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Súmulas 511-513-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmulas 511-513-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO PENAL É possível o furto híbrido se a qualificadora for objetiva Súmula 511-STJ: É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/06/2014. Furto O crime de furto encontra-se tipificado no art. 155 do Código Penal. No caput está previsto o furto simples. O § 2º traz uma causa de diminuição de pena, chamada pela doutrina de “furto privilegiado”. O § 4º, por sua vez, elenca hipóteses de “furto qualificado”. Furto qualificado Como já dito, no § 4º são previstas quatro hipóteses de furto qualificado: § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. Qualificadoras de ordem objetiva e subjetiva Existem qualificadoras de natureza objetiva e subjetiva. Qualificadoras objetivas (materiais, reais): são aquelas que estão relacionadas com o fato criminoso, ou seja, com o seu modo de execução, tempo e lugar do crime, instrumentos utilizados etc. Qualificadoras subjetivas (pessoais): são aquelas que dizem respeito à pessoa do agente. Ex: crime praticado com abuso de confiança. Furto privilegiado No § 2º, o CP prevê a figura do “furto privilegiado”, “furto de pequeno valor” ou “furto mínimo”: § 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. Requisitos FURTO PRIVILEGIADO 1) Primariedade do agente 2) Pequeno valor da coisa furtada O agente (criminoso) deve ser primário. Primário é o indivíduo que não é reincidente, nos termos do art. 63 do CP. Segundo a jurisprudência, para os fins do § 2º do art. 155, coisa de pequeno valor é aquela cujo preço, no momento do crime, não seja superior a 1 salário-mínimo.

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Súmulas 511-513-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO PENAL

É possível o furto híbrido se a qualificadora for objetiva

Súmula 511-STJ: É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/06/2014.

Furto O crime de furto encontra-se tipificado no art. 155 do Código Penal. No caput está previsto o furto simples. O § 2º traz uma causa de diminuição de pena, chamada pela doutrina de “furto privilegiado”. O § 4º, por sua vez, elenca hipóteses de “furto qualificado”. Furto qualificado Como já dito, no § 4º são previstas quatro hipóteses de furto qualificado:

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Qualificadoras de ordem objetiva e subjetiva Existem qualificadoras de natureza objetiva e subjetiva.

Qualificadoras objetivas (materiais, reais): são aquelas que estão relacionadas com o fato criminoso, ou seja, com o seu modo de execução, tempo e lugar do crime, instrumentos utilizados etc.

Qualificadoras subjetivas (pessoais): são aquelas que dizem respeito à pessoa do agente. Ex: crime praticado com abuso de confiança.

Furto privilegiado No § 2º, o CP prevê a figura do “furto privilegiado”, “furto de pequeno valor” ou “furto mínimo”:

§ 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Requisitos

FURTO PRIVILEGIADO

1) Primariedade do agente 2) Pequeno valor da coisa furtada

O agente (criminoso) deve ser primário. Primário é o indivíduo que não é reincidente, nos termos do art. 63 do CP.

Segundo a jurisprudência, para os fins do § 2º do art. 155, coisa de pequeno valor é aquela cujo preço, no momento do crime, não seja superior a 1 salário-mínimo.

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Furto privilegiado-qualificado É possível que um furto seja, ao mesmo tempo, privilegiado (§ 2º) e qualificado (§ 4º)? Em outras palavras, é possível aplicar o privilégio previsto no § 2º aos casos de furto qualificado? SIM, é possível desde que:

estejam preenchidos os requisitos do § 2º (primariedade e pequeno valor da coisa); e

a qualificadora seja de natureza objetiva. Ex1: se o furto for qualificado por concurso de pessoas (qualificadora de índole objetiva), será possível o privilégio (STJ. 6ª Turma. REsp 1370395/DF, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 12/11/2013). Ex2: se o furto for qualificado por abuso de confiança (qualificadora subjetiva), não será possível o privilégio (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1392678/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 17/12/2013). O furto privilegiado-qualificado é também chamado de furto híbrido. Vale mencionar que o entendimento de que é possível furto privilegiado-qualificado é adotado não apenas pelo STJ como também pelo STF.

O § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 é também equiparado a crime hediondo

Súmula 512-STJ: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/06/2014.

