26
PRODUÇÃO DIDÁTICA EM HISTÓRIA NO BRASIL E O CASO ESPECÍFICO DE ROCHA POMBO Janaina de Paula do Espírito Santo * “We're part of a story, part of a tale Sometimes beautiful and sometimes insane No one remembers how it began.” (Within Templation -Never-ending story) No Brasil, diferentes projetos relacionados à sistematização escolar foram propostos, nos mais distintos momentos, tanto pelo estado constituído, como pela Igreja. O estabelecimento da educação escolar brasileira vai aparecer acompanhado pelo poder governamental, que procurava garantir através da história a disseminação dos valores do estado. Circe Bittencourt (1993, p. 138), comenta o processo de constituição da disciplina de história do Brasil, chamando a atenção para o embate ocorrido dentro da disciplina escolar entre os princípios católicos e as discussões dos intelectuais do período: A constituição da História como disciplina escolar definiu-se inicialmente pelas propostas dos liberais brasileiros envolvidos nos debates educacionais da década de vinte do século passado. Parte dos intelectuais pretendia construir uma História laica, uma espécie de ‘ciência social’ da nação que se criava sob a denominação de um Estado independente mas, não desejava abolir os princípios educativos da Igreja Católica. A ligação entre a disciplina de História do Brasil e a religião vai estar sempre presente no período imperial, que vai trazer sempre o ensino de história ao lado do ensino religioso, e mesmo com a Constituição de 1824, que trazia posições laicas, não conseguiu superar de todo a sua subordinação à moral religiosa. Bittencourt (1992/1993, p. 194) lembra a posição da disciplina como um complemento do latim: O estudo da História para o nível secundário, antes de se tornar um corpo de conhecimento sistematizado, com objetivos específicos, possível de ser ensinado e transmitido nas escolas públicas, era um simples anexo ou complemento do latim, disciplina todo-poderosa dentro da concepção de currículo ‘humanístico’ ou ‘literário’. Pela versão do ensino confessional, a História limitava-se a um conteúdo integrante do ensino religioso. Mas apesar de não ir além das questões de separação no que se refere ao aspecto * Texto adaptado a partir do segundo capítulo da dissertação de mestrado: "No ciclo eterno das mudáveis coisas" - A proposta de história de Rocha Pombo e as relações com as obras didáticas atuais. Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Unported. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/ ou envie uma carta para Creative Commons, 171 Second Street, Suite 300, San Francisco, California 94105, USA.

Texto Janaina

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro didático em Rocha Pombo. Paranaesnse nascido em morretes

Citation preview

  • PRODUO DIDTICA EM HISTRIA NO BRASIL E O CASO ESPECFICO DE ROCHA POMBO

    Janaina de Paula do Esprito Santo*

    We're part of a story, part of a tale Sometimes beautiful and sometimes insane

    No one remembers how it began. (Within Templation -Never-ending story)

    No Brasil, diferentes projetos relacionados sistematizao escolar foram propostos,

    nos mais distintos momentos, tanto pelo estado constitudo, como pela Igreja. O

    estabelecimento da educao escolar brasileira vai aparecer acompanhado pelo poder

    governamental, que procurava garantir atravs da histria a disseminao dos valores do

    estado.

    Circe Bittencourt (1993, p. 138), comenta o processo de constituio da disciplina de

    histria do Brasil, chamando a ateno para o embate ocorrido dentro da disciplina escolar

    entre os princpios catlicos e as discusses dos intelectuais do perodo: A constituio da Histria como disciplina escolar definiu-se inicialmente pelas propostas dos liberais brasileiros envolvidos nos debates educacionais da dcada de vinte do sculo passado. Parte dos intelectuais pretendia construir uma Histria laica, uma espcie de cincia social da nao que se criava sob a denominao de um Estado independente mas, no desejava abolir os princpios educativos da Igreja Catlica. A ligao entre a disciplina de Histria do Brasil e a religio vai estar sempre presente

    no perodo imperial, que vai trazer sempre o ensino de histria ao lado do ensino religioso, e

    mesmo com a Constituio de 1824, que trazia posies laicas, no conseguiu superar de todo

    a sua subordinao moral religiosa. Bittencourt (1992/1993, p. 194) lembra a posio da

    disciplina como um complemento do latim: O estudo da Histria para o nvel secundrio, antes de se tornar um corpo de conhecimento sistematizado, com objetivos especficos, possvel de ser ensinado e transmitido nas escolas pblicas, era um simples anexo ou complemento do latim, disciplina todo-poderosa dentro da concepo de currculo humanstico ou literrio. Pela verso do ensino confessional, a Histria limitava-se a um contedo integrante do ensino religioso. Mas apesar de no ir alm das questes de separao no que se refere ao aspecto

    * Texto adaptado a partir do segundo captulo da dissertao de mestrado: "No ciclo eterno das mudveis coisas" - A proposta de histria de Rocha Pombo e as relaes com as obras didticas atuais. Este trabalho est licenciado sob uma Licena Creative Commons Atribuio-Uso No-Comercial-Vedada a Criao de Obras Derivadas 3.0 Unported. Para ver uma cpia desta licena, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/ ou envie uma carta para Creative Commons, 171 Second Street, Suite 300, San Francisco, California 94105, USA.

  • religioso, foi com a Constituio Brasileira de 1824 que a disciplina histrica comeou a se

    formar como uma disciplina autnoma, sendo colocada como uma necessidade social e

    poltica j nas primeiras propostas educacionais (BITTENCOURT, 1992/1993, p. 195).

    Nadai (1992/1993, p. 145), ao se referir ao mesmo perodo salienta que a constituio

    da Histria no nosso pas, como disciplina de cabal direito ocorreu no interior dos mesmos

    movimentos de organizao do discurso laicizado sobre a histria universal, discurso no qual a

    organizao escolar foi um espao importante das disputas ento travadas, entre o poder

    religioso e o avano do poder laico, civil.

    O que se percebe nas primeiras propostas curriculares um tom de conciliao que se

    propunha, entre histria civil que aparecia subordinada moral religiosa. Tal interferncia, como

    escreve Elza Nadai (1992/1993, p. 147), marca a Histria inicialmente estudada no pas, que

    esteve associada a Histria da civilizao europia, tendo sido, alis, tomada como baliza mais

    tarde para a composio da Histria Nacional: Assim, a histria inicialmente estudada no pas foi a Histria da Europa Ocidental, apresentada como a verdadeira Histria da Civilizao. A Histria ptria surgia como seu apndice, sem um corpo autnomo e ocupando papel extremamente secundrio. Relegada aos anos iniciais dos ginsios, com nmero nfimo de aulas, sem uma estrutura prpria, consistia em um repositrio de biografias de homens ilustres, de datas e de batalhas.

    Segundo Maria do Carmo Martins (2000, p. 34) essa aproximao do Brasil com o

    modelo proposto pela Frana no causa surpresa, uma vez que a lngua francesa penetrava

    por todas as manifestaes artsticas e culturais da corte. As elites brasileiras no desprezavam

    o padro corts francs

    Dentro deste projeto de unificao e definio do conhecimento que devia ser

    propagado pelas instituies educacionais, o livro didtico representa um espao privilegiado de

    influncia na sistematizao e disseminao do ensino.

    Presente logo nas primeiras escolas da nao, o livro didtico assumiu uma maior

    importncia no perodo de reformas propostas entre 1760 e 1808 j que neste tempo adquiriu

    um papel central na tentativa de substituio do mtodo jesutico1, defendida durante a reforma

    1 Entre 1554 e 1570 os jesutas fundam no Brasil cinco escolas de instruo elementar (Porto Seguro, Ilhus, Esprito Santo, So Vicente e So Paulo de Piratininga) e trs colgios (no Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia). A organizao do ensino seguiu a orientao do Real Colgio das Artes de Coimbra, chamada ratio studiorum. O currculo divide-se em duas sees ou classes distintas. Nas classes inferiores, com durao de seis anos, ensinam-se retrica, humanidades, gramtica portuguesa, latim e grego. Nas classes superiores, com trs anos, os alunos aprendem matemtica, fsica, filosofia, que inclui lgica, moral e metafsica, alm de gramtica, latim e grego.

  • pombalina.2. Uma das principais caractersticas dessa reforma foi a autonomia dada aos

    professores, que se tornavam mais responsveis pela organizao das aulas e, justamente por

    isso, neste momento o livro didtico vai adquirir grande importncia, j que alm de ser

    considerado, durante todo o sculo XVIII um dos elementos centrais na formao dos

    professores, 3 este tipo de obra tambm era proposta na tentativa de se alcanar uma certa

    unificao da educao no pas.

