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A Fronteira da Magia - Dois planos perfeitos

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Capítulo 28 – A Fronteira da Magia

Parte 3 – Dois planos perfeitos

As três armas brancas estavam flutuando a frente deles, reluzindo com toda sua beleza. — Isso é incrível – sussurrou Meithel radiante de tanta emoção. Ele segurou a ponta da corrente de Magai, que logo se enrolou em torno do seu braço enquanto começava a se mover como uma serpente de pe-dra. – As armas brancas estão nos aceitando para usá-las. Os olhos de Meithel brilharam, e isso não era pra menos. Usar as ar-mas brancas é uma habilidade exclusiva dos Cavaleiros. Desde que as armas foram criadas, apenas os Cavaleiros podem usá-las, pois elas só obedecem a eles. Meithel vasculhou em sua mente qualquer lembrança de qualquer outro protetor que tivesse utilizado uma arma branca, mas não conseguiu se lembrar de nenhum. Mas isso não era tudo; ele ainda era um protetor da Magia, o que era mais fácil de compreender, mas Elkens e Mifitrin pertenciam a outros Elementos e mesmo assim as armas apareceram para eles. Os Cavaleiros deviam realmente estar querendo muito ajudá-los, com muita sinceridade e confiança, pois somente isso permitiria que suas armas brancas fossem usadas por ou-tras mãos. — Então vamos lutar – disse Elkens segurando o cabo da enorme marreta de Algoz. Por um momento ela pareceu pesada demais, mas imediatamente estava surpreendentemente leve. — Agora é pra valer – disse Mifitrin vestindo o par de garras de Zephir. As armas brancas que haviam lhes causado tantos problemas agora os ajudavam na hora em que mais precisavam. Os três correram de encon-

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tro com as grandes estátuas de Zander que continuavam avançando contra eles. De frente para uma das estátuas, Meithel fez um leve movimento com seu braço direito e a corrente entendeu perfeitamente o que ele queria. Parecia realmente viva. Ela voou pelo ar como uma serpente que dá o bote, indo de encontro ao inimigo. A estátua segurou a corrente no ar, mas, antes que Meithel chegasse a sentir qualquer forma de preocupa-ção, uma outra corrente surgiu da primeira e atacou. A corrente esta-va se multiplicando, assim como Magai fazia. A corrente de Magai tinha a incrível habilidade de se multiplicar e multiplicar até atingir cento e sete correntes, que é o seu limite, mas Meithel não pretendia usar todas elas. Cada vez que uma das correntes era inutilizada, outra corrente surgia e atacava. Não demorou para que o guerreiro sem-alma estivesse completamente envolto por correntes brancas que se moviam como serpentes. Meithel sentia o incrível poder da arma branca e sa-bia o que fazer. Segurando firmemente a ponta da corrente que estava enrolada e presa ao seu braço direito, puxou com toda a força que ti-nha. A estátua de pedra quebrou-se em inúmeros pedaços quando as correntes fizeram pressão sobre ela. Fora derrotada. Quando a segunda estátua ficou de frente para Mifitrin, tentou es-magá-la com seu gigantesco braço de pedra. Mifitrin se desvencilhou do ataque, aproveitando a brecha aberta para atacar. Atingiu o braço da estátua com as garras de Zephir, e uma chuva de fagulhas foi ge-rada pelo atrito das garras e o aglomerado de pedras que era seu ini-migo. Mifitrin ficou surpresa com a surpreendente facilidade com que as garras deslizaram pelo corpo de pedra. Bastou apenas mais dois ataques rápidos das garras para Mifitrin conseguir cortar fora um dos braços do guerreiro sem-alma. A estátua atacou com o braço que lhe

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restara, tentando esmagar sua inimiga, mas novamente Mifitrin mos-trou sua incrível velocidade. Desvencilhou-se do novo ataque e pulou sobre o braço de pedra, por onde correu até chegar à cabeça da estátua. A estátua tentou esmagá-la, mas isso era muito mais difícil com ape-nas um dos braços. Sobre um dos ombros de pedra, Mifitrin abraçou o pescoço da estátua num abraço mortal. Cravou as garras no inimigo e rapidamente foi deslizando as garras em sua direção, até que conse-guiu arrancar a cabeça de pedra, que despencou no chão com um baque ensurdecedor. Para finalizar com a luta, Mifitrin deu uma mortal pa-ra trás, empurrando o corpo de pedra com os próprios pés. No exato momento em que Mifitrin tocou o chão, a grande estátua caiu de cos-tas, desmanchando-se por completo. A segunda estátua acaba de ser derrotada. Quando o guerreiro sem-alma tentou matar Elkens, ele apenas retri-buiu com um golpe da marreta branca. Assim que o punho de pedra e a arma branca se encontraram no ar, Elkens foi jogado de costas no chão, mas o braço da estátua explodiu em mil fragmentos. Era incrível como uma marreta tão grande podia ser tão leve. A estátua avançou contra ele mais uma vez; o Sacerdote apenas se desvencilhou e apro-veitou para se posicionar exatamente sob a estátua. Ele não pensou duas vezes para atacar. Segurou a marreta com as duas mãos e girou-a no ar, um giro completo que atingiu as duas pernas da estátua que também foram completamente destruídas. Teve de correr para não ser esmagado pelo restante do corpo que despencou no chão, mas que mesmo assim continuou tentando atacá-lo. Elkens não teve outra es-colha senão subir sobre o corpo da estátua e destruí-la por completo com um único e poderoso ataque da marreta de Algoz.

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Os três guerreiros sem-alma foram derrotados. Agora não havia nada entre eles e Zander, por isso imediatamente começaram a correr para alcançar o aliado de Mon. Os Cavaleiros da Magia podiam não ter vindo ajudá-los pessoalmente, mas a ajuda que mandaram foi de suma importância.

O perfume das flores foi a primeira coisa que sentiu. Após acordar, os sentidos foram despertando-se lentamente. Após sentir o perfume das flores, sentiu a grama macia onde estava deitada. Teve um sono tão gostoso que estava se sentindo muito bem agora, como se durante o sono tivesse se recuperado de um grande cansaço, mas não sabia por que estivera cansada. Ficou com preguiça de abrir os olhos, queria fi-car deitada ali mais algum tempo, sentindo apenas o delicioso perfume que lhe invadia as narinas. Baldor deve ter trazido flores para me fazer uma surpresa. Ela sorriu ao deduzir isso, embora ainda continuasse com os olhos fechados. De-via estar dormindo há muito tempo, pois sua mente continuava confu-sa. Esperava que as lembranças lhe voltassem aos poucos enquanto continuava se deliciando com a grama macia e o perfume à sua volta. Era mais um daqueles dias em que ela acordava em sua cama e tenta-va se lembrar em qual dia da semana estavam, se precisa se levantar logo ou se podia ficar dormindo até mais tarde. Esperou que Tûm a chamasse para se levantar, mas então percebeu que não devia estar em sua casa, afinal de contas, estava deitada sobre um gramado macio. Devia ter ido dar um passeio com Baldor pela floresta, como sempre faziam. Não seria a primeira vez que dormia sob uma clareira na flo-

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resta. De repente ouviu alguém se movendo não muito longe dela, en-tão sorriu para mostrar que não estava mais dormindo. — Há quanto tempo estamos aqui, Baldor? Ela esperou ansiosa pela resposta, mas o amigo não lhe disse nada. Continuou deitada de costas na grama, ainda com preguiça de abrir os olhos. — Eu já percebi que você me trouxe flores. Mas o amigo insistia em não responder. Era típico de Baldor, um ga-roto reservado que se abria apenas com ela. Devia estar olhando para ela em silêncio, esperando para que abrisse os olhos e visse as flores que ele lhe trouxera, além de alguma possível fruta que pegou pela flo-resta enquanto ela dormia. Também não seria a primeira vez que fazia isso. Então resolveu se levantar. Primeiro abriu os olhos com dificuldades, mas, ao fazê-lo, seus olhos doeram por causa da claridade. Porém, as-sim que conseguiu enxergar alguma coisa, ficou confusa. Esperava ver Baldor olhando para ela, mas ele não estava ali. A única coisa que ela enxergou foi grandes árvores à sua volta, todas cobertas de flores lin-das, árvores que não pertenciam à Rismã. Não fora Baldor quem lhe trouxera as flores, elas já estavam ali; Baldor sequer estava com ela. Também não havia fruta alguma. Ela se sentou no chão, assustada, e as lembranças começaram a aflorarem em sua mente. — Elkens… Laserin estava muito assustada. As lembranças começaram a voltar rapidamente. Ela não estava mais no vilarejo Rismã, e isso já fazia vários dias. Sentada sobre a grama macia, olhou para os lados a pro-cura de quem fizera o barulho que ela ouviu, mas era apenas um pe-queno esquilo curioso que saiu correndo e desapareceu entre as flores assim que ela o viu. Ela lembrou-se de que estava com Elkens no jar-

