72
Entrevista: Paulo Sérgio Santos Encontro de Poços de Caldas e a ABCL CLARINETA nº3 junho 2017 www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

Revista da Associação ... · Clarinete Baixo: A dupla que dá ... “O bom músico deve tocar em ... o músico, quão bonito é o seu som, quão rápido ele pode tocar ou quão

Embed Size (px)

Citation preview

Entrevista:Paulo Sérgio Santos

Encontro de Poços de Caldas e a ABCL

Clarinetanº3 junho 2017

www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

47

17

28

36

46

52

56

64

66

67

Editorial

“O bom músico deve tocar em qualquer afinação”: Reflexões acerca da afinação na clarineta.por Fernando José Silveira

Variações Sobre Uma Velha Modinha de Osvaldo Lacerda: Estudo Técnico-InstrumentaI e Interpretativopor Alba Valéria Vieira da Silva

A Clarineta Convida: A Técnica Alexander, Clarinetas e Clarinetistaspor Reinaldo Salvador Renzo

O Encontro de Claronistas e Clarinetistas em Poços de Caldas em 2017 e a Reorganização da ABCL por Diogo Maia e Luis Afonso Montanha

Entrevista: Paulo Sérgio Santospor Anderson César Alves

Homenagem: Sebastião e SeverinoPor Ricardo Dourado Freire

Clarinete Baixo: A dupla que dá certo: intérprete e compositor por Thiago Tavares

Relatospor Patrick Moreira Lima

Lançamentospor Daniel Oliveira

Dica do MestreSergio Albach

66

46

36

Clarinetanº3 junho de 2016

ISSN 2526-1169 www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas

Editorial

4

Prezados amigos,Chegamos à nossa terceira edição, que vem repleta de novidades, movendo-se entre passado e presen-te. Nossa seção de artigos conta com as publicações de Alba Valéria Vieira da Silva sobre as Variações so-bre uma velha modinha de Osvaldo Lacerda e de Fer-nando José Silveira, que questiona se de fato “o bom músico deve tocar em qualquer afinação”. Em nossa seção “A Clarineta Convida”, Reinaldo Salvador Ren-zo traz algumas considerações sobre a Técnica Ale-xander e sua aplicação para clarinetistas. Essa edição traz ainda na matéria de capa, de auto-ria de Diogo Maia e Luis Afonso Montanha, o rela-to do 11º Encontro de Clarinetistas e o 3º Encontro de Claronistas que ocorreu em Poços de Caldas em janeiro desse ano, e que contou, entre outros aspec-tos, com a reorganização da Associação Brasileira de Clarinetistas-ABCL. Imperdível. A seção “Home-nagem” nessa edição conta com o olhar de Ricardo Freire para dois grandes clarinetistas brasileiros que, ambos nascidos em 1917, completariam um cente-nário de vida nesse ano: Severino Araújo e Sebastião “K-Ximbinho” Barros. Falando ainda sobre grandes clarinetistas, na seção “Entrevista”, Anderson César Alves nos apresenta nada menos que o genial Paulo Sérgio Santos. Em uma conversa descontraída, ele revisita sua formação inicial, influências e apresen-tações e gravações memoráveis.Nossa seção sobre o clarinete baixo traz os êxitos na relação compositor e intérprete para a produção de novas obras para clarone, sob a perspectiva de Thia-go Tavares. E por fim, Sérgio Albach nos brinda na “Dica do Mestre” com um relato pessoal e bastante abrangente de como se preparar para um concerto.Como se vê, procuramos abranger áreas de interes-se variados para clarinetistas, de aspectos técnicos, históricos, com olhares de dentro e externos à nos-sa prática. No entanto, isso pouco adiantaria se nos alienássemos de outras questões da nossa realidade social e cultural.Temos acompanhado por diferentes meios, mas sobretudo pelas redes sociais, o desmantelamento ou sucateamento sistemático de postos de traba-lho para músicos no país. No momento em que esse editorial é escrito, para citar somente alguns exem-plos, as atividades da Orquestra Sinfônica do Paraná encontram-se paradas e com destino incerto; a Or-questra doTheatro São Pedro-SP acaba de demitir dezenove músicos de seu corpo estável, que serão substituídos por alunos; e a Orquestra Sinfônica Brasileira, do topo dos seus setenta e seis anos de atuação no país, completa inacreditáveis sete meses sem que seus músicos recebam salário.Em situação ainda mais grave, a Camerata Aberta, grupo internacionalmente conhecido pela execução

de música contemporânea, completou mais de dois anos da sua extinção; e a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, após mais de trinta anos de atividades, encerrou seus trabalhos nesse ano, demitindo todos os músicos.Mais do que eventos pontuais, esses exemplos re-velam uma verdadeira política de desmanche dos corpos artísticos, sejam públicos ou mantidos por verbas públicas. A mensagem clara e transparente é de que, na ausência de recursos, que se corte o que é dispensável. E nesse caso, parece haver um consenso político de que, ao falar em dispensável, estamos fa-lando sempre da cultura e das artes.Ao ouvinte menos atento, pode de fato parecer uma necessidade a ser imposta quando ouve seus repre-sentantes justificando que ou mantém uma orques-tra ou provém saúde e educação de qualidade. Mas esse é um argumento perverso e equivocado, por que dá a ideia que a escolha a ser feita reside somente nessas opções. E, paradoxalmente, ela ganha algum lastro porque se vale da opinião de muitos dos quais já não contavam com quaisquer acesso às iniciativas culturais públicas, e portanto não percebem o que se perde quando um desses grupos já consolidados é desmantelado.A discussão que tratamos aqui diz respeito à projeção das diferentes matizes da individualidade de cada um; de seu potencial criativo, sensível, crítico, alegre, humanizado. De ver-se refletivo na expressão do ou-tro com dilemas que sempre nos acompanharam. De que sentir-se seguro e saciado não deveria ser uma finalidade, mas um ponto de partida para novas pers-pectivas na construção de um ser humano que proje-te na sociedade à sua volta o convívio harmonizado e equânime.Ao retirar o suporte aos já escassos grupos artísticos que buscam desempenhar esse papel e que deveriam ser cada vez mais apoiados pelo poder público, e não o contrário, o que permanece é uma atitude de des-caso com essa dimensão fundamental do lúdico no ser humano, numa sociedade cada vez mais voltada para o iminente. É difícil não pensar que o resultado dessas ações produzirão uma sociedade futura que olhará envergonhada para o seu passado, como tan-tas vezes o fazemos hoje ao olhar paras trás.A partir dessa edição, passamos a ser a revista da As-sociação Brasileira de Clarinetista-ABCL. Acredita-mos piamente que para nós, clarinetistas, só a orga-nização coesa nos trará alguma conscientização em prol da mudança desse cenário. Como indivíduos, não passamos de mais um a bradar e compartilhar notas contra esse descaso. Organizados, ao contrá-rio, poderemos cobrar de forma mais efetiva do po-der público nas suas esferas municipais, estaduais e federais. Assim, deixamos aqui nosso convite para que todos se associem.

Vida longa à ABCL, que vem em tão boa hora.E sigamos na luta por melhores dias.

Os editores

Clarineta

Corpo editorial

Ficha técnica:

EditoresDaniel Oliveira (Orquestra do Theatro São Pedro, São Paulo), Diogo Maia (Orquestra Municipal de São Paulo, São Paulo), Joel Luís Barbosa (UFBA, Salvador), Luís A. E. Afonso – Montanha (USP, São Paulo), Mônica Isabel Lucas (USP, São Paulo), Ricardo Dourado Freire (UnB, Brasília), Vinícius de Sousa Fraga (UFMT, Cuiabá)

Corpo Editorial NacionalAmandy Bandeira de Araújo (UFRN, Natal), Cristiano Siqueira Alves (UFRJ, Rio de Janeiro), Fernando José Silveira (Uni-Rio, Rio de Janeiro), Guilherme Sampaio Garbosa (UFSM, Santa Maria), Iura de Rezende Ferreira Sobrinho (UFSJR, São João del-Rei), Jacob Furtado Cantão (UFPA, Belém), Jaílson Raulino da Silva (UFPE, Recife), Johnson Joanesburg Anchieta Machado (UFG, Goiânia), Marco Antonio Toledo Nascimento (UFC, Sobral), Marcos Jacob Costa Cohen (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, Brasília) Maurício Alves Loureiro (UFMG, Belo Horizonte), Pedro Robatto (UFBA, Salvador), Roberto César Pires (Clarinetista, Campinas)

Conselho Consultivo NacionalAndré Ehrlich (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Augusto Fonseca Maurer (UFRGS, Porto Alegre), Diego Grendene de Souza (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Porto Alegre), Eduardo Gonçalves dos Santos (FANES, Vitória), Flávio Ferreira da Silva (UFAL, Maceió), Glória Cira Pereira Subieta (Amazonas Filarmônica, Manaus), Jairo Wilkens da Costa Sousa (Orquestra Sinfônica de Campinas, Campinas), Jônatas Zacarias de Oliveira (Conservatório Pernambucano de Música, Pernambuco), João Paulo de Araújo (UFRN, Natal), José Batista Jr. (UFRJ, Rio de Janeiro), Luca Raele (Sujeito a Guincho), Luís Nivaldo Orsi (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Maurício Soares Carneiro (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Ney Campos Franco (Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Belo Horizonte), Ovanir Luiz Buosi Junior (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Rosa Barros Tossini (IFG, Formosa), Sergio Antonio Burgani (UNESP, São Paulo), Thiago Tavares (Orquestra Sinfônica Brasileira, Rio de Janeiro)

Conselho Editorial e Consultivo InternacionalFabien Lerat (França/Projeto NEOJIBA, Salvador), Henri Bok (Solista Internacional, Holanda), Nuno Pinto (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Portugal), Nuno Silva (Escola de Música do Conservatório Nacional, Academia Nacional Superior de Orquestra, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Portugal), Paulo Gaspar (Banda da Armada, Portugal)

Associação Brasileira de Clarinetistas – ABCL Biênio 2017 – 2018

Diretoria: Presidente - Sérgio de Meira Albach (Curitiba, PR), Vice-presidente – Guilherme Sampaio Garbosa (Santa Maria, RS), Secretário – Thiago Tavares (Rio de Janeiro, RJ), Segundo Secretário – João Paulo de Araújo (Natal, RN), Tesoureiro – Flávio Ferreira da Silva (Maceió, AL), Segundo tesoureiro – Ney Campos Franco (Belo Horizonte, MG), Diretor de Comunicação – Rafael Nini Junior (Campinas, SP),Conselho Consultivo e Fiscal: Cristiano Siqueira Alves (Rio de Janeiro, RJ), Mario César Borges Marques Junior (São Paulo, SP)Ovanir Luiz Buosi Junior (São Paulo, SP) Representantes Regionais: Centro-oeste –Taís Vilar (DF), Nordeste – Aynara Dilma (João Pessoa, PB), Norte – Gloria Subieta (Manaus, AM), Sudeste – Marcelo Trevisan (Vitória, ES),Sul – Diego Grendene (Porto Alegre, RS)

Projeto Gráfico e Design: Marcelo Pitel

UFBA

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO PROFISSIONAL EM MÚSICA

Apoio Institucional

Vendas através do site:

www.mbcases.com.br

“O bom músico deve tocar em qualquer afinação”: Reflexões acerca da afinação na clarineta por Fernando José Silveira1

art

igo

RESUMO: O presente estudo pretendeu verificar a possibilidade de o clarinetista tocar, sem informação prévia, em qualquer nível de afinação com o mesmo nível de qualidade. Após pesquisa bibliográfica e experiência prática, verificou-se que, quando do uso de ní-veis de afinação não usuais, a qualidade da performance cai drasticamente, podendo ser indicada como inaceitável e que, facilmente, é identificável ao ouvido humano. Portanto, parece não ser possível que o clarinetista possa tocar em todas as afinações com o mes-mo nível de qualidade obtido em sua afinação usual.PALAVRAS-CHAVE: clarineta; afinação; imagens mentais; audições; acústica.

ABSTRACT: This paper aims to verify the possibility to play the clarinet, with no pre-vious information, in any pitch level with the same quality. After a bibliographic research and practical experience, we found that when the clarinetist uses unusual pitch levels, the quality of his/her performance fall drastically, and can be easy identified by the hu-man ear. As the results, this research indicates that it is impossible to a clarinetist perform in any pitch level with the same quality of his usual one.

1 Fernando José Silveira é professor da UNI-RIO – Universidade Federal do Esta-do do Rio de Janeiro.e-mail: [email protected]

O conceito de qualidade para um bom músico de sopros passa, obrigatoriamente, pelo conceito da boa afinação. Apesar de os instrumentos de madeira, família esta em que se insere a clarineta, não serem categorizados como ‘temperados’, pode parecer que a afinação não se apresenta como uma ‘preocupação’, já que as notas são produzidas a partir de orifícios de posicionamento fixo. “Não importa quão bom é o músico, quão bonito é o seu som, quão rápido ele pode tocar ou quão musical ele seja – ninguém quer tocar com alguém que não seja afinado” (MAZZEO, 1990, p. 59). “O instrumentista sério deve dedicar bastante tempo e energia para aprender a tocar afinado” (STEIN, 1958, p. 35). Corroborando com esta ideia, e por melhor que seja, um instrumento musical apresentará pequenos desvios de afinação e timbre que irão impor que o músico proceda à sua correção. Cada instrumento é um caso; e o músico, para utilizá-lo da melhor maneira deverá conhece-lo e seus desvios de afinação e timbre, na intenção de, ao menos, minimizá-los. A correção das imperfeições do instrumento deve ser baseada no conhecimento do temperamento (STEIN, 1958).

Universalmente, a afinação de um instrumento é conferida pela nota lá (a’). Nas orquestras esta é a nota utilizada para a afinação de toda a orquestra; o que poderá variar é a altura adotada que, nos dias atuais, pode variar de a’=440 Hz ao a’=444 Hz. Porém, esta normatização para a altura da afinação não foi sempre adotada. No “início do Séc. XIX, instrumentos de madeira eram corriqueiramente equipados com juntas intercambiáveis, de diferentes comprimentos, para acomodar as diferentes alturas de afinação” (LINDLEy & WACHSMANN, 1980, p. 779). A partir do início do Séc. XIX, com o desenvolvimento de um conceito de padronização da afinação, o músico adquire um referencial mais preciso sobre sua afinação.

9

art

igo

Para se adaptar a esta padronização, que poderá variar regionalmente, as fábricas oferecem instrumentos capazes desta adaptação. Uma das mais famosas fábricas de clarinetas oferece aos seus clientes duas versões de afinação: a’=440 a 442 Hz para cada modelo disponibilizado (BUFFET CRAMPON, 2010). Este padrão é seguido pela maioria das fábricas que oferecem instrumentos de padrão profissional. Desta forma, o instrumentista poderá escolher aquela versão de afinação que mais se coadune ao uso do seu instrumento.

No âmbito da contratação de músicos para orquestra, a questão da afinação se mostra tão importante que as maiores e mais importantes orquestras tem registrado, nos documentos sobre as audições para músicos, de forma clara qual é a afinação adotada para determinada orquestra.

No Brasil, nos dias atuais, esta padronização indica que afinação se dará a partir de um a’=442 Hz. Esta é, por exemplo, a afinação adotada em muitas orquestras profissionais do Brasil: Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e Orquestra Sinfônica da Paraíba. Portanto, para aquele profissional que pretenda atuar nestas organizações musicais, deve-se, não só escolher um modelo de clarineta que permita afiná-la em a’=442 Hz, mas, segundo Stein (1958), desenvolver o hábito e a responsabilidade de homogeneizar a afinação de seu instrumento a partir deste paradigma, conhecendo as particularidades do seu instrumento, e desenvolvendo estratégias que permitam corrigir a afinação e o timbre por toda sua extensão.

No ano de 2008, quando das audições para uma grande orquestra profissional brasileira, a primeira fase desta audição para músicos exigia que se tocasse com o acompanhamento de piano. A organização de tal evento não previa ensaios na sala da prova onde o piano que seria usado se encontrava. Portanto, os candidatos deveriam tocar sem nenhum tipo de contato prévio com a sala ou com o piano. Tal falta de previsão de ensaios, por si só, apresenta-se prejudicial ao desempenho dos candidatos. Em artigo anterior (SILVEIRA, 2007) relato que “outro fator importante [para o desempenho do candidato] é o acesso, através de ensaio prévio, à sala onde a audição será feita. Trata-se de um passo relevante para a climatização do candidato à sala, sua acústica e à afinação do piano com o qual ele irá realizar a prova”. Esta situação faz com que o candidato apenas tenha oportunidade de conferir a afinação do seu instrumento, em relação ao piano, no momento da audição. No presente caso, como já dito, as orquestras cariocas adotam o a’=442; porém, o piano estava afinado em a’=438. No mesmo momento, o candidato avisou a organização da audição sobre este fato; como resposta, o presidente da comissão avaliadora intercedeu e disse que ‘o bom músico deve tocar em qualquer afinação’.

A partir das informações supracitadas, os objetivos da presente pesquisa são responder às seguintes perguntas:

1. O bom músico pode/deve tocar em qualquer afinação?

2. Caso negativo, quais seriam os fatores que contri-buiriam para uma queda na qualidade da performan-ce a partir do distanciamento da afinação em que o músico está acostumado?

10

Para tal empreitada, primeiramente lançou-se mão da bibliografia pertinente à teoria da performance e sobre os aspectos acústicos do instrumento. Como segundo passo, foi utilizada uma experiência com clarinetistas profissionais. Tal experiência contou com quatro clarinetistas profissionais. Um deles atuou na pré-experiência, quando o pesquisador necessitava avaliar se os procedimentos adotados poderiam ser utilizados da forma planejada e se haveriam dúvidas quanto aos procedimentos da pesquisa. Os pré-requisitos dos colaboradores é que eles possuíssem o curso superior em música e fossem membros efetivos de algum corpo orquestral profissional.

A experiência começa com o clarinetista afinando seu instrumento de acordo com o nível que está acostumado: por exemplo, a’=442 Hz. Feito isso, e anotado o nível da afinação pelo pesquisador, o colaborador iria tocar uma série de intervalos e o pesquisador, a partir do uso de um afinador digital, iria anotar os padrões de desvio das notas.

Terminada esta etapa, o pesquisador pediria que o músico re-afinasse seu instrumento para tocar 4 Hz abaixo da sua afinação usual. Repetido a experiência, seria pedido, em seqüência, que ele afine seu instrumento para tocar 2 Hz abaixo e 2 Hz acima da sua afinação usual.

Com tais dados aferidos, foi feito um gráfico dos desvios de afinação do colaborador em relação à sua performance com sua afinação usual para poder serem usados na análise e conclusões do presente trabalho.

Nesta ocasião foi pedido, também, que o músico tocasse um pequeno trecho musical da mesma forma que acima e, ao final, descrevesse as diferenças sentidas com afinações diferentes da usual.

Para que se proceda à correção da afinação geral da clarineta usa-se, normalmente, o barrilhete, afastando-o ou aproximando-o do restante do corpo do instrumento. Esta correção da afinação geral será regida por algumas variantes, tais como a temperatura da sala e do corpo do instrumento (HUMMELGEN, 1995). Como já dito na introdução, os fabricantes de instrumento oferecem instrumentos em duas afinações: a’=440 e a’=442. Portanto, o procedimento da correção da afinação geral deverá ser feito através de pequenos ajustes no barrilhete; de outra forma, haverá um desequilíbrio geral na afinação do instrumento. O ideal é que não se abra mais que 2 mm. Mazzeo (1990. P. 60) nos lembra que “o tamanho do barrilhete foi escolhido através de precisa análise acústica do instrumento, que deve ser entendida como a medida correta”. Deve-se lembrar que o fato de se abrir demais o barrilhete, afastando-o do corpo da clarineta ou da boquilha, fará com que se crie uma ‘câmara’ entre os dois, prejudicando as notas emitidas através de buracos próximos ao barrilhete. Esta câmara, segundo Hummelgen (1995, p. 187), causa uma perturbação no centro do tubo da clarineta e, como conseqüência, a modificação na ressonância das freqüências. Ridenour (2010) lembra que

as notas de garganta (médios) da clarineta não reagem da mesma forma que outras regiões quando você abre o barrilhete. As notas de garganta (médios) tendem a ter sua afinação acentuadamente mais baixa que as outras regiões quando se abre excessivamente o barrilhete.

art

igo

11

art

igo

art

igo

Gibson (1994) indica o uso de ‘anéis de afinação’, para se preencher este espaço deixado pelo afastar do barrilhete do resto do corpo do instrumento. Porém, isto apenas minimiza o problema, não o eliminando por completo.

Mazzeo (1990) nos lembra, também, que o Lá de afinação – que corresponde à nota Si da clarineta em Si bemol – não é a melhor para se avaliar corretamente a afinação geral da clarineta, obrigando ao músico corrigi-la, também, a partir de notas de outras regiões, já que cada região tem uma tendência de desafinação. Sobre esta tendência Bloch (1992, p. 438) indica o mapa abaixo:

Para se corrigir tais imperfeições na clarineta, vários autores sugerem dedilhados alternativos - e outros subterfúgios - para a tentativa da correção, ou minimização, de tais fatores. Tosé (1962) textualiza as tendências gerais de desafinação em relação às dinâmicas na clarineta:

f – a afinação da nota tende a baixar;p – a afinação da nota tende a subir;

Estas tendências, segundo este autor, podem ser minimizadas das seguintes maneiras: quando se toca f, para se prevenir que a afinação abaixe, gentilmente aumente a tensão na embocadura; para o p, faz-se o inverso. Tosé ainda nos diz que, conhecendo o seu instrumento, o clarinetista pode utilizar-se de dedilhados alternativos, visando corrigir os problemas de timbre impostos pela acústica específica da clarineta. Tais indicações, mais que mera ‘teoria’ tem, obrigatoriamente, de ser aplicadas na prática, sob pena de haver discrepâncias enormes em afinação e timbre. Fleisher (1992, p. 103) nos demonstra, abaixo, alguns destes dedilhados alternativos:

12

art

igo

Com relação ao timbre na clarineta, Loureiro & Paula (2006) dizem que o timbre de cada nota na clarineta está associado à sua região e à dinâmica com que é produzida. As notas mais graves da clarineta possuem maior variação timbrística, enquanto as mais agudas menor variação. Isto induz à conclusão que o clarinetista precisa de uma maior atenção na homogeneização entre notas de diferentes regiões do instrumento e tocadas em diferentes dinâmicas. Para tal, será exigido o desenvolvimento da conceituação de ‘tocar equalizando’, para que o esperado objetivo de homogeneidade tímbrica seja alcançado. A experiência de Hummelgen (1995) chegou à conclusão que o uso inadequado do barrilhete – abrindo-o em proporção exagerada – não traz conseqüências apenas na afinação, mas impões que o tubo da clarineta “fuja significativamente da forma cilíndrica tendo como conseqüência o desvio da proporção de suas freqüências características [...]” (HUMMELGEN, 1995, p. 189), influenciando o timbre do instrumento.

Outro aspecto relativo à performance são as imagens mentais relativas ao ato de tocar o instrumento, a qualidade de afinação, som e timbre. Allen (2007) informa que as representações mentais da construção da performance partem do universo do músico: seu instrumento, sala de estudo, intimidade com a obra e compositor etc. Tais representações mentais tem como feedback ações mecânicas do corpo para que esta representação mental possa tornar-se som. Portanto, as ações do corpo – que resultam em som – são os objetivos da construção mental da performance. Os aspectos da partitura, como notas específicas e ritmos, correspondem a uma ação muscular específica e, depois de intenso estudo, pré-concebida para se tornar natural.

No caso da clarineta, o instrumentista monta suas imagens mentais a partir de informações, por exemplo, sobre a relação intervalar entre as notas no seu instrumento e, sobretudo, da tentativa de correção dos aspectos como afinação e timbre, baseando-se, no paradigma da afinação eleita por ele como ‘standard’ – ou usual. Se, por uma mudança brusca de afinação, estas informações são mudadas, toda sua performance poderá ser prejudicada, já que ele não reconhecerá mais naquele instrumento as mesmas características até então apreendidas. “Na performance musical, deve-se saber, primeiramente, o som que se quer produzir. Esta qualidade de som pretendia é a primeira representação que se deve desenvolver. Depois se procede à representação da produção do som” (ALLEN, 2007, p. 23).