    No bojo dessa discusso estava tambm a definio da disciplina de Histria como

    parte independente no currculo escolar, algo que foi concretizado com a criao do Colgio

    Pedro II, em 1837, quando foi efetivada a disciplina como parte integrante do ensino

    secundrio, tornando-se obrigatria depois da criao deste estabelecimento.

    Criado sob a influncia do pensamento liberal francs, o Colgio foi durante vrias

    dcadas o estabelecimento padro do ensino secundrio. A influncia francesa era ntida e

    assumida publicamente por seus idealizadores, como escreve Nadai (1992/1993, p. 146) ao

    citar um trecho do discurso proferido pelo ministro e secretrio da Justia do Imprio, Bernardo

    Pereira Vasconcelos: Foi preciso buscar no estrangeiro a experincia que nos faltava (...),

    imps-se o modelo francs (Apud Haiddar, p. 99). A influncia francesa vai ser, alis, uma

    presena forte e constante no ensino de Histria deste perodo, persistindo durante a

    Repblica.

    Assim, a histria que deveria ser transmitida no ensino secundrio deveria partir das

    elaboraes dos programas feitos pelos professores catedrticos do Colgio D. Pedro II,

    normalmente em concordncia com os acadmicos do Instituto Histrico e Geogrfico

    Brasileiro. A disciplina viria a ... reforar e instituir uma memria na qual a histria serve de

    legitimadora e justificadora do projeto poltico de dominao burguesa, no interior da qual a

    escola secundria foi um dos espaos iniciais de formao da elite cultural e poltica que

    deveria conduzir os destinos nacionais, em nome do conjunto da nao (NADAI, 1990, p. 25),

    ou seja, o ensino foi objeto de uma seleo, a qual no era ingnua, com finalidades e objetivos

    especficos estabelecidos por aqueles que o elaboraram.

    2 Sob o argumento de que a Companhia de Jesus se transformara num Estado dentro do Estado portugus, consegue expulsar os jesutas de Portugal e de suas colnias em 1759. No Brasil, com a sada dos jesutas, colgios e seminrios so fechados e as diferentes formas de registro civil ficam desorganizadas. A reforma pombalina da educao, em 1770, substitui o sistema jesutico por um ensino laico, dirigido pelos vice-reis. 3 Bittencourt, Circe, Op Cit.

  • Para Diehl4 (1998), o IGHB foi criado como instituio cultural, nos moldes de uma

    academia e possua o projeto de traar a origem da nacionalidade brasileira com uma produo

    da Histria que procurava compreender o presente e orientar encaminhamentos no futuro, aos

    moldes da histria francesa do perodo:

    A herana quase gentica est na origem francesa, especialmente do Instituto Histrico de Paris, fundado em 1834, que manteria um imenso contato com o IHGB, o que j pode ser verificado na fase inicial do empreendimento parisiense do qual os brasileiros participaram. (...) Se remetermos essas relaes entre as duas entidades para um quadro mais amplo, verificaremos que a Frana assumiu um modelo civilizador da vida social e intelectual; assim, construir uma imagem brasileira com base na civilizao francesa no deixava de ser um projeto subjacente no contato entre as duas instituies (...) (p. 29)

    Os trabalhos de Nadai (1992), Bittencourt (1992/1993) E Abud(1997) enfatizam a

    influncia francesa no material didtico adotado pelos professores do Colgio Pedro II,

    afirmando que com eles ensinava-se a histria da Civilizao como propunham tambm os

    programas das escolas secundrias francesas. A relao entre os professores do Colgio

    Pedro II e os membros do IHGB eram fecundas, fortemente marcadas pela histria produzida

    na Frana, demonstrando que ensino e produo histrica encontravam-se num mesmo campo

    e tinham em comum um projeto civilizatrio.

    Cabe notar que nessa poca, nas escolas secundrias, os programas das disciplinas

    eram feitos pelos professores catedrticos e aprovados pela Congregao dos colgios

    (NADAI, 1992), como ocorria no Colgio Pedro II. A seleo dos contedos desses programas

    possua a marca de formao desses professores e no correspondia a uma proposta nacional

    unificada. Foi somente durante o governo de Getlio Vargas, com a criao do Ministrio da

    Educao e Sade Pblica que os programas das disciplinas passaram a ser feitos de forma

    centralizada e indicados para todo o pas.

    Pode-se dizer que a partir da criao do IHGB comea a se delinear mais claramente a

    preocupao, por parte da elite letrada e poltica, com o projeto de formular uma histria do

    Brasil. a partir mais ou menos de 1850 que se percebe aguarem as questes referentes

    formulao de uma Histria Ptria, e muitas dvidas rondaram a respeito dela: quais seriam as

    periodizaes? Quais os seus principais temas? Que modelos deveriam essa Histria seguir?

    Em um momento que a elite dirigente buscava consolidar o Estado imperial, todas essas

    4 DIEHL, Astor Antnio. A cultura historiogrfica brasileira: do IHGB aos anos 30. Passo Fundo: EDIUPF, 1998.

  • questes seriam cruciais para traar a forma de se contar a Histria do Brasil e a forma como

    os brasileiros se veriam a si prprios.

    interessante notar que, embora a disciplina de Histria do Brasil tenha sido inserida no

    currculo oficial somente a partir de 1880, a preocupao com a construo de uma memria

    nacional j aparecia de uma forma (informal ou no) sistematizada em obras para o pblico

    letrado j a partir dos anos finais da dcada de 1850 quando h um crescimento do numero de

    produes e autores, devido a ampliao do publico consumidor. Textos sobre a histria do

    Brasil aparecem inseridos em livros de leitura para diferentes classes escolares.5 Tambm o

    movimento literrio denominado romantismo6 tem uma grande preocupao no sentido de

    resgatar a histria do Brasil e o sentimento nacionalista da populao, uma vez que apresenta,

    como projeto ideolgico, a idia de contribuir para a grandeza do pas atravs de uma literatura

    que fosse o espelho do novo mundo e de sua paisagem fsica e humana. H um sentimento de

    misso: revelar todo o Brasil, criando uma literatura autnoma que expresse e defenda o pas.

    A ligao entre as duas produes (literria e histrica) no aparece s nas

    preocupaes nacionalistas que vo marcar todo este movimento literrio. Muitos historiadores

    transitam livremente entre os dois tipos de produo. Um exemplo Gonalves de Magalhes,

    um dos fundadores da revista Niteri, que o lado de Joaquim Manuel de Macedo, Gonalves

    Dias e Francisco Adolfo Varnhagen, considerado o fundador da historiografia brasileira,

    passaram a freqentar o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, em cuja revista divulgavam

    suas idias. A proteo de D. Pedro II ao Instituto fortaleceu o grupo de Gonalves de

    Magalhes, que ficou conhecido por seu vnculo com o Imperador.

    So esses intelectuais que vo ser chamados pelas casas editoriais produo

    histrico-didtica, preferencialmente os scios do IHGB e professores do Colgio Dom Pedro II.

    A produo destes materiais era livre, mas havia um conjunto de normas a ser seguido.

    Essa aparente liberdade dada aos escritores acabava justificando a forte fiscalizao feita

    depois, que vetava, autorizava ou no a publicao, exigia mudanas e se responsabilizava

    pela distribuio dos mesmos, uma vez enquadrados nos esquemas estatais.

    5 Bittencourt, Circe, op cit. 6 O Romantismo foi o estilo literrio que perdurou no Brasil desde 1836 at 1881 (ano da publicao de O Mulato e Memrias Pstumas de Brs Cubas). Em 1836, ainda em Paris, esse mesmo grupo, conhecido como o Grupo de Paris, lanou o manifesto romntico na revista "Niteri", Revista Brasiliense de Cincias, Letras e Artes, que pode ser considerado um marco do Romantismo brasileiro, uma espcie de porta-voz dos novos ideais romnticos. Sob o lema "Tudo pelo Brasil, e para o Brasil", os organizadores da revista buscavam dizer o que significava "ser brasileiro", exaltando a busca de temticas nacionais, anunciando assim o projeto nativista, no qual o ndio seria o elemento bsico da brasilidade.

  • Comeam a surgir os grandes autores que se especializavam nos diversos segmentos

    de ensino, e as grandes tiragens, compradas pelo estado e distribudas pelas escolas.

    Circe Bitencourt chama ateno para a importncia que a obra didtica desempenhou para o mercado editorial desde o inicio de sua presena em nosso pas e que a submisso ao

    poder governamental foi marcante para a existncia e conseqente sobrevivncia do livro,

    quando afirma que As editoras se dedicaram a produo da literatura escolar, submetendo-se

    aos poderes educacionais dominantes, a partir das ultimas dcadas do sculo XIX puderam se

    dedicar quase que com exclusividade a este produto cultural. (1993, p.106).

