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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA JOSÉ ANTÔNIO LUCAS GUIMARÃES PRESBITERIANISMO NO CEARÁ: PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA E BUSCA DE TOLERÂNCIA ENTRE 1875 E 1930 São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

JOSÉ ANTÔNIO LUCAS GUIMARÃES

PRESBITERIANISMO NO CEARÁ: PERSEGUIÇÃO

RELIGIOSA E BUSCA DE TOLERÂNCIA ENTRE 1875 E 1930

São Paulo

2011

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José Antônio Lucas Guimarães

Presbiterianismo no Ceará: perseguição religiosa e busca

de tolerância entre 1875 e 1930

Monografia apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciência da Religião da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, como

requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em

Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira

São Paulo

2011

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G963p Guimarães, José Antônio Lucas Presbiterianismo no Ceará: perseguição religiosa e busca de tolerância entre 1875 e 1930 / José Antônio Lucas Guimarães - 2011. 135 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011. Orientador: Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira Bibliografia: f. 117-124 1. Protestantismo 2. Intolerância 3. Presbiterianismo 4. História do Ceará I. Título

LC BX9042.B66 CDD 285.0981

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JOSÉ ANTÔNIO LUCAS GUIMARÃES

PRESBITERIANISMO NO CEARÁ: PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA E BUSCA

DE TOLERÂNCIA ENTRE 1875 E 1930

Monografia apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciência da Religião da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, como

requisito parcial à obtenção do grau de Mestre

em Ciências da Religião.

Aprovada em: 21 de setembro de 2011.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________

Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira - Orientador

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Antônio Maspoli de Araújo Gomes

Universidade Presbiteriana Mackenzie

____________________________________________________________

Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz

Universidade de São Paulo

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“O historiador (...) é alguém que recupera memórias

perdidas e as distribui, como se fossem um

sacramento, por aqueles que perderam a memória.

Na verdade, que melhor sacramento comunitário

existe que as memórias de um passado comum,

marcadas pela experiência da dor, do sacrifício e da

esperança? Recolher para distribuir. Ele não é

apenas um arqueólogo de memórias. É um plantador

de visões e de esperanças.

Pode um historiador ser objetivo e desapaixonado?

Não faz ele suas investigações como alguém que

procura uma carta de amor perdida, carta que

tornaria o amante para sempre feliz, como alguém

que procura um testamento esquecido, testamento

que faria rico o pobre que o busca? Onde a

neutralidade? Todo trabalho de história deveria

começar com uma confissão de amor – o que lhe

tiraria sua assepsia científica, e lhe daria significação

política.”

Rubem Alves (1982, p.170-171).

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DEDICATÓRIA

À minha mãe Margarida Lucas e ao meu pai

Francisco de Assis (in memoriam).

Durante o curso, vivi a experiência de perder meu

pai. O mundo encontra-se mais vazio!

Durante o curso, vivi a experiência de quase perder

minha mãe. Seu abraço preenche o vazio!

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AGRADECIMENTOS

A Deus por tornar o nascimento do sol palco de minha historicidade e por me

fazer compreender que os desafios e lutas na vida são os meios usados pela providência para

superar, vencer e acreditar que o melhor ainda virá.

À minha mãe Margarida Lucas e ao meu pai Francisco de Assis Guimarães (in

memoriam) por ter se amado o suficiente para me desejar como filho, gente e alegria de seus

sonhos.

Ao meu irmão Raimundo Lucas, e às minhas irmãs Maria Edir e Maria Edineuza

por me mostrarem em cada sorriso o valor da família.

À minha esposa Arioneide da Silva por me ser próxima nesse momento.

Ao meu orientador, prof. Dr. João Baptista Borges Pereira, por fazer de sua vida

uma inspiração, e de sua orientação uma motivação. Sua atenção, alegria e entusiasmo

iluminam o universo de seu saber.

À Igreja Presbiteriana de São Vicente, através de seu Conselho, por me apoiar na

busca dessa pós-graduação, e ao Rev. Fábio F. Ciribelli pela sua presença amiga.

Ao prof. Dr. Roberto Carlos G. Castro e família por me receber em sua casa tão

prontamente. A presteza de vocês é testemunho de plena humanidade.

Ao presbítero Clayton Vieira por doar sua família para fazer parte de minha vida.

Aos professores e colegas de turma por tornar cada aula um constante chamado à

beleza da cordialidade.

Por fim, a todos que, de forma direta ou indireta, contribuíram com a realização da

presente pesquisa.

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RESUMO

A presente dissertação analisa a perseguição religiosa e a busca do diálogo a partir

da implantação da Igreja Presbiteriana no Ceará entre 1875 e 1930. O estudo tem como

referencial teórico os trabalhos de Michel de Certeau, Norbert Elias, Pierre Bourdieu e Michel

Foucault. Através da pesquisa bibliográfica, enfoca-se o presbiterianismo e sua atuação no

Ceará. A hipótese principal é que o presbiterianismo no Ceará sofreu duríssimas perseguições,

o que o levou a impor uma ação de conquista do diálogo religioso no período de sua

implantação e consolidação. A Igreja Presbiteriana iniciou seu trabalho de divulgação

protestante no Brasil em 1859. Ela teve uma rápida aceitação, principalmente devido a

predominância, em larga escala, da elite liberal brasileira advinda do regime republicano. No

Ceará, sua implantação ocorreu a partir 1875, especificamente com a chegada do missionário

De Lacy Wardlaw, em 1883. A organização da primeira Igreja Presbiteriana no Ceará ocorreu

em 1890. Na busca de um maior aprofundamento dos pressupostos elencados na presente

dissertação, percebe-se a importância das estratégias. O presbiterianismo utilizou as linhas

férreas para adentrar o sertão, tentou implantar escolas como meio de divulgação da cultura e

usou os jornais para informar e formar o povo (protestante e católico). No centro dos esforços

da implantação do presbiterianismo no Ceará, percebe-se a busca de fazer cumpridas as leis

que favoreciam o diálogo religioso devido às intensas perseguições religiosas no Estado.

Essas perseguições tiveram caráter político e religioso e revelava-se através de fofocas,

estigmatização, perseguição e violência. O reverendo Natanael Cortez assumiu um papel de

destaque na busca presbiteriana pelo diálogo religioso. Ele usou de meios culturais e políticos

para reprimir as perseguições. Sua luta produziu a consolidação do presbiterianismo no

Estado e, paradoxalmente, uma aproximação com o catolicismo.

PALAVRAS-CHAVE: Protestantismo; Intolerância; História do Ceará; Presbiterianismo.

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ABSTRACT

This works examines the religious persecution and the search for dialogue that

took place in the period in which Presbyterian Church was implanted in the State of Ceará,

Brazil (1875-1930). Its theoretic references are the thought of Michel de Certeu, Norbert

Elias, Pierre Bourdieu and Michel Foucault. The bibliographical research is focused on

Presbyterianism and its performance in Ceará. The main hypothesis is that Presbyterianism in

Ceará suffered very hard persecutions, that led it to make efforts for promote religious

dialogue. Presbyterian Church started its activities of Protestantism divulgation in Brazil in

the year of 1859. It had quick acceptance, especially due to a liberal elite that came from

Brazilian republican regime. In Ceará, the deployment of Presbyterianism occurred from

1875, specially with the arriving of missionary De Lacy Wardlaw, in 1883. The organization

of the first Presbyterian Church in Ceará happened em 1890. In order to investigate further

the assumptions of this work, it's interesting to notice the importance of strategies. For

instance, Presbyterianism has used the railways to penetrate into the hinterland and has

published newspapers to inform and educate people (protestant and catholic). In these efforts,

because of the very hard religious persecutions, Presbyterians sought to make enforce laws

that contributed to religious dialogue. Persecutions had a politic and religious character and it

was revealed by gossips, stigmatization und violence. Presbyterian reverend Natanael Cortez

had a central role in the search for dialogue. He used cultural and politic ways to suppress

persecutions. His efforts produced the consolidation of Presbyterianism in the State of Ceará

and paradoxically an approach to Catholicism.

KEY-WORDS: Protestantism; Intolerance; History of Ceará; Presbiterianism.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9

1. OS ESTABELECIDOS: O CATOLICISMO NO SÉCULO XIX E A FORMAÇÃO

DA SUA IDENTIDADE ......................................................................................................... 18

1.1. RE-VISÃO E VISÃO METODOLÓGICA DO ESTUDO DO CATOLICISMO

DEZENOVENISTA ............................................................................................................. 18 1.2. CATOLICISMO: MARGINALIZAÇÃO E IDENTIDADE ......................................... 21 1.3. EM BUSCA DO CATOLICISMO DEZENOVENISTA E DA CONSTRUÇÃO DE

SEU ESTABELECIMENTO ................................................................................................ 26

2. OS OUTSIDERS: O PROTESTANTISMO E SUA IMPLANTAÇÃO NO BRASIL

NO SÉCULO XIX .................................................................................................................. 61

2.1. DOS PRESSUPOSTOS EM TORNO DA IDENTIDADE PROTESTANTE DO

SÉCULO XIX ....................................................................................................................... 61

2.2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO PROTESTANTISMO ..................................... 67 2.2.1. A Presença Protestante no Brasil ........................................................................... 67 2.2.2. A Presença Protestante no Ceará .......................................................................... 69

2.3. IMPLANTAÇÃO DO PROTESTANTISMO E DO PRESBITERIANISMO NO

BRASIL ................................................................................................................................ 70

2.3.1. Os Primórdios da Implantação do Presbiterianismo no Brasil ............................. 77 2.3.2. Os Primórdios da Implantação do Presbiterianismo no Ceará ............................. 79

3. A DIVULGAÇÃO DO PROTESTANTISMO NO CEARÁ .......................................... 85

4. A PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NO CEARÁ E A RESISTÊNCIA

PRESBITERIANA EM BUSCA DO DIÁLOGO ................................................................ 97

4.1. O REINO DO ANONIMATO: PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA E ESTIGMATIZAÇÃO

.............................................................................................................................................. 97 4.2. O PRESBITERIANISMO CEARENSE E A BUSCA DA TOLERÂNCIA ................ 100 4.3. NATANAEL CORTEZ E SUA PRESENÇA DECISIVA NA LUTA PELO DIÁLOGO

RELIGIOSO ....................................................................................................................... 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 117

ANEXOS ............................................................................................................................... 125

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INTRODUÇÃO

Na década de oitenta do século XX, tive contato com o protestantismo – fato que

me levou à adesão ao mesmo. De imediato, foi vivido um sentimento de estigmatização que

se revelava não apenas no seio familiar, mas nos relacionamentos comunitários. Lembro que

ao participar de um culto num sábado, à convite de um amigo, cuja família havia aderido ao

protestantismo recentemente, fui confrontado, no domingo seguinte, ao chegar na aula de

instrução ao Crisma (sacramento católico), pela professora: “Escolha a quem vai seguir: a

Santa Madre Igreja ou ao protestantismo?” Ali, em pé na porta, com o olhar dos meus colegas

fixos em mim, dei meio-volta e retornei para casa. Eu não sabia o que era o protestantismo.

Apenas naquele momento sentia que me tornara protestante. Ao chegar em casa, disse para

minha mãe: “Mãe, eu sou protestante”. Ela reagiu: “Que história é essa! Vou chamar seu tio e

ele vai levá-lo à missa”. Fui, então, conclusivo: “Mãe, eu não vou à missa. Eu sou protestante.

A professora mandou-me escolher, e eu fiz a escolha!”

Resolvida, parcialmente, essa questão familiar, comecei a me reunir num prédio

escolar com o grupo protestante da comunidade onde morava. Em determinado dia, no

momento da celebração, começou uma saraivada de pedras sobre o telhado da edificação onde

estávamos reunidos. Não se pretendeu descobrir quem organizou tal empreitada e nem quem

participou, apenas cuidamos de encerrar a celebração para que ninguém saísse ferido de tal

atentado. Esse ocorrido me marcou muito na época. Eu ficava imaginando como alguém

poderia ter a coragem de tamanha agressão. Todos os que estavam ali nasceram e cresceram

na comunidade. Eles eram conhecidos e respeitados. Aquele atentado não se encaixava nessa

dinâmica comunitária, talvez porque ela tenha sido quebrada com a presença protestante. Os

outsiders nem sempre são grupos vindos de fora. Eles podem constituir grupos internos que

estruturaram sua lógica de vida a partir de uma identidade externa em detrimento a tradição

do grupo estabelecido.

Como divulgador da fé protestante, fui agredido publicamente apenas por

responder, em tom cordial, a uma pergunta sobre questões religiosas num ambiente onde,

além de ser um lugar de convivência, não parecia hostil. Isto me levou a pensar seriamente na

questão dos sentimentos que levavam as pessoas a usarem da violência como meio de

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defender sua religião.

Em busca de conhecer a história da atuação protestante na Região Central do

Ceará, descobri que, no início do século XX, na cidade onde morava e atuava como

divulgador da fé protestante, o município de Acopiara, Estado do Ceará, houve uma tentativa

de implantação do protestantismo presbiteriano. Ela culminou com a expulsão do missionário

e da destruição do templo (queimado!). Descobri, também, que determinada rua era

denominada (não oficialmente) de “rua dos bodes” porque nela morava uma família

protestante em décadas passadas.

O determinante para empreitar uma pesquisa foi o encontro com dois cemitérios

protestantes na Região: um na cidade onde mantinha residência (Acopiara), e o outro numa

cidade vizinha (Irapuan Pinheiro). Ambos, resultados da privação causada pela intolerância

religiosa. Uma pergunta deveria ser respondida: Que sentimento é esse capaz de negar um dos

mais sublimes dever cristão a outro – o cuidado devido aos mortos (sepultamento)? Que

forças operam para que, em nome da religião, a violência seja justificada e tida como um

favor a Deus?

Essas perguntas levaram-me a pesquisar a perseguição religiosa no Ceará. O

relato acima não significa comprometimento emocional capaz de invalidar a pesquisa. Ele

apenas é usado para mostrar o caminho ao encontro do objeto de pesquisa. Não procuro

aplacar traumas (principalmente devido a sua inexistência), mas compreender uma realidade

histórica.

A presente dissertação tem por objetivo analisar a perseguição religiosa e a

dinâmica de ação da Igreja Presbiteriana no Ceará compreendido entre 1875 (marco inicial de

sua implantação) e 1930 (consolidação do presbiterianismo no Ceará e do diálogo religioso

com o catolicismo). A hipótese que orientará a pesquisa parte do pressuposto de que a Igreja

Presbiteriana, no período entre 1875 e 1930, ao se tornar objeto de perseguição religiosa no

Estado do Ceará, canalizou seus esforços para fazer cumpridas as Leis Constitucionais que

promoviam determinados direitos ao culto das religiões acatólicas. Nesse esforço, ela se

tornou a principal responsável pela tolerância religiosa no Estado, forjando assim uma cultura

de respeito que perdura até hoje. Para alcançar tal objetivo, a Igreja Presbiteriana lança mão

das relações de poder para se estabelecer diante de uma cultura estigmatizadora e repressora

que gerava perseguição e exclusão dos acatólicos.

Especificamente, quer-se destacar os vínculos históricos do protestantismo no

Ceará e as tentativas de sua implantação no Brasil; pesquisar sobre um momento decisivo do

protestantismo na história do Ceará (1875-1930) em busca da tolerância religiosa; identificar

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as principais estratégias de propaganda e difusão do protestantismo no Ceará; descrever

importantes mecanismos da perseguição religiosa; enfatizar a importância do reverendo

Natanael Cortez na luta pela tolerância religiosa; e apresentar as contribuições que a ação

presbiteriana trouxe para a construção da tolerância religiosa, e de uma educação religiosa

forte e diversificada na história atual do Ceará.

Algumas perguntas são necessárias. Existiu perseguição sistemática e ideológica

no Ceará ao protestantismo? Se existiu que mecanismos foram usados para estigmatizar e até

atentar contra a vida, dignidade e liberdade dos fiéis protestantes? Como reagiu o

presbiterianismo diante da privação de sua liberdade de culto? Em que ele contribuiu para a

tolerância religiosa no Estado do Ceará?

No Brasil, entre as histórias sobre as perseguições religiosas, destacam-se aquelas

que se referem às perseguições que os protestantes sofreram devido à oposição católico-

romana.1 Entretanto, poucas ou nenhuma foram documentadas juridicamente. Crê-se que os

motivos são diversos. Primeiro, porque apesar do país se declarar laico (quando na

República), sua estrutura continuava debaixo de uma forte e decisiva dominação católica.

Dificilmente uma queixa seria atendida quando se tratava de uma questão envolvendo a Igreja

Católica, principalmente nas cidades interioranas, onde o padre tinha certa ascendência sobre

a estrutura político-jurídica. Segundo, qualquer perseguição, mesmo conduzida pelo clero

católico, era interpretada como legitima defesa do povo contra o proselitismo protestante.

Terceiro, acredita-se que o Brasil republicano, na sua sede de se apresentar como um país de

liberdade religiosa, jamais assumiu a realidade da perseguição religiosa – até patrocinada pelo

Estado, mesmo que pela sua omissão – aberta, pretensiosa e marginalizadora. Quarto, diante

do poder esmagador do clero e leigos católicos e da omissão do Estado, os protestantes

assumiram, finalmente, um espírito de mártires. Entendiam que essa era sua missão no mundo

por viver e propagar a fé protestante. A hinologia ajudou bastante no estabelecimento desse

sentimento ao enfatizar a igreja como em peregrinação ou militante no mundo rumo a uma

condição de triunfo pós-morte. Hinos como “Sempre vencendo”, que exaltava Jesus como o

invencível conduzindo a igreja ao triunfo, é prova disso (NOVO CÂNTICO, 1990, p. 49).

Também a interpretação de textos bíblicos, que exaltavam o padecimento por amor a Cristo,

contribuiu para a conformação na perseguição. Um texto bastante usado encontra-se escrito na

primeira carta de Pedro (1ª Pedro 4.13-14): “...alegrai-vos na medida em que sois co-

participantes dos sofrimentos de Cristo... Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-

1 Léonard (1981, p. 110-112) apresenta um apanhado de fatos ocorridos contra os protestantes. Constata-se o uso

das autoridades policiais e dos mecanismos de violência como tentativa de impedir o culto protestante.

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aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus” (BÍBLIA

SABRADA, 1993, p. 280). A perseguição é justificada pelo senso de pertencimento a igreja

que sofre à semelhança de Cristo e dos mártires.

Essa “consciência de minoria perseguida” foi inculcada por meio de livros e

panfletos no final do século XIX (na Primeira República). Eles circulavam nas igrejas

contendo histórias das perseguições aos cristãos antigos e aos protestantes no universo da

Reforma Protestante. O Estado, no período analisado, não procurou anular essa perseguição

ou denunciá-la. Ele não atentou para o drama religioso por que os protestantes passavam em

sua afirmação no solo pátrio.

No Ceará, a existência não somente de histórias, mas de dois cemitérios

protestantes (localizados no Sítio Vencedor, município de Irapuan Pinheiro, e no Sítio

Carretão, município de Acopiara), construídos como consequência da perseguição religiosa,

remetem à pesquisa e ao aprofundamento do assunto. São monumentos históricos que

merecem devida análise para a compreensão de sua origem.

Apesar das evidências acima, o Brasil, dentre os países latino-americanos, foi o

mais receptivo ao protestantismo. Esse fato é comprovado quando se percebe que nele o

crescimento numérico do protestantismo, historicamente, manteve-se acima dos demais países

latino-americanos. O missionário americano William R. Read (s/d, p. 47), quando tratou do

crescimento da Igreja Presbiteriana, relatou que, paradoxalmente, a mesma não crescia “como

seria de esperar, num país, que apresenta uma receptividade tão extraordinária”. A Igreja teve

acesso aos meios de comunicação. Apesar das leis, a princípio, não favorecerem tal

empreendimento, contudo não se usou delas como entrave à propaganda protestante. Isto

mostra que no Brasil existiu determinada liberalidade ao protestantismo.

A escolha da Igreja Presbiteriana como objeto de pesquisa justifica-se pelo fato de

ser a primeira igreja protestante a inserir-se no contexto cearense e vivenciar as lutas como

“nova fé” nessa sociedade. Justifica-se, também, por sua história marcante no

presbiterianismo nacional. A Igreja Presbiteriana no Ceará sediou dois Supremos Concílios,

sendo o de 1938, o primeiro denominado pela Igreja Presbiteriana do Brasil de Supremo

Concílio propriamente.2 Ela teve um de seus pastores como presidente do Supremo Concílio

de 1946, o reverendo Natanael Cortez. Foi a oitava igreja organizada na fase pioneira do

presbiteriano no Nordeste e Norte do Brasil, e teve o primeiro deputado estadual protestante

2 O Supremo Concílio é o órgão conciliar (assembléia) superior da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB). Ele,

através do sistema representativo de governo, é responsável pela manutenção da unidade, disciplina e padrão

doutrinário da igreja, bem como elaboração, reforma e emendas de seu estatuto. O Supremo Concílio exerce

jurisdição sobre todos os demais concílios da IPB.

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do país, o reverendo Natanael Cortez, em 1929.

O presbiterianismo no Ceará é objeto de pesquisa no que diz respeito ao seu

comportamento diante das sofridas perseguições religiosas que, ocorridas como relações de

poder e através de mecanismos de violência, visavam impedir seu estabelecimento no Estado

do Ceará. Desta forma, a presente pesquisa assume um grau de importância singular

considerando que ela lança um olhar sobre a perseguição religiosa no Estado do Ceará e

destaca os mecanismos de sua manutenção, contribui com a história do Ceará no campo

religioso e suas interações político-sociais, enfatiza as lutas de uma minoria religiosa em

busca de liberdade e direitos, e mostra como o Ceará reagiu à liberdade religiosa que as leis

do Império e da República proclamavam.

Na presente pesquisa considera-se que resgatar a história do presbiterianismo

cearense é oportunidade de rever o protestantismo hoje. É também avançar na escrita da

História do Ceará e de sua religiosidade. A história das perseguições religiosas neste Estado é

a história de luta pelo poder e da busca de liberdade e dignidade. Resgatá-la é assumir a

identidade e a história. É aprofundar o conhecimento sobre o povo e da religiosidade presente

em sua vivência, e assumir a tarefa de construção do diálogo religioso. Se for considerada a

premissa de Eric Hobsbawm (1998, p. 186) que “não há povo sem história ou que possa ser

compreendido sem ela”, o protestantismo cearense possui sua particularidade histórica que

revela a própria história do Ceará e do Brasil sendo, pois, pertinente o esforço de escrevê-la.

Quanto as motivações que remete à pesquisa do presente objeto, primeiramente,

foi a curiosidade diante de tantas histórias no meio protestante, principalmente no Sertão

cearense, sobre pessoas perseguidas devido a religião. Segundo, o contato com dois

cemitérios protestantes na região Centro-Sul do Ceará: Sítio Vencedor (município de Irapuan

Pinheiro) e Sítio Carretão (município de Acopiara) administrados pela Igreja Presbiteriana e

fruto da intolerância religiosa. Terceiro, o desafio de compreender os mecanismos da

perseguição religiosa no Ceará. Quarto, a tentativa de compreender a ação presbiteriana,

primeira igreja protestante no Estado, diante do desafio de consolidação e de luta pela

liberdade de culto no Ceará. E, finalmente, a busca por entender as conquistas na área da

educação religiosa no Estado e da tolerância atual como fruto daquela busca primeira.

Através de pesquisa bibliográfica (e documental), com abordagens qualitativas,

pretende-se trabalhar o pressuposto alencado na hipótese. A pesquisa bibliográfica será de

fundamental importância no contexto do trabalho que se pretendeu empreender. Além dos

autores citados na revisão bibliográfica, outros poderão vir a ser incorporados conforme a

relevância que adquirirem.

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Dentro dos diversos trabalhos que constituem a formação historiográfica sobre a

implantação do protestantismo no Brasil, especialmente do presbiterianismo, e que remetem à

perseguição religiosa sofrida por esse grupo pode-se destacar alguns.3

Um dos primeiros trabalhos sobre o protestantismo brasileiro, com rigor

científico, foi escrito por Émile-Guillaume Léonard (1981), pesquisador francês que trabalhou

como professor da USP entre 1948 e 1950. Este trabalho, intitulado O protestantismo

brasileiro: um estudo de eclesiologia e história social, considerado um clássico, trata-se de

uma obra enquadrada nos moldes da historia das mentalidades, que é marco inicial

representativo da historiografia protestante brasileira. A intenção do autor era estudar seu

objeto a partir da eclesiologia e história social religiosa (ciências recentes na época). Léonard

aplica em sua análise o método das religiões comparadas para afirmar que o quadro religioso

no Brasil era semelhante ao da Reforma Protestante no século XVI, sendo esse um dos fatores

para a implantação e desenvolvimento do protestantismo no Brasil. O mesmo faz referência (e

registro) a perseguição religiosa sem atentar propriamente para seu drama.

Antônio Gouvêa Mendonça (1990), seguindo o caminho aberto por Léonard, com

o livro O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil, aborda de maneira

significativa o tipo de protestantismo conhecido como “protestantismo de missão”, cuja

chegada e expansão no Brasil data do século XIX. Dentro desse tipo de protestantismo, ele

analisa a vertente calvinista conhecida como “Presbiterianismo”. Mendonça procura mostrar

como se deu sua expansão e em qual camada social sua mensagem encontrou lugar. Contudo,

mesmo apresentando dados sobre a perseguição atem-se apenas a constatação do fato.

A obra de David Gueiros Vieira O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão

Religiosa no Brasil também é de grande valor para o estudo do protestantismo,

principalmente na sua interação com a campanha liberal no país. O autor apresenta os

conflitos existentes sem atentar aos devidos aprofundamentos da temática.

Boanerges Ribeiro (1973; 1981; 1991), em seus três livros Protestantismo no

Brasil monárquico, Protestantismo e cultura brasileira, e Igreja evangélica e república

brasileira, contribui com uma análise de como os protestantes tiverem de conquistar seu

espaço com o advento da República até 1930, bem como apresenta a tensão vivida neste

período gerada pelo avanço da hierarquia sobre o Estado. Nestas obras são apresentados

relatos das perseguições apenas como dados nos moldes da apologética de minoria

perseguida.

3 Quanto as fontes de caráter histórico-apologético, não se receia utilizá-las tendo em vista que a abordagem

histórica tem valorizado a memória e as novas linguagens e formas de registros (VIEIRA, 1989, p. 28).

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No que diz respeito à implantação do protestantismo no Ceará, principalmente da

vertente presbiteriana, o livro de Francisco Agileu de Lima Gadelha (2005), O Ceará na

trilha da nova fé: o presbiterianismo no Ceará (1883-1930), fruto de sua dissertação de

Mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tem como principal

contribuição o pioneirismo no estudo da implantação do protestantismo presbiteriano no

Ceará. O mesmo limita-se a contar apenas certas histórias sobre as perseguições sem adentrar

no mérito dos mesmos.

O trabalho de Gledson Ribeiro de Oliveira (2001), Sal da Terra: identidade e

intolerância de católicos e protestantes no Ceará do século XIX, também resultado de

pesquisa para sua dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), aproxima-se da temática da intolerância

religiosa em sua busca de delimitar sua arquitetura.

Os relatos da vida e das perseguições sofridas pelo reverendo Natanael Cortez

(1965), estão documentadas em seu livro Os Dois Tributos, e nos livros organizados por

Paulo Viana (2001; 2004): A sagrada peleja: a atuação multifacetada de um pastor

presbiteriano no Ceará, e Lavoura de Deus: tributo religioso de um pastor presbiteriano no

Ceará. Nestas obras estão as memórias, diário pastoral e artigos publicados pelo reverendo

Natanael Cortez. São as fontes primárias para o estudo da perseguição religiosa no Estado.

Como relatos, não trazem análises da problemática da perseguição.

A historiográfica protestante configurou-se primeiramente como apologética e

positivista. A partir da década de 50, inicia-se a produção de uma historiografia crítica.

Quanto a historiografia presbiteriana, percebe-se um fundamentalismo em sua fase inicial

vindo atualmente receber outros referenciais teóricos e metodológicos (WATANABE, 2005,

p. 17). Existe uma lacuna que se busca preencher quanto a historiografia protestante. Ela diz

respeito a fazer valer seu espaço e lugar na história mais ampla da sociedade brasileira no

tocante ao seu desenvolvimento cultural e religioso. Esta lacuna tem sua justificativa nos

interesses políticos e ideológicos (SANTOS, 2005, p 03).

Como se pode perceber, é possível contribuir, significativamente, como se

pretende, com um novo olhar sobre o material bibliográfico que relata as perseguições,

especialmente no contexto da igreja protestante cearense, e indagar sobre questões para além

da simples noção apologética que apresenta o protestantismo apenas como um grupo

marginalizado. Esta busca não quer colocar suspeita sobre a validade da fé dos perseguidos.

Quer-se dignificá-lo fazendo-os falar através da possibilidade do conhecimento de suas lutas,

privações e impacto na sociedade da época sob a condição de perseguidos.

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No afã de lidar com a hipótese de trabalho proposta, deve-se buscar conhecer as

relações de poder inerentes a prática da perseguição. A discussão sobre o poder religioso não

pode prescindir de Michel Foucault (1986), que discute a questão das relações de poder no

âmbito das instituições. Toma-se emprestado de Pierre Bourdieu (1982, 1984, 2009) os

conceitos de campo religioso e de habitus.

A leitura de Norbert Elias e John L. Scotson (2000), e de Erving Goffman (1988) é

essencial para a compreensão das redes de boatos e fofocas, bem como para a conceituação de

estigma. Na compreensão do protestantismo e sua relação com o trabalho, disciplina e visão

de mundo buscou-se nortear através das análises de Max Weber (1994, 2001). A fofoca

assume, na presente pesquisa, um caráter de categoria, conforme abordagem de Norbert Elias

e John Scotson em sua busca de compreender o processo de estigmatização.

Finalmente, destaca-se Michel de Certeau (1994, 1995), cujo olhar para os

detalhes, para os heróis ordinários e para a preocupação com a escrita da história, bem como à

dinâmica da cultura e do cotidiano, traz significativa inspiração para essa empreitada.

Destaca-se nesse esquema lógico a teoria de identidade, segundo apresentada por Roberto

Cardoso de Oliveira (1976) e João Baptista Borges Pereira (2005), bem como a teoria da

prática antropológica (CARDOSO, 2004).

O propósito, ao buscar a compreensão da realidade do objeto estudado nesses

teóricos, não será reproduzir o mesmo tipo de pensamento sócio-histórico presente em suas

pesquisas como mera repetição de categorias prontas. Pretende-se não discutir a teoria, mas

usá-las como ferramentas para ajudar na compreensão do objeto.

No primeiro capítulo, busca-se encontrar a identidade católica no século XIX

através da construção de uma (re)leitura histórica do catolicismo cearense. No segundo

capítulo, busca-se, além da compreensão de sua identidade, a história da Igreja Protestante em

sua relação de implantação e consolidação no Brasil e no Estado do Ceará. Neste se pretende

mostrar como o Brasil, por muitos anos, viveu sob a hegemonia religiosa católica e como se

desenrolou o processo de protestantização. No terceiro capítulo, analisa-se as estratégias

usadas pela Igreja Presbiteriana no seu afã de se inserir no contexto cearense. Ali se destaca o

uso do jornal, panfletos e escolas, como também o uso da linha férrea na interiorização da fé.

Finalmente, no quarto capítulo, lança-se um olhar sobre a perseguição religiosa no Estado do

Ceará destacando os principais centros de intolerância religiosa e a ação presbiteriana em sua

busca em prol do diálogo. Neste, como mediador da luta pelo diálogo religioso, destaca-se o

trabalho do reverendo Natanael Cortez.

Quando em visita aos cemitérios protestantes no Ceará, a brisa que soprava no

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rosto parecia sussurro do passado que pedia para falar. Fiquei pensando no que disse Rubem

Alves (1982, p. 09):

Memórias não podem ser esquecidas. O passado, uma vez vivido, entra em

nosso sangue, molda o nosso corpo, escolhe nossas palavras. É inútil renegá-

lo. As cicatrizes e os sorrisos permanecem. Os olhos dos que sofreram e

amaram serão, para sempre, diferentes de todos os outros. Resta-nos fazer as

pazes com aquilo que já fomos, reconhecendo que, de um jeito ou de outro,

aquilo que já fomos continua vivo em nós, seja sob a forma de demônios que

queremos exorcizar e esquecer, sem sucesso, seja sob a forma de memórias

que preservamos com saudade e nos fazem sorrir com esperança.

Encontrei eco na observação de E. P. Thompson (1981, p. 27):

Um historiador [...] deveria ter plena consciência disto. O texto morto e

inerte de sua evidência não é de modo algum “inaudível”; tem uma

clamorosa vitalidade própria; vozes clamam do passado, afirmando seus

significados próprios, aparentemente revelando seu próprio conhecimento de

si mesmas como conhecimento.

A construção da história acontece dessa possível audição do passado. O esforço

do pesquisador não é arqueológico. Busca-se encontrar o significado do discurso presente nos

monumentos e nos sussurros da memória. É o momento de fazer história. É tempo de falar!

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1. OS ESTABELECIDOS: O CATOLICISMO NO SÉCULO XIX E A

FORMAÇÃO DA SUA IDENTIDADE

1.1. RE-VISÃO E VISÃO METODOLÓGICA DO ESTUDO DO

CATOLICISMO DEZENOVENISTA

A aproximação respeitosa do objeto de pesquisa e a admiração por uma

instituição, movimento ou evento, que marcou profundamente o período histórico de uma

sociedade ou cultura, é próprio daquele que busca investigar o passado. Deve ser estranho ao

historiador pensar, a priori, que determinada cultura ou sociedade seria melhor ou pior caso

determinada instituição, movimento ou evento não tivessem existido ou ocorrido. A priori, o

que se deve pensar é que a própria investigação é possível devido a existência dessa realidade

histórica. No dizer de E. H. Carr (2002, p. 47), o estabelecimento dos fatos básicos “repousa

não em qualquer qualidade dos próprios fatos, mas numa decisão a priori do historiador”. O

historiador Marc Bloch (1976, p. 122), analisando a questão da tarefa do historiador – se era

de julgar ou compreender, observa:

Ora, durante muito tempo passou o historiador por ser uma espécie de juiz

dos Infernos, encarregado de distribuir pelos heróis mortos o elogio ou a

reprovação. Temos de convir que esta atitude corresponde a um instinto

fortemente enraizado. Todos os mestres que têm de corrigir trabalhos de

estudantes sabem quanto é difícil dissuadi-los de se porem, do alto das suas

carteiras, a fazer o papel de Minos ou de Osíria. Nunca a afirmação de

Pascal foi tão própria: “Toda a gente faz de Deus quando julga: isto é bem,

isto é mal.” Esquecemo-nos que um juízo de valor só tem razão de ser como

preparação de um acto e só tem sentido em relação a um sistema de

referência morais, deliberadamente aceite.

O historiador não deve investigar o passado em busca de provas contra o seu

objeto e nem a favor. O que ele busca é aplacar sua admiração devotada ao objeto. Essa

admiração não é dirigida pelo encantamento de forma a se transformar em desapontamento

caso não sejam supridas as exigências das expectativas: o objeto é tão mau quanto se pensa ou

tão bom quanto se espera! Isto nos leva a afirmar, com Dominique Julia (1995, p. 108), que:

Quer se trate do clero, quer das práticas de piedade ou das teologias, nós

interrogamos os fenômenos religiosos em função daquilo que são suscetíveis

de ensinar-nos de uma certa condição social, quando, justamente, essas

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teologias eram, para os contemporâneos o próprio fundamento da sociedade.

Entre eles e nós, desde o tempo deles e o nosso, o que é explicado tornou-se

o que nos faz compreender as suas explicações.

Uma instituição, movimento ou evento não perdem a vanguarda histórica apenas

devido aos seus erros. As pertinências prolongadas e os esforços venturosos nem sempre

garantem a dianteira. Instituições, movimentos e eventos surgem devido a caduquice daqueles

que fazem o momento histórico, mas nem sempre. Muitas vezes surgem ao lado de forças

históricas, estando eles mesmos ainda em processo de adaptação e de pertinência. A

adaptação histórica é um processo continuo. Para bem expressar, as instituições, movimentos

e eventos de longa duração convivem de forma mais exigentes com a adaptação, e como diz

Alphonse Dupront (1995, p. 83): “O fenômeno religioso pertence, do ponto de vista temporal,

ao longo prazo. Mais ainda: as suas transformações, mesmo a sua evolução, são muito lentas,

no que se refere aos hábitos adquiridos e à visão do mundo.”

O surgimento de instituições, movimentos ou eventos nem sempre ocorrem

porque aqueles que fazem o momento histórico não sejam capazes de propor respostas aos

questionamentos formulados. A complexidade da realidade humana é demais para qualquer

intervenção única. A realidade sempre produzirá necessidades que exigirá o surgimento de

processos inovadores ou novos. Esses processos acontecem não apenas no ambiente exterior,

mas no próprio interior, sejam através de fechamentos ou de transformações.

As instituições, movimentos ou eventos não podem ser aviltados devido a seus

piores líderes ou pela ausência de ações morais neles que representam males sociais. A

catalogação de desvios morais e sociais entre os líderes de movimentos, instituições e eventos

é uma realidade histórica. Em estado mais grave, aparecem até mesmo os “traidores” (assim

qualificados por comprometerem a causa). Apesar da documentação histórica lidar de forma

sistemática com a questão jurídica, o que perpetua facilmente são os relatos dos desvios

morais e não os atos descritos em documentos jurídicos (quer da instituição ou quer da

memória). É a estigmatização o determinante!

Essas constatações são necessárias como introdução à pesquisa do catolicismo do

século XIX. Que não se pense que se busca fazer apologética, onde denegrir o objeto de

pesquisa garante as respostas para sustentação do que se vier a formular sobre o

protestantismo. A pesquisa histórica do catolicismo nesse período não será realizada pela

lente da soteriologia protestante – quantas almas foram ao céu nesse período através da ação

do proselitismo protestante –, mas sobre a capacidade da instituição católica formar uma

cultura num espaço geográfico confuso e de culturas dispares. No fundo, quer-se o que

pretendia Max Weber (1991, p.279) ao afirmar sua intenção ao empreender a compreensão do

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fato religioso:

...não é da essência da religião que nos ocuparemos, e sim das condições e

efeitos de determinado tipo de ação comunitária cuja compreensão também

aqui só pode ser alcançada a partir das vivências, representações e fins

subjetivos dos indivíduos – a partir do sentido – , uma vez que o decurso

externo é extremamente multiforme. A ação religiosa ou magicamente

motivada, em sua essência primordial, está orientada para este mundo. As

ações religiosas ou magicamente exigidas devem ser realizadas „para que vás

muito bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face da terra.