Para uma produção de som com qualidade, há a necessidade de se saber, de antemão, a afinação em que se quer tocar para, a partir da representação mental contemplando as informações do seu instrumento, fazer com que seu corpo transforme seus pensamentos em som de qualidade, i.e., com qualidade de afinação, timbre etc. A imagem ‘aural’ deve ser concebida no estágio de estudo.

O uso da imagem auditiva para afinação é men-cionado em apenas poucos textos sobre como tocar clarineta. Tosé (1962), na sua argumentação sobre afinação, informa que para se assegurar da boa afina-ção o instrumentista deve ‘tocar’ a nota como se fos-se ouvida mentalmente. (ALLEN, 2007, p. 24)

13

Como poderia, então, o músico ‘tocar’ a nota mentalmente em uma afinação e o resultado sonoro ser em outra?

Tais reações musculares ‘estudadas’ passam, com o tempo, a serem procedidas de forma natural e inconsciente pelo músico. As mãos e os dedos, assim como os músculos relativos à respiração e embocadura perfazem pequenos ajustes para ‘equalizar’, ‘homogeneizar’ e corrigir as imperfeições acústicas de seu instrumento com o objetivo maior de proporcionar uma performance de qualidade a partir do paradigma da sua afinação usual.

O método mais comum, nos dias de hoje, para que o músico verifique a afinação de seu instrumento e suas tendências de desafinação é o uso de um afinador eletrônico. Tal equipamento permite que, a partir calibragem para o uso de um A (LÁ) entre 410 Hz e 480 Hz, seja verificado, em ‘cents’ os desvios da afinação comparados com a altura predeterminada tendo como paradigma a afinação da nota a’.

Cent é a unidade logorítmica usada para medir os intervalos musicais. Cada intervalo entre os 12 semitons dos quais uma oitava é formada possui 100 cents. Ao que parece o ouvido humano, em uma melodia tocada por qualquer instrumento, não é capaz de, com segurança, identificar pequenos desvios deste padrão. Loeffler (2006) nos indica que, normalmente, o ouvido humano só irá perceber um desvio de afinação quando este for superior a 6 cents. Porém, aparelhos como os afinadores eletrônicos o utilizam como parâmetro para que, visualmente, o músico possa aferir os desvios com maior precisão.

Gibson (2010), nos apresenta tabela, abaixo, com os desvios de afinação padrão em uma oitava da clarineta.

Note-se, na tabela, que em oito notas – das doze apresentadas - o desvio de afinação supera os 10 cents, denotando possibilidade de que aquele que ouve o som caracterize-as como ‘desafinadas’.

Como complementação de toda a teoria acima apresentada, foi procedida a experiência descrita na metodologia. Para tal foi composto uma seqüência intervalar de vinte compassos com 37 notas, contemplando toda a extensão da clarineta.

Tabela 1 – (Gibson, 2010, p. 2)

14

Abaixo, encontra-se gráfico com os resultados de desvio de afinação dos participantes na experiência.

art

igo

15

Os gráficos acima demonstram, nitidamente, que as tendências de desafinação em diferentes alturas não são correspondentes em nenhum dos participantes. Isto corrobora com o pensamento que, o fato de o músico redimensionar seu instrumento e tentar compensar tais distorções, a partir de mudanças de embocadura e/ou dedilhados alternativos, não resulta em desvio de afinação similares. A tendência à desafinação de certas notas - em afinações diferentes da que o músico está habituado, na verdade se comportam de forma oposta. Em certas ocasiões, afinar seu instrumento com um referencial de afinação mais baixo fazia com que notas com tendência de desafinação para baixo tornassem altas – e vice-versa. Pode-se afirmar que, a partir de paradigmas de afinação diferentes daquele que o músico está acostumado, ele comporta-se como se tivesse perdido o referencial de afinação – talvez a partir da perda dos referenciais do seu instrumento e embocadura.

A segunda parte da experiência propôs aos colaboradores que tocassem um trecho musical bastante conhecido da 8ª Sinfonia de L. van Beethoven:

Durante a performance, em cada afinação, foi procedida a verificação da amplitude da tendência de desafinação. Ao final, foi pedido ao músico que comentasse algum ponto importante sobre sua performance.

Participante Afinação usual -4Hz +2Hz -2Hz

A

Oscilação da afinação, para mais ou para menos,

da ordem de 5 cents

Oscilação da afinação, para mais ou para menos, da ordem de

20 cents

Oscilação da afinação, para mais da ordem de 20 cents e para menos da ordem de 30 cents

Oscilação da afinação, para mais da ordem de 30 cents e para menos da ordem de

20 cents

Sente sua afinação alta

Uso intenso da embocadura para tentar afinar; sentiu que

perdeu o foco das notas; tocou mais forte para tentar baixar a

afinação das notas.

Sentiu-se mais confortável

Sentiu o som ‘espremido’ com um timbre diferente.

B

Oscilação da afinação, para mais ou para menos,

da ordem de 10 cents.

Oscilação da afinação, para mais ou para menos, da ordem de

20 cents.

Oscilação da afinação, para mais da ordem de 30 cents e, para menos da ordem de 20 cents

Oscilação da afinação, para mais da ordem de 30 cents e, para menos da ordem de

20 cents

Sentiu problemas com a emissão; sente-se,

ainda, confuso pela etapa anterior; timbre bom.

Timbre bom; sente melhora na afinação; sente-se sem

segurança para tocar.Afinação e timbre bons.

Desconfortável; problemas de afinação; tentou mudar

o dedilhado para afinar melhor; timbre bom.

C

Oscilação da afinação, para mais ou para menos,

da ordem de 10 cents.

Oscilação da afinação, para mais da ordem de 30 cents e, para menos da ordem de 20 cents

Oscilação da afinação, para mais da ordem de 25 cents e, para menos da ordem de 20 cents

Oscilação da afinação, para mais da ordem de 25 cents e, para menos da ordem de

20 cents

Sente-se confortável.Sentiu-se preocupado com

os intervalos; sentiu-se mais desafinado; mudança de timbre.

Afinação mais estável; timbre mais claro

e brilhante; menor esforço para tocar.

Timbre sem brilho; mais difícil para tocar; sente-se

muito desafinado em notas agudas.

art

igo

art

igo

16

Estatisticamente, a variação média de desafinação dos três participantes, na sua afinação habitual, foi de 8,3 cents – para cima ou para baixo. A média da desafinação em todas as outras afinações foi para cima da ordem de 25,5 cents e para baixo da ordem de 21,11 cents. Portanto, uma diferença considerável entre as tendências de desafinação.

Além disso, todos os participantes relataram desconforto na utilização de afinação não usual. A maioria relatou desconforto com a afinação, timbre e maior dificuldade de tocar.

CONCLUSÕES

Agora, trazemos as perguntas norteadoras da presente pesquisa:

1 - O bom músico pode/deve tocar em qualquer afinação?

Aquele clarinetista que pretenda desenvolver suas habilidades para tocar em qualquer afinação irá enfrentar grandes dificuldades. Além da dificuldade com os aspectos acústicos e físicos do instrumento – que é produzido para uma determinada afinação – o clarinetista enfrentará o aspecto aural, encarando entraves para a formação e consolidação de referenciais sobre afinação, timbre, articulação e qualidade de som que proporcione segurança para desenvolver as qualidades necessárias para um bom clarinetista.

A experiência conduzida demonstra que a qualidade da afinação, quando do uso de níveis de afinação não-usuais, cai drasticamente, entrando em níveis qualificados como inaceitáveis e que, facilmente, são identificáveis ao ouvido humano. Portanto, não é possível que o clarinetista possa tocar em todas as afinações com o mesmo nível de qualidade de afinação usual.

2 - Caso negativo, quais seriam os fatores que contribuiriam para uma queda na qualidade da performance a partir do distanciamento da afinação em que o músico está acostumado?

O primeiro fator é a diferença acústica que seu instrumento é obrigado a suportar para tocar em outra afinação que não a usual. Abrir o barrilhete em grande monta impõe que as características cilíndricas da clarineta sejam ‘perturbadas’, prejudicando a relação intervalar entre as notas e timbre. Este problema leva à mudança de embocadura: para tentar compensar a afinação o clarinetista muda a embocadura e, com esta mudança, perde ainda mais qualidade de timbre, de som, de articulação e toda a referência auro-muscular da correção específica das notas de seu instrumento.

Todas estas mudanças apresentam-se como motivos de extrema importância para uma performance de qualidade. Por este motivo, quando é requerido que o clarinetista toque em afinação não-usual, ele precisa dedicar muito mais atenção a este aspecto, deixando de lado, por vezes, qualidades fraseológicas e de dinâmica que corroboram para a qualidade de sua performance, não obtendo o mesmo nível quando do uso de sua afinação usual.

O músico desenvolve uma afinação interna. Esta pode ser mudada; porém faz-se necessário tempo e esforço para que isto aconteça. Segundo a presente pesquisa, o clarinetista não pode, sem ter prévia informação, tocar em outra afinação que não a sua usual. Trata-se, também, de uma questão ética de,

art

igo

17

sabendo das informações aqui descritas, o clarinetista não ser obrigado a mudar sua afinação usual sob pena de uma performance muito aquém das suas reais possibilidades.

BIBLIOGRAFIA

ALLEN, David Reed. Mental Representation in Clarinet Performance: Connections Between Auditory Imagery and Motor Behaviors. Greensboro (EUA): The University of North Carolina at Greensboro, 2007. Tese de Doutorado em Artes Musicais.

BLOCH, Kalman. “Clarinet Intonation” in: Woodwind Anthology Vol. 2. Northfield: The Instrumentalist Publishing Company, 1992, p. 438 – 439.

BUFFET CRAMPON. Catálogo de instrumentos musicais - clarinetas. Capturado do sítio da Internet http://www.buffet-crampon.com/en/instruments.php?mode=productSpecifications &pid=673 em 28 de setembro de 2010.

FLEISHER, James F. “Intonation Problems of the Clarinet” in: Woodwind Anthology Vol. 2. Northfield: The Instrumentalist Publishing Company, 1992, p. 102-103.

GIBSON, John. Advanced Tuning Technique for Clarinets. Capturado da Internet no sítio http://www.jb-linear-music.com em 05 de outubro de 2010.

GIBSON, O. Lee. Clarinet Acoustics. Blomington (EUA): Indiana University Press, 1994.

HUMMELGEN, Ivo Alexandre. “Barrel Displacement and Tone Quality” in: Europe an Journal of Physics v. 16. Grã-Bretanha: European Journal of Physics, 1995, p. 187.

LINDLEy, Mark; WACHSMANN, Klaus. Pitch in: SADIE, Stanley (Ed.). The New Grove Dictionary of Music and Musicians. Londres: MacMillan, 1980, p. 779 – 781.

LOEFFLER, Beatus Dominik. Instrument Timbres and Pitch Estimation in Polyphonic Music. Georgia: Georgia Institute of Technology, 2006. Dissertação de Mestrado em Engenharia Elétrica e Computacional.

LOUREIRO, Maurício Alves; PAULA, Hugo B.. Timbre de um instrumento musical: caracterização e representação in: Per Musi – Revista Acadêmica de Música. Belo Horizonte: UFMG, 2006, p. 57 – 81.

MAZZEO, Rosario. The Clarinet: Excellence and Artistry. Medfield (EUA): Dorn Publications, 1990.

RIDENOUR, Tom. Tuning the Bb clarinet for rehearsal or performance. Capturado do site da Internet www.ridenourclarinetproducts.com em 30/8/2010.

SILVEIRA, Fernando José. “Avaliação musical: audição para grupos profissionais” in: Anais do XVI Encontro Anual da ABEM e ISME. Campo Grande/MS: Editora UFMS, 2007.

STEIN, Keith. The Art of Clarinet Playing. Miami (EUA): Summy-Bichard Inc, 1958.

TOSÉ, Gabriel. Artistic Clarinet: Technique and Study. Hollywood (EUA): Higland Music Company, 1962.

art

igo

art

igo

18

1 Este artigo é baseado na disser-tação da autora intitulada “Estudo Técnico-Instrumental e interpreta-tivo das Variações sobre uma Velha Modinha”, defendida na Escola de Música da UFBA.

2 Alba Valéria Vieira da Silva é pro-fessora de clarineta da Universidade Federal de Campina Grande, PB. Seu email: [email protected]

3 A Escola de Composição de Ca-margo Guarnieri, criada por volta de 1950, foi influenciada por Mário de Andrade que defendia que a música brasileira deveria estar baseada no estudo do folclore. (MARIZ, 1998).

4 José Botelho é um dos mais concei-tuados clarinetistas brasileiros.

5 Rossi é um clarinetista argentino que reside no Chile e mantem uma carreira internacional.

6 Paquito D’Rivera é um clarinetista cubano que reside nos EUA e venceu quatorze Grammy Awards.

7 Cristiano Alves é doutor em Música e professor da UFRJ.

8 Disponível em: http://ranulfope-dreiro.com/2016/07/20/osvaldo-la-cerda-pelo-clarinete-de-cristiano-al-ves/ Acesso em: 01/03/2017.

Variações Sobre Uma Velha Modinha de Osvaldo Lacerda: Estudo Técnico-Instrumental e Interpretativo1 por Alba Valeria Vieira da Silva2

RESUMO: Este trabalho apresenta um estudo da obra as Variações Sobre uma Velha Modinha (1973) para clarineta e orquestra do compositor Osvaldo Lacerda. Discorre sobre o uso do tema da modinha Róseas Flores d’Alvorada na composição das variações, de acordo com seu contexto histórico, bem como a estrutura e técnica utilizada pelo compositor. Inicialmente, são considerados aspectos da vida e obra do compositor, um dos nomes marcantes da escola Guarnieri3. Em seguida, comenta-se sobre o gênero modinha e, finalmente, discute aspectos interpretativos e técnico-instrumentais, através da análise musical.PALAVRAS-CHAVE: Clarineta, Osvaldo Lacerda, Modinha.

ABSTRACT: This work presents a study of the work Variations on an Old Modinha (1973) for clarinet and orchestra by Osvaldo Lacerda. It considers about the use of the Modinha Róseas Flores d’Alvoradaas the theme of the composition with variations, according to its historical context, as well as the structure and technique used by the composer. At first, it is considered aspects of the life and work of the composer, one of the outstanding names of Guarnieri school3. Then, it discusses about modinha, and the interpretive and technical-instrumentalaspects, through the music analysis.KEyWORDS: Clarinet, Osvaldo Lacerda, Modinha.

INTRODUÇÃO

Variações Sobre Uma Velha Modinha para Clarineta e Cordas foi composta por Osvaldo Lacerda em 1973 e utiliza a modinha Róseas Flores d’Alvorada como tema. Dedicada ao clarinetista Leonardo Rigghi, foi escrita em duas versões, uma para clarineta e piano e a outra para clarineta e orquestra de cordas. A primeira audição foi realizada por Leonardo Rigghi com o pianista Calisto Thome no dia 17 de outubro de 1974 em São Paulo. Rigghi, ex-professor de clarineta da UNESP, foi bastante respeitado no meio musical e executou obras do compositor Lacerda em vários de seus recitais, como a Valsa Choro para clarineta e piano e Melodia para clarineta solo. O clarinetista José Botelho4 gravou a Melodia e Luís Rossi5 a Valsa-Choro, enquanto Paquito D’Rivera6 incluiu obras do compositor em seu repertório. Cristiano Alves7conheceu Lacerda em 2008, quando tocou as Variações Sobre Uma Velha Modinha, em Curitiba. Em homenagem ao saudoso compositor, falecido em 2011 aos 84 anos, ele gravou um CD com todas as suas obras para clarineta e relata:

Particularmente, considero que uma das mais valiosas li-ções extraídas desta imersão na obra de Osvaldo Lacerda foi perceber que, acima de quaisquer preocupações liga-das a estilo, linguagem, vanguarda ou tendências, existe a verve pulsante do compositor comprometido com ideias e caminhos autênticos.8

art

igo

19

O objetivo principal deste estudo é auxiliar na execução da peça. Ele não foi realizado só pelo valor didático, mas também pela necessidade de conhecimentos mais detalhados sobre esta obra de relevância, buscando contribuir para sua performance. É fato que clarinetistas de renome nacio-nal e internacional incluam obras deste compositor em seu repertório, des-tacando sua contribuição ao repertório brasileiro para clarineta. Portanto, é oportuno realizar um estudo das Variações Sobre Uma Velha Modinha, seja pela valorização da clarineta no repertório musical, assim também como um trabalho didático ao instrumento.

As análises histórica e da estrutura formal da obra, ou seja, o conheci-mento da proposta musical do compositor e de seu estilo, poderá contri-buir para a compreensão das linearidade e dimensão melódicas explícitas. Seguindo Schoenberg (1991, p.202), que afirma “não ser fácil escrever um bom tema original para variação”, enfatiza a relevância em manter as quali-dades formais do tema nas variações. No caso da obra em estudo, observa-remos sua estrutura formal, tema e variações, através das transformações dos motivos rítmico, melódico e harmônico. Ela também foi abordada pelos processos composicionais da música tonal expostos em The tematic process in music (1978) de Reti, onde demonstra como a unidade de uma peça é assegurada pelas transformações de elementos temáticos.

2. O COMPOSITOR

Osvaldo Costa de Lacerda nasceu em São Paulo em 23 de março de 1927. Segundo Mariz (1983, p.246), ele é um importante compositor de canções com característica nacionalista, muitas delas de excelente feitura e bom gosto. Mariz (ibid.) o cita como sendo o cancioneiro popular do Brasil. De 1952 a 1962, estudou composição com Camargo Guarnieri e, de acordo com Neves (1981, p. 143), ele é “o nome mais marcante da escola Guarnieri”. Em 1963, com bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, da qual se tornou fellow, foi estudar nos Estados Unidos, onde representou o Brasil. Na Academia Brasileira de Música, ocupou a Cadeira nº 9, cujo patrono é Tomaz Cantuária. Ao longo de sua carreira recebeu inúmeros prêmios na-cionais e internacionais.

O repertório de Osvaldo Lacerda inclui obras de quase todos os gê-neros musicais que demonstram um estilo nacionalista tradicional com certa predileção pela música de câmera. Mariz (1983, p. 251) situa Lacerda dentro da primeira geração Pós-Nacionalista e afirma que “seu estilo ten-ta realizar uma fusão da técnica de composição moderna com a psicologia musical brasileira”. O conhecimento do compositor das características da música brasileira é evidente e, aliado a um sólido domínio de técnicas de composição, demonstra seu próprio idioma musical, com certa liberdade da linguagem musical. Sensível aos temas do folclore brasileiro, remete a um idioma moderno e mostrou-se inclinado aos modalismos nordesti-nos, dando-lhe uma roupagem moderna, com peças ditas de ambientação atonais que criativamente introduziu em seu repertório. De acordo com o próprio Lacerda (1990, p. 73), “na escolha de textos para canções, procuro não me restringir a uma determinada época ou estilo. É assim que tenho musicado desde poesias do século XVIII até contemporâneas”. Por fim, Neves acrescenta que “a forma do tema com variações será a mais usada pelo compositor” (1981, p. 143).

art

igo

art

igo

20

art

igo

3. RÓSEAS FLORES D’ALVORADA

3.1 O Gênero Modinha

Campanhã e Torchia (1978, p.183) definem modinha como:

Forma poética musical de gênero amoroso e sentimen-tal. Possivelmente de origem erudita portuguesa, escrita no compasso binário ou quartenário. Quanto a sua for-ma, foi inspirada na ária da ópera italiana. Esteve muito em voga na época do primeiro império do Brasil, por vol-ta do século XVIII, até a metade do século XIX.

A origem da modinha brasileira tem sido questão bastante debatida. As modinhas encontradas no final do século XVIII trazem uma varieda-de tonal, uma liberdade modulatória, que, segundo o musicólogo Siquei-ra (1979), seria impossível afirmar sua verdadeira procedência. Embora a modinha fosse considerada a mais popular das canções no período im-perial, hoje está no esquecimento. A princípio, a brejeirice primitiva im-perava nas velhas modinhas, como a utilização de temas da terra. Ela foi cedendo, cada vez mais, ao tratamento direto de temas do amor sensual, que tinham sabor acentuadamente erótico e, por vezes, com equívoco, era ainda recebida com reserva pelas pessoas “respeitáveis”.

A música em voga, despretensiosa, acessível e composta, às vezes, por mestres, popularizou-se a tal modo que qualquer “curioso” podia compor. Parece evidente que o gosto pelas modinhas tinham se alastrado por todo território nacional e não poderia ficar fora do repertório dos compositores eruditos, os quais musicavam obras de poetas anônimos e famosos. A mo-dinha entrou em contato com o ambiente e a arte dos chorões e cantado-res de serenatas. Seguiu até os dias atuais num estilo sem regras definidas, pois nunca teve estrutura formal fixa. O gênero popularizou-se e, indiscu-tivelmente, constituiu-se numa das mais autênticas tradições da música popular brasileira.

3.2 A modinha Róseas Flores d’Alvorada

Róseas FloRes d’alvoRada

Teus peRFumes causam doR

essa imagem que RecoRdas

É meu puRo e sanTo amoR

ai! quem RespiRa

os Teus odoRes,Fenece TRisTe,moRRe de amoRes

art

igo

21

Assim inicia Róseas Flores d’Alvorada, extraída do livro Modinhas Impe-riais(1930) de Mario de Andrade que se refere a ela assim:

Publicada sob o nº 48 no “Novo Álbum de Modinhas Brasileiras”, dos editores Filippone e Tornaghi. Na edi-ção, em água forte, não se menciona músico nem poeta. E assim, ainda o texto se repete no “O Trovador” (I, 96) em versão mais legítima, que segui. Esta peça é bastante curiosa. Já agora a influência italiana é visível. Estamos próximos de Bellini e Donizetti, e não do pior. “Por outro lado já se manifesta a tendência pros (sic) saltos grandes e desenhos melódicos harpejantes, que seriam depois nor-mais no modinhismo popular”.(1980, p.13)

Seu texto expressa características próprias da modinha, com lamenta-ções amorosas, queixumes, ternura ingênuas e êxtase de espírito. Consi-derada de caráter erudito por Siqueira (1979, p.115.) em sua coletânea Mo-dinhas do Passado:

O surgimento da modinha brasileira está se processan-do firmemente, ora como música dramática, ora como música absoluta. No primeiro caso ela deve ser cantada e ter por ambiente os recursos da harmonia sugestiva dos violões. Como música pura é um atraente aspecto do nacionalismo essencial. Os artistas verdadeiros cer-tamente se encarregarão de burilá-las sem aberrar nos exotismos, nem aplicar-lhes apenas o trivial da harmo-nia erudita.

3.3 Estrutura fraseológica da Modinha

A melodia de Róseas Flores d’Alvorada tem nitidamente uma célula rít-mica como motivo temático. Esta se constitui de quatro notas, uma col-cheia pontuada e uma semicolcheia como arsis (anacruse) e duas semíni-mas como tesis, ou seja, um impulso seguido de um repouso (Exemplo 1).

Exemplo 1: Motivo Temático

Além de presente ao longo de toda a elaboração da Modinha, subme-tida a variadas transformações, esta célula apresenta-se de maneira qua-se inequívoca em todas as cinco frases da peça original. Para Schoenberg (1991, p. 45), “os motivos se conectam para a formação de unidades maio-res, as frases. Essa conexão de motivos ocorre por sobreposição, justapo-sição e imbricação entre as notas constituintes.”

art

igo

art

igo

22

art

igo

art

igo

Seções Frases Semi-frases Compassos

A: Período 1 Frase1 1a 1-3

1b 3-5

Frase2 2a 3-7

2b 7-9

B: Período 2 Frase3 3a 9-11

3b 11-13

Frase4 4a 13-15

4b 15-17

C: Período 3 Frase5 5a 18-21

5b 22-25

Quadro 1: Estrutura da Modinha

Exemplo 2: (Seção A-Frase 1 - Semi-frases a e b)

Exemplo 3: (Seção A-Frase 1- Semi-frases a e b)

Seguindo, na Seção B, a Frase 3 caminha para o sexto grau, o relativo menor (dó menor). Na versão escrita para orquestra, esta frase é realizada pelos vio-loncelos e concluída pelos violinos (Exemplo 4):

A modinha está em mi bemol maior, em compasso 4/4, com indicação de tempo moderado, e o estribilho é allegro (movido na versão para orquestra), em compasso 3/4. O acompanhamento das Seções A e B da modinha são reali-zados com arpejos em tercinas, tanto na parte do piano de Mario de Andrade como na obra de Lacerda. Conforme exposto no Quadro 1, a Seção A é for-mado pelas Frases 1 e 2 com suas respectivas semi-frases a e b, formando o primeiro período, que geralmente contém a mesma estrutura, garantindo a simetria (Exemplos 2 e 3).

