (e no país). Os dados públicos sobre o tema são do IBGE, do CENSO 2010, que foi desconside-rado, dada a distância temporal, que poderia implicar em distorções na pesquisa. Dinponível em: <http://goo.gl/KCxeVS>. Acessado em 08/2016.7. Ver a esse respeito a notícia “Imigrantes africanos tomam ruas de SP e revelam diversidade de estilos” – Publicada na Folha Ilustrada em 21/02/2016. Disponível em: <http://goo.gl/s0bkW4>. Acessado em 08/2016.8. De acordo com a Convenção de Genebra (1951), toda pessoa que está fora de seu país devido a um medo fundado de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política definida anteriormente, é con-siderada refugiada. Porém, ao ponto que em ambas as categorias, de imigrante e refugiado, ocorre uma ruptura

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entre o indivíduo e seu Estado de origem, e em ambas, as experiências e estratégias de adaptação são próximas e relacionáveis. Por estas razões opto por colocar o imi-grante africano na mesma categoria do refugiado afri-cano.9. Os imigrantes não estão incluídos nos mesmos números dos refugiados, porque o processo de solicitação de refúgio é de responsabilidade do Comitê Nacional para os Refu-giados (CONARE) e do Ministério da Justiça. Os imigrantes legais, aqueles que apenas necessitam de visto, são de responsabilidade da Polícia Federal. Por esta razão, os números apresentados provêm de fontes distintas e também não são apresentados nas mesmas pesquisas. O ACNUR é a agência da ONU responsável por conduzi e coordenar ações de proteção dos refugiados. Pesquisa “Refúgio no Brasil 2010 -2014” completa e disponível em: <http://goo.gl/TemKwM>. Acessado em 08/201610. Há também no Facebook, diversos grupos de imigran-tes (africanos ou não) dos quais faço parte. Eles reúnem imigrantes, pesquisadores e representantes de ONGs. Nestes grupos (Haitianos e Africanos imigrantes no Brasil - 4.500 membros, Brasil País de Imigração - 5.300 membros, entre outros) são compartilhados eventos, palestras, oportunidades de emprego, comemorações, entre outros, constituindo um universo de informação e conteúdo relevante para imigrantes e outras pessoas interessadas nestes assuntos. Foi em um destes grupos que encontrei o restaurante, através da divulgação realizada. 11. A existência de uma única mulher no local (e sua ocupação), demonstra que o local de fato é masculino e claramente heterossexual. Como vimos, a pesquisas de-monstram que a maioria dos imigrantes é homem, as mulheres que aqui chegam enfrentam desafios inerentes à sua condição feminina, dentro de sociedades masculi-nizadas (a nossa e a “deles”). Porém, a questão de gênero não é um problema enfrentado pela pesquisa, esforço que demandaria leituras e aproximações diferentes das escolhidas para tratar do campo da imigração. 12. Me chamou a atenção as fotos de personalidades diametralmente diferentes, lado a lado (Nelson Mandela e Muammar al-Gaddafi). Questiono-me sobre quais as-pectos do imaginário dessas pessoas esses símbolos operam, se eles têm o mesmo significado para os nativos deste ou aquele país, ou quais noções de poder, ou em-poderamento do povo africano eles representam, etc.

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Laura Pappalardo1

Orientadora: Profa. Dra. Marina Grinover (EC e FAU-USP)Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2013-2014 com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade

Em uma fábrica cultural, um pensamento popular: Lina Bo Bardi e o Sesc Pompéia

In a cultural factory, a popular thought: Lina Bo Bardi and the Sesc Pompéia

Neste trabalho investiga-se como as ideias de cultura popular e de função social da arquitetura - formadoras do pensamento ar-quitetônico de Lina Bo Bardi - estão presentes no projeto do Sesc Pompéia, realizado de 1977 a 1986, em São Paulo. Procuro in-vestigar aspectos projetuais, tais como o detalhamento arquitetô-nico e a constituição dos espaços; o projeto do mobiliário presente nos diferentes ambientes; e a relação do edifício com seu entorno, de modo a compreender como escolhas arquitetônicas re-fletiram ideias fundamentais do pensamento da arquiteta. Outra característica estudada é como se estabelece a convivência nos espaços que constituem o Sesc Pompéia. Há, de fato, uma vivência coletiva no espaço em questão? Houve mudanças no decorrer do tempo em relação ao uso do espaço? Ou seja, ao pensar o Sesc Pompéia como obra carac-terizadora de um contexto, de uma historicidade, objetivou-se entender, por meio do estudo do projeto, como o processo proje-tual e construtivo sedimentaram o conhecimento da arquiteta.

Palavras-chavecultura popular; Lina Bo Bardi; Sesc Pompéia

This paper investigates how the ideas of popular culture and social function of architecture - formers of the architectural thinking of Lina Bo Bardi - are present in the SESC Pompeia, built from 1977 to 1986, in São Paulo. Seeking to investigate design aspects such as architec-tural detailing; the furniture design in different environments; and the building’s relationship to its surroundings, in order to understand how architectural choices reflected fundamental ideas held by the architect. Another aspect studied is how to establish the coexistence of dif-erent activities and public in the same spaces. There is, indeed, a collective experience? There have been changes over time in the use of space? In other words, thinking Sesc Pompeia as a work that characterizes a context, a historicity, the aim was to inves-tigate how the architectural design and construction process consolidated the architect con-cepts.

Keywords popular culture; Lina Bo Bardi; Sesc Pompéia

Este artículo investiga cómo las ideas de cultura popular de y de la función social de la arquitec-tura - ideas formadoras del pen-samiento arquitectónico de Lina Bo Bardi - están presentes en el proyecto del SESC Pompeia, que tuvo lugar desde 1977 hasta 1986, en São Paulo. Busco investigar aspectos proyectivos como los detalles arquitectónicos y la crea-ción de espacios; el diseño de muebles; y la relación del edificio con su entorno, con el fin de en-tender cómo las opciones de ar-quitectura reflejaram las ideas fundamentales del pensamiento de la arquitecta. Otra caracterís-tica estudiada es la forma de es-tablecer la convivencia en los espacios que conforman el Sesc Pompeia. Existe una experiencia colectiva en el espacio? Se han producido cambios a largo del tiempo en el uso de los espacios? En otras palabras, ao pensar Sesc Pompeia como obra caracteriza-dora de un contexto, una histo-ricidad, se buscou investigar, a través del diseño, como el proceso de diseño y construcción arqui-tectónica consolidou los concetos de la arquitecta.

Palavras-clavecultura popular; Lina Bo Bardi; Sesc Pompéia

En una fábrica cultural, un pensamiento popular: Lina Bo Bardi y el Sesc Pompéia

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1. Aproximação com a cultura brasileira

Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi vieram para o Brasi em 1946, sendo que o principal motivo da mudança foram as consequências após o período da Segunda Guerra Mundial. Período esse durante o qual, por conta da escassez de trabalho na área de arquitetura, Lina trabalhou na edição de inú-meras revistas, entre elas a revista Domus, ganhan-do experiência com projeto de móveis, desenho de interiores e desenho gráfico. Em 1946, fundou com Bruno Zevi, a Revista A - Cultura della Vita, acumu-lando experiência em escrever a respeito da reali-dade social, cultural e política, olhando criticamen-te a sociedade e expondo suas ideias publicamente.

O casal chegou no Rio de Janeiro. No ano se-guinte, mudaram para São Paulo, a convite de Assis Chateaubriand para Pietro Maria Bardi participar da fundação do MASP - Museu de Arte de São Paulo, inicialmente instalado na rua 7 de Abril.

Junto ao o museu, Lina Bo e Pietro Maria Bardi criaram o Instituto de Arte Contemporânea, inau-gurado em 1951. A escola tinha como objetivo formar profissionais que pudessem atuar na in-dústria brasileira, de modo a vincular a produção artística à pratica industrial. Seguia como modelo o Institute of Design em Chicago, fundado em 1937, conhecido por dar continuidade à forma de ensino desenvolvida na Bauhaus (1919-1933), em Dessau, na Alemanha. Sobre o programa de ensino, Lina declara: “cursos especiais de desenho do natural, história da música, curso de gravura, de fotografia e um setor dedicado às crianças, com lições de pintura, de música e de dança” (BARDI, 1993c, p.51).

Apesar de ter durado apenas três anos, o ins-tituto pôde ser considerado uma escola de extrema vanguarda, que criou a possibilidade de formação em design, profissão ainda inexistente no Brasil,

e de onde saíram importantes nomes do design nacional.

Em 1957 Lina Bo Bardi iniciou o projeto da segunda sede do Museu de Arte de São Paulo, na avenida Paulista e, no ano seguinte, viajou para a Bahia, viagem fundamental para a transformação de seu olhar, principalmente sobre nossa cultura:

Importante na minha vida foi a minha viagem ao Nordeste e o trabalho que eu desenvolvi em todo o Polígono da Seca. Aí eu vi a liberdade. A não importância da beleza, da proporção, dessas coisas, mas a de um outro sentido pro-fundo, que eu aprendi com a arquitetura, es-pecialmente as arquiteturas dos fortes, ou pri-mitivas, populares, em todo o Nordeste do Brasil. (BARDI, 1993b, p.10)Permanenceu na Bahia de 1958 a 1964, onde

dirigiu o Museu de Arte Moderna e realizou o projeto de recuperação do Solar do Unhão. No nordeste, Lina reconheceu a força da criatividade popular, apontando interesse pelos aspectos da cultura que se estruturam nas atividades cotidianas correspondentes às condições mais simples e fun-damentais do homem. Assim, segundo a arquiteta, do mesmo modo que a cultura popular diz respei-to às características intrínsecas ao homem, nas suas condições de vida mais miseráveis, a forma do povo de construir é realizada para suprir suas necessidades vitais e não para o desenrolar de caprichos (BARDI, 1994).

Segundo Juliano Pereira, Lina Bo Bardi escre-veu artigos na revista Habitat a respeito da arqui-tetura sem arquitetos, ou seja, uma arquitetura feita a partir da pratica de atividades cotidianas, que lidam com materiais de conhecimento herdado de gerações anteriores. É interessante reparar que características apontadas pela arquiteta como com-ponentes dessa arquitetura empírica, do cotidiano,

Figura 1. Totem sinalizador no desenho de Lina Bo Bardi. Fonte: acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

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são semelhantes a características presentes na arquitetura moderna, tais como: funcionalidade, proporção, racionalidade do espaço e elaboração do programa arquitetônico a partir de elementos essenciais para o uso cotidiano (PEREIRA, 2007). Com isso, tal forma de construir, supostamente não contaminada pela ostentação, revela os mais simples meios de construção, sendo, porém, dotada de uma força expressiva brutal.

Posteriormente, Lina Bo Bardi tentaria mostrar para São Paulo e para o Brasil, esse universo que lá encontrou, desconhecido, pois sendo de origem pobre não se olhava para tal produção como pos-sível referência. A arquiteta, em sua estadia no sertão nordestino, notou que lá se conseguia viver com muito pouco, sem recurso material, financei-ro ou ferramenta. Se buscava a solução a partir daquilo que tinham nas mãos, obtendo, assim, resultados simples e econômicos, e ainda dotados de poesia. Tal observação, porém, não significa uma exaltação da miséria, pelo contrário, significa o elogio à inteligência da possibilidade de produção de objetos inteligentes e sintéticos em condições de extrema pobreza.

É interessante notar que, uma vez reconhecida tal aproximação, percebida em resultados da ar-quitetura moderna quando comparadas com a arquitetura de origem popular, há a construção, pela arquiteta, da possibilidade de se fundir, a partir de uma visão crítica, valores populares e modernos. Tal fusão acontece, por exemplo, na construção do Sesc Pompéia, aonde estão presen-tes, ao mesmo tempo, o moderno e a construção fundada na observação de raízes populares - por isso o valor da cultura popular na leitura do centro cultural Sesc Pompéia.

Em 1959, a arquiteta fez, em parceria com o diretor da escola de teatro de Salvador Martim Gonçalves, a exposição Bahia, no Ibirapuera, em São Paulo. A exposição, inaugurada pelo então presidente do Brasil Juscelino Kubitschek, fez parte da V Bienal de arte e arquitetura, que naquele ano colocava em destaque a arte concreta. Segundo Juliano Pereira, a exposição foi composta por três partes. Uma parte fixa, com fotos de hábitos da população, sua arquitetura e a cidade, e um con-junto de objetos expostos: “peças de cerâmica popular, ex-votos, carrancas de embarcações do Rio São Francisco, peças de escultura negra, ape-trechos miúdos de cozinha e de uso cotidiano do povo, roupas, brinquedos, instrumentos de festas populares e algumas peças de santos barrocos” (PEREIRA, 2007, p.100). Outra parte móvel: capoei-ristas, baianas vendedoras de comidinhas, tocado-

res de berimbau e de atabaques, de modo que as pessoas e seus costumes eram mostradas direta-mente ao público. A terceira parte que completava a composição da mostra era um espaço destinado à apresentação de slides, realização de palestras com o antropólogo Edson Carneiro e o Escritor Jorge Amado, e a apresentação do músico Dorival Caymmi (PEREIRA, 2007).

Com a exposição “Bahia”, Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves propuseram um contraponto do foco temático proposto pela Bienal. Assim, con-forme coloca Silvana Rubino, enquanto a maioria dos países que participaram da Bienal exibiam obras de seus artistas mais conceituados, na expo-sição “Bahia” encontrava-se um retrato cotidiano do nordesde brasileiro, com sua arte “anônima e popular” (RUBINO, 2002). Com a mostra, questio-navam os limites entre “arte e Arte” (BARDI, 1993, p.134) - sendo a “arte” um direito de expressão de todo ser humano, “todo fato, ainda que mínimo, que, na vida cotidiana, exprima poesia” (BARDI, 1993a, p.134); e a Arte “um discurso tão especiali-zado sobre si mesma, (que) torna-se algo à margem da sociedade” (PEREIRA, 2007, p.101).

2. Uma viagem à Bahia

Após a realização dessa exposição, a arquiteta foi chamada pelo governador na Bahia para fundar e dirigir o Museu de Arte Moderna. Lá deveria acontecer um centro de documentação e estudos da arte popular, com o intuito de promover a “pas-sagem de um pré-artesanato primitivo à indústria moderna” (BARDI, 1993d, p.152) através da criação de uma “Escola de Desenho Industrial partindo do artesanato ligado às bases populares do nordeste” (PEREIRA, 2007, p.172).

O Solar do Unhão, edifício originário do final do século XVI que abrigaria o museu, foi restaura-do pela arquiteta de forma antes inédita no Brasil (PEREIRA, 2007). O projeto foi desenvolvido no canteiro de obras, tal como ocorreu posteriormen-te no Sesc Pompéia, em São Paulo, e na igreja Es-pírito Santo do Cerrado, em Uberlândia. Segundo o arquiteto André Vainer, o restauro do Sesc Pompéia pode ser considerado uma forma mais madura de restauro a partir da experiência de restauro do Unhão (VAINER, 2014).

Lina Bo Bardi, ao propor o que deveria ser feito no local, apresentava-se contra o engessamento da condição espacial original, defendendo uma atualização do lugar frente às necessidades con-temporâneas, para assim assegurar a sua utilidade

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após o restauro (PEREIRA, 2007). Pode-se aqui, fazer um paralelo com o pensamento de Argan acerca da ideia de patrimônio cultural: “A proteção dos patrimônios culturais deve certamente ser conservacionista, mas não conservadora” (ARGAN, 1998, p.88). E complementa, ainda: “a conservação integral é objetivamente impossível, não se pode pretender que o ambiente da vida contemporânea permaneça indentico ao do passado” (ARGAN, 1998, p.87), de modo que a relação entre o antigo e o moderno deve ser estabelecida por meio de meto-dologias críticas claras.

Para Lina Bo Bardi, as intervenções realizadas deveriam ficar em evidência, sem a tentativa de imitação da aparência original do edifício, de modo a ser possível diferenciar experiências passadas de experiências atuais. As intervençoes de Lina no espaço são claras: a escada, com seu sistema cons-trutivo pensado a partir de encaixes de carros de boi; e janelas e portas que, pintadas de vermelho, representariam casas de bairros populares da Bahia, aonde muitas vezes portas e janelas são vermelhas. Assim, pode-se perceber que tais inter-venções não eram escolhas gratuitas, já apresen-tavam qual seria o valor da arte popular para o futuro uso daquele espaço, conforme declara Silvana Rubino (RUBINO, 2002).

Havia, ainda, outra espacialidade do museu pensada pela arquieta como um espaço vivo: a praça aberta à beira do mar do Solar do Unhão. Segundo coloca Juliano Pereira, lá seria um espaço para “o comércio de artesanato, apresentações de música, dança, capoeira, samba de roda, teatro e outras manifestações populares coletivas” (PEREIRA, 2007, p.198).

A inauguração do Museu de Arte Popular foi realizada com a exposição “Nordeste”, na qual seria exibido o levantamento sobre a produção popular

nordestina de objetos. Tais objetos seriam futura-mente convertidos em protótipos que se vincula-riam com a produção industrial, de modo a possi-bilitariam uma nova abordagem do desenho industrial (RUBINO, 2002). O objetivo final do museu seria a Escola de Desenho Industrial, na qual mestres e aprendizes artesãos entrariam em contato com estudantes de desenho industrial, de modo a trocarem conhecimentos técnicos e teóricos, com o intuito de desenvolver um desenho industrial de alta qualidade, baseado em valores culturais da tradição popular brasileira (RUBINO, 2002).

Nas palavras de Darcy Ribeiro “Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a partir do seu artesanato, a partir das habilidades que estão na mão do povo, do olhar da gente com originalidade” (apud MICHILES; FERRAZ, 1993, s.p.). Porém tal ideia não foi colocada em prática, pois, com o golpe militar um ano depois, há a imobilização do trabalho de Lina na Bahia.

A viagem ao nordeste, portanto, fortaleceu sua concepção de uma arquitetura de meios simples, que tem como compromisso fundamental sua função social, devendo, em primeiro lugar, tomar conhecimento de como vive o povo.

Com a instauração do regime militar no país, em 1964, Lina Bo Bardi voltou para São Paulo. Lá, a arquiteta retomou o projeto do Museu de Arte de São Paulo, que seria inaugurado em 1968. Lina declara que, ao projetar o MASP, não procurou a beleza, procurou a liberdade: “Os intelectuais não gostaram. O povo gostou ‘sabe quem fez isso? Foi uma mulher!’ ” (apud MICHILES; FERRAZ, 1993, s.p.). Em 1977, Lina iniciaria o projeto do Centro de lazer Fábrica da Pompéia, sobre o qual falaremos adiante.

Durante sua vida, Lina Bo Bardi sempre usu-fruiu da escrita como forma de pensamento,

Figura 2. Uniforme de goleiro no desenho de Lina Bo Bardi. Fonte: acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

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dizendo ser muito perigoso começar a projetar de forma precipitada. Segundo ela, seria necessário conhecer a fundo o local no qual se inserirá a obra, quais as necessidades reais de cada indivíduo que frequenta e habita a região, de modo que o arqui-teto desenvolveria quase uma espécie de método cientifico de como se avaliar o que lá se encontra, em que se faz perguntas das reais necessidades de cada um, de modo a manter uma visão critica da realidade (FERRAZ, 2014). Pode-se observar que, em seus últimos projetos, há muito mais texto escrito do que desenhos.

3. Função social da arquitetura para Lina Bo Bardi

A arquitetura verdadeira é um processo total, que cuida dos relacionamentos econômicos, politicos e sociais do ser humano. A poesia da forma é vital. Mas sem o sentido social da ar-quitetura tudo isso se perde. O homem é o ob-jetivo final da arquitetura. (BARDI, 2013a, p.32)Para tratar do tema da função social da arqui-

tetura, é importante contextualizar essa ideia no Brasil moderno. O assunto, já bastante fundamen-tado previamente, foi tema do I congresso Brasi-leiro de Arquitetura, realizado em janeiro de 1945, que colocava a seguinte questão, segundo as pala-vras de Vilanova Artigas: “qual o papel social do arquiteto nas modificações necessárias para um novo Brasil que se estava querendo projetar?” (ARTIGAS, 2004, p.190). O tema “A Função Social do Arquiteto”, foi o título atribuído ao concurso prestado por João Vilanova Artigas para professor titular da disciplina de Projeto na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1984.

Conforme coloca Sérgio Ferro, para Vilanova Artigas a militância na arquitetura era constante, de modo que qualquer traço desenhado tinha como fundamento uma crítica, uma implicação social (FERRO, 2006). Já segundo Artigas, a arquitetura seria uma arte que tem como finalidade a neces-sidade de exercer função no campo social (ARTIGAS, 2004), e ainda complementa:

Enquanto a ligação entre os arquitetos e as massas populares não se estabelecer, não se organizar, enquanto as obras dos arquitetos não tiver a suma glória de ser discutida nas fábricas e nas fazendas, não haverá arquitetu-ra popular. (ARTIGAS, 2004, p.49)Já para Lina Bo Bardi, o arquiteto está a serviço

da sociedade, devendo desempenhar uma função sociopolítica em seu trabalho, ou seja, é dever do arquiteto implementar uma visão crítica em sua arquitetura. Assim, ao construir “cidades, bairros e casas populares”, desempenha o papel de agente no campo da justiça social, conforme a arquiteta coloca:

[...] o arquiteto é um operário qualificado que conhece o seu ofício não só prática como teórica e historicamente, e tem precisa consciência que a sua humanidade não é um fim em si mesma, mas se compõe, além da própria individuali-dade, dos outros homens e da natureza. (BARDI apud RUBINO; GRINOVER, 2009, p.8)Segundo Juliano Pereira, a arquiteta sempre

viu a profissão como meio de resposta aos proble-mas cotidianos “relativos à sobrevivência material e espiritual dos seres humanos” (PEREIRA, 2007, p.210).

Ao comentar produção arquitetônica durante uma aula de arquitetura na Faculdade de Arqui-tetura e Urbanismo da USP, texto publicado em maio de 1979 na revista PINI, porém, Lina diz que

Figura 3. Usos diversos da canaleta para água da chuva. Fonte: foto da autora, 2014.

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os arquitetos perderam a posição critica, não há mais um fim para o qual se projeta pois houve o “desligamento total do arquiteto dos verdadeiros problemas reais” (BARDI, 2009, p.143). E comple-menta: para ser possível voltar a conversar com os princípios da arquitetura moderna, é necessária a recuperação da função social da arquitetura (BARDI, 2009, p.143).

É interessante reparar que tanto Artigas quanto Lina Bo Bardi apresentavam uma “vinculação forte entre arquitetura, ideologia e um projeto de for-mação nacional”, além da “irritação visceral pelos fetiches da cultura burguesa” (ROCHA, s.d.), o que pode ser constatado, por exemplo, no discurso de Lina Bo Bardi ao fazer as cadeirinhas de madeira sem estofamento no teatro do Sesc Pompéia, de modo a ir contra ao conforto alienante, em busca de uma apoximação atenta e critica do espectador.

Pode-se, ainda, pensar a relação do projeto para o Sesc Pompéia de Lina Bo Bardi com sua concepção de arquitetura dotada de função social a partir da ideia de uso do espaço de forma cole-tiva: com as mesas de uso coletivo, a contínua rua central que se transforma em calçada ao chegar na rua Clélia, trazendo a escala da cidade e, com isso, a concepção de espaço público para dentro de sua espacialidade. Constitui-se, assim, com o projeto de Lina Bo Bardi, um espaço que visa uma vivência política, de modo a refletir a respeito da concepção de um espaço público socialmente fun-cional, acessível para todos.

4. Lina Bo Bardi e as formas de pensar a cultura

A partir de sua formação e do contexto em que viveu, Lina Bo Bardi defende ter a arte um valor educativo, de introdução a um pensamento crítico da existência. Para ela, a expressão humana ante-cede o formato arquitetônico, ou seja, é necessário entender o caráter de cada localidade, formado por quem o habita, para, apenas após profunda pesquisa e entendimento das reais necessidades de cada lugar, projetar. Com isso, antes de projetar escrevia muito, de modo a compreender qual seria a solução válida para cada localidade.

[…] tenho inibições arquitetônicas, é uma doença, não é pose. Sou incapaz de projetar um banco, uma mansão particular, um hotel. Teria amado projetar talvez um hospital, escolas, casas populares. Mas nunca aconteceu. No fundo vejo a arquitetura como serviço coletivo e como poesia, alguma coisa que nada tem a ver com arte. Uma espécie de aliança entre

dever e pratica científica. (apud MICHILES; FERRAZ, 1993, s.p.) Lina Bo Bardi defendia a criação de uma iden-

tidade nacional brasileira baseada na cultura popular, cotidiana, por ser essa cultura fundamen-tada a partir das reais necessidades do homem, além de ser desinstitucionalizada e dotada de li-berdade, uma liberdade coletiva e ciente de sua responsabilidade social. A cultura popular, por-tanto, não tem como objetivo a erudição, mas sim a busca de solução para que todos adquiram as mínimas condições necessária para se viver. Segundo a arquiteta, a cultura popular “é o nor-destino do couro e das latas vazias, é o habitante das vilas, é o negro e o índio. Uma massa que inventa, que traz uma contribuição indigesta, seca, dura de digerir” (BARDI, 1994, p.12)

A arquiteta declara: “Arte popular é o que mais longe está daquilo que se costuma chamar Arte pela Arte. (...) Arte popular, neste sentido, é o que mais perto está da necessidade de cada dia” (BARDI, 1994, p.25). A arte popular, portanto, seria com-posta por objetos que exercem funções verdadeiras, cotidianas, enquanto a cultura popular é todo e qualquer costume cotidiano, simples, fundamental.

Objetos de uso, utensílios da vida cotidiana. Os ex-votos são apresentados como objetos neces-sários e não como ‘esculturas’, as colchas são colchas, os panos com aplicações são ‘panos com aplicações’, a roupa colorida, roupa colo-rida, feita com as sobras de tecidos, ainda com as marcas das grandes fábricas do Sul, que as mandam de caminhão para o Sertão do Nor-deste. (BARDI, 1994, p.33)Lina reitera assim o objeto, nunca como enfeite,

mas sim em sua forma funcional, distante portan-to de certa glorificação: “a glorificação (especial-mente no sul do pais) já começou com os fifós, cerâmicas e latarias, enfeites da classe media e alta” (BARDI, 1994, p.33). Portanto, a crítica colo-cada pela arquiteta era justamente contra o objeto essencialmente decorativo (FERRAZ, 2014).

É importante ressaltar que, conforme dizia Lina Bo Bardi, a cultura popular não deve ser confundida com o folclore. O folclore, idealizado por uma visão paternalista, aliena o objeto de seu verdadeiro significado popular, ou seja, há a dis-torção da produção popular pelo interesse da cultura elitizada, atribui-se outro significado a essa produção, de modo a eliminar posições incomodas existentes em seu significado popular original. Para Lina, quando se analisa a produção popular como folclore, a cultura popular deixa de existir (BARDI, 1994).

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No filme documentário sobre Lina Bo Bardi, há uma declaração de Caetano Veloso, dizendo ter sido “dona Lina”, que viu de forma mais profunda a força da criatividade popular na Bahia. E ressal-ta que a arquiteta dizia, muito claramente: “não como folclore, não como documentação de um estilo exótico, ou divertido, ou curioso, mas como verdadeira força cultural”. (MICHILES; FERRAZ, 1993, s.p.) Seria, portanto, característica funda-mental do brasileiro a “grossura” presente em seu cotidiano: uma cultura livre das amarras da civi-lizção ocidental. Assim, a força cultural estaria nessa forma fundamental do homem, forma mais simples e original, não digerida. Conforme coloca Zeuler de Lima, mostrar a grossura do povo bra-sileiro, de modo a não se mascarar mais a pobreza brasileira, era, para Lina, uma escolha política (LIMA, 2007).

Assim, a partir de sua crescente ligação com a manifestação popular, Lina Bo Bardi passa a se dedicar à valorização da cultura brasileira, sempre buscando em suas obras arquitetônicas a concre-tização de tal valorização cultural. A cultura popular seria, portanto, a cultura cotidiana, que soluciona questões reais:

[…] esta parte da humanidade, levada pelas necessidades a resolver por si mesma o próprio problema existencial e não possuindo essa pseu-docultura (cultura erudita), tem a força neces-sária ao desenvolvimento de uma nova e ver-dadeira cultura. (BARDI apud RUBINO; GRINOVER, 2009, p.89)Podemos, aqui, fazer um paralelo com o pen-

samento da arquiteta ao projetar o Sesc Pompéia. O projeto previa a integração de objetos e costumes oriundos da cultura popular com a cidade na qual o projeto se insere e com as pessoas que nela habitam, de modo a trazer a força da cultura popular nordestina para o sudeste do país. Objetos populares, como a flor de mandacaru, e elementos de referência nordestina, como o espelho d’água Rio São Francisco não estão colocados no espaço de forma gratuita. Do modo como se inserem na trama do projeto, tem o significado de uso cotidia-no e de possibilidade de analise crítica da socieda-de atual quando contraposta aos valores apresen-tados pela cultura popular: trazer consigo a força da simplicidade e a valorização da vida cotidiana. Assim, segundo a arquiteta, a cultura estaria nas pessoas andando no sesc, estando o lado popular presente no simples ato cotidiano (FERRAZ, 2014).

Quando Lina Bo Bardi foi avisada pela direto-ria do Sesc que o nome do centro seria “Centro Cultural e Desportivo Dr. Fulano de tal” (segundo

Marcelo Suzuki não se sabe mais o nome), Lina exclamou:

- Não! Eu não sei quem é esse fulano, ninguém sabe. E não é cultural. Nem desportivo. É um centro de lazer, cultural só afasta as pessoas, assusta. E arte já não interessa mais a ninguém e eu quero aqui cheio de gente. E esporte também é para lazer, sou contra esporte com-petitivo. Vai chamar Centro de Lazer Fábrica da Pompéia e acabou! (SUZUKI, 2010, p.21)Pode-se fazer um paralelo entre o pensamento

da arquiteta e o filósofo Antonio Gramsci, confor-me Juliano Pereira: “ao discurso de Lina é possível estabelecer uma série de comparações e a consta-tação de uma influência direta dos escritos de Gramsci acerca da idêntica problemática discutida por este autor sobre a situação da Itália” (PEREIRA, 2007, p.193). Gramsci coloca:

Na Itália o termo “nacional” tem um significa-do muito restrito ideologicamente e, de qual-quer modo, não coincide com “popular”, já que os intelectuais estão afastados do povo, isto é, da nação, estando ligados, ao contrário, a uma tradição de casta, que jamais foi quebrada por um forte movimento político popular ou nacio-nal vindo de baixo. (GRAMSCI apud PEREIRA, 2007, p.193)No mesmo sentido, Lina Bo Bardi apresenta

crítica bastante semelhante à do filósofo ao ques-tionar o distanciamento evidente entre intelectu-ais brasileiros, com sua forma de pensar uma cultura excludente, e a cultura popular oriunda do Nordeste (PEREIRA, 2007).

É importante, aqui, ressaltar que a retomada de valores populares estava ocorrendo no mundo do pós-guerra como um todo: com o segundo pós--guerra, se busca uma volta à origem popular e o distanciamento da ideologia do “milagre tecnoló-gico”, uma vez vistos os danos que as novidades mecânicas poderiam ocasionar, como ocorreu com a devastação das cidades durante a guerra:

[...] nos primeiros anos desse século centros artísticos como Paris, Roma, Berlim descobriram tesouros nos carregamentos de mercadores iniciando a voga da arte negra, [...] Picasso in-corporou as máscaras africanas em sua pintura trazendo uma renovação que seria soberba da escultura africana. (RUBINO, 2002, p.147)Outra maneira de pensar presente de forma

recorrente no trabalho da arquiteta é a ideia de “presente histórico”, ou seja, a capacidade de en-tender historicamente o passado, sabendo distin-guir o que poderia servir para situações atuais. Conforme coloca Lina, não se deve simplesmente

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jogar fora o passado e toda a sua história, se deve conhecer a história para saber distinguir o que não deve ser repetido, e o que do passado ainda está vivo hoje, ou seja, deve haver a busca do diálogo entre o passado e o presente, respeitando o contexto em que se insere (BARDI, 2009).

A arquiteta falava, ainda, da arquitetura como arquitetura pobre. Pobre no sentido de simplifica-ção, uma arquitetura que visa a recuperação do modo de construção introduzido pelo povo, de maneira simples e funcional (BARDI, 2013a). Um exemplo de tal pensamento seria a Igreja do Espí-rito Santo do Serrado, que, segundo a arquiteta, “foi construída com materiais muito pobres, é uma arquitetura pobre, mas não no sentido da indigên-cia, e sim no sentido artesanal que exprime comu-nicação e dignidades máximas através dos menores e humildes meios” (BARDI, 2013a, p. 31)

Também pode-se retomar tal ideia quando olhamos para o projeto do Sesc Pompéia. Segundo Lina Bo Bardi:

A Pompéia vai ser um exemplo de arquitetura ‘pobre’, arte ‘pobre’. O povo virá aqui e terá que se sentir bem com certos dados básicos, que são a solidariedade e a poesia. Não precisa de sofisticação. Pretendemos criar uma atmosfera humana, de simpatia. Uma coisa ‘pobre’ é também o máximo de sofisticação. (BARDI, 2013a, p.31)Nesse sentido, ela retoma, aqui, o conceito de

cultura popular no modo como o povo constrói o objeto com sua utilidade máxima, porém a partir dos mais humildes meios, dotados de uma simpli-cidade plasticamente bela, sem excessos.

5. Velha fábrica

O local em que se situa o Sesc Pompéia é, em sua origem, uma fábrica, construída pela firma alemã Mauser & Cia Ltda, em 1938. Constitui-se espacial-mente por galpões, distribuídos de forma seme-lhante a projetos ingleses característicos do período inicial do século XX. Em 1945, a fábrica é compra-da pela Indústria Brasileira de Embalagens Ibesa, fabricante de tambores e, posteriormente, é atri-buído ao local o uso direcionado à produção de geladeiras à querosene.

Segundo Lina Bo Bardi, quando entrou pela primeira vez na antiga fábrica, em 1976, encontrou um lugar abandonado, porém lhe chamou a atenção sua estrutura pioneira de concreto armado desenvolvida pelo engenheiro François Hennebi-que (1842-1921). Antes do inicio da revitalização

da fábrica, a arquiteta percebe que o espaço já era dotado de vida: durante o final de semana pessoas de todas as idades freqüentavam o local, uns jogavam futebol, outros preparavam churrascos, pessoas passeavam entre os galpões. Com isso, Lina decide o que deveria ser feito: manter o que lá já existia, fazer com que aquela vivacidade perma-necesse. O projeto, então, visou recuperar e manter a velha fábrica, acrescentando algumas interven-ções de caráter contemporâneo (BARDI, 2013a).

Encontramos uma fábrica com uma estrutura belíssima, arquitetonicamente importante, ori-ginal, ninguém mexeu. Nós colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco de água, uma lareira. Fizemos também um esforço para dig-nificar a posição humana. Esse é o dado mais importante (SUBIRATS, 2013, p.83)Assim, ao projetar, a arquiteta não apagou os

vestígios de que lá era uma fábrica. Ao transformar a antiga fábrica em um centro de lazer, fez uma junção entre o trabalho fabril, que, segundo Lina, é uma das condições mais violentas de trabalho, com o lazer, condição de respeito à necessidade do ócio, do descanso. Promoveu-se, assim, um espaço de vida coletiva em sociedade, porém man-tendo o olhar crítico de que lá antes fora um am-biente de trabalho árduo, criando um espaço de lazer e vivência coletiva; dotado, ainda, de emba-samento político presente na vivência coletiva e no valor histórico do espaço como trabalho fabril. Assim, ao não apagar os vestígios da fábrica, Lina Bo Bardi valorizou o trabalho que lá foi realizado, valorizou o homem como trabalhador.

É interessante ressaltar, segundo entrevista efetuada com Glaucia Amaral, o fato de que antes da arquiteta Lina Bo Bardi ser convidada pela instituição para fazer o restauro do Sesc Pompéia, já havia um projeto pago para ser efetuado pelo arquiteto Julio Neves, que consistia na demolição da antiga fábrica, com o objetivo de construir dois espigões. Não concordando com a demolição pre-vista, funcionários do Sesc, que eram a favor do restauro, indicaram a arquiteta Lina Bo Bardi para o projeto, pois conheciam seu trabalho de restau-ro no Solar do Unhão.

Por ser uma obra realizada já na idade mais madura de Lina Bo Bardi, poderia se dizer que o projeto do Sesc Pompéia reflete valores acumula-dos pela arquiteta ao longo dos anos: sua formação na Itália, a estadia no nordeste brasileiro, a impor-tância da cultura popular e a busca da formação de uma identidade brasileira. Desse modo, os con-ceitos de cultura popular e do fazer arquitetônico com base na ideia da função social da arquitetura

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estão presentes na origem da obra do Sesc Pompéia (SUBIRATS, 2013).

O projeto do Centro de Lazer Fábrica da Pompéia iniciou-se em 1977 com a transformação da antiga fábrica de tambores em um centro voltado para o lazer. A restauração dos galpões teve como base os princípios da Carta de Veneza e da Declaração de Amsterdã - respectivamente de 1964 e 1975 - que discorriam sobre o modo de restauração e conservação de monumentos e sítios, deixando visíveis as diferentes técnicas utilizadas, além de evidenciar a história do edifício (BARDI, 2013a). Pode-se observar esse cuidado com a evi-dência histórica do edifício, por exemplo, ao se observar o fato de que nenhuma parede consti-tuinte das novas espacialidades do Sesc Pompéia encosta em paredes da antiga fábrica, de modo a preservar o espaço original de forma íntegra. Assim, o restauro propunha a integração entre o contemporâneo e o antigo (VAINER, 2014).

Durante a construção, Lina montou seu escri-tório dentro da obra, assim estaria sempre a par do que se fazia. Conforme colocou Marcelo Ferraz, essa condição possibilitou uma vivência real do espaço, permitindo a experimentação de qual seria a solução mais adequada, a partir realidade coti-diana se percebiam indicações do que deveria ser feito (FERRAZ, 2014). É importante ressaltar que, além de passar praticamente uma década no can-teiro de obras do Sesc Pompéia, Lina Bo Bardi tra-balhou no Sesc após sua inauguração, pensando as atividades a serem desenvolvidas em seu espaço.

Ao projetar o Sesc Fábrica da Pompéia, a ar-quiteta queria que a relação existente na antiga fábrica, antes de sua revitalização, se mantivesse, que as pessoas que ali perto moravam continuas-sem a frequentar aquele espaço. Dizia que o centro esportivo deveria ser utilizado, especialmente, por

jovens das redondezas, das quitandas, dos super-mercados, das lojas, dos açougues, como ela viu acontecer na década de 70 (BARDI, 2013a).

O centro foi inaugurado em 1982, e o bloco esportivo em 1986. Seu espaço é conformado por uma rua interna que liga a entrada da rua Clélia aos diferentes ambientes: o espaço de convivência, a biblioteca, o restaurante que vira choperia a noite, o teatro com duas platéias, ateliês de criati-vidade, o deck usado como solarium, galpão de exposições e o bloco esportivo, com quadras, pis-cinas e vestiários. Os dois prédios esportivos se comunicam por meio das passarelas de concreto.

Enquanto os galpões permanecem camuflados no tecido urbano existente, o bloco esportivo des-taca-se de forma marcante na paisagem, virando referência urbana para quem o observa da rua, além de suas passarelas e janelas enquadrarem a paisagem em diferentes perspectivas, gerando um novo ponto de vista da cidade.

Ao se modificar um espaço existente, tal como Lina Bo Bardi fez com o Sesc Pompéia, é preciso pensar o que permanecerá e o que será modifica-do nesse espaço, sendo essa escolha vinculada à intenção do projeto. Por exemplo, a decisão de qual parte do edifício deve ter destaque em meio a paisagem e qual parcela se integra de forma ho-mogênea com o tecido urbano, ou o fato da rua interna do Sesc ser uma continuação da rua urbana, de modo a trazer a cidade para seu interior, não seriam apenas decisões projetuais, mas também políticas e sociais. Podemos, assim, estudar cada elemento, de modo a entender qual a intenção do arquiteto ao projetá-lo para aquele espaço, e qual o seu significado cotidiano para aquele lugar. De-talhes presentes no Sesc, como pedaços de azulejos coloridos na parede do banheiro, quadras coloridas de acordo com as estações do ano, o desenho

Figura 4. Sesc Pompeia. Fonte: desenho da autora, 2014

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rendado na caixa d’água, trazem fragmentos de memórias vivenciadas e valores construídos pela arquiteta ao longo do tempo.

Lina Bo Bardi colocava a pergunta fundamen-tal: como fazer o projeto? Há essa investigação na medida em que há a busca pela valoração do tra-balho humano, principalmente ao considerar o trabalho manual, muito respeitado pela arquiteta (FERRAZ, 2014). Como então poderiam ser incor-porados os vestígios do trabalho no resultado da obra? E como trazer o valor da cultura popular para quem frequenta a espacialidade do Sesc Pompéia? Por exemplo, ao deixar o material apa-rente da forma como é em sua origem, em sua forma bruta, tal escolha faz com que a obra mostre o trabalho lá realizado, tal como o pré-artesanato brasileiro mostra como foi feito o objeto sem aca-bamentos que apagam os vestígios do trabalho humano. O material em sua forma construtiva mostraria a realidade brasileira, uma realidade simples, pobre (BARDI, 1994). Assim, o resultado arquitetônico das obras da arquiteta consistiam na verdade dos materiais, sem polimento ou re-vestimento algum, ou seja, uma arquitetura pura no sentido de ser o que você vê (FERRAZ, 2014).

Por outro lado, há, na construção do Sesc Pompéia, tecnologias complexas: lajes protendidas, pontes que vencem vãos extensos, de modo que todas as técnicas lá usadas eram as mais avançadas naquele momento. Mas, tais soluções, ainda que sofisticadas em sua origem de funcionamento técnico, são, da forma como foram resolvidas, fruto de soluções simples e do universo de valores do modernismo. Há, portanto, a mistura da alta tecno-logia com materiais simples e diretos (FERRAZ, 2014).

Há de se considerar, também, o contexto his-tórico em meio ao qual o Sesc Pompéia é projetado e construído. Em primeiro lugar, pode-se discutir o contexto no qual foi construída a fábrica em sua concepção inicial: o ano de sua construção, em 1938, insere-se no período da ditadura de Getulio Vargas, o Estado Novo (1937-1945). Durante seu governo houve incentivos para a promoção do capitalismo nacional do pais e da industrialização, de modo que o Estado agia diretamente na econo-mia, realizando uma política de industrialização para viabilizar a substituição de importações após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Assim, a indústria paulista, que já se destacava ao se com-parar com o resto do país, cresce ainda mais a partir da década de 30.

Posteriormente, no ano em que se inicia o projeto de Lina, em 1977, o presidente do Brasil era Ernesto Geisel, primeiro período de abertura

política da ditadura que culminará com a promul-gação da nova constituição, em 1988. Já durante a inauguração do Sesc Pompéia, em 1982, se en-contra um período de efervescência política, com o início do movimento das “diretas já” durante os dois anos seguintes, sendo a vida política no con-texto em questão bastante influente no modo de como se usa a cidade, no uso do espaço urbano como forma de protesto e de reivindicação de di-reitos civis.

Assim, quando se considera a história da cidade de São Paulo e o desenrolar referente ao seu de-senvolvimento industrial, construir um Sesc em uma antiga fábrica em São Paulo tem sentido his-tórico social. Manter os vestígios da fábrica e do trabalho fabril na obra do Sesc faz com que a his-tória do desenvolvimento industrial da cidade de São Paulo se mantenha viva.

Segundo Rosseti, tal caráter fabril está presen-te na linguagem arquitetônica constituinte do Sesc: desde instalações aparentes, os materiais em sua forma bruta, até a racionalidade da planta, a con-tinuidade entre os diferentes espaços e as ativida-des que envolvem um grande número de pessoas. Assim, pode-se dizer que a linguagem e a escala do Sesc têm como fonte direta o universo industrial e seu o funcionamento, que se configura em, desde a forma de atendimento do restaurante, até as relações entre os espaços (ROSSETTI, 2007).

6. O desenho do projeto

Um recurso muito utilizado por Lina para pensar como deveria ser o futuro espaço projetado é o desenho. Porém, destaco aqui não o desenho técnico, mas desenhos coloridos, que representa-vam qual seria a vida daquele lugar: crianças brin-cando, pessoas sentadas, uns ouvindo música, outros conversando no balcão do bar. Algumas vezes fazia colagens. Em seus desenhos aparecem os espaços externos e internos do Centro de Lazer Fábrica da Pompéia: desenhos do paisagismo, do mobiliário, do uniforme dos funcionários e da equipe de futebol, placas de sinalização, carrinhos de sorvete, pipoca e hot dog, desenhos de pisos e paredes, o cardápio do restaurante, além de estudos para o jornal Sesc Fábrica da Pompéia. Assim, ao se observar os desenhos da arquiteta, percebe-se que há ali resoluções em todas as instâncias, como ocorre no ideal moderno de desenhar todas as escalas do projeto.

Segundo André Vainer, os uniformes desenha-dos pela arquiteta não foram feitos, mas a partir

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da marca criada pela arquiteta foram feitos os pratos e as xícaras (VAINER, 2014). O arquiteto destaca um dado curioso: se olharmos todos os croquis anteriores a sua permanência no canteiro de obras, podemos notar que muito mudou - os croquis teriam sido feitos todos feitos em 77 e apresentados para o Sesc como proposta de como seria essa nova fábrica. A ideia apresentada, porém, prevaleceu como sentimento, não como projeto real, uma vez que foi necessária a adequação a soluções específicas percebidas no canteiro de obras. Um exemplo de tal mudança seria o desenho das rampas imaginadas por Lina Bo Bardi, passan-do entre a estrutura. O desenho das rampas não foi possível, uma vez que não havia pé direito suficiente, mas o espírito de ter um espaço total-mente aberto, integrado, prevaleceu.

É importante, ainda, fazer a ressalva, conforme coloca Marcelo Suzuki:

Menos divulgados, seus desenhos técnicos sao também muito importantes para que não se tenha de Lina a visão de que ela teria feito tudo apenas com desenhos livres e aquarelas. Pelo contrario, sabendo desenhar muito bem e fazer aquarelas, os desenhos para arquitetura apre-sentados assim são fruto de quem também dominava muito bem a linguagem técnica. (SUZUKI, 2010, p.146)A respeito do espaço resultante do projeto,

Cecília Rodrigues dos Santos coloca:Povoando esta obra dura, de inegável clareza estrutural e verdade construtiva, multiplicam--se os gestos menores, as tais licenças poéticas que invadem o Sesc Fábrica: sob os antigos telhados dos três galpões industriais, serpenteia um riacho recortado no piso de pedra, referên-cia ao principal rio do Nordeste, o São Francis-co; nas canaletas de água pluvial que ladeiam

a rua central, salpicam os seixos rolados, memória de tantos outros riachos brasileiros; no piso dos sanitários se desencontram díspa-res fragmentos coloridos de cerâmica; no espaço de junção das passarelas com os dois edifícios da área esportiva, elementos de proteção brotam como flores de mandacaru, o cacto mais encontrado na caatinga; na cozinha e na pisci-na-açude, flutuam azulejos com motivos mari-nhos e de plantas tropicais. E ainda, entre outras tantas, ao longo dos anéis da caixa d’água ci-líndrica, a arquiteta faz escorrer o concreto na medida certa para fazer pensar que ali enrolam suas prendas as mulheres rendeiras de cajazei-ros. (SANTOS, 2013, p.145)Estruturado por doze galpões existentes e pelas

construções posteriores do bloco esportivo e da caixa d’água, o espaço que constitui o Sesc Pompéia manteve sua situação original de implantação dos galpões, ou seja: uma rua que divide duas grandes alas de galpões, e em sua extremidade final se acessa o córrego das águas pretas.

Entre os diferentes usos encontrados no interior dos galpões e prédios, estão: restaurante, choperia, espaço de convivência, bloco esportivo, oficinas, área de convivência, rua central, área de exposições, teatro, e a rua central, espaço fundamental de ar-ticulação entre os diferentes usos e a rua externa.

