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o ARTIGO UM SALTO NO ESCURO: UM ENSAIO INTERPRETATIVO SOBRE AS MUDANÇAS TÉCNICAS • TOM DWVER Professor no Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. revolução no campo da informação. A partir de uma leitura de diversos estudos empíricos e teóricos, este ensaio abre campos de reflexão sobre abordagens e cate- gorias analíticas, atores sociais e a cultura, na tentati- va de compreender o que está em jogo. RESUMO: Este ensaio tem por objetivo abordar algu- mas das principais correntes de pensamento sobre a PALAVRAS-CHAVE: Telemática, trabalho de escritório, mudança tecnológica, mudança cultural, sociedade pós-industrial. Revista de Administração de Empresas São Paulo, 29(4) 29-44 Out./Dez. 1989 29

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o ARTIGO

UM SALTO NO ESCURO:UM ENSAIO INTERPRETATIVO SOBRE AS MUDANÇAS TÉCNICAS

• TOM DWVERProfessor no Departamento de Ciências Sociais doInstituto de Filosofia e Ciências Humanas daUniversidade Estadual de Campinas.

revolução no campo da informação. A partir de umaleitura de diversos estudos empíricos e teóricos, esteensaio abre campos de reflexão sobre abordagens e cate-gorias analíticas, atores sociais e a cultura, na tentati-va de compreender o que está em jogo.

RESUMO: Este ensaio tem por objetivo abordar algu-mas das principais correntes de pensamento sobre a

PALAVRAS-CHAVE: Telemática, trabalho deescritório, mudança tecnológica, mudança cultural,sociedade pós-industrial.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 29(4) 29-44 Out./Dez. 1989 29

o ARTIGO

INTRODUÇÃO

No maior "país industrializado" do mundo,um máximo de 23% da força de trabalho é

empregada na fabricação de bens e 70% dela tra-balham no setor de serviços. Em 1950, essesíndices eram, respectivamente, 33% e 60%(J).Essamudança na distribuição da força de trabalho nosEstados Unidos é um sinal do declínio, em termosde importância, do trabalho industrial. Além dis-so, de 1950 a 1970, a percentagem do ProdutoInterno Bruto (PIB) gerada pelo setor secundáriocaiu de 31,7%para 26,8%.O aumento do empregoverificado no setor de serviços deve-se, emgrande parte, à crescente importância do que setornou conhecido como os setores quartenário equinquenário - as indústrias de informação, tan-to de rotina como de semi-rotina. Em 1950, essessetores eram responsáveis por 24,9% do PIB nosEstados Unidos e, vinte anos depois, por 39,6%(2).A crescente importância do setor de informaçãofoi acompanhada por grandes avanços nas tec-nologias de tratamento da informação, sobretudono setor de computadores e telemática, a tal pontoque as estimativas apontam para uma situaçãoem que, até 1990,entre 40% e 50% da força de tra-balho dos Estados Unidos estarão trabalhandocom tais tecnologias.

A escala dos avanços tecnológicos na área doprocessamento de dados é fantástica. Em 1946,nascia o pai dos atuais computadores, pesandotrinta toneladas. Essa arcaica engenhoca ocupavauma área de 150m2, consumia 150Kw/h e seunúcleo era composto por cerca de 18 mil válvulasextremamente sujeitas a falhas mecânicas. Hoje,um computador da mesma capacidade pesamenos de um quilo, ocupa um volume 300.000vezes menor, tem um consumo de eletricidade deuma lâmpada comum e é composto de micro-chips cujo desempenho é bastante confiável?', Se atecnologia industrial tivesse avançado a um ritmocompatível, o avião Concorde seria hoje capaz detransportar meio milhão de passageiros a 33 mi-lhõesde quilômetros por hora, a um custo demenos de um centavo de dólar norte-americanopor passageiro". Na área das telecomunicações, oprogresso foi menos acentuado. Os satélites au-mentaram bastante sua capacidade em termos decomunicações a longa distância e tornaram-semais baratos. O emprego da fibra ótica irá mini-mizar as limitações impostas até agora peloscabos de cobre quanto ao volume de transmissãode informações. Os sistemas de switching desen-volveram-se rapidamente e a forma de transmis-são está sendo feita cada vez mais segundo ummodo analógico de transmissão, em substituição

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ao modo numérico tradicionalmente usado. NosEstados Unidos, essas inovações provocaram aredução pela metade do custo nominal dos tele-fonemas entre a costa leste e a oeste, entre 1950 e1970(5),gerando um conseqüente aumento nademanda: de menos de quatrocentos telefonemaspor pessoa no ano 1950, o número de chamadaspassou a novecentas em 1974(6).No mesmo perío-do, a proporção de chamadas interurbanas emrelação às chamadas locais passou de uma em 27para uma em 15(7).A circulação de informações-locais, nacionais e internacionais - adquiriudimensões jamais imaginadas, a tal ponto quehoje as sedes das empresas recebem informaçõesdiárias a respeito de suas filiais, informações sãoenviadas via satélite para processamento em ou-tros países e os bancos de dados fornecem infor-mações on-line a mercados locais e mundiais.

O futuro dos países ocidentais avançados éhoje visto em toda parte como ligado à sua capa-cidade de desenvolver e controlar a"indústria dainformação". O setor da manufatura irá gradual-mente ocupar o mesmo lugar da agricultura que,com a ascensão da indústria, se tornou uma ativi-dade cada vez mais eficiente e marginal noemprego da força de trabalho e os países depen-dentes irão ampliar seu atual papel na divisãointernacional do trabalho, passando de grandesexportadores de matérias-primas e produtos agrí-colas a grandes produtores e exportadores debens industrializados. No entanto, esse sucesso na''batalha pelo desenvolvimento", como tem sidotradicionalmente definido, poderá ser acompa-nhado por uma nova forma de dependência,ilustrada pela importação de tecnologias e recur-sos ligados à área de informática.

Este trabalho tem como objetivo abordar

1. RIFKEN, B. e S. American Labour Sourcebook. NewYork, McGraw-Hill, 1979, pp. 8-10.

2. ABLER, R. The telephone and the Evolution of theAmerican Metropolitan System. apud POOL 1, de Sola(org.) The Social Impact of the telephone. Cambridge, MITPress, 1977, pp. 318-341/(323-324).

3. VERDIER, E. La Bureautique. Paris, La Decourver-te/Maspero,1983, pp.18-23.

4. Economista Edward Steinmulller apud CORN1SH,E. (org.) The Computerized Society. Bethesda MD, WorldFuture Society, 1985, p.5.

5. ABLER, R. Op. cit., p.322.

6. PIERCE, JR. The telephone and Society in the Past 100Years. apud POOL 1,de Sola. Op. cit. pp. 159-195. 1979,pp. (166 e 169)

7. ABLER, R. Op. cit., p.335.

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alguns dos livros e artigos mais recentes arespeito da revolução no campo da informação,na tentativa de compreender o que está em jogo.A partir da década de 50, foi detectado o surgi-mento de uma nova cultura nos países desenvol-vidos, composta, entre outras coisas, por valoresque rejeitavam tanto a austeridade do protestan-tismo como o consumo de massa das sociedadesindustriais. Maio de 68 levou a um questionamen-to importante das condições do trabalho industri-al e a crise econômica que se seguiu ao choque dopetróleo gerou temores relacionados com a viabi-lidade das economias ocidentais. Nesse contexto,a informatização passou a ser encarada como umasaída para a crise. Essa imagem foi contestada poruma série de pensadores, que enfatizaram osefeitos negativos desse processo de mudança.Ambas as imagens refletem um determinismo téc-nico e ignoram os processos sociais que cercam aimplantação das tecnologias informáticas.

Uma análise da literatura relacionada àinformatização revela enormes dificuldades con-ceituais, tanto por parte dos sindicatos como dosempresários, em compreender e controlar essaimplantação. Em vista disso, serão examinadosalguns casos de telematização do trabalho nosescritórios. Dessa forma, pode-se detectar o surgi-mento de um novo ator social, que age em funçãode valores não-industriais. A transição de umasociedade industrial para uma sociedade pós-industrial passa a ser vista, em parte, comodependente da presença de tais valores culturaiseda demolição daquelas barreiras que impedem aação orientada por esses valores.

Baseado nessas reflexões, levanto aqui certasquestões sobre como o Brasil pode escapar de setomar vítima de um novo tipo de dependênciaeconômica.

o SURGIMENTO DE UMA NOVA CULTURAE DE UMA NOVA ECONOMIA

No início da década de 50, David Riesmanescreveu The Lonely Crowd, no qual observou umaimportante transformação cultural. O individua-lismo norte-americano passara por mudançasdrásticas: do modelo vitoriano, rígido, introver-tido, passara a um conformismo satisfeito, centra-do na sociedade de consumo e baseado nos va-lores da sociabilidade, intercâmbio e inadaptabili-dade à solidão'". Em 1958,Riesman usou o termo"sociedade pós-industrial" para denotar umasociedade de lazer, em oposição ao modelo prece-dente, que girava em função do trabalho'". Quaseum quarto de século depois do livro de Riesman,Daniel Bell escreveu As Contradições Culturais do

Capitalisma'", no qual identificou a passagem parauma fase de produção e consumo de massa comofonte de destruição das bases originais da cons-trução do capitalismo. A vida frugal, associada àética protestante, à dedicação ao trabalho e àconstrução do auto-estima é incompatível com acultura hedonista e amoral da sociedade de con-sumo. No trabalho, é exercido um conjunto devalores, no consumo, outro. "Não existe mais qual-quer sinal de uma ética transcendental", afirma?".Apoiando-se em reflexões sobre fenômenos queabrangem desde a arte modernista até a explo-ração, pela contracultura, de valores liberais emáreas antes tabus, como a sexualidade e a liber-dade pessoal, Bell traça o surgimento de umanova classe social. Com um perfil intelectualizadoe tendo uma base econômica nas "indústrias cul-turais", das escolas e hospitais aos meios decomunicação e às artes, essa classe em formação écapaz de manter e promover a nova cultura, cujosvetores centrais são a liberdade pessoal, o anti-omoralismo e a contestação das instituições.