Exemplo 4: (Seção B-Frase 3- semi-frases a e b)

art

igo

23

A frase 4 é realizada com uma transformação rítmica em tercinas descen-dentes, assimilação dos desenho rítmico do acompanhamento. Essa seção ter-mina em cadência perfeita, em mi bemol maior (Exemplo 5), compassos 15-17.

O estribilho inicia com o espírito afetuoso e cantante, Seção C, frase 5, que aparece com a fórmula de compasso modificada para 3/4 e indicação de Allegro (Movido na versão com orquestra). A métrica ternária desta Seção tem relação com a base ternária das tercinas acompanhantes das seções anterio-res. O primeiro compasso da semi-frase 5a da Seção C, compasso 18, sugere ser uma anacruse para o segundo compasso, como indicado pelo acento na primeira nota deste segundo compasso. O mesmo ocorre na semi-frase 5b, esse tratamento indica uma transformação do motivo temático, sugerindo um compasso composto, talvez 6/4. Esta seção reafirma a tonalidade inicial (exemplo 6):

4 VARIAÇÕES SOBRE UMA VELHA MODINHA

A variação é uma das formas musicais mais antigas. Trata de tecer um tema proposto com variações. Existem dois tipos de variação. Um se refere ao uso dela como artifício em pequenas ou em grandes seções de obras. O outro é estrutural, onde a variação é a base de formas contínuas, tais como passaca-glia, chacona, basso ostinato e tema com variações. Segundo Schoenberg (1991, p.201), o termo variação tem sentido ambíguo: “a variação cria as formas-mo-tivos, para construção de temas, produz contraste nas seções intermediárias e variedade nas repetições. Mas no Tema com Variações, o tema é o princípio estrutural de uma peça inteira”. Tais variações podem ser combinadas, pois não são excludentes, depende do caráter e estilo do compositor, que tem a preocupação de desenvolver várias possibilidades de ideias musicais.

4.1 O tema

Como mencionado, a modinha Róseas Flores d’ Alvorada é o tema da obra. Lacerda a transcreveu os 25 compassos iniciais do livro Modinhas Imperiais para a clarineta. Ele não manteve as mesmas ligaduras, acentos e fermatas em sua versão. Incluiu ligaduras mais longas, dinâmicas e expressões de an-damento. Eliminou uma fermata e deslocou outra de local. E transcreveu o ornamento apresentado na versão original. O Quadro seguinte demonstra a organização estrutural das variações, que foram divididas em Seções A, B, C, D, e E, com suas respectivas frases e números de compasso.

Exemplo 5: (Seção B-Frase 4- semi-frases a e b)

Exemplo 6: (Seção C-Frase 5- semi-frases a e b)

art

igo

art

igo

24

As frases e suas respectivas semi-frases da Modinha constituem o tema utilizado pelo compositor para construção das Variações desta obra. O mo-tivo básico temático apresentado é a garantia da inteligibilidade da estrutura como um todo, no transcorrer das variações. Apesar das transformações ni-tidamente apresentadas observaremos a coerência com o tema, concebida em cinco movimentos sem interrupção. Seguindo a abordagem analítica de Schoenberg, o estudo da obra Variações Sobre Uma Velha Modinha, correspon-de a este princípio de variedade e transformação do tema musical.

4.2 Primeira Variação - moderado, mas mais movido

A clarineta abre esta Variação com um harpejo ascendente em fá menor com sétima maior, indo do registro grave ao médio e finalizando a frase inicial com uma a escala ascendente em dinâmica de mf ao f. As fórmulas de compas-so variam em 4/4, 5/4, 2/4, e 3/4. Nesta Variação, o motivo temático é modifica-do e realizado no início pelas cordas, que tocam duas semicolcheias seguidas por uma semínima. A primeira semi-frase, 1a, aparece na voz dos primeiros violinos apresentada do tom homônimo do tom original, mi bemol menor. O acompanhamento é feito de maneira dissonante, explorando trítonos.

O clarinetista precisa ter atenção para que o ritmo se mantenha preciso a cada nova entrada, onde os cromatismos ascendentes devem ser realizados com clareza de articulação. Isto pode ser auxiliado com uma respiração rápida e precisa. Principalmente no compasso (c.) 32 (semi-frase 2a), com indicação de a tempo e molto expressivo, o ataque nas regiões média e aguda da clarineta, em dinâmica forte, requer segurança e atenção, para que o primeiro violino execute o pizz. (nota Lá) junto a nota aguda da clarineta.

Os primeiros violinos, com a orquestra tocando em tutti, realizam um ar-pejo de Láb menor, c. 34, e iniciam com a clarineta a semi-frase 2b. A termina-ção desta frase, que foi ritmicamente variada por aumentação, é realizada pelo solista em rallentando. É necessário que seja expressiva, com dinâmica forte, para que se ouça a finalização da frase. Com indicações de a tempo e expressivo, as violas iniciam em soli a semi-frase 3a, c. 37, acompanhadas apenas pelos ce-los e baixos. O solista inicia a semi-frase 3b em escala cromática ascendente, sem grandes dificuldades. Continua a elaboração da melodia, Frase 4, onde a semi-frase 4a é realizada pela clarineta em região aguda do instrumento com articulação variada, terminando este segmento. Antes de iniciar a semi-frase 4b, as cordas agudas tocam uma escala cromática também, mas descendente. Os celos em anacruse (soli), com acompanhamento de violas e baixo, con-cluem esta frase com diferentes articulações (c. 45-50).

Seção Descrição Frases CompassosA Primeira Variação (Mib)- moderada, mas mais

movido (semínima = 84)1, 2, 3 e 4 26-52

B Segunda Variação-moderado (mínima = 72) 1, 2, 3, 4 e 5 53-90C Terceira Variação-movido (semínima = 138) 1, 2 e 3 91-150D QuartaVariação - Moderadamente lento (semíni-

ma = 80)2, 3, 4 e 5 151-201

D’ Episódio- lento, misterioso (semínima = 56) 1 e 2 202-213E Quinta Variação - rápido alegre (mínima pon-

tuada = 96)1, 2, 3, 4 e 5 214-357

Quadro 2: Estrutura das Variações

art

igo

25

Os primeiros e segundos violinos preparam a finalização desta primeira variação em escala cromática ascendente poco f. O motivo inicial da semi-frase 2b é modificado e apresentado no registro agudo da clarineta para finalizar em rall e p. Ela sofre uma expansão rítmica e, harmonicamente, mantém o modo menor da variação. Porém, conclui sobre o acorde de Mi bemol maior com Fá no baixo.

4.3 Segunda variação - moderado

Esta variação é elaborada a partir da melodia da Modinha e através de processos de aumentação rítmica, utilizando-se dos compassos 3/2 e 2/2, e de trêmulos medidos como acompanhamento. Em contraste com a primeira variação, a melodia inicia com o motivo temático transformado em quatro colcheias com movimento descendente em tons inteiros pela clarineta, porém no mesmo registro que na primeira, na região grave do instrumento, c. 53.

A melodia segue em trilos de semitom e com linha cromática descen-dente, o que é de difícil execução na região escrita, chamada de “garganta” e que possui pouca sonoridade e exige muita destreza motora (c. 54-60). Manter a sonoridade nesta região acusticamente precária e apoiar os tem-pos fortes do compasso é importante para trazer segurança rítmica para o executante e, consequentemente, facilitar mudança simultânea dos acor-des em trêmulos das cordas. Para tal, deve-se fazer uma boa respiração na pausa do c. 57, antes de iniciar a próxima frase.

Após a repetição dos trilos descendentes em três compassos (Sib, Sol, Mi), segue (c. 60-70), uma das partes mais difíceis para o solista, pois re-quer precisão rítmica e destreza motora. É necessário manter este trecho com dinâmica forte, quando no grave da clarineta, pois podem ser facil-mente encoberto pelas cordas. Além disso, apoiar os tempos principais do compasso ajuda no acompanhamento dos trêmulos pelas cordas.

O caráter mais sombrio deste movimento é sustentado pelas cordas que realizam trêmulo medido em justaposição de terças e segundas, em di-nâmica piano. Em anacruse, a semi-frase 2a começa no c. 63, pela clarineta, com fragmentos do motivo gerador (intervalo de 6ª maior). No c. 65, a cla-rineta toca uma linha melódica em tercinas construídas sobre terças des-cendentes, enquanto as cordas, em tutti, executam semicolcheias em terças descendentes. Ela continua este evento numa grande escala descendente em semitons cromáticos até sua região grave, finalizando em um trilo.

O timbre delicado das cordas graves é ouvido a partir do c. 72, através de solos realizados pelos violoncelos e viola, utilizando-se da semi-frase 3a transformada. Os violinos continuam a projetar o efeito de justaposi-ção de segundas e terças, em sentido melódico contrário.

A partir do c. 77, a clarineta apresenta a semi-frase 4a com transfor-mações em escalas descendentes de terças, escala cromáticas e trilos. Os violinos em solo iniciam em tercinas a frase final desta variação, c.84, acompanhado por figuras de semicolcheias em terças e segundas descen-dentes, com uma variante da semi-frase 5a. Sem que a orquestra interrom-pa a sequência das variações, um pianíssimo com molto crescendo em trê-mulo prepara a entrada da próxima variação.

4.4 Terceira variação - movido

art

igo

art

igo

26

Movido, esta é a indicação do andamento desta terceira variação, distin-guindo-se das variações anteriores. Ao ornamentar com apojaturas, Lacerda camufla a presença dos fragmentos das semi-frases 1a e 2a, c. 91-92 e 99-100. No início desta variação (c. 91-109), o instrumento solista desenvolve um diálogo com a orquestra. Sua linha melódica demonstra um caráter jocoso e lúdico atra-vés do uso de diferentes articulações e ornamentações. As articulações desta variação são bem variadas: ligaduras, acentos, stacattos, pizzicatos e stacattos sob ligadura. O compositor usa diversas ornamentações: apojaturas simples, apoja-turas tripla e trilos. Estas ornamentações devem ser realizadas de maneira leve e rápida, procurando apoiar as notas de tempo forte, o que facilitará a manuten-ção da pulsação do andamento e o caráter movido, sem arrastar.

Na sequência, (c.110-128), o solista, em compasso 3/4, inicia uma frase sin-copada com fragmentos da semi-frase 3a, com caráter cantante realizado na região média e aguda da clarineta (c.110-116). Intercalando com o solista, os primeiros e segundos violinos (c.114-127) dão continuidade à linha melódica, tocando na região aguda, em dinâmica forte e brilhante. O solista se junta aos violinos em uníssono para encerrar este segmento. Enquanto a linha melódi-ca permanece em ternário simples, 3/4, o acompanhamento das cordas graves alternam entre ternário simples e binário composto através do uso de semíni-mas pontuadas no compasso 3/4.

No c. 128, enquanto a orquestra termina o segmento anterior, a clarineta ini-cia um novo trecho (c.128-150) com a semi-frase 1a camuflada. Esse trecho fi-naliza esta variação, tendo as mesmas características do segmento inicial (c.91-109), contudo, concluindo com uma fermata longa sobre uma pausa geral.

4.5 Quarta variação - moderadamente lento

Em dinâmica pianissimo os celos e os segundos violinos iniciam esta va-riação com um desenho rítmico de acompanhamento 3/4. No compasso se-guinte, a viola inicia uma melodia de dezoito compassos (c.152-169). Este seg-mento de caráter melodicamente sombrio é realizado pela orquestra em tom menor, preparando a entrada do solista. A clarineta apresenta uma melodia cantante e expressiva no registro agudo, na qual o compositor faz o uso de va-riadas dinâmicas (p, pp, mf, crescendo, diminuendo) e expressões (poco affret, poco rit, acce. a tempo), com cromatismos, ligaduras e acentos. É importante evitar ataques agressivos no início destas ligaduras para não prejudicar o caráter fluente e doce desta linha melódica.

O episódio seguinte (c. 181-184) inicia nas cordas graves duas sequências cromáticas repetidas, mudando de ternário para quaternário. Esta variação se encerra com o episódio dos compassos 189 a 201, com variadas mudanças de compassos, onde a clarineta executa, sem dificuldades, uma melodia em diminuendo e expressiva acompanhada pelas cordas, utilizando elementos da semi-frase 4a e 4b.

4.6 Episódio - lento, misterioso

Sem interrupção, um pequeno episódio é iniciado pelos contrabaixos e violoncelos em dinâmica pianíssimo, lento e misterioso. Este trecho é trabalha-do como um recitativo. Nele, o compositor explora algumas possibilidades da tessitura cantante e misteriosa nos registros garganta e médio do instrumen-to, e utiliza fragmentos harmônicos das frases 1a, 1b e 2b. O grupo de seis notas em movimento rápido e ligado (sextinas arpejadas), na região média do ins-trumento, deve ser executado de forma semi-livre com articulação clara. As

art

igo

27

cordas graves apenas acompanham em pianissimo, com indicação sequencial de accel, rall, rit e a tempo. Sem nenhuma interrupção, os celos e contrabaixos em escala ascendente cromática, executam tercinas em accel e stacatto, em di-nâmica crescendo, para a entrada da última variação.

4.7 Quinta variação - rápida, alegre

Esta variação é iniciada com as cordas tocando em compasso 3/4 e em anda-mento alegre e movimentado. O conteúdo desta seção constitui uma dosagem de elementos repetidos e variados do material já apresentado. Nesta última va-riação, as relações com o tema são mais identificáveis. Quanto ao aspecto tonal, geralmente conserva o mesmo tom, com modulações passageiras.

A clarineta inicia a melodia em anacruse, no registro médio do instrumento com sonoridade cantante, tocando as semi-frases 1a e 1b (c. 216-224). O solista tem que realizar a cada frase uma respiração segura e precisa, para que o senti-do melódico não seja cortado. As semi-frases 2a e 2b é apresentada pela clari-neta (c. 224 a 236). Embora marcado mf, este trecho sincopado requer atenção do solista, pois a melodia está na região grave do instrumento, de pouca sono-ridade, podendo ser “coberto” pela orquestra (c.237-242). Ele é repetido mais adiante na oitava superior (c.251-256). Depois de um longo trilo, ao realizar as escalas descendentes (c. 260-277), é necessário manter uma sonoridade clara e equilibrada entre os registros grave e agudo, para que a melodia se mantenha fluente. Neste trecho estão presentes as semi-frases 4a e 4b.

Depois de cinco compassos de pausa com intervenção orquestral, o solista tem uma das partes técnicas de maior dificuldade de execução, pois requer pre-cisão rítmica e destreza motora, em terças descendentes (c. 283-291). No trecho seguinte, volta a mesma dificuldade técnica para o clarinetista (c. 299-315 ).

No registro agudo da clarineta, com caráter brilhante, são realizadas expres-sivamente as próximas frases que preparam o final desta variação (c.318-329). A orquestra prepara a partir do c.238, em pedal harmônico (acorde de Si me-nor com sétima), o final desta última variação. Inicia-se uma melodia no regis-tro médio e grave da clarineta, culminando em uma escala de semicolcheias ascendentes para a nota mi6 do instrumento, com dinâmica f e,em seguida, todas as cordas realizam um trêmulo medido(c.339-349). Depois de uma pau-sa geral de um compasso, o solista realiza em poco rit a última frase da obra, com fragmentos da semi-frase 4b (c.351-357). O solista e orquestra, em f, tutti e acentuado, finaliza a obra com a última nota desta semi-frase, mi bemol.

CONCLUSÃO

A construção de cada uma das variações está intimamente relacionada à estrutura composicional da melodia básica, a modinha, Róseas Flores d’Alvo-rada. Determinante na concepção da obra do compositor Osvaldo Lacerda, a modinha escolhida possui grande amplitude, oferecendo vantagens no aspec-to de variedade e liberdade para transformações. Ela oferece ao compositor a possibilidade de alternar os contrastes e efeitos dos motivos, ou do motivo temático gerador, em benefício da unidade. A vitalidade desta obra se traduz por um gradual aumento da elaboração das variações. Podemos concluir que, vital na composição moderna, o processo da variação foi realizado com maes-tria pelo compositor Lacerda, dando uma valorosa contribuição para o reper-tório clarinetístico brasileiro.

art

igo

art

igo

28

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Mário. Modinhas Imperiais. São Paulo: Martins, 1980, p.13.

CAMPANHÃ, Odette F., TORQUIA Antônio. Música e Conjunto de Câ-mera. São Paulo, 1978.p.183.

LACERDA, Osvaldo. Analise d’O Menino Doente para Canto e Piano.Ca-dernos de Estudo: Análise Musical, nº2, São Paulo, Atravez, Abril, 1990,p. 73.

MARIZ, Vasco. A História da Música no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civi-lização Brasileira, 1983, p.251.

NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ri-cordi, 1981, p. 143.

TROVADOR. Coleção de Romances, Modinhas, Lundus. Rio de Janei-ro: Casa Bevilacqua, s.d.

RETI, Rudolph. The Thematic Process in Music.West Port: Grenwood Press, 1978.

SIQUEIRA, Baptista. Modinhas do Passado. Rio de Janeiro: Folha Cario-ca, 1979, p. 115.

SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. São Paulo: USP, 1991, p.201-203.

P rofessores da Técnica Alexander são procu-rados para resolver problemas de descon-forto e dores nas articulações, distonia focal,

tendinites, hérnias de disco, etc.Geralmente, após algumas sessões do método, os

problemas de ordem esqueleto-neuromuscular di-minuem, ou logo desaparecem, pois bons professo-res não tentam resolver um problema diretamente. Ao contrário, conforme veremos, eles ajudam seus alunos a mudarem o foco do problema particular para se conscientizarem de seu organismo integral, que é o instrumento que utilizamos para fazermos tudo o que fazemos.

Boa parte dos músicos brasileiros reconhece os benefícios que a Técnica Alexander oferece para o instrumentista e o fazer musical. Ela é muito fácil de aprender, porém não tão fácil de ser explicada por palavras. Nada substitui uma aula prática do méto-do. Todavia, começando a entender que somos um instrumento para viver talvez facilite.

Você, clarinetista, é um instrumento que toca uma clarineta e, que para isso, teve de observar al-guém tocar a clarineta, ou ter aulas com um profes-sor, para aprender que a clarineta se apoia na mão direita, que os dedos das mãos têm de pressionar chaves e buracos, e que para produzir sons, você tem de fazer movimentos com os braços, lábios, língua e deixar o tórax respirar.

Contudo, na melhor das hipóteses, todos nós, enquanto instrumentos de viver, aprendemos, na-tural e instintivamente, a usar nosso corpo sozinhos.

Ao nascer, por exemplo, se as condições tiverem sido corretas, para satisfazermos a fome, através do olfato, sentimos o cheiro do leite materno e giramos a cabeça sobre o pescoço para sugar, com a boca, o seio.

Da mesma forma, após uns tantos meses de ex-perimentos e aprendizagem prática, aprendemos a caminhar, caindo e levantando e, enfim, conquista-mos a autonomia para andar, correr, nadar, fazer pi-ruetas... e tocar clarineta!

A imitação nesse processo é muito importante, mas pode vir a ser um problema.

Estabelecemos hábitos copiando os outros, ou praticando qualquer coisa por tentativa e erro. Ao mesmo tempo, assim, instituindo nosso “jeito de ser”, desperdiçando tempo, energia e maltratando o corpo. Esses hábitos passam a comandar nossas ações e, mais cedo ou mais tarde, sofremos por não conseguirmos mais resolver nossas dificuldades para tocar, pois “o corpo não nos obedece mais”.

O fato é que ninguém nunca nos ensinou como nosso organismo funciona.

Você, por acaso, já considerou que mente e corpo compõem uma unidade e, que como tal, funcionam como um todo e não partes de um organismo?

A maioria dos musicistas sofre de dores, específi-cas ou generalizadas, como fadiga muscular, dificul-dade em controlar o nervosismo antes e durante as performances, etc. Excesso de tensão na embocadu-ra, tensão para segurar a clarineta, dificuldade na di-gitação (pressão inadequada), dinâmica e expressão do sopro, dificuldades com a respiração, movimen-tos restritos, devido ao desequilíbrio, e dores em ge-ral são algumas das dificuldades específicas comuns aos clarinetistas.

Contudo, dificuldades de movimentos por ex-cesso de tensão, seja na boca, na cabeça, nos ombros, no pescoço, nos quadris, nas pernas, nos braços, nos pés ou nas mãos, não são prerrogativas dos músicos. Elas são dificuldades típicas de qualquer pessoa, de-

Reinaldo Salvador RenzoA Clarineta Convida

A Técnica Alexander, Clarinetas e Clarinetistas

“Você transforma tudo, seja físico, mental ou espiritual, em tensão muscular!”

F. M. Alexander

A C

lari

net

a C

onvi

da

30

vido também, à maneira inconsciente com a qual usa-mos e organizamos o equilíbrio de nosso organismo.

Quando identificamos algum problema, como a falta de agilidade na língua para um staccato, por exemplo, nunca consideramos que o problema não seja na língua mas sim devido à uma tensão desne-cessária na nuca, no tórax ou ainda nas pernas. Tal-vez por ansiedade, que, por sua vez também interfe-re no pescoço – e na língua – e, por conseguinte, na respiração.

Se quisermos diminuir a frequência das dores e não perder energia e tempo com tentativas e erros, precisamos agilizar nossa mente para aprender a observar, e ao mesmo tempo agir, sentindo o corpo, desenvolvendo a capacidade que Alexander cha-mou de controle consciente. John Dewey, educador e filósofo americano, também aluno de Alexander, chamou isso de Pensar Em Atividade.

O controle consciente, porém, não é o controle dos músculos e dos movimentos ditando o que o corpo tem de fazer. Conforme arriscou um aluno sa-xofonista, o controle consciente significa estar cons-ciente do controle que faz o corpo funcionar. Esta ati-tude nos ajuda muito a reconhecer as interferências desnecessárias que atrapalham o melhor funciona-mento do corpo.

Vale a pena considerar que a comunicação para o controle dos movimentos se dá subconsciente e constantemente, todavia, nossa mente pode obser-var essas interferências. Elas são respostas que da-mos aos estímulos recebidos, sejam eles externos ou internos, provenientes de nossos desejos, hábitos e crenças, e é graças a essas respostas que o corpo ex-pressa seus movimentos.

Com a Técnica Alexander aprendemos conscien-temente a reconhecer as informações provenientes do corpo, inclusive as interferências desnecessárias que produzimos como respostas, e aguardamos até que projetemos novas atitudes durante a ação.

Esses fundamentos do método podem mudar nossa condição psicofísica, proporcionando menor gasto de energia e maior eficiência nos movimentos.

Assim, educação e saúde se unem, conforme as seguintes ilustrações.

Um aluno chega reclamando de uma tendinite no punho direito. A tendinite é resultado de algum esforço (tensão) desnecessário. Ele acreditava que para aumentar a agilidade de frases longas de semi-colcheias, tinha de “manter a postos” o dedo míni-mo direito próximo às chaves que aciona, não per-mitindo que ele retornasse à condição de repouso integrado à mão, punho e braço, equilibrando-o com o resto do corpo, mesmo nos instantes em que estas chaves não tinham de ser pressionadas.

Como Alexander, que, durante suas pesquisas para se livrar da rouquidão, acreditava que tinha de tensionar o pescoço para falar alto e atingir o fundo da plateia, esse aluno acreditava que deveria movimen-tar o mindinho o menos possível, para “economizar tempo”. Isso impedia que o fluxo do movimento do corpo se estendesse, através do braço e da mão, para o dedo, e de volta ao pescoço, provocando dor.

Contudo, a tendinite foi um alerta para ele se in-

vestigar e a partir dessa aula, quando descobrimos que a origem da rigidez no punho estava numa ati-tude mental inconsciente, de “fixar” o dedo mínimo, seus sintomas começaram a aliviar.

Note que a solução se apresentou não sob um co-mando direto para “tratar, ou resolver, o que estava errado” no punho onde ele sentia a dor!