O espaço de convivência, composto pelo con-junto de cinco galpões, compreende ao mesmo tempo um ambiente de estar, espaço para leitura e biblioteca, exposições e jogos de salão. Três ele-mentos se destacam em seu interior: a lareira, o espelho d’água e as plataformas de leitura. A lareira, situada entre o espelho d’água e a plata-forma, é pensada como um ponto de reunião, prin-cipalmente em dias frios, quando pessoas se jun-tariam a seu redor, promovendo o encontro dos

Figura 5. Sesc Pompeia. Fonte: desenho da autora, 2014

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usuários. Já o espelho d’água adquire o nome de Rio São Francisco, carregando o valor cultural do rio nordestino, referência territorial e histórica: o Rio São Francisco é para o nordeste um manancial de águas, de riquezas, área fértil no meio do sertão. Com isso, colocar o rio da integração nacional, tal como é chamado por começar em Minas Gerais e terminar em Alagoas, faz com que o espelho d’água constitua uma metáfora, trazendo o nordeste para o território paulista (BARDI, 2013a). A presença da água no espaço de convivência produz reflexos e altera a luminosidade do ambiente, além de me-lhorar o conforto térmico interno. Seu caráter lúdico, crianças tentam pulá-lo, e de estar, com pessoas simplesmente sentadas ao seu redor, confere uma sensação espacial agradável.

Em relação às seis plataformas de leitura, são constituídas por estruturas de concreto aparente e organizam-se a partir de dois níveis diferentes. Com isso, podem gerar usos diversos, como espaço para leitura e estudos em um nível, enquanto no outro nível acontecem atividades infantis ou cam-peonatos de xadrez e dama. As plataformas servem, ainda, como um “mirante” do espaço de convivên-cia (ROSSETTI, 2007). No espaço de convivência, merece destaque também o mobiliário presente no salão, composto por mesas redondas grandes que se tornam coletivas, módulos triangulares de mesas e cadeiras que se encaixam e se rearranjam conforme a demanda e o número de pessoas, e diversos bancos de madeira espalhados ao longo do espaço.

Há, ainda, detalhes mais sutis, que muitas vezes passam despercebidos por olhares mais desatentos, sendo um exemplo a presença de riscos, marcas de serra, nas lajes e pilares da biblioteca, sob as plataformas de leitura: Lina queria que o resulta-do do concreto de tais elementos não fossem fôrmas tradicionais de concreto, queria que houvesse marcas, então pediu para que os pedreiros fizessem como achassem que deveria ser feito, criando marcas de alguma forma. Outro detalhe está pre-sente nas pedras constituintes do chão da sala de convivência: enfileiradas em um sentido com as mesmas dimensões, no outro sentido apresentam tamanhos diferentes, de modo que em um sentido estão alinhadas, já no outro estão desalinhadas (VAINER, 2014).

Característica muito valorizada por Lina Bo Bardi no projeto é o lugar das refeições: a choperia / restaurante configura, ao mesmo tempo, espaço de refeições, convivência e bar. Segundo a arqui-teta, nesse ambiente há o convívio democrático, simples, sem a preocupação de como se vestir ou

se comportar, um espaço completamente livre (BARDI, 2013a). Lá, é enfatizada a ideia da mesa coletiva, e a comida a ser servida como parte do projeto arquitetônico. Defensor desse partido, Ferraz afirma: “arquitetura, para mim, é ver um velhinho, ou uma criança, com um prato cheio de comida atravessando elegantemente o espaço de nosso restaurante à procura de um lugar para se sentar, numa mesa coletiva” (FERRAZ, 2013, p.123).

Na lanchonete, situada hoje em dia ao lado do restaurante, há mesas cuja forma remete aos caxixis, brinquedo típico do nordeste. É interes-sante notar que a arquiteta, ao trazer elementos da cultura popular nordestina como inspiradores na conformação do espaço em questão, coloca uma visão política, tal como ocorre com a presença da flor de mandacaru nos vãos das passarelas de concreto no bloco esportivo. Esses elementos não pretendem aparecer como enfeite, mas como meio para se chamar a atenção para a importância do olhar para a força existente na parte pobre do nosso país (VAINER, 2014).

Em relação ao teatro, a arquiteta escolhe uma configuração de duas platéias, uma oposta à outra, de modo que os espectadores possam ver a expres-são no rosto dos outros durante o espetáculo. É importante ressaltar, porém, o fato de que a solução do teatro com platéias opostas não é de origem prática projetual: para ser possível a capacidade de mil pessoas para o teatro, de modo a manter o pé direito fixo, dado o galpão existente, não seria possível fazer uma platéia única (SUZUKI, 2014).

É interessante perceber qual o motivo das ca-deiras do teatro estarem sem estofamento. Ao ser questionada a respeito, Lina Bo Bardi responde retomando o princípio dos teatros Greco-romanos, nos quais não se tinham cadeiras estofadas, eram assentos de pedra, ao ar livre. Cadeiras com esto-famento surgem apenas no Setecentos, em teatros das cortes, porém continuaram até hoje, enfati-zando o conforto da sociedade de consumo. Assim, ao fazer a cadeira sem estofamento, Lina faz uma crítica à postura do espectador, de modo que a cadeira não deve deixar seu usuário confortável, mas sim atento ao que vê (BARDI, 2013b). Tal ideia retoma o conceito brechtiano de “distanciar e en-volver” (ROCHA, s.d.), ou seja, a ideia de se obter certo distanciamento entre o espectador e o que ele vê, de modo a pensar o que vê de forma critica e não apenas de forma passiva, desligada do con-texto em que se insere.

Há ainda outro motivo que pauta as cadeirinhas do teatro de madeira sem estofamento, por conta da durabilidade do mobiliário. Por esse motivo, a

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maioria dos móveis projetados pela arquiteta para o Sesc Pompéia são de madeira, o usuário pode subir na cadeira para ver o show sem a preocupa-ção de estragar (LATORRACA, 2014).

No galpão das oficinas, Lina Bo Bardi busca a manutenção do saber-fazer e da habilidade ma-nufatureira existente no nordeste, tal como o ofício da carpintaria, da xilogravura e da cerâmica. Como coloca Eduardo Rossetti, alguns consideram que as oficinas do Sesc Pompéia seriam uma tentativa de retomar o projeto cultural do museu de arte popular na Bahia, no Solar do Unhão (ROSSETTI, 2007). Há, porém, outras correntes que discordam de tal continuidade, tal como colocou o arquiteto André Vainer (2014).

Seguindo adiante no eixo da rua interna, en-contra-se o deck solarium: um espaço de uso livre, que cria o caráter de uma “praia urbana”, de modo que a solução torna possível a ocupação do espaço onde situa-se o Córrego das Águas Pretas, de caráter non aedificanti. Como equipamentos complemen-tares ao deck, projeta uma lanchonete e uma pequena cachoeira.

Ao final do deck, está a piscina coberta, que constitui o andar térreo do bloco esportivo. Esta não possui medidas oficiais, de modo a quebrar o espírito competitivo, criando um ambiente de lazer e de uso livre. A piscina não possui eixos de mar-cação em seu fundo, apresentando azulejos dese-nhados no lugar (ROSSETTI, 2007). Cria-se, assim, outro tipo de relação com sua espacialidade, in-centivando o uso lúdico da água.

O bloco esportivo, por sua vez, é constituído por duas torres: uma, com pé direito duplo, que abriga as quadras esportivas, e a outra, com pé direito simples, contém os vestiários e espaços para ginástica. A articulação entre os dois blocos se estabelece por meio de passarelas assimétricas

que possibilitam a vista de diferentes ângulos e alturas da cidade.

A ventilação do bloco esportivo é feita por meio de trinta e duas janelas-buraco, ou seja, grandes buracos de caráter irregular, que garantem uma ventilação cruzada permanente, além de permitirem um novo e inusitado enquadramento da cidade. Segundo Lina, as janelas-buraco remetem à imagem de entradas de cavernas pri-mitivas, o primeiro abrigo dos homens (BARDI 2013a). Tais janelas foram desenhadas após uma viagem da arquiteta para o Japão, até então as aberturas seriam aberturas regulares, quadradas (VAINER, 2014).

Há, ainda, dois elementos intrigantes na cons-tituição do Sesc Pompéia: a caixa dágua, e a calha aberta, que acompanha a rua central do Sesc ao longo dos galpões. A caixa d’água, projetada com setenta metros de altura, serviria como novo marco vertical e emblema à origem industrial do conjun-to, uma vez que foi demolida a antiga chaminé da fábrica pouco antes das obras começarem. Porém Lina Bo Bardi não queria um resultado ordinário, gostaria que todas as etapas da concretagem ficas-sem marcadas, como uma renda. Foi, assim, feita a concretagem, com apenas dois conjuntos de forma de madeira, e com panos no fundo das formas que gerariam a aparência de renda. Segundo Lina, essa foi uma homenagem às Torres Satélite de Luis Barragán, na Cidade do México (VAINER; FERRAZ, 2013). A calha aberta de seixos rolados, por sua vez já existia na antiga fábrica, e Lina decidiu mantê-las assim, a céu aberto. O in-trigante é que esse espaço, hoje, é muito utilizado, com crianças brincando na calha e pessoas sempre nela sentadas.

Por último, é interessante ressaltar um detalhe existente na rua interna, componente do eixo prin-

Figura 5. Deck-solarium. Fonte: foto Wolfgang Tillmans, catálogo exposição MAM - 2012

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cipal de locomoção do Sesc Pompéia: é feito, em parte da rua interna, o desenho do piso com uma faixa de pedra lisa, com o intuito de facilitar a mobilidade de usuários de cadeiras de rodas no interior do conjunto. Originalmente a rua é cons-tituida por paralelepípedos, material considerado, por Lina Bo Bardi, um documento importantíssimo da história da humanidade: pedras cortadas a mão, contém o registro do carimbo da técnica e da mão de obra utilizada (FERRAZ, 2014). Porém, com a simples mudança de uma parcela do material com-ponente piso por uma faixa de um piso homogêneo, houve mudança singificativa na dinâmica de uso da rua: a princípio projetada para cadeirantes, a faixa passa a ser preferência de percurso de pessoas idosas, mães com carrinhos de bebê, mulheres de salto alto. Cria-se, com a simples mudança de textura do piso, a intensificação de um eixo de passagem (VAINER, 2014).

7. Espaço de vivência: uso para exposições

Após a inauguração do Sesc, Lina Bo Bardi parti-cipou coordenando atividades e organizando ex-posições. A ideia seria a de um espaço de convi-vência para as horas livres, a cultura como convívio e liberdade (SUBIRATS, 2013). As exposi-ções que organizou foram de extrema importância para a formação cultural do Sesc. Com caráter bastante lúdico, porém sempre com embasamen-to crítico, foram grandes atrativos. Entre elas, des-tacam-se: “Design no Brasil: historia e realidade” (1982), “Mil brinquedos para a criança brasileira” (1982-83), “Caipiras, capiaus: pau-a-pique” (1984), “Entreato para crianças” (1985), “O belo e o direito ao feio” (1982).

Em meio as exposições efetuadas, a “Design no Brasil: historia e realidade” foi de extrema impor-tância no sentido de ter feito um contraponto entre o que era a produção artesanal e o que é a produ-ção industrial (VAINER, 2014). É interessante per-ceber, porém, que tal contraponto aparece na maioria das exposições efetuadas no Sesc Pompéia.

Para melhor entender a lógica de projeto das exposições pensadas pela arquiteta no o Sesc Pompéia, podemos retomar sua posição relativa aos museus, bastante crítica em relação à sua si-tuação contemporânea: “no quadro da cultura contemporânea, o museu ocupa lugar poeirento e inútil” (RUBINO; GRINOVER, 2009, p.99). E comple-menta, ainda: “museu que deverá ter a sua impo-sição didática para ser um museu ‘verdadeiro’, vivo, e não um ‘museu’ no sentido mais superado

da palavra” (RUBINO; GRINOVER, 2009, p.101).Lina Bo Bardi encarava a montagem das expo-

sições como forma de se colocar uma posição po-lítica e educativa, propondo o contrário de uma relação passiva e alienada. Ao se pensar forma de apresentação do objeto a ser exposto, a arquiteta pensa um jeito no qual a funcionalidade da cultura e da arte popular esteja lá representada, tal como ocorre na exposição Nordeste, que inaugurou o Museu de Arte Popular na Bahia, conforme coloca Juliano Pereira: “A mostra é realizada com recur-sos muito simples: caixotes de madeira evocando a maneira como esses objetos encontravam-se originalmente expostos nas feiras e mercados po-pulares” (PEREIRA, 2007). Outro exemplo do modo expositivo evidentemente político proposto pela arquiteta foi o constituido no MASP, aonde se que-brava todos os canônes dos museus europeus, colocando todas as épocas e estilos para conviver juntos, misturando as escolas. Tal modo de expor incomoda até hoje, tamanha foi a força de sua proposta.

Em relação às exposições especificamente feitas no Sesc Pompéia, é importante ressaltar o fato de que Lina foi sempre contra, enquanto estava lá, a ter exposições de arte, justamente por acreditar ser aquele um espaço de convívio, e não destinado aos museus. Hoje em dia, cada vez mais exposições chegam às unidades dos Sescs, de modo que viraram parte dos museus hoje, e acontece fre-quentemente de parcelas significativas da unidade do Sesc Pompéia ser destinada às exposições, ocu-pando lugar destinado à convivência das pessoas.

8. Espaços de vivência: uso de lazer e atelier

Como se da o uso atual desse espaço? Me pergun-to se, de fato, os conceitos pensados por Lina Bo Bardi ao projetar o espaço são efetivos em seu uso cotidiano.

Segundo o arquiteto André Vainer, no Sesc Pompéia Lina criou o que se pode chamar de ci-dadela: um lugar em que se pode passar o dia todo, você come, vai no banheiro, faz esporte, vê expo-sições, vai no teatro. Sem dúvidas o Sesc Pompéia exerceu influência no modo de ser dos outros Sescs (VAINER, 2014).

É importante ressaltar o caráter da “rua interna”, na qual ocorre uma fusão entre a cidade e o espaço interno do Sesc, de modo que a cidade participa no sesc Pompéia. Tal relação faz com que o projeto estabeleça outra permeabilidade entre o espaço público e privado, oferecendo equipa-

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mentos urbanos complementares à trama urbana que o rodeia, como restaurante e bar, área de descanso, atividades culturais, bancos para se sentar, sanitários.

Nota-se, porém, algumas mudanças em relação ao uso de alguns espaços do Sesc hoje, em contra-posição a como foram pensados pela arquiteta ao projetá-lo. Uma delas seria referente ao espaço que originalmente foi destinado à lanchonete do deck solarium, e que hoje tem o uso de espaço de infor-mática. A lanchonete do bloco esportivo mudou quando o sesc desistiu da ideia de ter duas lancho-netes, de modo que decidiram juntar a lanchonete com o restaurante, o que ocorreu já nos anos 90. Outro espaço que é pouco utilizado com sua pro-posta original é a cascata, criada também na região do deck, para refrescar em dias quentes. O uso como cascata raramente é ativado, e o espaço é bastante utilizado por crianças, brincando ao seu redor.

Outro espaço que entrou em desuso é a aber-tura do teatro direta para a rua. A ideia original da conexão em questão seria para que o teatro pudesse funcionar até depois da hora de funcionamento do Sesc, porém tal proposta não funcionou por conta do controle da quantidade de pessoas. Hoje as passagens funcionam apenas como apoio para entrada e saída de cenários e materiais de apoio.

Um aspecto que pode ser ao mesmo tempo li-mitador e muito enriquecedor do espaço é o fato de que, tanto peças de teatro, quanto exposições, para serem exibidos na espacialidade do Sesc Pompéia, é necessário que ambos sejam pensados e montados exclusivamente para aquele espaço, por não seguirem os padrões originais de teatros e espaços de exposições.

Há, ainda, outras mudanças de uso do espaço, tais como a criação da academia em uma das antigas quadras do bloco esportivo e a transformção de um galpão, que antes servia para manutenção, para servir de múltiplo uso. Em entrevista com o arqui-teto André Vainer, ao perguntar sobre as mudanças do espaço ao longo do tempo, o arquiteto declarou ser a instituição Sesc dinâmica, e que é natural que ocorram mudanças ao longo do tempo. O impor-tante é que o espaço em questão continua extre-mamente democrático e vivo. Nesse sentido, para a manutenção da convivência democrática, a co-municação horizontal entre o restaurante, ateliês, biblioteca, exposições, é fundamental, conforme colocou o arquiteto Marcelo Ferraz em entrevista.

Porém, há questões ainda hoje polêmicas: a cadeirinha de madeira que, pensada como forma de oposição crítica às cadeiras estofadas provenien-tes da época das cortes, é atualmente julgada des-

confortável por muitos. Porém, será que cabe, hoje, a crítica proposta por Lina em relação ao conforto da cadeira, enquanto temos tantos fatores “confor-táveis” atualmente que nos rodeiam e tiram a atenção da realidade que nos rodeia? Para o arqui-teto Marcelo Suzuki, a crítica da cadeirinha propos-ta por Lina hoje virou uma utopia (SUZUKI, 2014).

9. Considerações finais

Com o desenvolvimento da pesquisaque aqui se apresenta consegui organizar o início de uma in-quietação. Sendo, portanto, este trabalho, o início de um caminho, levanto questões, a partir de todo esse campo que se abriu, para serem continuadas.

Em primeiro lugar, elenco a importância em investigar novos significados a serem atribuidos a espaços degradados, tanto no quesito espacial, de projeto, quanto ao uso do espaço em questão, do seu cotidiano. Quando Lina faz do logotipo da nova fábrica da Pompéia uma chaminé que solta flores, faz uma alusão direta a essa transformação do espaço: mostra o trabalho pesado que virou lazer. Assim, sem apagar suas características ori-ginais, mas ao mesmo tempo carregando o espaço de significado atual, a arquiteta consegue fazer um restauro crítico do espaço. Como exemplo atual da investigação da composição entre a dualidade antigo X novo, tive como exemplo, em palestra na Escola da Cidade, o trabalho do arquiteto francês Frédéric Druot. O arquiteto trouxe como princípio de trabalho dar novos significados a espaços exis-tentes sem a necessidade da demolição. Além de salvar custo de trabalho e de energia, visa, com esta forma de trabalho, o aproveitamento da si-tuação particular de cada conjunto já existente.

Em segundo lugar, este trabalho me deixa como questionamento a relação atual entre o desenvol-vimento do projeto, a obra, e seu tempo de execu-ção. Percebi que o fato da obra do Sesc Pompéia ter sido executada ao longo de nove anos e, prin-cipalmente, sua execução diretamente no canteiro de obras, foi fundamental para um resultado apurado de quais seriam as reais necessidades para a revitalização daquele espaço. Um tempo que aparenta longo de dedicação ao desenvolvimento de um projeto na verdade será mínimo quando comparado com o tempo de uso do espaço gerado. Aprendi na aula de projeto do segundo ano que devemos projetar pensando em como será aquele espaço daqui 50 anos. Assim, o que são 10 anos em 50? E em 100? Talvez seja absurda a comparação, pois são tempos diametralmente distintos, mas ao

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observar a construção da cúpula de Bruneleschi para a catedral de Santa Maria del Fiore, em Flo-rença, cuja construção iniciou-se em 1296 e finali-zou-se em 1436, ou seja, com a duração de cento e quarenta anos de obras, ao observarmos seu resul-tado hoje, em 2014, ainda em extrema evidência como fator fundamental de formação da identida-de urbana de Florença, coloco a questão: o que são cento e quarenta anos de construção em setecentos e dezoito anos de vivência daquele espaço na cidade? Se pensarmos de acordo com a lógica atual individualista gerada, entre outros fatores, pelo sistema capitalista vigente, cento e quarenta, ou mesmo nove anos, é muito tempo. Mas se pensar-mos no tempo da cidade, elemento cuja profissão que me propuz cursar tem como foco principal, cento e quarenta anos são pouca coisa.

Ainda com a questão do tempo de desenvolvi-mento do projeto, aprendi com o estudo da arqui-teta Lina Bo Bardi, a importância de não tomar decisões por impulso. Antes de decidir como deverá ser o partido de um projeto, é preciso estudar antes de fazê-lo, escrever muito. Lição bonita que aprendi com Oscar Niemeyer assistindo ao documentário “A vida é um sopro” é sua pratica de, após desenhar, escrever um texto argumentando o porque daque-las decisões. Se não encontrar argumentos para cada resultado, se deve repensar aquela decisão.

Com isso, vem a importância do desenho e da escrita a mão, que hoje vem se diluindo com o uso do computador, celulares e Ipads cada vez mais presente. Com o estudo de documentos deixados pela arquiteta Lina Bo Bardi tive a confirmação do que já acreditava ser verdade: a tecnologia nunca substituirá o desenho analógico, a escrita a mão, ou a leitura do livro que se pode pegar, fechar e abrir, sentir a gramatura de sua folha. A tecnologia complementa o analógico, traz avanço maravilhosos, mas não substitui.

Ficou latente para mim, ainda, a necessidade de mudança da forma de ensino da arquitetura, questão essa que era colocada pela arquiteta Lina Bo Bardi ao pensar IAC e a Escola de Pré-artesana-to do Solar do Unhão. A arquiteta já questionava o distanciamento do estudante de arquitetura e design do canteiro de obras, questão fundamental de ser repensada até hoje. Com o estudo da arquiteta Lina Bo Bardi, vejo, também, outras duas questões fun-damentais a serem repensadas no estudo e na prática arquitetônica: a visão política estabelecida a partir do projeto arquitetônico, visão essa que perdemos principalmente com o golpe militar de 1964; e o domínio técnico do que projetamos. Pode-se dizer que há um problema em como se dá o estudo

da técnica hoje, considerado chato por muitos es-tudantes, embora questão fundamental para quem um dia quer fazer arquitetura. Lina Bo Bardi até hoje é exemplo de uma arquiteta com extremo domínio do conhecimento técnico. Então, fica a pergunta: como retomar o interesse pela técnica?

Aprendi, ainda, com o estudo da arquiteta a importância do olhar para a produção de baixa técnologia, seja num tempo que já passou, seja nos dias de hoje. Fica, para mim, a partir do estudo dos conceitos de arte popular e cultura popular para Lina Bo Bardi, em primeiro lugar, a importancia da síntese no que se produz, do olhar para as reais necessidades e disponibilidades materiais do espaço em que nos inserimos. Em segundo lugar, fica a importância da produção de espaços demo-cráticos, simples e funcionais, sem erudição, mas dotados de uma visão política, podendo, assim, funcionar da forma mais simples e mais essencial. Um espaço de todos.

Por último, a partir do espelho d’água Rio São Francisco, da florzinha de mandacaru, e das me-sas-caxixis, entre outros elementos elaborados pela arquiteta a partir de sua vivência no nor- deste brasileiro, aprendi a importância de criar, a partir de elementos cuidadosamente escolhidos, um ima-ginário produzido pela da presença de elementos dotados de uma visão política, crítica. Assim, o espaço dotado de elementos que remontam a rea-lidade nordestina, retoma a importância do olhar para a cultura popular, a extrema riqueza presen-te na produção pobre.

Ao perguntar para Marcelo Suzuki se ele achava possível de alguma forma dar continuidade às ideias que aprendeu durante seu período de tra-balho com a arquiteta Lina Bo Bardi, o arquiteto disse achar difícil: seus projetos são feitos da maneira mais simples possível, buscando fazer projetos sociais ou institucionais. Marcelo Suzuki, até hoje, desenha cadeiras sem estofado.

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Entrevistas realizadas pela pesquisadora

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AMARAL, Glaucia. 2014. Entrevista concedida em junho de 2014.FERRAZ, Marcelo. 2014. Entrevista concedida em junho de 2014.LATORRACA, Giancarlo. 2014. Entrevista concedi-da em agosto de 2014.SUZUKI, Marcelo. 2014. Entrevista concedida em junho de 2014.VAINER, André. 2014. Entrevista concedida na Escola da Cidade em junho de 2014.

Notas

1. Aluna de graduação do curso de Arquitetura e Urba-nismo na Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

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Thiago Ramos Reis1

Orientadora: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP)Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2011-2012 com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade

This paper discusses part of the work by the architect Lina Bo Bardi dedicated to the theater on the light of three main elements: pre-existence and construction from ruins, repositioning of re-lations staging / audience, stage / seating plan, performer / viewer and scenic possibilities as well as constraints. These analyses are mainly about the constructed theater buildings and the staging architecture, but it also includes a wider study of this kind of cre-ation: costumes, furniture and graphic design, developed for each project, understood as in-separable from the design of the building. The argument starts from the idea that the analyzed production is a counterpoint to the theatrical building of Italian stage and the set designs of illu-sory depth that dominated Bra-zilian theatre scene; in order to highlight to the contemporaneity of the solutions employed in these projects that still today call attention for innovation.

KeywordsLina Bo Bardi; theater; scenic architecture

Ese artículo tiene por objetivo discutir las obras proyectadas por la arquitecta Lina Bo Bardi para el teatro a la luz de tres ele-mentos principales: el preexis-tente y la construcción a partir de las ruinas, el reposicionamien-to de las relaciones / escenario público y activo / espectador y las posibilidades y limitaciones escénicas. El análisis es, en primer lugar de los edificios tea-trales e de las arquitecturas es-cénicas, pero incluye también parte del estudio de la amplia producción escénica de Bo Bardi: realización de trajes, muebles y diseño gráfico, desarrollado para cada proyecto, que a menudo son inseparables desde el diseño del edificio. La discusión tiene base en el entendimiento de que la producción en analice es un con-trapunto a los teatros tradiciona-les de palco escénico italiano y escenarios de diseños de profun-didad ilusoria, que dominaron la producción brasileña; con la in-tención de destacar la contem-poraneidad de las soluciones empleadas en los proyectos que llaman la atención aun hoy por la innovación.

Palabras-clave:Lina Bo Bardi; teatro; arquitec-tura escénica.

O teatro de Lina Bo Bardi: preexistência, reposicionamento da plateia e condicionantes cênicas

Esse artigo pretende discutir a obra da arquiteta Lina Bo Bardi dedicada ao teatro, à luz de três eixos principais: pré-existências e construção a partir de ruínas; reposicionamento das relações cena / público, palco / plateia e atuante / espectador; e possibili-dades e condicionantes cênicas. A análise é primordialmente sobre os edifícios teatrais cons-truídos e as arquiteturas cênicas, mas inclui também o estudo mais amplo dessa produção cênica: trajes, design gráfico e mobiliá-rio, desenvolvidos para cada projeto, do nosso ponto de vista, indissociáveis da concepção do edifício. A discussão parte da ideia de que a produção analisa-da é um contraponto ao edifico teatral de palco italiano e as ce-nografias de profundidade ilusó-ria que dominaram a cena teatral brasileira, afim de destacar para contemporaneidade das soluções empregadas nos projetos que ainda hoje chamam a atenção pela inovação.

Palavras-chaveLina Bo Bardi; teatro; arquitetu-ra cênica

The theater of Lina Bo Bardi: preexisting, repositioning the audience and scenic constraints

El teatro de Lina Bo Bardi: las preexistencias, el reposicionamiento de la audiencia y las limitaciones escénicas

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1. A construção do espaço da representação

Edifícios teatrais são mais do que construções mar-cantes no tecido urbano. São símbolos de uma organização social, de uma cultura. Se o movimen-to teatral e o teatro falam da sociedade em suas diversas épocas, o documento incontestável da presença do teatro na cidade é o edifício que o abriga. Nesse sentido, sua materialidade lhe dá uma condição real de existência que não pode ser desprezada. Até meados do século XX, vemos como o edifício teatral foi o espelho da cidade que se modernizava, sendo ele mesmo um elemento con-formador da cidade e um símbolo de progresso, um monumento no tecido urbano. Ao pensarmos em São Paulo, por exemplo, o Theatro Municipal inaugurado em 1911 talvez tenha sido o ícone mais significativo dessa presença, coroando as reformas urbanas empreendidas no início do século pelo prefeito Antônio Prado num centro que se queria moderno, europeizado, e que teve nesse edifício um dos símbolos mais marcantes do período (CAMPOS, 2002). Mas não apenas o Municipal. Podemos ter uma apreensão semelhante para os diversos edifícios teatrais que surgem na cidade a partir do final do século XIX e ao longo do XX que se apresentam como pontos focais da cultura. Se não símbolos tão evidentes como foi o Municipal, aqueles teatros seriam pontos de atração que mar-caram a cidade de outra forma. Não impactando a paisagem pela construção em si, mas fazendo daqueles endereços lugares de encontro, pontos de sociabilidade e que do ponto de vista simbólico deixaram suas marcas. Basta pensarmos no Teatro Brasileiro de Comédia - TBC (no Bexiga) e no Teatro de Arena (na Consolação), e o que estes teatros (e seus grupos de atores) representaram para o mo-vimento teatral de vanguarda dos anos 1940, 50 e

60, décadas de real metropolização da cidade (ARRUDA, 2005).

Já nos anos 2000, vimos renascer uma cena teatral na Praça Roosevelt, antes completamente abandonada pelo poder público, e que a partir justamente da ocupação de coletivos teatrais (Par-lapatões, Os Satyros) seria reformada, protagoni-zando um movimento de renovação urbana con-duzido pelo próprio mercado imobiliário, o que paradoxalmente parece estar levando esses pró-prios coletivos a buscar novos lugares na cidade2.

Por isso, pode-se afirmar que entender a pre-sença dos teatros na cidade nos dá pistas não apenas sobre o desenvolvimento da arquitetura, mas dos caminhos da sua urbanização e da própria socie-dade em que eles se inserem. Se os teatros paula-tinamente diluem-se na crescente metropolização, eles não perdem seu posto de polos de cultura, reinventando-se e se dispersando por novos ende-reços, a partir do crescimento dos grupos teatrais e das novas propostas do movimento teatral no Brasil. Nesse sentido, os teatros de Lina Bo Bardi permitem ter uma compreensão mais geral também dos processos urbanos engendrados neste largo arco temporal que cobre sua produção. Lina Bo Bardi chega ao Brasil em 1947 e logo se radica em São Paulo, justamente num período de intensa movimentação cultural na cidade, quando sua iden-tidade se forjava numa cena cultural que se pre-tendia de alcance nacional (ARRUDA, 2005). Desde suas primeiras intervenções, nota-se uma preocu-pação em cada projeto em modernizar os espaços, unindo suas referências europeias à situação local3. Ao longo de sua carreira, Lina desenvolve muitos projetos para teatro, entendidos aqui de maneira ampla, pensados como espaços que abriguem en-cenações. Em todos os projetos, há uma intenção de discutir o espaço cênico: o lugar do ator, do es-

Figura 1. Croqui de Lina Bo Bardi (1959) para “Ópera dos três tostões” no Teatro Castro Alves de Salvador” - Diagrama de movimentação dos atores entre palco/plateia. Fonte: acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

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pectador e a construção da cena, e por consequên-cia, o lugar dos cidadãos e a construção cidade. A arquitetura para teatro de Lina Bo Bardi não pre-tende ser um marco do progresso, nem documen-to da modernização, como tinham sido os teatros tradicionais até então. Com Lina, o edifício teatral passa de alguma forma a abrigar a cidade, voltan-do sua atenção nova possibilidades de construção do fazer teatral (LATORRACA, 1999).

Nos teatros da arquiteta sempre existiu a pre-ocupação de que a cidade fizesse parte da constru-ção do espaço de encenação: o pano de vidro ao fundo do palco do Polytheama, a janela do Oficina ou o buraco do Gregório de Mattos, podem ser vistos como manifestos da sua vontade de incidir nas questões da cidade, respectivamente: o centro de Jundiaí e a necessidade de reocupar o Polythe-ama; o terreno do Grupo Silvio Santos que naquele momento impedia a construção do Teatro Estádio; e o Conjunto Nossa Senhora da Barroquinha, ainda não restaurado. Os espaços teatrais da arquiteta, como vários outros de seus projetos, são concebi-dos entre a técnica e as questões culturais, que acabam por resultar espaços com caráter tátil, não abstrato, democráticos, condizentes com a reali-dade e a contextualização dos usos.

Na unidade do SESC na Pompéia a arquiteta projetou um espaço que também se relaciona com a cidade, mas de uma nova forma. Um edifício que serviu a outro contexto, um galpão de uma antiga fábrica de tambores, num bairro operário, foi re-cuperado para receber um edifício teatral, criando uma extensão da rua dentro do centro de cultura e lazer4. O resultado é um “teatro de arena revisi-tado”, um teatro sanduíche5, com possibilidades de abrigar peças de teatro, espetáculos circenses, shows musicais, e que por suas particularidades espaciais acaba por influenciar a montagem, que tem que se haver com um novo espaço cênico, pouco convencional, onde a arquiteta combinou elementos além das dimensões físicas, pensando no acabamento, na qualidade da arquitetura e no formato da plateia e subvertendo a lógica do palco italiano tornando invisível a linha de separação entre atuante e a audiência6.

O rompimento do palco italiano proposto pela arquiteta em todos os seus projetos teatrais recon-dicionam o lugar do espectador na cena, construin-do um espaço democrático. Lina constrói uma concepção de teatro ao longo da sua trajetória, a partir de um conceito que se torna cada vez mais claro do uso ou dos múltiplos usos. No Teatro Oficina, de 1984, uma fase madura de sua produção, a arquiteta pretendeu “expor o ator e uma condição

francamente humana ao público” (AMARAL, 2005). Esse, talvez, seja seu projeto mais radical, onde ela congregou o longo caminho que a leva a pensar as soluções para coxia, urdimento e espaços técnicos sempre aparentes, permitindo a todo o momento a prova da não abstração, estando em acordo com uma crítica marxista do modernismo, seguindo as reformulações cênicas de Brecht, pautadas pela necessidade da não ilusão do espectador (SILVA, 2005). O que coloca o trabalho do arquiteto como fundamental para concepção do espetáculo.

O reposicionamento das plateias e pré-existên-cias desenharam as arquiteturas cênicas de Bo Bardi, por exemplo, nos projetos das peças brech-tianas “Ópera dos três tostões” e “Na selva das Cidades”. Na ocupação do Teatro Castro Alves de Salvador e no Oficina em São Paulo, Lina propõe a apropriação do teatro em moldes diferentes aos de Bina Fonyat7 e de Rodrigo Lefréve e Flávio Império, concretizando uma arquitetura menos ligada às convenções tradicionais da arquitetura teatral (PEREIRA, 2007, p.169-172)8. Segundo Ca-rolina Leonelli, é onde se nota como Lina continua desenvolve suas ideias de “apropriação” e “desvio”, por retirar da condição existente, a matéria prima para construção da cena. Um material que é res-significado em cena sem deixar de pertencer a seu lugar de origem.

O TCA teve suas obras terminadas em 1958 e poucos dias antes da inauguração sofreu um in-cêndio, de causas desconhecidas ainda hoje, na época a mídia noticiou que fogo começou em cur-to-circuito na instalação elétrica. No ano seguinte a sala foi inaugurada não oficialmente, com a “Ópera dos três tostões”, com trajes e arquitetura cênica de Bo Bardi em 1959. A arquiteta ocupou as ruínas do Teatro Castro Alves, no foyer do teatro instalou o Museu de Arte Moderna da Bahia e na sala de espetáculos projetou, a pedido da Escola de Teatro da Bahia, as arquiteturas cênicas de “Ópera dos três tostões” e “Calígula”9. Mais tarde, no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAMB), no espaço do Solar do Unhão usado ocasionalmente como espaço cênico (PEREIRA, 2007).

As experiências de redesenho de arquitetura com outra função permeiam toda a produção da arquiteta, no caso dos edifícios teatrais, elas são condicionantes na atuação de Lina. E são essas experiências de arquitetura cênica que vão desembocar na concepção dos edifícios teatrais construídos entre as décadas de 1970 e 1980.10

A opção pela “arena revisitada” do SESC Pompeia é uma solução espacial muito próxima à proposta cenográfica de “Na selva das cidades”11

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para o Oficina anos antes. No Teatro Polytheama de Jundiaí12, projeto de 1986, Lina diz ser de grande importância recuperar um espaço da cultura popular da cidade, ressaltando que ele seria um dos últimos exemplos de “teatro polivalente” no país, portanto, um espaço de múltiplo uso, e que deveria em sua essência ser um teatro moderno de possibilidades diversas de ocupação. Lina propõe um pano de vidro aos fundos do teatro, deixando que a cidade seja o último e real pano de fundo de todas as montagens. Essa postura projetual da arquiteta é bastante semelhante a que ela desenvolve no projeto Barroquinha nos anos 1980 em Salvador, na implantação do Teatro Gre-gório Matos, quando Lina abre a parede do fundo desse espaço cênico para o complexo histórico da Igreja Nossa Senhora da Barroquinha13. Em diver-sos desses projetos, o pré-existente e a arquitetura como documentação histórica são questões guias para as intervenções, e é essa discussão que pre-tendemos levar adiante aqui.

Além de teatros, como se sabe, Lina projetou também alguns auditórios que eventualmente cumpririam a função de espaços cênicos: o do MASP da Rua Sete de Abril (1947), o do MASP Pau-lista (1968)14 e do MAM (1982). Esses projetos de Lina parecem subverter essa divisão estrita de teatro e auditório, trazendo à tona questões como a versatilidade do espaço, a exemplo dos auditórios do MAM e do MASP, onde a arquiteta projeta um mobiliário que possa ser retirado da sala permite por si só o uso do salão livre ou simplesmente a reconfiguração dos lugares. Como afirmou Leonelli, “para Lina, a distância entre palco e plateia apre-sentava-se de fato como um problema a ser resol-vido” (LEONELLI, 2011, p.27). Assim como Walter Gropius em seu Teatro Total, que acreditava no teatro como instrumento de mudanças sociais -

Onde a plateia devesse deixar de ser apenas ob-servadora para tornar-se parte atuante do espetá-culo -, Lina defendia que ambas poderiam eventualmente estar em um mesmo espaço, elimi-nando-se as barreiras físicas entre espectador e ator15. Portanto os projetos para teatro da arquite-ta não estaria ligada a questão da imagem ou a da recriação de uma realidade aparente, mas na pos-sibilidade de ressignificação do objeto arquitetô-nico16 e das relações dos usuários com e no edifí-cio17, por isso a análise das obras será feita a luz dessas questões presentes em toda produção da arquiteta para teatro: pré-existências e construção a partir de ruínas; relação cena / espectador - palco /plateia; e possibilidades e condicionantes cênicas.

2. Os edifícios teatrais construídos e a construção do edifício através da cena

2.1. Na Bahia, o Teatro Castro Alves incendiado: as primeiras experimentações

Desde as primeiras experiências na produção para teatro, Lina Bo Bardi recondicionou o lugar da atuação: a cena é estendida para além do espaço do palco, invade a coxia e plateia buscando o espaço da cidade. A cena estática, com lugar marcado para acontecer, não traz problemas ao espectador, e a inércia do público não é o que desejou a arquiteta. Em toda sua produção Bo Bardi subverteu a expe-riência teatro tradicional em suas aproximações com as artes cênicas. Em sua primeira estadia na capital baiana18, Lina teve como primeira ativida-de profissional a instalação do Museu de Arte da Bahia no foyer do Teatro Castro Alves incendiado, e em parceria com a Escola de Teatro da Bahia, sob a tutela de Martim Gonçalves19, construiu na

Figura 2. “Na Selva das Cidades” no teatro Oficina em 1969 - Atores em cena no ringue. Fonte: acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

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sala de espetáculos do TCA as arquiteturas cênicas de “Ópera dos três tostões” de Bertold Brecht e “Calígula” de Albert Camus.

Na arquitetura cênica para obra de Brecht a arquiteta eliminou qualquer possibilidade de ilu-sionismo da cena: os vários lugares necessários para a representação da ópera foram colocados simultaneamente em cena, ligados por escadas e passarelas de madeira, o que dispensou a troca de cenários. Os fios, refletores, araras de roupas, cordas e mecanismos ceno-técnicos aparentes faziam com que o público estivesse todo o tempo consciente de que estava diante de uma represen-tação. Lina propôs letreiros luminosos e telas para projeção, que chamavam o público a reflexões externas ao espaço do teatro, e as projeções traziam para cena acontecimentos externos. Dessa maneira, quebravam a “quarta parede” do edifício teatral.

Lina, na arquitetura de “Ópera dos três tostões”, construiu a cena nos moldes sugeridos por Bertold Brecht20. Observando os desenhos para essa arqui-tetura cênica é possível perceber a preocupação da arquiteta em eliminar as predeterminações do que era o lugar da atuação e o que era reservado ao público. A opção em colocar a pequena orques-tra junto aos atores é uma clara oposição ao limite do palco italiano que ali existiu, onde a separação era dada justamente pelo fosso da orquestra e pela boca de cena, que também foi eliminada.

Por fim, é nessa arquitetura cênica que Bo Bardi enfrenta pela primeira vez o caráter efêmero do fazer arquitetônico21. Se é evidente que a efemeri-dade é uma condição de projetos cenográficos, nos projetos da arquiteta essa condição é radicalizada. Na montagem da “Ópera dos três tostões”, a utili-zação de elementos precários traz esse questiona-mento, o que permearia toda a produção cenográ-fica da arquiteta.

2.2. Em São Paulo, a chegada do elevado e a “cidade-ringue”

No período entre 1968 e 1976, ou entre a inaugu-ração do MASP Paulista e da Igreja Espírito Santo do Cerrado de Uberlândia, a produção de Lina Bo Bardi é bastante restrita, e é nesse momento que, a arquiteta se aproxima da produção artística bra-sileira (LIMA, 2009).

Nesse período, Lina é apresentada por Glauber Rocha22 a José Celso Martinez Corrêa, diretor do Teatro Oficina. Em sua primeira aproximação com o grupo23 ela desenvolve em 1969 a arquitetura cênica da peça de Brecht “Na Selva das Cidades”, e dois anos mais tarde, a arquitetura cênica e o figurino de “Gracias Señor”. Em “Na Selva das Cidades” Lina traz para São Paulo suas ideias de “teatro pobre”, já experimentadas nas arquiteturas cênicas realizadas para Escola de Teatro da Bahia no começo dos anos 1960. Segundo a própria ar-quiteta, a ideia de um “teatro pobre” é desdobra-mento da “arquitetura pobre”: pobre no sentido de simplicidade na construção da cena, não no sentido econômico, mas na simplicidade dos meios de comunicação24.

A cena desejada nessa primeira construção para o Oficina tem a ver em muito com a experi-ência anterior do projeto de “Ópera dos três tostões”. Se na montagem baiana, o incorporar à construção da cena a memória recente do TCA incendiado condicionou o projeto, na montagem paulista, a chegada do “Minhocão” no bairro do Bexiga foi matéria prima na concepção e constru-ção de “Na selva das Cidades”. Essa matéria-prima da arquitetura cênica foi justamente o entulho deixado pelas ruas do bairro histórico na constru-ção do Elevado Costa e Silva. As madeiras, tijolos e restos de concreto trouxeram para dentro do

Figura 3. Plateia, palco e plateia do teatro do Sesc Fábrica da Pompeia, fotografado por Marcelo Ferraz em 1982. Fonte: acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

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teatro a experiência urbana: a de Chicago dos anos 1920 narrada na obra de Brecht e a de São Paulo dos anos de 1970 incorporado na montagem do Teatro Oficina. A opção por conceber no centro da cena um ringue segue as indicações de Brecht, que sugere no texto uma constante luta na (selva da) cidade. É nessa montagem que a efemeridade da arquitetura cênica é extremada por Bo Bardi: a cada apresentação, o cenário era completamente destruído pelos atores e refeito no dia seguinte. José Celso Martinez Correa, a respeito do cenário da peça, disse:

A Lina Bardi, que fazia a cenografia da Selva, pegava o Lixo do Bexiga e trazia para o palco. Tanto que a gente não pagou quase nada para o cenário. Ela saía feito uma doida no meio da rua: ‘Que bonito! Que maravilha!’ Os maqui-nistas pensavam que a mulher estava maluca; ela catava o que havia de mais sórdido, triava e botava no cenário.” (CORREA, 1998) Nessa montagem, o espectador se torna parte

da cena, pois ele também está “Na selva das cidades”. Lina transformou o palco italiano de Império e Lefréve em um “teatro sanduíche”, relação espacial próxima a que mais tarde projetou no SESC Fábrica da Pompeia. Nas laterais do palco eram dispostas mesas em uma espécie de cabaré ocupado pelo público, e nessa concepção cenográfica não era possível distinguir quem era ator ou espectador.

Para Zé Celso, “Na selva das cidades” foi de fato um momento de ruptura dentro do teatro e da cidade. O Bexiga, que até aquele momento era visto como um bairro encortiçado, marginal, passaria por grandes modificações com a chegada do “Mi-nhocão”, que partiu o bairro ao meio. E ao mesmo tempo o Oficina rompe de vez com os padrões que o aproximava do teatro engajado de esquerda25. É com a experiência catártica de “Na Selva das Cidades” que o grupo, capitaneado por Zé Celso e Lina, viu a necessidade de construir um novo “Oficina” livre da quarta-parede, um “teatro-rua”, um “sambódromo”. O contato com a terra do Bexiga na montagem do texto de Brecht trouxe a neces-sidade latente de abandonar o teatro construído nas antiquadas estruturas sociais e buscar um teatro “dionisíaco”, o que resultou nas primeiras experiências do grupo com o que eles chamam atualmente de “te-a-t(r)o”, “teatro rito”.

2.3. Na fábrica de tambor, uma arena revisitada

O teatro de vanguarda brasileiro no final dos anos de 1970 já tinha posto em xeque algumas vezes as

relações convencionais do lugar da cena e do es-pectador, e é nesse cenário que Bo Bardi desenvol-ve o projeto do teatro do SESC Fábrica da Pompéia. O desenho do edifício, segundo a arquiteta, deveria ser concebido para possibilitar a difusão da cultura e incluir a classe operária - deveria, assim, ser coerente a necessidade de comunicação do projeto, onde a cidadania cultural poderia ser exercida de forma plena26.

O projeto do SESC Pompeia, de 1977, é divido em duas partes: o bloco esportivo e o bloco cultu-ral e de serviços. Para o primeiro, foi construído um novo edifício e o segundo bloco foi abrigado na antiga fábrica de tambores. O teatro foi proje-tado entre dois dos galpões da antiga fábrica: o foyer fica no vão entre os blocos, coberto por telhas de vidro e fechado por treliças de madeira, a sala de espetáculos foi instalada em um dos galpões pré-existentes. Para abrigar o teatro, Lina projetou várias intervenções, todas alinhadas às proposições do restauro crítico27, intervenções feitas a com formas e matérias do presente, nunca de maneira mimética ao pré-existente, ideia que permeou toda sua atuação em prédios históricos e ruínas28.

Lina optou por projetar um “teatro sanduí-che”29: arquibancadas opostas separadas por um palco retangular. Nas palavras da arquiteta, “uma arena revisitada”. Tal conformação espacial pos-sibilitaria estímulos à reinvenção do cotidiano na cena e que aos homens (espectadores) apresenta-ria uma significativa liberdade. O teatro dos co-merciários deveria valorizar o trabalho e o lazer em igual proporção, e para tal deveria levar o trabalhador a se questionar sobre seu papel e sua atuação no mundo, sendo estimulado por situações de desconforto e estranheza da própria realidade.

Em seu primeiro edifício teatral construído, o do SESC, Bo Bardi se valeu de vários elementos já experimentados em seus projetos de arquitetura cênica e auditórios nas décadas anteriores. No teatro da Pompeia, a arquiteta manteve a clara decisão de que naquele espaço, não só o espetácu-lo, mas as arquiteturas deveriam ser capazes de possibilitar a experiência teatral como um todo: texto, atuação e espaço, não podem ser lidos iso-lados nem no fazer teatral e nem no arquitetônico.

Espacialmente, o teatro foi discutido generica-mente entre a arena e o palco italiano, e ao longo da história, uma dessas formas sempre pareceu mais adequada para o tipo de representação de-sejada que a outra. Lina, com um gesto poético de sua arquitetura, coloca dentro do cubo (italiano) o círculo (arena) no SESC Pompéia. Tal gesto não seria, portanto, uma aproximação do Teatro Total

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de Gropius, já que na fábrica a arquiteta não deseja fazer um teatro que consiga receber qualquer tipo de espetáculo. Ao contrário, Lina quer um espaço que condicione a montagem e que esteja em acordo com o que se deseja para sua “cidadela”. Não existe uma clara separação entre o palco a plateia, gesto afirmativo de que o lugar da atuação não deveria estar separado do público, assim como a ausência de um “palco” mais alto ou separado visualmente dos espectadores: o palco nesse teatro está no mesmo nível que a primeira fileira de cadeiras30. Por fim, Lina diz criticar no projeto do SESC a so-ciedade de consumo, optando por fazer uma “ar-quitetura pobre” que atenta a estética da honesti-dade, deixando as paredes sem revestimento, as estruturas e os métodos construtivos aparentes. No teatro, isso está colocado nas controversas pol-tronas sem estofados31, nas arquibancadas e frisas de concreto aparente e mais radicalmente na opção de condicionar o fazer teatral sem criar ilusões, onde o ator é visto por todos os lados e o público é livre para receber a cena de diversas maneiras, o palco central sem claras separações espaciais avisa o espectador que aquilo não se trata de uma “caixa mágica”, mas sim do lugar da representação.

