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Seitas Apologias

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origem das seitas protestantes

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O PROTESTANTISMO ENTRE NÓS

APOSTILA DE ESTUDO APOLOGÉTICO CATÓLICO

Organizado por Aldení Duarte

Salvo indicação, os artigos são da autoria de Dom Estevão Bettencourt, OSB., retirados da reviste de sua autoria ‘Pergunte e Responderemos’.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..........................................................................................................

IGREJA E IGREJAS, SEITAS E PROTESTANTISMO...............................................

A ASSEMBLEIA DE DEUS, ORIGEM E CARISMA..................................................

CHEGADA E EXPANÇÃO DA ASSEMBLEIA DE DEUS NO BRASIL.................

OS BATISTAS SÃO DISCÍPULOS DE JOÃO BATISTA?........................................

A TEOLOGIA DOS BATISTAS....................................................................................

O PRESBITERIANISMO............................................................................................

QUEM SÃO AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ?.......................................................

A TRINDADE E AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.................................................

OS MORMONS...........................................................................................................

IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS..........................................................

POR QUE NÃO SOU PROTESTANTE?...................................................................

APRESENTAÇÃO

Nesta apostila, a nossa preocupação foi revelar a origem e os pontos doutrinários principais do protestantismo que nos rodeia em Rio Tinto. É imprescindível que o fiel católico venha a conhecer a origem e credo daqueles que, tão de perto, ameaçam a sua fé. Os artigos, salvo indicação, foram retirados da revista ‘Pergunte e Responderemos’ do nosso saudoso Dom Estevão Bettencourt.

Aldení Duarte.

Igreja e igrejas, seitas e protestantismo

WALTER (Matias Barbosa, M. G.): "As igrejas luterana, batista e metodista pertencem a um mesmo núcleo? São elas que constituem a sociedade dos chamados Protestantes? E estes serão assim designados porque protestam contra a virgindade de Nossa Senhora? Qual é afinal a diferença entre Igreja e Seita?"

As perguntas nos levam a reconstituir sumariamente a história do movimento religioso que começa com Lutero (1483 – 1586). Este em 1517, julgando que quinze séculos de vida haviam corrompido a mensagem do Evangelho, quis cancelar de seu horizonte a tradição cristã e colocou-se imediatamente diante da Sagrada Escritura; começou a interpretá-la exclusivamente à luz do que lhe parecia certo, sem levar em conta a autoridade de um milênio e meio de magistério. Assim fazendo, julgava "redescobrir" o Cristo encoberto pela tradição; o Senhor Deus teria permitido que através dos séculos se perdesse o genuíno senso do Cristianismo.

A principal doutrina que Lutero "achou" na Bíblia, doutrina nuclear de toda a ideologia luterana, é a seguinte: o pecado nunca é apagado na alma, pois o cristão continua sempre a sentir a concupiscência, e esta é o próprio pecado. Por conseguinte, não se pode falar de graça santificante que transforme ou regenere ontologicamente o homem batizado; apenas Deus se digna não imputar o pecado, atribuindo-nos como simples título extrínseco os méritos de Cristo. Disto se segue, outrossim, que as boas obras (tão entravadas pela concupiscência) não são necessárias à salvação; basta crer ou ter confiança inabalável no Cristo para ser salvo. — A negação da virgindade de Maria, a rejeição das imagens e outras teses do luteranismo vêm a ser pontos secundários em comparação com esta doutrina central. O movimento de Lutero tomou o nome de Protestantismo por motivo assaz acidental: o Parlamento alemão instalado em Espira no ano de 1529 decretou que a pretensa "Reforma" luterana seria detida em seus progressos (não, porém, cancelada) até se reunir um concilio ecumênico para julgar a situação; entrementes o culto e os direitos dos católicos continuariam a ser reconhecidos nas regiões onde não haviam sido supressos. Tal medida provocou o protesto de seis príncipes e quatorze cidades da Alemanha aos 19 de Abril de 1529. Donde a designação de Protestantes daí por diante atribuída aos discípulos de Lutero; embora os "reformados" tenham repetidamente deplorado este título, ele prevaleceu.

Lutero encontrou entre os seus contemporâneos quem de perto lhe seguisse o exemplo, encabeçando semelhantes movimentos inovadores, de modo a formar, fora da Alemanha, blocos religiosos mais ou menos congêneres; tais eram Ulrico Zwingli (1484-1531) na Suíça alemã (Zürich) e João Calvino (1509-1564) na Suíça francesa (Genebra) e na Franca. As doutrinas passaram para a Inglaterra pouco depois que o rei Henrique VIII em 1534 se separou da Igreja Católica por motivo de seu divórcio; lá constituíram o bloco anglicano. É a estas modalidades da Reforma oriundas da primeira metade do séc. 16 e ainda hoje existentes (o Zwinglianismo se fundiu em breve com o Calvinismo) que se costuma atribuir o nome de Igrejas Protestantes (tenha-se consciência, porém, de que esta denominação é imprópria, pois só pode haver uma Igreja de Cristo: aquela que remonta ininterruptamente até os Apóstolos e o próprio Cristo). São animadas por um espírito assaz sério e tradicional; conservam certa etiqueta e nobreza próprias do tipo anglo-saxão; seus adeptos têm contribuído com estudos valiosos para o progresso da filologia e da exegese bíblicas. Contudo o que no Brasil e no mundo contemporâneo em geral tem chamado a atenção por seu espírito proselitista não é o Protestantismo das Igrejas Protestantes; são facções religiosas que nos séculos 17-20 (mormente no séc. 19) se separaram de uma Igreja Protestante, produzindo uma "reforma da Reforma", uma "heresia da heresia"; às vezes só têm de comum com o Luteranismo, o Calvinismo ou o Anglicanismo o repúdio da tradição, o princípio da livre interpretação da Bíblia. São para o Protestantismo aquilo que as superstições e as heresias são para o Catolicismo. A tais grupos dissidentes se atribui a denominação de seitas; existem centenas destas (somente nos Estados Unidos da América do Norte se contam 343 reservadas à população de raça branca; as seitas dos cidadãos de raça negra ainda são mais numerosas). As mais famosas são as dos Batistas, Metodistas, Presbiterianos, Adventistas, Testemunhas de Jeová, Pentecostais, etc. Compreende-se muito bem esse fracionamento progressivo do bloco protestante; uma vez admitido o princípio de Lutero segundo o qual todo cristão, por seu livre exame, independentemente de algum magistério tradicional, é intérprete das Escrituras, “cada Protestante, tomando a Bíblia nas mãos, se tornou Papa” (ou cabeça de uma Ps. Igreja), como diz Boileau (Sátira XII 224). As Federações Protestantes da Europa e da América geralmente não admitem em seu grêmio as seitas; por sua vez, algumas destas se opõem tanto ao Catolicismo como ao Protestantismo tradicional. Há na verdade sobejo motivo para se manter a distinção entre “igrejas” e “seitas” do Protestantismo, pois estas últimas são animadas por mentalidade bem característica; em geral originaram-se de uma reação contra o aburguesamento de um dos antigos blocos protestantes (a atitude psicológica básica de um fundador de seita frequentemente é a de recomeçar a partir do zero, como se ninguém entendesse mais o Evangelho em sua época); seu entusiasme é, não raro, despertado e alimentado pelo anúncio de uma nova revelação, que se justapõe à Revelação bíblica (e às vezes chega a sufocá-la); também acontece que as seitas esperem o fim do mundo para breve, baseando-se em exegese rebuscada de textos bíblicos; apresentam-se como a arca em meio à corrupção universal; por vezes prometem, e parecem realizar, curas maravilhosas; em geral seus membros se deixam guiar mais pela experiência subjetiva e pelo sentimento do que por sólida compreensão das Escrituras e do Cristianismo.

Por fim, não se poderia deixar de notar que o pulular das seitas modernas tem seu significado positivo: é uma afirmação vibrante da alma humana naturalmente religiosa, sequiosa do Místico e do Transcendente, em reação contra os credos materialistas e mecanicistas que têm sido apresentados às gerações dos séculos 19 e 20.

Estevão Bettencourt

Assembléia de Deus: origem e carismas

Em síntese: A Assembléia de Deus é uma denominação protestante neopentecostal que tem origem nos Estados Unidos e conseguiu grande número de adeptos no Brasil. Caracteriza-se pela emotividade e a vivência de carismas ordinários e extraordinários. A Assembléia de Deus foi, até poucos anos atrás, a denominação protestante que mais cresceu no Brasil. Hoje em dia a liderança é disputada por outras correntes neopentecostais. Examinemos a origem da Assembléia de Deus e algumas notas que a caracterizam.

1. Origem do Pentecostalismo

1. Origem do neopentecostalismo protestante Assembléia de Deus é uma modalidade do movimento neopentecostal norte-americano, que teve início nos seguintes termos:

1.1 O Pentecostalismo clássico é uma forma de reavivamento fundamentalista do protestantismo norte-americano. Está ligado com um tipo de reavivamento metodista chamado Holiness (Santidade), que se originou na segunda metade do século XIX. Os seus mentores julgavam que os metodistas negligenciavam a doutrina de seu fundador John Wesley (? 1791), concernente à "inteira santificação". Segundo esta, o cristão que já tivesse feito a experiência da conversão (necessária para a salvação), devia aspirar a uma "segunda bênção", isto é, a uma nova e mais profunda experiência religiosa; esta tornaria o cristão apto à vida de perfeição moral, sem sentir perturbação proveniente de algum resquício do pecado. Tal experiência nova era tida como "batismo no Espírito Santo" ou também Holiness. Esta segunda experiência teria índole meramente interior e subjetiva, ficando independente de qualquer sinal exterior que a denotasse.

Ora aconteceu no ano de 1900 que o pastor metodista Charles F. Parham aderia às concepções de Holiness. Tinha uma escola para estudos bíblicos em Topeka (Kansas, U.S.A.) com trinta alunos, de ambos os sexos. Adotava o método de propor uma pergunta, para a qual os estudantes tinham de procurar os textos bíblicos que pudessem servir de resposta.

Certa vez, interrogou: "Quais são os sinais que, na Bíblia, caracterizam o autêntico batismo no Espírito Santo?" - Na base de At 2, 1-12; 10, 44-48; 19, 17, Parham e seus discípulos concluíram que o único sinal seguro era o dom das línguas (glossolalia). Então grande entusiasmo apoderou-se do grupo, que se pôs a rezar ininterruptamente durante vários dias e noites, pedindo a vinda do Espírito Santo. A 1 ° de janeiro de 1901, uma das estudantes, Agnes Oznam, pediu a Parham que lhe impusesse as mãos sobre a cabeça enquanto orava; quando isto foi feito, ela experimentou o "batismo no Espírito" e começou a falar línguas: "Sentia-me como se rios de água viva jorrassem do mais profundo do meu ser", declarou ela mais tarde. Dentro de poucos

dias Parham e os outros membros do grupo fizeram a mesma experiência.

Assim surgiu a primeira congregação pentecostal, distinta dos grupos Holiness pela convicção de que o genuíno batismo no Espírito há de ser manifestado, como no primeiro Pentecostes, pelo dom das línguas; esse batismo não visa apenas à santificação pessoal dos crentes, mas também os fortalece para que possam dar público testemunho de Cristo num apostolado eficiente, assinalado por outros dons do Espírito; entre estes, o da cura dos doentes por imposição das mãos de um pregador tem importância eminente. O primeiro núcleo pentecostal de Topeka deu origem a outros; espalhou-se pelo Texas e em 1906 estava em Los Angeles, sob a direção de um pastor de cor chamado W. J. Seymour, o qual aderira anteriormente à espiritualidade de Holiness.

A exaltação e o entusiasmo demonstrados por esses grupos fizeram que as comunidades batistas e metodistas tomassem distância do movimento. Verdade é que Parham, Seymour e os outros iniciadores do Pentecostalismo não tencionavam fundar nova denominação cristã, mas apenas suscitar um revival ou reavivamento no seio das comunidades protestantes. Quando porém, se viram rejeitados por estas, passaram a constituir congregações próprias, hoje conhecidas pelo termo genérico de "pentecostais", que nos Estados Unidos contam com um total de cerca de dois milhões de membros.

Nenhuma denominação protestante está sujeita a se dividir e subdividir tanto quanto a dos pentecostais. Isto se compreende, dado que as raízes e as forças impulsoras do movimento são assaz subjetivas e arbitrárias. Passemos à

2. Assembléia de Deus: origem

Tendo tido origem em 1900, o movimento pentecostal expandiu-se rapidamente até a Suécia, a índia, a América Latina...

Em 1914 organizou-se nos Estados Unidos com o nome de General Council (Assembléia Geral). Naquele ano vários pastores pentecostais reuniram cerca de cem congregações diferentes em Hot Springs, Arkansas (U.S.A.), dando-lhes o nome único de Assembléia de Deus.

O Pentecostalismo que originou a Assembléia de Deus no Brasil, foi trazido em 1910 (5 de novembro) por dois missionários suecos- Gunnar Vingren e Daniel Berg. O primeiro nasceu a 08/08/1879, de família batista; em 1903 foi para os Estados Unidos, onde recebeu "o Batismo do Espírito Santo" e começou a falar em línguas, dizia que, juntamente com outros companheiros, durante a oração "sentia o poder de Deus sobre si como uma pressão". A decisão de vir para o Brasil foi-lhe inspirada diretamente pelo Espírito Santo, como refere o pastor Lawrence Olson: 

"Cremos que o Espírito Santo chama certas pessoas para realizar determinados trabalhos missionários. A chamada divina é essencial para quem se lança ao trabalho no exterior e mesmo para os trabalhos missionários dentro do país. Como o Espírito Santo chamou Paulo e Barnabé

em Antioquia para saírem ao trabalho missionário, assim hoje também Deus chama seus servos, embora nem sempre em profecia, como naquele caso. Em 1910 o Espírito Santo chamou dois jovens suecos, por nome Gunnar Vingren e Daniel Berg, em South Bend, Est. Indiana, E. U.A., por mensagem em línguas estranhas, proferidas por um irmão Uldin, em cuja casa estavam hospedados. Sendo repetida tantas vezes a palavra 'Pará-Pará-Pará', entenderam que para algum lugar por esse nome Deus os estava chamando. Verificaram então na Biblioteca Municipal que Pará era o nome dum Estado do Norte do Brasil. Oraram a Deus. Sentiram que era o Brasil para onde Deus os chamara. O caminho abriu-se e em Novembro de 1910 chegaram a Belém do Pará, onde iniciaram a obra das Assembléias de Deus no Brasil, obra conhecida de todos, de culto nacional, congregando hoje cerca de 1 milhão de membros" (Ênfases do Movimento Pentecostal. O Espírito Santo e o Movimento Pentecostal, São Paulo 1966, p. 28).

Na autobiografia de Daniel Berg, um dos fundadores da Assembléia de Deus no Brasil, narram-se as circunstâncias maravilhosas que marcam a sua vida, especialmente a sua vinda para o Brasil: "A melhor forma de saber a vontade de Deus, era orar, foi o que fizemos durante uma semana, dia e noite. Finalmente, Deus confirmou que devíamos ir para o Pará.

Se ainda houvesse qualquer dúvida, esta desapareceria dias mais tarde, quando o irmão Vingren, durante um de seus longos passeios de meditação, ouviu claramente uma voz que lhe falava ao ouvido dizendo: `Se vós fordes, nada vos faltará'. Vingren voltou-se rapidamente para ver quem falava tão claramente, porém não viu ninguém. Era o Senhor a confirmara chamada.

Não ficamos surpreendidos ao saber que havia dois lugares no navio, que não foram ocupados. O Senhor havia preparado todas as coisas e até aquela hora, de modo que tínhamos a certeza de que ele cuidaria também dos lugares no navio. Compramos as passagens e embarcamos.De repente, percebi, ao longe, dois objetos que vinham em direção ao barco, um atrás do outro, em grande velocidade. Quando se aproximaram, vi que eram dois peixes. O que vinha na frente era grande, maior que os peixes comuns, o que vinha a persegui-lo era ainda maior. Estávamos observando como nadavam, rápidos como flechas, quando o peixe perseguido deu um pulo e caiu no meio do barco. Era a resposta à oração que fizemos ao Senhor, para que nos desse alimento para o jantar. Agradecemos a Deus, mesmo antes de o preparar para comer.

`Todos os tripulantes se alegraram e viram, com seus próprios olhos, como Deus prepara alimento para seus filhos. O peixe tinha excelente paladar. O cozinheiro declarou que aquela espécie é rara naquela região, o maior exemplar que vira desde muito tempo. Quando o Senhor dá alguma coisa, dá sempre o melhor. As suas bênçãos, possibilidades, e querer, são maiores do que podemos imaginar. E uma verdade que até mesmo nas pequenas coisas, nos acontecimentos diários e na variada espécie de problemas, sentimos a mão de Jesus dirigindo-nos pelo melhor caminho" (D. Berg, O Enviado por Deus, Casa Publicadora das Assembléias de Deus, Rio de Janeiro, sem data, pp. 30-35.166s).

Segundo os historiadores do Pentecostalismo protestante, "avisos", "revelações", "sonhos proféticos" são alguns dos sinais carismáticos que acompanham a expansão do movimento.

Narra, por exemplo, Emílio Conde, encarregado pelos pentecostais de escrever a "História das Assembléias de Deus no Brasil", o seguinte episódio, que é típico do que ainda hoje freqüentemente acontece nos cultos pentecostais:

"Para convencer um povo de coração duro, e confirmar uma Obra iniciada em meio tão hostil, o Senhor manifestou o Seu poder ante os olhares atônitos dos descrentes. Certa noite, em um culto realizado na Vila Coroa (Belém), apareceu um homem endemoninhado que se retorcia com violência sem que alguém o pudesse segurar. Os descrentes que assistiam, tentaram imobilizá-lo, porém não conseguiram. Em dado momento a irmã Josina Galvão, começou a profetizar e, cheia do poder de Deus, dirigiu-se para onde estava o homem endemoninhado. Em nome de Jesus impôs-lhe as mãos e ordenou ao demônio que se retirasse. Ante a admiração geral, o homem ficou imobilizado, de cócoras, dominado pelo poder de Deus; todos viram que algo como um raio saiu pela janela e desapareceu. Os descrentes que estavam fora de casa, e a tudo assistiam, amedrontados, confessavam que Deus estava no meio daquele povo" (B. Muniz de Soares, A Experiência da Salvação, São Paul In 1989 n 33)

A Assembléia de Deus logo se expandiu para outras regiões do Brasil a partir de Belém, onde a primeira congregação contava dezoito pessoas. Já em 1913 o primeiro mensageiro brasileiro partiu para Portugal; em breve outros se lhe seguiram. Vejamos algumas características do neo-pentecostalismo protestante em geral.

3. Assembléia de Deus. Emotividade

A quem entra num templo pentecostal, muito impressiona o entusiasmo com que os crentes rezam, cantam e gesticulam. Isto atrai muita gente necessitada de ser reanimada; é capaz de produzir um frenesi contagiante, que faz bem a muitos, ao menos momentaneamente. A liturgia católica, ao contrário, é mais sóbria e contida (hierática), sendo, por causa disto, às vezes censurada.

Em resposta a esta observação, notamos que a emoção faz parte integrante da personalidade humana e, por isto, não pode ser menosprezada. Mas a reta ordem manda que ela esteja subordinada à inteligência, pois o homem é, antes do mais, um ser racional, cujo intelecto deve reger todo o seu comportamento. A emotividade é algo de subjetivo (cada indivíduo reage a seu modo no plano emocional), ao passo que a inteligência concebe referenciais objetivos duradouros, capazes de estruturar o comportamento de todos os homens; ora a inteligência afirma que, diante de Deus, o fiel tem que assumir uma atitude de reverência e respeito, que não se coaduna com expressões demasiado livres e subjetivas.

Aliás, várias denominações protestantes mais tradicionais rejeitam o caráter emocional do Pentecostalismo. Entre os próprios pentecostais, alguns chegam a desaprovar a excessiva descontração de seus irmãos nas assembléias de culto.

Acontece, porém, que, para compreender o valor de atitudes sóbrias e hieráticas na Liturgia, é necessário um tanto de cultura ou de formação doutrinária; é preciso saber apreciar o silêncio, valorizar a meditação, intuir os valores invisíveis... Ora estas atitudes se tornam difíceis não somente pelo pouco cultivo intelectual de boa parte da população, mas também por causa de um certo antiintelectualismo derivado de Lutero e Calvino e transmitido às gerações protestantes em geral.

A Igreja Católica, em sua sobriedade (que não deixa de falar vivamente quando a Liturgia é bem executada), vai mais ao fundo do ser humano; ela toca as instâncias básicas da pessoa e oferece a possibilidade de uma fé mais sólida, mais consciente, mais abrangente. Mas precisamente por causa disto a Igreja sofre e sofrerá desvantagens em relação aos múltiplos grupos pentecostais, que improvisam suas manifestações e podem chegar a obcecar ou fanatizar seus membros. A unidade da Igreja se prende ao seu amor pelos valores objetivos ou à Verdade e ao Bem objetivos, ao passo que o subjetivismo solapa o protestantismo e o esfacela cada vez mais.

4. O Dom das línguas

Não há dúvidas de que o Espírito Santo pode conceder dons extraordinários, inclusive o das línguas, aos seus fiéis. Todavia diante do extraordinário impõe-se uma posição de sobriedade, para que não se confundam fenômenos psicológicos e parapsicológicos com as graças de Deus.

O psiquismo humano guarda no seu inconsciente notícias e experiências latentes, que podem vir à tona de maneira imprevista e confusa quando a pessoa perde o habitual controle de si mesma: um forte empolgamento emocional, uma viva excitação religiosa podem levar o indivíduo a pronunciar palavras estranhas ou mesmo de outro idioma (percebido em conversas de colegas, de companheiros de viagem, de amigos estrangeiros...). Isto acontece ainda mais facilmente se o fiel está sugestionado e acredita que vai receber o dom das línguas associado ao "Batismo no Espírito Santo". A sugestão move o inconsciente a funcionar mais rápida e generosamente.

