Segurança Pública Alvaro Lazzarini

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    1/61

    A SEGURANA PBLICA E O APERFEIOAMENTO

    DA POUCIA NO BRASIL

    LVARO

    LAZZARINI

    1 Relao entre segurana pblica e ordem pblica. 2. As razes da

    insegurana pblica. 3. A ineficincia da polcia como causa de im-

    punidade.

    4 O

    aperfeioamento da prova na fase policial.

    5

    Ciclo

    da persecuo criminal e ciclo de polcia.

    6. Funes de polcia judi-

    ciria. 7. Polcia ostensiva e de preservao da ordem pblica. 8

    Polcias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

    9.

    rgos poli-

    ciais federais. 10. Principais problemas da polcia: violncia corrup

    o e desvio de finalidade.

    11.

    Atuao

    das

    Polcias Civis e Polcias

    Militares.

    1 Relao entre segurana pblica e ordem pblica

    1 1

    Conceituao equivocada da ordem pblica

    A temtica da ordem pblica muito pouco conhecida no Brasil. Para

    exemplificar, reproduzo inicialmente o conceito emitido no relatrio dos juris

    tas em 1980 durante o Frum Criminalidade e Violncia: Esse conceitc tem

    significao singular. No deve ser pluralizado sob pena de desvio de funes

    especficas,

    uma vez que a subverso

    da

    ordem pblica no ocorre por fora

    de atuaes criminosas individuais mas sempre de atividades de cunho coletivo

    ou de repercusses genricas (grifei). A obra no aponta quem foi o autor

    do equvoco, mas o fato que juristas de renome acabaram firmando o rela

    trio, por certo sem conhecer com a preciso necessria aquilo que estavam

    Desembargador do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo.

    Criminalidade e violncia. Brasilia, Ministrio da Justia, 1980, v. I, p. 64.

    R Dir. Adm., Rio de Janeiro,

    184:25-85,

    abr./jun.

    1991

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    2/61

    assinando. Basta uma simples consulta ao art. 312 do Cdigo de Processo Penal

    para verificar-se a impropriedade do conceito acima.

    1.2 Ordem pblica e segurana pblica

    Falar sobre segurana pblica exige do doutrinador cauteloso a atitude dt

    sempre reportar-se ordem pblica, em face da inter-relao existentt entre esses

    conceitos. Igualmente a festejados administrativistas ptrios e europeus, entendo

    que a segurana pblica um aspecto da ordem pblica, concordo at que seja

    um dos seus elementos, formando a trade ao lado da tranqilidade pblica

    c

    salubridade pblica, como partes essenciais de algo composto. Saliento que no

    uma ordem pblica reduzida como j se interpretou.

    O eminente Diogo de Figueiredo Moreira

    Netd

    entende que a relao entre

    ordem pblica no de todo para parte, mas de "efeito para causa", concluindo

    que a "segurana pblica o

    conjunto de processos

    polticos e jurdicos desti

    nados a garantir a ordem pblica na convivncia de homens em sociedade "

    (grifei) .

    A divergncia, mais bem analisada, no to profunda quanto parece, pois

    o todo mesmo sempre efeito de suas partes, e a ausncia de uma delas j

    o descaracteriza. Assim, no

    h conflito ao afirmar-se que a ordem pblica

    tem na segurana pblica um dos seus elementos e uma d s suas causas mas

    no a nica.

