85
STELA BARBIERI

STELA BARBIERI

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: STELA BARBIERI

STELA BARBIERI

Page 2: STELA BARBIERI

STELA BARBIERI

Page 3: STELA BARBIERI
Page 4: STELA BARBIERI

Stela Barbieri Stela Barbieri é artista, curadora e consultora nas áreas de

educação, artes e literatura. É conselheira da Fundação

Calouste Gulbenkian desde 2012. Foi curadora educacional

da Bienal de Artes de São Paulo (2009-2014) e diretora da

Ação Educativa do Instituto Tomie Ohtake (2002-2014).

É assessora de artes na Escola Vera Cruz, onde começou

a trabalhar como educadora em 1988, autora de livros

infantis e contadora de histórias. Dirige o Bináh Espaço

de Artes, um ateliê vivo, com laboratórios experimentais,

palestras e cursos.

Page 5: STELA BARBIERI

PROJETO LUGARES

2014 - 2015

Page 6: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar Para Criar ePaÇOs

sesC sÃO CarlOs-sP

Page 7: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar Para Criar ePaÇOs

sesC sÃO CarlOs-sP

Page 8: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar Para CONstruir

sesC bauru-sP

Page 9: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar Para CONstruir

sesC bauru-sP

Page 10: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar Para ler

sesC sÃO CarlOs-sP

Page 11: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar Para ler

sesC sÃO CarlOs-sP

Page 12: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar Para PlaNtar

sesC OsasCO-sP

Page 13: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar Para PlaNtar

sesC OsasCO-sP

Page 14: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar De COMbiNaÇões líquiDas

sesC sÃO CarlOs-sP

Page 15: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014

lugar De COMbiNaÇões líquiDas

sesC sÃO CarlOs-sP

Page 16: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2015

lugar Para DeseNHar

sesC beleNZiNHO-sP

Page 17: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2015

lugar Para DeseNHar

sesC beleNZiNHO-sP

Page 18: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2015

lugar Para seMear

sesC bOM retirO-sP

Page 19: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2015

lugar Para seMear

sesC bOM retirO-sP

Page 20: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2015

Para Ver a PaisageM

OfiCiNa Cultural OswalD De aNDraDe-sP

Page 21: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2015

Para Ver a PaisageM

OfiCiNa Cultural OswalD De aNDraDe-sP

Page 22: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2015

Desfrutar

OfiCiNa Cultural OswalD De aNDraDe-sP

Page 23: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2015

Desfrutar

OfiCiNa Cultural OswalD De aNDraDe-sP

Page 24: STELA BARBIERI

EXPOSIÇÕES RECENTES

2013 - 2014

Page 25: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014. VÓrtiCe

CeNtral galeria De arte, sÃO PaulO-sP

Page 26: STELA BARBIERI
Page 27: STELA BARBIERI
Page 28: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2013

CirCuitO De NarratiVas líquiDas

CeNtral galeria De arte, sÃO PaulO-sP

Page 29: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2013

CirCuitO De NarratiVas líquiDas

CeNtral galeria De arte, sÃO PaulO-sP

Page 30: STELA BARBIERI
Page 31: STELA BARBIERI

INSTALAÇÕES

Page 32: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2001

PaisageM Passa ageM

iNterCâMbiO

arka kullturwekstatt e. V.

esseN e HageM - aleMaNHa

Page 33: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1999

seM títulO

galeria Valu Oria

sÃO PaulO - sP

Page 34: STELA BARBIERI
Page 35: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1999. seM títulO

galeria Valu Oria, sÃO PaulO - sP

Page 36: STELA BARBIERI
Page 37: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1998

Page 38: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1998

Page 39: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1990

CeNtrO Cultural sÃO PaulO-sP

Page 40: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1991

MaM, sÃO PaulO - sP

Page 41: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1990

CeNtrO Cultural sÃO PaulO-sP

Page 42: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1990

CeNtrO Cultural sÃO PaulO - sP

Page 43: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2005

aguaDas

Page 44: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1990. seM títulO

CeNtrO Cultural sÃO PaulO - sP

Page 45: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2005. seM títulO

ViDrOs, água e COraNte

Page 46: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014.

lugar De COMbiNaÇões líquiDas

sesC bauru-sP

Page 47: STELA BARBIERI
Page 48: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2003. baNquete

Museu De arte De ribeirÃO PretO - sP

Page 49: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2004

seM títulO

esPaÇO Cultural bM&f,

sÃO PaulO - sP

Page 50: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2007. seM títulO

CeNtrO Cultural sÃO PaulO - sP

Page 51: STELA BARBIERI
Page 52: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2005. seM títulO

DeseNHOs COM graVetOs

Page 53: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2007

Page 54: STELA BARBIERI
Page 55: STELA BARBIERI

DESENHOS E LIVROS DE ARTISTA

2009 - 2014

Page 56: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2010. liVrO De artista

Page 57: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2010. liVrO De artista

Page 58: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014. liVrO De artista

Page 59: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2007

liVrO De artista

Page 60: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2014. liVrO De artista

Page 61: STELA BARBIERI
Page 62: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2008. liVrO De artista

Page 63: STELA BARBIERI

stela barbieri, 1999. MONOtiPias

galeria Valu Oria, sÃO PaulO-sP

Page 64: STELA BARBIERI
Page 65: STELA BARBIERI

stela barbieri, 2002

geNius lOCi – O esPíritO DO lugar

Maria aNtôNia, sÃO PaulO - sP

Page 66: STELA BARBIERI

TEXTOS CRÍTICOS

2014 - 2015

Page 67: STELA BARBIERI

ESPAÇO DE AÇÃO

Agnaldo Farias

O Projeto Lugares, de autoria de Stela Barbieri, neste momento

compreende cinco de suas obras: LUGAR PARA LER, LUGAR PARA

DESENHAR, LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS, LUGAR PARA

CRIAR ESPAÇOS e LUGAR PARA SEMEAR. Poderia compreender outras,

todas elas relacionadas com o variado espectro de ações, conceitos,

materiais e territórios – disciplinares e poéticos – praticados pela artista.