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dim de Briluem; estavam atravessando um grande canteiro de algum tipo de planta que tentava prender-se neles. Ela se lembrou que foi pega pelas plantas e não conseguiu se soltar, mas depois disso não se lembrava de mais nada. Não sabia o que havia acontecido depois. Olhou à sua volta mais uma vez e percebeu que não estava mais na-quele canteiro, estava na parte mais bela daquele jardim, onde todas as variedades de flores se encontravam. Quem me trouxe aqui?, pensou intrigada. Elkens? Mas ela deixou de pensar nisso assim que visualizou o grande arco de pedra sobre um altar. Era o portal que levava ao quarto templo, e es-tava aberto. Ficou feliz ao perceber que obviamente Elkens havia der-rotado Shanara e seguido em frente, mas Laserin não conseguiu en-tender por que o corpo da Amazona não estava ali. Levantou-se em um pulo quando lhe passou pela cabeça que Shanara poderia ter ido atrás de Elkens, mas então voltou a parar quando as lembranças continuaram a lhe aflorar à mente. E o Meithel? Será que já foi ajudar Elkens? Mas não havia tempo para ficar pensando nisso. Havia muitas coisas que ela precisava descobrir, mas primeiro precisava encontrar seus amigos. Quando deu um passo em direção ao portal, deu-se por falta da sua bolsa de couro. Olhou para trás e lá estava ela, exatamente ao lado de onde estivera deitada. Correu para pegar a bolsa e a abriu. Levou uma pontada em seu coração ao perceber que seu cristal não es-tava mais ali. Shanara roubou o cristal! Mas isso podia não ser verdade, por isso resolveu não se preocupar muito com isso por enquanto. Talvez fosse Elkens quem levou o cris-tal para protegê-lo, ou ainda Meithel podia ter passado por ali depois

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e tê-lo levado consigo. Muita coisa podia ter acontecido, pois ela não sabia há quanto tempo estava dormindo. Decidida, andou em direção ao altar, subiu pelos degraus de pedra e atravessou o portal aberto. Espere por mim, Elkens. Eu estou indo… — Seus ferimentos já estão curados, Valadur. Karnar terminava de curar o último ferimento do demônio alado cau-sado pelas correntes de Magai. O demônio continuava desacordado desde sua derrota, mas agora já estava completamente curado. — Quando você acordar eu não estarei mais aqui, mas voltarei para buscá-lo. Karnar deixou seu demônio sozinho, estendido pelo Covil, e seguiu em frente. Caminhou pelo sinuoso caminho de pedra entre as árvores mor-tas, até que chegou ao arco de pedra sobre o altar. O portal ainda es-tava aberto. Pouco tempo atrás Magai, o Cavaleiro que ele derrotou com a ajuda de Shidra, recobrou a consciência. Quando Karnar foi trazido para os Domínios da Magia por Gauton, o Mensageiro lhe explicou que os Cavaleiros não eram inimigos, mas que estavam sendo controlados por Kaiser. Mas quando Magai acordou, Karnar percebeu imediatamente que ele era o verdadeiro Magai, já livre do feitiço de controle. Após se levantar, ele apenas olhou para Karnar e disse que iria ajudar Elkens, então seguiu em frente. Poucos minutos depois disso mais quatro pessoas chegaram ao Covil. Eram Káfka, Algoz, Shanara e Kam, os quatro primeiros Cavaleiros da Magia. Eles seguiram correndo em direção ao portal com expressões de extrema preocupação, e apenas o último deles demonstrou reparar que Karnar estava ali. Este homem usava uma coroa branca em sua cabeça, de onde escorria um filete de sangue, agora seco. Ele pergun-

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tou ao domador de demônios o que havia acontecido e Karnar lhe ex-plicou. Então disse que iria ajudar Elkens também e continuou cor-rendo atrás de seus companheiros, que logo atravessaram o portal e desapareceram. Fazia apenas alguns minutos que Kam e os outros haviam ido ajudar Elkens e agora Karnar também estava indo. Chegou a pensar em vol-tar até o jardim de Briluem para ver se Laserin continuava bem, mas possivelmente a garota ainda estaria dormindo. Seria melhor deixá-la longe de tudo aquilo. Andou com passos calmos em direção ao portal e o atravessou. Estou chegando meus amigos… — Você foi derrotado num combate justo, meu irmão. Yusguard estava sobre Longuard, imobilizando-o com o peso do pró-prio corpo. Continuavam no Templo do Sacrifício, o templo do Cava-leiro Shiron. — Você pode ter se tornado um homem ruim, mas sei que ainda deve ter um pouco de honra e não vai me atacar assim que eu te soltar. Longuard não disse nada, apenas encarou o seu gêmeo. Yusguard saiu de cima dele e lhe deu às costas, seguindo em direção ao portal que o levaria atrás de seus novos amigos. Apenas um minuto atrás três Cavaleiros e uma Amazona haviam pas-sado por eles, mas os dois estavam tão concentrados na batalha de es-padas que ninguém atrapalhou e seguiram em frente. Yusguard e Longuard travaram uma longa luta, mas Yusguard se superou e pro-vou ser aquilo que sempre foi, mas que desconhecia: o melhor. Sempre idolatrou o irmão, querendo ser tanto quanto ele, ignorando quando lhe diziam que não precisava se espelhar em Longuard, pois era muito melhor. Yusguard não dava ouvidos a quem quer que dissesse que o

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irmão era menos que ele, pois sempre olhou para Longuard como o irmão perfeito, muito melhor do que jamais conseguiria ser. Mas este-ve enganado durante toda sua vida e percebeu isso no momento em que presenciou Luftar, seu primo, sendo assassinado por seu próprio irmão. Foi nessa hora que abriu os olhos e enxergou a verdade. Yusguard não matou seu irmão, assim como desejou fazer após a mor-te do primo, nem precisava fazer isso. Agora Longuard sabia que era mais fraco e sofreria com isso pelo resto de sua vida. Nunca mais vol-taria a ter o respeito e a honra que tinha, e isso era algo horrível para um verdadeiro homem de Covarmen. A morte de Luftar já estava vin-gada. — Aonde você vai? – perguntou Longuard antes que o irmão se afas-tasse demais. Yusguard parou ao ouvir a voz do irmão, e olhou para ele uma última vez. — Eu vou ajudar meus amigos. — Você vai morrer junto com eles – disse Longuard sem emoção. Lá no fundo Yusguard percebeu que o irmão não desejava isso e até mes-mo que se preocupava com ele, mas talvez até mesmo o próprio Lon-guard fosse incapaz de perceber isso. – Foi por isso que eu mudei de lado, pois eu sabia que todos os inimigos dele seriam mortos. — Então se essa é a sua justificativa, foi um grande covarde. Sabe por que eles queriam você do lado deles, irmão? Eles o queriam apenas para usá-lo. Você seria uma grande ajuda para conquistar o reino de Covarmen também, e você caiu direitinho no truque deles; essa foi a única razão de você ter sido poupado por tanto tempo. Deixou de ser filho do rei de Covarmen quando tomou essa decisão. Não é mais um príncipe de Covarmen. Longuard aplaudiu ao ouvir isso.

