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Direitos Humanos na Antiguidade Num sentido próprio, em que se conceituem como “direitos humanos”, quaisquer direitos atribuídos a seres humanos, como tais, pode ser assinalado o reconhecimento de tais direitos na Antiguidade: no Código de Amurai (Babilônia. século XVIII antes de Cristo), no pensamento de Amenófis IV (Egito. século XIV a. C). Na filosofia de Mêncio (China. século IV a. C), na República. De Platão (Grécia. século IV a. C.), no Direito Romano e em inúmeras civilizações e culturas ancestrais. Na Antiguidade , não se conhecia o fenômeno da limitação do poder do Estado. As leis que organizavam os Estados não atribuíam ao indivíduo direitos frente ao poder estatal. Quando Aristóteles definiu “Constituição”, tinha diante de si esse tipo de legislação. Não obstante tenha sido Atenas o berço de relevante pensamento político. Não se imaginava então a possibilidade de um estatuto de direitos oponíveis ao próprio Estado. A formação da Pólis foi precedida da formação de um território cultural, como notou François de Polignae. Este balizou os limites da cidade grega. Sem garantia legal, os “direitos humanos” padeciam de certa precariedade na estrutura política. O respeito a eles ficava na dependência da virtude e da sabedoria dos governantes. Esta circunstância, porém, não exclui a importante contribuição de culturas antigas na criação da idéia de Direitos Humanos. História dos Direitos do Homem Começaremos traçando o marco temporal a modernidade, isto é, o período que inicia com as grandes descobertas geográficas dos séculos XV/XVI até a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948. Neste período, ocorreu um gigantesco fenômeno histórico: a expansão da civilização européia (e, de maneira mais geral, da civilização ocidental) sobre o resto do mundo, fazendo com que, pela primeira vez, a história de uma civilização particular se identificasse progressivamente com a história do mundo.

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Direitos Humanos na Antiguidade

Num sentido próprio, em que se conceituem como “direitos humanos”, quaisquer direitos atribuídos a seres humanos, como tais, pode ser assinalado o reconhecimento de tais direitos na Antiguidade: no Código de Amurai (Babilônia. século XVIII antes de Cristo), no pensamento de Amenófis IV (Egito. século XIV a. C). Na filosofia de Mêncio (China. século IV a. C), na República. De Platão (Grécia. século IV a. C.), no Direito Romano e em inúmeras civilizações e culturas ancestrais.

Na Antiguidade , não se conhecia o fenômeno da limitação do poder do Estado. As leis que organizavam os Estados não atribuíam ao indivíduo direitos frente ao poder estatal. Quando Aristóteles definiu “Constituição”, tinha diante de si esse tipo de legislação.

Não obstante tenha sido Atenas o berço de relevante pensamento político. Não se imaginava então a possibilidade de um estatuto de direitos oponíveis ao próprio Estado. A formação da Pólis foi precedida da formação de um território cultural, como notou François de Polignae. Este balizou os limites da cidade grega.

Sem garantia legal, os “direitos humanos” padeciam de certa precariedade na estrutura política. O respeito a eles ficava na dependência da virtude e da sabedoria dos governantes.

Esta circunstância, porém, não exclui a importante contribuição de culturas antigas na criação da idéia de Direitos Humanos.

História dos Direitos do Homem

Começaremos traçando o marco temporal a modernidade, isto é, o período que inicia com as grandes descobertas geográficas dos séculos XV/XVI até a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948. Neste período, ocorreu um gigantesco fenômeno histórico: a expansão da civilização européia (e, de maneira mais geral, da civilização ocidental) sobre o resto do mundo, fazendo com que, pela primeira vez, a história de uma civilização particular se identificasse progressivamente com a história do mundo.

Este é o âmbito macro-histórico que devemos sempre ter presente e que condiciona a nossa analise das teorias e das práticas que contribuíram para a formação do corpus filosófico e jurídico dos direitos do homem. Estes, nascidos no contexto da civilização européia, como momento da sua história, foram, desde o começo, intimamente relacionados com todo o processo que fez da história da Europa a história do Mundo.

A característica constitutiva desta história é o seu caráter complexo, ambíguo, dualista, ao mesmo tempo de emancipação e opressão, de inclusão e de exclusão, eurocêntrico e cosmopolita, universal e particular.