A mente não é o cérebro.O cérebro é um órgão e é de sua porção mais jo-

vem, o córtex que, voluntária ou involuntariamente acontecem o planejamento e os comandos para o movimento. O equilíbrio necessário para movimen-tos eficientes e harmoniosos é orquestrado por uma parte mais primitiva do cérebro, o cerebelo, que uti-lizando reflexos, o faz de maneira INVOLUNTÁRIA. Portanto, apesar do córtex poder comandar volun-tariamente os movimentos, suas ações acontecem reflexa e livremente.

Porém é na mente – consciente e inconsciente – que a capacidade da percepção e escolha se origina. Com a Técnica Alexander, percebemos primeiro as necessidades reais do corpo, escolhemos não inter-ferir com os mecanismos instintivos do controle do equilíbrio e da postura, enquanto percebemos os movimentos se tornarem mais leves e eficientes.

“. Esse tipo de atitude torna a Técnica Ale-xander uma disciplina para a autoeducação e autoconhecimento, um mode trivial de prati-car a expansão da consciência.”

“Essa história de percepção, inteligência e persistência mostrada por um homem sem formação médica é um dos verdadeiros épicos da pesquisa e prática médicas.”

Nikolaas TinbergenPrêmio Nobel de Medicina, 1973,

aluno da técnica

Alguns clarinetistas atribuem suas dores e seus desconfortos musculares ao peso do instrumento. Eles acham, porque assim o sentem, que é difícil “segurá-lo” por tanto tempo. Mal sabem que é na palavra segurar que reside o problema, e ao mesmo tempo a solução, dessa e de tantas outras questões.

Segurar significa não deixar que o fluxo se expres-se. Assim, a intenção de segurar a clarineta não só dificulta o movimento dos dedos como também dos braços que, por sua vez, , ao mesmo tempo, restrigem a mobilidade torácica e uma respiração livre e fluida.

Contudo, considerar que a clarineta não precisa ser segurada, e sim apoiada, não só no polegar mas também pelo corpo inteiro, pode contribuir muito para que instintivamente, a musculatura se organi-ze e distribua as forças do peso do instrumento para todos os ossos do corpo. Desta maneira as ações de dedos, braços e da respiração ficam livres para pro-duzirem um melhor som. Como bônus, tocar fica mais prazeroso. Isto pode ser muito facilmente de-monstrado com a ajuda de um professor da Técnica Alexander.

A C

lari

net

a C

onvi

da

31

A C

lari

net

a C

onvi

da

“A prática da Técnica Alexander fa-vorece o estudo técnico do instrumento. Cada vez que me lembro de pensar con-forme praticado nas aulas da Técnica, o estudo fica mais leve e produtivo. Com o acréscimo de torná-lo mais divertido!”

Victor Sandoval Alva clarinetista, aluno da técnica

O depoimento do clarinetista Ovanir Buosi, so-bre uma experiência que teve com uma clarinetista à época de seu curso de formação como professor da Técnica Alexander, ilustra isso muito bem:

“... ela veio até mim para uma aula particular de clarineta por indicação do seu próprio professor, que conhecia meu trabalho. Ela estava bem nervosa e ansiosa no início da aula. Lembro dela ter tocado a exposição do concerto de Mozart para cla-rineta e orquestra.

Pedi que ela tocasse mais uma vez. O nervosismo inicial havia amenizado. Propus-lhe alguns “experimentos” rela-cionados à sua emissão, que se mostrara bastante forçada e ofegante, dificuldades anunciadas no início da aula. Não falei diretamente sobre respiração ou métodos respiratórios. Apenas pedi que ela tocas-se alguns sons (sol aberto, mi grave...). Aí propus que ela me deixasse segurar seu instrumento enquanto ela tocava. “Cons-cientemente” eu estava interessado em fazê-la refrear alguns dos seus hábitos ligados à maneira de segurar o instrumento e a preparação para soprar. Queria dar-lhe uma nova experiência sensorial. Pedia que se afastasse da clarineta e que, se pudesse, desistisse da ideia de tocar, enquanto ob-servasse os músculos dos ombros, braços e mãos, que são diretamente envolvidos na sustentação do instrumento. Então pe-di-lhe que caminhasse em direção ao ins-trumento, que eu continuava a segurar na mesma posição. Quando ela já estava próxima ao instrumento, pedi que paras-se, pois percebi que seus braços, dedos e co-tovelos tinham a “necessidade”, fazendo a menção, de pegar a clarineta. Mais uma vez, sugeri que desistisse desta ideia.

Ela estava ao mesmo tempo observan-do a clarineta e a si mesma, enquanto a bo-quilha já estava a um centímetro dos seus lábios.

Permiti então que tocasse, comigo ain-da segurando o instrumento. Enquanto ela tocava, ainda mantendo sua auto-observação, permiti que ela deixasse os braços levarem suas mãos na posição de apoiar a clarineta, “mas sem segurá-la”. Aí eu fui soltando o peso do instrumen-to em suas mãos. Ela ficou muito sur-presa ao perceber que eu já não estava mais sustentando o instrumento e por sentir ‘um agradável estranhamento’. Perguntei-lhe se tinha percebido alguma mudança em relação ao som. Ela disse que percebera uma melhora considerável na qualidade e no volume, mas que ‘não sabia como aquilo tinha acontecido’.

Pequenos experimentos, de manei-ra indireta como este, contribuem muito para um melhor qualidade sonora.”

O procedimento simples e indireto utilizado por Ovanir, através de uma “condição” de vantagem me-cânica, proporcionou à aluna uma experiência de funcionamento mais equilibrado. Sua atitude cons-ciente , automaticamente, equilibrou os músculos de estabilização permitindo que os músculos motores tocassem livremente. Porque Ovanir percebeu que ela sentia que seus braços tinham que tensionar para pegar o instrumento, ele indiretamente propiciou que ela vivenciasse uma nova apreciação sensorial que pas-sou a fazer parte de seu repertório motor, agora dispo-nível para ela.

“...pensadores neste campo jamais de-senvolveram uma técnica para trazer o material sensorial sob um controle útil e definido.... Seu campo correto para apli-cação é com as crianças, com as gerações futuras, para que elas talvez venham a possuir, o mais cedo possível na vida, um padrão correto da apreciação sensorial e do autojulgamento.”

John Dewey educador e filósofo estadunidense

RECONQUISTANDO A CONDIÇÃO MECANICA-MENTE VANTAJOSA

A mais divulgada prática da Técnica Alexander é a posição de deitar em semi-supina, uma condição

32

A C

lari

net

a C

onvi

da

de vantagem mecânica. Podemos chamá-la também de repouso ativo, onde a mente ativa percebe o es-queleto em repouso enquanto toda a musculatura volta ao seu tônus natural. Embora isso relaxe, seu objetivo não é o relaxamento.

Ilustro abaixo a maneira como um de nossos alu-nos pratica esse procedimento.

Para Giuliano Rosas, o repouso ativo o ajudou muito, mesmo antes de ter tido aulas da Técnica Alexander.

“... tive a oportunidade de entrar em contato com a prática da semi-supina através de uma colega de faculdade que me explicou superficialmente como seria. Nes-sa época, experimentava uma tensão gene-ralizada e tinha bastante dores pelo corpo, principalmente costas e pescoço; também tinha uma dor de garganta intermitente e um ronco que me atrapalhava bastante o sono.

Na minha ignorância sobre os conceitos da técnica, comecei a deitar frequentemen-te, conforme as instruções dessa colega.

Era um dos melhores momentos do dia, me deitava e esperava que algo acontecesse, ficava ali por 20 minutos, que ao final tra-ziam um alívio momentâneo.

Não acredito que seja coincidência, mas a dor de garganta e o ronco foram melhorando até que eventualmente desa-pareceram.

No decorrer dos anos futuros aprendi muito nas aulas particulares de Técnica Alexander, imprescindíveis para ter uma noção real do que se trata esta prática. No entanto a semi-supina é uma ferramenta ao alcance de todos e que pode trazer mui-tos benefícios para os clarinetistas. Ou quem quer que seja.”

Experimente!

Nesta posição, experimente desejar seu pescoço solto para deixar a cabeça livremente apoiada sobre alguns livros. Porém, o maior apoio está sobre a colu-na, e não sobre os livros.

Continue desejando o pescoço solto ao longo da coluna vertebral, entre a cabeça e a pélvis e se espa-lhando até as mãos e os pés.

Desta maneira, você pode perceber que todas as partes do corpo, que estão diretamente apoiadas so-bre o chão, são necessária e naturalmente, direciona-das, de volta para o teto, para cima, respondendo aos efeitos gratuitos da 3ª Lei, da Ação e Reação, de Isaac Newton!

Não há necessidade de fazer esforço físico para que uma lei se imponha. Portanto, não tente “fazê-lo”. Simplesmente deseje o pescoço solto e perceba o equilíbrio dinâmico dos joelhos.

O equilíbrio da estrutura óssea desta maneira é a condição mecânica da posição que promove um me-lhor tônus muscular!

TÉCNICA ALEXANDER OU UM MÉTODO RESPI-RATÓRIO?

33

Originalmente a Técnica Alexander foi chama-da de Novo Método de Reeducação Respiratória. Para entender melhor este útil e importante assunto, o da respiração, segue um breve histórico da Técnica Alexander e alguns de seus princípios fundamentais.

“Eu não alego ter descoberto algum novo método respiratório, mas de ter com-preendido o único verdadeiro: o da Natu-reza!”

F. M. Alexander

No final do século XIX o ator Frederick Matthias Alexander ficava rouco e seus médicos não conse-guiam ajudá-lo. Seu problema, acreditava ele, ocor-ria sempre durante suas apresentações. Mas, com ajuda de espelhos, Alexander se certificou de que era o que ele estava fazendo no palco que causava seu pro-blema. Alterando a posição, do que ele mais tarde chamou controle primordial, a relação entre a cabeça, o pescoço e o tórax, Alexander descobriu seu padrão inconsciente de funcionar.

Durante meses de pesquisa sobre si próprio, Alexander constatou que o organismo funciona de forma integrada e que o funcionamento desse orga-nismo depende da maneira como o seu controle pri-mordial é usado.

Assim, ele concluiu que a única maneira de alte-rar seu padrão, seria parar de fazer o que ele estava fazendo “de errado” com a cabeça, o pescoço e o tronco.

INIBIÇÃO

“Grande parte de nossos probemas de saúde advêm do USO inconsciente que fa-zemos de nós mesmos.”

F. M. Alexander

Alexander defende que a grande maioria dos pro-blemas físicos advém do mau uso que fazemos do corpo. Esta constatação oferece um ponto de vista muito diferente da maioria das abordagens terapêu-ticas e educacionais vigentes.

Nós criamos as condições para sermos saudáveis ou doentes!

Ao invés de nos sentirmos culpados com esta constatação, podemos utilizá-la como fonte de em-poderamento. As dores, portanto, são nossas alia-das, pois nos informam que algo está errado. Com elas aprendemos a percorrer novos meios de autoco-nhecimento, aumentando a possibilidade de solu-cionarmos nossos próprios problemas.

OS MEIOS PELOS QUAISEste princípio alexanderiano, o dos meios pelos

quais fazemos qualquer coisa, pode ser ilustrado com dois ditados da cultura popular que se confundem:

“Os fins justificam os meios!” Com esses meios,

não importa como obtemos algo, o importante é consegui-lo.

Em contrapartida, a jornada com “Os meios justi-ficam os fins” utilizando a inibição de respostas habi-tuais, com a direção consciente do controle primordial, significa que a jornada já é a qualidade do resultado.

“Os preconceitos e hábitos de pensa-mento são os primeiros obstáculos (senão os únicos) para o ensino do controle cons-ciente.”

F. M. Alexander

RESPIRAÇÃO E CONTROLE PRIMORDIAL

O controle primordial não é uma invenção de Ale-xander. Ele é um aspecto fisiológico, comportamen-tal, fruto da nossa evolução, compartilhado com to-dos os vertebrados, que rege e tem o poder de alterar a qualidade e o funcionamento de todos e quaisquer movimentos que fazemos.

Sabemos que é na região do controle primordial que estão localizados a mandíbula, a língua, a laringe, a faringe, a traqueia e os pulmões, os órgãos da fona-ção, os mesmos utilizados para o sopro.

Em O Uso de Si Mesmo, o terceiro livro de Alexan-der, escrito em 1931, o autor descreve minuciosamen-te como desenvolveu seu método. Ele sugere que a qualidade de fazermos tudo o que fazemos, inclusive respirar, depende de como usamos nosso controle primordial, onde nossos hábitos físicos, psíquicos e mentais se concentram.

Fala-se muito em cadeias musculares e muito pouco sobre as cadeias mentais!

“Respiradores profissionais”, como músicos de instrumentos de sopro e cantores, consideram como “apoio” alguma maneira, ilusória, de controlar as ten-sões de um músculo ou de um pequeno grupo de músculos. Esse controle promove tensões desnecessárias e, por-tanto, prejudiciais.

Expressões como treinar uma respiração diafrag-mática (como se existisse outro tipo de respiração), abdominal (como se os pulmões se localizassem no abdome), ou mesmo como praticamos, com um vago conceito, o “apoio”, são, do ponto de vista fisiológico, variações de diferentes interferências desnecessárias.

O diafragma inicia a inspiração estimulado pelo nervo frênico.

Este é o único nervo controlando o diafragma. Ele faz parte do sistema nervoso autônomo e, por isso, é impossível de ser controlado diretamente!

“Você pode muito bem tentar fazer com que seu coração pare de bater ou que seus pulmões parem de respirar...

Mas com que finalidade você faria isso?

Yongey Mingyur Rinpoche

A C

lari

net

a C

onvi

da

34

O diafragma está localizado entre as duas cavi-dades do tronco, a torácica e a abdominal, que, por sua vez, são apoiadas sobre a pélvis e pela muscu-latura do torso. Uma de suas funções é integrar o tronco. Ignorantemente, contraímos a musculatu-ra do tronco para nos dar a sensação de que estamos controlando o diafragma. Mas os movimentos do diafragma não são isolados, eles têm a colaboração de muitos outros músculos. A rigor, dos de todo o corpo.

A respiração funciona mecanicamente, de ma-neira colaborativa, obedecendo às ações – contra-ção e relaxamento – dos músculos do tronco, fun-damentalmente do tórax, para que o diafragma se contraia na inspiração. Nós podemos inibir tempo-rariamente que a inspiração ocorra, mas não con-trola-la. Por outro, lado o relaxamento do diafrág-ma para a expiração, pode ser melhor controlado pela observação de como podemos não interferir com nossos hábitos aprendidos.

Assim, com o fluxo voluntário e ininterrupto da mente pensante, não há a menor necessidade de criarmos tensão extra ao redor do abdome, da tra-queia, do nariz ou da boca para obter uma boa res-piração. Essa respiração é, fruto de ações corporais livres dos hábitos, matéria prima para nossa reedu-cação.

Apoio, portanto, seria o controle do aprumo do esqueleto, com a intenção de equilibrarmos a cabe-ça livremente sobre a coluna para que as ações dos músculos envolvidos na respiração, façam somen-te os esforços que têm de ser feitos para, no caso dos músicos, a melhor eficiência e expressividade da obra.

CONCLUSÃO

“O esforço e a tensão desnecessária não têm de fazer parte de seu cotidiano! Comprovada abordagem para o cuidado pessoal, a Técnica Alexander nos ensina a desaprender padrões habituais que cau-sam tensões desnecessárias em tudo o que fazemos. Ela é usada por pessoas de todas as idades para melhorar o desempenho de qualquer atividade, melhorar a postura e aliviar dores e estresses causados pelo mal-uso diário do corpo.”

British Medical Journal

Conforme os exemplos ilustrados ao longo do texto, gostaria de reforçar que os problemas de saúde dos clarinetistas não residem na forma do instrumento, no seu peso ou posição; na distância entre os dedos para certos intervalos, na disposição das chaves, da boquilha, das palhetas; nem mesmo na altura das cadeiras, ou de sua localização na or-questra. Muito menos na força que o ar tem de ven-

cer para entrar no instrumento. Seus problemas residem na maneira como o clarinetista, enquanto “instrumento”, usa o seu organismo psicofísico. Ele precisa estar apto a reconhecer e decidir, res-pondendo apropriadamente, às exigências técni-cas ensinadas pelos diversos professores encontra-dos ao longo de sua formação.

Saliento também que, apesar de trabalharmos com o corpo, a Técnica Alexander não é um traba-lho corporal que ensina boa postura. Ela é um tra-balho sobre o sistema nervoso que integra todo o organismo. Tampouco ensinamos nossos alunos a fazerem alguma coisa “correta”. Muito pelo contrá-rio. É a partir do não fazer que estimulamos nossos alunos a reconhecer como eles podem lidar melhor com sua habilidade de reagir aos estímulos da vida diária, proporcionando um melhor funcionamento corporal, inclusive, enquanto fazem música.

FICA A DICA:Hoje à noite tente perceber como você está na cama.Sinta seu corpo confortável, deitado no escuro, pronto para dormir e descansar depois de um dia atribulado.Você carrega consigo a tensão do dia para a cama? Ou se abre para sentir como o seu organismo está funcio-nando naquele momento?Talvez, por vício, você pegue o celular para conferir os posts mais recentes... Isto lhe causa tensão, altera seu estado?

Depois de conferi-los, tente novamente sentir seu cor-po, repare no movimento da respiração, sem interferir nela, e tenha uma boa noite de sono!No dia seguinte você acordará mais alta!

Reinaldo Salvador Renzo – saiba maisProfessor de Técnica Alexander (Inglaterra | 1995)Membro das associações britânica – STAT – e brasilei-ra – ABTADiretor da primeira Escola Brasileira de Formação de Professores da Técnica Alexander: Pensar Em [email protected] Técnica Alexander: Pensar Em Atividade:Técnica

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Todos os livros de F. M. Alexander

A Suprema Herança do Homem, 1910 (1ª edição brasileira em 2014). Pólen Editorial – Selo Ascender

Constructive Conscious Control of the Indivi-dual, 1923. Mouritz

Uso de Si Mesmo, 1932 (2ª edição brasileira em 2010). WMF Martins Fontes

Universal Constant in Living, 1953. Mouritz

Articles and Lectures, coletânea de 2000Mouritz

A C

lari

net

a C

onvi

da

35

O Encontro de Claronistas e Clarinetistas em Poços de Caldas

em 2017e a Reorganização

da ABCL Texto: Luis Afonso Montanha e Diogo Maia

Fotos: Rafaela Lopes

36

Ensaio geral para apresentação do Coral

de Clarinetes e Clarones do Encontro

com regência do Prof. Henri Bok.

37

E m nossa primeira edição da revista Clari-neta em junho de 2016, a matéria da capa focou a comemoração dos vinte anos de

encontros de clarinetistas no Brasil, sendo o pri-meiro realizado em 1996, em Brasília. Nessa mes-ma matéria também analisamos os encontros do biênio 14/15: Festival Internacional de Clarinetistas do Rio de Janeiro (FICRJ), Simpósio para Clarine-tistas USP, I Encontro Brasileiro de Claronistas - Poços de Caldas-MG, Encontro de Clarinetistas de Brasília, II Simpósio para Clarinetistas Unesp-SP, I Encontro Internacional de Clarinetistas de Belém, I Encontro Paraibano de Clarinetistas e o II Encon-tro Brasileiro de Claronistas- Maceió-AL.

Por meio dessa análise, percebemos a multi-plicação dos encontros em nosso país, a intenção dos organizadores em explorar as especificidades do instrumento no Brasil e, consequentemente, o compartilhamento dos saberes desta arte.

Nos encontros, temos a oportunidade de criar momentos de diálogos e reflexão sobre diversos aspectos, indo desde questões puramente musi-cais e técnicas até como o nosso fazer musical está sendo influenciado pelas questões sociopolíticas e qual será nosso futuro na sociedade. Assim, tal-vez, consigamos o mais importante nesses encon-tros, uma profunda autoanálise para todos os par-ticipantes. É nesse momento que realizamos uma

análise das nossas atividades e seus resultados, por meio do confronto das nossas convicções, já que só assim evoluímos na direção de uma classe de instrumentistas mais unida na sua diversidade.

Por conta de diversos fatores, nosso fazer musi-cal enquanto indivíduos é o resultado muitas vezes de pensamentos e táticas diferentes. Nesse senti-do, acreditamos que somente a constante reflexão da nossa situação como classe proporcionam novas possibilidades de caminhos para o aprimoramen-to técnico e artístico de nossa atividade. Além dis-so, essa reflexão em conjunto é fundamental para aprofundar nossas compreensões sociopolíticas, facilitando e simplificando o entendimento de inú-meras questões sobre essa arte e sua participação na sociedade.

Os encontros são mecanismos que propiciam essa alquimia, sobre o que e como estamos fazendo; eles nos oferecem possibilidades de reajustes nos aspectos estéticos e sensoriais para o tão necessá-rio aprimoramento das questões importantes para a vida pessoal e profissional. E com essa mesma intenção de possibilitar mais momentos de refle-xões, a Revista Clarineta em parceria com o Festi-val Música nas Montanhas-Poços de Caldas-MG, realizou em Janeiro deste ano o 11° Encontro Brasi-leiro de Clarinetistas e o 3° Encontro Brasileiro de Claronistas.

Ma

téri

a d

e C

ap

a

38

Ma

téri

a d

e C

ap

a

Na página ao lado, palestra com

prof. Luis Afonso Montanha e Bru-

no Avoglia. Acima, palestra sobre

clarinetas históricas com a profa.

Mônica Lucas. Ao lado, aula com

prof. Hugo Queirós, de Portugal.

39

O ENCONTRO DE CLARINETISTAS E CLA-RONISTAS EM POÇOS DE CALDAS 2017

Foram quatro dias de intensa programação, em que tivemos a oportunidade de assistir apre-sentações dos grupos: Otavio Quartier e Quarteto Araçá, Claronada RJ, Viajando pelo Brasil, Torcendo o Dedo, Quarteto Nikity, Sujeito a Guincho, Mamute Moderno, Duo Clarones, Sopros de PE e a Orquestra Potiguar de Clarinetas. Através dos Recitais de Câ-mara foi possível conhecer os trabalhos pessoais de clarinetistas e claronistas ativos na cena musi-cal brasileira, como Daniel Oliveira, Diogo Maia, Camila Barrientos, Flávio Ferreira, José Batista Jr., Marcus Julius Lander, Alexandre Silva, Ney Franco, Alexandre Ribeiro, Thiago Ancelmo, Alphonsos Silveira, Paulo Passos, Sérgio Albach, Mário Mar-ques, Jairo Wilkens e Anderson Alves. Além deles, o encontro contou ainda com a participação espe-cial de três convidados internacionais, sendo Hugo Queirós e Márcio Pereira, de Portugal, e Henri Bok da Holanda.

Na parte didática, foram oferecidas palestras sobre diversos tópicos relacionados ao clarinete e ao clarone, ministradas por professores e pro-fissionais conceituados, atuantes na academia e fora dela: Clarinetas ancestrais ou primordiais (prof. Maurício Carneiro), Improviso e processos criativos (Prof. Alexandre Ribeiro, Prof. Sérgio Albach e Prof. João Paulo Araújo), Técnicas de respiração para ins-trumentistas de sopros (Prof. Marta Vidigal), O cla-rone na orquestra: no ambiente sinfônico e operístico

(Prof. Mario Marques, Prof. André Loves e Prof. Diogo Maia, Prof. Ney Franco), Harlequim de K. Stockhausen: estratégias de aprendizagem para per-formance (Prof. Paula Pires), Clarinetas históricas (Prof. Dr. Joel Barbosa e Prof. Dra. Mônica Lucas), Entendendo Penderecki: Neo-romantismo através de suas obras para clarineta (Prof. Thiago Ancelmo), Processos da reelaboração: um diálogo entre perfor-mance e texto (Prof. Bruno Avoglia e Prof. Dr. Luís Afonso Montanha).