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— Parabéns – ele disse em tom irônico. – A coroa do reino agora se-rá somente sua. Conseguiu o que queria. Os olhos de Yusguard brilharam ao ouvir isso, pois a resposta que da-ria ao irmão lhe trouxe uma dolorosa lembrança. Se Longuard sequer imaginasse o que Yusguard tinha para dizer, ela jamais diria aquilo. — Eu nunca quis ser rei – ele confessou. – Você seria o rei, mas veja o que se tornou: um homem sem honra, sem orgulho. Nem mesmo os dragões comeriam a carne de seu corpo desonrado. Sabe por que eu es-tava indo te buscar? – Longuard não disse nada, mas Yusguard cho-rou antes de continuar: – O papai morreu! Entende o que isso quer dizer? Nosso pai está morto! Foi como se Longuard tivesse recebido um soco no estômago. Ficou sem reação alguma, estacado no chão. Seus olhos se encheram de lá-grimas, mas ele as enxugou. Não se permitira chorar, já não tinha esse direito. — O trono de Covarmen está sem um rei. Em seu leito de morte, ele me pediu para assumir o reino, mas eu sabia que você era mais digno que eu, sabia que era você quem merecia aquilo. Eu o convenci a dei-xar o título de rei para você Longuard, meu adorado irmão. Foi por isso que parti e vim ao seu encontro, para levá-lo de volta pra casa. Você seria o rei que sempre quis ser e eu estava muito orgulhoso. Os dois irmãos apenas ficaram se encarando quando Yusguard ficou em silêncio. Longuard continuava tentando a todo custo conter as lá-grimas. Já não era digno de sofrer dor pela morte do pai depois de tu-do o que fez. — Se eu fosse você, fugiria para o mais longe possível; é isso o que os covardes fazem. Sabe aqueles quatro que passaram aqui agora pouco? Eles são Cavaleiros e estavam do mesmo lado que você, mas agora es-tão indo ajudar Elkens e os outros. O homem que passou sozinho com

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as correntes também estava do seu lado, mas não está mais. Nós não vamos ser derrotados e, quando vencermos quem quer que esteja por trás de tudo isso, você será punido junto com ele. Não quero presenci-ar sua morte, por isso estou dizendo que é melhor você fugir. Não que-ro te ver nunca mais, Longuard. Adeus irmão. Novamente os dois ficaram em silêncio. Mesmo sendo irmãos gêmeos, quem os visse agora perceberia o quanto eram diferentes. Yusguard olhou para o irmão como se jamais fosse vê-lo novamente, então lhe deu às costas e disse: — Agora vou ajudar meus amigos. — Kanoles, você está bem? Kanoles estava recobrando os sentidos agora e Gauton estava ao seu lado. Ainda estavam no Cemitério de Dragões, onde Kanoles se lem-brava de estar antes de perder a consciência. Gauton estava comple-tamente recuperado do ataque do canhão de Bulque. Foi Shanara quem recuperou suas energias e curou seus ferimentos. — O que está acontecendo? – perguntou Kanoles tentando se levan-tar, mas não conseguiu. Ainda estava fraco. — Os Cavaleiros estão indo ajudar Elkens e os outros agora – expli-cou Gauton sorrindo. – No fim das contas Kaiser nem era nosso ini-migo, ainda nem consigo acreditar na história que ele me contou. O Guardião é que é o responsável por tudo isso. Ah, e a propósito, Sha-nara fechou seus ferimentos. Você perdeu muito sangue, por isso ain-da está fraco. Ela disse que você só precisava descansar mais algum tempo. Kanoles passou a mão sobre o peito nu e sentiu as cicatrizes do ataque das garras de Zephir. Ficaria marcado pelo resto da vida, mas era apenas mais uma cicatriz no meio de tantas outras pelo seu corpo.

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Cada cicatriz era a marca de uma história que ele poderia contar aos seus filhos se um dia os tivesse. Os cortes no peito marcavam a histó-ria mais estranha da sua vida… Kanoles tentou se levantar mais uma vez, mas novamente não conse-guiu. — Você pode me ajudar? – ele perguntou para Gauton. — Sabia que ia me pedir isso – disse Gauton ainda sorrindo. – Sha-nara e os outros me disseram que seria melhor ficarmos aqui, mas sei que você quer ir ajudar Elkens tanto quanto eu. Kanoles concordou decidido, então ficou em pé com a ajuda de Gau-ton. Lentamente os dois caminharam em direção ao portal ainda aber-to. Estamos chegando, amigos. Pensou Kanoles satisfeito em estar indo ajudar. Agüentem firme, por favor. Agüentem só mais um pouco…

Os Sacerdotes corriam atrás de Zander. Tudo se resumia naquilo, tudo o que sofreram, tudo pelo que enfrentaram, tudo pelo que se sacrifica-ram, tudo isso resultava nesse exato momento. Os Sacerdotes corriam atrás de Zander, que marchava em direção a muralha em posse do Cristal de quatro Faces. Elkens, Mifitrin e Meithel precisavam chegar até ele, precisavam impedi-lo de libertar Mon. Haviam feito tudo er-rado, enfrentaram muitos perigos e se sacrificaram diversas vezes, mas tudo aquilo foi em vão, pois enfrentaram tudo aquilo para libertarem o verdadeiro inimigo. Agora precisavam se redimir e é por isso que cor-riam o máximo que podiam atrás de Zander. Tudo se resumia nisso. Quando a distância entre eles e o Guardião foi diminuída significati-vamente, Meithel soube o que fazer. Fez um leve movimento com a

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mão que segurava a corrente de Magai, e ela voou em direção a Zander, prendendo-se em seu braço e impedindo-o de continuar an-dando. Zander virou-se imediatamente para trás, surpreso com o que via. Por um longo momento ele apenas observou os Sacerdotes e suas novas armas, então compreendeu como elas tinham ido parar ali e seu rosto se encheu de fúria. — SUA TENTATIVA É INÚTIL SHANARA – gritou ele como se pudesse ser ouvido além do portal trancado daquele templo. Shanara não poderia ouvi-lo no templo anterior, mas ainda assim ele gritava: – NÃO ADIANTA ENVIAR AS ARMAS BRANCAS PARA CÁ, ELAS NÃO PODEM ME DETER… Zander parou de gritar e olhou para Meithel, a quem ainda estava preso pela corrente de Magai. — Sabe que eu ainda sou o Guardião da Magia, não sabe? – ele per-guntou com os dentes cerrados, forçando um sorriso, embora sua ex-pressão ainda estivesse deformada de fúria. – Sabia que eu sou o úni-co protetor da Magia capaz de inutilizar uma arma branca sem esfor-ços? Sem esperar respostas de Meithel, que ainda segurava a ponta da cor-rente, levantou a mão livre e estalou os dedos. No mesmo instante a corrente, que ligava um ao outro, soltou-se do braço do Guardião e caiu no chão. Meithel moveu seu braço, como se a instigasse a atacar, mas ela continuou imóvel. Parecia morta. Zander desviou os olhos da divertida decepção de Meithel, então olhou para Mifitrin e Elkens. Mais uma vez ele voltou a estalar os dedos, então as duas armas restantes também foram inutilizadas. Os dois sentiram a magia abandonar as armas que seguravam; as garras e a marreta também pareciam mortas agora.

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O Guardião passou a rir da expressão de assombro que se apossou dos rostos dos Sacerdotes. Ele arrancou brutalmente a última esperan-ça que os Sacerdotes tinham de enfrentá-lo, e isso lhe era muito diver-tido. Mas ele logo parou de rir, pois sentiu algo que até então não ha-via percebido. Só agora reparou na presença da ligação mágica entre os dois templos, a ligação pela qual Shanara enviou as armas brancas até ali. Logicamente ele não podia vê-la, já que era invisível a olho nu, mas ela estava ali e ele podia senti-la, quase como se estivesse to-cando-a. A ligação mágica era feita pelo báculo de Shanara, uma das suas habilidades especiais dentre outras. Mas Zander sentiu a magia que mantinha a ligação se intensificar de repente, e foi por isso que deixou de rir. Shanara estava enviando mais ajuda… Houve um lampejo de luz no ar e mais três objetos foram materializa-dos diante dos Sacerdotes. Cada um deles tomou posse do objeto bran-co diante deles e se preparou para lutar. Desta vez Meithel estava usando a coroa dos espectros, a arma branca de Kam, seu grande ami-go. Mifitrin segurava o báculo branco de Shanara, enquanto Elkens empunhava, meio desajeitado, a grande e bela espada da lei, a arma branca de Kaiser. Mas antes mesmo que a esperança dos Sacerdotes se renovasse, Zan-der voltou a rir. Mais uma vez ele estalou os dedos e mais três armas brancas foram inutilizadas. Dessa vez Zander ria feito louco. A insa-nidade tão conhecida de Elkens e os outros, vista em outros protetores enquanto eram controlados, estava claramente estampada em Zander. Mas não era a mesma insanidade. Os outros protetores apresentavam essa insanidade por estarem sendo forçados a fazer coisas terríveis com as quais não concordavam, esse era o motivo de parecerem tão in-sanos quando seus princípios se chocavam com os de Zander, que os controlava. Em Kaiser, o Cavaleiro-Líder, essa insanidade foi imen-