Com isto, não queremos negar a possibilidade de uma efusão especial do Espírito Santo, doador de graças, mas desejamos chamar a atenção para o risco de se confundirem fenômenos heterogêneos e dar valor (= autoridade e importância) descabido a manifestações do sujeito, que, sob a capa de inspiração divina, pode estar impondo seu modo de ver pessoal.

5. As Doenças

Um dos fatores que mais contribuem para a propagação das correntes pentecostais, são as curas de doenças tidas como milagrosas. A propósito convém apresentar a mentalidade segundo a qual os pentecostais freqüentemente consideram as moléstias. A doença é, muitas vezes, tida como punição... punição do pecado. Eis os depoimentos oriundos dos lábios de crentes pentecostais: "A doença é um castigo de Deus. Embora Ele não envie a doença, permite que o Diabo a envie para o mau crente como castigo, ou, até mesmo, para aquele crente que Deus quer provara sua fé. Assim como Deus abençoa até mil gerações aos que fazem a Sua vontade, Ele também castiga, através do Diabo, até a terceira geração. Por isso os filhos ficam às vezes doentes por causa dos pecados dos pais, ou para glorificação de Deus pela fé" (ob. cit., p. 167).

"A doença vai do pecado, até do pecado original. Se uma pessoa ou seus antepassados conheceram a verdade e depois cometeram mal perante Deus, são castigados por Ele. Deus só castiga aqueles que cre ram e pecaram. Nós estamos aqui para orar em vigília, para não cair e ficar aleijados, para não ter um câncer. Para ir para Cristo, temos de orar todos os dias, com muita fé, para que Jesus nos livre dos ataques do Diabo, que traz as doenças" (ob. cit., p. 168).

Se tal é a origem das doenças, entende-se que a cura há de ser obtida, antes do mais ou talvez até exclusivamente, através da oração. Eis outro testemunho: "Todas as doenças vêm do Diabo, mas podem ser evitadas pelo asseio e pela abstinência. Na vida eterna, não existirão mais doenças e provações. O médico, com a permissão de Deus, pode curar. Quando eu fico doente, oro e peço a Deus para ser curado. Não sendo curado, procuro aumentar minha fé; não conseguindo, apelo para a medicina".

Os crentes mais extremados afirmam envergonhar-se de recorrer ao médico ou tomar remédios, pois "este pode ser um dos meios de que se vale Satanás para enfraquecer nossa fé na cura de Jesus". Um fiel entrevistado concluiu, de modo convicto: "Quem não tem fé, pode ser curado pelo médico. Os crentes novos às vezes são fracos, duvidam da cura. Por isto vão ao médico, mas depois se convencem de que só Deus é quem cura". Eis outro depoimento:

"O crente, quando tem muita fé e crê firmemente em Jesus, não procura médicos. Ele ora para o Senhor, que é o médico dos médicos. Agora, quando o crente não tem fé suficiente, não é capaz de orar com convicção; ele pode procurar a ciência da terra, pode tomar remédio" (ob. cif., p. 143). As pretensas curas obtidas no espiritismo são tidas como "curas enganadoras, de que se vale o diabo para conquistar as almas".

Tendo procurado terreiros de umbanda e sessões espíritas antes de conhecer o Pentecostalismo, um dos informantes, adepto da seita, declara:

"A cura do Espiritismo é a cura do corpo, mas a alma se perde. Satanás também tem o dom de fazer milagres, mas faz para o mal. O demônio é uma criatura desesperada. Faz curas, mas a diferença está em que a pessoa curada pelo Espiritismo não crê em nada, a pessoa não muda porque não crê, continua uma pessoa do mundo. Eu mesmo fui curado pelo Espiritismo, antes de me converter. Fui ao centro espírita, tomei o remédio que mandaram e sarei. O mal, porém, continuou dentro de mim, pois não acreditava em nada. Agora sou diferente porque estou salvo por Jesus" (ob. cit., pp. 169s).

Doenças e Maravilhosas Curas

Muitas pessoas são atraídas pelas correntes religiosas que prometem e "realizam" curas maravilhosas de doenças graves. - Para explicar os portentos assim efetuados, é oportuno lembrar que existem moléstias funcionais devidas a um bloqueio do psiquismo do paciente; tais doenças podem ser, ao menos aparentemente, curadas pelo desbloqueio do enfermo provocado por sugestão ou por impacto; tenham-se em vista os placebo. A Teologia católica reconhece o milagre, mas só o faz após rigoroso exame de cada caso a fim de averiguar se não há explicação natural para o mesmo. Em linguagem católica, quando se diz que "a fé cura", entende-se que a fé predispõe o paciente abrindo-o para a graça; só Deus pode realizar milagres.

Um dos fatores que muita gente atraem ao Pentecostalismo, são as propaladas curas de doenças que a medicina não consegue debelar, ou para tratar das quais o paciente não tem recursos financeiros. De resto a prática da medicina não científica, mas "mística", sempre esteve em voga, constituindo o que se chama "o curandeirismo".

Para entender o fenômeno, é preciso considerar um preliminar importante.

6. Doenças e "doenças"

Toda doença é psicossomática, isto é, afeta o físico (soma) e o psíquico do paciente. Há, porém, doenças mais acentuadamente ligadas ao psíquico (são as doenças ditas "funcionais") e outras mais fortemente ligadas ao físico (são as doenças orgânicas). As doenças funcionais estão muito relacionadas com fatores emotivos, que causam certo bloqueio do sistema nervoso e, conseqüentemente, disfunção ou paralisia de órgãos ou sistemas do organismo.

Tais são certas moléstias da pele (eczema, verrugas, urticária), furunculose, asma, úlcera do estômago, angina do peito, insuficiência hepática, colite, hemorragias... Visto que a causa destas doenças é freqüentemente um bloqueio psíquico, basta eliminar esse bloqueio pela sugestão, pela transmissão de otimismo e confiança, para que a moléstia desapareça.

As doenças orgânicas são as que decorrem de uma lesão ou agressão ao físico: o câncer, a cegueira por perda do nervo ótico, as fraturas... Estas não dependem tanto de sugestão; por isto não são curadas por vias "místicas", ao passo que as primeiras o podem ser. Além disto, observemos que há doenças ilusórias... Certas pessoas de boa fé apresentam todos os sintomas de doenças funcionais ou mesmo orgânicas. Na verdade, porém, não sofrem senão dos efeitos de sua sugestionabilidade. Em tais casos, o curandeiro pode produzir "curas maravilhosas".

Há também doenças mal diagnosticadas tidas como graves, quando na verdade não o são. Após a cura, proclama-se a ocorrência de milagre, quando na realidade não o houve. Feita esta observação preliminar, passamos a estudar as diversas modalidades da medicina não científica.

7. As curas do Pentecostalismo

a) Se alguém vai a uma igreja acreditando que o demônio lhe está causando tal ou tal enfermidade, é submetido a um "exorcismo" e recebe a bênção do pastor. Em conseqüência, passa a se sentir bem ou curado. Ora nesses casos pode-se dizer que, de modo geral, não há mais do que psicoterapia baseada na sugestão: auto-sugestão, hétero-sugestão, sugestão coletiva do ambiente, sugestão hipnótica, contágio mental. O pastor e a assembléia aplicam ao paciente gestos e ritos que o desbloqueiam; se o doente acredita que esses gestos e ritos têm poder de curar, ele há de se sentir aliviado ou pretensamente curado.

É conhecido o funcionamento dos placebo (= agradarei). São remédios aparentes, inoperantes, que produzem efeito benéfico, porque excitam a sugestão positiva do paciente. Sim, a psicologia ensina que um órgão humano pode entrar em atividade tanto sob influência de seus excitantes naturais (remédios adequados) como sob a excitação de estimulantes que são meramente convencionais. Por conseguinte, caso se diga a alguém que determinado objeto ou determinada fórmula ou determinado tratamento é benéfico para o corpo, pode acontecer que, embora tais objetos ou fórmulas... sejam de todo indiferentes e inoperantes, a pessoa que, impressionada ou sugestionada, os aplique a si, experimente um benefício corpóreo. Tal "estímulo-sinal" terá produzido verdadeira reação biológica favorável à cura, por causa da confiança e da convicção do paciente; será oportuno até para recolocar em atividade um órgão paralisado do organismo do paciente.

Estas reações, ditas "reflexos condicionados", elucidam a eficácia atribuída a certos processos da "medicina" supersticiosa: trata-se de agentes inócuos em si, mas transformados em fatores benéficos por causa da convicção que o paciente, após haver sido (consciente ou inconscientemente) doutrinado, nutre a respeito de sua "eficácia".

Em conseqüência, vê-se que não há dificuldade em admitir o bom êxito da seguinte receita dos curandeiros: quem queira curar-se de verrugas, procure um osso no campo, friccione a verruga com a parte do osso que estava voltada para o chão, coloque de novo o osso no lugar e vá-se embora às carreiras... O tratamento pode dar resultado, pois afirmam os médicos que a verruga pode ser combatida pela sugestão (cf. Dr. A. da Silva Mello, Mistérios e Realidades deste e do outro Mundo. Rio 1950, 421).

b) Pergunta-se, porém: se a ação do curandeiro cura por sugestão, por que a ação do médico não tem a mesma força sugestionante? Na verdade, há pacientes que passam pelos médicos sem obter resultados, mas sob os cuidados do curandeirismo se dizem sanados.

A resposta não é difícil: a ação do médico é freqüentemente muito objetiva; ele não trata o doente, mas a doença. Ao contrário, a ação do curandeiro é essencialmente subjetiva; ela se exerce sobre o doente, e não sobre a doença. Diante do médico, o doente toma uma atitude tímida

e fechada, pois a superioridade fria do médico o assusta. Ao invés, entre o curandeiro e seu cliente há um relacionamento de intensa afetividade: "ele é o grande homem, o milagreiro que já curou tantos, o único que ainda poderá salvar o paciente!".

Levemos em conta a aura de mistério que cerca o curandeiro benfazejo: o próprio local de atendimento onde reina concentração anormal ou o frenesi coletivo de uma massa fanatizada; as conversas sobre casos maravilhosos já ocorridos e que os clientes vão recordando durante o tempo de longa espera do seu atendimento; os meios mirabolantes dos passes, dos toques, das insuflações ou os berros e as exclamações daqueles que "esconjuram o demônio", e daqueles dos quais saem os maus espíritos; a ânsia de recuperar a saúde, custe o que custar... Isto tudo contribui para suscitar no paciente a mais inabalável certeza de que será curado, se se entregar sem resistência à ação do curandeiro (ou do pastor "exorcista"). Se a doença não for orgânica (como parece que, de fato, não é em 83% dos casos), o curandeiro conseguirá resultados que o médico seria incapaz de obter.

Também é de notar que freqüentemente os médicos dizem ao hipocondríaco que ele não tem doença, mas imagina tê-la. Muitos pacientes, com isto, sentem-se incompreendidos e ofendidos. O curandeiro, porém, já pelo fato de ter pouca instrução, não fala assim. Em vez de negar a doença, promete ao cliente que será curado ou já está curado. Ora a psicologia reconhece que o procedimento do curandeiro é mais eficaz do que o do médico, no caso.

c) Em conseqüência, impõe-se uma observação: não se deve dar fácil crédito à proclamação de fenômenos portentosos (especialmente curas médicas e cirúrgicas), mas, antes de procurar-lhes a explicação, é necessário investigar exatamente se houve algum fato extraordinário e em que consistiu propriamente. Portanto a quem anuncia uma cura, é preciso pedir:

1) uma declaração médica a respeito da doença ou do estado de saúde da pessoa em foco antes de passar pelo "tratamento".

2) uma declaração médica atestando a cura total e duradoura da moléstia por via inexplicável aos olhos da ciência. Sem estes atestados, poderíamos estar procurando as causas de milagres que nunca houve, embora o paciente se diga curado. Quem deve dizer se houve realmente cura, é o médico, após fazer os devidos exames científicos. A seriedade e honestidade científica é imprescindível em tais casos.

A explicação dada atrás vale para as doenças funcionais, não para as doenças orgânicas ou para as doenças que dependem não de lesão física, mas de perturbação do sistema nervoso. As doenças funcionais ou nervosas ou mesmo as doenças orgânicas de origem nitidamente psíquica ou nervosa não vêm ao caso, quando se trata de milagre na apologética ou na teologia. Ao contrário, interessam as lesões orgânicas nitidamente diagnosticadas e tidas como incuráveis pela medicina contemporânea. Caso sejam curadas em um contexto de fé e prece puras, pode-se admitir aí uma intervenção extraordinária de Deus ou um milagre.

Verifica-se, porém, que nas comunidades pentecostais não se realiza o exame médico-científico do paciente antes da cura e depois da cura, para saber se houve, de fato, a eliminação radical do mal ou apenas um paliativo. Os dirigentes e os fiéis aclamam "o milagre", que geralmente é ilusório, se se trata de doença orgânica. Um dos grandes inconvenientes do curandeirismo consiste em fazer que o enfermo acredite estar salvo de moléstia, quando, na verdade, esta permanece incubada; por causa do alívio momentâneo, o paciente deixa de se tratar; entrementes o mal progride em seu organismo de tal modo que, quando o paciente dá por ele, já se encontra muito mais atacado do que antes de pretensa cura.

8. Circunstâncias que abonam ou desabonam

Todo milagre é um sinal ou uma palavra de Deus aos homens. Ora, para que essa palavra possa ser reconhecida e utilizada como testemunho válido para todos os homens, é necessário que ela tenha certas características. Estas podem ser negativas e positivas.

8.1. Critérios negativos

Não são reconhecidos como milagres fenômenos realizados em contexto indigno de Deus:

a) Tais seriam, em primeiro lugar, os ambientes de irreverência a Deus, imoralidade ou deboche de costumes, charlatanismo ou ilusionismo, cobiça de lucros materiais ou aceitação de lucro financeiro por parte do pretenso taumaturgo, ocasião de satisfazer ao orgulho, à vaidade ou à sensualidade das pessoas envolvidas no portento... O Senhor Deus não pode ser incoerente ou contraditório; Ele não realiza sinais ou palavras portentosas que de algum modo possam sugerir a confirmação do deboche, da fraude ou da imoralidade...

b) Ambientes de sensacionalismo e alarde levam igualmente a desconfiar da autenticidade do "milagre". - Na verdade, as obras de Deus costumam ser discretas, mesmo quando derrogam ao curso natural dos acontecimentos. Um portento exageradamente sensacional já não seria sinal, pois não levaria os espectadores a procurar outra realidade invisível assim assinalada. Alimentaria a fantasia e a curiosidade profanas mais do que a inteligência, a fé e a reverência a Deus.

c) O espírito de arrogância e de domínio com que alguém trate as coisas de Deus e os fenômenos prodigiosos, também resulta em desabono do pretenso milagre. Quem julga ter direito a algum milagre, porque possui ciência e receitas ou porque é virtuoso e sempre foi fiel a Deus, já se coloca fora das disposições necessárias para ser atendido pelo Senhor Deus. O autêntico milagre é sempre sinal gratuito, nunca é devido por Deus ao homem. O homem não "encomenda" milagres a Deus. Somente quando assume uma atitude de humildade e disponibilidade, pode o homem esperar receber a graça e a condescendência de Deus.

8.2. Critérios positivos

Uma vez enunciadas as características que, no sentido teológico e apologético, desabonam o milagre, importa averiguar as que o recomendam e autenticam aos olhos do observador. Para que uma cura de enfermidade venha a ser levada em conta como possível resposta de Deus aos homens, deve, segundo a jurisprudência da Igreja, preencher as cinco seguintes condições:

1) Trate-se de uma doença orgânica grave, consistindo em alterações anatômicas (modificação, perda ou hiperprodução de tecidos...). Essa doença terá sido diagnosticada pelos métodos mais seguros e haverá sido considerada totalmente incurável aos olhos da medicina contemporânea.

2) Tenham sido ineficientes todos os meios terapêuticos devidamente aplicados.

3) Verifique-se a restauração dos órgãos ou tecidos lesados em espaço de tempo tão breve que possa ser considerado instantâneo.

4) Não se tenha registrado o prazo ordinariamente necessário para a recuperação gradual da função lesada (a pessoa curada conseguiu logo caminhar ou comer e digerir com toda a normalidade...). Ou, em outros casos, não se tenha verificado o prazo necessário para a reabsorção dos edemas, dos derrames de pleura ou para a destruição das massas de tumores - o que não exclui ritmo progressivo (mas rápido) do estado geral de saúde da pessoa curada (aumento de peso, de forças, etc.).

5) Seja a cura duradoura, capaz de ser comprovada por exames sucessivos, feitos a intervalos regulares durante longo espaço de tempo. É importante frisar que o quadro mais normal dentro do qual o milagre se insere, é o da prece humilde, destituída de crendices ou artifícios supersticiosos. O prodígio aparece então como a resposta de Deus ao apelo da miséria do homem. Este não é capaz de comprar ou de forçar o favor de Deus; não há preces ou ritos de efeito infalível; a oração agradável a Deus é a que procede de um coração filial, voltado para o Pai do céu em confiança eAmor sem “receitas” prévias “garantidas”.

9. A fé que salva

A expressão "a tua fé te salvou", freqüente nos lábios de Jesus (cf. Mt 8, 13; 9, 2.22.15, 28; 17, 20), não quer dizer que os milagres sejam projeções do psiquismo subjetivo do paciente (faith healing, Ia foi qui guérit). Há, sem dúvida, casos de cura por auto-sugestão; tenham-se em vista as moléstias funcionais que são criadas e extintas por sugestão do próprio paciente.

A fé, de resto, não é sugestão subjetiva. A fé que Jesus louva nos Evangelhos como penhor de salvação, significa abertura para Deus cheia de entrega e confiança. Está claro que uma tal disposição acalma o sis tema nervoso do paciente, mas é incapaz de explicar a cura radical do mesmo, quando afetado de certas lesões orgânicas. A autêntica fé, ademais, é precedida por um juízo da razão; longe de ser cega ou sentimental, ela supõe o conhecimento dos motivos de

credibilidade: por que posso crer?... por que crer precisamente em Jesus de Nazaré?... por que crer na Igreja Católica, e não em outra comunidade religiosa? O estudo de tais perguntas exige o funcionamento da razão e da lógica, contribuindo assim para emancipar da sugestão, do sentimentalismo e do fanatismo a autêntica fé cristã.

De resto, a fé não dispensa o homem de servir-se dos recursos que Deus lhe dispensa para livrar-se de seus males. Se Deus deu ao homem inteligência, não pode deixar de querer que o ser humano a utilize para atingir seus fins legítimos. Omitir-se neste setor, esperando que Deus faça milagrosamente o que o homem pode fazer inteligentemente, é tentar a Deus; é falsa devoção. A S. Escritura mesma elogia o médico e recomenda o recurso ao médico, ao mesmo tempo que reconhece que Deus é a fonte de todo o saber e de toda a perícia do médico; veja-se Eclo 38, 1-12: "Rende ao médico as honras que lhe são devidas, por causa de seus serviços, porque o Senhor o criou. Pois é do Altíssimo que vem a cura, como um presente que se recebe do rei. A ciência do médico o faz trazer a fronte erguida, ele é admirado pelos grandes... O Senhor é que deu a ciência aos homens, a fim de que se gloriem com suas obras poderosas. Por eles, Ele curou e aliviou, o farmacêutico fez com eles misturas... e por ele a saúde se difunde sobre a terra.

Filho, não te revoltes na tua doença, mas reza ao Senhor, e Ele te curará... Dá lugar ao médico, porque o Senhor também o criou; não o afastes de ti, porque dele tens necessidade. Há ocasião em que a saúde está entre suas mãos".

CHEGADA E EXPANSÃO DA ASSEMBLÉIA DE DEUS NO BRASIL.

1. OS MÉTODOS ‘PERSUASIVOS’ DE GUNNAR VINGREN

Em 1910 os missionários desembarcam em Belém do Pará. Um dia depois foram gentilmente acolhidos na 1ª Igreja Batista daquela localidade, alojando-se no quartinho situado no porão da igreja. Os irmãos da igreja pensavam que a vinda daqueles dois homens tinha sido resposta às suas orações e diziam: “Chegaram aqueles por quem estávamos orando”. Mal sabiam eles do tumulto e divisão que estes trariam para a sua igreja e para as demais igrejas protestantes do local. Tão logo teve oportunidade para pregar, Gunnar Vingren pregou sua mensagem pentecostal. Os batistas mais experientes já sabiam que o pentecostalismo não agregava, mas dividia. O missionário batista Erik Nelson advertiu os missionários sobre este perigo, como narra o próprio Vingren: “No início ele (Erik Nelson) nos ouviu silenciosamente. Mas em outra oportunidade disse-nos que deveríamos deixar fora da nossa mensagem aquele versículo que fala de Jesus batizar com o Espírito Santo, ‘pois propaga divisões’, argumentou ele”.1

De fato, aquilo que Nelson predissera realmente se cumpriu. A princípio, eles começaram a reunir batistas sem o conhecimento do pastor para reuniões de oração no porão da igreja onde residiam. Um dia, porém, o pastor descobriu, como narrou Brito Lidman:

“Um dia, Raimundo Nobre, pastor da igreja,ouvindo ruído de orações e cânticos, entrou sorrateiramente na garagem da igreja. Ao abrir a porta, ele foi convidado para sentar-se por um irmão. Olhando para o rosto de cada um dos presentes, perguntou rispidamente: Afinal de contas, o que estão fazendo aqui? Gunnar Vingren respondeu: Reunimos algumas pessoas para louvar a Deus. – Não podem fazer isso na igreja, porque escondido justamente aqui em baixo? Todos se entreolharam, não reconhecendo seu pastor. Ninguém quis responder. – Porque vocês não respondem? O que fazem aqui? Só pode ser alguma coisa estranha e isso não é de Deus, é do Diabo, e não quero saber disso na minha igreja, lembrem-se disso”.

