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€SCAlJAS mUSICAS Eduardo A. Terrazzan FUNBEC Em artigos anteriores chegamos a caracterizar um som musical diferenciando-o de um rufdo, atraves da periodicidade ou nao da vibra((ao. Tambem discutimos as propriedades basicas de um som musical: dura((ao, altura, intensidade, timbre e ataque. Agora que compreendemos um pouco mais os sons musicais, devemos ter algumas dtJvidas na cabe((a. Uma delas, com certeza, diz respeito as pr6prias notas musicais, como surgiram, como saD determinadas. A maior parte das pessoas ja ensaiou alguma melodia seja num piano (mesmo de brinquedo), num violao ou mesmo numa flauta-doce. Por isso, nao seria estra- nho a.firmar que cada nota tem seu lugar certo para ser tocada. Porem, se isto for verdade, que conseqiiencias traz? Vinte e tres letras para as palavras, dez drgltos para os numeros, ... doze notas para as sons musicals! As civiliza<;:oes ocidentais modernas usam na comunica<;:ao escrita uma quantidade limitada de caracteres; alingua portuguesa, por exemplo, faz usa de 23 letras que compoem 0 seu alfabeto. Com elas escrevemos (e ate inventamos) todas as pala- vras que queremos. Para os numeros ocorre algo parecido. Hoje, adotamos 0 sistema de numera<;:ao decimal, isto e, com apenas dez digitos (algaris- mos) conseguimos representar qualquer quantida- de numerica que possamos imaginar. E com a musica? Tambem e semelhante. Atual- mente com uma escala de doze notas diferentes a musica ocidental realiza seus mais ambiciosos pro- jetos. E claro que ha limita<;:oes. Tanto na escrita como na musica os orientais parecem mais "refinados". E como se houvesse uma preocupa<;:ao em estabelecer diferen<;:as mais sutis. Na escrita ideogramatica dos chineses, por exemplo, uma pequena modifica<;:ao, num ideogra- ma, que para nos passaria total mente despercebi- da, altera substancialmente 0 seu significado. A educa<;:ao musical dos hindus, por outro lado, leva- os a perceberem sons intermediarios entre duas notas vizinhas da nossa escala musical. E importante observar que nas ultimas deca- das teve lugar uma busca crescente de novas for- mas de expressao, 0 que levou a uma troca maior entre as culturas ocidentais e orientais, afetando particularmente a musica e a escrita. Por outro lado, 0 advento dos computadores obrigou-nos ao uso de outros sistemas de numera<;:ao (binario, octal, hexadecimal) quecome<;:ama fazer parte das informa<;:oes utilizadas pelo cidadao moderno.

€SCAlJAS mUSICAS - cienciamao.usp.br · compreendemos um pouco mais os sons musicais, ... mento e 0 usa de escalas diferentes em culturas diferentes: ... Observar 0 teclado de um

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€SCAlJASmUSICAS

Eduardo A. TerrazzanFUNBEC

Em artigos anteriores chegamos a caracterizar um som musicaldiferenciando-o de um rufdo, atraves da periodicidade ou nao davibra((ao. Tambem discutimos as propriedades basicas de um sommusical: dura((ao, altura, intensidade, timbre e ataque. Agora quecompreendemos um pouco mais os sons musicais, devemos teralgumas dtJvidas na cabe((a.

Uma delas, com certeza, diz respeito as pr6prias notas musicais,como surgiram, como saD determinadas. A maior parte das pessoasja ensaiou alguma melodia seja num piano (mesmo de brinquedo),num violao ou mesmo numa flauta-doce. Por isso, nao seria estra-nho a.firmar que cada nota tem seu lugar certo para ser tocada.Porem, se isto for verdade, que conseqiiencias traz?

Vinte e tres letras para as palavras, dez drgltos para os numeros, ...doze notas para as sons musicals!

As civiliza<;:oes ocidentais modernas usam nacomunica<;:ao escrita uma quantidade limitada decaracteres; a lingua portuguesa, por exemplo, fazusa de 23 letras que compoem 0 seu alfabeto. Comelas escrevemos (e ate inventamos) todas as pala-vras que queremos. Para os numeros ocorre algoparecido. Hoje, adotamos 0 sistema de numera<;:aodecimal, isto e, com apenas dez digitos (algaris-mos) conseguimos representar qualquer quantida-de numerica que possamos imaginar.

E com a musica? Tambem e semelhante. Atual-mente com uma escala de doze notas diferentes amusica ocidental realiza seus mais ambiciosos pro-jetos. E claro que ha limita<;:oes.