    Alm de chamar a ateno para o papel do manual didtico nas vendas desse

    segmento, nos traz dados sobre as tiragens do perodo, que, enquanto nos livros de literatura

    dificilmente atingia o patamar de mil exemplares por ano; chegava at seis mil por ano nos

    manuais do ensino primrio.

    Parte da distribuio dos livros dentre os diversos segmentos do ensino eram de

    responsabilidade do poder pblico, ainda que no houvesse uma ao constante e uniforme no

    que se refere a compra destes livros. Afinal alm do estado ter o poder de credenciar as obras

    escolares ele era tambm o principal comprador de livros para os alunos pobres7 prtica que

    se avolumou com o advento da repblica.

    importante salientar, porm, que na medida em que a prpria obrigatoriedade do

    ensino no tenha se concretizado, a distribuio dos livros para os alunos tambm no chegou

    a efetivar-se de forma permanente, dependendo das disposies oramentrias dos

    presidentes das provncias ou ainda, figurando como um ato poltico, devido ao fortalecimento

    do livro didtico como depositrio privilegiado do saber escolar8. Embora a distribuio do

    livro ainda aparecesse de uma forma difusa no que diz respeito ao poder poltico, j nessa

    poca surgiram autores e obras considerados importantes por sua longa durao pelas

    editoras, por sua caracterstica de tiragens e emprego freqentes nas escolas.

    ROCHA POMBO E SUA PRODUO DIDTICA E HISTORIOGRFICA

    Jos Francisco da Rocha Pombo, um escritor paranaense, da cidade de Morretes.

    Envolvido desde cedo com a poltica local, considerado um literato e jornalista de singular

    importncia tanto na Histria local, como na histria da intelectualidade brasileira.

    7 Bittencourt, Circe, op cit p.120 8 idem, ibidem, p. 121.

  • Rocha Pombo iniciou a sua obra historiogrfica com o livro Histria da Amrica, em

    1899. Em 1905 d entrada a publicao de grande flego, uma Histria do Brasil em dez

    volumes.

    Alguns dos compndios de Histria do Brasil que escreveu tornaram-se best sellers

    alcanando um nmero expressivo de edies. Entre esses livros, destaca-se a histria que

    escreve para as classes primrias intitulada Nossa Ptria, narrao dos factos da Historia do

    Brazil, atraves de sua evoluo, com muitas gravuras explicativas. Esse livro, publicado pela

    primeira vez em 1917, permanece no catlogo da Cia. Melhoramentos de So Paulo at 1970,

    contabilizando um total de 88 edies e 452 mil exemplares impressos.9 Escolas paranaenses

    registram a utilizao deste livro em dirios de classe da dcada de 5010, poca em que parte

    deles j era comprada pelo governo para ser distribuda nas escolas.

    O mesmo acontece com outros dois livros seus destinados ao ensino: Histria do Brasil

    para o ensino secundrio e Histria do Brasil, que encontram reedies at meados da dcada

    de 60.

    Num trabalho que busca estudar a questo da tradio em livros textos de histria,

    Rocha Pombo se revelou uma fonte intrigante, pois, mesmo as constantes reedies no

    alteraram a sistemtica e o texto de sua obra. Captulos eram acrescentados por Olavo Bilac,

    Helio Vianna entre outros, mas o texto base permaneceu sem grandes modificaes. Embora

    no seja possvel verificar a relao que se estabeleceu entre os professores e a produo de

    Rocha Pombo, ou mesmo seu grau exato de insero nas escolas brasileiras, seu grande xito

    editorial e as constantes reedies permitem sup-lo como portador de um discurso aceito e

    reconhecido editorialmente, no que diz respeito produo didtica.

    A ligao de Rocha Pombo com a produo historiogrfica se dar em um perodo de

    sua vida denominado exlio, por Queluz (1998, P.4)

    Em 1897, transferiu-se de forma definitiva para o Rio de Janeiro. O exlio chegara. Na capital federal iniciara sua obra de historiador com Histria da Amrica, em 1899, e Paran no Centenrio em 1900. Em 1905 publicou o importante romance simbolista No Hospcio, mesmo ano em que inicia a publicao de sua extensa Histria do Brasil, em dez volumes. Em 1911 vem a luz Contos e Pontos em 1918 Histria de So Paulo, e Notas de Viagem. Em 1922, Histria do Rio Grande do Norte e, em 1930, Histria do Paran.

    9 LUCHESI, Fernanda. A histria como ideal: reflexes sobre a obra de Jos Francisco da Rocha Pombo; So Paulo, 2004. (dissertao de mestrado) 10 De acordo, por exemplo, com registros da escola Grupo escolar Jesuno Marcondes Hoje Colgio Estadual, da cidade de Palmeira Paran.

  • Dois paranaenses so os principais bigrafos de Rocha Pombo: Valfrido Pilloto e Nestor

    Vtor, ambos intelectuais paranaenses, que enfatizam a importncia do autor como produtor de

    conhecimento historiogrfico.

    Brasil Pinheiro Machado outro autor que se detm nas obras de Rocha Pombo,

    ressaltando que o povo e no o heri11 eram os personagens privilegiados em sua narrativa.

    Para Queluz, Rocha Pombo vai refletir em suas obras historiogrficas a procura da elite

    por uma identidade brasileira. Em sua resposta a essa questo, nosso autor vai se opor

    tendncia historiogrfica positivista, dar uma viso dessa histria tendo como eixo o que ele

    chamou de histria de um povo ou no dizer de Pinheiro MACHADO: a violncia social que

    fundamentava toda a organizao histrica do povo brasileiro e a conseqente luta pela

    libertao12. Para Pinheiro Machado, Rocha Pombo vai resgatar a viso romntica da

    histria, seguindo o princpio de que a histria humana antes de tudo uma histria de luta pela

    liberdade.

    A idia das utopias romnticas como dotadas de uma viso da histria determinada, que

    busca fazer falar o povo e sua relao com a idia de nao , assim referida por Saliba:

    Difcil resumir como esses homens, hbeis no seu exerccio de conceber o transcendente, concebiam a nao este ser dotado de corpo e de alma, de alma mais do que de corpo... Presos a cadeia de suas opes passadas, os homens faziam a histria: individualmente, seguindo os ditamens de seus impulsos e paixes, mas coletivamente, obedecendo a um poder annimo irresistvel. Ao gosto dos historiadores romnticos eis a a nao, ligada a esta espcie de sabedoria oculta da histria que se expressava nas realizaes coletivas dos homens atravs dos tempos. (p.63)

    Neste sentido, este povo, tomado como o grande ator da histria escrita por Rocha

    Pombo alm de ser compreendido de maneira diferente da que vemos hoje, traz a idia dos

    historiadores romnticos, que ainda preocupados com o povo, traziam a idia de que ele era

    mais um realizador da mesma do que diretamente responsvel por ela.Pinheiro Machado divide

    esse conceito de acordo com a poca histrica em que Rocha Pombo estava inserido, quando

    o identifica como: camadas oprimidas da populao no perodo colonial, enquanto no sculo

    XIX, seria o cidado, o homem poltico13. sempre bom lembrar que a despeito de suas

    propostas populares, o conceito de povo que predomina entre os autores e polticos da primeira 11 MACHADO, Brasil Pinheiro. Rocha Pombo. In: Paran no Centenrio, Rio de Janeiro, Jos Olimpio, 1987. P.X 12 Idem, ibidem, p. XVII 13 Idem, Ibidem, p. XIX

  • repblica o conceito liberal tradicional: povo so os que se sustentam por si mesmos, sem

    serem tutelados / assalariados / escravizados por outros. Esto fora as mulheres, escravos,

    crianas, trabalhadores assalariados, de maneira geral.

    Para Brasil Pinheiro Machado, a obra de Rocha Pombo sofreu resistncia na poca em

    que foi lanada pela predominncia do iderio positivista, que se fazia sentir neste perodo, de

    forma que, ainda que traga uma anlise sobre os trabalhos escritos at ento em torno da

    histria nacional, algo que foi louvado por autores que se propunham a criticar Rocha Pombo (

    ainda que o prprio autor defenda a produo historiogrfica no momento em que escreveu

    seu primeiro livro de histria como um dos aspectos mais importantes em sua obra no texto

    que destina a apresentao) por sua tentativa de abordar temas do que Pinheiro Machado

    definiu como uma histria social brasileira, acabou por enfrentar grande resistncia de seus

    pares na ocasio da publicao de sua obra.