Alain Touraine também atribui importância àsmudanças culturais mas, ao contrário de Bell,dá ànoção de conflito uma posição central em sua teo-ria da sociedade pós-industrial. Esses dois autoresafirmam que os conflitos de classe que domi-navam a sociedade industrial irão se tomar cadavez mais institucionalizados, que as classes so-ciais já não são definidas em função das relaçõesde produção e que os tecnocratas - os queempregam e controlam o conhecimento, sua pro-dução e distribuição - constituem a classe domi-nante da sociedade pós-industrial. Para Bell, anova sociedade é essencialmente uma sociedadede consenso, onde os antigos problemas foramresolvidos ou controlados institucionalmente.Para Touraine, a sociedade baseia-se certamenteno conflito, só que seu terreno foi deslocado. Osp.ovos conflitos têm uma dupla face: de um lado,surgem como uma defesa contra a massificaçãoprovocada pela tecnocracia; de outro, têm umpapel ofensivo de tentar controlar a gestão doprocesso de mudanças.

Alain Touraine examina a nova cultura em seus

8. RIESMAN, D. The Lonely Crowd. New Haven, YaleUniversity Press, ~952.

9. RIESMAN, D. Leisure and Work in Post-IndustrialSociety apud BELL, D. The Coming of Post-Industrial Soci-ety. New York, Basic Books, 1973, p.37.

10. BELL, D. The Cultural Contradictions of CapitalismoNew York, Basic Books, 1976.

11. BELL, D. The Coming of Post-Industrial Society. Op.cit., pp. 477-480, por um resumo.

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aspectos mais visíveis - os conflitos e movimentossociais - e, a partir daí, constrói uma teoria. Amedida que os capitalistas industriais tentam mas-sificar seus produtos e mercados, a populaçãoesquiva-se, resistindo à massificação e desenvol-vendo estilos de vida privatizados. A dominaçãotem o objetivo de reduzir a atividade de consumo auma forma de participação dependente. ParaTouraine, a manipulação do consumidor tem umpapel essencial na exploração da sociedade pós-industrial, da mesma forma que a exploração dotrabalhador teve um papel central na sociedadeindustrial. Quando os consumidores rejeitam osprodutos massificados e evitam novas tentativasde massificá-los, o controle das mudanças toma-seum ponto essencial para a dominação. Aqueles quetentam exercer esse controle procuram, então, sub-meter à dominação todas as formas de consumo etodas as mudanças nesse campo. Os órgãos-chaveno processo de mudança tomam-se os focos doconflito, sobretudo aqueles considerados comoentraves às mudanças: a burocracia no trabalho, oEstado ao nível societal, mas também as grandesorganizações como os sistemas previdenciários,sindicatos, e o sistema educacional. Essas institui-ções são criticadas por não fornecerem treinamentoe educação voltados para as necessidades de umfuturo que tem por norma a mudança. Os ataquesmobilizam, entre outras categorias,trabalhadoresdo setor terciário: professores, médicos, assistentessociais, técnicos, que lutam não contra o lucro, masem favor do controle sobre o processo de mudançavivido pela sociedade.

No mundo do trabalho, ao qual Touraine se re-fere constantemente, os técnicos e outras categoriasque lidam com a produção ou controle da informa-ção resistem às tentativas de massificação de seutrabalho. Sua função é definida menos por seusatributos pessoais do que por um papel dentro deum sistema de comunicação, portanto de relaçõessociais. Eles protestam no interior de suas organi-zações contra as estruturas burocráticas, enfatizan-do a autonomia de sua própria existência e sua in-compatibilidade com o papel que lhes é atribuído.

Tanto BeU como Touraine delineiam certospontos que consideram comuns à essa novasociedade?";

1. A indústria perde seu papel dominante naeconomia, abrindo caminho para o setor deserviços ligado ao conhecimento: educação, enge-nharia, saúde, administração, meios de comuni-cação etc.

2. "Profissionais liberais", técnicos e cientistasconstituem os grupos sociais que representamessa sociedade na força de trabalho. Cai a pro-porção de trabalhadores manuais.

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3. As tecnologias empregadas são cada vezmenos tecnologias de produção (máquinas, ferra-mentas, energia etc.) e lidam cada vez mais com ainformação (audiovisual, telecomunicações, com-putação).

4. O conhecimento assume um papel crescentenas decisões ligadas às diretrizes nos planospolítico e econômico.

A fragmentação dos mercados, a busca de pra-zer, o privilegiamento dos valores cosmopolitassão apenas alguns dos fatores associados a essanova cultura. Surgem novos mercados, prefere-sea variedade à uniformidade, a mudança à estabili-dade. Para ajustar a oferta à procura, novos méto-dos de administração e empresas inovadoras tor-nam-se necessidades funcionais. Desenvolvem-seas pesquisas de produtos e de mercado, o controleda informação e das comunicações.

O SURGIMENTO DE PROBLEMAS NOTRABALHO INDUSTRIAL

A simplificação das tarefas, associada a práticastayloristas, permitiu uma nova divisão interna-cional do trabalho, que implicou na transferênciadas indústrias de produção de massa para o Tercei-ro Mundo. Nos países industrializados, irrompe-ram revoltas contra as condições de trabalho.

O movimento de maio de 1968 colocou o tra-balho sob uma perspectiva crítica. Por toda aEuropa, e também nos Estados Unidos - onde orelatório "Work in América"?" foi um estímuloimportante - tomou-se clara a necessidade deum novo modelo de trabalho industrial.

Em conseqüência de movimentos sociais, deanálises críticas e de um processo de conscientiza-ção pública, ocorreram mudanças nos países in-dustriais mais avançados. A legislação trabalhistafoi reformulada nas áreas ligadas às condições detrabalho e à participação dos trabalhadores nagestão das empresas. Em muitos setores, osempresários implantaram círculos de controle dequalidade, grupos autônomos ou produçãodescentralizada, numa tentativa de recuperarquedas na produtividade ligadas à legislação ou àinsatisfação. Esses grupos alegavam freqüente-mente que estavam humanizando o trabalho.

12. Idem, ibidem; TOURAINE, A. La societé post-industrielle. Paris, Danoel, 1973,capol.

13. SPECIAL Task Force to the Secretary Health,Education and Welfare. In: Work in America, CambridgeMass, MIT Press, 1973.

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UMA SOLUÇÃO TECNOLÓGICAPARA O PROBLEMA DA INDÚSTRIA

OU UM FATOR GERADOR DENOVAS DIFICULDADES?

Nos países industriais avançados, foi surgindouma fascinação por uma solução técnica para oproblema da indústria. Os robôs e sistemasautomatizados poderiam preencher as tarefasrotineiras e perigosas, "liberando" os trabalhado-res para as funções criativas. Aqueles deslocadospor ganhos na produtividade no setor secundárioseriam simplesmente integrados no setor ter-ciário, em constante expansão desde a SegundaGuerra Mundial.

Nuvens escuras toldaram, porém, esse ani-mador horizonte traçado pelos futuristas. Expres-sivas quedas nos preços dos computadores e tele-comunicações levantaram dúvidas sobre o futurodos nív.eis ?e empreg.o no setor terciário. Algunsdos pnmeIros estudiosos do assunto manifes-taram seu otimismo?" mas, com o passar do tem-po, as nuvens espessaram-se. Na França, atingidap~la crise econômica, o relatório oficial Nora pre-VIUuma queda de 30% nos empregos, isso só nosetor bancário'!", A empresa de equipamentos det~lecomunicações Siemens realizou seus próprioscalc~.llos e chegou a conclusões semelhantes, mas? gigante da computação IBM apresentou umaImagem opostav",

No contexto do período após a crise dopetróleo, no início da década de 70, surgiramduas reações diferentes às tecnologias de infor-mação. A imagem negativa amplamente aceita foicontrabalançada pela idéia de que a crise só pode-na ser superada por meio de investimentosmaciços nas tecnologias de computação e teleco-municações, que serviriam como pontas-de-lançapara o crescimento econômico.. 5?s debates nessa área têm sido dominados poridéias contrastantes acerca dos efeitos dessas tec-nologias.