Tanto na escrita como na musica os orientaisparecem mais "refinados". E como se houvesseuma preocupa<;:ao em estabelecer diferen<;:as mais

sutis. Na escrita ideogramatica dos chineses, porexemplo, uma pequena modifica<;:ao, num ideogra-ma, que para nos passaria total mente despercebi-da, altera substancialmente 0 seu significado. Aeduca<;:ao musical dos hindus, por outro lado, leva-os a perceberem sons intermediarios entre duasnotas vizinhas da nossa escala musical.

E importante observar que nas ultimas deca-das teve lugar uma busca crescente de novas for-mas de expressao, 0 que levou a uma troca maiorentre as culturas ocidentais e orientais, afetandoparticularmente a musica e a escrita. Por outrolado, 0 advento dos computadores obrigou-nos aouso de outros sistemas de numera<;:ao (binario,octal, hexadecimal) quecome<;:ama fazer parte dasinforma<;:oes utilizadas pelo cidadao moderno.

Com a voz e possivel partir de um som grave e aumentar continuamente a alturaate chegar a um som mais agudo. A voz humana e capaz de produzir um continuo defrequ€lncias dentro da sua extensao.

Mas, quando pensamos nos instrumentos, vemos que poucos oferecem essapossibilidade.

Um deles e 0 violino. Nele, pode-se variar 0comprimento de uma corda continuamente, per-correndo-a com 0 dedo por todo 0 bra90.

Ja no violao, pela exisUlncia dos trastes, so-mente e possivel selecionar comprimentos fixos decada corda.

o mesmo acontece com 0 piano, em cujo teclado ha uma quantidade fixa deteclas, 88 ao todo, cada uma responsavel por uma nota cuja frequencia ja esta pre-determinada.

A cada nota musical corresponde uma fre-qU€lncia previamente escolhida, segundo algunscriterios. Passaram-se varios seculos ate que hou-vesse acordo aceito internacionalmente sobre aquantidade de notas e os valores de frequenciaatribufdos a cada uma. No principio, as notas foramescolhidas exclusivamente baseadas na ideia deagradabilidade. Uma melodia formada por tais no-

tas deveria soar agradavel ao ouvinte. Esse concei-to extremamente sUbjetivo possibilitou 0 apareci-mento e 0 usa de escalas diferentes em culturasdiferentes: grega, chinesa, hindu, japonesa etc ... Ahistoria de como se chegou a escala musical usadahoje na musica ocidental e razoavelmente com ple-xa e falaremos apenas de alguns aspectos princi-pais.

Na antiguidade as notas musicals eram indi-cadas por letras do alfabeto e isto permanece nospalses de lingua Inglesa e alema (d6 = C, re = 0,mi = E, fa = F, sol =G, 181= A, si = B). No seculo XIo monge benedltlno Guido d' Arezzo crlou as ba-

Ut queant laxisRessonare fibrisMira gestorumFamuli tuorumSolve poiuttiLabii reatumSancte loannes

ses da nossa notae,ao musical atual ("bolinhas"sobre uma pauta de 5 Iinhas). Fol ele tambem queIntroduzlu os nomes das notas como usamos ho-je, retirando-os de um hlno latlno do seculo VIIIem homenagem a Sao Joao.

(Para que teus servidores sejam capazes de soltarsuas vozes e cantar os teus atos milagrosos, remo-ve a culpa de seus labios impuros, Sao Joao).

Na Italia 0 UT foi substituido pelo DO (iniciais de Dominus) como usamos hoje, embora na Fran9apermane9a a forma antiga.

Observar 0 teclado de um piano e muito utilpelo menos por dois fatores. Primeiro, ele e uminstrumento em cuja extensao (distfmcia entre anota mais alta e a mais baixa) cabem praticamentetodos 05 instrumentos mais utilizados, principal-mente numa orquestra, e tambem todas as vozeshumanas. Em segundo lugar, cada nota correspon-de a uma tecla somente, 0 que nao ocorre no violaoou no violino, por exemplo, onde a mesma notapode ser obtida em varias cordas, apenas comtimbres diferentes. 0 fato de cada nota correspon-der a uma unica tecla facilita a "visualiza9ao" da

escala de freqG€mcias de acordo com a posi9aorelativa das notas.

A disposi9ao das teclas no piano permite per-ceber a repeti9ao de um padrao de notas bran cas epretas. Tocando-se uma nota qualquer e procuran-do-se a nota de posi9ao equivalente num padraoacima ou abaixo, 0 som obtido sera" semelhante "ao primeiro. Apenas sera mais grave ou mais agu-do, 0 timbre sera um pouco diferente, mas as notasterao 0 mesmo nome.