Este olhar “de baixo”, dos excluídos, das vítimas, pode e deve ser a nossa contribuição para uma reconstrução da história dos direitos do homem menos unilateral e simplista do que geralmente aparece nos manuais de divulgação da história dos direitos humanos, os quais apresentam a seguinte trajetória: iniciam desde a Magna Charta Libertatum da Inglaterra do

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século XIII, passando pela Revolução Gloriosa Inglesa do Século XVII, até a Revolução Americana e Francesa do Século XVIII para concluir finalmente com a Declaração Universal das Nações Unidas do Século XX. A Europa e o Ocidente aparecem, assim, como o espaço onde progressivamente, ainda que com contradições, se forja a emancipação do homem, que é, posteriormente, estendida a toda a humanidade como modelo a ser seguido. O resto do mundo constitui o agente passivo, marginal, é o “outro” que não é “descoberto”, mas “ocultado” como afirma Henrique

Na constituição da doutrina dos direitos do homem, assim como nos a conhecemos hoje, podemos identificar a confluência de várias correntes de pensamento e de ação, entre as quais as principais são o liberalismo, o socialismo e o cristianismo social.

Liberté

Que a doutrina dos direitos humanos seja uma aquisição da modernidade e especificamente do pensamento liberal é uma opinião amplamente difusa e que faz parte da imagem que o Ocidente tem de si e que projeta sobre o resto do mundo A doutrina filosófico-jurídica que funda os direitos humanos é o jusnaturalismo moderno, isto é, a teoria dos direitos naturais, que rompe com a tradição do direito natural antigo e medieval, sobretudo a partir do filósofo inglês Thomas Hobbes, no Século XVII. As características principais do que Norberto Bobbio define como “modelo jusnaturalista ou Hobbesiano” são as seguintes:

a) Individualismo, existem (ora como dado histórico, ora como hipótese de razão) indivíduos que vivem num estado de natureza anterior à criação do Estado e que gozam de direitos naturais intrínsecos, tais como o direito à vida, à propriedade, à liberdade, à segurança e à igualdade frente à necessidade e à morte.

b) O Estado de natureza , é um pressuposto comum a todos os pensadores deste período, ainda que eles o caracterizem de modo divergente: ora como um estado de guerra, ora como um estado de paz instável (LOCKE 1983) ora como primitivo estado de liberdade plena (ROUSSEAU 1983).

c) O Contrato Social, este é entendido como um pacto artificial (não importa se histórico ou ideal) entre indivíduos livres para a formação da sociedade civil que, desta maneira, supera o estado de natureza; pacto através do qual todos os indivíduos se tornam súditos, renunciando à própria liberdade in parte ou in toto para consigná-la nas mãos do príncipe absolutista de Hobbes (modelo absolutista) ou do monarca parlamentarista de Locke (modelo liberal) ou da Assembleia Geral de Rousseau que representa diretamente a vontade geral (modelo republicano-democrático). Apesar das diferenças, o que há em comum entre os autores é o caráter voluntário e artificial do pacto ou do contrato, cuja função é garantir os direitos fundamentais do homem que, no estado de natureza, eram continuamente ameaçados pela falta de uma lei e de um Estado que tivesse a força de fazê-los respeitar.

d) O Estado , este nasce da associação dos indivíduos livres (concepção atomista da sociedade) para proteger e garantir a efetiva realização dos direitos naturais inerentes aos indivíduos, que não são criados pelo Estado mas que existiam antes da criação do Estado e que cabe ao Estado

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proteger. Para Hobbes trata-se, sobretudo do direito à vida, para Locke do direito à propriedade, para Kant do único e verdadeiro direito natural que inclui todos os outros que é a liberdade.

Tais doutrinas surgiram nos séculos XVII e XVIII, no período de ascensão da burguesia que estava reivindicando uma maior liberdade de ação e de representação política frente à nobreza e ao clero. Elas forneciam uma justificativa ideológica consistente aos movimentos revolucionários que levariam progressivamente à dissolução do mundo feudal e à constituição do mundo moderno. O jusnaturalismo moderno, sobretudo através dos iluministas, teve uma importante influência sobre as grande revoluções liberais do séculos XVII e XVIII:

• A Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1668 da assim chamada Revolução Gloriosa que concluiu o período da “revolução inglesa”, iniciado em 1640, levando à formação de uma monarquia parlamentar;

• A Declaração dos direitos (Bill of Rights) do Estado da Virgínia de 1777, que foi a base da declaração da Independência dos Estados Unidos da América (em particular os primeiros 10 emendamentos de 1791);

• A Declaração dos direitos do homem e do cidadão da Revolução Francesa de 1789 que foi o “atestado de óbito” do Ancien Régime e abriu caminho para a proclamação da República.

