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TEORIA DA CAUSA: RELEITURA EM FACE DA TEORIA CONTRATUAL CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA THEORY OF CAUSE: REREADING IN FACE OF CONTEMPORARY BRAZILIAN CONTRACT THEORY Marcelo Piazzetta Antunes RESUMO Por meio de um discurso sobre os diferentes princípios que regraram o contrato desde o século XIX até a atualidade e de uma análise acerca da importância e da forma de concepção do elemento volitivo no Direito estrangeiro, busca-se verificar o contexto em que as teorias sobre a causa foram elaboradas e, assim, demonstrar a forma com que estas doutrinas analisam (ou deixam de analisar) o elemento causal. Com a realização deste percurso, voltam-se os olhos para o Direito brasileiro, a fim de que, diante da realidade dos princípios contratuais pátrios, possa-se responder à indagação sobre a acolhida ou não da causa no cenário jurídico nacional e, no caso de resposta positiva, em que circunstância isto se dá. PALAVRAS-CHAVES: CONTRATO, CAUSA, FUNÇÃO SOCIAL ABSTRACT Analysing the speech about the different principles that ruled the contract since the 19th century until now and the concept and importance of the willing element in a foreign Law, we intend to check how the cause theories were developed in the legal systems of law compared. With this way, can be demonstrate how these doctrines analyse (or not) the cause element. After this study and facing the reality of the Brazilian contracts’ principles, we look twice at the brazilian Law in order to answer if it accepted the cause and, if the answer is positive, under what circunstances does it happen. KEYWORDS: CONTRACT, CAUSE, SOCIAL FUNCTION 1 INTRODUÇÃO A codificação brasileira do início do século XX e também a do ano de 2002 silenciaram acerca do instituto da causa. Assim, a primeira ideia que se tem é a de que o Direito pátrio é indiferente ao tema, que prescinde de existir em qualquer pacto. 7174

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TEORIA DA CAUSA: RELEITURA EM FACE DA TEORIA CONTRATUAL CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

THEORY OF CAUSE: REREADING IN FACE OF CONTEMPORARY BRAZILIAN CONTRACT THEORY

Marcelo Piazzetta Antunes

RESUMO

Por meio de um discurso sobre os diferentes princípios que regraram o contrato desde o século XIX até a atualidade e de uma análise acerca da importância e da forma de concepção do elemento volitivo no Direito estrangeiro, busca-se verificar o contexto em que as teorias sobre a causa foram elaboradas e, assim, demonstrar a forma com que estas doutrinas analisam (ou deixam de analisar) o elemento causal. Com a realização deste percurso, voltam-se os olhos para o Direito brasileiro, a fim de que, diante da realidade dos princípios contratuais pátrios, possa-se responder à indagação sobre a acolhida ou não da causa no cenário jurídico nacional e, no caso de resposta positiva, em que circunstância isto se dá.

PALAVRAS-CHAVES: CONTRATO, CAUSA, FUNÇÃO SOCIAL

ABSTRACT

Analysing the speech about the different principles that ruled the contract since the 19th century until now and the concept and importance of the willing element in a foreign Law, we intend to check how the cause theories were developed in the legal systems of law compared. With this way, can be demonstrate how these doctrines analyse (or not) the cause element. After this study and facing the reality of the Brazilian contracts’ principles, we look twice at the brazilian Law in order to answer if it accepted the cause and, if the answer is positive, under what circunstances does it happen.

KEYWORDS: CONTRACT, CAUSE, SOCIAL FUNCTION

1 INTRODUÇÃO

A codificação brasileira do início do século XX e também a do ano de 2002 silenciaram acerca do instituto da causa. Assim, a primeira ideia que se tem é a de que o Direito pátrio é indiferente ao tema, que prescinde de existir em qualquer pacto.

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Entretanto, como a causa possui mais de uma concepção, eis que três teorias se põem a analisar o tema, este trabalho busca responder se o Direito brasileiro, ao silenciar em relação a causa, efetivamente não a acolhe como elemento do contrato e qual é a importância disto para a realidade contratual nacional.

2 A CAUSA E A TEORIA CONTRATUAL CLÁSSICA

Como o contrato, nos termos da “fórmula da relatividade”[1], “muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico social em que está inserido,”[2] para averiguar a importância e a influência do elemento causal nas relações contratuais deve-se antes analisar a principiologia pretérita, visto que não se pode pensar na concepção e na função da causa no contrato divorciada da principiologia vertente sobre o instituto.

2.1 AUTONOMIA DA VONTADE E SEUS LIMITES

Por meio de uma concepção do contrato extremamente formalista e objetiva, o direito romano, relegou para a Modernidade as bases estruturais da teoria clássica do contrato, a qual embasou o instrumento contratual na vontade e na liberdade.

No entanto, em que pese fazê-los de forma diferente, o contrato, em ambas as ocasiões (período romano e moderno), não possuiu uma finalidade dissociada da ideia de “operação econômica,”[3] a qual se mostra tão importante que Roppo chega a aduzir que “a operação econômica sobrepunha-se ao contrato, absorvia-o.”[4]

Este mencionado preceder do contrato ao Direito pode ser traduzido na seguinte afirmação de um dos filósofos da época: “Toda justiça é contratual, quem diz contratual, diz justo.”[5] E é “sob essa ótica de idéia que vai se apresentar o contrato para as sociedades codificadas do século XIX, contando com dois modelos básicos: O Código Francês de 1804 e o BGB Alemão de 1900.”[6]

Não se pode olvidar, todavia, que o Code Napoleon emerge junto da Revolução Francesa de 1789, a qual consagrou a ascensão de uma nova classe econômica, a burguesa. Assim, o ideário contratual verificado no século XIX foi influenciado, em termos econômicos, pela doutrina fisiocrata do laissez-faire, laissez-passer, que se resume, principalmente na “Mão Invisível” de Adam Smith.

A livre iniciativa, aduzida pela doutrina econômico-liberal, “traduz-se no plano jurídico precisamente na liberdade, entendida igualmente como conforme ao interesse social, de estipular contrato quando, como e com quem se queira.”[7] E essa “ideologia que exalta a liberdade contratual como pilar de uma forma de organização das relações sociais mais progressiva”[8] também influencia a consagração, no período clássico, do

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princípio da autonomia da vontade, pois, diante da igualdade jurídica dos indivíduos, não há outro elemento capaz de os obrigar que não a vontade livre.

Assim, a vontade ganha importância “tão exacerbada que desemboca numa verdadeira e própria <<mística da vontade>> ou que se cristaliza na rigidez de um <<dogma da vontade>>.”[9] O princípio (ou dogma) da autonomia da vontade passa a ser o vetor diretivo dos outros princípios contratuais “clássicos”.[10]

Verifica-se, portanto, na realidade descrita, que o núcleo do contrato era a vontade, que, exarada livremente e sem vícios, constituía, por si só, conforme termos de Noronha: “o fundamento de vinculatividade do contrato.”[11]

De toda forma, apesar das influências já descritas, não se pode acreditar que a concepção clássica de contrato trazia uma liberdade consensual intangível a qualquer ingerência estatal, mas “os limites a uma tal liberdade eram concebidos como exclusivamente negativos, como puras e simples proibições.”[12] Ressalta-se, que as limitações negativas não se afiguravam absolutas, mas só eram aceitas nos casos de eventual preclusão de uma futura manifestação de vontade. Assim, pode-se afirmar que apesar de não ser totalmente ilimitada, a liberdade de contratar era, ao menos, “tendencialmente ilimitada”,[13] pois o objetivo dos limites era, justamente, assegurar a autonomia da vontade das partes contraentes.