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samente amplificada, pois ele foi o protetor mais usado por Zander, além de ter sido considerado inimigo por vários protetores ali dentro, inclusive alguns dos quatro Sábios, que também foram assassinados sem conhecerem a verdade. Esse era o motivo de Elkens enxergar em Kaiser alguém que já não tinha a menor vontade de continuar viven-do, pois era realmente isso o que o Cavaleiro-Líder estava sentindo enquanto era controlado. Mas em Zander, a insanidade era diferente. Mifitrin reconheceu ser a mesma insanidade vista em Mirundil, o Guardião do Tempo, quinze anos atrás. O desejo de Mon, de ver-se livre do Exílio, acaba tomando conta dos seus aliados, e esse é o motivo da insanidade enxergada em Zander agora. — Acho que agora não sobrou nenhuma arma branca para vir ajudá-los, não é? – ele ainda não havia deixado de rir. – As correntes de Magai, as garras de Zephir, a marreta de Algoz, a coroa de Kam, o báculo de Shanara e a espada de Kaiser estão inutilizados… – disse ele contando nos dedos. – Shiron fugiu com seu espelho, e tanto o ca-nhão de Bulque quanto o escudo de Káfka foram quebrados por vo-cês… Como vão se salvar agora? Os olhos de Zander adquiriram uma aparência assassina e foi Meithel quem percebeu que a luta havia terminado: — ELE VAI ATACAR! Zander sequer tocou seu colar e seu feitiço foi ativado. Começou como algo insignificante, um pequeno ponto flutuando no ar que não podia ser descrito. Mas este pequeno ponto insignificante passou a sugar tudo a sua volta; sugou o ar, a luz, inclusive o tempo foi distorcido em volta daquilo. O ar girava a sua volta num pequeno turbilhão. El-kens assistia aquela coisa crescer incapaz de dizer há quanto tempo estava ali; tudo estava acontecendo tão rápido, mas ao mesmo tempo

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parecia acontecer em câmera lenta. O turbilhão foi crescendo e su-gando mais coisa para dentro. Zander chegou inclusive a se afastar do próprio feitiço, já sabendo o que ele causaria. O turbilhão foi crescen-do e crescendo, arrancando o próprio chão e mandando-o para lugar nenhum. Cada vez que o turbilhão crescia, o sentido de rotação tam-bém era invertido; uma alternância quase hipnótica. E quando sentiu seu corpo sendo sugado para aquela coisa Elkens percebeu que já não era um turbilhão, era um gigantesco vórtex que engolia tudo a sua volta. Tudo estava sendo sugado por aquele feitiço assustador que crescia cada vez mais. Pedaços enormes de concreto passavam zunin-do em seus ouvidos e eles quase eram atingidos. Elkens assustou-se quando o próprio arco de pedra que representava o portal passou sobre sua cabeça e foi sugado pelo vórtex. O chão era arrancado ao redor de-les e tiveram que usar magia para prenderem-se ao chão e não serem sugados também. Mas de repente o vórtex parou de sugar as coisas e Elkens pensou que finalmente havia acabado. Não sabia ele que so-mente agora o ataque de Zander estava concretizado. — Mon está impaciente – disse Zander, então enunciou seu ataque: – BIG BANG! O grito do Guardião despertou o feitiço e fez as pernas de Elkens tre-merem. Aquela coisa assustadora veio em sua direção. O ataque foi um espetáculo como o Sacerdote jamais vira em sua vida. Era como se as estrelas estivessem explodindo junto com o ataque, ou mesmo sendo criadas… era impossível saber. Era magnífico e também seria belo se não estivesse prestes a destruir todas as esperanças que tinham. Quando o Big Bang os atingiu, não tiveram consciência de mais na-da… Assim o plano de Mon provou-se ser mais perfeito que o plano de Morton. Os Sacerdotes foram derrotados.

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Os minutos estão contados…

♦ O Palácio do Guardião estava lotado de protetores. Ali havia Sacer-dotes, Guerreiros, Feiticeiros, Mensageiros, Mestres, Sumo-Sacerdotes, Generais, Templários, Cavaleiros, Bruxos, Magos, Sábios e tantos outros protetores dos dois Elementos: Tempo e Alma. Todo o espaço entre cada uma das paredes estava preenchido por pessoas usando vestes anis e rubras, representando os dois Elementos ali pre-sentes. No centro, sentados ao redor da pequena muda de Antúnia, os protetores mais importantes ou influentes para aquela Convocação Elementar; entre eles, Sáturan, o Guardião da Alma. Estavam ali porque sabiam que mais nada poderia ser feito por eles agora. Sabiam que estava tudo nas mãos de Elkens, Mifitrin e Meithel, os três corajosos Sacerdotes que foram até os Domínios da Magia e enfrentaram os nove Cavaleiros da Magia. Ainda não sabiam se os Sacerdotes haviam vencido os Cavaleiros, não havia como sabe-rem a verdade sobre o Guardião da Magia, mas sabiam que ainda não haviam sido derrotados e isso era o mais importante. O futuro de cada um dos presentes ali estava para ser moldado através das conseqüên-cias do que acontecesse nos Domínios da Magia. Quer os Sacerdotes vencessem, quer perdessem, a vida de qualquer protetor seria alterada radicalmente. Apesar de terem esperanças, sabiam que os três estavam enfrentando o impossível. — Acabou! – disse Sáturan de repente, levantando-se assustado. Seu rosto demonstrava o pavor que estava sentindo. — Do que está falando? – perguntou Kalimuns também se assustan-do. – O que acabou?

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— Acabei de sentir – disse Sáturan tentando se recuperar do susto, embora fosse impossível. – Foi de repente, mas eu senti a magia de Elkens, Mifitrin e Meithel se apagando. Eles foram derrotados. O palácio encheu-se de vozes dos protetores presentes, todos muito apavorados. O desapontamento e o medo de cada um ecoou por cada canto do palácio. — MAS NÃO É O FIM! – disse Kalimuns alteando sua voz para que todos o ouvissem, então o palácio voltou a ficar em silêncio. Ka-limuns não conseguia acreditar que os Sacerdotes haviam sido derro-tados. Morton lhe disse que não seria assim, disse que aconteceria di-ferente. Morton não poderia ter cometido um erro tão absurdo como este. Desde o início Morton planejou tudo. Sempre soube o que iria acontecer nos Domínios da Magia, por isso planejou para que Elkens, Mifitrin e Meithel fossem para lá sem nem ao menos saberem o que iriam enfrentar. Morton disse que os Sacerdotes não seriam derrotados e Kalimuns precisava desesperadamente acreditar nisso. – Não é o fim! Está escrito nos pergaminhos ancestrais que devemos ter esperan-ça. Devemos acreditar naqueles três até o fim. E ainda não é o fim, não é…

Zander continuava andando a passos largos. Mal conseguia conter sua emoção. Estava há poucos metros da gigantesca muralha que se-parava os Domínios da Magia do Exílio. Atrás daquela divisa, Mon aguardava impaciente por sua liberdade. Agora não havia mais nada que pudesse intervir, nada impediria Zander de usar o poder do Cris-tal de quatro Faces para destruir aquela muralha e libertar Mon, o inimigo de toda Gardwen…

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Elkens tentou ficar em pé, mas não conseguiu. Depois de ser atingido pelo ataque de Zander, não restara nenhuma força em seu corpo. Em condições normais teria morrido, mas sua determinação em impedir Zander de prosseguir com seus planos chegava a ser quase sobrenatu-ral. Foi essa grande determinação que decidiu o meio termo entre a vi-da e a morte, salvando-o. Mas apesar deste grande feito, sabia que não faria a menor diferença. Não estava morto, mas agora era comple-tamente incapaz de mover um dedo sequer para tentar impedir seu inimigo de seguir em frente. Definitivamente Zander era o grande vencedor. Mifitrin e Meithel se encontravam nas mesmas condições. Tinham consciência de que continuavam vivos, assim como também sabiam que Mon estava prestes a ser libertado e que não podiam fazer nada para impedir. A idéia de pensar que todos os Cavaleiros estavam livres do feitiço de controle de Zander era ridícula, uma vez que estavam todos trancados do lado de fora e ninguém poderia vir para ajudar. Shanara tentou como pôde, mas nem as armas brancas que ela man-dou foram capazes de enfrentar o Guardião da Magia. Os Sacerdotes se superaram diversas vezes, mas o inimigo que tentaram derrotar não era qualquer um. A diferença de poder entre Sacerdotes e Guardiões era inimaginável; se, por algum momento, chegaram a acreditar que poderiam derrotar Zander, isso foi num momento de loucura, euforia, num momento em que não conseguiram ou não puderam pensar direi-to. Agora, estendidos no chão, derrotados, percebiam que tentaram fazer algo impossível, e foram devidamente punidos por essa ousadia impensada. Mas ao menos tentaram e, lá no fundo, sentiam uma ale-gria e um orgulho sem igual por terem chegado até onde chegaram. Podiam ter perdido a guerra, mas, mesmo sabendo que não tardariam