    Jos Francisco da Rocha Pombo escolhido aqui, no por suas particularidades,

    biogrficas ou historiogrficas, mas sim como um representante de um modelo ou antes, de

    uma tradio seletiva na explicao da Histria do Brasil. Tradio esta que j se encontra, de

    certa forma consolidada na poca em que nosso autor se prope a escrever sua obra. Rocha

    Pombo vai partir dela em momento de reelaboraes da Histria do Brasil e de seu ensino, uma

    vez que esta a poca de empenho do regime republicano, recm instaurado no incio do

    sculo XX, em busca do estabelecimento de uma memria nacional, via escolarizao, que

    reafirmasse (e legitimasse) o novo regime. A histria nacional vai ser re-visitada com este

    objetivo e o exemplo mais claro deste movimento a reabilitao de Tiradentes que passa de

    traidor a heri da ptria.14 A preocupao que norteia de modo geral o estado, em investir na

    educao e na produo da histria ptria, ecoa nos intelectuais apoiados para tal empreitada,

    ainda que por motivos diversos.

    A escolha deste autor, conforme exposto anteriormente, no se deu de forma aleatria,

    mas por uma particularidade: Ele o nico autor deste perodo que se dedica a duas frentes de

    produo do conhecimento historiogrfico. A primeira, chamada por Valfrido Pilotto de obra de

    grande flego um compndio de historia do Brasil, escrita em dez volumes. A segunda,

    publicada depois de concluda esta grande obra, so os livros destinados ao pblico escolar,

    voltados a trs nveis diferentes de ensino: primrio, secundrio e o preparatrio para o curso

    superior. No prefcio da 20. edio deste ltimo, Olavo Bilac apresenta o autor:

    14 Ver a este respeito: o Mito do Heri Nacional, O ensino de histria e a criao do fato.

  • Trs livros da maior valia deve a literatura didtica nacional ao grande mestre que foi Rocha Pombo: um deles: Nossa Ptria, especialmente preparado para o curso primrio; outro,Histria do Brasil destinado ao primeiro ciclo do ensino secundrio; e enfim, a presente obra que, com especial proveito pode ser utilizada tanto pelos candidatos aos cursos superiores e estudantes das faculdades de filosofia, quanto de bibliotecas.

    Este transitar de Rocha Pombo, pelos diferentes tipos de produo nos permite

    perceber como o mesmo autor seleciona os contedos que vo marcar a mediao entre o

    conhecimento erudito (marca de sua grande obra Histria do Brasil) e o conhecimento escolar

    presente nas outras trs.

    Segundo Brasil Pinheiro Machado, embora Rocha Pombo se preocupe em mudar o foco

    de escrita da histria j consolidada e reconhecida em sua poca, mantm a estrutura bsica

    proposta por Varnhagen, no sculo anterior, estrutura essa considerada por muito tempo a

    verdadeira espinha dorsal do entendimento dos intelectuais sobre o pas. De fato, seu profundo

    grau de insero foi muito criticado, ao mesmo tempo que era descrito como uma base

    irrefutvel, sendo chamada por exemplo, por Capistrano de Abreu de um grande quadro de

    ferro em torno da histria nacional.

    De maneira geral, podemos relacionar a proposta de Varnhagen com alguns princpios

    caractersticos: Um dos pontos mais marcantes o papel do estado entendido aqui como

    governo constitudo uma vez a figura do Estado tomada como a grande centralizadora da

    histria ptria no modelo que ele prope. Isto significa que a histria poltica se torna foco

    privilegiado, uma vez que para ele, o estado que vai garantir a existncia de um pas e de um

    objetivo comum em todo territrio nacional. O pas justamente o grande centro irradiador de

    toda a argumentao da histria do Brasil proposta pelo autor. A independncia se torna o

    ponto alto desta argumentao, o verdadeiro ato fundante de uma nacionalidade antes mais

    sentida do que vivenciada pelos brasileiros, agora diferenciados dos portugueses

    definidamente. Tal percepo vai inclusive marcar outros autores do perodo e acompanhar a

    produo historiogrfica deste tempo. Mesmo autores que divergem na argumentao em torno

    da emancipao e sobre a colonizao portuguesa acabam dando Independncia um carter

    nacionalista porque estavam preocupados em construir politicamente a Nao e traar-lhe a

    Histria. Para eles, a diferena entre brasileiros e portugueses teria se evidenciado com a crise

    poltica gerada pelas medidas re-colonizadoras das Cortes.

    A natureza aparece como ponto definidor de uma identidade. No uma identidade

    ednica, como vo defender os romnticos, mas antes o embate entre o homem e a natureza,

    que ele buscava dominar. Para melhor exemplificar a supremacia europia, o autor se preocupa

  • em descrever a natureza. uma forma de legitimar o dominador, que investia e empreendia o

    progresso.

    Para este autor a percepo de progresso tomada no escopo das idias iluministas,

    uma vez que tal conceito

    nasce do seu prprio presente, e aponta para um futuro diferente da simples repetio qualitativa do passado. futuro aberto, ilimitado e desconhecido, como realizao das potencialidades do presente: por isso, o tempo iluminista identifica-se com o conceito de progresso, do latim pro-gredior, "ando gradualmente para a frente". Sucesso e razo, e tambm contnuo e subjetividade, o conceito de progresso , talvez, a primeira determinao temporal propriamente histrica, moderna, no sentido de que a sua conceituao no pressupe o divino, a teologia e as formas participativas da analogia. Sua inveno no sculo XVIII , tambm por isso, a inveno do "mundo histrico", em que todo futuro objeto de planificao, com a finalidade sempre alegada de realizar-se uma transformao qualitativa da vida. tambm um dos ingredientes bsicos da morte de Deus proclamada por Nietzsche e j formulada em Kant. Por sua vez, aqui que a histria aparece como uma disciplina moderna (...) (HANSEN, p. 40) Este conceito de progresso, como um conhecimento continuado e cumulativo,

    dessacralizado, mantm-se at meados do sculo XX, permanecendo como a noo que

    norteia, at hoje, uma grande parte dos discursos em torno da educao, ainda que para alguns

    historiadores tal modelo j apresente sinais de crise muito antes desse perodo.15

    De fato, a disciplina de histria no sculo XIX vai atuar muito prxima da idia de

    progresso e da funo da disciplina em compreender, identificar e clarificar este processo.

    Odlia E Weling salientam este aspecto do autor chamando ateno para o fato de que

    o estado aparece muito bem amarrado com a idia do progresso, uma vez que ele estado

    que garante esta orientao, que responsvel pelo caminho para este objetivo. E neste vis

    que as aes de seus representantes so vistas. Representantes do estado so tomados na

    argumentao do alemo como os grandes realizadores do Estado como uma forma de

    explicao do caminhar histrico, ou seja, o Estado tomado como explicao e dentro dela, os

    grandes homens que construram, defenderam e mantiveram o governo, acabam constituindo

    uma galeria de heris a serem reconhecidos dentro da histria de cada pas. nos

    representantes do Estado que Varnhagen vai procurar e estabelecer os heris da nao

    brasileira.

    Um de seus aspectos mais criticados est, entretanto no entendimento que o autor tem

    dos ndios: Seu livro est repleto de juzos preconceituosos contra os ndios, que para ele eram

    15 Hobsbawn. Eric, "A Era dos Imprios" (1875-1914), Editora Paz e Terra, Rio de janeiro, 3 edio, 1992, p.375.

  • uma raa em decadncia e explicitamente justificador da escravido e da dominao

    imperial.

    Neste aspecto, ele acaba por se opor a Von Martius que apresentou no seu "Como se

    deve escrever a Histria do Brasil", um tratado contendo todos os pontos e problemas que

    deveriam ser elucidados para a compreenso geral e ampla do Brasil, iniciando a idia de uma

    cooperao entre as diferentes raas presentes no povo brasileiro. Ele foi o primeiro a

    salientar a importncia do ndio e do negro, a necessidade de se conhecer mais a fundo os

    costumes, a lngua e a mitologia indgena, a falta de elementos cotidianos do colono portugus

    e do escravo africano para a compreenso dos mecanismos coloniais. No entanto, necessrio

    destacar que a incluso de outras raas como responsveis pela construo do pas no

    exclua, segundo Von Martius, a responsabilidade do branco em mostrar os rumos da civilidade,

    posio eurocntrica tpica e esperada. Varnhagen era mais enftico neste aspecto,

    condenando o ndio e o classificando como portador de grandes vcios e sinais de involuo.

    Nilo Odlia, fazendo um balano do significado atual deste autor concluiu que, embora

    sua obra seja considerada como superada no que diz respeito ao conhecimento e a anlise

    histrica que prope, se caracteriza como uma fonte de estudo impar que deve ser decodificada

    para se entender um momento primordial na histria poltica do Brasil, de onde se organiza toda

    uma base para a formao de determinada ideologia histrica preocupada em legitimar um

    processo de dominao inerente constituio da jovem nao.