2.4. A experiência síntese da produção teatral de Bo Bardi: um teatro aberto ao Bexiga

O Teatro Oficina nasceu como grupo no final dos anos de 1950, formado por estudantes de Direito encabeçados por José Celso Martinez Corrêa e Renato Brorghi. Logo em seus primeiros anos de existência o grupo alugou no Bexiga o antigo Teatro dos Novos Comediantes para ser a sua sede. Em seu pouco mais de meio século de “(re)existência” o edifico teatral do Oficina passou por diversas

propostas espaciais. O primeiro projeto, construído a pedido do

grupo pelo arquiteto Joaquim Guedes ainda no final dos anos de 1950, já era um “teatro-sanduí-che” (plateias colocadas frente a frente e entre elas o palco). Esse projeto foi substituído em 196732 por uma proposta de palco italiano, pensada por Flávio Império e Rodrigo Lefévre. Esse é o teatro que recebeu as arquiteturas cênicas “Na Selva das Cidades” e “Gracias Señor” de Lina Bo Bardi: uma extensa arquibancada de concreto com acessos em meio nível e no palco (italiano) uma platafor-ma giratória33.

Em 198334, recém-voltado do exílio político, o diretor do grupo sugeriu o que foi a grande virada na produção da companhia: o te-at(r)o, o teatro rito antropofágico, proposições que a companhia persegue ainda hoje. Nesse contexto, Lina Bo Bardi em parceria com Marcelo Suzuki fez uma nova proposta de ocupação para o teatro, que não seria construída. Em 1984, Lina, juntamente a Edson Elito, projetou o teatro que foi construído e inau-gurado em 1993, um ano após a morte da arquite-ta. Esse é o Teatro Oficina que conhecemos hoje, pensado como um “teatro passarela”, ou nas pala-vras do diretor do grupo, “teatro-sambódromo”, ou ainda para arquiteta “teatro-rua”.

No terreno ao lado do teatro a arquiteta dese-java construir o “teatro-estádio”, que foi re-esbo-çado anos mais tarde por Paulo Mendes da Rocha. O arquiteto apresentou uma proposta de ocupação do terreno baseada em uma releitura do minhocão: o viaduto invadiria o terreno e ligaria a cidade a uma “oca-estádio” para cerca de 5000 pessoas. O “Teatro-estádio” ainda hoje não foi construído e tem sido alvo de muitas discussões desde o começo dos anos 2000, quando o Grupo Silvio Santos, pro-prietário do terreno, demonstrou interesse de

Figura 4. Estudo para grande abertura do palco no novo Teatro Polytheama de Jundiaí. Croqui de Lina Bo Bardi, André Vainer, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki (1986). Fonte: acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

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construir algo no local. Para essa área foram feitos desde então inúmeros projetos. O arquiteto Júlio Neves a pedido do proprietário do terreno fez o projeto de um shopping, algo que imediatamente seria rechaçado pela companhia. Como tentativa de conciliar os interesses do Grupo Silvio Santos e do Teatro Oficina, Silvio Santos encomendou ao escritório Brasil Arquitetura um projeto chamado “Shopping Bexiga”, que abrigaria o centro comer-cial e teatro estádio, mas a proposta também foi abandonada. Os proprietários do terreno ainda fizeram um projeto de torres comerciais no terreno. Em 2010, o Grupo Silvio Santos passou uma crise financeira e acabou deixando de ter interesse pelo terreno, momento em que o terreno foi cedido ao Oficina para que realizasse suas atividades teatrais no local. Aventou-se ainda a possibilidade de se trocar o terreno por outro de igual valor na cidade de São Paulo, com a intermediação do poder público. Nesse momento o diretor da companhia encomendou outro projeto ao arquiteto João Batista Martinez Corrêa, seu irmão, que além do teatro estádio abrigaria a “Universidade Antropofágica” e a “mata do Bexiga”. Por fim, o que se defende atualmente é que seja feito outro projeto que se aproxime das ideias esboçadas por Bo Bardi e Elito (CORREA, 2012).

O espaço cênico proposto por Lina é uma grande caixa cênica onde não existe separação do lugar do espectador e da cena. O teatro funciona como uma extensão da rua35, um beco que deseja ser aberto ao estacionamento do “baú da felicida-de”. Não existem lugares marcados para o espec-tador ou para a atuação. A ideia da arquiteta e do grupo é que não existam espectadores, mas parti-cipantes que tornem possível o te-at(r)o36, expondo os atores a uma “condição francamente humana”. Enquanto rua, é desejável que a separação do espaço externo para o espaço do teatro seja natural, e para tal, Lina abriu a parede norte do teatro para cidade, criando um pano de vidro que faceia o estacionamento vizinho. No telhado, existe uma cobertura retrátil, que quando aberta deixa ver o céu e expõe a sala de espetáculos às condições da natureza: chuva, vento, dia e noite. Por fim, na parede oposta à entrada do teatro Lina criou aber-turas nos arcos pré-existentes, que sinalizam que aquela parede deve ser derrubada em busca da construção do teatro estádio, nas palavras de Lina “o teatro aberto ao Bexiga”.

Ainda de acordo com a atuação do grupo, Bo Bardi propôs para o espaço cênico elementos ligados à natureza, possibilitando a realização naquele local do teatro-rito e do teatro antropofá-

gico: além das aberturas já citadas, no centro do teatro existe uma “cachoeira” de tubos aparentes que desaguam em um espelho d’agua, e sob a pas-sarela central há uma faixa de terra coberta por pranchas de madeira, no ponto mais alto do teatro uma tubulação de gás permite que seja acesa uma fogueira. Existem ainda pedras, plantas tropicais e, do lado de fora rente a janela, uma árvore totem. Todos esses elementos da natureza foram combi-nados a um sistema de televisores e de mecanismos ceno-técnicos aparentes que resultam no que é chamado por Zé Celso de “terreiro eletrônico”. Para Lina: “do ponto de vista da arquitetura, o Oficina vai procurar a verdadeira significação do teatro - sua estrutura física e tátil, sua não abstração-que o diferencia profundamente do cinema e da tevê, permitindo ao mesmo tempo o uso total dos meios” (BARDI, 1999, p.3)37.

A permanência da antiga fachada, resistiu a todos os projetos de arquitetura para o Oficina é documento patente da história do lugar, não só na parede, mas nos tijolos aparentes e nos arcos ”romanos” descobertos por Lina, que nesse projeto atua como “arqueóloga urbana”, como quer Zé Celso. Essa condição é radicalizada no gesto da arquiteta em abrir sob a passarela-palco uma espécie de trincheira buscando a memória mais remota do lugar, que não está no edifício constru-ído, mas na terra no Bexiga.

2.5. O restauro das possibilidades: o polivalente Polytheama

Sobre a restauração do Polytheama, Bo Bardi res-saltou a necessidade de entender o objeto histó-rico sobre qual se intervém: o teatro de Jundiaí era naquele momento um dos últimos exemplares do teatro polivalente do país. Da mesma maneira que operou nas obras de adequação da Fábrica da Pompeia, a arquiteta faz ali um apelo para que seja mantido o espírito de ocupação popular daquele teatro.

O modelo “polivalente” do começo do século já não satisfazia as necessidades do teatro moderno, porém, para a arquiteta era necessário que a memória dessa tipologia estivesse presente no novo Polytheama. Se no começo do século os teatros polivalentes deveriam ser capazes de abrigar es-petáculos teatrais, musicais e circenses, o novo Polytheama deveria suportar um conjunto de pos-sibilidades que passasse pelas atuações tradicio-nais, espetáculos alternativos e projeções de vídeo. Bo Bardi relaciona o teatro de Jundiaí ao primeiro

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polivalente, o “La Maison du Peuple” em Bruxelas, teatro que representou na Europa uma avançada possibilidade de expressão artística e comunicação popular. O novo teatro de Jundiaí deveria estar apto a receber múltiplas possibilidades de ocupa-ção: a plateia poderia se configurar de diversas maneiras, e para tal receberia cadeiras móveis; as frisas nas primeiras alturas e arquibancadas nos últimos andares permitiriam ao público assistir espetáculos sob outros pontos de vista.

Nos diversos desenhos depositados no Institu-to Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi é notável a preocupação da arquiteta em outra vez projetar dentro das proposições do restauro crítico. Todas as intervenções da arquiteta para o novo Polythe-ama seriam feitas com forma e materiais contem-porâneos: o edifício proposto anexo ao edifício histórico seria construído em concreto e abrigaria uma choperia e programas complementares ao teatro, os acessos aos diversos níveis do projeto aconteceriam por dentro de tubo náuticos e dentro da sala de espetáculos, as arquibancadas deveriam ser construídas em concreto, como a base das ar-quibancadas do Teatro da Pompeia, as poltronas soltas seriam estofadas de azul cobalto, a mesma cor utilizada nos praticáveis do Oficina.

Mesmo restaurando um teatro com forma bas-tante próxima ao palco italiano, Lina projeta algumas condicionantes para as futuras montagens cênicas no teatro de Jundiaí, experimentadas em suas obras cenográficas para o teatro de vanguarda: a quarta parede do Polytheama não deveria ser quebrada apenas no palco, mas também entre o edifício e a cidade. Dentro do edifício, a arquiteta elimina o fosso da orquestra e a boca de cena da mesma forma que procedeu na intervenção para a “Ópera dos Três Tostões” em Salvador e na Fábrica da Pompéia. O palco e o chão da plateia podem se

tornar um único espaço, quebrando a “quarta parede” interna, e a outra “quarta parede”, a do fundo do teatro, deixa de existir com a instalação de um “pano de vidro” que abre o teatro para cidade, trazendo para o palco a profundidade real da cena, que nesse caso não se resolve na concepção ceno-gráfica, mas na arquitetura. Sobre as múltiplas possibilidades propostas para teatro, Lina disse: “Com outras inovações do palco, o Polytheama poderá vir a ser o centro de Jundiaí - e não somente de Jundiaí” (BARDI apud FERRAZ, 1993, p.280).

O restauro proposto por Bo Bardi, por razões políticas acabou por não ser construído. Em 1994, após a morte da arquiteta, o escritório Brasil Ar-quitetura38 foi convidado a rever o projeto da ar-quiteta e tocar as obras do teatro que foi inaugu-rado em 1996. É perceptível que muitos dos desejos de Bo Bardi para o espaço não estão presentes na obra: o pano de vidro ao fundo da sala de espetá-culos não foi realizado, as poltronas são fixas e a diferenciação pré-existente/intervenção se limitou a pintar o edifício histórico de branco e executar as novas intervenções em concreto aparente39. Diferenças projetuais a parte, é inegável que o maior desejo de Lina foi contemplado no projeto construído: o Polytheama voltou a ser a casa do povo, tem uma programação diversa e se tornou símbolo da cidade.

2.6. Na Bahia: o teatro no conjunto histórico

O último edifício teatral construído projetado por Lina Bo Bardi, o Teatro Gregório de Mattos, faz parte de um plano urbano da arquiteta para o Largo da Barroquinha em Salvador40. O projeto chamado por Lina de “Projeto Cultural Barroqui-nha” é composto pela restauração da Igreja Nossa

Figura 5. Cadeiras Frei Egydio no espaço de configurações diversas de plateia do Teatro Gregório de Mattos de Salvador. Fonte: fotografia de Nelson Kon; acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

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Senhora da Barroquinha, que passou a ser um centro comunitário, pelo estacionamento que deu lugar a uma feira de ervas, e a parte da frente do um antigo cassino deu lugar ao Cine Glauber Rocha, com fachada inspirada no cartaz de “Deus e Diabo na Terra do Sol”, por fim, a parte de traz do cinema foi transformada no Teatro Gregório de Mattos. Além do centro do plano urbano, Bo Bardi propôs diretrizes para a ocupação do entorno que deveria ser ocupado por uso misto, e que não foram reali-zados em sua totalidade.

A arquiteta aproveitou toda estrutura da antiga casa noturna Tabaris para abrigar o Cine Glauber Rocha e o Teatro Gregório de Mattos. O espaço, mesmo antes da intervenção da arquiteta, já recebia espetáculos, e para atender às novas ne-cessidades foram inseridos poucos elementos. O térreo do teatro passou a ter um bar e um grande espaço vazio para exposições, o andar superior, de planta idêntica, recebeu a sala de espetáculos. Para ligar os dois pavimentos, Bo Bardi projetou uma “escada-escultura” em concreto41. Nas palavras da arquiteta: “como o projeto é muito simples e o ambiente será maior de simplicidade, embora nobre, precisava de um elemento que fosse um ponto de interesse fundamental para um ambien-te assim tão despido”. Outra vez, tudo que é inter-venção no prédio histórico é marcado por formas e materiais contemporâneos: a escada é construí-da em concreto, as novas tubulações e outras pe-quenas intervenções estão aparentes.

Para a sala de espetáculos, Lina projetou um grande vazio, uma praça, ocupada apenas por cadeiras dobráveis “Frei Egydio”. Na aquarela “Varais e teatro” depositada no acervo da arquite-ta, percebe-se que é nesse projeto que Lina mais se aproxima da arena greco-romana, as cadeiras são dispostas ao redor de um tablado retangular, entretanto, essa não é única possibilidade espacial da sala. As possibilidades espaciais do último espaço de ocupação cênica construído por Bo Bardi são muito próximas as de outros projetos: aos auditórios do MASP 7 de Abril e do da Paulista, do auditório improvisado na rampa do TCA ou do auditório do MAM Ibirapuera. Nessa “praça” (como a arquiteta se refere à sala de espéculos do TGM) o lugar da encenação é “tudo”, pois não existe nenhuma separação do que é espaço da atuação e o que é espaço do espectador.

Os poucos aparatos ceno-técnicos existentes estão aparentes ao público, o piso é único e conforma no mesmo plano o lugar da cena e o lugar da plateia, a “quarta parede” é inexistente no edifício, foi “que-brada” para a cidade por um “buraco” semelhante

aos do bloco esportivo da Fábrica da Pompeia e os do Restaurante do Coaty, outra vez, esse gesto avisa o espectador de que ali é um lugar da não ilusão, e a atividade teatral deve ser agente de transforma-dora da sociedade e não entretimento.

2.7. O Teatro da Liberdade

A quase ausência do “teatro” no Conjunto da Bar-roquinha desembocou no último projeto de ocu-pação cênica de Lina Bo Bardi, o Teatro das Ruínas em Campinas. O projeto do Teatro das Ruínas é o vazio, trata-se apenas de uma cobertura, uma tenda que abriga o fazer teatral e algumas ruínas de uma casa-grande, proposição que parece antever as ocupações teatrais dos anos 2000. Esse último projeto teatral da carreira da arquiteta não foi construído, e existem poucos registros do que se pretendeu para esse lugar: algumas fotos do terreno, alguns poucos croquis, uma planta e um corte e o depoimento em que diz42:

E o teatro onde está? Onde estão as poltronas, os “corredores” e o “palco”? Onde isso está, os urdimentos, os apetrechos, os bandos de refle-tores? O que vemos aqui é um espaço livre e despido como uma Praça. É preciso aproveitar todos os espaços de uma Cidade, encontrando também, junto ao respeito rigoroso pelo Passado, o moderno Teatro da Liberdade (BARDI apud FERRAZ, 1993, p.311).43

3. Lina e o a construção da cênica de vanguarda: algumas considerações

Pretendíamos encontrar elementos e característi-cas que construíssem uma narrativa da atuação de Lina Bo Bardi para as artes cênicas. Depois de levantada toda a produção da arquiteta para teatro e confrontá-la com a sua atuação nas cidades onde trabalhou, com a cena teatral de vanguarda do período e com a aproximação de outros arquitetos com o teatro, algumas observações se fazem ne-cessárias:

Como já dito anteriormente, muitos elementos e desejos de projetos são recorrentes na construção do espaço da representação de Bo Bardi. Desde a ocupação do Teatro Castro Alves, sua primeira arquitetura cênica, a arquiteta já dava indícios do que seria essa produção. O desejo de não esconder os mecanismos ceno-técnicos, mostrando que o teatro moderno não deveria ser o lugar da ilusão, mas sim da reflexão, já estava presente na monta-

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gem da “Ópera dos três tostões” em 1959. Anos depois de sua primeira estadia na Bahia,

no projeto de “Na Selva das Cidades” para a Oficina, em 1969, Lina traz de suas experiências em Salva-dor não só o reposicionamento da plateia, que estava presente nas arquiteturas cênicas já reali-zadas, mas também a ideia de “teatro pobre”, uma transposição da “arquitetura pobre” defendida pela arquiteta nessa montagem para o grupo de José Celso Martinez Correa, quando leva ao extremo a condição efêmera de se projetar a arquitetura cênica. Com o Oficina desenvolve um projeto de caráter efêmero, na construção da cena, cuja con-dição é extremada no cenário que é descartado durante a apresentação e reconstruído com novos entulhos do elevado a cada apresentação.

Em seu primeiro edifício teatral construído, o teatro do SESC Pompeia (1977), a arquiteta traz para o projeto a relação palco-plateia experimen-tada uma década antes em “Na Selva das cidades” (1969). Para Lina, o “teatro sanduíche”, ou em seus termos, a “arena-revisitada”, era a configuração desejada para aquele lugar, onde uma plateia de frente para outra permitiria ao espectador se ver na reação do outro, estando pronto para responder ao espetáculo apresentado. Ainda nesse projeto é importante notar que as proposições do restauro crítico foram contempladas pela arquiteta: não existe destruição de sua pré-existência e tampou-co tentativas de mimese ou de falseamentos his-tóricos. Todas as intervenções foram feitas de forma e materialidade contemporâneas, indicando o caminho que a obra deveria seguir no futuro.

Em sua obra mais conhecida de teatro - o Teatro Oficina - Lina, que já havia feito arquitetura cênica para o grupo ainda no teatro projetado por Flavio Império e Rodrigo Lefèvre, nos anos 1980 faz duas propostas para o novo edifício teatral no Bexiga.

A primeira, em parceria com Marcelo Suzuki e a outra com Edson Elito, cujo projeto construído manteve os tijolos e os arcos pré-existentes desco-bertos por Lina na montagem de “Na Selva das Cidades” aparentes. No edifício, as plateias são dispostas ao longo do que ela chama de “teatro--rua”, como se a Rua “Jaceguay” entrasse no teatro, gesto muito próximo à rua da “cidadela” do projeto do SESC, outra proximidade com a obra da Pompeia são os tijolos aparentes e as intervenções sobre as pré-existências muito marcadas com matérias e formas construtivas contemporâneas. Nas duas proposições para o Oficina, Lina sugere junto ao teatro já existente o que ela chama de “teatro-es-tádio”: um grande teatro aberto que ligaria as ruas do bairro e criaria uma espécie de ágora no terreno pertencente desde essa época ao grupo Silvio Santos. É para o teatro estádio e, se referindo a ele, que Lina esboça a ideia de “teatro aberto ao Bexiga (cidade) ” que a acompanharia nas próximas obras para teatro, onde abre uma grande janela que deixa ver a cidade: o minhocão, a degradação do bairro e o próprio terreno de Silvio Santos.

Quando convidada dez anos mais tarde pensar o restauro do Polytheama de Jundiaí (1986), Lina traz da experiência do projeto para a companhia de Zé Celso o “teatro aberto para a cidade” e propõe que toda a parede ao fundo do palco seja uma grande janela aberta para o centro de Jundiaí, o que permitiria o espectador pensar o teatro inse-rido na cidade. Da fábrica da Pompéia e de proje-tos anteriores, sobretudo nos da Bahia, como o Solar do Unhão, Lina traz a preocupação de ocupar essas pré-existências, restauradas, com programas populares. Por fim, a memória do antigo teatro polivalente é respeitada na materialidade, mas principalmente nas possibilidades de uso: a plateia deveria receber cadeiras removíveis para permitir

Figura 6. Estudo para tenda que abrigaria o fazer teatral e ruínas de uma casa-grande no Teatro das Ruínas. Croqui de Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki (1989). Fonte: acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

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diversos ajustes na relação palco/plateia. Os reposicionamentos múltiplos da plateia ex-

perimentados no projeto de Jundiaí estão presen-tes no edifício teatral subsequente da arquiteta. Na segunda estadia na Bahia, quando Lina faz o projeto de reestruturação do conjunto histórico do Largo Barroquinha (1986), propõe que o espaço do teatro seja o espaço da possibilidade. O Gregó-rio de Mattos é vazio, uma praça a ser ocupada, tem poucos os aparatos cenotécnicos e as cadeiras Frei Egydio podem configurar diferentes plateias. Por fim, põe-se dizer que o projeto da Barroquinha já dá pistas da última proposição teatral da arquiteta: o Teatro das Ruínas, em Campinas (1989), onde é projetado apenas uma cobertura e esse é o lugar da cena.

Se olharmos para edifícios teatrais construídos de Lina Bo Bardi percebemos que mesmo que as primeiras proposições estejam muito distantes do que estava sendo feito no teatro brasileiro, com o passar dos anos talvez seja possível falar que os teatros da arquiteta tornam-se cada vez menos formais e ainda mais distantes do teatro tradicio-nal, indicando na última obra, mesmo que não construída, que o lugar do teatro passaria ser a cidade, que é o que vemos de mais atual na cena de teatro brasileiro dos anos 2000. Para exempli-ficar isso podemos pensar, por exemplo, que o lugar do espectador se torna cada vez mais inde-finido na trajetória cênica da arquiteta das cadei-ras de louro claro da Pompéia até a ausência de cadeiras em Campinas, passando pelos múltiplos lugares de sentar no Bexiga e as cadeiras dobráveis do Gregório de Mattos. Podemos ainda pensar que a cada projeto as possibilidades de ocupação são uma questão cada vez mais presente no projeto, porém é importante dizer que não se trata de uma flexibilização sem que seja possível trazer um espetáculo pronto para esses lugares. Todos os projetos têm implicações muito próprias que con-dicionam a cena representada ali. Ou ainda, que os edifícios teatrais vão se abrindo para a cidade da caixa escura do Sesc até a tenda Ruínas, pas-sando por janelas cada vez maiores.

Sabemos que Lina Bo Bardi tem uma trajetória de exceção, se comparada a outros arquitetos mo-dernos brasileiros. Por razões diversas, ela pode trabalhar em frentes muito diferentes da arquite-tura, o que talvez justifique a quantidade de estudos dedicados à sua produção na última década. Após estudar toda sua produção para teatro é impor-tante perceber que a nossa hipótese ainda vale: as grandes pesquisas arquitetônicas para o teatro de vanguarda brasileiro são de Bo Bardi. Não foi en-

contrado no percurso dessa investigação outro arquiteto que tenha se dedicado a uma pesquisa profunda do espaço da atuação. Não se pode, en-tretanto, deixar de destacar a atuação de Flávio Império, que em muitos momentos tem sua pro-dução relacionada à de Lina; e outras experiências de edifício teatral, como os teatros do Centro Cul-tural São Paulo de Eurico Prado Lopes e Luiz Telles, ou ainda a experiência de Serroni e Elito no teatro Santa Cruz, o Teatro do Morro Querose-ne de Antônio Carlos Barossi, ou mais recentemen-te o Teatro da Unicamp do Una Arquitetos e os espaços para teatro do escritório mineiro Vazio S/A, como experiências que certamente bebem na fonte de Lina, em maior ou menor grau. Mas ainda assim, o que se nota é que se ainda hoje são escas-sas proposições na construção de uma arquitetura teatral de vanguarda e que os grandes exemplos na produção nacional são os de Lina Bo Bardi, preocupada em criar um teatro democrático, re-flexivo e possível através do fazer arquitetônico.

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Notas

1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2013).2. O diretor dos Satyros, Ivan Cabral, demonstrou algumas vezes durante 2013 o interesse de que a companhia se mude para região da Luz. A mudança deve-se em grande parte ao valor dos alugueis cobrados na Praça Roosevelt pós reforma (ROLNIK 2012).3. Sobre a presença de Lina Bo Bardi em São Paulo, ver entre outros, RUBINO, 2002. O trabalho de Rubino procura responder questões em relação ao campo da arquitetura e da experiência social de Lina, baseando-se na análise de sua trajetória, relações pessoais e profissionais a partir de duas obras significativas: o MASP e MAMB.4. Não apenas o edifício teatral, mas também os espaços expositivos e de oficinas, e os restaurantes ocupam os antigos galpões; o programa esportivo ocupa outros dois edifícios construído especialmente para tal. 5. A tipologia “teatro de arena” tem como característica, o palco central, envolvido pelos espectadores. Formalmen-te, pode ser disposto de várias maneiras: Circular, semi-circular, triangular, quadrado, oval. A disposição de duas plateias frente a frente, separadas pelo palco central é chamada na arquitetura de teatros de “Teatro Sanduíche”. 6. O projeto ceno-técnico do teatro do SESC Pompéia é de Flavio Império. Assim como Bo Bardi, Império ao longo de sua extensa produção cenográfica trabalhou com materiais de baixo custo que transfigura o caráter lúdico do teatro, chamado por Lina em sua produção de “arquitetura pobre”. 7. O Teatro Castro Alves pretendeu ser o maior teatro do país: no projeto original a sala principal era um teatro de ópera (palco italiano) com capacidade para mais de dois mil espectadores. 8. Sobre a atuação de Lina em Salvador, o trabalho de PEREIRA, 2007 é valiosa fonte. Também RISÉRIO, 1995, nos dá elementos para contextualizar os anos de efer-vescência cultural na Bahia, bem como o livro de memó-rias de Caetano Veloso (VELOSO, 1997).

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9. Lina, entre os anos de 1959 e 1963, ocupou em parce-ria com a Escola de Teatro da Bahia (Martim Gonçalves) o TCA. O teatro foi cedido pelo governo do estado a Uni-versidade da Bahia para abrigar diversas atividades culturais.10. Os rebatimentos das primeiras arquiteturas cênicas da arquiteta, as de Salvador e “Na selva das cidades”, na construção dos edifícios serão exploradas nas análises de obra. 11. Em “Na Selva das Cidades” em 1969 de Bertold Brecht, Lina projeta a arquitetura cênica dentro do “Oficina” de Rodrigo Lefèvre e Flavio Império. O projeto dos arquite-tos era teatro de palco italiano com uma grande arqui-bancada de concreto que acompanhava o declive do terreno e morria no palco com uma plataforma giratória instalada para a peça “Galileu Galilei”, na arquitetura cênica de “Na Selva das Cidades” Lina propõe no palco um ringue e outra arquibancada de frente a já existente, criando uma condição espacial bem próxima a do teatro do SESC Pompeia.12. O projeto construído em Jundiaí é de autoria do es-critório Brasil Arquitetura em 1995 concebido a princípio com as premissas projetuais de Bo Bardi. 13. Para uma visão mais aprofundada sobre os projetos urbanos de Lina Bo Bardi ver OLIVEIRA, 2008.14. Na performance “Um ônibus chamado Archi-Lina Bardi: acupuntura urbana para o centenário do arquite-to” em 2013 o diretor do grupo de Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, Zé Celso Martinez Corrêa, chamou atenção para o fato de que o auditório do MASP Paulista seria, em sua concepção original, um Teatro Artaudiano, com cadeiras removíveis e a possibilidade de encenação em torno dos espectadores, nas passarelas laterais de concreto. Essa “lembrança” confirma nossa hipótese de que Lina pensa seus espaços teatrais sempre de forma múltipla.15.O Teatro Total foi pensado na Bauhaus para atender a necessidades diversas do ponto de vista técnico e es-pacial, permitindo, por exemplo, que o público participe ativamente da cena. Essa concepção teatral buscava juntar em um espaço três formas fundamentais para o teatro: a arena redonda (circo), semi-arena (anfiteatro greco-romano) e o placo em profundidade (italiano). Sobre o teatro na Bauhaus- Teatro Total (Walter Gropius) e Teatro U (Farkas Molnár) ver ARGAN, 2005 e LAUTENS-CHLAEGER, 2007.16. Leonelli (2011) chama atenção para como a partir das ruínas Lina promove a experiência do conteúdo histórico da arquitetura e a direciona para possibilidades de ocupação de uso contemporâneo, sempre deixando com que a imagem de cidade seja elemento imprescin-dível na relação do edifício pré-existente e a sua arqui-tetura do teatro.17. Em estudo publicado recentemente Lima e Monteiro (2012) chamam a atenção para a clara intenção de Lina

em criar espaços de teatro como as da antiguidade: per-tencentes a população e ela destinado, se opondo ao teatro aristocrático e se aproximando do teatro como rito proposto por Artaud e do teatro político de Brecht. 18. Em meados dos anos de 1950 Salvador fervilha cul-turalmente: é nesse momento que a capital baiana anuncia a Tropicália e Cinema Novo que mudaria o cenário estético-cultural brasileiro nos anos seguintes. (RISERIO, 1995; VELOSO, 1997).19. A parceria com Gonçalves iniciou na exposição “Bahia no Ibirapuera” em 1959 e se estendeu por toda a primei-ra estadia de Lina na Bahia. 20. Bertold Brecht em carta ao Theater Union de Nova York diz que poucas alusões são suficientes para ambien-tar uma peça.21. Os projetos construídos em São Paulo - o MASP Sete de Abril, O MASP Paulista, o teatro e a sala de exposições do SESC Fábrica da Pompeia e Teatro Oficina - são bons exemplos de como os espaços de múltiplas ocupações que necessariamente condicionam as montagens expo-gráficas e cênicas que recebe.22. Glauber Rocha e Lina se conheceram no começo dos anos 60 em Salvador e juntos fizeram projetos para a Escola de Teatro da Bahia, além de relatos de que Glauber trabalhava em seus roteiros dentro da MAPB e que Lina teria ido ao sertão gravar “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.23. As experiências cenográficas de Lina para o Oficina aconteceram no edifício teatral desenvolvido por Império e Lefréve, o de autoria da arquiteta só foi inaugurado em 1992.24. Em “O Design no impasse” Lina explica o que entende como arquitetura pobre (BARDI, 1994).25. Sobre a inserção do Teatro Oficina e da peça “Na Selva das Cidades no movimento tropicalista, ver WISNIK, 2012. Esse autor contextualiza a atuação de Lina buscan-do aproximações de sua obra com as de Oiticica e Artigas.26. Sobre o projeto do SESC Pompeia o livro “Cidadela da Liberdade” é uma importante fonte documental do projeto da unidade e da sua ocupação ao longo dos trinta anos de atividade. O livro originalmente lançado em 1999 para a IV Bienal Internacional de Arquitetura ganhou uma reedição comemorativa aos 30 anos de existência da unidade com desenhos e depoimento inéditos em 2013.27. O Restauro Crítico proposto por Cesare Brandi em 1963 em “A Teoria da Restauração” fixou dois axiomas que norteariam o trabalho de conservação e restauro: “restau-ra-se somente a matéria da obra de arte” e “A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo”. Para o autor as partes restauradas devem ser visíveis, os restauros reversíveis entendendo que o trabalho do restauro é um processo criativo, que não parte da obra em si, mas de sua

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materialidade naquele tempo e passa, portanto, por um percurso de dedução a partir de metodologia e operações do tempo presente (BRANDI, 2004). 28. Sobre a atuação de Bo Bardi em sítios e prédios his-tóricos e ruínas a dissertação “A experiência de Lina Bo Bardi no Brasil” de Mirandulina Azevedo (1995) traz importantes considerações a respeito da visão social e estética nas obras de restauro da arquiteta. 29. Visitando a obra e através de registro de ocupação desse teatro é possível perceber que as proposições de Lina são aceitas em espetáculos musicais, porém, a grande maioria dos espéculos teatrais abrigados no edifício optam por isolar uma das arquibancadas, apresentan-do-se para apenas um lado do “sanduíche”, conforman-do a forma recusada pela arquiteta do palco italiano. 30. Atualmente o teatro recebeu um palco elevado o que descaracteriza a proposição inicial da arquiteta. 31. Em texto sobre o projeto para Fábrica da Pompeia, Lina a respeito das poltronas do teatro disse: “Os teatros greco-romanos não tinham estofados, eram de pedra, ao ar livre, e os espectadores tomavam chuva, como hoje nos degraus dos estádios de futebol, que também não tem estofados. Os estofados apareceram nos teatros áulicos das cortes, nos Setecentos e continuam até hoje no comfort da Sociedade de Consumo. A cadeirinha de madeira do Teatro da Pompeia é apenas uma tentativa de devolver ao teatro seu atributo de distanciar e envol-ver, e não apenas de sentar-se” (BARDI, 2013).32. O Teatro Oficina foi completamente destruído por um incêndio em 1966. 33. O mecanismo giratório foi instalado no teatro em virtude da cenografia de Galileu Galilei, esse mesmo aparato ceno-técnico está presente nas proposições do Total Theater de Gropius. 34. Nesse mesmo ano o Oficina é tombado pelo CON-DEPHAAT (órgão de defesa patrimonial estadual) pela sua significação no processo de transformação do teatro brasileiro, o parecer técnico de Flávio Império deixa claro que a materialidade sobre qual se incide a proteção não interessa, mas sim o a manutenção da atividade realiza-da naquele espaço. É importante notar que no momento do tombamento pelo órgão estadual (que opera protegendo a materialidade) não estavam construídos nem o teatro de Império e Lefévre e nem o de Bo Bardi- tal fato é bastante importante para as recém discussões sobre a construção de torres no terreno ao lado e a proteção do bem e de sua área envoltória. O Teatro foi tombado também pelo CONPRESP (órgão municipal de defesa patrimonial) em 2003 e pelo IPHAN (órgão nacional de defesa patrimonial) em 2009.35. Em vários croquis depositados no Instituto é possível perceber que ideia de fazer um “teatro rua” é persegui-da pela arquiteta desde as primeiras proposições proje-

tuais com Marcelo Suzuki.36. Sobre a o público atuante, LIMA (2008) chama atenção para paralelos entre as obras de Hélio Oiticica e a pro-dução do Teatro Oficina Uzyna Uzona: em ambas espe-culações o público é agente fruidor da obra, o indivíduo é convidado a romper as relações entre corpo e mente, razão e imaginação. 37. Tanto as proposições de Brecht quanto as Artaud para o teatro moderno indicavam uma participação do público na vida representada em cena. Negando qualquer pos-sibilidade de ilusão no fazer teatral, o que como vemos, é coincidente com as proposições para teatro de Bo Bardi. 38. O escritório Brasil Arquitetura surgido no começo dos anos de 1990 tem como sócios Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci além de ter parcerias com Marcelo Suzuki e André Vainer, todos colaboradores da Lina Bo Bardi a partir da obra do SESC Pompeia em 1977.39. O projeto construído está publicado de forma detalhada no livro-catalogo do escritório (FANUCCI; FERRAZ, 2005).40. Sobre os planos urbanos da arquiteta, “Permanência e inovação: o antigo e o novo nos planos urbanos de Lina Bo Bardi”, dissertação de Raíssa de Oliveira (2008) é valiosa fonte a respeito dos projetos da arquiteta para o centro histórico de Salvador e para o Vale do Anhagabaú em São Paulo. 41. Sobre a escada de concreto do TGM calculada por Nervi, o mesmo calculista do MASP, Lina publicou na Revista AU- arquitetura e urbanismo o texto “A escada” em maio de 1987.42. Os poucos croquis existentes do Teatro das Ruinas estão disponíveis em versão digital no site do Instituto Pietro Maria Bardi e Lina Bo, as fotos do terreno e o texto da arquiteta foram publicados no Livro-catalogo da obra da arquiteta organizado por Lina no começo dos anos de 1990 e finalizado em 1992 por Marcelo Ferraz e lançado pelo Instituto. 43. A ideia de que a ausência do construído aproximava do “Teatro da Liberdade”, assim chamado por Lina, já havia sido apresentada na arquitetura cênica de “Ubu - Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes” para o Teatro do Ornitorrinco em 1985, quando ao ser premiada pelo projeto declarou: “Agradeço ao júri pelo prêmio a mim atribuído. Na realidade, o público pode perguntar: que cenografia é esta onde não tem nada? A este ponto eu cito Lautreamont: ‘a arte deve ser feita por todos e não por um só. O Teatro é a vida e na ausência de dados ‘pré-estabelecidos’, uma cenografia ‘aberta’ e despojada pode oferecer ao expectador a possibilidade de ‘inventar’ e ‘participar’ do ‘ato existencial’ que representa um es-petáculo de Teatro. Assim nascem a ‘neve’, o jantar sem nada, o Palácio que não existe, os pequenos paramentos laterais. Tenho certeza que Jarry teria gostado. Num certo sentido, a cenografia tradicional é o contrário da arqui-

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tetura e a ausência de ‘cenografia’ é, como dizia Walter Gropius, pura arquitetura. Agradeço ao júri por ter com-preendido tudo isso” (BARDI apud FERRAZ, 1993, p.260).

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Victor Assuar Panucci1

Orientadora: Profa. Dra. Joana Mello de Carvalho e Silva (EC e FAU-USP)Pesquisa desenvolvida como Trabalho de conclusão de curso junto à Escola da Cidade em 2015

Crítica e Projeto

Pautando-se na análise da biblio-grafia produzida a respeito do Programa Minha Casa, Minha Vida e do Concurso Renova São Paulo, o presente artigo propõe o lançamento de um olhar ques-tionador sobre a produção con-temporânea da crítica no campo arquitetônico paulistano, atento para o encadeamento de algumas narrativas recorrentes, nas quais a legitimação de uma certa pro-dução arquitetônica hegemônica, bem como de seus valores sim-bólicos, acabam por coibir alter-nativas à produção habitacional e uma análise efetivamente crítica. Examina-se o estado de crise na disciplina em sua relação com as instâncias projetuais do campo, assim como a dificuldade dos arquitetos dialogarem efeti-vamente com a cidade real.

Palavras Chavehabitação social; crítica; arquite-tura contemporânea brasileira

Guided by the bibliography con-cerning “Minha Casa, Minha Vida” and the “Renova São Paulo” Competition, this paper proposes an inquisitive insight in the con-temporary production of archi-tectural criticism in São Paulo, attentive about the construction of some common narratives - par-ticularly those that legitimates the hegemonic architectural pro-duction and its symbolic values, restraining alternatives to habi-tational solutions as well as an effective critical analysis. This disciplinary crisis in its relation with the projectual instances of the field and the distance between Architecture and the real city will be examined.

Keywordssocial housing; critic; brazilian contemporary architecture

Guiado por el análisis bibliográ-fica acerca del programa “Minha Casa, Minha Vida” y de lo con-curso “Renova São Paulo”, este artículo propone una mirada cuestionadora en lo tocante a producción contemporánea de la crítica arquitectónica paulis-tana, vigilante a la construcción de algunas narrativas recurren-tes en que la legitimación de una cierta producción arquitectónica hegemónica, bien como sus valores simbólicos, refrenan al-ternativas habitacionales y una análisis critica efectiva. La crisis disciplinaria y su relación con las instancias proyectuales del campo, como la distancia entre la arquitectura e la ciudad real serán examinadas.

Palabras-clave vivienda social; crítica; arquitec-tura contemporánea brasileña

Criticism and design Crítica y diseño

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1. Introdução

A mudança no papel da utopia no discurso arqui-tetônico ao longo do século XX deixou feridas pro-fundas. O arcabouço teórico modernista, por exemplo, teve seus postulados generalizantes en-faticamente contestados pela crítica a partir da década de 1960. A ortodoxia deslumbrada com as inovações tecnológicas que propunha a casa como “máquina de morar” para um ser humano univer-sal foi progressivamente debatida em favor de outras aproximações mais humanistas. Foi crucial nessa crítica, que implicou em uma inflexão teórica no modo de pensar a própria arquitetura, a des-construção da historiografia do movimento moderno. Nesse contexto, o papel do crítico, ao lado do historiador e do teórico, assemelhava-se ao do arqueólogo à procura das origens discursivas do modernismo. Entretanto, a sua atuação foi, ao mesmo tempo, similar à do iconoclasta, no ímpeto de expor as chagas da operacionalidade das nar-rativas historiográficas modernas.

O crítico, contudo, inserido no contexto brasi-leiro, encontrou a inglória tarefa de se confrontar não só com a própria cosmogonia do movimento moderno, mas também com uma construção his-toriográfica canonizada pelas instâncias eruditas de legitimação e preservação de bens simbólicos. Ademais, no Brasil a utopia modernista foi asso-ciada ao projeto de superação do subdesenvolvi-mento, cujo discurso ainda rege uma porção sig-nificativa da produção arquitetônica.

Embora a crítica de arquitetura no Brasil tenha atingido um grau de maturidade na década de 1980, contestando o papel do arquiteto demiurgo e do edifício como ferramenta pedagógica, invo-ca-se com frequência os mitos de arquitetos cano-nizados pela historiografia tradicional, mesclan-

do-se obra e autor, política e estética. Nesse sentido, marginaliza-se a postura crítica ou de autorreflexão em favor de uma “militância desenvolvimentista incapaz de parar a máquina projetual” (CARMONA, 2015, p.127). Assim, os avanços da historiografia nem sempre se fazem visíveis na crítica, ainda muito comprometida com a produção arquitetô-nica. Distante também, estão esses avanços da reflexão dos arquitetos vinculados à prática pro-jetual, sobretudo, e não por acaso, aqueles mais valorizados pela crítica.

Diante desse contexto, é necessário se embre-nhar no campo da crítica arquitetônica paulistana orientado pelo espírito investigativo do arqueólo-go e do iconoclasta, para, assim, tocar em algumas das suas chagas disciplinares. Almeja-se com isso contribuir para o debate historiográfico e crítico da arquitetura e, num sentido indireto, para a reflexão e o fazer arquitetônico2. Para tanto, será analisado o movimento da crítica a partir do exame de sua produção textual - especificamente, das publicações disponibilizadas pelo portal Vitruvius - e da articulação de agentes legitimadores da pro-dução do campo arquitetônico ao tratar de dois programas de habitação de interesse social distin-tos: o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e o Con-curso Renova São Paulo.

2. Minha Casa Minha Vida: pressupostos de uma leitura crítica

Esse artigo pretende, à luz de três publicações que tratam criticamente a produção de HIS sob ópticas distintas – “Origens da Habitação Social no Brasil” (1998) de Nabil Bonduki, que a partir de um recorte histórico, faz uma leitura do contexto político dessa produção e de seus programas governamentais;

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“Minha casa, e a cidade? Avaliação do programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros” (2015), organizado por Caio Santo Amore, Lúcia Zanin Shimbo e Maria Beatriz Cruz Rufino, que baseia sua crítica nos relatos dos moradores de diversos conjuntos; e “Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil Urbano” (2012), livro coordenado por João Sette Whitaker que ensaia soluções arquitetônicas alternativas para os empreendimentos -, arriscar um panorama que, ao mesmo tempo, coloque em questão alguns pressupostos que a maioria dos textos consultados no portal Vitruvius não explicita, nem examina a fundo, buscando nas entrelinhas as intenções dis-cursivas daquilo que é exposto e omitido.

Nos textos do portal geralmente, questiona-se a má “qualidade urbana” dos conjuntos do MCMV, apontada em sua reprodução ad infinitum da mesma solução tipológica em extensos conjuntos mono-funcionais, sem preocupação com a especificidade do lugar (COSTA, 2014; COSTA, 2015; COLOSSO, 2014; ALVIM; JANOT, 2014; MARQUES, 2014; MA-GALHÃES; SILVA, 2014; MARICATO, 2013; SANCHES; MORETTI, 2013; GHIONE, 2012; LARA, 2012; MA-GALHÃES S., 2012; JANOT, 2011; FERREIRA, 2011; NASCIMENTO; TOSTES, 2011; MAGALHÃES S., 2011; LOBO, 2011; SANTOS; SCAGLIUSI, 2011; MUXÍ, 2010; VIOLA, 2010). Tais soluções são apontadas como sintomas da atuação do mercado imobiliário ávido por lucro, despreocupado com a qualidade arqui-tetônica (BENATTI; SILVA, 2015; JANOT, 2014a; FI-GUEIREDO, BALTRUSIS, 2013; IAB, 2013; MARICA-TO, 2013; SANTANA, 2013; JANOT, 2012; 2013; AKKERMAN, 2012; GHIONE, 2012; LARA, 2012; MAGALHÃES S., 2012; LOBO, 2011; OLIVEIRA, 2010; SOBREIRA, 2010). Evidencia-se, com isso, um pri-meiro pressuposto implícito no tratamento deste tema: a valorização do problema urbano.

Discursivamente, a naturalização dessa noção se desdobra em dois problemas: primeiramente, num posicionamento de irredutível antagonismo contra o mercado imobiliário, distanciando o campo arquitetônico de um dos principais agentes de construção da cidade contemporânea e, com isso, abrindo mão de uma reflexão aprofundada sobre a atuação do setor e também da dos arqui-tetos em relação a ele. Caberia pensar em como atuar e, sobretudo, regular o mercado imobiliário de modo a construir espaços urbanos e habitacio-nais melhor resolvidos. O segundo problema con-siste na ausência de uma reflexão de fato sobre desenho urbano. Apesar da atenção à cidade ser uma constante, ocorre que nem nessas análises, nem nos projetos alternativos à produção do MCMV,

apresentam-se propostas efetivamente mais inte-ressantes e melhor relacionadas à cidade existen-te. Ela é, no fundo, pensada como mera composição de edifícios, e não como um organismo complexo atravessado por várias forças sociais.

Pode-se afirmar que nos textos supracitados a abordagem preferencialmente política à produção do MCMV, assim como o esforço em se desvincular da cidade do capital financeiro, criticando dura-mente o mercado imobiliário, reforça a ênfase na escala do objeto que marcou a produção arquite-tônica moderna no Brasil desde os anos 1930, além de desconsiderar os conflitos urbanos e os vários agentes em sua constituição, idealizando a cidade.

Um ponto determinante na difusão dessa maneira de pensar a arquitetura, está manifesta claramente na produção brutalista paulistana do final da década de 1960, como Guilherme Wisnik descreve em sua tese de doutorado:

Quase uma década depois da inauguração de Brasília, o centro de gravidade da produção arquitetônica nacional já se havia deslocado do Rio de Janeiro para São Paulo, o pólo indus-trial e financeiro do país. Surgido no interior da Escola Politécnica, e não da Escola de Belas Artes - como no caso do Rio -, o ensino de ar-quitetura em São Paulo ganhou um acento mais técnico. Paralelamente, seus edifícios trataram de incorporar a opacidade e a aspereza de uma cidade que cresceu de modo muito rápido e caótico, sob o impulso predatório da especula-ção imobiliária. (WISNIK, 2012, p.72)Em seguida, ele considera:O que arquitetos como Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha estavam procurando, naquele momento, era urbanizar a vida doméstica, isto é, abolir ao máximo possível a intimidade, ex-tirpando as marcas idiossincráticas pessoais ligadas à ideia romântica e burguesa de lar - realizando, por exemplo, uma fusão entre ar-quitetura e mobiliário em peças contínuas. O que desejavam, assim, era abolir os segredos e confortos do espaço privado familiar em prol de uma ideia cívica de vida inteiramente pública: a casa como um fórum da vida coleti-va da cidade, onde cada um tem a sua liberda-de pautada pela liberdade do outro, pois as regras da ordem social controlam o arbítrio da subjetividade pessoal (WISNIK, 2012, p.76-9).A potência plástica e o engajamento político

da produção brutalista são extremamente relevan-tes na construção da narrativa crítica arquitetôni-ca pois estabeleceram alguns paradigmas para a produção contemporânea “erudita”. Sua projeção

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se deve, em larga medida, à atuação política de Vilanova Artigas, tanto no Partido Comunista Bra-sileiro (PCB), quanto na sua articulação dentro do IAB. Igualmente importante é sua participação no desenho da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Ela reitera, como se indicou acima, a tradição arqui-tetônica brasileira de dar maior destaque e impor-tância à escala do edifício, em detrimento da escala urbana. Essa tradição se vincula a um desejo re-corrente de projetar uma cidade idealizada, além da falta de intenção e de instrumentos de reflexão para análise e atuação na cidade real, o que faz com que os edifícios se isolem e os conjuntos pouco dialoguem com a malha urbana existente. Nessa chave, a crítica ao PMCMV é, em grande parte, estruturada segundo essa tradição de valoração de um ideal de cidade que não incorpora a aposta na introversão das dinâmicas urbanas na moradia como fizeram os paulistas nas suas “Casas-Mani-festo”, mas se coloca contrária à especulação imo-biliária em prol da valorização de uma vida pública, também ela idealizada.