O delito de tráfico de drogas está previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

A Lei de Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”, também chamada de “traficância menor” ou “traficância eventual”:

Art. 33 (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Qual é a natureza jurídica deste § 4º? Trata-se de uma causa de diminuição de pena. Havia uma tese defensiva sustentando que o art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006 não seria tão grave e, por isso, não poderia ser equiparado a hediondo. A jurisprudência acolheu esta posição? NÃO. Tanto o STF como o STJ possuem o entendimento de que o § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 é também equiparado a hediondo. Isso porque a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º NÃO

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constitui tipo penal distinto do caput do mesmo artigo, sendo o mesmo crime, no entanto, com uma causa de diminuição. Dessa forma, a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas, pois a sua incidência não decorre do reconhecimento de uma menor gravidade da conduta praticada e tampouco da existência de uma figura privilegiada do crime. A criação da minorante tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo como um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo criminoso, de forma a lhe propiciar uma oportunidade mais rápida de ressocialização. Assim, se o indivíduo é condenado por tráfico de drogas e recebe a diminuição prevista no § 4º do art. 33, mesmo assim terá cometido um crime equiparado a hediondo.

(...) É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a hediondez do delito de tráfico de drogas não é afastada pelo reconhecimento da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, pois a incidência da referida causa de diminuição não constitui novo tipo penal, apenas visa dar tratamento mais brando àquele que é primário, sem antecedentes e que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa. (...) STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1398843/MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 08/05/2014. (...) A minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 não tem o condão de descaracterizar a hediondez do delito de tráfico de drogas, porquanto não cria uma figura delitiva autônoma, mas, tão somente, faz incidir, na terceira fase de fixação da pena, uma causa especial de diminuição da reprimenda, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização voltada a esse fim. (...) STF. 1ª Turma. RHC 114842, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/02/2014.

Na prática, o que significa dizer que o crime é hediondo ou equiparado? Quais as diferenças entre o crime “comum” e o crime hediondo ou equiparado?

Veja a comparação entre os crimes comuns e os hediondos (ou equiparados):

CRIME COMUM CRIME HEDIONDO (OU EQUIPARADO)

Em regra admite fiança. NÃO admite fiança.

Admite liberdade provisória. Admite liberdade provisória.

Admite a concessão de anistia, graça e indulto. NÃO admite a concessão de anistia, graça e indulto.

O prazo da prisão temporária, quando cabível, será de 5 dias, prorrogável por igual período.

O prazo da prisão temporária, quando cabível, será de 30 dias, prorrogável por igual período.

O regime inicial de cumprimento da pena pode ser fechado, semiaberto ou aberto.

O regime inicial de cumprimento da pena pode ser fechado, semiaberto ou aberto.

Admite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP).

Admite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP).

Admite a concessão de sursis, cumpridos os requisitos do art. 77 do CP.

Admite a concessão de sursis, cumpridos os requisitos do art. 77 do CP, salvo no caso do

tráfico de drogas por força do art. 44 da Lei n. 11.343/2006.

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O réu pode apelar em liberdade, desde que a prisão não seja necessária.

O réu pode apelar em liberdade, desde que a prisão não seja necessária.

Para a concessão do livramento condicional, o apenado deverá cumprir 1/3 ou 1/2 da pena, a depender do fato de ser ou não reincidente em crime doloso.

Para a concessão do livramento condicional, o condenado não pode ser reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados e terá que cumprir mais de 2/3 da pena.

Para que ocorra a progressão de regime, o condenado deverá ter cumprido 1/6 da pena.

Para que ocorra a progressão de regime, o condenado deverá ter cumprido:

2/5 da pena, se for primário; e

3/5 (três quintos), se for reincidente.

A pena do art. 288 do CP (associação criminosa) é de 1 a 3 anos.

A pena do art. 288 do CP (associação criminosa) será de 3 a 6 anos quando a associação for para a prática de crimes hediondos ou equiparados.

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Abolitio criminis temporária

Súmula 513-STJ: A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/06/2014.