Essa polarização existe não só na análiseeconômica, mas também nas discussões orien-tadas por um eixo cultural, político ou social. Nonível cultural, tem sido apresentada uma imagempositiva dos mercados de consumo, que se torna-riam desmassificados e até individualizadosenquanto o público teria um acesso maior do quenunca ao conhecimento e à informação?", Umacultura empobrecida, privada de sutileza ereduzida a uma linguagem universal - a lin-guagem binária da máquina - é o alvo da imagi-naçao de outros?". Politicamente, os contrastestornam-se muito mais aguçados: o controle dototalitarismo orweliano'"? é colocado em oposiçãoà democracia participativa?". Estranhamente,

~ada. ~ma dessas visõe~ é tid~ como conseqüênciainevitável de tecnologias muito parecidas. Quan-do a análise política examina a questão funda-mental do poder sindical, permanece a mesmadualidade. Alguns analistas identificam um for-talecimento desse poder devido ao envolvimentodos sindicatos nos processos de decisão relativosàs mudanças tecnológicas ou porque os traba-lhadores ganham uma nova posição central nosprocessos de produção nas indústriasde alta tec-nologia?", Em contraposição a isso, outros enca-~am essas tecnologias como sendo empregadasJuntamente com certas estratégias de gerencia-mento (como a subcontratação; trabalho em meio-período, descentralização, trabalho temporárioetc.) para reduzir o poder dos sindicatos?", Osanalistas sociais ora compõem um quadro de pro-dução de desemprego estrutural e tarefasrotinizadas?", ora, uma sociedade de maior lazer eempregos mais significativos?", As mulheres tra-balhadoras, liberadas da necessidade de realizartrabalhos manuais, são vistas como asbeneficiárias do progressos". No entanto, de umângulo diverso, outros vêem a mulher traba-

14. MONOD, J. La Tertiarisation de la Societé. 1974.~5., NO~, S. & MINC, A. L' informatisation de la

Socieié. Pans, La Documentation Française, 1978.16. MISSIKA, J. L. "Les debats sur l' informatisation

et l' el!lploi". In: MISSI~, J.L. e~ alli. Informatisation etemploi .menace on mutaiion? Pans, La DocumentationFrançaise, 1981,pp. 13-64 (pp.18 e 43).

17. TOFFLER, A. The Third Wave. New York, BantamBooks, 1980.

18. HUBER, M. "Computer = Zeit". In: Osterreichis-~~~~eitschrift für Soziologie, voI. 7, n=. 1 e 2, 1982, pp. 113-

, 19. ORWELL, G. Harmondsworth. London, Penguin1968 (1949, 1984). Obs.: existe uma versão deste 1ivr~em português.

20. ILLICH, I. Tools For Conviviality. London Fontana(1975),1973. '

21. MALLET, S.• La nouvelle c/asse ouoriêre. Paris,Seuil, 1963.

22 ..RASKIN, A.H. "The Big Squeeze on Labour". In:Ailantic Monthly .. October apud MISSIKA, J.L.Op. citoNum quadro mais geral ver CFDT Le Tertiare éc/atéParis,Seuil, 1980, pp. 191-216.' .

23. SHERMAN, B.& JENKINS, C. The Collapse ofWork. London, Eye Methuen, 1979.

24. ~DRET. Travailler deux heures par jour. Paris, Ednsdu Seuil, 1977; GORZ, A. Adeus ao Proletariado. Rio deJaneiro, Forense Universitária, 1982.

25. WHARTON, A. & BURRIS, V."Office Automation

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lhadora caindo nos piores empregos oferecidospela nova divisão de tarefas?". A divisão interna-cional do trabalho deverá sofrer mudanças àmedida em que a informação for sendo transmiti-da pelo mundo para ser processada fora de seulocal de produção. Nesse processo, quem poderáperder é o Terceiro Mundo, por ter um controleinsuficiente das redes ou bancos de dados?", Ou-tra possibilidade é que o TerceiroMundo obtenhavantagens, se a tecnologia desenvolvida nos paí-ses industriais avançados puder ser aplicada pararesolver problemas de carência, sobretudo de tra-balho qualificado, que afetam os países do SuI<28).

Subjacente à maior parte do debate centraliza-do nas conseqüências positivas ou negativas des-se processo, há o determinismo tecnológico, umavisão segundo a qual os possíveis resultados sãoexplicados enquanto produtos diretos das tec-nologias empregadas.

O determinismo tecnológico contrasta com ou-tra visão segundo a qual os resultados podem serexplicados exclusivamente em termos de relaçõese conflitos sociais. Esse tipo de análise, que podeser chamada sociológica, critica o determinismotecnológico tanto filosófica como empiricamente.Nesse último caso, as idéias produzidas pela tec-nologia, ipso facto, os resultados sociais, são refu-tadas de uma perspectiva empírica. Por exemplo,a idéia de que a tecnologia da informatização pro-duz um controle social autoritário é refutadatomando-se como referência o fato de que a Sué-cia, um dos países mais informatizados do mun-do, não é de forma alguma um Estado policial.Além disso, estados policiais têm sido implanta-dos sem nenhum recurso à tecnologia de com-putação como, por exemplo, a Alemanha nazistade Hitler. Em contraposição ao determinismo tec-nológico, a abordagem sociológica procura com-preender como os atores sociais concorrem eentram em conflito para produzir um dado usoda tecnologia, e como esse uso pode mudar emfunção de novas ações sociais.

EM DIREÇÃO A UMA ANÁLISEDA AÇÃO SOCIAL

Duas abordagens importantes podem ser en-contradas na literatura que trata da ação social. Aprimeira ressalta que a introdução das tecnologiasde telemática não está mais do que reproduzindovelhas lutas entre atores clássicos: capital e traba-lho. A indústria estaria se tornando cada vez maissujeita ao taylorismo e os trabalhadores, cada vezmais presos a seus empregos, porque a lógica docapital estaria prevalecendo. No entanto, paraalguns autores, essa lógica pode ser controlada.

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Num recente livro, Gill indica que os efeitos nega-tivos serão provavelmente mais atenuados naSuécia do que na Grã-Bretanha porque, naprimeira, o movimento trabalhista tem consegui-do, por meio de suas lutas e apoio parlamentar,conquistar um papel mais efetivo nos aparelhosde tomada de decisões?",

A segunda abordagem defende a idéia de queas sociedades ocidentais avançadas vivem umprofundo processo de mutação cultural, econô-mica, política e social; que os instrumentos usa-dos para analisar a sociedade industrial sãoinadequados para compreender essa nova ordemque surge. A versão mais influente dessa abor-dagem refere-se à nova sociedade como "pós-industrial" .

Qual das duas abordagens melhor representa arealidade? A resposta a essa pergunta é fornecidapela pesquisa empírica. Irei examinar, primeiro, aquestão das mudanças negociadas e, em seguida,a da sociedade pós-industrial.

NEGOCIANDO AS MUDANÇAS

Muitos analistas propõem as negociações entrepatrões e sindicatos como forma de reduzir asconseqüências negativas da mudança para os tra-balhadores, das quais as mais citadas são odesemprego e a degradação das condições de tra-balho. O fato é que a negociação das mudanças aonível tecnológico afeta apenas uma pequena pro-porção de trabalhadores envolvidos no processode mudança nos países industriais avançados. NaFrança, em 1982, o alto patronato havia concorda-do em discutir a informatização com comissões

and its impact on women workers". In: Humboldt [our-nal of Social Relations, vol. 10, n- 2, 1983, PJ'. 112-126;WERNEKE, D. Microelectronics and Oftice Jobs. Gene-va,ILO, 1983.

26. SAINT-PIERRE, "Les robots ne sont pas tous d' a-cier: L'impact de la microeletronique sur Porganisationdu travaif dans le secteur tertiare". In: Sociologie et Soci-etés, vol. 16, n- 1, 1984, pp. 71-80.

27. RADA, J. "A Third World Prospective". In: Sie-ghart, P. (org.) Micro-chips with Everything. London,Comedia Publishing e Institute of Contemporary Arts(1985), 1982, pp.35-47; e O'BRIEN, R. Cruise. New Prob-lems in North-South Relations. In: SEIGHART, P. Op. cit.,pp.47-53.

28. BENJAMIN, A. "Incisive Decisions". In: SEIGHA-RT,P.Op. cit., pp. 54-58.

29. FALABELLA, G. Microelectronica y Sindicatos: LaExperiencia Europea. Brasília, Projeto PNUD / OIT /CNRH, 1985 (paper não publicado); GILL, C. Work,Unemployment and the New Technology. Cambridge, Poli-cy Press, 1985.

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de trabalhadores em menos de 200 empresas?",Em 1984, só 9% dos trabalhadores do setor de ser-viços nos Estados Unidos eram sindicalizados e,portanto, dotados de representação nos processosde negociação?". Na Austrália, onde 55% de todosos trabalhadores eram sindicalizados em 1984, asmudanças tecnológicas haviam sido alvo dareflexão dos sindicatos nacionais desde 1975.Apesar de condições tão favoráveis, um artigodatado de 1986 relata que acordos negociadosabrangentes foram obtidos apenas em algumasindústrias dotadas de sindicatos fortes, e isso sódepois de longas disputas trabalhistas?",

A norma nos países industrializados, é que ostrabalhadores sejam submetidos às mudançastecnológicas sem a proteção de negociações. Maso que acontece nos setores e nos países onde asnegociações são um processo comum e generali-zado?