A recorrência do termo lugar, denominador comum de todas as obras

pertencentes a esse projeto, algumas já realizadas, outras a serem

inventadas, explica o foco de sua investigação: a produção de espaços

dotados de qualidades específicas.

O conceito de espaço, em que pese seu uso generalizado, traz con-

sigo uma herança fortemente abstrata. Com as raízes fundadas na

geometria analítica, o espaço concerne à ideia de coordenadas, de

posição, sem qualidades, homogêneo, branco e preciso como grande

parte da arquitetura moderna. Stela repele drasticamente esse con-

ceito e as imagens que lhe são correlatas.

Num mundo cujo grande avanço tecnológico gera, em contrapartida,

a perda de experiência, o contato direto e consciente com fenômenos,

coisas e processos, é necessário, imprescindível, tomar providências. É

preciso fazer com que as pessoas se deixem ensinar pelas coisas, saber

delas, saber de si por meio delas. Urge fazer com que seus sentidos

alimentem-se de parte do universo oferecido pelo mundo sensível

para que o ser seja irrigado, para que a sensibilidade, a imaginação e a

expressão se levantem.

As providências de Stela são, desta vez, obras-oficinas, um dos pontos

culminantes de sua trajetória, e que consistem na construção de luga-

res, sítios potentes, acolhedores, desafiadores, cuja luminosidade da

artista – que orquestra a situação, que propõe o campo a ser revolvido,

que oferece os modos de trabalhá-lo sob a forma de um jogo, com

regras, materiais e dispositivos para que qualquer um possa jogá-lo

– combina-se com a dos visitantes ou – como diria Lygia Clark, com

quem nessa série de trabalhos Stela faz eco – dos agentes.

Cada um dos LUGARES propostos é um espaço de ação e sonho, de

engenharia e poesia, de contato corporal e afetivo, de decisão e intuição.

Page 68: STELA BARBIERI

LUGAR PARA LER

Ler é uma ação semelhante a viajar, com a diferença que é imóvel. O

leitor, qualquer um, é como um viajante imóvel. Não foi assim que

Cioran cunhou Jorge Luis Borges, o grande escritor argentino, diretor

da imensa Biblioteca Nacional de Buenos Aires, tema de vários de seus

contos labirínticos, que mesmo cego jamais deixou de escrever?

Associamos leitura com livros e é normal que o façamos. Afinal, desde

a invenção da imprensa o mundo foi povoado por esse objeto, esse

meio de transporte portátil que nos leva enquanto nós o levamos para

casa, para o sofá, para a cama, para a escola, para todos os lugares

para os quais viajamos, pois nada como a companhia silenciosa de um

livro. Uma companhia rigorosamente à mão.

Livros trazem dentro de si, entranhados, textos de toda ordem, teorias,

narrativas, geografias e histórias íntimas, distantes, plausíveis, extraor-

dinárias. O que pode caber nesse pequeno objeto denso, espesso,

composto por folhas secas, empilhadas, coladas em uma das bordas?

Virtualmente tudo ou quase tudo (deixemos uma larga e infinita mar-

gem para todos os livros que ainda serão escritos).

Se é fato que quase tudo pode caber num livro, apresentado sob a

forma de ilustrações, esboços, desenhos e... letras, o mais abstrato dos

signos; se o jogo das cifras tingindo as páginas quadrangulares alimen-

ta-nos a imaginação, isto deveria servir de lição sobre outras formas de

leitura. E não é fato que se fala sobre o “livro do mundo”?

Mais importante que o livro, essa máquina preguiçosa, é o leitor, que

é quem a coloca em movimento. Aprender a ler não é algo que se

reduz a uma língua, mas que se estende a tudo. Tudo o que há, feito

ou não pela mão do homem, está à espera de ser decifrado, porque

assim desejamos, porque não conseguimos resistir a esse impulso. Da

palavra escrita à direção do vento, do mais prosaico dos objetos a

uma foto enviada pelo Hubble, tudo conta uma história, de tudo se

desprende um aroma. Aliás, até um aroma enuncia sua fonte que, em

alguns casos, enraíza-se em nossos afetos.

Com mesas e bancos, com a coleção de livros de autoria da própria

artista, com uma vasta oferta de materiais, LUGAR PARA LER é um

espaço de expansão da leitura, na medida em que não só convida

à leitura, mas à produção de narrativas, até mesmo narrativas

enigmáticas, aquelas cujo conteúdo não alcançamos entender. Pois,

considerando as sucessivas incompreensões cotidianas, a leitura de

nossas ações nem sempre coincide com o que desejávamos. Somos,

constantemente, lidos sob óticas surpreendentes. Então, que tal

produzir um livro cuja compreensão nos escape, mas que pode fazer

sentido para os outros?

LUGAR PARA DESENHAR

Desenhar é ver o mundo de perto, escrutinizando seus detalhes, con-

tornos e estrutura, bem como projetando um mundo desde dentro,

exteriorizando-o por meio de um esboço, uma cifra sobre uma folha

de papel ou parede de caverna, ou ainda realizando uma construção.

Page 69: STELA BARBIERI

Embora admitido como fonte das várias expressões humanas, afinal

todos nós, artistas e não artistas, projeta ou anota ideias sob a forma

de rabiscos, garatujas, esboços, o desenho que comumente é exposto

nas paredes de museus e galerias é aquele considerado um fim em si

mesmo, e não parte de um processo mais longo e intrincado.

Desenhar, porém, tem a ver com olhar, comentar, registrar, lançar uma

ideia, tanto em estado mais avançado quanto em condição larvar.

Equivale a se colocar em relação a algo, esteja ele diante de nós, agora,

ou venha sob a forma de lembrança, ou ainda como a tentativa de

tradução de um relato, como o célebre desenho de um rinoceronte que

Dürer fez a partir de uma descrição. Desenhar também é uma maneira

de se lançar ao futuro, abrindo-se à imaginação e à impossibilidade. Em

qualquer caso, desenhar é ampliar a subjetividade.

LUGAR PARA DESENHAR defende e aprofunda essa perspectiva, esse

modo de entendimento do desenho, lembrando que além do papel

jogado por essa prática nos variados processos de cognição e expressão

de que nos valemos, internos ou externos à arte, desenhar concerne ao

modo como nos organizamos no mundo, dele tomando a matéria-prima

com que construímos espaços, estabelecemos ritmos e estruturas.