Porte e posse de arma de fogo

No Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003), os três principais crimes previstos são os seguintes:

Posse de arma de fogo de uso permitido (art. 12)

Porte de arma de fogo de uso permitido (art. 14)

Posse ou porte de arma de fogo de uso restrito (art. 16)

Possuir na residência ou no local de trabalho

Portar em qualquer lugar que não seja a residência ou o local de trabalho do agente

Possuir ou portar na casa, no trabalho ou em qualquer outro lugar

arma de fogo, acessório ou munição,

arma de fogo, acessório ou munição,

arma de fogo, acessório ou munição,

de uso permitido, de uso permitido, de uso proibido ou restrito,

em desacordo com determinação legal ou regulamentar

sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar

sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Ex: João guarda em sua casa um revólver calibre 38, sem ter autorização.

Ex: Bino guarda em seu caminhão um revólver calibre 38, sem ter autorização.

Ex: Ricardo guarda em sua casa ou carrega consigo uma metralhadora importada, sem ter autorização.

Ainda sobre o art. 16 O art. 16 prevê, ainda, em seu parágrafo único, algumas condutas equiparadas que também são consideradas crime. Veja:

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

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VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

Quem é encontrado na posse de arma de fogo de uso permitido com numeração raspada, responde por qual delito (arts. 12, 14 ou 16)? Trata-se do crime previsto no art. 16, parágrafo único, inciso IV:

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

Assim, a posse de arma com numeração raspada, mesmo de uso permitido, é crime equiparado à posse de arma de uso restrito. Abolitio criminis temporária

- O Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003), com o intuito de estimular a regularização das armas existentes no país, trouxe a possibilidade de aqueles que tivessem armas ilegais pudessem resolver tal situação (art. 30).

- Assim, o Estatuto estabeleceu que os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido

não registradas teriam um prazo de 180 dias após a publicação da Lei (que ocorreu em 23/12/2003) para solicitar o registro da arma.

- Se a arma tivesse sua numeração raspada ou fosse de uso restrito e, assim, não pudesse ser

regularizada, o indivíduo tinha a opção de entregá-la à Polícia Federal, sendo indenizado por isso. - Durante o período previsto na Lei, a pessoa que fosse encontrada em sua casa ou trabalho com uma

arma de fogo de uso permitido ou de uso restrito não cometia os crimes dos arts. 12 ou 16 do Estatuto. Havia uma abolitio criminis temporária (também chamada de descriminalização temporária ou vacatio legis indireta).

- Segundo a redação inicial do Estatuto, a pessoa tinha até o dia 23/12/2003 para regularizar ou

entregar a arma. Esse prazo foi sendo ampliado por diversas leis que se sucederam. Todas as vezes em que ia chegando ao fim o prazo, era editada uma MP ou uma lei ampliando esse limite.

A quais crimes se aplica essa abolitio criminis temporária? No período compreendido entre 23/12/2003 a 23/10/2005, a abolitio criminis temporária abrangia as condutas de posse de arma de fogo de uso permitido (art. 12) e de posse de arma de uso restrito (art. 16), incluindo as condutas equiparadas (art. 16, parágrafo único). A partir de 23/10/2005 até 31/12/2009, a abolitio passou a incidir somente sobre a conduta de posse de arma de fogo de uso permitido (art. 12). Repetindo:

A abolitio criminis temporária abrangia quais crimes?

De 23/12/2003 a 23/10/2005 De 24/10/2005 até 31/12/2009

Arts. 12 e 16 Posse de arma de fogo de uso permitido e restrito,

incluindo as condutas equiparas (ex: arma permitida com numeração raspada).

Somente o art. 12 Apenas a posse de arma de fogo de uso

PERMITIDO.

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Por que houve essa mudança?

Porque a MP 417/2008 (convertida na Lei n. 11.706/2008), ao revigorar o art. 30 do Estatuto do Desarmamento e reabrir o prazo para regularização, não mais previu que os possuidores de arma de fogo de uso restrito pudessem fazer o registro da arma. Desse modo, para o STJ, no período compreendido entre 23/12/2003 a 23/10/2005, quem foi encontrado na posse de arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, não cometia crime porque estava resguardado pela vacatio legis indireta. De 24/10/2005 em diante, quem foi encontrado na posse de arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, cometeu sim crime porque vacatio legis indireta para o crime do art. 16 durou até 23/10/2005. Dito de outra forma:

De 23/12/2003 a 31/12/2009: não é crime a posse de arma de fogo de que trata o art. 12.