Salários, jornada de trabalho, férias anuais,níveis de emprego têm sido objetos tradicionaisdas negociações entre sindicatos e patronato, tan-to em nível nacional como em cada local de tra-balho. Outro tema tradicional têm sido ascondições de trabalho, cuja importância aumen-tou muito desde o final da década de 60. Tem sidopossível associar melhorias significativas nosaspectos quantitativos da vida no trabalho com oprocesso de negociação. Já a associação deste commelhorias nos aspectos qualitativos tem sido maisdifícil de se detectar. A segurança no trabalho,foco durante muito tempo das negociações, ilus-tra bem esse ponto. Uma grande variedade deestudos não detectou qualquer relação clara entreas negociações canalizadas através de CIPAs -Comissões Internas de Prevenções de Acidentes- e melhorias na segurança do trabalho?",

Nos países onde a negociação das tecnologiasde informação é mais institucionalizada - Suécia,Noruega, Alemanha Ocidental - os sindicatosreconhecem enormes problemas tanto na con-ceituação como na operacionalização das estraté-gias de mudança?", Uma tensão conceitual funda-mental é a produzida entre a noção dos sindicalis-tas de que a tecnologia de informação é necessáriaà sobrevivência econômica da nação e as rei-vindicações dos trabalhadores de estratégias de-fensivas para proteger salários e empregos. Umatensão operacional fundamental coloca-se entre ostipos de qualificação e recursos disponíveis paraos sindicatos e os necessários para equilibrar acontribuição do patronato em negociações comessas tecnologias. As tentativas de superar osegundo tipo de tensão são comuns: os sindicatostêm poder de decisão sobre a pesquisa industrial,na Suécia, na Alemanha Ocidental, muitas vezes

são contratados especialistas para assessoraremos sindicatos e, na Noruega, os trabalhadores par-ticipam de comissões que decidem as mudanças.Tensões conceituais do tipo acima mencionadopodem ser resolvidas com relativa facilidade sem-pre que existir uma política de proteção aos em-pregos, mesmo com a promoção da mudança tec-nológica: a política sueca de proteção ativa domercado de trabalho (active labour market policy) eo emprego vitalício das grandes empresas japone-sas são dois exemplos. Esse tipo de política ga-rante o trabalho, mas não a ocupação, a posição,mas não o status, daí a possibilidade de os confli-tos sobre emprego serem deslocados para um eixoconstruído em torno da percepção de perdas.

Onde não existem políticas de proteção dosempregos, os sindicatos freqüentemente buscamessa proteção por meio da negociação, além detentarem obter outras garantias, entre as quais sedestacam as condições de trabalho e salários?".Na França, Alter constatou que os sindicalistasencaravam a telematização de modo defensivo,referindo-se constantemente à necessidade degarantias. Os trabalhadores especializados na àreada telemática estudados por ele eram freqüente-mente submetidos a ritmos cada vez mais acelera-dos de trabalho, colocados diante dos vídeos porperíodos excessivos, consideravam-se impedidosde realizar seus potenciais e sentiam ameaças aseus níveis de emprego?". Os sindicatos reagiramdiante desse quadro, reivindicando padrõesergonômicos de concepção (design) dos locais detrabalho e articulando propostas defensivas.

30. PIOTET,F. "Nouvelles technologies, nouveauxdroits. Positions, propositions et actions de la CFDT".In: Sociologie du Traoail, vol.Zé.rr 4,1984, pp.535-540.

31. RATIER-COUTROT,L. "Le syndicalismeauxEtats-Unis". In:Futuribles, decembre, 1985,pp.71-83.

32. DAVIS, E.M. & LANSBURY,R.D. "Unions andnew technology in Australia". In:New Techonology, Workand Employment, vol. 1,n01,1986,pp. 50-58.

33. ELLIS,L. "A Review of research on Efforts toPromote Occupational Safety". In: Journal of Safety Res-earch, vol, 7, n°4,1975,p.184;HALE,A.R.& !iALE, M. Areview of the Industrial Accident Research Literature, Lon-don, HMSO,1972,p.78.

34. A.R.E.T.E.Négocier l'ordinateur. Paris, La Doeu-mentation Française, 1983,pp. 105-187.

35.VERDIER,E.Op. cit.,pp. 108-119.36. ALTER,N. La bureautique dans l'entreprise. Paris,

Editions Ouvrieres, 1985;MINISTEREdu Travail... Ba-viêre. Informatique et Travail de Bureau: que devient lém-ployé? Í'aris,ANACT, 1982; observa o mesmo fenô-meno.

35

o ARTIGO

Alter identificou, porém, uma outra categoriade trabalhadores afetados pelas mudanças na áreada telemática, a dos inovadores. Iremos examinarmais adiante essa categoria com maior detalhemas, nesse ponto, deve-se observar que o movi-mento sindical é conceitualmente incapaz de lidarcom as reivindicações dos inovadores. Enquantotal situação persistir, o movimento sindical iráalienar esses atores e prejudicar sua capacidadede controlar a implantação da telemática. De fato,nos setores telematizados, alguns sindicalistasreconhecem agora a inadequação de seus mode-los clássicos de análise para considerar asmudanças em processo de implantação?", Essavisão é um indicador importante de umamudança significativa na relação entre traba-lhadores e seu trabalho.

Correntes importantes na literatura sugeremque os trabalhadores qualificados, dos quaisfazem.parte os inovadores, são uma minoria des-tinada a ser reduzida, na medida em que princí-pios tayloristas assumem o controle da concepção(design) do trabalho. Caso eles tenham razão, oimpacto, nos sindicatos, das reivindicações dostrabalhadores especializados seria uma garantiade uma base numericamente forte. No entanto,não é de forma alguma certo que a proporção detrabalhadores qualificados diminua com a telema-tização e, além disso, que, embora minoria, os tra-balhadores qualificados têm desempenhado tradi-cionalmente papéis desproporcionalmente impor-tantes nos conflitos trabalhistas. Um estudo rea-lizado em bancos alemães-ocidentais concluiuque as proporções de trabalhadores qualificados(30%)e não-qualificados (70%)se inverteu depoisda informatização desse setor?", Em estudos rea-lizados na França e nos Estados Unidos, che-gou-se a resultados semelhantes?", A incapacidadedo movimento sindical de lidar com o surgimentode novas categorias de trabalho qualificado poderevelar-se uma barreira extremamente importanteàs tentativas de controlar essas tecnologias.

Essas barreiras foram detectadas num recenteestudo realizado na Noruega, onde as negocia-ções de mudanças tecnológicas são impostas porum quadro legislativo avançado. No entanto, acontribuição dos trabalhadores é consideradacomo apresentando conseqüências negativas paraas empresas. Os trabalhadores são conservadores,geralmente reivindicam que as novas estruturasdo trabalho se assemelheam às antigas. Os supe-riores julgam que essa influência aumenta os cus-tos e que o processo de participação retarda ainstalação de novos sistemas''",

As alegações dos superiores sobre o declínio dalucratividade confrontam a dificuldade de semedir a eficiência nos setores de informatização

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da economia. No entanto, elas levam à seguintehipótese: se o papel do movimento sindical noprocesso de negociação é elevar os custos a longoprazo da informatização, as empresas do setorcompetitivo sujeitas a esse processo sofrerão umaredução em sua competitividade em relação àque-las que não estejam sujeitas a esse mesmo proces-so. Caso a validade dessa hipótese seja demons-trada, as negociações serão cada vez mais concen-tradas nossetores estatal e monopolista.

Em resumo: o movimento sindical encontra-sesob três tipos distintos de pressão, cada um dosquais contribui para diminuir sua capacidade denegociar e controlar a mudança de modo efetivo.Do ponto de vista conceitual, o movimentoencontra problemas relacionados à parte de suasbases e, portanto, formula reivindicações inade-quadas. O movimento tem dificuldade em opera-cionalizar novas reivindicações e, finalmente,corre o risco de tornar-se vítima de seu próprioêxito político, caso a mudança negociada resulteem aumentos nos custos relativos para empresasde setores competitivos.

UM CAMPO ABERTO:DIFICULDADES GERENCIAIS

DIANTE DE NOVOS PROCESSOS

A direção das empresas também está sujeita adificuldades, na medida em que procura telemati-zar o local de trabalho. Além das dificuldadespolíticas geradas pela resistência dos traba-lhadores, sindicatos ou gerentes de nível médiomiddle management e, além das dificuldades devi-das a restrições impostas de fora - de naturezaeconômica, técnica ou legislativa -, os gerentesestão diante de dificuldades tanto conceituaiscomo operacionais. Para enfrentá-las, pode-seconvocar especialistas ou estabelecer um processode consulta aos sindicatos, ou ainda criar novas

37. TOURAINE, A. Le Mouvement Ouvrier. Paris,Fayard, 1984, pp.l~9-122; VERDIER, E. 9p, cit. p.119;PIOTET, F. Op. cít.: DUCHESNE, F. [a CGT, lessalariés et les nouvelles technologies". In: Sociologie duTravail, vo1.26, no 4, 1984, pp.541-7.