    Ao afirmar que a "segurana pblica o conjunto de processos ( ) ,

    Diogo de Figueiredo Moreira Neto superdimensiona e aproxima o conceito dou

    trinrio da sua materializao, pois processo, sob o prisma jurdico, a srie

    ordenada de atos sucessivos, entremeando-o com o conceito de defesa pblica:

    "Conjunto de atitudes, medidas e aes adotadas para garantir o cumprimente>

    das leis de modo a evitar, impedir ou eliminar a prtica de atos que perturbem

    a ordem pblica."4

    A ordem, assim como a segurana so valores etreos, de difcil aferio

    e no

    por

    acaso que publicistas de renome mundial. sucessivamente, atraves

    saram sculos a estud-las, tal a complexidade que oferecem. P o ~ e s e afirmar

    com certeza que a ordem pblica sempre efeito de llma realidade nacional

    que brota da convivncia harmnica resultante do consenso entre a maioria

    dos homens comuns, variando no tempo e no espao em funo da prpria his

    tria. O arcabouo jurdico que o Estado proporciona sociedade simples

    2

    Cdigo de Processo Penal. Decreto-lei n

    9

    3.689. Rio de Janeiro, 1974, p. 102.

    3 Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Reviso Doutrinria dos conceitos de ordem pl-

    blica e segurana pblica.

    Revista de Informao Legislativa;

    Braslia; Senado Federal:

    n. 107, p. 152, 1987.

    4 Escola Superior de Guerra. Manual bsico. 1986. p. 194.

    6

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    3/61

    tradutor dessa ordem. Evidentemente

    s

    elites intelectuais do pas cabe papel

    importante, pois merc de sua bagagem cultural pode e deve mostrar

    os

    cami

    nhos para a evoluo dos componentes, que intelectuais do porte de Paul

    Ber-

    nard, Louis Rolland, Santi Romano, Marcel Waline,

    B1aise

    Knapp, entre outros,

    to bem delinearam ao conceituar a ordem pblica, conforme traduzi no

    Direito

    administrativo

    d

    ordem pblica

    5

    Mas

    alerto que tais caminhos no podem ser impostos quer pelo Estado,

    quer pelas elites, sob pena de resvalar para a ilegitimidade. insustentvel nestes

    tempos de democracia. Com certeza a soluo do problema est na sensibilidade

    dos polticos em aferir corretamente os anseios do povo e atend-los na formu

    lao e implementao das polticas pblicas. Concordo com Diogo de Figuei

    redo quando afirma:

    A

    cincia poltica tem observado que a deteriorao dos

    sistemas polticos comeam pelo comprometimento crnico da ordem pblica,

    um indcio preocupante para o Brasil. 6

    Quero observar que o objetivo aqui

    tratar apenas da ordem pblica no

    seu aspecto da segurana, onde est inserida a criminalidade,

    sem

    aprofundar-se

    nos aspectos da tranqilidade e da salubridade.

    2 As razes d insegurana pblica

    2.1 Os fatores sociais como geradores da criminalidade

    Conforme explanei, a criminalidade insere-se no conceito de segurana p'

    blica, aspecto da ordem pblica, por sua vez, contida na ordem social. Entender

    esse encadeamento doutrinrio importante para o estudo aprofundado da

    questo.

    Na seqncia, creio ser relevante abordar

    as

    posies divulgadas em diver

    sos

    trabalhos sobre a criminalidade, onde buscou-se

    as

    origens dos atos que

    ferem a segurana pblica, os quais chamo de geradores da insegurana.

    O relatrio dos juristas reunidos no Frum Criminalidade e Violncia, em

    1980,7

    j apontava como fatores sociais geradores da insegurana

    os

    seguintes:

    a) o crescimento populacional acelerado;

    b) a m distribuio demogrfica;

    c

    a distribuio inadequada de renda;

    5

    Lazzarini. Alvaro

    et alii Direito administrativo da ordem pblica

    2. ed. Rio de Janeiro.

    Forense, 1987.

    6

    Moreira Neto. Diogo de Figueiredo.

    Exposio na Polcia Militar em So Paulo

    a

    6.8.91.

    7

    Criminalidade e violncia

    Braslia, Ministrio da Justia, 1980, v.

    1,

    p. 1933.

    7

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    4/61

    d) a falta de planejamento familiar;

    e) as favelas e conglomerados;

    f

    o problema do menor.