Os direitos da tradição liberal têm o seu núcleo central nos assim chamados “direitos de liberdade”, que são fundamentalmente os direitos do indivíduo (burguês) à liberdade, à propriedade, à segurança. O Estado limita-se a garantia dos direitos individuais através da lei sem intervir ativamente na sua promoção. Por isto, estes direitos são chamados de direitos de liberdade negativa, porque tem como objetivo a não intervenção do Estado na esfera dos direitos individuais.

Apesar da afirmação de que “os homens nascem e são livres e iguais”, uma grande parte da humanidade permanecia excluída dos direitos. As várias declarações de direitos das colônias norte-americanas não consideravam os escravos como titulares de direitos tanto quanto os homens livres. A Declaração dos direitos do homem e do cidadão da Revolução Francesa não considerava as mulheres como sujeitas de direitos iguais aos dos homens. Em geral, em todas estas sociedades, o voto era censitário e só podiam votar os homens adultos e ricos; as mulheres, os pobres e os analfabetos não podiam participar da vida política. Devemos também lembrar que estes direitos não valiam nas relações internacionais. Com efeito, neste período na Europa, ao mesmo tempo em que proclamavam-se os direitos universais do homem, tomava um novo impulso o grande movimento de colonização e de exploração dos povos extra-europeus; assim, a grande parte da humanidade ficava excluída do gozo dos direitos.

É oportuno relembrar também que a criação de um mercado mundial foi possível graças à pilhagem e a drenagem de enormes recursos dos povos colonizados e a reintrodução, em ampla escala, da escravidão, que havia sido abolida desde os tempos da queda do Império Romano. Fenômenos que contribuíram para o processo histórico da acumulação primitiva do capital, que deu o grande impulso à criação e expansão do sistema capitalista mundial.

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A escravidão foi implantada na época Moderna pela “potências cristãs”, tendo Portugal o monopólio do tráfico, numa forma tanto mais brutal e injustificável. Ainda, os antigos discriminavam os “bárbaros”, foram os modernos que inventaram o racismo na sua forma específica como um produto “novo” do etnocentrismo e do cientificismo europeu que a Antiguidade não conheceu.

Egalité

A tradição liberal dos direitos do homem - que domina o período que vai do Século XVII até a metade do Século XIX, quando termina a era das revoluções burguesas - mostrava-se insuficiente para resolver os novos problemas criados pelo capitalismo. É nessa época que entra na cena política o socialismo, que encontra suas raízes naqueles movimentos mais radicais da Revolução Francesa que queriam não somente a realização da liberdade, mas também da igualdade.

O socialismo, sobretudo a partir dos movimentos revolucionários de 1848 (ano em que foi publicado o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels), reivindica uma série de direitos novos e diversos daqueles da tradição liberal. A egalité da Revolução Francesa era somente (e parcialmente) a igualdade dos cidadãos frente à lei, mas o capitalismo estava criando novas grandes desigualdades econômicas e sociais e o Estado não intervinha para pôr remédio a esta situação.

Os movimentos revolucionários de 1848 constituem um acontecimento chave na história dos direitos humanos, porque conseguem que, pela primeira vez, o conceito de “direitos sociais” seja acolhido na Constituição Francesa, ainda que de forma incipiente e ambígua. Já nas “Declarações” sucessivas à de 1789, e que constituem o preâmbulo às duas Constituições elaboradas durante o período revolucionário, aparecem os primeiros “direitos sociais”: à assistência pública aos pobres e necessitados (considerada “um direito sagrado”), ao trabalho, à instrução primária universal e gratuita; direitos que não tiveram maiores consequências na época, mas que reaparecerão com mais efetividade na constituição Francesa .

Estava, assim, aberto o longo e tortuoso caminho que levaria progressivamente à inclusão de uma serie de direitos novos e estranhos à tradição liberal: direito à educação, ao trabalho, à segurança social, à saúde, que modificam a relação do indivíduo com o Estado.

Na sua luta contra o absolutismo, o liberalismo considerava o Estado como um mal necessário e mantinha uma relação de intrínseca desconfiança: a questão central era a garantia das liberdades individuais contra a intervenção do Estado nos assuntos particulares.

Tal movimento, que marca as lutas operárias e populares do século XIX e XX, tomará um grande impulso com as revoluções socialistas do Sec. XX (antes da Revolução Soviética, a Revolução Mexicana de 1915/17 havia colocado claramente em primeiro plano a necessidade de garantir os direitos econômicos e sociais; ver COMPARATO 1999: 160-178), e com as experiências social democráticas e laboristas europeias. De fato, através das lutas do movimento operário e popular, os direitos sociais, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, começam a ser colocados nas Cartas Constitucionais e postos em prática, criando assim o

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chamado “Estado do Bem-estar Social” (Welfare State) nos países capitalistas (sobretudo europeus) e garantindo uma série de conquistas econômicas e sociais nos países socialistas.

