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philos revista de literatura volume 1 · número 1 · fev 2016 aldenor pimentel celso martins àngel gabregat gabriel cardoso · · · · aurilene sampaio lucas dantas luizza julianelli emanuela rodrigues · · · · talita souza munique duarte hiatus julien hoff edson amaro marina · · · · · mohallen lucrecia welter gustavo souza thaís amaral rodrigo · · · · menezes ronaldo queiroz caio lobo josé henrique zamai · · · · astrid ramos fotografias de david segarra

Revista Philos #1

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Philos #1 - Revista de Literatura, um publicação da casa editorial independente Camará Cartonera.

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philos revista de literatura volume 1 · número 1 · fev 2016

aldenor pimentel celso martins àngel gabregat gabriel cardoso · · · ·aurilene sampaio lucas dantas luizza julianelli emanuela rodrigues · · · ·talita souza munique duarte hiatus julien hoff edson amaro marina · · · · ·

mohallen lucrecia welter gustavo souza thaís amaral rodrigo · · · ·menezes ronaldo queiroz caio lobo josé henrique zamai · · · · astrid ramos

fotografias de david segarra

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philos © 2016 PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 2016 FEVEREIRO DE philos COM O TÍTULOrevista de literatura 1 camará cartoneraNÚMERO E EDITADA PELO SELO

© TODOS OS TEXTOS DESTA EDIÇÃO SÃO COPYRIGHT DE SEUS RESPECTIVOS AUTORES

EDIÇÃO E REVISÃOjorge pereira & sylvia de montarroyos

FOTOGRAFIASdavid segarra

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editorial

O futuro se aproxima devagar, mas vem. Tomamos como nosso o primeiro verso

do poema de Mário Benedetti para estrear as linhas da primeira edição da Revista

Philos. Somos parte do selo Camará Cartonera, uma iniciativa de valorização

cultural e socioambiental, que movimenta de maneira mais pluralizada o mercado

editorial com livros que respeitam o meio ambiente. Queremos dar espaço para a

literatura dos novos autores, para a história feita pelo homem, queremos reverberar

a sua importância, plantar as suas sementes.

Escrever é errar, procurar, sofrer, indagar, amar… Por isso nossos autores erram,

procuram, sofrem, indagam e amam. Caminham pelos caminhos mais difíceis para

encontrar o fio condutor de sua arte, enchem-se de versos e prosas, narrativas e

relatos, gostam ou desgostam, amassam, rabiscam, torcem, jogam fora, escrevem,

reescrevem e de novo tornam a escrever. Neste sentido surgimos para fazer parte

desse processo criativo, queremos junto com eles escrever e reescrever a nossa

história.

Queremos usar a palavra para compor silêncios, poemas, contos, ensaios, rimas,

métricas, pessoas, sociedade, ambiente, arte. Queremos entrelaçar os pensamentos

e ideias, as utopias de cada escritor, suas expressões, suas delicadezas e

brutalidades lapidadas nas múltiplas faces da literatura.

As fotografias que ilustram nossa edição foram feitas ao longo de uma imensa

viagem de descobrimentos e lutas de David Segarra. Seu trabalho, publicado em

um livro antológico revela a poesia que está escrita muito além das lentes de sua

câmera, mas narrada no cotidiano das pessoas simples que vivem em países

devastados pela guerra, mostrando-se na linha tênue do viver e morrer, e assim,

costuram-se entre as linhas de nossos escritores, que da mesma forma nascem,

vivem e morrem nos seus caminhos íntimos das palavras.

Desejamos uma boa leitura,

Jorge Pereira & Sylvia de Montarroyos

Editores

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6 olhar, aldenor pimentel8 la levedad del ser, àngel gabregat morera9 a pedra lascada, aurilene sampaio13 noites de madrugadas de farsas, luizza julianelli15 palavras equi-vocadas, emanuela rodrigues18 o abismo da fome, lucas dantas21 o embrulhinho, munique duarte24 d'alma, julien hoff26 o colo de minha mãe, lucrecia welter29 as lentes da vida, thaís amaral

contos cuentos

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Eles andavam nus. Sempre andaram. E nada de errado viam nisso. Olhar o corpo

nu do outro era tão corriqueiro e puro como contemplar o pôr do sol ou responder

a um sorriso com outro.

Naquele povoado, não havia escrita, não havia papel. Tudo o que aprendiam

registravam no próprio corpo. Tatuavam na pele sinais de fácil compreensão. E

aprendiam uns com os outros pelo olhar. Os corpos nus eram como livros abertos,

prontos para serem lidos. Assim, tudo era partilhado e nenhum saber se perdia.

Quando alguém morria, repetia-se o ritual. O corpo era exposto na praça central e

todo o povoado se reunia para ver. Passavam dias e dias olhando o corpo exposto,

até terem certeza de que nenhum sinal tatuado passara despercebido por ninguém.

Em seguida, cobriam todo o corpo com fibras de uma árvore e o enterravam onde

não pudesse ser visto. Depois de uma vida inteira, sua missão estava cumprida.

Com o tempo, o inevitável contato com outros povos aconteceu. Um deles, em

especial, que se instalou pelas redondezas, cobria-se dos pés à cabeça. Não se

olhavam nos olhos. Aliás, não se olhavam. Acreditavam que todo olhar é invasivo

e, por isso, deve ser evitado.

olhar © aldenor pimentel [roraima]

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Pouco a pouco, os mais jovens daquele povoado passaram a sentir vergonha do

próprio corpo. Começaram a esconder as partes íntimas, as pernas, o tórax, o

abdômen e, no final, já cobriam o corpo todo. Quando, entre eles, alguém, por

deslize, deixava à mostra algum pedaço de pele, os demais desviavam o olhar. E se

o distraído não se emendasse, voltando à mesma conduta, era duramente

repreendido.

O conhecimento daquele povo, preservado por gerações e gerações, estava

ameaçado. Eles já não aprendiam nada novo. E, assim, a extinção de todos eles

parecia tão certa quanto o apagamento para sempre dos sinais tatuados, em um

passado distante, no corpo dos mais velhos.

Quando morreu o mais velho dos seus anciãos do povoado e um grupo já

preparava o seu enterro em um caixão lacrado, um dos jovens decidiu não fechar

os olhos para o que acontecia. Ao cair em si, rasgou as próprias vestes, ficando nu

diante de seus pares. Aos olhos que o evitavam, gritou para que todos ouvissem:

- Amigos, olhem aqui: sempre andamos nus e isso nunca nos pareceu feio ou sujo.

De uma hora para outra, fomos convencidos de que devemos sentir envergonha do

nosso corpo e de que nos olhar mutuamente é repulsivo. Com isso, deixamos de

aprender com o outro e com tudo aquilo que o nosso corpo tem a oferecer. Assim,

negamos a nós próprios. Desfiguramo-nos. Tornamo-nos irreconhecíveis.

Envergonhados, não mais por causa do próprio corpo, mas pelo comportamento

que tiveram nos últimos tempos, despiram-se todos, deixando à mostra corpos

vazios de tatuagens. Juntos, tiraram de dentro do caixão o corpo do ancião. Toda a

sua pele estava tatuada. Ao vê-lo, deram-se conta do quanto ele era sábio e do

quanto perderiam se o enterrassem sem lê-lo.

Fizeram o ritual. Todo o povoado reunido olhava cada detalhe do corpo do ancião

coberto de tatuagens. Como era de se esperar, dessa vez, o ritual demorou mais do

que o costume. Afinal, havia muito que aprender, ainda mais depois de tanto tempo

sem exercitar o olhar para o outro.

Naquele dia, aprenderam muitas coisas. Principalmente, que nunca mais deveriam

se envergonhar de quem eram. Nos olhos de cada um, era possível ler o quanto

estavam felizes por ainda viverem e do quanto estavam certos de que só estavam

vivos porque não deixaram de ser eternos aprendizes.

Aldenor Pimentel [Boa Vista, 1984]. É escritor e poeta, autor do livro Deus para Presidência.7

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la levedad del ser © àngel gabregat morera [cataluña]

Gregorio S. evitaba cualquier superficie donde pudiera verse reflejado. Tenía la

pierna derecha unos centímetros más larga que la pierna izquierda. Era

especialmente feo. Su físico era difícil de encajar en el gusto de un ser humano.

Desde que murieron sus padres, la única compañía que había tenido, era la de un

gato callejero que un día acogió. Su madre desde pequeño le decía que en esta

vida; Dios le da a cada uno la carga que puede soportar. Trabajaba de... sol a sol en

las grúas que manejaban los contenedores del puerto. Solía llegar a casa andando.

A menudo la gente cambiaba de acera unos metros antes de cruzarse con él.

Siempre que podía se cubría con una capucha ya fuera de la sudadera o de la

chaqueta. Una noche soñó que era una cucaracha. Entonces se despertó

sobresaltado. Al verse reflejado en la ventana que daba a la calle, pensó: “¡Uf! Que

susto menos mal que vuelvo a ser yo”.

Àngel Fabregat Morera [Lleida, 1965] Empezó a escribir a los diecisiete años. Su escasa obra, en catalán, se centra en la poesía y el relato corto, con los que ha cosechado más de ochenta premios literarios. Tiene publicado el libro de poesía Antologia d’un Onatge [Columna, 1990].