Desde o princípio de sua trajetória, Stela Barbieri, afeita que sempre

foi aos materiais, combinou desenhos realizados com lápis e pincéis

sobre papéis e tecidos, com um elenco variado de materiais, orgânicos

e não orgânicos, eventualmente articulados. Da clássica situação do

lápis premido pelos dedos da mão apontados para a superfície de papel

ou de pano, a artista lançou-se às lãs encharcadas de tinta jogadas

contra a parede, as membranas produzidas por folhas de papel celofa-

ne endurecidas com cola, estruturadas com fios metálicos, apoiadas e

dispostas no ambiente expositivo.

LUGAR PARA DESENHAR propicia a prática do desenho em suas várias

versões, da escala intimista do que se produz com os dedos até aquele

que se obtém por intermédio do corpo.

LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS

Analisar um material, manipulá-lo, compreender paulatinamente suas

peculiaridades, seus comportamentos, seu temperamento, sua aparên-

cia, o modo como se relaciona com outros materiais, seu envelhecimento,

suas vontades, algumas delas ocultas, que só se dão a ver após estudos

demorados, equivale a introjetá-lo, transformar-se nele da mesma forma

como, no dizer de Camões, o amador transforma-se na coisa amada.

LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS é um convite ao envolvimento

detido sobre a água, o líquido primordial, um ensejo à aprendizagem

de algumas das lições que ele oferece. É também uma curiosa cons-

trução situada entre um laboratório químico, um centro de pesquisas

hidrológicas e um jardim aquático cujas florações coloridas, plantadas

pelos frequentadores, têm o formato de recipientes duros, como gar-

rafas e frascos de vidro e porcelana, macios, como tecidos porosos ou

sacos plásticos, quase tudo transparente ou branco, estratégia para

evidenciar algumas de suas propriedades mais distintivas.

Page 70: STELA BARBIERI

Vive-se graças à água. Não há dia que passemos sem ela, o que não

significa que atentemos para o seu alcance, sua profundidade material

e simbólica, maior, muito maior, que a imensa importância que lhe

consignamos. Assim somos hoje: sabemos das coisas, mas nos recu-

samos a vivenciá-las; sabemos abstratamente, e quando chove nos

apressamos em abrir os guarda-chuvas.

É mesmo surpreendente a extensão da presença da água, sua ubiqui-

dade, sabê-la compondo a maior parte do nosso corpo, fluir e espraiar-

se pelas teias capilares, ao mesmo tempo em que se esparge pelo ar,

umedecendo-o ou, quando em grande volume e consoante as condições

ambientais, condensando-se, vertendo sobre o chão ou jorrando do seu

interior, escorrendo desatadamente, enamorada que é da gravidade, até

acomodar-se em lagos, poças, lâminas finas cuja sensibilidade se denun-

cia pelo modo como reage à brisa que lhe roça a superfície.

LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS retrata a doce submissão da água

assumindo o corpo do frasco que a contém; retrata também o desejo

voraz e incontido por tudo que há, da chuva à mucosa dos pântanos,

de como encharca os tecidos e refresca o barro, mantendo-o maleável.

Mostra ainda a solubilidade da água, do poderoso dissolvente que é.

E talvez justamente porque seja inodora, insípida e incolor, esgarça o

torrão de pigmento de terra, toma para si o bocado de tinta pastosa

grudada no pincel, ávida da cor que ele carrega.

LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS

Linhas, pontos, planos em tamanhos, formatos, texturas e cores varia-

das... O que é preciso para se produzir espaços no espaço plano da

superfície de uma folha de papel? Linhas e pontos são balizas para os

olhos, elementos que os atraem e os guiam pelo interior de corredores,

umbrais, acontecimentos sutis, imperceptíveis ou não, situações ruido-

sas, tensas, crispadas, quando é o caso do gume de uma linha eriçar-se,

quando o ritmo dramático de planos hachurados agem como redes

de captura, deixando que os olhos momentaneamente se debatam

como peixes vivos. E quando vêm as cores, o desenho ilumina-se em

atmosferas variáveis; planos, linhas e pontos irradiam-se, exaltam-se,

escapam de si, contaminando as presenças próximas com seus hálitos

e suas sonoridades, que podem ser discretos ou agressivamente ácidos.

Stela Barbieri desenha com lápis, pincéis, papéis, mas também com

tesouras, estiletes, gravetos, arames, cola, tecidos e o que mais enten-

der na construção de espaços. E se o papel foi seu ponto de partida,

não se pode saber qual será seu ponto de chegada, pois o volume

espacial de uma sala qualquer é mais do que suficiente para ela inven-

tar uma miríade de ambientes, para que ela ponha em movimento sua

capacidade de compor espaços.

É assim com LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS, obra polimórfica, caleidos-

cópica, fundada em cores quentes – vermelho, nesse caso –, estacas de

madeira passíveis de serem encaixadas entre si e num piso preparado

precisamente para esse fim, com tecidos fazendo as vezes de paredes e

Page 71: STELA BARBIERI

tetos, percorrendo alturas, deslizando em quedas de velocidade variável,

acomodando-se, lisos ou enrugados, em soluções com a mesma ternura

das cabanas que, nos dias de chuva, fabricávamos nas salas de nossas

casas com lençóis e almofadas, ou, melhor ainda, nas barracas mais

duradouras que erguíamos em quintais sob as árvores, as casinhas onde a

vida, regada pela imaginação, era tão intensa e feliz que mal conseguía-

mos suportá-la.

LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é uma obra e um sonho ofertado pela artis-

ta para que todos, crianças e adultos, exercitem a produção de espaços.

Eles vão chegando e organizando suas afetuosas clareiras de aconchego,

construindo casas dentro de casa: uma cidade cambiante, tomando para

si os materiais, empreendendo com mãos e corpos, decidindo juntos a

feição do lugar que querem para si, o espaço cálido, mergulhado numa

penumbra avermelhada, no qual, entre as risadas de cristal das crianças,

conversarão e brincarão por um momento esquecidos do mundo lá fora.