    Posteriormente, explanando o assunto em

    Belo

    Horizonte, o ProL

    Jos Al-

    fredo de Oliveira Baracho,s citando Heitor Luiz Gomes

    de

    Almeida. alinhou

    como causadores da insegurana pblica, entre outros:

    a) a facilidade do cidado em se armar;

    b) o menor abandonado;

    c) a proliferao dos entorpecentes;

    d) a violncia urbana.

    Por sua vez, Diogo de Figueired0

    9

    localizou

    as

    seguintes causas da insegu

    rana pblica:

    a) a misria e sua explorao poltica;

    b) a provocao ao consumo pelos meios de comunicao;

    c) a natalidade irresponsvel;

    d) o abandono pela administrao pblica da infra-estrutura sanitria e edu

    cacional.

    Para a Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas da Universidade de

    So Paulo Fipe/USP), que elaborou o lndice de segurana pessoal e da pro

    priedade: indicadores de crime e violncia,l os determinantes da violncia so:

    a) a falta de programas assistenciais;

    b) o desemprego dos mais jovens;

    c) a carncia de educao.

    Pedro Franco de Campos, Secretrio da Segurana Pblica em So Paulo,

    concorda que as causas da violncia urbana esto, entre outras, no desorde-

    8

    Baracho. Jos Alfredo de Oliveira.

    Polcia Militar e Constituinte.

    Belo Horizonte. Bar

    valle, 1987, p. 73.

    9 Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. A segurana pblica

    na

    Constituio.

    Revista de

    Informao Legislativa,

    n

    9

    109; Braslia, Senado Federal, n. 109, 1991, p. 137-8.

    10 Pastore, Jos

    et alii. Relatrio final - anlise e elaborao de alguns indicadores eco

    nmicos e sociais para o Estado de So Paulo - ndice de segurana pessoal e d proprie

    dade: indicadores de crime e violncia Fipe/USPI.

    So Paulo. 1987, p.

    18 9.

    8

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    5/61

    namento das metrpoles e a conseqente falta de saneamento, habitao, esco

    las e h05pitais , e mais: que o desemprego e a desagregao familiar ajudam

    a engrossar o caldo da violncia .11

    Em anlise precisa, o Deputado Federal Jos dos Santos Freire, constituin

    te de 1988, abordou o tema da seguinte forma: No h como negar que, da

    misria e da promiscuidade em que

    se

    vive nas favelas e nos mocambos, para

    o crime, a distncia praticamente no existe. No h como ignorar que o pro

    cesso de ocupao territorial no Brasil se inverteu de uns tempos para c, com

    o enftico xodo rural para as zonas urbanas, precrias de infra-estrutura habi

    tacional, de transportes, de sade e assistncias pblicas e sobretudo de mercado

    de trabalho, mormente para a mo-de-obra desqualificada. Na fome o homem

    perde, em geral, o senso tico, o sentimento de solidariedade. Ignora a lei. Na

    fome, o instinto de sobrevivncia determina o padro de conduta: todo o cl

    se

    entrega ao crime - as filhas vo engrossar

    as

    fileiras da prostituio, e os

    vares o mundo da delinqncia contra o patrimnio, no raras vezes com a

    prtica do latrocnio. Enquanto isso, uma legio de cerca de

    30

    milhes de

    menores carentes pulula pelas vias pblicas, notadamente nos grandes centros

    urbanos, de forma a preparar a futura populao carcerria do Pas, marcados

    pelos estigmas da fome, da insanidade e da violncia urbana, nada mais sabendo

    fazer nem em que pensar seno no crime. 12

    O notvel cientista poltico Hlio Jaguaribe 13 divulgando trabalho do Ins

    tituto de Estudos Polticos e Sociais (IEPS), do qual presidente, mostrou de

    forma preocupante o crescimento da pobreza no Pas, coincidente com o au

    mento da criminalidade, apontando riscos de convulso social concluindo que

    a misria e a falta de educao fundamentam os problemas brasileiros.