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a pedra lascada © aurilene sampaio [ceará]

Hoje, como acontece com muitas pessoas, sinto-me nostálgica ao lembrar a minha

infância. Remeto-me a um sítio, situado na cidade de Itapipoca, a 150 km da

capital Fortaleza, vivíamos na zona rural não muito longe do centro urbano,

éramos - ou melhor – somos seis irmãos, e poucas vezes saíamos do sítio, nossas

brincadeiras e peripécias aconteciam lá, apenas entre nós, irmãos. Tínhamos

poucos amigos. Lá, no sítio, criávamos nosso mundo. Somos cinco filhas e um

rapaz, hoje, homem. Ele era meu principal parceiro nas aventuras diárias.

O proprietário do sítio, patrão do meu pai, era o Sr. Ribeiro, homem de semblante

firme, cabelos grisalhos, estatura média, além de muito sério, cheio de regras e por

vezes intolerante com as crianças – pelo menos era assim que o percebia –

infelizmente não tive o prazer de conhecê-lo (percebê-lo) como meu pai o retratava

– segundo meu pai seu patrão era um homem bondoso, íntegro, justo e respeitável.

E foi nas terras do Seu Ribeiro que vivemos a maior parte da nossa infância e, a

única lembrança da minha. Meu irmão e eu, desbravávamos as serras,

aventurávamos nos riachos, criávamos mundos fantásticos. O mês do ano que eu

mais gostava era agosto – pois se comemora o aniversário da cidade – e muitas

escolas procurávamos para levar grupos de alunos para conhecer a Pedra Lascada,

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símbolo da cidade, que ficava subindo a serra, aproximadamente 40 minutos de

caminhada da nossa casa no sítio. Naquela época, ouvíamos histórias sobre a

pedra, que ela era monumento histórico da cidade, de como ela lascou e deu nome

a cidade; ita: pedra pipoca: lascada. Não sei precisar data, nem razões do

fenômeno, mas isso não importava, o que mais me maravilhava era servir de guia

para os inúmeros grupos de estudantes e professores que nos procuravam para

visitar a pedra. Fazíamos aquela caminhada várias vezes ao dia, sempre dispostos e

a cada viagem uma nova empolgação.

Tenho boas e saudosas lembranças dos anos vividos no sítio, saímos do lugar em

1993 e minha última ida a pedra foi em agosto de 1992. Até que recebemos – meu

irmão e eu – o convite de alguns amigos para nos aventurarmos em um passeio à

pedra. Minha emoção, em voltar ao local, só não era maior que minha ansiedade.

Marcamos para sair às seis da manhã do dia 10 de agosto, minha viagem começou

na noite anterior, meu coração pulsava apressado ao imaginar como estaria o local,

como seria a emoção de rever os ambientes de minhas peripécias. Cheguei a

sonhar que não conseguíamos chegar ao sítio e a cada minuto que passava sentia-

me mais perto de reviver bons e memoráveis momentos de minha infância.

Meus apetrechos ficaram prontos na noite anterior, muito cedo estava de pé e

pronta para o passeio. Não continha o desejo de rever o local, comecei narrar à

minha filha algumas travessuras que meu irmão e eu aprontávamos nas idas e

vindas à pedra.

E o grande momento chegou, estávamos – minha filha, seu namorado e eu – no

carro do nosso amigo a caminho do sítio, passamos na casa do meu irmão, que ia

nos guiar até a pedra, lá um grupo de amigos (aventureiros) nos aguardava para

seguirmos caminho.

Dois minutos de carro e já estávamos na entrada da propriedade atravessando um

mata-burro (estrados instalados em cima de valas que impedem a fuga do gado),

nesse momento fiz uma viagem aos bons tempos de minha infância, vi a primeira

casa que moramos quando minha família chegou ao sítio, a habitação ficava na

entrada da propriedade, quase não acreditava que seria possível reviver, em minhas

lembranças, tantas recordações.

Tudo me pareceu menor, a estrada que ia do mata-burro até a casa do Seu Ribeiro

já não era tão longe como vislumbrava. O curral, onde muitas vezes acordei às

quatro da manhã para ordenhar as vacas com meu pai, ainda estava lá, abandonado,

mas ainda existia. Chegamos, descemos do carro e contemplei o ambiente em

minha volta, já não era como lembrava, não tinha o mesmo cheiro. A

grandiosidade que via na casa do patrão já não me deslumbrava, não tinha a pompa

que esperava encontrar, talvez por estar abandonado há muito tempo e não ter a

vida que um dia tivera.

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Começamos nossa caminhada, passamos a primeira porteira que dava para uma

estrada de terra, que exalava esterco fresco e remetia meus pensamentos aos

passeios nos currais de gado que tantas vezes fiz, sozinha, destemida, fantasiando

um mundo que precisava ser salvo e, lá estava eu para fazê-lo.

Nossa aventura era composta por um grupo animado de dez pessoas, seguimos

caminhado, abastecidos de água, disposição e animação. A estrada de terra foi

estreitando à medida que avançávamos serra acima. Estar naquele lugar depois de

tantos anos parecia irreal, embora não fosse impossível.

O mato foi ficando cada instante mais apertado, quando nos percebemos

estávamos num matagal de bamburrais e marmeleiros, que mediam uns dois

metros de altura, tentei reconhecer a trilha estreita que criávamos em meio à mata

de bamburral e marmeleiro, mas todas as trilhas de matagal seco pareciam iguais.

O cheiro do bamburral chegava com força a minhas narinas, num primeiro

momento agradável, aquele cheiro de um perfume silvestre que me lembrava

travessura, lembrava do retorno de meu pai da roça e das inúmeras viagens feitas

até a pedra para levar os visitantes.

Estava eufórica, todo o tempo vinha à minha cabeça uma travessura, antes

esquecida e substituída pela rotina diária. Encontramos um lajeiro recoberto por

cactos com espinhos compridos e afiados, onde fizemos nossa primeira parada

para descanso e hidratação, nesse momento as lembranças vieram como um

tornado trazendo um turbilhão fascinante de recordações. Não era a primeira vez

que estivera naquele exato local e começo a reconhecer o lugar. Era naquele

lajeiro, em meio aos cactos, que caçávamos ninho de rolinha, fato lembrado por

meu irmão, pois intuitivamente, sabíamos que as aves, para proteger o ninho dos

predadores, construíam seus ninhos em meio aos pontiagudos espinhos. Ficamos

ali por uns cinco minutos, fotografamos, conversamos e tentamos planejar o

transcorrer da caminhada.

De volta à trilha, agora não mais tão aparente, chegamos à mata fechada.

Impossível continuar. E um aperto lancinante em meu peito quando penso na

possibilidade de não finalizar o percurso. Tento confortar minha decepção

considerando que já valeu a pena. Mas não quero desistir! Embrenho mata adentro

na tentativa de convencer a todos que vai ser difícil, mas podíamos conseguir,

advertia que era somente um trecho difícil e logo estaríamos em uma nova vereda.

Meu irmão, mais experiente, conhecia o lugar melhor que eu, indicou uma picada,

embora tomada pelo matagal de bamburral, foi possível ir abrindo caminho com os

pés, flores secas de bamburral caia em nossa roupa o que causava uma coceira

irritante, a caminhada foi ficando mais difícil, passávamos por trechos íngremes, as

maliças [corruptela de malícia], planta espinhenta que se fecha ao ser tocada,

grudavam em nossas roupas. Quando criança sempre que encontrava um pé de ma-

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liça, cantava uma musiquinha, pois acreditava que ela só fechava se ouvisse a

canção.

Depois de muito caminhar nos deparamos com o leito seco de um riacho que nos

fez parar numa parede de rochas. Impossível seguir em frente. Meu irmão, mais

disposto, localizou uma nova vereda, ficamos aguardando, quando ele retorna com

a notícia que fomos além do nosso destino e deveríamos voltar. Apesar da

exaustão, nada nos abatia, minhas pernas estavam em frangalhos, o cansaço e o

calor me faziam ofegar. Retornamos, confiantes, agora seguros da direção a seguir.

Nosso último obstáculo até a pedra era um pé de juazeiro, com ramos tortuosos

protegidos por espinhos, esquivávamos por entres os galhos espinhosos da planta

e, chegamos!

Quase não podia acreditar que estava ali. Aos pés daquela rocha. Ela continuava

como minha memória retratava. Grandiosa!

Aos pés daquela rocha nosso sentimento era de conquista.

Subimos à pedra com dificuldade. Contemplamos aquele fenômeno ininteligível ao

nosso senso comum. A paisagem nos encheu os olhos de uma emoção inexplicável.

Fiz duas grandes descobertas: uma foi que não tinha noção do que aquilo

representava; a outra, não menos importante, já não tinha a mesma disposição de

vinte e três anos atrás.

No silêncio da mata embriagávamos de fascinação.

Aurilene Sampaio [Itapipoca, Ceará]. Apaixonada pelas diversas formas de linguagem, é professora, mãe da Ariadna e esposa do poeta mais encantador do mundo, Mandu Holanda. Arrisca-se nos contos e relatos.

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noites de madrugadas de farsas © luizza julianelli [rio de janeiro]

A noite espreita pela varanda, seus pontilhados esparsos de estrelas. Meu pequeno

livro de consulta, meu vinho, meu caderno e meu cigarro. Eu olho para o silêncio

lá fora por um momento e procuro me lembrar do que eu fui. Tento me esquecer do

que me invade nos dias vazios. Eu não poderei saber o que seria se não tivesse sido

com você. E isso me assusta. Tenho horror da certeza de que você moldou quem eu

sou, de que eu jamais poderia ter sido esta – que escreve, que chora, que ama – se

você não tivesse existido. Eu te amei. E amei e digo assim, no meio do parágrafo,

porque essa certeza me corrói me destrincha me estrinça.

Eu jamais poderei esquecer você. Você me fez.