Facilmente se extrai, portanto, dos princípios contratuais clássicos, que pelo fundamento filosófico e econômico que os embasaram, não poderia a lei ter caráter cogente em face das vontades individuais, eis que “se o contrato era necessariamente justo, pois decorrente de um acordo de vontade entre duas partes iguais e livres, não havia motivo para se defender uma atuação estatal sobre esses vínculos que não fosse para garantir que o contrato seria cumprido.”[14]

Assim, inexistindo hipóteses de limitação à liberdade, os contraentes, ao assumirem livremente o compromisso, ficam a ele vinculado pela força da manifestação de vontade, o que faz configurar o pacta sunt servanda.[15]

Desta forma, tem-se uma enorme segurança jurídica em torno da validade dos contratos formalizados, a qual, por “tornar <<previsíveis>> e <<calculáveis>> as operações econômicas”[16] desempenha um importante papel no sistema econômico capitalista, verificando-se, neste contexto, uma verdadeira função ideológica da teoria contratual clássica.[17]

3 AS DIFERENTES CONCEPÇÕES ACERCA DA CAUSA

3.1 A DOUTRINA DE JEAN DOMAT E OS SISTEMAS CAUSALISTAS

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Considerado o pioneiro na sistematização de uma teoria da causa, a concepção de causa aventada por Jean Domat possui como principal caracterísitcaa verificação da causa como o ato final de cada contratante, ou seja, “o móvel que desempenha o papel de causa direta e imediata de uma obrigação e que é parte integrante do ato.”[18] Desta forma, não apenas o critério finalista da causa é característica da concepção causalista clássica,[19] mas também o seu caráter de elemento integrante do ato, elemento este “que não poderia mudar, sem que a essência e o nome do ato fossem, em si mesmo, modificados.”[20]

Ocorre que, apesar dessa característica informativa da causa, os precursores desta teoria viam-na nos deveres contratados por cada parte, e não no contrato propriamente dito, sendo que “nos contratos sinalagmáticos, a obrigação assumida por uma das partes, tinha por causa a obrigação assumida pela outra” [21]. Já nos contratos reais, “a entrega anterior da coisa pelo credor é a causa da obrigação do devedor, de restituí-la.”[22] Nos contratos gratuitos, ”a causa é vista na própria intenção liberal (animus donandi).”[23]

Assim sendo, uma das consequências dessa doutrina é a existência de uma pluralidade de causas para o mesmo contrato.[24] Exemplificando-se com um contrato de compra e venda, tem-se que a causa do ato praticado pelo vendedor é o recebimento do pagamento do comprador e a causa da conduta deste é a entrega da coisa pelo vendedor.

Desta forma, a teoria ora exposta foi a responsável[25] pela adoção da causa em matéria contratual pelos artigos 1108[26] e 1.131 a 1.133[27] do Código Napoleônico.

Assim, a causa “é o objetivo perseguido por quem se obriga.”[28] E nesse mesmo caminho, a análise da causa não se fazia diretamente sobre o contrato, mas diante das obrigações assumidas pelas partes – o artigo 1108 do Code já era expresso ao prever uma causa “da obrigação” -, eis que, influenciada pelo já exposto princípio da autonomia da vontade, a doutrina francesa identificava a finalidade dos contratantes – a causa – com a contraprestação buscada por cada um na formalização da avença.

Nesse sentido reside a interdependência entre as prestações nos contratos bilaterais, pois uma obrigação está fundada na existência da outra, num verdadeiro elo de reciprocidade. E, assim, é a causa quem ata as obrigações que geram o contrato, pois sem ela “as obrigações seriam consideradas isoladamente, sem que a inexistência de uma delas pudesse causar o desaparecimento da outra, ou a nulidade de todo o ato.”[29]

No que toca aos atos gratuitos, perdura o discurso de Domat, para quem a causa consistia na liberalidade do doador, ou seja, no animus donandi,[30] e aí reside a explicação para se adjetivar como subjetiva a teoria de Domat, eis que, “deste modo, de fato, a causa torna-se de difícil distinção do motivo, do interesse concreto, nos contratos bilaterais, de cada contratante em conseguir a prestação da outra parte.”[31]

Importante ressaltar, neste momento, que a “opção” que o ordenamento francês fez pela Willenstheorie[32] demonstra a coerência adotada ao conceituar a causa, senão note-se o extremo subjetivismo que pauta ambas as situações.[33] Por esse fato, pode-se perceber desde já que tal concepção causal não poderia subsistir nos sistemas que pendessem para a consagração da Erklärungstheorie[34].

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Aliás, essa subjetividade da causa foi a principal pedra de toque das críticas formuladas pelos anticausalistas, que a tinham como “uma noção essencialmente abstrata, metafísica, apta a conduzir a confusões lamentáveis”[35] e, portanto, não a consideravam da forma como exposta até o momento.

3.2 AS CRÍTICAS À TEORIA DA CAUSA E OS SISTEMAS ANTICAUSALISTAS

A primeira crítica feita à teoria da causa de Domat foi realizada por Ernst, de Liege, na Bélgica, em 1826, que sugeriu a supressão dos textos que se referissem ao elemento causal “sustentando que ela, por ser uma noção a que nada correspondia de definido, tornara-se uma fonte de erros e confusões.”[36] Para Ernst, os requisitos de validade de um contrato seriam três: “o consenso, o objeto e a capacidade, impondo-se a dispensa do por último exigido pelo Código Napoleão, une cause licite dans l´obligation (art. 1108).”[37]

Apesar de uma resistência inicial, a ideia do professor belga passou a ganhar adeptos. Laurent continuou as críticas, imputando ao elemento um caráter não jurídico.[38] Seguindo as críticas, Planiol afirma que a doutrina de Domat fora embasada numa intepretação equivocada dos princípios romanos. “Causa, em Roma, seria apenas o que hoje se denomina fonte, ou fato gerador da obrigação, sendo em que o têrmo vem empregado em conhecido texto de Gaio.”[39]

Não bastasse essa razão terminológica, também a ideia de que a causa é que fundaria a interdependência das obrigações foi alvo da artilharia anticausalista. Para essa corrente, a reciprocidade entre as obrigações decorre do consentimento das partes o qual se afigura uma verdadeira concordância recíproca entre partes contratantes. Aliás, é a qualidade da aquiescência que gera a crítica, porquanto a reciprocidade das obrigações decorre justamente da reciprocidade de vontades.

Uma razão de ordem lógica é, também, aventada por Planiol para continuar as críticas ao causalismo francês: nos contratos sinalagmáticos, fixada a primeira premissa, de que as obrigações nascem do mesmo acordo de vontade e a segunda, de que todo efeito procede de uma causa, conclui-se que uma causa não pode ser a razão de ser da outra, porque, neste caso, seriam, concomitante e reciprocamente causa e efeito, ensejando o que o autor denomina de “circulo vicioso.”[40]

Diante da alegação de Domat, que aduz ser a causa elemento integrante do ato, o qual, alterado, altera o próprio contrato, a crítica lógica pergunta: “em que ato se integraria a causa cada obrigação?.”[41] A resposta constitui o cerne do ato ora citado: “Na obrigação da outra parte é que não, pois esta, considerada em sua própria e simples ‘essência’, não comporta qualquer germe de outra.”[42]

E também neste momento a referência francesa à obrigação, e não ao contrato, para se referir à causa é alvo de objeções, eis que “o ato informado pela causa não pode ser o ato de cada parte, mas o ato de ambas – aquêle a que ambas as obrigações se

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ordenam, para a realização do fim comum (causa final). Há de ser, em uma palavra, o contrato.”[43]

Nos contratos gratuitos, a causa serviria como o motivo que inspirou a avença e, assim, confundir-se-ia com o próprio consentimento. Sobre isto, Huc chega a afirmar que “não há causa, no sentido técnico que se pretende dar a essa expressão,”[44] e isto justamente pelo fato de que, sendo a causa o motivo, não há como desvinculá-la do consentimento.[45]

Ademais, a própria aplicação da causa é criticada por Planiol, que vê em outros elementos a explicação que se busca na causa, visto que nos contratos unilaterais nunca se poderia afirmar a ausência de causa, pois ausente a prestação (ex: entrega de bem a um depositário), inexiste contrato propriamente dito.[46] Igual situação ocorre na doação, pois não havendo vontade de doar (animus donandi) não haveria contrato.

Assim, diante da identificação prática que se verificou entre a causa, a vontade e o objeto, é que Giorgio, civilista italiano adepto à tese anticausalista chegou a afirmar que a construção francesa, adotada também na Itália (Código Civil de 1865), acabara por construir, ainda que inadvertidamente, “o quarto lado do triângulo já formado.”[47]

Com relação à absorção sistemática das críticas até aqui descritas, novamente percebe-se a relação entre esta e a teoria volitiva adotada pelo sistema analisado, senão relembre-se que o Direito germânico é adepto da Erklärungstheorie, a qual preconiza que o que não faz parte da vontade declarada, também deixa de ser parte integrante do ato jurídico.[48]

Assim é que se denota que a teoria subjetiva e a teoria anticausalista possuem uma íntima relação com as teorias da vontade e da declaração, respectivamente. Tal vinculação é tamanha que Martins-Costa levanta como possível fundamento para a disparidade entre os sistemas francês e alemão “a dissintonia existente entre ambos no que pertine ao papel da vontade na formação do ato jurídico, o Code Civil, assentando-se na teoria clássica da vontade, [...]e o BGB [...] sobre o terreno da Erklaerungstheorie.”[49]

Mas vale dizer que, conforme já ressalvado, a afirmação acerca do anticausalismo alemão embasa-se no legado construído pelo Direito francês (especificamente por Domat e, após, pelo Code), pois o BGB efetivamente faz menção à causa, mas de forma diferente àquela prescrita como quarto requisito de validade dos negócios na teoria causalista. A adução à causa no BGB é feita no artigo 812[50], mas neste caso, o elemento causal é situado “no campo dos negócios jurídicos de atribuição patrimonial, mais propriamente no campo do enriquecimento ilícito.[51]”

Portanto, adotando as críticas inicialmente aventadas por Ernst, o Código Civil alemão, o suíço das obrigações e o português[52] fizeram da causa um fato (fundamento jurídico) a validar um aumento patrimonial, fugindo por completo da concepção clássica do termo e, por esta razão, são chamados de sistemas anticausalistas.