A pesquisa pretende fugir de uma demonstração documental da vida do sacerdote

católico em sua interação com a sociedade e o resultado disso. Com isto se deseja evitar que o

sacerdote católico seja visto, neste período, como um indivíduo amasiado, carente de

instrução e formação, e sem o sentimento de “vocação” ao sacerdócio (vivido como fuga –

seja por questões socioeconômicas ou por status). Isto tudo com a aparência de uma realidade

intencional: ele é assim como produto formador e é sabedor consciente. Não se quer aqui

defender o sacerdote católico, mas apenas evitar a estigmatização histórica do grupo para que

a pesquisa não seja dirigida por pressupostos e preconceitos capazes de insinuar uma

realidade histórica que não condiz com a realidade no todo. Será possível, através de

documentação, estudar a “concubinagem” no seio do sacerdócio católico no período em

questão. Outra coisa é, constatada a ocorrência, mesmo que frequente, concluir que a

“concubinagem” estava incluída no jeito de “ser sacerdote”, se até mesmo no meio social

havia determinado repúdio.

A demora na inserção do protestantismo no Brasil, que poderia ser explicada em

conjunto com tantos atrasos ocorridos no desenvolvimento da nação brasileira, seguramente

está vinculada a capacidade do catolicismo em organizar uma estrutura de bloqueio e de

sustentabilidade capaz de não somente frear, mas adequar as expressões religiosas e culturais

que surgiam através do estabelecimento de um ajuntamento confuso e difuso. O Brasil surgia

não apenas como uma nação da diversidade cultural, mas como um universo religioso

católico. Acima disso, estava a força política sob a qual a própria Igreja Católica se submeteu

e comprometeu sua eficácia dogmática em solo brasileiro. O bloqueio favorecia a Igreja

Católica e, por outro lado, revelava sua prisão. O padroado, sistema político-religioso, foi

eficaz para deter a presença do protestantismo e para prender o catolicismo dogmático

(tridentino), como diz Angela Paiva (2003, p. 62): “E o que vai ser visto nessa relação no

Brasil-colônia é um crescente controle do Monarca sobre o clero em detrimento de sua

autonomia...”.

O desbravamento para cobrir esse universo e o esforço para conter, em seus

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limites, as expressões e a diversidade são dignos de estudo paciente e de admiração. O

catolicismo revelou-se no Brasil como uma eficaz “empresa” de pertinência histórica e de

identidade cultural àqueles que haviam sido desprovidos destas. Julgar sua presença como

instituidora e executora da opressão, através da catequização forçada e promotora da

destruição da identidade e cultura do outro, é mostrar apenas parte da história. É dever do

historiador olhar para a intencionalidade e não somente para a prática. Colocar a Igreja como

aliada eficaz do sistema escravocrata é pensar apenas que ela, como parasita, posicionou-se

junto a este sistema econômico e social aproveitando-se de seu potencial. Mas do que isto, é

possível pensar que a Igreja Católica se fez contemporânea no momento histórico desse

sistema e vivenciou a complexidade interna do mesmo, respondendo a cada momento

conforme interesses pertinentes a determinada realidade (ideológica ou não).

A eficácia do catolicismo e sua construção no Brasil são possíveis encontrar

justamente em sua capacidade de, devido ao padroado, assumir uma contemporaneidade tal

que foi possível respirar o ar existencial que se produzia. Em outros territórios, a Igreja

Católica assumiu a realidade do dogma (conciliar). Desta forma, ela ficava incapaz de ser

contemporânea. Era sempre defensora do passado e instituidora do ontem. Sob a sombra do

padroado, o Concílio não é lei. A lei é a realidade. Não é por acaso que toda uma nação

conviveu por mais de três séculos bloqueada às outras instituições religiosas. Essa

contemporaneidade do catolicismo foi capaz de construir vínculos culturais e religiosos de

forma a gerar uma realidade religiosa unilateral. As leis de bloqueio ajudaram a isolar o

Brasil, mas o sentimento religioso é livre. Caso o catolicismo não tivesse sido eficaz, em sua

ação de se contemporaneizar, não seria devotado dentro desse contexto histórico.

1.2. CATOLICISMO: MARGINALIZAÇÃO E IDENTIDADE

É possível afirmar que o catolicismo cearense iniciou o século XIX vivendo sob o

signo da marginalização.4 Antes de esclarecer essa questão é necessário refletir sobre a noção

de cultura. Peter Burke (2000, p. 259), sugere “estudar a história cultural como um processo

de interação entre diferentes subculturas...”. Segundo ele, isto é possível porque “cada grupo

se define em contraste com os outros, mas cria seu próprio estilo cultural...”. A sociedade,

para Peter Burke (2000, p. 259), é formada pela diversidade de culturas, subculturas e

contraculturas que se afirmam através dos conflitos e interações:

4 A expressão “catolicismo cearense” diz respeito a Igreja Católica como corpo institucional presente no Estado

do Ceará e não as expressões religiosas advindas da intervenção ou ausência desse corpo institucional.

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O conceito sociológico de “subcultura”, que pressupõe diversidade em uma

estrutura comum, e o conceito de “contracultura”, que envolve uma tentativa

de inverter os valores da cultura dominante, merecem ser levados mais a

sério do que o são por historiadores culturais. Trabalhar com o conceito de

subcultura tem a vantagem de tornar determinados problemas mais explícitos

do que antes.

Pode-se aceitar que o catolicismo cearense não se apresentou como uma

“contracultura” capaz de inverter os valores da cultura dominante no século XIX. Ela se

apresenta mais inclinada a ser “subcultura” na diversidade cultural da estrutura comum. Isto

significa que ela não era “a cultura”, mas parte dela. Nessa condição de “subcultura” é que

ocorre a marginalização do catolicismo cearense no século XIX. Somente é possível atentar

para a marginalização da Igreja Católica cearense se for considerado o que disse Jean-Claude

Schmitt (2005, p. 352) sobre a compreensão a partir das margens: “A compreensão brota da

diferença: é preciso, para tanto, que se cruzem múltiplos pontos de vista que revelam do

objeto – considerado, dessa vez, a partir de suas margens ou do exterior – múltiplas faces

diferentes, reciprocamente ocultas.”

Schmitt (2005, p. 355), recordando que “o historiador [...] faz para o passado as

perguntas que sua própria sociedade lhe dirige”, sugere que por esse motivo existe

determinada dificuldade para definir os fenômenos da marginalidade em termos abstratos.

Para ele, existem várias noções distintas de marginalidade:

...a de marginalidade que implica um estatuto mais ou menos formal no seio

[grifo do autor] da sociedade e traduz uma situação que, pelo menos

teoricamente, pode ser transitória; aquém da marginalidade, a noção de

integração (ou reintegração) que indica a ausência (ou a perda) de um

estatuto marginal no seio da sociedade; e, ao contrário, além, a noção de

exclusão, que assinala uma ruptura – às vezes ritualizada – em relação ao

corpo social.

Dessa noção, percebe-se que a marginalidade é uma condição anterior a exclusão.

Ela é pré-condição à exclusão. A marginalização encontra-se numa posição intermediária de

plena tensão: inclusão/marginalização, marginalização/exclusão. As noções de inclusão,

marginalização e exclusão referem-se a dois planos de realidades “que não coincidem

necessariamente: valores socioculturais e relações socioeconômicas” (SCHMITT, 2005, p.

355). Bronislaw Geremek apud Beatris Gonçalves (2010, p. 28) esclarece:

A condição marginal se caracteriza pela não participação nos privilégios

materiais e sociais, na divisão de trabalho e na distribuição de papéis sociais,

nas normas, e no ethos social dominantes na sociedade global. São de fato as

instituições da ordem estabelecida que procedem a exclusão dos grupos e

dos indivíduos considerados como inúteis à ordem comum ou indignos.

Estas instituições, através de decisões legislativas e do exercício da justiça,

afirmam o modelo de vida e condenam a recusa de participar deles.

[...] nenhuma exclusão social corta completamente os laços de um indivíduo,

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de uma família ou de um grupo com a vida social; estes laços podem

afrouxar até um limiar mais ou menos tangível e, contudo, manter-se-á um

certo número de situações em que o excluído ou marginal permanece numa

relação de interdependência com a sociedade.

A identidade do marginal torna-se complexa tendo em vista que ela se encontra

entre a inclusão e a exclusão. A inclusão encontra seu fundamento na exclusão, como é

própria da identidade afirmar-se pela percepção do “nós” em relação aos “outros”. Decerto, as

formas classificatórias de representação pelas quais as identidades são representadas

fundamentam a identidade, de forma que a condição marginal torna-se identidade marginal

com sua dupla alternativa: de separação ou agregação (GONÇALVES, 2010, p. 22).

Tanto o poder político quanto o povo tinham reservas para com a Igreja Católica.

As limitações decorrentes dessas reservas são visíveis: privações econômicas, estigmatização

e fechamento ideológico. O catolicismo popular, que se desenvolve em paralelo a Igreja

oficial, denuncia essa condição de marginalização. Ele é uma forma de privar a Igreja do

exercício de relação de poder sobre o povo. Cria-se uma estrutura capaz de questionar o clero

– em seu afã de superioridade em relação ao leigo. Quando o leigo desenvolve práticas de

mediação religiosa, que antes pertenciam exclusivamente ao clero, é uma forma de

marginalizar a Igreja oficial excluindo-a de sua exclusividade.

A condição de marginalização afirmava-se cada vez mais através da visão que o

Império tinha da Igreja. Ela era tida como uma estrutura que requeria investimento

econômico, mas não gerava lucros conforme os padrões que estavam sendo estabelecido num

mundo em desenvolvimento econômico (capitalista). O sacerdócio era tido como a “profissão

do ócio”. Havia um sentimento popular e do governo imperial de que o ensino da religião

deveria ser um ato totalmente liberal e não “assalariado”.

O catolicismo cearense, no século XIX, teve que afirmar sua identidade – sua

percepção do “nós” em relação aos “outros” – em quatro frentes: 1. Em relação ao Império –

identidade de submissão; 2. Em relação a sociedade e a religiosidade popular – identidade de

interdependência; 3. Em relação ao protestantismo – identidade de intolerância; 4. Em relação

ao Estado – identidade de romanização e cidadania. Isto o levou a vivenciar facetas históricas

e comportamentais, em apenas um século, que geraram transformações na estrutura da Igreja,

alinhado-a ao catolicismo mundial e alienando-a do jeito católico brasileiro.

A capacidade de adaptação e de propor alternativas de convivências não significa

que o catolicismo vivia uma construção social “parasitária”. Pelo contrário, revela que ele

estava plenamente inserido na cultura, como parte e como forma, e que respondia e

correspondia as dinâmicas das transformações sociais ao assumir “identidades”. Para o

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catolicismo cearense, o século XIX não permitia passividade histórica, principalmente para

uma instituição que se encontrava inserida histórica e culturalmente na sociedade. As

identidades confundiam-se e se excluíam à medida que as mudanças ocorriam. O que estava

em jogo era a manutenção do estabelecimento na sociedade da instituição que se assumia

como expressão religiosa única e que arrogava para si o direito de continuar como tal devido a

sua contribuição na construção da realidade social: ser brasileiro (e cearense) é ser católico.

Quando se usa o conceito de identidade, compreende-se as identidades construídas

visando um outro (adversário) num processo de diálogo com a diferença. Isto significa

afirmar a “identidade-como-diferença”, como antagonismo entre o eu e o outro, como

negação do outro e afirmação do eu, e como estabelecimento de fronteiras entre o eu e o

outro. Roberto C. de Oliveira (1976, p. 36) denomina de “identidade contrastiva”:

...quando uma pessoa ou grupo se afirmam como tais, o fazem como meio de

diferenciação em relação a alguma outra pessoa ou grupo com que se

defrontam; é uma identidade que surge da oposição, implicando a afirmação

do nós diante do outros, jamais se afirmando isoladamente.

Oliveira enfatiza que a invocação da pertinência étnica ou social acontece somente

quando em confronto com outro grupo. Como diz Daniel de Mendonça (2007, p. 250): “A

possibilidade de ação de qualquer identidade deve ser entendida em sentido relacional: uma

identidade busca impor suas vontades na concorrência com outras, visando, com isso,

universalizar seus conteúdos particulares.” Por isso, a identidade social, como mostra Roberto

C. de Oliveira (1976, p. 38-39), “ela própria, é uma ideologia e uma representação coletiva”.

Desta forma, a identidade não é apenas a aceitação de uma representação. Ela é a reprodução

dessa representação formada por um corpo coerente de imagens, ideias e ideais. Este corpo é

compartilhado sob a base de um dogma formulado que estrutura uma imagem de mundo

através dum credo ou modo de vida. Isto provê aos participantes orientações para uma

vivência, no tempo e espaço, de forma coerente e total.

A identidade, portanto, não é considerada como possuidora de uma “essência”.

Ela é uma categoria importante para se compreender como os sujeitos atribuem, para si e para

os outros, características que os definem como sujeitos. Stuart Hall (2001, p. 26) esclarece

que o sujeito do iluminismo era significado como indivisível, singular, único e “possuidor” de

uma identidade permanente. A Reforma e o Protestantismo, o humanismo Renascentista e o

Iluminismo, e as revoluções científicas que promoveram questionamentos sobre os dogmas

religiosos, centrando as discussões no ser humano, foram os movimentos que permitiram a

emergência destes significados. Diz Stuart Hall (2002, p. 25):

Isso não significa que as pessoas, em tempos pré-modernos, não eram

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indivíduos, mas que a individualidade era tanto “vivida”, “conceptualizada”

de forma diferente. As transformações associadas à modernidade libertaram

o indivíduo de seus apoios estáveis em tradições e nas estruturas. Antes se

acreditavam que essas eram divinamente estabelecidas, não estavam sujeitas,

portanto, a mudanças fundamentais. O status, a classificação e a posição de

uma pessoa na “grande cadeia do ser” - a ordem secular e divina das coisas –

predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse um

indivíduo soberano. O nascimento do “indivíduo soberano” entre o

Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVIII,

representou uma ruptura importante com o passado. Alguns argumentam que

ele foi o motor que colocou todo o sistema social da “modernidade” em

movimento.

Daniel de Mendonça (2007, p. 250), considerando que a complexidade social

impede a universalização ou totalização de conteúdos particulares, a partir da conceituação de

Laclau e Mouffe, ressalta a centralidade da noção de discurso, denominado de campo de

discursividade, “que é o espaço onde ocorrem as disputas discursivas.” O discurso, ou

totalidade estruturada relacional, é a articulação de todo tipo de ligação entre palavras e ações

que formam totalidades significativas; “é o resultado de uma prática articulatória que constitui

e organiza relações sociais.” Nisto se é conduzido à formação do discurso hegemônico que “é

essencialmente um discurso sistematizador, aglutinador. É, enfim, um discurso de unidade:

unidade de diferenças” (MENDONÇA, 2007, p. 250).

A hegemonia é produto de um discurso particular que consegue representar (e

suplementar) discursos ou identidades dispersas, como define Mendonça (2007, p. 251): “A

hegemonia é uma relação em que uma determinada identidade, num determinado contexto

histórico, de forma precária e contingente, passa a representar, a partir de uma relação

equivalencial, múltiplas identidades.” A hegemonia católica, até antes da presença protestante

como religião concorrente, não significava unidade de expressão religiosa no seu interior. A

dinâmica de evangelização, a orientação do padroado e a falta de presença permanente do

clero geraram uma unidade diversa dentro do catolicismo brasileiro.

José Fagundes Hauck (2008, p. 13) sugere uma perda da identidade no início do

século XIX da Igreja Católica. Com isto, Hauck está afirmando que o catolicismo viveu várias

identidades no percurso de sua história: identidade da cristandade, identidade de cristandade

nacional e identidade de romanização. Essa perda de identidade, se é possível usar essa

expressão, mostra que a mudança social não apenas colocava a sociedade em uma nova

posição sócio-política, mas comprometia sua própria identidade. O comprometimento da

identidade católica não se dá apenas pelo seu envolvimento com a monarquia lusitana. Ela

ocorre devido ao seu envolvimento na formação cultural do povo. A sociedade estava em

mudança e a igreja, pela primeira vez, viu-se levada pela tensão das mudanças e destituída dos

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antigos marcos. Se bem que é com a República que a mudança é mais acentuada. Do Brasil

colônia ao Brasil Império, a igreja continuava sob o padroado e convicta de que o Brasil era

palco da neocristandade.

No final do século XIX, as transformações sociais ocorriam em paralelo com a

busca da identidade nacional. A questão era como transformar a diversidade étnica e cultural

em um só povo diante da questão racial e das transformações sociais. A Igreja Católica

também lidava com a questão de sua identidade nacional. Ela estava atenta às transformações

e padecia em suas mãos. A questão era como manter um só povo e nação católicos nessa

ebulição estrutural e de diversidade. Não se pensava na extinção da Igreja no Brasil, mas de

sua hegemonia. O fim da hegemonia geraria o esfacelamento da neocristandade. Essa era uma

realidade inaceitável, mas assustadora para a Igreja.

1.3. EM BUSCA DO CATOLICISMO DEZENOVENISTA E DA

CONSTRUÇÃO DE SEU ESTABELECIMENTO

O catolicismo no Brasil, bem como no Ceará, era uma realidade consolidada. Para

além da questão do envolvimento efetivo de padres ou sua ausência, o catolicismo

encontrava-se presente e com aspecto de “onipresença” – única presença em toda a estrutura

social através da ação institucional ou da religiosidade popular que validava sua existência na

aceitação da fé católica. José Fagundes Hauck (2008, p. 13) esclarece:

Pode-se dizer que a Igreja era, no Brasil, uma organização de leigos. Mais do

que as paróquias, eram as irmandades e as ordens terceiras que constituíam o

núcleo da prática religiosa organizada. A família era de grande importância

como expressão religiosa, uma vez que a religião brasileira era mais

doméstica e privatizada do que institucional. No ambiente familiar

aprendiam-se as orações e os comportamentos religiosos.

A Igreja Católica havia estabelecido-se como única realidade religiosa no Brasil

desde sua “descoberta”. Mesmo compartilhando de tendências “sincréticas” com as

expressões religiosas trazidas pelos escravos e daquelas vividas pelos índios, essas tendências

eram “sacralizadas” em sua relação com o catolicismo. O fechamento, que produziu

desconhecimento a qualquer outra instituição religiosa como força concorrente, gerou o

sentimento de que o catolicismo era a única sociedade religiosa. Não se discutia a questão de

ser ela a melhor, mas a única realidade. Essa condição de única sociedade somente é possível

quando o estabelecimento acontece sem a presença de outro grupo capaz de rivalizar. Como

diz Eduardo Hoornaert (1991, p. 13): “o catolicismo brasileiro assumiu nos primeiros séculos

de sua formação histórica um caráter obrigatório. Era praticamente impossível viver integrado

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no Brasil sem seguir ou pelo menos respeitar a religião católica.”

Como única sociedade religiosa, a Igreja Católica afirmava-se como expressão de

formação cultural a partir de seus discursos sobre as virtudes que qualificavam para

conquistar o céu. As virtudes não eram apenas práticas, mas a identidade dessa sociedade.

Nessa formação da identidade, não existe ainda a auto-representação, pois ela não tem

necessidade de se afirmar diante do outro, mas para si mesma. Existe, sim, a representação.

As virtudes, além de formar a identidade, geram uma representação da sociedade religiosa. Na

representação não existe a pretensão, mas apenas a apresentação. É a “catequese” dos

símbolos e dos espaços onde tudo é palco da expressão e da vivência dessa sociedade

religiosa única. Eduardo Hoornaert (1991, p. 18) esclarece:

Através dos conventos, das paróquias, das irmandades e confrarias formou-

se uma sociedade na qual ninguém escapava à necessidade de apelar para

instituições religiosas: para conseguir emprego, emprestar dinheiro, garantir

sepultura, providenciar dote para filha que queria casar-se, comprar casa,

arranjar remédio.

O protestantismo é contemporâneo do Brasil em seu nascimento. São meninos que

não brincaram na mesma rua. O Brasil foi palco da primeira tentativa protestante na história

mundial de apropria-se de um espaço para torná-lo refúgio contra as perseguições religiosas.

O protestantismo, além de ser conhecido como invasor por sua presença com os franceses e

holandeses, era identificado como sociedade antagônica. Isto significava que, através do

discurso e das relações de poder, não era uma opção de sociedade, mas uma não-opção. O

protestantismo não era um vizinho. Ele era um estrangeiro! Não estava ali. Ele se encontrava

além. O protestantismo não estava acessível. Ele era no todo proibido. Essa era a realidade até

meado do século XIX.

A parceria com a Coroa, que garantia a predominância no campo religioso do

catolicismo nos primeiros séculos da colonização e no regime imperial, começa a perder

força. A expulsão dos jesuítas da colônia, em 1759, já prenunciava uma mudança no futuro

relacionamento da Igreja Católica com o Estado no século XIX, como sugere Angela Paiva

(2003, p. 63):

É uma mudança que traria implicações sociais profundas para a esfera

religiosa durante todo o século seguinte, pois a esfera religiosa perdeu o

caráter missionário que era marca registrada das ordens mais autônomas,

prevalecendo uma prática religiosa descolada da realidade e com o clero

subjugado, cujas práticas eram formais e dependentes, ou do Imperador, ou

diretamente dos grandes proprietários de terra.

No Ato Adicional à Carta de 1824, a Igreja, que detinha a função de consignatária

na construção da sociedade, tanto na dimensão temporal quanto espiritual, agora assume papel

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secundário segundo as intenções do Império. Promove-se o surgimento da formação de um

clero regular, nacional e abertamente liberal, e distante da Santa Sé romana.

É possível que a abertura dos portos às nações amigas e a inserção no cenário

brasileiro de praticantes de outras religiões tenha gerado o sentimento de que o protestantismo

não era mais uma sociedade além e proibida, mas ali e, talvez, proibida. Decerto, ainda não

como concorrente e gerador de defensivas – devido a sua capacidade de aviltar a sociedade

com suas práticas não confirmadoras da identidade e virtudes dos estabelecidos.

O dramático da Igreja Católica, com a formação do Império, ocorreu da perda de

sua autonomia na administração política e financeira da religião. Antes o sustento do culto e a

construção das igrejas eram responsabilidade da Coroa portuguesa. Cabia às dioceses

acompanharem o cumprimento devido dessa obrigação. Na formação do Império, as

províncias tinham a incumbência de sustentar o culto e construir os templos. Isto significava

que elas tinham o direito legal sobre a esfera religiosa. Sob a responsabilidade das províncias,

encontrava-se, também, a manutenção e a remuneração dos prelados. Essa realidade levou o

clero a viver debaixo da morosidade do sistema administrativo que não priorizava a Igreja em

seu orçamento. Tem-se testemunho dessa realidade do prelado cearense através do

pronunciamento do bispo Dom Jerônimo da Purificação, em 1839. O bispo fala de sua

tentativa de intervir a favor de um dos seus prelados: “Remeti ao prezidente da província o

requerimento do vigário do Aquiraz, para que lhe mande pagar 5 quarteis vencidos de sua

côngrua, supplicando ao mesmo tempo haja execução na satisfação das côngruas...” (apud

CAMPOS, 1980, p. 105).

Vê-se que a Igreja, como corpo administrativo, foi reduzida a um departamento na

administração do Império. Leonardo Mota (1946, p. 206), folclorista e escritor cearense,

considerando a relação entre a administração pública cearense e a igreja no século dezenove,

denuncia a situação da igreja nessa nova conjuntura:

Lendo aquela papelada toda e reflexionando sobre o muito que ia lendo,

persuadi-me de que foi um bem a separação entre a Igreja e o Estado. Antes

isso, que a República decretou, do que a vergonhosa situação do tempo da

Monarquia. Talvez fosse mais acertado, em vez de dizer que a Igreja se

separou do Estado afirmar-se que a Igreja se libertou do Estado. Porque este

procurava trazê-la em sujeição completa. Os ministros da Religião eram

tractados como subalternos funcionários do Estado, réles empregados

públicos, e cruéis vexames lhes eram impostos.

Imaginem-se arrogantes Presidentes de Províncias, com fumaças de livres-

pensadores, tendo sob seus caprichos os humildes Vigários sertanejos. Ao

talante de caolhas preferências partidárias, sonegavam o auxílio legal dos

cofres públicos à decência do Culto Divino, privando de consertos inadiáveis

aos Matrizes e consentindo que ridiculamente andrajosos, ou revestidos de

todos paramentos, os celebrantes oficiassem o Santo Sacrifício.

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Atormentavam os Párocos sobregarregando-os de incumbências censitárias,

mais facilmente exeqüíveis por inspetores de quarteiros e demais autoridades

civis, o que fez certo Vigário declarar que tinha a impressão de que na

Capital ninguém acreditava que Padre, no sertão, tivesse o que fazer... E que

os Vigários não tugissem nem mugissem: o pagamento de sua mesquinha

côngrua dependia da humilhação de obedecerem ás exigências

governamentais.

Leonardo Mota também observa que havia uma rígida fiscalização e prestação de

contas do uso do dinheiro enviado, conforme prévia apresentação de orçamento. Um caso que

mostra claramente que a manutenção da Igreja era um grande foco de conflito no Império é

aquele que foi legislado, em 1872, sobre os registros dos nascimentos e óbitos dos filhos

livres das mulheres escravas. Tal registro deveria ser realizado em livros especiais que

custavam, na época, dezoito mil réis. A dificuldade encontrava-se na ordem do Governo para

que esse valor fosse descontado dos cinco mil réis que os vigários recebiam mensalmente de

côngruas (MOTA, 1946, p. 213).

A reforma da Igreja tornava-se uma alternativa urgente tendo em vista alguns

riscos que a Igreja passava. Primeiro, o padroado inviabilizava a tridentinização da Igreja, que

significava impedir uma coesão da instituição. O Concílio de Trento tinha como pressuposto

básico a centralização do poder em Roma como forma de manter a unidade de ação e de

relações de poder.5 Segundo, o padroado colocava o clero numa situação de plena

desvantagem forçando-o a fazer parcerias políticas ou mesmo entrar na política, o que

comprometia sua autonomia ou o secularizava. Conforme Lana Lima (1998, p. 441), o

regalismo de cunho pompalino, resultou numa “crise de disciplina e na vida do clero em geral,

particularmente do baixo clero”.

O direito de padroado consistia no direito de administração dos negócios

eclesiásticos que os papas concederam aos soberanos portugueses. A Dom João III, o papa

Adriano conferiu a dignidade de Grão-Mestre da Ordem de Cristo. Essa dignidade era

transmitida também aos seus sucessores no trono. Riolando Azzi (2005, p. 50) esclarece:

Unindo assim aos direitos da realiza o título de Mestre Geral dessa

importante instituição religiosa, os monarcas passaram a exercer ao mesmo

tempo um poder civil e eclesiástico, principalmente nas colônias e domínios

portugueses.

Os reis de Portugal tornavam-se, portanto, os chefes efetivos da Igreja do

Brasil por duas razões convergentes: pelos direitos de padroado, e pelo título

de Grão-Mestre da Ordem de Cristo. Esse último título conferia também aos

5 O Concílio do Trento, nome dado devido a sua realização na Província de Trento, foi realizado no período de

1545 a 1563. Este Concílio encontra-se dentro do esforço de deter o avanço da Reforma Protestante através da

reforma interna – unidade da fé e disciplina eclesiástica. O Concílio de Trento primou pela clara especificação

das doutrinas da Igreja Católica e pela estruturação da igreja como um corpo hierárquico representativo, tendo o

Papa como centro da autoridade eclesiástica (LIMA, 1998, p. 440).

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reis de Portugal o regime espiritual, devendo zelar pela vida cristã nas

colônias portuguesas.

Assim sendo, os reis lusitanos passaram a ser considerados como uma

espécie de superbispos.

Ao monarca, além da responsabilidade da construção e conservação dos edifícios

de cultos, cabia-lhe apresentar os candidatos aos bispados e paróquias, bem como às suas

respectivas remuneração. A pregação da doutrina, por meio de envio dos missionários,

também cabia aos monarcas promover. Riolando Azzi (2005, p. 50-51) enumera as

consequências práticas desse status dado ao monarca:

É necessário ainda chamar a atenção sobre dois aspectos interligados. O

primeiro refere-se à concepção do monarca como “patrono” ou “padroeiro”

da Igreja: se pela própria consagração régia o monarca passava a ser

considerado como uma pessoa sagrada, essa sacralização tendia a ser

reforçada na medida em que era tido também como protetor da Igreja. Daí

decorre a segunda consideração: em razão do padroado, a vinculação e

dependência do clero secular e regular tornava-se ainda mais forte. Assim

sendo os eclesiásticos, ao invés de emergirem como uma força capaz de

questionar possíveis abusos do poder régio, passavam, ao contrário, a

constituir um grupo verdadeiramente áulico, empenhado no próprio

fortalecimento da autoridade do monarca.

É a partir dessa realidade que o catolicismo cearense será analisado. Nela se verá

toda a agitação própria do século XIX: suas mudanças e adaptações no cenário sócio-político

e religioso.

Leonardo Mota (1946, p. 198) relata que o Ceará foi “a princípio tão refugado

pelos ministros da Religião.” Segundo ele, o Ceará teve, “para o Clero, a duradoura fama de

temível ou indesejável”. Desde cedo, a morte do padre Francisco Pinto, pelos índios Ibiapaba,

em 1608, teve sua contribuição. Um exemplo de que o exercício sacerdotal em terra cearense

não era desejado é possível ver quando da criação do bispado do Ceará, na segunda metade do

século dezenove. Dois sacerdotes recusaram a mitra cearense. Um deles, o baiano padre João

Quirino Gomes, ao saber da pretensão de fazê-lo bispo do Ceará, reage com desdém: “Do

Ceará? Se fosse, ao menos, do Almoçará ou do Jantará.”

Além das secas, doenças e dificuldades financeiras, os sacerdotes católicos

sofreram com a violência presente no Ceará. Principalmente no sertão, reinava a lei do punhal

e do bacamarte e por territórios dominados por latifundiários e cangaceiros. Tem-se

testemunho documental de vários sacerdotes que foram assassinados em suas andanças para

levar a extrema-unção aos moribundos. O oficialato não servia de proteção, e nem o devido

respeito era-lhe dado. Devido a procura constante de auxílio à porta da casa paroquial,

pensava-se que o padre disponha de condições financeiras abundantes. Possivelmente, crimes

e atentados aos padres no Ceará tenham sido motivados por essa falsa crença.

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A vocação sacerdotal, para a vivência no sertão cearense ou mesmo em seu litoral,

não era apenas uma fuga ou um meio de status para a família. Ela era um desafio para a

consciência e às emoções. Segundo Roger Bastide (1969, p. 88):

No sertão, a religião é tão trágica, tão machucada de espinhos, tão torturada

de sol quanto a paisagem; religião da cólera divina, num solo em que a sêca

encena imagens do Juízo Final, e em que os rubicundos anjos barrocos,

negros ou brancos, cedem lugar aos anjos do extermínio. O penitente,

vergastado pelas disciplinas, lava com sangue os pecados do mundo, e o

profeta substitui aqui o padre.

Muitos sacerdotes recebem a ordenação sob o signo da “predestinação”.

Consagrados aos santos, diante da necessidade de aplacar a morte através de “promessas”,

cresceram sob a submissão dessa fatalidade. Outros responderam à crença da vocação ao

sacerdócio como cumprimento ao amor à Santa Madre Igreja. No meio desses, havia também

aqueles que o sacerdócio foi o único meio encontrado pela família para promovê-los à

possibilidade da educação. O sacerdócio destacava-se como um veículo de ascensão social na

Província. Não poucos foram aqueles que o sacerdócio foi meio de adentrar no poder. Esse

caso era comum principalmente como forma de manutenção de poder. O presidente da

Província, José Martiniano Alencar (1836, p. 04), em pronunciamento na Assembléia

Legislativa, em 01 de agosto de 1836, ressalta:

...que não se incontrando vantagens no estado Clerical, quase ninguém que

tenha préstimo para qualquer outro mister, a elle se didica, e pelo

conseguinte vai padecendo o culto por falta de Sacerdotes, ou por ser

exercido por Clerigos, em quem se não dão as qualidades indispensáveis

para bem derigil-o.6

Deve-se entender que o sacerdote, apesar da existência do sentimento religioso da

vocação, na prática não era um “missionário”, mas o administrador da religião e por essa

tarefa era fiscalizado e remunerado. Num universo onde a geração de emprego beirava a plena

escassez, o sacerdócio despontava como uma alternativa viável que, apesar de toda a

burocracia e baixas côngruas, tinha certa garantia. No século XIX, ao padre concursado dava-

se o nome de “padre colado”. Seu cargo era vitalício. O “padre encomendado”, o não-

concursado e que não possuía estabilidade recebendo metade dos honorários de um padre

colado, também atuava no Ceará, porém sendo de número reduzido.7

Sobre a suspeita de que o clero cearense padecia a falta de devida instrução, é

confirmada por Leonardo Mota (1946, p. 209): “Naquele tempo os sacerdotes eram um tanto

6 Ver extrato (anexo 01).

7 Na nomenclatura da estrutura católica o pároco (popularmente chamado de padre) é a pessoa responsável pela

paróquia, e o vigário é a pessoa que substitui o pároco em sua ausência. Quanto a designação de padre regular

(religioso), diz respeito àquele que vive submisso a uma ordem religiosa através de voto, e o padre secular é

àquele que mantém submissão jurídica ao bispo.

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improvisados, digo, ordenavam-se sem a devida preparação intelectual, para mencionar

apenas um aspecto da formação que lhes faltava.” Mota relata a crise que houve quando a

Província, em 1834, esteve sob a presidência do padre José Martiniano de Alencar. Ele exigiu

que cada vigário escrevesse um pequeno sermão para serem publicados no jornal

“Recopilador Cearense”. Mota (1946, p. 209) qualifica essa exigência de “pôr uma pedrinha

incómoda nos sapatos de seus irmãos em Cristo”. Ele conclui afirmando que o presidente

Alencar “cometeu a quase perversidade” em exigir tal demonstração dos Vigários.

Tomando a definição de Pierre Bourdieu (2009, p. 39), que especialista religiosos

são gerentes dos bens de salvação socialmente reconhecidos como detentores de competência

na produção ou reprodução de um “‘corpus’ deliberadamente organizado de conhecimentos

secretos”, tais como conhecimentos teológicos, canônicos, históricos da igreja, etc., que os

tornam diferentes dos leigos devido a essa detenção de conhecimento e, portanto, possuidores

do capital religioso, a Igreja padecia de tais instrumentais. Essa condição dificultava a geração

de um habitus religioso, pois sem a atuação dos especialistas a produção ou reprodução dos

bens religiosos ficava praticamente comprometida.

A falta de devida instrução não significava a ausência da devida compaixão. O

carisma dos sacerdotes e a sua devoção à caridade em momentos de crises sociais tornaram-

se, nas principais cidades, testemunho em seu favor dos mesmos. Não a oratória, mas a

dinâmica de favorecer o progresso a partir de uma realidade de precariedade. Durante as secas

e em surtos epidêmicos, eram os vigários que encabeçavam as Comissões de Socorros, bem

como alguns se destacavam na prática da homeopatia quando não se tinha o mínimo da

assistência médica.

É inegável que ao mesmo tempo em que existia um corpo de sacerdotes

possuidores de precária formação, o Ceará foi contemplado por párocos que não somente

promoveram a educação e a instalação de centros de saber, mas eles mesmos eram dotados de

intelectualidade.

A prática da concubinagem pelo clero é algo que depõe contra o sacerdócio no

século XIX e que causa estigma. Desta realidade, surgiu no folclore cearense a crença na

“Burra-de-padre”. A lenda trata de incutir nos ouvintes o padecimento que qualquer mulher

passaria caso se relacionasse com um padre. Ao padre não se percebe, nessa lenda, nenhum

agravo, mas a mulher está destinada a vagar, depois da morte, como um animal corredor,

cujos cascos batem apressadamente sobre o barro duro dos caminhos. Atrás dela, a cachorrada

dos arredores corre, latindo terrivelmente. O sertanejo encolhe-se no fundo de sua rede,

fazendo o sinal-da-cruz e rezando o Credo ou o Magnificat: é a Burra-de-padre que vai

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passando!

A lenda é a forma criada pela religiosidade popular para lidar com a realidade da

concubinagem do clero. Mas ainda. O povo não podia impor seu julgamento sobre o clero.

Ele lança-o sobre a mulher, pois ela se encontra sobre o domínio do senso comum. Através da

lenda procura-se limitá-la através do estigma e do medo. Se a Igreja não limitava o padre, a

sociedade tentava limitar a mulher, já que não detinha controle sobre o clero.

Não é por acaso que o reverendo De Lacy Wardlaw, quando em 1883, em

andança pela cidade de Fortaleza, ao ser confrontado pelo importuno das crianças orienta-os:

“Olha meninos, continua, continua! Chama mim de padre casado. Não chama padre

amancebado, non”. O que o reverendo De Lacy Wardlaw faz com essa declaração é destacar a

estigmatização pelo qual padecia o clero cearense. Apesar de seu pouco tempo em solo

cearense, o que era claramente estimatizador e amplamente difundido de forma a servir como

argumento contrário a validade da Igreja em comandar a fé do povo cearense foi usado por

ele.

Dois casos mostram como no início do século dezenove a concubinagem entre o

clero era sintomática. O frei Jacinto de Santa Anna da freguesia de Fortaleza, quando

informado da visita do prelado da diocese, em 1839, imediatamente se desfez do concubinato

público com uma jovem da Vila de Mecejana entregando-a aos cuidados de sua mãe. Apesar

da atitude do padre, o bispo interveio colocando-o sob vigilância do coronel da fazenda onde

residia e ameaçou-o de transferência para uma freguesia em Pernambuco, caso voltasse a tal

prática. O outro caso envolve a família de um vigário. Atendendo ao pedido de Dom João, o

padre José da Costa Barros deixou a irmã do vigário de Quixeramobim com promessas de

entregá-la à sua mãe (CAMPOS, 1980, p. 103).