Nos países de regime socialista, a garantia dos direitos econômico-sociais foi acompanhada por uma brutal restrição, ou até eliminação, dos direitos civis e políticos individuais. É oportuno também lembrar que deste avanço dos direitos sociais continuaram excluídos os países submetidos à dominação colonial ou neocolonial que representavam a grande parte da humanidade.

Fraternité

Antes de chegarmos à contemporaneidade, é preciso dizer algo a respeito de outro ator social que desenvolveu um papel importante na história conceitual e social dos direitos humanos, isto é, o cristianismo social, e, em particular, à doutrina social da Igreja Católica.

A mensagem bíblica contém um forte chamamento à fraternidade universal: o homem foi criado por Deus a sua imagem e semelhança e todos os homens são irmãos porque tem Deus como Pai; o homem tem um lugar especial no Universo e possui uma sua intrínseca dignidade. A doutrina dos direitos naturais que os pensadores cristãos elaboraram a partir de uma síntese entre a filosofia grega e a mensagem bíblica valoriza a dignidade do homem e considera como naturais alguns direitos e deveres fundamentais que Deus imprimiu “no coração” de todos os homens.

Deste ponto de vista, segundo certa linha de interpretação, a doutrina moderna dos direitos humanos pode ser considerada como uma “secularização”, isto é, uma tradução em termos não religiosos, leigos e racionalistas, dos princípios fundamentais da antropologia teológica cristã que conferia a homem uma sua intrínseca dignidade enquanto criado e imagem e semelhança de Deus.

Este foi um dos motivos principais da hostilidade da Igreja contra as doutrinas e as praticas dos direitos humanos da modernidade: a Igreja permaneceu defendendo o Antigo Regime, do qual era parte fundamental, com todos os seus privilégios e reagiu contra as “novidades” da modernidade.

A História dos Direitos Humanos no Brasil

A história dos Direitos Humanos no Brasil está vinculada, de forma direta com a história das constituições brasileiras. Portanto, para falarmos a respeito de tal assunto, abordaremos, brevemente, a história das várias Constituições no Brasil e a importância que as mesmas deram aos Direitos Humanos.

A primeira Constituição Brasileira já surgiu provocando o repúdio de inúmeras pessoas, falamos da Constituição Imperial de 1824, que foi outorgada após a dissolução da Constituinte, razão da rejeição em massa que acarretou protestos em vários Estados brasileiros, como em Pernambuco, Bahia, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

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Essas reivindicações de liberdade, culminaram com a consagração dos Direitos Humanos, pela Constituição Imperial, que apesar de autoritária (por concentrar uma grande soma de poderes nas mãos do imperador), revelou-se liberal no reconhecimento de direitos.

De acordo com a Constituição Imperial Brasileira de 1824, a inviolabilidade dos direitos civis e políticos baseavam-se na liberdade, na segurança individual e, como não poderia deixar de ser, na propriedade.

Em 24 de fevereiro de 1891, surgiu a primeira Constituição Republicana que tinha como objetivo, como ensina Herkenhoff, "corporificar juridicamente o regime republicano instituído com a Revolução que derrubou a coroa."

Foi essa Constituição que instituiu o sufrágio direto para a eleição dos deputados, senadores, presidente e vice-presidente da República, no entanto, determinava, também, que os mendigos, os analfabetos, os religiosos, não poderiam exercer tais direitos políticos. Além disso, ela aboliu a exigência de renda como critério de exercício dos direitos políticos.

Apesar disso, podemos afirmar que a primeira Constituição republicana ampliou os Direitos Humanos, além de manter os direitos já consagrados pela Constituição Imperial.

A Constituição de 1934 inovou ao estatuir normas de proteção social ao trabalhador, proibindo a diferença de salário para um mesmo trabalho, em razão de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; proibindo o trabalho para menores de 14 anos de idade, o trabalho noturno para os menores de 16 anos e o trabalho insalubre para menores de 18 anos e para mulheres; determinando a estipulação de um salário mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do trabalhador, o repouso semanal remunerado e a limitação de trabalho a oito horas diárias que só poderão ser prorrogadas nos casos legalmente previstos, além de inúmeras outras garantias sociais do trabalhador.