No último dia foi realizada uma mesa redonda em que se discutiu Palhetas, esse item essencial em nossa rotina profissional. As discussões foram conduzidas pelo Prof. Sérgio Burgani, Prof. Edmil-son Nery, Prof. Dr. Joel Barbosa e Prof. José Batista Jr. Além disso, foram oferecidas aulas individuais de instrumento (incluindo requinta, clarone, ins-trumentos de época e uma oficina popular) minis-tradas pelos professores do encontro, totalizando vinte e uma aulas, em três dias. E, finalmente, vi-sando estimular jovens instrumentistas, o encon-tro ofereceu o II Concurso Henri Bok para Claro-nistas, com a organização de Thiago Tavares e do próprio Henri Bok, tendo como vencedor o claro-nista Jussan Cluxnei.

O evento contou com mais de 130 participan-tes, dentre alunos, professores, colaboradores, organizadores, coordenadores e expositores. E no encerramento houve uma apresentação de um co-ral instrumental, sob regência de Henri Bok, com os clarinetistas e claronistas do evento.

Ma

téri

a d

e C

ap

a

40

Ma

téri

a d

e C

ap

a

Na página ao lado, Recital com Daniel Oliveira, Camila Barrientos e Diogo

Maia. Nesta página, Sujeito a Guincho com Alexandre Ribeiro. Logo abaixo,

Claronada RJ coordenada pelo prof. Cristiano Alves. À esquerda, membros

da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais: Ney Franco, Alexandre Silva e Mar-

cus Julius Lander. Acima, Viajando pelo Brasil, de São Paulo.

41

Afora toda essa programação artístico-pedagó-gica oferecida aos alunos e à comunidade, o encon-tro foi exitoso por trazer novamente à tona a neces-sidade de união e fortalecimento da nossa classe profissional. Assim, dois eventos institucionais marcaram o fim de semana de atividades: o lança-mento do segundo volume da Revista Clarineta e a reestruturação e a retomada das atividades oficiais da Associação Brasileira de Clarinetistas – ABCL.

O lançamento do segundo volume da Revista Clarineta demonstra a dedicação e o empenho dos envolvidos na produção desse importante veícu-lo de comunicação dos clarinetistas. A revista é aberta a todos que queiram submeter seus artigos, sejam científicos ou de cunho opinativo, além de publicar matérias especiais desenvolvidas pelos editores, o que proporciona um ambiente demo-crático de troca de informações e saberes, pesqui-sas e novidades comerciais – essas apresentadas pelos patrocinadores e apoiadores.

A ABCL

O outro evento realizado, de extrema im-portância para todos nós, foi a reestruturação da diretoria da Associação Brasileira de Clarine-tistas – ABCL, criada em 1996 sob a coordenação do Prof. Dr. Ricardo Freire no primeiro Encontro Brasileiro de Clarinetistas. Naquela época, houve uma primeira reunião (no dia 26 de abril de 1996) dentro desse encontro, para a fundação da ABCL.

No segundo dia [26 de abril], pela manhã,

foi realizada a primeira reunião para a funda-ção da Associação Brasileira de Clarinetis-tas (ABCL). Na reunião apresentou-se uma minuta de estatuto para votação, seguida de leitura, discussão e aprovação dos parágra-fos do estatuto estendendo-se às 11:00 horas (FREIRE, 1996).

No dia seguinte, foi realizada uma votação para a composição da diretoria:

No início da tarde foi realizada a eleição da Diretoria da ABCL e representantes es-taduais. Foi apresentada uma chapa única, eleita por unanimidade e aclamação. Presi-dente: Ricardo Dourado Freire, vice-Presi-dente: Luiz Gonzaga Carneiro, 1º tesoureiro: Manoel de Carvalho, 2º tesoureiro: Ilka Gon-çalves do Nascimento, 1º secretário: Reinal-do Pinto e 2º secretário: Fernando Machado. Foi eleito o conselho fiscal formado por José Nogueira Aguiar Jr., Maurício Loureiro, Luiz Nivaldo Orsi Filho e José Alessandro G. Silva. A seguir foram escolhidos os representantes estaduais, sendo um diretor e dois secretá-rios. Foi eleito como presidente honorário o Prof. Jayoleno Santos, por sua atuação decisiva na formação de clarinetistas brasi-leiros como professor, músico fundador da Orquestra Sinfônica Brasileira e divulgador da clarineta. Em seguida foi escrita a ata de fundação da ABCL, lida e assinada por todos os presentes (Ibidem).

Ma

téri

a d

e C

ap

a

Foto: Sandra Ferraz.

42

Na página ao lado, participantes do I Encontro da ABCL em 1996

tocando no encerramento do evento, no ParkShopping, Brasí-

lia. Nota-se a presença do saudoso professor Gonzaguinha, Luiz

Gonzaga Carneiro, quarto da direita para a esquerda. Acima, Jus-

san Cluxnei recebendo o prêmio de primeiro colocado no II Con-

curso Henri Bok para Claronistas das mãos do próprio. À direita e

acima, aula com o prof. Sérgio Burgani, em seguida, aula de clari-

neta clássica com o prof. Joel Barbosa.

O prof. Dr. Ricardo Freire nos relata como se deu a fundação da ABCL naquela época:

Durante a década de 90 foram fundadas várias associações de instrumentistas quase ao mesmo tem-po. Foi criada a Associação de Trompetistas (1990), Flautistas (1994), Trombonistas (1995) e Clarinetis-tas (1996). Anteriormente, a Associação de Pós-Gra-duação em Música (1988) e a Associação Brasileira de Educação Musical (1991) já haviam sido fundadas e estavam atuantes na organização do ambiente musical.

Considero que o intercâmbio de vários músicos nos EUA demonstrou o poder de mobilização das associa-ções e, quando eu retornei ao Brasil, em 1995, eu estava muito impressionado pela atuação da International Clarinet Association e, principalmente, pelas publica-ções na revista “The Clarinet”. Eu presenciei a realiza-ção do Primeiro encontro da Associação de Trombo-nistas aqui em Brasília e vi que era possível organizar um evento semelhante para as clarinetas.

A ideia cresceu rápido e teve adesão de muitas pes-soas. Eu chamei o [Luiz] Gonzaga [Carneiro], alunos da UnB, clarinetistas da Orquestra do Teatro Nacio-nal, das bandas e começamos a enviar cartas e telefo-nar para as pessoas. Eu já havia convidado a minha professora dos EUA, Elsa Verdehr, que viria para to-car na Casa Thomas Jefferson e consegui apoio para realizar mais dois concertos. Depois foram convida-dos o Sérgio Burgani, José Botelho, Paulo Sérgio San-tos e o Maurício Loureiro.

Todo o processo foi feito baseado no entusiasmo e sem preocupação com as dificuldades. Na verdade, tivemos muita sorte e boa vontade das pessoas que vie-ram para participar e iniciar a Associação. Eu fiquei surpreso com os 70 participantes no evento e o envol-vimento e boa vontade das pessoas. O evento funcio-nou e depois continuou porque as pessoas desejavam participar de um evento de clarinetistas e as coisas aconteceram na hora certa.

Acredito que foi um momento no qual a ideia es-

43

tava madura e tivemos um ambiente favorável para a criação da ABCL, as pessoas queriam participar e principalmente se conhecerem melhor. Anteriormen-te, era mais fácil ter acesso e conhecer um clarinetista do exterior do que um clarinetista de outro estado bra-sileiro. Nossos olhos estavam virados para cima, para o hemisfério norte, e muitas vezes não conseguíamos ver os músicos que estavam ao nosso lado.

Eu me beneficiei muito dos encontros e pude apren-der muito com os colegas, e principalmente ter referên-cias brasileiras para desenvolver o meu estilo de tocar. Hoje, vejo que, depois que voltei do Doutorado nos EUA, mudei muito minha maneira de tocar por ter partici-pado de vários encontros e admirar o estilo de tocar de vários clarinetistas brasileiros. Hoje, as minhas referên-cias principais são os meus colegas do Brasil, e não os modelos do exterior.Depois de 21 anos, a situação está muito diferente, com desafios e dificuldades de local de trabalho e futuro das orquestras, projetos e bandas. No entanto, nunca tivemos tantos clarinetistas de excelente qualidade que já desenvolveram uma identidade musi-cal baseada em valores brasileiros que são compartilha-dos pela ABCL.

Ricardo Dourado Freire Fundador e Primeiro Presidente da ABCL

Com a herança que carrega e as novas perspectivas que se abrem, a ABCL desponta como uma associa-ção que tentou e tenta incentivar a criação de um am-biente saudável de troca de experiências e atividades de interação; estimular a busca por novas abordagens técnicas, musicais, interdisciplinares, e a exploração do repertório. Além disso, ela se propõe a criar um ambiente de reflexão sobre a práxis musical em nos-sos dias, oferecendo meios para uma atuação crítica e criativa, permitindo e incentivando o diálogo entre os pares, bem como a reflexão sobre música em seu

contexto histórico, social e cultural. Nesse contexto, e sobretudo, ela busca desenvolver uma visão crítica da prática profissional, colocando-se como um agente que tem um importante papel transformador, atuan-do sempre em sintonia com sua época.

Nesta nova fase, convidamos Sérgio Albach, presi-dente eleito no início de 2017, para apresentar os pró-ximos passos da retomada dos trabalhos da ABCL:

Em janeiro deste ano, no 11° Encontro de Clarine-tistas e 3° Encontro de Claronistas, em Poços de Caldas, ocorreu a eleição da nova diretoria da Associação Brasi-leira de Clarinetistas e, para minha surpresa, meu nome foi indicado para a presidência da chapa. Essa indica-ção acabou acontecendo muito pela minha experiência que tive fazendo bancas para osk9 editais de música e como curador da Oficina de Música de Curitiba por quatorze anos, além de dirigir a Orquestra à Base de So-pro. Passado o primeiro susto, comecei a me conformar com a ideia e aceitei a empreitada, pois a equipe que foi formada para integrar a diretoria me traz grande tran-quilidade. Cito os integrantes que me acompanham: Vice-presidente – Guilherme Garbosa (RS), Secretário – João Paulo Araújo (RN), Segundo Secretário – Thiago Tavares (RJ), Tesoureiro – Flávio Ferreira (AL), Segun-do tesoureiro – Ney Franco (BH), Diretor de Comunica-ção – Rafael Nini (SP).

Com mais de 20 anos de história, a ABCL realizou vários encontros com muito sucesso, presidida por um grande clarinetista e divulgador do instrumento Dr. Ricardo Dourado Freire (DF), o que aumenta a respon-sabilidade da tarefa em ser responsável pelos próximos passos da entidade.

A primeira medida da nova diretoria está sendo a revisão do estatuto, dando uma roupagem com mais participação dos associados e ampliando suas possibi-lidades de atuação. E, devido a sequência de encontros,

Ma

téri

a d

e C

ap

a

44

com o envolvimento de mais pessoas na organização e a realização da Revista Clarineta, temos uma oportuni-dade de conseguirmos mais avanços para a ABCL.

Estamos prevendo para o segundo semestre deste ano o lançamento do novo estatuto da ABCL e já convido a todos os clarinetistas, apoiadores e admiradores, que participem deste movimento, que pretende divulgar e aprofundar os conhecimentos deste instrumento que nos encanta.

Sérgio Albach – Presidente da ABCL

A cada encontro que realizamos, fica mais e mais evidente a necessidade de estarmos conectados e em constante contato. A Associação Brasileira de Clarinetistas, com sua reorganização nos Encontros ocorridos em Poços de Caldas em janeiro desse ano, representa assim uma tentativa corajosa de todos os envolvidos em ampliar, cada vez mais, essas discus-sões. Assim, é desejo de todos que haja muitas expe-riências memoráveis, materializadas em encontros, palestras, concertos e rodas de choro, colocando lado a lado nossos profissionais mais experientes com os estudantes mais ávidos por essa vivência.

Mas acima de tudo, a ABCL cumpre um papel fundamental no fortalecimento, divulgação e ex-pansão do trabalho da nossa classe, bem como no fo-mento de discussões acerca da nossa arte e de nossa profissão, tão essenciais quanto indispensáveis para uma consolidação, cada vez maior, do que fazemos na sociedade em que estamos imersos.

Ma

téri

a d

e C

ap

a

Na página ao lado, grupo pernambucano Sopros de PE. Acima,

Alexandre Ribeiro entrevistado pela emissora de TV local. Ao

lado, aula com prof. Sergio Albach e abaixo, aula com a profa.

Paula Pires.

45

46

Fale sobre sua Formação musical e como instru-mentista. clarineta Foi uma primeira opção?

Não foi a clarineta não. Meu primeiro relacionamento com a música foi com a harmônica que meu pai comprou pra ele, mas desistiu de tocá-la. Um dia ele chegou e me viu tocando alguns hinos da igreja (nós éramos frequentadores da Assembleia de Deus em Madureira) e eu era muito pequeno devia ter uns 3 anos e meio. Foi um relacionamento intuitivo. Eu fui tocando, na igreja, na escola, recreio, e era totalmente espontâneo. Com onze anos eu tentei entrar na banda da igreja, e o maestro era o Prof. Moises Gomes (que era saxofonista militar da Banda do Exército). Para você entrar na banda, tinha que estudar teoria e solfejo por um ano, então estudei com ele, que gostava muito de mim. No momento de escolher o instrumento, eu quis o saxhorn e depois flauta, mas o maestro me impôs a clarineta. Eu nem sabia o que era, então ele pegou o instrumento e me deu; era um clarinete de 13 chaves e disse: “olha o dó é aqui” e me mostrou a posição e disse: “agora o resto é contigo”. Cheguei em casa e não conseguia tirar som do instrumento. Chamei até meu pai, porque eu era muito franzino, muito novinho, e meu pai soprava e não saia nada. Então vi uma palheta e imaginei que para sair som aquilo tinha que vibrar. “Deve ser isso: de repente não está saindo porque está muito dura”. Peguei uma gilete e comecei a raspar aquela palheta e ela começou a produzir som. Comecei a tocar clarineta e conheci na banda um clarinetista que era o irmão Luís, técnico de som da igreja, que tocava clarineta muito bem, e que quando a gente tocava os hinos, fazia umas variações, umas improvisações, uns arpejos, coisas assim. Fiquei encantado com aquilo e comecei a me interessar por essa coisa de improvisação, mas de uma forma espontânea. Daí a pouco eu estava fazendo aqueles arpejos, as variações que a gente usava na “Harpa Cristã” que era em Dó, então pra você ler um hino que você não conhecia tinha quer transportar um tom acima.

Eu costumo dizer que na minha vida as coisas foram acontecendo. Tinha um clarinetista excelente na banda que aparecia de vez em quando, que é o [Professor José da Silva] Freitas, e tive contato

com uma gravação dele que se chamava “Melodia do Bosque”. O Freitas se tornou um parâmetro de clarinetista para mim. Eu ficava perturbando-o e durante um bom tempo ele ficou sem assistir aos cultos direito, porque eu ficava perguntando as coisas. Não cheguei a estudar formalmente com o Freitas, mas ele me indicou o professor José Botelho na escola Villa-Lobos e comecei a estudar de uma maneira mais organizada, menos autodidata. Me lembro da primeira aula que tive com o professor Botelho e ele me disse assim: ‘olha, você tem muito talento, mas você tem que comprar um instrumento’, porque eu tinha comprado um instrumento que soava meio tom acima e não sabia, e depois, eu vim a descobrir que o instrumento era metade de um e metade de outro. Eu arrumei um instrumento, comecei a estudar com o Botelho, e esse foi o início da minha formação.

Eu tinha aulas semanais, fora as aulas extras em que ligava para ele, às vezes sábado, e ele dizia: “vem para cá”. Eu morava em Quintino e até chegar no Humaitá levava umas 2 horas e ficava o dia inteiro conversando e tocando, trocando ideias. Até que chegou um momento em que o Carlos Gomes, trompista, me convidou para fazer parte do Quinteto Villa-Lobos, que o prof. Botelho tocava na época. Eu tinha 16 anos. E o Botelho disse “olha, eu deixo o Paulo Sérgio aí, e ele vai tocando, vai aprendendo e se tiver alguma coisa muito encrencada vocês me chamam”. Mas isso não aconteceu, porque a coisa encrencada já começou logo de cara. O Quinteto tocava muito um repertório de um nível de dificuldade bastante alto, de Hindemith a Villa-Lobos, ou seja, repertório para profissional. Esse grupo no qual toco até hoje já existia há alguns anos, e foi fundado em 1962. Eu entrei com dezesseis anos e hoje estou com cinquenta e oito, portanto toco no Quinteto há quarenta e dois anos. Fiz muitas turnês com o grupo pelo Brasil e exterior.

Por essa época, apareceu a oportunidade para tocar na Orquestra do Teatro Municipal, em um concurso para as vagas do Botelho e do Paulo Moura, que saíram na mesma ocasião. Eu tinha tocado na Orquestra da Gama Filho e o maestro dessa Orquestra era o maestro Isaac Karabtchevsky

Paulo Sérgio Santos

por Anderson César Alves

En

trev

ista

47

entr

evis

ta

e já conhecia um repertório de orquestra, mas não é como os concursos de hoje nos quais o clarinetista tem que tocar clarineta, requinta e clarone. Eu passei nesse concurso do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e entrei na orquestra com 18 anos. Passei a estudar simultaneamente com o professor Jayoleno dos Santos, que era professor na Escola de Preparação de Instrumentistas da Orquestra Sinfônica Brasileira.

Eu percebi que o Botelho e o Jayoleno se gostavam muito, mas tinham formações completamente diferentes. O Jayoleno era professor de harmonia e estudou composição entre outras matérias teóricas. Tinha o conhecimento e uma maneira de pensar muito organizada. Ele se preocupava com questões como o que é uma frase feminina, onde você valoriza as notas fora da harmonia, de passagem, bordadura, mas quando fui estudar com ele, ele já tinha parado de tocar. Ele tocava na OSB [Orquestra Sinfônica Brasileira]. O Botelho era o clarinetista prático, que aliás toca até hoje e muito bem, com 85 anos. Ele tocava violino e tinha uma visão muito prática da coisa, era o professor que fazia a gente tocar, que estimulava esse lado prático. Eu me lembro às vezes que estava em casa com um monte de boquilhas e palhetas e chegava em uma hora que não conseguia tocar. Eu ligava pro Botelho e ele falava “venha para cá”. Às vezes a gente tocava muito pouco, mas ele conseguia mudar o meu estado de espírito, e eu saia da casa dele arrebentando no clarinete. Então, acabei descobrindo que tinha que ter dois materiais, um para Botelho e outro para o Jayoleno, como forma de não gerar confusão, e isso em minha opinião é absolutamente normal porque ninguém pensa da mesma forma.

Pouco depois fiz um concurso de jovens solistas da Rede Globo e ganhei, então as oportunidades começaram a surgir. Inclusive, depois desse concurso, o Abel Ferreira me indicou no programa do “Fantástico” como o sucessor dele no choro.

como era a sua relação com o abel Ferreira?O meu contato com ele foi interessante, embora

muito superficial, porque ele não me viu tocando choro, ele me viu quando eu fiz o concurso de Jovens Solistas da Rede Globo no qual eu fui ganhador, tocando Weber e Stravinsky. Havia um quadro no programa do “Fantástico” em que três pessoas de grande importância no cenário brasileiro eram indicados para falar sobre quem seriam seus prováveis sucessores. Eram eles: o Pelé, o Altamiro [Carrilho] e o Abel Ferreira. O Abel, que somente tinha me visto tocar no Concurso de Jovens Solistas da Globo, me indicou nesse programa do Fantástico como seu sucessor. Eu fui na casa dele na Vila da Penha e tocamos o ‘Chorando Baixinho’, que foi gravado e depois passou na Rede Globo, no Fantástico. Então, eu penso que passei a me

interessar mais pelo choro em função dessa forte indicação do Abel que foi um ícone desse universo musical.

Por incrível que pareça minha relação com o choro vinha daquelas improvisações da igreja, porque depois eu descobri que o irmão Luís foi um “chorão”, e ele conviveu com o Pixinguinha e várias outras pessoas ligadas ao “Choro”, e quando ele improvisava, seu improviso era na linguagem do “Choro”.

Então eu fico pensando se não passei a me interessar mais pelo choro em função dessa forte indicação do Abel [Ferreira] ou como decorrência do contato que passei a ter com alguns “chorões” como Joel Nascimento, Mauricio Carrilho, Henrique Cazes, Beto Cazes, Luis Otavio Braga, Joao Lyra dentre outros. Mais tarde a gente fez um trabalho com o Joel Nascimento com uma turnê tocando em muitas cidades dos EUA, e era um trabalho que misturava arranjos do Luís Otávio Braga, do Mauricio Carrilho, do Henrique Cazes, incluindo peças de Villa-Lobos, Radamés Gnatalli, e outros “choros” tocados de maneira mais livre e espontânea.

a sua relação com o choro se aproFunda depois que você conhece a camerata carioca?

Ela se aprofunda aí. Lembro de ter ido numa roda de choro em Madureira, na rua Caparaó em um lugar alto numa casa no subúrbio, onde tinham grandes “chorões”, mas eu não conhecia nenhum deles nessa época, e eu era muito jovem. O Quinteto Villa-Lobos começou a transitar também pelo choro, porque era uma filosofia do grupo tocar música brasileira, e o Quinteto começou a tocar choro de forma mais estilizada, porque é uma formação europeia e era novidade aquilo que a gente fazia de tocar Pixinguinha, Jacob do Bandolim, e todos os grandes chorões, inclusive com arranjos sofisticados do Luizinho Eça, Guerra-Peixe dentre outros. Então comecei a fazer as duas coisas: a música erudita com o Quinteto [Villa Lobos], a Orquestra [Sinfônica Municipal do Rio de Janeiro] e tocar música popular.

como você teve o contato com o raFael rabelo? A primeira vez que vi o Rafael ele tinha

14 anos e foi numa festa na casa de um amigo. Ele apareceu lá tocando o “Vôo da Mosca”, do Jacob do Bandolim com uma facilidade impressionante e eu fiquei olhando. Tempos depois, eu era casado com a Fernanda Canaud, pianista, mãe do Caio Márcio, e na casa do meu ex-sogro a gente fazia umas rodas de choro onde iam a nata, como o conjunto Época de Ouro, o Paulo Moura, até o Altamiro [Carrilho] foi, e o Rafael frequentava. O Rafael foi casado com uma prima da Fernanda Canaud, então nós éramos primos de certa forma. Eu toquei bastante com o Rafael em duo e, às vezes, era interessante que a

48

En

trev

ista

gente tinha um trabalho para fazer e dizia ‘Rafael vamos dar uma ensaiada?’, e ele dizia: ‘ensaiar o que? Estamos ensaiando isso há 20 anos! Não vamos ensaiar nada, vamos tocar isso”. Era muito engraçado. A gente fazia na hora. Ele era um músico excepcional e eu sentia a liberdade de ir para onde quisesse, e ele ia atrás, tinha uma facilidade impressionante!

Mais tarde fizemos trabalhos diferentes; trabalhamos com o Ney Matogrosso, o show que chamava “o Pescador de Pérolas”, e viajamos pra Argentina e Europa. Esse foi um dos motivos de eu tocar saxofone, porque foi uma imposição do Rafael. Ele disse ‘vai ter muito trabalho, a gente vai tocar muito no Brasil e fora, mas você tem que tocar saxofone”. Tempos depois, acabou que no disco “Segura Ele” eu toquei um monte de saxofones - tenor, barítono, soprano, entre outros.

Fale da produção e concepção do seu disco “segura ele”.

Esse disco começa com um arranjo do Maurício Carrilho. Um arranjo espetacular. Foi até um arranjo que nós tocamos no Clarinetfest - Lubock nos EUA. Mário de Aratanha, coprodutor do CD sugeriu que eu gravasse a capela, do Anacleto de Medeiros, “Três estrelinhas”, e foi um disco muito premiado, em que tive a oportunidade de tocar com o Rafael [Rabelo], com o Marcos Suzano, Marco Pereira, Tutti Moreno dentre outros e teve uma gravação que eu fiz uma música do Egberto Gismonti. Esse disco saiu em uma época que tinha acabado de surgir o CD, então

lembro que a gente gravava no [estúdio] Drum com um técnico muito bom que era o Alexandre Hang e eles tinham três ADATs sincronizados. Aquilo ali era uma loucura, porque a sincronia do ADAT não é instantânea; primeiro o técnico tinha que saber música, e ter a partitura, porque fiz multicanal. Ele soltava as coisas com uma certa antecedência e os aparelhos iam sincronizando e eu botava mais uma voz, mas era uma coisa complicada tocar vários instrumentos. Na realidade fiz aquilo, mas nunca me considerei um saxofonista ou claronista profissional. O meu foco era a clarineta, e eu tocava esses instrumentos como se fossem uma clarineta. Hoje nem tenho esses instrumentos. Eu pego emprestado, quando preciso. Não tenho vontade de ser multi-instrumentista.