LUGAR PARA SEMEAR

Em 1990 Stela Barbieri expôs numa mostra coletiva realizada no Paço das

Artes, em São Paulo, um trabalho composto por feijões espalhados sobre

uma área retangular constituída de camadas de algodão e que ocupava

uma parte da sala expositiva. Durante a abertura, alguns de seus colegas

artistas comentavam discretamente que aquilo não poderia ser conside-

rado propriamente uma obra de arte, uma vez que o autor não podia

controlar o resultado. A artista, indiferente ou apenas alheia às ressalvas,

visitava diariamente a exposição com o propósito de regar o campo-alvo,

garantindo que os feijões vicejassem. Como era de se esperar, em pouco

tempo os delicados talos foram rompendo a trama espessa do chão claro

e macio, erguendo-se vívidos, com os bulbos nas extremidades semelhan-

tes a olhos curiosos.

Com o passar dos dias, o ritmo alternado das aguadas e ressecamentos

foram assentando as camadas do algodão, cada vez mais borrado pelo

crescimento dos feijões, sobretudo pelas raízes que iam se fincando e se

espalhando subterraneamente de modo a garantir a firmeza da plantinha.

O apodrecimento progressivo do campo cultivado praticamente coincidiu

com o auge dos feijões. O desenho desencontrado dos caules e raízes, o

grafismo nítido de marrons-claros e tonalidades de verde, sobreposto às

fibras brancas cada vez mais embaciadas por uma coloração ferruginosa,

garantia que a obra, do primeiro ao último dia de exposição, fosse se

metamorfoseando ininterruptamente.

Até onde sei, essa foi a primeira vez que a artista exibiu um trabalho

orquestrado por ela, mas realizado em associação com a natureza, uma

coautora cujos princípios nem sempre logramos entender.

LUGAR PARA SEMEAR consiste no coroamento desse processo fundado

na compreensão do artista como aquele que catalisa, ou dá a ver, pro-

cessos naturais, como as pequeníssimas, imperceptíveis, aos nossos olhos

de natural desatentos, explosões ocorridas no âmbito da natureza, sob a

forma das sementes que explodem, desentranhado as carnes e cores com

que conquistarão o espaço.

Page 72: STELA BARBIERI

O vidro ovalado em cujo interior repousa um tesouro de semente mínimas,

irrequietamente coloridas, o tubo cilíndrico preenchido com água e uma

planta verde delicada, filiforme, arranjada num desenho helicoidal, são

exemplos de como os mistérios e as maravilhas do mundo vegetal podem

ser, ao menos parcialmente, revelados.

Page 73: STELA BARBIERI

VER COM AS MÃOS

Julia Buenaventura

Nada mais irritante do que sair com um guarda-chuva comprido num

dia ensolarado. O cidadão caminha com o instrumento como quem

leva um estranho pacote, sendo atrapalhado pelos menores obstáculos,

por portas e catracas, e, mais ainda, tendo de superar a adversidade

com uma mão a menos: aquela que leva o fardo. Uma vez em casa,

só lhe resta reclamar: Ah vilão, se não tivesse te levado, teríamos tido

o dilúvio!

Porém, convido-os a não agir tão severamente com aqueles guarda-

chuvas, pois eles emprestam um serviço particular e valioso, isto é, nos

ensinam a ver com as mãos. De fato, eles oferecem notícia dos objetos

a distância com um rigor muito maior que o dos olhos, pois estes

costumam errar: às vezes, julgam o macio por duro ou acham suave

o que é áspero. Enquanto o tato é infalível. Jamais chega se enganar.

Cada fenda, cada mudança de calçada, cada desnível do chão é reve-

lado em detalhe. As crianças sabem bem disso. Não é por acaso que

gostam de arrastar galhos pelas paredes: eles oferecem informações

fundamentais sobre a textura e a dureza e, mais ainda, se porventura

aparecer uma grade, dão conta – com o compasso – do tempo que

implica o percurso.

Uma das chaves para entrar na obra de Stela Barbieri está em com-

preender a experiência como um problema sensorial, isto é, os canais

e a forma em que sentimos o mundo. Assim, o trabalho desta artista

é um convite ao visitante para explorar seus próprios mecanismos de

percepção e suas interações. Um exercício que só é possível porque Stela

se recusa a propor o olho como rei dos sentidos, rompe essa hierarquia

tipicamente ocidental, revelando as relações entre a visão e outros dispo-

sitivos sensoriais, especificamente o tato. Daí seu trabalho com líquidos,

fluidos, com minerais triturados, com materiais flexíveis que dão conta

tanto da pressão quanto do peso e – como explicarei mais adiante – com

determinadas cores.

Em suas intervenções no Sesc, Stela Barbieri propõe o Projeto Lugares.

Peças que, longe de se constituir em objetos a serem contemplados, se

abrem como espaços a serem experimentados, vivenciados e, mais ain-

da, transformados pelos visitantes, que terão a possibilidade de brincar

com os materiais, jogar com os elementos. Isto é, terão a possibilidade

Page 74: STELA BARBIERI

de conhecer, assunto que só é possível através da experiência. A outra

classe de conhecimento, essa tão explorada em universidades e escolas,

aquela que consiste em repetir algo que um outro já disse, é esquecida

na hora. Assim, aqui temos obras-experiências que justamente aconte-

cem no tempo do visitante, quando este perde a compostura própria

de um hóspede e, tornando-se membro da família, começa a mudar a

casa; o que é, em resumo, o convite de Barbieri.

LUGAR PARA CONSTRUIR é composto por dois elementos princi-

pais: madeira e diversos objetos de espuma. O primeiro elemento é

estrutural. Assim, ao modo de uma coluna vertebral, encarrega-se

de encadear o espaço, articulando o conjunto. Os outros objetos são

cubos de espuma de uma densidade média e pranchas de espuma

densa; artefatos a serem movimentados com facilidade; a espuma

é leve e é mole, poderá ser carregada e em caso de queda não vai

afetar ninguém, nem sequer a si própria. A espuma absorve a força, é

flexível ao mundo, pode mudar a forma para depois recuperá-la sem o

menor inconveniente, condições que a contrapõem às estruturas. Com

efeito, nesse espaço, temos dois objetos de categorias diversas: aqueles

constituídos por tábuas, imóveis, e aqueles feitos de espuma a serem

movimentados, deslocados.