38. MINISTERE du Travail. Baviere. Op. cit. p.39.

39. ALTER, N. Op. cit. pp.ll. A percentagem de u-suários docomputador envolvidos em pesquisa e desen-volvimento aumentou de 27% em 1979 para 42% em1985, enquanto caiu a proporção dos envolvidos na sim-ples m~nip~lação de dados, de 35% par~ 22% no mes-mo período: RATIER-COUTROT, L. Op. cít.pp. 94-113.

40. A.R.E.T.E. Op. cit.,p. 172.

RAE

formas institucionais (por exemplo, círculos decontrole de qualidade). Duas áreas de constantepreocupação na literatura de gestão são as qualifi-cações e as hierarquias organizacionais. Aprimeira 'e uma decorrência direta das dificul-dades de se conhecer de antemão quais serão osusos finais da tecnologia e o ritmo das inovações,que constantemente levam a novas exigências emtermos de qualificações. Já a preocupação com ashierarquias organizacionais reflete uma mudançapermitida pelas tecnologias da telemática: a subs-tituição de fluxos verticais por fluxos horizontaisnas comunicações, e suas implicações.

As qualificações são analisadas sob uma sériede prismas: estão sendo desenvolvidas pesquisasteóricas sobre as relações entre as ciências neu-rológicas, a psicologia cognitiva e os sistemashomem-máquina, que prometem redefinir as con-cepções dominantes tanto a respeito das máqui-nas como das qualificações necessárias para mani-pulá-las e das capacidades humanas'?', Hoje, umareflexão bastante simples de Papert leva ao ques-tionamento das formas de linguagem que pré-estruturam todo o aprendizado. Será que a pa-dronização da hoje velha linguagem BASIC emmuitas áreas da computação não estaria impedin-do um maior desenvolvimento nessa área? Essaquestão coloca-se com referência ao tecladoQWERTY, padronizado para as máquinas de es-crever manuais especificamente para limitar avelocidade dos toques, de modo a impedir que asteclas interferissem umas nas outras e emper-rassem o funcionamento da máquina. A aceitaçãouniversal desse teclado gerou todo um grupo depressão para impedir sua substituição por outrosmodelos destinados a maximizar a velocidade deoperação, ao invés de minimizá-la'?'.

Outro nível de problema conceitual é apresen-tado pela estrutura dos currículos em informática.Maurice Nivat questiona a ênfase dada à edu-cação elementar na área de programação, tãoirrelevante para os usuários como o conserto deautomóveis para o motorista e que, além disso,desperdiça um tempo valioso que deveria ser usa-do para ensinara os alunos como resolver proble-mas práticos relacionados ao uso do computadorcomo, por exemplo, o uso de variáveis múltiplaspara auxiliar o processo de tomada de decísões'?',

Um estudo a respeito do uso do computadorna concepção de projetos (CAD) revela que a si-tuação relativa ao problema das qualificações estáindefinida e em aberto, mas enfatiza a grandenecessidade de melhoras na área da educação téc-nica'?", Alguns operadores especializados estuda-dos por Alter manifestaram frustrações diante dotreinamento limitado recebido, que contrapuse-

ram às enormes capacidades de seus equipamen-tos.Certas tecnologias, como os processadores detexto não-comunicantes, são tidas por algunsestudiosos como apresentando exigências detreinamento relativamente limitadas. Outras tec-nologias têm usos indefinidos, o que resulta emexigências de treinamento em aberto. Ao queparece, não há quem tenha sido capaz, até agora,de especificar quais as necessidades de treina-mento associadas a várias tecnologias da telemáti-ca.Um recente artigo, baseado em entrevistas compesquisadores universitários e funcionários dosetor privado, revela perplexidade e indefiniçãoquanto às necessidades de treinamento na áreadas telecomunicaçõesv", Um programa de treina-mento com um enfoque excessivamente estreitoacabará impondo limitações conceituais aosusuários reduzindo, portanto, sua criatividade acurto prazo e resultando fatalmente na obso-lescência das qualificações, numa área em que atecnologia muda tão rapidamente. O padrão queparece estar se formando é bastante diferente doque caracterizado trabalho industrial. Segundo L.Ratier Coutrot, é um padrão de educação genéricacom retreinamento constante'<.

O desenvolvimento de redes que não diferen-ciem entre comunicações horizontais e verticaismostrou-se uma base importante sobre a qual osinovadores identificados por Alter construíramsua atividade e identidade.Uma ex-ministra, Shir-ley Williams, que participou do governo traba-lhista do primeiro-ministro Harold Wilson, temargumentado que a tecnologia de informação "vailiteralmente partir em pedaços as estruturas hierárqui-cas de gestão empresarial que ainda caracterizam aindústria britânica "(47). Nos Estados Unidos, pes-quisas realizadas em setores industriais subme-tidos a complexas exigências da gestão de infor-mações discernem uma tendência entre os patrões

41. WOLTON, D. Rapport sur les sciences de la com-munication. Paris, CNRS, 1985.

42. PAPERT, S. Mindstorms. New York, Basic Books,1980, pp.32-34.

43. NIVAT, M. L'informatique considerée comme un oui-il. Paris, 1985 (paper não publicado). Esse autor tem umoutro trabalho muito interessante: Savoir et Savoir Faireen informatique. Paris, la Documentation Française, 1983.

44. HUET, P. "Teletravail, emploi et economie". In:Bulletin de L'IDATE, nº 3,1980, pp. 13-19.

45. STAMPS, D. "Who' s 'Ieachíng Telecom". In: Da-tamation, vol. 31, nº 17, setembro, 1985, pp.82-88.

46. RATIER-COUTROT. Op. cit.

47. WILLIAMS, S. "Outlook Boom: Reality or Myth".In:SEIGHART, P. (org.) Op. cit.

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o ARTIGO

no sentido de substituirem o controle hierárquicoe a divisão detalhada do trabalho por grupossócio-técnicos com funções ampliadas e submeti-dos a um baixo grau de controle hierárquico't".Reflexões críticas acerca da divisão do trabalho edas hierarquias organizacionais têm sido comunsnas últimas duas décadas. Uma grande parte dasatuais discussões relaciona a necessidade de novasformas de controle organizacional e divisão do tra-balho, diante da crescente penetração da tecnolo-gia de informação em todas as formas de trabalho.Vogesitua esse fenômeno em nível geral: "as tradi-cionais pirâmides de subordinação hierárquica são maladaptadas à complexidade das comunicações nassociedades modernas'v".

As tecnologias de telemática parecem serpouco compreendidas pelos atores fundamentaisrelevantes. Sua implantação parece muito distanteda idéia de que são construídas com base em umcálculo taylorista racional, sujeitas a um plane-jamento e a um processo de negociação determi-nados. O taylorismo busca delimitar o trabalho eo que parece estar acontecendo é que este estejaescapando para além dos limites de suas fron-teiras tradicionais, com conseqüências que fogemà compreensão imediata, tanto dos atores comodos cientistas sociais. Os fenômenos citados, quedesafiam as práticas de gestão e as sindicais nãoesgotam de forma alguma as redefinições queestão ocorrendo no mundo do trabalho. Elemen-tos do que era antigamente o trabalho deescritório são agora executados por pessoas não-pagas em seu "tempo livre" (como, por exemplo,os caixas automáticos dos bancos). O processa-mento de informações e o trabalho de gerencia-mento já não são necessariamente executados emáreas geograficamente restritas (por exemplo,alguns bancos franceses têm suas transações pro-cessadas em computadores localizados em NovaYork). A informatização rompe barreiras entre ossetores industrial e de serviços, como no caso doscomponentes intelectuais de tarefas artesanaiscomplexas que são executados por trabalhadoresintelectuais, os desenhistas. Além disso, a dis-tinção entre o "trabalho de escritório" e o "traba-lho fora" da empresa outwork muda na medidaem que a telematização permite a descentraliza-ção do trabalho e as empresas recorrem em graucada vez maior à subcontratação para completarcertas tarefas. Em 1970, o gigante telefônico norte-americano AT&Tpreviu que quase todos os seusexecutivos trabalhariam "fora" da empresa até1990(50).

A velocidade e variedade que caracterizamessas mudanças parecem ser maiores do que asatuais capacidades de reflexão aprofundada a seurespeito. Surgem novos fenômenos que eviden-

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ciam a inadequação de nossos instrumentos teóri-cos convencionais para lidar com suas conseqüên-cias. Para o patronato, as conseqüências tornam-se, à medida que se complicam as negociações,comunicações e coordenação, um repetido fracas-so. Um estudo realizado na França calcula os cus-tos de tais fracassos em 30% da folha de paga-mente?". O "movimento das idéias" é insuficien-temente rápido para acompanhar o ritmo dasmudanças e a complexidade dessas mudanças esuas interrelações, sobretudo onde as fronteirasentre áreas de atividade eanálise antigamente se-paradas desaparecem e colocam problemas quesó podem ser esclarecidos por meio de intensosesforços de pesquisa e teorização.

A MUDANÇA PÓS-INDUSTRIAL:NOVOS ATORES EMERGEM COM

A TELEMATIZAÇÃO noTRABALHO DE ESCRITORIO

Várias análises da negociação das mudançaslevam-nos a perceber que as transformações asso-ciadas aos mais recentes surtos de mudança tec-nológica são tão profundas que se tornam de difí-cil compreensão. A existência de um ator, os ino-vadores, cujo desempenho era incompreensívelquando encarado através, de modelos tradi-cionais, já foi mencionada. E para o exame desseator e, em seguida, para sua localização quevamos nos voltar agora.