Nesses dois relatos, o que se pode ver é que a prática do concubinato desenvolvia-

se de forma pública e com interdição sobre a prática, e nem sempre sobre o cargo eclesiástico.

Além de mostrar também certa cumplicidade das famílias, revela que o concubinato ocorria a

partir da condição social das famílias. Quando se diz que a mulher foi entregue à mãe, mostra

a ausência do pai (certamente por morte) e uma estrutura de pobreza. Nesse caso, para a

mulher envolvida, o concubinato, mesmo com o padre, torna-se a última alternativa de

sobrevivência. Somente a partir dessa realidade é que se pode pensar que alguém se

envolveria numa situação produtora de preconceitos e incertezas.

O caso de maior notoriedade sobre o envolvimento de padre com o concubinato é

do padre José Martiniano Pereira de Alencar. Dentre os oito filhos que teve com a prima Ana

Josefina, o primogênito, José Martiniano de Alencar, nascido em 1829, é conhecido hoje na

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literatura brasileira como José de Alencar, autor, entre outras obras, do romance Iracema.

Também, Clóvis Beviláqua, que figura entre os vultos da literatura cearense, sendo

considerado como um dos maiores jurista brasileiro, era filho de um padre: o padre José

Beviláqua da cidade de Viçosa. O padre Cícero, quando aos 12 anos, recebeu aulas na escola

de um parente próximo, o padre João Marrocos Teles que era “amancebado” e pai de família.

O padre Marrocos teve que amargar, posteriormente, a expulsão de seu filho José Marrocos

do Seminário de Fortaleza, que era dirigido por preceitos ultramontano. O motivo da expulsão

foi a filiação do seminarista com o padre.

A questão do concubinato na vida clerical mostra como o clero encontrava-se

alienado do celibato. O tridentismo ainda não havia sido aplicado plenamente no catolicismo

brasileiro devido ao padroado. Ao que parece, os abusos ao celibato é mais presente no clero

secular do que no regular, tendo em vista que esse último, devido a força das sociedades

religiosas, aplicava com mais liberdade os rigores do Concílio de Trento.

Encontra-se documentado, conforme nos mostra Eduardo Campos (1980, p. 104),

intervenção do bispo de Olinda, Dom João da Conspiração, em 1839, diante de atitudes do

padre de Baturité, Alexandre Verdeixeira, como segue:

...determinei por uma portaria dirigida ao vigário de Baturité para ser

publicada na estação da missa, que o padre Verdeixeira não fosse admitido

na administração dos sacramentos, à celebração da missa, e ministério de

predica sem licença por escrito, em conseqüência das más informações que

tive d‟este padre, constatando-me ter celebrado matrimônios nulos, e

praticando acções as mais indecorosas nas Lavras, quando ali vigário

encommendado, por cuja causa determinei ao vigário d‟esta freguesia, que

informasse, em carta fechada, si este padre tinha ali praticado os factos ora

mencionados, e outros indecorosos ao estado sacerdotal e quaes foram.

O padre citado na intervenção esteve envolvido no pleito para deputado

provincial, em 1839. Consta de nota publicada em 30 de agosto de 1839, no Correio da

Assembléia Provincial do Ceará, tendo a autoria do colégio eleitoral da Vila de Baturité, que o

padre Verdeixeira envolveu-se através de atos arbitrários, empurrões e cadeiradas (CAMPOS,

1980, p. 107). Com certeza, o mesmo não teria sido exortado com tal ímpeto caso não fosse

uma querela política. Esse fato mostra que o “disciplinamento” dos padres ocorria. Sua

aplicação era rara e apenas quando havia perturbação política ou da paz pública (comoção da

sociedade). Eduardo Campos (1980, p. 73-74) transcreve a denúncia da irmandade de Nossa

Senhora d‟Assunção, por volta do final da década de sessenta do século XIX, contra o padre

José Beviláqua. Consta na reclamação, a falta de punição, mesmo diante do agravo do padre ir

com o seu filho aos serviços eclesiásticos:

A mesa da irmandade de Nossa Senhora d‟Assunpção da Villa Viçosa, por

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mais de uma vez tem dirigido a V. Exa. Rvdma. os seus reclamos bem

justos, e fundados na razão, contra o vigário d‟esta freguesia, o padre José

Bevilaqua. Pensou, por alguns momentos, esta confraria, que o vigário

representado fosse suceptível de uma justa punição ou de conselhos

evangélicos; o representado se corrigia de tantos e repetidos erros que, a

passos firmes e agigantados, tem cahido, mas qual, nem uma nem outra

coisa, nem o vigário representado foi punido, e nem se corrigido por meio de

conselhos e brandas admoestações de V. Exa. Rvdma., do contrário, o

vigário representado continua no caminho do escândalo, ostentando e dando

mãos exemplos, entre estes o de levar em sua companhia para a igreja nos

domingos e dias santos, quando vai celebrar a missa conventual, o seu filho

Clóvis!!!

Com a ação pastoral do bispado, a partir da criação da Diocese do Ceará, a

discrição tornou-se a prática corrente. Os filhos dos padres viravam seus sobrinhos e as

concubinas passavam a ser primas. Na ausência de denúncia e no desconhecimento do bispo,

a prática do concubinato parecia arraigada na cultura clerical cearense.

As dificuldades vividas, devido a indisciplina do clero, era tão séria no Ceará que

o padre Aloísio Furtado (1965, p. 164), escrevendo sobre a influência da religião no Ceará, ao

exaltar os méritos do primeiro bispo cearense, Dom Luís Antônio dos Santos, diz que ele

estava “desajudado de tudo, lidando com um clero deficiente em número e, muitas vezes,

esquecido de seus deveres...”. Como sugere Lira Neto (2009, p. 32): “Em todo o Ceará, só

havia 33 padres para cobrir as quase 5 mil léguas quadradas que compreendiam o território da

província.” Percebe-se, na organização do bispado do Ceará em 1854, três problemas em

destaque: a falta de ajuda (financeira), o número insuficiente de sacerdotes e a negligência do

clero em seus deveres (morais e institucionais).

O século XIX, assim como para o Brasil, foi decisivo para a identidade do

catolicismo cearense. O padroado régio forçou o sacerdócio a uma condição de interferência

política e a uma atuação fortemente secular. Essa identidade tornaria-se, até o fim do século

XIX, o resultado dos estigmas produzidos pelo padroado. De um lado, o padroado buscou

manter o sacerdote desprovido de autonomia, e do outro o clero procura estabelecer meios que

amenizassem as limitações impostas pelo sistema.

O catolicismo cearense no século XIX não era fruto de disposições conciliares e

dogmáticas. Ele estava mais para os movimentos históricos e suas mudanças. Em um mesmo

século, esse catolicismo enfrentou três realidades, com suas respectivas mudanças dramáticas,

em sua busca de manter a consolidação como instituição religiosa de pertinência social,

política e religiosa: do Brasil colonial ao Brasil Imperial, e do Brasil Imperial ao Brasil

República. No primeiro momento, o padroado com a Coroa colocava-o numa submissão com

privilégios. No segundo momento, surge um padroado regalista que impõe uma submissão

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fiscalizada. No terceiro momento, a separação da Igreja com o Estado impõe a Igreja a

necessidade de traçar rumo que confirme sua real independência do Estado, mesmo que

estrategicamente buscando beneficiar-se do mesmo, afirmando a estrutura conciliar e

dogmática. Francisco Gomes (1998, p. 315-326) delimita essas realidades a partir de

condições assumidas: a Igreja no Império, os católicos eram fiéis e súditos; a Igreja na

República, os católicos eram leigos e cidadãos. Pode-se afirmar que é somente com a

República que o catolicismo cearense garante a sua universalidade. A romanização pode ser

vista através desse aspecto: como “abertura dos portos” à Igreja Católica.

O catolicismo cearense enfrentou terríveis secas e epidemias que não somente

desestruturavam o Estado, mas comprometiam os esforços da Igreja em sua tarefa de ampliar

o número de sacerdotes e de paróquias assistidas. Em períodos de intensas secas e epidemias,

o abandono das paróquias por parte dos padres era frequente, bem como as baixas por

doenças. Em torno de onze mil pessoas morreram no Ceará devido a terrível epidemia de

cólera-morbo no ano de 1862. Na seca, entre 1877 e 1879, com a presença da varíola,

ocorreram em torno de 180 mil mortes. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, tipicamente

ultramontana, foi marcadamente fixada em busca de aplacar essa seca. Dom Luís prometeu

construiu um grande templo dedicado a essa devoção ao findar da seca (NETO, 2009, p. 30).

Além desses fatores, as mudanças de pensamento e o nascimento de uma cultura

liberal em solo cearense colocaram a Igreja num confronto direto com o anseio por uma

sociedade limitadora da influência da religião. Não somente essa cultura nascente era um

desafio, mas o próprio ideário do povo. Devido aos infortúnios, o povo produziu uma

religiosidade sincrética que limitava a influência do clero e estimava o valor ao carisma dos

“profetas” e “místicos”. Essa religiosidade, que muitas vezes era vivida na clandestinidade,

não somente buscava o livramento dos infortúnios, mas era praticada como forma de fomentar

a esperança de uma vida melhor através da “sorte” que tais práticas poderiam atrair.8 Como

afirma Dominique Julia (1995, p. 106):

As mudanças religiosas só se explicam, se admitirmos que as mudanças

sociais produzem, nos fiéis, modificações de idéias e de desejos tais que os

obrigam a modificar as diversas partes de seu sistema religioso. Há uma

continuidade de ida e volta, uma infinidade de reações entre os fenômenos

religiosos, a posição dos indivíduos no interior da sociedade e os

sentimentos religiosos desses indivíduos. A densidade de população, as

comunicações mais ou menos extensas, a mistura de raças, as oposições de

textos, de gerações, de classes, de nações, de invenções científicas e

8 Existia uma intensa prática de orações privadas, consideradas proibidas por invocar forças da natureza ou do

mal, para favorecer a sorte. Devido a tais práticas, a busca por jogos de azar tornou-se uma prática corriqueira,

tendo como pano de fundo a esperança na sorte.

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técnicas, tudo isso age sobre o sentimento religioso individual e transforma,

assim, a religião...

É de estranhar qualquer análise do catolicismo cearense, até mesmo o brasileiro,

no século XIX, como detentor do controle da situação social, política e religiosa ou até

mesmo como uma estrutura limitadora dos avanços tecnológicos, educacionais e sociais. Pelo

que se ver, o catolicismo cearense padecia das mesmas dificuldades que a própria sociedade.

Um exemplo disso é na área da educação. A própria estrutura religiosa do catolicismo lidava

com a necessidade da existência do especialista. Era uma estrutura que necessitava de certa

estrutura educacional, dentro dos limites de sua atuação, para limitar o custo na formação de

seus especialistas. No século XIX, a formação dos sacerdotes cearenses era realizada no

Seminário de Olinda. Isto ocorria em duas consequências. Devido ao alto custo, tanto de

manutenção quanto de deslocamento, a formação de pessoas nativas era escassa. Daí, a

dificuldade de sacerdotes para atuar no Ceará. A segunda consequência é resultado da

primeira. Os sacerdotes que atuavam no Ceará enfrentavam limitações na adaptação cultural e

na formação de uma cultura de influência.

Algo que deve ser ressaltado é a vivência do catolicismo cearense em seus dois

núcleos: os centros urbanos e o sertão (interior). Nos centros urbanos concentrou-se o clero

mais intelectualizado, formador de opinião e idealizador de escolas. O sertão sofria com a

falta de sacerdotes. O deslocamento para as paróquias, nas áridas regiões cearenses, não

somente exigia coragem e disposição, mas saúde. Sem rotatividade ou substituição, os padres

provinciais chegavam à velhice em pleno exercício dos sacramentos. Diante de tanto

abandono, o padre Aloísio Furtado (1965, p. 163) considerou admirável a permanência do

povo: “É notável que, sem instrução, sem catequese organizada, sem cura d‟almas em muitos

centros, só de tempos a tempos visitados por missionários transeuntes, se tenha conservado a

fé desse povo.” Ele acrescenta:

Como povo religioso, o cearense não difere do restante da população do

Brasil, apenas se vê na contingência de olhar para o Céu e se lembrar de

Deus nas calamidades periódicas, de quem tem sido uma vítima secular e

indefesa. O cearense reza, não blasfema, cumpre os seus preceitos religiosos,

sobretudo quando está dentro do seu clã e sabe, com sacrifício e

generosidade, pagar seus votos e promessas em santuários distantes. É

religioso por tradição.

Não queremos dizer que essa religiosidade seja isenta de erros crassos e

exageros, muitas vêzes eivada de superstições, por falta de uma formação

melhor, mais sistemática e profunda.

A análise da religiosidade do cearense, feita pelo padre Aloísio Furtado, remete ao

fator positivo das calamidades para a permanência do sentimento religioso católico. As secas

e as epidemias produziam na população a busca de alento na prática religiosa. Essa prática

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religiosa, por falta de instrução “melhor, mais sistemática e profunda”, gerou uma

“religiosidade popular” de confissão católica, mas de práticas sincréticas herdadas dos índios

e escravos, bem como da própria imaginação produzida pela busca da sobrevivência num

ambiente que lhe era hostil, como diz Lira Neto (2009, p. 33): “A recorrência das secas e

pestes inclementes ajudava a fazer de cada manifestação da natureza um recado de Deus – ou

uma artimanha do diabo – contra o mundo imperfeito dos homens.”

O interior do Estado sofreu com a escassez de sacerdotes, tendo em vista que a

Igreja, subordinada ao padroado, teve que reproduzir o processo de ocupação colonial. Essa

ocupação ocorreu através de dioceses localizadas primeiramente no litoral, depois na região

central voltada para trocas e, finalmente, pontos de penetração e conquista do interior. Sandy

Regina de Jesus (2007, p. 53) sugere que o catolicismo popular foi a consequência imediata

dessa opção:

Ao fazer a opção de seguir o modelo de ocupação colonial, apropriando-se

de amplos territórios com grande vazio espacial, a Igreja Católica não era

capaz de atender às necessidades religiosas da população em diversas áreas

do território brasileiro. Como conseqüência disso, houve o favorecimento da

gênese de um catolicismo popular, o qual passou a fazer parte da cultura

brasileira.

O sertão foi o permanente oxigenador do culto católico de expressões populares.

Diante de uma igreja cujo fundamento de sua fé encontrava-se na mediação – primeiramente

da própria igreja (sem a qual era impossível a salvação), mas impossibilitada de prover os

meios de mediação (o sacerdote que institui o sacramento), o povo não abandona o

fundamento da mediação. Ele assume a crença na mediação dos santos que ameniza a

ausência da mediação da igreja. É a crença na mediação dos santos que mantém o povo

vinculado a igreja e reformula a dinâmica da expressão religiosa católica como prática

religiosa paralela ao catolicismo oficial. Na mediação dos santos, o catolicismo viu o

surgimento do culto popular em que misticismo e crendices misturam-se na manipulação do

sagrado. Os elementos oficiais do catolicismo – a teologia da cristandade, as liturgias e

pregação em latim, o pecado original agostiniano e a mediação clerical – assumem dimensões

mais subjetivas e pessoais. Através da religiosidade popular, o catolicismo deixa de ser um

corpo eclesiástico para se tornar um corpo comunitário. A fé é vivida na particularidade da

família, na alegria das festas aos santos e padroeiros, e nos ritos privados de intercessão aos

santos sem mediação clerical. É pela religiosidade popular que o catolicismo supera a

dimensão de empresa do sagrado para se tornar cultura popular.

A religiosidade popular, marca do sertão e que permeou todo o catolicismo

cearense, ao se distanciar dos elementos oficiais não incorre em ruptura com a reverência ao

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sagrado. A religiosidade popular, apesar de menos formal e menos dada aos ditames morais

da religião, possuía certa rigidez em sua relação com os mediadores. Essa rigidez impediu que

o povo se alienasse da igreja como fundamento de sua religião. A mediação com os santos dá-

se através de “promessas”. O suplicante promete cumprir determinada obra religiosa ou

manifestação de cunho religioso caso receba a “graça” pedida. A “promessa” torna-se

suprema dívida com o mediador. A religiosidade popular transferiu a noção de castigos

divinos desferidos contra erros morais, conforme a doutrina agostiniana do pecado original,

para a noção de castigos divinos desferidos contra aqueles que não pagassem suas

“promessas” (dívidas) aos mediadores (santos). Vê-se na religiosidade popular certa frouxidão

em relação a moral religiosa e rigidez quanto a devoção aos santos. O mérito na mediação dos

santos não se encontrava na prática de virtudes morais, mas em atos de demonstração de

lealdade à devoção. A promessa raramente era voltada para uma prática moral, mas para

aquelas de cunho sacrificial. O devoto prometia fazer algum sacrifício e não viver uma moral

religiosa (alguma moralidade).

Como os “santos” são patrimônio de fé da igreja, o povo, dado a religiosidade

popular, mantém-se vinculado a igreja através do santo de devoção. É através dessa realidade

que surgem, principalmente no sertão, as inúmeras capelas e igrejas para devoção de

determinado santo, que por vezes se tornava padroeiro da localidade. A construção dessas

capelas e igrejas é a prova de que a ligação do povo não era com a instituição, mas com o

mediador. A instituição apenas mediava a administração do bem religioso para seus

consumidores.

A expressão religiosa no sertão, desde a colonização, teve um misto de dominação

política e devoção popular. Os detentores dos oratórios privados ou de capelas mobilizavam a

comunidade no “dia do santo”. A dominação política ocorria devido ao fato de que nessa

situação o bem religioso estava nas mãos do dono da fazenda ou lugarejo. A festa era

demonstração de religiosidade e de poder. O dono não apenas detinha em suas mãos o poder

econômico, mas o “favor” do santo. Ao homenagear o santo, ele não apenas estava pagando

uma dívida, mas se tornando o mediador do santo (e seu protegido).

Uma força considerável ao catolicismo cearense, e que favoreceu a religiosidade

popular, bem como a presença da instituição oficial junto ao povo, foram as irmandades e

confrarias religiosas. Conforme Riolando Azzi (1992, p. 234), a “finalidade específica das

confrarias é a promoção da devoção a um santo.” Elas eram a reunião de pessoas para

promover o culto a um santo e edificar igreja ou capela dedicada a ele. Os fiéis

comprometem-se a manter a festa do santo anualmente. Riolando Azzi (1992, p. 235) enfatiza

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que o “que caracteriza a confraria é a participação leiga no culto católico.” É esta

característica que as habilitou ao favorecimento da religiosidade popular. Eduardo Campos

(1980, p. 05), que enumerou mais de oito dezenas de irmandades em atuação no Ceará até

1874, tratando a respeito da atuação das irmandades no Ceará, escreve:

Afirme-se, a bem da verdade, que, em poucos lugares do País, as irmandades

religiosas estiveram de modo oficial tão divulgadas, no que diz respeito aos

seus atos compromissais, como no Ceará. E também se acuda: em nenhuma

região forma elas, até hoje, mais esquecidas, relegadas, quanto ao interesse

do estudo de seu desempenho.

A maioria dos que se debruçaram sobre o tema o fez de modo meramente

circunstancial, parando à superfície. Mas, a rigor, constituem essas entidades

campo vastíssimo à análise e definição de comportamento sócio-religioso do

tempo em que prevaleciam em suas funções, não sendo, como imaginam os

apressados, de sua obrigação, apenas construir templos, cemitérios, e cuidar

do exercício dos ofícios religiosos.

As irmandades, no Brasil Colônia, eram supervisionadas pelo poder eclesiástico

português através de seus representantes aqui estabelecidos. No Brasil República, o controle

das confrarias estava nas mãos dos bispos. Em ambos os casos, as confrarias eram

oficializadas através da aprovação de seu estatuto. Eduardo Campos lembra que essas

irmandades possuíam em sua vivência cunho políticos e sociais, bem como ideais

antiescravocrata e “atitudes preconceituamente raciais”. As irmandades funcionavam, ao

agregar membros de afinidades de cor ou status, como entidades de classes. A ação social

praticada por elas não era o fim principal de seu funcionamento. Sua formação dá-se em torno

de uma devoção com o fim de ajuda mútua. Devido a intensificação do povoamento,

principalmente do interior do Ceará, as irmandades foram levadas a um alargamento das suas

atribuições, chegando a encarregar-se “também de registro civil e dos enterros dos fiéis, o que

justificava a inclusão de artigos nos seus estatutos detalhando as normas que deveriam ser

observadas nos funerais de seus associados” (COSTA, 2006, p. 04). Eduardo Campos (1980,

p. 06) esclarece:

Não exageramos ao referir que, pelo menos no Ceará tanto quanto possível,

as confrarias eram estimuladas e aceitas pelo poder constituído simplesmente

para empreender em favor da construção e conservação de igrejas,

circunstância que não as impedia, de modo algum, de trabalhar em favor dos

problemas que afetavam sua convivência comunitária.

Eduardo Campos dá a entender que as confrarias no Ceará não tiveram por ênfase

a ação social no seu trabalho devido a força do poder constituído. As mesmas evitaram uma

ampla ação social para não revelar as macelas produzidas pelo desmando político. Eduardo

Campos (1980, p. 06) conclui:

Perseguiam assim, de modo obstinado e até prioritário, a edificação de

igrejas, ao empenho de facilitarem a efetivação do culto religioso nos mais

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diversos sítios, proposta de trabalho comunitário que contribuía para

consagrar prestígios às lideranças locais, prevalecentes, valendo como

“status” social a ocupação de postos da mesa de decisão das confrarias,

principalmente o de juiz.

Deixada a questão sócio-política, as confrarias cearenses contribuíram

significativamente para a consolidação do catolicismo em sua dificuldade de manutenção dos

seus especialistas. Sua obstinação pela ação sócio-religiosa, tida como vocação, foi a causa de

edificação de muitas igrejas, manutenção de muitos sacerdotes, dinamização de festejos e

dinâmicas religiosas de caráter popular. Ao proporcionar a formação de classes, as

irmandades não apenas favoreceu o despertamento da religião, mas contribuiu para a

formação de grupos de interesses voltados à promoção da fé católica e para a ajuda mútua.

As irmandades, com a ausência das ordens religiosas, são as mais significativas

militâncias dentro do catolicismo. Posteriormente, os membros dessas ordens são os mesmos

que assumem o poder local e mantêm a igreja em situação de pertinência social e política. Os

próprios cargos nas confrarias eram destinados à classe alta – aqueles que tinham poder para

providenciar a manutenção das realizações das confrarias. Estes, por sua vez, usavam as

confrarias para manutenção do seu poder.

As confrarias nasceram, no século XVIII, inspiradas nas novas idéias sociais da

religião prática, conforme modelo europeu. Apesar de estarem debaixo de supervisão

constante, elas usufruíam de relativo poder de forma a exercer influência sócio-econômica,

psicológica e cultural. As irmandades possuíam uma estrutura hierarquizada e demarcadora

do status social. Como diz Elza Costa (2006, p. 05): “A sociabilidade religiosa não apagava,

ao contrário, acentuava os preconceitos raciais e sociais dos membros das elites.”

Principalmente no sertão, o culto católico foi profundamente marcado pela

atuação das irmandades. Elas desenvolveram as festividades aos padroeiros das cidades. Tais

festividades tornaram-se legítimas representantes da religiosidade popular e da mobilização

das confrarias. Elas usavam os jornais para convidar a população à festividade e para

convocar as pessoas de posses a ofertar prendas aos leilões e dinheiro às ornamentações e aos

preparativos das festas. Foi-se padronizando um formato de culto aos padroeiros que seguia

os seguintes preparativos e realizações: 1. Convocação e convites para a semana do padroeiro;

2. Recolhimento das ofertas; 3. Ornamentação da igreja e praça; e 4. Celebração e ato cultural

(festa folclórica e leilão). Era na época da ornamentação que se conseguia oferta para a

restauração da Igreja. Essa oferta era concedida por pessoas em boas condições financeiras,

principalmente liderança local (fazendeiros). O dinheiro arrecadado pela irmandade era gasto

nas despesas com o evento, com a manutenção da irmandade e demais ações de manutenção

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eclesiástica. Durante o evento, era comum atos de espírito caritativo das irmandades, tais

como jantar aos podres, como forma de divulgação do cumprimento dos atos compromissais

que regiam a confraria.

As confrarias, conforme esclarece Eduardo Campos (1980, p. 94), foram

substituídas no século XX pelas associações e ligas católicas. A última irmandade fundada

data do ano de 1912: a irmandade de São Geraldo da Paróquia do Patrocínio. As irmandades

foram substituídas por movimentos de cunho mais político como seguimento à reforma da

neocristandade católica, posteriormente. O processo de romanização buscava a

desqualificação do leigo. No final do século XIX, a Igreja e as Irmandades estiveram sobre

forte tensões políticas devido a essa proposta romanizadora. A Igreja Católica cearense no

início do século XX, como sugere Márcio Porto (2005, p. 241), “não estava totalmente

„adaptada aos moldes da reforma tridentina‟, nem o clero ocupava de forma hegemônica os

cargos de direção nas irmandades e confrarias.” A força leiga não apenas resistia através das

Irmandades e Confrarias, mas a cultura religiosa popular estava fundamentada na força leiga.

As muitas “teologias” que se fizeram ecos no catolicismo oficial do Brasil

transformaram-se em religiosidade popular através da falta de um processo eficaz de

catequese. A complexidade da formação do povo no pensamento teológico vigente dava-se

devido a falta de liberdade, diante do padroado, para a aplicação da dogmática. Vê-se no

processo uma relação profunda entre a ideologia do Estado e a dogmática, ficando essa última

na servitude.

Conforme Riolando Azzi (1985, p. 21), como a “teologia é basicamente a reflexão

sobre a fé vivida pelo povo”, o estudo da expressão religiosa católica no Brasil segue:

...em geral o modo de vivência da fé relaciona-se diretamente com a própria

concepção de Igreja que se mantém nos diversos períodos históricos:

alterando-se o conceito que a instituição eclesiástica tem de si mesma,

modifica-se também em geral a prática da fé e a consciência religiosa do

povo.

Azzi sugere que o Brasil colonial é fortemente influenciado pela Teologia da

Cristandade. Nessa visão, o Reino católico de Portugal é o universo representativo cristão e

portador da salvação. O padroado é a aplicação dessa teologia. Se a Teologia da Cristandade

oferece legitimidade à dominação lusitana e ao padroado na Igreja, sendo ela veiculada

principalmente pela hierarquia da Igreja, duas outras teologias formam a base para a

construção da religiosidade popular e a formação do “misticismo” entre o clero e o povo: a

Teologia do desterro e a Teologia da paixão. A Teologia do desterro alimenta o desprezo à

esperança de uma boa vida na terra. A presente vida, como na oração medieval Salve-Rainha,

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é “vale de lágrimas” onde os “degredados filhos de Eva” devem andar “gemendo e chorando”.

Essa teologia foi disseminada através dos missionários e religiosos das ordens. Já a Teologia

da Paixão, ressalta a mediação dos santos que, com o tempo, chega aos limites de “amizade”

demonstrada por promessas ou procissões. Nesta teologia, também é enfatizado a centralidade

da crucificação de Jesus para a devoção. No “Jesus morto”, o povo vê-se e não apenas se

identifica e imita.

Essas três teologias iriam fornecer base para a formação da identidade do

catolicismo no século XIX e que, mesmo depois da romanização, continuou vinculado a sua

identidade. A Teologia da Cristandade gerou o sentimento de que o Brasil é espaço único da

representação do verdadeiro cristianismo: o catolicismo. Assim como foi Portugal, o Brasil é

também cristandade católica e veículo da salvação através de sua vocação. A intolerância em

relação as demais religiões deve-se muito a essa crença: o Brasil é uma nação cuja vocação é

transmitir a fé cristã, isto é, a fé católica como meio único de salvação – “fora da Igreja

católica (no Brasil) não há salvação”. Quanto a Teologia do Desterro, ela mantém o povo

longe das questões centrais da sociedade e de movimentos dados às mudanças sociais. As

revoltas ou motins ocorrem apenas quando a sobrevivência encontra-se em risco. A

resignação faz parte da identidade da pessoa de fé. Os infortúnios são merecidos e o castigo é

certo. O fatalismo torna-se quase um “dogma de fé”. Através da Teologia da Paixão forja-se

uma identidade apegada a mediação dos santos e “místicos”, e pouco dada ao apego à

instituição. Ela gera uma identidade e imitação da passividade pascal em detrimento a

identificação com o clero oficial.

Com a intensificação do estabelecimento do Império, o padroado favorece o

surgimento de uma Teologia da Igreja Nacional. Isto ocorre depois da expulsão dos jesuítas,

em 1759, e com o envolvimento do clero com o pensamento liberal presente nos ideais da

Revolução Francesa. Surge um clero que, até 1840, assume uma postura de sentimento

nativista com crescente interesse “pelos problemas do povo” (AZZI, 1991, p. 101). Exemplo

desse tipo de envolvimento foi do cearense Gonçalo Inácio de Loiola Albuquerque Melo,

padre Mororó, um dos expoentes da Confederação do Equador.9 O padre Mororó foi o

fundador do primeiro jornal cearense, o Diário do Governo do Ceará, lançado em 1º de abril

de 1824, e proclamador, no dia 9 de janeiro de 1824, da primeira tentativa de criar a

9 Barrão de Studart (1924, p. 58) destaca: “Digno de nota é o ardor com que no Norte do Brasil o clero abraçou e

deffendeu as ideias liberaes; não querendo aos muitos membros do clero regular e secular [...] que tomaram parte

nas revoluções de 1817 e 1824, apraz-me registrar aqui os nomnes dos seguintes companheiros de Mororó:

Padres Manuel Pacheco Pimentel, vigario das Serras dos Côcos, José da Serra Barros Jaguaribe, Joaquim

Ferreira Lima Secca, José Francisco dos Santos, vigário de S. Bernardo das Russas, Estevam Porciuncula e Frei

Alexandre da Purificação.”

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República no Brasil na Câmara da Vila de Campo Maior de Quixeramobim.10

Nessa ação, ele

acusou o imperador de traidor da Pátria declarando-o, juntamente com toda a sua

descendência, decaídos dos direitos ao trono. Na mesma reunião, propôs a organização de um

governo republicano no lugar daquele provisório com sede na Capital. É através do padre

Mororó que se inicia no Ceará o uso, pelo clero, da divulgação por jornal de ideologias

políticas e religiosas. Ele utiliza de um meio que, posteriormente, será um veículo de grande

importância para a divulgação do pensamento liberal, bem como da Igreja Católica em sua

luta interna e externa. O envolvimento do cearense seminarista José Martiniano Pereira de

Alencar, estudante do Seminário de Olinda, mostra como a formação do clero nesse momento

da história estava comprometida com o sentimento nacionalista e com o pensamento liberal. É

notável como a presença do clero foi significativa. Ele chegou a ocupar cargo de importância,

como foi o caso do padre Mororó, que ocupou a secretaria do governo revolucionário de

Tristão Gonçalves quando foi proclamada a República do Ceará, em 26 de agosto de 1824,

sob inspiração da Confederação do Equador.

Riolando Azzi (1991, p. 215) chama a atenção para as duas vertentes do

movimento iluminista: uma, nacionalista e anticlerical e, outra, mais reformista e católica.

Para ele, a afirmação do iluminismo na cultura luso-brasileira teve como consequência “a

emergência de um tipo peculiar de expressão da fé católica”. Ele denomina de “catolicismo

iluminista”. Esse catolicismo iluminista possui quatro características. Primeira, é a ênfase na

grandeza de Deus e confiança na sua graça. Segunda, a ênfase na liturgia de caráter mais

regional e não uniformizado como queria Roma. Terceira, a valorização do rigor moral. E,

quarta, afirmava o papel das comunidades dos fiéis e da necessidade da catequese bíblica em

detrimento ao autoritarismo de Roma.

O período de ação do catolicismo iluminista, devido a acentuada crise política,

social e religiosa, contribuiu para a afirmação da devoção popular. É nela que o povo

“passava a buscar remédio e segurança nessa época de forte abalo da ordem social” (AZZI,

1991, p. 221). Entre os muitos centros de devoção e romaria vê-se no Ceará, na localidade de

Canindé, a difusão do culto de são Francisco das Chagas, cuja construção da igreja data de

1775.

Na formação do clero da primeira metade do século XIX não apenas estavam os

10

Para informações sobre o Jornal Diário do Governo do Ceará consultar artigo de Barão de Studart (1924), sob

o título “Os jornaes do Ceará nos primeiros 40 anos, 1824-1864”. Como defende Barão de Studart (1924, p. 58),

o Diário do Governo do Ceará como primeiro jornal do Ceará não significa que neste Estado não tenha tido

acesso a jornais anteriormente, “mas si jornal implica a existência de uma typographia, a inversa não é não é

verdadeira, e disso há dúzias de exemplos.”

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anseios nacionalistas e liberais. Ali estava o resultado da reforma pombalina em Portugal que

fez com que o catecismo de Montpellier se tornasse não apenas instrumento de aceitação das

“doutrinas” da religião católica, mas, sobretudo o que ele representava. De cunho jansenista, o

catecismo de Montpellier trazia em si a busca de uma maior participação do leigo e da

autonomia da Igreja em relação a Roma.11

A Teologia nacionalista deixou como marca para a identidade do catolicismo, no

século XIX, a busca da relação entre fé e razão, igreja e sociedade. Apesar da falência do

projeto de um catolicismo iluminista, a igreja haveria de conviver, posteriormente, com o

posicionamento do clero em movimentos sociais e no engajamento político.

Alguns aspectos da Teologia nacionalista não foram abandonados, mas adaptados

para uma nova realidade. Vê-se, no final do século XIX, o nacionalismo com uma nova

roupagem. Ele não mais estava a favor do Estado, mas da Igreja oficial. Com isto, afirmar a

brasilidade era afirmar a catolicidade. A verdadeira expressão de cidadania é assumir o

catolicismo, pois o catolicismo é a verdadeira expressão da cultura brasileira. Riolando Azzi

(1994, p. 85) esclarece:

...os tradicionalistas procuravam enfatizar que a verdadeira nação brasileira

fora constituída na época imperial, iluminada pela fé católica, fiel à tradição

colonizadora lusitana. A República leiga representava a tentativa de

importação das idéias revolucionárias francesas do século XVIII, e do

modelo de governo norte-americano, de origem protestante.

Essa maneira de interpretar a formação da nação brasileira torna-se a propulsora

da “Teologia da restauração católica” que determinará a ação católica a partir de 1920. Busca-

se promover a “neocristandade”, onde todos declaram sua fé no catolicismo.

O Ceará viveu parte de sua história colonial sem a presença de uma diocese. Isto

colocou o catolicismo sob o risco de perder sua unidade e disciplina do clero. O catolicismo

cearense assumiu uma identidade de cunho mais patriarcal do que romano devido a influência

dos latifundiários. As relações de poder eram vivenciadas através dos laços de dependência,

parentesco e vizinhança. Isto favorecia a uma considerável perda da disciplina e autonomia da

instituição. O que prevalecia não era o direito canônico, mas os interesses locais. A

repreensão de um sacerdote, devido a sua conduta, tinha possibilidade de ocorrer não por

força da norma religiosa, mas pela intervenção do poder local. Quando a Província cearense

foi elevada a bispado em 1854, pelo Papa Pio IX, não somente se vê a oportunidade para o

11

O catecismo de Montpellier é da autoria do oratoriano François Aimé Pouget. Foi publicado pela primeira vez

em Paris, em 1702. De linha jansenista, o catecismo de Montpellier teve grande aceitação na França, devido a

seu caráter pedagógico. Prova de sua grande aceitação é o fato de que até 1731, somente na França, ele contava

com trinta edições. Em Portugal, o catecismo de Montpellier também teve grande aceitação, principalmente a

partir do século XVIII até finais do século XIX (VAZ, 1998, p. 09-10).

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estabelecimento de certo nível de organização territorialmente delimitada e da centralização

das decisões na figura do bispo diocesano, o que conferia unidade, mas sobretudo a aplicação

dos ditames do Concílio de Trento ao clero.

No Brasil, a Reforma Católica Ultramontana teve início a partir da década de 40

do século XIX, no contexto de pacificação do país e do golpe da Maioridade.12

Nesta época,

os padres Antônio Ferreira Viçoso e Antônio Joaquim de Melo assumiram posição declarada

em favor da legalidade, constituindo elemento importante para que o Imperador os

designassem como bispos. Como observa Lana Lima (1998, p. 444), o regalismo no Estado

imperial assume uma postura mais conservadora:

O Estado imperial queria manter o aparelho eclesiástico sob sua estreita

vigilância, mas terminou por favorecer sua autonomia ao estimular a

Reforma Ultramontana, capitaneada por um episcopado conservador, que

suportava cada vez com mais impaciência a subordinação a um Estado

regalista. Esse dilema se reproduzia ao nível do baixo clero, dividindo os

sacerdotes entre suas funções de funcionários públicos e a cura d‟almas;

entre obediência devida a um Estado do qual eram também súditos, e a

fidelidade às diretrizes emanadas da cúria romana.

Dom Antônio Ferreira Viçoso foi nomeado bispo de Mariana em 1844 e Dom

Antônio Joaquim de Melo nomeado bispo de São Paulo, em 1851 (AZZI, 1974, p. 646-662).