    A Histria do Brasil de Varnhagen tem a marca de seu tempo e de seu autor. O tempo

    era o de historiografias comprometidas com a construo das naes, em que os historiadores

    explicitavam seus interesses e compromissos sempre heterogneos e particularistas.

    Assim, houve historiadores, como Jules Michelet (1798-1874), na Frana, e Joaquim

    Oliveira Martins (1845-1894), em Portugal, que se colocaram, apaixonadamente, como

    defensores das camadas populares. Outros, como Heinrich von Treitschke (1834-1896), na

    Alemanha, e Varnhagen, no Brasil, defenderam de modo intransigente os interesses das elites

    dominantes, em uma historiografia sem iseno, neutralidade e imparcialidade, mas que se

    dizia neutra, isenta, imparcial, enfim, verdade, cientfica, documentada. Leitura essa praticada e

    defendida por grande parte dos intelectuais brasileiros.

    A leitura da histria empreendida pelo IHGB foi marcada por um duplo projeto que

    visava, dar conta de uma gnese da Nao brasileira, inserindo-a ao mesmo tempo numa

    tradio de civilizao e progresso j consolidada (representada aqui pela Europa) numa

    reafirmao desses dois valores (de civilizao e progresso) to presentes no iluminismo. A

  • Nao, cujo retrato o instituto se propunha a traar, deveria, portanto, surgir como

    desdobramento, nos trpicos, de uma civilizao branca e europia. Tarefa sem dvida a exigir

    esforos imensos, devido realidade social brasileira, muito diversa daquela que se tinha como

    modelo.

    A preocupao com a unidade foi uma das primeiras inquietaes do grupo intelectual,

    e o modo de naturaliz-la foi entend-la como inerente ao prprio pas. Neste sentido, Jos

    Honrio Rodrigues, um respeitado historiador brasileiro, argumenta, com convico, que a

    nao j havia existido h muito tempo. De acordo com ele, D. Pedro I descobriu que os

    brasileiros estavam animadamente preparados para endossar sua declarao de independncia

    do Brasil e que permaneceram unidos, a partir de ento, por um sentimento nacional. O autor

    refere-se ao sentido profundo da nossa histria nacional: A unidade o tema central. a

    motivao permanente. Continua Jos Honrio Rodrigues: Desde o princpio a unidade foi

    uma aspirao partilhada por todos. E acrescenta ainda: O sonho de um Brasil, nico e

    indivisvel, dominou todos os brasileiros [demonstrando] (...) o orgulho nacional nascente.

    Rodrigues segue a trilha aberta por Manuel de Oliveira Lima (1867 1928), quem afirma que,

    antes da separao de Portugal, o Brasil j tinha seu objetivo: aquilo que j passara a ser,

    expressa ou latente, sua aspirao comum (...) --a independncia.Essa viso apareceu nos

    primeiros trabalhos publicados pelo prestigiado e semi-oficial Instituto Histrico e Geogrfico

    Brasileiro, criado por Dom Pedro II, a partir de 1839, e recorre em histrias intelectuais, tais a

    que E. Bradford Burns escreve sobre o nacionalismo brasileiro: O crescimento da conscincia

    nacional (...) teve seu triunfo inevitvel na proclamao da independncia do Brasil (...) o Brasil

    apareceu e cresceu como uma nao unificada graas, pelo menos em parte, ao nativismo viril

    ou nacionalismo precoce. Esse sentimento nacional e sentimento de devoo sua terra

    natal, acrescenta Burns, ajuda a explicar porque aquele gigantesco pas, diferente das outras

    enormes reas administrativas da Amrica Latina colonial, no se fragmentou aps a

    independncia.

    A passagem do sculo XIX para o sc XX traz uma nova preocupao para a

    intelectualidade brasileira: trata-se da questo da unidade: a formao nacional. Esse interesse,

    contudo, estava sendo suscitado, no perodo, por dois processos sociais mais amplos nos

    quais, na verdade, o prprio pensamento social brasileiro da ocasio se constituiu como corpo

    de conhecimento relativamente ordenado: a construo do Estado-nao e a modernizao

    capitalista (IANNI, 1993: 433).

    Esta constituio se d em um perodo de relaes antagnicas:

  • A sociedade brasileira do perodo tem uma base industrial agrria, mas a vida urbana

    tem um maior crescimento; na cidade, encontra-se um nmero expressivo de indstrias, mas

    o caf (e a agricultura, portanto) que dita os rumos da poltica econmica; crescem os servios

    pblicos, mas seu alcance restrito s cidades, dificilmente atingindo o mundo rural; A

    representatividade poltica est na mo de profissionais liberais e militares, que so

    personagens urbanos, mas os sustentculos desse processo so os fazendeiros; A

    modernidade encontra seu espao na cidade, tangida, em geral, pelos filhos de ricos

    proprietrios rurais proprietrios esses, defensores da tradio, representantes de um grupo

    fechado e patrimonialista, e, portanto, inatingvel por esse tipo de movimento. Esse era um perodo de redefinies que abriu diversos tipos de discusses entre os intelectuais brasileiros.

    Uma das principais vertentes em que se abriu no perodo, foi o debate sobre a formao

    do povo e, conseqentemente, sobre as formas de organizao da sociedade, foi a chamada

    questo racial (BASTOS, 1996: 79).

    Sob o influxo do naturalismo, em geral, e do darwinismo social, em particular, o biolgico

    foi adotado no perodo como modelo epistemolgico cientificamente legtimo de explicao da

    realidade social, configurando, assim, idias como a de uma luta universal dos organismos pela

    sobrevivncia e, derivao necessria, de uma hierarquia natural que dividiria a humanidade

    em raas superiores e inferiores. Tomando esses dogmas como leis cientficas, no apenas a

    intelectualidade brasileira, mas a latino-americana em geral, formulou uma srie de diagnsticos

    sobre o trgico destino reservado s naes egressas do sistema colonial em funo das suas

    constituies tnicas teses aprendidas no Ensaio sobre a desigualdade das raas (1853) do

    publicista do colonialismo europeu Arthur de Gobineau (1816-82).

    No Brasil, a convico de que a mestiagem constitua a base particular da formao da

    sociedade j era, no entanto, mais antiga. Remonta ao naturalista bvaro Carl Friedrich Philipp

    von Martius (1794-1868), vencedor do concurso de melhor plano para a histria do Brasil

    promovido, em 1840, pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.

    A idia do moderno, a busca pela ruptura, pelo novo, pelo genuinamente brasileiro, vo

    estar em pauta nas discusses intelectuais deste momento, e os intelectuais do perodo tem

    uma forte perspectiva de misso.

    As diversas correntes de idias, dentro de seus padres de pensamento e atuao se

    concentraram em um ponto comum do momento de crise: a civilizao urbano industrial versus

    a sociedade agrrio-comercial. Na medida em que defendiam o modelo industrial formularam e

    disseminaram novos padres culturais.

  • diante deste quadro de modificaes - que atingem os setores econmico, poltico,

    social e cultural - que se deve levar em conta a escolarizao em suas variadas facetas. A

    escolarizao seria um dos elementos do subsistema cultural que se estabelecia no

    perodo.16.

    A educao entra em pauta, nesse momento, por diversos aspectos. De um lado existe

    a crena de que, pela multiplicao das instituies escolares, da disseminao da educao

    escolar, grandes contingentes da populao seriam incorporadas em uma espcie de senda

    do progresso nacional.

    Existia a crena de que pela reforma do homem, poderia se reformar a sociedade, ou

    ainda, resgatar o povo, que a mestiagem fazia menos favorecido, segundo as teorias da

    poca, dos vcios que lhe seriam inerentes. Ao mesmo tempo, atravs da mesma educao

    procurava-se romper com os valores rurais que definiam o pas em favor da modernizao

    representada pelas cidades, pela indstria, pelas estradas de ferro. A nova realidade pedia um

    novo brasileiro, e. desta forma a educao passou a ser uma das preocupaes centrais, de

    uma sociedade em busca do novo. Valores do republicanismo se propagam, e um dos

    principais era justamente a tese liberal que apontava a ignorncia como grande causa das

    crises nacionais.

    Por isso, um grande contingente de intelectuais toma, nesta poca, como uma espcie

    de misso a necessidade de levar o conhecimento ao povo, sendo atravs da defesa e da

    construo de escolas, seja atravs de produes que tinham o ensino como alvo. Ensino que

    buscava uma redefinio da idia de trabalhador ideal, e essa tambm uma das faces de

    procura por uma identidade nacional.

    Junto com a questo da modernidade outra preocupao aparecia para os intelectuais

    do incio do sculo XX, que era a mudana do regime poltico. Uma mudana que precisava ser

    legitimada pela histria e alcanar o povo, que assistira bestializado grande parte da

    movimentao poltica que se deu na poca.