    Galbraith sintetizou o problema ao afirmar: A misria terrvel. pior do

    que qualquer doena, em termos de sofrimento. 14

    O

    Jornal do Brasil

    conforme relato de 25

    novo

    1979, descreveu a realida

    de brasileira com o seguinte texto: Numa formulao precisa e dramtica da

    percepo generalizada de medo e insegurana, frente escalada da criminali

    dade violenta, o poeta Affonso Romano de Sant' Ana no hesitou em evocar

    magens de uma guerra civil, onde exrcitos de marginais avanam contra uma

    sociedade e uma poltica excludentes:

    H

    uma guerra nas ruas e o Governo

    no interfere ( ) Os pobres j so assaltados pelos miserveis. Quando eles

    Campos. Pedro Franco de. Criminalidade urbana - violncia. olha de S. Paulo

    28 ago. 1991.

    12 Freire, Jos dos Santos. Manuteno da PM como responsvel pelo policiamento ostell

    sivo. Polcia Militar e Constituinte, Belo Horizonte, Barvalle, 1987, p. 26.

    \3

    Jaguaribe, Hlio. Estudo indica cr scimento da pobreza no Pas.

    Folha de

    S.

    Paulo.

    23

    abril 1991; p.

    1-10.

    14 Galbraith. John Kenneth.

    A

    era da

    incerteza.

    So Paulo, Televiso Cultura,

    1982. Capo

    tO: A misria e a distribuio da terra.

    9

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    6/61

    se tornarem todos uma classe, ou quando tiverem 'conscincia de classe', viro

    contra o outro lado ( )

    um exrcito de 30 milhes escalando os muros

    de Roma.

    Como se v, h um consenso de que os geradores da insegurana esto

    localizados nas iniqidades sociais. E evidente que tais problemas, de ordem

    estrutural, so as causas da maior parte da criminalidade, cabendo a parte menor

    a fatores endgenos dos indivduos, sobejamente tratados nos compndios de

    criminologia.

    2.2 As causas da criminalidade e a polcia

    E importante esclarecer as causas da criminalidade para demonstrar que

    a polcia no tem sobre elas, enquanto organismo, qualquer responsabilidade;

    portanto u erro culpar-se a polcia pela expanso do crime quando sabe

    mos que todo mal deve ser atacado sempre e principalmente nas suas origens,

    c a, repito, est o papel do Estado em acertar ou no na formulao e imple

    mentao de polticas pblicas, escoimando-as da demagogia, da fisiologia, do

    clientelismo, do classismo, do cartorialismo, do nepotismo, do paternalismo, do

    casusmo e outras formas de imoralidades que infestam a administrao pblica

    brasileira. Creio ser preciso reavivar com urgncia os princpios ticos no exer

    ccio do cargo pblico, to bem tratados por Immanuel

    Kant 15.16

    primeiro, ao

    abordar os motivos da razo

    pura

    prtica e, depois, no apndice sobre o desa

    cordo entre a moral e a poltica a propsito da paz perptua, pensamentos colo

    cados em termos contemporneos pelo tambm filsofo alemo, Jrgen Haber

    mas17

    na excelente obra Mudana estrutural d esfera pblica.

    A polcia cuida essencialmente das manifestaes criminosas. Atuando pre

    ventiva ou repressivamente ela est lidando com o indivduo predisposto

    ili-

    citude pelos fatores sociais j abordados ou endgenos, sobre os quais ela no

    tem e nem poderia efetivamente ter controle.

    E mesmo assim a polcia apenas

    parte de todo u conjunto de rgos que de forma sistmica atuam no ciclo

    da persecuo criminal.

    Isso no quer dizer que a nossa polcia seja perfeita, desmerecendo repa

    ros. Muito ao contrrio, o tratamento da insegurana pblica deve ser feito nas

    suas causas e manifestaes concomitantemente, e h muito a melhorar na po

    lcia, como se ver mais adiante.

    5 Kant, lmmanuel.

    Crtica

    d

    razo prtica.

    Lisboa, Edies 70, p. 87-105.