Havia a necessidade de preparar a Igreja para as exigências que eram impostas pela “nova

ordem mundial” no desenrolar do século dezenove. Isto significava reestruturar os modelos de

presença político-religiosa no campo local. O projeto ultramontano é a resposta de oposição

às tendências inovadoras do cientificismo, racionalismo, evolucionismo e materialismo, bem

como do protestantismo e da maçonaria, no campo religioso. Pinheiro (1995, p. 200)

esclarece: “A situação da Igreja neste contexto é por demais delicada, pois se de um lado

temos o avanço das idéias liberais que serviram como base de justificação ideológica do

Estado, por outro lado existe uma longa tradição liberal do clero brasileiro.”13

Mabel Pereira (2002, p. 73), seguindo o esquema de Riolando Azzi (1994, 72-73;

1992, p. 57; 1991, p. 226), destaca que três linhas principais estavam na base da obra

reformadora dos bispos deste período: a corrente tradicionalista, cujo pensamento central

afirma o conceito de pátria católica; o enfoque tridentino, que enfatiza a existência do mundo

dividido em duas “sociedades perfeitas” – a civil e a eclesiástica, ambas autônomas e com

12

Estratégia política dos liberais, que contaram com apoio dos conservadores para antecipar a maioridade de

Pedro de Alcântara (futuro D. Pedro II), ocorrido num momento de agitações sociais, onde se considerava que o

poder centralizado nas mãos do imperador traria tranquilidade ao Império. 13

A palavra “ultramontano”, do latim ultramontanus, significa “para além das montanhas”, ou seja, por trás dos

Alpes europeus (Roma). Dele se deriva o nome ultramontanismo - movimento cujo objetivo era encaminhar a

Igreja a plena obediência as ordens e orientações advindas de Roma através da união dos “episcopados católicos

em torno da Sé romana” (LIMA, 1998, p. 442).

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finalidades distintas; e a visão ultramontana, que compreendia a Igreja como uma sociedade

hierarquizada e autônoma, sob a direção imediata do Pontífice Romano. Segundo Mabel

Pereira (2002, p. 73), o que se chama de “romanização”, a partir do modelo brasileiro do

“catolicismo reformador”, é fruto da reflexão filosófico-teológica interligadas dessas três

vertentes. A romanização pode ser resumida em três termos: “europeização, uniformização e

centralização.”

No embate entre o grupo dos romanizados e o liberal, por volta de 1850, o grupo

dos romanizados passa a assumir a posição de hegemonia com o apoio de Roma. Os

reformadores se empenhavam em estabelecer a ortodoxia católica e os costumes morais da

igreja, como diz Pinheiro (1995, p. 200): “O clero vai ter não só que combater esta tradição

liberal, que é apontada como sinal de decadência e mau exemplo, mas sobretudo se preocupa

com a formação de novos padres condizentes com as exigências desta realidade.” Na reforma

dos costumes morais da Igreja foi imposta ao clero a observância do celibato eclesiástico e da

santidade (que se manifestava no culto divino e nas funções eclesiásticas). O espaço da ação

do padre era as igrejas. Suas funções eclesiásticas deveriam ser exercidas nelas e não fora

delas. Não mais era incentivada a participação dos padres nos movimentos políticos

(PEREIRA, 2002, p. 74).

Muito se critica o baixo nível da cultura religiosa tanto do povo quanto do próprio

clero. Não se pode afirmar que isto ocorreu por falta de interesse para com a Igreja no Brasil.

Deve-se atentar para o fato de que as restrições impostas pela Coroa lusitana limitavam a ação

católica. O fechamento em que o país vivia não somente impedia a troca de tecnologia, mas

do saber religioso.

No Ceará, o processo de romanização fez-se presente onze anos antes do Concílio

Vaticano I de Pio IX, com a criação da Arquidiocese cearense por decreto em 1859 e

confirmação de Dom Luís Antônio dos Santos como bispo, em 1861, por escolha e aprovação

de Dom Pedro II. No dizer de Pinheiro (1995, p. 200): “A Província do Ceará será área de

romanização por excelência.”

O bispo Dom Luiz foi formado num dos mais famosos centros de romanização do

Brasil, o Seminário de Caraça em Minas Gerais. Três anos depois, em 1844, assume a reitoria

do Seminário Diocesano de Mariana. Vê-se que Dom Luiz sabe claramente que modelo de

Igreja e que tipo de clero era necessário naquele momento histórico, tendo em vista sua

função chave na formação de novos clérigos.

A indicação de Dom Luís para o bispado cearense da nova diocese estava além de

um esforço burocrático para manutenção da unidade e paz diocesanas. Ele era a primeira

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geração do movimento romanizador da Igreja no século dezenove e fruto intelectual do

movimento reformador nacional, que teve por iniciador, a partir de 1840, o bispo Dom

Antônio Ferreira Viçoso. Esse movimento reformador intencionava uma reaproximação a

Roma e a consolidação de sua presença.

Dom Luís teve influência direta do bispo de Mariana, o lusitano Antônio Viçoso.

Quando no seminário, na qualidade de diretor, ele já implementava uma formação voltada

para a reta doutrina segundo o modelo romanizador. Viçoso mediou a entrada de Dom Luís,

ainda jovem seminarista, para a Congregação da Missão na província de Minas, onde iniciaria

sua formação de noviço. Ele mediou a viagem de Dom Luís, já ordenado, para Roma, em

1848, com o objetivo de completar seus estudos. Depois de cinco anos, Dom Luís formou-se

em Direito Canônico e, foi consagrado bispo do Ceará por Dom Antônio, na cidade de

Mariana, e não no Rio de Janeiro, conforme pedido ao Internúncio Apostólico.

Dom Viçoso teve forte influência sob a prática diocesana de Dom Luís. Os

sacerdotes da geração pós-1840, formados sob a influência do bispo mariano, enfatizavam o

caráter de santificação dos clérigos. Os bispados de Belém-Bahia e de São Paulo, por sua vez,

enfatizavam a valorização de um clero ilustrado e da ciência do Direito Canônico. Estes

valorizavam a prática do dogma (a compreensão do dogma gera piedade) e aqueles a prática

da piedade na vida (a piedade é o objetivo do dogma). Dom Luís configura, em sua prática

diocesana no Ceará, uma ética romanizadora conforme os ditames do Concílio de Trento para

a vida consagrada (clerical).

Quando Dom Luís iniciou seu bispado no Ceará, o catolicismo cearense achava-se

em estado critico de organização. O quadro de sacerdotes encontra-se quase nulo em sua

influência – devido a avançada idade dos clérigos ou devido ao seu deplorável hábito. O

catolicismo caducava em seus mais de dois séculos de presença católica pouco disciplinadora

e um tanto ausente. As dioceses do Império padeciam com o pouco zelo dos clérigos às

práticas da religião. A diocese cearense herdava um clero pouco envolvido com as

modificações e direções que a igreja começava a tomar. O isolamento com que vivia o

catolicismo cearense, devido a fatores geográficos e eclesiásticos, fazia com que as

informações tardassem a se deslocar de uma região à outra. Até mesmo as vilas mais

desenvolvidas padeciam de tal letargia, tendo em vista que tais práticas haviam se tornado um

“jeito de ser sacerdote”. A religiosidade popular havia inserido novos elementos na liturgia e

no culto católico. Isto fazia com que o catolicismo cearense padecesse de uma organização

sem unidade e força de ação em conjunto.

Dom Luís, como discípulo de Dom Viçoso, assume o bispado como gerente de

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crise eclesiástica e elege a esfera administrativa e acadêmica como instrumento para unificar a

igreja, promover a ação conjunta e formar um novo clero (mesmo a partir dos antigos!). Isto

não significava que Dom Luís banalizaria o presente corpo de sacerdotes. Ele inicia seu

trabalho afirmando sua confiança no clero cearense:

Para poder cumprir a árdua tarefa que sobre os meus ombros pesa, eu tenho

necessidade do concurso do respeitável clero cearense, com o qual conto, e

da união e paz que deve haver entre todos os fiéis, principalmente entre os

reverendíssimos padres, discípulos d‟Aquele cuja missão foi de paz e

caridade (apud OLIVEIRA, 2001, p. 43).

Vê-se no discurso de Dom Luís que a diocese do Ceará é tida como uma “árdua

tarefa”. Essa expressão é mais bem entendida de forma literal. Conhecendo o

empreendimento que ele se propôs a fazer diante da realidade do clero cearense, ela não é

apenas retórica, mas condiz com os sentimentos do bispo. Dom Luís afirma seu respeito ao

clero e isto significava advogá-lo dignidade. Os padres são colocados na qualidade de fiéis

juntamente com o povo. Com certeza, ele impõe sobre os padres, desde já, sua condição de

piedosos para o povo e com o povo. O chamamento aos fiéis é para a promoção da paz. Isto

mostra a preocupação central da parte de Dom Luís: pacificar o catolicismo cearense.

Pacificar torna-se sinônimo de romanizar, pois qualquer oposição à hierarquia é desordem.

Ele chama a atenção para a centralidade dos padres no esforço de pacificar o catolicismo

cearense. Os padres são os principais portadores da “pax romana”. Eles são, na instrução de

Dom Luís, seguidor de Cristo. Para o bispo, duas qualidades destacam-se em Cristo e que

devem formar a base da atuação do clero: paz e caridade. A paz e a caridade são atributos

missionais – é missão. A existência do clero é para promover a paz – ordenar aos fiéis a

obediência a Roma de forma inquestionável – e a caridade – uma prática sem envolvimento

político e pleno de devoção, quando possível assistencial (e não social).

A consideração de Dom Luís ao clero cearense não é reconhecimento de que

bastava apenas o status do sacerdócio e a observância aos sacramentos da igreja na formação

do padre. O sacerdócio cearense assumia sua identidade através do status do sacerdócio

(ordenação) e da observância dos sacramentos. Padre era aquele que havia recebido a

ordenação (sob o juramento do celibato) e observava os sacramentos. Dom Luís acrescentaria

um novo elemento: a ética. Essa ética era pautada pela romanização – que colocava o padre

numa luta aberta contra as liberdades modernas do século dezenove. Era necessário

encaminhá-los para além da catequese e da missão rumo a produção de bens religiosos através

do discurso intelectual, de cunho religioso, para afirmação da hierarquia. Os padres deveriam

ser representantes da igreja, não apenas devido a ordenação e manuseio dos sacramentos, mas

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pela consciente vinculação e obediência a Roma. A validação era recebida através do discurso

em prol de sua promoção. Riolando Azzi (2008, p. 77) observa que houve uma delimitação

acentuada da ação do clero:

O lugar privilegiado do padre passa ser o templo. É ali que ele exerce as

funções específicas do seu ministério, condensadas em três atividades

principais: a celebração da missa no altar, a pregação da doutrina católica no

púlpito e o perdão dos pecados aos fiéis no confessionário.

Dom Luís necessita de um corpo de especialista capaz de produzir bens religiosos.

A Província cearense não possuía um clero com erudição e especialistas capazes de aplicar-se

ao ensino de teologia e filosofia. A Igreja vivia uma crise intelectual que atravessava séculos.

Existia uma deficiência nos seminários nacionais. Não havia autonomia da Igreja para investir

plenamente na formação de um corpo de especialistas. Não somente as dificuldades

financeiras contribuíam para essa carência, mas a intervenção imperial. Uma alternativa que a

Igreja encontrou para suprir sua carência de especialistas, dentro dos preceitos da ética

romanizadora desenvolvidos por Pio IX, foi o envio de padres brasileiros para reciclagem de

seus ensinos nos centros de educação tridentina italianos ou franceses. Essa reciclagem era

mais do que formação intelectual. Era desenvolvida especialmente no doutrinamento,

conforme o modelo tridentino. O próprio Dom Luís foi um dos que foram enviados, por Dom

Viçoso, tendo, depois de cinco anos, recebido formação romanista em Direito Canônico.

Em contato com os centros de excelência europeus na educação tridentina e

impactado com o resultado dessa educação, a criação do Seminário Diocesano de Fortaleza

tornou-se mais do que uma obsessão para Dom Luís. Ele era necessário à implementação de

uma qualificação acadêmica e moral dos candidatos ao clero. Francisco Pinheiro (1995, p.

201) pontua:

Esta é uma das suas principais preocupações: a formação dos novos clérigos,

pois ao assumir a Diocese procura, antes de mais nada, organizar um

Seminário Diocesano (1863), convidando para dirigi-lo os Lazaristas

franceses, por pertencerem a uma Ordem confiável, isto é, virtuosa,

obediente, muito ligada à Roma e estrangeira. Foi também responsável pela

fundação do seminário do Crato e pelo colégio dirigido pelas irmãs de

caridade também de origem européia (francesa).

Diante de tais feitos do bispo Dom Luiz, o jornal Tribuna Catholica, cuja

fundação teve a influência do bispo e que tinha por objetivo defender os direitos da Igreja, no

artigo intitulado “O futuro do Ceará”, destaca:

...para quem calcula qual deve ser o resultado do Seminário e collegio de

caridade, dirigido pelas filhas de São Vicente de Paulo, (...), que Deus por

graça ao seu instituidor tem preservado da desmoralização e concepção

comum; (...) não podia deixar de perceber e entrever um brilhante futuro

para esta província; (...) uma geração nova que se prepara nestes christãos

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para formar uma nova sociedade reformada, milhorada e costumes que não

temos, (...).

Mas não duvidarão dessa nossa previsão, quando souberam que os Lazaristas

foram creados conforme regras próprias e constitil-o uma espécie nova de

Clero no desespero de melhorar e reformar o antigo sendo habilitados na

sciência própria para instruir os infernos e os encarcerados, (...). (apud

PINHEIRO, 1995, p. 202).

Percebe-se que a romanização do Ceará assume, de forma pública, seus objetivos

através de um discurso de significação de termos chaves – sociedade reformada, geração nova

– cujo centro é desqualificar o clero liberal e afirmar o novo modelo como “salvação” da

Igreja, como diz Pinheiro (1995, p. 202):

Esta é uma das características fundamentais do processo de romanização,

apresentar o Clero liberal como sinal de decadência, de formação

inadequada, inobservante, portanto um Clero que não merece confiança,

enquanto o Clero romanizado é sempre apresentado como aquele que deve

salvar a Igreja dos caos liberal.

Começa a surgir um clero mais elitizado e ligado a Roma em oposição ao clero

liberal e mais dado às questões sociais e próximo ao povo. Essa oposição dirige-se também ao

clero celibatário de tradição lusitana que, além de próximo ao povo e suas questões sociais,

estava também envolvido com a “mística” da religiosidade popular (exemplo desse tipo de

clero é o Padre Ibiapina).14

O Seminário Diocesano de Fortaleza destinava-se a cumprir o objetivo de Dom

Luís na formação do clero. A disciplina do Seminário era de reclusão dos noviços às suas

quatro paredes. Percebe-se muito bem a busca de delimitar o espaço para as práticas da

religião longe das filosofias modernas.

Dom Luís elegeu a educação como instrumento para estabelecer a romanização no

Ceará. Um ano depois, em 1865, ao lado do Seminário (que se destinava à formação do clero,

dirigido pelos padres lazaristas), foi instalado o Colégio da Imaculada Conceição (dirigido

pelas irmãs de São Vicente de Paula, destinado à formação de jovens mulheres). Conforme F.

Alves Andrade (1965, p. 261), em seu discurso em comemoração ao centenário do Seminário:

“As duas fundações seguiram de perto uma a outra, operando coordenada e mutuamente nos

trabalhos do culto, do ensino, na formação de sacerdotes, de líderes e de famílias cristãs”.

Andrade (1965, p. 265) conclui: “Ao mesmo tempo que se forjavam os obreiros da religião,

preparavam-se líderes para as diferentes atividades culturais.”

14

O padre Ibiapina ficou famoso pelas suas missões, percorrendo o sertão nordestino casando, confessando e

batizando. O mesmo praticou notável ação missionária nas províncias do Rio Grande do Norte, Paraíba,

Pernambuco, Ceará e Piauí, durante o século XIX. Além do trabalho intelectual de evangelização e educação

feminina, as obras de Ibiapina incluem uma ampla obra de infraestrutura material composta, no Nordeste, por 58

obras de uso público, entre orfanatos (22), igrejas (10), açudes (11), cemitérios (8), capelas (4), hospitais, uma

casa paroquial, um canal no rio Acaraú (CE) e uma cacimba em Barbalha (HOORNAERT, 2006. p. 25-26).

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Andrade sugere que a obra de Dom Luís não se destinava apenas a uma reforma

interna. Sua preocupação não era reciclar o clero e a sociedade. Era necessário formar uma

nova realidade cristã – a neocristandade. Se as novas filosofias tinham acesso através da

educação e da informação, Dom Luís tornava-as instrumentos em favor da hierarquia. Antes

do Seminário de Fortaleza, apenas duas escolas serviam de instrução em Fortaleza: o Liceu de

Fortaleza (terceiro colégio mais antigo do Brasil, datada de 19 de outubro de 1845) e o Ateneu

Cearense (fundado em 08 de janeiro de 1863, cujo objetivo era proporcionar instrução básica

para posterior aprofundamento nas Academias e Seminários do Império). Em anos

imediatamente posteriores a fundação do Seminário, vê-se a proliferação de Colégios surgidos

como consequência da formação de novos educadores (ex-seminaristas ou padres): o Panteão

Cearense (1870), o Colégio Cearense (1872, sob a responsabilidade do padre Luís Vieira da

Costa Perdigão), o Colégio São José (sob a responsabilidade do padre Dr. Ananias Correia do

Amaral), o Instituto Cearense de Humanidades (sob a responsabilidade do padre Bruno da

Silva Figueiredo), o Colégio Universal (1875) e o Ginásio Cearense.

Não se deve esquecer que, no ano de 1865, ingressava no Seminário de Fortaleza,

Cícero Romão Batista, aquele que haveria de se tornar um dos causadores da dinâmica

nordestina de religiosidade popular. O “Padim Ciço” inseriu-se nesse legado de Dom Luís,

como parte da formação da identidade católica no século XIX.

O padre Cícero teve dificuldades para obter sua ordenação. Se não fosse a

mediação de seu padrinho junto a Dom Luís não teria conseguido. O Reitor do Seminário, o

lazarista padre francês Pedro Augusto Chevalier, acusava-o de ser “um moço teimoso e dado

às visões do outro mundo” (MACEDO, 1964, p. 47), “não se confessava uma vez por semana

como de praxe, e que tinha idéias próprias” (FORTI, 1999, p. 63), e era “demasiadamente

místico, cabeçudo e por vezes audacioso em matéria doutrinária, para que pudesse ser um

padre” (DELLA CAVA, 1976, p. 43). Vê-se claramente, no discurso do padre Chevalier,

quais os quesitos exigidos, na condição ultramontana, para a identidade do padre.

Primeiramente, destaca-se que não deveria ser audacioso em matéria doutrinária, ou seja,

questioná-la ou pensá-la. A doutrina encontra-se pronta. Seus ditames encontram-se nos

documentos do Concílio de Trento. Ela é apenas para ser observada. Segundo, não ser dado a

ênfase na mística e as crenças nas experiências do “outro mundo”. A concepção ultramontana

é objetiva. A expressão da fé e da prática encontra-se na instituição e seus ritos oficiais. Fora

da instituição e de seus ritos é superstição e deve ser evitado. A mística medieval é substituída

pela piedade ultramontana que encontra sua verdadeira expressão nos sacramentos. O padre

Cícero é questionado em sua vocação devido a não prática da piedade ultramontana, isto é, a

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prática do sacramento da confissão. E, finalmente, o novo modelo de sacerdotes encontra-se

em absoluta obediência à hierarquia. A intelectualidade do sacerdote encontra-se em sua

obediência. É proibido pensar, e permitido repetir o dogma! Formam sacerdotes para

reproduzir a cultura ultramontana. Não se deve esquecer que conforme a encíclica Quanta

cura (seguida do Syllabus errorum, as oitenta proposições acerca dos erros da modernidade),

do Papa Pio IX (1864), a liberdade de consciência e de cultos equivalia a “liberdade de

perdição”.

A atuação do Seminário na formação da sociedade cearense dentro da

romanização deu-se, principalmente, na arregimentação de jovens (masculino e feminino),

como nos diz F. Alves de Andrade (1965, p. 266):

Às portas do Seminário vieram bater jovens de todos os quadrantes do

Ceará, filhos das principais famílias que habitavam fazendas ou vilarejos dos

sertões longínquos e serras alterosas. Convidados para serem padres, êste

objetivo colhia uma ínfima parcela, pois a maior parte saia para atividades

civis ou profissões liberais.15

Dom Luís sabia, como bem expressou Joaquim Nabuco (1873, p. 06), em seu

discurso sobre a “Invasão ultramontana” em 1873, que é pela mocidade que as idéias

“inoculam-se na consciência do povo” e que as duas armas do jesuitismo (o Concílio de

Trento e do Vaticano I) é o confessionário e a instrução da mocidade.

O primeiro reitor do Seminário foi o padre lazarista Pierre-Auguste Chevalier.

Asceta e de caráter inflexível, mantinha vigilância continua nos seminários a ponto de ler suas

correspondências e vistoriar salas de banho e estudo. Com ele, estabeleceu-se uma rotina no

Seminário de vigilância e rotina. O dia começava às 5h15 e terminava às 21h15. Havia

privação de leituras de revistas, jornais e livros não religiosos, de conversas, risos e amizades

entre os seminaristas. Silêncio, jejum, oração, disciplina e recolhimento eram as “virtudes”

que garantiria a reforma da igreja cearense. Missas e confissões encaminhariam a nova

geração aos pés da romanização.

Para promover a interiorização da reforma, Dom Luís funda o Seminário do

Crato, em 1875, como complemento do Seminário de Fortaleza. Tanto era o interesse do

bispo, que ele mesmo foi supervisionar a construção da casa que abrigaria o Seminário. Dom

Luís ficou um semestre no Sul do Ceará. Criado para formar sacerdotes, o Seminário

funcionou como ginásio e colégio. Ele tornou-se a opção mais viável para quem queria chegar

15

No centenário do Seminário, em 1964, dos 4.100 alunos (sendo 3.295 procedentes do Ceará) apenas 17%

(677) foram ordenados padres. Destes, 510 eram cearenses e 167 de outros Estados (ANDRADE, 1965, p. 266).

A média cearense (15,5%) foi menor em ordenação do que a dos outros Estados (20,7%).

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ao ginásio depois de concluído o primário.16

O Seminário do Crato serviu para fortalecer a

formação do espírito romanizador e, principalmente, unificar a Diocese – capital e interior.

A cultural liberal cearense em formação iria sofrer nos anos posteriores com a

atuação de um corpo de especialistas com formação, dita humanista cristã, voltada para a

ética, a religião oficial e a cultura dos deveres. Se a cultura liberal cearense, em sua formação,

havia proporcionado vultos de intelectualidade, o Seminário de Fortaleza e as escolas nascidas

sob a sombra de sua pedagogia haveriam de forjar os novos vultos em áreas diversas. O mapa

cultural cearense e a formação intelectual no final do século XIX e início do século XX

sofreram profundas alterações.

Dom Luís segue uma das principais recomendações do Concílio de Trento,

negligenciada pelos bispos luso-brasileiros até o século XIX: as visitas pastorais. O Concílio

recomendava que tais visitas deveriam ocorrer, em pelo menos, de dois em dois anos às

paróquias sob a supervisão diocesana. O Ceará viveu uma ausência extrema dessas visitas. É

possível sugerir que as imensas distâncias, os perigos nas viagens e a dispersão da população

foram fatores decisivos para tamanho desprezo. Em torno das visitas raras de prelados, é

somente no século XIX que se vê interesse na aplicação do zelo pastoral às paróquias

cearense.

O Ceará era território da diocese de Pernambuco. Ele não havia recebido a visita

pastoral de um de seus bispos até 1839 quando Dom João da Purificação Marques Perdigão

fez visita. Percebe-se, pelo relatório do bispo, que as paróquias cearenses, bem como o clero,

encontravam-se dado ao descaso.17

Vê-se claramente um clero sem unidade, dado às intrigas

regionais e às práticas de concubinato. As paróquias padeciam de necessidades mínimas ao

sustento do pároco e do culto religioso.

Com a criação da Diocese do Ceará e a presença de Dom Luís no Estado, as

visitas pastorais começaram a fazer parte da vida eclesial cearense. Ao todo, Dom Luís fez,

em seu bispado no Ceará, duas visitas pastorais que incluiu visitação à todas as freguesias da

Diocese. Essas visitas foram feitas em parte e não em toda Província de uma vez. A primeira

foi realizada em torno de seis anos. A distância e a inexistência de estradas pavimentadas e de

meios de transporte eficientes e rápidos, sem falar dos perigos, eram obstáculos quase

intransponíveis para quem desejava visitar o sertão cearense. Dom Luís, em vinte anos de

bispado, visitou todas as freguesias cearenses.

16

Até 1967, o Seminário teve 1.858 alunos, tendo apenas 139 padres ordenados (menos de 10%). 17

O itinerário e relatório do Bispo de Pernambuco ao Ceará em 1839 foram documentados por Eduardo Campos

(1980, p. 97-112).

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As visitas pastorais eram mediadas por uma carta pastoral. O objetivo era

comunicar aos párocos e vigários das freguesias sobre a visita. Na carta também era

comunicados os avisos de interesse dos párocos e vigários, bem como da comunidade em

geral. A mesma deveria ser lida nas principais missas e feita devidas anotações em livro.

Realizada a comunicação, o bispo, em comitiva, visitava as matrizes e as capelas maiores.

Na comitiva do bispo estavam incluídos escravos, empregados e um cozinheiro.

Através dela se buscava atender, pelo menos no mínimo, o bem-estar, a segurança do bispo e

toda infraestrutura das viagens. Certo da pobreza presente na maior parte das paróquias do

interior, Dom Luís, através de carta pastoral, avisou aos párocos: “Não querendo de modo

algum que a visita episcopal seja pesada aos reverendos párocos, só pedimos que nos

previnam (sic) uma casa provida de fogo e água, correndo o mais por nossa conta.” (apud

REIS, 2011, p. 05).

Nessas visitas, Dom Luís procurava dar ao prelado um melhor conhecimento de

seu bispado e tomar conhecimento das distâncias, topografia e dos fiéis (povo e vigários

espalhados pelo sertão). Ao dar a entender essa intenção, como afirma Edilberto Reis (2011,

p. 06), em sua segunda carta pastoral, o bispo queria impor certa forma de controle sobre a

vida do clero. Sabedores de que o bispo detinha de conhecimento e meios para se deslocar, se

necessário fosse, para qualquer intervenção, os padres eram obrigados à discrição em seus

relacionamentos ou mesmo se privavam deles.

Era de interesse principal das visitas de Dom Luís a fiscalização do modo como

eram administrados os sacramentos. O ponto central encontrava-se no como era celebradas e

assistidas as missas. Em sua primeira visita, Dom Luís relata sua visão do culto nas paróquias

cearenses: “O culto divino, como dissemos com dor, acha-se inçado de intoleráveis abusos na

maior parte das paróquias desse bispado” (apud REIS, 2011, p. 06). A postura ultramontana

era extremamente sacramental e centralizava a expressão de sua devoção na missa. A forma

estrutural da celebração da missa e a devida forma de assisti-la eram centrais ao projeto de

romanização. Os abusos relatados pelo bispo dizem respeito a não prática da liturgia de

orientação tridentina e da prática de expressão popular que não exprimia a reverência e a

formalidade exigida – oração e silêncio.

A fiscalização do bispo também envolvia as associações de leigos: irmandades,

confrarias, casas de caridade e associações pias. Suas visitas a estas associações, em cada

paróquia, tinham por objetivos garantir que as mesmas se dedicassem plenamente ao

esplendor do culto divino e do exercício das obras de caridade. Para isto, investia na

intervenção para coibir os abusos e evitar os escândalos que se tornavam frequêntes nessas

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associações devido as disputas de poder.

No dizer do bispo, suas visitas pastorais possuíam um caráter policial devido a seu

esforço para “conhecer de perto os vícios mais dominantes do povo e do clero, para aplicar-

lhe o devido remédio” (apud REIS, 2011, p. 06). A ação policial do bispo era garantia de que

a ordem seria estabelecida e de que a unidade no bispado seria gerada. As visitas pastorais

eram mecanismos usados para manter o bispo “onipresente” no campo diocesano cearense:

onde estiver o bispo, ai estará a Igreja – máxima tridentina!

Um aspecto muito importante nas visitas, já observado na visita do bispo de

Pernambuco, Dom João da Purificação Marques Perdigão, em 1839, e que Dom Luís

valorizava plenamente, era tornar esse momento num modo de oferecer o contato do bispo

com o seu rebanho. Nas visitas, o bispo, como era de costume da época, administrava o

sacramento do crisma. Esse era um ofício exclusivo do bispo e que, em decorrência de sua

visita, motivava a população das freguesias a comparecerem à sua visitação.

Fazia parte, também das visitas do bispo, a supervisão da estrutura física das

paróquias. Era próprio que o mesmo fizesse um exame detalhado da igreja matriz: estado de

conservação e arquitetura. Realizava, também, exame detalhado do sacrário e dos altares, da

pia batismal, dos paramentos e dos livros paroquiais. Havia um interesse especial nos livros

de anotações paroquiais. Neles estavam anotados os processos de matrimônio e de batismo.

Era a garantia de que o povo estava recebendo os sacramentos e que a religião católica

mantinha-se como legado de família. Eram observados os registros das cartas pastorais

enviadas e se haviam sido devidamente anotadas. Era a garantia de que a palavra do bispado

havia ecoado na paróquia! O bispo também visitava os cemitérios e as capelas filiais, bem

como fazia reuniões com as associações de leigos e visitava as casas de caridade. Esse

esquema é bem nítido nas visitas pastorais de Dom Joaquim José Vieira (1883), continuador

do legado de Dom Luís no bispado do Ceará. Dom Joaquim costumava, conforme nos diz

Edilberto Reis (2011, p. 06), acrescentar “algumas notas sobre o grau de instrução religiosa e

laica do povo de cada paróquia” no final de suas visitas.

Não é por acaso que Dom Luís investe na formação educacional. O século XIX,

apesar do alto índice de analfabetos, foi o século da descoberta da leitura.18

No Ceará, na

segunda metade do século XIX, grêmios literários e jornais proliferaram-se

18

OLIVEIRA, Almir Leal de. “O universo letrado de Fortaleza na década de 1870”. In SOUZA, Simone de;

NEVES, Frederico de Castro (org.). Intelectuais. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002, p. 24. Segundo

Oliveira, no Ceará, “em 1872, 88,46% da população era analfabeta”.

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abundantemente.19

Outro instrumento foi usado como meio de divulgação de sua proposta de

ação romanizadora: as Cartas Pastorais.

As cartas pastorais eram documentos oficiais diocesanos escritos para orientação

do clero e dos fiéis com força de lei. Pelo próprio nome, apela-se para a própria autoridade

apostólica para que sua aceitação fosse plena: vox Dei! Dom Luís escreveu 15 cartas pastorais

e seu predecessor, Dom Joaquim, 13 cartas.

As cartas pastorais eram um eficaz meio de comunicação da igreja com os fiéis.

Através dela, o povo, menos letrado e longe das discussões vividas no mundo letrado, obtinha

sua formação social e política. Dependendo da carta pastoral, a mesma era lida e explicada ao

povo nas missas e lida nas reuniões das associações e irmandades. As cartas pastorais

tornaram-se o documento mais lido no século XIX. Como já se mostrou, o registro de tais

cartas em livro para posterior supervisão do bispo era a garantia de sua pronta divulgação.

Dom Luís investiu na formação de um novo clero. Os sacerdotes que já estavam

na ativa não foram desprezados. Ele lançou mão de retiros espirituais para reciclagem do

antigo clero. Nesses retiros eram repassadas as devidas instruções e renovados os votos do

clero. Os retiros espirituais serviram para integrar a Diocese e para reanimar os padres que

viviam em isolamento. Em sua carta de convocação aos sacerdotes cearenses ao retiro

espiritual, datada de 03 de dezembro de 1879, vê-se nitidamente a coação do bispo sobre os

sacerdotes:

...quem despreza os meios de se abilitar para bem preencher as obrigações do

próprio estado aparentemente peca. Esperamos pois q. Revds. Párochos, e

mais sacerdotes, tendo em muita consideração o proveito espiritual de suas

almas e o quanto concorrerá para o bem preencherem suas altas funcções, o

retiro que agora começamos a elle venhão e não queirão endurecer seus

corações a voz do divino pastor que os chama por meio daquelle a quem elle

emcarregou apassentar esta parte de seu rebanho (apud OLIVEIRA, 2001, p.

48).

No seu chamamento, Dom Luís lança mão de artifício de coação. Primeiro, fazer

da fuga da reciclagem um pecado; e, segundo, fazer da banalização da convocação uma

rebeldia ao bispado, que é sinônimo de rebeldia a Jesus. Vê-se em ação o representante da

hierarquia romana em plena defesa e execução de seu direito. Ele é a voz do Papa que é a voz

de Cristo!

Além da educação, duas frentes formaram-se para divulgar e promover a “defesa

dos direitos da Igreja” no Ceará, inspirados por Dom Luís: a imprensa católica, através de

seus dois principais veículos, o jornal A Tribuna Católica e A Verdade, e o Partido Católico.

19

Guilherme Sturdart (1898, p. 210) enumera, até o final do século XIX, a ocorrência de 507 jornais no Ceará.

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Os jornais serviam como canais para divulgar as teses defendidas pela Igreja reformada

(romanizada). O partido, fundado em 1876 e recriado em 1890, ambas as datas representantes

do embate entre a Igreja e o Estado Monárquico e da crise entre a Igreja e o Estado

Republicano.

Essas duas frentes, ao assumirem que o fim principal de sua existência era a

sustentação e defesa da fé católica, escondem o verdadeiro objetivo que é a defesa da

hierarquia da Igreja institucional, pois, como diz Francisco Pinheiro (1995, p. 203),

...a fé do povo não foi abalada em nenhum momento em que a Igreja

institucional esteve em crise. Quem estava em cheque era a hierarquia, o

povo continuava rezando seu terço, fazendo suas devoções, com ou sem a

presença do padre, que muitas vezes passava em suas localidades (cidades,

do interior, vilas e povoados) uma vez a cada ano no período das desobrigas.

O Partido Católico tentou no pleito de 1891 a consolidação da força católica

diante do Estado Republicano através da eleição para deputados ao Congresso Estadual. O

mesmo não conseguiu êxito, apesar de se encontrar presente em vários municípios, devido a

forte presença do Governo Provisório que lança mão de todos os meio para garantir a não

eleição de opositores. Finalmente, o partido absteve-se nas eleições de 1891 ao Congresso

Estadual. Sua abstenção sela o fim da agremiação católica. Não se deve pensar que o

confronto católico com o Estado intencionava outro objetivo senão demarcar os limites de

influência dentro do Estado Republicano.

No empreendimento de Dom Luís vê-se a recuperação da imagem do clero

cearense. A conquista do povo foi realizada através do controle sobre a vida sócio-espiritual

dos fiéis (padres e o povo) e do controle das formas de culto e expressões religiosas. A

imagem que se tentava implantar deveria condizer com uma nova práxis social. Nela a

presença do padre é associada a presença da Igreja oficial romana e a santidade sacerdotal.

Dois fatores foram determinantes à recuperação da imagem do clero e à conquista

do povo: a presença do clero estrangeiro e a criação da diocese. O clero estrangeiro, com sua

atuação na educação e na assistência social, bem como pela devoção marcadamente

romanizada com ênfase no celibato, gerou no povo uma mentalidade de diferenciação. Neles

estavam o modelo do clero da Santa Igreja: dado ao povo através da caridade e a Deus através

do celibato. A criação da Diocese, com a presença e atuação de Dom Luís, impôs

respeitabilidade e reverência. De certa forma, a ênfase na mediação dos santos, fortemente

vivida pela religiosidade popular, era transferida ao bispo, também mediador como

representante dos Apóstolos. Os festejos pela chegada do bispo na paróquia somente

rivalizava com as festas dos padroeiros.

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Apesar do impacto promovido pela formação espiritualista no Seminário, pelos

retiros espirituais e pelas visitas e cartas pastorais conseguir avançar consideravelmente na

clericalização da igreja monopolizando a gestão dos bens de salvação nas mãos do

especialista – salvação que estava nos sacramentos, cujo único gestor era o clero, o controle

da religiosidade popular ainda delimitava a recuperação da imagem do clero e da romanização

da igreja. No sertão, onde a presença da Diocese era menos sentida devido a distância, a

devoção popular seria ainda palco de duras intervenções, principalmente pelo bispo Dom

Joaquim Vieira, que sucedeu Dom Luís.20

A ética que envolvia a religiosidade popular, devido a sua relação próxima ao

manuseio da terra e a luta pela sobrevivência num ambiente hostil, estava pautada no

aplacamento dos infortúnios e não na busca da vida eterna. Isto significava que o catolicismo

popular não detinha seu olhar basicamente na soteriologia – no estudo das crenças e práticas

relacionadas a salvação da alma. Salvação, na crença popular, era mediada pelo pertencimento

ao catolicismo. O paganismo, não pertencimento ao catolicismo através do batismo, era

comprometer a alma à perdição. O concorrente imediato do catolicismo, na concepção do

catolicismo popular, não era uma religião, mas o paganismo (a ausência da religião católica).

A mediação do pertencimento não era com uma ética, mas com um grupo. A salvação não

estava numa prática moral religiosa, mas no ajuntamento a um grupo religioso – catolicismo.

Essa postura religiosa era uma negação da teologia trindentina. A ética tridentina

era soteriológica. A salvação encontrava-se numa prática moral. O que importava não era a

vida terrena, mas a vida eterna. Os infortúnios são circunstanciais, mas a busca da salvação

eterna é algo permanente, sob o risco de perdê-la por desmerecimento. É necessária a

vigilância constante. A vida é apenas o caminho que conduz a existência eterna. Não é por

acaso que o Concílio de Trento transforma a vida num caminho sacramental. Para cada

estágio da vida existe um sacramento. Desta forma, os sacramentos são o caminho para a vida

eterna. Ele envolve toda a vida e leva a vida toda. A pessoa nasce para o sacramento (o

batismo) e morre no sacramento (a extrema-unção).

A religiosidade popular afirmava a devoção do coração e não da prática. Ela é

mais emotiva, festiva e sociabilizadora. Seu credo: “Deus conhece o meu coração”. Como diz

José Fagundes Hauck (2008, p. 17): “Religião de família, „com muito Deus e pouco padre,

muito céu e pouca igreja, muita prece e pouca missa‟. A muita devoção e religiosidade não

impediam uma tolerância moral que pouco se comentava...”. É certo que os romanistas vão

20

O caso do milagre de Juazeiro e da excomunhão de padre Cícero é prova dessa intervenção.