    O novo regime procurou sistematizar o ensino pblico e apoiar os estudos em torno de

    nossa histria, o que ajudaria a validar o novo regime.

    nessa poca que Rocha Pombo comea a escrever sua obra de histria do Brasil e

    tambm, partilhando deste senso de responsabilidade e do entusiasmo pelo progresso, que ele

    se volta produo de obras didticas, anos depois.

    16 NAGLE, Jorge. Educao e sociedade na Primeira repblica. IBEP, 1985

  • A primeira e mais extensa obra de nosso autor tem inmeras publicaes.17 A primeira,

    em 1908, saiu em captulos em 10 grandes volumes, iniciados no ano citado. Inmeras outras

    formataes ao texto foram encontradas. Em Curitiba, a obra saiu em formato de revista,

    publicada por captulos, em mais de 20 volumes. No se sabe se a casa editora concluiu a

    obra, pois nem todos foram encontrados.

    Entre as dcadas de 20 e 30, encontramos edies do mesmo texto, suprimindo

    dependendo da casa editorial a introduo proposta pelo autor. na introduo que Rocha

    Pombo apresenta os princpios norteadores de sua obra. Estas edies apresentam-se em 4, 5

    ou 6 volumes de capa dura, dependendo da casa editorial. A partir deste momento, esta vai se

    tornar a formatao mais comum, que permanece como um padro aos livros editados

    subseqentemente, at a ltima edio localizada pela pesquisa, datada do ano de em 1967.

    O autor no se preocupa em situar ao pblico leitor obras e documentos de referncia.

    Preocupa-se, no entanto em fazer conhecer ao leitor seu entendimento sobre o que a histria

    e a funo do conhecimento historiogrfico. Esta preleo vai estar situada na introduo de

    seu livro, presente nas primeiras edies de Histria do Brasil, e ao longo dos anos suprimida

    pelas novas edies ou substituda por uma carta de apresentao do autor.

    Nesta introduo, Rocha Pombo comea por salientar a importncia do estudioso da

    histria sempre entend-la em relao ao meio geogrfico em que ela se desenvolve. Para o

    autor, justamente na relao do homem com a terra que a histria acontece:

    Os dois fatores da histria so: o homem e a terra. So os dois os grandes objetos que tem diante de si aquele que se prope a estudar uma civilizao ou mesmo dar notcia de um povo. fcil de ver que si no meio da mesma natureza si abandonassem trs indivduos cada um com o mximo de apitides caractersticas e prprias da respectiva raa, mas um inglez, outro syrio e o terceiro chim: fcil de imaginar que esses trs indivduos no seguiriam o mesmo caminho, nem venceriam esta natureza do mesmo modo e com igual sucesso. Tambm certo que si pozessemos um inglez na Islndia outro inglez na Hespanha e um terceiro inglez no Valle do Zambize ou numa das Molucas: certo que poderamos prever com uma segurana quase absoluta qual delles teria mais probalidade de ytirar mais proveitos do seu esforo. Isto quer dizer que sem um confronto dos dois elementos no h histria possvel e que estudar o outro, ao mesmo tempo e com igual solicitude seria o mesmo que pretender traar uma diagonal sem conhecer os dois vrtices opostos(...)18

    17 Entre as principais editoras e editores que se ocuparam em editar as obras voltadas a Histria de Rocha Pombo, esto: Benjamim de Aguila; Weiszflog Irmos;. J.Olympio; Renascenca Portuguesa; Leuzinger; J. Fonseca Saraiva; W. M. Jackson, mais tarde transformada em Editora Melhoramentos, responsveis pelas ultimas edices encontradas do autor; 18IINTRODUO, P.xii

  • Deste modo, percebemos que o ponto de partida, na argumentao de nosso autor est

    na relao que o homem estabelece com a natureza, relao esta marcada pela dominao

    pela superao, e no pela convivncia entre elas. Ao contrrio, a natureza algo a ser

    vencido pelo homem. Para entender a luta deste homem cabe ao historiador partir de um

    conhecimento consistente de que natureza essa, quais as suas particularidades, j que ao

    mesmo tempo determinante e determinada nas relaes sociais que se estabelecem no pas.

    A natureza um dado sempre presente nas discusses historiogrficas do perodo. De

    fato, ela vai acabar por representar um dos aspectos em torno do qual se constri nossa

    identidade nacional. Esta identificao e a proposta de constru-la, vai estar presente nas

    preocupaes e artigos produzidos no interior do IHGB, bem como entre os literatos,

    estudiosos, polticos e tambm no imaginrio daqueles europeus que para esta regio vieram,

    j que tinham inmeras lendas a respeito de parasos terrenos no alm mar.

    Na obra historiogrfica se cria uma dicotomia em torno desta natureza. De um lado ela

    representa o selvagem a ser subjugado e transformado em nome do progresso. Varnhagen, por

    exemplo, vai salientar o valor dos primeiros europeus que aqui se estabelecem por terem

    enfrentado este aspecto hostil: uma natureza desconhecida, repleta de perigos e com uma

    selvageria que devia ser dominada. Rocha Pombo, salienta que, embora a raa determine os

    rumos de que cada homem vai tomar, a natureza tambm vai ser responsvel muito direta

    pelos resultados a que se consigam chegar.

    Uma outra posio a ser tomada com esta natureza a de resgatar a idia de idade de

    ouro que essa mata virgem representa. Aqui ela ocupa lugar em um passado mtico, de

    pureza, onde o seu maior smbolo. Tal concepo embora seja muito mais explorada por

    literatos do perodo, especialmente pelos representantes do Romantismo Brasileiro, vai acabar

    permeando o posicionamento dos historiadores no tratamento que dado a questo de nosso

    ambiente natural.

    De uma forma ou de outra, tal caracterstica aparece como uma das primeiras

    definidoras da identidade e das especificidades desta terra que comea a se delinear nas

    Devido ao grande nmero de citaes do autor inseridas no texto, tornou-se necessrio algumas definies: Depois de observar grande nmero de edies das obras de Rocha Pombo e constatar que no apresentavam diferenas de texto, entre as mais antigas edies e as mais recentes, seno de ordem ortogrfica, tomou-se, para este estudo dois exemplares de sua obra historiogrfica. Do primeiro, livro de 1910, consulta-se a introduo, sempre referenciado pelo nome em caixa alta e seguido da pgina, em nmeros romanos, como o original. No que diz respeito obra histria do Brasil toma-se para consulta, uma obra de 1935, publicada por W.M. Jackson Editores So Paulo dividida em 5 volumes. Sempre referenciadas pelas iniciais do autor, o volume e a pgina da citao.

  • descries de nosso autor: a natureza uma das primeiras marcas usadas para identificar o

    Brasil e tambm naturalizar seus limites, na medida em que, quando se referem aos outros

    pases e comunidades, a natureza no evocada. Ela vai separar os Brasileiros, dos outros.

    Em seu compndio, a natureza, constantemente evocada em todo o texto vai ser objeto

    de uma anlise mais aprofundada em dois dos captulos iniciais: O Captulo III denominado A

    Terra e o captulo IV denominado Os trs reinos da Natureza.

    Na construo dos captulos j fica clara esta relao de natureza cu x natureza

    inferno. No captulo III, quando se ocupa do ambiente natural, aparece, primeiro, a

    especificidade da natureza como definidora de novos limites, diferentes das fronteiras de

    direito: (...)"com o tempo, aconteceu o que era natural: a conquista alterou completamente a

    conveno que se havia feito (...)19 a natureza se opunha a linha astronmica que tinha uma

    correspondente geogrfica difcil de fixar.20

    Seguindo esta perspectiva, o elemento delimitador do pas se encontra em sua

    geografia, e toda a conquista apenas um reconhecimento, uma verdade revelada pelos

    acontecimentos que vo se seguir. A natureza deste den se impe aos conquistadores que se

    quedam aos limites naturais frente impalpabilidade de uma conveno astronmica.

    Logo em seguida, o autor passa a elencar as vicissitudes da terra: o clima, os acidentes

    geogrficos, as epidemias.

    Aqui, embora Rocha Pombo tenha sido identificado com Varnhagen por seus

    contemporneos e sua argumentao se aproxime a do autor alemo em muitos momentos,

    eles diferem. As vicissitudes to exploradas por Varnhagen para legitimar a superioridade de

    branco-portugus-conquistador so amenizadas por Rocha Pombo, que chega mesmo a

    relacionar as dificuldades da colonizao a partir do sculo XVIII com uma ocupao

    desordenada.