Um lugar em que visitantes-familiares ficam à vontade; podem mexer

e, como seu nome indica, construir. Levantar uma casa, uma passagem

e, nessa experiência perceber, já não tanto as dimensões dos objetos e

do espaço, mas suas próprias dimensões: a que altura está sua cabeça;

quão longe de seu nariz se encontra seu dedo mindinho.

A segunda intervenção, LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS, consiste

numa sala com estruturas feitas de metal, mesas, objetos de vidro e

cores. As estruturas metálicas vêm do desenho, dos esboços que Stela

tem realizado durante anos em seus cadernos de estudo. Assim, mais

do que tubos, são traços de nanquim que abandonaram a página,

se tornaram volumes, corpos no espaço, mas sem perder a condição

de risco. Sua cor específica: um preto opaco, que rejeita qualquer

brilho, e seu caráter não industrial, não homogêneo, enfatizam essa

característica.

Completamente distinto de LUGAR PARA CONSTRUIR, agora nos

encontramos numa espécie de laboratório químico com mesas e

prateleiras para a realização de testes; e massas de algodão e um

líquido laranja em recipientes de vidro, como materiais de estudo. De

fato, emprego a palavra laboratório porque se trata de um lugar que

não é semelhante ao mundo, mas está regido por regras específicas,

estabelecidas a partir da cor. Um lugar onde o preto, o branco e o

laranja são os únicos tons aceitos.

A preocupação com a cor é uma constante no percurso de Stela

Barbieri. Várias obras anteriores, desde a década de 1990, têm assu-

mido a cor como problema fundamental. Dessa forma, a escolha do

preto, do laranja e do branco para essa instalação não é um acaso; vem

de pesquisas anteriores com o urucum – semente de um laranja inten-

síssimo –, o extrato de nogueira e o nanquim – pretos por excelência –,

e o algodão – imagem do branco. Em resumo, materiais em que a cor

é fundamental, intrínseca.

Page 75: STELA BARBIERI

Na Metafísica, Aristóteles afirma que existem duas classes de ser. A pri-

meira quando declaro: isto é uma laranja; a segunda quando digo: isto

é laranja. Concordaremos que, no primeiro caso, estou dando conta do

objeto, a fruta, enquanto no segundo, de uma qualidade – atributo ou

acidente – dessa fruta. No entanto, Stela Barbieri não gosta de trabalhar

os atributos como acidentes, mas como substâncias em si, de modo que

uma cor determinada ou uma caraterística específica vira um objeto.

Logo, não é a coisa a encarregada de possuir determinada característica;

é a característica que acaba convertida em coisa. Assim, se o habitual é

afirmar: “Este líquido é laranja”, numa instalação de Barbieri, vamos ter

que colocar a frase de cabeça para baixo, afirmando: “O laranja é este

líquido”. Igualmente acontece algo que eu já vinha pressentindo: não é

que o nanquim seja preto; é que o preto é o nanquim.

Em resumo, a qualidade toma o lugar da coisa, o adjetivo vira substan-

tivo, o atributo se converte em substância. Troca de papéis que conduz,

inevitavelmente, a um diálogo sensorial na medida em que se uma cor é

objeto, então poderá ser conhecida não somente através do olho, mas

através do tato, do olfato, do ouvido e, incluso, do gosto.

Assim, numa obra de Barbieri, os sentidos entram em diálogo. Ou

melhor, a gente, nesse laboratório, nesse lugar a ser construído, percebe

seu bate-papo, essa conversa que costumam manter sem nos consultar:

raramente escuto a ponta de meu indicador falando com meu olho, mas

desconfio que sempre estão fazendo intrigas. A obra de Barbieri confirma

a minha suspeita.

“(...) achar-abordar-penetrar é sem fim”*: lugares moventes em campos de presença

Galciani Neves

Um lugar é um estado de ânimo. Embora mencione uma dimensão espa-

cial em que as coisas ocupam posições, é feito de singularidades humanas

e de seus desordenamentos, de fricções entre distintos modos de agir, de

ressonâncias de vozes que sopram de nós. De toda maneira, a palavra

lugar, no dicionário das nossas imaginações, não é um abrigo lacrado

a ser explicado geometrizadamente, mas talvez a intensidade que pulsa

nos “habitantes delicados das florestas de nós mesmos”, como disse o

poeta Jules Supervielle. Habitantes estes que deambulam, cartografam

passagens e criam lugares, como afazeres da vida.

Page 76: STELA BARBIERI

Um lugar é um estado de ânimo. Embora mencione uma dimensão

espacial em que as coisas ocupam posições, é feito de singularidades

humanas e de seus desordenamentos, de fricções entre distintos modos

de agir, de ressonâncias de vozes que sopram de nós. De toda maneira,

a palavra lugar, no dicionário das nossas imaginações, não é um abrigo

lacrado a ser explicado geometrizadamente, mas talvez a intensidade

que pulsa nos “habitantes delicados das florestas de nós mesmos”,

como disse o poeta Jules Supervielle. Habitantes estes que deambulam,

cartografam passagens e criam lugares, como afazeres da vida.

Stela Barbieri nos convida a partir, avistar paisagens e regressar com

ramos, ventos, cadernos de viagem, punhados de areia e aportar em

“obras-oficinas”, onde mescla percepção e desejo construtivo e onde

podemos (re)construir outras florestas, ao mesmo tempo em que

adentramos histórias e tramas no espaço. Assim, os “Lugares” são

como mapas sem limites, com minúsculos cantos, pontos e brechas

compartilháveis no vasto campo em que não somos apenas o eu.

Constam em seus territórios garatujas, ensaios visuais e cores coreo-

grafando autorias em livros.