De 24/12/2003 a 23/10/2005: não é crime a posse de arma de fogo de que trata o art. 16.

Vejamos os seguintes exemplos de aplicação da vacatio legis especial: A polícia encontrou, no dia 18/07/2005, na casa de Pedro, uma arma de fogo de uso permitido. Ele poderá se valer da vacatio legis temporária para não responder ao processo? SIM, considerando que se trata do fato previsto no art. 12 do Estatuto do Desarmamento. A polícia encontrou, no dia 18/07/2007, na casa de Pedro, uma arma de fogo de uso permitido. Ele poderá se valer da vacatio legis especial para não responder ao processo? SIM, considerando que se trata do fato previsto no art. 12 do Estatuto do Desarmamento. A polícia encontrou, no dia 18/07/2005, na mochila de Pedro, que andava na rua, uma arma de fogo de uso permitido, sem que ele tivesse autorização. Ele poderá se valer da abolitio criminis temporária para não responder ao processo? Essa abolitio criminis temporária poderia ser aplicada para o porte de arma de fogo de uso permitido (art. 14)? NÃO. A vacatio legis prevista nos arts. 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento não torna atípica a conduta de porte ilegal de arma de uso permitido (art. 14). Essa vacatio legis especial somente tem aplicação para os casos de POSSE de arma de fogo. A polícia encontrou, no dia 18/07/2007, na mochila de Pedro, que andava na rua, uma arma de fogo de uso permitido, sem que ele tivesse autorização. Ele poderá se valer da abolitio criminis temporária para não responder ao processo? Essa abolitio criminis temporária poderia ser aplicada para o porte de arma de fogo de uso permitido (art. 14)? NÃO. Como já dito, não havia previsão de abolitio criminis temporária para o crime de porte. A polícia encontrou, no dia 18/07/2005, na casa de Cristiano, uma arma de fogo de uso permitido, mas com a numeração raspada (art. 16, parágrafo único, IV). Ele poderá se valer da abolitio criminis temporária para não responder ao processo? Essa abolitio criminis temporária poderia ser aplicada? SIM, porque praticado antes de 23/10/2005. A polícia encontrou, no dia 18/07/2007, na casa de Pedro, uma arma de fogo de uso permitido, mas com a numeração raspada (art. 16, parágrafo único, IV). Ele poderá se valer da abolitio criminis temporária para não responder ao processo? Essa abolitio criminis temporária poderia ser aplicada? NÃO, porque foi praticado após 23/10/2005.

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Confira novamente o teor do enunciado e veja agora se entendeu bem: Súmula 513-STJ: A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005. Tema extremamente difícil já que cheio de detalhes. Para fins de concurso, por enquanto, basta que conheçam e decorem a súmula. APROFUNDANDO O TEMA Se você quiser apenas entender a Súmula 513, basta ler até o que foi escrito acima. Agora, se quiser aprofundar o tema, iremos verificar que, com a devida vênia, a edição do enunciado pelo STJ foi precipitada. Isso porque o Plenário do STF, em sede de repercussão geral, já decidiu de forma diferente a conclusão exposta na súmula. Assim, o presente enunciado, com as devidas escusas, é natimorto. Vejamos com calma porque o assunto é difícil e intrincado: Abolitio criminis temporária

Conforme já vimos acima, o Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003), com o intuito de estimular a regularização das armas existentes no país, trouxe a possibilidade de aqueles que tivessem armas ilegais pudessem resolver tal situação (art. 30).

Assim, o Estatuto estabeleceu que os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido não registradas teriam um prazo de 180 dias após a publicação da Lei (que ocorreu em 23/12/2003) para solicitar o registro da arma.

Durante esse período, a pessoa que fosse encontrada em sua casa ou trabalho com uma arma de fogo de uso permitido ou de uso restrito não cometia os crimes dos arts. 12 ou 16 do Estatuto. Havia uma abolitio criminis temporária.