Por isso o ponto fundamental dessa crítica será a inserção urbana dos conjuntos que, via de regra, localizam-se nas franjas da cidade. Reiterando a lógica de expansão horizontal, esse tipo de inserção, cria extensos bairros-dormitório que incrementam o movimento pendular da população e reforçam o transporte sobre rodas como a matriz de deslo-camento principal. A análise crítica para nessa escala, não avançando de fato sobre a implantação e as relações entre os conjuntos e o entorno exis-tente. Assim, como indicado anteriormente, apesar de tratar da cidade e coloca-la no centro do debate, esses textos não avançam porque, no fundo, com-partilham das mesmas metodologias projetivas, reduzindo, em última análise, a complexidade da cidade e buscando domina-la, com os recursos da prancheta do escritório de arquitetura.

2.1 Bases de uma crítica militante

O posicionamento crítico relativo à implantação dos conjuntos nas franjas da cidade, tal como seus resultados urbanísticos e sociais leva frequente-mente a um paralelo entre a produção do MCMV e a financiada pelo BNH (BENATTI; SILVA, 2015; JANOT, 2014a; FIGUEIREDO; BALTRUSIS, 2013; LARA, 2012; MAGALHÃES S., 2012; FERREIRA, 2011; NASCIMENTO; TOSTES, 2011; MAGALHÃES S., 2011; MARICATO, 2011; MUXÍ, 2011). Essa comparação está calcada em uma crítica sistematizada desde

a década de 1980, discutida em profundidade por Nabil Bonduki nos livros “Origens da habitação social no Brasil” (1998) e “Pioneiros da Habitação Social” (2014), interpretando as relações entre as políticas urbanas e suas respectivas proposições arquitetônicas. Estendendo sua análise do final do século XIX até meados do século XX, Bonduki cobre um período fundamental na formação das cidades brasileiras tanto em seu modelo de desenvolvi-mento, quanto na construção de uma certa men-talidade urbana do país, ainda recorrente. Um dos pontos mais relevantes da sua exposição - e que permeia as elaborações críticas sobre o BNH e o MCMV - é a explicação acerca do mecanismo de arrecadação e financiamento da habitação popular e a construção de um vínculo entre o direito à Cidade e a propriedade privada.

Bonduki aponta que, apesar da finaceirização da produção de moradia ter sido determinante para o funcionamento do BNH, o fato da captação se dar a partir de um depósito compulsório dos salários dos trabalhadores formais, via Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criou uma estratificação econômica que restringiu, a priori, o alcance do sistema, uma vez que a parcela mais vulnerável da população - informalmente empre-gada ou desempregada - não podia contribuir e era, por fim, excluída dos programas. De fato, como se sabe, o BNH financiava apenas unidades habitacionais para trabalhadores assalariados regularmente que ganhassem a partir de 3 salários mínimos (SM), enquanto o déficit habitacional se concentrava entre aqueles cuja renda estava entre 0 e 3 SM.

O Sistema Financeiro de Habitação (SFH), por-tanto, acabou sendo o responsável por reiterar a relação tradicional entre propriedade e direito à cidade. Cabe apontar também, que se reafirmou não apenas essa relação perversa, mas também a própria ideologia da propriedade privada. Afinal, como alega Sandra Cavalcanti, primeira presiden-ta do BNH: “a casa própria faz do trabalhador um conservador que defende o direito à propriedade” (BONDUKI, 2014, p.63). Além disso, tendo em vista o número expressivo de unidades financiadas no período - 4,3 milhões em 22 anos -, pode-se ter a escala de difusão desse ideário conservador, ainda mais considerando que a maior parte dos favore-cidos pelos financiamentos pertenciam às parcelas da população menos vulneráveis.

A opção pela construção de unidades novas que insiste na valorização da propriedade privada e a manutenção de um sistema financeirizado de crédito e de compra de unidades perduram no

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PMCMV e, por isso, são criticados pela maioria dos autores, pelos mesmos motivos já apontados com relação ao BNH. A crítica, contudo, também aponta uma distinção fundamental na concepção dos dois programas em questão: a abrangência pelo PMCMV de rendas inferiores a 3 SM através do subsidio estatal quase integral na compra de unidades. Apesar da inclusão de parcelas economicamente vulneráveis ser um avanço, Nabil Bonduki, em “Pioneiros da habitação social” (2014) mostra que do total de unidades contratadas pelo MCMV para faixa 1 (de 0 a 3 SM) entre 2009 e 2012, nem a metade da meta prevista foi atingida (BONDUKI, 2014). Tal recorrência, bem como os limites enfrentados pelos programas têm relação com a recusa desde o governo militar a qualquer tentativa de estrutura-ção de política fundiária ou de reforma urbana, ao mesmo tempo em que a iniciativa privada tomava as rédeas da produção habitacional.

Outro problema recorrente na produção de edifícios financiada pelo BNH e pelo MCMV é a ausência de cuidado arquitetônico no desenho dos edifícios e a implantação desarticulada dos con-juntos em relação à malha e infraestrutura urbana existente. Esses pontos são citados como prova da ação predatória do mercado imobiliário tanto no âmbito do urbanismo, quanto na escala do objeto arquitetônico.

Do ponto de vista dos críticos, o estabelecimen-to de um preço máximo para a construção das uni-dades, enfrentado com a determinação de uma ti-pologia padrão para os conjuntos denota o descaso para com a qualidade do desenho arquitetônico dos empreendimentos. Não contemplar os diferentes tamanhos de família, oferecendo tipologias com metragens variadas, e a desconsideração da neces-sidade de eventuais rearranjos nas plantas dos apartamentos pelo uso de alvenaria estrutural, por exemplo, revelariam o caráter mercadológico dos empreendimentos. Além disso, a utilização de ma-teriais de baixa qualidade, assim como a falta de transparência nos procedimentos são apontados como práticas comuns das incorporadoras e depõem contra o MCMV. Os resultados arquitetônicos obtidos e sua baixa qualidade seriam resultado, portanto, de cálculos e objetivos unicamente monetários.

De forma similar, o PMCMV atua seguindo muitos dos parâmetros de implantação aplicados pelo BNH, investindo na produção massiva de uni-dades novas sem o desenvolvimento de uma polí-tica habitacional urbana, o que faz com que o preço da terra aumente significativamente o valor do empreendimento e, considerando que o programa fixa um teto para o preço de cada unidade, opta-se

por construir os conjuntos nas periferias onde a terra é mais barata, mas a oferta de empregos e serviços é extremamente reduzida. Essa equação induz também o tipo de implantação e as soluções padronizadas dos edifícios, construídos da maneira menos onerosa possível para a incorporadora.

Essa problemática foi elencada pela crítica antes mesmo da elaboração do PMCMV e proble-matizou suas prioridades amparando-se nas aná-lises das experiências anteriores para alertar sobre as desvantagens de uma política habitacional que, ao priorizar a produção de novas unidades, fica suscetível aos princípios mercadológicos de incor-poração imobiliária e do setor da construção civil, pautados na produção visando o lucro e a especu-lação do preço da terra;

Alguns textos que se adiantaram na reflexão sobre os possíveis impactos do programa cha-mavam a atenção para o descolamento entre déficit e metas de produção: afinal, se 90% do déficit estava nas faixas de renda de até três salários mínimos, por que apenas 40% das uni-dades era direcionada a essa faixa? Apontavam também a prevalência dos interesses dos setores imobiliário e da construção civil no processo de formulação do Programa, pois os 60% res-tantes das moradias para rendas superiores já tinham se consolidado como mercado para esses setores pelo menos nos cinco anos que antecederam o lançamento do Minha Casa Minha Vida (...). O perigo de se repetirem os erros reconhecidos do BNH, de produção peri-férica em locais mal servidos por infraestrutu-ra urbana, já era mencionado, tendo em vista a desarticulação da produção habitacional em relação às matérias urbanísticas, em relação às ações municipais de regulação do uso e ocu-pação do solo, que estariam apoiadas na efeti-vação da função social da propriedade, na im-plementação dos instrumentos do Estatuto da Cidade, na elaboração dos Planos Diretores em bases diferentes daquelas que os tinham carac-terizado durante os anos 1970 e 1980. A questão da terra, o nó da política urbana brasileira, e da segregação socioespacial eram enfim apon-tadas como o principal gargalo que o Minha Casa Minha Vida não enfrentava, com conse-quências ainda difíceis de serem previstas (AMORE, 2015, p.17-8).Se os apontamentos feitos pela crítica ao MCMV

já estavam anunciados antes mesmo da implanta-ção do programa e já tinham sido sistematizados na reflexão arquitetônica, como se justifica uma produção habitacional que insiste em equívocos

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tão exaustivamente expostos? Deve-se reforçar, no entanto, que a financeirização, assim como a mentalidade patrimonialista de construção de cidade apontada pela pesquisa de Nabil Bonduki está alinhada, desde o início do processo de urba-nização do país, à rentabilidade do setor imobili-ário e aos projetos políticos da elite. Sobre a dinâ-mica econômica do campo durante o governo Vargas, o autor coloca:

Assim, a habitação sempre apareceu de maneira ambígua entre as finalidades dos IAPs: ora como objetivo importante, ligado à ideia da seguri-dade social plena, ora como mero instrumento de capitalização dos recursos captados e, por-tanto, desprovido de fins sociais. (BONDUKI, 1998, p.101)Mais adiante, conclui:Os institutos foram, de fato, essenciais para a viabilização das incorporações imobiliárias, sobretudo no Rio de Janeiro. Seus financiamen-tos possibilitaram o intenso processo de verti-calização e especulação imobiliária que Melo (1992) chamou de “boom” do século. (BONDUKI, 1998, p.105)Logo, percebe-se que a elaboração de políticas

habitacionais foi instrumentalmente utilizada ao longo da história pelo seu potencial de movimen-tação econômica e oferta de mão de obra não es-pecializada, mostrando-se eficaz no combate às crises financeiras do capital internacional. O en-frentamento da problemática urbana e o geren-ciamento do déficit habitacional fica, preponde-rantemente, em segundo plano. É possível vincular todos os grandes programas de moradia a políticas econômicas de combate às crises do Capital inter-nacional: os projetos executados pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões, durante o governo Vargas, estão intimamente relacionados à política de substituição de importações vigente durante a Segunda Grande Guerra; a produção do BNH pode ser lida, em parte, como uma resposta à crise do petróleo na década de 1970; sobre o PMCMV, Caio Santo Amore, descreve:

É, na origem, um programa econômico. Foi concebido pelos ministérios de “primeira linha” - Casa Civil e Fazenda - em diálogo com o setor imobiliário e da construção civil, e lançado como Medida Provisória (MP 459) em março de 2009, como uma forma declarada de enfren-tamento da chamada crise dos subprimes ame-ricanos que recentemente tinha provocado a quebra de bancos e impactado a economia fi-nanceirizada mundial (AMORE, 2015, p.15).A partir dessa perspectiva, pode-se afirmar que

grande parte da crítica ao PMCMV, do mesmo modo da que se fez ao BNH, baseia-se num posiciona-mento político que é comum entre diversos autores, o que implica, por diversas vezes, numa análise que aponta equívocos arquitetônicos justificando--os por um modelo econômico nocivo ou uma gestão autoritária. Nesse sentido, o discurso arqui-tetônico se torna unívoco e elege um inimigo comum personificado pelo mercado imobiliário e pelo não enfrentamento do problema habitacional, ou seja, pela produção de HIS como medida eco-nômica de aquecimento do mercado da construção civil e de absorção de mão de obra não especiali-zada, ao invés de uma elaboração de uma política habitacional urbana pautada na inclusão social.

Esse posicionamento é, sem dúvida, extrema-mente pertinente em muitos aspectos e tem grande relevância ao analisarmos a crise urbana enfren-tada pelas metrópoles brasileiras. Porém, deve-se evitar a adoção de axiomas na crítica arquitetôni-ca. Seria equivocado vincular uma solução formal a um posicionamento político sem considerar suas intermediações e mudanças de sentido. Esse nunca será inerente àquela e vice-versa. O vínculo entre o projeto de arquitetura e a agenda política só se dá de fato através da construção teórica e a natu-ralização dessas relações pode, facilmente, reiterar relações opressivas de poder. À crítica, portanto, cabe o desafio insistente desses pressupostos dis-cursivos e a busca pelo debate constante, como explicita Montaner: “O trabalho da crítica, como o da filosofia, parte da dúvida e da indagação, e deve, inclusive, aceitar erros e mudanças. Nesse sentido é diametralmente oposto à argumentação política” (MONTANER, 2007, p.16). Ou seja, apesar de reconhecer a pertinência dos apontamentos elaborados pela crítica militante, é preocupante considerar que eles esgotam a problemática habi-tacional que o PMCMV desvela. Apesar da sua relevância inquestionável, a baixa qualidade dos conjuntos habitacionais do Governo Federal não pode ser explicada apenas pelo aspecto político.

2.2. Uma crítica a partir da demanda

A questão abordada é examinada sob outra óptica na pesquisa elaborada pelo Observatório das Me-trópoles e que resultou na publicação Minha Casa... e a Cidade? Avaliação do programa minha casa minha vida em seis estados brasileiros. Fruto de investigação exaustiva, a pesquisa traz uma plu-ralidade de olhares sobre a produção do programa.

Essa abrangência denota que a crítica foi

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pautada por um exame profundo do programa, objetivando o fomento de um debate que contribua na criação de uma política habitacional mais inte-grada às demandas da população. Essa intenção fica clara na metodologia de investigação ao esti-pular eixos analíticos que compreendem o desenho institucional do PMCMV, os agentes que nele atuam, o perfil dos moradores, o processo de cadastra-mento, bem como a análise tipológica dos edifícios e sua inserção na malha urbana.

Destaca-se a pesquisa desenvolvida pela equipe da PUC - SP que se debruçou sobre o Conjunto Residencial Flor de Jasmim - primeiro empreendi-mento do PMCMV no município de Osasco - e a atuação do Departamento de Trabalho Social (TS) na região, analisando sua relação com o PMCMV. A abordagem da pesquisa, ao pretender responder “Quais necessidades sociais estão sendo atendidas? Que cidades estão sendo construídas?” (ARREGUI; BLANCO; PAZ; RODRIGUES, 2015, p.256) e apro-fundar-se em questões tais como o desenvolvimen-to do TS, revela um câmbio hierárquico no trata-mento do PMCMV: inicialmente, indaga-se sobre inclusão social e, a partir dela, sobre a construção da cidade.

A ocupação do empreendimento foi marcada por diversas conquistas do TS. Entre elas a criação de um Índice de Prioridade de Atendimento Habi-tacional que estabeleceu critérios de vulnerabili-dade prioritários no atendimento do programa e abriu de canais de diálogo com a população. Nesse contexto, definiu-se a composição da demanda para o empreendimento a partir de remoções de famílias em áreas de risco. Entretanto, o estudo aponta que a discrepância na trajetória e na área de origem das famílias que compuseram a demanda do em-preendimento foi determinante no surgimento de conflitos entre os moradores: há tráfico de drogas no empreendimento. A violência contribui para o isolamento ainda maior das famílias e o abandono das áreas comuns do condomínio. As entrevistas feitas com moradores do conjunto revelam que mais da metade dos entrevistados consideram-no mais violento do que a moradia anterior.

De fato, a mudança e o desenho do projeto habitacional proposto geraram nova geografia nas relações de sociabilidade e de convivência com o tráfico e a polícia. O modelo condominial não só é externo à cultura da população que provém de favelas e assentamentos, como também tendeu à privatização e regulamenta-ção dos espaços públicos e ao confinamento intramuros de uma situação de violência que reedita uma nova situação de risco (ARREGUI;

BLANCO; PAZ; RODRIGUES, 2015, p.256).Ademais, através das declarações dos morado-

res, revelam-se dois aspectos distintos que contri-buem com a aparecimento de práticas ilegais nos conjuntos e que, comumente, são negligenciadas pela crítica: o modelo condominial de moradia de classe média, no qual os padrões do PMCMV são baseados, pressupõe uma normativa social abso-lutamente externa à cultura da população advinda de assentamentos precários. Esse modelo acaba dissolvendo as articulações preexistentes nas co-munidades e minando a participação dos morado-res, centralizando na figura do síndico a liderança do condomínio. O outro, é o acréscimo do custo da moradia formal e da sua infraestrutura básica nas despesas diárias dos moradores que passam a arcar com a prestação do imóvel, o custo condominial, além das tarifas de serviço inexistentes num assen-tamento informal, uma vez que são acessados fre-quentemente por ligações clandestinas.

Segundo o estudo, a performance do TS nas estruturas administrativas no município de Osasco representou um avanço no diálogo entre o poder público e a sociedade civil, tal como na criação da demanda prioritária para o PMCMV, entretanto é necessária a sistematização de um acompanha-mento social consistente durante todo o processo de realocação e ocupação dos conjuntos habitacio-nais que garanta a interlocução entre os morado-res e as equipes envolvidas com o empreendimen-to, assim como na criação de um canal de diálogo entre as famílias beneficiadas, auxiliando o desen-volvimento de uma “cultura de vizinhança” baseada nas dinâmicas relacionais identificadas nas comunidades.

Uma questão central para repensar novas es-tratégias de trabalho é olhar para além do em-preendimento, do conjunto habitacional, e focar no território, nos sujeitos e nas relações que se estabelecem; olhar para as potencialidades e fragilidades manifestadas nos territórios, à luz do conceito de moradia digna. Esse é o desafio: trabalhar para além dos muros do empreendi-mento, da unidade habitacional. Nessa direção, o PMCMV precisa ter abertura e financiar planos de TS que inovem nas estratégias e ações nos territórios (ARREGUI; BLANCO; PAZ; RO-DRIGUES, 2015, p.256). A investigação revela, portanto, a necessidade

de enfrentar um outro conjunto de questões sociais, além das técnicas e políticas, que impactam os modelos de desenho e gestão dos empreendimen-tos. O modelo condominial induzido por uma im-plantação que privilegia o espaço interno do con-

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junto em detrimento dos diálogos com o entorno imediato e pela legislação, traz um conjunto de problemas que a pesquisa apresenta e que, de novo, coloca desafios cujo enfrentamento deve se dar tanto na escala do desenho, quanto na da gestão e da política institucional. Assim, nota-se por outro ângulo a importância de estudar a escala interme-diária entre o território e a unidade habitacional, entre o programa e o indivíduo, entre a política e a disciplina.

É notório, a partir da crítica feita pelas pelo Observatório das Metrópoles, que seu discurso foi elaborado de maneira diferente daquele apresentado pela maioria dos textos consultados pelo portal Vitruvius. Embora as conclusões das leituras sejam, em ampla medida, compatíveis, a construção de suas narrativas é bastante diferen-te nos seus pressupostos. Isso revela intenções distintas na crítica arquitetônica que devem ser expostas, no sentido de aprofundar o debate. A metodologia de pesquisa que resultou na publica-ção da Rede Cidade e Moradia parte de um olhar distinto: o do depoimento do morador. Essa ope-ração despe o discurso de um modelo ideológico ou paradigma arquitetônico, a priori, na intenção de aproximar-se da vivência do habitante. Cumpre ressaltar que a ideologia não é, de forma alguma, o alvo da crítica. Nota-se inclusive, que é compa-tível àquela adotada pelo Observatório:

São aspectos que preocupam os pesquisadores, todos militantes da luta pelo direito à cidade, pois um programa habitacional que atende primordialmente aos interesses do setor privado, sem os vínculos necessários com uma política urbana e fundiária que lhe dê suporte, estimula, como efeito de seu próprio êxito, o aumento do preço dos imóveis da cidade e tem gerado péssimas inserções urbanas, correndo o risco de cristalizar, na velocidade alucinante das contratações, novos territórios de guetifi-cação e segregação social (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015, p.419).Isto posto, convém considerar que a militância

política pelo direito à cidade e a pesquisa se dão numa via de mão dubla com o projeto e com as proposições de políticas habitacionais. Observa-se que, para os autores citados, a crítica sistemática e o levantamento do existente têm como fio con-dutor a necessidade da atuação efetiva sobre o território que considere a cidade em sua comple-xidade. Aquela fornece o aporte teórico para o projeto dessa, mudando o olhar do projetista, sen-sibilizando-o ao outro.

2.3 O desenho como cidade

O protagonismo da cidade no pensamento arqui-tetônico, como visto anteriormente, pode levar a perspectivas díspares ao tratar da produção de HIS. Em grande parte da crítica, no entanto, a naturali-zação de um discurso que valoriza sobremaneira o desenho de arquitetura acaba por ocultar um número significativo de questões que transbordam as diretrizes do projeto propriamente dito.

Um sintoma claro desse vício crítico consiste na leitura da cidade a partir das relações formais estabelecidas pelo objeto arquitetônico com a malha urbana, ao invés de uma que parte das relações sociais e das necessidades da população. É preciso sublinhar que essa interpretação resulta não só de um posicionamento político cultivado inexoravelmente na Academia, que identifica a atuação do mercado imobiliário como prejudicial, mas de uma narrativa historiográfica da arquite-tura que valorizou o projeto como obra de arte. Estende-se, dessa forma, o entendimento do objeto arquitetônico, que passa a assumir, para uma parcela significativa da crítica, a função do urba-nismo, valorizando o desenho em detrimento das relações sociais, necessidades e anseios do morador. Percebe-se essa relação com muita clareza na escala do desenho de implantação dos edifícios.

Na publicação “Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano” produzida pelo Laboratório de Habitação e Assen-tamentos Humanos (LabHab) da FAU-USP, há um capítulo dedicado a estipular parâmetros de quali-dade urbanística. Todavia, a despeito das várias escalas, as análises na publicação organizada por Whitaker parecem se centrar em duas: a do terri-tório e a do edifício. A relevância dessas questões é indiscutível, porém a ausência de uma análise da demanda que compôs o empreendimento investi-gado compromete a objetividade da pesquisa, uma vez que os parâmetros de qualidade habitacional para um arquiteto são construídos de maneira muito discrepante daqueles apreciados pelos moradores do conjunto. Corre-se o risco, pois, de assumir a posição de arquiteto demiurgo, cujo desenho pre-tende contemplar as necessidades do outro.

É inédita, contudo, a apreciação, mesmo que incipiente, da sustentabilidade energética das unidades, indicada pela adição de painéis fotovoltaicos em ensaios para tipologias alternativas. Essa investigação pode indicar soluções para o problema gerado pelo custo elevado que a infraestrutura formal tem na renda das

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famílias que habitam os empreendimentos destinados à faixa 1, reduzindo, consequentemente, a inadimplência.

Outro mérito do livro organizado pelo LabCi-dade é o de fazer, a partir de três propostas elabo-radas por escritórios de arquitetura, um detalhado orçamento no intuito de contrapor as soluções tipológicas repetitivas dos empreendimentos cons-truídos pelas incorporadoras com proposições consideradas arquitetônica e urbanisticamente mais adequada. Considerou-se o valor máximo por unidade de R$ 130.000,00, teto da faixa 1 do PMCMV. O orçamento foi decomposto em custo de constru-ção; de projeto, gestão e lucro; além do preço do terrenos, reais. Esses elementos compõem respec-tivamente 60%, 30% e 10% do valor total do imóvel (WHITAKER, 2012, p.129).

O objetivo é evidenciar como, da prancheta desses arquitetos, sairiam ideias que, ainda que dentro das condicionantes da nossa realidades, fujam das soluções automatizadas que o mercado produz, valorizando aspectos de boas soluções arquitetônicas que são raras no cenário urbano atual (WHITAKER, 2012, p.128).Observa-se, contudo, que a maioria dos ensaios

apresentados pelos escritórios de arquitetura in-sistem numa intervenção volumétrica extrema-mente contrastante com a morfologia da malha urbana existente, facilitando o cercamento de largos trechos da cidade e contribuindo, em última análise, para a construção de uma mentalidade privatista calcada no modelo condominial de moradia. Identifica-se, então, algumas das premis-sas adotadas pelos escritórios, que podem ilustrar alguns vícios formais da metodologia projetual empregada na composição do objeto arquitetôni-co compreendido como desenho urbano. A análise a seguir leva em consideração a descrição do pro-cesso projetual descrito na publicação.

O exame das propostas apresentadas indica, em todos os casos, uma tentativa de solucionar com o objeto arquitetônico, a questão da urbani-dade. Porém, o desenho do espaço público deseja-do não é suficientemente detalhado em nenhum dos ensaios apresentados. Um indicador desse problema metodológico é a escala dos desenhos de implantação, deflagrando uma tendência for-malista de pensar inserção urbana como compo-sição escultórica. Essa conclusão é reforçada pela insistência no modelo de implantação do edifício isolado no lote ou inserido num contexto condo-minial, tal como pela frequente ausência de deta-lhamento das áreas comuns e pelo desenho paisa-gístico arbitrário. Constata-se, portanto, uma séria

deficiência numa prática arquitetônica que pre-tende dar conta da cidade a partir do edifício sem se debruçar na escala intermediária entre o con-junto, a quadra, o pavimento tipo e o entorno ime-diato. Também é necessário considerar que os enfrentamentos propostos na publicação descon-sideram, em absoluto, as relações sociais de um grupo de moradores. Como visto anteriormente, no estudo desenvolvido pelo Observatório das Metrópoles, as especificidades sociais que compõem a demanda do edifício são determinantes para a criação de HIS adequada. Sendo assim, um ensaio projetual para população de baixa renda que não leva em conta o morador acaba traduzindo o pro-fundo formalismo da produção arquitetônica bra-sileira.

Cabe, nesse contexto, buscar uma justificativa histórica para a consagração paradigmática do objeto arquitetônico no centro do discurso urba-nístico e simultaneamente como obra de arte no âmbito da habitação social. Tal formulação, con-forme já foi mencionado nesse ensaio, na produção contemporânea paulistana, deve muito à figura de João Vilanova Artigas e a criação do curso de ar-quitetura da FAU-USP. Entretanto, identifica-se em grande parte dos textos consultados um elogio aos projetos de habitação financiados pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) e pela Fundação Casa Popular (FCP). Logo, aproximar-se criticamen-te dessa produção é necessário para que entenda-mos os valores consagrados pela produção erudita.

A dimensão dessa leitura é tamanha que todas as obras contempladas pela coleção “Pioneiros da Habitação Social” foram financiadas com esses fundos. Em seu livro anterior, Nabil Bonduki in-vestiga profundamente a produção desse período e ressalta sua qualidade arquitetônica.

Do ponto de vista qualitativo, a produção dos conjuntos habitacionais pelos IAPs merecem destaque tanto pelo nível dos projetos como pelo impacto que tiveram, definindo novas ti-pologias de ocupação do espaço e introduzindo tendências urbanísticas inovadoras (BONDUKI, 1998, p.127).É preciso ter em conta que grande parte dessa

produção foi conceitualmente construída, a partir das reflexões arquitetônicas modernistas elaboradas nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna no final da década de 1920: a temática da habitação mínima explorada em 1929, assim como a Carta de Atenas publicada pelo 4o CIAM em 1933 são dois exemplos comuns do que foi, na realidade, a elaboração teórica mais potente na definição do léxico modernista. Nessa

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chave, é pertinente citar outro grande fator de consagração da arquitetura moderna brasileira como símbolo: a exposição e publicação “Brazil Builds” (1942-43), feita pelo MoMA e que inseriu a arquitetura brasileira na vanguarda artística.

Outro parâmetro determinante para a consa-gração simbólica dessa produção foi a presença de arquitetos nos órgãos públicos responsáveis pelos projetos dos conjuntos habitacionais, noto-riamente Carmen Portinho e Alfonso Eduardo Reidy no Departamento de Habitação Popular, fundado em 1946 que, no ano seguinte, seriam responsáveis pelo conjunto habitacional de inte-resse popular mais paradigmático da arquitetura Brasileira: o Conjunto Pedregulho. Nele “aparece de forma mais acabada a relação entre habitação social, modernização, educação popular e trans-formação da sociedade” (BONDUKI, 1998, p.139).

Identifica-se, com o Pedregulho, a noção de HIS que grande parte do campo “erudito” da arquite-tura baseia sua crítica. Todavia, não se pode perder de vista a carga simbólica que o período tem na construção da narrativa arquitetônica nacional e que o conjunto está inserido num contexto políti-co desenvolvimentista, no qual a ortodoxia do viver moderno desenvolvido nos CIAMs, encontrava-se com o mito do progresso num Brasil recém-saído da ditadura Vargas. À revelia da maestria formal do objeto arquitetônico, o morar moderno foi imposto à população.

Independentemente dos indiscutíveis méritos de Reidy no projeto dos equipamentos comu-nitários e demais blocos, sua grande inovação está na concepção do imenso edifício serpen-teante, construído na parte elevada do terreno (...). Este bloco concretiza magistralmente a proposta de Le Corbusier para a Unité d’habi-tacion, inovando na criação de uma nova relação paisagem-espaço construído. (BONDUKI, 1998, p.170).Os posicionamentos críticos destacados até

aqui, buscam construir um panorama dos discur-sos que pautam a produção de HIS principalmen-te no contexto paulistano. Examinando-os, pode-se apontar algumas narrativas comuns aos posicio-namentos, sendo a mais evidente aquela em que a cidade está no centro do debate arquitetônico. Ela, entretanto, é idealizada pela crítica que, calcada num antagonismo unânime ao mercado imobiliário, estrutura-se para combater um projeto político, ao invés de investigar na própria produção arquitetônica “erudita” elementos para aprofundar o debate. Dessa forma, o protagonismo da cidade no pensamento arquitetônico permanece uma

utopia, enquanto o desenho de projeto continua debruçado sobre a escala do edifício ou do terri-tório, despreocupado com a escala intermediária que faz a relação com a cidade real e com a com-plexa rede de forças sociais que a permeia.

3. O Concurso Renova SP: muito texto e pouca crítica

O movimento de uma parcela da crítica arquite-tônica aqui representado pelo conjunto de artigos publicados no portal Vitruvius sob as palavras chave “Renova São Paulo”, ao tratar do concurso promovido pela Prefeitura de São Paulo, é muito similar àquele observado na parte anterior: um consenso retumbante. O posicionamento, no entanto, é contrário, cobrindo de elogios o concur-so e os projetos vencedores.

É preciso notar, no entanto, que o número de artigos no portal que tratam do concurso é consideravelmente menor do que o de textos que citam o programa federal. Ademais, o caráter dos textos é, também, bastante distinto daqueles que o analisam. Majoritariamente, trata-se de anúncios de eventos, lançamento de livros e palestras (TEMPO..., 2015; VIGLIECCA..., 2013; CAMARGO, 2012; SEHAB..., 2012; POLÍTICA..., 2012; CRUZ, 2012; EXPOSIÇÃO..., 2012; SOMEKH, 2011; VIII SEMINÁ-RIO, 2012; SEHAB..., 2011; RENOVA, 2011). Há ainda textos que anunciam vencedores do prêmio da Associação Paulistana de Críticos de Arte (APCA): em 2011, o concurso é citado no texto de premiação do jornalista Raul Juste Lores da Folha de São Paulo (SOMEKH, 2011) e, em 2012, ao premiar Hector Vigliecca na categoria Urbanidade por projetos de habitação social (CAMARGO, 2012). Outro artigo anuncia a entrega do primeiro prêmio Vilanova Artigas, organizado pelo IAB de São Paulo à Elisa-bete França pela sua atuação na Sehab (CRUZ, 2011).

Nessa chave, pode-se arriscar uma análise da unanimidade elogiosa da crítica em relação ao concurso, uma vez que nenhum texto do portal aponta o que Patrícia Samora questiona num artigo da revista AU:

O concurso não rediscute a presente dinâmica urbana paulistana, fortemente relacionada com a desigualdade no acesso à terra urbana e à moradia digna, que resultou numa enorme periferia onde abundam assentamentos precá-rios (SAMORA, 2011, s.p.).Tendo em vista a articulação política da crítica,

bem como sua coerência e agilidade na elaboração

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argumentativa - já havia reflexões sobre as metas de produção do PMCMV antes mesmo dele ser lançado -, além da vasta bibliografia dedicada à análise dos dois primeiros anos de operação do programa federal, cujas conclusões enfatizam, em grande parte dos casos, os problemas na constru-ção dos grandes condomínios distantes dos centros urbanos, vinculando-os ao crescimento horizontal da malha urbana e, consequentemente, ao agra-vamento da inequidade sócio espacial. Seu silêncio ao se deparar com uma proposição que insiste na criação de novas unidades habitacionais nas peri-ferias da cidade é espantoso.

Inegavelmente a atuação da Sehab na criação do Sistema de informações para Habitação Social na Cidade de São Paulo (Habisp) foi louvável. O trabalho de levantamento e cadastramento de assentamentos precários, assim como o diagnós-tico de áreas de risco é inédito e precioso, essencial para a elaboração de projetos urbanísticos mais contundentes. Entretanto, a escolha pela constru-ção de novos edifícios nas periferias, mesmo que amparados pelo projeto urbano que o concurso previa ao invés, por exemplo, da readequação de imóveis desocupados no centro, revela uma incon-gruência grave nessa narrativa arquitetônica que diagnosticara, poucos anos antes, esse mesmo erro no MCMV.

3.1. O modelo do concurso de arquitetura

A noção de que o concurso de projeto garantiria a qualidade arquitetônica de um edifício carrega em si a naturalização de uma narrativa que enaltece a autoria do projeto, subvertendo o protagonismo do usuário do edifício em favor da criação de uma figura genial. Notoriamente os agentes promotores do Renova SP, consideram o desenho do arquiteto - na verdade de certos profissionais -, como sinô-nimo de qualidade, conjecturando um contrapon-to aos conjuntos habitacionais construídos pelo mercado imobiliário, a grande maioria deles, afinal, também desenhados por arquitetos, mas não os valorizados pela crítica dominante.

Daí emerge um duplo fetiche pelo desenho arquitetônico. Considerado como gesto potencial-mente civilizatório e indicador de novas maneiras de viver, ele passa a ser lido como um manifesto político, um modelo ético. Leitura materializada, por exemplo, nas análises das casas-manifesto construídas na segunda metade do século XX em São Paulo, que introjetam signos políticos à mate-rialidade da obra e assim por diante.

Ao mesmo tempo, o apelo formal do desenho propriamente dito ganha uma relevância excessi-va no contexto da competição de projetos, trans-cendendo o mero registro bidimensional de um edifício para atingir o status de obra de arte. Isso se dá pois a representação arquitetônica, além de trazer consigo a “assinatura” do escritório / arqui-teto-gênio que lapidou demoradamente sua “lin-guagem”, torna-se, no concurso, a principal ferra-menta de distinção entre os concorrentes e o interlocutor mais contundente e convincente entre o participante e a comissão julgadora.

A lógica dos concursos incrementa drastica-mente o valor da imagem no projeto arquitetônico, passando a ditar, inclusive, o modo de sua expo-sição para o público em geral e reitera, com as sedutoras imagens renderizadas, a fetichização, não só do objeto construído, mas do próprio desenho do projeto.

Historicamente o concurso de arquitetura no Brasil destinou-se à construção obras paradigmá-ticas como o Palácio Capanema, o Pavilhão de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer para a Feira de Nova Iorque em 1939, ou o Plano Piloto de Brasília. Obras nas quais o apelo formal do edifício era determinante, pois contribuiu para construção de uma identida-de nacional, criando, assim, uma narrativa de um projeto de país sintetizada nos edifícios. Não é por acaso que os exemplos citados se tornaram obras antológicas da arquitetura brasileira e definiram o léxico projetual das principais escolas modernis-tas do país: havia um projeto político por trás da seleção dos projetos premiados, assim como houve um recorte histórico arbitrário responsável pela consagração dessa produção. Nesse sentido, a va-lorização formalista da arquitetura no Brasil tem uma longa história.

Esse breve exemplo se mostra suficiente para indicar a tenuidade da linha que separa a história das ideias da história das obras na arquitetura brasileira. A contaminação da análise de um edi-fício pela trajetória política de seu autor - e mais ainda, pela narrativa de sua trajetória política - ganha força justamente no modelo do concurso de projeto, pelo protagonismo que dá criador. A partir dessa leitura, a competição se torna um ponto chave para a legitimação simbólica da arquitetura como obra de arte e para a autonomização do campo projetual: “Um concurso é a melhor opor-tunidade para o arquiteto dizer o que quiser, de modo público. Fica publicada a curiosidade inda-gativa, criativa, da arquitetura, do urbanismo” (ROCHA, 2011, p.16).

A cultura de valorização do concurso é exten-

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samente divulgada e celebrada pelo IAB, que, segundo Fabiano Sobreira e Vanessa Cristina, foi responsável por 59,18% das competições organi-zadas de 2005 a 2014 (SOBREIRA, WANDERLEY, 2015). Nota-se também, que todos os textos con-sultados no portal Vitruvius que foram redigidos por comissões vinculadas ao instituto apresentam algum tipo de argumentação em favor do modelo. Ainda convém destacar que o site possui uma sessão exclusivamente dedicada à divulgação de editais para concursos, o que enfatiza a importân-cia do modelo no campo “erudito”.

Apesar da importância do modelo para o pro-cesso de difusão e consagração do campo, a pes-quisa organizada pelo Observatório das Metrópo-les no livro “Minha Casa... e a Cidade? Avaliação do programa minha casa minha vida em seis estados brasileiros”, apresenta algumas questões que parecem incompatíveis com a dinâmica de um concurso e até mesmo do caráter arquitetôni-co dos projetos premiados. Indaga-se, pois, se uma obra carregada dos maneirismos projetuais con-sagrados pelo IAB e coberta pelos signos políticos de determinado “artista” é, de fato, a casa que supre as necessidades cotidianas dos potenciais moradores e correspondem de alguma maneira às diferentes concepções de habitar com que o usuário está familiarizado.

Questiona-se ainda a magnitude do concurso em relação ao tempo dado ao júri para avaliar a proposta: seriam 3 dias suficientes para um corpo de júri integrado por 6 pessoas - dois estrangeiros - debater cada uma das 109 propostas distintas (BARDA; FRANÇA, 2011)? Dividindo-se o número de propostas pelas vinte e quatro horas de trabalho acumuladas durante os três dias, obtém-se uma média de avaliação de aproximadamente uma proposta a cada 20 minutos. Tendo em mente que cada projeto lidou necessariamente com demoli-ções e reassentamento de um número considerável de famílias, a agilidade no processo de indicação dos vencedores do concurso parece temerária.

A composição do júri também é passível de contestação. Integrado exclusivamente por arqui-tetos sem vínculo algum com as regiões em que o Renova São Paulo pretendia atuar, o concurso insiste em excluir o morador das tomadas de decisão. Ora, considerando a crítica ao PMCMV apresentada na pesquisa do Observatório das Me-trópoles que destaca a importância de um diálogo sistemático com a população que habitará os con-juntos habitacionais, qual o significado de um júri no qual nenhum dos integrantes tem contato com os moradores dos assentamentos contemplados?

Esse posicionamento revela um descompasso grave entre o campo de pesquisa arquitetônica e a pro-dução projetual de HIS.

O conjunto de fatores elencados nessa reflexão aponta, portanto, para uma atuação impositiva do concurso ao selecionar os projetos vencedores desconsiderando as particularidades sociais de cada comunidade e, possivelmente, premiando um modo de morar estranho a elas. Soma-se a isso, uma seleção corporativista de júri que, além de não considerar a participação de representantes das comunidades na seleção dos projetos, foi com-posto por arquitetos de trajetórias semelhantes, favorecendo a premiação de um único tipo de arquitetura.

É preciso entender, inclusive com propósito de desmistificar a produção arquitetônica, que a dinâmica de participação em um concurso de arquitetura é extremamente custosa para os escritórios. Para cumprir os exíguos prazos de entrega, as equipes se sujeitam a jornadas estendidas de trabalho em horários extra-comerciais, uma vez que os outros projetos não são suspensos. Além disso, há o custo adicional da inscrição na competição, da produção de maquetes físicas e eletrônicas, imagens renderizadas e diagramas. Observa-se, então, que as competições selecionam, a priori, um tipo de escritório com mão de obra disponível para jornadas extras de trabalho e com caixa suficiente para arcar com os custos extras de funcionamento do escritório pelos períodos estendidos da produção, sem qualquer garantia de retorno financeiro. Outra prática comum é a contratação informal de estagiários para os períodos de concurso (KOGAN, 2011).

Esboçou-se, com o Renova São Paulo, uma pro-dução de HIS que aposta mais nas soluções formais da arquitetura do que num desenho urbano calcado na sua relação com o usuário. Reafirma-se assim, o papel do arquiteto demiurgo que pretende de-terminar, desde a prancheta do escritório, o modo de morar de indivíduos com trajetórias discrepan-tes da sua própria. Isto posto, nota-se que o con-curso de projeto é determinante para a manuten-ção do narcisismo arquitetônico que concebe o desenho do edifício como obra de arte. Esse meca-nismo de contratação, ao tratar de grandes quan-tidades de unidades habitacionais, pode se tornar autoritário se não considerar as particularidades das comunidades afetadas pelos projetos, alienan-do os moradores da construção de suas casas, re-sultando em diversos problemas de pós-ocupação.

O argumento de que o concurso de projeto é uma oportunidade de debater novas ideias arqui-

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tetônicas é também comprometido ao considerar-mos que os membros do júri têm perspectivas se-melhantes em relação à qualidade arquitetônica, dada a similaridade de suas trajetórias. Nessa chave, a competição, pelo regime de trabalho que impõe às equipes, bem como pelos custos de produção, não é um modelo que garante democraticamente oportunidade de contratação aos participantes.

Pode-se medir o grau de autonomia de um campo de produção erudita com base no poder de que dispõe para definir as normas de sua produção, os critérios de avaliação de seus produtos e, portanto, para retraduzir e reinter-pretar todas as determinações externas de acordo com seus princípios próprios de funcio-namento (BOURDIEU, 2003, p.106).Nesse âmbito, deve-se refletir sobre o papel do

IAB na promoção de concursos dessa sorte: qual o interesse em insistir num modelo de contratação que dá ampla margem de vantagem aos escritórios cuja renda permite a participação nas competições, ou que contratam funcionários em regime de su-bemprego? Torna-se necessária uma crítica siste-mática desse modelo de contratação, assim como aos projetos premiados.

Por outro lado, tratando-se de projetos de grande porte, inacessíveis para escritórios peque-nos por indicação, o concurso de arquitetura de-mocratiza, em determinada medida, o acesso de escritórios aos projetos. E, inegavelmente, é um modelo melhor do que a desastrosa licitação por preços. Não obstante, refletir criticamente sobre o modelo de concurso pelo qual o IAB advoga é es-sencial para o impedimento da oligopolização do campo erudito da arquitetura. A participação de escritórios de trajetórias distintas e origens menos abastadas deve ser estimulada para que novas soluções sejam expostas e reverberem nas instân-cias de legitimação e difusão do campo, expondo-as, inclusive à crítica. Um novo modelo para competi-ção e contrato de projetos é essencial para a demo-cratização real do campo e, consequentemente, para a atuação efetiva da arquitetura na cidade.

3.2. A revista Monolito e uma crítica operacional da arquitetura

Os processos do campo de produção erudita em direção à autonomia caracterizam-se pela tendência cada vez mais marcada da crítica (recrutada em grande parte no próprio corpo de produtores) de atribuir a si mesma a tarefa, não mais de produzir os instrumentos de apro-

priação que a obra exige de modo cada vez mais imperativo na medida em que se distancia do público, mas de fornecer uma interpretação “criativa” para uso dos “criadores”. Destarte, constituem-se “sociedades de admiração mútua”, pequenas seitas fechadas em seu eso-terismo e, ao mesmo tempo, surgem os signos de uma nova solidariedade entre o artista e o crítico (BOURDIEU, 2003, p.107).Entendendo a relevância da publicação como

instância de consagração da produção de arquite-tura “erudita”, é auspicioso examiná-la buscando identificar os pressupostos discursivos que justifi-cam o alinhamento da crítica aos autores dos pro-jetos. Almeja-se, dessa forma, discutir a operacio-nalidade da crítica paulistana das últimas décadas.

Em seu trabalho de conclusão de curso “Crítica de Arquitetura no Brasil 1985 – 2010”, Jaime Solares Carmona aponta uma operação de seleção histo-riográfica semelhante na exposição “Ainda Moder-nos?” organizada por André Corrêa do Lago e Lauro Cavalcanti em 2005. Nela, a supressão completa das décadas de 1970 e 1980, pretende traçar um paralelo direto entre a produção da década de 1940 e 1950 - período chave na consagração internacio-nal da arquitetura moderna brasileira e, via de regra, canonizada exaustivamente pela crítica - com as obras feitas a partir dos anos 1990. Carmona denuncia o fato da produção contemporânea possuir, segundo Cavalcanti e Lago, “uma clara influência e inspiração nos projetos modernistas históricos brasileiros dos anos 1940 e 1950 (...) o moderno é tomado como linguagem e não mais como ideologia”:

Ou seja, a arquitetura contemporânea seria, afinal, uma continuação amaneirada, que se utiliza da linguagem moderna como faziam os ecléticos em relação aos estilos clássicos, ro-mânticos, etc., numa composição linguística esvaziada de seu sentido original (CARMONA, 2015, p.118).A seguir Carmona destaca a exposição “Coleti-

vo: arquitetura paulista na cidade”, organizada pelos próprios escritórios expoentes e analisada posteriormente por três críticos convidados, como um evento representativo do “espírito contempo-râneo” da arquitetura paulistana3. A crítica, nesse contexto, sem papel curatorial, foi apenas convi-dada pelos autores a comentar as obras, e o termo “coletivo”, mesmo aparecendo como contraponto à ideia de autoria individual, não discute essa noção de fato, apenas desloca seu foco, dando o protago-nismo da obra ao escritório. A análise confirma a placidez do posicionamento crítico em relação à

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produção “erudita” paulistana. A reboque das ar-bitrariedades estilísticas, de relações interpessoais e institucionais, a crítica se relegou aos cândidos comentários, ou às análises elogiosas, deixando de expor as contradições de uma produção que a contrata para defende-la. Esse impasse descreve a situação da disciplina e começa a fornecer uma justificativa para a míngua do debate arquitetôni-co das últimas décadas e para a consensualidade observada nos artigos do portal Vitruvius.

Não é surpreendente, portanto, que a revista Monolito se posicione escancaradamente em favor do Concurso Renova SP. Alguns dos membros de seu conselho editorial tem relações a serem notadas: chefiado por Fernando Serapião que integra a comissão de júri da APCA; ainda conta com Agnaldo Farias - orientador do doutorado de Guilherme Wisnik que também compõe o júri da APCA, foi convidado como crítico pelos escritórios do “coletivo” e curador da X Bienal de arquitetura (2013); e André Correia do Lago que, como apon-tado anteriormente, contribuiu, a partir da expo-sição “Ainda Modernos?” (2005), com a construção da narrativa que ambicionava legitimar uma parcela produção invocando a tradição modernis-ta. Isto posto, cumpre notar que, dos seis escritórios que compunham o “coletivo”, três são contempla-dos pela sétima edição da Monolito, dois foram indicados ao primeiro prêmio do concurso Renova SP e um ficou em segundo lugar.

Ressalta-se, então, a importância da impesso-alidade do projeto de arquitetura. Ao expor as diversas relações pessoais entre os arquitetos pro-dutores e difusores do campo “erudito” torna-se nítida a relevância que o sujeito/autor assume na produção paulistana. Essa personificação do ar-quiteto em sua obra fortalece a noção de projeto como objeto de arte e, consequentemente, mistifi-ca a autoria, prejudicando em demasia a ação da crítica que ao indicar defeitos em um projeto é lida como inimiga pessoal dos autores. Nesse contexto, cabe questionar para quem, afinal, o projeto de arquitetura se destina? A ênfase na autoria faz parecer que o arquiteto projeta para si. Entretan-to, ao tratarmos de habitação coletiva de interesse social, o tecido de relações humanas em que o objeto arquitetônico é inserido foge, e muito, de qualquer devaneio autoral.

Sendo assim, é preciso retomar a produção celebrada pelo periódico com o rigor crítico obser-vado nos textos que examinaram o PMCMV, des-pindo-se das prerrogativas discursivas que povoam os textos da crítica e ensaiando, pois, uma análise dos objetos arquitetônicos em sua relação com a

cidade, desconsiderando qualquer narrativa elabo-rada para justificar arbítrios de um pretenso artista para que a história das ideias e os maneirismos modernistas não atenuem um possível autoritaris-mo de uma intervenção e que o debate no campo arquitetônico não poupe a produção legitimada por suas instâncias de consagração tradicionais.

A sétima edição do periódico, dedicada à Ha-bitação social em São Paulo, tem seu editorial in-titulado “A guerrilheira Urbana” que se ocupa em descrever um dia de trabalho de Elisabete França, como vimos, personagem central na articulação de uma política urbana integrada durante o período e da promoção do Concurso. Nesse artigo, lê-se: “O sucesso de seu desempenho está baseado em um orçamento mais robusto (...) e uma metodologia de trabalho que, entre outras coisas, valoriza a atuação dos arquitetos” (SERAPIÃO, 2012, p.19). É celebrado, desse modo, o concurso como mecanis-mo de valorização do arquiteto, insistindo na re-levância da autoria e do desenho. Simultaneamen-te, o texto centraliza na figura de França um ideal político, personificando a gestão e vinculando-a diretamente às obras expostas pela revista.