Enquanto formas de sociabilidade e afetividade versam, acumulam e

traduzem coisas, percepções e vontades tremulantes passam a integrar

os “Lugares” e fazê-los vibrar. Uma vez ali, pode-se vivenciar porme-

nores à medida que “nos permitimos desmecanizar as gramáticas do

corpo e do espaço”, propõe a artista. A história desses “Lugares”

são muitas a serem inventadas e inúmeros são os contornos a serem

desenhados e transbordados no dentro-fora de nós.

92

76

Livro: lugar em que somos e estamos

À espera, a ponto de prolongar-se, tal como se tivesse tentáculos,

envolvendo o leitor, o lugar entre ele próprio e o leitor. Eis o livro.

LUGAR PARA LER é uma biblioteca de livros em estado de espera, com

prolongamentos que são seu acontecimento – gestos constituidores,

dispondo-se a olhos e mãos que lhes mudarão a escala e até mesmo

sua feição. Os livros estão ali em múltiplas personalidades, em versões

ambivalentes: dispersos em folhas coloridas, contando um tanto de

história ou ainda ansiosos por recebê-las; abertos em formato de asas

ou adormecidos guardando o tempo da escrita. LUGAR PARA LER é

uma obra-oficina onde Stela Barbieri desaguou seus livros de artista e

cadernos de anotação por entre livros que ainda vão ser. Todos estão

em permanente continuação, afeitos ao imprevisível de seus habitantes.

Ver-ler-percorrer são conjugações da fruição dos livros da artista.

Ocorrem como sequências de espaços, onde o desenho espalha-se

mergulhando pela transparência das páginas, cortando-as e desdo-

brando-se descontinuamente. Nesses livros, a ideia/ato de desenhar

ocorre na palpabilidade e na experiência de seus materiais, texturas e

cores. Assim, quando manuseamos suas páginas-asas, distintas formas

revelam-se, enquanto enquadramentos de paisagens abstratas se

expandem. E uma escritura--desenho se dá construindo pontes entre o

espaço da página e o lugar onde estamos.

A prática de narrar histórias, de se arriscar em planos, ideias e projetos de

obras, e a reflexão sobre arte, educação e os inúmeros atravessamentos

Page 77: STELA BARBIERI

cotidianos fragmentam-se nos muitos cadernos de Stela Barbieri. São

anseios e registros do tempo que narram uma vigília de si mesmo

em permanente porosidade com o mundo, em folhas, desenhos

e guardados da vida. Concentram--se nesses cadernos torções da

língua incentivadas pela organicidade de seus desenhos, compondo

assim um léxico nada categórico em que imagem e palavra fundem-

se permanentemente na rotina criativa da artista. LUGAR PARA LER

abriga uma multidão de autores-leitores que montam capas, folhas de

rosto, páginas, lombadas e que inventam outras anatomias de livros,

migrando de volume em volume, de letra em letra, de entrelinha em

entrelinha, navegando pelos rios de histórias por vir.

Através do lugar: uma poética-ação lúdica

O homem pode ser definido, afirma Johan Huizinga, pela existência

de um componente “lúdico”: impulso nato e formador de sua cultura

pessoal. Assim, o homem vive momentos conscientes de reflexão

e de expressão verbal e corporal, em que fenômenos da vida e da

natureza são avistados de modo a possibilitar potenciais ritmos de

transformação. Tal visão pode desmantelar alguns de nossos habituais

pressupostos: “arte é coisa séria” ou “alguém encarregado de alguma

responsabilidade séria deve afastar-se da postura do brincante”.

Podemos pensar que LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é uma atmosfera

de brincadeira – aspecto há muito tempo inerente aos processos de

criação de Stela Barbieri e que engendra nesse “lugar” gêneses de

arquiteturas flutuantes. As unidades fundamentais propostas pela

artista – varetas coloridas, formas esféricas e um tablado de madeira

– não se encerram como ferramentas utilitárias, nem como verdades

formais para a construção de um espaço. São antes instrumentos de

uma poética-ação em que seus construtores atravessam e concebem

um lugar de convívio para ser e atuar. A inspiração é livre e acontece

também na mão que doa sua forma.

LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é um tablado mutante, onde relações

de coexistência de espaços, a serem construídos e desenhados,

personificam cenas e mundos imaginários. Nesse “lugar”, o “Homo

ludens” usufrui de uma realidade brincante e experimenta, sem verbos

delimitadores, ficções sociais, éticas, estéticas. E a imagem ritualística

do jogo e a brincadeira de levantar espaços constituem-se experiências

de arrebatamento diante do novo e, sobretudo, da excitação diante da

invenção, propulsionando processos de imaginação criadora: tensão,

movimento, mudança, entusiasmo pelo espaço, onde tudo parece

gravitar poeticamente.

Page 78: STELA BARBIERI

LUGAR PARA PLANTAR

Olivia Ardui

Os jardins são associados, no inconsciente coletivo, a um complexo

sistema simbólico com dimensões filosóficas, místicas e políticas. Dos

jardins suspensos da Babilônia, passando pelos jardins renascentistas,

orientais, até os atuais quintais urbanos, esses espaços organizam e

incluem elementos do mundo vegetal em uma estrutura artificial pen-

sada pelo homem. Talvez seja por essa qualidade de meio-termo entre

o homem e a flora que o jardim constitui um ambiente tão privilegiado

para reconexão e redescoberta da natureza e seus ciclos, mas também

um lugar que acentua a propensão à interioridade, incitando uma deriva

pelos caminhos do imaginário e das memórias. Como se a vivência do

jardim, reminiscência distante mas onipresente do paraíso, interviesse

como convite ao regresso a uma experiência mais verdadeira e simples.

Por essa faculdade de reaproximar o homem tanto da natureza física

como da sua própria essência, o jardim poderia ser entendido como um

agente que suscita reflexões acerca de diferentes aspectos de sua vida.

Não é por acaso que a artista e educadora Stela Barbieri adota o jardim

em sua obra-oficina LUGAR PARA PLANTAR.