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descobrir o significado do adágio popular: “Palmatória quebra dedo, mas não quebra

opinião”. O Seminário, em cinco anos, formava um clero romanizado, mas não quebrava o

catolicismo popular. Tão arraigada no povo era essa expressão popular que o padre Cícero,

mesmo sob a tutela do bispo Dom Luís e sendo este seu confessor, promoveu a mais intensa

expressão de religiosidade popular, o que atraiu a fúria do bispo Dom Joaquim Vieira, com

desfecho na excomunhão do padre.

Quando em 1875, o reverendo Smith visitou o Ceará e, em 1883, o reverendo De

Lacy Wardlaw iniciava a implantação da Igreja Presbiteriana em Fortaleza, em linhas gerais,

encontraram um catolicismo estabelecido através da busca e renovação de sua identidade.

Essa era a marca do catolicismo nos grandes centros cearenses, principalmente na capital. Vê-

se um catolicismo romanizado e com um forte senso de concorrência devido ao espírito de

“cruzada” forjado pelo Papa Pio IX aos quatro inimigos: protestantismo, espiritismo,

maçonaria e modernidade. Era a atualização, no dizer de Eduardo Hoornaert (1991, p. 31), do

“catolicismo guerreiro” de herança portuguesa, papal e medieval.

Esse catolicismo urbanizado serve-se de uma rede de escolas para formar, através

da educação, uma cultura romanizada e uma nova geração de católicos submissos à

hierarquia. Serve-se, também, de uma rede de irmandades que ecoam as diretrizes e

promovem ação social fazendo com que a igreja renove sua imagem de benfeitora e

promovedora do bem-comum. Usa os meios de comunicação (jornais e cartas) como forma de

travar uma guerra psicológica e intelectual para confundir e banalizar as influências que

tentam “ser voz que clama no deserto”.

Já o catolicismo interiorano, apesar de receber uma menor atenção de um clero

mais preparado e intencionalmente mais direcionado a uma meta comum, vê-se envolvido

com a expressão de religiosidade popular que tem por base fundante a família e as lideranças

locais sob a mediação dos padroeiros (santos). A religiosidade popular, mesmo tendo uma

expressão externa altamente popular e pública, tem seu alicerce no privado. As crenças são

desenvolvidas através da experiência privada do indivíduo que se externaliza na família e na

sociedade. O padroeiro primeiro foi do indivíduo e somente depois se tornou do grupo. A

religiosidade popular é produto do indivíduo. Seu nascedouro encontra-se na força da crença

individual. Isto faz com que a religiosidade popular seja de difícil normatização.

O presbiterianismo encontrou no Ceará um catolicismo reacionário em suas duas

expressões: romanizada e popular. Os estabelecidos delimitaram os espaços e estavam

preparados para defendê-los. Como diz Peter Burke (2000, p. 260): “A solidariedade dentro

de um grupo é em geral mais forte no momento do mais acirrado conflito com forasteiros.”

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2. OS OUTSIDERS: O PROTESTANTISMO E SUA

IMPLANTAÇÃO NO BRASIL NO SÉCULO XIX

O olhar, quanto a implantação do protestantismo no Brasil no século XIX, tem

como enfoque específico a Igreja Presbiteriana: sua presença no Brasil e inserção no Estado

do Ceará. Considera-se pertinente começar destacando os antecedentes históricos do

protestantismo no Brasil e no Ceará: os primórdios de sua implantação. Contudo, é necessário

aproximar-se da identidade protestante do século XIX antes da história propriamente.

2.1. DOS PRESSUPOSTOS EM TORNO DA IDENTIDADE PROTESTANTE

DO SÉCULO XIX

O protestantismo essencialmente é uma rede de denominações, como bem define

João Baptista B. Pereira (2005, p. 105): “Protestante é o nome genérico e historicamente

enraizado, adotado por alguns autores para dar rótulo a um arco de denominações...”. Não era

esse o espírito dos reformadores que conheciam apenas uma igreja e planejaram a

continuidade dessa igreja, apesar das excomunhões. Logo, porém, o protestantismo começa a

padecer da síndrome da ênfase. As denominações protestantes não são outra coisa senão a

ênfase numa “verdade” doutrinária que coloca o grupo em vantagem e o valida a viver uma

expressão eclesiástica em oposição ou diante da outra. A Igreja já não é mais um corpo visível

numa unidade, mas um corpo invisível numa diversidade. H. Richard Niebuhr (1992, p. 21)

considera que:

O perigo do denominacionalismo reside nas condições produtoras de seitas,

isto é, no fracasso das igrejas em superar as condições produtoras de seitas,

isto é, no fracasso das igrejas superar as condições sociais que fazem delas

organizações de casta, em sublimar a fidelidade a padrões e instituições

pouco relevantes e até mesmo contrárias ao ideal cristão, e em resistir à

tentação de dar prioridade à autopreservação e ao crescimento numérico de

seus membros.

O protestantismo deu origem a uma confusão de sentimentos e chamou isto de

“denominação”, o que antes era seita. No protestantismo a palavra seita é temerária. Ela é

sinônimo de desvio fatal da doutrina e, desta forma, dos meios da aquisição da salvação. Daí,

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a qualquer grupo protestante dá-se o nome de denominação. O grupo pode ser plenamente

fechado e detentor exclusivo dos meios da salvação (o que é próprio de seita), mas a palavra

seita encontra-se proibida de ser pronunciada. Ela sugere o outro como facção e isto é

inconcebível ao protestantismo. Constata-se a existência de uma grande distância entre os

sentimentos da vivência religiosa e da respeitabilidade. O termo “denominação” é fator

conciliador. Nele é possível se ter vizinhos que, apesar de sua cultura estranha, é possível

cumprimentar e fingir que se tem tudo em comum (ou algo relevável). Usando as palavras de

Niebuhr (1992, p. 13), “o denominacionalismo é, na Igreja cristã, essa hipocrisia

inconfessada.”

Niebuhr (1992, p. 19), a partir de pressupostos de Max Weber e Ernst Troeltsch,

faz uma distinção entre igreja e seita. Segundo ele,

A primeira constitui um grupo social natural semelhante à família ou nação;

a outra é uma associação voluntária. A diferença é clara. Os membros da

Igreja nascem nela; os membros da seita devem aderir a ela. As igrejas são

instituições inclusivas, frequentemente de âmbito nacional e acentuam o

universalismo do Evangelho; as seitas são de caráter exclusivo, apelam para

elementos individualistas do cristianismo e ressaltam as exigências éticas.

Numa Igreja, a condição de membro é socialmente obrigatória em

consequência natural do nascimento numa família ou nação, e não privilegia

condições e exigências; a seita, por outro lado, provavelmente exija algum

tipo de experiência religiosa como pré-requisito para a filiação.

Niebuhr (1992, p. 19) avança em sua descrição com ênfase mais profunda na

distinção entre igreja e seita:

A igreja institucional atribui, naturalmente, grande importância aos meios de

graça que administra, ao sistema de doutrinas que formulou e à

administração oficial dos sacramentos e do ensino por intermédio do clero

oficial. Sendo instituição educacional procura treinar os jovens na

conformidade com o pensamento e a prática adotados. Prepara-os, assim,

para o exercício dos direitos que herdaram. A seita atribui importância

especial à experiência religiosa que seus membros teriam tido antes de entrar

no grupo, ao sacerdócio de todos os fiéis, e aos sacramentos como símbolos

de comunhão dos crentes e compromisso de fidelidade. Rejeita, em geral, o

clero oficial, preferindo confiar a liderança à inspiração leiga e não ao

especialista em teologia e liturgia. A Igreja, enquanto grupo social inclusivo,

alia-se aos interesses nacionais, econômicos e culturais. Pela própria

natureza de sua constituição empenha-se em acomodar sua ética à ética da

civilização; deve representar a moralidade da maioria respeitável, não da

minoria heróica. A seita, no entanto, sempre está constituída de grupos

minoritários, cuja atitude separatista e semi-ascética em relação “ao mundo”

é reforçada pela lealdade que a perseguição alimenta. Ela se apega com

tenacidade à sua interpretação da ética cristã e prefere o isolamento a

concessões.

Convém ressaltar que Niebuhr trata da questão da seita como uma estrutura

sociológica e não como uma vertente da religião sob o crivo de sua legalidade doutrinária.

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Sua análise leva em conta as estruturas sociológicas dentro do protestantismo que assumem

caráter de seita não devido a declaração conciliar de sua condição, mas como consequência

das diferenças éticas e doutrinárias que conduz a um comportamento social.

Duncan A. Reily (2003, p. 38) acredita que a tipologia de Ernst Troeltsch de

“Igreja” e “seita”, defendida por Niebuhr, “muito pouco ajuda a compreender a estrutura

eclesiástica norte-americana, a qual era (e é) essencialmente denominacional.” Reily parece

sugerir que o protestantismo norte-americano desenvolveu um denominacionalismo de caráter

plenamente inovador e agregador de valores. Ele destaca quatro características fundantes

desse denominacionalismo: 1. O princípio do voluntarismo – que afirmava a livre empresa e a

liberdade religiosa; 2. Propósito ou intenção comum – associação voluntária de indivíduos

com sentimentos e pensamentos em comum ligados a uma crença em prol de objetivos; 3.

Busca da unidade e ecumenismo – a denominação não é a igreja, mas parte dela, o que leva a

aceitação da outra e não a sua rejeição; e 4. Mediação de um fim – a denominação é o

instrumento para cristianização da sociedade e não de si mesma apenas. No centro de todas

essas características encontrava-se o aspecto missionário: a denominação era uma estrutura

missionária, isto é, de divulgação da fé cristã. Observa Reily (2003, p. 39) quanto a empresa

missionária protestante norte-americana:

Não ofereceram nenhum produto rotulado „denonacionalismo‟ e nem

„cristianismo norte-americano‟, mas vieram como emissárias da Igreja

Presbiteriana, Metodista, Batista ou outra denominação, e trazendo a

bagagem acima descrita. Seu propósito central era levar outros a

compartilharem os benefícios da Bíblia, da Reforma e da civilização cristã;

mas não puderam esquecer-se das ênfases peculiares e, como entendiam, das

vantagens que a sua denominação particular oferecia.

Olhando para um universo maior, o protestantismo quando chegou no Brasil, no

século XIX, assume esse caráter de seita cristã. A Igreja Católica convive com sua

credibilidade e sugestiona todos os traços de estrutura social de religião. O protestantismo, por

sua vez, chega como representante de denominações nacionais e com espírito de gueto. O

próprio catolicismo oficial já havia detectado essa condição protestante. O seguidor de Lutero

(luterano) não era o mesmo seguidor de Calvino (calvinista). A crença era mais do que

afirmações de um credo particular, agora envolvia a questão do pensamento do grupo

pertencente. O protestantismo padecia em sua inserção no Brasil, considerando que encontrara

uma religião implantada plenamente. As dificuldades do catolicismo em construir sua

identidade romanizada e formular as devidas transições necessárias diante da modernidade

não comprometiam, de forma considerável, a força da dinâmica sociológica da estrutura da

religião.

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O catolicismo oficial brasileiro é profundamente europeu. O protestantismo que se

implanta no Brasil assume uma identidade de estrutura denominacional de cunho norte-

americano. Disso, surge um diferencial extremamente formador da identidade católica e da

protestante. O catolicismo brasileiro, de origem européia, conviveu com a noção de Igreja

como um corpo religioso organizado e de uma igreja nacional. Os Estados Unidos, como diz

Will Herberg (1962, p. 96-97),

...a variedade e multiplicidade de igrejas não ocorreu, como na Europa, com

a queda de uma igreja nacional única; nos Estados Unidos, tomando a nação

como um todo, a variedade e multiplicidade das igrejas foi quase a condição

original e contemporânea do aparecimento de uma nova sociedade.

Isto significa que, fora da distinção de igreja e seita, do Velho Mundo, os

Estados Unidos deram nascimento a um nôvo tipo de estrutura religiosa – a

denominação.

Desta forma, a dicotomia entre igreja e seita tem validade para a condição católica

no Brasil, mas não para a americana. A “denominação protestante” americana é produto da

formação de uma sociedade que não sofreu o trauma do esfacelamento de uma igreja

nacional. Isto significa que a “denominação” não é a transição entre a igreja e a seita, mas

como diz Herberg (1962, p. 107): “Na verdade, de um modo geral, as denominações

americanas se desenvolveram a partir de seitas, mas representam a última fase de

desenvolvimento e não um estado de transição para outra coisa.”

Percebe-se o choque de eclesiologia entre o catolicismo brasileiro e o

protestantismo americano em sua inserção no Brasil. O catolicismo pensa na Igreja como uma

nação religiosamente organizada, socialmente legitimada e legalmente constituída. Fora desse

corpo encontram-se as seitas. Elas, além de serem portadoras da “perdição”, agridem a ordem

social que se fundamenta na religião oficial. O protestantismo americano, por sua vez,

entende a Igreja como uma organização religiosa local – intitulada de denominação – que

assume um lugar de legitimidade diante das outras. A mentalidade católica acredita na

existência da verdadeira igreja como corpo único e visível. O protestantismo, de origem

americana, oferece uma igreja como corpo diverso e não visível. Para o católico, não apenas

devido a sua instrução religiosa, a denominação protestante era seita tendo em vista seu

caráter fragmentado. O choque cultural foi inevitável. Também inevitável foi a reação de

estigmatização e perseguição uma vez identificado o protestantismo como seita.

Quando a Igreja Católica viu-se privada de uma identidade que lhe havia servido

de máscara durante séculos (tendo em vista haver outro catolicismo romano universal),

buscou uma identidade mais universalizante, como é próprio do catolicismo romano. Essa

identidade tirava o catolicismo brasileiro de seu isolamento e o afirmava no horizonte da

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universalidade. O protestantismo seguiu a via contrária. Ele sai de um universo maior e faz-se

gueto. O protestantismo chega como representante de uma agência missionária que, por sua

vez, representa uma denominação e que, por sua vez, não representa o protestantismo, pois o

protestantismo não possui representante.

Essa é a grande ilusão das denominações protestantes: pensarem ser representantes

do protestantismo. Talvez, usando a linguagem de Karl Marx, seja o “suspiro dos oprimidos”.

É um saudosismo necessário à construção de uma representação. É necessário sentir-se

sempre parte de algo maior e que justifique a deficiência da realidade. Os “protestantismos

brasileiros” são fiéis aos “protestantismos da história”. Essa fidelidade encontra-se apenas na

questão de reproduzir a cultura de plural. Vive-se no afã de ser a mais próxima representação

de uma realidade experienciada no passado que é, segundo Antônio G. de Mendonça (1990, p.

13), “um passado inexistente”. O pior é que esse afã faz parte da metodologia de intervenção

de conquista, como se a fidelidade a essa representação fosse um valor ao outro. Pensa-se que

terá público ao afirmar sua fidelidade a determinada representação do protestantismo.

Todavia, o público não constrói a representação da realidade dentro dos mesmos parâmetros.

No caso da sociedade brasileira, a questão era sobre qual igreja era a verdadeira e não qual

grupo é o representante próximo da igreja verdadeira.

Os protestantes valorizaram uma representação que no protestantismo – que é

como o vento que sobra e ninguém vê – estavam além do espírito protestante. Não se fala do

empreendimento para desfazer mitos e estigmas perversamente construídos para aviltar a

história, a prática e a ética protestante. Quer-se revelar o empreendimento de construir uma

identidade a partir de um protestantismo ilusório – da herança de um legado – em paralelo

com a identidade denominacional. Daí surge uma identidade híbrida que dialoga e se exclui

ao mesmo tempo. A inserção do protestantismo no Brasil no século XIX levou-o a incrível

necessidade de assumir a postura de Igreja em detrimento ao de seita e vê-se, no início do

século XX, novamente essa reviravolta: de Igreja para seita. O caráter denominacional perdeu

sua força diante da imposição do conceito europeu de Igreja. A estrutura permanece de

denominação, mas a ação traz o fechamento da seita com um agravante. A busca pela

protestantinização do Brasil é indício de que a ideia americana de igreja – do pluralismo

denominacional – deu lugar a ilusão de uma igreja nacional (não oficial) como mediadora (ou

encarnação) da verdadeira igreja. Talvez surgisse nesse momento o jeito brasileiro de ser

igreja: a “comunidade” (se bem com desenvolvimento posterior). A “comunidade” é um

corpo que assume legitimidade diante das outras e que não pertence a uma denominação e

nem a uma igreja oficial. É a síntese do choque cultural.

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Somente através de uma estrutura de seita, sociologicamente falando, é que o

protestantismo poderia se afirmar no Brasil. Parece que o caminho natural é que o

estabelecimento ocorre como seita e, na medida em que se estabelece um habitus religioso, é

que acontece a Igreja. Essa condição de seita, não por intenção, mas por formato de estrutura

social, colocou o protestantismo, nas palavras de João Baptista B. Pereira (2005, p. 107), num

“processo de minorização”. Essa condição ganha o status de identidade a partir do momento

em que o protestantismo posiciona-se numa situação de oposição entre nós/outros.

Antônio G. de Mendonça atenta para o fato de que o abortamento das duas

tentativas (francesa e holandesa) de implantar uma cultura protestante de imigração no Brasil

custou um preço caro para ela mesma. Inseriu-se aqui um protestantismo de missão. Nas

palavras de Mendonça (2002, p. 135), as missões, sendo uma intervenção tardia, “já não

encontraram espaço na cultura brasileira”. Ele conclui: “Assim não participando da formação

da cultura brasileira, veio a ser um estranho permanente.” Certamente, é dessa alienação que

se constrói um protestantismo de pouco impacto na sociedade e de baixo sentimento

nacionalista, como esclarecem Peter Berger e Thomas Luckmann (1974, p. 210) ao tratar da

conversão religiosa e a estrutura de plausibilidade: “O indivíduo que executa a alternação

desengaja-se de seu mundo anterior e da estrutura de plausibilidade que o sustentava, se

possível corporalmente, e quando não, mentalmente.”

Percebe-se que o modelo denominacional americano encontrou resistência em seu

enfrentamento ao modelo de Igreja nacional e sua ênfase no anulamento da seita (grupo

religioso diverso do estabelecido). Duncan A. Reily (2003, p. 43), contudo, indica-nos um

fator extremamente importante para entender o conflito entre o anticatolicismo do

protestantismo brasileiro. Para ele, o anticatolicismo brasileiro é fruto do anticatolicismo na

América do Norte. Reily (2003, p. 44) mostra que tal sentimento tem suas origens na Reforma

Inglesa, na imigração católica para os Estados Unidos que privou os protestantes de

determinados direitos, e nas decisões conciliares da Igreja Católica no século XIX. Apesar do

catolicismo norte-americano ter recebido influência do denominacionalismo americano, o

catolicismo mundial não era bem visto pela igreja protestante americana.

No século XIX, quando na inserção do protestantismo no Brasil, o protestantismo

assume uma identidade que era determinada pelo anticatolicismo (expresso não através da

violência, mas na prática do proselitismo e do discurso), pelo denominacionalismo americano

(de estrutura missional e voluntária, mas que era tido como seita) e pela alienação social (uma

fraca dinâmica de construção cultural).

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2.2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO PROTESTANTISMO

Ao abordar os antecedentes históricos do protestantismo no Brasil destaca-se a

presença protestante no Brasil e no Ceará quando na “conquista” francesa e holandesa ao solo

brasileiro. Ambas tentativas abortadas, mas que refletem a intenção e possibilidade do

protestantismo de implantar-se em solo brasileiro.

2.2.1. A PRESENÇA PROTESTANTE NO BRASIL

O protestantismo fez ecoar sua expressão logo nos dois primeiros séculos da

colonização do Brasil. No século XVI, os franceses tentaram fundar no Brasil a França

Antártica, junto com o vice-almirante Nicolas Durand Villegaignon. Em 1555,

desembarcaram na Baía do Rio de Janeiro dezenas de imigrantes calvinistas (huguenotes),21

que fugiam da perseguição religiosa da França.22

Posteriormente, chegaram mais 300 colonos

com carta de recomendação do reformador genebrino João Calvino.23

O mesmo enviou dois

pastores ordenados para ajudarem os colonos e para estabelecerem a ordem e a disciplina na

Igreja, segundo a forma de governo da Igreja de Genebra. Essa forma de governo, que

posteriormente foi chamada de presbiterianismo, possuía no seu cerne o Consistório que era

formado por pastores e anciãos (membros da Reverenda Congregação). Estes eram eleitos

com a tarefa de formar a representação autônoma da igreja para administração de seus

assuntos (HERMELINK, 1981, p. 37). A novidade consistia no fato da criação de um sistema

representativo de governo e na formação de um corpo que, por vez, excluía a intervenção do

Estado, mesmo prescrevendo-lhe obediência. É importante ressaltar esse interesse de João

Calvino, advindo da necessidade de proteger os fiéis e encontrar um lugar seguro em

consequência das perseguições religiosas na Europa. O Brasil foi alvo de tal empenho devido

a propaganda de Villegaignon que, em busca de financiamento, convenceu ao governo e a

Igreja dos encantos da nova terra e da oportunidade de nela implantar uma Igreja Reformada

que serviria de refúgio aos perseguidos.

Essa primeira tentativa foi frustrada por dois motivos. Primeiro, devido à traição

de Villegaignon que em vez de oferecer proteção perseguiu tenazmente os protestantes, sendo

21

Huguenotes era o nome dado aos protestantes calvinistas na França a partir de 1560 (CAIRNS, 1995, p. 257). 22

As lutas políticas e religiosas entre católicos e protestantes na França culminaram na Noite de São Bartolomeu,

em 24 de agosto de 1572, quando milhares de huguenotes foram executados por católicos. 23

Dentre os que aqui aportaram estava um jovem estudante de teologia, chamado Jean de Léry, que vinte anos

depois publicaria a obra Viagem à Terra do Brasil, tornando-se um importante documento da História do Brasil.

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apelidado, posteriormente, de “Caim das Américas”. A quebra das promessas de

Villegaignon, de favorecer o florescimento da Igreja Reformada, teve motivações políticas e

religiosas. O sistema de governo da Igreja Reformada atingira um comportamento de

independência em relação ao Estado. Villegaignon mostrou-se como um comandante que

centralizava todos os poderes em sua pessoa e requeria obediência da Igreja. Seu

comportamento chegou a ponto de intervir legislando na questão da compreensão do

significado da Eucaristia. Isto o levou a condenar à morte por afogamento, em 09 de fevereiro

de 1558, os pastores Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil e Pierre Bourdon por não

concordarem com sua interpretação (AZEVEDO, 1980, p. 54). Segundo, devido a queda da

colônia nas mãos de Mem de Sá, português, em maio de 1560. Com a saída da França termina

a primeira tentativa de implantação do protestantismo no Brasil.

Essa primeira tentativa protestante de inserção no Brasil, por mais breve que tenha

sido, tem um valor histórico singular. O Brasil foi o primeiro país a ser alvo da tentativa

protestante de encontrar um lugar de refúgio das lutas religiosas. Ele torna-se centro dos

anseios do protestantismo em seu estágio inicial e em processo de estruturação. O

envolvimento de João Calvino nesse empreendimento mostra como o Brasil era a alternativa

imediata à formação do espaço para a vivência da Igreja não romana e em formação

protestante na busca de segurança e paz para a prática de sua fé.

A segunda tentativa ocorreu no século XVII, com os calvinistas holandeses no

Nordeste, no período de 1630 a 1654.24

Através da Companhia das Índias Ocidentais, a

Holanda pretendeu ampliar os seus interesses comerciais no Atlântico. O Nordeste foi a área

escolhida para essa empreitada. Inicialmente, os holandeses fracassaram na tentativa de

ocupar a Bahia de Todos os Santos. Contudo, conseguiram se impor em Pernambuco,

tomando Recife e Olinda. Apoiados pelo príncipe João Maurício de Nassau, os calvinistas

desenvolveram importante trabalho pastoral e missionário, fundando 22 congregações com 50

pastores em atividade.25

Quanto a Nassau, Sérgio B. de Hollanda (2000, p. 240) escreve:

“Sobretudo digna de nota foi sua atitude de tolerância para com os católicos.” Devido as

divergências nas estratégias da colonização, em 1644, Nassau foi substituído. A colonização

holandesa terminou em 1654 e, com ela, a segunda tentativa de implantação do protestantismo

no Brasil.

24

Sobre a presença holandesa no Nordeste e em especial sobre a Igreja Reformada da Holanda, igreja estatal

implantada aqui, a obra de Schalkwijk (1989), Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630-1654), que além da rica

bibliografia e pesquisa, apresenta uma tentativa de mostrar o aspecto contextual, organizacional e missionário

desta igreja na colônia. 25

Tem-se uma noção da abrangência do trabalho religioso exercido neste período quando se depara com o fato

de terem até mesmo impresso catecismo nas três línguas: holandesa, portuguesa e tupi.

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A pergunta que geralmente surge quando se estuda a presença holandesa no Brasil

é sobre se o rumo do Brasil seria outro caso tivesse ficado nas mãos da Holanda e não de

Portugal. Em resposta Boris Fausto (2004, p. 89) afirma que

Não há uma resposta para essa questão, pois ela envolve uma conjectura,

uma possibilidade que não se tornou real. Quando se compara o governo de

Nassau com a rudeza lusa e a natureza muitas vezes predatória de sua

colonização, a resposta parece ser positiva. Mas... quando se constata o que

aconteceu nas colônias holandesas da Ásia e das Antilhas, as dúvidas

crescem.

Antônio G. de Mendonça (1984, p. 19) é de opinião que:

Tivesse, contudo, a conquista sido definida, é bem pouco provável que o

Brasil permanecesse católico, ao menos uniformemente católico. A história

tem mostrado que o conquistador quase sempre acaba impondo a sua cultura

e, com ela, o seu sistema religioso.

Vê-se por detrás da pergunta não uma preocupação religiosa, mas a antiga

suspeita de que se o Brasil tivesse sido colonizado por países protestantes, a exemplo de

outros como os Estados Unidos, teria alcançado um desenvolvimento econômico mais

acentuado. Essa suspeita foi difundida através do imaginário liberal anti-católico e bem

aproveitado pela propaganda protestante sugestionada por Max Weber (2001), que vinculava

a expansão do capitalismo (pensado como progresso e acúmulo de capital) ao ethos

protestante.

Essas tentativas de implantação, devido a sua profunda relação com projetos

colonizadores e pela brevidade de tempo que as caracterizaram, não vingaram no solo

brasileiro e nem deixaram marcas significativas no campo religioso. Em abordagem

historiográfica, a intervenção foi bem sucedida e o protestantismo francês e holandês é parte

da história religiosa brasileira.

2.2.2. A PRESENÇA PROTESTANTE NO CEARÁ

A primeira tentativa de implantação do Protestantismo no Ceará ocorreu no

período da ocupação do nordeste pelos holandeses (1630-1645). Marcada por interesse

comercial da empresa holandesa nessa região, não significava que também não existisse um

profundo interesse religioso.

A ocupação holandesa no Ceará durou cerca de cinco anos (1644-1649). Sob o

comando de Matias Beck, o propósito era conquistar o Ceará e explorar os seus produtos

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minerais.26

Beck veio acompanhado de soldados, operários e engenheiros (com suas esposas).

Ele também trouxe um ministro do Evangelho, o pastor Kempis, “com a finalidade de instruir

os nativos, batizar aqueles de seus filhos que ainda estiveram pagãos, casar os que viverem

juntos ilegitimamente, esforçar-se por imprimir entre eles a boa ordem e disciplina cristã,

pregar-lhe em sua língua a Santa Palavra de Deus” (KROMMEN, 1997, p. 73). Raimundo

Girão (1962, p. 309) observa que:

Não pode vingar a semente da Igreja reformada trazida pelos flamengos

quando de sua segunda e última expedição ao Ceará. O ministro Kempins,

que tomou parte nessa expedição, muito fez pela conversão da indiada às

lições dos Evangelhos, deixando, ao sair no espírito desta, os frutos de uma

pregação que, sem eco, não repercutiria muito longe no tempo. Morreu a

plantazinha holandeza à falta de rega.

Os holandeses partiram forçados devido aos acontecimentos militares e políticos

na Europa. Com sua saída, encerrava-se a primeira tentativa de implantação do protestantismo

no Ceará. As influências religiosas que deixaram, principalmente entre os indígenas, o Santo

Ofício, órgão de intervenção catequético e jurídico católico, fez com que, nas décadas

posteriores à saída holandesa, fosse apagada qualquer memória de tal religiosidade.

2.3. IMPLANTAÇÃO DO PROTESTANTISMO E DO PRESBITERIANISMO

NO BRASIL

Com a vinda da família real no início do século XIX e o Brasil elevado a Reino

Unido, começou uma mudança gradativa no cenário religioso e político. O Tratado de

Aliança e Amizade, Comércio e Navegação assinado em 19 de fevereiro de 1810, no Rio de

Janeiro, que concedia liberdade de culto aos súditos britânicos, foi a porta de entrada do

protestantismo no Brasil. Vê-se no texto do tratado o esforço quanto a clareza da intenção:

Sua Alteza Real, o Príncipe Regente de Portugal, declara, se obriga no seu

próprio nome, e no de seus herdeiros e sucessores, que os vassalos de Sua

Majestade Britânica, residentes nos seus territórios e domínios, não serão

perturbados, inquietados, perseguidos, ou molestados por causa da sua

religião, mas antes terão perfeita liberdade de consciência e licença para

assistirem e celebrarem o serviço divino em honra do Todo-Poderoso Deus,

quer seja dentro de suas casas particulares, quer nas suas igrejas e capelas,

que Sua Alteza Real agora, e para sempre graciosamente lhes concede a

permissão de edificarem e manterem dentro dos seus domínios. Contanto,

porém, que as sobreditas igrejas e capelas sejam construídas de tal modo que

26

O trabalho de Krommen (1997), Matias Beck e a Cia. das Índias Ocidentais (O domínio holandês no Ceará

colonial), trata com bastante clareza sobre a segunda ocupação holandeza no Ceará por Matias Beck. Krommen

(1997, p. 94) chega a afirmar que a influência religiosa durante até depois da rendição permaneceu sobre os

aborígines, tendo em vista que a Igreja Reformada no Brasil tributou mais respeito a estes do que a Igreja

Católica.

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externamente se assemelhem a casas de habitação; e também que o uso dos

sinos não lhes seja permitido para o fim de anunciarem publicamente as

horas do serviço divino (apud REILY, 2003, p. 47).

Um dos pontos fortes desse documento encontrava-se no reconhecimento do culto

da religião inglesa, por parte de Portugal, como “serviço divino em honra do Todo-Poderoso

Deus.” O mesmo documento, em sua continuação, é ambíguo. Ao garantir à religião inglesa e

dos estrangeiros a sua prática, dentro dos devidos limites propostos, estabelecem punições

caso “se provar que eles pregam ou declamam publicamente contra a religião católica, ou que

eles procuram prosélitas, ou conversões, as pessoas que assim delinquirem” (apud REILY,

2003, p. 47). Não estabelece, porém, punições e multas para aqueles que ferissem os direitos

dos estrangeiros, estabelecidos no Acordo, quanto a liberdade de culto. O Acordo impõe

obrigações e penalidades aos estrangeiros quanto a prática da religião, mas não é claro quanto

ao destino daqueles que ferissem a liberdade de religião destes.

A garantia de não serem perseguidos ou inquietados por matéria de consciência é

validada “enquanto se conduzirem com ordem, decência e moralidade e de modo adequado

aos usos do país, e ao seu estabelecimento religioso e político”, e não exercerem a prática de

proselitismo (apud REILY, 2003, p. 47). Essa é outra ambiguidade. Num país de herança

católica, a ordem, a decência e a moralidade são formalmente religiosas. Quanto ao

estabelecimento religioso e político, elas são faces da mesma moeda. A Igreja e o Estado

fazem parte do mesmo estabelecimento. O espaço de ação que garante a não perseguição e

inquietação por matéria de consciência é muito limitado.

Apesar do esforço inicial de clareza do documento quanto a “perfeita liberdade de

consciência e licença”, o restante do documento apresenta os devidos fechamentos. A

intenção de Portugal, com a abertura dos portos, não é a promoção da religião, mas a garantia

da presença de investimento estrangeiro no Brasil, com a devida proteção da religião oficial.

Os estrangeiros não eram pessoas protegidas no Brasil, mas policiados. Eles ficavam a mercê

de denúncias e provas contra eles, bem como da ação popular em nome dos bons costumes e

da boa religião.

A partir da abertura dos portos e da internacionalização da realidade brasileira,

duas vertentes, com objetivos inteiramente diferentes de protestantismo, a partir do início do

século XIX, chegam para se estabelecer no Brasil: o protestantismo de imigração e o

protestantismo de missão (AZEVEDO, 1980, p. 95).

A referida introdução do Protestantismo no Brasil pode ser considerada como

resultado de quatro grandes movimentos de âmbito ocidental (fenômenos externos): a) o

movimento migratório europeu em consequência das grandes mudanças sócio-políticas

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ocorridas na Europa que deixaram milhões de camponeses em condições de vida precárias; b)

a expansão colonialista de países europeus protestantes e sua correspondente expansão

missionária; c) o declínio do mundo latino e ascensão do mundo anglo-saxônico; e d) o

conflito entre Portugal e França napoleônica, que obrigou Portugal a refazer sua antiga aliança

com a Inglaterra.

No que diz respeito à expansão missionária dos Estados Unidos, segundo Antônio

G. de Mendonça (1984, p. 56), “se insere a ideologia do „Destino Manifesto‟.” Essa ideologia

afirmava que o mesmo comissionamento outorgado aos judeus, através de Abraão, foi

transferido aos americanos expresso num messianismo nacional. A redenção política, moral e

religiosa do mundo dependiam de tal empenho.

Acredita-se que esse argumento do “Destino Manifesto” é carente de

fundamentação histórica e não expressa os sentimentos próprios do empreendimento

missionário. O messianismo nacional americano não estava fundamentado num “Destino

Manifesto”, mas numa consciência de cultura “proselitista”. Nessa cultura, o outro é sempre

alvo de intervenção religiosa. A ênfase do proselitismo não recai sobre a nação, mas sobre a

religião. A força do proselitismo encontra-se no convencimento de que determinado grupo

religioso detém a gestão dos bens de salvação ou compartilha dessa gestão.

A religião não é prisioneira de um espaço e nem de uma raça. O espírito próprio

do protestantismo é de universalidade e de inquietação. O movimento missionário que atinge

o Brasil nasce não de um fervor nacionalista americano, mas da renovação da religião. Não se

pode subordinar demais a experiência religiosa aos fatores nacionalistas. A experiência

religiosa tem sua independência histórica apesar da interferência dos fatores sociais, políticos

e culturais. A pretensão imperialista americana, usando a linguagem da confrontação

marxista, não pode se tornar a chave exclusiva de interpretação da intervenção missionária

protestante no Brasil. O predomínio da História Econômica na interpretação dos fatos

religiosos não faz jus às novas abordagens históricas.27

Se o expansionista econômico

promoveu a abertura do expansionismo missionário, não significa que os mesmos fatores

impulsionavam ambos. A abertura econômica proporcionou o adentramento nas fronteiras,

antes fechadas, não somente do capital econômico, mas do religioso e cultural.

Não é possível encontrar discurso “proselitista” onde se diga que a nação

americana mediava a salvação do mundo. Seria possível encontrar um discurso proselitista

que declara que a igreja americana é a resposta de Deus ao mundo, pois ela foi destinada a

27

A abordagem estruturalista da sociedade, e sua produção nos anos 60 e 70, contribuiu para a redução da

empresa missionária a instrumento de uma ideologia política e econômica no país pelos Estados Unidos.

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essa causa? É possível que se encontre discurso proselitista que indique a igreja como

resposta de Deus ao mundo. Enunciado por um pregador protestante crê-se que seja a igreja

protestante. Comunicado por um pregador protestante americano crê-se que a igreja

protestante seja aquela conhecida por ele – a igreja protestante americana. Daí a afirmar um

messianismo nacionalista é desconsiderar a experiência religiosa protestante em sua abertura

constante ao outro, conforme o modelo proselitista.

Tomar como ponto de partida o puritanismo, em seu afã de construir uma

sociedade conforme determinado modelo de trabalho, disciplina e poupança, como quer Max

Weber, é negligenciar a revolução da religião nos Estados Unidos. O fervor puritano declinou

no início do século dezoito. A onda protestante de missões que insere o protestantismo no

Brasil é fortemente influenciada pelo denominacionalismo. A “denominação” é um grupo

religioso com sentimento de livre empresa dada ao voluntariado que não mais se encontra

voltada para a transformação social, mas à manutenção do grupo: seu bem-estar e expansão.

Os agentes que atuam na “denominação” não são agentes sociais. Eles são agentes promotores

da denominação. Sua herança é dos movimentos de avivamentos que promoveram a força do

“denominacionalismo” e com ele o individualismo.

Não se pode negar que, já no início do século XIX, as grandes denominações,

consequência dos movimentos de avivamentos religiosos, devido a determinadas

interpretações de cunho bíblico, bem como conforme interesses regionais, impuseram

mudanças sociais que modificaram a sociedade americana. No final do século XIX, vê-se

surgir uma ênfase na questão social, que será acentuado somente a partir do início do século

XX. Nas palavras de Will Herberg (1962, p. 128):

O protestantismo consumiu o seu espírito lutador, em campanhas para

melhorar a moralidade individual, recusando perceber que os problemas

autênticamente morais da época eram problemas sociais que não podiam ser

tratados convenientemente, simplesmente do ponto de vista do

melhoramento pessoal.

A ênfase na mudança no indivíduo e não da sociedade é herança dos movimentos

de avivamentos religiosos americanos que geraram a estrutura da denominação: a mudança do

indivíduo gerará a mudança da sociedade (ALVES, 1982, p. 69). O protestantismo tinha um

projeto de transformação do indivíduo, mas não da sociedade. A transformação da sociedade

equivalia a protestantização da sociedade: tantos indivíduos protestantes, tanta ética em

prática, isto é, mudança da sociedade.

Quanto aos vários fatores internos, classicamente relacionados como contribuição

para a implantação do Protestantismo no Brasil, pode-se enumerar os dois principais: a) o

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liberalismo anticlerical e a maçonaria, que viam a Igreja Católica Romana como um sério

entrave ao progresso, conclusão que se tinha ao perceber o progresso dos países tidos como

protestantes; e b) a carência de padres para cobrir o imenso território brasileiro e, tendo como

agravante, que alguns por influência de ideais liberais, iluministas e jansenistas tinham uma

mentalidade próxima ao protestantismo.