A Constituição de 1934 não se esqueceu também dos direitos culturais. Tratava-se de uma constituição que tinha como objetivo primordial, o bem estar geral. Ao instituir a Justiça Eleitoral e o voto secreto, essa constituição abriu os horizontes do constitucionalismo brasileiro, como bem ensina Herkenhoff (Curso de Direitos Humanos, pg. 77), para os direitos econômicos, sociais e culturais. Ela respeitou os Direitos Humanos e vigorou durante mais de três anos, até a introdução do chamado "Estado Novo” , em 10 de Novembro de 1937, que introduziu o autoritarismo no Brasil.

Foi no “Estado Novo” que foram criados o tão polêmico Tribunal de exceção, que tinham a competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado. Nesta época, foi declarado estado de emergência no país, ficaram suspensas quase todas as liberdades a que o ser humano tem direito, dentre elas, a liberdade de ir e vir, o sigilo de correspondência (uma vez que as mesmas eram violadas e censuradas) e de todos os outros meios de comunicação, seja orais ou escritos, a liberdade de reunião e etc. Os Direitos Humanos praticamente não existiram durante os, quase, oito anos em que vigorou o "Estado Novo".

Com a Constituição de 1946, o país foi como diz Herkenhoff , "redemocratizado", já que essa constituição restaurou os direitos e garantias individuais, sendo estes, até mesmo ampliados, do mesmo modo que os direitos sociais. De acordo com estes, foi proibido o trabalho noturno

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a menores de 18 anos, estabeleceu-se o direito de greve, foi estipulado o salário mínimo capaz de atender as necessidades do trabalhador e de sua família, dentre outros demais direitos previstos.

Os direitos culturais também foram ampliados e essa Constituição vigorou até o surgimento da Constituição de 1967, no entanto sofreu várias emendas e teve a vigência de inúmeros artigos suspensa por muitas vezes por força dos Atos Institucionais de 9 de Abril de 1964 (AI-1) e de 27 de outubro de 1965 (AI-2), no golpe, autodenominado "Revolução de 31 de março de 1964". Apesar de tudo isso, podemos afirmar que, durante os quase 18 anos de duração, a Constituição de 1946 garantiu os Direitos Humanos.

A Constituição de 1967, porém, trouxe inúmeros retrocessos, suprimindo a liberdade de publicação, tornando restrito o direito de reunião, estabelecendo foro militar para os civis, mantendo todas as punições e arbitrariedades decretadas pelos Atos Institucionais. Hipocritamente, a Constituição de 1967 determinava o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário, no entanto na prática, tal preceito não existia.

No que pertine aos demais direitos, os retrocessos continuaram: reduziu a idade mínima de permissão para o trabalho, para 12 anos; restringiu o direito de greve; acabou com a proibição de diferença de salários, por motivos de idade e de nacionalidade; restringiu a liberdade de opinião e de expressão; recuou no campo dos chamados direitos sociais, etc.

Essa Constituição vigorou, formalmente, até 17 de outubro de 1969, com a nova Constituição, porém, na prática, a constituição de 67 vigorou apenas até 13 de dezembro de 1968, quando foi baixado o mais terrível Ato Institucional, o que mais desrespeitou os Direitos Humanos no País, provocando a revolta e o medo de toda a população, acarretando a ruína da Constituição de 1967, o AI-5.

O AI-5 trouxe de volta todos os poderes discricionários do Presidente, estabelecidos pelo AI-2, além de ampliar tais arbitrariedades, dando ao governo a prerrogativa de confiscar bens, suspendendo, inclusive, o habeas corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

Foi um longo período de arbitrariedades e corrupções. A tortura e os assassinatos políticos foram praticados de forma bárbara, com a garantia do silêncio da imprensa, que encontrava -se praticamente amordaçada e as determinações e "proteções legais" do AI-5. Tanto foi assim, que a Constituição de 1969 somente começou a vigorar, com a queda do AI-5, em 1978. A constituição de 1969, retroagiu , ainda mais, já que teve incorporadas ao seu texto legal, as medidas autoritárias dos Atos Institucionais. Não foram respeitados os Direitos Humanos.

A anistia conquistada em 1979, não aconteceu da forma que era esperada, já que anistiou, em nome do regime, até mesmo os criminosos e torturadores. No entanto, representou uma grande conquista do povo.

Para João Baptista Herkenhoff a luta pela anistia representou "uma das páginas de maior grandeza moral escrita na História contemporânea do Brasil", juntamente com a convocação e o funcionamento da Constituinte.

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A Constituição de 1988 veio para proteger, talvez tardiamente, os direitos do homem. Tardiamente, porque isso poderia ter se efetivado na Constituição de 1946, que foi uma bela Constituição, mas que, logo em seguida foi derrubada, com a ditadura. É por isso que Ulisses Guimarães afirmava que a Constituição de 1988 era uma "Constituição cidadã", porque ela mostrou que o homem tem uma dignidade, dignidade esta que precisa ser resgatada e que se expressa, politicamente, como cidadania.