3.3 A CONCEPÇÃO OBJETIVA DE CAUSA: O SISTEMA ITALIANO

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A teoria objetiva foi formulada como forma de resposta aos equívocos apontados pelos anticausalistas em relação à tese de Domat e, diante disto, não se mostra radical afirmar, alterou por completo a ideia que se tinha acerca da causa.

Com relação à vinculação existente na teoria causal anterior entre a causa e os motivos (suprida pelo consentimento, para os anticausalistas), a “nova” concepção parte da premissa de que todo ato é formado pela inteligência, por meio da qual é gerada uma finalidade a ser cumprida com a concretização do ato. Além disso, também a vontade é elemento importante nessa questão, pois é dela o papel de “pôr em existência, ou executar o fim eleito pela razão.”[53]

Ocorre que a inteligência não possui necessariamente apenas um fim almejado. Justamente por esta razão é que a teoria objetiva afirma que a causa não pode ser vista como “qualquer fim da inteligência, pois a inteligência pode ter em vista uma série de atos e uma série de fins; desde que se indaga da causa de um ato, fala-se necessariamente daquele fim que é a razão de ser dêsse ato.”[54] (grifo nosso)

Passado isso, e voltando-se para a teoria objetiva, é importante asseverar que no contrato, além das obrigações que cada parte assume, há um ponto comum em relação às suas vontades, “e esse ponto de harmonia [...] – objetivo que é uno no dizer de Dabin, e que não pode ser fracionado, sem quebra do querer de ambas as partes – é a causa, a função prática, econômica, que o contrato tende a realizar.”[55]

Ocorre que, conforme aduzia a teoria preceptiva do negócio jurídico, que fundamentou a teoria causal em tela, a vontade, por si só, não era requisito hábil a gerar a tutela jurídica do negócio formalizado, afirmava-se que tal tutela só ocorreria caso o negócio possuísse uma relevância social. [56] Para Betti, para que a autonomia privada criasse um elemento novo no cenário social, devia possuir uma “justificação objectiva”[57]. Esta justificação objetiva é a causa,[58] que devia corresponder à função não apenas econômica, mas também social do contrato, eis que analisado o conteúdo de qualquer negócio, “pode distinguir-se, logicamente, um regulamento de interesses nas relações privadas e, concretizada nele[...] uma razão prática típica que lhe é imanente, uma <<causa>>, um interesse social objectivo e socialmente verificável, a que ele deve corresponder.”[59]. Assim, “tal como os direitos subjectivos, também os poderes de autonomia, efectivamente, não devem ser exercidos em oposição com a função social a que são destinados”[60]

Por esta razão, não basta afirmar-se que a causa caracteriza-se na função do negócio jurídico, porquanto, neste caso, estar-se-ia privilegiando a vontade de forma completamente desvinculada do interesse social que justifica a tutela jurídica do negócio. Quando se fala em causa como elemento de “justificação objetiva” do contrato, afirma-se ser esta a função econômico-social do contrato. “A causa é, em resumo, a função de interesse social da autonomia privada.”[61]

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DIANTE DE TODA ESTA REALIDADE, PASSA-SE A VERIFICAR COMO SE DEU (SE É QUE ASSIM OCORREU) A ABSORÇÃO DO ELEMENTO CAUSAL NA REALIDADE BRASILEIRA.

4 RELEITURA DA CAUSA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Feito um panorama comparatista sobre a principiologia clássica e as diferentes concepções da causa, necessário se faz situar o Direito brasileiro nesta discussão, iniciando-se por uma excursão acerca da realidade contratual do direito nacional para, após, chegar a uma verificação sobre a influência desta em relação à forma de análise de causa pelo ordenamento jurídico pátrio.

4.1 A CAUSA E A “NOVA TEORIA CONTRATUAL”[62]

Antes de se adentrar na seara da teoria contratual moderna na realidade jurídica brasileira, é preciso deixar claro que a ideologia contratual documentada no Código de Napoleão e nos outros que se seguiram – principalmente no Código Alemão de 1900 – influenciaram por completo o legislador do primeiro Código Civil brasileiro, qual seja, Código Civil de 1916.

Assim, como decorrência da ideologia voluntarista, absorve-se o princípio da autonomia da vontade como cerne do contrato, verificando-se, portanto, no Direito brasileiro do século XIX e início do século XX, a consagração dos princípios contratuais “clássicos”, os quais são: o princípio da liberdade contratual lato sensu; da obrigatoriedade dos efeitos do contrato, ao qual se denomina também de pacta sunt servanda e o princípio da relatividade dos efeitos contratuais.[63]

Assim, a única preocupação do Código Civil era a garantia da livre manifestação de vontade. Por esta razão, “afirmava-se, significativamente – e afirma-se ainda hoje nos cursos jurídicos -, que o Código Civil Brasileiro, como os outros códigos de sua época, era a Constituição do direito privado.”[64]

Neste contexto, verificou-se um verdadeiro “mundo de segurança”[65], na medida em que as normas regentes da relação contratual afiguravam-se praticamente irreversíveis e, assim, os termos de uma avença contratual dificilmente seriam descaracterizados. ”Ao direito civil cumpriria garantir à atividade privada, e em particular aos sujeitos de direito, a estabilidade proporcionada por regras quase imutáveis nas suas relações econômicas.”[66]

Ocorre que esta segurança jurídica gerada pela plena vinculação com o acordado foi uma das poucas “vantagens” do modelo contratual clássico, a qual não se sustenta em face das consequências sociais daí geradas. Aliás, não é à toa se percebe o sentir social

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em relação aos princípios clássicos, pois foi justamente a sociedade a principal esfera “esquecida” pela ideologia individualista e liberal, ideologia esta que demonstrou que o reverso da moeda do “mundo de segurança” foi a consumação do “darwinismo jurídico, com a hegemonia dos economicamente mais fortes, sem qualquer espaço para a justiça contratual.”[67]

Desta forma, as transformações geradas pela Revolução Industrial[68] fizeram impulsionar o crescimento dos contratos de adesão, onde as figuras do contratante e do contratado ganham contornos diferentes, eis que “há um autor efetivo das cláusulas; outro, simples aderente.”[69] Assim: “só quando o fenômeno da massificação chegou ao campo jurídico é que se sentiu a necessidade de rever concepções.”[70]

A realidade brasileira iniciou esta derrocada da ideologia clássica por meio de leis esparsas – chamadas leis extracodificadas[71] - com a finalidade de “reequilibrar o quadro social delineado pela consolidação de novas castas econômicas, que se formavam na ordem liberal e que reproduziam, em certa medida, as situações de iniquidade que, justamente, o ideário da Revolução Francesa visava debelar.”[72]

Como estas leis extravagantes, quando afrontavam o Código Civil, o faziam de forma excepcional, não se verificou, inicialmente, uma descaracterização da natureza constitucional do Código Civil e, por isto, a legislação extracodificada passou a ser chamada de legislação “de emergência.”[73] Entretanto, a partir dos anos 30, a edição destas leis aumentou sensivelmente e, assim, não mais se haveria como manter a sua natureza excepcional e emergencial.

E é desta maneira, buscando tutelar aquela parcela da sociedade marginalizada pelo ideário contratual, que se passa a falar na busca pelo Estado Social. Desta forma, como “o Estado social, no plano do direito, é todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social”[74], a ascendência desse modelo político fez com que o Código Civil perdesse “assim, definitivamente, o seu papel de Constituição de Direito Privado.”[75]

Esta preocupação constitucional – e aqui não se fala na “Constituição de Direito Privado” – em tutelar o Direito Privado, é instrumentalizada pela legislação especial, cabendo ao Código Civil a preocupação em manter estáveis as normas, enquanto as leis especiais buscam “garantir objetivos sociais e econômicos definidos pelo Estado”[76], mudando, sem qualquer cerimônia, a normativa garantida pelo corpo codificado. Esta realidade dá ensejo à chamada “era dos estatutos”[77] e ao “processo de descodificação do Direito Civil.”[78]

Ademais, a tutela constitucional dos direitos privados operou, no Direito Civil, “a substituição do seu centro valorativo – em lugar do indivíduo surge a pessoa.”[79] Pessoa que, nos termos do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, deveria ter sua dignidade tutelada pelo Direito.