Se por um lado a atuação da arquiteta eviden-cia a força de uma articulação entre os órgãos políticos gestores da cidade e aqueles com conhe-cimento técnico para desenha-la - fomentando uma reflexão aprofundada sobre política urbana, bem como a produção de um número significativo de obras -, é preciso, por outro, reconhecer a operação historiográfica de injeção de significados políticos às obras publicadas: ao referir-se à secretária de habitação como “guerrilheira urbana” e destacar seu engajamento no movimento estudantil e ao partido comunista, Serapião vincula a arquiteta a uma ideologia progressista insinuando, velada-mente, um paralelo com a trajetória política de Vilanova Artigas. Novamente, o movimento dessa parcela da crítica é o de tecer relações entre a produção contemporânea e os arquitetos mais consagrados do país, numa tentativa de legitimação naturalizada pela ação política.

Também é curiosa a maneira com que o texto se posiciona ao comentar as urbanizações realiza-das durante o mandato de Luiza Erundina (1989 a 1993):

(...) a linha priorizada por Nabil Bonduki era o mutirão, na qual os próprios moradores, após participarem da elaboração do projeto de ar-quitetura, construíam suas unidades. Com viés ideológico, a linha do mutirão era dominante no ambiente acadêmico da esquerda paulista, influenciada pelo pensamento de Sérgio Ferro

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(que via no projeto de arquitetura um instru-mento de dominação). Essa linha ainda hoje prevalece os escalões técnicos do Partido dos Trabalhadores, mesmo com muitas baixas pós--mensalão. Por consequência, também influen-cia as ações do Ministério das Cidades. Após analisar a atuação do Ministério, Joan Villá, arquiteto historicamente envolvido com habi-tação social, disse-me em uma entrevista que “parece que não gostam de arquitetura” (SE-RAPIÃO, 2012, p.22).Essa argumentação explicita uma ideia de an-

tagonismo entre a gestão de Elisabete França na Sehab, que valoriza o projeto de arquitetura, e a de Nabil - acadêmica -, que, contaminada por uma ideologia de esquerda, apostava no envolvimento dos moradores no processo de projetação e cons-trução das unidades. Ora, é um tanto contraditório um posicionamento que enaltece o engajamento político da arquiteta, vinculando-a à imagem da guerrilha urbana e, ao mesmo tempo, acusa o posicionamento dos mutirões de ter “viés ideoló-gico”. Estará Serapião alegando que a Sehab, durante o mandato de Gilberto Kassab, atuou de maneira imparcial? Qual o interesse por trás dessa argumentação? Além disso, é notável o desconhe-cimento do crítico das revisões historiográficas já realizadas sobre o tema, notadamente do trabalho de Ana Paula Koury, que mostrou não ser total-mente verdadeira a recusa por parte do Ferro do projeto, assim como também não é a partir dele que se constrói a ideia de mutirão, como mostram outros autores, entre eles Caio Santo Amore.

O raciocínio no trecho reproduzido dá a enten-der, ainda, que a qualidade arquitetônica dos pro-jetos construídos através de mutirão é “inferior” àquela dos projetos desenhados pelos escritórios contratados por França. Além disso, insinua uma ojeriza à academia, ao vinculá-la a uma metodo-logia de projeto “inferior”. Outra associação que não se sustenta na análise comparativa entre as produções das duas gestões em questão.

A publicação se detém sobre cinco projetos vencedores do Concurso Renova São Paulo. Além de um breve memorial descritivo dos projetos, nenhuma avaliação crítica é feita. Observa-se, contudo, em todos os projetos destacados, uma ausência notável de detalhamento da escala do pedestre, assim como uma tendência a implantar os edifícios recuados dos limites do lote, soltos nos terrenos, negando a relação com a malha urbana a partir de sucessivos remembramentos de lote e criando extensas áreas não edificadas que inter-rompem a lógica de ocupação da cidade, o que

facilita o cercamento de quadras inteiras. A exposição feita pelo periódico é suficiente

para ilustrar sua omissão no debate arquitetônico e na exposição das contradições evidentes na atuação de colegas. Enquanto as instâncias de consagração da arquitetura “erudita” insistirem em legitimar uma produção através da construção de paralelismos histórico-formalistas e de mistifi-cações sobre a autoria projetual, o campo perma-necerá hermético para o público geral e, conse-quentemente, a construção das nossas cidades se dará à revelia das discussões arquitetônicas.

4. Considerações Finais

O movimento da crítica arquitetônica carrega um potente indicador da crise teórica em que o campo está inserido. Enquanto a recusa generalizada aos conjuntos do PMCMV é construída com grande perícia tanto no ambiente acadêmico, quanto pelos projetistas, apontando-se para uma série de pro-blemas na inserção urbana dos conjuntos, ao surgir a oportunidade para atuar nesse contexto, as pro-posições arquitetônicas premiadas pelo concurso Renova São Paulo apresentam, em grande parte dos casos, os mesmos equívocos acusados pelos próprios participantes da competição nos conjun-tos do programa federal. Nesse caso, porém, a crítica cede seu lugar à celebração do concurso e à visibilidade dos arquitetos vencedores.

A assimetria da articulação crítica, bem como a quase unanimidade dos posicionamentos elen-cados deflagram, além da ausência de debate do campo “erudito”, um juízo fundamentado, em larga medida, numa promiscuidade conceitual profun-da, naturalizada nos discursos das mais diversas instâncias de produção e de consagração. Fundada na invenção do modernismo brasileiro, cuja his-toriografia, operacionalizada magistralmente por Lúcio Costa, exaltou a produção das décadas de 1940 e 1950 de maneira tão enfática que a blindou de julgamento crítico, essa permeabilidade inte-grou a imagem da arquitetura à ideologia política, ou seja, às utopias desenvolvimentistas de um restrito grupo no seus mais variados momentos históricos e proposições arquitetônicas.

Ao insistir num vínculo direto entre soluções formais e posicionamentos políticos, naturaliza-se uma narrativa na qual, a noção de urbanismo se dá exclusivamente a partir das relações do edifício. Ou seja, a solução projetual do edifício informa a qualidade urbana do território a partir das relações que estabelece com o entorno. Nesse contexto,

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surge a valoração desmedida do desenho que, aos poucos, passa a ser considerado um objeto de arte autoral, uma vez que a relevância do discurso também ganha prestígio equivalente ao do objeto arquitetônico, tal como a crítica ao mercado imo-biliário cuja “qualidade” arquitetônica dos edifícios é inferior uma vez que não é concebida como arte, mas como mercadoria. Idiossincrasia que, se por um lado colaborou com a consagração da produção arquitetônica brasileira no circuito cultural “erudito” internacional, por outro erigiu uma bar-reira entre a arquitetura e a vivência cotidiana da cidade.

Ainda hoje essa imprecisão do limite entre a história das ideias e a das obras pode ser identifi-cada na atuação da crítica ao justificar um arbítrio formal ou atestar a qualidade da obra pela invo-cação da sua similaridade formal para com um dos cânones modernistas. Reiterada pelas instân-cias de consagração do campo - academia, institu-tos, publicações - que insistem na valorização ar-tística do objeto arquitetônico, fetichizando-o, e do arquiteto como gênio criador, essa operação marginaliza a crítica real, considerando um juízo que aponta incoerências na obra, uma ofensa pessoal ao “artista”. Sob essa óptica, identifica-se uma dupla autonomização das instâncias produ-toras da arquitetura num primeiro aspecto, em relação ao usuário/morador/cliente, absolutamen-te alienado do processo de construção; em segundo, em relação às demais instâncias de consagração, uma vez que as instâncias de projeto se tornam autossuficientes na definição e regulação das normas de sua própria produção. É o caso do con-curso de arquitetura organizado pelo IAB, em que os agentes que se articulam para gerir têm as mesmas pretensões daqueles que se inscrevem, que são idênticas às do corpo de júri e à da crítica que, posteriormente, exaltará os vencedores.

É preocupante para a construção, tanto de HIS, como da própria cidade, a oligopolização do campo arquitetônico resultante da autonomização das instâncias de projeto que aliciaram parte da crítica. Buscou-se, com os ensaios, desconstruir algumas prerrogativas consagradas que, naturalizadas nos discursos, tornaram-se quase tabus. Entre eles, a prerrogativa modernista do projeto como resposta definitiva deve ser abandonada em favor da criação de uma cultura de projeto como pesquisa e como processo, sempre em parceria com os futuros usuários do edifício em diálogo de fato com a cidade existente e os agentes envolvidos na sua construção, públicos ou privados.

Além disso, procurou-se apontar brevemente

os enfrentamentos que ainda são raros na prática projetual de HIS: o detalhamento da escala do pedestre e o estudo aprofundado da relação entre o edifício e a cidade são imperiosos para a prática do projeto habitacional.

Portanto, acredita-se que a crítica tem papel fundamental na ruptura do marasmo produtivo da arquitetura paulistana. Para tal, é preciso in-terromper o seu ciclo de submissão ao projeto, libertando-se da noção provinciana de vínculo pessoal entre autor e obra. E, ao invés de propor uma resposta, conscientizar-se da própria arbitra-riedade, numa cultura de auto-reflexão e debate constantes.

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Notas

1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2015).2. Contribuiu para a construção dessa análise o trabalho de Pierre Bourdieu (2007).3. Exposição organizada pelos seis escritórios paulistanos de arquitetura: MMBB, Projeto Paulista, Núcleo de Ar-quitetura, Puntoni - SPBR Arquitetos, UNA e Andrade Morettin em 2006 no Maria Antônia, com o intuit de divulgar seus principais trabalhos. Wisnik, Nobre e Mi-lheiro foram convidados como críticos para analisar tais obras (NOBRE; MILHEIRO; WISNIK, 2006).

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VIII jornada de iniciação científica

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VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade

A Jornada de Iniciação Científica, promovida anu-almente desde 2009 pela Escola da Cidade, foi concebida como oportunidade de difusão e de debate de pesquisas fomentados pela própria escola. Em sua VIII edição, a Jornada desse ano de 2016 se reafirma como esse espaço prolífico de debate inicialmente idealizado, bem como eviden-cia a diversidade e as múltiplas possibilidades assumidas pela pesquisa de graduação na Escola da Cidade ao assumir um caráter nacional. Bus-cando assim ampliar suas conquistas e objetivos, o evento deste ano mantêm a profícua experiência iniciada em 2014, abrindo espaço para a apresen-tação de pesquisas de iniciação científica de arqui-tetura e urbanismo (e áreas afins) também reali-zadas em outras universidades, faculdades e escolas de ensino superior. A possibilidade de colocar em diálogo os trabalhos realizados na Escola da Cidade com aqueles feitos em outras instituições de ensino é uma oportunidade única de ampliação das perspectivas de debate, funda-mental para o adensamento do pensamento crítico no âmbito da pesquisa científica em arquitetura e urbanismo.

Diante do sucesso dos últimos anos e da alta procura dos jovens pesquisadores, a Comissão da VIII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade entendeu que a ampliação das mesas seria um ganho positivo para toda a comunidade. Neste sentido, a VIII Jornada de Iniciação Científica contará com 12 mesas, que abarcam 60 pesquisas de alunos de graduação de todo o país, e que con-tarão com os comentários de profissionais respei-tados em seus campos de atuação, o que uma vez mais só têm a nos honrar.

A mesa Território, planejamento e direito à cidade conta com o Prof. Dr. Caio Santo Amore, docente da FAU-USP, e busca debater sentidos e

significados em torno dos instrumentos do plane-jamento urbano e seus desdobramentos quanto ao direito à cidade. Nesta linha, planos diretores, cartografias, particularidades da ocupação do ter-ritório, bem como a própria arquitetura são iden-tificados como lugares de expressão e investigação de tais questões. Já a mesa Processos e projeto em arquitetura traz contribuições significativas para a investigação em torno de práticas e expe-riências associadas ao projeto arquitetônico. Com contribuição da Profa. Dra. Marta Bogea, docente da FAU-USP, busca-se constituir e explorar um conjunto de trajetos investigativos, que sinalizam para processos projetuais não apenas de arquitetos consagrados, mas, também, de experiências cola-borativas e associadas aos usuários dos edifícios.

A Profa. Dra. Sabrina Studart Fontenele, do CPC-USP e pós-doutoranda no IFCH-UNICAMP, par-ticipa da mesa Memória e cidade, onde noções de patrimônio aparecem articuladas. Neste sentido, trata-se de inventários, arquivos e conjuntos do-cumentais ou arquitetônicos, que trazem à luz aspectos significativos para a reflexão em torno de transformações urbanas e a cristalização de certas narrativas e discursos acerca da memória. Em Modos de habitar, a Profa. Dra. Glória Kok, pesquisadora do MAE-USP e professora da EC, contribui com um conjunto de investigações que têm seus objetos de pesquisa associados às noções do habitar. Tomando obras clássicas, periódicos ou mesmo certos conjuntos edificados e as práticas que ali se dão, esta mesa propõe enfrentar dife-rentes aspectos dos sentidos do habitar relacio-nando-os com aspectos diversos da cultura, socie-dade e história.

Projeto, pressupostos e técnicas construtivas é uma mesa dedicada às edificações a partir de aspectos essencialmente ligados ao fazer e à cons-

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trução. O Prof. Dr. José Eduardo Baravelli, docente junto à FAU-USP e à FIAM-FAAM, é o convidado desta mesa e com sua experiência ligada a este universo busca-se uma reflexão em torno de con-cepções projetuais particulares e coletivas, bem como dos aspectos técnicos e/ou construtivos que antecedem e dialogam com o fazer arquitetônico. A Profa. Dra. Paula Santoro é a convidada da mesa Habitação social e políticas públicas, que busca enfrentar este que é um dos temas da arquitetura e do urbanismo que mais tem concentrado esfor-ços investigativos. Neste sentido, os trabalhos aqui reunidos procuram dar destaque a algumas expe-riências icônicas das atuais políticas brasileiras. Tenham sido elas realizadas no plano municipal ou federal, tais investigações sinalizam para des-dobramentos territoriais locais, regionais ou na-cionais que como política alcançam.

Em Olhares e representações da metrópole, a cultura visual é colocada em debate, em seus mais variados aspectos e manifestações, através de um conjunto de pesquisas que tem a cidade e a arquitetura através de suas representações como centro do debate. Para tanto, esta mesa conta com a contribuição da Profa. Dra. Silvana Rubino, pro-fessora do IFCH-UNICAMP, debatendo coleções e conjuntos fotográficos, a produção cinematográfi-ca, além da relação das comunidades e indivíduos com a produção destes documentos. Tomando a cidade como objeto de investigação, na relação direta com seus habitantes, a mesa Cidade, espaços e sujeitos lança olhar para as dinâmicas sociais em torno da memória e do cotidiano nas cidades. Com participação da Profa. Dra. Ana Castro, docente da FAU-USP e ex-professora da Escola da Cidade, esta mesa abarca reflexões em torno de conjuntos históricos da cidade e o lugar de seus atores na cidade contemporânea. A cidade contemporânea é também o centro do debate articulado em torno da mesa Cidade, arquitetura e dinâmicas do capital. Para tanto, conta com a presença da Profa. Dra. Beatriz Kara José, do Senac, e procura pensar as articulações e embates entre alguns dos proces-sos econômicos contemporâneos e as dinâmicas de produção da cidade e da arquitetura em escalas que vão do edifício ao global.

Diálogos entre arte, cidade e arquitetura sinaliza para o importante e presente diálogo entre a arte e a arquitetura, nos seus mais diferentes aspectos, especialmente na relação com a socieda-de contemporânea. Neste sentido, a mesa conta com a Profa. Dra. Taisa Palhares, docente do IFCH--UNICAMP, para estabelecer reflexões acerca destas relações, especialmente articuladas em torno da

fotografia e do cinema, além das recepções de certas manifestações e eventos artísticos. Sinali-zando ainda, embora de maneira distinta, para os nexos culturais, mas também identitários, presen-tes em nossas cidades e arquiteturas, a mesa Ar-quitetura e identidades construídas ou imagi-nadas busca apontar para certos diálogos estabelecidos entre cidades, arquitetos e a cons-trução de movimentos artísticos. Neste sentido, a Profa. Dra. Maria Lucia Bressan Pinheiro, docente da FAU-USP, é a convidada desta mesa que preten-de marcar, através dos trabalhos aqui apresenta-dos, percursos de compreensão da história da arquitetura em diálogos com identidades constru-ídas ou imaginadas.

Por fim, Trabalho, trabalhadores e memória é uma mesa dedicada aos embates pela memória e história da cidade e suas construções, em algumas de suas chaves de reflexão específicas. Para tanto, a convidada desta mesa é a Profa. Dra. Ana Lanna, da FAU-USP, que tem como foco de reflexão os processos de construção e consolidação da cidade e seus espaços habitáveis, na relação com a histó-ria e a memória dos trabalhadores e do trabalho na construção - ou seus apagamentos.

Comissão Científica

Prof. Dr. Eduardo CostaProf. Ms. Fábio MosanerProfa. Dra. Fernanda PittaProfa. Dra. Joana MelloProf. Dr. Luis Octavio de Faria e SilvaProfa. Ms. Maira RiosProfa. Dra. Marianna Boghosian Al AssalProf. Ms. Pedro Lopes

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Programação20 de setembro de 2016

MESA 1Território, planejamento e direito à cidade comentário: Prof. Dr. Caio Santo Amore (FAU-USP)coordenação: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC)

1. Observa SP: potencializar a pauta do direito à cidade na política urbana de São Paulo através da comunicaçãoCaroline Nobre Taveira (FAU-USP / Bolsa Cultura e Extensão USP)orientação: Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP)

2. Reflexos dos Planos Diretores nos indicadores de infraestrutura urbana dos municípios mineiros e paulistasJuliana Manami Yoshida e Lucas Corrêa Maia Freitas (DAU-UFV / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha (DAU-UFV)

3. Considerações sobre o padrão de expansão da área urbana dos municípios mineiros.Blanca Valadares Ferreira (DAU-UFV / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha (DAU-UFV)

4. As representações cartográficas oficiais e não oficiais sobre Belo Monte: uma comparaçãoBruna Ribeiro e Maytê Coelho (IFSP e EC / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC), Prof. Dr. José Paulo Gouveia (EC) e Prof. Dr. Paulo Roberto de Albuquerque Bomfim (IFSP)

5. Conviver com o Semiárido: a arquitetura como uma ferramenta de apoio à resistência das comunidades sertanejasYuka Perdigão Ogawa (DAU-UFC)orientação: Prof. Dr. Renato Pequeno (DAU-UFC)

MESA 2Processo e projeto em arquiteturacomentário: Profa. Dra. Marta Bogea (FAU-USP)coordenação: Profa. Ms. Maira Rios (EC)

1. Conceitos e procedimentos projetuais na obra de Peter EisenmanLeandro Barros Nascimento (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Prof. Dra. Maria Isabel Imbronito (USJT e FIAM-FAAM)

2. O processo de projeto paramétrico e a experiência da arquiteturaAmon Christian Lasmar (UFSJ /Bolsa PIBIC-FAPEMIG)orientação: Profa. Dra. Marcela Alves de Almeida (UFSJ)

3. O desenho e os processos de produção da arquitetura: os projetos do acervo de Ícaro de Castro MelloGlauber Triana Chacra e Sofia Villela Borges (EC / Bolsas PE - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Ms. Fábio Mosaner (EC)

4. Arquitetura de usuáriosTatiane dos Santos Vidal (Belas Artes SP / Bolsa IC - Belas Artes SP)orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos (Belas Artes SP e UNITAU)

5. A historicização do pensamento inclusivo - uma análise histórica da inclusão de pessoas com deficiência física por meio de uma arquitetura acessívelJulia Lara Bayma de Souza Lima (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC)

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MESA 3Memória e cidadecomentário: Profa. Dra. Sabrina Studart Fontenele (CPC-USP e IFCH-UNICAMP)coordenação: Prof. Ms. Fábio Mosaner (EC)

1. Inventário do patrimônio cultural de Limeira-SPMatheus Januário da Silva (FIEL / Bolsa PAPIC-FIEL)orientação: Prof. Dr. Marcelo Cachioni (FIEL) e Profa. Ms. Juliana Binotti Scariato (FIEL)

2. Memórias de Parelheiros: reconhecendo as referências culturais da colonização alemãLeila Silva de Souza (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho (USJT)

3. Avenida Rio Branco: transformações e permanências em sua história urbana (Rio de Janeiro, 1960 a 1989)Andréia Feitoza de Oliveira (FAU-USP / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento (FAU-USP)

4. A Praça XV do Rio de Janeiro: transformação urbana na segunda metade do século XXLaís Miki Inoue Nagano (FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento (FAU-USP)

5. Buenos Aires: memórias de dor na paisagem urbanaRebeca Lopes Cabral (EC / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC)

MESA 4Modos de habitarcomentário: Profa. Dra. Glória Kok (MAE-USP e EC)coordenação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC)

1. Casa-Aldeia: microcosmoThiago Benucci (EC / bolsa FAPESP)orientação: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP)

2. A configuração física e simbólica dos espaços domésticos segundo Gilberto FreyreGabriella Gonçalles (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)

orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

3. O Morar Moderno: o processo de transformação do espaço da casa e da vida doméstica pela revista o cruzeiroBeatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes (FAU-USP / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

4. Cidade habitada: percepções dos meios de habitar o Conjunto Habitacional Jardim EditeAna Flávia de Siqueira Simão (SENAC / Bolsa SENAC)orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)

5. Relato de ocupação: moradia e imaginário a partir do Hotel CambridgeBárbara Fernandes e Fernanda Colejo (EC / Bolsas PE - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (EC)

MESA 5Projeto, pressupostos e técnicas construtivascomentário: Prof. Dr. José Eduardo Baravelli (FIAM-FAAM e FAU-USP)coordenação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

1. Concepções espaciais e práticas pedagógicas: análise de obras arquitetônicas referenciais no ensino público paulistaMiranda Zamberlan Nedel (IAU-USP / Bolsa FAPESP)orientação: Prof. Dr. Givaldo Luiz Medeiros (IAU-USP)

2. Por uma arquitetura social: o legado de Mayumi Watanabe de Souza LimaBruna Marchiori Souto (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

3. O emprego de estruturas metálicas tridimensionais em quatro obras de Eduardo de AlmeidaUgo Breyton Silva (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Dr. Cesar Shundi Iwamizu (EC e FAU-USP)

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4. Análise crítica da Pré-Fabricação e seus canteiros de obra - os casos do Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos e do Centro Internacional SARAH de Neurorreabilitação e Neurociências (RJ)Carolina Bosio Quinzani e Mably Rocha (EC / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Dra. Anália Amorim (EC e FAU-USP) e Prof. Valdemir Lucio Rosa (EC)

5. Tipologia habitacional e o processo de projetos participativos: análise crítica do desenvolvido e tipologia do conjunto habitacional COPROMONathália Conte Mendes Batista (FAU-MACK / Bolsa PIBIC-MACK)orientação: Prof. Ms. Paulo Emilio Buarque Ferreira (FAU-MACK)

MESA 6Habitação social e políticas públicascomentário: Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP)coordenação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva (EC e USJT)

1. Locação Social em São Paulo: o caso do Parque do GatoLarissa Gomes (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva (EC e USJT)

2. Os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) e a política ambientalEdson Maia Villela Filho (PUCPR)orientação: Prof. Dra. Zulma das Graças Lucena Schussel (PUCPR)

3. A construção do discurso dos atores envolvidos na produção do Programa Minha Casa Minha VidaJoão Vitor Ferrari Rabelo e Eduarda Assis Carmo (UFMG / Bolsa FAPEMIG)orientação: Profa. Dra. Denise Morado Nascimento (UFMG)

4. Casa para quem precisa: desequilíbrios entre público alvo e atingido pelo Programa Minha Casa, Minha Vida em Minas Gerais e Espírito SantoLorena Gomes Ravazzi e Jorge Lira de Toledo e Gazel (DAU-UFV / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha (DAU-UFV)

5. Avaliação da política pública do governo brasileiro para a programação de habitação socialJoão Paulo Gobbo de Sousa (UNITAU)orientação: Prof. Dr. José Oswaldo Soares de Oliveira (UNITAU)

MESA 7Olhares e representações da metrópolecomentário: Profa. Dra. Silvana Rubino (IFCH-UNICAMP) coordenação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC e Pinacoteca-SP)

1. A cidade de São Paulo através de seus rios: estudo de imagens fotográficas de fins do século XIX até meados do século XXAlexandre Kok Martins (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos (EC)

2. Centro de São Paulo: identidade e cotidiano a partir da produção de imagens fotográficasFiona Susan Platt (SENAC)orientação: Prof. Ms. Ralf José Castanheira Flôres (SENAC)

3. Cidade E Cinema: representações da periferia no cinema brasileiro (Rio de Janeiro e São Paulo)Vinícius Okada Micheletto de Moraes D’Amico e Jeanne Alves Vilela (IAU-USP / Bolsas PUB-USP)orientação: Prof. Dr. Ruy Sardinha Lopes (IAU-USP)

4. Aprendendo com as diferenças: comunidades informais e autoconstrução em São Paulo e CopenhagenJulia Park (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva (EC e USJT)

5. Do lirismo ao caos: experimentação gráfica sobre São Paulo a partir de Walter BenjaminGuilherme Paschoal Ribeiro (EC / Bolsa PE - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Ms. Alexandre Benoit (EC)

MESA 8Cidade, espaços e sujeitoscomentário: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP)

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coordenação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos (EC)

1. Patrimônio edificado no BrásYasmin Darviche (FAU-USP / Bolsa CNPq)orientação: Profa. Dra. Beatriz Mugayar Kühl (FAU-USP)

2. Área central do Rio de Janeiro: patrimônio cultural, participação social e políticas urbanas (1970-2000)Renata Satie da Cruz (FAU-USP / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento (FAU-USP)

3. A Praça da Bandeira em São Paulo: ideias em conflito, realizações e projetos interrompidosGustavo Marques dos Santos (FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)orientação: Prof. Dr. Renato Cymbalista (FAU-USP)

4. Na altura do olhar: três aproximações sobre a Gal. JardimTali Liberman Caldas (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Dr. Eduardo Costa (EC)

5. Análise comparativa de lugares públicos na metrópole contemporânea: estudo sobre a Praça Sílvio Romero e o Shopping Tatuapé, São Paulo - SPTeresa Cristina Barroso Vieira (FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)orientação: Prof. Dr. Eugenio Fernandes Queiroga (FAU-USP)

MESA 9Cidade, arquitetura e dinâmicas do capitalcomentário: Profa. Dra. Beatriz Kara José (Senac)coordenação: Prof. Ms. Guilherme Petrella (EC e USJT)

1. Cidade Compacta e observação da Operação Urbana Consorciada (OUC) Bairro do TamanduateíAline Gomes (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva (USJT)

2. Transformações e permanências na Barra Funda: a área envoltória do Teatro São PedroLarissa Tesubake de Farias (USJT / Programa PIVIC-USJT)

orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho (USJT)

3. São Paulo: duas cidades em uma. Um estudo sobre a Galeria Metrópole e o Conjunto Cidade JardimDebora Cristina da Silva (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Marina Grinover (EC / FAU-USP)

4. Arquitetura e cidade na era do capital financeiro - os espaços aeroportuáriosBianca Feliz Okamoto e Gabriel de Paula Biselli (EC / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC) e Prof. Ms. Guilherme Petrella (EC e USJT)

5. Desconstruindo o canteiro: o caso do Terminal 3 - Aeroporto de GuarulhosRafaella Luppino e Stela Mori Neri Silva (EC / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Dra. Anália Amorim (EC e FAU-USP) e Prof. Valdemir Lucio Rosa (EC)

MESA 10Diálogos entre arte, cidade e arquiteturacomentário: Profa. Dra. Taisa Palhares (IFCH-UNICAMP)coordenação: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (EC)

1. Fenomenologia da forma construída - olhares tecidos sob as lentes ofuscadas pela contemporaneidade: a metrópole na fotografia de Michael WeselyBeatriz Gomes Ferreira (FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)orientação: Prof. Dr. Guilherme Wisnik (FAU-USP)

2. Olhar feminino: a presença da mulher na cidade moderna, percebida através da fotografia de Alice Brill, Berenice Abbott e Vivian MaierCaroline Pimenta Medeiros (SENAC / Bolsa SENAC)orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)

3. Moholy-Nagy e as representações estéticas da metrópole através do audiovisual: mapeamento e apreensão da realidade

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José Tiago Belarmino de Lima (SENAC / Bolsa SENAC)orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)

4. A recepção do III salão de maio entre movimentos artísticos brasileirosOlívia Mendes Tavares (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC e Pinacoteca-SP)

5. Experiência, espaço, desenho: um olhar para a obra de Lina Bo Bardi e os NeoconcretosPedro Feris Araujo (EC / Bolsa PE - Conselho Científico EC)orientação: Pro. Dr. Gilberto Mariotti (EC)

MESA 11Arquitetura e identidades construídas ou imaginadascomentário: Profa. Dra. Maria Lucia Bressan Pinheiro (FAU-USP)coordenação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC)

1. A Mesquita de Santo Amaro como representação da cultura árabe em São PauloHenrique Garcia Prado (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho (USJT)

2. A obra residencial de Severiano Porto em Manaus: levantamento e análise comparativaIsabella De Bonis Silva Simões (EC / Bolsa VE - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

3. Modernos e brasileiros: o diálogo do Brasil Arquitetura com o trabalho de Lina Bo Bardi e Lucio CostaLuana Espig Regiani (FEC-UNICAMP / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Silvana Rubino (IFCH-UNICAMP)

4. Latin American Architecture since 1945: história e historiografiaLaura Levi Costa Sousa (EC / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC)

5. Habitação social e identidade nos Congressos Panamericanos de ArquiteturaBruna Carolina de Souza Pereira (FEC-UNICAMP / Bolsa PIBIC-CNPq)orientação: Profa. Dra. Josianne Francia Cerasoli (IFCH-UNICAMP)

MESA 12Trabalho, trabalhadores e memóriacomentário: Profa. Dra. Ana Lanna (FAU-USP)coordenação: Prof. Dr. Eduardo Costa (EC e IFCH-UNICAMP)

1. Patrimônio ferroviário na cidade de São Paulo: a importância da linha Santos-Jundiaí para os bairros do TamanduateíPaloma Silva Viana (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho (USJT)

2. Inventário das Arquiteturas do Patrimônio Cultural Ferroviário na Associação dos Municípios da Região Carbonífera - AMRECLays Juliani Hespanhol e Alice Bortoluzzi (UNESC / Bolsa PIC-SC)orientação: Profa. Ms. Aline Eyng Savi (UNESC)

3. Chafarizes e a memória da escravidão em São PauloArtur Santoro (FFLCH-USP / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos (EC) e Prof. Dr. José Guilherme Magnani (FFLCH-USP)

4. Análise qualitativa da vila operária da Companhia Antarctica PaulistaDenis Jesus Mignoli (USJT / Programa RIC-USJT)orientação: Profa. Dra. Ana Paula Koury (USJT e IEB-USP)

5. Etnografia do canteiro e a cultura do trabalho escravoJuliana Barbosa (FIAM-FAAM / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC), Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos (EC) e Prof. Dr. José Eduardo Baravelli (FIAM-FAAM e FAU-USP)

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Resumos dos trabalhos

MESA 1Território, planejamento e direito à cidadecomentário: Prof. Dr. Caio Santo Amore (FAU-USP)coordenação: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC)

1. Observa SP: potencializar a pauta do direito à cidade na política urbana de São Paulo através da comunicaçãoCaroline Nobre Taveira (FAU-USP / Bolsa Cultura e Extensão USP)Orientação: Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP)

O projeto ao qual esta pesquisa de iniciação cien-tífica se insere, o ObservaSP, tem como objetivo analisar e monitorar políticas urbanas e interven-ções urbanísticas implementadas através de ins-trumentos de transformação urbana, como Parce-rias Público-Privadas ou concessões urbanísticas, contribuindo para o fortalecimento da sociedade civil organizada e suas redes através da qualifica-ção do debate público em torno desses temas. Além disso, o projeto traz como desafio produzir conhe-cimento crítico a partir da sua rede de pesquisa-dores, que envolve, além do LabCidade na FAU-USP, equipes de outras instituições: em Belo Horizonte, os grupos indisciplinar e Praxis, ambos da UFMG; no Rio de Janeiro e em Fortaleza, pesquisadores da IPPUR/UFRJ e do Lehab/UFC, respectivamente. Assim, este projeto de iniciação colabora com apoio, produção de conteúdo e imagens que dão suporte a produção e disseminação de informações e con-teúdos qualificados, por meio de ferramentas de comunicação como o Blog ObservaSP (observasp.wordpress.com), redes sociais como Facebook e Twitter, além de uma newsletter mensal. Com isso, e privilegiando o uso de linguagem acessível ao público não especializado, procura difundir infor-mações para a sociedade em geral, fomentar

debates e fortalecer as perspectivas do direito à cidade na política urbana de São Paulo, de modo a contribuir para a formação de uma opinião pública capaz de influir no processo de tomada de decisão e implementação destas políticas. Esta pesquisa tem colaborado, inicialmente, com a de-finição dos temas que serão tratados nos textos semanais disponibilizados no blog e nas redes sociais, além de acompanhar a disseminação desse conhecimento. Como a pesquisa está diretamente ligada à acontecimentos que transformam a cidade, decide-se coletivamente qual será a melhor ferra-menta para movimentar/informar a sociedade civil de acordo com o tema. Assim, a pesquisadora decidiu quais ferramentas gráfico-políticas alter-nativas podem ser exploradas para se conseguir acessar cada vez um número maior e mais quali-ficado de pessoas interessadas como vídeos curtos, animações, ilustrações, mapas interativos, etc. A pesquisa também preparou e disseminou o conte-údo de eventos acadêmicos, dialogando com pro-fessores, alunos e participantes externos. Para alguns destes foram disponibilizados, além de textos, os vídeos dos eventos na íntegra, diversifi-cando a forma de disseminação dos conteúdos e ampliando o número de acessos. Além destes vídeos, mais longos, a equipe do projeto, incluindo esta pesquisadora, fez uma campanha através de um vídeo curto de animação, para explicar aos cidadãos os efeitos de uma Medida Provisória em debate no Congresso Nacional, a MP 700. Esta di-versificação de linguagens - incluindo vídeos, ani-mações, mapeamento dinâmico, ilustrações, entre outros - procurou estimular a criatividade e cami-nhou frente aos desafios de ampliar a comunicação direta com os cidadãos

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2. Reflexos dos Planos Diretores nos indicadores de infraestrutura urbana dos municípios mineiros e paulistasJuliana Manami Yoshida e Lucas Corrêa Maia Freitas (DAU-UFV / Bolsas PIBIC e FAPEMIG)orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha (DAU-UFV)

A pesquisa investiga a correlação entre os Planos Diretores e a qualidade da infraestrutura urbana através dos preceitos da Lei Federal nº 10.257/2001, também conhecida como Estatuto da Cidade. In-fere-se que o Estatuto foi determinante para o progressivo incremento da qualidade de vida urbana, consequente do desenvolvimento dos ser-viços infraestruturais básicos: rede de abasteci-mento de água, rede de coleta de esgoto, resíduos sólidos e energia elétrica. Pressupondo uma cor-relação direta e positiva entre ambas, entende-se que quanto mais tempo houver para a maturação de um Plano Diretor, melhor seria o acesso à in-fraestrutura básica. A Lei em questão entrou em vigor no dia 10 de outubro de 2001, fruto dos Art. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, sendo um de seus preceitos basilares o direito social da propriedade. Nesse contexto, o Plano Diretor so-cialmente inclusivo é uma das ferramentas indi-cadas para garantir o direto às cidades sustentáveis, e a infraestrutura, uma das benesses da urbaniza-ção que podem atuar para amenizar a desigualda-de socioterritorial. Tendo em vista a implantação dos Planos Diretores, foi estipulado um prazo máximo de cinco anos após a aprovação da Lei, ou seja, até o dia 10 de outubro de 2006. Dessa forma, o recorte temporal adotado, de 2004 a 2013, contempla situações anteriores e posteriores ao prazo final de elaboração dos Planos, caracterizan-do a evolução da sua cobertura territorial e, da mesma forma, suas implicações nas condições de infraestrutura locais. Além disso, dois Estados di-ferentes foram selecionados como recorte territo-rial, para fins comparativos: Minas Gerais, devido aos seus indicadores, em geral, apresentarem si-milaridade à média nacional e São Paulo, por re-presentar uma realidade mais urbanizada e popu-losa, onde boa parte dos municípios cumprem os quesitos da Lei 10.257/2011, fazendo com que os efeitos dos Planos Diretores nos indicadores de infraestrutura sejam possivelmente mais evidentes. Por fim, foi criado um índice de infraestrutura urbana (IIEU) que mapeia os domicílios particula-res permanentes contemplados pelos serviços básicos, sintetizando-os através de uma média aritmética simples expressa em porcentagem.

Sendo assim, um dos principais objetivos dessa investigação é compreender se a implantação do Plano Diretor reflete no desenvolvimento da in-fraestrutura urbana, analisando o desenrolar de sua cobertura territorial e, para alguns casos, os desdobramentos de sua perenidade. Para tal, foram utilizados dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC, elaborada anualmen-te pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE), onde apresenta a existência (ou não) de planos diretores nas cidades mineiras e paulis-tas no período de 2004 a 2013. Também foi utiliza-da a Malha Digital Municipal (MDM) do IBGE (sem escala, projeção cartográfica) para a criação de cartogramas. Compreender a correlação entre Planos Diretores e infraestrutura poderá elucidar a eficácia dos mesmos no combate à desigualdade socioterritorial. Algumas análises preliminares já demonstram baixa correlação entre os distintos âmbitos, evidenciando a existência de empecilhos para a aplicação dos Planos, reforçando processos de reprodução de desigualdades.

3. Considerações sobre o padrão de expansão da área urbana dos municípios mineiros.Blanca Valadares Ferreira (DAU-UFV / Bolsa PIBIC)orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha (DAU-UFV)

Os critérios de definição de áreas urbanas no Brasil são estritamente administrativos. Na maioria dos casos, a expansão das áreas urbanas não advém de uma real necessidade a fim de fazer frente às questões de adensamento populacional, controle do custo fundiário, déficit habitacional, entre outros. Na ausência de fundamentação técnica, o meio urbano torna-se o alvo de interesses espúrios de determinadas classes ao se transformar em mercadoria. Por certo, o resultado do padrão de crescimento urbano que floresce dessas bases é discutível, pois gera mais passivos do que os abranda. Não é exagero dizer que o solo se tornou um dos principais produtos comercializados pelos gestores municipais. Enfim, é tratado como produto simplesmente e não como bem ou direito coletivo e social. Por meio de dados do último Censo De-mográfico observou-se a intensificação do proces-so de expansão da área urbana dos municípios brasileiros, ilustrado pelo incremento do grau de urbanização. Presume-se que, em grande medida, este processo de crescimento urbano manifestou--se através de um padrão de propagação disperso da malha urbana, regimes fundiários especulativos e segregação, sobretudo socioespacial, dado as

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carências infraestruturais ainda abismais em di-versas localidades brasileiras. Por outro lado, as taxas geométricas de crescimento populacional arrefeceram nas últimas décadas. Em outras pa-lavras, a elevada variação positiva da área urbana não condiz com o crescimento populacional nestes mesmos municípios ao longo do período determi-nado. Nesse sentido, interessa ao presente estudo pesquisar a possível disritmia entre expansão urbana e dinâmica populacional, ao menos indi-ciando processos de transformação de antigas áreas rurais em urbanas e as implicações deste cresci-mento desenfreado e não pautado. Para isso, ele-ge-se o Estado de Minas Gerais como recorte ter-ritorial. Opta-se por ele por em geral apresentar valores - de diversos âmbitos - semelhantes à média nacional. Ademais, há uma pluralidade tipológica de municípios em Minas Gerais, desde regiões metropolitanas de destaque até um universo de pequenos municípios de menor expressão, onde a especulação fundiária pode estar emergindo com intensidade. Complementarmente, a década 2000-2010 é encarada como recorte temporal. Ela foi escolhida por motivos práticos: não há dados su-ficientes de décadas anteriores. A partir dela é possível comparar a situação de 120 dos 853 mu-nicípios mineiros. Será utilizada a variação da área declarada urbana dos municípios de acordo com os Censos Demográficos de 2000 e 2010, obtida por meio do cômputo da área total dos seus setores censitários segundo situação de domicílio (urbanos e rurais) em razão da sua área total. Logo, as fer-ramentas SIG serão essenciais para a elaboração deste exercício, particularmente o software ArcGis. A partir disso, pretende-se associar este primeiro dado a outros de caráter eminentemente demo-gráfico, como: variação da população total, varia-ção da população urbana e dos domicílios parti-culares permanentes urbanos ao longo do mesmo período, grau de urbanização e taxa geométrica de crescimento populacional anual. Espera-se que o presente estudo esclareça distintas realidades mineiras, aperfeiçoamento estratégias de planeja-mento local e regional.

4. As representações cartográficas oficiais e não oficiais sobre Belo Monte: uma comparaçãoBruna Ribeiro e Maytê Coelho (IFSP e EC / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC), Prof. Dr. José Paulo Gouveia (EC) e Prof. Dr. Paulo Roberto de Albuquerque Bomfim (IFSP)

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é a terceira maior hidrelétrica do mundo, construída na bacia do rio Xingu, próximo ao município de Altamira, no norte do Pará. O projeto da concessionária Norte Energia S.A. é uma obra contida no PAC - Plano de Aceleração de Crescimento, programa do governo federal lançado em 2007, que visa a construção de obras de infraestrutura a fim de alavancar o de-senvolvimento nacional, analogamente a planos anteriores no Brasil. Desde o início, tal projeto é acompanhado de controvérsias, principalmente atreladas a impactos socioambientais. Dentre estes, está a desterritorialização da população ribeirinha e indígena, impactando diretamente o modo de vida dessas comunidades, que já estão em condi-ções vulneráveis, esquecidas e invisibilizadas por esse mesmo ideal de planejamento que prevê a construção dos grandes empreendimentos de in-fraestrutura. Além disso, há um grande contingen-te de trabalhadores para a construção deste em-preendimento, oriundos de diversos estados brasileiros, gerando uma migração complexa e causando um inchaço na densidade demográfica dos municípios lindeiros à usina, com consequên-cias como: o aumento da criminalidade, de denún-cias de violência contra a mulher, de drogadição, exploração sexual, além da possível ocorrência de trabalho análogo ao escravo, um fator ligado a grandes obras da construção civil. Desse modo, a presente pesquisa busca compreender e ressaltar os processos geradores de conflitos sociais desen-cadeados pela construção de Belo Monte a partir de procedimentos cartográficos e textuais, enten-dendo que a representação do espaço é ao mesmo tempo produto da sociedade e indicador de como ela é impactada. A importância da cartografia veio da própria necessidade do indivíduo de reconhecer o espaço e representá-lo intencionalmente. Espaço este que contempla tanto as forças produtivas quanto as relações de produção, portanto além de espaço físico, arcabouço de matéria-prima, ele também se torna mercadoria, desse modo, demons-trando que a cartografia também revela as formas de construção social do espaço. Buscamos, através da análise de representações cartográficas oficiais e não oficiais, identificar suas convenções, pers-pectivas e período histórico. Descarta-se a premis-sa de neutralidade científica, observando o espaço além desta visão quantitativa, a partir de uma cartografia simbólica e real das relações sociais e culturais, pela ótica da análise das ausências, afim de compreender os processos ignorados ou ocultos nos levantamentos oficiais. Portanto, visamos dis-cutir esta rede de impactos, criticá-los a partir de

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uma representação cartográfica que busque re-presentar a organicidade dos conflitos sociais gerados. A forma escolhida para a utilização deste espaço deixa ausente, propositalmente, intenções políticas, econômicas e sociais, carregando consigo o caráter simbólico do desenvolvimento moderno. Principalmente no presente estudo de caso, o qual está situado em uma região marcada pela carência de infraestrutura básica e por um ambiente de violência, gerado pela ocupação irregular do ter-ritório, grilagem de terras, dentre outras mazelas as quais essa localidade foi condicionada em de-corrência das políticas de planejamento imple-mentadas no país

5. Conviver com o Semiárido: a arquitetura como uma ferramenta de apoio à resistência das comunidades sertanejasYuka Perdigão Ogawa (DAU-UFC)orientação: Prof. Dr. Renato Pequeno (DAU-UFC)

Enfrentando a pior estiagem dos últimos 30 anos, diversas comunidades no sertão nordestino brasi-leiro estão vulneráveis e sofrem com a falta de água, sem a assistência técnica rural e os apoios gover-namentais necessários. Tal fator culmina em pro-blemas sociais que atingem não só as regiões do campo, mas alastram-se também na esfera urbana. Um enorme contingente rural migra para cidades despreparadas e desprovidas de infraestrutura para o excedente populacional. A presente pesqui-sa visa investigar estratégias de convivência com o semiárido que busquem evitar os processos de êxodo rural, destacando o papel da arquitetura no contexto da reconstrução das comunidades serta-nejas. Diante das diversas catástrofes naturais en-frentadas no cenário mundial, em muitos casos de maneiras devastadoras, os impactos gradativos que vêm sendo provocados pela seca que atinge a região semiárida brasileira desde o começo de 2012 não recebem a assistência necessária. A seca ou estia-gem é um fenômeno climático inevitável, mas o processo de desertificação pode ser prevenido, entendendo esse termo tanto no âmbito da natu-reza quanto da sociedade rural e urbana. Assim, o trabalho tem como objetivo levantar estratégias de desenvolvimento de projetos infraestruturais para o contexto apontado, coletando um banco de dados de experiências e projetos implementados no sertão. A investigação de programas desenvolvidos por organizações como a ASA (Articulação Semiárido Brasileiro) - dentre eles a implementação de casas de sementes, bancos de mudas, hortas, cisternas e farmácias vivas - associado a um importante pro-

cesso de entrevistas e participação comunitária, culminarão em um produto arquitetônico final de infraestrutura que possa exercer um papel de me-diador entre as populações afetadas e o acesso a tais infraestruturas.

MESA 2Processo e projeto em arquiteturacomentário: Profa. Dra Profa. Dra. Marta Bogea (FAU-USP)coordenação: Profa. Ms. Maira Rios (EC)

1. Conceitos e procedimentos projetuais na obra de Peter EisenmanLeandro Barros Nascimento (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Prof. Dra. Maria Isabel Imbronito (USJT e FIAM-FAAM)

Peter Eisenman é um importante arquiteto esta-dunidense da segunda metade do século passado, considerado um dos mais intensos agitadores da crítica arquitetônica contemporânea e responsável por desenvolver uma nova postura disciplinar, tangenciada pelo experimentalismo de vanguarda e pela abordagem conceito-ficcional. Sua arquite-tura, embasada na autonomia da forma e na su-premacia do processo, busca ser atemporal, atonal, abstrata, atópica, arbitrária e sintática; ignorando em muitos casos as demandas do lugar, do tempo, do programa e do sujeito. Uma arquitetura não--clássica influenciada pelo anti-humanismo pós--estruturalista, expressa por ausências; e cuja maior relevância se encontra na aflição inovadora dos instrumentos tradicionais de legitimação do dis-curso arquitetônico e no estudo por novas estra-tégias de projetação, tais como a desconstrução e o processo diagramático. Esta pesquisa tem como proposta analisar a produção teórico-projetual de Peter Eisenman, bem como situá-la e estabelecer relações com os desdobramentos paradigmáticos das narrativas recentes da arquitetura. Trata-se de um trabalho bibliográfico e comparativo, sub-sidiado por textos críticos de autoria do próprio arquiteto e de outros autores da disciplina e ainda pela produção de diagramas explicativos, que servem de intermediadores na compreensão do discurso do arquiteto e sua realização prática por meio do projeto. A pesquisa está dividida em duas partes: (I) Contexto histórico, onde se faz uma breve análise do discurso arquitetônico desde as van-guardas modernas até as arquiteturas contempo-râneas da linguagem, enfatizando as transforma-

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ções na ideia de lugar, sujeito (arquiteto e usuário), forma e contexto; e (II) Conceitos e projetos, onde são selecionados vinte ideias canônicas que estru-turam a obra do arquiteto estudado e as relaciona com dez projetos de sua autoria (construídos ou não), por aplicá-las ou discuti-las. São abrangidas três fases da carreira de Eisenman: Forma ou Casas seriadas (1968-1978); Memória ou Cidades de es-cavação artificial (1978-1988) e Evento ou Dobra (1988-atualmente).