Dentro de cada um desses padr6es existem 12teclas: 7 brancas e 5 pretas; dessa forma, as notas

>-- Harpa --<

'--------------- Acordeom ---------------~

~ Gultarrs --------~

Merlmbe/Xllolone

f--- Cempene. ---l

~------- Fleutlm-------

Clerlnete

~------- Obo' -------~

Trompe

Trombone

Voz berltono

Voz belxo

...., 00 ;; ~ .., ;:::.., .,. .,.- '" :x: ~! ~ ~!~ .,. :x: '" :x:~I .., .., .,. ...., ~.

J" __, ..,..

3' :e'F')"'T __ , ...r;

"'" ~~ -or, X

"'-.,.. r ..... -.X_"""';- •... ' •....,

o'l!."•CL.....J

~ '"~ -~ or,..c..c -...c-, '"'T ..,..

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0"'1"""'-:'c,...j ~\.l;"'" ,...,0"""";""'".....• ,..,.., .-,

,.....'r,-, ,...,..,.. ,....j'''', ,....or, \C

~,.....c __~::: ,...i~~;r": -.- -,...) -.

se repetem a cada grupo de 12. Essas sac as dozenotas com as quais fazemos a nossa musica.

Vamos centrar um pouco a nossa atenc;:ao nasteclas brancas. A figura 1 fornece 0 nome das notascorrespondentes as teclas brancas do teclado dopiano. As notas de mesmo nome se repetem a cada8 teclas brancas; costuma-se entao dizer que notasde mesmo nome estao separadas por urn intervalode uma oitava.

Ha varias formas de se indicar a localizac;:ao deuma nota no teclado do piano. Nos indicaremos aoitava a qual a nota pertence atraves de um indice,cuja numerac;:ao se inicia no e'Ktremo esquerdo doteclado (ver figura 1).

A distancia sonora entre duas notas (incluindo-as) eo que se chama intervalo. Entre um do e 0 doseguinte ha um intervalo de uma oitava. Entre duasnotas diferentes dentro de uma oitava ha outrosintervalos, cujos nomes dependem da quantidadede notas que cada um abarca. A figura 2 mostra osintervalos existentes entre uma nota do e as se-guintes dentro de uma oitava, usando somente asteclas brancas. Esses intervalos se modificam seincluirmos as teclas pretas.

Mas, por que as notas que formam um interva-10 de uma oitava tem sons semelhantes e recebemo mesmo nome? a que significa essa semelhanc;:a?

A res posta encontra-se no fato de cada notaestar associada a um som que e normal mente com-posta de uma frequencia fundamental - tom fun-damental - e de seus harmonicas - tons parciais.Quando falamos da frequencia de uma nota esta-mos, na verdade, nos referindo a frequencia do tomfundamental.

as tons parciais dao um "colorido" ao tomfundamental, 0 que depende de quantos estao pre-sentes e da intensidade relativa entre eles·. Estesfatores, por sua vez, sac determinados pelas carac-terfsticas proprias do instrumento e da maneiracomo ele e tocado.

As frequencias dos tons parciais sao, em geral,mUltiplos inteiros da frequencia do tom funda-mental.

Por isso, quando tocamos uma nota, junta-mente com a frequencia que a define estao presen-tes tons parciais harmonicos que correspondem asfrequencias fundamentais de outras notas maisagudas. Por exemplo, tocando 0 d04 no piano

• Para uma discussiio mais deta/hada, ver REG n° 18, p.14.

ouvimos, "soando juntas", as notas indicadas naserie abaixo;12345678

d04 d05 5015 d06 mi6 5016. do?A serie continua alem do 8° harmonico, mas

normal mente os tons parciais mais agudos contri-buem pouco no som resultan.te.

E facil verificar que nesta serie varios tonsparciais coincidem com as oitavas sucessivas danota do fundamental. Isto tambem acontece paraqualquer nota em qualquer oitava. E por isso queas oitavas produzem sons semelhantes e recebemo mesmo nome.

Ate aqui nossos exemplos tomavam por baseapenas as teclas brancas. Mas, e as teclas pretas?No teclado e posslvel perceber que nem sempre hauma tecla preta entre duas brancas. A razao destadisposi9ao particular, assim como a propria neces-sidade das teclas pretas, sera compreendida maisadiante.

Consonancia e DissonanciaDois sons podem ser tocados consecutivamen-

te ou simultaneamente. Na antiguidade, a musicadispunha os sons basicamente de forma sequen-cial, um apos 0 outro, formando uma molodia.Somente a partir do seculo XVII a musica comec;:a ase organizar com base em notas tocadas ao memsotempo, simultaneas; surgem os acordes, a har-monia.