Em outros termos, a nova realidade acabou por impor “a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens”[80] e como “a patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana, adotado pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1º, III)”[81], passou-se a afirmar que esta

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grande importância que o Direito Privado começou a atribuir às pessoas - não porque proprietárias, mas simplesmente porque pessoas – gerou uma verdadeira “repersonalização” do Direito Civil.[82]

Neste contexto, portanto, é que se afirma o surgimento de uma “nova teoria contratual,” a qual preconiza que ”a nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa.”[83] Esta concepção, na verdade, “É uma nova concepção de contrato no Estado social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social.”[84]

Resta indubitável, portanto, a imprescindibilidade de se adequar os princípios clássicos à nova realidade, o que significa limitar-lhes a eficácia, por meio de diretrizes que venham a se coadunar com o vetor maior da dignidade da pessoa humana. Nos termos da obra de Fachin, o princípio em comento “ganha concretização por meio de outros princípios e regras constitucionais formando interno harmônico, e afasta, de pronto, a idéia de predomínio do individualismo atomista do Direito.”[85]

Neste contexto, verifica-se a consagração dos princípios contratuais “contemporâneos”, abarcados pelo Direito Civil brasileiro como fruto das transformações sociais e econômicas descritas. “Quais são esses novos princípios? A boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico do contrato e a função social do contrato.”[86] E esta nova principiologia vai influenciar enormemente na análise hodierna da causa.

4.2 O LUGAR DA CAUSA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO: DA CODIFIÇÃO DE 1996 À RECODIFICAÇÃO DE 2002

Demonstrando a enorme influência que o Direito alemão exercia sobre suas ideias[87], Beviláquia, ao elaborar o Projeto do Código Civil brasileiro, quando se deparou com a discussão havida no cenário internacional acerca da importância ou não da causa, preferiu silenciar-se. Diante disto, Júlio dos Santos e Amaro Cavalcanti propuseram duas emendas ao Projeto.[88]

Após receber a crítica do relator do projeto, Frederico Borges, a proposta de emenda recebeu a manifestação de Beviláqua na sessão da Comissão Especial do dia 13 de novembro de 1901[89], onde o codificador invocou a mesma razão terminológica já aludida por Planiol para refutar a proposição.[90]

E nesse contexto é que o Código Civil de 1916 silenciou acerca do elemento causal, fato que “ensejou o quase completo desinteresse por parte da doutrina brasileira em examiná-lo.”[91] Diante disto, denota-se que o Código Civil de 1916 abarcou o ideário anticausalista, fato que se deu “mais do que à consistência lógica da noção, às dificuldades de se fixarem o conceito e o papel jurídico da causa.”[92]

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Com relação à recodificação de 2002, verificou-se acerca da causa o mesmo silêncio havido no Código anterior, o que fez com que parcela da doutrina passasse a afirmar que o artigo 104 ao “não erigir a causa em elemento do ato jurídico em nosso Direito (Art. 82 do Código Civil – art. 104 do novo). Daí não ser exigida no contrato.”[93]

Este discurso anticausalista, no entanto, recebeu críticas, havendo quem afirme que “não é correta a afirmação de que o Código Civil não é causalista apenas porque a causa não aparece mencionada no art. 104.”[94] Num primeiro momento, poder-se-ia, como fazem alguns autores, rechaçar o silêncio do Código em relação à causa com base nos artigos 140 e 166, III do Código Civil de 2002.[95] Esta teoria, entretanto, é refutada de forma expressa por Tepedino, Barbosa e Moraes, que aduzem, ao comentar o artigo 166, III do Código Civil, que “o motivo determinante a ambas as partes, aqui mencionado, não se confunde com a causa do negócio jurídico.”[96]

Na verdade, com o devido respeito à consagrada doutrina que defende um Código Civil subjetivista, verifica-se que esta concepção acaba por ensejar as mesmas críticas que foram dirigidas ao Código francês de 1804, principalmente pela vinculação entre causa e motivo. Além do mais, a doutrina nacional em comento parte de uma premissa equivocada da teoria subjetivista, eis que, nos moldes já descritos, esta teoria não possui como referencial de análise o contrato, mas sim a obrigação.

Desta forma, ao entender os artigos 140 e 166, III do Novo Código Civil como consagradores da causa, está-se afirmando de sobremaneira a coincidência entre esta e o motivo, como se ambos não pudessem coexistir pacificamente.

Os motivos, via de regra, são irrelevantes para o Direito, “mas este asserto não pode admitir-se em toda a extensão. Abstraímos mesmo dos casos em que os motivos aparecem expressos no conteúdo do acto, sob a forma de condição, ou de termo, ou de modo, etc.”[97] Mas a causa, para qualquer teoria que a consagre, é bastante pertinente e importante, não apenas em contratos esparsos.

Assim é que, aceitando-se a posição que defende a causa subjetiva no Código Civil, tem-se que apenas alguns contratos terão o elemento causal, dependendo apenas do interesse das partes, interesse este que no contexto de elaboração da teoria subjetivista possuía, conforme já exposto, um status de dogma e por isso era completamente valorizado. Hodiernamente a realidade, também nos moldes já expostos, não é a mesma, sendo que o princípio da autonomia da vontade resta de sobremaneira mitigado em vista do princípio da dignidade da pessoa humana, do qual decorrem inúmeros outros, dentre eles, o da função social.

Por todas estas razões, pende-se para o lado da doutrina que se manifesta no sentido da acolhida, pelo Direito brasileiro contemporâneo, da teoria objetiva da causa, a qual, neste caso, não estaria nos artigos 140, 166, III ou 884, mas sim nos artigos 421 e 2.035, parágrafo único do Código Civil de 2002.[98]

Assim, como também defende Tartuce: “pela redação atual do art. 421 do Código Civil é perfeitamente possível relacionar a função social à sua causa”[99] e diante do contexto econômico e social do Código, mostra-se mais coerente com a sua principiologia, seja a causa vista objetivamente[100], como função social do contrato.

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4.3 A RELEITURA DA CAUSA EM FACE DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

Impossível negar validade à frase que afirma que “a teoria da causa do contrato é de difícil investigação, não estando bem desenvolvida no Brasil, o que até dificulta, do ponto de vista metodológico, a sua associação com o princípio da função social dos contratos.”[101] Ocorre que a principiologia contratual consagrada no Direito brasileiro principalmente com a Constituição Federal de 1988, não se coaduna com a possibilidade de se conferir tutela jurídica a pactos contrários ao interesse social.

Diante desta circunstância, verifica-se que o conceito de causa para a doutrina brasileira possui estreita ligação com a teoria objetiva da causa proposta por Betti na Itália[102]. Em outros termos, a causa tem a mesma função de “justificação objectiva” clamada por Betti para que o Direito possa conferir albergue jurídico a um acordo de vontades. Com isso, é necessário, agora, proceder ao preenchimento axiológico deste conceito, pois se a causa é “o fundamento da transformação dos actos humanos em negócios jurídicos”[103], é preciso analisar qual é este fundamento.

Já foi asseverado que com a “repersonalização” do Direito Civil brasileiro, materializada por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, a liberdade contratual não mais pode ser vista de forma absoluta, mas há que ser “exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”[104] Portanto, se a causa se mostra como o elemento objetivamente apreciável para que o Direito possa chancelar um acordo de vontades e tendo em vista que a realidade jurídica nacional limita a liberdade de contratar à função social do contrato, não se pode negar que “a finalidade social é o que faz com que os acordos assumam a forma de contrato.”[105]

Sobre o tema, Gomes assevera que “A função econômico-social do contrato foi reconhecida, ultimamente, como a razão determinante de sua proteção jurídica.”[106] Por esta razão,”os contratos que regulam interesses sem utilidade social, fúteis ou improdutivos não merecem proteção jurídica. Merecem-na apenas os que têm função econômico-social reconhecidamente útil.”[107]

Diante disto, cotejando-se o conceito atribuído à causa pela teoria objetiva com a principiologia contratual observada pelo Direito brasileiro, mostra-se bastante coerente a posição assumida por Moraes[108] (e seguida por outros autores)[109] no sentido de preencher axiologicamente o conceito de causa com o princípio da função social do contrato e, assim, dispor o causalismo (na sua viés objetiva, por óbvio) do Código Civil de 2002 por meio dos seus artigos 421 e 2.035, parágrafo único.

Assim, defendendo-se a acolhida, no Direito brasileiro, da teoria objetiva da causa – a qual, relembre-se, funda-se na teoria preceptiva, que, assim como no cenário jurídico atual, toma o negócio jurídico como um fato social – verifica-se a imputação de uma segunda eficácia ao princípio da função social, pois além de sua imposição aos agentes externos à relação contratual, também internamente ela há de ser verificada internamente, sob pena de não se conferir tutela jurídico ao contrato.