2. O processo de projeto paramétrico e a experiência da arquiteturaAmon Christian Lasmar (UFSJ / Bolsa PIBIC-FAPE-MIG)orientação: Profa. Dra. Marcela Alves de Almeida (UFSJ)

A pesquisa de iniciação científica teve como obje-tivos: (1) Identificar práticas e metodologias de desenvolvimento de projetos paramétricos que são capazes de gerar arquiteturas menos determi-nadas e mais abertas à experiência espacial dos usuários; (2) Indicar possibilidades de estender e/ou transpor a lógica da parametrização, que ocorre no processo de geração da forma, aos espaços construídos; (3) Familiarizar-se com os sistemas computacionais paramétricos visando entender a lógica de funcionamento dos mesmos para o uso corrente em propostas de projetos; (4) Obter pro-dutos por meio de investigações projetuais para-métricas a nível experimental que visem à condi-ção da experiência espacial/estética do usuário no espaço construído; e, (5) A criação de um blog para a divulgação dos resultados da pesquisa (http://geometriasativas.tumblr.com/). A metodologia uti-lizada foi organizada em duas etapas: (E1) inves-tigação teórica - que se refere à realização de uma revisão bibliográfica para introdução e compreen-são do tema abordado utilizando de materiais como livros, artigos acadêmicos, de revistas, dissertações, teses, web sites de arquitetura e design; criação de um banco de dados a partir de uma pesquisa inicial na internet para seleção de escritórios e projetos paramétricos executados do qual foi feita uma seleção de trinta projetos relevantes para investi-gação a respeito do processo de criação realizado pelo escritório responsável; e (E2) investigação prática - que se refere à realização de exercícios básicos práticos para a compreensão e entendi-mento de modelagem paramétrica; neste caso op-tou-se pelo software de modelagem digital Rhino-ceros em conjunto com o plugin Grasshopper; e, por fim, a concepção de dez propostas projetuais

paramétricas experimentais. Dos resultados obtidos, conclui-se que dos processos projetuais paramétricos analisados e dos parâmetros gerais de trabalho mencionados nos memoriais dos pro-jetos apresentados pelos arquitetos responsáveis, todos podem ser caracterizados como um exercício intensivo de criação em busca de composições geométricas complexas e inovadoras aliado a um bom discurso midiático. Uma busca incessante por produtos formais criativos e fortemente imagéticos. Sobre a questão da experiência da arquitetura nos trinta projetos selecionados (projetos de Zaha Hadid Architects, Coop Himmelblau, Gehry Part-ners, Foster + Partners, UNStudio, HHDFUN e Mad Architects), pode-se dizer que a experiência desta “arquitetura inquieta” está vinculada a condição do despertar de sensações nos corpos humanos presentes, como de estranhamento e/ou deslum-bramento, ao se adentrar em espacialidades que aparentemente induzem a algum tipo de movi-mento e composição distorcida e também ao vi-sualizar na paisagem urbana um corpo arquitetô-nico diferente, com uma composição duvidosa, diferente do habitual, estranha: um tipo apenas de experiência imagética da arquitetura. Além disso, com a realização experimental dos dez ensaios projetuais foi possível determinar um caminho para o exercício do projeto paramétrico crítico. O exercício consistiu em buscar identificar e estabelecer vários diálogos com as possíveis escalas presentes no sítio de intervenção com o objetivo de proporcionar novas espacialidades que sejam muito mais do que funcionais, que possibi-litem a experiência espacial/estética do corpo humano sem abrir mão da criatividade e da alta tecnologia e que ao mesmo tempo respeite a iden-tidade e memória do lugar.

3. O desenho e os processos de produção da arquitetura: os projetos do acervo de Ícaro de Castro MelloGlauber Triana Chacra e Sofia Villela Borges (EC / Bolsas PE - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Ms. Fábio Mosaner (EC)

A pesquisa pretende investigar os processos de produção da arquitetura através da análise dos desenhos de projetos do acervo do arquiteto pau-lista Ícaro de Castro Mello (1913-1986). O que move nosso interesse é estudar a produção da arquite-tura sob a perspectiva do ofício da profissão, dos modos de trabalho, das escolhas técnicas envolvi-das e das diferentes relações do arquiteto com a produção da obra. Os desenhos são documentos

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centrais para o estudo deste campo do conheci-mento e exigem desenvolvimento e aplicação de metodologias específicas de análise. Esta pesquisa está inserida no contexto de uma crescente linha de pesquisas acadêmicas no Brasil que procuram delinear especificidades e metodologias para o estudo do projeto de arquitetura. Por se tratar de Pesquisa Experimental, pretendemos recorrer a algumas metodologias de estudo aplicadas nas recentes pesquisas acadêmicas neste campo, prin-cipalmente as metodologias que extrapolam a produção textual, como análises gráficas, re-dese-nhos dos projetos, produção de modelos eletrôni-cos e maquetes.

4. Arquitetura de usuáriosTatiane dos Santos Vidal (Belas Artes SP / Bolsa IC - Belas Artes SP)orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos (Belas Artes SP e UNITAU)

A pesquisa desenvolvida tem como base relatos de arquitetos e urbanistas que se envolveram na área que mais se aproxima do usuário; Hassan Fathy, Hundertwasser, Paulo Bicca, Charles Jencks, Joan Villá e o próprio movimento Do it yourself são alguns autores estudados. Podemos encontrar na teoria e na história da arquitetura autores que questionam o arquiteto como o profissional exclusivo e mais indicado para ser o responsável por todo o processo de se conceber um projeto e executá-lo. Há aqueles que dizem que a participação do usuário é um fator significante e até mesmo essencial para se conseguir um projeto íntegro no que diz respeito ao seu potencial. E existem aqueles que defendem a ideia de regressar às nossas origens, quando o Homem produzia a arquitetura de forma espontânea (conhecida como arquitetura vernacular), como se fazia muito antes do surgimento da figura do arquiteto. Afinal, qual a postura que os arquitetos e urbanistas devem adotar perante tamanha crise habitacional, educacional, social, da saúde, econômica, e ética que a sociedade está vivendo, levando em consi-deração que tais profissionais são capazes de decidir e até mesmo influenciar na definição desse quadro tão discrepante? Podemos dizer que o nosso objeto de estudo monográfico é o próprio ser humano e como este se relaciona com a pro-dução do espaço. Será que é suficiente a exclusiva responsabilidade deste profissional, ou não seria conveniente e necessária a participação direta e a vivência daquele a quem o próprio projeto se destina? O arquiteto egípcio Hassan Fathy (1900-

1989) foi um dos primeiros a não importar ideo-logias arquitetônicas do Ocidente. Ele reconhecia a arquitetura tradicional como resposta e uma sábia fonte de técnicas e formas adequadas àquele meio cultural e material, resultante de soluções encontradas pela população para adaptarem-se ao contexto no qual estavam inseridos. Ele apropria-va-se desse conhecimento milenar, os aplicava e traduzia em uma arquitetura correspondente ao seu tempo. Outro autor estudado é o artista aus-tríaco Friedensreich Hundertwasser (1928-2000), que ganhou destaque na década de 1950 por sua produção peculiar, que chegou a ser comparada a de Antonio Gaudí. Suas obras carregavam um posicionamento ideológico muito forte e se torna-ram provas vivas de seus manifestos, nos quais ele desenvolveu uma concepção impactante sobre a relação do ser humano com o meio em que se encontra. Acreditava que cada um de nós deveria ser responsável pela construção da própria habi-tação e defendia que a presença da natureza e sua essência orgânica era extremamente importante para nos proporcionar qualidade de vida. Estas duas breves apresentações apontam para visões distintas sobre o ato arquitetônico. Perspectivas diversas foram estudadas, mas um traço marcan-te percebido foi a estreita relação que deve haver entre o “profissional” (arquiteto) e o “leigo” ou usuário, para que se atinja um grau adequado de satisfação. O estudo contempla manifestos, proje-tos, obras e até mesmo sistemas construtivos cuja metodologia contemple a participação e o conhe-cimento técnico do usuário/leigo como aspecto essencial da identidade necessária entre usuário--produtor e a arquitetura.

5. A historicização do pensamento inclusivo - uma análise histórica da inclusão de pessoas com deficiência física por meio de uma arquite-tura acessívelJulia Lara Bayma de Souza Lima (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC)

O projeto de pesquisa proposto pretende abordar em uma perspectiva histórica as barreiras e con-quistas do movimento de pessoas com deficiência no Brasil, dando prioridade à análise do discurso da acessibilidade e inclusão. Procura-se sobretudo discutir os desdobramentos da luta por acessibili-dade dentro do campo da arquitetura, de forma a compreender como esta reage e se transforma com o tempo em paralelo aos desenvolvimentos das conquistas das pessoas com deficiência no campo

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da acessibilidade. Para tanto é necessário com-preender alguns conceitos sobre deficiência que mudaram a forma de se lidar com essas questões. Para isso a pesquisa parte dos trabalhos da escri-tora Débora Diniz e o seu livro O que é Deficiência e de Romeu Sassaki, pesquisador há 40 anos da área de acessibilidade. Além disso se entende ne-cessária a análise da aplicação prática destes con-ceitos para a arquitetura, e, portanto, propõe-se a análise de duas obras contemporâneas da arqui-tetura brasileira, que tenham relevância no con-texto arquitetônico e de acessibilidade. O objeto da pesquisa é fornecer uma coleta de dados histó-ricos sobre o tema, entendo que ainda há muito silêncio sobre a questão da acessibilidade no campo da arquitetura. A intenção é trazer para a discussão da arquitetura do século XXI o debate recente acerca do Desenho Universal, em conjunto com uma análise crítica de como arquitetos se posicio-nam acerca da questão desde o início de seu debate em 1950 até hoje.

MESA 3Memória e cidadecomentário: Profa. Dra. Sabrina Studart Fontenele (CPC-USP e IFCH-UNICAMP)coordenação: Prof. Ms. Fábio Mosaner (EC)

1. Inventário do patrimônio cultural de Limeira-SPMatheus Januário da Silva (FIEL / Bolsa PAPIC--FIEL)orientação: Prof. Dr. Marcelo Cachioni (FIEL) e Profa. Ms. Juliana Binotti Scariato (FIEL)

Inventário é um instrumento de proteção do pa-trimônio cultural, reconhecido na Constituição Federal em conjunto com o tombamento e o regis-tro, como instrumento de tutela. Trata-se de mi-nuciosa pesquisa de identificação e descrição de bens culturais, utilizando critérios técnicos, histó-ricos, sociais e artísticos, permitindo a catalogação das principais características físicas e culturais. Apresenta-se como meio eficaz de proteção, já que as informações detalhadas recolhidas e catalogadas servem de parâmetros para futuras intervenções no bem. Caracteriza-se também como uma das mais antigas formas de proteção do Patrimônio Cultural em nível internacional, havendo registros desde o século XIX na França como medida de proteção de seus bens culturais e recomendada pela Carta de Atenas. Enquanto o tombamento normalmente tem como objetivo a salvaguarda de

bens considerados notáveis, o inventário tem alcance mais amplo, podendo ser utilizado para a proteção de bens culturais mais singelos, que guardam elementos identitários de uma época, comunidade ou lugar, reconhecendo o valor cul-tural de um bem e sua importância para a coleti-vidade, visando sua preservação. Apesar de nor-malmente realizado pelo Poder Público, esta prática não vem sendo realizada no município de Limei-ra-SP. Por meio do curso de Arquitetura e Urbanis-mo das Faculdades Integradas Einstein de Limeira, a experiência vem sendo cumprida por meio da disciplina Técnicas Retrospectivas, na qual os alunos realizam o exercício de inventariamento. Também, no âmbito do Programa de Iniciação Científica da instituição, doze alunos realizam o inventariamento de bens imóveis no município desde agosto de 2015. O grupo foi dividido em três equipes com o objetivo de levantar dados históri-cos, fotografar e desenhar os bens que comporão as fichas de inventário. Os principais objetivos do trabalho são: identificar e documentar os bens; cadastrar e sistematizar as fontes documentais, bibliográficas e cartográficas, para incentivar a pesquisa histórica e iconográfica e possibilitar a produção de estudos técnicos e autorais dos alunos do curso; compreender o contexto histórico e social dos bens e avaliar como se encontra a área estu-dada; preservar imagens e informações de imóveis que eventualmente virão a desaparecer; envolver os alunos nos levantamentos de campo a fim de apreender os sentidos e significados atribuídos ao patrimônio cultural e introduzir as discussões acerca dos processos de descaracterização; subsi-diar a implantação de uma Política de Educação Patrimonial adequada ao município de Limeira; entregar o produto final do inventário ao conselho municipal, com o objetivo de subsidiar as ações de preservação; publicar, em meio impresso e digital, parte de seu conteúdo para conhecimento do grande público. A elaboração compreende: levan-tamento e identificação dos bens; levantamento de campo dos bens identificados e selecionados; pesquisa histórica e arquitetônica; organização sistemática das fichas; listagem final dos bens in-ventariados; mapeamento dos bens; preenchimen-to da ficha de cada bem inventariado com infor-mações relativas à designação, localização, propriedade, responsável, autoria, época, mate-riais, marcas, legendas, situação de ocupação, análise do entorno, histórico, descrição, caracteri-zação (técnica, estilo e iconografia), usos, proteções legais existentes, análise do estado de conservação, fatores de degradação, medidas de conservação e

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intervenções realizadas, além de documentação fotográfica.

2. Memórias de Parelheiros: reconhecendo as referências culturais da colonização alemãLeila Silva de Souza (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Touri-nho (USJT)

Parelheiros é um distrito da cidade de São Paulo que se localiza no extremo sul da capital e carac-teriza-se por muitos contrastes devido à sua ocu-pação por diferentes culturas. Porém sua carac-terística significativa deve-se colonização alemã e recebeu esse nome devido às corridas de cavalos (Parelhas) entre os alemães e os brasileiros. Não existe nenhum patrimônio cultural reconhecido oficialmente pelos órgãos de preservação do pa-trimônio, exceto por sua cratera, situada em área de proteção ambiental. Talvez, por esse motivo, a maior parte dos estudos na região refere-se à sua geomorfologia e seus problemas sociais. Existem poucos estudos sobre o tema referências culturais, e a maior parte do material escrito refere-se a artigos, reportagens e comentários disponíveis na internet. A pouca divulgação sobre o tema e o desconhecimento por parte da população são as-pectos negativos, que podem vir a ser remediados com estudos de maior divulgação. Além disto, falta uma visão integrada do tema, que concilie os as-pectos históricos, sociais e ambientais envolvidos na preservação do patrimônio daquela área. Desta forma, a pesquisa pretende contribuir com uma visão integrada destes aspectos visando à identi-ficação dos lugares de memória da colonização alemã em Parelheiros buscando trabalhar fora do paradigma de se reconhecer um edifício ou lugar como patrimônio apenas pelas suas características construtivas ou arquitetônicas, mas adicionalmen-te identificar e reconhecer as referências culturais para a proteção das memórias daquele grupo.

3. Avenida Rio Branco: transformações e permanências em sua história urbana (Rio de Janeiro, 1960 a 1989)Andréia Feitoza de Oliveira (FAU-USP / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento (FAU-USP)

A presente pesquisa tem como objetivo mapear a transformação urbana da Avenida Rio Branco, localizada na área central da cidade do Rio de Janeiro, entre os anos de 1960 e 1989, isto é, entre

a década de mudança da Capital nacional para Brasília e o período de redemocratização. A Avenida é símbolo das forças republicanas e a imagem de modernidade buscada na época de sua construção no início do século XX, sob a administração do Prefeito Pereira Passos. Contudo a imagem cons-truída foi substituída por outras com o passar do tempo, através da construção dos arranha-céus e de outras linguagens arquitetônicas. Por meio do levantamento de informações das edificações e das ações urbanísticas, em relação às suas datas (construção e demolição), seus arquitetos, as polí-ticas urbanas, as transformações e os agentes sociais e jurídicos envolvidos, pretende-se mapear essas mudanças visando a realização de uma cro-nologia construtiva da Avenida. Sendo assim, pre-tende-se compreender parte dos processos de transformação urbana, problematizando a reno-vação do espaço urbano e buscando entender o quanto a Avenida foi transformada nesse período. Para aprofundar o escopo da pesquisa serão utili-zadas diversas fontes, tais como imagens fotográ-ficas, cartografia, planos urbanísticos, documentos textuais, teses, artigos e periódicos consultados em instituições públicas e privadas da cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro. Estas informações serão organizadas com o auxílio de tabelas Excel e do software livre de georreferenciamento GQIS, o qual utiliza da linguagem SIG (Sistema de Informação Geográfica).

4. A Praça XV do Rio de Janeiro: transformação urbana na segunda metade do século XXLaís Miki Inoue Nagano (FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento (FAU-USP)

A pesquisa tem por objetivo principal compreender os processos de transformação urbana na Praça XV de Novembro do Rio de Janeiro na segunda metade do século XX. Iniciando o período foco da pesquisa, a construção em 1956 da Avenida Peri-metral, via elevada que contornaria o centro do Rio de Janeiro no seu limite com a Baía de Guana-bara, afetou duramente a Praça XV, comprometen-do a fruição de seus espaços bem como sua relação visual com a o mar. Durante o período da ditadu-ra civil-militar, importantes alterações nela foram realizadas, como a construção de edifícios comer-ciais de mais de dez pavimentos sobre as edifica-ções históricas, caracterizando um processo de consolidação de um centro financeiro e de serviços bem como do início de uma afirmação como um

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polo cultural. A reação a tais processos de desca-racterização levou às políticas de preservação dos anos 1980 e início dos anos 1990, como as do projeto do Corredor Cultural e tombamento da Praça XV pelo IPHAN, de forma a tentar conciliar os espaços existentes com o crescimento da cidade. Atualmen-te, poucos estudos trataram da transformação da cidade no período da ditadura e dos projetos viários e urbanísticos que se realizaram nas décadas de 1960 e 1970, ou seja, do processo de preservação nas dimensões sociais, culturais e urbanas na sua relação com as mudanças físicas da cidade. Sendo assim, somando o fato da Praça XV possuir grande significado na historiografia, a pesquisa possui caráter inédito por estudar a transformação urbana em suas imediações nesse período e como ela foi tratada pelo poder público, quais as proteções incidiram sobre ela e como os edifícios foram mudando de feição, permitindo o entendimento no que se refere à abertura de novos acessos, aterros, demolições e grandes obras públicas. O estudo dessas mudanças está sendo realizado por três eixos principais. Primeiro, com a compreensão das políticas de preservação na região central do Rio, através de pesquisa e leitura de referências textuais, documentais e legislativas. Além disso, foi realizada a identificação, por meio da cartogra-fia e iconografia, das transformações na Praça XV e nas edificações de sua envoltória, majoritaria-mente, de lote e de gabarito, realizando-se uma espécie de acervo. Como resultado, está sendo fi-nalizado o mapeamento cartográfico da evolução em linguagem SIG (Sistema de Informação Geo-gráfica). Os mapas gerados são de três períodos relevantes (1953/antes da Perimetral, 1975/depois da implementação da Perimetral e 2015/processo de demolição da Perimetral) e retratam a própria evolução urbana, verticalização, tombamento, uso do solo e cronologia construtiva. Como detalha-mento desses mapas, estão sendo geradas algumas vistas a partir da praça, bem como mapas mais específicos acerca da legislação, principalmente os planos de alinhamento em seu entorno imedia-to. O uso de programas na linguagem SIG na área do patrimônio cultural vem crescendo como fer-ramenta de estudo, e, neste caso, os mapeamentos são fundamentais para a compreensão dos proces-sos sociais e transformações urbanas no conjunto urbano da praça, sendo um resultado gráfico de uma pesquisa que conta também com embasa-mento teórico e iconográfico.

5. Buenos Aires: memórias de dor na paisagem urbana

Rebeca Lopes Cabral (EC / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC)

A pesquisa estuda as relações dinâmicas e muitas vezes conflituosas que história e memória esta-belecem com o espaço urbano. Constituem o objeto central desta pesquisa as memórias relacionadas à violência de Estado argentina referentes à última e mais violenta ditadura vivida pelo país, entre os anos 1976 e 1983. Com o fim da ditadura, os lugares de memória coletiva relacionados às violências de Estado foram reivindicados enquanto provas jurídicas, espaços de significados políticos e sim-bólicos. Nesse contexto, disputas entre os diferen-tes grupos da comunidade deram origem à diver-sas formas de representações espaciais dessa memória de dor. Para olhar esta questão, o estudo conforma-se em duas frentes: a primeira atenta-se à conformação dos percursos e caminhos que formam uma topografia da dor na capital argen-tina; a segunda aproxima-se de um desses lugares, o Parque de la Memoria - Monumento a las Víctimas del Terrorismo de Estado. Objetiva-se, assim, com-preender como essas memórias dolorosas foram social e espacialmente construídas e representa-das a partir e através da cidade de Buenos Aires.

MESA 4Modos de habitarcomentário: Profa. Dra. Glória Kok (MAE-USP e EC)coordenação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC)

1. Casa-Aldeia: microcosmoThiago Benucci (EC / bolsa FAPESP)orientação: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP)

Constitui o objeto central dessa investigação as diversas formas de habitar e construir a casa ya-nomami vista através de reflexões e estudos sobre a sóciocosmologia yanomami. Essencialmente, pretende-se demonstrar como a casa e a arquite-tura yanomami transcendem aspectos puramente formais, físicos, materiais, climáticos e tecnológicos. Neste sentido, procura-se ensaiar sobre dimensões outras que a arquitetura yanomami atinge e dialoga, desde as relações entre a casa e aspectos da organização social e ritual yanomami, passan-do pelas relações e intersecções entre a casa e o xamanismo, até as relações entre a casa terrena e as múltiplas casas nos diversos patamares do cosmos yanomami. Através deste estudo, a dimen-são que a casa ocupa no pensamento yanomami

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se desdobrou para contornos outros, extrapolando a dimensão física e atingindo outros níveis concei-tuais, visíveis e invisíveis, do corpo ao cosmos. Mostrando-se assim para além da construção, uma noção essencial. Desta maneira, pretende-se estru-turar uma multiplicidade de assuntos, conceitos e problemas relacionados ao tema da casa e da ar-quitetura yanomami. Além disso, vem sendo cons-truída uma a rede de referências, comparativos e paralelos constituída de outros exemplares de arquitetura ameríndia, especialmente em territó-rio sul-americano e brasileiro, a fim de buscar semelhanças e diferenças estruturais, formais ou conceituais entre a casa yanomami e as diversas outras habitações estudadas. Pretende-se assim contribuir para o aprofundamento dos estudos das habitações indígenas através de um estudo inter-disciplinar, aproximando os campos da arquitetu-ra e da antropologia, sobre os aspectos sociocultu-rais que agem na produção e concepção do espaço e da casa desta sociedade. Vale dizer, para concluir, que o Trabalho de Conclusão a ser realizado neste último semestre de graduação na Escola da Cidade concretizará, em forma de ensaio teórico, o estudo acerca da arquitetura e da noção de casa entre os Yanomami, a partir do extenso referencial teóri-co-bibliográfico construído e consolidado durante a pesquisa “Casa-aldeia: microcosmo”. Neste sentido, o Trabalho de Conclusão desdobra-se como uma possibilidade tanto de dar continuidade a esta investigação quanto de consolidar e concretizar a reflexão construída.

2. A configuração física e simbólica dos espaços domésticos segundo Gilberto FreyreGabriella Gonçalles (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

Percorrer o universo doméstico é percorrer as entranhas que orientaram as decisões não só téc-nicas para a sobrevivência sob o clima externo mas também sob as decisões feitas para nos pro-teger contra tudo que não se assimile a ideia de útero. Por mais anônimo e carregado de interesse em solucionar problemas técnicos que seja os atos na construção da habitação, eles são carregados de intencionalidades de proteger o que é mais intrínseco - por mais que o ato seja no princípio funcional, ele carrega o desejo também de guardar a alma humana. Apesar do caráter não conclusivo e muitas vezes passional de dissertar de Gilberto Freyre, o autor foi escolha central para a aproxi-

mação à influência que os espaços tiveram na formação do brasileiro e como as condições eco-nômicas e sociais que nos moldaram agiram sob o desenho de nossa arquitetura do período da colônia até começo do XX. O autor também foi fundamental para o tema porque Freyre não se atém somente ao plano funcional e técnico da arquitetura da casa brasileira como reflexo das mudanças no país, mas também a questões de cunho subjetivo: o desenho de certos ambientes mudava em razão de desejos de controle, pressões hierárquicas dentro da casa e para proteger os bens de uma família patriarcal. Freyre dá então essa dimensão: de que as mudanças plásticas dos ambientes muitas vezes não estão subordinadas a questões técnicas, concretas e visíveis somente. Muitas delas são explicadas pelos desejos de cobiça, ego e poder de seus habitantes. Isso porque a casa é, na verdade, o centro mais importante de adap-tação do homem ao meio e que por isso a habitação a ser construída tem que refletir o oposto do clima inóspito exterior. Entender as escolhas tomadas para a construção da habitação do brasileiro é também conhecer o indivíduo que nela habita, sua intensa formação patriarcal e semipatriarcal que ainda continua atuar sobre ele em varias regiões menos afastada, é um tipo social em quem a influ-ência da casa se acusa em traços de maior signifi-cação. Ou seja, entender a casa descrita por Freyre é entender o indivíduo que mora nela sem deixar de ter em vista que o ambiente e o indivíduo são dois componentes que se relacionam entre si e influenciam um ao outro. Elementos de ordem política, social, técnica, climatológica e psicológica desenham os ambientes internos da habitação assim como o indivíduo - que também fora cons-tituído parte pelo meio - age na configuração plás-tica dos espaços. Adotada a casa como ponto de partida analítica na obra Freyriana, palco onde se materializou as irreconciliáveis polaridades do sistema patriarcal e espaço para o seu amaciamen-to e mediação, na casa se irradiaram modelos de comportamento, comandos, símbolos e, sobretudo, relações sociais, a casa configura material e sim-bolicamente a base da sociedade. Tendo em vista que “(...) os indivíduos são formados subjetivamen-te através de sua participação em relações sociais mais amplas; e, inversamente, os processos e as estruturas são sustentados pelos papéis que os indivíduos neles desempenham” (HALL, 2011, 30) a pesquisa visou compreender como a casa (en-tendida como habitat e lugar de estabilização psí-quica) contribuiu para a formação do indivíduo e como os elementos sociais exteriores a ela influen-

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ciou em sua organização. Trata-se, portanto, de enfrentar, como fez Freyre, as esferas histórico--sociais e o individuo nas suas inter-relações.

3. O Morar Moderno: o processo de transforma-ção do espaço da casa e da vida doméstica pela revista o cruzeiroBeatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes (FAU-USP / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

A pesquisa procurou avaliar o papel da imprensa na divulgação dos preceitos da arquitetura moderna entre o público leigo nos anos 1950, fo-calizando na leitura da revista ilustrada brasileira O Cruzeiro. Interessava investigar em que medida tais preceitos encontravam ecos na sociedade bra-sileira dos anos 1950 e, portanto, como as mudan-ças sociais em curso e nos padrões de domestici-dade podem explicar a sua aceitação por um público mais amplo de clientes privados. Para tanto, foram analisados 132 exemplares da revista - referentes a cada mês do período entre janeiro/1950 e dezembro/1960 e disponíveis no acervo da Biblioteca e Centro de Documentação do MASP - registrando-se os conteúdos dos mesmos em tabelas com os seguintes temas: papel da mulher; funcionalidade e racionalidade no uso e organização dos espaços; praticidade dos objetos e relação com a máquina; sugestão de materiais ou técnicas construtivas; sociabilidade doméstica; e representação da arquitetura. Paralelamente, textos de apoio permitiram a compreensão do contexto histórico-cultural e arquitetônico e o en-tendimento dos papéis da mulher e da imprensa na sociedade da época, auxiliando na problemati-zação do material da revista. Tal metodologia revelou que a principal contribuição da revista à divulgação da arquitetura e domesticidade moder-nas se deu através de reportagens sobre arquite-tura moderna brasileira, colunas sobre comporta-mento feminino e cuidados com a casa, além de propagandas de eletrodomésticos, móveis, utensí-lios domésticos e materiais para construção e reforma. Os eletrodomésticos aparecem com des-taque, com diferentes produtos e opções de marca para auxiliar na realização das tarefas da cozinha e de limpeza da casa. Os aparelhos prometiam economia de tempo e esforço e maior qualidade nos serviços, chegando até mesmo a ser apresen-tados como equivalentes às empregadas domésti-cas. Concluiu-se que a revista O Cruzeiro contribuiu para a promoção de um estilo de vida metropoli-

tano e para a formação de um repertório moderno que contemplava a preocupação com a economia e a flexibilização dos espaços; a mecanização das tarefas domésticas e configurações menos formais de sociabilidade, que apontaram o período como um momento de transição de padrões estéticos e de comportamento. Embora possa se considerar uma contribuição da revista à modernização da casa e da domesticidade, é importante apontar que sua influência diz respeito sobretudo a classes médias e altas de São Paulo e Rio de Janeiro, não refletindo portanto o todo da população brasileira. Além disso, há contradições nesse processo de modernização, como por exemplo, a presença ainda extensiva de empregadas domésticas e a reafirma-ção de valores tradicionais relativos à família e ao papel da mulher.

4. Cidade habitada: percepções dos meios de habitar o Conjunto Habitacional Jardim EditeAna Flávia de Siqueira Simão (SENAC / Bolsa SENAC)orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)

A “Cidade Habitada”, que dá nome a este projeto, está inserida na linha de pesquisa “Cidade Mapeada”, do programa de Iniciação Científica do Senac. Trata-se de questões, ainda em desenvolvi-mento, do habitar coletivo, estudado a partir do Conjunto Habitacional Jardim Edite, situado na Zona Sul da cidade de São Paulo. As maneiras de atuação do corpo humano sobre o espaço, nas di-ferentes épocas e em diferentes lugares, originam o habitar, diretamente relacionado com o surgi-mento da existência do homem na Terra. Estabe-lece-se então uma relação entre o habitante e o lugar habitado, uma experiência afetiva, na qual o homem domestica o espaço, e em que as manei-ras de se habitar tornam-se parte da essência do seu ser e demonstram sua identidade, mais do que ato de apenas morar. A arquitetura tem papel fun-damental nesta ação, uma vez que abriga esse habitar. O habitar coletivo, mais complexo e pre-sente nas cidades contemporâneas, se dá por meio de uma arquitetura que atende as questões estru-turais de moradia atrelada as vivências de seus moradores, agora habitantes. O objeto de estudo proposto, um conjunto habitacional, é um elemen-to significativo da cidade contemporânea pois reúne elementos como a habitação unifamiliar e equipa-mentos públicos, como uma creche, um posto de saúde e um restaurante escola, que propiciam me-lhores condições para o habitar. Diante de uma ação tão simples do cotidiano do homem e tão cheia

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de significados tanto para ele quanto para o meio em que habita, o entendimento dessas relações afetivas com o espaço contemporâneo foi embasa-do pelas teorias de quatro autores selecionados: Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão con-siderado um dos principais pensadores da fenome-nologia; Christian Norberg-Schulz (1926-2000), arquiteto, autor, professor e teórico de arquitetura; Juhani Pallasmaa (1936-), arquiteto, professor e pesquisador; e Friedensreich Hundertwasser (1928-2000), artista austríaco, conhecido como o pintor-rei das cinco peles. A forma de escrita destes autores permitiu a seleção de palavras que dão significados específicos ao habitar, como o “resguardo” e o “es-paço-entre”, de Martin Heidegger, “paisagem” e o “assentamento”, de Christian Norberg-Schulz, entre outras selecionadas que formam um glossário sin-gular, e que serão identificados posteriormente no objeto habitado escolhido.

5. Relato de ocupação: moradia e imaginário a partir do Hotel CambridgeBárbara Fernandes e Fernanda Colejo (EC / Bolsas PE - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (EC)

Admitindo desde o princípio a organicidade e in-certezas presentes na Ocupação no Hotel Cambri-dge na região central da cidade de São Paulo, co-ordenada pela FLM (Frente de Luta por Moradia), o trabalho é o resultado de uma coletânea de re-gistros, relatos e reflexões da experiência vivida pelas pesquisadoras durante os dez meses de estudo. Inicialmente a pesquisa se desenvolveu a partir de visitas à ocupação transcritas em relatos produzidos separadamente entre as duas pesqui-sadoras. Tal formato pluralizou a discussão sobre as circunstâncias do lugar em determinado recorte no tempo - os dias de visita - alimentando a per-cepção do local para o desenvolvimento do traba-lho. A própria dinâmica da pesquisa, ao se colocar suscetível ao encadeamento de eventos da ocupa-ção, fez com que a cada ida o olhar sobre a mesma fosse se transformando, questionando e redirecio-nando as ideias iniciais da pesquisa, bem como os próprios relatos. Um fato importante para a FLM e que influenciou diretamente no andamento da pesquisa foi o denominado Abril Vermelho, quando numa madrugada dezesseis imóveis sem função social na cidade foram ocupados. Tais ocupações são um ato de denúncia que revelaram a quanti-dade de edifícios vazios na cidade, principalmen-te no centro, e o descaso do poder público em relação a questão habitacional da cidade, mostran-

do também à sociedade a existência de um movi-mento altamente organizado em busca do direito à moradia, mesmo que a mídia de alta circulação reporte uma visão tendenciosa sobre os fatos, prin-cipalmente chamando-os de invasão. Assim pro-gressivamente a esfera coletiva do movimento se tornou cada vez mais predominante no trabalho, aproximando-se da líder Carmen Silva, culminan-do em uma conversa que evidenciou em seu dis-curso os conceitos e práticas políticas na ocupação, vivenciados ao longo da pesquisa. Juntamente às visitas, a pesquisa contou com um embasamento bibliográfico (contendo livros e filmes) apoiando questões notórias do período de vivência com o movimento. O texto “O Narrador” de Walter Ben-jamin foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que se optou por vivenciar a ocupação através de visitas, relatando as experi-ências espacial e social que tivemos; “Ideologia” de Terry Eagleton e “A Invenção do Cotidiano” de Michel de Certeau, que fomentaram a discussão sobre o discurso político da luta por moradia e a espacialização do mesmo.

MESA 5Projeto, pressupostos e técnicas construtivascomentário: Prof. Dr. José Eduardo Baravelli (FIAM-FAAM e FAU-USP)coordenação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

1. Concepções espaciais e práticas pedagógi-cas: análise de obras arquitetônicas referen-ciais no ensino público paulistaMiranda Zamberlan Nedel (IAU-USP / Bolsa FAPESP)orientação: Prof. Dr. Givaldo Luiz Medeiros (IAU-USP)

Intrinsicamente associada à consolidação e difusão das premissas modernas em São Paulo, a arquite-tura escolar pública reúne diversos exemplos em que as concepções espaciais promovem novas possibilidades de relações sociais e de formação. Aborda-se os edifícios de ensino segundo a relação entre arquitetura e concepção pedagógica, com-preendendo a condição espacial como elemento determinante na constituição de um ambiente educacional, enquanto Paideia (NOSELLA, 2002). Com o fim de avaliar o papel da arquitetura escolar na formação dos indivíduos e cidadãos, buscou-se realizar um estudo historiográfico da relação entre arquitetura e educação, centrado na produção

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pública paulista, a partir do Convênio Escolar (1949), abrangendo o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP, 1959-1966), o Fundo Estadual de Construções Escolares (FECE, 1960-1976), a Companhia de Construções Escolares do Estado de São Paulo (CONESP, 1976-1987) e a Fun-dação para o Desenvolvimento da Educação (FDE, 1987-). Por meio de procedimentos metodológicos voltados essencialmente à coleta, análise e síntese de material bibliográfico e iconográfico, se desen-volveram aproximações sucessivas ao tema da pesquisa, amparadas por análises do contexto e das políticas públicas vinculadas ao ensino. Pre-tendeu-se, pelo método histórico comparativo, elaborar uma análise das obras mais representa-tivas de cada período, a fim de formar um quadro crítico e inferir considerações a respeito do vínculo entre arquitetura e educação. A pesquisa visa con-tribuir para a compreensão dos processos conse-quentes à constituição da arquitetura brasileira, assim como dos contextos históricos, sociais, polí-ticos, econômicos e culturais que a engendraram. Para verificar as implicações entre concepções espaciais e práticas pedagógicas em um período chave para a constituição das políticas públicas no estado de São Paulo, abordou-se, conjuntamente, a formulação, definição e consolidação das práticas pedagógicas adotadas contemporaneamente no ensino público. O percorrer do aparelhamento institucional da educação comparece enquanto forma de compreensão da importância da demanda educacional para a revisão das concepções a res-peito do espaço de ensino, assim como das atribui-ções das escolas e da constituição do que viria a ser denominado enquanto Escola Paulista. Sinto-mático de tais discussões, se não é possível afirmar uma correspondência e efetivo diálogo entre pe-dagogos e arquitetos, através da aparente autono-mia das soluções arquitetônicas frente às concep-ções pedagógicas, percebe-se na proposição dos arquitetos modificações de ordem programática, que revelam a importância da escola enquanto reduto de formação social e cultural mais ampla. Assim, através das permanências e variações ar-quitetônicas ao longo dos períodos estudados pre-nunciam-se interferências pedagógicas distintas, devido à conformação de ambientes escolares variados e às diferentes relações pedagógicas pre-tendidas, através da importância atribuída aos espaços de sociabilidade (manifestos na recorrên-cia dos espaços dos recreios cobertos e pátios ex-ternos), da continuidade espacial proposta e o entendimento do potencial crítico social da arqui-tetura, de sua função política, a qual consolidará

as escolas públicas enquanto o grande equipamen-to social do estado de São Paulo. Escolas como ensaios das concepções sociais de seus arquitetos, as quais almejam irradiar-se para as cidades e que constituem o ambiente fundamental para discus-são da relação entre a prática educacional e os espaços nas quais se desenvolve.

2. Por uma arquitetura social: o legado de Mayumi Watanabe de Souza LimaBruna Marchiori Souto (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

O objeto da pesquisa aqui apresentada foi estudar a obra da arquiteta nipo-brasileira Mayumi Wata-nabe de Souza Lima (1934-1994), cuja carreira e maior parte das obras se concentrou em São Paulo (1976 - 1993). Graduada na FAU-USP em 1956, Mestra em Arquitetura e Urbanismo pela Univer-sidade de Brasília em 1965, e Doutora em Educação pela FE-USP em 1989, Mayumi contribuiu signifi-cativamente para a reflexão acerca das questões sociais das cidades, sobretudo a moradia popular e o ensino básico. Assumindo um posicionamento crítico e investigativo sobre o desenho dos espaços coletivos, sempre sob o viés do usuário, a arquite-ta publicou dois livros: “Espaços Educativos - Uso e Construção” (1988) e “A Cidade e a Criança” (1989). Através de fotografias, excertos de jornais, dese-nhos e outros materiais do acervo pessoal da ar-quiteta - localizado no Centro de Memória Sérgio Buarque de Holanda (Fundação Perseu Abramo, SP), investigou-se sua trajetória ao longo dos anos como militante, docente e arquiteta no setor público. A seleção de projetos analisados para a pesquisa concentrou-se no período final de sua carreira, onde houve maior produção de espaços coletivos - sobretudo escolas infantis -, quando existia a fábrica CEDEC (Centro de Desenvolvimen-to de Equipamentos Urbanos e Comunitários) de elementos de argamassa pré-fabricada, técnica estudada por Mayumi e João Filgueiras Lima “Lelé” quando trabalharam juntos no CEPLAN de Brasília na década de 60. Mayumi era a coordenadora geral dos trabalhos da EMURB (Empresa Municipal de Urbanização), chefe do EDIF (Departamento de Edificações) e diretora do CEDEC, quando Luiza Erundina era a prefeita de São Paulo nos anos 90. A pesquisa pretendeu compreender qual a ampli-tude dessa arquitetura social defendida por Mayumi e de que forma podemos encarar e repas-sar seu legado, tão recente e pouco divulgado - até

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mesmo dentro do ensino de Arquitetura e Urba-nismo nas Universidades brasileiras.

3. O emprego de estruturas metálicas tridimen-sionais em quatro obras de Eduardo de AlmeidaUgo Breyton Silva (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Dr. Cesar Shundi Iwamizu (EC e FAU-USP)

As estruturas metálicas aparecem logo no início da larga produção de Eduardo de Almeida, em pequenos projetos residenciais de estrutura mista nos primeiros anos da década de 1960. Essa pro-dução se desdobra em projetos de forma e escalas radicais para os concursos nacional e internacional do Pavilhão Brasileiro na Exposição Universal de Osaka e do Centro Georges Pompidou, na passagem para a década de 1970, com o emprego de treliças metálicas tridimensionais. Esta solução estrutural se repete nos projetos para a fábrica Altemio Spinelli e no Escritório da Morlan, construídos em São Paulo. Estes quatro projetos foram seleciona-dos para pautar uma investigação acerca do emprego de estruturas metálicas tridimensionais na obra de Eduardo de Almeida, localizando-a dentro dos contextos da produção arquitetônica nacional e internacional a partir da metade do século XX. Essa investigação deve ocorrer a partir de duas frentes de pesquisa: 1) um amplo levan-tamento bibliográfico a respeito da pós-moderni-dade (na perspectiva apresentada por Fredric Jameson) e da produção (nacional e internacional) em arquitetura neste período, discutida por uma gama de teóricos da arquitetura (Wisnik, Montaner, Banham, Rouilard, entre outros); 2) e uma análise minuciosa dos desenhos e modelos tridimensionais produzidos por Eduardo de Almeida para estes projetos, assim como a produção de um novo ma-terial (re-desenhos e modelos tridimensionais) destes.

4. Análise crítica da Pré-Fabricação e seus canteiros de obra - os casos do Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos e do Centro Interna-cional SARAH de Neurorreabilitação e Neuroci-ências (RJ)Carolina Bosio Quinzani e Mably Rocha (EC / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Dra. Anália Amorim (EC e FAU-USP) e Prof. Valdemir Lucio Rosa (EC)

A presente pesquisa insere-se no Projeto Contra-condutas, que parte de questões abertas pela fis-

calização e flagrante de situações relacionadas ao trabalho escravo em uma grande obra em Guaru-lhos - Aeroporto Internacional Terminal 3 - para, através de pesquisas acadêmicas entre outras es-tratégias, levantar, analisar, debater, problemati-zar e comunicar de forma abrangente a situação do trabalho análogo ao escravo na indústria da construção civil, refletindo sobre seus rebatimen-tos na produção da arquitetura e do planejamen-to urbano de infraestrutura na escala do território nacional. No caso especifico dessa pesquisa, será feita uma análise crítica a partir do sistema cons-trutivo pré-fabricado usado no aeroporto, e de sua comparação com outro exemplo emblemático nas reflexões sobre pré-fabricação. Toma-se assim como objeto o Terminal 3 do Aeroporto de Guaru-lhos e o Centro Internacional SARAH de Neuror-reabilitação e Neurociências (RJ). Os dois projetos serão comparados em aspectos que vão desde o desenho do pré-fabricado até o encaixe das peças, passando por todo o processo construtivo. A com-paração pretende mostrar como os diferentes me-canismos empregados na obra influenciam na eficiência econômica, na questão ambiental e, principalmente, na qualidade laboral no canteiro de obras. O projeto de João Filgueiras Lima (Lelé) surgiu como contraponto significativo para essa pesquisa visto que o arquiteto conseguiu criar um canteiro de obras em que os trabalhadores estariam expostos a jornadas de trabalho menos exaustivas, tanto do ponto de vista das horas trabalhadas quanto do ponto de vista da ergonomia; também mais educativas, devido ao trabalho nas oficinas no Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS), onde os trabalhadores aprenderam novos ofícios e não perderem seus respectivos empregos, já que ele participou de todas as etapas do projeto e da obra. Entretanto, na maioria das construções o arquiteto participa apenas até o projeto preliminar e tal processo permite casos como o do Terminal 3, que violou os direitos dos trabalhadores por expô-los a uma situação de trabalho não formal, em que eles foram privados da proteção prevista pela CLT, além de deixá-los em uma situação de-gradante de insalubridade, alimentação e moradia enquanto eram mantidos como uma mão de obra de reserva para o canteiro desta obra. Com a análise crítica da tecnologia e do planejamento usados no canteiro de obra, essa linha de pesquisa pretende encontrar possíveis atitudes que o arquiteto pode ter para humanizar o canteiro, com uma intenção clara de resgatar a ideologia de João Filgueiras Lima. Pretende-se, então, tecer reflexões sobre as implicações sociais das escolhas técnicas, de ma-

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teriais e de trabalho adotadas pelo arquiteto que podem culminar na realização de um canteiro de obra mais humanizado ou não.

5. Tipologia habitacional e o processo de projetos participativos: análise crítica do desenvolvido e tipologia do conjunto habita-cional COPROMONathália Conte Mendes Batista (FAU-MACK / Bolsa PIBIC-MACK)orientação: Prof. Ms. Paulo Emilio Buarque Ferreira (FAU-MACK)

O artigo desenvolve uma análise tipológica do conjunto habitacional COPROMO, construído pela CDHU com a assessoria técnica USINA-ctah, em 1992, período considerado paradigmático na cons-trução habitacional para baixa renda no Brasil. Trabalha-se com um exemplo de mutirão autoge-rido, tendo um processo de desenvolvimento que parte do princípio da simbiose entre arquitetos e moradores na elaboração conjunta de projeto, gerenciamento e execução da obra. Apresenta-se, assim, o conjunto habitacional construído a partir de um sistema participativo, com a produção de mil unidades habitacionais de mesma tipologia. Os estudos desta pesquisa se iniciaram a partir da investigação de conjuntos habitacionais que tiveram como característica o processo de cons-trução participativo e mutirão, adotando este fator como um elemento de escolha do estudo de caso que norteia a pesquisa, COPROMO. Dado o seu processo de concepção e execução, apresentando uma tipologia curiosa que foge dos padrões de habitação popular, o método construtivo adotado acabou limitando um valor projetual importante no contexto da habitação de interesse social, a flexibilidade tipológica. Diante da arquitetura, a qualidade de flexibilidade pode ser direcionada a duas vertentes: flexibilidade conceitual e flexibi-lidade permanente, termos abordados nos refe-rentes artigos de Perreira (2013) e Tramontano (1993). A flexibilidade conceitual permite ao morador ter um papel participativo na definição e escolha de um “programa funcional” do projeto, adequado a sua dinâmica e cotidiano, personali-zando o espaço doméstico de acordo com suas necessidades. A flexibilidade permanente refere-se à fase de utilização, na qual a habitação pode sofrer ou não modificações na característica física do espaço. Atribuindo aos espaços domésticos a ca-pacidade de polivalência no que se refere ao uso dos distintos compartimentos. Dado este panorama, o objetivo desta pesquisa é justamente investigar

os fatores e diretrizes que nortearam o COPROMO; busca-se compreender como e porque o conceito flexibilidade, em um projeto que questiona os métodos e resultados usualmente utilizados em projetos de habitação de interesse social e que traz os moradores a participarem desde a concepção a execução, não está presente em sua tipologia final. Parte-se do levantamento de seu contexto históri-co, para o desenvolvimento de uma análise crítica sobre as soluções tipológicas adotadas. Questio-nam-se não apenas as soluções técnicas, mas também o modo como seus atuais moradores se apropriam do espaço; apresentam-se, portanto, diferentes olhares sobre o COPROMO: o olhar histórico de produção habitacional no Brasil entre as décadas de 30-90; olhar do processo de mutirão autogerido e participação do morador; olhar da obra; olhar dos moradores e olhar do arquiteto.

MESA 6Habitação social e políticas públicascomentário: Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP)coordenação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva (EC e USJT)

1. Locação Social em São Paulo: o caso do Parque do GatoLarissa Gomes (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva (EC e USJT)

Os programas de habitação social no Brasil têm tido como modalidade preponderante (quase única) a aquisição de unidades de moradia. Para algumas situações, seja por dinâmicas familiares, seja por questões financeiras, é interessante oferecer a modalidade de locação social, algo pouco praticado no caso brasileiro. O presente trabalho tem como objetivo de estudar a modalidade de locação social como possibilidade de habitação social, tendo como base a observação de parâmetros referentes na cidade de São Paulo, suas normativas e conjuntos construídos, na intenção assim, de contribuir desta maneira para a compreensão dessa possibilidade. A locação social tem como objetivo desvincular o valor do aluguel do custo do imóvel e o vincular às possibilidades de pagamento das famílias. Assim, mantendo o imóvel como propriedade pública impedindo que a população beneficiada fique sub-metida à pressão do mercado imobiliário, ou que seja expulsa com a valorização das áreas centrais onde se encontra o programa de locação social - que costuma ser confundido com outros progra-

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mas, como o aluguel social. Assim sendo, são ne-cessárias a definição de Locação Social, Aluguel Social e Bolsa Aluguel nesse trabalho; além do levantamento da legislação referente à locação social em São Paulo atual e na sua criação, fazendo também comparação com outras legislações, como a de Curitiba no Paraná; e na análise específica do caso Parque do Gato. Foram levantados os proble-mas encontrados, na busca de entender a transição para propriedade individual e também a definição de como é hoje o conjunto habitacional, assim explicando o modo de financiamento utilizado, os termos contratuais, para entender como este é burlado, e o modo que todo o processo ocorre até a situação atual.