Três razões se apresentam para se conside-rarem as empresas do setor terciário que pro-duzem e gerenciam o conhecimento como ter-renos ideais de pesquisa:

1. O setor terciário tem sido tradicionalmentecaracterizado por baixos níveis de aumento deprodutividade e investimento. A produção emmassa de tecnologias de informação torna fácilimaginar que esse setor irá se tornar alvo degrandes investimentos com o objetivo de aumen-tar a produtividades",

48. HIRSCHORN, L. Beyond Mechanizaiion - Work andtechnology in a Postindustrial Age. Cambridge Mass, Lon-don, MIT Press,1984.

49. VOGE, J. "De reconomie de /'information à recono-mie d'iniormaiion", In: Le Bulletin I'IDATE, no 16,pp.53-96.

50. HUET, P.Op. cit.,p.15.

51. LEBAUME, G. "Au-delà du mythe technicien, labureautique aquotidien". In: ALTER, N. (org.) Informa-tiques et managemeni: la crise. Paris, La DocumentationFrançaise, 1986, pp.69-102.

52. PASTRE, O. L'informatisation et l'emploi. Paris, LaDecouverte, 1984, p. 119.

RAE

2. A produção e o gerenciamento do conheci-mento são encarados como uma atividade centralpor teóricos da sociedade pós-industrial. A tec-nologia de telemática permite a racionalização e aaceleração dessa atividade que é uma parcela sig-nificativa do trabalho, sobretudo do trabalho deescritório, no setor terciário.

3. Os trabalhadores do setor terciário, com apossível exceção dos setores de transportes, saúdee educação, não são prisioneiros dos discursoshistóricos que moldam suas reações à mudança.Ao abrigo, de um ponto de vista histórico, dosgrandes conflitos trabalhistas, e nunca tendoincorporado à linguagem tais conflitos, eles pare-cem mais propensos do que outras categorias detrabalhadores a reinventar sua própria linguageme suas ações face à mudança?".

Tipicamente, as empresas de produção e gestãodo conhecimento são chamadas "escritórios":bancos, administrações públicas, escritórios deprojetos, agências de publicidade, entre outras.Há divergências quanto à posição dos traba-lhadores de escritório no setor secundário, ou for-mas de trabalho industrial no setor terciário. Tan-to o "trabalho de escritório" como o trabalho do"setor terciário" podem se revelar noções com-plexas, uma vez que se comece a examiná-losmais em profundidade. Foge ao meu objetivoaqui abordar as complexidades de tais noções,uma vez que elas não constituem o foco dessareflexão.

O trabalho de escritório tem sido sujeito deduas formas diferentes de mudança tecnológicaque são freqüentemente tratadas no mesmofôlego: a telematização e a informatização tradi-cional. Esta usa máquinas e software especializa-dos, trata em geral grandes massas de informaçãode forma repetitiva e, tipicamente, faz isso deacordo com cronogramas e dentro de umaunidade especializada. As tecnologias detelemática empregam máquinas user friendly euniversais, softwares padronizados que permitemaos usuários produzir suas próprias informaçõese processá-las em pequena escala. A informaçãopode ser manipulada e produzida a qualquermomento e em qualquer ponto onde houver ter-minais. Para Henri Faure, numa perspectiva dedeterminismo tecnológico, essas característicaslevam a diferentes perfis de organização social: ainformatização tradicional tende a produzir umadivisão do trabalho e diferenciação de tarefas,enquanto a telemática permite a todos o mesmoacesso aos sistemas sem diferenciação de trabalhoou de tarefas't", Nesse sentido, portanto, pareceapropriado concentrar a análise nas empresastelematizadas.

A introdução da telemática nos locais de tra-

balho submetidos a poucas restrições constituiuma situação teórica na qual um alto grau deliberdade de invenção de novas formas de traba-lho se tornará disponível tanto para a direção dasempresas como para os trabalhadores. A França éum país onde tem ocorrido uma rápida telemati-zação do trabalho de escritório, devida, em parte,a uma política voluntarista do Estado, que temprivilegiado o investimento nessas tecnologias.Há indícios de que grande parte desses investi-mentos tem sido realizadas em qualquer referên-cia aos custos econômicos e sem uma determi-nação prévia de seus usos pela gerência. Essapolítica de investimento aparentemente irracionalfoi explicada por C. Jaeger e M. Pouchol, que aencaram como uma resposta específica aos pro-blemas gerais crônicos que afetam as economiasocidentais. As diferentes direções das empresasinvestem nessas tecnologias, barateadas em con-seqüência de uma política arriscada do Estado,que se baseia na expectativa de que elas pro-·duzam soluções técnicas para dificuldades atuaisou imaginadas para o futuro. Caso ocorra o pior, eas soluções não se materializem, podem dizer quepelo menos tentaram?",

Parte das pesquisas sociológicas tem procura-do acompanhar as mudanças na natureza do tra-balho e da ação social ligadas à telematização dosescritórios franceses. São esses trabalhos que pre-tendo examinar, a seguir.

Alter considera que o efeito global da "buróti-ca" (a telemática nos escritórios) configura-se emquatro dimensões:

1. um aumento da interdependência;2. um aumento da criatividade;3. uma aceleração do processo de decisão;4. uma melhora na qualidade do produto.Esses efeitos não surgem, porém, sem transfor-

mações sociais dentro das empresas. Surgem,segundo Alter, três grupos de atores: as operado-ras especializadas, os administradores gestion-naires, em francês e os inovadores. Os conflitosocorrem entre essas duas últimas categorias e,segundo conclui o autor, são a própria condiçãopara a otimização do emprego da técnica.

As operadoras especializadas .tratam a infor-mação 'produzida por outros. Seu papel não

53. CFDT. Le Tertiare Eclaté. Paris, Seuil, 1980, p.370.54. FAURE, H. "Informatiques nouvelles et bricolage

organisationnel", In: ALTER, N. Informatiques et manage-ment: la crise. Op. cit., pp.163-196.

55. JAEGER, L. & POUCHOL, M. Codes et Desordres:les bureaucraties informatisées. Paris, Centre de l'image etde la recherche audiovisuelle, 1986, pp.27(paper nãopublicado).

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o ARTIGO

implica um aumento da interdependência dacomunicação com outros. Nos oito estudos decaso realizados por Alter, essa categoria é com-posta por datilógrafas, digitadoras, auxiliares dedocumentação e técnicos. Sua intervenção limita-se a uma única técnica e não há liberdade parainovar fora de sua função estritamente definida.A telematização parece implicar uma taylorizaçãode seu trabalho. Observam-se, no entanto, mu-danças qualitativas em suas tarefas: o desapareci-mento de certas tarefas tradicionais e a modifi-cação de outras. Um processador de texto auto-matiza grande parte do trabalho de correção, tare-fa tradicional das datilógrafas. Não se verificou aprevisão de queda no nível de emprego dessa ca-tegoria, graças ao grande aumento na demandaem relação a textos intermediários e finais de me-lhor qualidade e layout. As operadoras especia-lizadas combatem de várias formas o papel quelhes é reservado nas empresas.

Os administradores transmitem aos outrosinformações que também não são produzidas poreles. Essa transmissão, que serve para gerir aempresa, pode ser vertical ou horizontal. Quadroshierárquicos e secretárias de direção julgam-sepertencentes a um grupo social pouco atingidopelas mudanças, querem manter sua função tradi-cional e sentem-se pouco atraídos pelas novasrelações de interdependência e capacidade de ino-vação oferecidas pela burótica.

Os inovadores produzem e transmitem a infor-mação. Por essa razão, são os mais profunda-mente envolvidos em quaisquer mudanças queprocurem modificar as relações entre traba-lhadores e a informação. Executivos de nívelmédio, secretárias, documentalistas, relacionam-se uns com os outros através de "contatoseletrônicos", formam redes de amizade e soli-dariedade não limitadas nem no espaço nempelas hierarquias organizacionais. Essa categoriainventa novos usos para as técnicas utilizadas. Osinovadores removem informalmente obstáculosque limitam o acesso à informação em algumasatividades dentro das empresas, interligam ban-cos de dados, trocam entre si códigos destinados amanter secretas certas informações e rompem cer-tas regras burocráticas, numa tentativa de explo-rar as capacidades técnicas dos equipamentosempregados e, com isso, abrem "zonas deincerteza" na organização. A transparência daorganização e a permanência da mudança sãoobjeto de luta e são justificados pelo argumentode que permitem uma maior eficiência organiza-cional do que os sistemas de regras burocráticas.