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Deste modo, a divisão proposta por Nalin entre a função social intrínseca e extrínseca[110] ganha contornos diferentes em relação à sua observância internamente, pois a teoria da causa ora defendida utiliza este elemento para preencher a eficácia interna da função social, o que é importante para conferir autonomia aos princípios, eis que a eficácia intrínseca proposta por Nalin foi criticada porque “seria uma superfetação, por não passar de uma das acepções do princípio da boa-fé objetiva.”[111]

É justamente a fim de evitar essa sobreposição entre os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva que Rosenvald defende que a caracterização da causa com função social permite “situar um espaço para a cláusula geral do art. 421, mesmo no âmbito interno da relação obrigacional, sem que isto provoque um abalo no sentido da boa-fé objetiva.”[112] (grifo nosso)

Poder-se-ia criticar a vinculação ora realizada entre causa e função social interna por meio da asserção de Noronha no sentido de que “mesmo ao tempo do individualismo não se negava ao contrato uma função social”[113] e, neste caso, a importância da causa como elemento abarcado pela “nova” teoria contratual restaria sem razão de ser.

Ocorre que, ainda que se admita uma função social no período voluntarista, o conteúdo principiológico daquela função diferencia-se por demais do conteúdo principiológico do solidarismo hodierno. O princípio da função social do contrato disposto nos artigos do Código Civil é fruto da já aventada “repersonalização” do Direito Civil. Desta forma, como “os princípios da solidariedade e da igualdade são instrumentos e resultados da atuação da dignidade social do homem”[114], a função social “atual” não pode possuir outro fim que não a proteção da dignidade humana.[115]

Portanto, resta evidente que quem pretender diferenciar a função social do contrato supostamente vigente no período clássico da função social atual deve “entender o papel a ser desempenhado pelo contrato na sociedade brasileira contemporânea.”[116] Para tal análise se faz mister invocar a “Constitucionalização do Direito Civil” [117], eis que “é na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, que se aproximará o intérprete das aspirações da sociedade brasileira contemporânea.”[118]

Note-se que esta análise das disposições codificadas em relação à Constituição Federal é conquista recente da sociedade, pois foi com as transformações sociais do início do século XX que o Código Civil foi perdendo força e a Constituição passou a definir temas que antes eram versados apenas no Código, levando a doutrina a defender uma “releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição da República.”[119]

Assim sendo, quando se relaciona causa com função social, não se está a aceitar qualquer função social – caso em que lograria êxito eventual crítica fundamentada em Noronha – mas sim a função social lida em consonância com o artigo 1º, III; 3º, I e também artigo 170, caput, todos da Constituição Federal[120], eis que com “o processo de constitucionalização do direito civil [...] onde dantes reinava, absoluta, a liberdade individual, ganha significado e força jurídica a solidaridade social.”[121]

Por fim, insta salientar que o fato de o Código Civil de 2002 ter iniciado o seu projeto em 23 de maio de 1969[122] em nada altera o que se expôs acerca da causa como função social, a um porque antes de se fundamentar no Código Civil, o

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funcionalismo contratual faz-se consagrado na Constituição Federal,[123] a dois porque o interesse social não deixou de pautar os trabalhos da comissão responsável pela nova codificação [124]

Desta forma, claramente inexistem óbices ao preenchimento axiológico do conceito objetivo de causa na realidade brasileira com o princípio da função social no seu aspecto interno, pois resta nitidamente demonstrado que a atual sistemática jurídica nacional busca tutelar, em primeiro lugar, a dignidade da pessoa humana e, por isso, não aceita dar guarida a pactos que não observem o interesse da sociedade.

Assim, não basta que as partes, ainda que livremente, celebrem um contrato para que tal possa ser vinculante e plenamente exigível à luz do Direito[125], eis que “a ausência de causa, ou falta de escopo econômico, importaria, portanto, na nulidade do contrato que, se não causado, não produzirá efeitos jurídicos.”[126]

Noronha traz exemplo do limite imposto pelo interesse social à liberdade de contratar. O caso trata de ação indenizatória fundada no fato de que a autora havia sido barrada em festa porque supostamente não trajava Gala a Rigor. Sem olvidar o caráter contratual desta relação, note-se trecho da sentença, exarada pelo Juiz Lédio Rosa de Andrade, que denota que para ter proteção legal, o interesse “tem de ser legítimo, por satisfazer uma necessidade socialmente valorada como séria e útil”.[127]

A sentença, “particularmente esclarecedora do alcance da indispensável função social”[128], julgou improcedente o pedido por falta de utilidade social na discussão gerada. Ao fundamentar a decisão, o juiz questionou se para analisar quem estava com razão deveria “nomear um estilista ou um colunista social para, cientificamente, verificar se o vestido portado pela autora era ou não de gala a rigor.”[129] Além do mais, aduziu: “quem consente com a futilidade, a ela está submetido.”[130]

Analisando-se o objeto da relação contratual havida entre a jovem e os organizadores do evento, não há dúvidas de que o juiz deveria averiguar quem violou o contrato, se a adolescente que não cumpriu com a obrigação de trajar gala a rigor ou se os organizadores, que não prestaram o serviço mesmo diante da correção do traje. Entretanto, sequer chegou a esta seara a decisão analisada, pois antes de verificar o que se poderia chamar de “objeto” do contrato, entendeu pela ausência de interesse social na tutela do interesse em questão.[131]

Desta forma, diferentemente do ocorrido no período voluntarista, agora é a função social que limita a autonomia das partes, sendo, assim, a causa elemento que se sobrepõe à manifestação volitiva, seja para considerar nulos os pactos contrários aos interesses sociais (ainda que livremente celebrados), seja para negar tutela a acordos ensejadores de interesses fúteis ou até mesmo para alterar o regramento legal do tipo contratual eleito pelas partes (caso de “requalificação” do contrato[132]).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Frente a todas as considerações realizadas, percebe-se que a teoria causalista e a anticausalista foram elaboradas num contexto econômico e social onde o dogma da autonomia da vontade nucleava a regulação contratual, fato que acabou por influenciar o legislador ordinário e culminou com o anticausalismo do Código Civil de 1916.

O Código Civil de 2002, por sua vez, fora elaborado numa realidade totalmente diferente da primeira codificação. Atualmente, a concessão de tutela jurídica a acordos em descompasso com a função social não mais se coaduna com os princípios insertos na Constituição Federal, e assim não fica difícil verificar a estreita vinculação entre o disposto nos artigos 1º, III; 3º, I; 5º, XXIII e 170, caput e inciso III, todos da Constituição Federal, os quais fundamentam os artigos 421 e 2.035, parágrafo único do Código Civil, com a teoria objetiva da causa, que, absorvendo o discurso já proclamada pela teoria preceptiva do negócio jurídica, via esta como a função econômico-social do contrato.

Portanto, hodiernamente pode-se afirmar que o Direito brasileiro, em que pese não se manifestar expressamente sobre a teoria da causa, acabou por abarcar o ideário objetivo de causa e, assim, para que determinado pacto receba a tutela jurídica – e, portanto, possa-se falar em sanção legal para o caso de descumprimento - necessário que possua um elemento objetivo de verificação coincidente com a função social “interna” daquele contrato.

[1] ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988. p. 24.

[2] ROPPO, loc. cit.

[3] Esta vinculação entre o contrato e a operação econômica é verifica por Roppo: “Contrato é, precisamente, o conceito que vem resumir esta realidade complexa, não linear, de progressiva captura das operações econômicas por parte do direito.” (ROPPO, 1988. p. 15)

[4] Ibid., p. 17.

[5] “Já no final do século XIX, na França, Fouillée podia resumir a concepção reinante dizendo, em expressão que ficou célebre, que toda justiça é contratual e quem diz contratual, diz justo (“toute justice est contractuelle; qui dit contractuel, dit juste”). E segundo o testemunho de Savatier, Fouillée era “o mestre mais escutado, quiçá, da filosofia oficial de então.” (NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 65).

[6] PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 143-144.

[7] ROPPO, op. cit., p. 26.

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[8] Sobre o princípio da liberdade contratual, Roppo afirma que “contém indiscutíveis elementos de verdade. Mas, como é próprio de qualquer ideologia, adiciona-lhes elementos de dissimulação e deturpação da realidade: mais precisamente, cala e oculta a máscara que se esconde por detrás da <<máscara>> da igualdade jurídica dos contraentes, cala e oculta as funções reais que o regime do laissez-faire contratual está destinado a desempenhar no âmbito de um sistema governado pelo modo de produção capitalista, os interesses reais que por seu intermédio se prosseguem.” (Ibid., p. 37).

[9] ROPPO, 1988. p. 50.

[10] “São três os princípios do direito contratual que vêm do século passado; giram eles em torno da autonomia da vontade[...]” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado – direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade aquiliana de terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos tribunais. São Paulo, abr. 1998. v. 750. p. 115).

[11] NORONHA, 1994. p. 87.

[12] ROPPO, op. cit., p. 32.

[13] “Além disso, os próprios limites negativos – excepções a um princípio – eram toleradas em muito estreita medida. Admitiam-se, por exemplo, os destinados a impedir a assunção, embora voluntária e consciente, de vínculos limitadores da actividade própria, susceptíveis de precludir o exercício futuro da liberdade contratual por parte de quem os assumia e, num plano mais geral, de prejudicar um sistema fundado precisamente na liberdade tendencialmente ilimitada do tráfico jurídico”. (Ibid., p. 33).