2. Os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) e a política ambientalEdson Maia Villela Filho (PUCPR)orientação: Prof. Dra. Zulma das Graças Lucena Schussel (PUCPR)

A área habitacional no Brasil sofreu várias inter-venções em suas bases e estruturas, além de uma nova composição em sua política nacional desde o início do século XXI, principalmente pela apro-vação do Estatuto das Cidades. O Ministério das Cidades elaborou a Política Nacional de Habitação (PNH), o Sistema Nacional de Habitação (SNH) e o Plano Nacional de habitação (PlanHab) para ge-renciar recursos e o equacionamento das necessi-dades brasileiras. Coube aos municípios desenvol-verem Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) para orientar a tomada de decisões, corrigir irregularidades e conseguir recursos para ações habitacionais. Porém, com a criação do Pro-grama Federal Minha Casa Minha Vida em 2009, a política habitacional foi atingida pela falta de planejamento e integração com o novo plano. Essa pesquisa busca relacionar os PLHIS de cada mu-nicípio pois eles possuem questões e ações em comum. O desenvolvimento do trabalho foi divi-dido em três partes: fundamentação teórica, visitas / entrevistas e análise dos Planos de Habitação. A primeira foi realizada com a leitura de artigos e elaboração de resenhas. A etapa seguinte corres-ponde a comparação realizada entre a teoria e a prática. Por último, a análise dos Planos foi execu-tada com a elaboração de tabelas para cada mu-nicípio: Araucária, Campina Grande do Sul, Colombo, Curitiba, Pinhais, Quatro Barras e São José dos Pinhais. Os resultados dessa análise são muito parecidos, pois foram elaborados pela mesma empresa (Ecotécnica Tecnologia e Consul-

toria Ltda.) ou apresentam necessidades em comum. Foi visível uma falta de integração entre os Planos das cidades vizinhas, pois somente com o planejamento conjunto será possível solucionar problemas comuns.

3. A construção do discurso dos atores envolvi-dos na produção do Programa Minha Casa Minha VidaJoão Vitor Ferrari Rabelo e Eduarda Assis Carmo (UFMG / Bolsa FAPEMIG)orientação: Profa. Dra. Denise Morado Nascimen-to (UFMG)

Entendendo o campo das políticas habitacionais como permeado por interesses econômicos e po-líticos, buscamos na presente pesquisa analisar como empreendimentos de produção habitacional para famílias de baixa renda que visam a redução do déficit habitacional, mais especificamente o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), se consolidaram e se legitimaram enquanto práticas. O PMCMV, subsidiado pelo governo federal, fun-damenta-se sobre uma imposição ideológica do modelo de propriedade privada a ser adquirida ao longo do tempo, negando o debate historica-mente presente na construção das políticas habi-tacionais por meio da participação dos movimen-tos de luta pela moradia. O programa busca implementar, em nível nacional, um modelo de prédios padronizados de apartamentos de 40m2 em sua grande maioria, erigidos em áreas periféricas da cidade com inserção urbana questionável, os quais são entregues às famílias de baixa renda cadastradas pelo poder público local. Péssimas localizações; grandes deslocamentos urbanos a que têm sido submetidas boa parte das famílias beneficiárias; expansão horizontal das cidades com criação de vazios especulativos; segregação urbana nas diversas escalas; padronização da produção por todo o país independentemente das condições bioclimáticas e culturais; baixa qualidade construtiva; altos custos de manutenção; falta de regulação pública da produção são algumas das características que têm sido frequentes nas avaliações feitas do programa. À vista disso, partimos do pressuposto de que o processo de construção de uma realidade social, enquanto simbolicamente constituída, não está alheio à existência de relações de poder e que estas se expressam também na linguagem sob a forma de discursos, entendidos aqui como espaços de disputa ideológica por excelência. Com efeito, a compreensão da consolidação de práticas

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similares ao PMCMV como estratégias eficientes no combate ao déficit habitacional perpassa o âmbito do discurso que as legitima socialmente. Nesse cenário, a posição privilegiada da mídia na construção simbólica da realidade é inegável, ainda que seja um ambiente heterogêneo e em constante disputa. Sendo assim, a proposta pretende analisar conteúdos jornalísticos eletrônicos que tratam do PMCMV na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, com o objetivo de desvelar o discurso midiático que cristaliza as políticas habitacionais. É importante ressaltar que a intenção não é fazer uma análise sobre a forma como indivíduos internalizam o conteúdo dos meios de comunicação, mas explorar como o discurso midiático é compa-tível com a realidade social das estruturas de pro-dução do espaço urbano exatamente por consti-tuí-la, enquanto imposição ideológica dominante. Reportagens digitais que tratam do tema do PMCMV e dos empreendimentos presentes nas cidades da RMBH foram coletadas para, em seguida, serem classificadas por categorias e analisadas pelos con-teúdos. Espera-se, ao final, explicitar a construção do discurso dos atores envolvidos na produção da moradia.

4. Casa para quem precisa: desequilíbrios entre público alvo e atingido pelo Programa Minha Casa, Minha Vida em Minas Gerais e Espírito SantoLorena Gomes Ravazzi e Jorge Lira de Toledo e Gazel (DAU-UFV / Bolsa PIBIC-FAPEMIG)orientação: Prof. Dr. Tiago Augusto da Cunha (DAU-UFV)

Após 2002, novos instrumentos e objetivos foram adicionados à política habitacional nacional, vol-tados à inclusão e equidade social ao garantir acesso à habitação à população financeiramente mais carente. Nesse sentido, interessa ao presente estudo investigar a acurácia do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), elucidando se os aportes estão, de fato, atingindo a população mais privada de meios físico-financeiros para adquiri-la. A bibliografia recente aponta o contrário. Presu-me-se, portanto, que a relação público alvo/público atingido divirja. Para tanto, investiga-se as possíveis incongruências no abrandamento do déficit habi-tacional, destrinchando Minas Gerais e Espírito Santo, haja vista a pressão por novas moradias a partir do crescimento populacional e sua concen-tração espacial. Pretende-se então averiguar se as habitações do PMCMV estão sendo acessadas pela população menos abastada (0 a 3 salários mínimos).

Nesse sentido, espera-se contribuir com a formu-lação (ou reformulação) de políticas públicas ha-bitacionais de âmbito regional e nacional. Para isso, se fez necessária a caracterização do déficit habitacional absoluto segundo municípios de MG e ES, com base em dados provenientes da Secreta-ria Nacional de Habitação (SNH), da Caixa Econô-mica Federal (CEF) e da Fundação João Pinheiro. Os dados, por sua vez, compreendem os empreen-dimentos aprovados - não necessariamente executados - até 2013 nos estados em questão. Opta-se por utilizá-los como recorte territorial, haja vista que apresentam os mais significativos valores absolutos de déficit habitacional da União. Os empreendimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida nos estados de MG e ES, foram mapea-dos com o auxílio do software ARCgis, ora separa-dos por faixa de renda, ora por demanda e acesso. Embora recentemente tenha ocorrido um reavi-vamento da política habitacional tanto em termos conceituais como econômicos - com a injeção de grandes somas de recursos financeiros, frutos de um cenário macroeconômico favorável - a questão do déficit básico perdura. Há indícios que estratos populacionais mais carentes continuam delegados a um segundo plano, fomentando o ciclo de repro-dução e acentuação de desigualdades socioespa-ciais. O corrente projeto se enquadra como um dos primeiros objetivos de um projeto de pesquisa mais amplo denominado “Os efeitos do Programa Minha Casa, Minha Vida no abrandamento das desigualdades infraestruturais regionais brasilei-ras”, encabeçado pelo grupo registrado no Diretó-rio CNPq “Território & Desigualdades” da Univer-sidade Federal de Viçosa (UFV), contando com a colaboração de diversos pesquisadores de outros centros de estudos.

5. Avaliação da política pública do governo brasileiro para a programação de habitação socialJoão Paulo Gobbo de Sousa (UNITAU)orientação: Prof. Dr. José Oswaldo Soares de Oliveira (UNITAU)

O desenvolvimento da Política Social do governo brasileiro no período compreendido entre 2003 e 2014 propiciou um novo patamar de inclusão social do contingente de moradores abrangidos pelo Pro-grama Minha Casa, Minha Vida, em detrimento de possíveis percalços enfrentado pela implantação das atividades do setor construtivo inerentes a sua inclusão no meio urbano em expansão nas médias e grandes cidades, atrelados a processos especu-

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lativos da terra, a situações de dificuldades de acesso ao transporte e até mesmo de problemas construtivos presentes nos edifícios resultantes. A pesquisa, por meio empírico, se desenvolverá de modo a compreender a situação dos programas de habitação social no município de Taubaté. Optando por um trabalho de fontes primárias, buscando entender as expectativas dos moradores dos pro-gramas de habitação de políticas públicas, será elaborado um roteiro temático com auxílio do Grupo de Pesquisa Socioambiental - UNITAU e do LAPSI-USP. O roteiro será divido em duas fases: questionário aberto e questionário dirigido. Tal questionário será aplicado a uma parcela de 2% desta população, para que tenhamos subsídios para uma posterior análise do grau de satisfação dos habitantes em relação a seu abrigo e ao meio urbano do qual está inserido.

MESA 7Olhares e representações da metrópolecomentário: Profa. Dra. Silvana Rubino (IFCH-UNICAMP) coordenação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC e Pinacoteca-SP)

1. A cidade de São Paulo através de seus rios: estudo de imagens fotográficas de fins do século XIX até meados do século XXAlexandre Kok Martins (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos (EC)

A pesquisa tem como objetivo compreender a relação criada entre a cidade e os quatro principais rios de São Paulo - Anhangabaú, Tamanduateí, Tietê e Pinheiros -, no período que se estende do fim do século XIX até meados do século XX. O estudo se baseará numa análise comparativa entre foto-grafias dos rios tiradas no período destacado, bus-cando apontar também como se deu a expansão da cidade e quais os motivos que levaram a que fossem realizadas as grandes obras de intervenções nos rios. As fotografias, que serão a principal fonte de documento da pesquisa, serão levantadas e selecionadas a partir de estudos em acervos foto-gráficos, como Brasiliana Fotográfica, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo, Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo (Casa da Imagem) e o acervo online do Instituto Moreira Salles. Pa-ralelamente a isso, a leitura de alguns livros e

artigos servirão como base teórica tanto do estudo da cidade de São Paulo quanto da discussão da fotografia como documento histórico.

2. Centro de São Paulo: identidade e cotidiano a partir da produção de imagens fotográficasFiona Susan Platt (SENAC)orientação: Prof. Ms. Ralf José Castanheira Flôres (SENAC)

Este projeto busca estudar a(s) memória(s) e a(s) identidade(s) da cidade de São Paulo a partir da produção de representações visuais de sua paisa-gem urbana - fotografias - e sua difusão por com-partilhamento em redes sociais, mais especifica-mente o Instagram, aplicativo para smartphones. As imagens analisadas foram selecionadas a partir da hashtag (indexador) “centro de São Paulo” ou, na linguagem do aplicativo, #centrodesaopaulo, e estão em um recorte temporal estabelecido entre os meses de agosto a dezembro de 2014. Produzidas por pessoas comuns, estas imagens constituem um acervo documental digital espontâneo e coletivo, em constante crescimento e, através delas, acre-dita-se poder identificar elementos para a cons-trução de uma identidade para a cidade.

3. Cidade E Cinema: representações da periferia no cinema brasileiro (Rio de Janeiro e São Paulo)Vinícius Okada Micheletto de Moraes D’Amico e Jeanne Alves Vilela (IAU-USP / Bolsas PUB-USP)orientação: Prof. Dr. Ruy Sardinha Lopes (IAU-USP)

As presentes pesquisas têm por objetivo analisar a representação social e arquitetônica das perife-rias das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo no cinema nacional brasileiro dos anos 1950 até a atualidade, no sentido de apreender as mutações da imagem do “ser da periferia” e sua articulação com os processos de empresariamento da cidade, em curso desde a década de 1990. Está baseada no levantamento bibliográfico e cinematográfico acerca das periferias carioca e paulistana, sua análise e sistematização em busca de suas princi-pais características e especificidades. Os chamados megaeventos fizeram surgir no Rio de Janeiro uma nova postura com relação à periferia. Existe um esforço em tornar os morros, favelas e comunida-des segregadas parte integrante da cidade asfalta-da e em transformar o imagético desses territórios, mesmo que para essa transformação seja neces-sário o emprego de violência por parte da polícia.

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O que antes era visto como território de violência e pobreza agora passa a ser visto como mercado consumidor em potencial, gerador de conteúdo artístico e fonte de empreendimentos. A mídia surge como consolidadora desse esforço em pro-mover a imagem da favela pacificada, agindo por meio do apoio e exaltação das novas políticas pú-blicas em andamento. Ela aparece como instru-mento fundamental para o sucesso das manobras que visam transformar a carência das favelas em potencialidade. Da mesma maneira, o cinema acompanha o contexto de mudanças históricas das comunidades. A construção de três imagens dis-tintas da periferia através dos tempos (a favela romantizada do cinema de 1950, a periferia tomada pela violência no cinema das décadas de 1990/2000 e a favela em processo de pacificação veiculada pela mídia a partir de 2008) não caracteriza apenas um reflexo de como as periferias são encaradas nesses diferentes momentos, mas também inter-fere no modo como elas são vistas pela sociedade. De maneira análoga, a cidade de São Paulo apre-senta uma história segregadora, cujo crescimento urbano sempre se deu de modo a “empurrar” as comunidades mais pobres para as zonas periféri-cas, cada vez mais longe dos centros e perto das áreas menos nobres. Nas primeiras décadas do século XXI, alguns fatores acarretaram a necessi-dade de mudança do perfil imagético antes propa-gado a respeito da periferia. Novamente a mídia surge como consolidadora desse esforço e o cinema nacional auxilia na construção desse novo imagé-tico urbano. A partir dessas percepções, as presen-tes pesquisas buscam compreender a importância do cinema na criação e modificação do imaginário sobre as periferias, bem como a maneira pela qual essas comunidades são influenciadas e atingidas por este.

4. Aprendendo com as diferenças: comunida-des informais e autoconstrução em São Paulo e CopenhagenJulia Park (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva (EC e USJT)

O objeto de estudo desta pesquisa é a produção vernacular de duas comunidades informais em contextos opostos localizadas nas cidades de São Paulo e Copenhague, nas quais observamos ana-liticamente práticas e técnicas de autoconstrução. Como situações em contextos tão diferentes - cli-máticos, ambientais, materiais, econômicos, sociais e culturais - poderiam se aproximar através das

práticas e técnicas da autoconstrução? Existem padrões similares de técnicas e práticas de auto-construção entre comunidades em contextos tão diferentes? Toda construção carrega um processo ‘biográfico’ que é moldado a partir dos diferentes processos de mudança e adaptação, sendo isto especialmente relevante para as construções dos territórios marginalizados onde a produção origi-nal está caracterizada pelas limitações econômicas, espaciais e humanas e nas quais projetam-se desejo de uma futura continuação de expansão. Acredi-tamos que a transmissão de conhecimentos tradi-cionais e práticas - formais e informais - passa por um processo criativo onde os sujeitos “negociam, interpretam e adaptam o conhecimento e as expe-riências adquiridas ao presente” (Vellinga, 2006). Os espaços de moradia marginalizados alteram as noções de centro-periferia e de nação-cidadania a partir da apropriação desses espaços e de suas práticas culturais. Para Michael Rios, são novos espaços de imaginação, reivindicação que geram “material thinking and collaborative human action” e questiona o modo como urbanistas planejam e atuam em cima de diretrizes fixas. O interesse em estudar as comunidades informais dessas cidades provém do fato de que ambos os casos, incontes-tavelmente, são parte da realidade local. São Paulo com suas favelas e Copenhague com Christiania. Em cada situação as comunidades reagem e utili-zam de recursos que dispõem conforme suas ne-cessidades e disponibilidade, dinâmica que está diretamente relacionada a sua produção arquite-tônica. Por estarem inseridos em sistemas mais orgânicos e menos restritos, as construções locais refletem esse caráter mais espontâneo. Esta pes-quisa se dedica a tentar compreender como as práticas construtivas dessas comunidades levaram a tais resultados. No primeiro período de pesquisa, uma extensa pesquisa bibliográfica foi feita. Arti-culou-se a caracterização e descrição tanto das cidades quanto das comunidades escolhidas, de-talhando as características contextuais geográficas, históricas e socioeconômicas dos dois lugares, além de afinar os conceitos utilizados e alinhar a argu-mentação com uma seleção de autores. Já um segundo período pode ser caracterizado por uma pesquisa de campo, incluindo entrevistas feitas in loco e procurando obter importantes fontes e para se estabelecer um critério de comparação benéfi-co para o estudo, a partir das práticas e procedi-mentos de construção das comunidades. Alimen-tada de materiais documentados e fotografados, esta etapa culminou no Catálogo Analítico Compa-rativo, que propõe a caracterizar paralelamente

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os bairros Jardim Colombo e Christiania, tanto na sua materialidade, quanto na composição. Através da categorização de elementos e situações presen-tes no cotidiano de ambas, se procura encontrar similaridades e disparidades entre elas, para que, somado às informações adquiridas da bibliografia e entrevistas, se possa compreender visualmente e concluir o que as comunidades poderiam extrair uma da outra.

5. Do lirismo ao caos: experimentação gráfica sobre São Paulo a partir de Walter BenjaminGuilherme Paschoal Ribeiro (EC / Bolsa PE - Con-selho Científico EC)orientação: Prof. Ms. Alexandre Benoit (EC)

O trabalho tem a ambição de compreender o autor Walter Benjamin em seu tempo e sua leitura de cidade. Para tal, enxergamos no “Obras escolhidas III: Charles Baudelaire, um lírico no auge do capi-talismo” o grande cerne de nosso intuito de pes-quisa, pois entendemos que seja nesta obra onde Walter Benjamin a partir dos poemas de Charles Baudelaire conceitua a modernidade e consequen-temente as mudanças vividas na cidade. A partir desta leitura, extrapolamos alguns dos conceitos e exercícios propostos por Benjamin para o Brasil e nossas cidades, em especial São Paulo, afim de investigar graficamente formas de representar alguns espaços públicos desta cidade. A pesquisa terá como objetivo a elaboração de um livro-obje-to, no qual a própria narrativa amarre estas formas de pensamento (teoria e desenho).

MESA 8Cidade, espaços e sujeitoscomentário: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP)coordenação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos (EC)

1. Patrimônio edificado no BrásYasmin Darviche (FAU-USP / CNPq)orientação: Profa. Dra. Beatriz Mugayar Kühl (FAU-USP)

A pesquisa, desenvolvida entre agosto de 2013 e julho de 2014, tratou do levantamento do patrimô-nio edificado em um perímetro específico do bairro do Brás, delimitado pelas Ruas Inácio de Araújo, Bresser, Coimbra, Dr. Costa Valente, Dr. João Alves de Lima, e Hipódromo. Dadas as modificações na conformação urbana do bairro - desde o estabele-cimento do padrão de ocupação típico de um bairro

industrial, até os dias atuais - resultantes da dinâ-mica da metrópole, a pesquisa procurou identificar os elementos estruturadores da área que pudessem ser de interesse para preservação. Considerando que os últimos levantamentos desse tipo foram os inventários realizados pela EMURB, e pela COGEP com o DPH, na década de 1970, surgiu o interesse do Departamento do Patrimônio Histórico, da Se-cretária Municipal de Cultura, em estudos como este, pois seus resultados podem oferecer subsídios para a elaboração de um novo inventário e políti-cas públicas de preservação para o bairro. A pes-quisa esteve articulada com outros projetos de iniciação científica, propostos conjuntamente através de grupos de pesquisa da FAU-USP e da UNIFESP, coordenados respectivamente pelas Pro-fessoras Dras. Beatriz Mugayar Kühl e Manoela Rossinetti Rufinoni, junto ao Núcleo de Apoio à Pesquisa “São Paulo: Cidade, espaço, memória”, cabendo ao grupo da FAU-USP o estudo do Brás. Participaram do projeto as alunas: Bruna Dedini, Gabriela Piccinini, Renata Campiotto, Tarsila Andriole e, atualmente, Luiza Nadalutti. Os proje-tos levam o mesmo tema e seguem mesma meto-dologia, porém estudam perímetros diferentes no bairro para que, quando vistos em conjunto, for-neçam um diagnóstico aprofundado e completo sobre o patrimônio do Brás. Durante a primeira etapa de trabalho foi estudada a bibliografia básica de história da cidade, história do bairro, e história da arquitetura, para construção de conhecimento sobre a área tratada e criação de domínio sobre as questões a serem enfrentadas. Além disso, foram analisados documentos de arquivo, a cartografia da área e levantados os bens tombados em nível municipal e estadual. O aprofundamento dos estudos para o perímetro específico, realizado durante a segunda etapa, baseou-se em análises cartográficas - comparando a organização urbana atual da área com mapas antigos, principalmente o Sara Brasil -, e visitas a campo, buscando exem-plares de interesse para a pesquisa. Como forma de organização dos elementos levantados, foram realizados mapas indicativos da volumetria, das características arquitetônicas e dos elementos que compõem a dinâmica da região - edifícios voltados para o comércio. Como forma de proposta foi or-ganizado um mapa no qual são indicados os ele-mentos passíveis de serem preservados. A pesqui-sa apresenta a permanência de exemplares históricos do bairro industrial na área em estudo. Porém, estes exemplares estão em risco de demo-lição dadas as modificações pelas quais a área vem passando, seja por consequência de planos urba-

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nísticos, ou por parte da especulação imobiliária. A região apresenta muitos remanescentes da ar-quitetura de caráter cotidiano, sendo pequeno o número de edifícios de arquitetura monumental, e nenhum bem tombado. Muitas vilas, casas e antigos galpões ainda permanecem, respondendo às dinâmicas locais. Embora alguns estejam em mau estado de conservação, o patrimônio se mantém, materializando a memória do bairro.

2. Área central do Rio de Janeiro: patrimônio cultural, participação social e políticas urbanas (1970-2000)Renata Satie da Cruz (FAU-USP / FAPESP)orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento (FAU-USP)

A proposta da pesquisa é estudar o processo de preservação da área central da cidade do Rio de Janeiro no decorrer do século XX. Para tanto, pro-cura-se compreender as intervenções urbanísticas executadas ou apenas projetadas desde o início do século até a década de 1970, além das medidas tomadas para garantir a preservação e “revitali-zação” do centro histórico pela administração pública municipal, estadual, federal e pela parti-cipação da sociedade civil. Dentre as estratégias para preservar o patrimônio urbano, a prefeitura do Rio de Janeiro optou pela aplicação do Corredor Cultural, projeto que foi elaborado de maneira que possibilitasse a união na abordagem da preserva-ção do patrimônio cultural ao do planejamento urbano. O projeto do Corredor Cultural foi apro-vado em 1983 e sua nomenclatura provém da iden-tificação de espaços da área central que possuem função cultural e que se organizam de maneira contínua no núcleo urbano. A área demarcada inicia-se na Lapa, segue pelo Passeio, Cinelândia, Largo da Carioca, Rua da Carioca, Largo São Fran-cisco, Praça Tiradentes, Saara, Campo de Santana e Praça Quinze.O principal objetivo do Corredor Cultural é criar condições de “revitalização” das atividades cultu-rais e recreativas, através de instrumentos de le-gislação e desenho urbano. No projeto foram pre-vistas duas áreas principais: Preservação Ambiental, que procura garantir homogeneidade do ambiente com a preservação das fachadas e da volumetria do imóvel existente; e Renovação Urbana, que possui a especificação do gabarito máximo do edifício a ser construído, de maneira que não destoe do conjunto arquitetônico do entorno. Nota-se que a demarcação dessas áreas corresponde à percepção de um conjunto urbano

onde existe unidade, onde as mudanças e perma-nências devem respeitar o diálogo desse conjunto. Não é a preservação de um objeto isolado, é a tentativa de garantir a permanência de atividades culturais presentes e seus atores no centro histó-rico, com a consciência de que suas relações com a cidade é que as mantém em movimento. Além disso, os parâmetros de preservação possuem a intenção de evitar mudanças na paisagem do centro histórico que causem fragmentação e a consequen-te perda da identidade e memória dos espaços. Procuram evitar que se repitam medidas de alguns projetos que foram aprovados antes do Corredor Cultural, como os de infraestrutura que rasgaram ou rasgariam o tecido urbano (Avenida Diagonal e Avenida Presidente Vargas); ou projetos pontuais que impactaram o seu entorno pelo contraste em relação à tipologia eclética ou colonial. Desse modo, busca-se apreender os debates e as práticas de preservação na área central, com base na análise de Projetos Aprovados de Alinhamento (PAA) e Projetos de Loteamento (PAL), mapas, decretos municipais, listas de bens tombados e processos de tombamento. A união das abordagens dos vários atores sociais e instâncias da administração pública para a preservação e “revitalização” do centro, além do amadurecimento na discussão sobre os parâmetros conceituais sobre o patrimônio, per-mitiram que o centro do Rio de Janeiro fosse pio-neiro no trato com os temas da preexistência urbana e da valorização do ambiente construído.

3. A Praça da Bandeira em São Paulo: ideias em conflito, realizações e projetos interrompidosGustavo Marques dos Santos (FAU-USP / PIBIC-CNPq)orientação: Prof. Dr. Renato Cymbalista (FAU-USP)

A presente pesquisa tem como objetivo sistemati-zar os diferentes planos urbanísticos e arquitetô-nicos que foram produzidos para a territorialida-de da atual Praça da Bandeira, na cidade de São Paulo - SP; desde seus primórdios até a implemen-tação ali de um terminal de ônibus, em 1996. A reunião desses projetos, sejam eles realizados, interrompidos ou apenas idealizados, buscou preencher uma lacuna historiográfica paulistana, que até o momento abordou a Praça da Bandeira em uma relação de subordinação a outros espaços centrais mais prestigiados; e não como a centrali-dade urbanística particular que ela o é. Além do resgate e organização desses projetos, em arquivos e bibliotecas, propõem-se também um exercício mais aprofundado de apreciação dessas interven-

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ções; superando uma mera coleta de fotografias e desenhos técnicos. Para isso, modelos virtuais dos projetos abordados e mapas georreferenciados do local foram construídos; permitindo uma análise mais detalhada das implicações e limitações de cada intervenção ali empreendida. A análise do contexto histórico e os reflexos das sucessivas obras nesse privilegiado espaço paulistano, do ponto de vista urbanístico, torna-se assim uma contribuição ao debate contemporâneo de revalorização da cidade (e em especial de seu centro) por parte de amplos setores da sociedade paulistana. Distan-ciando-se da simplificação recorrente de conside-rar a Praça da Bandeira um espaço anexo, esta pesquisa procurou demonstrar como ela o é, em si, uma centralidade própria cujas características excepcionais a tornaram um desafio urbanístico maior do que a cidade fora até o momento capaz de responder (e, por isso mesmo, mais do que qualquer outro um local possível para a efetivação de um novo ideal urbano).

4. Na altura do olhar: três aproximações sobre a Gal. JardimTali Liberman Caldas (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Prof. Dr. Eduardo Costa (EC)

A reflexão sobre uma cidade grande é tarefa com-plexa e passível de diversas abordagens. Pensar uma cidade grande é muitas vezes se remeter a imagens, momentos e repetições. O espaço público, quando ocupado pelo homem, é fundamental para o funcionamento dessa cidade. Segundo Jane Jacobs (1961), a primeira imagem de uma grande cidade é formada pelas ruas e calçadas, espaços públicos, portanto, aonde as trocas, no sentido material e simbólico, se dão com maior intensidade. Tais trocas configuram o espaço das calçadas como múltiplo, mutável e dinâmico, sempre se reformu-lando, assumindo configurações para diversos atores. Michel Foucault, ao falar nas heterotopias (1967), aponta esta justaposição de vários espaços, aparentemente incompatíveis, em um lugar real. As calçadas, portanto, podem ser comparadas ao teatro. O palco é sempre o mesmo, mas o cenário, os atores e a plateia mudam constantemente. A pesquisa pretende aproximar-se do espaço público e suas possibilidades de troca, a partir do olhar para microdinâmicas urbanas, de alguns usos e caracterizações da calçada de uma grande cidade. Partindo de um primeiro estudo sobre o compor-tamento do homem no espaço público, marcado por estímulos e tensões, o recorte dado às calçadas

da Rua General Jardim, Vila Buarque, São Paulo, como objeto de pesquisa, se dá pelo seu papel es-truturador na construção deste espaço e por sua relação direta com a escala humana. Nesta pesqui-sa, não é de interesse a utilização de metodologias estruturadas apenas em instrumentos objetivos e estáticos do urbanismo, mas sim direcionar o olhar às dinâmicas do espaço, aproximando-se da an-tropologia urbana, tendo sempre em vista o papel central e o discurso da escala humana que o produz e ocupa. Tal estudo irá apoiar-se diretamente em obras pontuais que tratam do conceito de espaço e sua apropriação, de três pensadores “não urba-nistas”: “Morte e Vida de Grandes cidades”, publi-cada por Jane Jacobs em 1961; “O corpo utópico, As heterotopias”, publicação de 1984 do conjunto de conferências dadas por Michel Foucault em 1967; e “O declínio do homem público”, publicado por Richard Sennett em 1974. É na relação com estas obras que a Rua General Jardim surge como um instigante objeto de pesquisa.

5. Análise comparativa de lugares públicos na metrópole contemporânea: estudo sobre a Praça Sílvio Romero e o Shopping Tatuapé, São Paulo - SPTeresa Cristina Barroso Vieira (FAU-USP / PIBIC-CNPq)orientação: Prof. Dr. Eugenio Fernandes Queiroga (FAU-USP)

Este trabalho objetiva analisar comparativamente as apropriações públicas da Praça Sílvio Romero e do Shopping Tatuapé, por meio de suas caracte-rísticas morfológicas e sociais. Buscar-se-á aferir seus papéis na constituição da esfera pública local, tendo em vista o sistema de objetos e o tipo de propriedade dos diferentes espaços. Ambos os objetos de estudo estão localizados no bairro do Tatuapé, na cidade de São Paulo. Queiroga (2012) define esfera pública geral como toda a vida “em público”, abrangendo, portanto, o debate público (político e intelectual) e a ação comunicativa (verbal ou não-verbal), inclusive a cotidiana, desde que compartilhada “em público” no espaço, seja ele real ou virtual. Ao afirmar que as espacialidades da esfera pública, ou seja, as apropriações públicas dos espaços (reais), podem ocorrer tanto em pro-priedades públicas quanto privadas, Queiroga (2012) amplia o escopo de análise da esfera pública contemporânea, pois desvincula a obrigatoriedade de se relacionar espaço público e esfera pública. O autor define, então, o conceito de “lugar público” como aquele em que se estabelece a esfera pública

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(geral ou estrita), independentemente da proprie-dade ser pública ou privada. O Shopping Tatuapé está integrado à Estação Tatuapé de Metrô da Linha Vermelha, por onde circula a maior demanda de usuários do sistema metroviário. Além das tradi-cionais funções de compras e serviços, o Shopping Tatuapé tem se destacado por forte apelo popular e como ponto de encontro de diferentes “tribos urbanas”. Desta maneira, pretende-se comparar as espacialidades da esfera pública no Shopping Tatuapé, um potencial lugar público, e na Praça Sílvio Romero, um espaço público tradicional. A pesquisa teve início com aprofundamento teórico por meio de revisão bibliográfica. Na sequência realizou-se trabalho de campo, com coleta de dados em situações diversas durante o ano. Por fim, estes dados foram sistematizados, analisados e o rela-tório final elaborado. Em sucessivas visitas ao Shopping Tatuapé, a hipótese inicial de que este era ponto de encontro de diferentes “tribos urbanas”, ou seja, apesar de configurar-se como espaço privado possuía apropriações públicas, não se confirmou. Desta forma, analisou-se a Praça Sílvio Romero, tradicional espaço público, segundo a metodologia de ALEX (2004). Após uma breve contextualização histórica, fez-se uma leitura da praça considerando: acessibilidade e atratividade em relação a sua inserção urbana; uso e ocupação do solo do entorno; relações de troca com o entorno e principais fluxos; sistema de objetos e sistema de ações. Concluindo, a Praça Sílvio Romero reve-lou-se palco de rica e intensa vida pública. A diversa oferta de modais de transporte público nas proxi-midades - estação Tatuapé de trem e metrô, e ter-minal de ônibus - bem como o uso do solo comer-cial e de serviços em suas edificações lindeiras, garantem à praça alto e constante fluxo de pedes-tres. Locus de passagem, mas também de perma-nências, a praça possui um sistema de objetos capaz de comportar múltiplas apropriações, atraindo diversos usuários de ambos os gêneros e diferen-tes faixas etárias. A Praça Sílvio Romero configu-ra-se, portanto, como importante espaço público de encontros e convívio, de trocas e de conflitos.

MESA 9Cidade, arquitetura e dinâmicas do capitalcomentário: Profa. Dra. Beatriz Kara José (Senac)coordenação: Prof. Ms. Guilherme Petrella (EC e USJT)

1. Cidade Compacta e observação da Operação Urbana Consorciada (OUC)

Bairro do TamanduateíAline Gomes (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Prof. Dr. Luis Octavio de Faria e Silva (USJT)

O presente estudo científico busca elaborar prin-cípios e parâmetros do tema Cidade Compacta e comparar e observar com a Operação Urbana Con-sorciada (OUC) Bairros do Tamanduateí, objeto de estudo de campo. O projeto vincula-se à universi-dade na área de Urbanismo do Curso de Arquite-tura e Urbanismo, e elege como objeto de estudo uma operação urbana consorciada que abrange uma área de intervenção urbana que está no campo de influência do campus Mooca da universidade. A partir do estudo de bibliografias exercemos parâ-metros e comparações de temas influentes em Cidades Compactas, com ênfase nos seguintes as-pectos: densidade, em que podemos citar como bibliografia principal o livro Densidade Urbana - Um instrumento de planejamento e gestão urbana, de Claudio Acioly e Forbes Davidson; a questão hídrica, de modos, e de modelos de infraestrutura, em que utilizamos como principal bibliografia o livro O Negócio de Cidade, de Manuel Hecer; e a influência de tipologias, de edificações, e de traçado na saúde e conforto dos usuários a fim de refletir sobre o grau de influência de parâmetros e limites na cidade. Ao observar a OUC Bairros do Tamandua-teí identificamos a aplicação de alguns conceitos de cidade compacta como o adensamento, o incen-tivo de atividades econômicas locais e medidas que levam a criação de novos empregos voltados para os moradores da própria região, a fim de evitar deslocamentos e melhorar a qualidade de vida dos moradores. Identificamos um possível problema ao longo prazo da OUC bairros do Ta-manduateí e uma possível crítica aos princípios de cidade compacta elaborados nesta pesquisa. Após a descrição do estudo científico que estamos realizando, ainda temos a intenção de dar visibi-lidade prática a essa nova investigação, compa-rando o estudo da OUC Bairros do Tamanduateí com a OUC Porto Maravilha no Rio de Janeiro. Para isso, precisamos nos aprofundar nas contribuições bibliográficas e dar sequência às investigações de campo que estamos realizando.

2. Transformações e permanências na Barra Funda: a área envoltória do Teatro São PedroLarissa Tesubake de Farias (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Touri-nho (USJT)

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O bairro Barra Funda, em São Paulo, possui con-solidação antiga e teve seu desenvolvimento im-pulsionado pela ferrovia, a partir do final do século XIX. Apesar de existirem muitos imóveis tombados e reconhecidos pelos órgãos de preservação como patrimônio histórico da cidade, hoje essa região presencia novas dinâmicas, principalmente por intervenções do mercado imobiliário, que colocam em risco sua identidade e importância como lugar de memória. Assim, esta pesquisa tem por objetivo compreender a relação entre as transformações e permanências urbanas (bens históricos, tipologias, traçado e morfologia urbana) na região, tendo como recorte a área envoltória do Theatro São Pedro, regulamentada em 2006, a fim de preservar os bens imóveis importantes para a memória do lugar e conservar a visibilidade, destaque e am-biência dos mesmos. Para tanto, a pesquisa desen-volve-se em duas etapas: a primeira consiste no reconhecimento da área envoltória do Theatro São Pedro, comparando-a com seu entorno imediato, através de ferramentas como Google Earth e visitas a campo, para identificar as transformações que ocorrem na região, onde se localizam, quais seus usos e quem são os agentes que promovem tais intervenções, procura-se também reconhecer os usos e tipologias presentes na região, bem como quais são as permanências e onde se localizam; a segunda etapa constitui-se da revisão bibliográfica do tema, entrevistas com moradores e agentes de intervenção na área de estudo, além da sistemati-zação e análise dos dados obtidos. Como resultados preliminares, verifica-se que o mercado imobiliá-rio tem grande interesse na área, justificando suas intervenções a partir do caráter histórico e cultu-ral da região, rede de mobilidade ali presente e a previsão da transformação do Minhocão em parque, como grandes atrativos para a região. Outros interessados na região foram identificados, como companhias de teatros, artistas plásticos e restaurantes, atraídos pelos galpões industriais, remanescentes do período industrial da região, além dos baixos preços dos imóveis.

3. São Paulo: duas cidades em uma. Um estudo sobre a Galeria Metrópole e o Conjunto Cidade JardimDebora Cristina da Silva (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Marina Grinover (EC / FAU-USP)

O projeto de pesquisa proposto faz uma leitura

contemporânea da cidade de São Paulo, analisando como dois edifícios análogos de caráter misto, porém construídos em diferentes contextos histó-ricos, sociais e culturais, permitem conformações diferentes no urbanismo e desenho da cidade. Esses contextos dizem respeito aos dois objetos de estudo da pesquisa: a Galeria Metrópole (1959-1964) pro-jetado por Salvador Candia (1924-1991) e Gian Carlo Gasperini (1926) e o Conjunto e Shopping Cidade Jardim (2008), realizado pela incorporado pela JHSF e projetado pelos arquitetos Julio Neves (1932-) e Pablo Slemenson (1955). Os objetos de estudo apre-sentam duas propostas diferentes de cidade. De um lado, o edifício e galeria Metrópole, pertencente ao contexto modernista no desenho de edifícios de uso mistos dos anos 1950/1960, que possui espaços coletivos em seu térreo que se abrem para a área central da cidade. De outro, o conjunto residencial e comercial Shopping Cidade Jardim, um empreen-dimento imobiliário de alta renda, que possui uma proposta mais privativa do uso misto, e que foi construído em uma região de centralidade relati-vamente recente na cidade. A compreensão geral do contexto de ambos os edifícios, juntamente com sua análise projetual permite compreender dife-rentes lógicas de funcionamento da cidade, pas-sando por questões que envolvem o trabalho dos arquitetos para empreendedores privados em di-ferentes épocas, o viés social e científico na São Paulo contemporânea e sua segregação espacial, e a importância das relações urbanas causadas a partir da implantação do edifício e outras decisões de projeto em cada um dos casos.

4. Arquitetura e cidade na era do capital financeiro - os espaços aeroportuáriosBianca Feliz Okamoto e Gabriel de Paula Biselli (EC / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC) e Prof. Ms. Guilherme Petrella (EC e USJT)

O presente projeto de pesquisa busca analisar os espaços aeroportuários no Brasil, com ênfase na área construída do Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos, trazendo à luz suas novas dinâmicas organizadoras do espaço, sobretudo a partir do que François Chesnais classificou como capitalismo financeiro - sendo esta a sua fase mais contempo-rânea. Para isso, analisaremos essas dinâmicas em três instâncias ou dimensões diferentes: a imedia-ta - referida propriamente ao objeto edificado do Terminal 3 de Guarulhos; a global - que diz respei-to às lógicas em que opera o capitalismo financei-

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ro; e, por fim, a total - que discutirá no campo simbólico e no da cultura os impactos e transfor-mações geradas por grandes obras de infraestru-turas. Através de um olhar mais atento sobre a maneira pela qual foi estruturada a construção - desde a concepção, sistema de concorrência e mu-danças de projetos à execução - do Terminal 3 de Guarulhos, buscaremos entender relações e ten-sionamentos das lógicas do capitalismo financei-rizado com os processos e instâncias materiais e simbólicas dos espaços construídos. Observa-se que na atual fase do capitalismo há uma predomi-nância de redes de mercados financeiros globais, de forma a acelerar sobremaneira a circulação de capitais. Segundo David Harvey, nesse contexto, as cidades passam a se inserir numa concorrência global. A partir de ideologias que pregam uma inevitável globalização e inserção nessas lógicas de competição, cidades se homogeneízam e apontam para leituras como a do arquiteto Rem Koolhaas, que as classifica como Cidades Genéricas. As grandes obras de infraestruturas aparecem nesse cenário como fundamentais propulsoras da concorrência - sendo os aeroportos um exemplo delas. As áreas aeroportuárias tornam-se cada vez maiores, suportando cada vez mais passageiros por dia e chegam ao ponto de não apenas exerce-rem o papel entre deslocamentos e fluxos de pas-sageiros, mas também oferecem os mais diversos serviços e comércios. Há, portanto, uma transfor-mação das características funcionais e programá-ticas desse espaço: a dinamização do fluxo aero-viário dá lugar a uma maior inserção do consumo e da permanência. No que tange os aspectos cul-turais e simbólicos, pode-se elencar as consequên-cias e fatores que alguns megaeventos - como Olímpiadas ou Copa do Mundo de Futebol - adqui-rem, onde as infraestruturas se tornam simbólica e economicamente mais uma ferramenta nessa ordem do capital globalizado. Inserido no Projeto Contracondutas - que parte de questões abertas pela fiscalização e flagrante de situações relacio-nadas ao trabalho na obra do Aeroporto Interna-cional de Guarulhos Terminal 3 para, através de pesquisas acadêmicas problematizar de forma abrangente a situação do trabalho análogo ao escravo na indústria da construção civil - a pes-quisa busca, em última análise, evidenciar tais aspectos não como desvios, mas parte constituin-te dessa lógica global.

5.Desconstruindo o canteiro: o caso do Termi-nal 3 - Aeroporto de GuarulhosRafaella Luppino e Stela Mori Neri Silva (EC /

Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Dra. Anália Amorim (EC e FAU-USP) e Prof. Valdemir Lucio Rosa (EC)

Esta pesquisa pretende descobrir como se deu o processo de contratação e produção em suas di-versas etapas na construção do Terminal 3 do Aeroporto internacional de Guarulhos para, então, problematizar a situação da construção civil. Jus-tifica-se por sua inserção no Projeto Contracondu-tas, que parte de questões abertas pela fiscalização e flagrante de situações relacionadas ao trabalho escravo em uma grande obra em Guarulhos - Ae-roporto Internacional Terminal 3 - para, através de pesquisas acadêmicas, entre outras estratégias, levantar, analisar, debater, problematizar e comu-nicar de forma abrangente a situação do trabalho análogo ao escravo na indústria da construção civil, refletindo sobre seus rebatimentos na pro-dução da arquitetura. O Contracondutas, projeto do qual a linha de pesquisa “Desconstruindo o Canteiro” faz farte, surgiu assim do compromisso assumido pela Escola da Cidade em fazer farte do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público do Trabalho. Pretende-se, portanto, esmiuçar, da forma mais abrangente possível, questões como o processo de licitação de obra (Lei nº 8.666) e de terceirização, a industria-lização na construção civil, a gestão de custos, a exploração da mão de obra e o processo de distan-ciamento do projeto de arquitetura em relação ao canteiro de obras. A partir da hipótese de que a licitação de grandes obras da forma como hoje ocorre no Brasil por um lado abre espaço para processos de terceirização, e, por outro, retira do arquiteto a possibilidade do desenvolvimento do projeto em todas as suas etapas, investigaremos os processos de terceirização na obra do aeropor-to buscando entender as responsabilidades e con-sequências financeiras, humanas e de qualidade dos espaços provenientes desses processos. No caso da industrialização, como se tratava de uma pré--fabricação de peças grandes e pesadas, busca-se entender os riscos físicos e de empregabilidade a que os operários foram expostos. Os equipamentos de segurança foram usados devidamente? Houve algum tipo de treinamento para os trabalhadores? Qual é a relação entre o nível de automatização e de mão de obra empregada? Estudaremos também como o preço, a escolha de materiais e as diversas vertentes econômicas podem influenciar para além do salário tanto dos trabalhadores quanto dos arquitetos. Daremos ênfase ao Regime Diferencia-do de Contratação (RDC) e Reserva Técnica. Por

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meio desta pesquisa e da publicação da mesma no site que vem sendo criado para esse fim, preten-de-se problematizar e comunicar a complexidade da cadeia produtiva na construção civil e seus desdobramentos para a contratação, corrupção, atuação do arquiteto e trabalho escravo no cantei-ro de obras. Em suma, esta pesquisa iniciação científica tem a finalidade de encontrar possíveis explicações para algumas das problemáticas da construção civil usando como exemplo o Terminal 3 do aeroporto de Guarulhos.

MESA 10Diálogos entre arte, cidade e arquiteturacomentário: Profa. Dra. Taisa Palhares (IFCH-UNICAMP)coordenação: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (EC)

1. Fenomenologia da forma construída - olhares tecidos sob as lentes ofuscadas pela contemporaneidade: a metrópole na fotografia de Michael WeselyBeatriz Gomes Ferreira (FAU-USP / Bolsa PIBIC-CNPq)orientação: Prof. Dr. Guilherme Wisnik (FAU-USP)

A pesquisa utiliza os trabalhos de Michael Wesely como base para discutir a relação da arte, enquan-to fotografia, com a arquitetura e a cidade, a saber de que maneira esta contribui como um registro importante para propiciar a compreensão de um recorte espaço-temporal do qual fazemos parte. Conhecido como pioneiro em fotografias de longa duração, o fotógrafo alemão utiliza essa técnica desde 1988, a qual consiste em deixar o obturador da câmera aberto durante um longo período, per-mitindo constante exposição à luz que resulta em uma única imagem de sobreposição de tempos. O autor aplicou essa técnica em Berlim e Nova York e, atualmente, a convite do Instituto Moreira Salles, desenvolve um novo trabalho em São Paulo. O projeto, intitulado “Câmera Aberta”, surge poste-riormente aos trabalhos nessas duas outras im-portantes cidades, o que atribui à metrópole de São Paulo um reconhecimento que extrapola o âmbito nacional. As fotografias fazem um registro da Avenida Paulista em simultaneidade à constru-ção da nova sede do IMS pelo escritório Andrade Morettin Arquitetos, tornando-se assim pertinen-te o diálogo que se estabelece entre as obras. Segundo os arquitetos vencedores do concurso em 2011, o novo IMS, além de ser um marco na paisa-gem construída da Avenida, terá uma relação direta

com o urbano. No projeto, a pele translúcida adotada, em associação à praça elevada, permite a percepção tanto dos rumores da cidade para quem está no edifício quanto de que algo acontece dentro deste para aqueles de fora. Em 2015, Wesely instalou seis câmeras em volta do canteiro de obras, cujos obturadores permanecerão abertos até sua conclusão, em cerca de 2 anos. Para o artista, a qualidade do trabalho não está nos anos de expo-sição, mas sim que a fotografia está mais escon-dendo do que mostrando algo, inverso do momento representativo da corrente fotográfica moderna. A lentidão e temporalidade estendida das fotogra-fias urbanas de Wesely contrapõem fortemente o dinamismo da metrópole atual. Em constante mudança, esse complexo mundo contemporâneo é incapaz de ser sintetizado em uma única imagem - seriam necessários infinitos fragmentos para compor o que ele é, ainda que insuficientes. Como um caleidoscópio, tais imagens estão contidas dentro de um campo, e o movimento dentro dele só entra em vigor devido ao olhar e à luz que nele incidem. Desse modo, o espectador tem o poder de escolha sobre o que olhar, dentre as tantas camadas de apreensão. Portanto, ele produz a figura de uma cidade palimpsesto cujas camadas do tempo podem ser desvendadas a partir da base foto/pergaminho. Trata-se do tempo como foco narrativo por meio de sua sobreposição, gerando uma imagem desconcertante do mundo que não a dele próprio, mas sim de seu recorte. Em última análise, sua obra pode ser considerada uma arte que expõe o mundo em sua amplitude, fazendo jus à noção de “campo ampliado” da arte, definida por Rosalind Krauss. Torna-se interessante, então, estudar uma obra de arte que expande as paredes do museu ao mesmo tempo em que elas são cons-truídas, trabalhando-o tanto como suporte quanto como obra.