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a serem mortos, seus corações quase explodiam com a mistura de emoções que sentiam; um misto de decepção por terem feito tudo erra-do, mas uma alegria muito maior por terem tentado corrigir o erro. Fa-lharam, mas ainda assim estavam felizes. Mas, passado algum tempo, a felicidade que sentiam foi lentamente sendo substituída por uma grande angústia, um sentimento de insatis-fação irreparável. Não era justo terminar daquela maneira, não depois de terem passado por tanta coisa. Tantos obstáculos apareceram no caminho deles, mas mesmo assim conseguiram chegar tão longe, muito além do que qualquer um acreditaria que seriam capazes de ir. Passa-ram pelos kenrauers no vilarejo Rismã, a primeira batalha que enfren-taram juntos, depois enfrentaram Mudriack e tiveram de passar pelos demônios noturnos na floresta antes da montanha Monaltag. Depois de atravessar a montanha, e todos os perigos impostos nela por Mu-driack, ainda tiveram de passar pelo gigantesco demônio no lago Lus-hizar, o Ceifeiro, o qual Elkens agora tinha certeza de ter sido criado por Zander. Mas eles prosseguiram adiante e novamente enfrentaram os kenrauers na cidade de Buor, onde o destino os levou por caminhos diferentes. Longe de Mifitrin, Elkens e Meithel enfrentaram os peri-gos na Floresta de Pedra e no Templo do Sacrifício, isso sem mencio-nar a dura batalha contra o Guerreiro Calarrin e o Feiticeiro Ego. E quando pensaram que os problemas estavam perto do fim, encontra-ram os Domínios da Magia abandonados, sem nenhum protetor que viesse em seu socorro, pois, acreditavam eles, os Cavaleiros haviam tomado o controle sobre tudo e todos ali dentro. Até mesmo a besta ce-lestial da Magia os confundiu com inimigos, mas foi Laserin quem convenceu Rashuno de que só estavam ali para ajudar. Passaram por todos os Cavaleiros, derrotando-os um a um, tudo para conseguir che-gar até o Guardião e salvá-lo. Mas por um triste acaso do destino,

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aquele a quem se sacrificaram para salvar, era justamente o inimigo. Tudo estaria bem se não tivessem cometido este grande engano… Zander estava há poucos metros da muralha. Mal acreditava que fi-nalmente estava concluindo aquela missão, depois de anos de passos cuidadosamente planejados. Ele seria o responsável pela liberdade de Mon, depois de anos incontáveis vivendo no Exílio como a única alma de Gardwen a quem tiraram o direito de viver sobre ela. Zander seria eternamente recompensado por Mon. Receberia tudo o que lhe foi prometido. Seria o braço direito de Mon, seu maior aliado. Estaria à frente de grandes acontecimentos e faria parte da Revolução Elemen-tar, cujo objetivo ainda desconhecia. Mas era tudo parte de uma grande ilusão; Mon não tem aliados, tem escravos. Ninguém é seu braço direito, pois ele não confia em ninguém e não precisa de nin-guém ao seu lado. Mas Zander ainda é parte importante do jogo do destino, para ambos os lados. Quando ficou diante da Fronteira da Magia, Zander soltou uma gar-galhada e seu grito de vitória ecoou por todos os lados, penetrando nos ouvidos dos Sacerdotes e aumentando ainda mais sua angustia. Estavam presenciando o triunfo do inimigo, sua grande vitória, aqui-lo que Morton se sacrificou para impedir. — Oh Cristal de quatro Faces – eles ouviram Zander dizendo. O Guardião segurava o Cristal com as duas mãos, mas logo ele passou a brilhar e ficou flutuando no ar sozinho, sem ajuda de Zander. – A mais poderosa relíquia da Magia. Eu ordeno que use seu poder para libertar Mon. Destrua a muralha que o mantém no Exílio e liberte o imperador das sombras. Por um momento Elkens teve esperança. Sabia que o Cristal tinha vontade própria, por isso teve esperança de que ele recusaria seguir a

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ordem de Zander. Teve esperança de que, no fim das contas, Zander não conseguisse concretizar seus planos, mas logo percebeu o quanto estava errado. Apesar de tudo, Zander ainda era o Guardião da Ma-gia, o que significa que tem poder absoluto sobre qualquer relíquia da-quele Elemento, mesmo uma relíquia tão poderosa quanto o Cristal de quatro Faces. Elkens, Mifitrin e Meithel não podiam fazer nada além de observar a vitória de Zander. Não tinham forças nem para se levantar, quem di-rá para impedi-lo. Então começou. O Cristal de Quatro Faces passou a acumular magia. Mesmo sendo a relíquia mais poderosa de todos os Domínios da Ma-gia, ainda assim precisaria acumular muita magia para poder destruir a grande muralha que isolava Mon no Exílio. Essa era a essência do Cristal de quatro Faces, sua verdadeira habilidade que o transforma-va na relíquia mais poderosa; o Cristal é capaz de acumular uma ma-gia sem igual, sugando-a de qualquer fonte que seja. Dentro dos Do-mínios da Magia, o Cristal tem uma ampla quantidade de magia que pode ser absorvida de qualquer lugar, dando a ele um poder inimagi-nável. Zander, que estava muito próximo ao Cristal, sentiu dolorosa-mente sua magia sendo sugada do seu corpo, quase como se a sua pró-pria carne estivesse sendo absorvida pela relíquia. Em seu rosto havia uma terrível expressão de dor, mas ainda assim demonstrava a ambi-ção de libertar Mon. Estava apenas há alguns minutos de concretizar esse objetivo. Cinco segundos; foi o tempo que levou para o Cristal absorver comple-tamente a magia presente no corpo de Zander e em seu colar de Guar-dião. Nisso expandiu seu campo de absorção para além, abrangendo todos os Domínios da Magia.

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Os Sacerdotes foram os primeiros a sentir que a magia era sugada de seus corpos, mas logo cada protetor dentro dos Domínios passaram a sentir a mesma dolorosa sensação. Não era a mesma coisa que ceder a magia, a magia era roubada a força, por isso a dor. Em cada canto dos Domínios a magia era sugada. Primeiro no labi-rinto de Kaiser, depois se expandiu para o Cemitério de Dragões, para a Nascente Branca, o Templo do Sacrifício, o Covil, a Catedral Alva, o Jardim de Briluem, as cavernas de Algoz, o Templo dos Cavaleiros e de lá para todos os cantos, afetando a tudo e a todos. Todos os Domí-nios da Magia começaram a tremer, sofrendo as conseqüências do que estava acontecendo no templo do Guardião. Em frente ao Templo dos Cavaleiros, dezenas de protetores da Magia aguardavam apreensivos por novas instruções e informações. Depois de finalmente ter acordado após a batalha contra Elkens e Laserin, Káfka, o primeiro Cavaleiro, percebeu que foi enganado e tomou algumas decisões. Primeiro contou a verdade aos poucos protetores que estavam diante do seu templo, depois ordenou que todos os protetores aprisionados sob as ordens de Zander fossem libertados, e agora estavam todos ali, apenas aguar-dando. Com a traição de Zander, os quatro Sábios da Magia é que de-veriam assumir o poder, mas, como estão todos mortos, na ausência deles são os Cavaleiros quem passam a governar os Domínios da Ma-gia até que novas providencias sejam tomadas. E é por isso que estão todos esperando ali, pois agora seguem às or-dens dos nove Cavaleiros da Magia. Enquanto aguardavam, sentiram quando a magia de seus corpos e seus colares passou a ser roubada, mas desconheciam o verdadeiro significado daquilo. Todos eles logo es-tavam completamente sem magia, pois o Cristal de quatro Faces esta-va roubando toda a magia que pudesse para ter poder o suficiente pa-ra destruir a grande muralha. Tudo o que provinha do Elemento Ma-

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gia estava definhando e até mesmo fora dos Domínios da Magia era possível sentir as atrocidades que estavam ocorrendo lá dentro. No deserto Arkver, os homens de Yusguard ficaram com medo do que estavam sentindo. Não sabiam o que era, mas não havia como negar que algo realmente ruim estava prestes a acontecer. Temeram por Yus-guard que ainda estava lá dentro, e também pelos outros. Desejaram que eles saíssem dos Domínios imediatamente, mas isso não aconteceu. Então o Cristal parou de sugar magia e tudo ficou momentaneamente calmo. Mas, em questão de segundos, o efeito inverso começou. O Cristal passou a liberar toda a magia que acumulou. Quando isso aconteceu, Zander foi jogado para longe, caindo de costas no chão, continuando a ser empurrado para longe do Cristal por uma força in-visível. Era como uma forte rajada de vento que empurrava tudo e to-dos para longe. Até mesmo os três Sacerdotes, que ainda estavam caí-dos no chão e longe do Cristal, foram impulsionados para trás. Era como uma imensa e contínua explosão. Então o pior aconteceu e a muralha finalmente começou a tremer. Até mesmo a imensa muralha, considerada indestrutível por muitos, estava sendo afetada pelo poder descomunal do Cristal de quatro Faces. Zander esforçou-se para poder ficar em pé, então começou a caminhar lentamente em direção à muralha. Parecia que ele queria dar as boas vindas a Mon assim que ele se libertasse. Enquanto continuava an-dando em direção à muralha com muito esforço, Zander ria loucamen-te. A loucura havia tomado conta dele. Zander venceu a guerra e Mon logo estaria livre… Peço desculpas a todos que decepcionamos, pensou Elkens que já não tinha forças nem mesmo para falar. Tantas pessoas acreditaram em nós, e agora vamos morrer aos pés de Mon.