[14] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Reconstrução do Conceito de Contrato: do clássico ao atual. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flavio (Coords.). Direito Contratual: Temas Atuais. São Paulo: Método, 2007. p. 19-40. p. 24.

[15] Importante ressalvar que o dogma da vontade não dá ensejo apenas ao princípio da força obrigatória dos contratos, também denominado pacta sunt servanda, mas ainda se afirma a existência de outros princípios, que serão oportunamente analisados.

[16] ROPPO, 1988. p. 35. Uma análise da história da codificação francesa de 1804 demonstra uma efetiva preocupação pela previsibilidade das decisões, senão note-se que a primeira comissão escolhida para elaboração do Código, presidida por Cambacèrés, apresentou trabalho com mais de 3.000 artigos, o qual foi rejeitado pelo legislador constituinte, o qual afirmou que pela extensão não seria de fácil compreensão. Entretanto, no segundo projeto apresentado, dois anos depois, o próprio Cambacèrés, que trouxe um modelo com apenas 267 artigos, apesar de ter agradado inicialmente o legislador, não teve o seu trabalho acolhido, eis que “o revolucionário francês começa a pensar e percebe que não seria um bom negócio um Código tão sintético, pois sendo sintético, o juiz seria o intérprete, e fará o que eles não queriam. O revolucionário francês, ante as atrocidades, insegurança e casuísmo queriam a segurança e uma “juiz escravo da lei”. Por isso, o 2º projeto foi rejeitado.” (LOTUFO, Renan. Da oportunidade da Codificação Civil e a Constituição. In: SARLET, Ingo Wolfgang

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(Org.) O novo Código Civil e a Constituição. 2 ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 19).

[17] “Pelo papel que desempenha, o mecanismo da liberdade contratual configura, de facto, um instrumento funcionalizado para o operar do modo de produção capitalista, e, neste sentido, realiza institucionalmente o interesse da classe capitalista”. (ROPPO, op. cit., p. 38).

[18] Tradução livre de: “le mobile qui joue le role de cause dirécte et immédiate d´une obligation et qui fait partie integrante de l´acte.”(JOSSERAND, Louis. Les móbiles dans les actes juridiques du Droit Prive. n. 16. Paris: [s.n.], 1928 apud CASTRO, Torquato. Da causa no contrato. Recife: Imprensa Universitária, 1966. p. 17).

[19] Terminologia adotada para se referir aos seguidores das ideias de Domat.

[20] JOSSERAND, Louis. Les móbiles dans les actes juridiques du Droit Prive. n. 16. Paris: [s.n.], 1928 apud CASTRO, op. cit., p. 17.

[21] CASTRO, op. cit., p. 17.

[22] CASTRO, loc. cit.

[23] CASTRO, loc. cit.

[24] Ibid., p. 16.

[25] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 432.

[26] “Quatre conditions sont essentielles pour la validité d' une convention: le consentement de la partie qui s' oblige; sa capacité de contracter; un objet certain qui forme la matière de l' engagement; une cause licite dans l' obligation”

[27] “Art. 1131: “L' obligation sans cause, ou sur une fausse cause, ou sur une cause illicite, ne peut avoir aucun effet; Art. 1132. La convention n' est pas moins valable quoique la cause n' en soit pas exprimée; Art. 1133. La cause est illicite quand elle est prohibée par la loi, quand elle est contraire aux bonnes moeurs ou à l' ordre public.”.

[28] MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A teoria da causa em perspectiva comparativista: a causa no sistema civil francês e no sistema civil brasileiro. Revista Ajuris, Porto Alegre, n. 45, p. 213-244, mar. 1989. p. 220.

[29] CASTRO, 1966. p. 20.

[30] “Consistia o problema da causa, com efeito, para tal corrente subjetiva, criada à luz do Code, exclusivamente, em determinar o fundamento da obrigação contratual, a razão (interna) pela qual ela é contraída. Considerando a vontade dos contratantes como o elemento principal do contrato, a causa constituía, apenas, fator de reconhecimento, no plano jurídico, daquele efeitos desejados pelas partes.” (MORAES, Maria Celina Bodin

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de. A causa dos contratos. Revista trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 21, p. 95-119, jan.-mar. 2005. p. 103).

[31] MORAES, loc. cit.

[32] Teoria da Vontade (tradução livre)

[33] Convém reiterar a afirmação de Azevedo: “[...]apresenta-se o direito francês como um direito essencialmente psicológico, que dá, às menores nuances do foro íntimo, uma importância decisiva.[...]” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 75).

[34] Teoria da Declaração (tradução livre).

[35] LACANTINERIE ET BARDE, Baudry. Traité theorique et pratique de Droit - des obligations, 3 ed. [s.i.]: [s.n.]. 1906. Vol. I. p. 321 apud CASTRO, 1966. p. 18.

[36] CAMPOS FILHO, Paulo Barbosa de. O problema da causa no código civil brasileiro. São Paulo: Max Limonad, [1960-?]. p. 10.

[37] Ibid., p. 11.

[38] CASTRO, op. cit., p. 18. Norberto Gorostiaga, no entanto, afirma: “O próprio Laurent, entretanto, era o primeiro a, no seu livro, fôsse em respeito à lei e à doutrina dominante, ou por não ter emprestado maior alcance à sua própria dissidência, recorre a cada passo, à idéia de causa, para explicar soluções de que se fazia intérprete em têrmos semelhantes aos de Demolombe e Colmet de Santerre. Além disso, quando chamado, anos depois, a projetar, para o seu País, um Código que viesse a condensar os princípios mais convenientes à disciplina das relações de Direito Civil, preferiu conservar os arts. 1.108, 1.131 e 1.132 do Código Napoleão” (GOROSTIAGA, Norberto. La causa em las obligaciones, Buenos Aires: [s.n.], 1944 apud CAMPOS FILHO, op. cit., p. 11).

[39] CAMPOS FILHO, op. cit., p. 13.

[40] CAMPOS FILHO, [1960-?]. p. 14.

[41] CASTRO, 1966. p. 22.

[42] CASTRO, loc. cit.

[43] CASTRO, loc. cit.

[44] HUC. Commentaire du Code Civil. n. 39. [s.i.]: [s.n.], [19--]. Tomo VI apud CASTRO, op. cit., p. 27.

[45] “A vontade do doador, de não adquirir, de não receber equivalente, é a própria vontade de se obrigar” (CASTRO, op. cit., p. 27).

[46] CAMPOS FILHO, [1960-?]. p. 16.

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[47] Tradução livre de: “il quarto lato del giá formato triangolo.” (GIORGI, Giorgio. Teoria delle obbligazioni nel diritto moderno italiano. 4. ed. n. 40. Firenze: [s.n.], 1895. Vol. 3 apud CAMPOS FILHO, op. cit., p. 17).

[48] “Na elaboração da teoria do negócio jurídico, a doutrina alemã, frente ao então tormentoso dilema da causalidade jurídica, viu-se obrigada a responder à seguinte indagação: a fonte geradora de efeitos jurídicos é a previsão legal de um acontecimento (ou de um comportamento) ou é a determinação da vontade do sujeito? Os doutrinadores germânicos deram prevalência à vontade, concluindo ser o negócio jurídico a manifestação da vontade produtiva dos efeitos jurídicos.” (MORAES, jan.-mar. 2005. p. 99.)

[49] MARTINS-COSTA, mar. 1989. p. 239.

[50] “Quiconque, par prestation faite par une autre personne ou de toute autre maniére, fait une acquisition sans cause juridique aux dépens de cette autre personne, est obligé via-à-vis d´elle à restitution. Cette obligation existe également lorsque la cause juridique disparaît ultérieurement ou que lê résultat porsuivi au moyen d´une prestation, tel qu´il ressort du contenu de l´acte juridique, ne se réalise pás”. (ALEMANHA. Code Civil Allemand. Tradução de ‘Office de législation etrangére et de Doit international. Paris: [s.n.], 1929 apud CAMPOS FILHO, [1960-?]. p. 23).

[51] AMARAL, 2003. p. 432.

[52] Ibid., p. 433.

[53] CASTRO, 1966. p. 35.

[54] CASTRO, 1966. p. 35-36.

[55] Ibid., p. 40.

[56] “Que este critério da relevância social seja sempre, em definitivo, o critério final de harmonia com o qual o direito – qualquer direito – é necessariamente (ainda que inconscientemente) levado a valorar as manifestações da autonomia privada, antes de reconhecê-las e sancioná-las, deriva do próprio destino do direito e do nexo incindível entre sociedade e direito. [...] Dizer que a valoração típica da utilidade social por parte do direito positivo, é um critério que interessa ao sociólogo e não ao jurista (Longo, Corso di dir. romano, 1935, 108), significa ignorar a socialidade imanente na função ordenadora do direito[...] e esquecer que qualquer instituto jurídico representa a solução de um problema prático, - solução que costuma ser determinada por uma valoração comparativa dos interesses em conflito”. (grifos do autor) (BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra, 1969. Tomo I. p. 104.)