Fale um pouco sobre a concepção do seu premiado cd gargalhada?

Houve um momento que me deu vontade de gravar um disco. Eu estava tocando bastante com o Caio Márcio e o Bolão, e eu tinha feito o Segura Ele. Aproveitei a ideia de usar o nome Gargalhada que também é uma música do Pixinguinha para dar nome ao segundo CD. Esse CD foi feito com o Caio Márcio e o Bolão [Oscar Pelon], baterista, percussionista e pandeirista, e a gente conseguiu uma coisa que eu considero muito difícil que foi ganhar dois prêmios que tinham nesse ano, que foram o Prêmio Caras e o Prêmio de Melhor CD do Teatro Rival, tanto para instrumentista como pelo

49

50

CD. Nesse disco, pela primeira vez, tinha música minha que foi a ‘Homenagem ao Abel’, o ‘Samba Chorado’ e o ‘Choro Sambado’, então a diferença básica foi que nesse disco eu tocava minhas composições. É um disco enxuto de participações e começa com o Alumiando do Mauricio Carrilho e João Lyra. É um disco bastante impactante. O Gargalhada foi gravado no estúdio do Sérgio Lima Neto em Araras, que é uma cidade perto do Rio de Janeiro, e foi uma coprodução minha com o Mário de Aratanha.

você tocou em vários congressos da associação brasileira de clarinetistas e do ica nos eua? você gostaria de Falar alguma coisa sobre a asso-ciação?

Eu passei por uma experiência em Lubbock Texas, juntamente com o Sujeito a Guincho, o Ricardo [Dourado] e Bruno Dourado [irmão do Ricardo]. Chegamos numa segunda-feira e tocaríamos no sábado. Eu propus à eles de ensaiarmos todos os dias, e assim nós fizemos. Uma das peças era o “Chiclete com Banana”, que era o arranjo do Maurício Carrilho e parecia a última, porque o pessoal levantou e eu brinquei ‘acabou o concerto’, e aquilo foi um negócio de alto impacto. Na segunda música, eu ia lá na frente do palco e tocava a “Valsa” do Jacob, o “Vôo da Mosca”, e isso foi uma experiência exuberante. Dez anos depois eu ainda ouvia gente falando sobre aquela apresentação.

Teve outra que fui eu e o Caio, meu filho, e no programa não saiu o meu release. Saiu o de todo mundo e o meu não tinha nada, estava em branco. Tinha gente que tinha página e meia, duas páginas, e eu pensei ‘pô, quem é que vai vir, se não sabem nem quem eu sou?’. Quando ia entrar no palco, olhei e a sala estava lotada, mas estava lotada com Paquito, Larry Combs e muitos outros clarinetistas famosos. Mudei o programa; pensei: ‘quer saber? Vou começar com uma peça solo do Guinga’. Acho que foi o “Picotado”. Eu sei que toquei e causou um impacto enorme e continuei o programa. Então, sem ensaiar nada, de repente virei para o Paquito e o convidei para tocar e ele subiu de forma super espontânea, e tocou comigo, meu filho Caio e o pandeirista Murilo O’reilly. Foi uma festa!

Fale sobre seu trabalho com o compositor guin-ga?

Eu não toquei em todos dos CDS dele, gravei a partir do segundo. O Guinga é um computador de caminhos, uma coisa impressionante. O Zé Nogueira tocava com ele e numa vez, ele não podia fazer uma apresentação na casa de Rui Barbosa e pediu se eu podia fazer. Fiz essa apresentação e o Guinga gostou tanto que começou a crescer o negócio. Me lembro de ter feito um “Free Jazz”, que tinha 3 saxofones

sopranos, que era o Carlos Malta, eu e o Zé Nogueira, e eu também tocava clarone em algumas das músicas. Teve o momento que foi reduzindo e chegou em uma certa época que a gente começou a tocar muito de duo e trio, com o Lula Galvão, dois violões e uma clarineta, e com essa formação nós excursionamos pela Europa. Lembro de uma apresentação que fizemos em Pompeia na Itália para mais ou menos mil pessoas, em um lugar lindo ao ar livre, onde tinha um monumento que parecia os arcos da Lapa ao fundo. Fiquei impressionado, pois não tinha uma música conhecida, era um concerto popular para o grande público e a reação das pessoas foi das mais impressionantes que já vi. O público no final do concerto veio agradecer e fez uma fila enorme, para nos cumprimentar e comprar discos, com gente brigando para comprar o último disco. Fiquei me sentindo um pop star tocando uma música de qualidade inquestionável, e de grande complexidade harmônica, rítmica e melódica. Uma coisa é você fazer algo muito conhecido que o cara ouve uma vez e já sai cantando, mas aquela música era intrincada e não tinha apelação de nada, não tinha relação com nada conhecido. Outra coisa que aconteceu com esse trio foi aqui no Parque Laje, há cinco ou seis anos, onde a música “apareceu”. Eu que tenho essa formação acadêmica muito forte, às vezes, fico querendo entender, explicar tudo, e tem muita coisa que acontece em música que não tem explicação. De repente a coisa vem com uma energia que realmente encanta as pessoas, e isso não sei explicar.

como essa parceria caminha para um cd paulo ser-gio e guinga, “saudade do cordão”?

Isso foi uma proposição que fiz para o Mário de Aratanha, porque eu e o Guinga começamos a tocar muito pouco de duo, pois ele tem várias formações. Agora recentemente ele tem tocado muito com cantores e sozinho, mas já fez até com outros saxofonistas que não nós três, como o Sergio Galvão. Ele tem um trabalho que não se prende e, então, comecei a ver que a gente tocou muito e alguns concertos foram espetaculares e eu estava com medo de que isso se perdesse. Esse disco e DVD foi uma tentativa de síntese dessa época que nós tocamos bastante juntos e frequentemente. Falei para aproveitarmos e fazer isso que é um negócio que já está pronto, pois de repente se a gente não tocasse mais, morria. Então a ideia foi essa. Não sei se atingiu esse objetivo, porque uma coisa é quando as coisas acontecem de maneira espontânea, e outra é quando você tenta guiar, em outra situação anos depois.

Fale um pouco do grupo premiado o trio, com o mauricio carrilho e o pedro amorim?

O trio com o Mauricio Carrilho e o Pedro

En

trev

ista

51

Amorim foi criado para tocar em um concerto que era organizado pelo pianista Miguel Proença em uma programação de música erudita. Nos reunimos e vimos que o negócio era bom e dava certo. Então resolvemos parar e elaborar esteticamente o CD, que foi muito premiado. Gravamos os 2 Cds em Paris, sendo que um com a Teca Calazans e outro CD instrumental. Você vai notar ali que é um CD que tem uma estética sofisticada. A gente tocou Scott Joplin, Piazzola, Nazareth, várias coisas diferentes dando meio que um leque de estilos diferentes. Agora, se você me perguntar porque acabou O Trio, não sei te responder. Essa foi a preocupação que tive com o negócio do Guinga. Aliás, por que de repente as pessoas se juntam e se separam? Às vezes não houve um motivo, ou brigas, a coisa pode nascer e acabar. Então aquele trio foi também uma experiência muito forte, e uma influência muito forte para mim.

E eu tive um contato com o Hermeto. Não toquei com o Hermeto em público, mas fui em alguns ensaios na casa dele e lembro que vinha gente do mundo todo. Ele morava em Bangu. Me lembro que uma vez a gente começou a tocar uma música do Hermeto que é como se fosse um hino. De repente, a gente começou a tocar e começou a arrepiar os cabelos, e tinha um cara assistindo que ficou em êxtase. Uma vez também eu toquei o Quinteto de Brahms com o Quarteto Besller na sala Cecília Meirelles que isso aconteceu também. Dava pra você “pegar” a música. Às vezes a música acontece sem preparação alguma... ela pode acontecer em concertos ou shows de música popular. Tem certos artistas que se juntam ali na hora, e fazem coisas que se você escrever não vai sair da mesma forma. Eu me lembro de uma vez que toquei com o Paulo Moura e a gente começou a improvisar. Era eu, o Paulo Moura e o Madeira de Vento. A gente começou a improvisar e teve uma hora que a gente fez um glissando em terças, e nem sei como estudar um negócio desses se tiver que fazer, mas foi uma coisa que aconteceu na hora, e é isso que acontece com artistas como o Hermeto Paschoal ou o próprio Guinga.

quem ou quais trabalhos mais te inFluenciaram e que você julga importante?

Inicialmente, vem a minha relação com a gaita, onde comecei essa coisa do contato, de tocar pra alguém ouvir, ou para várias pessoas ouvirem, tocar na igreja de Madureira que é enorme. Às vezes, eu botava o microfone e saia tocando, e isso foi uma coisa muito forte, porque foi espontânea. Eu não sabia música, não sabia nada, e também não sabia tocar direito, mas o fenômeno acontecia, de comunicação e é isso que estou falando. Posteriormente, eu diria que o que mais me influenciou foi o contato com o irmão Luís, o estudo teórico com o maestro Moises da banda, as aulas

com o Botelho, o Jayoleno, o José Carlos dentre outros. O contato precoce com a música de câmara com o Quinteto Villa-Lobos e a minha participação na OSTM [Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro] também me influenciaram muito.

Um dos meus maestros prediletos é o Vladimir Ashkenazy. Assisti a um concerto com a orquestra de Moscou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro tocando uma música do Shostakovich, e a orquestra fez coisas sublimes. Mas quando acabou a apresentação, a plateia reagiu de uma maneira tão fria que até o maestro ficou sem entender, mas foi espetacular. Ele saiu e, malandramente, voltou e deu um bis com uma valsa de Strauss e o teatro veio abaixo, porque era mais acessível ouvir uma valsa de Strauss do que uma obra de Shostakovich naquele momento.

Tinha um grupo de música contemporânea de Paris, o Ensemble Intercontemporain, e aqueles caras tocavam muito bem, uma linguagem difícil de apresentar para um público leigo e eles conseguiam uma reação muito positiva. O Ensemble Intercontemporain me influenciou de certa forma, pelo nível de execução apuradíssima que levavam muito a sério, e eu tive a oportunidade de ter uma masterclass com o Allain Damiens e ele tocou a obra do Boulez para clarinete solo – Domaines - que é para clarinete solo opcional ou então com uma orquestra imensa. Assim, fui influenciado pela gaita, pelo maestro da banda, pelo Freitas, Botelho dentre outros, também pela música de câmara (que eu considero talvez a forma mais requintada de fazer música), depois a música sinfônica, ópera e ballet, e o “choro”.

Fale sobre suas concepções artísticas e suas im-pressões individuais, e como encontrar a sua pró-pria voz na clarineta num mundo musical cada vez mais homogêneo e globalizado?

Alguns artistas, músicos e compositores têm a preocupação de inovar. Eu acho que a inovação ou aquela marca registrada que você ouve e sabe que é o fulano que está tocando é consequência de um processo natural e espontâneo. Não acho que seja salutar você querer tocar igual o Eddie Daniels, improvisar como ele improvisa, não tem sentido. Cada pessoa é uma e os seres humanos são completamente diferentes. Talvez no início do processo seja importante você ter um parâmetro, como eu gosto daquele cara e quero tocar parecido com ele. Mas hoje em dia tem tantos clarinetistas excelentes, no mundo inteiro... O processo de você ser original acontece na medida em que você procura ser você mesmo, ai eu acho que você se torna original.

Antigamente, as boquilhas eram feitas à mão, o que hoje em dia é feito com fábricas de alta

entr

evis

ta

52

tecnologia como a Vandoren. Acho que a tendência no mundo é essas coisas ficarem mais facilitadas pela tecnologia. Tem outro aspecto que você não pode minimizar que é a internet. Hoje em dia se abre um concurso na Alemanha, o mundo inteiro sabe ao mesmo tempo. Antigamente, quando chegava no Brasil, você já estava no final do prazo de se inscrever, então a internet tem esse lado positivo. Mas tem o lado negativo também, que é o excesso de informações que também não leva a nada. Eu acho que a gente tende a voltar a uma situação remota que é a valorização da intuição.

o que você gostaria de dizer para aqueles que sem-pre curtiram o seu trabalho, Foram inFluenciados por você e, agora, estão lendo estas palavras?

Eu queria agradecer. É o mínimo que posso fazer. Quando você faz um trabalho, se dedica e alguém entra em sintonia com aquilo, e gosta, a primeira coisa que eu faço é agradecer a essas pessoas, porque é um sinal de que meu trabalho não foi em vão.

Quanto ao nível técnico, você não pode comparar a quantidade de energia que um garoto tem, mas aquela energia precisa ser projetada, porque senão, ao invés de projetar ele, pode fazer com que ela se auto anule. A vantagem é que você mais velho não tem aquela energia, mas sabe projetar a que você tem, além de tudo o que aprendeu em cima dos erros cometidos ao longo de vários anos.

tem alguma história curiosa ou engraçada?Eu tinha tido uma experiência curiosa com o

saxofone, porque o compositor Marlos Nobre numa ocasião me telefonou e perguntou se eu tocava saxofone e falei que não. Ele falou ‘que pena porque

eu queria te convidar pra tocar com a Orquestra Mundial que vai tocar o “Choros 6” de Villa-Lobos e o regente vai ser o Lorin Maazel. Eu perguntei ‘quando é que vai ser isso?’, e ele me respondeu que seria daqui a 3 semanas, serão 2 semanas de ensaios e o concerto, então eu perguntei qual seria o sax. E ele me disse que seria o soprano, e então eu topei, mas nunca tinha tocado. Essa pode ser a história engraçada, por causa do nível de ousadia que eu tinha nessa época, pois era um instrumento que eu não tocava. Assim que desliguei o telefone fui no Corpo de Bombeiros e consegui uns cinco saxofones emprestados. Comecei a tocar pra ver como eu combinava boquilha com o instrumento, e a estudar como um louco o dia inteiro por três semanas. Isso é uma coisa totalmente inusitada e eu jamais faria isso hoje. Mas eu sei que quando eu cheguei pra tocar na orquestra já começava com aquele solo, e olhava pros lados e via grandes músicos que tocavam nas orquestras do mundo todo. Eu ficava imaginando que não ia dar certo, mas aconteceu o contrário, porque eu tocava o saxofone como um clarinetista. Esse concerto foi gravado ao vivo e eu era o saxofonista.

Mas eu nunca estudei com professor de saxofone, tanto é que eu tinha dificuldades que se tornaram eternas, como a dificuldade de controlar a dinâmica no grave. Fui tocar com o Paquito e disse que eu tinha muita dificuldade de tocar o grave e ele disse ‘não toca essas notas, porque há tantas outras!’.

Anderson César Alves é clarinetista da OSN-UFF, doutorando na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

En

trev

ista

53

Hom

ena

gem

Sebastião e Severino

Por Ricardo Dourado Freire

“Noventa e três dias” ou “trezentos e cinquenta e dois km” separaram as datas e os locais de nas-cimento de Sebastião e Severino, mas um instru-mento uniu o destino de ambos, a clarineta. Suas trajetórias promoveram vários encontros entre os dois, primeiro em João Pessoa e depois no Rio de Janeiro. Sebastião nasceu no dia 20 de janeiro em Taipu-RN enquanto Severino no dia 23 de abril em Limoeiro- PE, ambos em 1917. Dois clarinetis-tas que nasceram com poucos dias de diferença e alguns kms de distância, que juntos foram funda-

mentais para o surgimento de um estilo de perfor-mance que influencia até hoje os clarinetistas bra-sileiros.

O ano de 1917 estabelece a data ideal para o sur-gimento de renovadores musicais. Foi o ano em que Pixinguinha compôs Carinhoso e Donga teve a ousadia de realizar a gravação de Pelo Telefone, con-siderada a primeira gravação de um samba. As in-fâncias de Sebastião e Severino ofereceram o mes-mo contexto cultural para o seu desenvolvimento musical. Ambos nasceram em cidades pequenas

À esquerda, Severino Araújo. Acima,

Sebastião “ K-Ximbinho” de Barros

54

Hom

ena

gem

no interior nordestino, ambos aprenderam a to-car nas bandas filarmônicas desde cedo a partir da interação com outros músicos e com o repertório tradicional composto por marchas, valsas, polcas, maxixes e frevos.

A implantação da radiodifusão no Brasil ocor-reu a partir de 1922, alterando o cotidiano das pes-soas nas cidades. Sebastião e Severino cresceram no ambiente no qual o rádio era o principal meio de comunicação e a música, a principal forma de difusão cultural, que iria consolidar o Samba e o Choro enquanto representações musicais do Bra-sil. No final dos anos 30, com a proximidade da 2ª Guerra Mundial, os EUA se aproximaram do Bra-sil e o Nordeste se transformou em um centro de apoio militar para envio de tropas através do Atlân-tico Sul. A política de boa vizinhança dos EUA in-cluía a divulgação da cultura americana e dos seus valores sociais, nos quais o cinema e música foram elementos importantes para esta divulgação.

Ao estarem no mesmo local, no mesmo perío-do, Sebastião e Severino foram influenciados pelos fatores musicais que iriam definir o seu estilo musi-cal: a fluência do músico de banda, a influência e o espírito de improvisação do Jazz e a síntese dos dois estilos na composição e interpretação do choro.

Os meninos Sebastião e SeverinoO menino Sebastião observava os ensaios da

Banda da sua cidade escondido dos pais, mas logo teve autorização para ter aulas de solfejo. A família se mudou de Taipu para Natal, em 1931, e Sebastião entrou na Banda da Associação de Escoteiros do Alecrim, tocando requinta e clarineta. Logo sua história com o jazz se iniciou quando ele entrou no grupo da escola secundária, o Pan Jazz. Ao ingressar no exército, em 1935, começou a tocar saxofone alto na Banda do Regimento de Recife, onde recebeu o apelido de K-ximbinho, devido ao instrumento em forma de cachimbo e também à semelhança com outro músico que tocava saxofone.

O menino Severino foi o primogênito de uma família de músicos, sendo que todos os filhos do mestre Cazuzinha tornaram-se excelentes instrumentistas. Severino nasceu em 1917, escolheu a clarineta e também aprendeu saxofone alto; Manuel veio em 1919 e seguiu no trombone, instrumento do pai; Plínio chegou em 1921, tornou-se trompetista e depois o baterista. José, que nasceu em 1923, escolheu o saxofone tenor e ainda criança ganhou o apelido de Zé Bodega, pois gostava de imitar o pai regendo a banda com qualquer bodega que tivesse na mão. O caçula, Jaime, nasceu em 1924 e seguiu no saxofone alto, instrumento do irmão mais velho. A família do mestre Cazuzinha era uma família de músicos e a Banda da cidade de Limoeiro melhorava na medida em que os meninos cresciam e se aperfeiçoavam.

Primeiro encontroEm janeiro de 1937, após o desligamento do

exército, Sebastião vai morar em João Pessoa para trabalhar na Rádio Tabajara de João Pessoa. A Orquestra era liderada por Olegário Luna Freire, e o naipe de saxes era formado por Severino Araújo (1º alto), Sebastião Barros (3º alto) e Mirtilo Cardoso (tenor), a primeira formação da Orquestra Tabajara.

Sebastião e Severino tornaram-se amigos inseparáveis, pois tocavam os mesmos instrumentos e compartilhavam o gosto pelo virtuosismo e pela boa execução. “Tanto que entre eles ambos eram constantes os desafios, nos quais esbanjavam destreza com as notas musicais e resistência de fôlego (CORAÚCCI, 2009). Após a morte súbita de Luna Freire, em 1938, a Orquestra passa a ser liderada por um jovem clarinetista, Severino Araújo. Sebastião e Severino tocaram juntos por quatro anos, até 1942, quando Sebastião é convidado por Porfírio Costa a trabalhar no Rio de Janeiro.

Segundo encontroAs orquestras de baile dos anos 1940 e 1950 eram

formações que poderiam incluir instrumentos de cordas e sopros, maestros como Romeu Silva, Zaccarias e Fon-Fon desenvolveram um estilo no qual havia a preponderância dos sopros, atualizando a sonoridade das orquestras brasileiras ao estilo das Big Bands norte-americanas. Quando chega na capital, Sebastião logo se insere no mercado e passa a tocar na Orquestra do Maestro Fon-Fon e depois com Napoleão Tavares.

Severino criou um estilo para a Orquestra da Rádio Tabajara, que o tornou famoso no Nordeste, e logo chamou a atenção de produtores do Sul. Em 1945, a orquestra já contava com a participação de todos os irmãos Araújo e foi contratada para trabalhar na Rádio Tupi do Rio de Janeiro, agora como Orquestra Tabajara. Neste momento, Sebastião volta a integrar o grupo, agora como 1º Alto, e continua no grupo até 1949.

Terceiro encontroNo final dos 1930, um jovem compositor

alemão passa a morar no Rio de Janeiro, Hans Koellreutter. Ele ministrava aulas de teoria musical, contraponto e harmonia para jovens músicos como Cláudio Santoro, Guerra-Peixe e Tom Jobim. Logo músicos populares, em busca de novos conhecimentos passaram a procurá-lo, entre eles Severino e Sebastião. No início dos anos 1950, ambos estudaram com Koellreutter, e levaram seus conhecimentos para o enriquecimento da linguagem musical de seus arranjos e composições. Neste momento, as carreiras começam a tomar caminhos distintos.

55

Caminhos distintosK-ximbinho envolve-se cada vez mais com

o Jazz, buscando a experiência em pequenos conjuntos. Após sua entrada na Rádio Nacional, adquire estabilidade de funcionário público e integra diversos grupos, incluindo a Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC. O estilo das composições e arranjos buscam uma linguagem própria, semelhante à música de câmara erudita. Seus arranjos são realizados para grupos com sete a dez músicos, incluindo gravações de K-ximbinho e seus Playboys musicais (1959), o Concerto Jazz de Câmara no Teatro Municipal (1960), Conjunto 7 de Ouros (1964), e A turma do Bom balanço (1965).

As composições de K-ximbinho mostram dois lados: o Choro tradicional e o Choro moderno. Algumas obras são realizadas a partir de caminhos harmônicos consolidados: Sonhando, Sempre e Sonoroso, todos com S de Sebastião. Outros fazem referência a ele mesmo, como em: “K-Ximbodega, K-Ximblues, K-Ximtema e no K de GilKa para sua

filha, além de Auto-Plágio” (Encarte, K-ximblues). Hoje suas composições mais lembradas realçam o seu estilo intimista, principalmente Eu só quero sossego e Ternura. Em quase todas, a composição apresenta apenas duas partes, e oferece ao músico a possibilidade de criar uma terceira parte ou improvisar uma segunda versão para o Choro. Seu último LP, Saudades de um Clarinete (1980), foi seu testamento musical, oferecendo arranjos elaborados para um grupo de excelentes músicos incluindo Rafael Rabelo, Zé Bodega e Quinteto Villa-Lobos, que puderam mostrar a ousadia e refinamento de seu estilo de compor, arranjar e improvisar como síntese entre Choro e Jazz.

Severino Araújo e Orquestra Tabajara tornaram-se sinônimos de Orquestra de Baile nos Anos Dourados. A trajetória da Tabajara já dura 80 anos, com mais de 14 mil apresentações. O grupo superou todas as crises e sempre conseguiu se destacar no contexto da música de salão, seja com repertório de gafieira, boleros, mambos,

Hom

ena

gem

56

jazz, frevos, choros, ou peças clássicas em ritmo de samba. Independente do ritmo, a Tabajara sempre fez as pessoas dançarem em seus bailes ou em centenas de gravações .

A liderança de Severino Araújo foi incontestável, pois ele elaborava os arranjos, organizava os repertórios e ensaiava o conjunto para tocar com perfeição. A sonoridade da Tabajara era única e reconhecida pelo equilíbrio entre saxes e metais, acompanhados por uma percussão com muito balanço. O estilo das Big Bands encontrou na Tabajara o seu estilo brasileiro, que trouxe para o Choro as diversas articulações que favorecem a performance dos instrumentos de sopro. Suas composições são clássicos do virtuosismo: Espinha de Bacalhau, Um Chorinho em Aldeia, Nivaldo no Choro, Chorinho pra você são peças obrigatórias que sempre desafiam as possibilidades técnicas dos clarinetistas.