Estive olhando para a noite nublada, de prédios encardidos. Desço o elevador, saio

à rua. Os carros quase não passam na madrugada quente. As pessoas não existem.

Existem apenas as almas solitárias, os bêbedos desiludidos, as crianças

desamparadas, as moças que trabalham. E essas almas não são na noite o que se

pretendem no céu claro. Elas são escravas da rotina, e procuram fugir dos

pensamentos incômodos.

Queria poder fingir nas horas vagas, mas sou feita de verdade. E a verdade me

atormenta, não me permite aproveitar as madrugadas nos sonhos. É porque, eu

digo, preciso escrever, preciso me libertar e me ferir. Preciso me desnudar e mutilar

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e manchar o papel com meu suor, minha saliva. E digo: escrever sempre me dói.

Mas é dor que me liberta do mundo de farsas.

Somos todos artistas desprovidos de sua arte. Vagamos pelo mundo sem um

mundo para vagar. Eu poderia sentar num belo Café, pedir um pouco de chá. Sim,

senhor, obrigada. E polidamente tirar meu caderno preto da bolsa, uma caneta

(bonita, sempre bonita) e anotar com parcimônia os meus mais profundos e belos

pensamentos. Mas a verdade é que não é com tal facilidade que as palavras surgem

no meu papel. Eu sofro. E não sei viver sem sofrer. E é assim que escrevo. E de tal

melancolia tiro proveito.

Eu sentei no meio-fio. Um homem robusto foi se aproximando na calçada. Não

tive medo. Nunca tenho medo dos homens quando estes se aproximam em sua

brutalidade sincera. Tenho medo dos que – sim – parecem muito suaves no andar.

Ele se sentou ao meu lado. Ofereceu um cigarro. Quis dizer que não fumo, mas

aceitei. Ele não me olhou.

O som perturba a rua. Os cães ladram.

Tomei mais um gole de vinho. O homem do meio-fio foi se esvaindo, primeiro seu

rosto sem fisionomia, depois seus dedos, suas pernas e seus cabelos negros. Minha

boca está seca, minha língua áspera. Sinto-me cansada, mas otimista. Uma

melancolia afaga meu peito e sinto vontade de correr. Correr, correr, correr. Não

queria ter esse ímpeto da escrita, a maldita arte de qualquer um. Não são todos que

se fazem pintores ou escultores, muito menos músicos, mas quantos e quantos se

dizem escritores. E sou mais um deles, traça de livros empoeirados. E o que me

diferencia dos demais? Minha dor, minha dor? O sofrimento e a necessidade, a

força que sinto em cada sílaba, em cada instante que meu punho corre o papel?

Pois sinto que minha alma se esfacela, que morro aos pedaços, que vou me

deixando me empoeirando me matando me corroendo. Sinto que o que escrevo é

nada, que é tudo o mundo distorcido dentro de mim. É confuso. É íntimo. É eu. E

parece que estou afogada nas mesmas feridas, emaranhada de perversão, de

obsessão, de submissão. O que restará disso tudo? Quem lerá o meu fim?

Quando meu coração se cansar, todo o mundo irá com ele?

Luizza Julianelli [Rio de Janeiro, 1998]. Quase escritora de Nada, premiada pela revista ôxe! na categoria Poesia e, no Colégio Pedro II, ganhadora dos Troféus Ariano Suassuna em Artigo de Opinião e Poesia e do troféu Mário de Andrade em Contos. Participante da Revista Desenredo 2015.

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palavras equi-vocadas © emanuela rodrigues [méxico]

Era um belo dia de sempre. Despertei-me às dez da manhã e, por uma disciplina

qualquer, abri a caixa de e-mail. O abri com a expectativa mesma de algo mais.

Dividindo-me entre tarefas práticas e meu mundo ‘criptografado’, entre realidade

crua e subjetividade, olhei superficialmente a ‘caixa de entrada’, para seguir com

os afazeres urgentes. Dentre informativos de emprego, literatura e afins, havia um

raio de esperança, intitulado ‘Certificado’. O que poderia ser mais importante do

que abrir aquele e-mail? Uma xícara de café preto para despertar-me e aquecer-me

ao dia frio de verão? – sim, as estações já não são constantes. A urgência em

alentar-me o hálito amanhecido? Ou, não havendo nada tão urgente, a importância

estava em nutrir a chama da esperança? Seria aquele o dia em que receberia o

reconhecimento de meus dias e noites de trabalho involuntário? Sim, porque

escrever é para o escritor um tipo de trabalho involuntário prestado

voluntariamente. Ao que escreve com a alma tal ato é como um impulso vital, um

antídoto para os males nascidos da observação crítica, do mergulho na própria

subjetividade, do emergir nu de emoções mergulhadas no profundo oceano do

subconsciente.

Porquanto escovava os dentes, olhando-me nos olhos refletidos pelo espelho,

observava a jovialidade que de mim se esvaía. Preocupava-me o futuro próximo e

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Page 16: Revista Philos #1

incerto. Todavia, havia no franzir de minha testa alguma esperança. Que nunca me

falte o pão da inspiração!

Agarrei com as duas mãos a xícara de café, sem saber se o saboreava por gosto ou

se o tomava por hábito. Sentei-me diante do computador e cliquei sobre o

certificado de esperança. Em anexo, a tão desejada Menção Honrosa. Seria bom

receber o prêmio em dinheiro. Lembrei-me, então, dos originais que enviei às

editoras. No corpo de texto, nenhum dado pré-impressionante. Sempre só uma

autora desconhecida enviando o que lhe parece valioso, transformador ou

entretenido. Sempre eu e um talento não comprovado, não premiado, não

capitalizado. Agora, haveria honra em meu trabalho. Haveria honra documentada e

assinada por quem tem a palavra.

“Ninguém vai te dar nada!” Essas palavras me chegaram como objetos cortantes,

que doem e tatuam em alto relevo a pele. Talvez tenha sido o eco de uma verdade

interna minha. Talvez expressassem o mais infantil de meus temores: ‘Ninguém’

significando a ausência total de alguém, e ‘nada’ significando a ausência de tudo.

Ninguém vai me dar nada! Nem amor, nem amizade, nem trabalho, nem menção

honrosa. Menção honrosa? Sim, porque essas palavras, que me caíram com a força

de uma pofecia, vieram à tona quando recebi, por e-mail, um pedido de desculpas

pela equivocada “Menção Honrosa”. O documento enviado não era mais do que

um “Certificado de Participação”. Ninguém vai me dar nada! Nem dinheiro, nem

troféu, nem medalha, sequer uma simbólica menção honrosa. Poderia transcrever

tal equívoco, do seguinte modo: “Veja, seu trabalho é muito bom!... Pensando bem,

não tanto”. Cheguei a cogitar conspiração. Alguém do alto escalão da cultura,

listado entre os ‘amigos’ de minha página social, e ofendido por alguma de minhas

críticas ácidas à mesma cultura (não) oferecida, teria mexido seus palitos para

desmoralizar-me após precipitada comemoração.

Como não pensar em boicote, quando o uso inadequado de palavras parte da

comissão organizadora de um concurso literário? Como não considerar que a

importância da literatura está, exatamente, no ‘bom uso’ das palavras? Sim, a vida

pode ser irônica. Havendo, de fato, conspiração, há que premiar quem atirou ao

alvo, acertando-no em cheio e ao meio. Ninguém vai me dar nada? Talvez não.

Talvez eu seja a pseudo-escritora, cujas palavras só fazem sentido em seu mundo

subjetivo. Talvez, o único que me assemelha aos tantos escritores consagrados e

imortalizados, seja uma vida solitária e pontuada por miserável estilo de morte.

Com sorte, uma autora a ser compreendida em tempos que ainda virão. Com sorte

e um possível talento. Quão frágil pode ser o ego de um artista em tempos de

capital? Em um mundo onde aparência e resultado são requisitos indispensáveis ao

bom currículo, como não desmoronar-me após falso reconhecimento?

Enfim, restou-me excluir de minha página profissional, sob o mínimo ruído, o do-

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cumento que dizia ser o que não era. Talvez, algum dia, eu explique publicamente

o porquê de apagar as luzes de um ato comemorativo. Talvez eu o faça amanhã.

Talvez o faça em dia de são nunca... Talvez, ao trigésimo dia do mês dois do

próximo ano. Segunda-feira, talvez...

Emanuela Rodrigues [Goiás, 1983]. É autora autopublicada da obra Metamorphose de Sophia,

dentre outras. Escreve temas diversos, entre os quais regionalismo e realismo fantástico.

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o abismo da fome © lucas dantas [sergipe]

O inverno mal acabara e o sol já deixava marcas pelo chão, um mosaico de

rachaduras se expandia por todo o leito de um rio antes transbordante. O inverno

desse ano fora insuficiente e o verão chegou com mais força. A mandioca já estava

chegando ao fim e a fome começara a tomar a região, e numa humilde residência,

um barraco de taipa caindo aos pedaços, Rômulo lamenta a sua falta de sorte e a

sua miséria.

- Meu Deus, o que darei de comer aos meus filhos? Exclamava ele sentado num

velho banco de madeira olhando para os seus filhos pequenos correndo pela frente

da casa na beira da ruína.

O se olhar era de um tom tão triste, sentia-se inútil e impotente. Sua esposa não

resistira ao parto do último de seus filhos e as duas crianças, uma com dez e a

outra com oito anos, não tem perspectiva de vida.

O último punhado de farinha foi servido no almoço com os, também, dois últimos

ovos da magra e raquítica galinha que ele tinha. Na hora da refeição, com as

porções bem medidas, um dos filhos indaga ao pai:

- Estou com fome! Quero mais.