Esta evoluc;:ao de linhas melodicas para linhasharmonicas esta ligada a evoluc;:ao do conceito deconsonancia. Dois sons sac cOl'"'sonantes se soamagradaveis ao ouvido, tocados juntos ou em se-quencia. Quanto mais agradavelmente soarem,maior sera 0 grau de consonancia ou menor sera 0grau de dissonancia.

as registros mais antigos sobre quais sons sacconsonantes podem ser encontrados no seculo VIA.C., na Grecia. Pitagoras, um filosofo grego queviveu nessa epoca, na cidade de Sam os, parece terassentado as bases ffsicas da consonancia. Naverdade, ele nao explicava 0 porque de alguns sonsserem consonantes e outros nao, mas sim afirmavaque sons consonantes eram aqueles que obede-ciam a algumas regras.

Pitagoras e seus seguidores acreditavam queos numeros eram a essencia de todas as coisas. Apartir dessa ideia, tornava-se natural tentar estabe-lecer relac;:6es numericas para explicar os fenome-nos da natureza.

Para ele os sons melodicos agradaveis aosouvidos eram obtidos quando se percutiam com-primentos diferentes de uma mesma corda, cu-jos valores formavam raz6es simples expressaspor numeros inteiros e pequenos.

• 0 setimo harmonico dessa serie tem uma freqiHmciaque nao coincide exatamente com nenhuma nota dotee/ado. Este harmonico tem uma frequencia (1831,4 Hz)pr6xima ao si~ (1864,7 Hz).

Esses eram basicamente os intervalos aceitoscomo consonantes e, portanto, utilizados na musi-ca antiga; porem os gregos chegavam a usar melo-dicamente intervalos de terc;:a. Com 0 tempo, ou- ~tros intervalos foram sendo aceitos como conso-nantes, dependendo cada vez mais unicamente demotivac;:oes esteticas. No seculo XVI admitiu-se a ------- _consoni'mcia do intervalo de sexta, revolucionando d04 mi4 fQ4 5014 10'4 do~ mi5 fO'5 5015 10'5a musica da epoca, ao mesmo tempo que ela se- 1 5/4 4/3 3/2 5/3 2 5/2 8/3 3 10/3guia linhas mais harmonicas do que melodicas.

E interessante notar que um mesmo intervalosempre teve aceita a sua consonancia melodicaantes da aceitac;:ao da sua consonancia harmonica.Hoje praticamente todos os intervalos sac aceitoscomo consonantes.

Na figura 5 estao representados os intervalosformados a partir de uma nota do utilizando asteclas brancas dentro de uma oitava do teclado dopiano. Estao assinaladas as razoes entre as fre-quencias, sempre em relac;:ao ao do mais grave.

A figura abaixo representa os comprimentosde uma mesma corda que produzem sons conso-nantes de acordo com os gregos antigos. as sonsassim obtidos formam intervalos que hoje chama-mos de oitava, quinta, quarta e unfssono.

f~ T

I 11t··1 1

.. rl2:1 3:2 4:3 1 :1oitava quinta quarta unissono

Fig 3

as antigos gregos nao sabiam, mas hoje eextremamente fckil mostrar matematicamente a re-layao entre 0 comprimento de uma corda e a suafrequencia de vibrayao. a resultado e que varia-c;:oes no comprimento produzem variac;:oes inver-sas na frequencia, para uma mesma corda mantidasob a mesma tensao.

comprimentofreqOencia

23Q3/2 f

1 222/1 f

Tradicionalmente, os intervalos de oitava (2/1)quinta (3/2) e quarta (4/3) sac considerados conso-nancias perfeitas, os de terya (5/4), sexta (5/3) for-mam consonancias imperfeitas e os de segunda(9/8) e setima (15/8) fazem parte das dissonancias.E importante notar que, a excec;:ao do de segunda edo de setima, esses intervalos sac caracterizadospor razoes simples de numeros inteiros e pe-quenos.

Para compreender melhor a questao da disso-nancia, Helmholtz " em meados do seculo XIX,realizou um serie de experiencias sobre as sensa-yoes que temos ao ouvirmos os sons musicais.

Ele pedia a varias pessoas para que avaliassemo grau de dissonancia (numa escala previamentedefinida) entre uma nota mantida fixa e outra cujaaltura variava continuamente. Isto pode ser feitocom dois violinos, por exemplo. Modernamente,usam-se aparelhos eletronicos para experimentossemelhantes.

as resultados encontrados por Helmholtz es-tao apresentados na figura 6. Eo mais interessantee que eles correspondem a formulac;:ao pitagoricabaseada na convicc;:ao das razoes simples de nu-meros pequenos e inteiros.