Sebastião e Severino nasceram no mesmo ano, iniciaram suas carreiras simultaneamente no interior do Nordeste, se encontraram em João Pessoa na primeira formação da Orquestra Tabajara, tornaram-se amigos e vieram fazer sucesso no Rio de Janeiro na década de 1940. No entanto, cada um seguiu seu caminho: Sebastião foi mais introspectivo e desenvolveu um estilo camerístico, com a valorização dos detalhes e das sutilezas de timbre e sonoridade. Severino um homem show, extrovertido e voltado para as apresentações espetaculares da Orquestra Tabajara, sua forma de tocar refletia a necessidade de tocar para fora, junto com os saxes e metais, projetando a clarineta como solista. Ambos faleceram no Rio de Janeiro, Sebastião em 1980, e Severino em 2012, mas suas trajetórias enriqueceram a música brasileira, principalmente o estilo de tocar clarineta no choro ao consolidar os vínculos entre Choro e Jazz.

Hom

ena

gem

57

E ste artigo tem por objetivo fazer um retrato panoramico onde ambos claronista e com-positor sejam brasileiros incluindo uma lista

do repertório atual da música brasileira. O critério utilizado foi o intérprete brasileiro visto como ins-piração ou agente atuante no processo criativo com-posicional.

Neste texto, citei apenas alguns claronistas, os quais consultei mediante o critério exposto acima. Solicitei que enviassem listas das obras nas quais eles participaram do processo criativo, ou foram fontes de inspiração. Essa é uma pesquisa em anda-mento e o processo de coleta de dados de autores e obras ainda está em processo. Assim, a escolha dos nomes para essa pesquisa foi baseada na acessibi-lidade e meu conhecimento, levando-se em conta que possuímos vários claronistas brasileiros que de-senvolvem parcerias musicais com os compositores nacionais que não foram citados aqui.

Creio na importância deste trabalho, pois mos-tra o intérprete interferindo na composição em comunhão com o compositor de diversas manei-ras. O clarone ainda tem muito a revelar sobre suas possibilidades. Apenas a busca convencional de informação se mostra ineficiente para a estabiliza-ção de um novo idiomatismo para o instrumento. E porque não, vislumbrar a criação de uma aborda-gem nacional da mescla das técnicas novas perme-adas pelo olhar do compositor brasileiro.

O processo colaborativo entre compositor e intérprete é conhecido por diversos nomes que incluem Mozart-Stadler, Weber-Baermann, Ho-rak-Cuciera, Sparnaay-yun, Bok-Donatoni, Parisi-Berio e outros tantos. Como seria se tivéssemos a possibilidade de conversar com uma dessas du-plas? O que gostaríamos de saber? Existem infor-

A dupla que dá certo:

intérprete e compositor

A relevância do intérprete brasileiro como integrante do processo criativo e fonte de inspiração no repertório brasileiro claronístico atual.

Thiago Tavares

Cla

rin

ete

Ba

ixo

mações não explicitadas na partitura que seriam relevantes para o intérprete e para o público? São conhecidas as duplas brasileiras de claronistas e compositores, bem como suas produções?

Esta é uma pequena amostra do grande uni-verso cultural musical brasileiro claronístico:

Crisóstomo Santos-Moreira, Flavio Ferreira-Medeiros, Luis Afonso Montanha-Raele, Marcelo Piraino-Vasconcelos,Mario Marques-Oliveira,Mauricio Carneiro-Mattos,Otinilo Pacheco-Cerqueira, Paulo Passos-Tacuchian Thiago Tavares-Crowl.

Infelizmente, ainda temos uma lacuna no que se refere ao acesso a esse material. A maioria das peças ficam em estantes, HDs, computadores, “nuvens” na internet, arquivos e não estão disponíveis aos demais intérpretes e às vezes, ao público também. Intérpretes e compositores aguardam o momento possível para gravar um cd ou poder ter um recital para estrear essas novas obras. A carência de espa-ços, financiamento e de projetos gera um círculo prejudicial e vicioso. Intérprete e compositor que-rem fomentar o repertório, mas não tem espaço e nem dinheiro. A dificuldade de fomentar a criação musical só aumenta. Então a produção diminui, logo, não caminhamos em nossa plena capacidade e voltamos ao “fazemos o que é possível, tamanha as adversidades”. A gente faz o que dá.

Por outro lado, a internet encurta as distâncias e ao ultrapassarmos a barreira da “vergonha”; assim, podemos, com gentileza, solicitar esse repertório ao intérprete e ao compositor. Em sua maioria, cada peça carrega objetivos de gravação, financeiros e ideológicos. Cada compositor e cada intérprete possui seus próprios objetivos em cada composi-ção. Esbarramos em vários contextos e conceitos a respeito desse assunto. Várias possibilidades sur-gem para intérprete e compositor. Ambos têm que sobreviver e suas composições e produtos estão sob o domínio de suas decisões, sobre a venda, a distri-buição e, mais basicamente, em ser tocada! Cada de-cisão dessas deve ser respeitada. Acredito que vários desses conceitos estejam em transformação tendo que se adequar a nossa realidade. A lista deste tra-balho é um exemplo. Muitas obras não foram nem estreadas, outras apenas tiveram a sua première e ambos, intérprete e compositor, têm objetivos com cada uma delas.

Com esse pequeno catálogo pretendo mostrar as duplas responsáveis por uma parte da criação do repertório brasileiro para clarone. Acredito e torço para que essas informações gerem desdobramentos artísticos e/ou acadêmicos. Pode-se estudar qual-

58

quer uma dessas peças a respeito de sua história e processo criativo-composicional, bastando para isso uma pesquisa na internet para obter o contato dos intérpretes e compositores. Além disso, coloco uma pequena descrição a respeito das demandas técnicas de cada peça, assim o claronista pode esco-lher melhor as obras de acordo com o seu perfil e as necessidades técnicas que apresentam.

Segue abaixo os termos que serão usados nas descrições das peças, assim como suas definições:

-Sons múltiplos - utilização dos multifônicos tipo I e II. Ou seja, tipo I é baseado na série harmônica e o II em dedilhados especiais;-Superagudo - tessitura que se estende além do Sol4;-Slap tonguing - efeito percussivo que causa um vá-cuo na palheta produzindo um efeito sonoro pareci-do com a onomatopéia “ploc”;-Frulato - efeito sonoro realizado com a língua ou com a garganta que produz um som de Frrrrrr na nota;-Partitura gráfica - a notação musical é feita por sím-bolos gráficos, geralmente acompanhadas de bulas explicativas;-Microtons - utiliza quartos de tom. Existe a tabela do Jason Alder, http://www.jasonalder.com/resources, que é muito didática e assertiva para os dedilhados; -Overblowing - soprar até o limite da nota e conti-nuar soprando, até a distorção abrupta;-Várias técnicas expandidas - significa que tem de tudo um pouco! Vai nessa!-Escrita na clave de Fá - necessita desenvoltura na leitura na clave de Fá;-Escrita alemã - Existem três tipos de escrita: alemã, francesa e russa.

As músicas serão apresentadas pelo conjun-to de obras por claronista em ordem alfabética seguindo o padrão: Título - Compositor, Ano de composição - Formação instrumental - Técnicas específicas. Caso não tenha a descrição de técnicas específicas, trata-se de uma peça que utiliza a escri-ta tradicional, sem técnicas expandidas. Ou seja, a ausência de informação sobre técnicas específicas indica que a peça é para o início da aprendizagem do repertório, não tendo tessitura muito extrema, sons múltiplos e slap, mas sim uma escrita mais co-mumente realizável.

Claroneiros em ordem alfabética:

Crisóstomo Santos - Natural da cidade de Moreno/PE, atua como clarinetista e claronista em diversas gravações e também como músico convi-dado da Orquestra Sinfônica do Recife. Possui ba-charelado em clarinete pela UFPE, especialização em música pela UFRPE e IBPEX, e é mestrando em Ciências da Religião-UNICAP. Atualmente é

professor de clarinete do Instituto Federal de Per-nambuco – IFPE; professor, maestro e arranjador da Orquestra de Cordas da ONG Movimento Pró-Criança e clarinetista/claronista da Banda Sinfôni-ca da Cidade do Recife e Grupo SaGRAMA (flauta, clarineta e clarone, viola nordestina, violão, con-trabaixo e percussão).

Obras solo: Um choro para Crisóstomo - Inaldo Mo-reira, 2005; Clarone Mimoso - Inaldo Moreira, 2005;

Quinteto de clarinetas: Alamoa - Dimas Sedicias, 2005; Cantiga - Clovis Pereira, 1970.

Flávio Ferreira - Mestre em música e bacha-rel pela UFMG, onde estudou sob orientação do professor Maurício Loureiro. Como clarinetista e claronista atua em diferentes formações na música erudita e popular, com dedicação principal à música erudita contemporânea. Atualmente é professor de clarinete, teoria e história da música na Universida-de Federal de Alagoas.

Duo: Variações sobre o tema “Assum preto” - Almir Medeiros - 2016 - para clarineta e clarone.

Luís Afonso Montanha - Iniciou seus estudos com Márcio Beltrami em Americana-SP, formou-se pela Unesp com os Profs Maurício Loureiro e Sérgio Burgani. Estudou também com os profs.: Roberto Pires, Nivaldo Orsi, Luiz Gonzaga Carneiro, José Bo-telho, Carlos Rieiro, Karl Leister, Antony Pay, entre outros. Realizou seu mestrado em Rotterdam-Ho-landa com os Profs. Henri Bok e Walter Boeykens e, posteriormente, o doutorado na Unicamp em práti-cas interpretativas. Atuou por mais de vinte anos na Orquestra do Theatro Municipal de SP e tem inte-grado diversos grupos de música de câmara: Came-rata Aberta, Sujeito a Guincho, Opus Brasil, Tetra-logia, Duo Clarones, Grupo Quarta D, entre outros. Atualmente, é Chefe do Departamento de Música da ECA-USP e, desde 1992, professor de clarineta, cla-rone e música de câmara da instituição.

A seguir alguns exemplos de obras realiza-das com a colaboração do Montanha e os com-positores.

Obras solo: Dois Poemas de Anita C.- Silvio Ferraz - versão p\ clarone, 2016; Poucas Linhas de Ana Cris-tina - Silvio Ferraz - com eletrônica versão p\ claro-ne, 2015 - sons múltiplos, cantar no instrumento, super agudo, slap, frulato, som com vento; Poética IV clarone e tape - Aylton Escobar, versão p\ cla-rone, 2010; Suite Alpina com tape - Andre Mehma-ri,1999, slap, som com vento; Sopro Inverso - Sergio Kafegian, versão p\ clarone, 2016, uso integral das técnicas extendidas;

Grupos Variados: No encalço do Boi - Silvio Ferraz, 2000 - clarone e percussão - frulato, slap, sons múlti-

Cla

rin

ete

Ba

ixo

59

plos; Aquarrelo - Sergio Rodrigo, trio p\ clarone, flau-ta e piano - frulato, slap, sons múltiplos; Passagens - Marcos Branda Lacerda, 2001 - clarone e vibrafone - mudanças tímbricas; Choro na Montanha - Hudson Nogueira, 2000 - clarone e marimba; Noturno - Edu-ardo Guimarães Álvares, 2001 - clarone e vibrafone; De um tempo em deserto - Silvio Ferraz,1997 - flauta, clarone, cello, violão, piano e percussão - uso de técnica estendida; Signo Sopro II -Marcus Siqueira, 2005 - flauta, piano, acordeon, violino e cello - uso de técnica extendida; Círculos - Valéria Bonafé, 2009 - flauta, oboé, clarone, trompa, violino, viola, cello - uso de técnica estendida baixo; Correspondencias a 2 - Thiago Cury,1999 - violino, cello, clarone, acorde-on e percussão; Impedance - José Henrique Padova-ni,2005, flauta, clarone, percussão, piano, violino, e cello - uso de técnica estendida;

Concertos: Brazilian Sketches - Nelson Aires, 2000 - dois clarones e banda;

Duo Clarones (com o professor Henri Bok, ele também um grande incentivador da produção de novas obras): Novos Temas - Bok-Wagner Tiso, 1999; Quatro Passagens - Newton Carneiro, 1999; 3 Valsas - Ciro Pereira,1999;

Sujeito a Guincho: Na maioria das peças com

arranjo do Luca Raele, houve a interação do com-positor com os claronistas Luis Montanha e Nivaldo Orsi.

João Paulo Araujo - Clarinetista e saxofonista com mais de 20 anos de atuação profissional. Ba-charel pela UFPB, mestre pela UFBA e doutor em performance pela UFBA sob orientação do profes-sor Joel Barbosa. Professor de clarineta e saxofone da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte desde 2008, coordenador dos Pro-jetos Bando de Sax e Orquestra Potiguar de Clarine-tas da UFRN.

Obras solo: Dança N. 1 - Agamenon de Morais, 2015.

Marcelo Piraino - Professor de clarinete da Fundarte. Estudou clarone com Henri Bok no Con-servatório de Rotterdam.

Obras: Polyakanthos - Alexandre Birnfeld, 2003; Irie - Rogério Vasconcelos - grupo de câmara; Refle-xos - Antonio Carlos Borges Cunha, versão p\ claro-ne 2006 – solo - sons múltiplos.

Mário Marques - Iniciou seus estudos em sua cidade natal com o prof. Dailton Cesar Lopes. Gra-duou-se pela UNICAMP sob orientação de Roberto Cesar Pires e posteriormente foi aluno de Edmilson Nery. Atualmente é músico da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas e integra o quinteto de clari-netes Madeira de Vento.

Obras solo: Curupira - Fernando de Oliveira, 2013 - até o Mib grave; Paisagens Audíveis - Marcos Padilha, 2015 - até o Ré grave; Escorregando no Cho-

ro - Sergio Vasconcellos Correa, 2015 - super agudo, grandes saltos; Serenata Brasileira - Frederico Zim-mermann Aranha, 2015 - escrita tradicional de Cho-ro; Valsa Samba-Canção Toada Valsa; Choro Seresteiro - Edmundo Villani Cortes, 2015; Mogi Guaxixe - Gian Correia, 2016 - agudo e saltos; Abstrassounds - Jailton de Oliveira, 2016; (In)Quietude - Raul do Valle,1993, versão para Clarone (2016); Humores de Hamadríade - Leonardo Aldrovandi, 2016 - sons multiplos, mi-crotons; Mini Toada - Newton Carneiro, 2017 – para clarone e Loop Station - com sons pré gravados; Suí-te - Hudson Nogueira para Clarone Solo, 2017 - tradi-cional, estética nacionalista: Maxixe, Valsa, Marcha Rancho, Choro;

Clarone e orquestra: Bittersweet Brazil - Frederico Zimmermann Aranha, 2016 - para clarone, orquestra de cordas e percussão - tradicional, sons múltiplos, até o Ré grave e superagudo;

Duos de clarones: Rondó para Manuel Bandeira - Fernando de Oliveira, 2017.

Mauricio Carneiro - Claronista e clarinetista da Orquestra Sinfônica do Paraná desde 1986, profes-sor de clarineta da Escola de Música e Belas Artes, EMBAP-UNESPAR, desde 1988. Possui especiali-zação em música de câmara e mestrado em perfor-mance pela UFBA.

Obras solo: Jardim Secreto - Fernando Mattos, 2007; A linguagem da Terra - Nélio Tanos Porto, 2006\7 - partitura gráfica, sonoridades múltiplas; Breve Litania para Nossa Senhora das Mercês - Anto-nio Celso Ribeiro, 2006; Berceuse au Canard Manda-rin - Otacílio Melgaço, 2007; Danzas Híbridas op.132 - Jaime Zenamon, 2006 - influência latino america-na; Olho de Carne solo com áudio pré-gravado - Le-onardo Aldrovandi, 2007- clave de Fá e Sol, vibrato, micro tonal, som com ar, sons multiplos, frulato, glissando; Peça para Clarone em três movimentos-Mi-guel Randolf, 2007.

Otinilo Pacheco - Participou do Grupo Novo Horizonte (soprano, um músico para requinta, cla-rone e clarineta, trompete, trombone, percussão, e piano) dirigido por Graham Griffths, de 1988 a 1998. Foi o primeiro grupo brasileiro a usar um clarinetista que interpretava requinta, clarineta e clarone até o Dó grave da marca Leblanc em um grupo dedicado à música contemporânea.

Obras solo: Paráfrase - Fernando Cerqueira, 1998; Clarone e Vibrafone: Dionysiaque - Silvia de Luc-

ca, 1993 - superagudo, frulato, slap;Concerto: Concerto para clarone, percussão e ma-

rimba - Harry Crowl, 1994 - sons múltiplos, supera-gudo;

Grupo Novo Horizonte: Pétala Petulância - Edu-ardo Guimarães, 1992; Canto de Cura - Silvio Ferraz, 1993; Entre vozes gestos e pássaros - Silvio Ferraz, 1992; Pássaro Preto, Sol e Menina em Vermelho - Silvio Fer-raz, 1993; Conferência - Silvio Ferraz; 8 Clocks - Hélio Ziskind; Finismundo - Harry Crowl; Chuva Obliqua

Cla

rin

ete

Ba

ixo

60

- Rodolfo Coelho de Souza; Música de Camara 1944 - Claudio Santoro, ré-instrumentação de Graham Griffiths, 1993.

Paulo Passos - Bacharel em clarinete pela Uni-Rio. Dedica-se principalmente à música contem-porânea brasileira. Tem um duo com a pianista Sara Cohen, outro com o percussionista Joaquim Abreu e é integrante do Ensemble Jocy de Oliveira.

Obras solo: Manjerona - Tacuchian, 2007 - slap, sons múltiplos; Striding Trough rooms - Jocy de Olivei-ra, 2001 - superagudo, vibrato, som de ar, slap, frula-to, voz no instrumento, microtons; Uma outra Idea Fixa - Marcos Siqueira, 2005 - sons múltiplos, slap, micro afinação, frulato; Quatro áreas - Willy Corrêa de Oliveira, 2006 - primeira área para requinta, su-peragudo; Void -Paulo Cesar Chagas, 2015 - micro afinação, superagudo, glissando; Grund - Roberto Victorio,1993, revisão para o cd 2017; Xilogravuras - Nylson Juazeiro, 2005 - vibrato e frulato; Canções dos dias Vaos nove - Luiz Carlos Cseko, 2001 - várias téc-nicas expandidas;

Formações Variadas: Sonatina para clarone e piano - Tacuchian, 2007; Primeiro Dialogo - Caio Sena,1999 - tenor, baritono, clarone e piano; Suite para clarone e dois violões - Caio Sena,1999, dedicada; Terra dos homens – Tacuchian, 2007 - Ba-ritono e clarone - slap, frulato.

Sérgio Albach - É clarinetista, arranjador, com-positor e curador. Graduou-se na EMBAP-PR em Licenciatura em Música. Desde 1988, quando inicia sua carreira profissional, tem uma atividade musical intensa, principalmente como instrumentista. De-pois de 4 anos, como músico da OSINPA, começa uma dedicação para a música brasileira, em especial o Choro. Assume a Direção da OABS em 2002, que já está em seu 6° lançamento fonográfico, e a Direção da Oficina de Música de Curitiba até 2014. Excursio-nou por vários países da Europa e América Latina com o Mano a Mano Trio e também com um con-certo solo de clarone. Conta com parcerias no pal-co com músicos do calibre de Amilton Godoy, Léa Freire, Altamiro Carrilho, Arrigo Barnabé, Egberto Gismonti entre outros.

Obras solo: Linha Interior - Silvio Ferraz, 2015 - slap, barulho de chave, voz e som, overblowing; El-ric - Carlos Stasi, 2016 - possui 4 notas, overblowing, som de vento; Miniatura - Joan Gómez Alemany, 2017 - sopro no tudel, dente na palheta, sonoridade múltipla, usa o tudel percussivamente, peça perfor-mática, slap, vento no som com eletrônica; Turbu-lenta - Léa Freire, 2015 - com pedal de looping e per-cussão; All Bach - Caito Marcondes, 2016.

Thiago Tavares - Começou seu estudo de claro-ne com Cristiano Alves, fez cursos com Montanha, Harry Sparnaay, Fie Schouten, Paolo de Gaspari, e Mestrado com Henri Bok no Conservatório de Rot-terdam. Ingressou na Orquestra Sinfônica Brasileira em 2003. Foi convidado pelo professor Dr. Fernan-

do Silveira a ministrar aulas de clarone no curso livre da UniRio em 2015.

Obras solo: Pessoas no Divã do Fernando - Angelo Martins, 2015, clave de Fá; Fantasia n. 1 e n. 2 - Alis-son Siqueira, 2016 - escrita alemã; Colrone ns. 1, 2 e 5 - Alisson Siqueira, 2017 - escrita alemã; Monólogo - Tales Botequia, 2015 - sons múltiplos; Fragmento Aniquilado - Cláudio Bezz, 2017; Miniaturas - Djalma Campos, 2015 - sons múltiplos; Solilóquio VI - Harry Crowl, 2015 - várias técnicas expandidas; O Rio de Ariadne - Paulo Henrique Raposo, 2010 - versão para clarone, 2017 - gráfico; Filho Pródigos - Henrique Coe, 2015 - super agudo, sons múltiplos;

Duos: Duo para clarones n. 1 - Gilson Santos, 2015; Duo para clarone e fagote - Alisson Siqueira, 2017; Bagatela p\ dois clarones - Angelo Martins, 2015; So-natina para clarone e fagote - Alexandre Schubert, 2017 - transcrição para clarone; Moldura V - Gusta-vo Bonin, 2015 - trombone baixo e clarone, dedica-do ao Duo Abissal - teatral, sonoridades múltiplas; Roxo Púrpura - Gabriel Xavier, 2015 - trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal - supera-gudo; Quatro momentos modulares - Pedro Henrique de Faria, 2016 - versão: trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal; Trincheira de Mariana op. 32 - Halley Chaves, 2017, trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal; Fantasia n. 5 - Siqueira Sá - trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal - escrita alemã; Azul quase transparente - Daniel Qua-ranta, 2016 - trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal - gráfica, várias técnicas expandidas; Corpo de Lata - Dimitri Cervo, 2015 - trombone bai-xo e clarone, dedicado ao Duo Abissal; Duo Abissal - Angelo Martins, 2015 - trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal; Relações I - Nikolas Araujo, 2015 - trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal; Trio n. 1 - Maico Lopes, 2016 - trompete bai-xo, trombone baixo e clarone; Duo - Sergio Roberto de Oliveira, 2017 - fagote e Clarone;

Trios: Chiaroscuro - Marcos Lucas, 2012 - dedi-cado ao Trio Manjerona para requinta\clarone\cla-rineta, percussão e contrabaixo; Kiela -Pauxy, 2012 - dedicado ao Trio Manjerona para clarone, percus-são e contrabaixo; Meditações - Alexandre Schubert, 2012 - dedicado ao Trio Manjerona para clarone, percussão e contrabaixo;

Quartetos: Domingo della Golpiles - Henrique Ma-chado, 2016 - superagudo;

Quarteto Concertante - Nelson Macedo, 2015 - dois clarones, marimba e trompa, transcrição p\ dois clarones; Danças das Borboletas - Angelo Martins, 2016; Quarteto em honra de Nossa Senhora Auxiliado-ra - Henrique Coe, 2017;

Sexteto: Origens II, Serra da Capivara - Beetho-ven Cunha, 2015 - para 5 contrabaixos e clarone - su-peragudo;

Noneto: “Entre-Termos” - yahn Wagner, 2011 - para soprano, flauta, clarineta\clarone\requinta,

Cla

rin

ete

Ba

ixo

trompa, trombone, violino, contrabaixo, percussão e piano - contém dois gráficos;

Concerto: Angústia - Henrique Machado, 2017 - clarinete contrabaixo e orquestra cordas; Elogio da Sombra - Harry Crowl, 2014 - orquestra de cordas - várias técnicas expandidas.