Isso foi o suficiente para dividir a igreja batista em que os suecos foram acolhidos com tanto carinho. Emílio Conde narra como os novos ensinamentos e as atitudes ocultas dos suecos dividiram aquela pacata congregação: “Na Igreja Batista alguns creram, porém outros não se predispuseram sequer a compreender a doutrina do Espírito Santo. Portanto, dois partidos estavam criados”.2

O pentecostalismo de Vingren e Berg não foi capaz de preservar a unidade no seio da igreja batista. Onde antes havia louvor, cordialidade e pregações da Palavra, havia agora disputas e duelos. O pentecostalismo dos suecos transformou a igreja em ‘um campo de batalha’, como disse Emílio Conde: “Durante o culto daquela noite... o ambiente antes só dedicado a louvores a Deus e à pregação de sua Palavra foi transformado em um verdadeiro campo de batalha, com

1 VINGREN, Ivar. Diário do Pioneiro Gunnar Vingren. CPAD . 2000. p. 39.2 CONDE, Emílio. Historia das Assembleia de Deus no Brasil. CPAD. 6.ed. Rio de Janeiro, 2008. p. 31

muitas disputas de ponto de vistas e duelos de palavras”.3 Assim, enquanto no pentecostes bíblico deu-se o milagre da unidade das línguas (cf. Atos 2, 7 – 11), o movimento pentecostal dos suecos trouxe divisões e desentendimentos. A igreja sacudida pela ferida da divisão, não viu outra solução senão expulsar os missionários e aqueles a quem eles haviam convencido de seus ensinamentos, 18 pessoas no total. Isso deu-se em 13 de junho de 1911.

Ao serem expulsos, passaram a se reunir nas casas. Os missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg procuravam de todas as formas expandir sua crença pentecostal. O alvo inicial deles eram justamente as famílias crentes 4, sobretudo os batistas5 e presbiterianos6. Claro que nem todos se deixavam levar por suas idéias e relutavam, o que o fazia discutir por horas. Vingren descrevia estas disputas como ‘luta terrível’7. Muitos, porém, acreditavam e passavam imediatamente para as fileiras dos missionários suecos, até mesmo pastores abandonavam suas antigas denominações 8. O proselitismo de Vingren entre os protestantes não conhecia limites: ‘pregava’ para seminaristas9, e até para os porteiros dessas igrejas 10.

Não é preciso dizer o quanto isto embaraçava as outras igrejas protestantes já existentes. Elas que, antes do pentecostalismo, sempre souberam viver em harmonia uma com as outras e em espírito de cooperação, tinham agora que combater o proselitismo desenfreado desta nova ‘igreja’ que dividia seus rebanhos. Conde relata que ‘a atividade e o zelo’ dos membros da igreja recém formada “sacudiu mais fortemente os chamados crentes históricos”.11 Interessante é ressaltar que, enquanto o pentecostalismo gerava divisão nas igrejas históricas protestantes, estas por sua vez, se uniam para tentar combater o proselitismo da recém formada assembleia de Deus. Conde diz que “o medo de que a Assembleia de Deus viesse a absorver as demais denominações fez com que estas se unissem para combater o Movimento Pentecostal”.12

Certamente, acompanhando a mensagem pentecostal de Vingren ia também um tipo de ameaça psicológica. Vingren fazia questão de basear sua autoridade em ‘profecias’ de membros de seu novo segmento pentecostal que lhe conferia uma certa infalibilidade. Desobedecer a Vingren era o mesmo que desobedecer ao Senhor 13. Além disso, interpretava de tal forma a

3 Idem. Ibid. loc. cit.4 “Durante aqueles dias, Vingren caminhava de manhã e a noite visitando famílias crentes e testificando sobre o batismo com o Espírito Santo” (p. 115).5 “Vingren aproveitou os dias da sua estada ali para visitar as casas dos batistas e testificar-lhes do batismo com o Espírito Santo. E obteve resultado desejado. Sete deles creram, e entre os adventistas cinco!” (pp. 75-76).6 “Um dia ele falou com uma senhora presbiteriana sobre o batismo com o Espírito Santo.”7 “Hoje travei uma luta terrível com dois evangelistas batistas, mas o Senhor me deu graça e sabedoria para responder a todas as suas perguntas” (p.75).8 “Neste ano de 1920, Deus nos deu uma grande ajuda na pessoa do nosso querido irmão José Moraes, que antes era pastor presbiteriano aqui no Pará”9 “Ali encontrei um estudante do seminário batista e lhe falei durante toda a tarde sobre o batismo com o Espírito Santo” (p.114).10 “Depois fui a uma igreja batista e testificou durante muito tempo ao porteiro da igreja sobre o batismo com o Espírito Santo” (p. 115).11 CONDE, Emílio. Op. Cit. p. 33.12 Idem, ibid. loc. cit.13 “Depois houve uma profecia em que o Senhor disse que sempre etária comigo, e que aquele que não me obedecesse tampouco estaria obedecendo ao Senhor” (p.65)

bíblia em seu benefício que chegava a afirmar que o ‘pecado sem perdão’ que a bíblia fala consistia em falar mal de sua mensagem14. Aqueles que se opunha a ele e sua mensagem, eram tidos como sob influência demoníaca 15 . Foi isso, aliás, que ele disse de Nelson quando lhe alertara da divisão que a mensagem pentecostal trazia. Aquele que antes era considerado um ‘verdadeiro cristão’ por Vingren, tornara-se agora um ser guiado pelo demônio, simplesmente por discordar dele.16

2. O PENTECOSTALISMO DE GUNNAR VINGREN QUE A ASSEMBLEIA DE DEUS REPROVA

Se Gunnar Vingren vivesse na Assembleia de Deus de hoje, teria seu pentecostalismo reprovado pela própria denominação que veio fundar. Se tem uma manifestação pentecostal amplamente relatada por ele em seu diário é o ‘riso no Espírito Santo’. Vejam estes relatos:

“Durante a oração, o Espírito Santo se manifestou poderosamente. Alguns riam debaixo do poder de Deus, outros falavam em línguas...” (p.64).

“Outro dia tivemos uma gloriosa experiência na casa da irmã Celina. Quando orávamos, o poder de Deus veio sobre nós. Começamos todos a rir, cheios de uma onda de gozo”(p.67).

“Tivemos um culto hoje cheio do poder de Deus e de muita alegria. Eu ri tanto debaixo do poder do Senhor, que quase perdi todas as forças” (73).

“Num culto em Madalena, quando falava sobre a obra missionária, o poder de Deus veio sobre Vingren tão poderosamente que ele teve de se sentar um pouco para rir, e depois continuar a pregação” (p.77).

“Em outra oportunidade, eu tive de rir o quanto pude sob o poder de Deus” (p. 79).

Ora, este fenômeno chamado ‘risos no Espírito’ não é aceito na Assembleia de Deus. O pastor Antonio Gilberto o considera como uma ‘corrupção da doutrina bíblica’. Falando sobre isso, ele diz que “tudo isso é contrário aos ensinos da Palavra de Deus, pois a fé abrange a mente. Hebreus 11.3 afirma: ‘Pela fé entendemos’. Além disso, a nossa fé não pode depender de fenômenos deste tipo”.17 Tudo isso evidencia quão incoerentes são os assembleianos quanto ao seus fundadores.

14 “À noite falei a uma denominacional sobre o batismo com o Espírito Santo e os dons espirituais, e disse-lhe que a Palavra de Deus afirma que aquele que fala contra essa mensagem não receberia jamais perdão” (p.64).15 : “Todas as demais pessoas que tinham vindo da Igreja Batista creram então que isto era obra de Deus. Todos, menos dois: um evangelista e a mulher de um diácono. O evangelista que não quis crer ficou muito orgulhoso, e caiu debaixo da influência do Diabo” (p.41).16 “No início pensávamos que estivéssemos tratando com um verdadeiro cristão, mas depois agradecemos a Deus por Ele ter nos livrado das garras daquele homem. O inimigo havia preparado uma cilada muito astuta para nos desviar da vontade de Deus... a obra pentecostal no Brasil por nosso intermédio”. (p. 39).17 http://www.cpadnews.com.br/blog/antoniogilberto/?POST_1_19_CORRUP%E7%F5ES+DA+DOUTRINA+B%EDBLICA%3CBR%3E(5%AA+PARTE)+.html

A ASSEMBLEIA DE DEUS EM RIO TINTO

A Assembleia de Deus foi a primeira igreja evangélica a se instalar em Rio Tinto. No início funcionava como um ‘ponto de pregação’ da congregação de Mamanguape. Mas não demorou para tornar-se um órgão independente daquela com seu próprio dirigente. Não é preciso dizer que seu modo de ‘orar exaltado’ soava estranho aos moradores da então cidade fabril. No entanto, não se registra perseguições aos assembleianos que, desde cedo, obtiveram do Coronel Frederico Lundgren, um terreno para a construção de seu templo na entrada da cidade.

Apesar de seu discurso público sempre contrário a fé católica e suas expressões, os assembleianos de Rio Tinto eram pacatos e amistosos em sua grande maioria. A congregação da cidade pode ostentar figuras ilustres que fizeram parte do pentecostalismo pregado pelos suecos. Esta cena, todavia, viria a mudar com a chegada de outra ‘Assembleia de Deus’ na década de 90. Era a chamada ‘Assembléia de Deus ministério de Madureira’. Este ministério oriundo do campo de Madureira, no Rio de Janeiro, chegou em Rio Tinto sob protestos dos antigos assembleianos da cidade que os acusavam de ‘rebeldia’. No primeiro culto inaugural realizado no ginásio de esportes o Gerbasão, compareceram muitos crentes, em sua maior parte, membros da antiga Assembleia pioneira na cidade, apesar da ameaça expressa de seu pastor de exclusão aos membros que comparecessem ao evento. No entanto, a ameaça não surtiu efeito e a Assembleia de ‘Madureira’ consegui se instalar na cidade com boa parte dos membros da antiga assembleia. Neste período o ânimo pacífico dos antigos assembleianos mudou-se em contendas acirradas sempre que encontros ocasionais se davam nas ruas ou nos estabelecimentos comerciais. Hoje, além dessas duas congregações de placa assembleiana, existe ainda uma outra chamada ‘Assembleia de Deus, campo de Guará’. Três denominações de mesma doutrina e placa, ambas oriundas dos mesmos fundadores, disputando com as demais igrejas evangélicas da região a participação dos rio-tintenses.

Aldení Duarte.

Os Batistas são discípulos de São João Batista?

Os Batistas constituem uma das seitas protestantes hoje em dia mais ativas (haja vista a diferença entre Igreja e Seita indicada no capítulo I dessa apostila). 

Os Batistas em geral não têm idéias muito claras sobre as origens do seu credo religioso. O fato, porém, é que não se prendem nem a São João Batista nem a discípulos do Precursor; não há em absoluto documentos nem indícios de continuidade. Ao contrário, claros testemunhos da história apontam os inícios do movimento batista no séc. 16 d. C. Contemporaneamente a Lutero, um grupo de cristãos, chefiado por Thomas Münzer, Balthasar Hübmaier, George Blaurock, Ludwig Hoetzer, julgava que o "Reformador" não ia suficientemente longe nos seus propósitos. Na Alemanha e na Suíça começaram então a preconizar uma Igreja, em grau máximo, espiritual, destituída de hierarquia visível e constituída exclusivamente pela adesão consciente dos homens à Palavra de Deus. O sinal característico dessa nova igreja seria o batismo a ser administrado aos adultos, não às crianças, de sorte que os membros do grupo batizavam de novo os fiéis que lhes aderiam (donde o nome de Anabatistas, Rebatizadores, que lhes foi dado). O movimento anabatista sofreu forte represália por parte de Lutero, Zwingli e dos príncipes alemães. Desencadeou revoltas fanáticas, das quais a mais famosa é a dos camponeses, cujo chefe, Thomas Münzer, foi decapitado em 1525. Não poucos anabatistas, fugindo à perseguição, começaram a propagar suas idéias na Itália, na Boêmia, na Morávia, na Alsácia, nos Países Baixos, na Escandinávia, na Inglaterra, subsistindo até hoje em pequenos grupos. Mais importantes são as ramificações que procederam do tronco anabatista. Eis, aliás, uma das características ou quase leis do movimento protestante: Lutero se atribuiu o direito de derrogar à tradição, para fazer prevalecer suas intuições religiosas individuais; em consequência, é imitado periodicamente por homens que se julgam iluminados à semelhança de Lutero, e então se separam do bloco luterano ou da seita protestante a que pertencem para dar origem a novo tipo de Cristianismo baseado no senso subjetivo do fundador. Conhecem-se hoje, como derivações do grupo anabatista, as seitas dos Menonitas (de Meno Simons (†1559)); dos Irmãos Hutterianos (de Tiago Hutter), a Igreja dos Irmãos nos Estados Unidos da América do Norte, a Igreja dos Irmãos Evangélicos Unidos e a Igreja Batista, de todas a mais numerosa. Os Batistas têm por fundador o inglês John Smyth (†1617). Foi primeiramente pastor anglicano. Movido por espírito reacionário, que agitava não poucos cristãos de sua pátria, queria uma reforma ainda mais radical que a anglicana; em particular, não se conformava com a organização hierárquica (episcopal) e a liturgia da Igreja Anglicana, que ele julgava supérfluas. Por isto formou em Gainsborough uma pequena comunidade dissidente do Anglicanismo, no ano 1604; foi, porém, obrigado a se exilar com seus companheiros, indo ter a Amsterdã (Holanda), onde o calvinismo predominava. No degredo viveu em casa de um padeiro menonita, que o persuadiu de que era inválido o batismo conferido às crianças (tese anabatista!); Smyth então administrou a si mesmo um segundo batismo, de cujo valor, porém, começou em breve a duvidar. Em consequência, seus companheiros por ele convencidos da tese anabatista, o expulsaram da comunidade; Smyth não conseguiu ser admitido nem mesmo entre os menonitas, aos quais pedira acolhimento. Em 1612, um grupo de seus discípulos voltou à Inglaterra, e lá fundou a primeira Igreja dita Batista (não mais Anabatista), também chamada "dos Batistas gerais", porque,, contrariamente à doutrina calvinista, ensinava que Cristo pela cruz salvou todos os fiéis. Outro grupo se formou, pouco depois, dito "dos Batistas regulares ou particulares"; com efeito, em

1641, outra pequena comunidade de dissidentes do Anglicanismo em Londres se convenceu da tese anabatista; mandou então um de seus membros, Ricardo Blount, a Rijnsburg, na Holanda, a fim de pedir o batismo de adultos à seita de Dompelaers (cisão menonita) e levar à Inglaterra o "verdadeiro batismo"; Blount desincumbiu-se da sua missão; voltando em 1641, rebatizou por imersão (única forma de batismo reconhecida pela seita) 55 membros da comunidade de Londres e aceitou do calvinismo holandês a doutrina de que Cristo salva somente os predestinados, donde o nome de "Batistas particulares'" que lhes coube. Hoje em dia contam-se cerca de vinte seitas batistas, que em 1905 se uniram de maneira um tanto vaga na "Liga Mundial Batista"; são, entre outros, os batistas calvinistas, os b. congregacionalistas, os b. primitivos, os b. do livre pensamento, os b. dos seis princípios (porque aceitam como único fundamento da fé e da vida cristã os seis pontos mencionados em Hebr 6,1s: arrependimento, fé, batismo, imposição das mãos, ressurreição dos mortos, juízo eterno), os b. tunkers, os b. campbellitas, os batizantes a si mesmos, os b. abertos, os b. fechados, os b. do sétimo dia, etc. Cada comunidade batista é independente de qualquer autoridade visível, seja eclesiástica, seja civil; rege-se diretamente por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, que age na assembleia; não há, pois hierarquia nem jurisdição eclesiástica. Todo o poder de governo reside na assembleia dos fiéis, que elege os que por ela respondem (pastores e diáconos). Em sua doutrina, os batistas seguem teses calvinistas: Deus predestina diretamente não só para a glória, mas também para a condenação eterna; a justificação ou a graça é obtida mediante a fé; não apaga, mas apenas recobre o pecado; os sacramentos (Batismo e Ceia) não são meios comunicadores da graça, servem apenas para a corroborar em quem os recebe com fé. Como em geral no Protestantismo, a Bíblia é tida como única fonte de doutrina. Entre os membros das comunidades batistas, nota-se fervor, infelizmente, porém, demais apoiado no subjetivismo, que orienta a religiosidade protestante e leva, consciente ou inconscientemente, os seus adeptos a rejeitar o próprio Cristo em nome do Cristo!

A Teologia dos Batistas

1. Antes do mais, convém lembrar os traços principais das mencionadas doutrinas batistas.

Para os batistas, «a salvação do crente é eterna», o que quer dizer: todo homem que sincera e firmemente confie em Cristo, pode considerar-se filho de Deus, destinado infalivelmente a conseguir a bem-aventurança eterna; nada absolutamente (nem tentações, nem infidelidades passageiras) lhe poderá arrebatar o galardão celeste; Deus, que é rico em meios para auxiliar os seus fiéis, saberá sempre fazer prevalecer a virtude e a causa do bem em tal alma. Donde se segue que as obras (sejam virtuosas, sejam pecaminosas) não influem decisivamente sobre a salvação eterna: tudo depende de crer, ou melhor, confiar em Cristo. Quanto aos que se perdem no inferno, será preciso dizer que em verdade nunca tiveram a graça de Deus, pois esta, uma vez possuída, leva infalivelmente o seu possessor à glória celeste. Os textos bíblicos sobre os quais se funda tal doutrina, seriam aqueles em que Jesus ou os Apóstolos afirmam terem os fiéis recebido a vida eterna; cf. Jo 3,15.36; 5,24; 6,40.47. Ao passo que estas passagens gozam de alto apreço entre os batistas, é menos estimado o sermão de Jesus sobre a montanha (Mt 5-7), trecho em que o Senhor recomenda aos fiéis uma conduta de vida aparentemente legalista, cumpridora de obras. Uma síntese da soteriologia batista se encontra no livrinho de William Taylor, A salvação do crente é eterna, ao qual havemos de nos referir mais de uma vez nas considerações abaixo. 2. Que dizer de tais idéias? Em primeiro lugar, reconheça-se que «vida eterna», segundo as Escrituras, é realmente vida imortal ou sem fim (Taylor, no seu opúsculo, muito se empenha por demonstrar filológica e etimologicamente que o «eterno quer dizer eterno mesmo»; cf. pág. 13 da ob. cit.). Não resta dúvida, pois, de que a vida que Deus dá ao homem em Cristo, de per si, carece de fim (tem como qualidade inerente a si a imortalidade). Disto, porém, seguir-se-á que vida eterna é também inamissível, quando dada de presente a uma criatura? Não. A ilação não seria lógica nem é recomendada pelas Escrituras. 3. Não seria lógica... Algo de eterno não é necessariamente algo que não possa ser perdido pelo seu possuidor (sem deixar de ser por si mesmo eterno). Posso possuir um tesouro em si duradouro ou perene: se eu o guardar fielmente, ele será duradouro em meu proveito; se o negligenciar, perdê-lo-ei, isto é, o tesouro continuará a ser perene, não, porém, em meu favor. O adjetivo «eterno», portanto, designa a índole do dom que Deus outorga aos homens, quando se considera este dom da parte de Deus e em si mesmo. Para que este dom se tome permanente ou sem fim no cristão, não se exclui (ao contrário, a Escritura a requer) a livre colaboração deste, ou seja, a livre aceitação da graça e a contínua entrega do discípulo a esta; pois Deus, que nos fez sem nós, não nos salva sem nós, como diz S. Agostinho. O Senhor, sem dúvida, é fiel às suas promessas e aos seus dons (cf. Rom 8; 1 Cor 1,9); não retira por iniciativa própria o que Ele concedeu, mas lambem não força o homem nem a aceitar nem a guardar o dom divino; justamente, se o Criador fez o homem livre, fê-lo para que este, à diferença das criaturas inferiores, se encaminhasse para Deus usando do seu livre arbítrio. Entende-se, porém, porque nossos irmãos batistas identifiquem vida eterna e vida inamissível. Não reconhecem o valor do livre arbítrio e da colaboração humana com a graça de Deus; e não o reconhecem, por causa das premissas luteranas e calvinistas que eles abraçam: os batistas

constituem uma confissão fundada no séc. XVIII por John Smyth, ministro anglicano, o qual se inspirou preponderantemente de idéias calvinistas. Em que consistem, pois, essas premissas luterano-calvinistas? Lutero no séc. XVI deu início ao movimento da Pseudo-Reforma, afirmando, entre outras coisas, que o pecado original destruiu o livre arbítrio no homem, de sorte que este é incapaz de fazer o bem (praticar obras boas) de acordo com as decisões de sua vontade. Em compensação, Lutero ensinava que seus discípulos podiam ter certeza da sua justificação (ou de possuírem a amizade de Deus nesta vida) na medida em que tivessem fé ou confiança inabalável em Cristo. Calvino retomou estas idéias e as desenvolveu; ensinou que a fé ou confiança no Redentor dá ao crente certeza infalível não só da sua justificação momentânea (na vida presente), mas também da sua salvação eterna (na vida futura); a vontade humana não entra em conta no processo de salvação eterna; destarte Calvino queria enfaticamente exaltar que Deus é tudo, e o homem nada. A honra de Deus lhe parecia exigir tais afirmações. Note-se que os mesmos princípios levaram Calvino a dizer outrossim que existe uma predestinação que é absoluta da parte de Deus: desde toda a eternidade, o Todo-Poderoso decretou que tais e tais indivíduos se salvarão no céu, ao passo que tais e tais outros se perderão no inferno; esse decreto de predestinação é de todo inalterável; o homem nada pode fazer contra ele, de modo que o predestinado para a glória recebe a graça de Deus e, ainda que peque, não fica no pecado; o predestinado para o inferno nunca recebe a graça de Deus e, ainda que pratique atos bons, não deixa de ser viciado ou mau. Estas idéias repercutiram, sem dúvida, na formação do credo batista. Nos seus inícios (séc. XVII) os batistas se dividiam em “Batistas gerais” (professando que Cristo por sua cruz salvou todos os crentes) e “Batistas particulares” (professando que salvou apenas os predestinados). No decorrer do séc. XVII, na Inglaterra, foram prevalecendo os Batistas particulares, enquanto declinavam os Batistas gerais. No séc. XVIII, quando as comunidades batistas corriam o perigo de certo entorpecimento, foram provocadas a novo fervor por John Wesley (+1791), fundador de uma seita à parte, o Metodismo, que propugnava uma espiritualidade mais metódica. Os batistas, por seu turno, começaram então um movimento de evangelização popular, tendo como um dos seus pioneiros no início do séc. XIX William Carey Taylor; este fundou a “Sociedade dos Batistas particulares para a propagação do Evangelho entre os pagãos” e partiu para as Índias. Foi este movimento que deu as características próprias à vida batista na Inglaterra e nos Estados Unidos. 4. Mas será que a S. Escritura mesma não sugere a identificação de vida eterna e vida inamissível? Não. É bem evidente que ela acautela os fiéis contra o perigo de por sua própria culpa perderem a graça de Deus e consequentemente a vida eterna. É, por exemplo, o que S. Paulo inculca aos Filipenses: «Assim como sempre obedecestes..., assim também operai a vossa salvação com temor e tremor» (2,12). O mesmo Apóstolo diz que procura tornar-se conforme à morte de Cristo, «para ver se de alguma maneira posso chegar à ressurreição dos mortos. Não que já a tenha alcançado ou que seja perfeito, mas prossigo para abraçar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus, Irmãos, quanto a mim, não julgo que haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo

para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus» (3,10-14; tradução de Ferreira de Almeida). Aos Coríntios o Apóstolo afirma exercer a mesma solicitude para conseguir a salvação: “Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E faço isto por causa do Evangelho, para ser também participante dele, Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos na verdade correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta, de tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma incorruptível. Pois eu assim corro, não como a coisa incerta; assim combato, não como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado” (1Cor 9,22-27). W.C. Taylor, analisando esta passagem tão significativa, julga que o apóstolo não se refere à consecução da salvação eterna, mas apenas à obtenção de um galardão independente da salvação; Paulo teria tido a certeza de ser salvo, não, porém, a de conseguir uma coroa de vitória no céu (como os atletas podem hesitar a respeito de sua vitória ou da aquisição de uma coroa no estádio). Ora esta distinção do comentador inglês é totalmente estranha à Bíblia; vida eterna e galardão (ou coroa) da vida eterna se identificam plenamente na Escritura Sagrada; o dom que Deus dá definitivamente ao homem no céu é um só, é simplesmente a vida eterna; não há vida eterna com galardão (ou com coroa) nem vida eterna sem galardão (ou sem coroa): "Bem-aventurado o varão que sofre a tentação, porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que O amam” (Tg 1, 12).

“Quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa de glória” (1 Pd 5,4).

"Sê fiel até a morte, e eu Te darei a coroa da vida... Guarda o que tens para que ninguém tome a tua coroa”, diz o Senhor no Apocalipse (12,10; 3,11).

Aliás toda a- epístola de São Tiago (que Lutero rejeitava, mas que Calvino e os protestantes modernos reconhecem como canônica) inculca fortemente a necessidade de obras boas para que o cristão não venha a perder a vida eterna. “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura, a fé pode salvá-lo?... A fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma... Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem e estremecem. Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando oferecia sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé coopera com as suas obras e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada... Vês então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé. Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tg 2,14.17.19.21s,24,26). Se, de outro lado, São Paulo tanto acentua o valor da fé (principalmente em Rom e Gl), parecendo excluir o das obras, isto se deve ao fato de que São Paulo tem em vista o início da justificação; combatendo a mentalidade legalista de certos judeus, quer afirmar não haver méritos prévios do homem que lhe possam merecer o dom da fé sobrenatural; esta é concedida por Deus de modo totalmente gratuito, sem que em absoluto o homem a possa atrair a título de justiça ou em recompensa; é, sim, crendo docilmente na Palavra de Deus com ânimo contrito que o pecador

começa a ser amigo de Deus e recebe o gérmen da graça santificante ou da vida eterna; depois desta primeira conversão e justificação é que poderá, com o auxilio de Deus, realizar obras meritórias. — São Tiago não contradiz a São Paulo porque visa questão diferente: considera não o ingresso no estado de graça, mas a conservação desta última; assegura então que impossível é perseverar na amizade de Deus unicamente mediante a fé; as obras boas se tornam imprescindíveis para que alguém não se torne como os demônios, os quais acreditam, sim, mas, não obstante, estão condenados por não terem as obras da caridade. Quem considera as perspectivas próprias visadas por S. Paulo e S. Tiago, não dará valor absoluto a afirmações de um ou de outro separadas do seu contexto, e saberá estimar a necessidade das boas obras para que alguém não se perca. Merece atenção o falo de que a S. Escritura exige categoricamente as obras boas de todo e qualquer cristão, sem distinguir entre predestinados e não predestinados; não fala de homens que, aparentemente apenas, se perderão pelas suas más obras, e homens, que realmente se perderão pelas suas más obras. É São Paulo quem assim escreve: “Deus recompensará cada um segundo as suas obras, a saber: a vida eterna aos que, com perseverança em fazer o bem, procuram glória e honra e incorrupção; mas a indignação e a ira aos que são contenciosos e desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade; tribulação e angústia sobre toda alma do homem que obra o mal, primeiramente do judeu, e também do grego; glória, porem, e honra e paz a qualquer que obra o bem, primeiramente ao judeu, e também ao grego” (Rom 2,6-10). Vê-se nesta passagem como S. Paulo mesmo associa estritamente a sorte eterna à prática de obras. Contudo está claro que as boas obras do justo não constituem uma fonte de salvação independente dos méritos de Cristo; são produzidas com o auxílio da graça do Redentor, que nelas frutifica. Seria impossível, porém, não as levar em conta no processo da nossa justificação; haja vista o relevo enorme que Cristo lhes deu no seu sermão sobre a montanha, o qual, segundo São Mateus, proferido logo no limiar da vida pública de Jesus, constitui a Magna Carta do Reino de Deus. Nenhum comentador de autoridade, cristão ou não cristão, ousaria afirmar que o «sermão do monte em geral só ensina indiretamente o Evangelho... a própria linguagem do Evangelho está ausente de Mateus 5 a 7» (cf. Taylor, ob. cit. 79). Ao contrário, os estudiosos e os homens de Deus sempre reconheceram no sermão sobre a montanha uma das expressões mais típicas da mensagem de Jesus ao mundo. Por último, será preciso reconhecer (fazendo eco à S. Escritura e aos nossos irmãos batistas) que a graça santificante possuída nesta vida é realmente o gérmen ou a semente da glória celeste; não há solução de continuidade entre o dom de Deus que os justos trazem nesta peregrinação terrestre e o dom que renova a alma e o corpo dos santos no céu; a diferença é apenas a que intercede entre a semente e a planta plenamente desenvolvida. Neste sentido pode-se e deve-se dizer que eterno é o dom de Deus; isto, porém, não significa que o homem não o possa recusar livremente no decorrer desta vida, mesmo depois de o haver aceito. Não levar em conta a liberdade da criatura seria indigno de Deus, que justamente quer ser louvado não apenas por autômatos, mas por seres a quem Ele deu uma livre vontade como expressão de maior perfeição ontológica.

O Presbiterianismo

O Presbiterianismo deve sua origem remota a João Calvino (+1564), o «Reformador» cristão que fez de Genebra (Suíça) a sua sede principal.

Embora Lutero na Alemanha, Zwingli em Zürich (Suíça) e Calvino em Genebra tenham procurado simultaneamente remodelar o Cristianismo, partindo de princípios comuns, cada um desses Reformadores deu modalidades próprias ao movimento que encabeçou. Lutero representa, antes do mais, uma alma profundamente religiosa, mas orientada pelo sentimento e a paixão mais do que pelo raciocínio; estava, portanto, assaz sujeito às incoerências e aos desatinos. Calvino, ao contrário, deixou que sua ardente religiosidade fosse guiada friamente pela razão e a lógica; criou, por conseguinte, um tipo de religião rígida, em que os sentimentos da alma são inteiramente subordinados à exaltação da glória e da onipotência de Deus; com seriedade trágica, Calvino, desejoso de salvar as almas, considerava sempre as exigências impreteríveis de sua vocação e a imperiosidade do dever. Com estes predicados exerceu extraordinário poder de atração sobre os homens seus contemporâneos, os quais de longe acorriam a Genebra para ver e ouvir o «Reformador». Traço muito característico da figura severa de Calvino e da mentalidade que ela até hoje exala, é o seguinte: conforme disposição testamentária do Reformador, seu cadáver envolvido em pano grosso foi por notável multidão de crentes levado ao cemitério de Plainpalais, sem discursos nem cantos; sobre o seu túmulo não se ergueu nem uma cruz nem uma pedra sequer, de tal sorte que hoje não se pode indicar com segurança onde jazem os despojos mortais de Calvino; em 1830 um calvinista holandês colocou no mencionado cemitério uma lápide, até hoje existente, com as iniciais J. C. (João Calvino); o lugar conjeturado, porém, está sujeito a dúvidas.

A austera atitude religiosa que Calvino inaugurou, é hoje a herança de cerca de 60 milhões de cristãos, dos quais 40 milhões têm o titulo de Reformados (seriam os imediatos discípulos de Calvino na Suíça e na França; não há quem se denomine simplesmente calvinista); 15 milhões são chamados Presbiterianos (calvinistas doutrinados por John Knox, na Escócia); os restantes 5/6 milhões têm o nome de Congregacionalistas (oriundos na Inglaterra por obra de Robert Browne, +1624, contra certo desvirtuamento do Presbiterianismo). Voltemo-nos agora diretamente para o tema da nossa questão. Ao organizarem as suas respectivas Igrejas, nem Lutero na Alemanha nem Zwingli em Zürich atribuíram papel relevante aos simples fiéis no governo das comunidades luteranas e zwinglianas; ambos criaram Igrejas de Estado, administradas pelo poder civil; dada a impetuosidade de seu temperamento apaixonado, Lutero teria mesmo levado seus discípulos a situações anárquicas ou à subordinação aos príncipes alemães. Calvino evitou este escolho; rígido e metódico como era, deu à sua Igreja a organização mais compacta possível, removendo a ingerência do poder civil, ao qual o Legislador de Genebra devotava muito pouca confiança. Asseverava que somente Jesus Cristo possui soberania na Igreja, entendendo por soberania o poder legislativo; quanto ao poder coercitivo, Calvino o entregou a um conselho, dito «a Boa Companhia» ou «o Consistório» ou «o Conselho Presbiteriano». Este devia constar de pastores (isto é, ministros que dirigem uma comunidade de fiéis), doutores (ministros que ensinam em altas escolas) e presbíteros ou anciãos (meros administradores, e não ministros do culto ou da palavra). Os presbíteros deviam exercer influência preponderante nesse conselho, a ponto de dar-lhe o nome característico de «presbitério» ; Calvino julgava que a função dos mesmos correspondia à dos «anciãos» ou «presbíteros» de que fala a S. Escritura (cf. At 20,17). Note-se, por conseguinte, que a palavra «Presbiterianismo» significa não o regime em que o sacerdote (presbítero, no sentido católico) ou pastor (ministro da palavra e do culto, no sentido luterano) é chefe, com exclusão de bispos, mas

designa o sistema em que cada comunidade de fiéis é governada por uma comissão de anciãos eleitos pelos mesmos fiéis (na organização hodierna, os presbitérios calvinistas estão, por sua vez, subordinados a sínodos e a concílios). A denominação «Presbiterianismo» assim entendida, embora se possa aplicar a qualquer fundação calvinista, é reservada para designar as igrejas calvinistas de língua inglesa (na Escócia, na Inglaterra, na Irlanda, nos EE.UU. da América, nas colônias inglesas e nas demais nações para onde núcleos de língua inglesa emigraram). O Presbiterianismo nesses mesmos países opõe-se ao Episcopalismo (sistema que, embora seja protestante quanto à doutrina, conserva a hierarquia dos bispos) e ao Congregacionalismo ou Independentismo (sistema que atribui a cada comunidade ou congregação de «santos» absoluta autonomia em relação às demais e ao Estado, ficando supressa toda hierarquia de poderes).

Importa agora considerar como o Presbiterianismo se difundiu.

Faz-se mister, nos transportemos para a Escócia. Lá a Reforma protestante começou a penetrar em meados do séc. XVI sob a modalidade luterana. John Knox (1505-1572) era um sacerdote escocês que, três anos depois de ordenado, aderia às novas idéias; por influência das obras de Lutero e principalmente pela leitura, mal interpretada, dos escritos de S. Agostinho, abandonara a fé católica; o luterano Wishart, que então pregava na Escócia, acabou de conquistá-lo para a heresia. Tendo-se envolvido no morticínio do Cardeal Beaton, passou 19 anos cumprindo penas numa galera francesa. Após algumas peripécias devidas ao seu caráter turbulento, Knox foi ter a Genebra onde sorveu os princípios doutrinários e as normas da organização eclesiástica de Calvino; de Genebra escrevia numerosas cartas aos nobres da Escócia, propondo-lhes as vantagens que lhes adviriam se se apoderassem dos bens do clero; os «Lords» protestantes escoceses constituíram então a «Congregação de Cristo», a fim de abater a «Congregação de Satanás e da idolatria»... A nova sociedade mandou um emissário a Genebra, que persuadiu Knox de assumir a sua direção — coisa que o doutrinador aceitou, desembarcando na Escócia aos 2 de maio de 1559. De regresso à pátria, Knox sem demora pôs seu temperamento inflexível a serviço da causa calvinista; demagogo decidido, ele aparecia em público qual profeta, com sua barba, suas maçãs de rosto salientes, seu olhar duro e frio (tem sido comparado ao famoso Moisés de Miguelangelo). A sua pregação violenta encontrou repercussão: conventos foram saqueados, estátuas quebradas, alfaias do altar profanadas. Em julho de 1560, por efeito de guerras civis, o governo da Escócia caiu em mãos dos protestantes escoceses. Em consequência, o Parlamento de Edimburgo neste mesmo ano aboliu o culto católico e introduziu o Calvinismo como religião do Estado: esta seria norteada pela «Scotica Confessio» ou profissão de fé devida a Knox e pelo «First Book of Discipline», no qual o mesmo autor dava organização calvinista ou presbiteriana à Cristandade de sua nação. Os católicos, tidos por Knox como «adoradores de Moloque ou idólatras», sofreram então violenta perseguição; o «Reformador» reivindicava para os pregadores do seu credo calvinista os privilégios dos Apóstolos, isto é, autoridade incontestada; tais homens utilizaram o método dos «filhos do trovão», pois Knox julgava encontrar na Escritura o preceito de exterminar os católicos, que ele equiparava aos pagãos; reconhecia à comunidade dos crentes e, em nome desta, até aos indivíduos particulares o direito de recorrer ao punhal contra a legítima autoridade civil. O Presbiterianismo teve que lutar contra as tentativas dos reis da Inglaterra Jaime I (1603-25), Carlos I (1625-49), Carlos II (1660-85) e Jaime II (1685-88), os quais procuravam introduzir na

Escócia o Episcopalismo inglês. Os presbiterianos, porém, conseguiram não somente resistir aos episcopais, mas até mesmo implantar as suas idéias na Inglaterra; com efeito, a famosa assembleia do Parlamento inglês em Westminster, no ano de 1643, instituiu, ao menos provisoriamente, o regime presbiteriano na Inglaterra; este contudo não conseguiu prevalecer sobre o Episcopalismo, que em breve foi oficialmente restaurado no reino inglês. Na Escócia o Presbiterianismo triunfou definitivamente sob o reinado de Guilherme III de Orange (1689-1702). Aconteceu, porém, que a união da Escócia com a Inglaterra (vigente desde 1707) atenuou o sistema presbiteriano, pois o governo foi mais e mais arrogando a si o direito de nomear os ministros do culto. Isto provocou a formação de comunidades dissidentes, que em 1847 se uniram sob o nome de «United Presbyterian Church». Pouco antes, em 1833, o Parlamento recusara às famílias presbiterianas o direito de anular a nomeação de um ministro do culto feita pelo «patrono» ou senhor tutelar de determinada igreja; esta medida provocou em 1843 novo cisma, dando origem à «Free Church» ou «Igreja Livre». Finalmente em 1874 o Parlamento concedeu a cada paróquia o direito de nomear o seu pastor, conforme a constituição presbiteriana. Os dissidentes da «United Presbyterian Church» e da «Free Church» resolveram em 1900 fundir-se em um só bloco designado como «United Free Church», ao lado do qual subsiste hoje em dia a Igreja do Estado («Established Church of Scotland»); existem outrossim os dois pequenos grupos independentes, ditos «Reformed Presbyterian Church» e «United Original Seceders». Nos EE. UU. da América, o Presbiterianismo foi introduzido desde o séc. XVI por imigrantes ingleses, franceses, holandeses e alemães, o que provocou agrupamentos divergentes entre si no tocante a certos pontos de doutrina ou de disciplina (relações da Igreja com o Estado, permissão de órgão e cantos populares no culto, etc.); o bloco mais numeroso é a «Presbyterian Church in the United States of America»; contam-se outrossim a «United Presbyterian Church in the United States», a «Reformed Presbyterian Church of America», a «Associate Reformed Church of lhe South», a «Reformed Presbyterian Church of Pittsburg and Ontario» e a «Colowred Church of the United States and Canada» (destinada aos fiéis de raça negra). Em 1877 por iniciativa do Professor James Mc Cosh, foi fundada em Edimburgo a «Aliança Pan-presbiteriana», a qual, sem acarretar superioridade de um agrupamento sobre os demais, coordena entre si os presbiterianos da Escócia, da Inglaterra, da Irlanda, da Espanha, da França, da Holanda, da Bélgica, da Suíça, da Boêmia, da Morávia, da Hungria, da África, da índia, da Austrália, da Nova Zelândia e de Formosa. A base da união não é a igualdade de doutrinas (as divergências teológicas subsistem entre as diversas denominações agrupadas), mas apenas a constituição presbiteriana dos variados grupos (constituição segundo a qual os leigos são eleitos para governar as igrejas). Analisemos agora sumàriamente. 

2. Os principais traços da mentalidade presbiteriana Knox tinha temperamento assaz afim ao de Calvino: ambos tendiam à severidade extrema em vista da causa do reino de Deus por eles idealizado. Essa índole ardente era particularmente excitada em Knox pela consciência que este Reformador dizia possuir, de ser profeta chamado por Deus, ou de ser um novo Elias, destinado a lutar contra nova Jesabel (a rainha Maria Stuart,

1542-1568). Além disto, julga-se que Knox tinha o gênio de legislador e organizador ainda mais apurado que o de Calvino. A ideologia de Knox, por conseguinte, reitera as teses tradicionais do Calvinismo, levando-as, porém, até as últimas consequências, a ponto de já se ter dito que ela associa a rudez natural da Escócia com o rigor do Calvinismo. — O traço dominante dessa teologia é a idéia da grandeza ou da honra de Deus. A fim de sublinhar ao extremo a soberania divina, Knox, com Calvino, admitia que Deus, por um ato positivo, predestina todos os homens, uns para a glória celeste, outros para a condenação eterna. A natureza humana nada em absoluto pode fazer para se salvar, já que foi totalmente corrompida pelo pecado original. É o que Calvino ensinava nestes termos:«Somos produtos de semente imunda, nascemos contaminados pela infecção do pecado». «O homem é um macaco, uma besta indômita e feroz, um lixo»; tende «necessariamente ao mal» e «o que há de mais nobre e aproveitável em nossas almas... está totalmente corrompido, por muito digno que pareça». Knox portanto, seguindo Calvino, negava que o livre arbítrio seja a causa das boas obras, afirmando, ao contrário, «ser o espírito do Senhor Jesus, o qual permanece em nossos corações pela verdadeira fé, que as produz» (Knox). Doutro lado, é Deus mesmo quem «constrange os réprobos a fazer o mal que Ele quer» (Calvino). Caso alguém replicasse ao Reformador de Genebra : «Não compreendo isso», o mestre responderia : «ó besta, quem és tu ? Ainda que todos os maiores doutores do mundo o quisessem entender, não o alcançariam». Em última análise, para o Calvinismo, atribuir ao homem alguma capacidade de colaborar na sua salvação ou reconhecer ao cristão algum mérito (ainda que subordinado ao Redentor) seria «obscurecer a glória de Deus e erguer-se contra Ele» (Calvino). Insistindo em exaltar o poder do Altíssimo, o Reformador quase se comprazia em espezinhar a natureza humana; Deus é tudo, o homem nada é; este princípio no Calvinismo e, por conseguinte, no Presbiterianismo, devia ser professado até as últimas consequências... A Igreja, neste contexto, é considerada como sociedade invisível, conhecida por Deus só e constituída apenas pelos predestinados. A única regra de fé vem a ser a Sagrada Escritura, cuja autoridade é tida como superior à da Igreja. Só se reconhecem dois sacramentos: o batismo e a santa ceia; esta não confere o corpo e o sangue do Senhor presentes como tais sob os sinais sacramentais, mas apenas uma participação espiritual no corpo e no sangue de Cristo. As proposições teológicas do Presbiterianismo foram recolhidas na Confissão de Westminster (1645-1646). Hoje em dia, porém, pode-se dizer que há três tipos de credo presbiteriano: 1) o das Igrejas que professam a fórmula de Westminster, admitindo, porém, certa elasticidade principalmente no tocante à doutrina da predestinação; 2) o das Igrejas que se recusam a subscrever a Confissão de Westminster; são os «non-subscribing Presbyterians» da Inglaterra e da Irlanda; 3) o dos que se mostram ainda mais largos, muito imbuídos de racionalismo, mormente nos conceitos da SSma. Trindade e da Encarnação. Embora se diferenciem na fé, as Igrejas dependentes de Calvino se revelam aparentadas entre si na Moral e na celebração do culto.