    16

    Kant, lmmanuel.

    A paz perptua.

    Porto Alegre; L PM, p. 59-80.

    7 Habennas, Jrgen.

    Mudana estrutural da esfera pblica.

    Rio de Janeiro, Tempo Brl-

    sileiro, 1984.

    3

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    7/61

    3. O problema da impunidade

    3.1

    As

    origens e a represso da criminalidade

    Conforme abordei exaustivamente na seo anterior, as origens da inse

    gurana esto nas iniqidades sociais

    ou

    nos fatores endgenos dos indivduos;

    isso quer dizer que esto explicadas as causas da criminalidade, porm no

    justificadas. Ocorrido o ilcito penal, dever do Estado coibi-lo atravs da apli

    cao da pena. Como diz Hlio Tornaghi,18 a despeito de tudo, cabe polcia

    evitar que o homem seja o lobo do homem homo homini lupus) , que o trfico

    social

    se

    transforme

    na

    guerra de todos contra todos

    bellum omnium contra

    omnes) .

    Cardoso de Melo Neto,t9 com maior alcance, abordou o assunto esclare

    cendo que

    o

    servio de segurana

    um

    servio tpico do Estado: a insegu

    rana no apenas uma causa de lentido no desenvolvimento social. .i uma

    causa de retrogradao e de perecimento da coletividade . Assim, inequvoco

    o dever do poder pblico em

    atuar paralelamente, tanto nas origens, como nas

    manifestaes da insegurana pblica.

    Ainda sobre as injustias sociais, quero lembrar que o Brasil um pas em

    crescimento e conta com recursos territoriais imensos por ocupar e explorar,

    no se obrigando a repetir trgicas situaes sociais, como por exemplo, a rela

    tada

    por

    Galbraith ao abordar a fome na Irlanda de 1848, causadora da imi

    grao para a Amrica, em face da dramtica escassez de terras, pois no havia

    para eles novas fronteiras a desbravar.

    20

    O Brasil, destarte, tem soluo.

    3.2 A impunidade e seus reflexos sociais

    A deficincia na punio da ilicitude gera a impunidade, que fator ace

    lerador da desagregao social e, portanto, ingrediente de risco para a estabili

    dade das instituies.

    O Advogado Jos Carlos Dias sintetizou muito bem o problema ao afir

    mar: Tratemos de enfrentar a questo da violncia com olhos sociais, de

    preparar nossas polcias e nossa Justia para que a impunidade no pros

    pere. 21

    18 Tornaghi, Hlio.

    Instituies de processo penal.

    2. ed., Rio de Janeiro, Saraiva. 1977,

    v.

    2,

    p.

    199.

    19 Melo Neto, Cardoso de.

    A ao social do Estado.

    1917, p. 7.

    20

    Galbraith. John Kenneth. op. cit.,

    capo

    1.

    2 Dias, Jos Carlos. Plebiscito: vida ou morte? olha

    de

    S.

    Paulo,

    3 jul. 1991, p. 1-3.

    i

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    8/61

    A questo da impunidade foi destacada tambm na matria publicada pelo

    jornal Folha de

    S.

    Paulo onde o Ministro Jarbas Passarinho demonstrou toda

    a sua preocupao com a questo ao

    afirmar

    que a impunidade o maior pro

    blema do Pas e estimula os atos freqentes de violncia e barbrie ;22 ao que

    eu acrescentaria: dramaticamente explorados pelos rgos de comunicao, que

    parecem

    no

    ter

    compromissos ticos com o ser humano. Longe de pensar-se

    em censura estatal; mas

    tambm

    no

    basta

    mostrar a

    barbrie

    para

    ganhar

    di

    nheiro dos anunciantes.

    E

    imprescindvel veicular, concomitantemente, a men

    sagem de que aquilo

    no

    deve ser feito. Isso, em nome do esforo para recupe

    rarmos a sanidade da nossa sociedade, visivelmente doente. Afinal, os rgos

    de comunicao tm deveres sociais.