Havia uma tendência de ação reformista no Brasil em busca de um sacerdócio

brasileiro (e igreja) não importado e não-tridentino que teve como expressão maior Diogo

Antônio Feijó que, como nos lembra Júlio Ferreira (1992, p. 22), “desejou a vinda de irmãos

Morávios para que se dedicassem a educar nossos indígenas.” Feijó propunha uma reforma

religiosa com instrumentos políticos. Os “padres-protestantes” (nome dado àqueles que

seguiam tal postura) buscavam uma reforma com instrumentos religiosos (RIBEIRO, 1981, p.

15). O jansenismo revelou-se como busca de uma piedade austera, culto às Sagradas

Escrituras e independência com relação a Roma.28

A expressão literária do jansenismo no

Brasil foi o Catecismo de Montpellier de François-Aime Pouget, diretor do Seminário de

Montpelier por ordem do bispo Charles-Joachim Colbert, que era ultra-jansenista. Apesar de

ter sido condenado por decretos pontificais de 1772 e 1721, era usado para instrução nas

escolas. Como base teológica, o livro Teologia de Lião marcou profundamente o ensino nos

Seminários de Olinda e do Rio o que implicou numa formação jansenista do clero brasileiro

(LÉONARD, 1981, p. 37-38).

Do lado liberal, expoentes de reformas sociais como Ruy Barbosa, Saldanha

Marinho, Abreu e Lima entre outros, ao encaminhar (de forma enérgica) a separação entre

Igreja e Estado, beneficiaram as igrejas protestantes nascentes. Eles serviram-se muitas vezes

de tradutores das leis que garantiriam liberdade religiosa e norteariam as novas soluções na

medida em que a presença protestante exigia o pronunciamento legal.

Em 1872, Dom Vital, bispo de Olinda, em Pernambuco, desligou da Igreja

Católica várias confrarias que se negaram a expulsar afiliados ligados também à maçonaria. O

bispo foi preso em 1874 e condenado a quatro anos de prisão. Isto desencadeou a “Questão

Religiosa – também chamada dos Bispos” no Brasil. Esse conflito tinha de um lado a corrente

romanizadora e antiliberal da Igreja Católica e do outro o Estado brasileiro, regalista e

influenciado pelo liberalismo. O Estado tinha influência maçônica e a maçonaria tinha

28

Nome dado ao movimento que buscava reforma e reavivamento dentro da Igreja Católica, no século XVII. A

base do pensamento religioso do jansenismo são os preceitos religiosos de Fleming Cornelius Otto Jansen (1563-

1638), bispo de Ypres. Jansen sugeria, em sua reforma, o abandono do tomismo e a volta ao augustinianismo.

Em Portugal, o jansenismo fez-se presente no século XVII no período pombalino. Foi utilizado para combater os

jesuítas. No Brasil, ele tem expressão através dos padres educados na Universidade de Coimbra.

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interesse, como nos revela Gueiros Vieira (1980, p. 46), em conservar a Igreja Católica liberal

e não ultramontana. A “Questão Religiosa” foi uma ação ultramontana contra os ideários

maçônicos que favoreciam a expansão protestante.29

Sugere-se que o regime padroado, que colocava nas mãos do Imperador o poder

religioso, tenha sido um fator que contribuiu para a implantação do protestantismo.

Historicamente, vê-se que o mesmo foi um fator que retardou a implantação do

protestantismo. O padroado foi eficaz na manutenção da cultura religiosa católica e pronto

protetor desta. O regalismo do padroado era conservador, e o Imperador colocou

estrategicamente bispos ultramontano nas dioceses como meio de privar o clero liberal de sua

influência. Tal atitude promoveu a renovação católica no Brasil em sua vertente romanista.

Quanto a influência liberal no Brasil e sua contribuição para a implantação no

Brasil, deve ser analisada com cuidado. Os ideários liberais, de cunho revolucionista francês,

não estavam a serviço da religião. O próprio catolicismo sofreu quando parte de seu clero

foram influenciados por esses ideários. A “livre expressão”, como legado da Revolução

Francesa, não significava adesão ao que era expresso. Na verdade, a “livre expressão”

cultuada pelo ideal liberal era apenas amor à “livre expressão”, ou seja, uma ideia expressa

era tudo, mas a sua aceitação era secundária. Atente-se como Xilderico de Faria (apud

CORDEIRO, 1997, p. 95), liberal cearense, no final do século XIX, em palestra sobre

liberdade religiosa interpreta o conceito de liberdade:

Tem-se dito que o Estado não pode ser ateu. Isto é um erro [...]. Fala-se em

tolerância aos cultos! Eu repilo para o Estado a idéia de tolerância, porque a

tolerância importa favor. [...] De um abuso que não se pode evitar [...] diz-se

que se tolera; não se diz de um direito.

A facilidade de expor ideias produziu certo encantamento aos pregadores

protestantes que ao se considerarem ouvidos imaginavam-se aceitos. Nesse encantamento,

que gerou “enganamento”, prezou-se pelo discurso de caráter cientificista, metódico e

positivista. Tal como os liberais, os pregadores protestantes queriam ganhar o público pela

mente. Travavam batalhas, como faziam os liberais no campo da filosofia e outras ciências,

através de artigos em jornais para mostrar a validade de seu pensamento através da

fundamentação histórica e filosófica. Foram gastos muitos esforços para pouca conquista. Em

artigo de De Lacy Wardlaw ao jornal O Libertador, datado de 13 de março de 1886, vê-se

claramente a estrutura do discurso segundo o modelo liberal:

Os antigos astrônomos, seguindo a doutrina de Ptolomeu, ensinavam que

nosso globo terráqueo estava fixo no centro do universo, e que todos os

29

Para aprofundamento da temática da “Questão Religiosa”, consultar a obra de VIEIRA, David Gueiros. O

Protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. 2. ed. Brasília: Editora UNB, 1980.

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astros giravam em volta d‟elle.

Em nossos dias são poucos ou quase nenhum os ptolomistas em astronomia,

porém são muitos em religião.

Com effeito não falta quem faça do homem o centro do seu systhema

religioso, revestindo-o de taes caracteres, que vem elle a ser o único deus

que conhece.

Os espaços que os liberais abriram para a construção do protestantismo brasileiro

foram mínimos. Até mesmo quando a elite liberal buscou nas escolas protestantes sua

formação, não buscava o protestantismo como religião. Ela buscava a educação formal que

melhor a preparasse conforme seus ideais. Naquele momento histórico, a escola protestante se

apresentou como a melhor opção. A elite liberal soube muito bem delimitar os limites entre

religião e educação no Brasil. Desta forma, a religião que melhor oferecia educação, não

significava a melhor ao coração (a devoção).

O Protestantismo de imigração marcou com maior impacto a sociedade brasileira

a partir de 1824, quando chegaram colonos alemães e suíços em grande número para ocupar

os “espaços vazios” do território e, posteriormente, suprir a mão de obra dos cafezais. Estes

marcadamente localizaram-se na região montanhosa do Estado do Rio (Petrópolis, Nova

Friburgo), Rio Grande do Sul e Espírito Santo e, depois, nas fazendas de café, no Estado de

São Paulo. Os colonos na sua maioria eram luteranos. A propaganda desse tipo de

protestantismo ocorreu somente no âmbito dos colonos.

O Protestantismo de missão teve como representante inicial os missionários

Daniel Kidder (1836), pela Sociedade Bíblica Britânica, e James C. Fletcher, pela Sociedade

Bíblica Americana. Ambos, embora presbiterianos, não estavam vinculados a nenhuma

denominação. O propósito de suas atividades, diferentemente da presença protestante

imigrante, era a expansão do protestantismo através da conversão dos brasileiros. Sobre o

trabalho das Sociedades Bíblicas, Boanerges Ribeiro (1981, p. 13-14) comenta:

As Sociedades Bíblicas não se limitavam a oferecer as Escrituras Sagradas à

venda em casas comerciais: seus homens se embrenharam pelo país

vendendo Bíblias e Novos Testamentos, fazendo conhecidos e amigos entre

a população, transferindo à religião protestante os benefícios de seu martírio,

quando perseguidos; pregando em casas onde se hospedavam. Desde

„colportores‟, até agentes que se sentiam à vontade, tanto entre roceiros e

artesãos, como na companhia dos líderes nacionais e no Paço Imperial, os

homens das Sociedades Bíblicas abriram o país para os fundadores de

igrejas. Destinava-se a defender status quo, com o monopólio do sistema

religioso por uma denominação, a campanha de alguns bispos e de alguns

padres contra essa difusão de Bíblias; acusavam de „Falsificadas‟ as Bíblias

distribuídas pelas Sociedades [fato esse que até hoje está presente na mente

católica brasileira].(...) Paralelamente, os dois grandes agentes, Daniel Parish

Kidder e James Cooley Fletcher tornaram-se conhecidos e respeitados de

políticos, empresários, fazendeiros e altos funcionários.

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Seguindo esse empenho destaca-se o casal de missionário escocês Robert R.

Kalley e Sarah R. Kalley. A primeira escola dominical (reunião para estudos da Bíblia aos

domingos) no Brasil, em Petrópolis, bem como da primeira Igreja Evangélica Nacional, em

1858, foi realização deste casal.30

A importância do Dr. Kalley para a implantação do

protestantismo de missões deveu-se, principalmente, a sua luta para se fazer cumprida a lei de

liberdade de culto concedida pela Constituição de 1824 que rezava: “A religião Católica

Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão

permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma

alguma exterior de templo”.31

A liberdade religiosa era limitadora, mas se tornava ponto de

partida para a afirmação de direitos nessa área. Vê-se claramente que o protestantismo, por

lei, era destinado à prática privada e não à expressão social (pública). O poder simbólico foi

confinado ao privativo e limitado à inserção social. O protestantismo, em sua fase inicial, não

conseguiu avanço significativo devido a esta questão.

A partir deste momento começam a chegar os representantes das “Missões

Eclesiásticas”, sustentados por Juntas Missionárias das várias denominações, como a

Presbiteriana, Metodista, Batista e Episcopal.32

É, justamente, acerca das Missões

Presbiterianas que se irá abordar.

2.3.1. OS PRIMÓRDIOS DA IMPLANTAÇÃO DO PRESBITERIANISMO NO

BRASIL

O presbiterianismo tem sua origem histórica na Escócia, por volta de 1560,

através do reformador escocês John Knox. De cunho puritano, o presbiterianismo endossa

suas crenças nos principais princípios da teologia de João Calvino, posteriormente chamada

de calvinista. São centrais na crença presbiteriana: a predestinação, a simplicidade dos rituais

religiosos e a salvação pela graça de Deus mediada pela fé em Cristo. Seguindo a ênfase

puritana da predestinação (eleição), os presbiterianos acreditam na existência do povo

escolhido por Deus. Para eles, os judeus eram, antigamente, esse povo e, agora, são aqueles

30

A Igreja organizada por Kalley era chamada simplesmente de Igreja Evangélica. Daí, desde o princípio, os

conversos protestantes brasileiros se referir a si mesmo (bem como a sociedade) como “evangélicos”, termo até

hoje utilizado. 31

A proibição da exteriorização do simbolismo religioso cristão (cruz, sinos, etc.) pelos protestantes no Brasil,

por força de lei, levou-os a alienação na formação da cultura protestante brasileira. Hoje, tais símbolos são

estranhos à realidade protestante no Brasil e ausentes de seus templos (destruição do poder simbólico). 32

Foi através do processo imigratório ou da atividade proselitista que, no decorrer do século XIX, formou o que

se convencionou chamar de “protestantismo histórico”.

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que vivenciam a crença calvinista.

Os puritanos, com a crença de serem o povo escolhido por Deus, lutaram contra o

domínio inglês em busca do estabelecimento de um Estado puritano, onde seria possível

formar uma sociedade cristã segundo modelo neotestamentário. Quando esses puritanos,

fugindo das perseguições na Europa, migraram para as colônias britânicas na América,

levaram a busca de estabelecer uma nação segundo a ética da justiça e igualdade com bases na

fé calvinista.

Sem a devida presença de lideres religiosos e a presença de religião estatal, o

protestantismo puritano começa a evoluir a partir da influência dos grupos dissidentes na

Inglaterra. O sentimento dos grupos dissidentes era marcadamente contrário a uma hierarquia

autoritária e à religião oficial estatal. Daí, surge o denominacionalismo protestante, que se

tornou característico do protestantismo americano. Até mesmo as igrejas históricas, com

raízes na Reforma Protestante e consolidadas na Europa, sofreram influência significativa do

denominacionalismo americano.

O presbiterianismo foi implantado no Brasil por missionários enviados pelas

juntas missionárias de denominações presbiterianas dos Estados Unidos, bem como por

pastores nativos, posteriormente. Boanerges Ribeiro (1981, p. 13), escrevendo sobre a

implantação do presbiterianismo, afirma:

Ao iniciarem seu movimento de reforma religiosa no Brasil os presbiterianos

se beneficiaram de terem sido precedidos por outros grupos protestantes: as

Sociedades Bíblicas, Britânica e Americana; imigrantes protestantes, e o

doutor Robert Reid Kalley com seus madeirenses, abriram caminho tanto

para presbiterianos, como para metodistas, batistas, episcopais fundarem

igrejas entre brasileiros. Além disso havia em nossa cultura elementos

favoráveis à introdução de denominações protestantes no sistema religioso, e

estavam latentes os resultados da ação e prédica reformista do padre José

Manoel da Conceição na Diocese de São Paulo, e de outros padres e leigos

reformadores, em outros pontos do País.

Em 1859, a Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana nos Estados

Unidos da América (PCUSA), envia ao Brasil o missionário Ashbel Green Simonton. Ele era

formado em Teologia pelo Seminário de Princeton e foi ordenado em 1859. O reverendo

Simonton estabeleceu-se no Rio de Janeiro. Com ajuda de outros missionários, enviados

também pela Junta, fundou a primeira Escola Dominical, a primeira Igreja, o primeiro Jornal e

o primeiro Seminário presbiteriano.33

No período de 1862 a 1865 foram organizadas três igrejas: a do Rio de Janeiro

(12/01/62), pelo reverendo Simonton; a de São Paulo (05/03/65) pelo reverendo Blackford e a

33

Os missionários enviados para ajudar a Simonton foram: Alexander L. Blackford e Francis Joseph Christopher

Schneider.

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de Brotas, no interior de São Paulo (13/11/65) pelos reverendos Blackford e Conceição.34

O

primeiro Presbitério foi organizado em 16 de dezembro de 1865 e recebeu a denominação de

Presbitério do Rio de Janeiro.35

O ex-padre José Manoel da Conceição foi ordenado no dia

seguinte à organização deste.

A Guerra de Secessão nos Estados Unidos provocou uma cisão na Igreja

Presbiteriana: a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos (PCUS), conhecida como a “Igreja do

Sul” e a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América (PCUSA), a “Igreja do Norte”. É

a “Igreja do Sul” que voltou seus esforços para o Nordeste. Os dois primeiros casais de

missionários enviados pela PCUS só aportaram no Brasil em 1869. Os missionários enviados

para o trabalho no nordeste foram: John Rockwell Smith, De Lacy Wardlaw, George W.

Butler e John Boyle. Da preparação oferecida pelo reverendo John R. Smith vieram os

primeiros pastores do Norteste: Belmiro de Araújo César, José Primênio, João Batista de

Lima e o cunhado de Calvin Porter, William Calvin Porter.

Ressalta-se que o presbiterianismo, em pouco tempo de implantação no Brasil,

tornou-se um fenômeno religioso. Sua aceitação e disseminação revelam muito da condição

religiosa no país. Um dado notável ocorreu para que, até 1930, o fenômeno presbiteriano

tomasse outro rumo e se transformasse em um grupo com dificuldades para se promover

diante da sociedade brasileira.

A divisão ocorrida em 1903 foi um golpe fatal tanto para o presbiterianismo

quanto ao protestantismo brasileiro. Apesar de seu crescimento, posterior a divisão, ter se

mostrado superior ao da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, a Igreja Presbiteriana do

Brasil reduziu sua dinâmica de expansão. Isto ocorreu não somente devido a sua luta dentro

do presbiterianismo, mas ao seu fechamento dogmático, como consequência da divisão. A

divisão do presbiterianismo representou para o protestantismo brasileiro a validação do

conceito católico de que o protestantismo é faccioso por natureza.

2.3.2. OS PRIMÓRDIOS DA IMPLANTAÇÃO DO PRESBITERIANISMO NO

CEARÁ

A nova tentativa de implantar o protestantismo no Ceará ocorreu com a visita à

Fortaleza do missionário John Rockwell Smith em 20 de junho de 1875. Ele havia sido

34

O Rev. José Manuel da Conceição foi o primeiro pastor ordenado no Brasil. O mesmo exercia o sacerdócio na

Igreja Católica Romana e não foi formado pelo Seminário fundado por Simonton. 35

Na estrutura de governo presbiteriano, o Presbitério é o concílio (assembléia) de todos os pastores e

presbíteros representantes das igrejas de uma região.

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enviado pela Junta de Missões mundiais da Igreja Presbiteriana do Sul, com sede em

Nashville, para implantação do trabalho em Recife. Em suas (quase) duas semanas de

permanência, Smith chegou a pregar em inglês para a colônia inglesa ali residente. Quando

retornou à Recife, Smith enviou para Fortaleza, em 1881, o pregador leigo João Mendes

Pereira Guerra através do qual se converteu o Sr. José Damião de Souza Melo, de

nacionalidade portuguesa. Esse é o primeiro caso de adesão ao protestantismo no Ceará.

O reverendo Rockell Smith viu-se em dificuldades financeiras e de missionários

para estabelecer frentes de divulgação nas principais cidades do Norte e Nordeste brasileiro.

A Junta responde com o envio, para Recife, em 1880, do reverendo De Lacy Wardlaw. O

mesmo trabalhou dois anos como assistente do reverendo Smith. Nesse período o reverendo

Wardlaw deu início aos estudos de Português. O reverendo Smith, por considerar a cidade de

Fortaleza como uma cidade de uma boa estrutura para divulgação da mensagem protestante,

encaminha o reverendo Wardlaw. Fortaleza estava presenciando um crescimento econômico

acentuado devido a presença do algodão cearense no mercado mundial. O momento era

propício para a intervenção presbiteriana.

Em 27 de setembro de 1882, desembarcava em Fortaleza, enviado pela Junta de

Nashville (Igreja do Sul – PCUS), o missionário De Lacy Wardlaw e sua esposa Mary Hoge

Wardlaw. No porto, os aguardavam apenas quatro pessoas. Isto mostra a tímida presença

protestante antes da presença oficial dos missionários. Sendo domingo, à noite, Wardlaw

realizou seu primeiro culto na Pensão Rendal (onde estava hospedado), localizada na praça

dos Mártires, contando com a presença do Capitão do Porto, Antônio Nunes e sua esposa, do

Chefe dos Correios, José de Oliveira, de José Damião e de outros interessados. O casal

Wardlaw residiu em Fortaleza até o ano de 1901, quando retornaram aos Estados Unidos.

Vê-se que o reverendo Wardlaw, aos seus 26 anos de idade, pelo ato de realizar

um culto já nas primeiras horas de sua chegada, possui o ímpeto próprio dos desbravadores.

Essa característica, que beirava a obstinação, levou-o a debates fervorosos e a responder com

prontidão as interpelações. Mesmo não conseguindo o número de fiéis que pretendia, sua

presença na capital da Província e nas cidades por ele assistidas foi determinante para a

implantação e consolidação do presbiterianismo no Ceará. O reverendo Wardlaw declarou em

jornal seu objetivo com relação ao trabalho missionário: “Nosso fim n‟este paiz é pregar a

verdade, e convercer os iludidos da falsidade d‟estas inovações, e persuadil-os acceitarem

Jesus Cristo como lhes é oferecido no Evangelho” (apud OLIVEIRA FILHO, 2009, p. 07).

Em 08 de julho de 1883, Wardlaw batizava os 13 primeiros convertidos em terras

cearenses (VIANA, 2004, p. 30). Em 06 de agosto de 1890, Wardlaw organizava a primeira

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Igreja Presbiteriana de Fortaleza (IPF), que se reunia no Templo à Rua Conde D‟Eu, 804.36

A

Igreja Presbiteriana de Fortaleza foi a oitava igreja organizada no pioneirismo presbiteriano

no Nordeste e Norte do Brasil.

O Protestantismo, em sua versão presbiteriana, era implantado no Ceará num

momento de profundas mudanças que englobavam os principais aspectos de sua estrutura. No

último quarto do século dezenove, Fortaleza estava em ebulição com o surgimento dos

grêmios literários e a Academia Cearense (1894); circulação de jornalzinhos

literários/satíricos; surgiam os cafés (Java, Elegante, Iracema e do Comércio) na Praça do

Ferreira nos anos 80, e a Padaria Espiritual (1892-1898). 37

Instaurava-se a República no

Ceará com deposição do Governo Provincial de Morais Jardim pelos militares da Escola

Militar, do 2º Batalhão e os integrantes do Centro Republicano. Pouco tempo depois era

deposto a bala o Governador Deodorista Clarindo de Queiroz por militares partidários do

então Presidente Marechal Floriano Peixoto. Em 1896, ascendia ao governo cearense,

Antônio Pinto Nogueira Accioly, iniciando uma oligarquia marcada pela duração, violência e

corrupção.

Em Fortaleza estabeleciam-se novas relações econômicas capitalistas. A cidade

assumia caráter mais urbano com novos meios de transporte e comunicação (bondes, trens,

telefone, telégrafo, etc.); novas formas de lazer (turfe, patinação, “footings”, passeios, cafés,

coretos, etc.); e novas e imponentes edificações (palacetes, sobrados e mansões com

arquitetura em estilo europeu). O novo traçado das ruas e lampiões a gás carbono causava

impacto na vida noturna da cidade e os novos espaços de trabalho e assistência (fábricas,

asilos, novo porto e mercado de ferro) causava impacto na economia. Ao mesmo tempo, o

Ceará vivia o sofrimento da seca de 1877-1879, a eclosão da epidemia de varíola e as

primeiras lutas abolicionistas que culminou com a própria abolição da escravatura. Faziam-se

melhoramentos na cadeia pública e campanhas para o casamento de “amasiados”. Apesar da

fundação do Partido Católico do Ceará (1876), o catolicismo vivia uma crise aguda com o

Estado monárquico e, em seguida, com o republicano.

Mesmo dentro de tamanha profusão de novas ideias, o protestantismo não passou

despercebido (talvez até foi recebido como mais uma das inovações). Prova da sua presença

36

Mesmo tendo sido organizada em 06 de agosto de 1890, comemora-se no dia 08 de julho de 1883 a data da

criação da Igreja Presbiteriana de Fortaleza. Para conhecimento de sua história, sugere-se a leitura do livro Igreja

Presbiteriana de Fortaleza: 120 anos transformando vidas (ALENCAR, 2005). O livro possui caráter biográfico

e não acadêmico, contudo traduz as memórias e imagens do início do presbiterianismo em Fortaleza e no Estado

do Ceará. 37

Sobre a Padaria Espiritual, consultar o trabalho de Gleudson Cardoso (2002), Padaria espiritual: biscoito fino

e travoso. Nele é analisado o impacto desse grupo de literatos para a formação cultural no final do século XIX no

Ceará.

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marcante foi o fato de após um ano de permanência de atividade missionária no Estado,

Wardlaw ter sido “convocado” pelas autoridades eclesiásticas a deixar o Estado do Ceará.

Outras dificuldades foram enfrentadas por Wardlaw: pessoas enfurecidas que interrompiam os

cultos públicos com pedras e armas de fogo; ameaças de todos os tipos e longas viagens de

trem e a cavalo. Dois de seus auxiliares, Dick e Miss Carri Cunningham, morreram na

epidemia de varíola, sem falar ainda na polêmica que travou com o padre Constantino Gomes

de Matos, pela imprensa local apoiado por José Damião, que era jornalista e poeta.

De início, a Igreja Católica não se sentiu ameaçada pela presença protestante.

Talvez porque entendesse que a presença do missionário fosse para assistir a comunidade de

fala inglesa que vivia em Fortaleza devido ao comércio portuário. Após nove meses da

presença ativa do missionário presbiteriano, era noticiado, como de costume em jornal, não

apenas o culto público, mas que nele haveriam de ser recebidos, através do batismo, os

primeiros conversos.38

Esse fato deixou a Igreja Católica atônita. Decerto, ela não havia

atentado para a força do protestantismo de missão e nem para a possibilidade de que o muro

da tradição católica no Estado estivesse mais vulnerável a ação protestante do que se pensava.

A prova de que a hierarquia católica cearense não contava com a rápida inserção do

protestantismo no Ceará encontra-se no livro de tombo da diocese, datado de 1883, registrado:

“...inesperada vitória herege, que reclamava adequada reação da Santa Igreja”.39

A ação católica se fez, logo de início, através de artigo em jornal. No primeiro

texto publicado no jornal O Libertador vê-se claramente a indignação católica diante da

postura do protestantismo de missão:

A bella e importante capital do Ceará que ainda apouco elevou-se tão alto no

conceito de todas as suas irmãs pelo seu heróico jeito de 24 de maio,

rebaixa-se agora ás seus proprios olhos consentindo em seu seio uma

propaganda indecente, insultuosa e conspurcadora de seus sentimentos

religiosos.

Nada tínhamos que dizer contra o Sr. Lacy, e seus sequazes, si S. S.ª se

contentasse com fazer sua propaganda sem transgredir as leis do paiz, que

apenas o toleram, e as leis do decoro, pelas quais se devem reger todos os

homens civilizados. Assim porem não tem acontecido.

Os Sr. Protestantes estão se excedendo. Já não se contentam com espalhar

pamphletos: bem sabem que o publico sensato os condena ao despreso, que

merecem. Lançam mão de outros meios, de todos os meios, que lhes sugere

o seu fanatismo propagandista, - meios impróprios de homens que se

presam, meios indecentes ignóbeis.

Consta-nos também que o Sr. Ministro protestante tem levado o seu

fanatismo até o ponto de rebaptizar os infelizes, que tem conseguido angariar

38

O jornal O Libertador publicava anúncios de cultos públicos e vendas de livretos encomendados pelo

Reverendo Wardlaw. Na edição do dia 11 de junho de 1883, foi comunicado a ocorrência dos batismos. 39

Livro de Tombo da diocese de São José, Fortaleza, nº XXIII. As páginas não contêm numeração.

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para sua seita!40

Percebe-se, através do discurso, que o articulista usa de manobra de cunho

patriótico para conquistar o leitor. Ele exalta a atitude de Fortaleza ter abolido seus escravos

em 24 de maio de 1883. Sua intenção é conquistar a simpatia dos abolicionistas – que era,

naquele momento o principal leitor dos jornais, bem como responsáveis pelos embates na

sociedade cearense. A abolição dos escravos foi um ato de altruísmo dos fortalezenses. Já a

aceitação da propaganda protestante nessa sociedade é colocada como rebaixar de nível

cultural. O articulista acusa a sociedade cearense de consentir tal propaganda. Isto sugere que,

de um lado ele mostra que houve uma aceitação favorável a tal empreendimento, e, por outro

lado, sugere que a sociedade deveria ter tolhido a liberdade que permitiu esse fato.

Vê-se o estranhamento quanto a postura propagandista do reverendo Wardlaw. O

que se esperava era que a inserção protestante fosse conforme o modelo de imigração. O

articulista, assumindo a posição da Igreja Católica, diz que “nada tínhamos a dizer contra o

Sr. Lacy.” O modelo de inserção protestante de imigração era reconhecido pelo catolicismo

como legítimo. Esse protestantismo não ameaçava a Igreja Católica, pois não estava voltado

para a prática do proselitismo e condizia com a lei da tolerância.

Percebe-se claramente pelo discurso como é entendida a liberdade religiosa no

Império. Ela era um ato de tolerância para a prática de religiões acatólicas. A expressão

“apenas toleram” revela que o que se entende é que na tolerância não existe outros direitos. A

tolerância é um favor, não um direito! Como tal não se deve abusar dela. O abuso da

tolerância é prejudicial à decência e à civilidade da sociedade. O respeito a religião do Estado

e a moral pública eram faces da mesma moeda. Como esclarece Marcelo Dascal (1989, p.

222): “...se tolerar significa aceitar a existência do que não se pode suprimir, o „intolerante‟,

no momento em que tiver condições de suprimir aquilo que lhe parece errado, fá-lo-á,

tornando-se assim rapidamente intolerante.”

Finalmente, o uso de rebatismo pelo reverendo De Lacy faz o articulista

considerar como ato de fanatismo pleno, que ainda não havia consumado-se com a simples

propaganda por meio de panfletos.41

Isto significava exceder a todas as expectativas. Estar-se

diante de um “fanático” e “ignóbil” que o “público sensato” deve condenar “com desprezo”.

A intolerância plenifica-se no ato da agressão verbal. Daí, à agressão física é apenas questão

40

Texto de Constantino G. de Matos no Jornal O Libertador, 08 de agosto de 1883. p. 02. 41

Quanto ao rebatismo praticado pela Igreja Presbiteriana, conforme Léonard (1981, p. 107), significa “um

desvio doutrinal: a tendência a se colocar na posição batista e a fazer do batismo o sinal e o cumprimento de uma

decisão individual, do que dependeria a admissão na Igreja – concepção segundo a qual o valor em si do batismo

dependeria não do respeito ao ritual e à fórmula ensinada por Cristo, e sim da fidelidade evangélica da

comunidade (para não se dizer de quem o celebra) que administra o batismo.”

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de tempo ou oportunidade.

Wardlaw foi substituído pelo médico e missionário Reynald Price Baird em 1896,

que além de exercer o pastorado na Igreja Presbiteriana de Fortaleza (IPF), atendia as

congregações do interior do Estado, com destaque para Baturité e Senador Pompeu. O

pastorado de Reynaldo Baird na IPF ocorreu de 1896 a 1900 e após um período de

afastamento retornou exercendo o pastorado de 1903-1906. Entre 1900 e 1903, o pastorado

foi exercido por Martinho de Oliveira (primeiro pastor brasileiro a exercer o pastorado no

Ceará) e Jerômino de Carvalho Silva Gueiros. Após 1906, pastorearam a IPF o reverendo

Antônio Almeida (1907-1911) e reverendo Raimundo Bezerra Lima (1911-1915). O

reverendo Natanael Cortez assume a partir de 1915 até 1943.42

Este último, como se verá,

devido a sua importância na questão da perseguição religiosa no Estado e sua luta em prol do

diálogo religioso foi decisivo para a consolidação do presbiterianismo no Ceará.

42

Confere quadro dos agentes presbiterianos e os principais fatos (anexo 02).

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3. A DIVULGAÇÃO DO PROTESTANTISMO NO CEARÁ

A implantação do protestantismo no Ceará não apresenta singularidades de

grandes proporções. As singularidades, se é que existem, dizem respeito apenas as

singularidades políticas, sociais e religiosas próprias de cada “espaço cultural” e que no

“campo religioso” é bastante homogêneo. Segundo Agileu Gadelha (2005, p. 69), “no Ceará,

a implantação do Protestantismo seguiu os métodos já consagrados em outros Estados e

regiões do País”. Ela ocorreu num período de transição entre o Brasil Império (onde o Estado

se confundia com a Igreja e legislava liberdade condicionada aos acatólicos) e o Brasil

República (onde o Estado divorcia-se da Igreja e legisla plena liberdade as demais religiões).

Diante desse fato, pretende-se analisar como a divulgação protestante ocorreu e que

estratégias foram usadas na implantação do protestantismo no Ceará.

O conceito “estratégia”, conforme usado por Michel de Certeau (1994, p. 46), é

definida como “o cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em

que o sujeito de querer e poder é isolável do momento de um ambiente”. A estratégia

encontra-se escondida “sob cálculos objetivos a sua relação com o poder que os sustenta,

guardado pelo lugar próprio ou pela instituição” (CERTEAU, 1994, p. 47). Os objetivos

alcançados através da estratégia são: possibilidade de capitalizar vantagens conquistadas,

preparar expansões futuras obtendo independências em relação às circunstâncias, prática

panóptica (transformação das forças estranhas em objetos que se podem observar, medir e

controlar), e o “poder do saber” que sustenta e determina o poder de conquistar para si um

lugar próprio (CERTEAU, 1994, p. 100). É alcançando esses objetivos que as estratégias

aplicadas na implantação do protestantismo conseguem consolidar sua presença no Estado do

Ceará.

A estratégia usada para divulgação do protestantismo no Ceará é expressa desde o

envio do reverendo Simonton pela Junta de Missão. A Assembléia Geral da Igreja

Presbiteriana nos Estados Unidos da América, em sua reunião em maio de 1859, aprovou,

como parte do Relatório da Junta de Missões Estrangeiras, o envio do reverendo Asbhel

Green Simonton. Nele era afirmado que a missão tinha um caráter experimental sendo os seus

primeiros objetivos: “explorar o território, verificar os meios de atingir com sucesso a mente

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dos naturais da terra, e testar até que ponto a legislação favorável à tolerância religiosa será

mantida.” O relatório conclui: “Se o resultado dessas investigações for positivo – e temos

plenas razões para supor que sim – a missão poderá depois ser ampliada em termos que as

circunstâncias justifiquem” (RIBEIRO, 1981, p. 18). Isto somente vem confirmar, como

mostra Michel de Certeau (1994, p. 102), que “as estratégias apontam para a resistência que o

estabelecimento de um lugar (grifo do autor) oferece ao gasto do tempo.” Em outras palavras,

as estratégias estabelecem a ocupação teórica modelar de espaços físicos e sociais; ao passo

que as táticas resistem às estratégicas e a elas se atravessam.

Os objetivos acima transcritos tornaram-se a estratégia aplicada pelo

protestantismo presbiteriano em sua implantação no Brasil. Mesmo depois de um

conhecimento prévio do território brasileiro, a exploração do território ganha status de

estratégia de implantação. Quando, em 20 de junho de 1875, o missionário John Rockwell

Smith visitou Fortaleza, ele estava executando a metodologia protestante de implantação. Fato

é que, percebendo que o Ceará era propício ao empreendimento, ao retornar a Recife

encaminha um “especialista” para tal tarefa, o colportor João Mendes Pereira Guerra.

A tentativa inicial é criar o “campo religioso”, que segundo a abordagem de

Bourdieu, constitui um espaço estruturado e, ao mesmo tempo, estruturante, responsável pela

distribuição de bens religiosos. A divulgação não visa apenas a transmissão de conceitos

religiosos, mas a produção e reprodução de um determinado habitus. Bourdieu desenvolveu o

conceito de habitus para designar a ponte mediadora da relação indivíduo-sociedade, capaz de

produzir comportamentos e visões de mundo duráveis e apropriados a uma determinada

organização social. Ele chama de habitus os:

...sistemas de disposições adquiridas pela aprendizagem implícitas ou

explícita, que funciona como um sistema de esquemas geradores de

estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de

seus autores sem terem sido expressamente concebidos para esse fim. Há

toda uma reeducação a ser feita para escapar à alternativa entre o finalismo

ingênuo... e a explicação de tipo mecanicista (BOURDIEU, 1984, p. 94).

O habitus religioso é concebido por Bourdieu (1982, p. 12) como o:

...princípio gerador de todos os pensamentos, percepções e ações, segundo as

normas de uma representação religiosa do mundo natural e sobrenatural, ou

seja, objetivamente ajustado aos princípios de uma visão política do mundo

social.

O habitus religioso é encontrado quando se identifica o tipo de agente que ele

pretende formar. Weber (1994, p. 239-340) foi quem primeiro procurou tipificar os agentes

religiosos nas figuras do sacerdote e do profeta. O sacerdote é o especialista religioso que

monopoliza a produção religiosa. Ele sobrevive do fortalecimento da instituição que investiu

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na sua formação. Como troca administra e protege a riqueza simbólica e o poder implícito da

organização. O “profeta” é o agente religioso que pelo “carisma” contesta o monopólio do

capital religioso sob a tutela dos sacerdotes.

A produção e reprodução do habitus religioso acontece através de “ação

pedagógica”. Esse termo, cunhado por Bourdieu, assume no presente trabalho, o sentido de

processo educativo realizado por um sistema de agentes explicitados convocados por uma

instituição para essa finalidade. Isto implica numa “violência simbólica”, ou seja, um processo

de imposição de um arbitrário cultural e ainda num trabalho de inculcação durável o

suficiente para engendrar um determinado habitus (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 20-

21, 45). Vê-se que esse sistema acontece na busca de implantação, divulgação e consolidação

do presbiterianismo no Ceará (que outra coisa não foi senão a criação de um habitus em busca

do campo religioso pela ação pedagógica).

A primeira fase da divulgação presbiteriana no Ceará aconteceu através de

colportores que tinham por objetivo tornar conhecida as Escrituras através da venda ou

doação de Bíblias, bem como de panfletos e folhetos evangelísticos.43

Os colportores

adentraram o Ceará, em suas partes mais longínqua, e prepararam o território para a

implantação do presbiterianismo. Não se deve esquecer que a colportagem já fazia parte da

implantação. Ela era realizada por leigos enquanto a implantação em sua efetivação era mais

dada ao especialista (missionário/pastor). A eficácia deste empreendimento é vista no trabalho

de Valentino e Antão que venderam e distribuíram dois mil Evangelhos, sem contar os

milhares de folhetos evangélicos.44

Também no fato de que o primeiro converso em terras

cearenses, o jornalista José Damião de Souza Melo, ser fruto do trabalho do colportor João

Mendes Pereira Guerra, enviado pelo reverendo Dr. John Rockwell Smith à Fortaleza.

Imbuídos da estratégia do reconhecimento do território os missionários usaram a

linha férrea e adentraram o Ceará.45

A Rede de Viação Cearense (R.V.C.) tornava-se o meio

mais rápido e eficaz ao adentramento no interior do presbiterianismo.46

Os braços da R.V.C.

tornaram-se os braços do presbiterianismo ou artérias que levavam para o interior a “nova fé”.