A mentalidade puritana rigorista marca a conduta do Presbiteriano, incutindo um zelo religioso às suas atividades, até mesmo no setor da economia e da política. O Presbiterianismo nascente na Escócia tendia a aproximar as classes sociais entre si, ameaçando com «os tremendos e pesados juízos de Deus» os ricos, os satisfeitos, os que acaparravam os bens eclesiásticos, e recomendando «grande deferência para com os pobres irmãos que lavram e fertilizam a terra»; assim se criou o ideal de uma teocracia igualitária, que influenciou profundamente o povo escocês. É Daniel-Rops quem comenta: «O Calvinismo mais constrangedor e austero revelou a ele mesmo esse povo duro, laborioso e destituído de humor» (L’Église' de la Renaissance et de la Réforme n. Paris 1955, 260). Severos em seus costumes, assíduos leitores da Bíblia, os presbiterianos convictos zelam por guardar em tudo uma atitude honrada e impecável, independência de caráter e tenacidade inflexível nas discussões teológicas. À vista disso, o historiador protestante A. de Mestral observava que os presbiterianos amam a sua Igreja, não como se ama uma mãe, mas como se ama uma filha, isto é, não por causa do que recebem da Igreja, mas por causa daquilo que lhe dão. O culto presbiteriano, ao menos durante os seus primeiros séculos, refletia tonalidades sombrias: indiferente às expressões da arte e da mística, era todo dominado pela pregação (muitas vezes um sermão lido por um pastor), sendo a ceia raramente celebrada. Não há forma obrigatória para as orações em comum; em geral é o pastor, revestido de traje preto, quem as profere segundo seu critério pessoal, enquanto os fiéis escutam, uns em pé, outros sentados, outros ajoelhados. Rigorosa é a observância do domingo, também chamado «sábado do Senhor», a ponto de se ter dito exageradamente que o único pecado, para os presbiterianos, é a violação do sábado. No Brasil a denominação presbiteriana comemora em 1959 o 1º centenário de sua entrada em nossa terra. Constitui, após o Luteranismo, o bloco mais importante pelo número de membros entre nós (cerca de 200.000). Conta hoje em dia três subdivisões juridicamente independentes uma da outra: a Igreja Presbiteriana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Conservadora, a Igreja Presbiteriana Independente. Esta última se deve ao famoso gramático Eduardo Carlos Pereira, o qual em 1903 resolveu reagir contra uma corrente de seus correligionários, que julgavam ser a Maçonaria compatível com o Evangelho; criou então a Igreja Presbiteriana Independente. O panorama atual do Presbiterianismo dividido no mundo inteiro em grupos autônomos constitui autêntico depoimento do que esta denominação significa: grande fervor religioso,sim,... desviado, porém, pelo subjetivismo e o individualismo para fora da estrada.

Quem são os Testemunhas de Jeová?

Os Testemunhas de Jeová constituem tipicamente o que se chama uma seita no sentido exposto no capítulo I; representam, sim, «uma dissidência dentro da dissidência protestante» ou «a heresia dentro da heresia!». Com efeito, da denominação batista procedeu o bloco adventista em 1844; dos adventistas separaram-se os Testemunhas de Jeová em 1878, dos quais, por sua vez, se sequestrou o grupo recentíssimo dos Amigos do Homem (1920). Já esta árvore genealógica, na qual se inserem os Testemunhas, mostra quão instáveis são as bases de seu ensinamento. Diremos abaixo algo sobre a origem da seita e as suas doutrinas principais, procurando por fim formular um juízo sobre a questão. 1. O surto dos Testemunhas de Jeová Na primeira metade do século passado, forte corrente escatológica (isto é, de expectativa do fim do mundo) sacudiu os ambientes religiosos norte-americanos. Foi então que William Miller, membro de uma comunidade batista, apregoou ao mundo a segunda vinda de Cristo para o intervalo de março de 1843 a março de 1844; tendo-se passado esse período, Miller logo refez seus cálculos proféticos, julgou ter descoberto o erro e poder anunciar que aos 22 de outubro de 1844 o Senhor Jesus se manifestaria na terra, inaugurando um reino de 1000 anos de bonança (cf. Apc 20). Também esta data se passou, sem que algo se mudasse na história... Não obstante, o desejo de predizer com exatidão «os tempos e momentos» continuou a seduzir certas comunidades protestantes, das quais procedeu o chefe de novo movimento religioso: Charles Taze Russel (1852-1916). Nascido em Pittsburg (Pensilvãnia) de família presbiteriana, Russel concebia dificuldades na fé, quando se encontrou com os Adventistas; resolveu então abraçar as doutrinas destes, juntamente com a expectativa de uma próxima volta de Cristo para instaurar sobre a terra o seu reino milenário. Aos poucos, porém, foi-se convencendo de que todas as denominações cristãs estavam equivocadas no tocante à doutrina dos últimos tempos... Em 1873 julgou poder afirmar que Cristo voltaria em 1874, data que ele mesmo corrigiu sucessivamente para 1914 e 1918 (infelizmente Russel morreu em 1916). Em 1878 separou-se da seita dos Adventistas, passando a constituir com seus discípulos um grupo religioso independente; pôs-se então a viajar anunciando a sua mensagem ao mundo inteiro; atribuía-se a missão de denunciar a todos «as fraudes e blasfêmias» contidas nos ensinamentos de qualquer entidade cristã, fosse católica, fosse protestante, e de apregoar «a maravilhosa noticia da instauração iminente, sobre a terra, da cidade ideal paradisíaca, na qual já não se cometerá mal algum». Para remover as objeções que se faziam contra o não cumprimento das profecias adventistas, Russel concebeu a ideia de uma vinda meramente espiritual e invisível de Cristo. Assim podia sustentar mesmo no fim de sua vida que em 1874 de fato se dera, o grande acontecimento da

descida de Jesus à terra; afirmava, porém, que até 1914 a presença do Mestre seria invisível. Em 1914 não aparecendo manifestamente o Cristo, Russel adiou a data para 1918... Tendo morrido em viagem aos 31 de outubro de 1916, a Russel foi dado como sucessor o advogado Rutherford, que se proclamou juiz e com veemência ainda mais acentuada se pôs a condenar as instituições religiosas e civis da sua época. Após 1918 Rutherford tinha que refazer os cálculos... Transferiu então a data da manifestação de Cristo para 1925, anunciando: «Podemos, esperar, em 1925, ser testemunhas da volta de Abraão, Isaque, Jacó e de outros crentes do Antigo Testamento, despertados e restaurados em uma natureza humana perfeita para serem os representantes da nova ordem de coisas sobre a terra». Mandou consequentemente construir por 75.000 dólares em San Diego (Califórnia) a suntuosa «Casa dos Príncipes», futura mansão dos Patriarcas redivivos que, na ausência destes, ele ocupava como residência de inverno com sua esposa e seu filho. Passou-se, porém, o ano fatídico de 1925 sem que se presenciasse a volta de Abraão ou de Cristo. Sem se desconcertar, Rutherford apoiou-se na seguinte advertência, que ainda hoje é o esteio da posição dos Testemunhas: «Tudo se cumpre e atesta que o Senhor Jesus está presente e seu reino vem chegando. A ressurreição dos mortos começará em breve. Dizendo em breve, não queremos dizer no ano próximo, mas cremos confiantemente que terá lugar antes que decorra outro século». Com estas palavras, Rutherford se premunia contra qualquer desmentido ou decepção, pois já desistia de fixar a data. Quanto ao titulo da nova entidade religiosa, variou assaz: «Russelitas, Auroristas, Estudiosos Internacionais da Bíblia»... Finalmente em 1931 o Conselho da sociedade estipulou que seus membros se apresentariam ao mundo como «Testemunhas de Jeová» (cf. Is 43,10; 44,8). Após intensos trabalhos de propaganda pelo mundo, Rutherford se retirou para a «Casa dos Príncipes», onde veio a falecer em 1924. Teve por sucessor Nathan Knorr, que até hoje governa a seita, procurando guardar as normas de seus dois antecessores. 2. A doutrina dos Testemunhas

a) O primeiro tópico que impressiona o leitor dos escritos da seita, é o conceito de Religião aí professado: para os Testemunhas, «religião» significa idolatria ou apostasia; consideram todas as formas de religião tradicionais como obra estritamente diabólica.

b) E porque isto ? Qual é o grande pecado de todas as religiões?

É que ensinam a imortalidade da alma. Com isto tornam-se cúmplices do demônio, que quis contradizer a palavra de Deus no paraíso: «No dia em que comeres, morrerás» (Gên 2,17). O

demônio, não tendo podido evitar a mortandade do gênero humano, ensinou-lhe ao menos a crença na imortalidade da alma.

c) A respeito de Deus, ensinam os Testemunhas que o mistério da SSma. Trindade é absurdo. Com efeito, Deus fez o homem à sua imagem e semelhança; ora o homem tem uma só cabeça; por conseguinte, Deus não terá três cabeças!

d) Jesus Cristo é mera criatura que, com o nome de Verbo, já existia antes de aparecer na terra; entre nós manifestou-se como homem e morreu por completo. A ressurreição de Cristo de que fala o Evangelho, significa apenas que Deus criou de novo, para que viva uma existência meramente espiritual, aquele Verbo que outrora caminhava na carne humana. De modo análogo, a ressurreição prometida aos justos é entendida pelos Testemunhas como nova criação.

e) Na vida pública, os Testemunhas se mostram infensos não somente à «religião» e aos «religionistas», mas também a todas as instituições civis, políticas e comerciais que até hoje deram estrutura à sociedade; vêem nisso uma ampla organização satânica, cujas últimas expressões são a Liga das Nações e a ONU. Eis, porém, que a batalha decisiva de Armageddon (cf. Apc 16,16) se aproxima e a «Mulher de Jeová» (a seita dos justos) triunfará de toda a obra do Maligno. 3. Uma tomada de posição De quanto acaba de ser exposto, conclui-se com evidência que a ideologia dos Testemunhas de Jeová equivale à negação do Cristianismo em tudo que este tem de característico. — Desçamos, porém, aos principais pontos de doutrina: a) É muito difícil admitir, tenha Deus deixado que a coletividade do gênero humano caísse sob a sedução de Satanás, enganando-se desde os inícios da história até hoje a respeito do seu Criador e Pai. "O subjetivismo do homem contemporâneo afirma-se claramente nesse pressuposto dos Testemunhas; aliás, cada fundador de seita moderna julga ser o privilegiado descobridor do Evangelho e da Bíblia num mundo que não mais o entende! b) A propósito da imortalidade da alma, é preciso dizer que não somente os cristãos (cf. Flp 1,23 ; 2 Cor 5,8 ; 1Tes 5,10; 2Tim 4,6-8), mas também os cultores de Jeová no Antigo Testamento a professavam. Os israelitas possuíam, sim, a noção de sobrevivência da alma. É o que vai insinuado já pelo simples fato de que julgavam lícito matar irracionais, ilícito, porém, matar um homem; isto bem atesta a diferença que admitiam entre alma humana e princípio vital dos animais inferiores. Ademais «morrer» para os. israelitas, equivalia a «reunir-se ao seu povo, voltar a seus pais» (cf. Gên 15,15; 25,8.17; 35,29; 49,29.32; Num 20 24.26; 27,13; 31,2; Dt 31,16; 32,50). Tais expressões significam ou reunião dos corpos em uma sepultura comum ou reunião das almas em um mesmo estado ou local. Em certas passagens, porém, é claro que não designam sepultamento em túmulo comum de família, como. por exemplo, nos casos de Abraão

(sepultado na gruta recém adquirida de Maepelá; cf. Gên 25,8), de Aarão (Num 20 24), de Mo.sés (cf. Num 27,12; 31,2; Dt 31,16); também Davi, Omri e Manassés «foram reunidos a seus pais», não. porém, sepultados no túmulo de sua família (cf. 3 Rs 210; 16 28; 4 Rs 21,18). Estes textos, supondo evidentemente a reunião póstuma das almas após deixarem os respectivos corpos, atestam a sobrevivência das mesmas. Jacó. julgando que seu filho fora devorado por uma fera, exprimiu o desejo de ir juntar-se a ele (cf. Gên 37,36), o que não pode significar reunião de cadáveres num sepulcro. Verdade é que o autor do Eclesiastes se refere à alma humana e ao princípio vital dos irracionais como se perecessem do mesmo modo após a vida terrestre (cf. Ecl 3,19-21). Na realidade, o autor, ao se exprimir desta forma, quer apenas indicar o que se pode observar com os sentidos anteriormente a qualquer raciocínio: o fenômeno da morte, não há dúvida, tem a mesma aparência no homem e no animal inferior. O escritor sagrado, porém, nos trechos em que institui seus raciocínios, não deixa de professar a sobrevivência da alma: sabe, por exemplo, que o corpo se dissolve na poeira da terra, ao passo que o espírito comparece diante de Deus, que o julga; é esta. aliás, a conclusão de todas as suas elucubrações, ou seja, a tese definitiva do Eclesiastes (cf. 12, 7.13s). Não se nega, porém, que só aos poucos na história do Antigo Testamento se foi desenvolvendo a noção de que a vida póstuma é não somente sobrevivência, mas também existência consciente, suscetível de prêmio ou de castigo. Testemunhos desta progressão são os textos seguintes: SI 10,7; 15,11; 16,15; 139,14; Dan 12,1-3. c) A respeito da SSma. Trindade, justamente com vistas à doutrina dos Testemunhas, encontra-se uma explanação no próximo capítulo. Poder-se-ia aqui acrescentar a seguinte observação: os Testemunhas nos lembram que a soma 1+1+1 não pode dar senão o resultado 3; donde concluem que os católicos professam o triteísmo pagão (a associação das cifras 3 e 1 em Deus envolveria contradição). Contudo, recorrendo a outra imagem, os cristãos lhes podem recordar que a própria matemática admite, sob outro aspecto, a perfeita compatibilidade de 3 com 1; basta para isto mudar o sinal (pôr X em vez de +) na operação acima: tem-se então: 1x1x1 = 1— Eis desta vez uma Trindade que não quebra a unidade, ou uma unidade que é riquíssima (elevada ao cubo) sem, porém, perder a sua simplicidade e unidade... Pois bem, para ilustrar o mistério da Trindade Divina, recorra-se à figura da multiplicação acima proposta, não à da adição, e ver-se-á que não é dogma absurdo. d) No tocante à expectativa de iminente manifestação de Cristo, não é necessário demonstrar quanto é vã; as múltiplas tentativas adventistas de calcular a data mediante a combinação de textos da Escritura constituem a melhor prova de que nada se pode dizer de preciso a respeito. Querer desvendar o mistério «do dia e da hora» seria contradizer a explícita intenção do Senhor, o qual em sua sabedoria preferiu que o homem vivesse continuamente como se o dia presente fosse o último de sua existência neste mundo (cf. Mt 24,45-25,13; Mc 13,32 ; At 1,7). Não há, de resto, na Escritura indício de que a história deva terminar nas proximidades do ano 2000. Quanto à expectativa de um reino milenário de Cristo glorioso sobre a terra, deriva-se de

falsa interpretação de Ap 20. Este texto na verdade se refere ao período que corre entre a primeira e a segunda vinda de Cristo: neste intervalo o Senhor já reina sobre a terra, pois infligiu derrota ao Príncipe deste mundo, quando remiu o gênero humano na cruz (cf. Jo 12,31; 16,11); desde então Satanás é como o cão acorrentado que pode ladrar, sim, mas não consegue morder senão a quem se lhe entrega voluntariamente (S. Agostinho). Os cristãos reinam com Cristo no século presente, pois já atualmente possuem as arras da glória celeste (cf. Ef 1,14). A tal reino de Cristo no mundo o Apocalipse atribui a duração de 1000 anos..a cifra é, segundo a mentalidade do livro sagrado, evidentemente simbólica, designando uma duração que tem sentido completo em si ou que no seu remate chega ao termo intencionado por Deus (mil é símbolo de totalidade e plenitude). A ressurreição primeira, que inaugura o reino dos justos com Cristo, é a vivificação das almas pelo Batismo, ao passo que a ressurreição segunda, que rematará os mil anos, significa a vivificação dos corpos no dia do juízo final, quando toda carne ressuscitar. Em conclusão: muitas concepções fantásticas disseminadas com muito entusiasmo, eis a que se resume a posição dos Testemunhas de Jeová. Se os erros são condenáveis, ao menos o entusiasmo da seita merece apreço, e é portador de mensagem para o mundo contemporâneo: lembra a todos, principalmente aos católicos (luz do mundo e sal da terra), que abominável é, aos olhos do Senhor, toda modalidade de tibieza e aburguesamento espiritual (cf. Apc 3,15s; Mt 5,13-16)!

A TRINDADE E AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Perguntam as Testemunhas de Jeová:

Deve-se Crer na Trindade? 

Em síntese: As Testemunhas de Jeová, na sua tendência a voltar ao Antigo Testamento, com detrimento do Novo, negam a SS. Trindade e a Divindade de Cristo. Julgam que as Escrituras não apresentam a revelação do dogma trinitário;este terá sido oficialmente professado no século IV apenas, em conseqüência de helenização e deturpação da mensagem cristã. — Verifica-se, porém, que já o Antigo Testamento prepara de algum modo a revelação da SS. Trindade, que não podia ser manifestada aos judeus, dado o ambiente de povos pagãos que os cercavam. No Novo Testamento há várias fórmulas trinitárias, analisadas nas páginas deste artigo; tais fórmulas encontraram eco nos escritos da Liturgia e dos teólogos dos séculos ll-IV. — Pro curando ilustrar como em Deus possa haver três pessoas sem quebra da unidade de natureza ou substância, os teólogos recorrem ao instrumental da filosofia grega, de reconhecido acume lógico; tal recurso é legítimo, contanto que não afete o conteúdo das verdades reveladas. Por conseguinte, a profissão de fé na SS. Trindade não é algo de heterogêneo dentro do Cristianismo, mas é a genuína explicitação do depósito revelado, que o magistério da Igreja reconheceu e sancionou sob a guia do Espírito Santo (cf. Jo 14,26; 16,13).

=-=-= As Testemunhas de Jeová, embora se derivem do protestantismo, já não são cristãs) pois não admitem a Divindade de Jesus Cristo nem o mistério da SS. Trindade. Periodicamente lançam fascículos que tendem a mostrar que a crença na Trindade resulta da helenização ou paganização da primitiva mensagem cristã. Com a data de 18/01/1985 foi impresso um número da revista "Despertai!" que negava a SS. Trindade; ao que respondemos em PR 283/1985, pp. 486-496. Mais recentemente, ou seja, em 1989, a Sociedade Torre de Vigia publicou o caderno intitulado "Deve-se crer na Trindade?", em que repete a habitual argumentação antitrinitária. A pedido de leitores, exporemos de novo a doutrina católica, acrescentando alguns dados ao texto de PR 283.

1. O fascículo das Testemunhas

Quem lê o fascículo "Deve-se crer na Trindade?", pode ficar impressionado com a volumosa explanação de motivos. Em grande parte, trata-se de sofismas, textos isolados do seu contexto e preconceitos. Em primeira abordagem, desejamos observar o seguinte:

1) A propalada paganização do Cristianismo é destituída de fundamento. Os cristãos morreram mártires precisamente para não aderir às crenças e aos costumes dos pagãos. O problema já foi considerado em PR 336/ 1990, pp. 220-225.

2) O fascículo apresenta numa mesma página imagens de tríades pagãs e representações iconográficas da SS. Trindade. . . A propósito diremos adiante que o número 3 era muito estimado pelos antigos povos, mas o dogma trinitário tem significado radicalmente diverso do das tríades não cristãs. Ademais a Igreja proibiu que se represente a Trindade mediante um busto com três cabeças (a de um ancião, a de um adulto e a de um jovem) ou mediante uma cabeça com três faces. Tais imagens, que insinuam monstruosidades, contribuem para ridicularizar a SS. Trindade, como querem as Testemunhas de Jeová ao apresentá-las em seu fascículo.

3) Tem-se a impressão de que somente em fins do século XIX a mensagem bíblica do Antigo e do Novo Testamento foi bem entendida, pois os cristãos sempre professaram a fé trinitária. —

Ora é preciso ter muita coragem para admitir que durante dezenove séculos ninguém tenha entendido a doutrina do Novo Testamento; era necessário que viesse Charles Taze Russell (1852-1916) para que o mundo entendesse o Evangelho e os escritos neotestamentários! Russell, assim distante, sabia mais e melhor do que os cristãos mais antigos a respeito da Palavra de Cristo? — Seria absurdo admiti-lo. Passemos agora ao exame mais detido da problemática. 2. A argumentação das Testemunhas Segundo a corrente em foco, o Novo Testamento não apresenta a palavra Trindade nem a doutrina explícita da SS. Trindade; Jesus e seus seguidores não tencionaram abandonar a fórmula do Antigo Testamento: "Ouve, Israel: o Senhor nosso Deus é um só" (Dt 6,4). A doutrina trinitária ter-se-á desenvolvido gradualmente no decorrer dos séculos, enfrentando muitas controvérsias.

Mais precisamente: segundo tal escola, a doutrina bíblica, que não reconhece a SS. Trindade, foi adaptada à filosofia grega nos primeiros séculos. Havia nas concepções religiosas e filosóficas não cristãs muitas tríades, que correspondiam a aspectos do Deus Supremo; de modo especial, Platão (427-347 a.C.) terá inspirado os "apóstatas pais da Igreja" para que concebessem Pai, Filho e Espírito Santo como três pessoas num só Deus. Uma das formulações do "novo dogma" terá sido "Pai, Mãe ( = Espírito Santo) e Filho", pois a palavra ruach ( = espírito, em hebraico) é de gênero feminino.

Nos primeiros séculos, teólogos unitários e trinitários, como dizem as Testemunhas, se confrontaram ardorosamente, acabando por prevalecer estes últimos. No Concílio de Nicéia I (325), foi formulado o Símbolo de fé trinitária, que o Concílio de Constantinopla I completou em 381, professando a trindade de pessoas e a unidade de substância em Deus.

Assim é que, segundo as Testemunhas, os cristãos católicos, ortodoxos e protestantes adoram um Deus que não compreendem. Somente a partir de 1874, mediante os estudos de Charles T. Russell e seus companheiros, foi denunciado o erro de dezesseis séculos de Cristianismo; em conseqüência somente as Testemunhas entendem adequadamente a doutrina bíblica referente a Deus, cujo nome autêntico seria Jeová. Perguntamos: que dizer a propósito? Procederemos por partes. 

3. A doutrina bíblica

A Bíblia ensina estritamente a unidade e unicidade de Deus. Qualquer fórmula politeísta é aberração não só no plano da fé cristã, mas no da lógica; não pode haver mais de um só Deus ou mais de um Ser Absoluto e Eterno. Dito isto, consideremos de per si o Antigo e o Novo Testamento.