Realizada especialmente para o Sesc Osasco, a proposta insere-se

no Projeto Lugares, um conjunto de obras-oficinas idealizadas para

diferentes unidades do Sesc São Paulo e que incita a interação direta

com o visitante, cada vez com uma abordagem distinta. Se os outros

espaços confeccionados por Stela Barbieri nessa série são fruto de con-

siderações sobre parâmetros próprios da cultura, como a questão da

leitura ou da arquitetura, LUGAR PARA PLANTAR propõe um encontro

singelo com a natureza, da qual estamos cada vez mais afastados em

meio urbano. Essa desconexão e esse afastamento característicos da

contemporaneidade, somados aos nossos cotidianos marcados pela

ânsia de produtividade, pela alienação induzida por uma virtualização

progressiva das relações interpessoais e de trabalho, são causa de

desajustes, mesmo que inconscientes.

A área externa gramada do Sesc Osasco, pontuada por árvores frutífe-

ras e vasos com plantas de diversas espécies, é ocupada por algumas

mesas e prateleiras com sementes, diversas ervas e flores. Como se

estivessem em um laboratório, os visitantes, tanto adultos quanto

94

78

Page 79: STELA BARBIERI

crianças, são convidados a manusear essas sementes, plantá-las em vasos

que estão à disposição, manipulá-las para formar composições ou manda-

las, sendo assim estimulados a observar com cuidado, tocar, sentir, enfim,

a parar por um instante e estar presentes. A instalação também chama a

atenção para os ciclos de regeneração perpétua das plantas, passando do

nascimento, da maturação e da morte até uma transformação e, assim,

apontando para uma alternativa à temporalidade linear e unidirecional

que rege nossas vidas. Nesse dispositivo serão organizados ateliês e seções

de leituras de histórias, todas elas voltadas a esse retorno existencial à

natureza, mesmo que fabricada, passada pelo filtro do homem na forma

de um jardim.

O conceito do jardim, além de protagonista da proposta educativa dessa

obra-oficina, também é uma metáfora relevante para abordar o conjunto

da obra de Stela Barbieri. Efetivamente, além de o mundo vegetal sempre

ter sido uma fonte de inspiração para a artista, o jardim, por ser um híbrido

entre o autêntico e o artificial, a natureza e a cultura, encarna a ideia de

uma dialética entre duas extremidades, dinâmica que também é inerente

a vários trabalhos da artista.

Depois de um início de carreira em pintura, Stela Barbieri dirigiu o seu foco

para a experimentação com materiais e suas texturas. O pigmento da tinta

que antes era aplicado na tela passou a tingir líquidos contidos em reci-

pientes de vidros ou em plásticos, ou a impregnar formas irregulares em

látex ou lã. Em esculturas precárias e orgânicas, essa confrontação entre

estados líquidos e sólidos denota uma condição frágil de impermeabilida-

de, em que um elemento fluido é contido, mas a qualquer momento, e às

vezes de fato, infiltra-se, transpassando o seu receptáculo. É o caso por

exemplo de Sem Título (“Ampulheta”), em que dois plásticos são prega-

dos à parede contendo sementes de urucum que tingiram de vermelho o

óleo que pinga de um plástico para o outro, suscetíveis de ceder ao peso.

Se essas obras esculturais, realizadas nos anos 1990, já apresentavam

certa autonomia em relação ao formato da pintura, elas ainda eram

fixadas à parede. Progressivamente, as experimentações de Stela Barbieri

autonomizaram-se, e a artista buscou realizar instalações de maior escala,

como é o caso de Circuito de Narrativas Líquidas realizado em 2013. Nessa

instalação, estruturas metálicas são o suporte para uma série de vidros e

mecanismos que ora retêm, ora fazem circular um líquido de cor laranja,

em uma condição de constante movimento e transformação.

Para além da sua proposta educativa, a obra-oficina de Stela Barbieri pro-

põe, de maneira mais sutil e indireta, retomar vários aspectos-chave da sua

produção, em um momento mais introspectivo e reflexivo de sua trajetória.

Primeiramente, LUGAR PARA PLANTAR dá continuidade às instalações de

grande porte realizadas nos últimos anos e precede alguns projetos em

espaços públicos. Em seguida, a referência direta à natureza em um con-

texto urbano reitera um binômio transversal na obra da artista: sólido e

rígido/maleável e fluido. Enfim, a importância da maquete no processo de

realização desse trabalho, assim como a relação entre as escalas micro e

macro, também é uma constante na produção artística de Stela Barbieri.

Tal como o jardim, historicamente associado à representação da totalidade

do cosmos em miniatura, a experiência da obra-oficina é uma metáfora:

trata-se de semear, plantar, e cultivar sementes para a vida.

Page 80: STELA BARBIERI

DESFRUTAR

A obra-oficina “Desfrutar” consiste na instalação de um ambiente que

mescla um pomar, uma cozinha e uma mesa de encontros. Stela Barbieri se

vale de frutas, folhas comestíveis e utensílios de cozinha e convida o público

não somente a preparar comida e se aventurar em misturas imprevistas, mas

também a engendrar conversas, trocar subjetividades e vivenciar negociações

coletivamente. Se a mesa, segundo Maffesoli, pode ser o lugar onde se esta-

belecem as mais sólidas amizades, discussões e decisões importantes e outros

tantos laços afetivos, a artista propõe que “Desfrutar” seja um lugar onde

possam se desencadear percepções durante o fazer e o comer como modos de

condução de comunicação e como expressões de sociabilidade.

PARA VER A PAISAGEM

Uma paisagem é uma forma de apreensão do mundo, um desenho que

traçamos a partir de relações com a realidade que nos cerca ou com os

lugares imaginários que nos povoam. Stela Barbieri nos convida a inventar

paisagens, a percebê-las como um artifício do sujeito, como uma espécie

de inventário ou testemunho constituído de forma simbólica num embate

fenomenológico com o meio ambiente, com as pessoas, com os desejos.

Nesta “obra-oficina”, projeto, matéria (caixas de papelão e cores) e espaço

expositivo incorporam-se aos gestos do público, à presença e olhar desse

habitante temporário que é convidado a criar condições, perspectivas,

passagens e possibilidades de miradas às arquiteturas afetivas que ali são

planejadas.