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Eu cumpri minha promessa, Kam, pensou Meithel descontente. Lá-grimas silenciosas escorriam por seu rosto machucado. Salvei o Guar-dião assim como você me pediu, mas estivemos errados. Queria tanto não ter chegado até aqui. Se fosse para morrer, queria ter sido morto por um dos Cavaleiros, assim não presenciaria a vitória de Zander… assim eu não seria responsável pelo que está acontecendo. Perdoe-me senhor Morton, era a mágoa de Mifitrin. O senhor se sacri-ficou há quinze anos para nos salvar e naquele dia eu prometi que vingaria sua morte. Perdoe-me senhor, mas eu não posso mais conti-nuar. Não tenho mais forças para cumprir a promessa… LEVANTEM-SE! Mais uma vez a voz que ouviam não chegava aos seus ouvidos; vinha direto para dentro de suas mentes. Havia mais alguém comunicando-se telepaticamente com eles, alguém conhecido. Desta vez não era Shanara, nem qualquer outro Cavaleiro, era Gauton. Vocês não podem desistir agora. Laserin, Karnar, Yusguard e Kano-les… estão todos aqui comigo. Assim que encontrarmos a saída deste maldito labirinto chegaremos aí para ajudá-los. Agüentem só mais um pouco… Apesar de toda a situação, apesar de saber que não teriam mais forças para se levantar, Elkens não conseguiu conter um leve sorriso. Gau-ton e os outros deviam, de alguma forma, ter sentido quando eles fo-ram finalmente derrotados por Zander, mas eles nem imaginavam que o portal estava trancado e que de nada adiantaria encontrar a saída do labirinto de Kaiser. Não poderiam vir ajudar e, mesmo que pudes-sem, já era tarde demais. Mas mesmo assim Elkens sentiu alegria ao ver que os amigos ainda tinham esperança. Ele, pelo contrário, já não tinha esperança alguma. Depois de tudo pelo que passou, sabia que aquele era o fim. Sabia que mais nada poderia ser feito…

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Mas então lembrou-se do rosto de Laserin. Viu em sua mente o sor-riso inocente da garota que ela era, nada mais que isso, mas a imagem foi substituída por uma outra Laserin que ele conheceu mais tarde; o sorriso já não existia nessa nova imagem, apenas a expressão determi-nada de Laserin que, apesar de garota e nada mais que isso, era muito corajosa. Lembrou-se do olhar de Gauton quando eles fizeram a tra-vessia para entrarem nos Domínios da Magia. Sob o controle de Zan-der, Gauton os levara para uma armadilha, mas assim que se libertou de Zander seu olhar expressou o mais sincero pedido de desculpas. Foi naquele momento que Elkens conheceu o verdadeiro Gauton, com apenas um olhar. A imagem de Gauton se apagou, sendo substituída pela de Yusguard, o senhor de dragões. Lembrou-se de Yusguard no momento em que Luftar foi assassinado; lembrou-se da dor tão pro-funda que ele foi capaz de sentir ao ver um ente querido morrer. Logo depois lembrou-se de Kanoles e seu jeito de durão, mas que mal conse-guia esconder o bom coração que tinha. Por último veio a lembrança de Karnar, ainda na cidade de Buor. Conheciam-se há tão pouco tem-po e ficaram muito pouco juntos, mas sentia um enorme respeito pelo caçador de demônios, a quem também devia sua vida e podia chamar de amigo. As lembranças trouxeram consigo uma terrível dor no coração, uma dor incomensurável que ele não conseguia descrever; uma dor por tudo acabar daquela maneira e ele saber que não podia fazer mais nada. Mas não podia tudo ter sido em vão, aquele não poderia ser o fim. Ele sabia que alguma coisa precisava ser feita e seu coração se incendiou com esse desejo. Não podia se entregar… E então aconteceu! Em seu desespero por encontrar um último fio de esperança, ela veio em seu encontro. A última esperança, a última chance que teriam. Era a quarta vez que Elkens sentia aquilo, mas

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novamente parecia ser uma sensação completamente nova. Era algo que enchia seu coração de esperança e lhe dava forças para continuar lutando. Uma energia verde envolveu todo o corpo de Elkens e isso lhe deu for-ças para se levantar. Ele não sabia disso ainda, nem havia como sa-ber, mas essa energia era sim uma nova forma de magia, ao contrário do que ele imaginava. Essa é a magia do Novo Elemento da Vida, que vem despertando aos poucos, ajudando aqueles em que cujos corações já despertou. Elkens também não sabe disso, tampouco Meithel e Mi-fitrin, mas o que estão fazendo não é simplesmente lutar contra Zan-der para impedir que Mon seja libertado, estão lutando para que o Novo Elemento da Vida nasça e é por isso que recebem esta ajuda tão especial. E Elkens foi o primeiro dos três Sacerdotes a se reerguer da ruína. Do chão, seus companheiros viam o que acontecia com ele e ficaram entu-siasmados. Meithel já havia experimentado aquela energia antes, quando lutava contra Shanara e depois contra Kam. Foi graças a ela que conseguiu derrotar o terceiro e quarto Cavaleiros da Magia e cor-rer em auxilio de Elkens. Mifitrin, por outro lado, jamais havia expe-rimentado aquilo, por isso se assustou ao ver Elkens se reerguer. Ao contrário do que qualquer um poderia imaginar, Mifitrin não ficou nem um pouco contente ao ver o Sacerdote da Alma se reerguer. Quando ele deu o primeiro passo em direção a Zander ela usou todas as suas forças para conseguir falar: — Espere Elkens. Elkens olhou para ela com compaixão. — Eu já volto, Mifitrin. Vou derrotar Zander e voltar para te aju-dar.

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— Não vá – ela pediu. Achou que aquilo nunca aconteceria, achou que sua visão estava errada no fim das contas, achou que Zander não assassinaria Elkens com a Espada da Lei. Mas Elkens estava ali, em pé diante dela, pronto para correr em direção ao seu destino. – Não podemos fazer mais nada, Elkens. Fique aqui… — Eu te disse que acreditava no impossível Mifitrin, e ainda acredi-to. Eu estou indo… E ele deu somente mais um passo em direção ao seu destino quando Mifitrin gritou: — EU MENTI! Elkens parou de correr e se virou para ela, confuso. — Mentiu sobre o quê? — Você me perguntou o que mais eu vi em minha visão. Me pergun-tou se você estava na minha visão e eu disse que não. Eu menti, El-kens… eu menti! Você estava lá. Eu te vi enfrentando Zander sozi-nho, enquanto eu e Meithel estávamos fora de batalha… exatamente como agora. Você estava lá e eu te vi… eu vi Zander te matando! Elkens ficou sem voz ao ouvir a revelação da amiga, não conseguiu dizer nada. Mas não foi pela revelação, não foi pelas palavras que ela disse, foi pelas lágrimas que agora escorriam pelo rosto da Sacerdotisa. Foi esta visão que deixou Elkens sem palavras. Mifitrin estava cho-rando, algo que ele jamais imaginou. Mifitrin estava finalmente cho-rando. A represa explodiu, a represa finalmente ruiu após quase quinze anos. A mágoa de Mifitrin se foi para sempre, libertando-a. Ela estava li-vre. As lágrimas jorravam de seus olhos; ela estava livre! A represa fi-nalmente ruiu! E foi por Elkens que Mifitrin chorou; depois de tantos motivos para chorar, depois de tanta dor e sofrimento, foi por Elkens que ela chorou…

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Ele desviou os olhos dela com certo esforço, virou-se para Zander e correu em sua direção. Não iria desistir, não importasse qual fosse o seu destino. — ELKENS! – Mifitrin gritou entre soluços. – ELKENS! EU NÃO POSSO… NÃO POSSO… eu não posso te perder – mas ele já não estava ouvindo. Já estava longe demais. – Eu não posso perder você, Elkens… eu não posso perder você porque… não posso te per-der porque eu… por que eu te amo!