Parecia que ao lado de cada estação estava destinada a ter uma Igreja. Exemplo disso é a

43

Os colportores eram pessoas que vendiam bíblias e distribuíam folhetos com temas bíblicos. Sua principal

missão era tornar conhecida a Bíblia. Eles foram essenciais para a posterior implantação ou visita de um

missionário. 44

Informações fornecidas por Frederick Charles Glass, missionário que participava nesta fase pioneira da

história do protestantismo no Ceará (GADELHA, 2005, p. 69). 45

Vê-se a importância da estrada de ferro para a propaganda protestante no fato de logo após sua criação, em

1879, a Estrada de Ferro Fortaleza-Baturité foi usada resultando, daí, a Igreja Presbiteriana em Baturité. Outras

cidades também foram assistidas pela linha férrea. 46

Confere mapa (anexo 03).

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presença do presbiterianismo em Baturité, Quixadá, Acopiara, Cedro e Iguatu.47

Bem como o

maior disseminador do presbiterianismo, o reverendo Natanael Cortez, foi trabalhador na

construção das estações de cargas e passageiros da R.V.C. em companhia de seu primo João

Varela que o encaminhou ao presbiterianismo. João Valera usava os acampamentos de

operários ao longo da ferrovia como oportunidade para propagação da “nova fé”, tendo como

aliado a sua influência no meio dos operários. Vários trabalhadores da R.V.C., com seus

familiares, tornaram-se presbiterianos devido ao respeito e conhecimento da pessoa de João

Valera e de Natanael Cortez.

O reconhecimento do território estava além do mapeamento do espaço-geográfico.

Eles ficavam a par dos problemas sócio-econômicos e religioso presente na região visitada

(espaço social). Em muitos casos, até interferiam através de ajuda humanitária ou construção

de melhorias. Os missionários consideravam que toda melhoria de vida contribuía para elevar

a consciência do povo. Essa conscientização geraria, segundo criam, uma aceitação da

mensagem protestante, tendo em vista que ela estava vinculada com o progresso e a

modernização. Era inaceitável o analfabetismo, o atraso cultural e a privação do saber. Na

ideologia protestante o saber conduz ao progresso e o progresso é uma abertura à aceitação da

religião, da razão, do trabalho e do protestantismo. Weber (2001, p. 41), porém, pondera:

...o espírito de intenso trabalho, de progresso, ou como se queira chamá-lo e

cujo despertar se esteja propenso a atribuir ao Protestantismo, não deve ser

entendido, como é a tendência, como uma alegria de viver ou por qualquer

sentido ligado ao Iluminismo. O velho Protestantismo de Lutero, Calvino,

Knox e Voet tinha bem pouco a ver com o que é hoje chamado de progresso.

Contudo, ressalta-se que esse empenho em promover mudança social não é parte

fundante da ética social protestante dos missionários. Sua ética, como lembra Rubem Alves

(1979, p. 239), era: “Transforma-se a sociedade pela conversão das almas” ou “converta-se o

indivíduo e a sociedade se transformará.” Em sua metodologia de trabalho, a ação social foi

aplicada e usada como meio de alcançar “a alma” (consciência) dos ouvintes na medida em

que a alfabetização acontecia e à medida que as dificuldades eram sanadas.

Ao tratar da questão do reconhecimento do território como método de implantação

do presbiterianismo, não se pode deixar de considerar o cuidado que os missionários tiveram

de “recrutar adeptos das famílias tradicionais das áreas onde atuaram”, como indica Agileu

Gadelha (2005, p. 70). Vê-se esse fato em Baturité com a família Rodrigues Martins, em

Quixadá com a família Varella, e em Irapuan Pinheiro com a família Nogueira. É, justamente,

47

Foto da Estação na cidade de Acopiara/Ce (anexo 04).

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da família Nogueira que se tem a criação do Cemitério Protestante do Vencedor.48

Essa

estratégia servia como garantia para fixação e permanência da Igreja através de famílias

respeitadas e consideradas socialmente, o que amenizava a resistência ao protestantismo.

A segunda estratégia era verificar os meios de atingir com sucesso a mente dos

naturais da terra. Boanerges Ribeiro (1981, p. 101) esclarece:

A mente de todos os brasileiros não estava aberta à palavra escrita, pois eram

analfabetos; mas os alfabetizados é que formavam opinião, nas catastróficas

mudanças da sociedade imperial desde a Guerra do Lopes, e a eles se diria a

Imprensa.

Desta forma, aumenta a importância da criação de jornais e da alfabetização do

povo para a divulgação do protestantismo. Essa é uma concepção fortemente protestante. Não

se fala em atingir as emoções, mas o entendimento. Cedo eles descobriram que os meios mais

eficazes eram através da criação de escolas e de jornais.

O reverendo Simonton lançou o primeiro jornal evangélico do país intitulado

Imprensa Evangélica em 05 de novembro de 1864. O reverendo Emanuel Vanorden fundou,

em 1874, o jornal Púlpito Evangélico. O jornal Imprensa Evangélica, segundo Boanerges

Ribeiro (1981, p. 101), servia “de contato entre os presbiterianos e as elites nacionais.

Denuncia maus tratos e perseguições e é ouvida. Fere-se a luta nacional pela liberdade

religiosa: seu apoio é procurado, e dado.” A ênfase na leitura foi um apelo de impacto social

muito grande que o presbiterianismo legou à cultura brasileira. Ribeiro (1981, p. 108) conclui:

“O presbiterianismo introduzia nos usos e costumes até das mais rústicas famílias do sertão o

hábito de ler”. Ele fez isto através do jornal, dos livros de orientação religiosa e das livrarias

que começam a serem implantadas. Mas, principalmente, pela leitura da Bíblia. Santos (2003,

p. 63) diz que: “Se a leitura torna-se um objeto para a história, ainda se deve escrever sobre a

história da leitura da Bíblia no Brasil”. Quanto a escola, o Colégio Mackenzie (hoje

Universidade Presbiteriana Mackenzie), em São Paulo, tinha 500 alunos em 1895

(AZEVEDO, 1980, p. 104).

Fazia parte da orientação do pastor presbiteriano aos pais, quando do batismo de

seus filhos, lembrá-lo do seu dever de ensiná-los a ler a Bíblia ou mandar-lhes a um centro de

instrução para que introduzidos à leitura possam ler a Bíblia (MANUAL LITÚRGICO, 1992,

p. 90). Quando o reverendo Simonton propôs ao Presbitério, em 1867, os meios para

implantar o Evangelho no Brasil, enfatizou o estabelecimento de escolas para os filhos dos

membros da Igreja. Ao analisar as dificuldades para a implantação de tais escolas o mesmo é

firme na sua proposta: “Mas é necessário não cedermos a nenhum obstáculo” (apud

48

Foto do Cemitério protestante em Sítio Vencedor, município de Irapuan Pinheiro (anexo 05).

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RIBEIRO, 1981, p. 184). Daí, surge a metodologia da “escola-ao-lado-da-igreja” onde quer

que formasse um núcleo de convertido. O presbiterianismo necessitava de leitores. Ele era

uma sociedade que lidava com a leitura em seus atos litúrgicos e experiência religiosa, e cria

que a mudança de mentalidade aconteceria através da leitura. Boanerges Ribeiro (1981, p.

184) comenta: “Entre os valores a realizar na nova sociedade, talvez nenhum obtivesse maior

ênfase que o da instrução, pois a leitura da Bíblia é indispensável à fé Reformada.”

Esse ideário era uma estratégia que oferecia um sistema educacional a um

segmento que buscava fugir do escolasticismo jesuítico de orientação católica. Antônio G. de

Mendonça (1990, p. 74) ressalta que: “O sistema educacional que os missionários norte-

americanos trouxeram obteve grande êxito junto à elite brasileira”. É claro que a elite não

estava interessada na religião protestante, mas na educação oferecida, pois grande parte de seu

currículo era liberal. Como não se podia separar o protestantismo da educação, apesar de não

se converterem ao protestantismo, ajudou na sua aceitação e permanência. Uma pergunta se

faz necessária: Por que a elite não se interessou pela religião protestante? Talvez porque o

protestantismo não se apresentava tão inovador e vanguardista quanto a sua educação.

Ainda sobre a educação como estratégia de implantação do Protestantismo,

destaca-se a observação de Antônio G. de Mendonça (1990, p. 74) sobre a escassa adesão ao

protestantismo através do ensino. Segundo ele, isto aconteceu devido ao caráter cético da elite

brasileira do final do século XIX, formadas a partir do secularismo desencadeado pela

Revolução Francesa como nos mostra Heller e Ferrér (1998, p. 17). Como consequência, a

educação ficou dirigida à elite e a evangelização à massa pobre. Mendonça (1990, p. 74)

pondera: “Isso aconteceu não por estratégia missionária, mas por força da estrutura e

ideologia da sociedade brasileira do século XIX”. A estratégia era atingir a classe dirigente

por ser ela capaz de mudar a configuração social do país. Diante de sua impermeabilidade

religiosa, o enfoque foi dirigido para a massa pobre como meio de dar-lhe condição de

ascensão à classe média e um impacto sócio-religioso.

Vivia-se o que Michel de Certeau (1994, p. 261) chama de “mito da educação”.

Desde o século XVIII, cria-se que o livro (a leitura) fosse capaz de reformar a sociedade e que

a popularização da escola fosse capaz de transformar os hábitos e costumes, a começar pela

elite em sua interação com seus produtos. O público seria moldado pelo escrito. Ele tornaria

semelhante ao que é recebido e deixava-se imprimir pelo texto e como o texto era-lhe

imposto. É por esse motivo que a educação liberal, como pensada, era técnica e normativa. A

educação humanista era aquela que formava um padrão para o indivíduo ser no mundo. Dava-

lhe todo o suporte para se tornar um produtor de bens e mantenedor da ordem que se queria

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impor. Michel de Certeau (1995, p. 135) observa também que:

Desde o século XVI, o corpo docente sempre teve necessidade dessa dupla

referência: uma, a uma ideologia que mantenha no ensino a possibilidade de

uma missão, de um evangelismo; a outra, a uma força, pois o docente não

tem outro poder senão aquele que diz respeito à organização de uma

sociedade.

Os professores, a maioria missionários, viam sua função docente como vocação

missionária/evangelística (principalmente as mulheres, tendo em vista a não prática da

ordenação feminina) e com ideário de formação da sociedade (que no discurso protestante era

aquele conforme os padrões do Reino de Deus já inseridos na sociedade americana).

Também não se pode deixar de ressaltar que a escola era, no dizer de Michel de

Certeau (1995, p. 137), desde a Revolução Francesa, “a arma de uma centralização política”.

Nela a democracia encontrou abrigo e qualquer espaço transformava-se em ícone do poder

cultural. Assim, a escola era vista como uma instituição de respeitabilidade e credibilidade

devido a sua função sócio-cultural. Esperava-se que da escola surgisse a revolução

modernizadora. Dentro da geometria cria-se que era forjado o homem do futuro. O

protestantismo valeu-se de todo esse imaginário em relação à escola.

No Ceará, tentou-se criar escolas, mas o que prevaleceu foi um intenso combate

literário através dos meios de comunicação da época. A criação de escolas, como estratégia de

propaganda presbiteriana, não encontrou progresso devido a fatores econômicos, culturais e

resistência que culminavam em perseguição. A missionária e professora Miss Carrie

Cuningham tinha por objetivo abrir uma escola, mas faleceu vitima de varíola antes de

realizar o intento. É lamentável a perda de Cuningham, pois a história mostra que vários

colégios foram fundados através da ação missionária. O reverendo Natanael descreve o

esforço de colocarem em funcionamento três escolas para combater o analfabetismo no meio

religioso. Essas escolas proporcionavam ensino gratuito e eram mantidas através de ofertas. O

alvo do reverendo Natanael era substituí-las pelo Colégio Sete de Setembro. Para realizar tal

empreendimento chegou a pedir oferta (VIANA, 2004, p. 157). Na cidade de Cedro houve a

tentativa de implantar um colégio presbiteriano em 1927, fato que gerou uma luta contra os

líderes religiosos católicos daquela cidade que queriam impedir o empreendimento. Esses

líderes entraram em greve, retiraram-se da cidade e o bispo do Crato extinguiu a paróquia

revoltado por não conseguir o intento. Em 1º de julho de 1927, o colégio foi inaugurado e,

justamente, um mês depois, um grupo de adeptos católicos invadiram-no e destruíram seus

móveis (RIBEIRO, 1991, p. 163).

Quanto ao uso do jornal, como meio de propaganda do protestantismo, tinha

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duplo objetivo: servia tanto para informar como para integrar os fiéis – sendo que informar é

“dar forma” às práticas sociais (CERTEAU, 1994, p. 260).49

Esse meio de divulgação era tido

como tão necessário (e eficaz) que a maioria dos pastores usaram-no: O reverendo De Lacy

Wardlaw foi muito conhecido devido aos seus artigos escritos em jornais de grande circulação

como, por exemplo, o jornal O Século de Natal. No Ceará, ele chegou a publicar

semanalmente artigos doutrinários na coluna “Tribuna do Povo” do jornal Libertador, e no

jornal Cruzeiro, da Vila de Baturité. Havia publicação de anúncios de cultos no jornal O

Libertador.50

Para o reverendo De Lacy, o uso de jornais fazia parte de sua metodologia

(“meios”) como ele mesmo afirma em artigo no jornal Libertador, de 20 de fevereiro de 1886:

Até hoje temos pregado o Evangelho nas reuniões da Congregação [domigos

e quantas-feiras] e por meio de Bíblias e folhetos, vendidos e distribuídos

gratuitamente. Vamos continuar usando dos mesmos meios: [...] e além

destes meios aproveitando secções de Publicações solicitadas e da Tribuna

do Povo, vamos espalhar pela imprensa as boas notícias de Salvação e

esperamos dar notícias do progresso do Evangelho no Brazil [sic] e n‟outras

terras (apud OLIVEIRA, 2006, p. 153).51

O reverendo Jeronymo Gueiros através do jornal A República travou uma luta

contra padres católicos do Seminário Diocesano de Fortaleza. O jornalista José Damião, que

assumira a fé presbiteriana, andou pelo campo do confronto e da polêmica. Os versos que

seguirão dão-nos uma ideia de sua indignação contra os católicos bem como do ânimo com

que era travado tal embate:

Na área do cemitério

Um animal da batina,

Um turco, um maometano

Um judeu, um muçulmano,

Que digo? – um padre romano,

Desprezou, escarneceu

A caridade divina...

Ó animal de batina!

Ó malta de estupidez!

Aonde foi que Deus fez,

Cavalo, em que paragem

A Escritura te ensina

Que a imagem é obra divina,

49

Um dos jornais da instituição presbiteriana que teve um impacto muito forte na vida da Igreja presbiteriana no

Nordeste foi o jornal O Norte Evangélico de Recife que, além de prestar um serviço de cultura geral, integrava

todo o presbiterianismo através de orientação e notícia da Igreja no Brasil e no Mundo. 50

Texto publicado em 22 de março de 1883 no jornal O Libertador (apud GADELHA, 2005, p. 84): “Culto

Público nos domingos às 10 da manhã e nas quartas-feiras às 7 da noite, à Rua Senador Pompeu nº 59, pelo Rev.

De Lacy Wardlaw”. 51

A propaganda protestante desenvolvida pelo reverendo De Lacy nos dois primeiros anos de sua atividade no

Ceará é bastante considerável. Foram vendidas 467 Bíblias e 164 foram ofertadas. Quanto aos folhetinhos, foram

vendidos 4.176 e ofertados 2.340, a uma população estimada em 30.000 habitantes (OLIVEIRA, 2002, p. 37).

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Ó animal de batina!52

Foi no jornal Unitário (1903-1918), de tendência liberal, que abrigou as respostas

protestantes do reverendo Natanael Cortez aos ataques dos polemistas católicos através do

jornal Correio do Ceará. O jornal Unitário teve como redator o ilustre jornalista (polemista!)

João Brígido (1829-1921). Segundo se anunciou no jornal maçônico Fraternidade (1872),

uma das suas maiores participações foi na campanha “em prol do progresso e da civilização,

contra o jugo católico que alimenta a ignorância do povo” (apud CARDOSO, 2002, p. 11).

Foi essa postura do seu redator que abrigou a propaganda protestante no seu seio. Também

levou o arcebispo Dom Manuel a deflagrar uma intensa campanha contra o Unitário ao

publicar a carta pastoral de 15 de dezembro de 1916 contendo uma proibição aos fiéis

católicos para não o lerem. Este fato fez com que o reverendo Natanael Cortez decidisse não

mais publicar os artigos no Unitário. Essa decisão não foi aceita pelo seu amigo João Brígido

(SOUZA, 2000, p. 51-52).

No jornal Unitário o reverendo Natanael Cortez publicava seus artigos e defesas

para uma clientela ávida por conhecimento, debate e posicionamentos. Estava em “moda”,

neste período de firmação da República, jogar pedra no “telhado de vidro” da Igreja Católica.

Enquanto na Capital havia todo um conjunto de intelectuais e toda uma elite formadora de

opinião com tendência liberal, no interior prevalecia o aspecto intenso da religiosidade que ao

menor “boato” sobre a presença protestante acendia o espírito de “inquisição” motivado por

sermões inflamados. Duas unidades pode-se detectar nesse jogo de poder de massa, a saber: a)

a unidade católica, que diante de qualquer ameaça à sua hegemonia torna toda sua rede de

igrejas num bloco de ameaças ou repúdio popular; e b) os jornais (defensores/polemizadores),

que mesmo atingindo apenas a elite formam um bloco de formação de opinião (mediado pela

fofoca).

No centro de todo esforço estava a busca da “credibilidade” do discurso. Michel

de Certeau (1994, p. 241) define-a como “aquilo que faz os crentes se moverem”. E

acrescenta: “Ela produz praticantes. Fazer crer é fazer fazer. Mas por curiosa circularidade a

capacidade de fazer se mover – de escrever e maquinar os corpos – é precisamente o que faz

crer.” Os discursos ganham credibilidade quando se faz crer que o relatado condiz com a

“realidade”. Tanto de um lado como do outro (protestantes e católicos) buscam apresentar

suas versões como condizentes com as antigas crenças e os antigos discursos. É o peso da lei

que força a prática.

Não se pode deixar de destacar a importância da panfletagem na divulgação das

52

Versos em resposta a um sermão de um padre proferido no Cemitério de Fortaleza (VIANA, 2004, p. 62-3).

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Escrituras e nos embates doutrinários. Também foram editados livros, bem como traduzidos

com o intuito de formar e informar a Igreja e o povo em geral. Esses livros e panfletos criaram

mentalidades, pois sua intenção era também “fazer-crer”.

A estratégia protestante de conquistar a mente dos brasileiros teve seus efeitos,

mas não como esperado. Serviu para levar o protestantismo à sua consolidação não a sua

inserção plena na sociedade. Quanto a isto Michel Foucault (1986, p. 14) apresenta uma

possível resposta a esse impasse: “O problema não é mudar a „consciência‟ das pessoas, ou o

que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da

verdade.” Verdade, segundo ele, não é o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a

fazer aceitar. Este foi o combate do protestantismo na sua pretensão de conquistar a mente dos

brasileiros. Pensava-se que a demonstração de uma verdade absoluta iria produzir sua

aceitação como se a sociedade estivesse em busca de uma verdade demonstrável

retoricamente. Michel Foucault (1986, p.13) ressalta que a verdade é “o conjunto das regras

segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos

específicos de poder.” Assim, o que está em jogo, em si, não é a verdade, mas o estatuto da

verdade e do papel econômico-político que ela desempenha (a verdade não existe fora do

poder ou sem poder). A verdade é um mecanismo social e político de produção de distinção

dos enunciados verdadeiros dos falsos. A verdade é funcional. O liberalismo considerava que

o protestantismo teria uma função política no Brasil, isto é, que os enunciados protestantes

produziriam um estatuto que mapearia o funcional em oposição ao estatuto católico

(economia política da verdade). Michel Foucault (1986, p. 13) apresenta as características

dessa “economia política” da verdade:

...A „economia política‟ da verdade tem cinco características historicamente

importantes: a „verdade‟ é centrada na forma do discurso científico e nas

instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação

econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção

econômica, quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de uma

imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação

ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não

obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o

controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos

políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de

comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social (as

lutas „ideológicas‟).

A luta protestante foi para anular uma “política geral” da verdade , isto é, “os tipos

de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros” (FOUCAULT, 1986, p. 12).

Contudo, a visão de mundo influenciada pelo revival americano do século XIX levou a um

escapismo social e político, como mostrou Rubem Alves (1982, p. 35) ao afirmar que a

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“questão não é criar, transformar, mas imitar.” Vivia um platonismo de caráter ascético-

puritano e individual. Tinha em mãos os mecanismos certos, mas a teologia errada!

O protestantismo necessitava de liberdade religiosa. Sua mensagem escrita ou

falada existia em forma de propaganda a ser anunciada e publicada. O protestantismo é a

religião da palavra: palavra falada, escrita e explicada. Privá-lo do anúncio é privá-lo da

existência. Sua necessidade torna-se ontológica. Sua busca é pela sobrevivência. A

perseguição sempre esteve na mentalidade religiosa protestante como perspectiva do martírio

por razão religiosa. Desde o florescimento do protestantismo americano e a realização de uma

sociedade de leis que prezam pelos direitos humanos, ele havia colocado como valor

inegociável os direitos adquiridos pelos quais não teria motivos para sofrer e sim para serem

salvaguardados: liberdade de imprensa e de consciência. Essa é a ideologia dos missionários

que implantaram o presbiterianismo no Brasil. Ela é transferida aos futuros pastores

brasileiros. Porém, essa mentalidade logo é absorvida por aquela de herança católica que

consideram as leis no seu caráter de merecimento e não de direito (“teologia do mérito”).

Quanto a testar até que ponto a legislação era favorável à tolerância religiosa,

seria mantida. Não seria um teste, mas uma busca de fazer valer a manutenção das leis em

prol da liberdade religiosa. O Brasil, desde a Constituição de 1824, possuía leis que garantiam

a liberdade de culto, de cidadania, de propaganda e participação em cargos públicos,

conforme o Art. 179. A questão era se haveria vontade e força para cumprimento de tais leis.

Pelo otimismo de Simonton (apud RIBEIRO, 1981, p. 110), quando afirma que “qualquer

intenção do clero intolerante de interferir conosco, foi barrada pela decisiva atitude do

Governo, favorável à tolerância religiosa”, parece que a falta de vontade e força para cumprir

a lei não esteve em escassez no Brasil em relação ao protestantismo.

A Assembléia, ao falar de testar se legislação favorável à tolerância religiosa seria

mantida, estava se referindo aos direitos conquistados desde a Constituição de 1824. Esta

Constituição não seguiu o art. 14 do Projeto, que lidava com a liberdade para todas as

comunhões cristãs gozarem dos mesmos direitos políticos. Às outras religiões não-cristãs era

imposta certa restrição. O art. 5º, que substituiu o art. 14, devido a ala católica contrária a

liberdade religiosa, apenas cuidou da relação do Estado com a Igreja Católica em sua redação

final: “A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas

as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso

destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. Todas as outras comunhões cristãs foram

colocadas no mesmo nível das religiões não-cristãs. Como diz Boanerges Ribeiro (1973, p.

32), o art. 5º “se destinava, antes, a definir as relações da Igreja Romana com o Estado” e a

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limitar a liberdade das outras religiões. A pesar disso, a liberdade de culto protestante estava

permitida e protegida. Era permitida também liberdade de propaganda sem censura (Art. 179

§ 4º) e participação político e militar sem levar em conta a religião da pessoa (Art. 179 § 14).

Com a República, o Estado torna-se laico e impõe a liberdade religiosa plena.

Os protestantes partiram para os trâmites legais usando em muitos casos a

influência para fazer valer seus direitos. Isto acontecia principalmente quando aquele que

haveria de aplicar a lei era partidário religioso católico e se negava ou demorava a julgar o

assunto. Boanerges Ribeiro (1991, p. 154) escreve: “Mas nem sempre havia controvérsia, pois

às vezes o silêncio era imposto aos protestantes.” Na República buscava-se o cumprimento

máximo do direito. A luta era por tornar real a liberdade religiosa prevista por lei, mas

aviltada por toda uma construção social que era avessa ao diálogo.

Para fazer valer o direito de liberdade religiosa foi fundado o Cemitério

Presbiteriano de Vencedor (Sítio Vencedor, município de Irapuan Pinheiro). O reverendo

Natanael Cortez, tanto na Capital e como no Interior, empenhou-se por mediar os conflitos.

Nesse empenho via-se a estratégia de implantação do presbiterianismo aplicada de forma

eficaz, como se pode ver na expansão de seus limites e atuação no Ceará entre 1875 a 1930.

Reconhecer o território, atingir a mentes da população e fazer valer a lei de

liberdade religiosa foram as principais estratégias aplicadas pelo presbiterianismo no Ceará. A

partir dessas estratégias, os missionários e pastores habilitavam-se numa luta que promovia a

educação, a cultura e o direito. Quem ganhou? Acredita-se que todos os homens e mulheres

de boa-vontade!

Percebe-se que na região onde se encontrava um bispo, que promovia o

desenvolvimento local e o acompanhamento sistemático dos fiéis, a estratégia dos

protestantes não foi tão eficaz. O Baixo Jaguaribe, com a presença de Dom Aureliano Matos,

onde somente na cidade de Russas foi a implantada uma Igreja Presbiteriana, apesar do

presbiterianismo ter estado presente no início do século XX também nas cidades de Morada

Nova e Limoeiro do Norte, são exemplos. Não se pode negar que a ausência da linha férrea

nesta região tenha sido também um dos motivos. Na região Sul, onde se fez presente Padre

Cícero ou um centro de romaria a presença protestante não foi marcante no período estudado.

Reconhecer o território, conquistar a mente do povo e lutar pelos direitos da

liberdade religiosa foram as estratégias que marcaram a atuação do presbiterianismo no Ceará

e abriu-o a possibilidade do diálogo religioso. Essa liberdade que, conforme Ângela Paiva

(2003, p. 57), era valor religioso colocado em prol da busca da cidadania e da ação social.

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4. A PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NO CEARÁ E A RESISTÊNCIA

PRESBITERIANA EM BUSCA DO DIÁLOGO

4.1. O REINO DO ANONIMATO: PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA E

ESTIGMATIZAÇÃO

A perseguição religiosa encontra-se dentro da categoria da intolerância religiosa e

significa um conjunto de ações sistemáticas que desencadeiam processos de exclusão,

estigmatização e violência. Apreender a natureza e a função da perseguição religiosa dentro

de um olhar sociológico é desvendar parte da própria natureza e função da socialização

humana na sua busca de mapear os espaços de convívios e de significação histórica, cultural e

relacional. É também perceber a relação de poder. Um poder efêmero que se revela como um

processo de relações autoritárias e alienantes que infligem as leis objetivas em troca daquelas

subjetivadas e exteriorizadas na “crença”. No dizer de Michel de Certeau (1995, p. 91) seria o

“reino do anônimo”: “Desse modo, desenvolve-se um poder sem autoridade, pois ele se

recusa a manifestar-se, não tem nome próprio nem ninguém que o autorize expressamente ou

a quem preste conta. É o „reino do anônimo‟, uma „tirania sem tirano‟: o regime burocrático.”

A perseguição religiosa se ergue como o “reino do anonimato” na medida em que

não se tem um responsável ou uma responsabilidade. Ela não é um “atentado” terrorista ou

atentado religioso, onde alguém se responsabiliza pela ação em nome de uma reivindicação. O

anonimato encontra-se na força da massa que faz parte do processo de ação em nome do

coletivo. O coletivo é anônimo. Encontra-se, também, na inversão que Michel de Certeau

(1995, p. 92) descreve: “...substitui os responsáveis por beneficiários e os sujeitos por

explorados.”

Norbert Elias e John Scotson (2000, p. 121-133) mapearam a estrutura (natureza e

função) de uma das principais formas de violência da perseguição religiosa: a fofoca. Ele

observa que a fofoca serve como “agente de seleção”. Para Elias e Scotson, a fofoca “não é

um fenômeno independente.” Ela encontra-se em dependência “das normas e crenças

coletivas e das relações comunitárias”. Assim, uma pessoa recém chegada em uma

comunidade já é vista e tida como tal a partir dessas normas e crenças. A exclusão e o estigma

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acontecem nesse momento. Tudo o que o outro faz passa pelo crivo da fofoca. Caso ele não

consiga ou não queira se incluir no grupo, será excluído através desta forma de

“comunicação”.

Norbert Elias e John Scotson observa também que quanto mais coeso o grupo

mais determinante será para a existência e eficiência da fofoca, bem como da sua propagação.

A fofoca assume também o papel de estigmatizadora do outro ou de aceitação. Diz Norbert

Elias e John Scorson (2000, p. 121): “Estruturalmente, porém, a fofoca depreciativa [blame

gossip] é inseparável da elogiosa [pride gossip], que costuma restringir-se ao próprio

indivíduo ou os grupos com que ele se identifica.” A sociodinâmica da estigmatização

(condições em que um grupo consegue lançar um estigma sobre outro) remete a própria

função da figuração. Ela acontece a partir da auto-representação que os estabelecidos faz de si

como “humanamente superiores”. “Os de fora” são pessoas de menor valor humano, falta-lhe

a virtude humana superior e são menos educados. A estigmatização social não é apenas um

simples desprezo em relação as pessoas individuais (preconceito). A estigmatização social diz

respeito a individualidade da pessoa, e também a sua pertença a um grupo tido por inferior ou

diferente do grupo formador do estigma. Elias e Scotson (2000, p. 23-24) escrevem:

A peça central dessa figuração é um equilíbrio instável de poder, com as

tensões que lhe são inerentes. Essa é também a precondição decisiva de

qualquer estigmatização eficaz de um grupo outsider por um grupo

estabelecido. Um grupo só pode estigmatizar outro com eficácia quanto está

bem instalado em posições de poder das quais o grupo estigmatizado é

excluído. Enquanto isso acontece, o estigma de desonra coletiva imputado

aos outsides pode fazer-se prevalecer. O desprezo absoluto e a

estigmatização unilateral e irremediável dos outsiders (...) apontam para um

equilíbrio de poder muito instável.

A estigmatização é uma arma usada na disputa do poder ou na sua manutenção. O

grupo mais forte incute na auto-imagem do grupo menos forte o estigma social, considerando-

o de valor inferior, com a intenção de enfraquecê-lo e desarmá-lo. Na medida em que a

desigualdade de desequilíbrio de poder diminui o grupo menos forte usa da contra-

estigmatização, no dizer de Michel Foulcault (1986, p. 175):

...o poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em

ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente

manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma

relação de força.

A estigmatização social é uma forma de exercer o poder. Onde existe poder, existe

resistência. Michel Foucault (1986, p. 175 e 241) quando afirma essa realidade destaca que

“...o poder é essencialmente repressivo” e para “resistir, é preciso que a resistência seja como

o poder. Tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele. Que, como ele, venha de „baixo‟

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e se distribua estrategicamente.” Assim, não é por acaso que a violência é gerada dessa

situação de embate de grupos sociais.

A auto-representação com o rótulo de “valor humano superior” e a estigmatização

do outro grupo como de “valor humano inferior”, segundo Elias e Scotson (2000, p. 24), “é

uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter

sua superioridade social”:

Nessa situação, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso ao

menos poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com isso,

enfraquecê-lo e desarmá-lo. Consequententemente, a capacidade de

estigmatizar diminui ou até se inverte, quando um grupo deixa de estar em

condições de manter seu monopólio das principais fontes de poder existentes

numa sociedade e de excluir da participação nessas fontes outros grupos

independentes – os antigos outsiders. Tão logo diminuem as disparidades de

força ou, em outras palavras, a desigualdade do equilíbrio de poder, os

antigos grupos outsiders, por sua vez, tendem a retaliar. Apelam para a

contra-estigmatização...

A participação no carisma grupal depende da submissão às normas estabelecidas.

“Os de fora” por não obedecerem as normas estabelecidas são tratados como “anômicos”.

Daí, a evitação de qualquer contato social com eles por “medo da poluição”. A exclusão

torna-se inevitável. Ela se torna uma poderosa arma para preservação da identidade e

afirmação da superioridade.

O termo “estigma” foi criado pelos gregos para referir-se a sinais corporais que

apontavam para algo “de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava”

(GOFFMAN, 1988, p. 11). As relações sociais acontecem a partir de determinada

expectativas em relação ao comportamento do outro. A sociedade estabelece os meios de

categorizar as pessoas e os atributos aceitáveis. Diante do “outro”, é-se buscada sua

“identidade social” nessas pré-concepções tidas como naturais para a sociedade. O conjunto

dos atributos é denominado identidade social. Goffman afirma que em situações como esta

(contato inicial com outrem) em geral transforma-se as pré-concepções em expectativas

normativas, mantendo exigências rigorosas sobre as condutas do outro. Tais expectativas e

exigências configuram o que ele denomina de identidade social virtual. O indivíduo em

interação poderá comprovar ou desmentir as expectativas, apresentando sua identidade social

real. Nos casos em que o indivíduo apresenta determinado atributo indesejável, que o

descredencia para a relação, apresenta um estigma. Goffman (1988, p.13) define estigma: “O

termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo,

mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um

atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade a outrem...” E completa: “Um

estigma é, então, na realidade, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo.” Um

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indivíduo apresenta determinado atributo que o desvaloriza, e outro com quem mantêm

contato irá percebê-lo estereotipadamente, isto é, somente por meio do atributo indesejável,

sem possibilidade de perceber suas demais características.

Na estigmatização surge a fantasia coletiva criada pelo grupo estabelecido. De

acordo com as fofocas, segundo a fantasia coletiva vivida no Nordeste brasileiro, os

missionários possuíam os pés fendidos, como de porco ou bode. Esta situação fez com que

alguns missionários, para quebrar essa fantasia, precisassem tirar o sapato e mostrar os pés

para serem aceitos. O estigma é coisificado e torna-se um estigma material. Ao lado desse,

inventa-se uma proto-história que justifica toda a violência contra o outro grupo. A história do

grupo rival é recriada para dar o suporte a todos os estigmas. Quanto ao protestantismo, sua

historia foi reinterpretada, segundo os estigmas, para justificá-los a partir das origens. No caso

do protestantismo, muito se falava que “os crentes” seguiam o monge Lutero que, para se

casar com uma freira, abandonou a Igreja Católica. Por detrás, dessa interpretação está a

justificação do estigma (a proto-história).

Os jornais serviram de meio de estigmatização e propagação de fofocas. Os

estigmas lançados no papel passavam a fazer parte do imaginário popular. Os artigos tinham

por finalidade fazer com que uma informação tornasse alvo de fofoca. As últimas notícias

eram, na verdade, as últimas fofocas.

4.2. O PRESBITERIANISMO CEARENSE E A BUSCA DA TOLERÂNCIA

É a partir dessa relação de poder e dessas interações de arranjo social que se

explorará a questão da perseguição no Ceará. Vê-se claramente que a perseguição religiosa se

revela no Ceará como uma rede de fofoca, censura, violência e estigmatização. Revela-se

como confronto entre os estabelecidos (católicos) e o novo grupo social (protestantes). O

objetivo, porém, será apenas constatar o objeto. Não se deterá em teorizar essas redes de

violência religiosa.

No Nordeste, a ação antiprotestante foi mais constante e às vezes mais violenta.

Léonard (1981, p. 112) destaca que o Nordeste foi, de forma particular, palco de “uma

atmosfera de tensão progressiva”. Segundo ele, isto aconteceu devido a existência de “choque

de elementos caracteristicamente ofensivos, tanto do lado católico como protestante, aos quais

se aliaram personagens políticas transformando as discussões religiosas, muitas vezes, em

lutas políticas”. Havia o comparecimento de autoridade superior, mas muitas vezes

prevalecendo a morosidade. Considerando-se os conflitos inerentes às tentativas de expansão

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do protestantismo, verifica-se que também os protestantes tiveram apoio suficiente para

estabelecer suas igrejas.

Quanto ao Ceará, não foi diferente. Boanerges Ribeiro (1991, p. 153) faz sua

análise: “A reforma religiosa no Ceará não prosperou sem lutas, da polêmica ao tumulto, ao

quebra-quebra, à destruição de locais de culto presbiterianos, à agressão física.” A

implantação foi dada em forma de “conquista” do espaço religioso. Não houve uma inserção

sem resistência. Eduardo Campos (VIANA, 2001, p. 08) também afirma que:

...não se excluíam os exageros do fanatismo inconseqüente, a ameaçar, e

truncando muita vez o exercício religioso dos que dissentiam do catolicismo,

repulsa que, em certos momentos de maior exaltação, chegava à insensatez

de negar sepultura a quem renunciara ao catolicismo.

Fatos dessa natureza vão-se verificar, de modo deplorável, em Iguatu, em

Aracoiaba, em Aurora (CE).

Essa postura de fanatismo religioso era exceção. A perseguição acontecia mais na

sua forma psicológica e ideológica do que física. É inegável que uma população movida por

insinuações, pelo medo e pela religiosidade pode alcançar ânimo de revolta popular ou

individual em nome de sua religião. Leonard (1981, p. 35-36) esclarece que tal espírito de

ânimo não era aquele de Contra-Reforma, pois o Brasil nunca assumiu tal postura. Era

característica da religiosidade católica no Brasil que beirava a superstição, como expressa

Hermínio Oliveira (1985, p. 23): “O ensino da religião foi sempre acompanhada da ameaça do

fogo do inferno, com seus diabos horríveis, para todos aqueles que ousassem desobedecer a

Deus”. Ou como esclarece Riolando Azzi (1985, p. 32-33), lembrando que no período da

Reforma Católica (1840-1920), prevalece a “Teologia do Mérito”.53

Esta teologia foi

influenciada pela Revolução Comercial cuja ênfase encontrava-se no lucro que provem da

atividade econômica. A partir dessa perspectiva, buscava-se a atividade espiritual, tida de

valor eterno, de onde, cria-se tirar os verdadeiros lucros, os méritos para o céu.

As perseguições no Ceará ao protestantismo, como nos informa Agileu Gadelha

53

A “Teologia do Mérito”, como é apresentada por Riolando Azzi (1985, p. 32-3), é uma continuação da

“Teologia do poder espiritual” (ambas, marcas da Reforma Católica de 1840-1920). Ela enfatizava o poder do

clero em sua piedade de dirigir o povo através da pastoral sem participação política. A Teologia do Mérito é

adaptação da Teologia do poder espiritual à mentalidade burguesa católica que se firma a partir do espírito

mercantilista introduzido pela Revolução Comercial. A nova burguesia urbana se caracterizava principalmente

pela ênfase na atividade econômica visando o lucro. O ascetismo católico tomou emprestado esta concepção.