    Se, os primeiros colonos por mais de um sculo no soubessem o que fosse epidemia21 e a impresso geral dos primeiros habitantes representados, para Rocha Pombo,

    pelos cronistas era de admirao para a excelncia da natureza e para o clima que vinha

    encontrar aqui o adventcio22

    O homem ainda que no deliberadamente vai ser o responsvel pela mudana desta

    natureza:

    19 R.P. Vol I, p.28. 20 Idem, ibidem. 21 RP, Volume I p.45 22 Idem, Ibidem.

  • Depois vieram as grandes agglomeraes: mudaram as condies de existncia, e assim as relaes do homem com a natureza. Ora, nem o prprio colono se apercebeu de que era preciso ir tambm mudando com as novas condies de vida. Eis ahi talvez explicada a apparente anomalia de um meio physico que se tornou peior com o ingresso da civilizao: os que entravam nunca se lembraram de cuidados hygienicos em um paiz onde da natureza mal algum lhes vinha.23 (sem grifo no original)

    Reafirma-se o carter especial paradisaco da natureza, que marca a fundao e a

    construo deste novo pas, o Brasil. Essa identificao do perodo inicial da colonizao e at

    mesmo pr-colonia com uma idade de ouro para o Brasil est presente de maneira geral em

    toda a produo nacionalista brasileira seja ela voltada a histria, seja literria. De fato, a

    natureza constitui carter identitrio para o pas j na literatura romntica, quando os escritores

    insinuam em seus textos as mesmas idias presentes nos relatos dos viajantes, repetindo, at

    mesmo os adjetivos: "grande", "imenso", "vasto den", "paraso".

    Mas, as vises paradisacas sobre o continente americano levam exaltao da imagem do

    Brasil, pois se os viajantes comparavam para poder explicar a Amrica ao europeu, o escritor

    brasileiro comparava para mostrar a superioridade da natureza brasileira sobre a europia.

    Para o historiador, que tomava os relatos como um documento, um testemunho, a

    superioridade era reafirmada servindo como mais um elemento na construo da nacionalidade

    brasileira.

    H que se lembrar que de inicio, a produo historiogrfica caminhou de forma muito

    junto com a produo literria, as descobertas e debates alimentavam ambos os lados, que

    tratavam os dados de forma diferente, ainda que alguns princpios prevalecessem, na

    construo da imagem primordial do pas e do prprio continente americano. Segundo Marilena

    Chau,

    A Amrica no estava aqui espera de Colombo, assim como o Brasil no estava aqui espera de Cabral. No so descobertas ou, como se dizia no sculo XVI, achamentos. So invenes histricas e construes culturais. Sem dvida, uma terra ainda no vista nem visitada estava aqui. Mas Brasil (como tambm Amrica) uma criao dos conquistadores europeus. O Brasil foi institudo como colnia de Portugal e inventado como terra abenoada por Deus, qual, se dermos crdito a Pero Vaz de Caminha, Nosso Senhor no nos trouxe sem causa, palavras que ecoaro nas de Afonso Celso, quando quatro sculos depois escrever: Se Deus aquinhoou o Brasil de modo especialmente magnnimo, porque lhe reserva alevantados destinos. essa construo que estamos designando como mito fundador.24

    .

    23 Idem, Ibidem. 24 CHAUI, Marilena.Mito fundador e sociedade autoritria. p.35

  • Para a autora, a natureza identificada com a idia de paraso um dos elementos

    constituintes do mito fundador e tambm de nossas representaes de identidade. Essa

    exaltao a natureza inclusive um dos postulados do movimento literrio romntico, que na

    tentativa de se afirmar diferente do europeu, que tratava da natureza idealizada, propunha uma

    descrio como trao caracterstico aos autores locais: "A Amrica nos seus diferentes estados,

    deve ter uma poesia, principalmente no descritivo, s filha da contemplao de uma natureza

    nova e virgem[...]".25

    Antonio Candido tambm nos chama a ateno para a questo do descritivo na poesia

    romntica, como um artifcio que devia ser usado pelos escritores para mostrar "os elementos

    diferenciais" na literatura nacional, os quais eram, segundo ele "a natureza e o ndio".26

    Na obra historiogrfica de Rocha Pombo, a natureza vai ocupar dois papeis, que ainda

    que se relacionem entre si, tem construes argumentativas distintas: de um lado ela

    relacionada com a idia de paraso, de um den terreno. De outro, uma parte da argumentao,

    um aspecto determinante na histria que se vai narrar, a natureza que funciona como

    elemento confirmador do progresso, tanto enquanto superao quanto sinalizador natural de um

    avano previsto que passa a se concretizar no desenrolar da histria do pas. Embora, por

    vezes, ele se torne contraditrio na relao que procura sinalizar entre o brasileiro, sua terra

    natal e a natureza que a caracteriza.

    Esta contradio est, por exemplo, no fato do autor se reportar a Thomas Buckle ao

    referir-se a histria colonial. Segundo Buckle, "o aspecto geral da regio" (the general aspect of

    nature), que uma das quatro causas determinantes do carter particular de um povo, influi,

    sobretudo sobre a imaginao, e uma imaginao fortemente desenvolvida engendra as

    supersties que, por sua vez, retardam o desenvolvimento do saber. Esta ao diretamente

    psicolgica particularmente forte nos primeiros estgios do desenvolvimento cultural.

    Aqui se apresenta uma espcie de relao dialtica entre o meio e a raa: o meio faz a

    raa, que modifica aquele: este (novo) meio, atua de maneira diferente na raa que, por sua

    vez, tambm j no mais a mesma, porquanto havia sido modificada pelo meio. desta

    maneira que as influncias mesolgicas elaboradas por Buckle atuariam no ser humano. Em

    cima deste principio de relao do homem com o meio que se fundamentaro afirmaes

    como a de que os primeiros estrangeiros que pisaram em solo brasileiro encontraram uma

    natureza to selvagem que foi capaz de fazer alterar neles suas prprias personalidades,

    25 VARNHAGEN, F. Ensaio histrico sobre as letras no Brasil. P. 22 26 Letras e idias no perodo colonial - Literatura e sociedade pg.89

  • beirando a selvageria; o aculturamento daria-se gradativamente com o desenvolvimento do

    pas.

    Esta afirmao, presente em autores de sua poca, vai marcar o discurso de Rocha

    Pombo nas obras destinadas ao universo escolar, em seus trs volumes, enfaticamente. No

    entanto, adquire contornos mais amenos em sua primeira obra, destinada a academia e aos

    intelectuais.

    Na introduo, onde se preocupa em apresentar ao leitor as bases sobre as quais se

    constroem suas convices e sua argumentao historiogrfica, uma idia sempre vai estar

    muito presente: para ele a histria de um povo acaba por representar a solidificao, fsica, do

    que Rocha Pombo chama de esprito de povo ou esprito de ptria tal categoria que vai,

    intuitivamente reger os acontecimentos em torno de sua solidificao. Assim , por exemplo,

    quando os conflitos coloniais unem ndios, negros e brancos, tal esprito de ptria se

    manifestava, ainda que sem a conscincia de muitos de seus participantes e confirmadores. Da

    mesma forma, dessa maneira que nada em histria perdido ainda que no possa ser

    recuperado pela figura do historiador. Para eles, os acontecimentos so como entidades que

    pairam e acabam contribuindo, mesmo de forma inconsciente para que se caminhe rumo ao

    progresso. Isso fica claro em afirmaes como o esprito de outras raas mesmo que extintas

    se incorporam na alma do mundo e sua experincia contribui para o progresso humano27

    Neste sentido, pode se aproximar construo da lgica histrica empreendida por

    Rocha Pombo da filosofia Hegleliana, uma vez que na Filosofia da Histria, Hegel pressups

    que a historia da humanidade um processo atravs do qual os seres humanos tem

    empreendido um progresso espiritual e moral e conseqentemente avanado seu auto-

    conhecimento. A histria deste modo teria um propsito. Alguns historiadores encontraram sua

    chave na operao das leis naturais de vrios tipos. A atitude de Hegel, no entanto, apoiou-se

    na f de que a histria a representao do propsito de Deus e que o homem tinha agora

    avanado longe bastante para descobrir o que esse propsito era: ele a gradual realizao da

    liberdade humana.

    A idia da histria como uma cincia guia, um modelo a ser seguido vai permear o

    entendimento que Rocha Pombo tem da histria, e, neste sentido tambm que ele se

    posiciona ao tratar da figura do governo, que representaria o ponto mximo do esprito de um

    povo que o que para ele mantm a legitimidade do poder. Na argumentao de Rocha

    Pombo, esta legitimidade percebida pelo historiador atravs do que ele chama de leis 27 INTRODUO, P.VI

  • histricas,28 que so definidas a partir de leis sociais. Para exemplificar esse principio, comenta:

    o progresso contnuo e indefinido do esprito humano e, portanto o prprio desenvolvimento da

    civilisao no planeta uma lei histrica no poderia sustentar, porm, que seja uma lei

    social. Este progresso seria, regido pela atividade intelectual, e, por conseguinte, o autor se

    abstm de relacion-lo como uma lei social.