Rômulo com os olhos encharcados, responde:

- Meu filho só tem isso, não temos mais nada.

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O garoto conformado baixa a cabeça e sai da mesa ao mesmo tempo que o pai

rompia-se num choro silencioso.

A situação que estava difícil ainda iria piorar, passaram-se dois dias sem

que nem sequer uma migalha de pão chegasse a sua mesa. Sentado no seu

banquinho, Rômulo observa um de seus filhos arriado aos prantos num velho

colchão depositado no chão da casa. O garoto mais novo mal conseguia ficar de pé,

fraqueza percorria tua carne e a fome não o deixava em paz, restava apenas dormir,

a única coisa que lhe trazia paz apesar das turbulências e a febre que consumia o

seu corpo. Lá fora o chão torrado pelo sol e os ossos da única galinha que tinham,

morreu de fome, pois nem no chão não se encontrava nenhum alimento. E o filho

mais velho, ao lado do animal morto misturava o barro com água e desta mistura

fazia de pão. O sol já se punha ao horizonte, mais uma noite e novamente um novo

dia, uma nova luta contra a fome. O garoto doente delirava de febre, a sua pobre

dieta dos últimos meses minou todas suas energias, seu coração pulsava

lentamente até dar a última badalada num suspiro de desespero e ao mesmo tempo

de alívio, pois acabara seu sofrimento. O pai, atordoado vê a cena e verte lágrimas

que encharcam o chão. O outro menino em profunda diarreia, mina-se no chão

encostado do pai, o seu gemido de dor só é interrompido quando o vento ecoa no

velho telhado todo furado pela ação do tempo, e novamente rompe-se nos prantos

ao mesmo tempo que sem força de levantar faz suas necessidades ali mesmo.

O sofrimento perpetua-se por toda manhã, uma escuridão toma a vista de Rômulo,

e sente dentro de seu íntimo que o seu fim também está próximo. Levanta-se, sente

a casa rodar segura-se na parede, vai ao fundo da casa e pega uma enxada e sai da

casa rumo a vasta imensidão vermelha, o verdadeiro vale da morte, abutres o

sobrevoa, ossadas de animais acompanhadas dos últimos restos da carne, são

ornamentos da funesta paisagem. Num determinado ponto para e começa a cavar

três buracos, ao terminar quase desfalecendo retorna a sua casa e encontra o

menino dando seus últimos suspiros ao lado do corpo frio do irmão. O pai toma o

mais novo em seu braço e sai da residência em direção dos buracos, o garoto é

molhado com suas lágrimas, deposita o cadáver no buraco e o cobre de terra, e

torna à casa para pegar o segundo garoto para novamente retornar ao jazigo. O

segundo garoto é posto na cova ainda quente e coberto de uma rala camada de

terra. E por fim, Rômulo deita em sua vala para esperar o beijo da morte. A

procissão funesta durara a manhã toda, quando ao meio-dia Rômulo definhava, um

abismo se abria abaixo dele e o sol a pino escurecia, o calor antes insuportável

dissipavas se num leve brisa de outono. Os seus olhos abertos perdiam o brilho

quando uma gota de chuva caia em seus lábios ressequidos pela sede. E um sono

profundo o tomou. 19

Page 20: Revista Philos #1

Quando acordara, entre uma bela campina florida arrodeada de um pomar, o seu

sofrimento passara e o seu corpo debilitado recobrara as energias, ainda meio

zonzo levanta e quando apruma a visão ver ao longe a sua esposa e os dois filhos

sorridentes vindo ao seu encontro, e ele emocionado os abraça com ternura. E de

mãos dadas adentraram naquele paraíso de múltiplas cores.

Lucas de Carvalho Dantas [Sergipe, 1994]. É poeta, músico e contista. Sergipano da cidade de Frei Paulo.

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Page 21: Revista Philos #1

o embrulhinho © munique duarte [minas gerais]

Na Rua das Goiabeiras, ele quase enfartou ao colocar a mão no bolso da camisa e

perceber que o embrulhinho não estava lá. Que suadouro. Fez o trajeto de volta até

chegar em casa e com a face branca começou a revirar as primeiras gavetas da

cômoda. A mulher não podia pegá-lo ali, todo sôfrego, a fuçar em toalhas alvas

dobradas. Fechou as gavetas. Abriu-as outra vez na esperança da olhadela mal

dada. Perda de tempo. Apalpou o bolso já por instinto. O embrulhinho não estava

lá. Caiu na rua, decerto. Saiu correndo, triplicando o suor colado no corpo. Andou

como cão farejador que não levanta os cílios. Percorreu tudo, até parar em frente

outra vez diante da palmeira da Rua das Goiabeiras, onde tudo começou. Nada na

calçada. Nada.

Foi para o trabalho mesmo assim. Talvez tivesse deixado-o sobre a mesa. Foi

consolando-se com mentiras de algodão-doce, até sentar-se diante da máquina de

escrever e constatar que o embrulhinho sumira de fato. Datilografou tudo errado

naquele dia. O cesto encheu-se de papel amassado. Até café respingou na camisa

bem passada. Abriu e fechou todas as gavetas da mesa de cinco em cinco minutos.

Até dar as cinco no relógio grande da parede encardida da repartição. Quem sabe

no trajeto de volta ele encontraria o embrulhinho tão particular. Quem poderia

querer ficar com ele, tão pequeno e sem importância.

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Page 22: Revista Philos #1

Em casa a mulher o estranhou. Roupa suja de café e cabelo desgrenhado. Cara de

quem viu lobisomem. Pálido. Aquele não era seu marido. Jantaram sem diálogos.

Pensava nas gavetas da cômoda. Abriria as outras também, além das duas

verificadas pela manhã. Faria enquanto a mulher estivesse prendendo os cabelos

antes de dormir. Empurrou uma a uma das gavetas para fora, com a linguinha entre

os lábios. Sem ruídos. Passou a mão em cada dobra de lençol, fronha e toalha

perfumados. Fez isso com todos os panos dobrados em todas as gavetas. Olhou até

entre os perfumes sobre a cômoda. Nada. Dormiu gelado. A mulher suspeitava de

febre. Teve pesadelos horríveis. Seu futuro estava perdido.

Tomou café da manhã com olhos esbugalhados. A mulher quis chamar o médico.

Ele fez que não. Parecia mais velho, com cara de lobisomem. Na Rua das

Goiabeiras lembrou que era sexta-feira. Dia da entrega do embrulhinho. Deixá-lo

na repartição, para melhor segurança, até o ato da entrega, falhara. Agora tinha o

coraçãozinho aos saltos. Pensava em não derrubar café na camisa. E em manter os

cabelos alinhados. Naquele dia trabalhou muito. Houve vários imprevistos.

Esqueceu que era dia de ir mais cedo para substituir o colega que faltaria. Cólicas

renais. Andava esquecido. Recomendaram-lhe jabuticabas para refrescar a

memória. E sopa de cebola antes de dormir. Isso o causou náuseas. Deixara o

colega na mão. O serviço acumulara. O embrulhinho feito órfão no mundo.

Almoçou pouquinho. Só um terço do bife. Só meia folha da alface. Tentava baixar

mais as pálpebras para não mostrar os olhos esbugalhados de terror. Voltou para o

trabalho e avisou a mulher que era dia de serão. Prometeu a si mesmo passar na

farmácia depois do expediente para ver o remédio da memória. Dali em diante

escreveria bilhetinhos para se lembrar das tarefas. Só não poderia se esquecer de

escrever os bilhetinhos. Imaginava o embrulhinho aberto e a cara de espanto de

quem o abrisse. Tão pequenininho e revelador. As mãozinhas tremiam com os

pensamentos. Disseram a ele que mãos geladas eram lombrigas. Quem sabe mais

jabuticabas não o fariam bem? Terminou o serviço às sete da noite. Que dia longo

e sofrido. Olhou no espelho do pequeno banheiro e viu que o cabelo estava

alinhado e que os olhos estavam na posição normal. Também verificou se havia

café na camisa. Depois se lembrou que nem tomara café. Jabuticabas e sopa de

cebola cortaram seu apetite.

De volta às ruas, percorreu o trajeto, feito cão farejador. Nada de embrulhinho.

Bateu na janela em frente à palmeira da Rua das Goiabeiras. Uma voz abafada

respondeu lá de dentro que o ouvia bem. De fora, apenas respondeu que naquele

dia não teria poesia e doce de amêndoa. A voz chorosa indagou o porquê. Ele, com

coraçãozinho apertado, disse que depois explicaria. Apressou o passo e em casa a

mulher já estava com os cabelos presos para dormir. Pediu a janta e ela colocou

sobre a mesa um prato tapado com o outro, e lhe deu até amanhã.

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Page 23: Revista Philos #1

A sós, pensava onde estaria o embrulhinho. Não estava em casa, nem no trabalho,

nem jogado na rua. Nenhum vizinho encontrou. Ninguém. Mais uma vez

verificaria cada espaço das gavetas, entre as roupas lavadas, entre as esperanças

brancas perdidas. Emagrecia a olhos vistos. O rostinho estava fundo nas maçãs. Na

sala, a vela acessa quase se apagando em frente ao santo fazia figura de lobisomem

nas paredes. Não podia orar pelo embrulhinho. Tinha vergonha do santo. Tinha

vergonha da falta de memória. E nessa sexta-feira não se lembrou de escrever

nenhum bilhetinho para refrescar as tarefas do dia. Era um homem sem jeito, sem

sorte e sem embrulhinho. Dormiu como pedra. A mulher já se acostumara com seu

ar perdido de menino que sempre só observa os outros brincarem. Estranhou que

ele chegara cedo ontem. Sexta-feira era dia de serão que durava até as onze da

noite.