Conclusão

Os desafios para a produção de novas obras são muitos; as classes de composição nas univer-sidades ainda estão distantes dos intérpretes, e o resultado obtido no computador com sonorida-des “midi” pode ser enganador a quem compõe, o compositor uma vez formado se encontra com no-vos dilemas a respeito de sua filosofia de trabalho e a dificuldade de encontrar intérpretes disponíveis a participar do processo social e composicional até a finalização da peça. Além disso, muitos grupos iniciados por compositores que estão trabalhando em universidades não conseguem o apoio necessá-rio das instituições. A frustração leva a uma quase paralisia endêmica. Por sua vez, são poucos os in-térpretes que vislumbram a possibilidade de fazer a premiere de uma peça, ou participar do processo criativo.

O fim de grupos importantes que executam es-sas obras atentam não só contra a situação social de músicos que investiram sua vida e sua arte, mas sobretudo são um problema para a divulgação des-sas obras. São exemplos disso, o término do grupo Novo Horizonte em 1998 e, fruto da política cultu-ral brasileira recente, o fim da Camerata Aberta.

Em todos os aspectos ainda temos um caminho longo a percorrer quanto ao fomento e criação do repertório brasileiro para clarone. Mas estamos no caminho certo e em movimento!

O clarone brasileiro está em uma ótima direção! Creio que somos um dos mais prolíferos instru-mentos quanto à criação de um repertório brasilei-ro atual em produção constante. A conscientização da importância da dupla intérprete compositor, no entanto, ainda tem que adicionar o personagem do produtor cultural e virar um trio. Ou alguém tem que parar de estudar e compor para a produção da captação financeira. Nunca podemos esquecer que temos que chegar ao público e mostrar como é im-portante nossa produção cultural e o que estamos fazendo. Afinal a música é para a sociedade, não?

MÁRIO MARQUES, ClaroneIniciou seus estudos em sua cidade natal com o prof. Dai-

lton Cesar Lopes. Graduou-se pela UNICAMP sob orientação de Roberto Cesar Pires e posteriormente foi aluno de Edmilson Nery. Atualmente é músico da Orquestra Sinfonica Munici-pal de Campinas e integra o quinteto de clarinetas MADEIRA DE VENTO, com quem gravou os CDs “Chovendo Canivetes” (2002) e “Assanhado” (2009), além de ter participado de fes-tivais internacionais de clarineta em Atlanta (EUA), Vancou-ver (Canadá), Naning (China) e Assisi (Itália).

Como claronista tem se dedicado a fomentar junto a com-positores brasileiros repertório inédito para o instrumento. Participou das tres primeiras edições do Encontro Brasileiro de Claronistas. Participou do I Summer Courses (Italian Clarinet Univerty) em agotso de 2015 na cidade de Cameri-no/Itália, onde além de ter tido aulas com Sauro Berti/Italia também fez um recital com o tema “CLARINETO BASSO BRAZILIANO”. Estreou a obra BITTERSWEET BRAZIL de Frederico Z. Aranha frente a Orquestra Municipal de Campo Grande/MS (out/2016) e foi solista dessa mesma peça junto a Orquestra Sinfonica da UNICAMP (maio/2017).

Mário Marques toca com Clarone Buffet Cranpom PRES-TIGE. Seu trabalho tem sido regularmente divulgado nas re-des sociais:FACEBOOK: Mario Marques – Clarone Brasil / @claronebrasil https://www.facebook.com/claronebrasil/?ref=bookmarksYOUTUBE: Clarone Brasil https://www.youtube.com/channel/UCdHuxJUmTQb8vl-WmNpWp1SA

Claronistas em Destaque

A partir dessa edição, apresentaremos nessa seção o trabalho de um claronista em particular

Cla

rin

ete

Ba

ixo

62

Rel

ato

s

Formado por André Fajersztajn, Bruno Ghirar-di, Bruno Avoglia, Efraim Santana e Patrick Moreira Lima, o quinteto de clarinetes Viajando pelo Bra-sil tem ganhado gradativamente mais espaço no meio artístico-musical paulistano. Criado em 2015 no âmbito do Laboratório de Música de Câmara da Universidade de São Paulo e com orientação de Luís Afonso Montanha, o grupo já tem no currículo apre-sentações em locais como Casa das Rosas, Memorial da América Latina e Casa de Dona yayá, além de ter marcado presença na abertura do Encontro Brasilei-ro de Clarinetistas em Poços de Caldas e no VI Con-curso de Música de Câmara do Festival Villa-Lobos no Rio de Janeiro.

Em 2016, o quinteto foi convidado pelo Lyceum Mozartiano de La Habana a se apresentar na 5ª edi-ção da Fiesta de los clarinetes. O evento aconteceu entre 7 e 15 de abril de 2017, organizado por Marita Rodríguez. Marita é grande conhecedora do repertó-rio de clarinete e, ao lado de Vicente Monterrey (pri-meiro clarinetista da Orquestra Sinfónica del Gran Teatro de La Havana), forma o Dúo D’accord.

A festa contou com conferências, masterclasses e concertos na Fabrica de Arte Cubano e no Oratorio San Felipe Neri. Destaca-se o trabalho de Patricia Pé-rez Brito, intitulada Redescubriendo el Concierto para clarinete em sib y orquestra del compositor cubano Félix Guerrero, que traz à tona uma obra pouco conheci-da do repertório e discute a relação compositor-in-térprete entre Félix Guerrero e Paquito D’Rivera. O trabalho é resultado de seu doutorado em Música na Universidade de São Paulo.

Como solistas, apresentaram-se os clarinetistas cubanos Alejandro Calzadilla, Maray Viyella, Patricia Pérez Brito, Janio Abreu, Dunia Andreu, Mariolys Ri-vas e Arístides Porto. Entre ensembles de clarinetes, contam-se o Cuarteto Solistas del Futuro, o Cuarteto de la Universidad de Las Artes e o Cuarteto Cubano de Clarinetes. Nesta edição, os grupos estrangeiros convidados foram o estadunidense PENTrio e o bra-sileiro Viajando pelo Brasil.

O Viajando pelo Brasil levou a Cuba o seu tradi-cional repertório de música brasileira: um combo com Radamés Gnatalli, Egberto Gismonti, Garôto,

Hermeto Pascoal, Gilberto Gil e Heitor Villa-Lobos arranjado por André Fajersztajn e Bruno Avoglia. O recital principal contou também com duas obras es-peciais no repertório: Baião de 3 de Raphael Augusto e o Concerto para clarinete de Aaron Copland. Baião de 3, encomendada especialmente para a ocasião, é uma obra erudita que evoca diversos baiões tradi-cionais numa apurada escrita atonal.

Já o concerto de Copland teve o acompanhamen-to orquestral reelaborado por Bruno Avoglia, tornan-do-se agora Concerto para clarinete e quinteto de clari-netes. Bruno Avoglia, mestrando pela Universidade de São Paulo, estuda o reaproveitamento de material no repertório musical e já fez outros trabalhos seme-lhantes, como por exemplo a adaptação do concerto de Carl Nielsen de clarinete para clarone, estreado por Luís Afonso Montanha e a Orquestra Jovem do Esta-do de São Paulo em 2016. Em Cuba, o Viajando pelo Brasil contou com Patricia Pérez Brito como solista.

O Viajando pelo Brasil foi muito bem recebido pela comunidade clarinetística cubana que, apesar das dificuldades do bloqueio econômico, tem se de-senvolvido e atingido altos níveis de excelência mu-sical (isso sem falar na musicalidade que toma conta das ruas!!!). Além de muito elogiado pela qualidade de performance em Cuba, o quinteto traz para o Bra-sil o reconhecimento da qualidade da escola brasi-leira de clarinete pelos mais experientes clarinetis-tas cubanos, considerada por eles uma das melhores na América Latina.

O quinteto agradece imensamente aos diversos apoiadores – familiares, amigos e doadores anôni-mos – que tornaram esta viagem possível, entre eles os clarinetistas Nailor Proveta, Alexandre Ribeiro, Michel Moraes, Luís Afonso Montanha, Ovanir Buo-si, Cristiano Alves e Jairo Wilkens e a loja Armazém do Sopro, pela doação dos CDs que foram vendidos e rifados em boxes no Encontro Brasileiro de Clari-netistas deste ano. Agradece ainda ao apoio da Igreja Evangélica Batista da Luz.

E agora, o Viajando pelo Brasil (que ainda vai via-jar muito por esse Brasil afora) já está convidado a levar a música brasileira ao 3° Festival Internacional de Clarinetes do Paraguai!

Viajando pelo Brasil faz estréia internacional em Havana com repertório brasileiro e inovadora reelaboração do concerto de Aaron Copland em parceria com Patricia Pérez Brito

64

Disponível em www.armazemdosopro.com.br

Indicação

MudançaDuo: Newton Carneiro - Violão Michel Morais - ClarinetaSelo independente

Nada é permanente, exceto a mudança.Diante dessa percepção, nós sentimos a ne-cessidade de registrar de algum modo o fugaz momento presente. A gravação de música é uma tentativa de Guardar uma fração do tempo.A realização do CD “Mudança” registra no tem-po essa parceria, refletindo um pequeno pano-rama do momento presente, nossas influências, nossa amizade, ideias, percepções e sonhos.

Trio PaineirasSelo/Gravadora - A Casa Discos.Produção musical - Sergio Roberto de Oliveira.O dilema existente entre “fazer o que se gosta” e “viver do que se gosta” é uma realidade à qual nós artistas não ficamos imunes. Em tempos cada vez mais duros, a valorização da educação e da arte ainda nos permite vislumbrar um desejável mundo melhor...No universo da música de concerto, sobretudo da música contemporânea, dedicados compositores e intérpretes buscam, a cada dia, novos projetos para divulgar o seu trabalho e fomentar a crescente produção artística atual.O Trio Paineiras nasce no Rio de Janeiro com a proposta de divulgação e incentivo à produção de novas obras para formação mista: violino/viola, clarinete/clarinete baixo e piano. Formado pelos músicos e professores Batista Jr (clarinete/clari-nete baixo), Marco Catto (violino/viola) e Marina Spoladore (piano) - o projeto nos brinda com novas obras de: Liduino Pitombeira, Marcos Lucas, Pauxy Gentil-Nunes, Rami Levin e Sérgio de Oliveira. Indo além no sentindo da divulgação e incentivo à novas obras, o Trio Paineiras e compositores, pretendem disponibilizar gratuitamente todo o ma-terial do disco, editado e revisado através da ação colaborativa compositor/intérprete.

Batista Jr

Neste número a Clarineta indica três albuns do nosso entrevistado Paulo Sérgio Santos. Da esquerda para direita: Gargalhada de 2001, Saudades do Cordão de 2009 com parceria de Guinga e Segura Ele de 1994.

Lançamentos por Daniel Oliveira

Dic

a d

o m

estr

e

Dica do mestre por Sergio Albach

Fatores no Planejamento de um Concerto

Alguém já parou para pensar na quantidade de fatores que envolvem a realização de um concerto? Estamos habituados nas nossas pesquisas de ma-terial, repertório, formas de estudar, e vamos para o palco com toda nossa bagagem de informação, às vezes sem nos darmos conta de como se deu todo o processo para se chegar ali. Neste artigo vou ca-talogar e comentar a maioria dos passos a serem tomados para estarmos tranquilos na hora do re-sultado final.

Enumerei como fatores principais (1) Instru-mento, (2) Repertório e (3) Estudo. O fator (1) Ins-trumento será aprofundado em outra oportunida-de. Ele terá os seguintes itens: aquisição e escolha, manutenção (sapatilhas, chaves, rachaduras e pe-sos das molas), boquilhas e palhetas. Comecemos aprofundar a partir do fator (2) Repertório. Neste item vou relatar uma experiência pessoal para termos uma experiência prática.

Sempre tive o desejo de realizar um concerto de clarone solo com música contemporânea. No ano passado, realizei esse projeto com bons resultados, e creio que a escolha do repertório foi um dos fato-res mais importantes para criar a dinâmica do con-certo e a atenção da plateia.

Em primeiro lugar, achei interessante incluir peças com eletrônica para movimentar um pouco e ter outros elementos para criar novos interesses ao ouvinte. Não que o concerto solo de clarone sem outros recursos não seja possível, mas restrin-ge mais o público alvo. Também tentei buscar um equilíbrio entre músicas mais acessíveis e músicas mais complexas, variando a origem dos composi-

tores, as estéticas utilizadas, os estilos. De qualquer maneira privilegiando compositores brasileiros.

Um dos meus pontos de pesquisa foi a disser-tação de mestrado do professor Maurício Soares Carneiro que catalogou obras para clarone solo de compositores brasileiros, defendida em 2008 (hoje temos mais obras para incluir). A partir do momento que escolhia uma obra, fui tentando en-trar em contato com os compositores, que é uma forma de sedimentar o conhecimento da peça, dar mais segurança, principalmente em se tratando de notações de música contemporânea que ainda não estão padronizadas, e às vezes até para consultar sobre coisas básicas, como andamentos, aciden-tes, etc.

Aproveito para fazer uma pergunta: sustenidos e bemóis em apojaturas valem para a mesma nota da mesma oitava no compasso? Ilustrando:

No exemplo abaixo, temos um compasso em 4/4. No terceiro tempo, há um ré# na apojatura, na sequência uma série de fusas com fá# e ré, e depois, no quarto tempo, outra apojatura com ré#. Para mim, cria-se uma dúvida se os rés do grupo de fu-sas seriam sustenidos ou bequadros.

Dic

a d

o m

estr

e

No exemplo acima, ocorre um 5/4 que já começa com uma apojatura de re#. Na cabeça do segundo tempo, aparece um ré sem indicação de acidente e, na mesma quintina, um ré#. Então, o ré da cabeça é sustenido ou bequadro?

Na minha experiência em leituras de peças, esse tipo de dúvida acontece frequentemente. Se você tem contato com o compositor basta perguntar e está resolvido; se não tiver, você teria que pergun-tar para alguém que já tocou a peça e/ou arrumar uma gravação confiável e tentar descobrir qual é o acidente correto. Claro que este caso seria mais técnico para se sanar com o compositor, mas em contato com ele, você pode descobrir coisas sobre texturas, ambientação, trocar experiências, sugerir mudanças etc.

Quanto à notação para os claronistas, recomen-do desenvolverem fluência na leitura da clave de fá, pois muitas peças estão sendo escritas assim, que é conhecida como escrita alemã. Lembro que, se aparecer algum trecho mudado para a clave de sol, o claronista deverá executar o que está escrito uma oitava acima, ou seja, na escrita alemã se tocam as notas na região real em que soa e, na escrita fran-cesa, a comum da clarineta que soará sempre uma oitava abaixo deste instrumento.

Outro fator que influenciou a escolha do re-pertório para o meu concerto foi uma vontade de improvisar um pouco, que também é uma estética bastante utilizada, que cria uma outra ambientação na sequencia entre peças com escritas tão rigorosas.

Compilei o concerto no soundcloud, assim dá para ter uma ideia do resultado final: https://sou-ndcloud.com/sergioalbach_clarone_bassclarinet/sets/concerto-solo-clarone-bass.

ESTUDO

Professor – A escolha de um professor é muito importante. Se você já tem uma linha estética que quer desenvolver procure o professor que mais se adapta ao seu estilo. Professor e aluno têm que ter uma relação simbiótica de entendimento e até de cumplicidade.

Consultoria – Uma das formas para ama-durecer uma peça é executá-las ao vivo. Se você não tem um espaço para isso, convide amigos e

familiares, músicos ou não. Quando você está sozinho, por mais que você tente simular a sensa-ção de estar tocando em um concerto, é sempre diferente com a presença atenta de um ouvinte. A experiência pode ser ampliada se você, após a execução, trocar uma ideia com quem acabou de assisti-lo; reiterando que o espectador não pre-cisa ser músico; aliás, não sendo músico você é quem ganha em saber sobre outros olhares, outras perspectivas, sem anseios técnicos e de virtuosidades. Uma pesquisa que pode te ajudar muito também é a dissertação de mestrado do Professor Anderson Alves. http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/14689/1/2013_AndersonCesa-rAlves.pdf. Aqui ele realizou entrevistas com qua-tro clarinetistas profissionais que falaram sobre suas carreiras e formas de estudo.

Preparação Corporal – O músico precisa entender o funcionamento do seu corpo. Essa é uma condição que deve ser abordada desde o iní-cio dos estudos, tocar relaxado, evitando tensões, postura adequada; mas quantos músicos tem ou tiveram problemas com dores, tendinite, bursite e outras? Uma medida simples a ser tomada para evitar que uma simples dor se torne um grave pro-blema é parar o estudo quando estiver sentindo algum desconforto, não seguir adiante; é neste momento que as dores começam a ficar crônicas. O ideal é parar por um tempo e fazer alongamen-to, massagem, uma ducha de água quente e/ou até procurar ajuda profissional. Temos muitas possi-bilidades: natação, yoga, Técnica Alexander, Pila-tes, acupuntura entre outras. Escolha a que mais se adapta ao seu estilo, isso faz parte do processo, não pode ser negligenciado.

Estudo Escalonado – A maneira que melhor me adaptei para realizar o estudo diário e outras tarefas é utilizando o sistema de escalonamen-to de tempo, também conhecido como Técnica Pomodoro (https://pt.wikipedia.org/wiki/T%-C3%A9cnica_pomodoro) . Consiste em trabalhar com tempos definidos, pausas entre eles e meta diária. Para isso você utiliza um timer, ou cronô-metro, por exemplo: supomos que você quer es-tudar 4 horas por dia. Você pode dividi-las em 12 x 20min com pausas de cinco minutos entre elas. Eventualmente você pode dar uma pausa maior

68

Sergio Albach - É clarinetista, arranjador, compo-sitor e curador. Foi diretor da Oficina de Música de Curitiba até 2014. Excursionou por vários países da Europa e América Latina com o Mano a Mano Trio e também com um concerto solo de clarone. Conta com parcerias no palco com músicos do calibre de Amilton Godoy, Léa Freire, Altamiro Carrilho, Arrigo Barna-bé, Egberto Gismonti entre outros. Sergio Albach é o atual presidente da ABCL.e-mail: [email protected]

Dic

a d

o m

estr

e

depois de duas horas. Esse método ajuda muito na concentração, em estar focado no que se está fazendo. Outra qualidade deste método é você poder estar mensurando o trabalho. Você irá sa-ber quanto tempo estudou cada peça até o pon-to de conseguir tocá-la, podendo ter uma ideia de quanto tempo precisará para aprender uma peça nova com aquele mesmo grau de dificulda-de; quanto tempo consegue ficar concentrado no estudo; quanto tempo dura sua resistência mus-cular de embocadura e física; assim como quanto tempo utilizou determinada palheta, quanto tem-po ela levou para encharcar, sua duração, etc.

Gravação de ensaios e concertos – Gravar seus estudos e concertos é uma forma bem dire-ta de estudo. Mesmo que não seja com um grava-dor profissional, conseguimos de maneira rápida perceber os problemas e encontrar soluções para tais. Vídeos também são bem-vindos para perce-bermos, além da parte sonora, nossa presença no palco, postura e gestos. Para ilustrar: esse sistema foi usado por Martha Argerich, recomendado pelo seu professor Friederich Gulda que a gravava em aula e a fazia comentar sobre a execução.

Técnicas Estendidas – A música contempo-rânea desenvolveu técnicas do instrumento que se utilizam de recursos não convencionais do ins-trumento. Normalmente não se utiliza colocar o dente na palheta, assoprar no instrumento sem boquilha, barulhos de chaves, frulato, partituras que indicam movimentação do corpo, entre ou-tros. O que eu gostaria de comentar é que as técni-cas estendidas devem ser dominadas como você domina a técnica tradicional, ou seja, tem que despender tempo em cima delas. Escolhi duas delas para comentar:

1- SlapTongue- Ao pesquisar o repertório para o meu concerto, me dei conta de uma expressiva utilização de técnicas estendidas, e quase uma unanimidade entre peças para clarone é a utiliza-ção do SlapTongue, técnica que não dominava na época. Como na minha seleção de repertório de oito músicas, sete usavam esta técnica, não tive outra escolha a não ser parar tudo e trabalhar. Na internet se encontram vídeos dos mais diversos, inclusive vários que me atrapalharam no proces-so. Eu recomendo o vídeo do Harry Spaarnay, simples, claro e objetivo

De minha parte, foram dois anos para fazer um SlapTongue aceitável e mais um ano aperfeiçoan-do depois das dicas do claronista Paolo de Gaspa-ri que é um virtuose nessa modalidade, no encon-tro de clarones em Maceió.

2 - Multifônicos – uma das maiores pesquisas sobre esse assunto foi desenvolvida pela profes-sora Sarah Watts e, para confirmar que o tema é polêmico, a primeira frase da introdução do primeiro capítulo de seu livro “SpectralImmer-sions”, é um trecho de uma entrevista com o cla-

ronista holandês Harry Sparnaay: “Eu acho que nossa tarefa é convencer os compositores que o multifônico é um negócio de alto risco e muito inseguro, pois quando troco minhas palhetas ou toco em outro dia, os multifônicos mudam”. De qualquer forma, eu posso garantir que é um exce-lente estudo de sonoridade, tanto para o clarone como para a clarineta. Para uma boa aplicação de estudo e entendimento de multifônicos, vocês podem dar uma olhada na dica do mestre da Re-vista Clarineta n°2 com o professor Nuno Silva.

Metrônomo – Eu aconselho a utilização do metrônomo. É uma ferramenta das mais úteis criadas para o estudo da música, porém, deve ser utilizado com inteligência e não em todo momen-to do estudo. Use-o de formas variadas, como por exemplo, ele não marcando a cabeça do tempo. Ele pode ser o contratempo, a segunda semicol-cheia, a quarta... enfim, não se renda 100% a ele. Pode causar uma dependência excessiva e te atra-palhar na hora de não estar com ele ao seu lado.

Ouvindo a eletrônica – Outra característica dos concertos de música de hoje é a utilização de eletrônica de várias maneiras. Se você ainda não está habituado a trabalhar com esse recurso, eu recomendo que antes de sair tocando a música com a eletrônica, ouça a parte gravada muitas ve-zes com a partitura, anote pontos de apoio. Você precisa saber muito o que acontece lá. Diferente-mente de um músico que te acompanha, é você que tem que se adaptar a ela. Normalmente, o ins-trumento deve ser amplificado e o volume de som da eletrônica deve estar no mesmo nível, e, salvo raras exceções, não tratar o seu instrumento com mais volume, sobressaindo-se.

CONCLUINDO Aqui dei várias pinceladas sobre muitos as-

suntos e muitas opiniões pessoais relativas à mi-nha pesquisa diária. Com certeza irão existir opi-niões contrárias e muitas que acrescentarão ao debate. Cada um é cada um e deve encontrar a sua maneira de trabalho.

69

NORMAS PARA SUBMISSÕES

DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

A revista CLARINETA é uma revista acadêmica que visa divulgar co-nhecimentos científicos, artísticos, pedagógicos e técnicos referentes a área de clarineta no Brasil, mas não se restringindo apenas a este país. Ela recebe submissões de textos para publicação para suas diversas seções (artigos, entrevistas, resenhas etc). Os textos publicados serão aqueles re-comendados por dois pareceres da equipe editorial. Os pareceristas serão de região(ões) e instituição(ões) diferentes da(s) do(s) autor(es) e emiti-rão pareceres pelo sistema single blind, onde o manuscrito é avaliado com o(s) nome(s) do(s) autor(es). Todo texto será avaliado, primeiramente, por dois pareceristas e, em não havendo concordância, será acionado um terceiro. O conteúdo dos textos é de responsabilidade do(s) autor(es). Em relação a artigos, serão aceitas submissões de artigos científicos e empíricos referentes a pesquisas concluídas. Cada artigo deverá incluir resumo, abstract, cinco palavras-chave, texto e referências, contendo até 25.000 caracteres com espaços, em arquivo Word (.doc). Quanto às sub-missões dos outros formatos de textos, será considerada a relevância de suas contribuições histórica, teórica, artística, pedagógica e/ou prática. A submissão de resenhas poderá ser sobre gravação, vídeo, artigo, livro, ma-terial didático, partitura (composição, arranjo e adaptação), dissertação e tese. A submissão de notícias deverá ser sobre eventos a ocorrer ou ocor-ridos após o último número da revista. Para entrevistas serão aceitos tex-tos com até 10.000 toques, para a “Dica do Mestre” até 8.000, para cada resenha 2.000, e notícia 1500.

A submissão de textos está aberta permanentemente e a média de tem-po de resposta é de 45 a 60 dias. Ela deve ser feita pelo email: [email protected].

Clarineta