♦ — ZANDER – Elkens gritou para o Guardião que assistia o cres-cente poder do Cristal de quatro Faces. – ZANDER! AINDA NÃO ME DERROTOU! O Guardião da Magia virou-se para aquele verme que corria em sua direção, aquele verme que não deveria se levantar nunca mais após ter recebido o Big Bang, aquele verme que inexplicavelmente ainda tinha forças para afrontá-lo, aquele verme que ele teria o maior prazer em matar. Quando Guardião e Sacerdote se encontraram, iniciaram imediata-mente uma luta corpo a corpo. Nenhum dos dois tinha magia em seu corpo; o Cristal consumiu toda a magia que encontrou ali dentro. Mas antes de ser Guardião Zander foi um General, o que tornava a luta completamente injusta. Elkens tentou lhe acertar de todo jeito, tentou lhe causar qualquer tipo de dor, tentou obrigá-lo a parar o Cristal, mas Zander o dominou. Acertou-lhe uma série de socos e chutes, mas que não foram suficientes para afastarem o verme. Elkens se atirou contra ele e os dois caíram no chão, rolando de um lado pelo outro en-quanto brigavam como dois humanos. Um rastro de sangue ia ficando

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pelo chão, sangue que escorria do rosto de Elkens. Mas ele não desis-tiu. Enquanto ainda rolavam pelo chão acabaram se aproximando demais do Cristal. Foram pegos por uma rajada de magia e atirados para longe. Quando caíram no chão, ambos gemendo de dor, o olhar dos dois se recaiu sobre um objeto branco no chão, esquecido ali como se fosse algo insignificante: a Espada da Lei! Então este é o meu destino?, Elkens pensou enquanto observava Zander se arrastar em direção à espada. O Guardião pegou a arma e a usou como apoio para ficar em pé. Caminhou até Elkens e levantou a espada de Kaiser acima de sua cabeça. Olhou uma última vez para o verme e sorriu antes de dar o ataque letal… Mifitrin observava a luta entre Elkens e Zander de longe, ainda no chão. Estava aos prantos, gritando por aquele a quem descobriu que amava, chorando por aquele que conseguiu fazê-la chorar novamente, chorando por aquele que disse “Eu acredito no impossível”, chorando por aquele que, ela sabia, estava prestes a ser assassinado. Mifitrin es-tava revivendo o pesadelo de quinze anos atrás. Iria perder alguém querido mais uma vez, assistiria a morte de um ente querido e nova-mente não seria capaz de fazer nada para impedir. E seus olhos pare-ciam duas cachoeiras. Mifitrin chorava tudo o que não chorou em quase quinze anos. Ela chorava e acreditava em Elkens, porque acre-ditar era a única coisa que podia fazer. Viu quando os dois rolaram para perto do Cristal e foram pegos por uma rajada de magia que saía da relíquia. Viu quando caíram no chão, longe de onde estavam, cada um de um lado da Espada da Lei. Sua visão estava se concretizando; o destino de Elkens estava para se realizar.

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Ela jamais soube de onde tirou forças para se levantar mais uma vez, mas quando deu por si estava correndo na direção de Elkens. Meithel a acompanhou com o olhar e viu o rastro de lágrimas que ela deixava por onde passava. Mas sabia que, mesmo sendo uma proteto-ra do Tempo, tempo era justamente o que Mifitrin não tinha. O olhar dos três Sacerdotes estava na lâmina que descia na direção de Elkens. Zander baixou a Espada da Lei com toda a força que tinha, sem qualquer remorso ou ressentimento. Matar o Sacerdote era tudo o que queria fazer neste momento. No momento em que Zander atacou, Mi-fitrin desviou os olhos e caiu de joelhos. E ali, ajoelhada no chão, sou-be que assim que olhasse para frente veria o coração de Elkens trans-passado pela lâmina branca. O destino se realizou, estava feito. Le-vou vários segundos para ter coragem de olhar para a cena e, assim que teve coragem de olhar, perdeu o fôlego… Zander ainda estava em pé. Elkens estava no chão. Entre eles havia um reluzente escudo branco: o escudo de Káfka.

— O escudo? – exclamou Zander perplexo, já sem a espada em mãos; ela foi atirada para longe quando chocou-se com o Escudo Miragem. – Mas como? Ele estava quebrado e… foi consertado! – então compre-endeu o que havia acontecido e sua expressão abobada foi substituída por uma raiva descomunal: – MALDITA SEJA VOCÊ, SHANARA! Então aconteceu algo que assustou a todos. Um enorme estrondo foi ouvido, um estrondo prolongado que se assemelhava a um trovão, po-rém muito mais perturbador. A estrutura da muralha estava abalada, a Fronteira da Magia estava comprometida pelo poder do Cristal que

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continuava investindo contra ela. Rajadas cada vez mais fortes de magia eram disparadas pela relíquia, comprometendo cada vez mais a gigantesca muralha que os circundava. Mais um estrondo foi ouvido e enormes trincaduras surgiram por toda a extensão da muralha. O tempo estava se esgotando. Os minutos estão contados… Mifitrin continuava de joelhos. Já não estava mais chorando, tam-pouco sorrindo. Ainda não havia conseguido expressar sua alegria por sua visão não ter se concretizado. Elkens estava vivo, estava vivo pe-lo simples fato de acreditarem que ele poderia sobreviver. Foi a espe-rança que salvou Elkens e agora essa esperança vinha ao encontro de Mifitrin. A muralha estava prestes a desabar, Mon estava prestes a escapar, mas agora Mifitrin tinha esperança. Podemos mudar o desti-no, ela pensou. Posso mudar minha visão. Elkens não morreu e talvez Mon não escape. Talvez eu possa mudar isso, talvez eu possa mudar porque eu também acredito no impossível. E esta nova esperança fi-nalmente desabrochou em Mifitrin. A esperança que Morton enxergou nela no dia em que a escolheu como protetora, a esperança que a fez ser o maior tesouro do Mago do Tempo, a esperança que ficou tanto tempo retida no coração de Mifitrin finalmente desabrochou. A ener-gia verde do Novo Elemento explodiu no coração de Mifitrin e a fez ficar em pé. Ela sorria, o sorriso mais sincero que já aflorara em seu rosto desde que se tornou uma protetora. — Vocês podem ter sobrevivido até aqui – disse Zander explodindo de alegria ao ver a muralha prestes a ruir. – Podem ter sobrevivido até aqui, mas não faz a menor diferença. Mon está chegando e irá matá-los com suas próprias mãos. Os Sacerdotes de Morton serão mortos pe-lo imperador das sombras…

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— Não se eu puder evitar – disse Mifitrin quando começou a correr na direção do Cristal. A relíquia continuava flutuando no ar, emanando uma quantidade surpreendente de magia para todo lado enquanto atacava a muralha. Este grande fluxo de magia impulsionava todos para longe do Cristal, de modo que cada passo na direção contrária era um sacrifício. Dando um passo após o outro Mifitrin se aproximava da relíquia lentamente. Mais um estrondo foi ouvido, agora mais forte que os anteriores. Enormes fendas surgiram, fendas que percorreram por toda a extensão da muralha, de cima a baixo. Mas Mifitrin tinha esperança, sabia que podia vencer, sabia que po-dia impedir que Mon escapasse; só precisava chegar até o Cristal e salvar a Fronteira da Magia. Tendo isto em mente, focada neste único objetivo, Mifitrin continuou dando um passo após o outro. De longe, Elkens e Meithel a assistiam. Mifitrin era a única que conseguia se-guir em frente, era a única que poderia salvá-los agora. Zander gritou e amaldiçoou Mifitrin ao entender o que ela estava pre-tendendo, mas não conseguiu dar mais nenhum passo em direção à Mifitrin para impedi-la. Esse é o desfecho dos dois planos perfeitos, o resultado da colisão de anos de preparação. Mifitrin só precisava dar alguns passos para conseguir se apossar do Cristal e salvar a muralha, mas nos resta apenas saber se terá tempo para fazer isso. Os dois pla-nos perfeitos estão prestes a ser concretizados, mas ambos estão por um fio. Só um dos lados pode ser vitorioso, e tudo está dependendo de Mifitrin e do quão rápida ela pode ser agora. Cada centímetro que avançava era terrivelmente doloroso, quase como se seu corpo fosse se partir pelo poder do Cristal. Cortes superficiais se abriram pelo corpo de Mifitrin, resultado de sua pele que se rompia sob tanta pressão. Usava toda a força que tinha para manter os bra-