O problema da dignidade da pessoa humana, vem tratado na Constituição de 1988, já no preâmbulo, quando este fala da inviolabilidade à liberdade e, depois, no artigo primeiro, com os fundamentos e, ainda, no inciso terceiro (a dignidade da pessoa humana), mais adiante, no artigo quinto, quando fala da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à igualdade.

Flávia Piovesan ensina que:

"a ordem constitucional de 1988 apresenta um duplo valor simbólico: é ela o marco jurídico da transição democrática, bem como da institucionalização dos direitos humanos no país. A Carta de 1988 representa a ruptura jurídica com o regime militar autoritário que perpetuou no Brasil de 1964 a 1985".

Com a Constituição de 1988, houve uma espécie de "redefinição do Estado brasileiro", bem como de seus direitos fundamentais.

Os Direitos Humanos Fundamentais

Dentre os chamados Direitos Humanos Fundamentais, encontram previsão legal nos artigos 1 e 55 da Carta das Nações Unidas, os princípios da Autodeterminação dos povos, da não discriminação e o princípio da promoção da igualdade.

De acordo com o princípio da autodeterminação dos povos, o direito dos povos e nacionais à livre determinação é um requisito prévio para o exercício de todos os direitos humanos fundamentais.

O princípio da não discriminação, por sua vez, determina que o pleno exercício de todos os direitos e garantias fundamentais pertence a todas as pessoas, independentemente de raça, sexo, cor, condição social, genealogia, credo, convicção política, filosófica ou qualquer outro elemento arbitrariamente diferenciador.

Para Flávia Piovesan ,:

"discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo, a discriminação significa sempre desigualdade."

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Conforme determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos, qualquer espécie de discriminação deve ser destruída, extirpada, de modo a assegurar, a todos os seres humanos, o pleno exercício de seus direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Até mesmo nossa Magna Carta, em seu artigo 5º, inciso XLI, determina que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".

Dessa forma, havendo injustificada diferenciação no tratamento entre os indivíduos, estará caracterizada a discriminação. No entanto, não basta apenas não discriminar, é preciso, também, criar normas que possibilitem a esses grupos, já tão marginalizados, sua inclusão no contexto social do país, por meio da participação em instituições públicas ou privadas, a fim de garantir a verdadeira e completa implementação do direito à igualdade.

Com relação à esse assunto, Flávia Piovesan manifesta-se no seguinte sentido:

"Com efeito, a igualdade e a discriminação pairam sob o binômio inclusão – exclusão. Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a discriminação implica na violenta exclusão e intolerância à diferença e diversidade. O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de violência e discriminação."

Dimensões dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais sofreram várias mutações históricas desde seu reconhecimento nas primeiras Constituições, no tocante a conteúdo, titularidade, eficácia e efetivação. Nesse contexto histórico, costuma-se referir à existência de três gerações de direitos e até mesmo de uma de quarta geração. Há muitas críticas em relação ao termo "geração de direitos", por conduzir ao entendimento equivocado de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo; daí a preferência da maioria dos autores pela expressão "dimensão de direitos".

Ressalta o Professor Ingo Sarlet , que:

Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à idéia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferentes posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos.

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A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, conduzem sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana.

A primeira dimensão de direitos

Os direitos fundamentais da primeira dimensão têm suas raízes especialmente na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, que defende como finalidade precípua do Estado à realização da liberdade do indivíduo, bem como nas revoluções políticas do final do século XVIII, que marcaram o início da positivação das reivindicações da classe burguesa nas primeiras Constituições escritas do ocidente.

Constituem-se em direitos de defesa ou oposição diante do Estado, delimitando uma zona de não-intervenção do Estado diante da autonomia individual. Destacam-se os direitos de inspiração jusnaturalista, tais como os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, que delimitam a chamada igualdade formal. Mais tarde, se complementam pela liberdade de expressão coletiva, tais como as liberdades de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, etc.; e pelos direitos de participação política, como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva. Algumas garantias processuais: devido processo legal, direito de petição e habeas corpus, também se incluem nesta classificação.

Os direitos da primeira dimensão ou direitos da liberdade apresentam como titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e detêm uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, constituem-se em direitos de resistência ou de oposição ao Estado .