    Frente a essas leis, a funo do historiador seria estabelecer um nexo, uma relao

    com o que ficou para trs. Tanto de outras civilizaes quanto na mesma29. No seu

    entendimento o trabalho do historiador estaria associado com o de um naturalista com a

    diferena de que os seus materiais so os registro, as leis, de onde extrai os vestgios da

    histria humana.

    Acha, entretanto que sua histria no pode constituir uma histria da civilizao

    brasileira j que:

    (...)por enquanto estamos todos reagindo contra os males e vcios do regimem colonial. No necessrio ter muito tino histrico para comprehender que nem a physionomia poltica do continente definitiva, isto que ainda est por se fazer aqui a integrao das nacionalidades. (...) Nunca foi possvel na Histria fazer-se uma grande nao sem unidade, no apenas de lngua, de raa, mas principalmente sem unidade de temperamento, de tendncias de esprito.30 Esta declarao parece completamente paradoxal com o propsito a que se propunham

    historiadores da mesma poca da Rocha Pombo. Ao mesmo tempo em que se preocupa em

    identificar o perodo colonial com a idia de paraso, fecha suas reflexes de modo fatalista, em

    que a falta de unidade aparece como um entrave e o modelo vivido chamado de superao

    dos vcios coloniais. A mesma colnia de natureza paradisaca, referida anteriormente,

    aparece muitas vezes em luta contra os vcios que so imputados a ela.

    Tal posicionamento do autor est muito relacionado com o momento de sua produo. O

    livro Histria do Brasil foi terminado e publicado em meados de 1908. Pode-se consider-lo

    como uma obra escrita num momento de transio poltica, de governo, pois a repblica

    brasileira tinha sido instaurada em 1889, ou seja, dezenove anos antes.

    A leitura da histria enquanto legitimao do presente, carregada, portanto, de sentido

    poltico, sem dvida um aspecto importante do projeto historiogrfico Brasileiro. Mas se na

    ocasio da fundao do IHGB e das primeiras tentativas em se escrever a Histria do pas o

    historiador, na qualidade de esclarecido, deveria indicar o caminho da felicidade e realizao

    28 INTRODUO, P. VI 29 idem, ibidem 30 INTRODUO, P. VIII

  • aos seus contemporneos: fiis sditos da monarquia constitucional e da religio catlica, com

    a repblica parte desta argumentao teve de ser revista, para que o povo se identificasse com

    a o novo regime, o estado, a laicizao poltica.

    A monarquia passa ento a representar o atraso, superado pela repblica. No cabe

    aqui, entretanto um argumento por demais condenador desta prtica. Tal questo tem dois

    aspectos que trazem o debate. Um a funo e objetivos da histria na poca em questo, e

    para, alm disso, a prpria concepo dos autores que por mais que apregoassem uma histria

    desligada de juzos de valor, ao mesmo tempo, eram filhos de seu tempo e emitiam seus

    valores, indireta e inconscientemente. No se pode relacionar tal posicionamento da

    historiografia com um princpio maquiavlico, mas tambm no cair ao extremo de ignorar a

    mudana de posicionamento e concepo que se operava no perodo.

    A obra de Rocha Pombo bastante complexa, e permite diversas argumentaes.

    Ligado aos valores do historicismo, sua obra procura abarcar o maior nmero possvel de

    informaes, e isso especialmente no que diz respeito a histria colonial, que aparece em trs

    dos cinco volumes analisados. Percebeu-se que alguns elementos aparecem com uma fora

    maior do que outros. A importncia da natureza como elemento identificador do pas, por

    exemplo, um dos grandes fios condutores de sua viso histrica. Junto com ela, a idia de

    progresso como inerente ao desenvolvimento das sociedades, o que faz com que a

    argumentao apresente a sociedade brasileira num crescente, salientando as renovaes

    tecnolgicas. A importncia do carter mestio como grande definidor da brasilidade, no que se

    convencionou chamar de mito das trs raas. Dentre elas a importncia de se estudar o ndio,

    que era visto como o brasileiro original e, portanto elemento legitimador do pas ainda que

    enquanto objeto de estudo fosse visto com um olhar antropolgico.

    Rocha Pombo tambm se propunha a trazer o povo para a histria. ao povo brasileiro

    que dedica seu livro, e diferenciado de seus pares na poca devido a esta concepo. Sua

    obra recorre muitas vezes a descrio de pessoas, tomadas como motor da histria. Nomes

    so citados constantemente e as aes que resultam em mudanas na grande maioria das

    vezes so tomadas como aes pessoais. Assim, todos os capites - mor so nominados, bem

    como alguns soldados, padres, escravos.

    Sua forma narrativa faz com que sejam essas as pessoas que se preocupem, pensem e

    sintam o pas. Todo o texto traz essa marca. O que separa intervenes significativas, no

    entanto, a concordncia das pessoas com o esprito nacional. Assim, governantes depostos e

    revolues no levadas a cabo, no esto de acordo com tal esprito. Muitas vezes, como

  • quando explica a invaso holandesa, o povo que lutava, embora ligado esse esprito no tem

    exata noo do sentimento de nao que j existia e os chamava a luta31. O recurso do heri

    largamente utilizado, e existe toda uma construo argumentativa os ligando aos momentos

    decisivos de nossa histria.

    O autor se preocupa com diversos pormenores da vida da colnia: salrios pagos,

    comidas tpicas, costumes, a mudana que as lutas operam e lamenta a falta de estudos que se

    centrem em como a cultura europia se modificou no processo da migrao frente a esta nova

    nao que para ele se fazia presente em esprito e que foi levada ao cabo pelos homens de

    seu tempo, ainda que atravessando os vcios e a barbrie da colnia, e destruindo a natureza,

    so identificados com o caminhar da nova nao rumo a um progresso, ou de uma histria que

    produzia por si mesma uma civilizao e uma cultura.

    O grau de permanncia da obra de Rocha Pombo, relativamente longo. Entretanto, no

    corresponde ao nico modelo didtico em voga e uso no perodo. De fato, o processo de

    desenvolvimento da disciplina de histria nos livros didticos acompanha o que Schimidt

    chamou de pedagogizao da didtica da histria.(Schmidt, 2004), o que traz para o mbito da

    produo didtica novas demandas de construo, que vo se especializando ao longo do

    tempo. De um lado a preocupao com um livro, agora voltado ao educando e portanto,

    frisando exerccios e atividades. De outro, a discusso acadmica, re-significada, que acabava

    concentrando, no texto didtico, a sntese e as informaes de nvel econmico e poltico.

    A industrializao crescente vai enxuagandoo espao do conhecimento histrico em

    sala de aula e a percepo ufanista e herica vai se diluindo, especialmente depois do perodo

    do estado novo. As modificaes, especialmente no sentido editorial, so refreadas, no perodo

    da ditadura, que lana mo dos antigos livros, para as escolas, sem uma poltica sistemtica de

    renovao. Isso faz com que, no perodo justamente posterior, sobretudo A partir da dcada 60

    do sculo passado, as pesquisas acerca do livro didtico tenham se iniciado no meio

    acadmico denunciando o seu carter ideolgico, ao trazer,

    subjacente aos textos e imagens, preconceitos e esteretipos acerca de determinados

    segmentos sociais, bem como valores da sociedade capitalista. Nessas abordagens, o livro

    didtico era visto como portador e veiculador de um sistema de valores, de uma ideologia, de

    uma cultura. O grande clssico e referncia para todos os trabalhos que se seguiram foi a obra

    de Umberto Eco e Mariza Bonazzi, Mentiras que parecem verdades, traduzido em diversos

    idiomas. 31 R.P.,vol 2 p.166

  • Esse movimento acaba por acompanhar o processo de profundas reformulaes da

    produo historiogrfica brasileira tanto conceituais e epistemolgicas, resultado em grande

    parte das novas tendncias calcadas na Nouvelle Histoire e na Histria Social Inglesa, que

    elegeram como objeto de estudo temas relativos ao cotidiano, vida privada, s mentalidades

    coletivas, ao imaginrio e s representaes sociais de segmentos at ento desprezados pela

    dita Histria oficial. Essa renovao terico-metodolgica se fez sentir, tambm, no mbito da

    produo didtica.

    Trata-se de um movimento duplo, calcado nas mudanas acadmicas e nas constantes

    reformulaes da poltica do estado voltadas a distribuio e compra dessa produo, agora

    alvo e objeto de estudos da academia.