Esse prazo de 180 dias foi sendo ampliado por diversas leis que se sucederam. Todas as vezes em que ia chegando ao fim o prazo que as pessoas tinham para regularizar suas armas de fogo, era editada uma MP ou uma lei ampliando esse limite.

Ocorre que, em 23/06/2005, terminou o prazo para registrar as armas de fogo sem que fosse editada alguma MP ou lei prorrogando esse interregno.

Somente em 31/01/2008, o Presidente da República editou nova MP 417/2008 (convertida na Lei n. 11.706/2008) reabrindo o prazo para que as pessoas pudessem regularizar suas armas de fogo. Em outras palavras, essa foi a primeira vez em que o prazo se encerrou e depois de algum tempo veio outro ato normativo reabrindo a oportunidade para a regularização.

Assim, de 24/06/2005 até 30/01/2008 não havia mais autorização legal para que as pessoas pudessem regularizar suas armas de fogo. Nesse período, o art. 30 do Estatuto do Desarmamento não tinha mais eficácia.

Resumindo:

de 23/12/2003 até 23/06/2005: houve sucessivas autorizações para que as pessoas regularizassem suas armas de fogo;

de 24/06/2005 até 30/01/2008: não houve MP ou lei autorizando a regularização;

em 31/01/2008 (MP 417/2008, convertida na Lei n. 11.706/2008): o prazo para regularização foi reaberto.

Em suma, as medidas provisórias e leis prorrogavam o prazo para regularização das armas, mas no

caso da Lei n. 11.706/2008 (MP 417/2008), esta não prorrogou, mas sim reabriu o prazo.

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A Lei n. 11.706/2008, ao REABRIR o prazo para regularização de armas de fogo, produziu efeitos retroativos e implicou em abolitio criminis quanto às condutas praticadas entre 24/06/2005 até 30/01/2008 (período em que não houve lei permitindo a regularização)?

STJ: SIM STF: NÃO

Para o STJ, a nova prorrogação trazida pela MP

417/2008, posteriormente convertida na Lei n. 11.706/2008, retroage para alcançar as condutas de possuir arma de fogo ou munição de uso permitido praticadas (AgRg no REsp 1237674/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 05/02/2013).

A reabertura do prazo trazida pela Lei n. 11.706/2008 é RETROATIVA.

Para o STF, o fato de a Lei n. 11.706/2008 (MP 417/2008) ter reaberto o prazo para que as pessoas pudessem registrar ou renovar o registro de suas armas de fogo de uso permitido não significou abolitio criminis. Em outras palavras, as pessoas que foram condenadas por fatos posteriores à última

prorrogação e anteriores à 31/01/2008 (Lei n. 11.706/2008) não têm direito de ter extinta sua punibilidade. RE 768494/GO, rel. Min. Luiz Fux, 19/9/2013 (Info 720).

A reabertura do prazo trazida pela Lei n. 11.706/2008 é IRRETROATIVA.

Quadro-comparativo Veja o seguinte quadro-comparativo entre os dois entendimentos: Entendimento do STF

De 23/12/2003 até 23/06/2005 De 24/06/2005 até 30/01/2008 De 31/01/2008 até 31.12.2009

Não era crime a posse de arma de fogo de uso PERMITIDO ou de uso RESTRITO.

A autorização para regularizar as armas deixou de existir. Logo, a pessoa que foi encontrada na posse de arma de fogo durante esse período cometeu crime (não há abolitio criminis).

Voltou a existir previsão para regularizar as armas de fogo, no entanto, agora apenas de uso PERMITIDO. Logo, no caso de a pessoa ter sido encontrada na posse de arma de fogo nesse período:

Se a arma encontrada era de uso PERMITIDO: a pessoa não cometeu o crime do art. 12.

Se a arma encontrada era de uso RESTRITO: a pessoa cometeu o crime do art. 16 (a autorização legal não abrangeu armas de uso restrito).

Entendimento do STJ

De 23/12/2003 a 31/12/2009: não é crime a posse de arma de fogo de uso PERMITIDO.

De 24/12/2003 a 23/10/2005: não é crime a posse de arma de fogo de uso RESTRITO.