Hoje faria diferente. Disse que precisava sair, ainda de manhãzinha. Era melhor

que ele respirasse ares puros matinais. Depois do café, percorreu o mesmo trajeto

do trabalho até chegar à Rua das Goiabeiras. Bateu dois soquinhos na janela em

frente à palmeira. A voz abafada lá de dentro custou a responder. Mais dois

soquinhos. Escutou o ranger das dobradiças da porta. Depois de olhar para as duas

direções da rua, entrou sem barulho no piso. Na sala, ela, ainda de cabelos com

grampos, apertava-o em abraços sufocantes, dava-lhe beijinhos na testa e nas

bochechas. Dizia que ele era a sua amendoazinha favorita. Largaram-se no sofá.

Ele, com os olhos esbugalhados, não entendia nada. Ela, com o sorriso

esbugalhado, disse que adorara a surpresa deixada na janela em frente à palmeira,

na Rua das Goiabeiras. Não merecia surpresinha tão íntima. O embrulhinho estava

lá, todo desfeito, sobre a mesinha de centro.

Munique Duarte [Santos Dumont, 1979]. É jornalista e escritora, tem dois livros publicados.

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Page 24: Revista Philos #1

d'alma © julien karine da rosa hoff [santa catarina]

Faça um favor a ti mesmo: ouse brindar pelos risos incontidos que der, até mesmo

quando o tempo ou as pessoas não estiverem a favor de teus atos. Brilhe, cante,

dance, fale, ouça, brigue, discuta. Não importa o quão vago sejam as tuas palavras,

ou quão descoordenados sejam teus passos, apenas tente. Não desista da vida, nem

tão pouco de percorrer o caminho que lhe parece viável traçar. Corra atrás do que

quer, une à ti mesmo a serenidade, a paciência e a prudência que se faz ausente.

Decida o que achar melhor, enfrente quem tiver oposto à ti. Se achas coerente fazer

de teus dizeres história, guerreie. Transforme-se não em apenas um humano ou

talvez uma máquina de recursos, mas seja além, um possuidor da sabedoria, dos

dons da magnificação, da amplitude. Seja eufórico, brinde a ousadia, clame a Deus

se ele existir. Peça, implore, chore, desabe em soluços e lágrimas. Engrandece-te

nos pesares e cresça. Mude e evolua. Mas acima de todas as coisas que nos

dignificam, seja tu mesmo. Talvez sagaz, talvez rude, talvez incoerente, talvez

tolerante, paciente ou então, frustrado, decepcionado. Negativista ou positivista.

Seja tudo, seja nada, seja terno, seja denso. Seja simples, seja complexo. Mas, seja.

E jamais se permita manter-se vazio por um longo período, não se mantenha está-24

Page 25: Revista Philos #1

Julien Karine da Rosa Hoff [Seara, 1994], escritora amadora e admiradora dos devaneios humanos.

vel. Mude, reorganize, ou então, apenas erre. Talvez caia, mas levante-se e siga em

frente. Sozinho. Sem pesos e empecilhos.

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Page 26: Revista Philos #1

o colo da minha mãe © lucrecia welter [paraná]

Eu ainda não me havia dado conta de que já existia. Meu corpo se formava dentro

de uma bolsa especial. Na medida e no instante certo, tinha o necessário: oxigênio,

alimento, repouso, carinho e calor. Como era confortante aquele ninho, tendo uma

mãe inteirinha pra mim! E eu era somente dela. Nada me perturbava. Com

ninguém precisei disputar coisa alguma. Contudo, sem ser consultada, fui trazida à

luz. Só porque à minha hora eu havia chegado.

O colo da minha mãe tinha um calor diferente do de seu ventre. Mais instável.

Ainda assim, era prazeroso estar ao seu peito, sentir o aperto de seus braços, sugar

o seu leite, enquanto ouvia as batidas de seu coração, como dantes. E quando ela

me embalava então? O corpo dela, em balanço firme, era impulsionado por uma

canção italiana, cantada por ela, com um tom vivo de saudades. Eu a fitava com

insistência, pois me parecia que o meu mundo estava todinho ali, limitado ao corpo

dela. Quando se aproximava de mim, eu via anjos em nossa volta. Um deles

parecia ajeitar as estrelinhas no azul dos seus olhos.

Cresci sob um manto de amor e cuidados. Ao perder o colo, porém, eu não quis

aceitar o fato de dividir a minha mãe. Teimava e chorava, suplicando atenção

exclusiva. E ela se rendia, reservando um de seus braços para mim. Com o outro,

dava conta de suas tarefas.

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Page 27: Revista Philos #1

Ela me queria bem, mas queria por igual aos demais filhinhos seus que iam

chegando. Um a cada ano. Tive que aprender a ceder. Desde então, a minha vida

foi ficando do jeito que deveria ser de verdade. Com ganhos e perdas.

A partir daí, aventurei-me a ajudá-la no exaustivo cuidado com os menores.

Percebi que ela ficava feliz com o meu papel de ajudante. Passei a gostar da nova

fase e deixar de lado o desejo de ter o colo de volta.

Nossos tempos eram muito diferentes. O meu não tinha despertador e os ponteiros

andavam normais. O dia dela precisava urgente ter mais de vinte e quatro horas,

pois os filhos, devagarinho, somaram onze.

Pelos dias sagrados da infância, o eco, o vento, a chuva faziam parte dos nossos

brinquedos. Os raios solares indicavam a hora, pois não tínhamos relógio. Um

chamado da nossa mãe significava o toque de recolher.

Naquelas tardinhas, eu via que ela ficava mais linda e mais cheirosa se iluminada

pelo sol tênue. Ou pela lua, nas noites em que passava ao nosso lado, confortando-

nos. Ela surgia do nada, na meia escuridão, sempre que solicitada. Fosse por quem

fosse. Eram momentos em que não precisávamos dos anjos, pois ela era o nosso

anjo guardião.

Veio-me a adolescência. Passei-a ouvindo conselhos de pura sabedoria. Nem

sempre os seguia. Achava que aquilo era coisa de mãe exigente. Eu me julgava

pronta para enfrentar o mundo, de salto alto. Desci dele todas as vezes em que não

seguira o que me fora ensinado. Esperava, com ansiedade, pelos meus dezoito

anos. Depois, pelos vinte e um. Daí em diante, parecia que o “tempo voava”, como

dizia ela.

Adulta, passei a observar mais os seus exemplos. A me espelhar neles e valorizar

tudo o que dela viera. Foi quando o fato de tê-la ainda ao meu lado significou

muito para mim. A melhor companhia em horas preciosas que me transportavam

de volta à infância querida. E a saudade daqueles tempos me queimava o peito.

Vieram-me os filhos, a realizar o meu sonho acalentado desde menina: o de ser

mãe. O simples chazinho para o neném até o diploma universitário que se agitava

nas mãos deles eram motivos para lembrar-me dela. Incontáveis são as lições que

dela aprendi. Todas válidas e ricas. E isso que ela não era letrada.

Passados os anos, foram-me colocados nos braços três netos. Bisnetos dela. E eu

me vi como ela, mãe e avó ao mesmo tempo. Dos meus velhos brinquedos, dos

preferidos, alguns foram passados para as mãos deles, outros não existem mais.

Porém, os ensinamentos ainda latentes dessa - mãe, avó e bisavó querida - movem

os meus dias e me despertam o desejo de também chegar com saúde ao pódio a

que ela chegou. Que fases espetaculares da vida eu vivi até então! Cada qual com

sua graça e grandiosidade. De algumas, eu não queria me desgarrar. Mas, embora

sinta saudades, não tornaria a vivê-las, pois ainda tenho a experimentar o gostinho

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Page 28: Revista Philos #1

de ser bisavó e o sabor absoluto da eternidade. Sei, de lá também não desejarei

voltar. Pois hei de reencontrar o anjo que se vestiu de Adiles Anna e cuidou de mim

aqui na terra com um amor possuído de plena vida.

Lucrecia Welter [Toledo, 1953]. Integrante do Clube da Poesia e Academia de Letras de Toledo [Paraná] cadeira 17.

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Page 29: Revista Philos #1

as lentes da vida © thaís amaral [são paulo]

Um Natal de talvez 1997 entremeado pela novidade do vale-CD, com aquela tia

baixinha vestida de Papai Noel e um abajur em forma de peixe de presente pra sua

vó. Uma tarde ensolarada no centro de Jaú. Aspirador de pó e tapetes sobre o muro

em uma tarde de sábado, com os tios lavando o carro, as crianças correndo e as

mulheres cozinhando na cozinha ao som de um pagodinho hoje desconhecido. O

primeiro banho da irmã. O cachorro da sua infância, ainda filhote, quase do seu

tamanho. O último dia de faculdade do seu pai. Sua formatura do pré-II. Você e

seus primos brincando no quintal daquela casa que hoje já nem existe mais.

Cenas como estas surgem de vez em quando para nos acordar, bem naquele

momento em que se está procurando algum arquivo antigo numa gaveta velha e

então depara-se com uma fita cassete intitulada “Cenas da Vida III”. Meu pai tinha

essa mania de gravar o tempo na filmadora, super tecnológica pra época, e nomear

as fitas desse jeito assim, tão cru e vero. Assisti-las é sentir o tempo deslizar sobre

os dedos das mãos num instante. É tentar ver no seu comportamento, aos cinco

anos de idade, tentando abrir uma caixa de ferramentas, algum traço psicológico

que se mantenha até hoje. Teimosia, autoridade, talvez até algum desrespeito e

“Olha só, você ainda chora fazendo isso com a sobrancelha!”.