Fig 6A altura da curva indica 0 grau de dissonancia dos

intervafos entre cada nota assinalada e 0 primeiro do,tomando como referencia (d04)' as intervalos estao indi-cados pelas raz6es das freqtJencias, sempre em rela9aoao d04·

• Hermann L. F. Von Helmholtz (1828-1894), ffsico, mate-matico e fisiologista alemao, rea/izou pesquisas profun-das sobre a sensa9ao do som, estabelecendo uma teoriade harmonia relacionando fisiologia e estetica musical.

Helmholtz nao se limitou a confirmar as afirma-c;;oes pitagoricas, mas procurou explicar a razaoffsica da dissonancia. Para isso ele desenvolveu ateoria que atribuia a dissonancia ao fato de existi-rem batimentos entre dois tons.

Nao ha ainda uma explicac;;ao completa para adissonancia entre notas tocadas simultaneamente.No entanto, admite-se a hipotese de Helmholtzsobre os batimentos. Estes podem ocorrer entre osdo is tons fundamentais de duas notas diferentesou ainda entre os proprios tons parciais harmoni-cos numa mesma nota.

E possivel mostrar matematicamente que a fre-quencia do batimento e dada pela diferenc;;a entreas frequencias dos dois tons superpostos. Porexemplo, entre 0 do central do piano, 262 Hz, e 0 reimediatamente seguinte, 294 Hz, ocorrem batimen-tos de frequencia igual a 32 Hz (294 - 262= 32), ouseja, 32 flutuac;;oes na intensidade a cada segundo.

Quando a frequencia do batimento e inferior a10 flutuac;;oes por segundo, nosso ouvido percebe-o com nitidez. Isto e usado em certos instrumentoscomo os orgaos de tubos para dar ao som produzi-do um aspecto vibrante, tambem chamado "vozcelestial". Cada tecla to cad a aciona dois ou maistubos afinados com pequenas diferenc;;as de fre-quencias e assim 0 som da nota emitida aparecefloreada por batimentos. Por outro lado, os bati-mentos podem ser um problema na afinac;;ao de umpiano, on de ha teclas que percutem duas ou trescordas iguais simultaneamente para produzir 0som de uma nota. Neste caso, as cordas devemestar afinadas exatamente na mesma frequencia, afim de nao produzirem batimentos.

Entre 10 e 50 batimentos por segundo apare-cem mais claramente as dissonancias. Em geral,ocorrem dissonancias bem mais sensfveis nos in-tervalos obtidos entre notas situadas no meio deum teclado de piano. Nesses casos os batimentosficam em torno de 30 oscilac;;oes por segundo.

E importante notar que intervalos considera-dos dissonantes numa oitava nao soam tao disso-nantes assim numa outra oitava onde a diferenc;;aentre as frequencias fundamentais seja bem pe-quena. Como exemplo, vamos pensar no intervaloentre 0 si4 (494 Hz) e 0 doS (523 Hz); quando estasnotas sao tocadas juntas produzem um batimentode 29 flutuac;;oes por segundo (494 - 523 =29), 0que soa bastante dissonante. 0 mesmo intervalo,so que quatro oitavas abaixo, e sensivelmente me-nos dissonante; tocando-se 0 si0(31 Hz) e 0 d01 (33Hz) juntos ocorrem apenas 2 batimentos a cadasegundo (33 - 31=2).

Este fenomeno ocorre porque a diferenc;;a en-tre as frequencias de duas notas consecutivas naoe constante, mas vai aumentando conforme sepercorre 0 teclado do piano das notas graves paraas agudas (ver figura 1 ). Isto e melhor compreendi-do se observamos como e constituida nossa escalamusical.

BatimentoCada ~om corresponde a uma onda sonora

bem definida. A superposic;io de dols tons deorigem a uma nova onda. Se os dols tons 810pr6ximos (frequencias pr6ximas), ouve-se umaflutuac;io peri6dica.(ondulac;io) na sonorldade dosom resultante. A esse fenomeno chama-se bat/·mento

o som que se ouve e alternadamente forte efraco. A frequencia de batimento e dada pelonumero de vezes por segundo que a intensldadeatinge os maximos (fortes) ou os mlnimos(fracos).

Acima: Superposir;ao de dois sons com intensidadesiguais e freqiJencias ligeiramente diferentes.

Abaixo: resultado dessa superposir;ao; em certos ins-tantes h8. reforr:;o - som forte - e noutros h8. anular:;ao- som fraco.

ESCALAS MUSICAlSAs escalas musicais sao sequencias de notas

convenientemente arranjadas dentro de uma oita-va. De outra forma, podemos dizer que parte-se daoitava e divide-se a mesma em intervalos menorespara fins musicais. Portanto, 0 que caracteriza umaescala musical e a sequencia de intervalos conti-dos na oitava.

Nao vamos aqui percorrer toda a historia dasdiversas escalas musicais, apenas apresentaremosduas que sao particularmente importantes para amusica ocidental: a natural e a temperada.