2.Olhar feminino: a presença da mulher na cidade moderna, percebida através da fotogra-fia de Alice Brill, Berenice Abbott e Vivian MaierCaroline Pimenta Medeiros (SENAC / Bolsa SENAC)orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)

Este é um projeto em desenvolvimento dentro do programa de Iniciação Científica do Senac, seguin-do a linha de pesquisa “Cidade Mapeada”. Ao olhar-mos para o ser humano, vemos que ele é, funda-mentalmente, um ser relacional. Ele, basicamente, relaciona-se entre si e com o espaço. Essas relações possuem certo caráter, dependendo das peculiari-

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dades do ser ou do espaço. O ser mulher tem impli-cações singulares que foram sendo construídas e desenvolvidas ao longo das eras, passando por diferentes formas de se relacionar (sociedade) e por diferentes espaços ou lugares, também cons-truídos ou transformados pela ação do ser humano. O ser cidade, igualmente, tem implicações peculia-res. Sendo produto da relação entre o homem e o espaço, a cidade adquiriu um papel importante também como fator de transformações do próprio ser humano, a cidade é ao mesmo tempo metamor-foseada e metamorfoseadora do ser. Entretanto, quais seriam essas condições peculiares de ser - mulher e cidade? Elizabeth Wilson já identificou que “...se as mulheres são vistas como um problema das cidades ou se as cidades são um problema para as mulheres, percebe-se uma relação repleta de dificuldades” (WILSON, 1992). Na cidade moderna o corpo tem para si novas ferramentas que ajudam a chegar com mais rapidez aonde se quer chegar, enxergar a rua quando não há mais a luz do sol, fazendo com que a cidade seja o espaço do homem por mais tempo e também para mais homens. O corpo, então, reage a toda essa multidão de coisas e pessoas, geralmente, de duas formas: indiferença, posto que a quantidade de informações na cidade industrial é muito grande, ou a significação através da observação despreocupada da multidão, o que caracteriza a postura do flâneuse. O flâneur, no seu tipo clássico, se apresenta como personagem mas-culino. Contudo, essa postura mais atenta à cidade não era exclusivamente masculina. A mulher, apesar de todas suas peculiaridades em relação ao espaço público, dificuldades de fazer parte desse espaço sem ser considerada desonrosa, também construiu suas próprias experiências como flâneur. Essas experiências serão percebidas através de um instrumento que sempre acompanhou o desenvol-vimento da cidade: fotografia. Como comenta Name: “A fotografia de rua é consequência da demanda por uma nova técnica de representação instaurada pelas mudanças do sensório propiciadas pela modernidade” (NAME, 2015). Assim, olho para a vida e obra de três fotógrafas: Alice Brill (1920-2013), Berenice Abbott (1898-1991) e Vivian Maier (1926-2009). Essas fotógrafas foram escolhidas pela qualidade de seus trabalhos que envolviam o am-biente urbano, todas retratando o cotidiano da cidade moderna. Portanto, esta pesquisa se propõe a entender as relações e as percepções próprias da mulher na cidade, compreendendo peculiaridades da experiência urbana feminina como flâneuse, e percebendo como essas peculiaridades afetaram o ambiente urbano e foram afetadas por ele.

3. Moholy-Nagy e as representações estéticas da metrópole através do audiovisual: mapea-mento e apreensão da realidadeJosé Tiago Belarmino de Lima (SENAC / Bolsa SENAC)orientação: Prof. Ms. Ricardo Luis Silva (SENAC)

Este estudo, ainda em desenvolvimento, é parte integrante da linha de pesquisa Cidade Mapeada e tem por finalidade apresentar os procedimentos estéticos e ideológicos que permeiam as obras ci-nematográficas do início do século XX a partir do uso inventivo da câmera como mecanismo de apreensão da realidade e para entendimento do cotidiano da cidade. Investiga como a presença de tal mecanismo foi incorporado pelos artistas de vanguarda, que passaram a utilizá-la experimen-talmente, a fim de refletir e criticar seu tempo e a construção histórica da observação da cidade em transformação, a partir das experiências de László Moholy-Nagy (1895-1946). Moholy-Nagy foi designer, fotógrafo, pintor e professor de design, conhecido por ter sido docente na escola alemã Bauhaus. Paralelamente à docência, desenvolvia filmes ex-perimentais, teatro, desenho industrial e publici-tário, fotografia e tipografia, pintura e da escultura. Era forte defensor da integração de tecnologia e ciência nas artes e sua visão global foi fundamen-tal em duas das mais importantes escolas do século XX, a Bauhaus e o Chicago Institute of Design. A criação de novas relações humanas e artísticas e a tradução da utopia em ação são alguns dos princí-pios seguidos por Moholy-Nagy. Os principais ob-jetivos da pesquisa são: entender e investigar como o artista registra e documenta o cotidiano da cidade a partir de análises das obras Berliner Stilleeben (1926), Impressionen vom altem Marseiller (1929) e Gross-Stadt Zigeuner (1932); buscar compreender o fazer cinematográfico em paralelo com a socie-dade e como ela está intimamente ligada à metró-pole; analisar os procedimentos estéticos e ideoló-gicos que permeiam as obras; compreender como a produção cinematográfica de Moholy-Nagy con-tribuiu para a fisionomia da metrópole, entenden-do que suas experiências lançaram bases para uma nova forma de retratar a cidade por meio do cinema.

4. A recepção do III salão de maio entre movi-mentos artísticos brasileirosOlívia Mendes Tavares (EC / Bolsa IC - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC e Pinacoteca-SP)

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Para refletir sobre o movimento moderno e abs-tracionista no Brasil, propomos aproximarmo-nos do início do movimento brasileiro elucidando as ligações entre os movimentos, para então com-preender a recepção pelo meio artístico brasileiro das obras, artistas e ideias que tomaram essa ini-ciativa. Partindo das ideias e propostas gestadas durante a Semana de Arte Moderna em São Paulo no ano de 1922 e através da análise da Revista Anual do Salão de Maio (RASM), de artigos de jornais e revistas da época, e textos publicados por críticos de arte, pretende-se entender o III Salão de Maio como movimento artístico. Pois se torna extremamente importante compreender o porquê dos artistas e das obras expostas, e qual a relação de Flávio de Carvalho e dos demais artistas com a arte brasileira que estava sendo produzida à época. O III Salão de Maio começou com um espírito de ruptura em sua organização. Flávio de Carvalho, até então, participava apenas da comissão organi-zadora. Duas grandes diferenças pontuam esse último Salão: o grupo de expositores estrangeiros e a publicação de uma revista junto com o catálo-go. A RASM, como ficou conhecida, além do impor-tante manifesto, fazia um verdadeiro balanço histórico da arte moderna no Brasil, através de textos de artistas significativos do movimento. A escassez de documentos e arquivos que possam servir de base dificultam sobremaneira o resgate da história da arte brasileira. A dispersão das obras têm sido fatores que colaboram para a pobreza de nossa história.

5. Experiência, espaço, desenho: um olhar para a obra de Lina Bo Bardi e os NeoconcretosPedro Feris Araujo (EC / Bolsa PE - Conselho Científico EC)orientação: Pro. Dr. Gilberto Mariotti (EC)

Este trabalho se estrutura a partir do desenho experimental que pretende investigar, através de uma produção plástica, a experiência espacial e visual nas obras da arquiteta Lina Bo Bardi. Esta pesquisa lança um olhar sobre as inovações formais trazidas pelos principais atores do Neoconcretismo e como suas intenções dialogam com a busca de experiências presentes na obra da arquiteta ítalo--brasileira. Além da pesquisa bibliográfica, leitura de catálogos e crítica acerca do movimento neo-concreto e dos trabalhos de Lina Bo Bardi, esta investigação explorará referencias contemporâ-neas e autores que tratam o fazer do desenho, a fim de refletir sobre as possibilidades de compo-sição e linguagem capazes de propor situações

para o olhar a partir da produção plástica. Como meio para refletir e concentrar os resultados desta investigação serão produzidos uma série de tra-balhos plásticos, envolvendo técnicas mistas, com o objetivo de contemplar toda a discussão aborda-da e uma produção de um conjunto de desenhos como síntese da pesquisa.

MESA 11Arquitetura e identidades construídas ou imaginadascomentário: Profa. Dra. Maria Lucia Bressan Pinheiro (FAU-USP)coordenação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC)

1. A Mesquita de Santo Amaro como represen-tação da cultura árabe em São PauloHenrique Garcia Prado (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Touri-nho (USJT)

A partir do século XIX (século XIII islâmico) começou um grande fluxo de imigrações árabes para as Américas, incluindo o Brasil, após um conflito interno que abalou a estrutura das famílias mulçumanas que não tinham mais forças para reconstruir uma nação pacífica e reorganizar seu território com o domínio do Império Otomano. Essas imigrações, principalmente de sírio-libaneses (até meados do século XIX, Síria e Líbano compu-nham uma única nação), são de suma importância para o Brasil, mais especificamente para a cidade de São Paulo, que agrega uma grande parcela de mulçumanos fora dos países do Oriente Médio. Em São Paulo os libaneses se instalaram principalmen-te na região da Rua 25 de Março (parte central da cidade) e seu principal meio de rendimento pro-vinha da comercializção de produtos, basicamen-te dos tecidos. Os primeiros estudaram na escola árabe de Yázigi - termo que significa escritor na língua portuguesa e que designava a família Síria no tempo de dominação Otomana - e, à medida que enriqueciam, investiam seus capitais na compra de terrenos e na construção de edifícios. Podemos notar influências da arquitetura árabe em alguns edifícios da capital paulista, tais como, nas casas da família Jafet no Ipiranga, no Palácio das Indústrias no Parque D. Pedro e em elementos presentes na mesquita situada em Santo Amaro, objeto de estudo desta pesquisa. A Sociedade Be-neficente Muçulmana em Santo Amaro, fundada

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em 1977, possui autoria desconhecida, e é uma das cinco instituições de representatividade religiosa islâmica presentes no município de São Paulo. Sua arquitetura resguarda um interior repleto de cores fortes e mosaicos compostos por azulejos (elemen-to constante da arquitetura árabe). Embora o edi-fício não apresente grande excepcionalidade ar-tística - no sentido de não ser uma grande obra de arquitetura -, sua utilização como mesquita pode expor a relevância que esta instituição deve repre-sentar para a sociedade islâmica e para a cultura e história de São Paulo. Também, ao tratar de uma tipologia única, a mesquita - o templo tradicional do mundo mulçumano e da religião do Profeta Maomé -, abordaremos um problema atual, a per-cepção do Oriente Médio no Ocidente em tempos de guerra, de terror e de ódio inter-racial e inter--religioso.

2. A obra residencial de Severiano Porto em Manaus: levantamento e análise comparativaIsabella De Bonis Silva Simões (EC / Bolsa VE - Conselho Científico EC)orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC e FAU-USP)

A presente pesquisa foi formulada com a intenção de estudar a obra de Severiano Porto, arquiteto formado pela FNA (Faculdade Nacional de Arqui-tetura, atual UFRJ) em 1954 e radicado em Manaus de 1966 a 2003, intervalo de tempo em que manteve um escritório produtivo que fez cerca de 280 pro-jetos. Severiano trouxe do Rio de Janeiro sua for-mação moderna e aplicou-a na Amazônia conso-lidando uma estética própria, em que materiais e técnicas estavam de acordo com o clima, a cultura e outras especificidades da região. Com essa pro-dução que se diferenciava por contemplar carác-teres regionais, Severiano se destacou no cenário latino-americano. Nesse contexto, essa pesquisa tem como objetivo investigar sua produção a partir das obras cotidianas que trouxeram prestígio e longevidade para seu escritório, essas obras ainda são pouco conhecidas e pesquisadas, podendo contribuir para um entendimento mais amplo sobre sua produção. Pela quantidade de projetos do escritório e pela diversidade dos programas realizados, essa pesquisa decide focar na obra residencial unifamiliar do arquiteto, que soma 55 residências. Dessas residências foram levantadas poucas informações, e não se sabe as que de fato foram construídas, as que já foram demolidas ou o estado atual em que se encontram. Dessa maneira, essa pesquisa pretende levantar esses projetos no

acervo pessoal de Severiano, que foi doado ao Núcleo de Pesquisa e Documentação da UFRJ, para poder começar a mapear e criar fichas que sinte-tizem informações sobre cada uma dessas residên-cias, atentando para: o nome e ano do projeto, o cliente que o encomendou, a inserção urbana, as técnicas construtivas, os materiais utilizados, os detalhamentos e a composição arquitetônica. Esse método de estudo contribuirá para a organização das informações levantadas e possibilitará uma análise crítica seriada dessa produção.

3. Modernos e brasileiros: o diálogo do Brasil Arquitetura com o trabalho de Lina Bo Bardi e Lucio CostaLuana Espig Regiani (FEC-UNICAMP / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Silvana Rubino (IFCH-UNICAMP)

A obra de um escritório de arquitetura pode ser vista através de posturas e referências que de forma recorrente estão presentes nos projetos. Quando o assunto é arquitetura brasileira, podemos pensar que ela estabelece seus referenciais tanto na his-tória colonial e na experiência vernacular dos seus habitantes, quanto nos precursores modernos na-cionais e internacionais. Refletindo sobre essas questões, pode-se perceber no escritório Brasil Arquitetura uma obra rara. Neste contexto, bus-ca-se analisar o Brasil Arquitetura sob a ótica da-queles que julgamos ser parte importante na cons-trução dos alicerces do escritório: Lina Bo Bardi e Lucio Costa. “Buscamos em Lucio Costa o que ele filtrou e depurou da arquitetura do Brasil colônia e, em Lina, sua capacidade de atuar em múltiplas disciplinas, sem se submeter ao tempo linear his-tórico, e nem às limitações geográficas” (FERRAZ, 2011, p.30). Para encontrar as diversas linhas de diálogo do Brasil Arquitetura com Lucio Costa e Lina Bo Bardi, a pesquisa procurou permear o saber e o fazer arquitetônico do trabalho dos ar-quitetos. A metodologia adotada se mostrou essen-cial para uma compreensão multissensorial. Além da revisão bibliográfica, foram feitas visitas de campo em projetos selecionados, vivenciando-os em diferentes contextos brasileiros, passando pela Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul. As viagens tiveram como resultado a produção de um diário, com registros escritos e desenhados. Outro ponto fundamental foram as entrevistas com os arqui-tetos fundadores do Brasil Arquitetura. Também fez parte da metodologia, a construção de maque-tes representando as diferentes escalas de atuação

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do Brasil Arquitetura e a análise destes projetos dentro do tema estudado. O trabalho desenvolvido está em uma monografia, disponível em meio digital (https://issuu.com/luanaregiani/docs/luana_espig_modernos_e_brasileiros_), onde buscou-se traduzir gráfica e textualmente a experiência pro-porcionada pela imersão na pesquisa. Estudar Lina Bo Bardi e Lucio Costa nos faz perceber encami-nhamentos arquitetônicos que transcendem o Moderno e chegam ao presente. Neste presente está o Brasil Arquitetura e suas conversas. Fran-cisco Fanucci e Marcelo Ferraz absorvem, digerem e transformam influências externas, respeitando e estabelecendo conexões com a memória, a cultura local e seus protagonistas. Assim, os projetos propõem soluções a demandas humanas universais de relacionamento e comunicação, mas conside-rando uma maneira própria de estar no mundo, que busca no país de origem a matéria-prima do trabalho. Realizam uma arquitetura brasileira contemporânea, mantendo o diálogo com aqueles que são parte importante na construção das ações dos arquitetos.

4. Latin American Architecture since 1945: história e historiografiaLaura Levi Costa Sousa (EC / Bolsa FAPESP)orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC)

A presente pesquisa dedica-se ao estudo sistemá-tico e aprofundado da publicação de Henry-Russel Hitchcock Latin American Architecture since 1945 - catálogo da exposição de mesmo nome realizada em 1955 no Museu de Arte Moderna de Nova York - buscando entender seus sentidos históricos e historiográficos. O MoMA surge em 1929 como fruto de diversos interesses, tanto nacionais - no que diz respeito à cultura, política e economia - quanto internacionais, “sob a alegação de que a arte do período não estava recebendo representa-ção adequada pelas instituições existentes a ela destinadas (Museum of Modern Art Architectural Exhibition, 1931, s.p.). A comissão fundadora então, idealizaria o Museu como uma tentativa de abraçar os tempos modernos e propor uma revisão à crítica e à produção da arte. Tomando-se como premissa a imigração de arquitetos Europeus para os Estados Unidos em decorrência da Primeira Guerra e da Revolução Russa, somada à introspecção dos países Europeus, preocupados em se reconstruírem, os Estados Unidos puderam gradualmente se impor e competir com as capitais artísticas europeias, na tentativa de afirmarem-se como potência econô-

mica, política e cultural. Para alcançar essa hege-monia, era necessário contornar as críticas exis-tentes no momento e reestabelecer os conceitos das correntes artísticas modernas em vigor, na busca de uma linguagem compatível aos novos tempos. Seria necessário também adaptar tais linguagens a um contexto americano, uma vez que a indiferença às culturas e climas locais das van-guardas seriam progressivamente postas em dis-cussão - sobretudo após a segunda guerra mundial. Nesse contexto, o governo norte-americano percebe novos possíveis aliados: países periféricos do Ter-ceiro Mundo, em especial, a América Latina, através da chamada “Política da Boa Vizinhança”. O projeto entende que a propagação cultural funciona como estratégia política de atuação dos Estados Unidos nesse contexto e que o Museu, desde sua fundação, funciona como ferramenta essencial dessa política externa dos Estados Unidos. Como iniciativa de um plano de construção de alianças, a instituição começa a olhar para a arte latino-americana, o que é documentado pela publicação The Latin American Collection of The Museum of Modern Art, em 1943, seguida de outras exposições focadas na arte e arquitetura latino-americanas, recheadas de exal-tações e elogios a respeito da “outra cultura”, como novo conceito artístico e nova possibilidade de linguagem do modernismo em revisão. Por um lado, busca-se entender a exposição de 1955 e a consequente publicação no âmbito tanto de ques-tões afeitas ao campo disciplinar da arquitetura e à revisão que o modernismo sofrerá no segundo pós-guerra, quanto de aspectos mais amplos de cunho político e cultural. Por outro lado, procura--se entender o discurso ali construído e que se difundirá como visão da arquitetura moderna latino-americana. Assim, não apenas as escolhas feitas pela curadoria, mas também a conjuntura social, histórica e política do MoMA - no que diz respeito ao seu poder de divulgação e criação de uma nova crítica à arte moderna e a suas conexões diretas com a Política de Boa Vizinhança então em curso - passam a ser aspectos centrais para o de-senvolvimento da pesquisa. O projeto tenta enten-der os interesses por trás do filtro norte-america-no ao vender a arte e arquitetura latino-americanas para o mundo, e para isso é necessário entender os discursos e os arquitetos apresentados no catálogo de Hitchcock, de forma costurada ao contexto em que foi publicado.

5. Habitação social e identidade nos Congres-sos Panamericanos de ArquiteturaBruna Carolina de Souza Pereira

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(FEC-UNICAMP / Bolsa PIBIC-CNPq)orientação: Profa. Dra. Josianne Francia Cerasoli (IFCH-UNICAMP)

Este projeto tem como propósito o estudo da ha-bitação social, aliado à percepção de um repertório identitário da América, a partir dos Congressos Pan-americanos de Arquitetos referentes ao período entre 1920 e 1930. Através da análise de bibliografia relacionada ao tema, objetivou-se com-preender a problemática habitacional no Brasil, principalmente, por um viés histórico, político, econômico e cultural, posto que a crise de moradia era uma preocupação pertinente a todos os setores da sociedade, embora por motivos distintos e de-lineados por concepções higienistas e moralizantes. Profissionais, como sanitaristas, médicos, arquite-tos e engenheiros, se mobilizaram para encontrar soluções cabíveis às condições miseráveis em que se ocupavam as habitações operárias, como case-bres e cortiços, e ao contexto de epidemias que se propagavam, sobretudo a partir de cidades por-tuárias. Nessa medida organizaram-se congressos que tratavam, sobretudo, da habitação operária e dos problemas de salubridade a ela vinculados. Definiram-se então medidas e resoluções, especial-mente de cunho técnico, que nortearam o pensa-mento sobre a habitação popular das décadas se-guintes. Desses encontros, pode-se citar o Congresso de Habitação de São Paulo (1931) e os Congressos Pan-americanos de Arquitetura, do qual vários países da América Latina participaram a partir de 1920. É dessa maneira, então, que são propostos padrões de construção para baratear as casas e que se difundiu a importância dessas mo-radias como instrumento de controle social. É preciso destacar, enfim, que este resumo objetiva apontar que os programas habitacionais no Brasil não têm priorizado modos distintos de sociabilidade e moradia, mas sim o controle e a subordinação do modo de vida das populações, sobretudo trabalhadores. Desse modo se evidencia que a destruição de cortiços e expulsão dos pobres do centro urbano são reflexos de uma preocupação “social” modelada por interesses secundários, o que também se reflete na consolidação de propos-tas políticas e ideológicas, cujo propósito não tinha por base amparar tais setores da sociedade. Neste ponto a habitação operária passa a ser uma preo-cupação para classes dominantes quando o medo das aglomerações e epidemias, associadas a este tipo de moradia, desolam a cidade e ameaçam os bairros ricos. Ainda assim, as medidas tomadas pelo governo são sempre parciais, favorecendo os

mais abastados, e reafirmando um discurso intran-sigente e discriminatório em relação às habitações e seus moradores. Os casebres, cortiços e casas de cômodos são, então, pulverizados, invadidos, de-sinfectados e, muitas vezes, queimados, sem que propostas de construção de novos abrigos fossem articuladas na mesma proporção. É preciso lembrar que o pensamento médico, sanitarista e a arquite-tura progressista atribuíam ao meio ambiente a qualidade de agente transformador de indivíduos, de tal maneira que à casa operária serão anexados conceitos de higienização e moralização dos mo-radores (como maneira de suprimir a promiscui-dade dos cortiços). É neste rumo que seguem as propostas para habitações econômicas, sendo construídas vilas operárias, conjuntos habitacio-nais e, por fim, casas unifamiliares: o modelo ideal de habitação, posto que é individual, higiênica e disciplinar. Portanto, é através da manipulação dos espaços, do meio ambiente que se pretende “adequar” o proletariado à civilização moderna.

MESA 12Trabalho, trabalhadores e memóriacomentário: Profa. Dra. Ana Lanna (FAU-USP)coordenação: Prof. Dr. Eduardo Costa (EC e IFCH-UNICAMP)

1. Patrimônio ferroviário na cidade de São Paulo: a importância da linha Santos-Jundiaí para os bairros do TamanduateíPaloma Silva Viana (USJT / Programa PIVIC-USJT)orientação: Profa. Dra. Andréa de Oliveira Touri-nho (USJT)

A partir do estudo da urbanização dos bairros industriais de São Paulo e da relação que as pri-meiras ocupações industriais estabeleceram com a linha férrea a partir do final do século XIX, a pesquisa pretende verificar o tratamento que tem sido dado à discussão sobre a preservação do pa-trimônio ferroviário e industrial nos processos de tombamento e estudos realizados pelos órgãos de preservação do patrimônio histórico na cidade de São Paulo. Dada a relevância da ferrovia e indús-tria na consolidação da cidade de São Paulo, diver-sos imóveis de uso originalmente ferroviário e industrial são considerados patrimônio cultural, sendo reconhecidos através do tombamento. O recorte estudado se refere a área compreendida no perímetro da Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí, anteriormente denomi-nada Operação Urbana Consorciada Mooca - Vila

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Carioca, que é marcada pela passagem da linha férrea e ocupação industrial nas áreas lindeiras a ela. A pesquisa parte da análise de mapas e pes-quisa bibliográfica. Através da comparação, pre-tende-se verificar se o patrimônio industrial e ferroviário é visto como uma unidade ou se é dis-sociado em seu reconhecimento na paisagem dos bairros. A atual separação entre indústria e ferro-via nos tombamentos pode descaracterizar o pa-trimônio, pois desconsidera a estreita relação que existe entre eles, observada na configuração urbana dos bairros e na implantação dos galpões industriais. Esses bens poderiam ser considerados em conjunto, respeitando a história do lugar. Nesse sentido, considerar a integração entre ferrovia e indústria é a melhor forma de entender o patri-mônio como uma paisagem cultural. Verifica-se com a pesquisa que os estudos que subsidiam o tombamento e o restante da bibliografia consulta-da que a relação entre a linha férrea e indústria é reconhecida, no entanto, na efetiva proteção dos bens, são poucos os processos que abrangem tanto o patrimônio ferroviário quanto o industrial. Em sua grande maioria, o patrimônio é dissociado.

2. Inventário das Arquiteturas do Patrimônio Cultural Ferroviário na Associação dos Municí-pios da Região Carbonífera - AMRECLays Juliani Hespanhol e Alice Bortoluzzi (UNESC / Bolsa PIC-SC)orientação: Profa. Ms. Aline Eyng Savi (UNESC)

O Patrimônio Cultural Material é aquele que por hábito chamamos de Patrimônio, tudo aquilo que o homem ao interagir com o meio em que vive e usando os conhecimentos adquiridos, fabricou ou construiu ao longo de sua existência. Desde o século passado, os trilhos foram responsáveis por desenhar as cidades e ainda fazem parte da paisagem cons-truída. Esta por sua vez, é um bem cultural, que destaca a percepção do território, a relação do in-divíduo com seu meio. O Patrimônio Cultural Fer-roviário vem sendo estudado pelo IPHAN há pelo menos uma década, por meio de pesquisas e busca de conhecimento. A Lei Federal número 11.483, de 31 de maio de 2007, atribuiu ao Instituto a respon-sabilidade de receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), bem como zelar pela sua guarda e manu-tenção. Desde então, o Instituto avalia, dentre todo o espólio oriundo da extinta RFFSA, quais são os bens detentores de valor histórico, artístico e cul-tural. Afinal, muitos municípios brasileiros surgi-

ram e muitas regiões se desenvolveram, em função das ferrovias e de suas estações. Nessa perspectiva, a região sul do Estado de Santa Catarina teve muitas de suas cidades desenvolvidas às margens da Fer-rovia Dona Tereza Cristina, ligada à extinta RFFSA. Ela teve como atividade principal a exploração de serviços de transporte ferroviário de carga, espe-cialmente o carvão mineral, produzido no sul do Estado de Santa Catarina, e destinado à geração de energia termelétrica. Consolidada a primeira linha férrea, construíram-se ramais para alcançar Cri-ciúma, Urussanga e redondezas onde aflorava o carvão. Na cidade de Criciúma, a ferrovia ajudou a desenhar o traçado urbano. A principal ligação da cidade - Avenida Centenário - foi projetada no local onde passava o ramal férreo. Ainda hoje, os trilhos e o apito do trem fazem parte do cenário de alguns bairros da cidade. Essa mesma paisagem pode ser encontrada em outros municípios que faziam parte do ramal sul da Ferrovia. Ignorar o patrimônio cultural ferroviário, deixando-o esque-cido na história das cidades é perder parte impor-tante dos monumentos que ajudaram a criar o cenário de crescimento e desenvolvimento de uma região. A primeira ação para que isso não aconteça é inventariar arquiteturas, de modo a gerar dados permanentes. É fundamental gerar documentação acerca dos bens patrimoniais, permitindo o conhe-cimento de sua existência e a preservação das in-formações. Reunir dados que contextualizem, na história e no território, os bens que são objetos de estudo. Organizar as informações provenientes de universos culturais temáticos ou territoriais, sejam eles pertencentes ou não da lista apresentada. Sabendo disso, o resumo apresenta o projeto de iniciação cientifica cujo objetivo é: elaborar um registro amplo da arquitetura do Patrimônio Cul-tural Ferroviário pertencente à Ferrovia Tereza Cristina na região da AMREC. A construção do in-ventário do patrimônio cultural ferroviário é uma etapa inicial e indispensável no processo de regis-tro de bens culturais, trabalho necessário no sentido de incentivar a preservação dos mesmos e viabili-zar ações municipais nesse sentido.

3. Chafarizes e a memória da escravidão em São PauloArtur Santoro (FFLCH-USP / Estágio em pesquisa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos (EC) e Prof. Dr. José Guilherme Magnani (FFLCH-USP)

Esta linha de pesquisa parte de um questionamen-

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to da historiografia tradicional sobre São Paulo, a saber, qual é o lugar da população escravizada na constituição da cidade e da sociedade paulista. Em função do uso mais numeroso de mão de obra escrava em outras porções da América portuguesa, destacadamente no nordeste açucareiro, e das im-portantes alianças estabelecidas entre colonos por-tugueses e grupos indígenas na região do atual estado de São Paulo, a escravidão foi, por muito tempo, tema secundário nas pesquisas históricas acerca desse território. Da mesma forma, após a abolição da escravatura, as frequentes ações de exclusão da população recém-liberta, especialmen-te com a inclusão massiva de imigrantes europeus nos novos postos de trabalho criados, contribuíram para solidificar o obscurecimento da população negra nas narrativas e representações sobre a São Paulo do progresso. A partir dessas constatações, propomos nesta linha de pesquisa resgatar as me-mórias da presença da escravidão e da população escravizada na cidade, tomando como objeto central os chafarizes, originalmente construídos como elementos da infraestrutura urbana. Presentes desde o período colonial e extintas no decorrer do século XX, essas construções delimitavam espaços de convivência e sociabilidade de pessoas escravi-zadas, uma vez que cabia a elas a tarefa de buscar água. Os chafarizes e seus arredores eram vistos pelas elites locais e pelo policiamento da cidade como áreas com grande potencial para “vadiagem”, brigas, confusões e até mesmo para o planejamen-to de rebeliões, por serem locais privilegiados para o encontro dos grupos escravizados e de pessoas livres e pobres. Tendo como mote a modernização dos sistemas de abastecimento de água - principal-mente por meio da implementação de encanamen-tos -, os chafarizes deixaram de ser essenciais e foram paulatinamente extintos, restando apenas aqueles de função contemplativa ou paisagística. A partir desse escopo, buscaremos reconfigurar a inserção da população negra na formação da his-tória paulista e retomar a escravidão como tema de pesquisa dentro desse recorte. Entendemos ainda que o apagamento do trabalho escravo e dessa população na historiografia paulista resulta, entre outras coisas, numa maior vagueza acerca do en-tendimento contemporâneo de “trabalho análogo à escravidão”, cuja definição legal encontra-se atualmente em disputa e para a qual nossa pesqui-sa almeja também contribuir.

4. Análise qualitativa da vila operária da Companhia Antarctica PaulistaDenis Jesus Mignoli (USJT / Programa RIC-USJT)

orientação: Profa. Dra. Ana Paula Koury (USJT e IEB-USP)

A Vila Operária da Companhia Antarctica Paulista é uma das várias habitações operárias do começo do século XX na região leste da Cidade de São Paulo. Ela é pouco citada e está inserida em uma das maiores empresas de cervejaria do século passado. Tem por objetivo essa pesquisa demonstrar possí-veis benefícios da presença dessas vilas na fábrica; recuperar seu significado e consequentemente recuperar uma identidade cultural para o bairro; acrescentar um novo elemento a narrativa histó-rica das habitações operárias em São Paulo. A pesquisa realizará levantamento documental e sua análise qualitativa. A metodologia utilizada é baseada em: leitura de periódicos e relatórios feitos pelos higienistas sobre as vilas operárias da época, retirados da Hemeroteca Mario de Andrade; con-sulta ao acervo da empresa; levantamento e leitura de títulos relacionados ao tema; perfil social do dono da empresa, comparações com outras vilas (Vila Maria Zélia- Belenzinho); pesquisa qualitati-va com antigos moradores; pesquisa pelas plantas da cidade de São Paulo da época; fotos áreas cedidas pela EMPLASA; levantamento documental de plantas no Arquivo Histórico Municipal de São Paulo. O presente trabalho analisará a Vila Operá-ria da Companhia Antarctica Paulista e seus pos-síveis benefícios com seus operários. A Vila Ope-rária em questão possuía 36 casas, 65m² cada de área construída, junto à Avenida Presidente Pru-dente e era destinada aos operários mais especia-lizados. Atualmente a vila operária se encontra demolida, motivos estes que não foram encontra-dos. Através da análise qualitativa com os antigos moradores foi obtido um significado à vila, iden-tidade cultural forte com o espaço e função social do ambiente, caracterizando uma agregação do recinto. Estes pré-resultados demonstram que a vila operária, juntamente com a fábrica, possui forte presença na memória de seus antigos mora-dores e revela grande oportunidade de incremen-tar a narrativa do bairro e das habitações operárias de São Paulo com um novo ponto de vista. Outro resultado obtido através da pesquisa da história da Companhia é o destaque da Fundação Antônio e Helena Zerrenner, que ofereceu assistência social completa aos seus empregados, operários e fami-liares, reforçando o papel pioneiro desta empresa e sua capacidade de cooperação entre dirigentes e dirigidos.

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5. Etnografia do canteiro e a cultura do traba-lho escravoJuliana Barbosa (FIAM-FAAM / Estágio em pesqui-sa Projeto Contracondutas - EC)orientação: Prof. Ms. Pedro Lopes (EC), Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos (EC) e Prof. Dr. José Eduardo Baravelli (FIAM-FAAM)

A partir do flagrante de 111 pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão no canteiro de obras em Guarulhos, esta linha de pesquisa propõe explorar os encontros e relações entre a antropo-logia e a arquitetura, por meio da aproximação teórico-metodológica entre ambos os campos na realização de pesquisa etnográfica. O diálogo com a antropologia vem sendo bastante invocado nos espaços de pesquisa e atuação da arquitetura e do urbanismo, marcadamente em debates que envol-vem a observação de contextos localizados. Nesse campo disciplinar, orientações teórico-metodoló-gicas possibilitam uma aproximação com relações sociais encarnadas, o que oferece importantes sub-sídios ao trabalho reflexivo e propositivo da arqui-tetura. Compreendendo também outros potenciais recortes que investiguem a relação entre esses campos, o que esta pesquisa propõe é voltar a atenção para as pessoas que trabalham em grandes canteiros da construção civil, tendo como objeto inicial as obras para o novo terminal do aeroporto de Guarulhos. A precarização do trabalho encon-trada nos canteiros de obras das grandes empresas construtoras brasileiras exige um esforço da ativi-dade de pesquisa que ultrapassa a militância contra a condição análoga à escravidão encontrada em meio rural e em atividades extrativistas. É preciso pesquisar a inserção produtiva deste trabalho pre-cário num novo patamar de atividade econômica, caracterizado pelo domínio da tecnologia organi-zacional e pelos sistemas de gestão de matriz in-dustrial, mantendo-se a etnografia como norte teórico-metodológico. A abordagem proposta segue as pesquisas antropológicas de Alain Morice, cen-tradas nos processos de submissão social e cultural dos trabalhadores que ocupam a base produtiva destes grandes canteiros - peões, serventes e aju-dantes de obras - desta vez como trabalhadores sub-empreitados e submetidos a sistemas de gestão de qualidade e procedimentos de controle e medição de serviços. Caminhando nessa direção, esta pes-quisa estrutura-se a partir de dois objetivos centrais: (1) Identificar os sistemas de gestão de qualidade e os procedimentos de controle e medição de ser-viços sub-empreitados que forma utilizados nas obras de construção do novo terminal do aeropor-

to de Guarulhos; e (2) analisar através de estudo dos processos trabalhistas e entrevistas seleciona-das como estes sistemas e procedimentos de con-trole da produtividade atuaram sobre os 111 tra-balhadores desse canteiro de obras que foram flagrados em condição análoga à escravidão. Espe-ra-se que os resultados finais configurem um re-gistro que venha a se tornar referência para novas pesquisas dentro desses moldes, e também contri-buindo para a consolidação da interface entre ar-quitetura e antropologia na Escola da Cidade e suas parcerias com outras instituições.

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Profa. Dra. Ana CastroPossui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1997), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2005) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é professora doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - USP, Membro de corpo editorial da Revista Negativo e da revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade. Tem experiência na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase em fundamento sociais da arquitetura e urbanismo. Atuando principalmente nos seguintes temas: cidade, história, historiografia, cultura urbana, São Paulo e América Latina.

Profa. Dra. Ana LannaPossui graduação em Ciências Sociais pela Univer-sidade Federal de Minas Gerais (1980), mestrado em História pela Universidade Estadual de Cam-pinas (1985), doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1994) e pós-doutora-mento na Univ. Paris IV- Sorbonne (2001). Atual-mente é professora titular da Faculdade de Arqui-tetura da Universidade de São Paulo. Foi diretora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Uni-versidade de São Paulo (2006-2010) e Presidente do CONDEPHAAT (2013-2015). Tem experiência na área de história, com ênfase em história do Brasil, atuando principalmente nos seguintes temas: his-tória das cidades, patrimônio cultural, arquitetura, história urbana e história social. Coordenadora do Projeto Temático FAPESP São Paulo: os estrangei-ros e a construção da cidade.

Profa. Dra. Beatriz Kara JoséFormada Arquiteta e Urbanista pela Universidade de São Paulo (1997), mestre em Estruturas Ambien-

Professores convidados

tais Urbanas (2005) e doutora em Planejamento Urbano e Regional (2010) pela Faculdade de Ar-quitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Atualmente é professora de desenho urbano e planejamento urbano no bacharelado de Arqui-tetura e Urbanismo do Centro Universitário Senac. Tem experiência na área de arquitetura e plane-jamento urbano, atuando principalmente nos se-guintes temas: habitação, reabilitação urbana, intervenções em áreas centrais e políticas interse-toriais voltadas para superação da vulnerabilida-de sócio-espacial.

Prof. Dr. Caio Santo AmoreProfessor Doutor no Departamento de Tecnologia da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Uni-versidade de São Paulo, instituição onde se graduou (1997) e obteve os títulos de mestre em Estruturas Ambientais Urbanas (2005) e doutor em Planeja-mento Urbano e Regional (2013). Arquiteto e ur-banista associado da ONG de Assessoria Técnica Peabiru - trabalhos comunitários e ambientais desde 1998. Tem experiência na área de arquite-tura e urbanismo, com ênfase em ensino superior e em projetos de arquitetura, planos e estudos urbanísticos, coordenação de equipe, atuando so-bretudo em temas ligados à habitação de interes-se social, áreas de urbanização precária e assesso-ria técnica a movimentos sociais e populares.

Profa. Dra. Glória KokPossui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1988), mestrado em História Social pela Universidade de São Paulo (1993), doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1999) e pós-doutorado junto ao Departamento de Antropologia da UNICAMP (2006-2011). Atualmen-te é pesquisadora do Laboratório de Arqueologia

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dos Trópicos e pós-doutoranda do Museu de Ar-queologia e Etnologia da USP (2013). Pesquisa nas áreas de história colonial, antropologia, história indígena, história de São Paulo e história da ocu-pação da Amazônia.

Prof. Dr. José Eduardo BaravelliPossui graduação, mestrado e doutorado em Ar-quitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, além de graduação em Filosofia pela Uni-versidade de São Paulo. Realizou estágio de pes-quisa no Hunter College/CUNY e na GSAPP/Colum-bia University com apoio da Capes e da Comissão Fulbright do Brasil. É arquiteto associado do Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado (USINA), pesquisador-colaborador do Laboratório de Habi-tação e Assentamentos Humanos (LabHab / FAU-USP) e professor da FIAM-FAAM e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Tem experiência em projeto de edifica-ções e infraestrutura urbana, atuando principal-mente nos seguintes temas: tecnologia da arquite-tura, habitação social e assentamentos informais.

Profa. Dra. Maria Lucia Bressan PinheiroPossui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1980), mestrado em Arquitetura e Urbanismo (1989) e doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas (1997) pela Universidade de São Paulo. Atualmente é profes-sora doutora da Faculdade de Arquitetura e Urba-nismo da Universidade de São Paulo e coordena-dora geral do projeto “Plano de Gestão de Conservação para o Edifício Vilanova Artigas”, que conta com recursos do programa Keeping it Modern, patrocinado pela Fundação Getty. Foi diretora do Centro de Preservação Cultural-CPC da USP (2006-2010). Tem experiência na área de arquitetura e

urbanismo, com ênfase em história e preservação da arquitetura brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: história da arquitetura bra-sileira e preservação do patrimônio cultural.

Profa. Dra. Marta BogeaPossui graduação em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (1987), mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pon-tifícia Universidade Católica de São Paulo (1993) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Uni-versidade de São Paulo (2006). Atualmente é pro-fessora doutora no Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Tem experiência na área de arquitetura e arte, com ênfase em teoria e projeto, atuando principal-mente nos seguintes temas: arquitetura, arte, cidade contemporâneas.

Profa. Dra. Paula SantoroArquiteta e urbanista, professora do Departamen-to de Projeto da FAUUSP, atualmente coordena projeto observaSP junto ao LabCidade FAU-USP. Graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urba-nismo da Universidade de São Paulo (1997), mestre em Estruturas Ambientais Urbanas, FAU-USP (2004) e doutora em Habitat, FAU-USP (2012). Fez parte do doutorado na Universidade Politécnica da Ca-taluña (ETSAB-UPC) e cursou especialização em Política de Terras na América Latina pelo Lincoln Institute of Land Policy, Panamá (2007). Foi Assis-tente Técnica do Ministério Público do Estado de São Paulo nos temas Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (2011-2013) e trabalhou na cooperação brasileira com o Governo de Moçambique para elaboração da Política Nacional de Habitação (2009). Tem experiência na área de arquitetura e urbanismo, atuando principalmente nos seguintes

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temas: plano diretor, planejamento territorial, meio ambiente, urbanismo, plano urbano, gestão social da valorização da terra, mobilidade urbana, espaço público/ comum.

Profa. Dra. Sabrina Studart FonteneleDoutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanis-mo da Universidade de São Paulo na área de His-tória e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanis-mo (2008). Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará (2000) e mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2004). Funcioná-ria do Centro de Preservação Cultural da USP (CPC-USP) atuando na área de “Construções, conjuntos e sítios”. Desenvolve pesquisa de pós-doutorado no Instituto de Filosofia, Ciências Humanas da Unicamp. Tem experiência na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase em história da arquite-tura e urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: história da arquitetura, patrimô-nio histórico, restauro, arquitetura e restauração.

Profa. Dra. Silvana RubinoPossui graduação em Ciências Sociais pela Univer-sidade de São Paulo (1982), mestrado em Antropo-logia Social pela Universidade Estadual de Campi-nas (1992) e doutorado em Ciências Sociais pela mesma instituição (2002). É professora do Depar-tamento de História da Universidade Estadual de Campinas. Foi coordenadora da pós-graduação em História, IFCH-UNICAMP (2006-2008). Realizou estágio pós-doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales. É conselheira do Condephaat e no momento, termina a redação de sua tese de livre-docência a respeito de arquitetas do movi-mento moderno, uma pesquisa que vincula gênero e história da cultura.

Profa. Dra. Taisa PalharesProfessora de Estética no Departamento de Filo-sofia da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp). Possui graduação (1997), mestrado (2001) e doutorado em Filosofia (2011) pela Uni-versidade de São Paulo (USP). De 2003 a 2015 foi pesquisadora e curadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Realiza estudos nas áreas de estética e artes visuais, com ênfase na pesquisa sobre a fundamentação da obra de arte desde a moderni-dade. Atualmente desenvolve pesquisa sobre a percepção estética como jogo em Walter Benjamin e sua relação com a arte moderna e contemporânea.

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normas para a submissão de textos

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1. Condições Gerais

As colaborações (fluxo contínuo) serão sempre bem-vindas e apreciadas pelo conselho editorial, que avaliará a pertinência de sua publicação e encaminhará o texto para a avaliação de parece-ristas. A partir de seu terceiro número a revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade passará a receber além de artigos científicos, textos prove-nientes de pesquisa de caráter mais experimental que conformarão uma nova seção.

É responsabilidade do autor encaminhar textos de acordo com as normas estabelecidas pela revista, sob pena de não serem aceitos para publicação. Cabe à revista e seus editores adequar os textos originais ao seu padrão editorial, submetendo os artigos à revisão gramatical e de estilo, assim como estabelecer os prazos para publicação. O padrão de formatação tem por base as normas da Asso-ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), con-forme as orientações que se seguem.

As colaborações para publicação deverão ser encaminhadas através do e-mail: [email protected]

A Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade não se responsabiliza pela redação, nem pelas ideias emitidas pelos colaboradores e autores dos trabalhos publicados. Todas as submissões deverão ser acompanhadas de declaração assina-da segundo o modelo a seguir. Para trabalhos com mais de um autor, cada autor deve encaminhar uma declaração.

DECLARAÇÃO - REVISTA CADERNOS DE PESQUISA DA ESCOLA DA CIDADE

- Eu, (nome completo), CPF (número), RG (número), residente no endereço (endereço

completo), autorizo a revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade a publicar o artigo (título e subtítulo). Atesto como sendo expressão absoluta da verdade as seguintes afirmações: - Sou o único autor do artigo acima nomeado / Sou autor do artigo acima nomeado, em co-autoria com (nomes completos dos co-autores) [ESCOLHER UMA DAS DUAS ALTERNATIVAS]. - O artigo enviado para avaliação é inédito / foi publicado em (dados completos da publicação original) [ESCOLHER UMA DAS DUAS ALTERNATIVAS]. - Sou responsável exclusivo pela redação, ideias e opiniões presentes no artigo.- Assumo total responsabilidade pelas imagens utilizadas no texto, devidamente identificadas com fonte e crédito.

(Local e data)(Assinatura e nome completos do autor)

2. Formatação

Os arquivos devem ser encaminhados em formato .doc ou .docx. O texto deve apresentar título (even-tual sub-título) e nome por extenso do autor acom-panhado de nota de rodapé onde deverão constar as seguintes informações: formação acadêmica, titulação, vínculo institucional e endereço eletrô-nico. Os Artigos devem ter entre 30.000 e 75.000 caracteres (com espaço) e conter título, resumo (máximo de 300 palavras) e palavras-chave em português, inglês e espanhol. Caso o trabalho tenha obtido apoio financeiro de alguma instituição, esta informação deverá ser mencionada abaixo do nome do autor.

Normas para a submissão de textos

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Os textos deverão seguir o seguinte padrão: Formato A4 – Margens 2cm – Alinhamento justifi-cado – Parágrafo com espaçamento 6pt (sem tabu-lação) e entre linhas simples. Fonte Arial tamanho 11 (para textos e títulos) e 9 (referências bibliográ-ficas, notas e citações).

As notas explicativas e referências bibliográ-ficas deverão ser apresentadas ao final do texto.

3. Apresentação

3.1. Seções O texto deve seguir a ABNT NBR 6024/2003 (Infor-mação e documentação – Numeração progressiva das seções de um documento escrito – Apresenta-ção). As divisões do trabalho são numeradas com algarismos arábicos, sem utilizar qualquer outro sinal (ponto, parêntese ou travessão). O indicativo de seção ou de título deve ser escrito em negrito.

3.2. CitaçõesSeguem o padrão da ABNT NBR 10520/2002 (Infor-mação e documentação – Citações em documentos – Apresentação). Todos os textos citados devem constar na lista de referências. As citações diretas ou indiretas no corpo do texto devem seguir o sistema de chamada autor-data. As citações diretas com mais de três linhas devem ser formatadas em arial 9, entre linhas simples, recuo de 4cm da margem esquerda e sem aspas ou itálico.

3.3. Notas explicativasAs notas devem ser exclusivamente explicativas e deverão ser enumeradas sequencialmente, com algarismos arábicos. Todas as notas deverão ser listadas no final do trabalho, usando fonte arial 9.

4. Referências bibliográficas

Deverão seguir o padrão ABNT NBR 6023/2002 (Informação e documentação – Referências – Ela-boração). As referências devem ser listadas no final do trabalho, em ordem alfabética, utilizando fonte Arial 9.

5. Imagens

Serão aceitas entre 4 e 6 imagens para cada artigo, publicadas ao final dos textos. As imagens deverão assim ser numeradas e encaminhadas em formato .jpg, com resolução mínima de 300dpi (10x15cm), acompanhadas de documento .doc ou .docx com legendas que acompanhem a numeração. As le-gendas devem também conter obrigatoriamente informações sobre fonte e crédito das imagens.

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fontes Noto Sans e Noto Serifpapel alta alvura 90g/m2impressão Gráfica Flavio Motta2a Edição São Paulo Setembro de 2016tiragem 500

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ISSN 2447-7141