A segunda dimensão de direitos

No século XIX surgem os movimentos reivindicatórios que exigiam do Estado uma atuação efetiva na realização da justiça social. Ressalte-se a dimensão positiva destes direitos, uma vez que não se pretende mais evitar a intervenção estatal no plano da liberdade individual, mas, sim, de propiciar o direito de participação no chamado bem-estar social, realizando-se, por conseguinte, a liberdade e a igualdade, ambas em sentido material.

Nesta categoria estão os direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, dentre outros que se reportam à pessoa tomada individualmente. Estes direitos fundamentais consagraram-se, sobretudo, nas Constituições do segundo pós-guerra, porquanto se constituíam em objeto de diversos pactos internacionais.

Além dos direitos sociais, econômicos e culturais de cunho positivo, abarcam-se também as denominadas liberdades sociais, como a liberdade de sindicalização, o direito à greve, os direitos fundamentais dos trabalhadores (férias, repouso semanal remunerado, salário mínimo, jornada de trabalho limitada, etc.).

Com o advento dos direitos fundamentais da segunda geração, descobriu-se o aspecto objetivo, a garantia de valores e princípios com que escudar e proteger as instituições. Os

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direitos sociais originaram o despertar de uma consciência acerca da importância de salvaguardar o indivíduo e de proteger a instituição. Descobria-se, então, um novo conceito dos direitos fundamentais: as garantias institucionais

Na fase da primeira geração, os direitos fundamentais consistiam basicamente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade; a partir da segunda geração, tais direitos passaram a compreender, além das garantias, também os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras.

A concepção de objetividade e de valores relativamente aos direitos fundamentais fez que o princípio da igualdade tanto quanto o da liberdade, tomasse também um novo sentido, deixando de ser mero direito individual que demanda tratamento igual e uniforme para assumir uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado .

A terceira dimensão de direitos

Dotados de alto teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira dimensão tendem a se consolidar enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Também chamados de direitos de fraternidade ou de solidariedade concernentes aos grupos humanos; são direitos de titularidade coletiva ou difusa, por vezes esta titularidade revela-se indefinida e indeterminável. Dentre os mais citados, encontram-se os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação.

Tratam-se de reivindicações fundamentais do ser humano decorrentes do impacto das novas tecnologias, do trauma ocasionado pelas guerras e pelos conflitos, do processo de descolonização pós-guerra, bem como de outros fatores. O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a indivíduos, todavia em relação a estes traduz-se numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada .

Os direitos de terceira dimensão são considerados como direitos de solidariedade ou fraternidade em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e porque exigem esforços e responsabilidades em escala até mesmo global para sua efetivação. Grande parte desses direitos ainda não se encontram reconhecidos pelo direito constitucional; por outro lado, pertencem à seara do direito internacional, do que dá conta uma variedade de tratados e outros documentos transnacionais nesse sentido.

Muito especial e oportuna à contribuição do Professor Ingo Sarlet :

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Ainda, neste contexto, costumam ser feitas referências às garantias contra manipulações genéticas, ao direito de morrer com dignidade, ao direito à mudança de sexo, igualmente considerados, por parte da doutrina, de direitos da terceira dimensão, ressaltando-se que, para alguns, já se cuida de direitos de uma quarta dimensão.

Verifica-se, contudo, que boa parte destes direitos em franco processo de reivindicação e desenvolvimento corresponde, na verdade a facetas novas deduzidas do princípio da dignidade da pessoa humana, encontrando-se intimamente vinculados (à exceção dos direitos de titularidade notadamente coletiva e difusa) à idéia da liberdade-autonomia e da proteção da vida e outros bens fundamentais contra ingerências por parte do Estado e dos particulares .

A quarta dimensão de direitos

Há uma tendência de se reconhecer à existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, ainda que se aguarde pela sua consagração no plano do direito internacional e das ordens constitucionais internas. Destaca-se o posicionamento do Professor Paulo Bonavides que sustenta ser a quarta dimensão "o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, que corresponde, na sua opinião, à derradeira fase de institucionalização do Estado Social" .

Arrolam-se aqui os direitos à democracia (direta) e à informação, bem como o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta ao futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. Trata-se de direitos em processo de formação.

Relevantes os ensinamentos do Professor Paulo Bonavides ao afirmar:

Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar a todo o vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo .

Direitos humanos e direitos fundamentais

Para uma melhor compreensão do presente estudo, faz-se necessária à distinção entre as expressões "direitos humanos" e "direitos fundamentais", que comumente são utilizadas como sinônimos. Não resta dúvida de que os direitos fundamentais, de certa forma, são também direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, mesmo que esteja representado por uma determinada coletividade, como povo, nação, Estado.