A escala natural, tambem chamada diatonica,justa ou verdadeira, floresceu nos primeiros secu-los da era crista, baseada na consonancia obtidaentre sons cujas frequencias formam razoes sim-ples expressas por numeros inteiros e pequenos.Ela consiste na divisao do maior intervalo conso-nante que e a oitava (2:1), em sete intervalos meno-res, intercalando-se notas que obedec;;am aos ou-tros intervalos tidos como consonantes.

Para exemplificar, vamos partir do do central(do 4) e percorrer uma oitava ate 0 do seguinte(doS)·

A figura abaixo apresenta as frequfmcias dasnotas dentro dessa oitava, de acordo com a escalanatural. Pode-se verificar que estas frequenciasformam as raz6es simples que definem os interva-los citados anteriormente.

Fig.7do,. (J.'4 J:)~rc'4 1Ii14 sol4 1.14 ".

Freqiiincia (em Hz) 264 297 330 352 396 440 495 528Intervalos (em 2- ~ 5 4 3 5 15 2relac;iio ao 064) 1 8 4 3 2 3 8 1

Neste ponto e importante lembrar que 0 "tama-nho" de um intervalo e determinado nao pela dife-renc;:aentre as frequencias das notas que 0 limitam,mas pela razao entre essas frequencias.

. Por exemplo, entre 0 d04 e 0 mi4 a diferenc;:adas frequencias (330 - 264 = 64 Hz) e menor do quedo sol4 para. 0 si4 (495 - 396 = 99 Hz); no entanto,ambos os intervalos sac iguais pois

495 330 5396 = 264 =""4

Se a comparac;:ao entre intervalos e feita atra-ves das raz6es de frequencias, entao para se "so-mar" intervalos deve-se "multiplicar" essas raz6ese para se "subtrair". intervalos deve-se "dividir"essas raz6es.

Partindo-se dos intervalos assinalados na figu-ra acima, tomados em relac;:ao a nota fundamental,pode-se encontrar os intervalos entre duas notassucessivas na escala natural. Por exemplo, entre 0

sol 4 e 0 la 4 temos:5

3" 5 2 10T=Tx3"=g2""

o mesmo pode ser feito para toda a escala.A escala natural tambem e chamada diatonica

pois ela e formada basicamente por dois tipos deintervalos entre notas sucessivas: tom e semitom.Na verdade, aparecem tres raz6es diferentes decada frequencia para a imediatamente anteriorcomo se pode verificar na tabela abaixo:

o valor absoluto da frequencia de cada notanuma certa escala it arbitrsrio e deve ser decidi-do com base numa conven~io. Definida a fre-quencia para uma nota do teclado, todas as ou-tras estario definidas pelas razoes entre as no-tas dentro da oitava. Basta estender as oitavaspara cima e para baixo da oitava padrio.

o padrio para as frequencias das not~s musi-cais variou bastante nos ultimos seculos e so-mente em 1939, numa Conferencia Internacionalrealizada em Londres,chegou-se a um valor acei-to internacionalmente. Fixou-se 0 Is 4 (18 central)como padrio e atribulu-se a essa nota a frequen-cia de 440 Hz.

De acordo com esse pad rio, as notas da oitavacentral do teclado do piano assumem as seguin-tes frequencias (em Hz) quando se usa a escalanatural:

t~ r pad:oa

0u 0 a

064 Re4 Mi4 Fa4 8014 La4 8i4 065264 297 330 352 396 440 495 528 (Hz)

Para se chegar a estes valores basta obedeceros intervalos da escala natural, determinando-seprimeiro a frequencia do do 4.Como ha um inter-valo de 5:3 entre 0 d04 eo la 4, obtemos 264 Hzpara 0 do 4; vejamos:

la 4::~ ou 440::~ au d6 4:: 440 x 1.. au d6 4:: 264Hzd64 3 d64 3 5

Vamos caleular agora a frequeneia do fa 4.Entre 0 do 4 e 0 fa 4 ha um intervalo de 4:3 assim:

fa 4 _...! au fa 4 -~ au fa ::264 x..! au fa =352 Hzd6 4- 3 264 - 3 3

Da mesma forma se obtem as frequenciasdas outras notas, dentro de qualquer oitava. Emoutros tipos de eseala parte-se do mesmo la pa-drio e seguem-se as regras de forma~io propriasde eada uma.

A razao 16/15 e a menor das tres (16/151,067) e portanto indica um intervalo entre sonsmenor do que as outras duas. Esse intervalo echamado de semitom ou meio-tom. As raz6es 10/9e 9/8 indicam os intervalos de um tom inteiro: tommaior (9/8 = 1,125) e tom menor (10/9 = 1,111).