[57] BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra, 1969. Tomo II. p. 330-331.

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[58] “Deve, porém, haver sempre um interesse objectivo e plausível, isto é, socialmente apreciável e controlável, pelo menos de caracter ideal e de conteúdo moral, na mudança da situação existente[...]”(Ibid., p. 338).

[59] Ibid., p. 334.

[60] BETTI, loc. cit.

[61] BETTI, 1969. Tomo II. p. 350-351.

[62] Expressão de autoria de Cláudia Lima Marques e que denomina o primeiro capítulo de sua obra. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 49).

[63] Há parcela da doutrina que cita outros princípios decorrentes do dogma da vontade, a referência ora feita baseia-se na obra de Azevedo. (AZEVEDO, abr. 1998. p. 115).

[64] TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: ______. Temas de direito civil. 3. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 2.

[65] “Essa espécie de papel constitucional do Código Civil e a crença do individualismo como verdadeira religião marcam as codificações do século XIX e, portanto, o nosso Código Civil de 1916, fruto de uma época em que Stefan Zweig, em síntese feliz, designaria como “o mundo da segurança.” (Ibid., p. 3)

[66] TEPEDINO, loc. cit.

[67] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 4.

[68] “Dessas transformações ligadas à Revolução Industrial, merecem destaque aqui, pelas suas repercussões jurídicas, os fenômenos, aliás interligados, da urbanização e da concentração capitalista.” (NORONHA, 1994. p. 70).

[69] MARQUES, 2005. p. 163.

[70] NORONHA, 1994. p. 69.

[71] “Assim chamadas por dissentirem dos princípios dominantes do corpo codificado” (TEPEDINO, 2004. p. 4).

[72] TEPEDINO, loc. cit.

[73] Esta legislação buscava ser “episódica, casuística, fugaz, não sendo capaz de abalar os alicerces da dogmática do direito civil.” (Ibid., p. 5)

[74] LÔBO, 2005. p. 5.

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[75] TEPEDINO, op. cit., p. 7. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas de direito privado passam a integrar uma nova ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio direito civil, através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação central, que já não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por ele desenvolvidas e os riscos delas decorrentes. (TEPEDINO, 2004. p. 7)

[76] TEPEDINO, 2004. p. 7.

[77] “A intensificação desse processo intervencionista subtrai do Código Civil inteiros setores da atividade privada, mediante um conjunto de normas que não se limita a regular aspectos especiais de certas matérias, disciplinando-as integralmente. O mecanismo é finalmente consagrado, no caso brasileiro, pelo texto constitucional de 5 de outubro de 1988, que inaugura uma nova fase e um novo papel para o Código Civil, a ser valorado e interpretado juntamente com inúmeros diplomas setoriais, cada um deles com vocação universalizante. Em relação a esta terceira fase de aplicação do Código Civil, fala-se de uma “era dos estatutos”, para designar as novas características da legislação extravagante. (Ibid., p. 8).

[78] (TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In: ______ (Coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 5).

[79] NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 11.

[80] LÔBO, 2005. p. 7.

[81] LÔBO, loc. cit.

[82] “A ‘repersonalização’ do Direito Civil recolhe, com destaque, a partir do texto constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana. Para bem entender os limites propostos à execução à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, têm sentido verificações preliminares. A dignidade da pessoa é princípio fundamental da República Federativa do Brasil. É o que chama de princípio estruturante, constitutivo e indicativo das idéias diretivas básicas de toda a ordem constitucional. Tal princípio [...] aplica-se como leme a todo o ordenamento jurídico nacional compondo-lhe o sentido e fulminando de inconstitucionalidade todo preceito que com ele conflitar.” (FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 190.)

[83] MARQUES, 2005. p. 210-211.

[84] MARQUES, loc. cit.

[85] FACHIN, 2006. p. 190.

[86] AZEVEDO, abr. 1998. p. 116.

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[87] LOTUFO, 2006. p. 20-21.

[88] O primeiro sugeriu a inclusão de mais um artigo, nos seguintes termos: “O acto jurídico é também anulável, quando fôr determinado por falsa causa ou por causa illicita. Uma causa é ilícita quanto contraria à lei, aos bons costumes ou à ordem pública.”[88] Já Cavalcanti propôs a criação de um parágrafo ao artigo 98 do Projeto, o qual prescreveria: “A causa presume-se de direito; provada, porém, a sua inexistência, ou que ella fôra illicita, o acto torna-se annullavel.” (CAMPOS FILHO, [1960-?]. p. 27)

[89] Ibid., p. 30.

[90] “Perante a Commissão da Câmara, em 1901, foi defensor da theoria da causa o Sr. Amaro Calcanti. [...] Alludi ao que se refere Huc, em seu Commentaire, sobre a expressão sans cose de Beaumanoir, que suppuzeram equivaler a sans cause, quando o velho jurista pretendia dizer sans chose, sem objeto. E apreciei o apoio que Domat, o creador da theoria da causa, pretendeu encontrar no direito romano. Certamente nas fontes romanas se fala em causa.[...] Mas o ponto de vista dos romanos era muito differente. Desses mesmos textos se vê que os romanos concebiam obrigações sem causa: qui promisit sine causa... qui sine causa obligantur. O pensamento, que nesses fragmentos sobressae é o do enriquecimento illegitimo. Nelles não se cogita da formação do contrato. Como bem diz Planiol, a noção da causa é perfeitamente inutil para a theoria dos actos jurídicos.”(BEVILÁQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado por Clovis Bevilaqua. Ed. Histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1976. p. 339-340.)

[91] MORAES, jan.-mar. 2005. p. 97.

[92] MORAES, loc. cit.

[93] GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Contrato. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 93.

[94] PENTEADO, Luciano de Camargo. Doação com encargo e causa contratual. Campinas: Millenium, 2004. p. 337.

[95] “Analisando os termos do Novo Código Civil, percebe-se que, se por um lado o tratamento dispensado à causa ainda é tímido, por outro não se pode dizer que a nova lei codificada deixa de admiti-la. Sem dúvida, reconhece como pressuposto de validade do negócio jurídico. Chega-se a tal conclusão analisando-se o seu art. 166, III [...]. Ora, considerando-se que as razões interiores (motivos de ordem psicológica) pouco interessam ao direito, senão à moral, é correto afirmar-se que a expressão “motivo determinante” diz respeito à causa, segundo a noção subjetivista de “motivação típica do ato”, consoante acima se mencionou. Nessa mesma linha, o art. 140 do Novo Código Civil, reformulando os termos do art. 90 do CC-16[...]. Nota-se que, em nosso entendimento, também nesse artigo de lei optou o legislador pela corrente subjetivista.“ (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1. p. 328-329).

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[96] TEPEDINO, Gustavo; BARBOSA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. v. 1. p. 311.

[97] TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos contratos em geral. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2002. p. 306-307.

[98] “O legislador de 2002 manifestou-se de modo tão ponderoso no que tange à função social do contrato que retornou ao tema nas disposições transitórias. Ao regular o direito intertemporal em matéria, reafirmou no parágrafo único do art. 2.035[...]. Isto, na verdade, confirma que o ordenamento civil brasileiro não dá qualquer guarida a negócios abstratos, isto é, a negócios que estejam sujeitos, tão-somente, à vontade das partes, exigindo, ao contrário, que os negócios jurídicos sejam causais, cumpridores de uma função social. Nesta linha de raciocínio, teria o legislador exteriorizado, através dos termos do art. 421, o princípio da “causalidade negocial”. Embora nós talvez continuemos a dizer, simplesmente, que determinado negócio “não cumpre a sua função social”.[98] (grifo nosso) (MORAES, jan.-mar. 2005. p. 119.)

[99] TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007. p. 258.

[100] Esta aproximação entre a teoria objetiva e o Direito brasileiro foi preconizada por Martins-Costa em 1989, quando a autora refutou a teoria subjetiva da causa: “descarta-se a hipótese de o sistema jurídico brasileiro conferir à causa finalidade subjetiva, como o francês, mas observa-se a tendência de se ter a causa como elemento objetivo, aos moldes do sistema italiano.” (MARTINS-COSTA, mar. 1989. p. 237.)

[101] TARTUCE, op. cit., p. 256.

[102] Moraes afirma ser a causa o elemento que “dá – ou nega – juridicidade” ao negócio jurídico (MORAES, jan.-mar. 2005. p. 102). Campos Filho aduz que ela é “o interesse material ou moral, a cuja realização tende o agente e que, se conforme à ordem jurídica, legitima o resultado procurado.”(CAMPOS FILHO, [1960-?]. p. 160). Miranda a conceitua como “a função que o sistema jurídico reconhece a determinado tipo de ato jurídico, função que o situa no mundo jurídico, traçando-lhe e precisando-lhe a eficácia”. Para o autor, “a causa fixa, na vida jurídica, o ato.” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. Tomo III. p. 78).