    A manifestao do ministro

    no

    sem motivo, pois a falta de punio

    para os ilcitos penais e irregularidades administrativas fato extremamente

    preocupante no Brasil de hoje, at porque est levando ao descrdito os pode

    res constitudos e

    radicalizao.

    De

    um lado, surge como incentivo

    prtica

    delitiva e, de outro, leva exigncia de medidas extremas, como a atual cam

    panha pela pena de morte, sintoma claro da desesperana da sociedade no papel

    do Estado em punir e recuperar o criminoso. Acredito que penas severssimas.

    como a capital,

    no

    representam a soluo do problema.

    A

    ao intimidatria

    da pena

    no

    reside tanto na graduao e sim

    na

    certeza de sua aplicao.

    o

    a pena. E a certeza da pena.

    Ou, no

    dizer mais preciso de Cesare Bonesana, Marqus de Beccaria:

    N ~

    o rigor do suplcio que previne os crimes com mais segurana, mas a certeza

    do castigo ( ). perspectiva de um castigo moderado, mas inevitvel,

    causar sempre uma impresso mais forte do que o vago temor de

    um

    supl

    cio terrvel, em relao ao

    qual

    se apresenta alguma esperana de impu

    nidade. 23

    Por sua vez, liga-se tambm idia de impunidade o retardamento da pena.

    lentido da instruo criminal, quer na fase informativa, nos chamados ri

    gorosos inquritos ,

    quer

    na fase processual, transmite a sensao de que o

    infrator

    permanecer impune.

    A respeito, Beccaria explica: Eu disse que a presteza da pena til; e

    certo que,

    quanto

    menos tempo decorrer entre o delito e a pena, tanto mais

    os espritos ficaro compenetrados da idia de que no

    h

    crimes sem castigo;

    tanto mais se habituaro a considerar o crime como a causa da qual o castigo

    o efeito necessrio e inseparvel. 24

    Passarinho, Jarbas. Passarinho diz que mal do pas

    a impunidade;

    Folha de

    S.

    Paulo.

    8 fev. 1991, p. 1 5.

    23

    Bonesana, Cesare.

    Dos delitos e das penas.

    Rio de Janeiro. Tecnoprint, p.

    113.

    24

    Id. ibid., p. 110.

    32

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    9/61

    4. A ineficincia

    d

    polcia como causa de impunidade

    4.1 O Juizado de Instruo Criminal

    Vista a gravidade que representa a impunidade, cabe agora analis-la no

    segmento que diz respeito a este trabalho, ou seja, aquele advindo de defeitos

    no ciclo

    da

    persecuo criminal, mais especificamente, no ciclo de polcia.

    Estou convencido de que o problema est principalmente na instruo cri

    minal. Estudos srios, realizados pelo Instituto dos Advogados Brasileiros IAB)

    e por juristas de porte, mostram que fundamentalmente a origem dos erros

    est no verdadeiro afastamento do Poder Judicirio em relao

    o

    incio

    d

    ins-

    truo criminal sendo o restante mero acessrio ou decorrente.

    Para san-lo de vez defendo a adoo do Juizado de Instruo Criminal

    no Brasil, cujo rito, adaptado s caractersticas brasileiras, detalhei no artigo

    Juizados especiais

    para

    julgamento das infraes penais de menor potencial

    ofensivo.

    25

    Muito antes, nos idos de 1935, o clebre Vicente Ro havia proposto mag

    nfico projeto de Cdigo de Processo Penal,26 implantando em nosso Pas o Jui

    zado de Instruo Criminal, no logrando xito em face dos interesses

    do

    Es

    tado Novo, que preferiu, atravs de decreto-lei, impor o modelo at hoje vigen

    te, o

    qual

    no deu certo. Mas, apesar dos defeitos insanveis, os quais, segundo

    o experiente Valentim Alves da Silva 27 causam um atraso de 50 anos na nossa

    Justia Criminal, mesmo assim mantido.