As raz6es 9/8 e 10/9 sac muito proximas e 0intervalo entre 0 tom maior e 0 tom menor e dadopor:

9/8 = 9 x 9 =..!!.!..= 1,013: 110/9 8 10 80

Este intervalo (81/80) chama-se "coma" e eaproximadamente igual a unidade; por isso, pou-cas pessoas - somente as mais treinadas musical-mente - conseguem distingui-Io do un[ssono. Napratica, usa-se indistintamente como tom tanto 0intervalo de 9/8 como 0 de 10/9.

Ate agora, falamos somente das teclas bran casdo piano. E as teclas pretas, como surgiram? aprocesso de intercalar notas acidentais, que cor-respondem as teclas pretas do piano, entre asnotas naturais (da escala natural - teclas brancas)foi bastante confuso e durou alguns seculos. Asmelodias anteriores ao seculo XII eram muito mo-notonas. Para superar essa restriyao havia necessi-dade de se fazer certas transposiyoes de um tompara 0 outro. Aqui surgiam problemas.

Vamos compreender m~lhor 0 que significatranspor uma composiyao. E muito comum uma.pessoa que canta acompanhada por um violaopedir ao violonista para aumentar ou abaixar 0 to~da musica. Isto acontece porque as notas malsaltas (ou as mais baixas) de uma composiyao asvezes nao sac atingidas pelo cantor.

Uma melodia se define pela sequencia de inter-valos que sac praticados. E possivel comeyar amelodia por outra nota e manter a mesma ~equen-cia de intervalos sem, no entanto, chegar as notasnao atingidas pela voz do cantor. Isso a fazer trans-posiyao.

A necessidade de transposiyoes nao se resumea esses casos. Uma composiyao original mentecriada para um instrumento as vezes necessita detransposiyao para poder ser tocada noutro instru-mento de uma forma mais simples. Alam dissocertas tonalidades sac mais "alegres", mais "vi-vas" do que outras e entao usa-se a transposiyaopara alterar a interpretayao de uma musica.

Vamos relembrar a sequencia de tons e semi-tons apresentada pela escala natural iniciando pelanota do. Esta a a escala de do maior onde 0 primei-ro do a chamada fundamental ou tonica.

Assim temos:

06 RE MI FA SOLtom tom semitom tom tom

LA 51 06tom semitom

Escolhendo-se 0 sol da escala de do maiorcomo nova tonica teremos:

SOL LA 51 06 RE MI FA SOLtom tom semitom tom tom semitom tom

A nova escala baseada na tonica sol nao repro-duz a melodia da escala natural em do. Para queisso aconteya a sequencia de intervalos - tons esemitons - deve ser a mesma. A soluyao a elevar(sustenizar) a satima nota, 0 fa. A nova nota achamada fa sustenido (fa# ) em contraposiyao aofa natural. Surge a escala de sol maior com 0 solcomo tonica e agora entre 0 mi e 0 fa# ha um tominteiro e entre 0 fa# eo sol ha apenas meio tom:SOL LA 51 DO RE MI FA SOL

tom tom semitom tom tom tom semitomProcedendo a outras transformayoes pode-se

verificar a necessidade de se intercalar novas notas"acidentais" entre as naturais que formam um in-tervalo de um tom inteiro. Isto corresponde a adi-cionar novas teclas no teclado: sac as teclas pretasque observamos no tec/ado do piano.

Ha outras maneiras de se transportar de umaescala para outra. Uma delas a tomando-se comotonica 0 fa da escala natural. Fazendo isso te-riamos:FA SOL LA 51 06 RE MI FA

tom tom tom semitom tom tom semitomPara que esta nova escala tenha uma sequen-

c.ia diatonica igual a da escala natural deve-seabaixar (bemolizar) a quarta nota, 0 si. a si naturalsera entao substituido por uma nova nota chamadasi bemol (sib). Essa e a escala de fa maior cujatonica a 0 fa; aqui ha um intervalo ge um semitomentre 0 la eo sib e um tom inteiro entre 0 sib e 0 do:FA SOL LA Sib 06 RE MI FA

tom tom semitom tom tom tom semitom. as termos abaixar ou elevar uma nota aqui

utilizados significam abaixar ou elevar a frequenciadessa nota criando-se, assim, novas notas cujosnomes sac os mesmos da nota original acrescidosde um sustenido (#) ou de um bemol (b) dependen-do da alterayaO sofrida.

A princfpio uma nota da escala natural susteni-zada deveria coincidir com a sua consecutiva be-molizada. Por exemplo: la#=sib, re#= mib. fa*=solbe assim por diante. E estas 110tas acidentais deve-riam dividir cad a intervalo de um tom entre duasnotas naturais em dois semitons identicos.