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Page 30: Revista Philos #1

É querer achar um fundo de personalidade quando já não se conhece mais tão bem

assim. Tentamos encontrar um fundo de nossa própria personalidade em tempos

em que se tem de tudo menos hora marcada para refletir sobre a própria vida.

Closes intimidantes, olhares profundos, sorrisos roubados. Uma tarde de sol numa

piscininha de mil litros quando você ainda nem sabia nadar, e encontra-se a paz

novamente. Vozes infantis de pessoas que hoje já são até casadas, gente que já não

vemos mais por motivos banais da rotina e do cotidiano, brigas de Natal e bate

então aquela saudade de quem percebe que a vida pode ser muito curta pra se

perder tempo com certas coisas.

Dinheiro, riqueza, fama, status: nada disso importa aos olhos das lentes que

recordam os reais detalhes da vida, marcadas ainda com leves traços de cor à luz

do sol, cores levemente desgastadas que dão o ar totalmente próprio da saudade e

da nostalgia- coisa que os atuais filtros e programas de fotografia de celulares

tentam imitar, mas que nunca chegará nem aos pés da naturalidade das lentes de

antigamente. Elas captam as reais cenas da vida que se escondem por trás da

banalidade do dia a dia. Afinal, é pra isso que servem as lembranças: pra reviver a

importância daquele amigo tão especial que hoje você nem sabe mais onde mora, e

pra quem você deveria ter ligado no aniversário mas não ligou por “vergonha de

incomodar”.

Porque a vida não passa no Natal, no Ano Novo, nas festas importantes, nos

casamentos. A vida passa no cotidiano, meu caro, e saber perceber a importância

desses momentos detalhados na aura da memória é para poucos os corajosos que

aceitam enfrentar o desafio de encarar a morte a cada instante. É mais do que uma

questão de carpe diem, use filtro solar. É sobre saber dosar o olhar, as palavras,

dosar quiçá as pessoas e deixar de lado tudo aquilo que te embaça o olhar.

Essa é uma das maiores mágicas da fotografia. Por mais clichê que isso soe, essas

filmagens, fotografias, objetos e cheiros antigos, mesmo aqueles nem tão antigos

assim, lembram que a vida da gente passa, que a gente passa, e que no fim nada

mais disso tudo importa, além das pessoas e das relações em torno delas. Nada,

absolutamente mais que nada, importa além do amor- que aliás um dia também irá

passar, e ficará então marcado apenas nas fotografias guardadas em caixas antigas

de pessoas que se perguntarão quem diabos são estes parentes distantes das fotos.

Seremos nós, sorrindo pelo tempo, marcados pela nostalgia e imersos na nossa

própria existência pontual dessa vastidão que continuará a fluir sem nós.

Thaís Amaral [Mogi Mirim, 1993]. Estudante de Biologia tentando dar mais espaço às palavras em sua vida. Possui o projeto Sereia no Aquário sereianoaquario.wordpress.com

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Page 31: Revista Philos #1

32 enseada, marina mohallem34 este rio, hiatus36 busca, gabriel cardoso38 ele, talita souza40 a voz do vento, ronaldo queiroz43 fim, celso assolin martins45 antigo testamento, edson amaro47 sentimento da noite, josé henrique zamai49 necrópsia dos sentidos, rodrigo menezes

poemas

Page 32: Revista Philos #1

enseada © marina mohallem [minas gerais]

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Page 33: Revista Philos #1

Não sou aquele trem que anda nos trilhosEu sou aquela água que vai e volta e vagaNão sou aquela estrada já definida,Eu sou a poeira que na chuva se apagaTudo que se precisa é a precisão da liberdadeé desviar, é viver e é também não ter idadeSomos incompletos na medida do infinitoEu sou uma enseada rodeada de um mar silencioso.

Marina de Lima Mohallem [Itajubá, 1994]. Graduanda do curso de Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas 2012.2, bolsista do PET-Biologia (Programa de Educação Tutorial). Poetisa amadora desde novembro de 2012. Administradora da página PoeMA, livro virtual de poemas.

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Page 34: Revista Philos #1

este rio © hiatus [amazonas]

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Page 35: Revista Philos #1

Este rio,É minha alma,Corroída pelo tempo,Meu choro,Meu lamentoEste rio,Que ora chora.Cuja dor se ignora,É o rio de nossa históriaDe toda nossa memóriaSustento da lavadeira,Alimento do pescador,Doce inspiração,Inspiração do sonhadorNeste rio,Jogo lixo,Pois é frio meu coração,Transformo a vidaEm morte,Destruição.Este rio,É meu começo,Início, meio e fimDeságua suas águasNeste mar que há em mimEste rio,É meu destinoRio que viu o meninoCrescerE virar as costasMeu companheiro de brincadeiraParte de mim que morre.Meu rio. Minha alma.

Robinson Silva Alves, Hiatus [Coaraci, 1976]. Tem diversas premiações e participações em antologias literárias como as da UFF, UNIVAP e CLIP.

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Page 36: Revista Philos #1

busca © gabriel cardoso [santa catarina]

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Page 37: Revista Philos #1

Confesso que nunca fui de observar a lua me olhando, mas de uns tempos para cá tenho observadoVejo nela as mãos dadas dos retirantesSaem ora do pé, ora do ombro, ora até da orelha!Ontem desejei com toda minha força que parassem dese dirigir ao centroAquele que acolhe todos com tanto afinco, tanta ternura, tão doce rapadura.

Me disseram que dor é sinaE que tudo na vida acaba em ''or''Por isso a esperança é meninaFita verde nos cabelos,voz branca em anúncio de paz. Mas...E os retirantes?Dor, amor, estupor, fome. Por que carregam essa menina?Quão sórdida aspirina, apenas mais uma morte severina.

Vagante em amargura secaescorre entre pórticos e aldravas e,C(entro), dentro enfim, e sentoObservo a lua sussurrar algo sobre retirantesColoco a mão no peito, e em repentina agudezA menina morreu de sede.Espaço imerso revelado, rochoso, rachado.

Procura-se semente que alimente o retirante centroAo centro retirante, cura-se.

Gabriel de Melo Cardoso [Balneário Camboriú, 1997]. É escritor, filósofo, tanatólogo e poeta.

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ele © talita souza [minas gerais]

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Page 39: Revista Philos #1

Ele possui o dom de me acalmarMe traz pazE sinto como se fosse capaz de qualquer coisaEle faz com que eu sinta vontade de sair por aíPegar o primeiro ônibusE ir para perto deleEle não é de palavras difíceisNem de muita falaMas o pouco que dizMe toca a almaEle não sabeMas eu o amoEle não percebeMas é especialEle não acreditaMas é lindoEle deveria saberQue é únicoQue é o únicoQue me acalma o coraçãoQue é o únicoQue me arranca sorrisos fáceisE me faz acreditar no amorEle deveria saberEle deveria perceberEle deveria acreditarMas ele prefere fechar os olhosE não enxergar

Talita Souza [Passos, 1998]. É blogueira, aspirante a escritora e estudante de TI.

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Page 40: Revista Philos #1

a voz do vento © ronaldo queiroz [são paulo]

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Page 41: Revista Philos #1

Eu desejaria muito deixar esta cidade, parda e velhaSuas ruas são tortas e parecem impiedosas selvasOlho tanto para o chão, pelejo em achar uma solução!Vejo folhas secas, vejo pedras, vejo as flores na terraPensando bem, nosso êxodo virá se vermos mais longeTão distante quanto a revelação nos seja evidenteAcima de tudo eu queria E com isso alegre eu ficariaSe do céu, viesse o sinal que sararia minha expressãoAjeitando assim, as ruínas que soterram meu coração

Hoje, nada é mais amargo pra mim, do que amarEu posso sentir o cheiro e o toque dos meus medosDaninhando, maliciando as entranhas da minha menteMas se eu teimasse em explicar sucintamenteDiria que amar uns aos outros é o precioso inícioCom amor, contradições e aflições se desvanecemUm sozinho não é nada, mas dois juntos são tudoEm suma, essa é a regra áurea, o primeiro princípio…

As palavras, as ideias, delas até deleito em esquecerContudo, suas oferendas estreitas me fazem pensarTodos meus intuitos eram palavras... Palavras!Todo o meu humilde ser era ideias... Ideias!Minha alma escorre abaixo no córrego destes diasSão tantos os provérbios ocos que ousei pronunciar!Perto do sol, sequer há sombra pra me acompanhar!Posso até pendurar os avisos me doados pela quedaAo redor, tiritando na minha cabeça, eu as sintoComo solenes e mornas rezas

Em suma, só devo repetir as ordens que 'eles' dizemEu suma, só devo cuspir dos lábios o que 'eles' pedemEntão o que você me diz, criatura celestial ou infernalDe que vale tudo isso aqui afinal?Mundos e mundos de distância, realidades à parteCom o meu sonho, a minha vontade que vai morrerO corpo é lívido, fresco e dum vigor tão juvenil!Mas a razão, mãe da invenção, é tão caprichosa e vil!