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ços estendidos a frente, pois corriam o risco de serem atirados para trás, quebrando-se como se fossem feitos gravetos de madeira. Até mesmo as vestes da Sacerdotisa não estavam agüentando, mas ela não recuava. Tentava não levantar muito os pés do chão a cada passo que dava, pois tinha medo de perder o equilíbrio e ser lançada para trás. Se isso acontecesse seria o fim. Uma nova rajada a pegou despreveni-da, uma rajada afiada de magia que abriu-lhe mais um corte no rosto. Mas ela fingiu não sentir a dor, precisava ignorar tudo isso agora, fo-cando-se em seu único objetivo: seguir em frente e pegar o Cristal. E lá estava ele. Estava há um metro diante dela, mas ela mal conse-guia enxergá-lo. Sentia-se no meio de um grande tufão, mas o Cristal estava logo ali, no centro dele. Mais um passo e poderia tocá-lo com as mãos. Só mais um passo. Mais um pouco…, pensava ela desesperada, gastando todas as suas forças. Mais um pouco… Então conseguiu. Deu o último passo. Suas mãos estavam preparadas para segurar o Cristal, mas não encontrava mais forças para fechar as mãos em torno da relíquia. Estava tão perto agora, mas não conseguia tê-lo entre seus dedos. Seus dedos eram projetados para trás; estavam quase se quebrando. O quarto estrondo foi ouvido, mas desta vez trouxe consigo graves consequências. As fendas aumentaram de tamanho, deformando a formação perfeitamente lisa da muralha, e a escuridão passou a entrar por essas fendas. Uma terrível escuridão, gélida e agourenta. A mura-lha estava prestes a desabar…

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— PEGUE O CRISTAL MIFITRIN! Mas a voz de Elkens nem chegou aos ouvidos da Sacerdotisa. O caos no qual Mifitrin se encontrava era enlouquecedor, muito pior do que estar no meio de um furacão. Ali dentro ela estava sozinha e tinha que esquecer-se de seus amigos. A única coisa que tinha em mente ago-ra era deter o Cristal, por mais impossível que isso parecesse. Só… mais… um pouco… Mas ela não conseguia, não importa o quanto se esforçasse. Não con-seguia fechar as mãos sobre o Cristal. Mais um estrondo, mas desta vez ele não veio sozinho. Foi ouvido um estrondo atrás do outro con-forme novas fendas surgiam pela muralha. A terrível escuridão do Exílio continuava entrando por estas fendas, penetrando nos Domí-nios da Magia e envenenando o ar com medo e terror. Os Sacerdotes sentiram uma dor inigualável. Era uma dor sem igual, muito pior que a dor que sentiam com a presença de um kenrauer. Aquela dor só po-dia ser atribuída a uma coisa: Mon estava escapando! Os minutos se esgotaram… Mais estrondos, mais fendas, mais escuridão e mais dor. A escuridão dentro do templo do Guardião já era tanta que tomava conta de todos os cantos, formando um cerco a volta dos Sacerdotes. Rachaduras enormes surgiram pela muralha e finalmente ela começou a desabar. Enormes destroços passaram a se desprender da muralha, desabando por todos os lados. — MIFITRIN! – gritaram Elkens e Meithel juntos, e o grito dos dois ecoou por todos os lados, transpassando a escuridão do Exílio e o caos causado pelo poder do Cristal e a ruptura da muralha. Mifitrin ouviu o grito e gritou junto com eles, um grito que parecia ser capaz de rasgar sua garganta. Então ignorou a dor, encontrou forças onde já

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não restava nenhuma, e conseguiu! Assim que suas mãos se fecha-ram sobre o Cristal de quatro Faces ele parou de emitir energia. O Cristal, que flutuava sozinho no ar até um segundo atrás, agora re-pousava tranquilamente nas mãos machucadas de Mifitrin. — Consegui… Mifitrin mal conseguia falar, mas ainda assim precisava fazê-lo. Pre-cisava dizer para si mesma que ela conseguiu, que foi capaz de vencer, de superar os seus limites. Mas agora era tarde demais e já percebia is-so. O mal já havia sido feito e nada podia mudar isso. O estrago cau-sado pelo Cristal na muralha era irreversível e Mon já estava conse-guindo escapar. Mais um estrondo e enormes destroços se precipitaram sobre a Sacerdotisa. — CORRA MIFITRIN – gritou Elkens desesperado, fazendo sinal para que ela se movesse e fugisse de lá o quando antes. – SAIA DAÍ! Ela correu o mais rápido que suas pernas machucadas e cansadas su-portaram, mas foi bem em tempo de não ser atingida pelas toneladas de destroços. Em meio a poeira Mifitrin se juntou aos amigos e come-çaram a correr para o centro do templo, a fim de ficarem o mais longe possível da muralha que cercava todo o local. O centro do templo era o lugar mais seguro agora, embora ainda não fosse o bastante para ga-rantir a sobrevivência dos três. Zander estava de braços abertos, olhando para cima como alguém que aprecia a chuva refrescante que cai depois de semanas de seca e calor. Mas não era a chuva que ele estava aclamando, era a escuridão que continuava aumentando cada vez mais. Os Sacerdotes apenas obser-vavam sua insanidade. — De nada adiantou – disse Meithel decepcionado, não escondendo o grande medo que sentia. – Mon está escapando.

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Por quase um minuto eles apenas assistiram a muralha que continu-ava desabando, pedaço por pedaço, permitindo que ainda mais escuri-dão entrasse nos Domínios da Magia. Só depois de muito comemorar foi que os olhos de Zander recaíram, por acaso, sobre os Sacerdotes, e só então se lembrou de que eles ainda estavam ali. Apontou um dedo trêmulo para os Sacerdotes e gritou com todo o ar que havia em seus pulmões: — ELES SÃO INIMIGOS! MATE ELES. MATE ELES. A escuridão parecia entender o que Zander dizia. Toda a escuridão presente no templo reagiu às palavras do Guardião. Ela passou a girar e a elevar-se no ar, formando um grande furacão de trevas ao redor de-les, então avançou. Queria matar, estraçalhar. Queria fazer o que ha-via muito tempo não fazia. Queria se lembrar do gosto de sangue, o gosto da vingança por ter sido aprisionado por tanto tempo. Mas ago-ra estava livre e mataria cada um que se intitulasse protetor, come-çando por aqueles Sacerdotes. Enquanto a escuridão avançava, a dor dos Sacerdotes apenas aumentava. Aquela escuridão era Mon, e era ele que estava vindo para matá-los. Mas então aconteceu. Aconteceu de repente, e isso encheu de esperan-ça os Elementos da Vida, ao mesmo tempo em que a escuridão recuou. Apenas por instinto, sem ter pensado em nada, Meithel tomou o Cris-tal das mãos de Mifitrin e imediatamente ele passou a brilhar. Mas o Cristal não era a única relíquia que estava brilhando, pois havia mais duas relíquias presentes e ambas estavam brilhando assim como a relí-quia da Magia. Uma delas era a Ampulheta do Tempo na bolsa de Mifitrin e a outra era a Máscara Nai-Kanitalen na bolsa de Elkens. As relíquias estavam esquecidas ali há muito tempo.

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Mifitrin e Elkens tiraram cada uma das relíquias de suas respectivas bolsas de couro, segurando-as com as duas mãos assim como Meithel fazia, mas sem entender nada do que estava acontecendo. Juntas as três relíquias formaram um círculo de luz entre eles e passa-ram a brilhar cada vez mais, emanando um poder surpreendente. A Ampulheta, a Máscara e o Cristal estavam reagindo entre si, reagindo ao perigo que se aproximava, e então o feitiço mais poderoso dos Sa-cerdotes foi revelado: a Elemantísses… O plano perfeito de Mon se concretizou. Ele conseguiu fazer com que a muralha fosse destruída e agora estava livre para dar início a sua vingança contra os Elementos da Vida. Mas, com a Elemantísses, o plano perfeito de Morton também se concretizou, pois esse foi o seu objetivo deste o início, a razão por detrás de tudo o que aconteceu. Os dois planos, de Morton e de Mon, se provaram perfeitos. Mas Morton jamais quis impedir que Mon se libertasse. Esse nunca foi o seu objetivo ao traçar seu plano perfeito, pois ele tinha outra coisa muito mais importante em mente: a Elemantísses e, conseqüentemen-te, o nascimento do Novo Elemento da Vida. Morton jamais quis impedir Mon de escapar do Exílio, ao contrário do que o próprio Mon pensava. O único objetivo de Morton era que a Elemantísses acontecesse, e ela aconteceu. E isso, por si só, prova que o plano de Morton era muito mais perfeito que o plano de Mon…

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