    Posteriormente, em 1979, o Instituto dos Advogados Brasileiros IAB), em

    comisso composta pelos eminentes advogados Larcio Pellegrino, Evandro Cor

    ra de Menezes e Sebastio Rodrigues Lima, tambm props a adoo do Jui

    zado de Instruo Criminal inspirado

    em

    notvel trabalho do jurista Thomas

    Leonardos, importando lembrar

    que

    o IAB carrega esta bandeira desde 1908.

    Juizado de Instruo Criminal ainda defendido por Canuto Mendes

    de Almeida, ao tratar da contrariedade na formao da culpa.

    28

    E lembro que

    na

    Assemblia Nacional Constituinte o Juizado figurou nas diversas fases do

    Projeto de Constituio at que o denominado centro o afastasse do texto,

    sendo a seguir destacado para votao

    em

    plenrio, o que acabou no ocorren

    do em razo das presses corporativas feitas sobre os constituintes que o de

    fendiam. Assim, fugiu-se ao debate e votao da matria no plenrio da As

    semblia Nacional Constituinte, pois se sabia que sua aprovao inexoravel-

    25

    Lazzarini. Alvaro. Tuizados especiais para julgamento das infraes penais de menor

    potencial ofensivo.

    Revista de Processo.

    So Paulo.

    Revista dos Tribunais.

    n. 58, p. 99-109.

    abr./jun. 1991.

    6

    Ro. Vicente. Projeto de Cdigo de Processo Penal.

    Dirio Oficial do Brasil.

    Rio de

    Janeiro. Suplemento

    n. 221,

    25

    set. 1935.

    Silva. Valentim Alves da. Pela realizao d Justia; Relator Policial, out. 1986.

    28

    Almeida. Canuto Mendes de.

    Princpios fundamentais do processo penal.

    p. 144-59.

    33

  • 7/26/2019 Segurana Pblica Alvaro Lazzarini

    10/61

    mente ocorreria. Mas, se abortado foi do texto constitucional o instituto do

    Juizado de Instruo Criminal, o mesmo no se pode dizer do seu esprito,

    que continua presente no captulo dos Direitos e Deveres Individuais e Cole

    tivos da Carta, conforme atesta o art.

    59

    e seus incisos

    XI, XII, XLIX,

    LVI,

    LXI,

    LXII

    e LXV,

    entre

    outros.

    Hlio Tornaghi, apesar

    da

    argumentao diversa da nossa e dos juristas

    citados, tambm apregoa a racionalidade do Juizado,29 assim C01110 o prprio

    Amndio Augusto Malheiros Lopes, ex-Delegado Geral da Polcia Civil de So

    Paulo, em matria publicada pelo jornal

    Dirio Pf pular,

    em 1986.

    30

    Embora defendido

    por

    imensa gama de juristas, alm dos citados, o Jui

    zado de Instruo Criminal apenas uma proposta e, neste trabalho. tenho

    que me

    ater

    realidade

    da

    nossa instruo criminal, localizando nela, especi

    ficamente, as falhas da polcia, as quais serviro de base para

    os

    ajustes

    competncia que proponho ao final.

    4.2

    Deficincias

    da

    polcia

    na

    feitura das provas

    Inicialmente quero afirmar que a velha mxima

    a

    polcia prende e a

    Justia solta um argumento enganoso, pois no revela a verdade por inteiro,

    cabendo perguntar:

    por

    que a Justia solta? A resposta simples:

    solta porque

    houve extino de punibilidade, prescrio, insuficincia de provas, ilegalidade

    na feitura das provas e outros vcios originrios d fase policial,

    ferindo os di

    reitos

    do

    acusado que, irremediavelmente, ter de ser inocentado.

    Eis a a im-

    punidade como fruto do trabalho policial deficiente.

    Noto com preocupao que

    apesar de ser este, em nvel policial, o fulcro

    do problema,

    no

    h

    discusso suficiente sobre ele. No meu entender

    ser