Tem-se que os direitos fundamentais são o conjunto de direitos e liberdades do ser humanos institucionalmente reconhecidos e positivados no âmbito do direito constitucional positivo de determinado Estado, enquanto que os direitos humanos estão abarcados pelo direito

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internacional, porquanto extensivos a todos os seres humanos, independentemente de sua vinculação a determinada ordem constitucional, apresentando validade universal e caráter supranacional.

Assim, os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com a Constituição na qual foram reconhecidos e assegurados. Não resta dúvida de que o reconhecimento oficial dos direitos humanos, pela autoridade política competente, gera muito mais segurança às relações sociais, exercendo, também, uma função pedagógica junto à comunidade, no sentido de fazer prevalecer os grandes valores éticos, os quais, sem esse reconhecimento oficial, tardariam a se impor na vida coletiva.

Interessante referir a contribuição de Celso Lair ao afirmar que "o valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem" .

Por esta definição compreende-se as diversas terminologias adotadas, dentre elas a "direitos humanos fundamentais".

Esta terminologia, ao menos em nosso entender, embora não tenha o condão de afastar a pertinência da distinção traçada entre direitos humanos e direitos fundamentais, revela, contudo, a nítida vantagem de ressaltar, relativamente aos direitos humanos de matriz internacional, que também estes dizem com o reconhecimento e proteção de certos valores e reivindicações essenciais de todos os seres humanos, destacando, neste sentido, a fundamentalidade em sentido material, que – diversamente da fundamentalidade formal – é comum aos direitos humanos e aos direitos fundamentais constitucionais (...) .

É fundamental levar-se em conta a distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, sendo que em relação aos primeiros, há, geralmente, melhores condições para se concretizarem efetivamente em face da existência de instâncias dotadas de poder para fazerem cumprir e respeitar esses direitos.

O processo de positivação dos direitos humanos, transformando-os em direitos fundamentais, geram polêmica e debate envolvendo sua natureza, significados, implicações políticas e jurídicas relevantes, principalmente quando se ressalta o fato de que estes direitos não se apresentam tão apenas diante do Estado, mas, fundamentalmente, como oponíveis em relação aos demais cidadãos e nas suas inter-relações cotidianas, designando a expressão "direitos públicos subjetivos" .

A internacionalização dos direitos humanos

Precedentes históricos do processo de internacionalização dos direitos humanos

É pública e notória a discussão acerca do fundamento e da natureza dos direitos humanos, especialmente quando se questiona tratarem-se eles de direitos naturais e inatos, direitos positivos, direitos históricos ou direitos atrelados ao sistema moral. Os estudos contemporâneos inclinam-se pela historicidade dos direitos humanos, uma vez que esses se constituem num processo constante de construção e aperfeiçoamento de si mesmos.

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Segundo as lições de Norberto Bobbio extrai-se que "os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais" .

O Direito Humanitário é considerado a primeira expressão, no plano internacional, do vínculo limitativo à liberdade e à autonomia dos Estados, mesmo em se tratando de conflito armado. É um instituto relacionado diretamente com a lei da guerra, que objetiva fixar limites à atuação do Estado, assegurando, ao mesmo tempo, a observância de direitos fundamentais e a proteção das populações civis e dos militares fora de combate, co advento da Liga das Nações, esta reforçou a idéia de relativização da soberania dos Estados. Criada após a Primeira Guerra Mundial, sua finalidade era promover a cooperação nos feridos, doentes, prisioneiros, náufragos.

A Organização Internacional do Trabalho também influenciou o processo de internacionalização dos direitos humanos. Igualmente criada após a Primeira Guerra Mundial, tinha como objetivo promover padrões internacionais de condições de trabalho e bem estar, levando seus Estados-partes ao compromisso de assegurar condições dignas aos trabalhadores.

É possível verificar que as referidas Organizações influenciaram decisivamente, cada qual a sua maneira, no processo de internacionalização dos direitos humanos, projetando o tema dos direitos humanos na ordem internacional, e registrando o fim de uma época em que o Direito Internacional era visto apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados. Rompeu-se, assim, com a idéia de soberania nacional absoluta, vez que foram admitidas intervenções no âmbito interno em prol dos direitos humanos.

Logo, já não mais se considera um problema de jurisdição interna a forma pela qual o Estado trata os seus cidadãos, porque delegou-se ao indivíduo o papel fundamental de sujeito de direito internacional, conferindo-lhe direitos e obrigações no plano internacional. É nessa perspectiva que se consolidam a capacidade processual internacional dos indivíduos e a concepção de que os direitos humanos, não mais se limitando à exclusiva jurisdição doméstica, constituem em matéria de legítimo interesse internacional.