3.1. O Antigo Testamento

No Antigo Testamento, visto que o povo de Israel estava cercado de nações pagãs politeístas, a Lei de Moisés e os Profetas insistiram sobre a unicidade de Deus; não havia como revelar ao povo de Israel toda a riqueza da vida de Deus, que, sem perder a sua unidade, se afirma três vezes, como Pai, Filho e Espírito Santo respectivamente.

Todavia não podemos deixar de observar a tendência, dos autores do Antigo Testamento, a conceber como pessoas ou a personificar certos atributos ou propriedades de Deus; é o que se dá especialmente em relação à Sabedoria, à Palavra e ao Espírito de Deus. Examinemos de mais perto como isto se dá. 

3.1.1. A Sabedoria A sabedoria como tal é um atributo de Deus e do homem. Todavia nos livros sapienciais ela foi sendo concebida como pessoa; assim em Jó 28,1-28; Br 3,4-4,4; Pr 8, 12-36; Eclo 24,5-32; Sb 7,22-26.

A sabedoria "sai da boca do Altíssimo, e, como a neblina, cobre a terra. . . reina sobre todos os povos e nações" (Eclo 24,3-6). Só Deus sabe onde ela habita; só Deus conhece o caminho que leva a ela (cf. Jó 28,23). Desde a eternidade, ela foi estabelecida; antes das montanhas e dos mares, foi gerada; assistia a Deus, como mestre-de-obras, na criação do mundo; todo o tempo ela brincava na presença de Deus e se alegrava com os homens (cf Pr 8, 22-31). Ela apareceu sobre a terra e no meio dos homens conviveu (cf. Br 3,38). É um espírito inteligente, santo, imaculado, amigo do bem, todo-poderoso... É um reflexo da luz eterna, um espelho nítido da atividade de Deus, uma imagem da sua bondade (Sb 7,22-26).

Embora estes textos insinuem ser a Sabedoria uma pessoa distinta de Deus, sabemos que a mentalidade judaica não os podia entender senão como figuras literárias, que personificavam poeticamente um atributo de Deus. No Novo Testamento, porém, São Paulo alude a esses textos e identifica a sabedoria com a segunda Pessoa da SS. Trindade ou o Cristo Jesus:

ICor 1,24: "Cristo é o poder e a sabedoria de Deus";

Hb 1,3: "Cristo é o resplendor da glória de Deus e a imagem da sua substância; sustenta todas as coisas pela sua palavra poderosa"; Cl 1,15: "Cristo é a imagem do Deus invisível".

O apóstolo, ilustrado pela revelação cristã, releu os textos do Antigo Testamento de modo a descobrir neles uma revelação da segunda Pessoa da SS, Trindade.

3.1.2. A Palavra

A palavra (dabar), para os semitas, tinha mais importância do que para nós. Atribuíam-lhe eficácia própria, que durava para além do momento em que era proferida. 

Assim a palavra de Deus é tida como criadora:Gn 1,3.6.9.11.14s. 2024: "Deus disse. .. E assim se fez."SI 32,6: "O céu foi feito pela Palavra do Senhor".Sb 9,1: "Deus dos Pais, . . . que tudo criaste com tua palavra".SI 147,4: "O Senhor envia suas ordens à terra e sua palavra corre velozmente".

A eficácia atribuída à Palavra de Deus explica tenha sido ela concebida como pessoa ao lado do próprio Deus; assim, por exemplo, nos seguintes textos:

Is 55,10s: "Como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam sem ter regado a terra, ... tal ocorre com a palavra de minha boca; ela não torna a mim sem fruto; antes, ela cumpre a minha vontade e assegura o êxito da missão para a qual a enviei".

Sb 18,14s: "Quando um silêncio envolvia todas as coisas e a noite mediava o seu rápido percurso, tua palavra onipotente precipitou-se do trono real dos céus".

Sb 16,12: "Não os curou nem erva nem ungüento, mas a tua palavra. Senhor, que a tudo cura".

Nestes textos não há, segundo os judeus que os escreveram, senão personificação poética ou figura literária. Todavia o Apóstolo S. João desenvolveu a concepção judaica, apresentando a segunda pessoa da SS. Trindade como Palavra (Lógos, em grego). Cf. Jo 1,1: "No princípio existia o Lógos, e o Lógos estava com Deus e o Lógos era Deus. . . E o Lógos se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai" (ver também 1,14).

3.1.3. O Espírito de Deus

O termo hebraico ruach, (em latim, spiritus, espírito) significa "vento, brisa silenciosa, tempestade. . ." Está associado à idéia de vida. Em conseqüência, as intervenções de Deus em favor do seu povo na história são atribuídas à ruach (força vivificante) de Deus. É esta quem transforma os homens, tornando-os capazes de façanhas excepcionais; tenha-se em vista o caso de Sansão (Jz 13,25; 14,6).

O Messias prometido pelos Profetas seria portador do ruach: Is 11,1-5; 42, 1-3; 61,1s; Jl 3,1-3. Essa força vivificante de Deus seria dada a todos os homens: Is 32,15-20; 44,3-5. E produziria novas criaturas: Ez 11,19; 18,31; 36,26; 37,1-10.

Nota-se também a tendência a personificar o Espírito entre os judeus; cf. Is 63,10s; 2Sm 23,2. Isto, porém, sem ultrapassar os termos de uma figura poética. — O Novo Testamento mais uma vez desenvolveu o pensamento judaico, apresentando o Espírito como a terceira Pessoa da SS. Trindade; cf. Jo 14,25; 16,7.13; At 2,1-22. 3.2.2. O Novo Testamento

Jesus explicitou as noções judaicas, falando abertamente do Pai e do Espírito, que com o Filho constituem um só Deus em três Pessoas. A SS. Trindade aparece em algumas fórmulas marcantes: 

Mt 28,18s: "Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". — Temos aqui a fórmula tal como era aplicada na liturgia do Batismo; a justaposição mediante a preposição e significa a igualdade de natureza das três Pessoas Divinas.

Mt 3,16; Mc 1,11; Lc 3,22; Jo 1,32: no Batismo de Jesus, o Pai se faz ouvir apontando o Filho, e o Espírito Santo se manifesta sob a forma de pomba (a pomba era, nas literaturas antigas, um sinal que servia para identificar).

Lc 1,30-35: na anunciação do anjo a Maria, o Pai é dito "o Altíssimo, o Senhor Deus"; o Espírito Santo é identificado com "o Poder do Altíssimo". Este recobre Maria com a sua sombra, como as asas de um pássaro recobrem uma criatura, simbolizando a ação divina fecundante e vivificante (cf. SI 16 [17], 8; SI 56 [57] 2; Gn 1,2); em conseqüência, Maria recebe em seu seio o Filho de Deus, ao qual ela deverá dar a natureza humana, para que Ele nasça como Filho de Deus e (enquanto homem) como Filho de Maria.

2Cor 13,13: "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo estejam com todos vós!" - Nesta fórmula. Deus (Pai) é tido como o Amor (pois, na verdade, foi como Amor que Ele quis identificar-se no Novo Testamento; cf. Jo 4,16). Esse Amor tem um sorriso (graça) para os homens, que é o Filho feito homem, manifestação do Pai. Essa graça se comunica a cada homem mediante o Espírito Santo, ao qual, portanto, é atribuída a comunhão.

Gl 4,6: "Porque sois filhos, enviou Deus em nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abbá, Pai!" (cf. Rm 8,15). Este texto nos diz que o Espírito Santo nos faz filhos no Filho e, conseqüentemente, com o Filho nos leva a clamar a palavra por excelência: Abbá, Pai. Somos assim inseridos na vida trinitária; a consciência deste fato era tão viva para os antigos cristãos que aprendiam a dizer Abbá desde os primeiros dias da sua conversão, ficando essa palavra aramaica, mesmo fora da Palestina, como a palavra mais típica e fundamental da mensagem cristã.

Ef 2,18: "Por Cristo. . . num só Espírito temos acesso ao Pai". — Neste texto é apresentado o papel de cada uma das Pessoas trinitárias na obra de salvação do homem: o Espírito Santo é sempre aquele que nos faz filhos ou aquele que nos atinge em nosso íntimo. Ele nos leva ao Pai (que é o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Último) mediante o Filho (que é o nosso Pontífice ou Mediador). "Ao Pai pelo Filho no Espírito Santo" é a fórmula clássica da piedade cristã, geralmente reassumida pela Liturgia. Vivemos "no Espírito Santo" (cf. 1Cor 12,3; Rm 8,9.11), pois é o Espírito que anima e vivifica o Corpo de Cristo que é a Igreja.

Tt 3,4-6: "Quando a bondade e o amor de Deus, nosso Salvador, se manifestaram, . . . fomos levados pelo poder regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele ricamente derramou sobre nós por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador". — Como se vê mais uma vez, o Pai é o Amor, que tem a iniciativa de nos salvar, o Filho é o Pontífice ou Mediador, e o Espírito Santo é a força de Deus que nos recria, fazendo-nos consortes da vida trinitária.

Hb 2,3s: "A salvação começou a ser anunciada pelo Senhor. Depois foi-nos fielmente transmitida pelos que a ouviram, testemunhando Deus juntamente com eles, . . . pelos dons do Espírito Santo distribuídos segundo a sua vontade". . . — Deus (Pai) é o princípio de toda a salvação; o Filho é a Palavra, que na terra anuncia essa Boa-Nova do Pai; o Espírito Santo é Aquele que em nossos corações explana e interpreta a mensagem.

 Tal é a doutrina dos escritos do Novo Testamento. Vê-se, pois, que não se pode dizer que no Novo Testamento não há declarações trinitárias ou que a doutrina da SS. Trindade é alheia aos escritos bíblicos. É certo que tal doutrina se encontra expressa, nos textos citados, de maneira vivencial, sem preocupações especulativas e sistemáticas. Os textos bíblicos enfatizam o significado salvífico das verdades da fé, pois a Bíblia foi escrita como mensagem de salvação; todavia foi redigida em termos suficientemente claros, que a Tradição cristã foi aos poucos desenvolvendo de forma homogênea.

4. A antiga Tradição

Na geração que se seguiu imediatamente aos Apóstolos, há testemunhos de fé trinitária em continuidade com os do Novo Testamento. Tenham-se em vista, por exemplo, os seguintes:

1) o rito batismal era ministrado em nome das três Pessoas Divinas, em conformidade com Mt 28,19. Assim atesta a Didaqué, catecismo da Igreja nascente redigido no fim do século I:

"No que diz respeito ao Batismo, batizai em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo em água corrente. . . Derramai três vezes água sobre a cabeça em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (no 7).

S. Justino (+165 aproximadamente) escreve:

"Os que devem ser batizados, são levados por nós a um lugar onde haja água, e são regenerados da mesma maneira como nós fomos regenerados. Com efeito; é em nome do Pai de todos e Senhor Deus e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo que recebem a loção na água. Este rito nos foi entregue pelos Apóstolos" (Apologia I, no 61).

Tertuliano (+220): "Foi estabelecida a lei de batizar e prescrita a fórmula: 'Ide, ensinai os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo' (Mt 28,19)" (DeBaptismo c 13).

2) Os escritores mais antigos expressam a sua fé trinitária em passagens como:

"Um Deus, um Cristo, um Espírito de graça" (S. Clemente Romano, +100 aproximadamente, Aos Coríntios 46,6).

"Como Deus vive, vive o Senhor e vive o Espírito Santo" (S. Clemente Romano, ib. 58,2). "Vos sois as pedras do templo do Pai, elevado para o alto pelo guindaste de Jesus Cristo que é sua Cruz, com o Espírito Santo como corda" (S. Inácio de Antioquia, 1107, Aos Efésios 9,1). • 

"Mantende-vos. . . na fé e na caridade, no Filho e no Pai e no Espírito, no princípio e no fim. . . Sede submissos ao Bispo e uns aos outros, como Cristo segundo a carne se submeteu ao Pai, e os Apóstolos a Cristo e ao Pai e ao Espírito, a fim de que a unidade seja, ao mesmo tempo, carnal e espiritual" (Aos Magnésios, 13,1s). 

"Eu te louvo, Deus da verdade. Te bendigo, Te glorifico por teu Filho Jesus Cristo, nosso eterno e sumo Sacerdote no céu; por Ele, com Ele e o Espírito Santo, glória seja dada a Ti, agora e nos séculos futurosl Amém" (S. Policarpo, 1/56, Martírio, 14,1-3). 

"Já temos mostrado que o Verbo, isto é, o Filho esteve sempre com o Pai. Mas também a Sabedoria, o Espírito estava igualmente junto dele antes de toda a criação" (S. Ireneu, acerca de 202, Adversus Haereses IV 20,4). 

Muito significativo é o texto do apologista cristão Atenágoras, +180: 

"Como não se admiraria alguém de ouvir chamar ateus os que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e o Espírito Santo, ensinando que o seu poder é único e que sua distinção é apenas distinção de ordens?" (Súplica pelos Cristãos, c 10).-, 

3) A palavra "tríade" ou "trindade" (triás, em grego) aparece pela primeira vez nos escritos de Teófilo de Antioquia (+ após 181), exprimindo de maneira mais sistemática a doutrina consagrada pela S. Escritura; com efeito, ao referir-se aos dias da criação em Gn 1, diz o autor: "Os três dias que precedem o aparecimento dos luzeiros, são tipos da Trindade: de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria" (A Autólico, I. II, c. 14). O fato de que Teófilo usa a palavra triás como um termo corrente, sem necessidade de explicação, leva a crer que tal vocábulo não foi introduzido por Teófilo, mas já era usual antes dele. 

No século III, como se compreende, a fé dos cristãos na SS. Trindade se manifesta ainda mais eloqüentemente. Os dados bíblicos suscitaram nos teólogos da Igreja o desejo de penetração sistemática, pois a teologia é fides quasrens intellectum, fé que procura compreender. Registrou-se então o debate teológico, do qual vão, a seguir, reproduzidos os principais traços. 5. As controvérsias trinitárias

As primeiras tentativas de conciliar unidade e trindade em Deus foram falhas: tendiam a subordinar o Filho ao Pai (o Espírito Santo era menos estudado). Tal teoria nos séculos II e III tomou o nome de monarquianismo (defendia a monarquia divina).

No século IV, o subordinacionismo foi representado por Ario de Alexandria a partir de 315: afirmava ser o Filho a primeira e mais excelente criatura do Pai. Tendo sido concedida a paz aos cristãos em 313, compreende-se que a controvérsia tenha tomado vulto que nunca tivera. Em conseqüência, reuniu-se o primeiro Concílio Ecumênico da história em Nicéia (Ásia Menor) no ano de 325, o qual redigiu uma profissão de fé, que afirmava:

"Cremos. . . em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido do Pai como Unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, luz da luz. Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial com o Pai, por guem foi feito tudo que há no céu e na terra" (DS 125 [54]).

Vê-se que o texto acentua a identidade de substância do Pai e do Filho para afirmar que o Filho não foi criado (quem cria, tira do nada), mas gerado (quem gera se prolonga no filho gerado); o Filho é Deus de Deus, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro.

Todavia a disputa não se encerrou em 325. Entre outras questões, restava a das relações do Espírito Santo com o Pai e o Filho. Após decênios de debates, reuniu-se o Concílio de Constantinopla I em 381, que acrescentou à profissão nicena de fé os dados referentes ao Espírito Santo:

"Cremos no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai (cf. Jo 15,26), com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, o qual falou pelos Profetas" (DSn° 150 [86]).

Afirmando que o Espírito Santo é adorado com o Pai e o Filho, os padres conciliares queriam incutir a identidade de substância (ou a Divindade) do Espírito Santo com o Pai e o Filho. Não há, pois, subordinação do Espírito ao Filho ou ao Pai.

Só foi possível aos teólogos chegar à formulação exata do dogma após recorrerem à distinção entre ousía (essência, natureza) e hypóstasis (pessoa). Aquela é única (a Divindade); as pessoas, porém, são três, sem esfacelar nem retalhar a natureza divina, como três são os ângulos de um triângulo sem esfacelar a superfície do triângulo.A filosofia grega, que primava pelo seu acume lógico, forneceu aos teólogos cristãos o instrumental necessário para que pudessem elaborar a reta fórmula da fé. Não há inconveniente na utilização da razão e dos seus conceitos para se ilustrarem as verdades da fé, contanto que se preserve incólume o conteúdo de Revelação divina. O recurso à filosofia grega não implicou em helenização do Cristianismo; os cristãos eram muito ciosos da identidade da sua fé, a ponto de morrerem como mártires para não a trair. De resto, o estudo objetivo e sereno das Escrituras do Antigo e do Novo Testamento bem mostra que a doutrina da SS. Trindade é genuinamente bíblica; foi professada na Igreja antes de qualquer apelo à filosofia grega.

O mistério da SS. Trindade estará sempre acima do alcance da razão humana, como, aliás, a vida do próprio Deus em sua unidade é "algo que o olho não viu, o ouvido não ouviu, o coração do homem jamais percebeu" (1Cor 2,9). Isto, porém, não quer dizer que a razão humana não possa descobrir nos seus conceitos e na imagem das criaturas noções que ilustrem de algum modo o mistério de Deus; é precisamente esta a tarefa da teologia. Como todos os estudiosos, os teólogos procedem lentamente, formulando teorias e hipóteses, que o debate vai eliminando e purificando; assim preparam a via para o magistério oficial da Igreja, que não raro mediante Concílios foi definindo nos primeiros séculos as genuínas fórmulas da fé católica.

Podemos aqui referir ainda a objeção que as Testemunhas levantam contra o dogma trinitário, ao dizerem que 1 + 1 + 1 = 3, ou seja, se o Pai é Deus, se o Filho é Deus, se o Espírito Santo é Deus, temos três deuses. Ao que respondemos na mesma linguagem popular: 1x1x1 = 1; vê-se, pois, que a trindade não exclui a unidade desde que o fiel cristão a entenda devidamente: em Deus as três pessoas não multiplicam a natureza e a substância divina, como os três ângulos de um triângulo não multiplicam a figura geométrica.

Quanto à tendência a identificar o Espírito Santo com a Mãe do Filho, ao lado do Pai, na SS. Trindade, deve-se a uma corrente judaica representada pelo apócrifo "Evangelho dos Hebreus" (datado dos séculos I/II). Teve origem em uma seita judeo-cristã dita dos "Nazarenos de Beréia", que estavam distantes das linhas doutrinárias dos demais cristãos; queriam, por exemplo, eliminar do Novo Testamento as epístolas de S. Paulo, tido como apóstata da Lei de Moisés; menosprezavam os Evangelhos canônicos para se aterem somente ao Evangelho segundo os Hebreus. Tal corrente não encontrou ressonância no Cristianismo; em conseqüência, também a interpretação aí dada ao Espírito Santo e à SS. Trindade não teve continuidade.

6. Jeová ou Javé? As Testemunhas de Jeová têm como fundador Charles-Taze Russell (1852-1916), nascido em Pittsburg (U.S.A.) de família presbiteriana. Em 1870 tornou-se adventista. Como tal, refez os cálculos referentes à segunda vinda de Cristo, que os adventistas tinham previsto para 1843/44; Russell assinalou-a para 1914 e, finalmente, para 1918. Infelizmente, porém, Russell faleceu em 1916.

O sucessor foi o juiz Rutherford, que, tendo ido à Europa em 1920, aí anunciou o início da idade de ouro para 1925. Esse novo líder da seita, até então dita "dos Estudiosos da Bíblia", fez que tomasse o nome de "Testemunhas de Jeová". Rutherford morreu em 1942.

Atualmente as Testemunhas têm seu centro principal em Brooklyn (Nova Iorque), onde são editados dois jornais também traduzidos para o português: 'Torre de Vigia" e "Despertai-vos!"

As Testemunhas acentuaram o retorno ao Antigo Testamento, que os Adventistas já tinham iniciado. Chegam ao ponto de negar a SS. Trindade; chamam Deus pelo apelativo Jeovah, forma tardia e errônea do nome Jahweh. — Com efeito; o nome com que Deus se revelou a Moisés é Vahweh (cf. Ex 3,13-17). Tal era a reverência tributada a este apelativo que os judeus não o ousavam pronunciar a partir do exílio (século VI a.C). Era tido como "o nome que se escreve, mas não se lê". Ao encontrarem escrito tal nome, os Israelitas pronunciavam Adonay (1) (= meu Senhor). Em conseqüência, após o século VI d.C. os rabinos fizeram a fusão das consoantes de I H W H com as vogais de E d O n A y; donde resultou JEHOWAH. Notemos, porém, que ainda no início da Idade Média a pronúncia do vocábulo assim oriundo era sempre Adonay. A pronúncia Jeová é, pela primeira vez, atestada por Raimundo Martini, autor da obra "Pugio Fidei" no ano de 1270; parece, porém, que já estava em uso nas escolas rabínicas anteriores. Só foi adotada pelos cristãos no século XVI; principalmente os protestantes, tendo à frente o calvinista Teodoro Beza de Genebra, lhe deram voga, de modo que as Bíblias protestantes de língua inglesa freqüentemente aduzem o nome Jeová.

Além disto, para as Testemunhas de Jeová, Jesus Cristo é apenas criatura. Esta afirmação faz cair por terra todo o edifício do Cristianismo.

Vê-se, pois, como é infundada a posição antitrinitária das Testemunhas: nem na Bíblia, nem na Tradição encontra apoio; faz, antes, parte da tendência das Testemunhas a retornar ao Antigo Testamento em detrimento da Revelação de Nosso Senhor Jesus Cristo. 

(1) O primeiro a era mudo, correspondendo a um e. 7. A SS. Trindade e as fórmulas pagãs

O estudo das religiões comparadas mostra que em algumas correntes religiosas aparecem tríades.

1. A mais simples é a de Pai, Mãe e Filho, ocorrente no Egito antigo sob a forma de Osíris, Isis e Horus. - Ora tal concepção antropomórfica está bem distante da Revelação cristã; o Espírito Santo não é a Mãe de Deus Filho nem é a Esposa de Deus Pai. Ademais a noção do Filho de

Deus feito homem e crucificado é totalmente estranha às tradições do Egito e dos povos antigos em geral.

2. Na Índia existe a Trimurti. Tri lembra o no 3, ao passo que murti, em sânscrito e em híndi, quer dizer: corpo sólido, matéria, forma e, principalmente, estátua ou imagem. Designando imagem, murti significa também uma manifestação divina. Trimurti seria, portanto, a tríplice manifestação da Divindade.