Pra mim o prazer chegaria algum dia desses, suspeitoConsciência tenho daquilo que o destino me escreveConfissões de amor e vocações, são intuições brevesMas me cativarão com a sinfonia e o som da fúriaEntão, aqui vou eu, apreciando o meu velho buracoArranhando tentativas de querer, de ter, de ser...Sobra-me, porém, uma recordação, uma ironia tacanha: Como estou longe de hastear minha flâmula, No topo da montanha…

Não saboreio a ambição de noivar com o sepulcroEssa ilação me soa como tolice, e isso eu repulsoMas, para onde nos levará o tempo em sua viagem?Ficarei no mesmo braço do rio ou noutra margem?Lutas, conflitos, só me ensinam a não me surpreenderO código do ser está no mesmo cárcere da minha vidaEscondido num ermo de areia movediça, submissaRemoto e indiferente, fora do rumo da argúcia preferida

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Page 42: Revista Philos #1

A tantos mundos de distância, mas não hesitarei agoraEu estou na última milha da cidade, dela estarei foraSuas vielas e pavimentos não me trazem bom agradoCasas que choram pelas janelas em dias ensolaradosBares, bordéis, fábricas e seus padrões fracassadosTranseuntes, cristãos ao todo, jamais tem no lar a graçaSão muitas as mentiras que amasiam-se a esta raçaOs ladrões bebem, os meninos crescem, E eu apenas aguardo...

A voz do vento, assobiando no peito... Melancolia!É como uma afiada lasca de nostalgiaMurmuram um credo, bajulam o sagrado verboOutrora eram as nuvens que desfaziam a serenidadeO ar de sossego tênue que com lisura eu prezeiMas não gero petulância, eu me rendo aos afagos da brisaEssa voz infinita, a chilra do vento que quer me soprarSoprar-me para onde?Jamais sei para onde!Contudo sei que é bem longe Longe, muito longe deste lugar…

"E de qualquer maneira o vento soprará...E de qualquer maneira o testamento se cumpriráPois este é o tempo da estaçãoPara o nosso trabalho de restauraçãoPara uma era de amor, justiça e paz,Para libertar a vida e o que for de mais

Sim, a voz do vento chamará a todos no finalLevando às mãos os machados e os martelosAchando na alma o empenho e o esmeroPara desfraldar a bandeira de um mundo mais igualNão, eu não me sinto mal...Eu não me sinto mal…Eu não me sinto mal"

Ronaldo A. Queiroz [Itapeva, 1994]. Escreve poesia desde os 17 anos, se trabalho é caracterizado pelo estilo predominantemente intimista entre os movimentos simbolista e parnasiano. Opta por abordagens temáticas filosóficas relacionadas às emoções humanas.

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Page 43: Revista Philos #1

fim © celso assolin martins [são paulo]

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Page 44: Revista Philos #1

A T.S. EliotFim do começo,Presente pretérito:Começo do fim.

O ardil do tempoEvoca o pontoDe tensão

No qualPassado, presenteE futuroTêm,

Num átimo,

A mesma face.

Curiosamente,Esse ponto é um espelho

No qualA vida enxergaA morte.

Celso Assolin Martins [Mococa, 1960]. Poeta.

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Page 45: Revista Philos #1

antigo testamento © edson amaro de souza [rio de janeiro]

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Page 46: Revista Philos #1

“E também a mulher, com quem homem se deitar com semente de cópula, ambos se lavarão com água e serão imundos até a tarde”

[Levítico 15: 18; tradução de João Ferreira de Almeida]

Ah, se Deus conhecesse o que criou,O beijo de mulher a quem amasse,Nunca mais o desejo condenasse,Nem impuro seria quem copulou!

Alguma vez Javé acaso amouQuerendo fosse eterno o que é fugace?Acaso não veria com melhor faceOs pecados que só Ele decretou?

Se um filho pois gerasses, Adonai,Outra lei nos darias mais docemente,Pois esta o doce amor sujando vai.

Javé, que se derreta com ardenteAmor o peito Teu por esta gente:Desiste de ser Deus para ser pai!

Edson Amaro de Souza [Areia Branca, 1976]. É professor de Língua Portuguesa da rede pública estadual do Rio de Janeiro. A editora Buriti publicou sua tradução do romance Valperga, de Mary Shelley e sua tradução da tragédia O Rei Saul, de Vittorio Alfieri, está disponível em formato e-book pelo site Amazon.

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Page 47: Revista Philos #1

sentimento da noite © josé henrique zamai [são paulo]

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Page 48: Revista Philos #1

O dia, derretido na aurora, resfria-se na noiteEscurece e as pessoas bocejamPermaneço silente, como se sobre mimse abatesse um estranho siso.

Certa aversão à lua e às estrelasÀ imensidão do Universo que se tornava clara,no céu do passado.Sentimento de pequenez? Ou de solidão?

O relógio, o tempo, como rios, corriam em um único sentido: não voltavam.A noite avançava velha e,como do nada, era uma criança recém-nascida.

Na madrugada, sento-me à janela de meu quartoe observo as luzes da cidade.Poucas casas no campo de visão.Nada se altera por um longo período.

E a luz de uma janela próxima se acende.Solidão? Não mais.Eis ali outra alma insoneCompanheiro: como tem sido a vida?

José Henrique Zamai [Divinolândia, 1991]. Advogado.

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necrópsia dos sentidos © rodrigo menezes [brasília]

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Onde amei: uma caveiraem lugar dos lábios que desejei: uma carcaçaa pele que toquei, febril — cera maciçaos sonhos secretos que sonhei: fumaça

sobre os versos que escrevi: poeiraas palavras que sangrei: mofadasas páginas que chorei: amarelas e secasas dores tantas que poetizei: anestesiadas

eis aqui o mais cruel feito do Tempo:— artesão imponente das encruzilhadas —demolir os afetos que pensamos tão grandesassassinar os sentidos… transformá-los em nada

Rodrigo Menezes [Brasília, 1989], é escritor e poeta desde os 13 anos e graduando em Psicologia.

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ensaios

52 filosofia de lobos do mar, caio lobo

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filosofia de lobos do mar © caio lobo [recife]

O argumento do Lobo Larsen sobre a irrelevância da vida. “A vida é sem valor,

exceto para si mesma.” [O Lobo do mar, Jack London]. Não sei se ele tirou isso de

Nietzsche, desconfio que sim. A lógica é poderosa, na medida em que são os

homens que atribuem valor à vida, seja à dos outros, seja à própria. Por outro lado,

a vida viceja pujantemente [expressão minha]. O que mais há no universo é vida.

Quase tudo ao nosso redor vive, ainda que nossos olhos sejam incapazes de

enxergar todas as formas de vida que nos circundam.

Eu gosto dessa idéia: já pensou se cada elemento de vida correspondesse a uma

luz visível e intensa, que nossos olhos pudessem enxergar? Ficaríamos cegos pela

luz, não escaparíamos em lugar algum. Quantas bactérias, micróbios, micro-

organismos estão agora mesmo sobre esse teclado de computador, sobre essa mesa,

sobre esse livro, sobre a estátua de Cristo, sobre minha cama? Milhares? Milhões?

Bilhões? Imagine a cegueira, imagine quanta luz branca não atingiria nossos olhos!

A vida viceja com pujança, mesmo que esqueçamos disso na maior parte do tempo.

Então o personagem do Lobo Larsen, de modo insidioso, nos diz: se fosse para

julgar o valor da vida, ela seria obviamente barata, muito barata. Ela surge e

desaparece no universo ao longo dos séculos, em grandes quantidades, quantidades

incontáveis.

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É lei da oferta e da demanda pura: quanto mais tem, menos vale. Argumento forte,

com o qual a razão se confunde, não encontra solução. Não que se concorde com

ele, porque é puramente racional e não leva em consideração os instintos

compassivos dos homens, que nada têm a ver com ele.

E o que é o valor que o homem atribui à sua vida ou à dos outros? Um valor

exagerado, quase sempre. E o que é o valor, senão uma idéia sobre o que constitui

a essência do homem? E o que é uma idéia, senão um ídolo? [expressão de

Nietzsche]. E quem te garante que uma idéia é verdadeira se ela é cria do espírito

humano? Por isso o filósofo queria destruí-las todas com seu incansável martelo.

Para pôr o que no lugar? O amor fati, talvez. A experiência de amar a vida em sua

totalidade, a cada instante, porque fazê-lo significa não agir pautado por ídolos, por

idéias e ideologias. Significa ser, de fato, livre.

Acho tudo isso fascinante. O problema é que não dar valor à vida é considerá-la

um valor. Um valor ínfimo e irrelevante, mas ainda assim um valor. Não somos

capazes de escapar dessa dualidade mental. Então quando o Lobo defende que não

se deve ser altruísta, age conforme uma ideologia e assim se distancia de

Nietzsche, que dizia: se vocês procuram um guru que lhes ensinará alguma coisa,

vieram ao lugar errado. Ou algo do gênero.

É interessante observar essas pessoas que, como o Lobo Larsen, menosprezam o

valor da vida porque não podem medi-lo. Ou que negam a existência de Deus

porque não encontram sentido no universo, a não ser na luta em que o mais forte

sempre vence o mais fraco. Não é que eu discorde deles, porque se discordasse,

incidiria na crença oposta, que também é fruto da dualidade da mente - que

também, portanto, seria um ídolo. Crer na irrelevância da vida ou na sua

irrelevância, dá no mesmo; crer que Deus existe ou que Deus não existe, dá no

mesmo. São ideais que se apresentam como verdades, como dogmas. Veja um ateu

dando uma palestra sobre a não-existência de Deus. Observe sua energia. É ou não

um fundamentalismo igual ao do religioso mais radical?