No caso empírico de um banco de dados inte-grado, Alter constatou que os inovadores buscama melhor forma de adaptar o funcionamento in-

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temo da organização às exigências externas. Aquantidade de informações disponível em relaçãoa várias atividades aumenta e essas informaçõessão cuidadosamente peneiradas de forma a auxi-liar a tomada de decisões. Dessa forma, os ino-vadores consideram-se mais capazes do que osadministradores de estabelecer bases racionaispara as decisões geradoras de lucros. Os admi-nistradores defendem-se apelando para as regrasburocráticas, enquanto os inovadores exigem ava-liações econômicas de seu trabalho e comparaçõescom o desempenho dos administradores. Essasreivindicações e esse conflito revelam-se parteessencial da formação da identidade dos ino-vadores, um grupo heterogêneo e, muitas vezes,geograficamente disperso, que constrói para sinovos papéis na tentativa de produzir uma orga-nização mais eficiente. Em sua luta contra osadministradores, eles buscam o apoio de umquarto grupo, a direção da empresa, que intervémem favor dos inovadores ao mesmo tempo queapóia a estabilidade institucional implícita nopapel dos administradores. Estes defendem asrelações de reprodução, enquanto os inovadoresdesenvolvem novas relações de produção e adireção da empresa equilibra as duas forças.

São raros os estudos sobre a telemática quedemonstram sensibilidade ao surgimento denovas formas de ação social. Alguns destes pro-duzem uma imagem coerente com a apresentadaem relação aos inovadores de Alter C. Jaeger etalii: estudaram 25 empresas industriais francesase cinco norte-americanas onde o trabalho deescritório fora telematizado. Eles descobriram queessas empresas haviam sido incapazes de seadaptar à gestão da informação e que as chavesque surgiam para o desenvolvimento eram ainvenção e o domínio do emprego das novas tec-nologias - em outras palavras, o desenvolvimen-to de um "espírito de inovação" que assegure odesenvolvimento da empresa='. R. Grun, numestudo de caso realizado no altamente. computa-dorizado setor bancário brasileiro, descobriu umacategoria de trabalhadores que apresenta seme-lhanças com os inovadores de Alter, tanto em ter-mos de características como de seu envolvimentono mesmo tipo de luta descrito acima'?',

Esses estudos acrescentam peso à idéia de queestá nascendo um novo ator social. Pouco importaque os integrantes dessa categoria sejam chamadosinovadores ou trabalhadores de colarinho doura-

56. Idem, ibidem.57. GRÜN, R. "Taylorismo e Fordismo no Trabalho

bancário: agentes e cenários". In: Revista Brasileira deCiências Sociais, vol. 1, nº 2,1986, pp. 13-27.

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do?". o que fica transparente é que seu surgimentoé uma questão tão problemática para a velha comopara a nova ordem. Como serão tratados essesnovos profissionais? Que qualidades devem serbuscadas no mercado de trabalho? Como deve serreorganizado o trabalho de forma a eliminar osurgimento de novos tipos de erros, que processosinstitucionais mais favorecem as mudanças e, alémdisso, quais mudanças são desejáveise para quem?Essas são algumas das questões que revelam agrande distância entre as certezas da era industriale as incertezas da era pós-industrial.

OS INOVADORES EM UMCONTEXTO MAIS AMPLO

Os portadores da nova cultura podem encon-trar, na informatização, uma forma de se expres-sarem. Fora dos limites estreitos do trabalho pago,uma variedade de estudos apontam para essaconclusão.

Na França, o maior índice de crescimento nosserviços públicos de telemática ao público ocorreujustamente nas áreas para as quais se previra umbaixo índice de uso: os serviços que permitem acomunicação entre os usuários e a substituição depadrões de comunicação pessoal existentes.Expandiram-se as consultas funcionais, como asde crianças que procuram ajuda com a lição decasa, dispensando o envolvimento do professorou dos pais. A comunicação com estranhos -uma atividade socialmente difícil por causa doenvolvimento que pode acabar produzindo - oua comunicação de assuntos proibidos ou sujeitos arestrições de natureza moral (como fantasias se-xuais) têm tido uma expansão significativa, tantoem comunicações informais (caracterizadas peloanonimato, abrangem os dois tipos de comuni-cação) como por clubes de encontros (cuja funçãoé promover encontros com estranhos). Tais con-tatos podem continuar sendo alfanuméricos ouresultar de contatos entre indivíduos ou gruposv".O livro de Seymour Papert sobre o relacionamen-to das crianças com o computador, Mindstorms,desenvolve a idéia de novos modelos de apren-dizado da matemática "em situações reais, coesivasdo ponto de vista social, e onde especialistas e principi-antes aprendem igualmente". A qualificação perdesua natureza abstrata e o aprendizado torna-seuma atividade permanente=". No entanto, a idéiade Papert de que o computador pode servir comoinstrumento para a libertação das crianças emrelação à fobia tradicionalmente ligada ao apren-dizado da matemática parece ter um equivalenteno mundo dos adultos: formas de repressãodesenvolvidas socialmente são rompidas quandoas mensagens são transmitidas de forma anôni-

ma, e conversas alfanuméricas são mediadas porum teclado e um vídeo.

Mas essas tecnologias, além de romper bar-reiras vindas da repressão ou dificuldades sociais,também permitem que se abram novas atividadesde produção e de consumo. O uso da telemáticafrancesa no contexto do movimento estudantil denovembro-dezembro de 1986, fornece exemplointeressante. O jornal Liberation e um grupo deestudantes, com o apoio da comissão de greve,montaram um serviço para tratar do movimentocontra uma lei de reforma universitária. Uma vezdesenvolvidos os softwares adequados, foramabertos ao público três serviços: um serviço deinformações sobre a lei e as posições dos oposi-tores; um serviço de comunicação pelo qual osusuários transmitiam recados sobre a greve paraserem lidos e respondidos ou não em váriaspartes do país; e um serviço de videogame basea-do no jogo Monopoly. A medida que o conflito foise alastrando, novos serviços foram sendo incor-porados a estes, inclusive informações atualizadashora a hora e um mapa do movimento?". Não édifícil imaginar tais serviços, com os três milhõesde terminais hoje existentes na França, e suacapacidade potencial de permitir ao usuário infor-mar-se, brincar e comunicar-se, multiplicadospara todo tipo de evento: uma quebra da bolsa,eleições, um caso de corrupção, atividadesesportivas, o mercado imobiliário.

DO PASSADO AO FUTURO

A velha ordem educacional identificada porPapert e a dos responsáveis pelo planejamento daburocracia das telecomunicações dentificada porCharon na França?" juntam-se aos administra-dores de Alter por serem defasados em relação àsnovas práticas que surgem.

Kelley discute a cultura dos "trabalhadores decolarinho dourado'v", que ganham a vidavendendo sua capacidade intelectual, e argumen-

58. KELLEY,R.E. The Gold Collar Worker - harness-ing the brainpower of the new workforce. ReadingMass, Addison-Wesley Publishing, 1984.

59. CHARON, J.M. De l' interactivité à la communi-cation. Paris, Centré d' études des mouvements socíaux,1986 (paper não publicado).

60. PAPERT, S. Op. cit.,p.179.61. MARCHAND, M. La grande aventure du mini-

tel. Paris, Larousse, pp. 155-8.62. CHARON, J.M. Op. cito63. KELLEY,R.E. Op. cito

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ta que, sem alterações radicais nas técnicas deadministração, as empresas irão enfrentar sériasdificuldades. Hirschorn traça os tipos de sistemaorganizacional e cultura do trabalho necessáriospara assegurar o desempenho nas indústrias dealta tecnologia, formas baseadas em sistemassócio-técnicos e em pensamento não-linear?", Osprofessores que Papert imagina para suas "esco-las do futuro" nada têm a ver com os do passado.No entanto, para nenhum desses autores asmudanças são espontâneas ou sem problemas, oque nos remete de volta à discussão sobre os limi-tes da mudança negociada e abre um novo debateque questiona a funcionalidade do conflito social.Nesse último contexto, a passagem da velha ànova ordem tem como precondição o conflitosocial entre atores organizados que buscam con-trolar o processo de desenvolvimento.

No entanto, mesmo esses autores que privile-giam o conflito social como forma de transiçãosuavizam essa posição, quando confrontados coma oposição entre a turbulência necessariamenteenvolvida nesse processo e a estabilidade neces-sária ao funcionamento da organízação='. Basea-do em estudos de caso, Faure desenvolve a idéiade que o "jeitinho" bricolage asseguraria amudança: "não há modelos que garantam a intro-dução e o uso de novas tecnologias( ...) A questão ésaber como negociar a mudança da experimentação iso-lada para a experimentação organizada de forma que osefeitos da mudança obtida possam ser mantidos eampliados, num processo evolutivo para a empresa.

Nessa perspectiva, a mudança não deve ser prevista,mas vista.

Entendida aqui como melhora da produtividadeorganizacional por meio do uso de novas informáticas,a mudança não deve ser concebida nem programada:

- deve ser detectada nos efeitos complexos e contra-ditórios das novas informatizações;

- deve' ser descoberta nas características comuns àssituações inovadoras que essas informatizações con-tribuem para fazer emergir;

- deve ser facilitada nessas situações por inter-venções no plano das representações dos atores e noplano das experimentações dos sistemas;

- deve ser organizada pelo domínio e avaliação dosprocessos de ajustes entre instituições e situaçõesprovocadas pelas iniormaiizações'v",

Essas reflexões não podem permanecer pormuito tempo restritas ao nível das empresastomadas individualmente. Para que ocorra umdesenvolvimento sustentado de uma economiapós-industrial, devem ser formadas certas basespolíticas e sociais. Uma massa crítica de empresasque compitam entre si e se complementem umasàs outras em mercados de produtos, que dispo-

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nham de capitais de risco e de uma massa críticade trabalhadores adequadamente qualificados,flexíveis e, se necessário, móveis no mercado detrabalho, constitui as pedras fundamentais para odesenvolvimento localizado. As empresas em taiscondições juntam-se - como mostrou CharlesSabel no Norte da Itália - à existência de umacerta infraestrutura econômica e de um certo per-fil de demanda de produto, para formar as basesde uma nova economia regional'". As tentativasplanejadas de se formarem "cidades da ciência"são um reconhecimento da necessidade de cons-truir tais bases'?", No entanto, essas economias deâmbito regional podem permanecer, como a teo-ria weberiana previa, como áreas protestantes ecapitalistas no meio de uma sociedade católica,ilhas de progresso num mar de anacronismo.