Há diversas Trimurti ou manifestações da Divindade na Índia. Assim, por exemplo, existe a Tríade:

Brahma, princípio criador do mundo (ou princípio donde emana o mundo, visto que a noção de produzir a partir do nada ou criar era estranha à Índia); Vishnu, princípio protetor do mundo; Shiva, princípio destruidor do mundo.

Todavia na concepção do hinduísmo não há igualdade entre essas três manifestações da Divindade: Brahma é o deus supremo, impessoal, que no plano dos fenômenos ou das aparências, se manifesta em três deuses diferentes. Brahma assim pode aparecer como a Divindade em seus três aspectos de Criador, Conservador e Destruidor do mundo. Quase não há templos dedicados a Brahma, ao passo que os templos e oratórios consagrados a Vishnu e Shiva se contam aos milhares.

O pensamento filosófico hinduísta pode também dizer que Brahma é, ao mesmo tempo, Existência (Sat), Consciência (Cft) e Felicidade (Ananda) ou Sacádanandabrahma. Estas concepções se distinguem bem da noção cristã de Pai, Filho e Espírito Santo.

A índia é o berço de uma multidão de concepções religiosas, de modo que na mitologia e na iconografia shivaítas, Brahma e Vishnu são algumas vezes um tanto ridicularizados. A tendência do pensamento hinduísta não é a de fazer alternativas e exclusivismos, mas, antes, prefere as sínteses e as complementações (em lugar das oposições).

Encontram-se na índia outras tríades:

Agni, o deus Fogo; Vayu, o deus Vento; Surya, o deus Sol, cada qual reinando no seu próprio setor, ou respectivamente sobre a terra, os ares e o céu.

Sejam mencionados outrossim: os três Vedas ou tipos de escritos sagrados, os três fogos do sacrifício, o tríplice mundo, os três gumas ou qualidades constitutivas do universo .. .

O número 3 é tão estimado pelos antigos e, por isto, tão utilizado na Mística, porque lembra o triângulo eqüilátero, que é imperturbável ou inderrubável e invencível. Três, em conseqüência, era tido como símbolo de perfeição.

A SS. Trindade cristã, embora pareça corresponder à tendência meramente humana de valorizar o número 3, tem um significado e conteúdo teológico que a distanciam de qualquer tríade não cristã, como se verá às pp. 16-21 deste fascículo.

Não nos surpreende o fato de que a SS. Trindade seja considerada um mistério. . . Trata-se da essência do próprio Deus, que definimos como sendo a máxima perfeição; por conseguinte, há de

ultrapassar, em riqueza de vida, os limites da inteligência humana. Ultrapassa, porém, sem contradizer as verdades racionais ou a lógica.

A própria fé é um ato racional. Com outras palavras: quem crê, não está renunciando à sua racionalidade. Ao contrário, está a exercê-la, pois a própria razão humana afirma ao homem que a verdade não acaba onde os horizontes do raciocínio acabam. A lógica nos leva a crer; é inteligente ter fé.

OS MÓRMONS

Exporemos abaixo o currículo de vida do fundador da seita dos Mórmons, a sua doutrina e o seu significado dentro da história do Cristianismo. 1. O Fundador. Joseph Smith Aos 23 de dezembro de 1805 nascia em Sharon (U.S.A.) Joseph Smith, filho de piedosa família de colonos que professavam o protestantismo sob a forma do Metodismo.

 Aos poucos o jovem revelou ter uma índole pessoal bem característica, que um de seus mais abalizados biógrafos modernos, Lemonnier, assim descreve: «Meigo e amável, não deixava de falar quando estava com amigos, e a sua eloqüência ardente se expandia em histórias intermináveis que ele inventava a gosto; não podia contar o mais simples incidente da sua vida sem o transformar em aventura maravilhosa... Não era muito amigo de leitura, e mal conhecia a Bíblia;... em casa chamavam-no, por vezes, de iletrado. Era, porém, o filho predileto de seu pai, que o considerava como o gênio da família. Com seu pai, José andava à busca de tesouros, de tal modo que os arredores da fazenda estavam cheios de escavações» (Hístoíre des Mormons 1948, pág. 13). Aos quinze anos de idade, fez a sua primeira grande experiência religiosa. A população local se via então abalada por novo despertar religioso, que se manifestava em contradições entre as denominações religiosas protestantes. A família de Smith fez-se então, em parte, presbiteriana; quanto a Joseph mesmo, hesitava... Resolveu conseqüentemente ir pedir luzes a Deus, orando em alta voz num bosque. Transcorria uma manhã da primavera de 1820, quando lhe apareceram dois anjos, que lhe deram a ordem de não se filiar a crença religiosa alguma, pois ele um dia haveria de restaurar a «Igreja Cristã primitiva». Uma segunda visão deu-se aos 21 de setembro de 1822, quando José foi visitado por figura fulgurante, que dizia ser o anjo Moroni: este lhe anunciou que ele (José) havia de descobrir placas de ouro ocultas, nas quais se achava escrita a história maravilhosa do povo de Deus na América. Finalmente, aos 22 de setembro de 1827, o mesmo anjo o levou a encontrar as famosas placas após haver cavado o cume da colina de Cumorah. O texto da mensagem respectiva era atribuído pelo anjo a um rei chamado Mórmon (daí o nome «mórmon» que a José Smith e seus discípulos foi dado posteriormente). O documento estava redigido em idioma que Smith chamava «língua egípcia reformada» e que ele desconhecia. Para o entender, Moroni forneceu ao vidente duas pedras maravilhosas («Urim» e «Thummin»), que comunicavam a necessária compreensão do texto. Dizia o jovem José que quem ousasse lançar um olhar para as placas de ouro, morreria imediatamente. Por isto, Smith nos tempos subseqüentes se colocava por detrás de uma cortina e ia ditando a tradução da mensagem das placas a um secretário, modesto camponês chamado Martin Harris. Em junho de 1829 estava terminada a tradução inglesa do livro de Mórmon, a qual foi impressa e publicada em 1830. Sem demora o anjo arrebatou as placas, de sorte que jamais foram vistas pelo público. Apenas (diz uma declaração colocada no inicio de cada exemplar do referido livro) três discípulos de Smith as puderam contemplar numa visão posterior, e atestaram esta visão com juramento. A título de informação, consignamos também o seguinte: existe, entre os historiadores, uma versão que visa explicar de maneira mais plausível e verossímil a origem do «Livro de Mórmon». Certo escritor presbiteriano, Salomão Spaulding, no século passado, redigiu um romance em torno dos primórdios das populações aborígines da América, apresentando-as como descendentes dos hebreus. Esse romance não chegou a ser publicado, mas caiu nas mãos de um pregador

batista, depois campbellista, chamado Sidney Rigdon. Sidney foi associar-se a José Smith na fundação da nova Igreja; deu então à obra romanceada de Spaulding aspectos e estilo bíblicos... Dai terá resultado o «Livro de Mórmon». Juntamente com a mensagem de Mórmon, José recebia a missão de fundar uma Igreja, que seria a restauração da antiga Igreja de Cristo e dos Apóstolos. Com alguns poucos companheiros, portanto, o vidente fundou a nova comunidade, aos 6 de abril de 1830, no Estado de Nova Iorque. Esse núcleo de crentes começou a propagar ardorosamente as suas idéias por todas as regiões vizinhas. Apresentavam-se como os arautos, da religião de um povo santo, escolhido por Deus para converter o mundo nos últimos dias, ou seja, nos dias anteriores à definitiva vinda de Cristo; a sociedade, até mesmo os cristãos, estariam todos mergulhados em erros de doutrina e moral; em conseqüência, quem não seguisse a mensagem de Mórmon deveria ser tido como gentio ou pagão. Bem se compreende que tal pregação tenha suscitado represálias por parte do público. Os companheiros de Smith tiveram então que peregrinar por diversas localidades dos Estados de Ohio e Missouri desde 1831 a 1839. Finalmente em 1840 estabeleceram-se no Illinois, fundando a cidade de Nauvoo, que seria a «Nova Sião», verdadeiro Estado teocrático (isto é, todo regido por leis religiosas ou por «revelações» divinas); aí se aguardaria o Cristo, que estava para voltar em breve sobre a terra. O território de Nauvoo foi oficialmente concedido aos crentes pelo Governo do Estado de Illinois; os Mórmons lá constituíram poder legislativo, judiciário e executivo próprio, com direito de manter um exército para sua defesa sob o comando de José Smith. Este fundou também um grandioso templo e uma Universidade. Desdobrando logicamente as suas idéias, José Smith chegou a proclamar-se candidato à presidência dos Estados Unidos em fins de 1843; disseminou apóstolos e pregadores que divulgassem o seu programa, no qual estava incluído, entre outras coisas, o resgate dos escravos. Contudo a situação evoluiu desfavoravelmente aos novos crentes... Com efeito; Smith resolveu apregoar em público uma doutrina que lhe fora «revelada» particularmente e que já era posta em prática na sua comunidade: a doutrina do «matrimônio celeste» ou da poligamia. Esta inovação provocou a animosidade das populações vizinhas de Nauvoo, populações que haviam recebido com simpatia os «santos dos últimos dias». Os jornais da região incitaram então os cidadãos a guerra contra os crentes. Estes responderam arregimentando as suas tropas. Isto bastou para que o Governador do Estado acusasse Smith de alta traição. O vidente assim apontado concebeu o plano de fugir. Não o fez, porém, visto que seus companheiros o consideravam como covarde; resolveu mesmo entregar-se aos juízes civis, que o colocaram no cárcere. Contudo a multidão não se conteve: invadiu a prisão aos 27 de junho de 1844 e pôs termo violento a vida de José e seu irmão Hyrum Smith. O profeta tinha nessa ocasião 39 anos de idade. A sua figura, que já gozava de grande autoridade entre os discípulos, cresceu na mente destes: José Smith veio a ser tido como mártir e símbolo sagrado. Quem havia de lhe suceder?

 O mais antigo companheiro de Smith - Sidney Rigdon - nutria pretensões. Foi, porém, eliminado pelos discípulos. Em breve tornou-se Presidente e Profeta da «Igreja» um jovem enérgico e fanático (mais equilibrado, porém, do que o fundador da seita) chamado Brigham Young. Este fora outrora metodista; tendo-se passado ao Mormonismo, em 1835 havia sido constituído um dos doze Apóstolos da nova seita. Sua eleição encontrou oposição por parte de membros da comunidade, entre os quais um dos filhos de Smith, que resolveu então separar-se para fundar a «Reorganizada Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias». A situação era tão tesa em Nauvoo que Young decidiu deixar o território do Illinois, de mais a mais que em janeiro de 1845 um decreto do Governo abolia os privilégios concedidos à colônia dos Mórmons. Retirou-se, pois, com a sua comunidade de crentes para o deserto de Utah, região então pertencente ao México. A custa de energia férrea, conseguiram em 1847 aí fundar a Cidade de Salt Lake (ou do Lago Salgado). A legislação da cidade permitia a poligamia (o próprio Young teve mais de vinte esposas celestes!) ; organizava meticulosamente o trabalho e a economia, de modo que em breve o deserto se tornou terra fértil e produtora. Em 1848, o México entregou o território de Utah aos Estados Unidos; a poligamia tornou-se então grave pomo de discórdia entre o Governo norte-americano e os Mórmons. Somente em 25 de setembro de 1890, o Presidente da seita, Woodruff, empreendeu a conciliação: declarou que em visão recebera ordem de abolir a poligamia; isto permitiu que finalmente em 1896 Utah se tornasse Estado da Confederação norte-americana. Contudo a poligamia ainda é aí praticada, embora em termos discretos; a maioria da população de Utah professa a crença de Mórmon. Atualmente o Mormonismo parece contar cerca de um milhão de crentes, dos quais dois terços residem em Utah. Têm missionários espalhados pelo mundo em intensa atividade proselitista. O governo da seita toca a um Presidente («Profeta, Vidente e Revelador») assistido por dois conselheiros e doze Apóstolos. Pergunta-se agora 2. Qual a mensagem dos Mórmons ? 1. Os Mórmons relatam do seguinte. modo o seu histórico: Após a confusão das línguas em Babel (cf. Gên 11), a tribo de Jared emigrou da Ásia para a América. Contudo, já que se constituía de homens maus, Deus permitiu fosse punida por muitas guerras e calamidades públicas, de modo que estava para se extinguir em 600 a. C. Nesta época, porém, vivia na Palestina um profeta chamado Lehi, da tribo israelita de Manassés; foi avisado por Deus de que, em breve (586 a. C.), Jerusalém cairia sob os golpes de Nabucodonosor; por isto veio com outros israelitas para a América, onde encontrou os últimos descendentes de Jared. Uma vez morto Lehi, houve divergências entre os seus dois filhos Nefi e Lamã, ou quais em conseqüência se separaram. A tribo de Nefi conservou-se fiel a Javé, ao passo que os descen-dentes de Lamã prevaricaram; em castigo Deus deixou que a cor de sua pele se tornasse vermelha; são hoje em dia os índios ou aborígines da América. Quando Cristo esteve sobre a

terra, visitou os Nefitas na América após a sua ressurreição. Dois ou três séculos depois de Cristo, também os Nefitas (de pele branca) pecaram gravemente e foram exterminados pelos Lamanitas ou índios. Contudo o último rei e patriarca nefita, Mórmon, antes de morrer escreveu a história do seu povo sobre placas de ouro, que ele entregou a seu filho Moroni; este escondeu tão precioso depósito no alto da colina de Comorah, onde finalmente José Smith no século passado, sob a guia do anjo (Moroni), o devia descobrir. Daí se origina o «Livro de Mórmon», que é a terceira Revelação (enumerada após o Antigo e o Novo Testamento), autentica Palavra de Deus, à luz da qual a Bíblia Sagrada mesma deve ser interpretada. Além do «Livro de Mórmon» e da Bíblia, os discípulos de Smith admitem mais dois livros sagrados: «A Pérola de Grande Preço» e «Doutrinas e Pactos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos últimos Dias». Estas obras contem uma coletânea de passagens, autênticas e não autênticas, da Escritura Sagrada, assim como a autobiografia de José Smith e revelações que este recebeu de Deus. 2. É por tais escritos que se transmitem as doutrinas e as práticas do Mormonismo, as quais se podem resumir nos seguintes itens: a) Existe um Deus, que é dito «Pai, filho e Espírito Santo». O Pai, porém, tem carne e ossos; quanto ao Filho e ao Espírito Santo, são apenas emanações do Pai. Julgam os historiadores que Smith admitia outrossim um certo politeísmo; testemunho disto seria o fato de que no fim da vida traduzia o nome hebraico «Elohim» por «deuses». b) O homem é eterno: viveu no Reino de Deus antes de aparecer sobre a terra. Neste mundo os indivíduos não têm recordação dessa sua existência passada, a fim de poder aceitar ou recusar livremente o Evangelho. Caso não cheguem a conhecer o Evangelho na vida presente, os homens o poderão conhecer após a morte e se salvarão mediante um batismo póstumo. c) O batismo póstumo constitui uma das práticas mais estranhas do Mormonismo. É administrado, por presumida procuração, aos descendentes dos defuntos. A descendência é meticulosamente examinada em tabelas genealógicas que os mórmons consultam (se necessário) em arquivos espalhados pelo mundo inteiro. Assim os descendentes podem obter a graça de Deus para seus antepassados que não tenham conhecido a Revelação. d) Há mesmo uma certa identidade de natureza entre o homem e Deus. «Tal como Deus é, tal pode o homem tornar-se». e) Não existe pecado original. O homem se vai continuamente aperfeiçoando pelo arrependimento de suas faltas. O único castigo que o aguarda, é a dor de ter perdido oportunas ocasiões de melhorar. f) No Mormonismo foi restaurada a primitiva Igreja, que os homens dos séculos passados deturparam. Estabelecer-se-á uma nova Sião na América; Cristo virá pessoalmente reinar sobre a terra, cuja face será renovada, tornando-se o paraíso. 

g) Na Igreja dos Santos dos últimos Dias, o Espírito Santo se manifesta de maneira extraordinária e permanente por meio dos dons de línguas, profecias, revelações, curas, visões, etc. O Presidente da Igreja é sempre inspirado por Deus ao realizar os atos mais importantes de seu governo. h) A ceia do Senhor é celebrada sob duas espécies: pão e água. Não se usa vinho, embora a revelação n° 20 o prescreva. E por que não? -- Muitos crentes respondem:... porque há cerca de cento e vinte anos os adversários dos mórmons tentaram envenená-los com o vinho da santa ceia; contudo água e vinho não fazem grande diferença no caso, porque se trata de meros símbolos destinados a lembrar apenas o Senhor Jesus. i) No que se refere ao casamento, José Smith em 1831 recebeu a revelação de que seria lícita a poligamia; todavia só a consignou por escrito em 1843. Ao ter notícia desta disposição, Brigham Young exclamou: «Pela primeira vez na vida desejei então estar no túmulo»; inclinou-se, porém, diante da determinação. - Os historiadores acham o fato particularmente estranho, pois que o «Livro de Mórmon» proíbe explicitamente a poligamia; julgam que Smith a deve ter admitido por razões estritamente pessoais; embora tal praxe fosse fadada a provocar reação e repulsa da própria comunidade de crentes, ela se terá implantado por razões preponderantemente econômicas, pois a população recém estabelecida em Utah só poderia sobreviver caso se impusesse pela multidão e pela força de seus cidadãos; ora tal condição exigia prole numerosa. O êxito que os Mórmons em seus primeiros decênios obtiveram no plano financeiro e político, parece ter correspondido as expectativas. A vida civil e econômica em Utah foi religiosamente organizada, isto é, organizada segundo o rigor e a precisão que somente a religião poderia inspirar; um sistema de dízimos e taxas fielmente observado pelos crentes assegurou a Igreja não só a subsistência, mas até mesmo alta prosperidade material. Todavia, já que a poligamia contrariava as leis norte-americanas, foi, por intimação das autoridades civis da nação, abolida (ao menos em teoria e de maneira oficial) pelo quarto Presidente da Igreja, Woodruff, em 1890 (Woodruff justificava sua atitude apelando para especial revelação recebida do céu). A legislação mormônica prevê também matrimonio «pelos mortos»: uma mulher que faleça sem se ter casado nesta vida pode ser, pelos seus familiares sobreviventes na terra, ligada a um varão no Além. Em caso contrário, seria prejudicada em sua bem-aventurança póstuma; diz, com efeito, a revelação n° 132: «Aqueles que não passam por esse sacramento (do matrimônio) só podem aspirar a dignidade de anjos, ao passo que os eleitos podem esperar elevar-se até a dignidade de deuses». i) A Igreja Mormônica dirige os seus fiéis não somente no plano espiritual, mas também no material, prescrevendo até o regime alimentar (estão proibidos o chá, o café, o fumo e as bebidas alcoólicas). Tal atitude é justificada nos seguintes termos pelo sexto Presidente da Igreja, José Smith, sobrinho-neto do fundador: «Uma religião que não pode salvar os homens no plano temporal, tornando-os prósperos e felizes neste mundo, também não é capaz de os salvar no plano espiritual, levando-os a vida futura». Note-se, por fim, que cada mórmon fiel tem a obrigação de contribuir com 20 % de suas rendas para a Igreja, além das horas de trabalho que ele lhe dedica todas as semanas. Procuremos agora formular sobre tais assuntos 

3. Uma reflexão final Os historiadores não costumam pôr em dúvida a boa fé ou a sinceridade de José Smith, fundador da Congregação Mormônica; terá sido uma alma profundamente religiosa. A obra, porém, de Smith se ressente de um defeito radical, que contamina os seus principais traços: aparece qual mero fruto da imaginação ou de um temperamento desequilibrado. G.-H. Bousquet, escritor tido por autoridade no assunto, colaborando em uma enciclopédia que não tem caráter religioso, alude a Smith como «iluminado mitomaníaco, provavelmente ciclotímico» (Les Mormons pag. 61, na coleção «Que sais-je?». Presses Universitaires de Frunce). Bousquet chega a comparar Smith com Maomé, asseverando que o Mormonismo e o Islamismo são fenômenos análogos; constituem, sim, manifestações psicológicas e sociais dentre as que periodicamente no decorrer da história vem a tona, exprimindo uma das grandes características da alma humana, a saber: o desejo de possuir algo mais do que a felicidade material imediata,... o desejo de tocar uma realidade nova, transcendente, introduzida por visões e revelações. Na verdade, tanto o Mormonismo como o Islamismo possuem seu código revelado: o Livro de Mórmon, o Corão; admitem que Deus tenha intervindo repetidas vezes na vida do respectivo fundador; constituíram comunidades teocráticas, visando, por assim dizer, instaurar um Reino de Deus visível aqui na terra; consentiram na poligamia; «por ordem de Deus» lançaram-se a conquista do mundo, recorrendo ou as armas ou a pregação. O fato de que Smith não tenha encontrado a aceitação e o sucesso que Maomé conseguiu, deve-se as circunstancias do século passado e do ambiente norte-americano em que ele lançou a sua obra. Em última análise, o Mormonismo exprime em termos exuberantes e fantasistas a sede do paraíso ou da vida eterna que todo homem possui em si, qualquer que seja a época ou a nacionalidade a que pertença. Infelizmente, porém, Smith traduziu essa sede de maneira pouco sadia: construiu a sua obra sobre a base de premissas tão arbitrárias e inconsistentes que o Mormonismo como tal carece de autoridade. Contudo o ideal que no momento ele apregoa, é suficiente para mover profundamente a alma humana; o título de «Santo dos últimos Dias», a função de arauto de uma mensagem nova e mais perfeita para a humanidade, a sensação de haver descoberto um grande tesouro espiritual ou religioso, o ideal de preparar a vinda iminente do Reino de Deus são elementos que falam ao mais íntimo de todo ser humano, podendo provocar mudança de vida, entusiasmo, fervor, etc., que muito impressionam a sociedade. Por isto, o cidadão do século XX, ao contemplar o fenômeno do Mormonismo, não tem motivo para se deixar atrair pelo conteúdo de sua doutrina (é algo de demasiado vão). Dê, antes, atenção ao significado geral desse fenômeno: é mais uma afirmação, no decorrer da história, de que o homem não foi feito para se contentar com a felicidade natural que os bens deste mundo podem proporcionar. Ele tem, sim, a sede do Absoluto ou de Deus, embora nem sempre acerte ao procurar o caminho para chegar ao Reino de Deus. 