[103] TELLES, 2002. p. 291.

[104] Trecho do artigo 421 do Código Civil de 2002.

[105] TARTUCE, 2007. p. 257.

[106] GOMES, Orlando. Contratos. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 20.

[107] GOMES, loc. cit.

[108] MORAES, jan.-mar. 2005.

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[109] Dentre os quais se destacam Rosenvald (ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flavio (Coords.). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007. p. 81-111) e Tartuce (TARTUCE, 2007.).

[110] Note-se como o autor paranaense propõe a divisão da função social: A primeira, intrínseca, é relativa à observância de princípios novos ou redescritos (igualdade material, eqüidade, e boa-fé objetiva) pelos titulares contratantes.[...] Seu perfil extrínseco (fim coletividade), por sua vez, rompe com o aludido princípio da relatividade dos efeitos do contrato, preocupando-se com suas repercussões no largo campo das relações sociais, pois o contrato em tal desenho passa a interessar a titulares outros que não só aqueles imediatamente envolvidos na relação jurídica de crédito. (grifos do autor) (NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2001. p. 223).

[111] ROSENVALD, op. cit., p. 89. Partindo-se dessa bipartição da função social do contrato é possível cogitar de uma sobreposição entre os ditames impostos pelas funções decorrentes da boa-fé objetiva e a expressão interna da função social do contrato. Analisando-se o aspecto interno da função social do contrato, percebe-se que seu conteúdo coincide com as limitações decorrentes da boa-fé objetiva, a qual abrange o controle da conduta das partes contratantes no interior da relação contratual, durante todo o seu desenrolar, vedando condutas abusivas ou iníquas, bem como tutelando a quebra da base objetiva ou subjetiva do contrato. (grifo nosso) (CATUSSO, Joseane; FARIA, Victor Lisboa de. Boa-fé e função social do contrato: uma proposta de abordagem conjunta. In: CORTIANO JUNIOR, Eroulths et al (Coords.). Apontamentos críticos para o direito civil brasileiro contemporâneo: anais do projeto de pesquisa virada de copérnico. Curitiba: Juruá, 2007. p. 281-304. p. 301.)

[112] ROSENVALD, 2007. p. 89. “Ousamos mesmo afirmar que no espaço endógeno da relação obrigacional pode incidir a boa-fé objetiva e, simultaneamente, uma afronta à função social do contrato pela quebra de consonância com a utilidade social que este deveria ostentar.” (ROSENVALD, loc. cit.)

[113] NORONHA, 1994. p. 85. Paulo Nalin critica esta opinião, afirmando que “o que realiza Fernando Noronha, em verdade, é sobrepor a função social do contrato à idéia de justiça contratual” (NALIN, 2001. p. 230).

[114] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 3 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 37.

[115] FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 6.

[116] PINHEIRO, Rosalice Fidalgo; GLITZ, Frederico. A tutela externa do crédito e a função social do contrato: possibilidades do caso "Zeca Pagodinho". In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Orgs.) Diálogos sobre Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. vol. II. p. 330.

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[117] Denominação verificada na obra de Tepedino (TEPEDINO, 2004. p. 1). Em que pese grande parte da doutrina imputar aos autores italianos o pioneirismo da teoria do Direito Civil Constitucional, Lotufo afirma que o precursor desta teoria foi Clóvis Beviláqua, em discurso feito após a edição da Constituição Federal de 1934: “Cumpre observar, por oportuno, fazendo justiça à genialidade de Clovis Bevilaqua, por muitos agora esquecida, que no desenvolvimento de pesquisas sobre o tema, acabamos recebendo de um aluno a reprodução de conferência pronunciada por ele logo após a edição da Carta de 1934, publicada na RT 97, de setembro de 1935, às páginas 31 a 38, artigo que demonstra que, tanto quanto Teixeira de Freitas foi o precursor dos Códigos orgânicos com Parte Geral, antecedendo à BGB, Clóvis foi o precursor do Direito Civil Constitucional, ao tratar do tema sob a denominação “A Constituição e o Código Civil”, onde inovadoramente refere à Constituição de 1934, e suas repercussões sobre dispositivos do Código Civil”. (grifo nosso) (LOTUFO, 2006. p. 21).

[118] PINHEIRO; GLITZ, 2008. p. 330-331.

[119] PERLINGIERI, 2002. p. 10. Aliás, a Constitucionalização do Direito Civil é fruto justamente da busca por uma adequação das disposições codificadas aos valores consagrados constitucionalmente. Esta doutrina “constitucionalista” surgiu no Direito italiano, onde o Código Civil de 1942 fora elaborada sob influência fascistas, “portanto, uma Código voltado para a produtividade, para a produção em larga medida, mas sem qualquer referência ao valor fundamental do ser humano. [...] Tudo girava em torno da produtividade em benefício do Estado” (LOTUFO, op. cit., p. 17). Ocorre que a Constituição promulgada na Itália em 1947 possuía um outro ideário, eis que referida corpo normativa sucede a Segunda Guerra Mundial e, portanto, abarca a alteração de comportamento social por ela perpetrada. “A Itália, ao fazer sua Constituição, mesmo não sendo obrigada a adotar a lei fundamental imposta pelos países vitoriosos, não deixou de seguir esta mudança de posicionamento. Elaborou democraticamente a sua Constituição, com grande participação inclusive de partidos comunistas, socialistas, partidos de esquerda, além da democracia cristã e social democracia, elaborando um texto em que também procurava centrar sua filosofia na dignidade do ser humano.” (LOTUFO, loc. cit.). Diante destas disparidade entre Código Civil e Constituição Federal, “a doutrina partiu para o estudo do Direito Civil Constitucional, como único meio de se recepcionar o Código Civil, pois submetido à releitura pelo enfoque constitucional” (Ibid., p. 18-19).

[120] Além dos dispositivos constitucionais já citados, a funcionalização do contrato também encontra albergue nos artigos 5º, XXIII 170, III da Carta Magna, eis que “o reconhecimento da função social do contrato é mero corolário dos imperativos constitucionais relativos à função social da propriedade e à justiça que deve presidir à ordem econômica” (REALE, Miguel. O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 32).

[121] NEGREIROS, 2006. p. 11.

[122] REALE, Miguel. História do novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 19.

[123] Cf. nota 100, em 1989 Martins-Costa já defendeu a causa com função social no Direito brasileiro.

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[124] “Como estamos longe do individualismo formalista que preside o Código de 1916, fiel aos pressupostos do pandectismo dominante nas décadas finais do século XIX! Alías, cumpre salientar que já no Projeto enviado à Câmara dos Deputados figurava, como art. 420, a seguinte determinação: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. (REALE, op. cit., p. 27-28).

[125] “A causa assume, propriamente, a posição de limite imposto pelo ordenamento jurídico (através dela) à vontade negocial. Não fosse assim, a vontade privada seria absolutamente livre para criar quaisquer esquemas contratuais, estabelecendo quaisquer efeitos, por mais repugnantes que fossem à consciência social.”[125] (MORAES, jan.-mar. 2005. p. 109).

[126] MARTINS-COSTA, mar. 1989. p. 234.

[127] NORONHA, 2003. p. 32.

[128] Ibid., p. 30.

[129] Ibid., p. 32.

[130] NORONHA, loc cit.

[131] “O ordenamento jurídico não concede de olhos fechados a sua proteção ao querer do homem. Antes de decidir faz uma apreciação valorativa da função prática do ato. Se essa função ou finalidade se lhe afigura de utilidade real, digna de estímulo e amparo, reconhece o acto e coloca-o debaixo de sua égide, como acto jurídico ilícito, a que atribui efeitos desarmónicos com a vontade do agente; e por último desconhece o acto, tendo por juridicamente indiferente, todas as vezes que seu fim é anódino por não possuir importância social bastante para justificar a tutela do Direito ou a sua reprovação.” (grifo nosso) (TELLES, 2002. p. 291).

[132] Um dos exemplos desta qualificação por meio da causa está na discussão operada em relação aos contratos de leasing, que ensejou a Súmula 263, a qual, em pouco menos de dois anos foi revogada pela súmula 293. “Independentemente do ocorrido para a mudança radical no rumo da jurisprudência sobre o tema, a verdade é que ambas as súmulas cuidam da qualificação do contrato através da causa, a primeira (263) considerando que certo elemento (a cobrança antecipada do VRG) desqualifica o contrato de leasing, transformando-o em compra e venda, e a segunda (293) revogando a nova qualificação, entendendo que a causa continua, apesar daquela cobrança antecipada, ser arrendamento mercantil financeiro.” (grifo nosso) (MORAES, jan.-mar. 2005. p. 114).

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