Galciani Neves

stela barbieri, 2014

Maquetes “Para Ver a PaisageM” e “Desfutar”

OfiCiNa Cultural OswalD De aNDraDe

sÃO PaulO-sP

Page 81: STELA BARBIERI

Stela Barbieri, redescobre a carga vital adormecida dentro da matéria

industrializada. Por isso suas esculturas não se esgotam nos limites das

suas aparências inesperadamente orgânicas. Algumas exalam cheiros,

enquanto outras não cessam de purgar líquidos. A relação entre suas

esculturas e os mistérios orgânicos começou nas primeiras realizações,

cheias de referência à algumas superfícies vegetais e animais que,

quando colocadas contra a luz, revelam o arame eTstrutural que lhes

dá forma. Mas as linhas de ferro prensadas pelas folhas de celofane

- elementos de antigas esculturas - não bastavam para a artista, uma

vez que era preciso despertar os materiais de seu sono letárgico. Era

preciso que o ferro se oxidasse e atacasse o papel, para que o resultado

fosse mais que uma metáfora; que o feijão germine sob o algodão para

que dai irrompa uma insólita topografia. Suas esculturas aspiram à vida

e toda a fertilidade que dela emana. Dai a fusão entre suas partes; o

motor erótico que as dinamiza. Sua feitura é guiada pelo desejo de

que as substâncias se animem e de que o tempo volte a escorrer num

murmúrio que se prolifera em nódoas, patinas e decomposição.

Agnaldo Farias

Page 82: STELA BARBIERI

Há algo de receptáculo nesta construção orgânica suspensa em fios de

cobre, espécie de abrigo e proteção para um corpo volátil de serragem e

de vermelhidão. Stela Barbieri é uma artista sensível à interioridade e aos

rumos que possam derivar deste compromisso. A falta aqui é busca: com-

preender o comportamento da matéria por meio de uma ocupação expan-

siva do espaço. Busca dócil e lenta. Contrariamente ao que a vontade de

aconchego poderia indicar, a artista não nega a matéria ocultando-a sob

esconderijos. Prefere a hipótese de que não há continente suficiente para

a delicadeza da emoção. Por isso, os conteúdos vazam de uma topografia

feminina, forçando a saída das fronteiras. Emancipação do colo do ninho.

Lisette Lagnado

Cor e linha contribuem para armar o drama. Essa condição dramática,

entre o rir e o chorar, fica aqui consignada pelo vermelho que se derrama

em fios molemente enovelados. Existe algo de lúdico em dispor as lãs

sobre o suporte, movimento semelhante ao gesto livre de riscar e respingar

tinta na parede ou papel. Nenhum controle é imposto ao fluir dessa espon-

taneidade até que o material é fixado entre duas lâminas transparentes tal

qual sangue em laboratório. Neste momento espontâneo é surpreendido

pelo controle da vontade.

M. A. Milliet

Page 83: STELA BARBIERI

Nas esculturas de Stela Barbieri, são as nações de interior e exterior que

se confundem, o paradoxo de que entranha e pele, víscera e superfície

sejam, se não idênticos, territórios sem conflito, alimenta todo o traba-

lho e responde pela fluência de suas soluções formais. Ao aproximar

estes dois pólos opostos, o trabalho passa a querer tudo: nós, laços,

sacos, materiais empilhadas, coisas jogadas, amontoadas, penduradas,

escorridas, coladas. Uma dilatação de idéia de forma acompanha a vizi-

nha proibida do dentro e do fora; uma indiferença pelo que é aparência

ordenada, individuação de uma visão. Tudo aqui é passagem, casulo

de outro casulo, pele desgovernada e faminta, em expansão aflita. A

matéria varia de estado, exibe suas qualidades sucessivas, torna-se a

pegada de todas as formas. O que dá interesse a estes trabalhos é sua

plasticidade excessiva, como se pudessem receber todas as operações.

Há, nisso, uma mistura de potência expressiva e passividade extrema,

que em seus melhores momentos parece apontar para uma compreen-

são trágica da vida, como se fazer e desfazer, liberdade e destino fossem

o mesmo.

Nuno Ramos

Page 84: STELA BARBIERI

Stela Barbieri cria ambientes permeados de transparência e delicadeza.

Em seus objetos pulsa a vida que se faz escorrer, desdobrar, equilibrar,

tencionar, fletir, rasgar.

Contrasta o fraco e o forte, o rígido e o flexível, o denso e o volátil, que

se contaminam, tecem, borram, aspiram e transpiram juntos. Redenção

e luta. Seus trabalhos refletem o incessante conflito que perpassa a vida

do homem contemporâneo. Potência expressiva no território da arte, a

intenção sutil revela o acidente, a casualidade em resistência a um con-

trole excessivo do fazer artístico.

Vitória Daniela Bousso e Simona Misan Liberman

A soleira da porta:

Coadores de uma materialidade invisível

Grávida matéria-viva em suspensão

O tempo sendo regurgitado pelas coisas.

O espaço indagado entre um vão e outro

Bacias prenhes de gravidade engolindo tudo

Presságios corroendo o cotidiano

Sua tessitura escorrendo pela soleira da porta.

vasos-coadores de nossas percepções ,

A borra suspende o empoçado entendimento

Investido na posse de algo imaculado

Rubens Espírito Santo

Page 85: STELA BARBIERI

Coordenação Editorial e Direção de Arte Fernando Vilela

Design Gráfico Marilda Donatelli

Fotos Ana Claúdia Rodrigues, Arthur Calasans, Daniel Ozana, Denise Adams, Fausto Chermont, Fernanda Beraldi, Fernanda Gomes, Fernanda Simionato, Fernando Vilela, Joseti Capusso, Laura Barbieri Gorski, Maetê Filizola Azevedo, Márcia Xavier, Mariana Francoio, Mariana Galender, Mauricio Simonetti, Rômulo Fialdini, Pedro Palhares, Raimo Benedetti - Estúdio B, Urga Maira Cardoso

Vídeos Caca Vicalvi, Camila Guerreiro, Carlos Zalazik, Documenta Vídeo, Fernando Vilela, Instituto Cultural Itaú, Luis Alexandre Kobal Lucato, Pedro Palhares, Raimo Benedetti - Estúdio B, Renato Barbieri, Rinaldo Martinucci, Tamara Ka, TV Escola, TV Senac

www.stelabarbieri.com