Subitamente, surge uma nova questão: comopassar dos atores inovadores adiante das empre-sas e regiões inovadoras para a sociedade pós-industrial inovadora? Questão, aliás, colocada portodas as partes?",

Tudo o que vimos neste texto deveria nos levara concluir que não há fórmula mágica capaz defuncionar sozinha. Um importante passo nessadireção, porém, é remover as barreiras ao desen-volvimento que protegem a velha ordem - sejamelas tarifas?", a inexistência de capital de risco, ahiperespecialização educacional, institucional oude qualquer outro plano em que possa ocorrer.Por trás dessa fórmula simples, há uma enormi-dade de conflitos potenciais dos quais nos aproxi-mamos apenas em relação a algumas das partesmais visíveis. No entanto, o clássico trabalho deMax Weber,A Ética Protestante e o Espírito do Capi-

64. HIRSCHORN, L. Op. cit.

65. ALTER, N. "Désordre et réussite en entreprise".In: A~TER, N.(org.) Informatiques et management: Ia crise.Op. cít., pp.197-231 (229). .

66. FAURE, H. Op. cit.,p. 185.67. SABEL, C. Work and Politics. Cambridge, Cam-

bridge University Press, 1982, pp.220-231.68. KERORGUEN, Y. & MERLANT, P. (org)."Tech-

nopolis". In: Autrement, nQ 74, novembro,1985.69. Ver: HALAL,W.E.The New Capitalism, New York,

[ohn Wiley and Sons, 1986; CARDECI, G. "SocialistLabour and Information Technology". In: Thesis Eleven,nQ 9, Ju1y,1984, pp.74-96.

70. Ver CHAMOUX, J.P. L'information sans Frontiêre.Paris, La Documentation Française, 1980, pp.132, sobreos custos de protecionismo; KATZAN, H.S. Multinatio-nal Computer Systems - an introduction to transnationaldata f/ow and data regulation.New York, Van NostrandReinhold, 1980, pp. 81-82, para uma discussão sobreBrasil.

RAE

talismo, leva-nos a perguntar se, mais além daconstrução de uma base e da remoção de bar-reiras, não existe uma importante precondiçãocultural para o desenvolvimento.

Caso a formação de uma cultura compatívelcom formas culturais da sociedade pós-industrialseja uma precondição, então vários países indus-triais avançados parecem estar, a julgar pelos estu-dos de Riesman, Touraine e BeU,em uma posiçãoambígua. Por um lado, alguns cidadãos são porta-dores de novos valores, discutidos pelos autores.Por outro lado, muitos atores organizados defen-dem os valores da era industrial. O desenvolvi-mento será um produto da difícil resolução desse

conflito em favor dos primeiros. Para muitosautores, as mudanças que ocorrem hoje são tãoprofundas quanto incontroláveis, mas há um con-senso crescente de que sua essência deve ser com-preendida por referência à arena cultural?", Umanova questão que se coloca é se essas observaçõesdeixam os países em desenvolvimento encerradosem um novo ciclo de subdesenvolvimento, em vir-tude do fato de os padrões de consumo, produção

71. LEMOINE, P. "Introduction". In: GALLOUEDEC-GENUYS,F. & LEMOINE, P. (org.) Les enjeux cu/turelsde l'informatisation. Paris, La Documentation Française,1970, pp. 15-24

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o ARTIGO

e investimento serem, em sua maioria, dominadospor valores pré-industriais e industriais. CelsoFurtado é um dos autores que desenvolveram re-flexões a respeito das bases culturais do desenvol-vimento econômico. Ele relaciona o subdesenvol-vimento industrial brasileiro à prevalência detra-dições culturais arcaicas das classes dominantes?",Robert Cole analisou a rápida industrialização doJapão fazendo importantes referências à questãocultural. O Japão era um país desprovido de umaética protestante, um pré-requisito hipotético parao desenvolvimento do capitalismo. Em um pri-meiro momento, a industrialização foi encaradacomo questão de sobrevivência nacional, isto é,tanto como meio de descartar uma ameaça militardo Ocidente como de manter a cultura e a identi-dade nacional. Foi colocada em prática uma polí-tica voluntarista do Estado: foram erguidas bar-reiras externas e rompidas barreiras internas, demodo a se construir uma base para o desenvolvi-mento. Em etapa posterior, os símbolos da culturanacional foram usados de forma criativa, segundoCole, "tanto a nível consciente como inconsciente (. ..)para garantir a legitimização de novas práticas e amotivação de novos tipos de desempenho (...) requeridospela indústria"?".

No Brasil, sefor excluída a recente políticadesastrosa de investimento na infraestrutura detelecomunicações, podemos ver esforços consi-deráveis de ação e reflexão sobre a entrada doBrasil na sociedade pós-industrial?",

Procurando evitar que o Brasil fique para tráscomo uma baleia industrial num mar pós-industri-al, a política do Estado e o debate público concen-tram-se hoje no controle e na discussão da com-plexa relação entre as barreiras internas e as ex-ternas ao crescimento pós-industrial. A Lei da Re-serva da Informática, a política nacional de tele-comunicações, a aquiescência oficial com a "pira-taria" de software e hardware e, mais recentemente,tentativas de estabelecer "pólos tecnólogicos" sãoiniciativas que se inserem nessa controvérsia po-lítica. No entanto, essa discussão carece de umaprofundamento na área cultural=". Tal discussãodeveria buscar localizar os elementos culturais, pe-culiares ao Brasil, que poderiam ser habilmentecombinados para funcionar como base de apoiopara o desenvolvimento pós-industrial. O rápidoexame realizado aqui da cultura dos inovadoressugere, em termos mais simples, o que os cientistassociais chamam de "jeitinho brasileiro'Y"; o desre-speito pela burocracia, a criatividade natural pro-duzida na batalha pela sobrevivência das classespopulares e a ampla aceitação da mudança comoparte normal da vida são elementos culturais com-patíveis com uma "cultura da inovação", que éuma das bases do desenvolvimento pós-industrial.

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Uma via de ação que se coloca para o Brasil égarantir que a passagem para uma economiapós-industrial não seja privilégio de algumaspoucas ilhas chamadas "pólos tecnológicos" enem que produza o flagelo de um novo ciclo dedependência econômica nacional. Como assegu-rar isso é, a julgar pelas dificuldades vividaspelos países desenvolvidos, um salto no escuro.A produção de um eixo de reflexão sobre ossuportes culturais para o desenvolvimento deuma economia pós-industrial poderá iluminaressa árdua passagem.(77)O

ABSTRACT: The objective of this essay is to treatsome of the principal currents of thinking about theinformation technology revolution. Through a readingof a variety of empirical and theoretical studies (in par-ticular relating to the tertiary sector work), this essayseeks to open up fields of reflection on approaches andanalytical categories, social actors and cu/ture in orderto produce theoretical insights as to what is at stake.

KEY TERMS: Telematics, office work, technologicalchange, cultural change, post-industrial society.

72. FURTADO, C. Cultura e Desenvolvimento em épocade crise. Rio de Janeiro, Paz e Terra, capítulo 1, 1984.

73. COLE, R.E. Work, Mobility and Participation.Berkeley, University of California Press, 1979, p. 24.

74. Oitava economia do mundo, o Brasil encontrava-se em décimo sexto lugar em termos de investimentosem telecomunicações, em 1986. A previsão é que, dessaposição, o Brasil deverá cair para o 19º. lugar em 1999.Ver: BOWLER, R. & MANLEY, T. "Projecting the Poten-tial for a Continent". In: Communications Internaiional,voI.15, nº 4,1988, pp. 24-27.

75. ACKERMANN, W. "Cultural Values and SocialChoice of Technology". In: International Social Science[oumal, vol. 33, nº 3, 1981,pp.447-465. As razões para osucesso da introdução de tecnologia dependem da com-patibilidade com práticas sociais, e isso necessariamentemodifica o escopo de atuação de alsuns grupos, enquan-to limita o escopo de outros, dommados por diferentesrelações sociais e agindo em função de valores culturaisincompatíveis. Esse último grupo pode, naturalmente,mobilizar-se para tentar evitar mudanças.

76. VIERA, C. A. "O Jeitinho Brasileiro como Recur-so de Poder". In: Revista de Administração Pública, vol.16, nº 2,1982, pp.5-31.

77. Agradecimentos: O autor gostaria de manifestarseu reconhecimento à Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de São Paulo, que subsidiou um período depesquisas de pós-doutorado na França e Grã-Bretanha,fundamental para o desenvolvimento de 'muitas dasidéias expostas neste trabalho.