Infelizmente isto nao acontece, e entao a oita-va, a rigor, teria que comportar 7 notas naturais, 7notas sustenizadas e 7 notas bemolizadas. Este nu-mere se mostrou eX'Cessivo e pouco pratico parausa em musica, principalmente para os instrumen-tos de frequencias fixas como 0 piano.

E necessario que se fa9am acomoda90es. Va-rios tipos de acomodayoes foram testados. A quehoje e ace ita universal mente resultou na chamadaescala temperada.*

Trata-se aqui de substituir as notas susteniza-das e bemolizadas que sao aproximadamenteiguais por uma unica nota entre duas naturais.Devemos ter nu ma oitava 13 notas e 12 intervalostodos exatamente iguais - iguais temperamentos- e cada um valendo um semitom.

Is SSS 55 SSSSS sl

• A escala temperada foi criada em 1691 por um organis-ta chamado Werckmeister. Para 0 sucesso dessa escalafoi fundamental a contribuir;;ao de Johann SebastianBach (1685-1794) que escreveu especialmente para a suadifusao uma serie de 24 Preludios e 24 Fugas, uma emcada tonalidade, reunidas num volume conhecido como"0 Cravo Bem Temperado ".

"Somando-se" os intervalos (ou multiplican-do-se as razees de frequ€mcias) de do a do deve-seobter 0 intervalo de uma oitava (2/1) e entao: s x s xsxsxsxsxsxsxsxsxsxs=2s'2=2 OU S='2 2 OU s = 1,059 *

Este e 0 valor do semitom na escala tempera-da. Assim, cada nota tem uma frequencia que e1,059 vezes a da nota imediatamente anterior.

Construindo a escala temperada usando estesintervalos de 1 semitom (1,059/1), podemos facil-

mente verificar a nao coincidencia com a escalanatural.

Somente a oitava tem a mesma razao nas duasescalas (2/1) e portanto e 0 unico intervalo a produ-zir consonancia maxima na escala temperada. Po-rem, todos os outros intervalos na escala tempera-da estao proximos dos correspondentes na escalaverdadeira, 0 suficiente para que 0 efeito de disso-nancia seja pouco perceptivel.

A tabela abaixo fornece um quadro comparati-vo entre os intervalos nas duas escalas.

Camparar;iio entre os intervalos na escala temperada e na escalanatural, com as raz6es que os definem.

Nota Intervalo Escala temperada Escala Naturaldo unissoro 1.00 1.000do -#

1.05916

= 1.066-re ~ 2' menor 15

re 2' maior 1.0592 = 1.1229 = 1.1258

re # 2' aumentada 1.0593 = 1.1896

mi b 3' menor - = 1.2005

mi 3' maior 1.0594 = 1.26054

= 1.250

fa 1.0595 = 1.3354

4' justa 3" = 1.333

fa 11 4' aumentada/1.0596 = 1.414

45sol b 5' diminuta 32 = 1.406

sol 1.0597 = 1.490 35' justa - = 1 5002 .

soil 5' aumentada 1.0598 = 1.5878

la ~ 6' menor 5' = 1.600

la 6' maior 1.0699 = 1.682 53" = 1.667

la # 6' aumentada 1.059'0 = 1.782 255 = 1 758si ~ 7' menor 128 .

si 7' maior 1.05911 = 1.888 1~ = 1.8758

do oitava 1.05912 = 2.0002- = 2.0001

A figura 1, na pagina 56, apresenta as frequen-cias das notas do teclado do piano de acordo coma escala temperada e adotando 0 padrao interna-cional de 440 Hz para 0 la4.

A escala temperada foi fundamental para a

• Hoje em dia a extra980 dessa raiz e feita faeilmente eomo uso de uma ealeuladora de bolso: na epoea, s6 foipossivel efetuar este ealeulo eom 0 auxilio de uma ferra-menta matematiea ehamada logaritmos. E interessanteobservar que Baeh naseeu eerea de setenta anos depoisda publiea980 da primeira tabua de logaritmos pelomatemtitieo ingles John Napier.

evoluc;:ao da musica a partir do seculo XVII. Para osinstrumentos de notas fixas como 0 piano foi cru-cial 0 aparecimento desta escala e, a partir daf, emtodos os instrumentos pede-se executar musicaem qualquer tonalidade sem problemas.

De qualquer forma nao deixa de ser uma aco-modac;:ao. E interessante notar que quando se usaa voz (canto) ou um instrumento com possibilidadede percorrer continuamente toda e extensao deuma corda (violino, vi%ncelo), desacompanha-dos, a escala natural e muitas vezes inconsciente-mente seguida. Isto por causa da melhor conso-nancia entre os sons que ela proporciona.