Ao observar os mórmons, portanto, o fiel católico aprenderá deles não a doutrina, mas o fervor religioso; e renovará seu zelo por viver em máxima fidelidade à genuína mensagem do Evangelho, mensagem que de Cristo pelos Apóstolos chegou até nós sem interrupção, mensagem que por isto tem a garantia da autenticidade prometida pelo Senhor: «Estarei convosco (convosco, Apóstolos, e com os vossos sucessores) até a consumação dos séculos» (Mt 28,20).

IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

O movimento liderado pelo bispo Macedo começou arregimentar pessoas para o seu aprisco a partir de 1975, ano em que fundou “A Cruzada do Caminho Eterno”, entidade que também chamaria “Casa da Bênção” antes de mudar de nome definitivamente para Igreja Universal do Reino de Deus no ano de 1977.

Edir Macedo iniciou sua jornada ao lado do seu cunhado Romildo Ribeiro Soares, o hoje missionário RR Soares, que conhecera em 1968 na “Igreja Vida Nova”. Soares casou-se com a irmã caçula do bispo. Mas ambos se chocavam muito na administração da Igreja. Em 1980, uma cisão rompeu de vez a amizade entre os dois pastores. Havia discórdias em vários aspectos. Então, o bispo Macedo propôs uma assembléia excepcional para decidir quem seria o novo comandante da IURD. Nesse plebiscito interno entre os pastores da denominação quem perdesse deveria abandonar o barco e seguir outro caminho. Macedo ganhou com a maioria dos votos e Soares foi derrotado e perdeu a liderança da igreja, sobrando a ele sair e fundar a “Igreja Internacional da Graça de Deus”. A questão não foi encerrada até hoje. No livro da Biografia do Bispo é dito: “Após a derrota, Soares não quis permanecer. Nos dias de hoje, Edir e o cunhado pouco se falam. De tempos em tempos, o bispo recebe reclamações de que Soares tenta atrair fiéis da Universal, enviando emissários para divulgar suas doutrinas dentro do próprio templo de Macedo” (“O Bispo”, Ed. Larousse, Ed. 2007. 4, Pg. 115).

O bispo Macedo confessa que no início do movimento da igreja pregava armado com um revolver calibre 38, devido às perseguições de outros líderes religiosos. Diz que o revolver permanecia escondido no púlpito enquanto pregava no altar (“O Bispo”, Ed. Larousse, Ed. 2007, pg. 121). Hoje o bispo não anda mais armado, mas os seus seguranças são bem equipados para protegê-lo.

Quando tinha apenas doze anos de fundação, a igreja já possuía uma renda financeira suficiente para comprar uma emissora de TV, dinheiro arrecadado dos seguidores, que vivem a ideologia da Teologia da Prosperidade. Em 1992, Edir Macedo, fundador e líder da seita, passou 11 dias em prisão preventiva, por conta de um processo criminal no qual a principal acusação era a de estelionato (apropriação de bens alheios mediante ardil). Em 1995, a Associação Evangélica Brasileira, que reunia boa parte das instituições do protestantismo local, divulgou um pronunciamento no qual se afirmava que a IURD, devido a suas doutrinas e práticas, carece de autenticidade protestante.

Hoje a IURD é uma força que se retroalimenta. Até o ano de 2007 eram 4.748 templos e 9660 pastores apenas no Brasil. A IURD já se encontra em 172 países de quatro continentes. A quantidade exata de fiéis é imprecisa. A estatística do IBGE calcula 2 milhões, mas, de acordo com a liderança da IURD o número pode chegar a 8 milhões de fiéis só no Brasil. Um grande volume de negócios também gira em torno da IURD: construtoras, empresa de taxi aéreo, agência de turismo, mídia e consultoria. O balanço não inclui pastores e bispos que fazem funcionar a empresa IURD (“O Bispo”, Ed. Larousse, Ed. 2007, pg. 243, 244).

João Flavio Martinez.DOUTRINA DA UNIVERSAL

DOENÇAS: Para a Igreja Universal toda doença é ‘demônio’e a cura se processa por meio de expulsão desses demônios que são interpelados com nomes de doenças: ‘espírito de enfermidade’, ‘espírito de dor de cabeça’, etc.

POBREZA: A Universal julga que a pobreza é falta de fé e que os verdadeiros servos de Deus tem que ser prósperos e ‘abençoados’. Esta prosperidade é alcançada por meio da fé. Porém, está

fé tem que ser demonstrada pelos fiéis através de ‘ofertas’, prática do dízimo e ‘campanhas de oração’.

DÍZIMOS E OFERTAS: É a mola mestra do ensino da Universal. Deixar de dar o dízimo implica em liberar a ação do demônio sobre os membros. ‘O devorador’ é o demônio que assola a quem não paga fielmente o dízimo. A oferta é a expressão máxima da fé. Quanto mais você oferta, mais fé você expressa para que Deus possa te abençoar com prosperidade.

DEMÔNIOS: Os demônios são os causadores de todos os males que assolam a humanidade: enfermidades, doenças, pobreza, etc... Costumam confundir entidades do candomblé com demônios. A Universal pratica a expulsão de demônios com frequência e possui um culto especial para isso.

CULTOS: Costumam chamar seus cultos de ‘reuniões de oração’. Possuem dias determinados para cada reunião temática: ‘sessão do descarrego’, ‘culto do Espírito Santo’, ‘culto da família’. Nesses cultos são praticadas as chamadas ‘orações fortes’. Alem desses cultos, possuem ‘campanhas de oração’ como a ‘fogueira santa’ onde seus membros se comprometem em contribuir fielmente com uma determinada soma de dinheiro na esperança de receberem de Deus 100 por cento do que deram em troca.

OUTRAS RELIGIÕES: São totalmente anticatólicos. Entretanto, não deixam de afirmar que as outras igrejas evangélicas são mortas e ‘sem poder’. Inicialmente, o alvo principal de seus ataques era os membros das religiões afro-brasileiras. Costumam afirmar que as pessoas podem participar de suas reuniões e continuarem participando de suas igrejas normalmente.

POR QUE NÃO SOU PROTESTANTE?

São sete as razões principais pelas quais não sou protestante:

1. Somente a Bíblia…

Os protestantes afirmam que seguem a Bíblia como norma de fé. Acontece, porém, que a Bíblia

utilizada por todos os protestantes é uma só; em português, vem a ser a tradução de Ferreira de

Almeida. Por que então não concordam entre si no tocante a pontos importantes (ver nº 2

adiante)? E por que não constituem uma só comunidade cristã, em vez de serem centenas e

centenas de denominações separadas (e até hostis) entre si?

A razão disto é que, além da Bíblia, seguem outra fonte de fé e disciplina… fonte esta que

explica as divergências do Protestantismo.

Tal fonte, chamamo-la Tradição oral; é esta que dá vida e atualidade à letra do texto. A tradição

oral do Catolicismo começa com Cristo e os Apóstolos, ao passo que as tradições orais dos

protestantes começam com Lutero (1517), Calvino (1541), Knox (1567), Wesley (1739), Joseph

Smith (1830)…

Entre Cristo e os Apóstolos, de um lado, e os fundadores humanos das denominações

protestantes, do outro lado, não há como hesitar: só se pode optar pelos ensinamentos de Cristo e

dos Apóstolos, deixando de lado os “profetas” posteriores.

Notemos que o próprio texto da Bíblia recomenda a Tradição oral, ou seja, a Palavra de Deus que

não foi consignada na Bíblia e que deve ser respeitada como norma de fé. Os autores sagrados

não tiveram, em vista expor todos os ensinamentos de Jesus, como eles mesmos dizem:

“Há ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se elas fossem escritas, uma por uma, penso que

nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se teriam de escrever” (Jo 21,25, cf. 1 Ts 2,15).

“Muitos outros prodígios fez ainda Jesus na presença dos discípulos, os quais não estão escritos

neste livro. Estes, porém, foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus,

e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome” (Jo 20,30s).

São Paulo, por sua vez, recomenda os ensinamentos que de viva voz nos foram transmitidos por Jesus e passam de geração a geração no seio da Igreja, sem estarem escritos na Bíblia:

“Sei em quem acreditei.. Toma por norma as sãs palavras que ouviste de mim na fé e no amor do

Cristo Jesus. Guarda o bom depósito com o auxílio do Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1,

12/14).

Neste texto vê-se que o depósito é a doutrina que São Paulo fez ouvir a Timóteo, e que Paulo, por

sua vez, recebeu de Cristo. Tal é a linha pela qual passa o depósito:

Cristo /> Paulo /> Timóteo

A linha continua… conforme 2Tm 2,2:

“O que ouviste de mim em presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis, que sejam

capazes de o ensinar ainda a outros”.

Temos então a seguinte sucessão de portadores e transmissores da Palavra:

O Pai /> Cristo /> Paulo (Os Apóstolos) /> Timóteo (Os Discípulos imediatos dos Apóstolos) />

Os Fiéis /> Os outros Fiéis

Desta forma a Escritura mesma atesta a existência de autênticas proposições de Cristo a ser

transmitidas por via meramente oral de geração a geração, sem que os cristãos tenham o direito

de as menosprezar ou retocar. A Igreja é a guardiã fiel dessa Palavra de Deus oral e escrita.

Dirão: mas tudo o que é humano se deteriora e estraga. Por isto a Igreja deve ter deteriorado e

deturpado a palavra de Deus; quem garante que esta ficou intacta através de vinte séculos na

Igreja Católica?

Quem o garante é o próprio Cristo, que prometeu sua assistência infalível a Pedro e as luzes do

Espírito Santo a todos os seus Apóstolos ou à sua Igreja; ver Mt 16, 16-18; Lc 22,31s; Jo 21,15-

17; Jo 14, 26; 16,13-15.

Não teria sentido o sacrifício de Cristo na Cruz se a mensagem pregada por Jesus fosse entregue

ao léu ou às opiniões subjetivas dos homens, sem garantia de fidelidade através dos séculos. Jesus

não pode ter deixado de instituir o magistério da sua Igreja com garantia de inerrância.

2. Contradições

0 fato de que não seguem somente a Bíblia, explica as contradições do Protestantismo:

Algumas denominações batizam crianças; outras não as batizam;

Algumas observam o domingo; outras, o sábado;

Algumas têm bispos; outras não os têm;

Algumas têm hierarquia; outras entregam o governo da comunidade à própria congregação

(congregacionalistas);

Algumas fazem cálculos precisos para definir a data do fim do mundo – o que para elas é

essencial. Outras não se preocupam com isto.

Vê-se assim que a Mensagem Bíblica é relida e reinterpretada diversamente pelos diversos

fundadores dos ramos protestantes, que desta maneira dão origem a tradições diferentes e

decisivas.

Ademais, todos os protestantes dizem que a Bíblia contém 39 livros do Antigo Testamento e 27

do Novo Testamento, baseando-se não na Bíblia mesma (que não define o seu catálogo), mas

unicamente na Tradição oral dos judeus de Jâmnia reunidos em Sínodo no ano 100 d.C.;

Todos os protestantes afirmam que tais livros são inspirados por Deus, baseando-se não na Bíblia

(que não o diz), mas unicamente na Tradição oral.

Onde está, pois, a coerência dos protestantes?

Pelo seu modo de proceder, afirmam o que negam com os lábios; reconhecem que a Bíblia não

basta como fonte de fé. É a Tradição oral que entrega e credencia a Bíblia.

3. Afinal a Bíblia… Sim ou Não?

Há passagens da Bíblia que os fundadores do Protestantismo no século XVI não aceitaram como

tais; por isto são desviadas do seu destino original muito evidente:

1. A Eucaristia… Jesus disse claramente: “Isto é o meu corpo” (Mt 26,26) e “Isto é o meu sangue” (Mt 26,28).

Em Jo 6,51 Jesus também afirma: “O pão que eu darei, é a minha carne para o mundo”. Aos

judeus que zombavam, o Senhor tornou a afirmar: “Em verdade, em verdade vos digo: se não

comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós.

Quem come minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna eu o ressuscitarei no último dia.

Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue verdadeiramente uma

bebida”.

Apesar disto, os protestantes não aceitam o sacramento do perdão e da reconciliação! (Jo 21,17).

Se assim é, por que é que “os seguidores da Bíblia” não aceitam a real presença de Cristo no pão

e no vinho consagrados?

2. Jesus disse ao Apóstolo Pedro: “Tu és Pedro (Kepha) e sobre esta Pedra (Kepha) edificarei a

minha Igreja” (Mt 16,18).

Disse mais a Pedro: “Simão, Simão… eu roguei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. E tu,

voltando-te, confirma teus irmãos” (Lc 22,31s).

Ainda a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,15).

Apesar de tão explícitas palavras de Jesus, os protestantes não reconhecem o primado de Pedro!

Por que será?

3. Jesus entregou aos Apóstolos a faculdade de perdoar ou não perdoar os pecados – o que supõe

a confissão dos mesmos para que o ministro possa discernir e agir em nome de Jesus:

“Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados;

àqueles a quem não os perdoardes, não serão perdoados” (Jo 20,22s).

4. Jesus disse que edificaria a sua Igreja (“a minha Igreja”, Mt 16,18) sobre Pedro. As

denominações protestantes são constituídas sobre Lutero, Calvino, Knox, Wesley… Antes desses

fundadores, que são dos séculos XVI e seguintes, não existia o Luteranismo, o Calvinismo

(presbiterianismo), o Metodismo, o Mormonismo, o Adventismo… Entre Cristo e estas

denominações há um hiato… Somente a Igreja Católica remonta até Cristo.

5. 0 Apóstolo São Paulo, referindo-se ao seu elevado entendimento da mensagem cristã, recomenda a vida una ou indivisa para homens e mulheres:

“Dou um conselho como homem que, pela misericórdia do Senhor, é digno de confiança… 0

tempo se fez curto. Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não a tivessem;

aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se regozijam, como se não se

regozijassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo,

como se não usassem plenamente. Pois passa a figura deste mundo. Eu quisera que estivésseis

isentos de preocupações. Quem não tem esposa, cuida das coisas do Senhor e do modo de agradar

ao Senhor. Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e do modo de agradar à esposa, e fica

dividido. Da mesma forma a mulher não casada e a virgem cuidam das coisas do Senhor, a fim de

serem santas de corpo e de espírito. Mas a mulher casada cuida das coisas do mundo; procura

como agradar ao marido” (1Cor 7,25-34).

Ora os protestantes nunca citam tal texto quando se referem ao celibato e à virgindade consagrada

a Deus. É estranho, dado que eles querem em tudo seguir a Bíblia.

4. Esfacelamento

Jesus prometeu à sua Igreja que estaria com ela até o fim dos tempos (cf. Mt 28,20); prometeu

também aos Apóstolos o dom do Espírito Santo para que aprofundassem a mensagem do

Evangelho (cf. Jo 14,26; 16,13s).

Não obstante, os protestantes se afastam da Igreja assim assistida por Cristo e pelo Espírito Santo

para fundar novas “igrejas”. São instituições meramente humanas, que se vão dividindo,

subdividindo e esfacelando cada vez mais; empobrecem e pulverizam sempre mais a mensagem

do Evangelho, reduzindo-a:

Ora a sistema de curas (curandeirismo), milagre serviço ao homem (Casa da Bênção, Igreja

Socorrista, Ciência Cristã…);

Ora a um retorno ao Antigo Testamento, com empalidecimento do Novo; assim os ramos

adventistas…;

Ora a um prelúdio de nova “revelação”, que já não é cristã. Tal é o caso dos Mórmons; tal é o caso das Testemunhas de Jeová, que negam a Divindade de Cristo, a SS. Trindade e toda a concepção cristã de história.

5. Deterioração da Bíblia

0 fato de só quererem seguir a Bíblia (que na realidade é inseparável de Tradição oral, que a

berçou e a acompanha), tem como consequência o subjetivismo dos intérpretes protestantes.

Alguns entram pelos caminhos do racionalismo e vêm a ser os mais ousados dilapidadores ou

roedores das Escrituras (tal é o caso de Bultmann, Marxsen, Harnack, Reimarus, Baur…). Outros

preferem adotar cegamente o sentido literal, sem o discernimento dos expressionismos próprios

dos antigos semitas, o que distorce, de outro modo, a genuína mensagem bíblica.

Isto acontece, porque faltam ao Protestantismo os critérios da Tradição (“o que sempre, em toda a

parte e por todos os fiéis foi professado”), critérios estes que o magistério da Igreja, assistido pelo

Espírito Santo, propõe aos fiéis e estudiosos, a fim de que não se desviem do reto entendimento

do texto sagrado.

6. Mal-Entendidos

Quem lê um folheto protestante dirigido contra as práticas da Igreja Católica (veneração, não

adoração das imagens, da Virgem Santíssima, celibato…), lamenta o baixo nível das

argumentações: são imprecisas, vagas, ou mesmo tendenciosas; afirmam gratuitamente sem

provar as suas acusações; não raro baseiam-se em premissas falsas, datas fictícias, anacronismos.

As dificuldades assim levantadas pelos protestantes dissipam-se desde que se estudem com mais precisão a Bíblia e as antigas tradições do Cristianismo. Vê-se então que as expressões da fé e do culto da Igreja Católica não são senão o desabrochamento homogêneo das virtualidades do Evangelho; sob a ação do Espírito Santo, o grão de mostarda trazido por Cristo à terra tornou-se grande árvore, sem perder a sua identidade (cf. Mt 13,31 s); vida é desdobramento de potencialidades homogêneo. Seria falso querer fazer disso um argumento contra a autenticidade do Catolicismo. Está claro que houve e pode haver aberrações; estas, porém, não são padrão para se julgar a índole própria do Catolicismo.

A dificuldade básica no diálogo entre católicos e protestantes está nos critérios da fé. Donde deve

o cristão haurir as proposições da fé: da Bíblia só ou da Bíblia e da Tradição oral?

Se alguém aceita a Bíblia dentro da Tradição oral, que lhe é anterior, a berçou e a acompanha,

não tem problema para aceitar tudo que a Palavra de Deus ensina na Igreja Católica, à qual Cristo

prometeu sua assistência infalível.

Mas, se o cristão não aceita a Palavra de Deus na sua totalidade oral e escrita, ficando apenas

com a escrita (Bíblia), já não tem critérios objetivos para interpretar a Bíblia; cada qual dá à

Escritura o sentido que ele julga dever dar, e assim se vai diluindo e pervertendo cada vez mais a

Mensagem Revelada. A letra como tal é morta; é a Palavra viva que dá o sentido adequado a um

texto escrito.

7. Menosprezo da Igreja

Jesus fundou sua Igreja e a entregou a Pedro e seus sucessores. Sim, Ele disse ao Apóstolo:

“Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão

contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus, e o que ligares na terra será ligado nos céus, e

o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,18s).

Notemos: Jesus se refere à sua Igreja (Ele só tem uma Igreja) e Ele a entregou a Pedro… A Pedro e a seus sucessores, pois Pedro é o fundamento visível (“sobre essa pedra edificarei…”); ora, se o edifício deve ser para sempre inabalável, o fundamento há de ser para sempre duradouro; esse fundamento sólido não desapareceu com a morte de Pedro, mas se prolonga nos sucessores de Pedro, os Papas.

Ora, Lutero e seus discípulos desprezaram a Igreja fundada por Jesus, e fundaram (como até hoje

ainda fundam) suas “igrejas”. Em consequência, cada “igreja” protestante é uma sociedade

meramente humana, que já não tem a garantia da assistência infalível de Jesus e do Espírito

Santo, porque se separou do tronco original.

A experiência mostra como essas “igrejas” se contradizem e ramificam em virtude de discórdias

e interpretações bíblicas pessoais dos seus fundadores; predomina aí o “eu acho” dos homens ou

de cada “profeta” de denominação protestante.

Mas… as falhas humanas da Igreja não são empecilho para crer?

Em resposta devemos dizer que o mistério básico do Cristianismo é o da Encarnação; Deus

assumiu a natureza humana, deixou-se desfigurar por açoites, escarros e crucificação, mas desta

maneira quis salvar os homens. Este mistério se prolonga na Igreja, que São Paulo chama “o

Corpo de Cristo” (Cl 1,24; 1Cor 12,27). A Igreja é humana; por isto traz as marcas da fragilidade

humana de seus filhos, mas é também divina; é o Cristo prolongado; por isto os erros dos homens

da Igreja não conseguem Destruí-la; são, antes, o sinal de que é Deus quem vive na Igreja e a

sustenta.

Numa palavra, o cristão há de dizer com São Paulo: “A Igreja é minha mãe” (cf. Gl 4,26). Ao que

São Cipriano de Cartago (+258) fazia eco, dizendo: “Não pode ter Deus por Pai quem não tem a

Igreja por Mãe” (“Sobre a Unidade de Igreja”, cap. 4).

Conclusão

A grande razão pela qual o Protestantismo se torna inaceitável ao cristão que reflete, é o subjetivismo que o impregna visceralmente. A falta de referenciais objetivos e seguros, garantidos pelo próprio Espírito Santo (cf. Jo 14,26; 16,13s), é o principal ponto fraco ou o calcanhar de Aquiles do Protestantismo. Disto se segue a divisão do mesmo em centenas de denominações diversas, cada qual com suas doutrinas e práticas, às vezes contraditórias ou mesmo hostis entre si.

0 Protestantismo assim se afasta cada vez mais da Bíblia e das raízes do Cristianismo

(paradoxo!), levado pelo fervor subjetivo dos seus “profetas”, que apresentam um curandeirismo

barato (por vezes, caro!) ou um profetismo fantasioso ou ainda um retorno ao Antigo Testamento

com menosprezo do Novo.

Esta diluição do Protestantismo e a perda dos valores típicos do Cristianismo estão na lógica do

principal fundador, Martinho Lutero, que apregoava o livre exame de Bíblia ou a leitura da Bíblia

sob as luzes exclusivas da inspiração subjetiva de cada crente; cada qual tira das Escrituras “o

que bem lhe parece ou lhe apraz”!