Parece que Sócrates continua sendo o mais sábio dos filósofos, não fosse o deslize

de dizer que sabia de algo [no caso, que não sabia de nada]. Nós não deveríamos

dizer [caí eu também na armadilha? não sei], como ele, “só sei que nada sei” [ou

algo do gênero]. Deveríamos dizer: “nem sei se sei de algo”. Sim, a suspensão do

juízo. Nada de novo. As coisas que sabemos são aquelas que podemos descobrir

pelo método científico [e olhe lá!], relativas ao mundo físico. Se a vida tem valor e

qual é o seu valor é uma questão inútil para a descoberta do ser, é uma dessas

oposições kantianas que a razão é incapaz de responder, a não ser criando critérios

próprios, não universais.

Então onde ficamos nisso tudo? Eu diria que a melhor solução [caí,

definitivamente caí] continua sendo a mente aberta: “não sei, mas eventualmente

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posso descobrir.” Quem sabe? Enquanto não sei, melhor não julgar nada

apressadamente, nem minhas ações, nem as ações dos outros, porque desconheço o

que há em mim e o que há no outro. Sequer sei quem sou. Uma forma de vida,

talvez. O que mais, além disso? O que eu faço, o que eu sonho, o que eu digo,

minhas ações, meu amor, meu medo? Há de se concordar que já saí da vida ao

considerar essas hipóteses. Já abandonei esse elemento indefinível e sem

contradições, porque nele pensamento não há. A contradição está associada ao

pensamento e às experiências sensíveis. O Lobo Larsen é um animal preso na

própria armadilha do pensar e do julgar. O pior é que, como a maioria dos homens,

acredita que se encontra além dos muros, que se libertou porque com tamanha

arrogância desvenda o mundo para os cegos. Pergunto-me quantos cegos não

guiam cegos nessas paragens. E quantos não caíram ou cairão ainda em infinitos

buracos.

Caio Lobo [Recife, 1979]. Formado em Direito pela UFPE e Mestre em Relações Internacionais pela UnB. Escritor que publica contos, ensaios e poemas no blog www.blogdofrancesbsb.blogspot.com.br e nos sites www.bardoescritor.com.br e www.escrita.com.br. Leitor compulsivo e romancista.

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experimentais experimentales

56 amigo sóbrio, gustavo souza57 decantación de un diario, astrid ramos

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amigo sóbrio © gustavo souza [alagoas]

No poço dos vermes famintos, nós velejamos em uma embarcação veneziana!

Nas águas calmas do inferno, transbordo na solidão – o velho amigo sóbrio da vida

– e corvos negros, - voando em ciclo – e nós observado o fulgor das quimeras - As

estrelas sem brilho, - impuras da negritude maldita da vida infernal – a embarcação

se movia ao vento e ao medo dos braços; assim foi a noite sem fim – em um

inferno sem volta – em ciclo – acompanhado…

Gustavo Souza [Piranhas, 1992]. Recém-graduado em História pela Universidade Federal de Alagoas – Campus Sertão, em Delmiro Gouveia, é poeta crítico. Tem como destaque no mundo literário o 4º lugar no concurso nacional Novos Poetas Sarau Brasil, realizado pela editora Vivara em 2015, conseguindo menção honrosa e publicação em antologia; além de várias publicações em coletâneas.

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decantación de un diario © astrid ramos [isla de gran canaria]

3 de enero. El primer día del año me sentí bien, el segundo vi un mosquitero

cantar en un árbol, el tercero acepté, por un instante, mi desgracia.

4 de enero. Soy palomas para ti. Múltiple, cagona, pedigüeña.

6 de enero. La suciedad de los regalos.

14 de enero. Y luego dirán que la historia la escriben los vencedores.

21 de enero. No creas que eres tú ni tu carisma, es mi simpar atracción por lo

malsano,

lo obscuro, lo inefable.

13 de febrero. Maldito hijo de Urano. No asomarás tu cráneo. Tu bello cráneo. Tan

cercano a la verdad, a la vida, a su desaparición. Tienes tanto miedo del infierno

que no intentarás de nuevo el cielo.

20 de febrero. Ya no te veré más vivir.

21 de febrero. Dicen que también son especialmente bellos los arcoíris bajo la

lluvia ácida.

3 de marzo. Todo debió acabar en 2006, ahora ya no acabará nunca.

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7 de marzo. La vida y yo hemos empatado. Hay algo que ella no puede ni yo

tampoco. Devolverte. El resto de lo que suceda será mera traca, olor a pólvora.

19 de marzo. Pretérito imperfecto del subjuntivo

2 de mayo. Gracias por cruzarte en mi camino. Nunca me gustaron las línea rectas.

5 de mayo. Soy los sitios que no veré, las lenguas que no hablaré, los hombres que

no amaré.

13 de junio. Hoy, durante todo el día, solo contaré vencejos.

3 de julio. Tienes la suerte del planeta.

24 de julio. Tú, si quisieras, podrías ser el mismo durante milenios. Mi pasmo sería

idéntico. Eso te debe de cansar, lo entiendo.

30 de julio. La vida es solo una metáfora de tu cuerpo. Insuficiente. Finita.

Huidiza. Falsamente explorable.

31 de julio. Que yo haya volado y Leonardo no. Que yo haya visto las nubes desde

arriba y William no. Eso, eso me ayudará.

Un día de agosto. Felicidades.

3 de septiembre. Y no vienes, ni embarcado en la corriente del tiempo ni por los

canales subterráneos de la culpa. Ni rastro de ti tampoco entre las luces pretéritas.

23 de septiembre. Lo que escribo desvela, tapa, señala o circunvala.

27 de septiembre. Tu pulso se debilita en insondables abismos hipotalámicos.

30 de septiembre: He estado con otro. Otros. Todos. Ninguno.

2 de octubre. Volverás repetidamente. Cada día. En las señales que solo yo sé

puntuales. Retaguardia bicéfala de tu ejército semiótico.

15 de octubre. No fue real, pero fue verdad.

24 de octubre. No tienes ningún mérito. En menos de un año ya he visto miradas

más ciertas que la tuya. Promesas que eran, antes de enunciarse, verdaderas.

1 de noviembre. Se ha roto el espejo y con él mi reflejo. Cicatrices de cristal

recorren ahora mi rostro.

5 de noviembre. Pienso en ti. Floración intermitente, pienso en ti, floración

efímera, pienso en ti, floración interna. Pienso en ti.

18 de noviembre. Tu sonora ausencia. Tan segura de su peso.

21 de noviembre. El infierno es un constante regreso.58

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25 de noviembre. Cuando otros logran franquear la puerta que deja atrás la

indiferencia apareces tú, nítido, apoyado en el barandal. Con tu pullover de cuello

de cisne azul marino, fumando lentamente. Tu presencia aun irreal hace burla de

todas las palabras, de todas las presencias, de todos los cuerpos.

28 de noviembre. Rellena la línea de puntos o, mejor, pon tus puntos entre los

míos.

1 de diciembre. Estamos vivos. Los dos. En la misma época. En el mismo planeta.

¿Cómo puedes desmerecer eso?

2 de diciembre: Perdona por no haber bajado a comprarte aquella cajetilla de

tabaco ese día en que llorabas rendido en el suelo.

23 diciembre. Cosas que tú y yo hablamos en sueños:

¿Volver, para qué?

Para reeditar un clásico con ilustraciones nuevas.

¿Volver? ¿Para qué?

Para acariciarnos las suturas.

No.

¿Por qué?

El polvo que desprende la porcelana rota impediría que vuelvan a ajustarse los

pedazos

perfectamente. Además es venenoso. Permanece en los pulmones para siempre.

29 de diciembre. ¿Mesías trasnochado? Pase, le esperan. Siempre le van a estar

esperando.

31 de diciembre. Aspiración palindrómica: que todo acabase tal y como empezó.

Astrid Ramos [Isla de Gran Canaria]. En 2011 obtuve el 2º Premio del IV Concurso de Poesía Poeta

Bento de la Fundación Canaria Néstor Álamo, el primer premio del Concurso de Microrrelatos

microMadrid del programa de radio A vivir Madrid, y fui finalista del IV Concurso de Relatos de

Mujeres Viajeras en 2012 y en 2014. En 2013 recibí el primer premio del Concurso de

Microrrelatos Twitter La Caixa y el segundo premio del 6º Concurso de Relatos de Literatura

Romántica Do not Disturb. Asimismo he resultado ganadora del certamen de Relatos de la

Revista Cultural Babelia de ElPais.com y el tercer premio del concurso Tu Viaje Más

Sorprendente organizado por El Viajero de El País. En 2015 dos de mis microrrelatos fueron

finalistas del concurso de Casa África Purorrelato. De 2013 al 2014, fui alumna del Taller de

Narrativa del escritor Alexis Ravelo en el Museo Poeta Domingo Rivero, taller en el que editamos

un libro conjunto: Solo mi sombra.59

Page 60: Revista Philos #1

David Segarra [Valencia, 1976]. É jornalista e documentarista. Nos anos 2000

lançou o jornal independente The Forward. Seis anos depois, na Venezuela, dirigiu

e produziu mais de quarenta reportagens, documentários e vídeos. Em 2010 foi um

dos tripulantes da Frota da Liberdade, movimento que lhe inspirou a realizar um

documentário sobre Mármara. Atualmente publicou um livro fotográfico e

antológico com poesias autorais Viver, Morrer e Nascer em Gaza, parte de seu

registro fotográfico ilustra nossos textos nesta primeira edição da Philos. Adquira o

livro AQUI.

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fotografias © david segarra [valencia]

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philos revista de literatura fev 2016 www.camaracartonera.wordpress.com