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Súmulas 511-513-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

Resumindo:

A Lei n. 11.706/2008, ao reabrir o prazo para regularização de armas de fogo, produziu efeitos retroativos e implicou em abolitio criminis quanto às condutas praticadas entre 24/06/2005 até 30/01/2008 (período em que não houve lei permitindo a regularização)?

SIM: para o STJ, a nova prorrogação trazida pela MP 417/2008, posteriormente convertida na Lei n. 11.706/2008, retroage para alcançar as condutas de possuir arma de fogo ou munição de uso permitido praticadas (AgRg no REsp 1237674/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 05/02/2013).

NÃO: para o STF, o fato de a Lei n. 11.706/2008 (MP 417/2008) ter reaberto o prazo para que as pessoas pudessem registrar ou renovar o registro de suas armas de fogo de uso permitido não significou abolitio criminis. Em outras palavras, as pessoas que foram condenadas por fatos posteriores à última

prorrogação e anteriores à 31/01/2008 (Lei n. 11.706/2008) não têm direito de ter extinta sua punibilidade (RE 768494/GO, rel. Min. Luiz Fux, 19/9/2013. Info 720. Repercussão geral).

Perceba, portanto, que a Súmula 513 do STJ vai de encontro ao que foi decidido no RE 768494/GO. Compare:

STJ STF

Súmula 513-STJ: A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

Para o STF, a abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/06/2005.

Aqui realmente acabou a explicação sobre a Súmula. Pode ser, no entanto, que você tenha ficado curioso para saber como é a situação atualmente. Se ficou, continue lendo abaixo: Após 31/12/2009 Não existe mais possibilidade de regularização das armas de fogo (art. 30) Não existe mais prazo para regularização das armas de fogo (art. 30 do Estatuto do Desarmamento). Logo, a pessoa que for encontrada após essa data na posse de arma de fogo em desacordo com determinação legal ou regulamentar comete crime. Existe ainda a possibilidade de entrega das armas de fogo para destruição (art. 32) Vale ressaltar que o Estatuto do Desarmamento permite, até hoje, que os indivíduos que forem proprietários ou que estejam na posse de armas de fogo possam entregá-las para serem destruídas. Nesse caso, a pessoa que fizer a entrega espontânea não responderá por posse ilegal de arma de fogo e ainda receberá uma indenização que varia de R$ 150,00 a R$450,00. Assim, se uma pessoa possui ilegalmente uma arma de fogo (de uso permitido ou restrito), ela poderá resolver a situação. Para isso, deverá acessar o site da Polícia Federal (www.dpf.gov.br), preencher um formulário eletrônico, imprimir uma guia de trânsito e se dirigir até uma unidade de entrega credenciada pela PF levando a arma. Vale ressaltar que o interessado somente poderá transitar com a arma se estiver com o requerimento e a guia de trânsito impressos. Na guia de trânsito constará o percurso que a pessoa irá fazer. Além disso, a arma deve ser transportada desmuniciada e acondicionada de maneira que não possa ser feito o seu pronto uso. Chegando até o local, a pessoa entrega a arma, que será encaminhada para destruição, e receberá um documento indicando o valor da indenização que irá receber por ter entregue a arma. O quantum da indenização será baseado no valor da arma entregue.

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Súmulas 511-513-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

Se a pessoa for encontrada em casa, no trabalho, na rua etc., com uma arma de fogo, poderá alegar que estava indo levá-la para destruição e, assim, ficar livre do crime? NÃO. Isso porque, como vimos acima, o ato de entrega exige todo um procedimento, que envolve o preenchimento de um formulário eletrônico (onde consta a data da solicitação) e a impressão de uma guia de trânsito. Se a pessoa for encontrada na posse ou portando uma arma de fogo sem ter atendido tais exigências, irá responder por crime.

Possibilidade de solicitar o registro (regularização) da arma de fogo (art. 30)

Possibilidade de entrega espontânea da arma de fogo às autoridades (art. 32)

Não mais existe. O prazo foi encerrado em 31/12/2009.

Ainda existe. O prazo para entrega de armas mediante indenização agora é permanente.

Se a pessoa for encontrada possuindo ou portando arma de fogo, haverá crime.

Se a pessoa atender todo o procedimento, receberá uma indenização e não responderá por posse ou porte de arma de fogo.