Daí, a partir da concepção ascética existem dois tipos de atividades no mundo: a política e econômica (de valor

passageiro) e a atividade espiritual (de valor eterno). A terra deixa de ser o lugar de exílio para tornar-se o lugar

de “provação”. As práticas religiosas são atividades que renderão lucros, méritos no céu. Duas consequências

podem-se enumerar como fruto dessa teologia: primeiro, a ação pastoral passa a ser orientada pela diversidade

das obras religiosas (confissões, penitências, etc.); e, segundo, o trabalho pastoral é medido pelo êxito na

promoção destas obras religiosas (quantidade de confissões, batismos, etc. realizado pelo sacerdote). Se o pecado

é um impedimento ao recebimento do lucro, a confissão e os sacramentos (mediados por outras práticas e

devoções) equilibram a balança do juízo.

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(2005, p. 87), não ocorreram somente no âmbito da Igreja Católica. Os políticos também

tomaram partido. A Assembléia Legislativa do Ceará votou um imposto de quinhentos mil

reis sobre negociante ou vendedor de livros acatólicos. O reverendo Wardlaw, missionário

presbiteriano em Fortaleza, reagiu através das colunas do jornal O Libertador:

...Depois de Pôncio Pilatos, depois da matança de São Bartolomeu, depois

das fogueiras, depois do Index, vem um imposto de quinhentos mil réis

sobre negociantes ou vendedor de Bíblia e outros livros acatólicos (apud

GADELHA, 2005, p. 87).

Como se vê, em determinado momento era o Estado que assumia o espírito de

oposição. Às vezes o povo era incitado ao fanatismo ou à superstição como assim fez padre

Cícero quando em 1917 dois colportores visitaram Juazeiro. O mesmo proibiu a venda de

bíblias e livros e ameaçou com penas rigorosas quem ousasse por a mão em tais literaturas. O

povo então passou a se benzer quando avistavam os colportores com receio da excomunhão

do santo padrinho.54

Em outras circunstâncias, o povo era incitado à chantagem emocional

como no caso do padre Lima que publicava que se não expulsassem os protestantes ele se

suicidava. Em Barbalha, uma placa na entrada da cidade anunciava seu repúdio: “Alto lá

Senhores Protestantes. Barbalha de Santo Antônio já está evangelizada” (GADELHA, 2005,

p. 106). Em Quixadá o reverendo Natanael Cortez pregou pela primeira vez com dois guardas

de um lado e do outro da porta para que o povo não o linchasse.55

Em Várzea Alegre, houve

queima de Bíblias. Estes acontecimentos reforçam a afirmação anterior de que no interior do

Ceará o catolicismo popular era pulsante.

O reverendo Wardlaw sofria nas ruas de Fortaleza zombaria dos adolescentes. Em

Baturité, certa vez, quando ia tomar suas refeições lançavam terra no seu alimento. Ele foi

socorrido pelo Sr. Alxêncio Rodrigues que levando para sua casa pôs comida para ele. Esta

família veio a tornar-se uma referência do presbiterianismo naquela cidade (GADELHA,

2005, p. 88). Nesta mesma cidade, em visita com o missionário leigo Calvin Porter e de J. R.

Smith, ao celebrar o culto foi surpreendido pela multidão com buzinas de chifres e barulhos

de lata batendo de forma que não se podia ouvir o pregador. Durante, uma hora, sob o risco de

morte, os missionário ouviram os gritos de guerra: “Nossa religião é a do Estado” e “Nosso

Cristo é o Cristo da hóstia” (OLIVEIRA, 2002, p. 48). Relatos indicam que algumas famílias

foram expulsas da cidade devido a sua adesão ao protestantismo. Se os documentos contêm

relatos de perseguição aos missionários e pregadores, as memórias populares, como

documentos históricos, dispõem de relatos de pessoas simples que se viram tolhidas de sua

54

Fato relatado no jornal Norte Evangélico de 22 de agosto de 1917 (RIBEIRO, 1991, p. 154-155). 55

Foto da Congregação Presbiteriana em Quixadá em 1922 (anexo 06).

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liberdade devido a adesão ao protestantismo.

O centro da perseguição religiosa no Ceará foi a cidade de Cedro tendo em vista

que ali também se tornou um centro da divulgação do presbiterianismo. Dali o

presbiterianismo chegou em Medeiros, Boa Sorte, Lavras, Aurora, Juazeiro, Crato, Parambu e

Tauá. Também em Juazeiro Redondo, Serra da Donana, Baixio Verde e Xique-Xique.

Natanael Cortez (1965, p. 48) registra: “Centro de evangelização da zona, Cedro sofreu cruéis

perseguições. O pastor e outros obreiros que por ali passaram tiveram suas vidas em perigo

várias vezes, entre estes obreiros, o reverendo A. Teixeira Gueiros, e reverendo Benedito

Aguiar.”

O caso mais marcante na cidade de Cedro foi a perseguição do padre Lima à

Igreja Presbiteriana nesta cidade. O padre José Lima, que se mostrou o grande opositor do

presbiterianismo no Estado, era homem de temperamento sanguíneo. Em Várzea Alegre

chegou, autorizado pelo bispo do Crato Dom Quintino, a interditar a Matriz e excomungar até

o prefeito por se recusar a comprar o “patrimônio de São Raimundo”. O mesmo preferia

continuar pagando somente o foro anual. O padre Lima pretendia arrecadar com a venda dos

lotes dinheiro para o suposto banco que Dom Quintino queria abrir no Crato. Desse

descontentamento da elite da cidade é que surgiu o convite ao presbiteriano Sebastião Gomes

para pregar na cidade com todas as garantias e plena liberdade concedida pelo Cel. Antônio

Correia, que era chefe político da cidade e muito prestigiado. Sebastião Gomes pregou por

dez dias na cidade através de cultos regulares e distribuiu folhetos e Novos Testamentos. Esse

fato ocorreu em setembro de 1921 (RIBEIRO, 1991, p. 160).

O padre Lima, visitando Várzea Alegre e ao encontrar o reverendo Natanael

pregando, posteriormente, voltou para Cedro e através das pregações insuflava os paroquianos

contra os protestantes. Em 1922, foi o ano mais crítico. O padre Lima usou de todos os meios

– psicológicos, políticos e físicos – para tumultuar a vivência do presbiterianismo naquela

cidade. Quando um membro da Igreja Presbiteriana doou uma casa localizada no centro da

cidade e próxima a Matriz para a realização dos cultos, o padre ameaçou dinamitá-la. Tão

grande foi a questão que foi necessária a presença de um delegado militar de Fortaleza. Como

o patrimônio do Cedro pertencia a São João, o padroeiro local, o padre Lima alterou a

documentação do local passando o lote para a Prefeitura que, em reunião secreta na Câmara

de Vereadores, decidiram pela desapropriação da casa construída sobre o lote. O reverendo

Natanael Cortez trouxe dois advogados de Fortaleza com recurso judicial. O prefeito também

apelou para seus correligionários políticos em Fortaleza. Finalmente, o processo encalhou na

justiça, principalmente devido aos meios usado pelo padre Lima para impedir o progresso do

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mesmo. Por fim, a casa não foi usada para fins religiosos (RIBEIRO, 1991, p. 161).

A situação começou a ficar dramática. Na missa matutina do Natal de 1923, o

padre endureceu seu discurso: “Ou vocês expulsam esses protestantes ou eu me suicido”. Essa

fala produziu efeito. À noite invadiram a casa de cultos presbiteriana e incendiaram a mobília.

Foi aberto inquérito policial que logo desapareceu. Os dois filhos do prefeito e um seminarista

estavam implicados nesse inquérito. O pior estava para acontecer. Na noite de 17 de junho de

1925, um grupo de arruaceiros, diante da casa de cultos presbiterianos tentam impedir sua

realização e outros perseguem um grupo de presbiteriano. Algumas bombas estouram, e uma

criança católica cai, aparentemente ferida. A versão que se alastra, na mesma noite, é que a

criança foi baleada pelos protestantes, tendo a bala atingido acima do rim e saído do outro

lado, o que logo produziu revolta. No dia seguinte ao ocorrido, a casa de cultos presbiteriana

amanheceu em chamas. Esse cover-up ganhou força quando o jornal O Nordeste de Fortaleza,

de apoio católico, noticiou com indignação o caso da criança baleada por protestantes

(RIBEIRO, 1991, p. 162). Gledson Oliveira (2002, p. 42), falando sobre a força dos boatos,

esclarece:

A tentativa de impedir a atividade presbiteriana parece seguir uma lógica

bem clara, variando do acionamento jurídico ao ataque à imagem de seu

líder e membros. Em um jornal de circulação de 3.000 exemplares, como o

Libertador, as denúncias aos protestantes arranhariam a estima da empresa

missionária. O povo cria e recria a bel prazer acontecimentos em seu

cotidiano que não necessariamente precisam ser verdadeiros. As

potencialidades da oralidade possuem longo alcance nas vidas dos atores

dificultando para congregação tão pequena como presbiteriana remediar tais

fatos.

O reverendo Natanael Cortez ao receber a notícia prontamente se solidarizou, por

carta, com o pai da criança, o Sr. Joaquim Marques, prometendo que o culpado sofreria

sanção penal e eclesiástica. Tal providência não seria necessária, pois Antônio Pereira,

membro da Igreja Presbiteriana em Cedro, relata-o que a criança que havia sido baleada na

quarta-feira foi vista por ele brincando na quinta, quando de sua visita à família. No sábado

alguém também indicava ao Sr. Pereira que tal menino que estava correndo e brincando com

as outras crianças na rua era o menino “baleado”. O que havia acontecido é que os arruaceiros

soltaram bombas vindo a quase provocar um grande acidente. O padre Lima, diante do fato,

fingiu acreditar que houve um “milagre” de cura na criança (VIANA, 2001, p. 274-275).

Por último, o padre planejou a morte do reverendo Natanael Cortez. No culto

comemorativo ao primeiro ano da inauguração do templo da Igreja Presbiteriana (não mais

construído na casa próximo a Matriz) seria o dia ideal para tal feito. Tal empreendimento

tornou-se conhecido de Pedro Ramos, sargento do exército, através de seu amigo Natanael

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Cortez. Na hora do culto, ao principiar a pregação, Natanael foi interrompido pelo barulho de

vozes de uma multidão em procissão que vinha em direção ao templo. Pedro Ramos, que se

fez presente no culto por precaução, correu à rua e, de arma em punho, deu voz de prisão ao

padre e dispersou a multidão que o acompanhava. No jornal Correio do Ceará, o reverendo

Natanael afirmara em entrevista: “Mais uma vez o Senhor socorreu-me em sua providência”

(apud SOUZA, 2000, p. 47).

Em 1927, o reverendo Benedito Aguiar assumiu o trabalho presbiteriano em

Cedro. O mesmo declarou através do jornal Norte Evangélico: “Não temos nesta cidade

nenhuma garantia de vida. As autoridades estão de comum acordo com o padre” (apud

RIBEIRO, 1991, p. 163). O próprio reverendo Aguiar viu um mês depois da inauguração do

Colégio Gonçalves Dias, presbiteriano, ser invadido e ter seus móveis destruídos. A

permissão para funcionamento desse colégio levou o bispo do Crato a extinguir a paróquia,

depois dos padres declararem greve e retirarem-se da cidade. Foi aberto inquérito sem

nenhum resultado.

A atitude do padre Lima era seguida por outros. O reverendo Natanael Cortez,

percebendo que se tornava comum mais sacerdotes nas cidades iniciarem suas investidas

contra o protestantismo, como no caso de Senador Pompeu através do padre Lino, escreve

com certo receio:

Fico maravilhado com o ver que o vigário de Senador Pompeu quer imitar o

do Cedro.

E se outros lhe seguirem o exemplo, onde iremos parar?

Teremos, cedo, a inquisição aqui na terra de Iracema.

Onde estamos nós? Será já efeito da sonhada reforma da Constituição?

Com a ação das autoridades e com o apelo feito noutro artigo ao sr.

Arcebispo do Ceará, ao sr. Bispo do Crato, espero paradeiro a tais desatinos

(VIANA, 2001, p. 271).

Somente a partir de 1928 é que a tensão foi superada. Isto aconteceu devido a

grande influência do reverendo Natanael Cortez na política, como deputado estadual e amigo

do governador Matos Peixoto, que tornou a aceitação do presbiterianismo uma realidade. Na

própria cidade de Cedro, o reverendo Alcides Nogueira que pastoreou entre 1928 e 1930 foi

orador em recepção oferecida pela cidade ao Governador. Também foi convidado para

candidatar-se a prefeito da cidade tendo recusado. A Igreja Presbiteriana de Cedro foi

organizada em 1929.56

Na cidade de Acopiara, até hoje é conhecido da população uma rua (que hoje

recebe outro nome) cujo nome é prova do estigma com que os protestantes eram marcados.

56

Foto na Igreja Presbiteriana de Cedro em 1929 (anexo 04).

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Essa rua era conhecida como “alto dos bodes”. Conforme indica o imaginário das pessoas que

ali habitam, principalmente os da terceira idade, o motivo desse nome era porque ali moravam

alguns protestantes. Em várias cidades cearenses é possível identificar no imaginário popular

ruas identificadas com tais estigmas.

Como é sabido, os protestantes eram chamados de “bodes”. Esse apelido trazia em

si um sentido pejorativo, de cunho religioso, considerando o que Jesus dissera: que ele

separaria no último dia os bodes das ovelhas. Foi fácil considerar que aqueles que saíram do

rebanho da “madre Igreja” eram os bodes – escatologicamente excluídos.

Em Acopiara ocorreram dois fatos de extrema importância histórica para se

perceber quão intensa foi a perseguição religiosa em certas regiões do Ceará. Nesta cidade,

por volta de 1910, o templo da Igreja Presbiteriana foi destruído totalmente e o responsável

pela congregação, o pregador Raimundo Ferreira, obrigado a se transferir para Iguatu para não

ser morto. O reverendo Natanael Cortez que, foi testemunha desses fatos, pois havia ajudado a

construí-la, também nesta mesma cidade se livrou de uma emboscada na estação ferroviária

da R. V. C. de Acopiara quando aguardava condução para visitar a Congregação de

Vencedor.57

Depois de hospedado no hotel da cidade (Hotel Matos), chegou Raimundo

Nogueira e incitou-o a partir às pressas, pois o padre da cidade havia convocado o povo para

fazer uma procissão com o intuito de expulsá-lo da cidade. O destino da procissão era o Hotel

Matos. O herege protestante que escreveu os artigos pelo “Unitário” contra a Igreja Católica

haveria de ser expulso (ou morto!). O reverendo Natanael teve que sair às pressas, atravessar

um rio a nado (pois era inverno e o rio Quincoé estava com grande vazão) e andar a pé cinco

léguas (trinta quilômetros) durante toda a noite, pois não tinha cavalo no momento (CORTEZ,

1965, p. 96-97). Contudo, o que se considera mais marcante é a fundação do Cemitério

protestante na comunidade de Vencedor (Irapuan Pinheiro), hoje administrado pela Igreja

Presbiteriana de Ebenézer, localizada na comunidade de Carretão, município de Acopiara.58

Cemitérios dizem muito ao historiador. Eles são museus que contém histórias

guardadas no esquecimento ou na memória de seus visitantes. Os túmulos são templos e são

moradas do passado. As pessoas que viveram e que hoje através da expressão de seu nome,

família e catacumba decifram momentos do ontem. Martin Dreher (1993, p. 121) comentando

sobre as vilas dos imigrantes no Sul do país na sua busca de organização da vida religiosa

escreve:

57

Foto da casa onde se reunia a Congregação presbiteriana no Sítio Vencedor, município de Irapuan Pinheiro

(anexo 08). 58

Foto da Igreja Presbiteriana Ebenezer em 1927 (anexo 09).

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Igreja e escola perfazem o centro da vila, na qual, ao lado da escola-igreja se

encontra o cemitério. Como o catolicismo fosse religião de Estado e como as

autoridades eclesiásticas se negassem a „desbenzer‟ parte do cemitério para

que nele fossem sepultados acatólicos, os imigrantes tiveram que construir

seus próprios cemitérios. Em parte ainda conservados, esses cemitérios são

dos melhores depositários de história para o estudo do protestantismo de

imigração. Neles salta aos olhos a grande quantidade de túmulos infantis,

atestando a alta taxa de mortalidade infantil. Por outro lado, os túmulos

femininos nos falam da juventude das mães que morriam em conseqüência

de partos sem assistência médica.

Também Antônio G. de Mendonça (1984, p. 21) confirma:

Também os cemitérios, administrados com exclusividade pela Igreja

Católica, permaneciam defesos aos não-católicos, o que criou para os

protestantes situações muito difíceis para o sepultamento de seus mortos. Em

alguns lugares ainda existem cemitérios protestantes, como em São Paulo e

Brotas-SP. Mas nem em todos os lugares foram estabelecidos cemitérios

protestantes; como foram sepultados os adeptos da “nova religião” não se

sabe. Mas é de se crer que tenha havido, aqui e ali, tolerância por parte da

Igreja Católica porque, caso contrário, os cemitérios protestantes teriam sido

mais numerosos.

Tratar da perseguição religiosa e mostrá-la a partir da existência material do

cemitério é ir de encontro a sua forma mais agressiva.59

O Cemitério protestante de Vencedor

(Irapuan Pinheiro) está na centralidade de nossos esforços para mostrar a luta em prol do

diálogo religioso e, principalmente, pela sua permanência como dado histórico.60

Ele é

testemunho da intransigência religiosa e da resistência protestante na sua busca do diálogo. A

história foi contada pelo reverendo Alcides Nogueira (apud RIBEIRO, 1991, p. 156-157). Seu

avô paterno, Joaquim Cândido de Sena, possuía uma fazenda de nome “Vencedor” (hoje

nome de um lugarejo). De tradicional família católica e educado no rigor da religião católica,

considerava qualquer penitência, por maior que fosse, o meio de receber o auxílio divino. Em

conversa com o padre Joaquim Ferreira Diniz, o Sr. Joaquim confidenciou a crença de que

quando na eleição dos papas, o Espírito Santo pousava sobre a cabeça do eleito.61

O padre,

por sua vez, esclarece que isso não era um fato. Mostrou-lhe que até luta sangrenta já havia

ocorrido na disputa do cetro do Sumo-Pontífice. O padre com esse esclarecimento dá a

entender que não havia ainda assumido a Reforma Católica. Esse caso ocorreu em 1860, no

município de Jaguaribe-Ce. A história não parou por aí. Entre os livros do padre Diniz, o Sr.

59

Havia também profanações contra os cemitérios protestantes como o que ocorreu no de Ubatuba, conforme

noticiado no jornal Imprensa Evangélica (RIBEIRO, 1991, p. 104). 60

O artigo de Cláudia Rodriguês (2008), “Sepulturas e sepultamentos de protestantes como uma questão de

cidadania na crise do Império (1869-1889)”, expor as dificuldades e conquistas que os protestantes tiveram que

passar para receber o cuidados devidos dos seus mortos. 61

Essa crença é própria da “teologia do poder espiritual” que também fez parte da Reforma Católica (1840-

1920). Nela se estabelece a romanização com ênfase na sacralidade da hierarquia tendo o Papa como chefe

supremo (AZZI, 1985, p. 31).

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Joaquim encontrou uma Bíblia que com permissão do padre passou a ler. Essa leitura trouxe

muita revolta em relação ao catolicismo vindo a deixar as práticas religiosas católicas. Em

1893, um parente de nome Sr. Antônio Leão, membro da Igreja Presbiteriana de Fortaleza, em

visita a fazenda, permaneceu três dias em companhia do Sr. Joaquim e esclareceu-lhe algumas

dúvidas surgidas de sua leitura da Bíblia. Anos depois, entre 1897-1900, o Sr. Joaquim

montou em seu cavalo e viajou duzentos quilômetros até chegar em Quixadá. Ao chegar nesta

cidade, tomou o trem para Fortaleza. Lá procurou a Igreja Presbiteriana, foi batizado e feito

membro desta confissão religiosa através do reverendo Reynold Baird, missionário

americano. O reverendo Alcides Nogueira (apud RIBEIRO, 1991, p. 157) comenta:

O meu avô Joaquim Cândido faleceu em 1911. O padre Francisco de Assis,

ainda que delicado e de temperamento bondoso, amigo da família, não

permitiu o seu sepultamento no Cemitério da Igreja, em obediência às

tradições eclesiásticas. Em protesto, os filhos, que eram muitos, repudiaram

o Catolicismo.

Com a morte de Sr. Joaquim surge o Cemitério Protestante de Vencedor. Também

se iniciava, através de sua família (a família Nogueira), por revolta, um núcleo do

protestantismo na Região Central do Ceará. Em 1917, ao receberem a visita do reverendo

Natanael Cortez, finalmente, começaram a receber assistência regular. De Vencedor, o

presbiterianismo chegou a comunidade de Carretão, onde em 08 de dezembro de 1929

organizou-se em Igreja. Hoje, o Cemitério é administrado pela Igreja Presbiteriana de

Ebenézer no Carretão (Acopiara).

O Ceará no início do século XX viveu uma intensa perseguição religiosa. Esse é

um fato inegável. Os testemunhos e documentos desse fato histórico estão escritos nas

memórias daqueles que passaram ou tiveram parentes envolvidos, bem como nas atas das

Igrejas Presbiterianas, nos arquivos dos jornais, e nas memórias e relatórios deixados pelos

pastores dos campos.

Aprofundar o estudo dessa temática é adentrar no sistema político e religioso do

Estado, bem como da atuação da imprensa e da justiça cearense revelando todo o jogo de

busca de poder e conivência. É também oportunidade de revelar a força de pessoas comuns

que assumem como projeto ir de encontro ao poder estabelecido, fazendo a revolução do

“pequeno burguês”. No fundo se assume o sonho liberal que buscava a melhoria social e o

progresso humano. O mais importante é que essa busca tinha um caráter todo libertário: tornar

possível que cada pessoa fosse livre para escolher sua crença e cada crença livre para escolher

seu público. No centro de tudo, a busca do diálogo como experiência de vivência cidadã e

religiosa num país que começava a se pronunciar que todos eram iguais perante a lei. A

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liberdade de consciência torna a sede de liberdade social uma realidade mais pertinente,

necessária e divulgadora. Por detrás da perseguição religiosa, via-se o fim de um modelo

político e religioso que lutava para não receber “a extrema unção”. Este moribundo

possivelmente não faleceu. E se faleceu crer-se ter “ressuscitado” em seus herdeiros. A

intolerância mantém seu legado. Em depoimento em seu blog, a senhora Regina Helena,

relata sua experiência, ocorrida em meado do século XX na cidade de Cedro, de seu

envolvimento, quando criança, na estigmatização aos protestantes:

“Essa é a Igreja Presbiteriana do Brasil em Cedro – CE [falando a partir de

uma foto por ela tirada]. Morei nessa cidade desde que eu tinha cinco anos e

aos nove anos nos mudamos para uma rua que ficava a uns 600 metros dessa

igreja, que não era a nossa, visto que minha família é católica.

Da minha casa dava pra ver a torre dela e, como o Céu de Cedro é sempre

lindo, eu ficava olhando, e como criança tem muita imaginação, achava que

ali bem podia ser a porta do Céu! Passava um tempão olhando.

Quando criança eu achava muito esquisito uma pessoa ser “crente” ou ser da

antiga UDN, já que nossa família era do PSD. A linha do trem passava em

frente à minha casa, entre nós e a Igreja, e nós ficávamos escondidos por trás

dos trens pra mexer com os crentes que passavam pra igreja. A gente

“berrava” e os chamava de “bodes”. Só que, por ironia do destino, entre

aqueles crentes estava uma família que hoje é também minha. Jevan era uma

daquelas crianças que passavam.

Só aos 14 anos nos conhecemos e começamos a namorar logo de cara.

Enfrentamos todo tipo de dificuldade e uma delas era o fato dele ser crente,

se bem que naquele tempo ele nem era mais, mas era filho e considerado

crente, como eu, que só era católica de nome, era considerada católica.

Quando a gente se casou, escolhemos a Igreja Presbiteriana pra nos dar a

bênção. E frequentei durante muitos anos e nela aprendi tudo que sei das

coisas de Deus.

Hoje sinto muitas saudades daquele tempo, desse Céu que raramente vejo.

Ainda bem que ainda tenho Jevan comigo.”62

O legado da estigmatização fixa-se na sociedade. As crianças reproduzem o que é

sentido e ensinado na família, na sociedade e no imaginário coletivo.

4.3. NATANAEL CORTEZ E SUA PRESENÇA DECISIVA NA LUTA PELO

DIÁLOGO RELIGIOSO

Na história do presbiterianismo no Ceará tem-se a presença significativa do

reverendo Natanael Cortez.63

O destaque de sua pessoa, quando nas abordagens históricas

preza-se pelos conceitos de multidão, os anônimos e as minorias para mostrar que os eventos

não ocorrem a partir da concepção positivista e sua exaltação aos vultos, quer retomar o uso

62

Disponível em: http://cantodesolidao.blogspot.com/search/label/Igreja%20Presbiteriana. Acesso em:

13/06/2011. 63

Foto do reverendo Natanael Cortez e imagem da capa de seu livro Os dois tributos (anexo 12).

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do conceito “herói”.

Conforme Sidney Hook (1962, p. 130): “O herói, na História, é um indivíduo a

que podemos com justiça atribuir influência preponderante na determinação de um desfecho

ou acontecimento cujas conseqüências teriam sido profundamente diferentes se ele não

agisse.” A aceitação do herói não exclui a importância da participação dos agentes anônimos.

Hook considera pertinente fazer uma distinção entre o “herói como homem-momento” e o

“herói como homem-época”. Seguindo a conceituação de Hook, pode-se dizer que o

reverendo Natanael Cortez é um homem-época, “cujas ações são as conseqüências de

extraordinária capacidade de inteligência, vontade e caráter, em vez de acidentes de posição.”

O reverendo Natanael Cortez nasceu em Açu, Estado de Rio Grande do Norte, em

12 de janeiro de 1889. A família tomou residência em Senador Pompeu no Ceará. O pai,

Ismael Pegado de Siqueira Cortez, faleceu cedo tendo o reverendo Natanael apenas dois anos.

Isto o levou a principiar cedo no trabalho. Em 1903, com catorze anos, vê-se em emprego na

Estrada de Ferro de Baturité. Logo, chega a oficial de pedreiro.

De família católica, o pai recebeu uma Bíblia do reverendo Lacy Wardlaw. A

mesma tornou-se lida e consultada na família. Em 04 de julho de 1909, fez a pública profissão

de fé quando morava em Afonso Pena (hoje, Acopiara), Estado do Ceará. O reverendo

Almeida o encaminhou ao Seminário Evangélico do Norte em Garanhuns. Em 18 de janeiro

de 1915, ele foi licenciado e ordenado pelo Presbitério de Pernambuco em seus 26 anos. O

reverendo Natanael exerceu o magistério nas principais escolas de Fortaleza, foi eleito

deputado estadual em 1929 e recebido como membro da Academia Cearense de Letras em

1931. Devido a sua luta em prol da divulgação do presbiterianismo e em defesa da fé

protestante no Estado tem recebido títulos que buscam delimitar sua ação: “Um pedreiro

chamado a edificar a fé” e “Vaqueiro de Deus” (CAMPOS, 1989, p. 09 e 48).

O reverendo Natanael, em seu livro Os dois tributos, conta que chegando em

Acopiara (ano não revelado) e ao constatar que ninguém o aguardava com condução,

percebeu que estava sendo vigiado. Ao dirigir-se à Estação Ferroviária para passar um

telegrama à família, um grupo falava em tom ameaçador de forma a ser ouvido: “Eu hoje

como carne de bode”. Outro, por sua vez, diz ele, acrescenta mais: “Eu hoje como carne de

bode, inda que seja bode magro.” Conclui o reverendo Natanael: “Eu era mesmo bem magro”

(CORTEZ, 1965, p. 96).

A “nova fé” corria pelos trilhos da linha férrea transformando cada estação em um

lugar propício à divulgação presbiteriana, como diz Boanerges Ribeiro (1991, p. 153): “Da

Capital avançaram para o interior pela Rede de Viação Cearense (R.V.C.).” Assim, percebe-se

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a introdução do presbiterianismo nas cidades de Acopiara, Iguatu, Cedro e outras. Sendo que

o principal centro de divulgação no interior foi a cidade de Cedro, como escreveu Natanael

Cortez (1965, p. 48) ao comemorar e relembrar seu cinquentenário ministerial: “Cedro se

tornara um grande centro do Presbiterianismo, que dali se irradiou para Medeiros, Boa Sorte,

Lavras, Aurora, Juazeiro, Crato e Parambu.” É em Cedro que acontece a mais polêmica de

todas as perseguições. Boanerges Ribeiro (1991, p. 153) comenta: “Quanto à polêmica, foi

constante, de Fortaleza a Várzea Alegre, na imprensa, e em conferências públicas.”

É sobre esses trilhos que a partir de 1915 o Sertão cearense conheceu o mais

ilustre divulgador do presbiterianismo, bem como o maior lutador da causa da tolerância

religiosa: o reverendo Natanael Cortez.64

Ele assumiu o pastorado da Igreja Presbiteriana de

Fortaleza no Natal de 1915 e esteve em sua liderança até 1962. Iniciava seu pastorado tendo

que enfrentar a crise econômica causada pela seca de 1915 que refletia também sobre a Igreja.

Enfrentou também as dificuldades da perseguição que o levou, no ano seguinte, ao adentrar o

interior do Ceará, a pregar em Quixadá na residência de um fiel com dois soldados à porta

para manterem a ordem (CORTEZ, 1965, p. 47).

Por alguns anos ele foi o único pastor protestante atuando em solo cearense. Em

todo o Ceará somente havia duas igrejas protestantes: Presbiteriana de Fortaleza e a

Presbiteriana Independente, também em Fortaleza.65

Percorreu quase todo o Ceará vindo a

conhecer seus dramas e sua gente. Sua inserção foi total!

No centro de suas intenções estava o fato de ver prosperar o presbiterianismo. Ele

tinha a Reforma Protestante como necessária para o redirecionamento do cristianismo

presente no Ceará através do Catolicismo romano diluído em dogmas, crendices e

superstições. Era um comunicador da mensagem protestante com uma paixão e disposição

invejável. Agileu Gadelha (2005, p. 101-102) comenta:

Com a responsabilidade de evangelista em todo o Estado, sua proposta era

evangelizar o interior do Ceará. O desafio consistia em sensibilizar o povo

interiorano, para quebrar a resistência da tradicional formação católica do

povo.

A evangelização pelo interior do Estado, trabalho realizado com dedicação e

amor, foi sem dúvida a marca maior de seu pastorado.

O reverendo Natanael foi forçado a centralizar seus esforços também em outra

tarefa: fazer valer o princípio constitucional de liberdade religiosa (tolerância). Nesta tarefa

64

Para uma introdução biográfica do reverendo Natanael Cortez recomenda-se a leitura da obra de Robério

Souza (2000), intitulado Natanael Cortez. 65

A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil nasceu de um cisma dentro do presbiterianismo brasileiro em

1903, tendo como centro da discórdia a presença de missionários estrangeiros na Igreja e de membros filiados a

Maçonaria.

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usou sua influência de educador e homem público para afirmar as ideias protestantes contra a

“fobia” e injúrias, e para defender a liberdade do direito ao culto. Essa influência como

homem público é notável quando eleito deputado e amigo do governo Matos Peixoto. Em

Cedro, um dos centros de perseguição, vê-se rapidamente o início da tolerância. Os coronéis

locais passam a afirmar as garantias constitucionais para o exercício do culto e o cessar das

perseguições. Para se ter um exemplo, o pastor na época em Cedro, o reverendo Alcides,

concluiu o templo e permaneceu de 1928 a 1930 sem ver qualquer constrangimento aos

evangélicos. O mesmo foi orador em recepção oferecida ao governador e chegou a receber

convite para candidatar-se a prefeito, tendo rejeitado. Boanerges Ribeiro (1991, p. 164)

ressalta: “Isso é: nem os protestantes cultivavam rancor, nem mais existiam interessados em

emudecer a Reforma. E isso, apenas 3 anos depois”.

Para se ter uma idéia da importância da influência pública de Natanael Cortez

tem-se o fato do missionário Virgílio Smith. O mesmo foi apresentado por carta pelo

reverendo Natanael ao padre Cícero que recomendou ao povo na bênção das dezoito horas: “-

Vem aí um homem pregar. Não vão ouvi-lo não. Mas não bulam com êle” (CORTEZ, 1965,

p. 101). O reverendo Natanael Cortez conheceu padre Cícero quando candidato a deputado e

esteve depois em sua casa com o Presidente Matos Peixoto e sua comitiva. Dessa

recomendação de Natanael, foi que o protestantismo penetrou no Juazeiro do Norte através

dos batistas vindo a adquirir, posteriormente, uma propriedade e fixando ali uma igreja e um

seminário.

A influência política de Natanael Cortez encontra-se no último estágio de sua luta

pelo diálogo religioso. O mesmo trava essa batalha, primeiramente, a partir de sua amizade e

presença, dando oportunidade a população de conhecer o protestantismo. Natanael foi um

homem de muitas amizades. Estas nascidas de seu contato com o povo sertanejo e com

pessoas de cultura. Também como fruto de seu trabalho na construção de estradas de ferro da

Rede de Viação Cearense (R. V. C.) que, certamente, devido a seu acesso, transformou-se no

principal veículo da divulgação presbiteriana. Segundo, através de sua cultura exercida como

professor do Liceu do Ceará em 1917, de História do Brasil na Escola Normal Justiniano de

Serpa e, por nomeação do presidente do Estado, Matos Peixoto, em 1928, de História da

Civilização, no Colégio Pedro II (hoje Colégio Militar do Ceará). Também como membro da

Academia Cearense de Letras em 1931 (ocupando a cadeira nº 12, tendo como patrono

Heráclito Graça) e de seus artigos em jornais.66

É através destes artigos que é travada uma

66

Gadelha (2005, p. 104) ressalta que “boa parte das despesas da pastoral era custeada com o salário de

professor.” Ele mostra que Natanael fundou a Escola Primária 7 de Setembro e cursos particulares de inglês e

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verdadeira batalha no campo das ideias. Era usada constantemente a apologética como arma

para montar e desmontar as construções sistemáticas de acusações, difamações e pretensões

religiosas de opor-se à tolerância religiosa. Vê-se que o grande interesse de Natanael era

apresentar o protestantismo como uma alternativa ao catolicismo. Esses artigos surgem como

respostas e não como estratégia propriamente de expansão do protestantismo presbiteriano.

Diz Agileu Gadelha (2005, p. 106):

O Rev. Natanael foi também um grande debatedor das questões religiosas.

Muitos debates foram travados através da imprensa cearense. Os jornais

„Unitário‟ (de orientação protestante) e „Correio do Ceará‟ (católico)

travaram uma ferrenha luta, através de artigos e editoriais, procurando abrir

ou não perder espaço junto à população cearense.

Na sua apologética encontra-se um esforço por minar as bases principais do

catolicismo: o papado e a pretensão romana de única igreja cristã verdadeira. Para isto,

afirmava a autoridade da Bíblia e sua interpretação para o conhecimento das verdades centrais

da fé cristã contra a hermenêutica católica de interpretação a partir da tradição.

Convém, a partir daqui, analisar algumas percepções quanto ao caminho traçado

por Natanael Cortez até sua grande influência como pessoa pública que foi. Esse caminho terá

sido traçado de forma planejada ou seguia o curso do sistema de poder no Ceará? Qual era a

postura do reverendo Natanael? Era um coronel ou um liberal?

Acredita-se que sua aceitação no interior do Estado deve-se ao fato de sua postura

se assemelhar aos coronéis. Isto trazia respeitabilidade à sua pessoa e o colocava sobre certas

facilidades. Na capital era visto como um liberal: como professor do Liceu, local disputado

por aqueles que, formados em Recife, almejava exercer o poder a partir dessa instituição, bem

como na sua atuação na Academia Cearense de Literatura. Ribeiro (1991, p. 165) é cauteloso

quando busca falar da metodologia do Rev. Natanael: “Não me parece justo qualificar o

processo como acomodação aos padrões culturais existentes; mas Natanael, homem daquela

terra, sabe conviver com esses padrões, sem concessões doutrinárias nem éticas.”

A prova de que seu trabalho em busca de diálogo foi bem sucedido encontra-se no

fato do reverendo Natanael ter sido convidado pelo arcebispo metropolitano de Fortaleza,

Dom José de Medeiros Delgado, para presidir a assembléia da Semana da Unidade Cristã.

Esse evento fazia parte das intenções do Concílio Vaticano II de aproximação entre as duas

igrejas: católica e protestante (GADELHA, 2005, p. 93).67

Ou como mostra Eduardo Campos

português com o objetivo de aumentar seus proventos e poder atender a demanda financeiras gasta nas viagens

ao interior. 67

O Concílio de Vaticano II, realizado na cidade de Vaticano em Roma entre 1962 e 1965, teve como objetivo

fundante inquirir sobre o papel da Igreja no mundo moderno. Os decretos ali expedidos foram todos com

considerações práticas acerca do ecumenismo. É nesse Concílio que é restaurada a estima da Igreja Oriental,

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quando ressalta que no Jubileu do ministério do reverendo Natanael Cortez, além das

representações da Igreja Presbiteriana, da Academia Cearense de Letras, da imprensa local e

representante do Governador do Estado, marcou presença o “clero católico na pessoa do

Monsenhor Dom André Camurça, comissionado pelo Arcebispo de Fortaleza a representá-lo

naquele culto de ações de graças” (VIANA, 2001, p. 12).

É importante ressaltar que em Cedro, lugar de tão intensa perseguição, a rua onde

foi construída a Igreja Presbiteriana recebe o nome do reverendo Natanael Cortez.68

A mesma

está registrada sob o título: Rua Professor Natanael Cortez. Não é apresentado como pastor ou

reverendo, mas como professor que também foi (diferentemente das ruas que recebem o nome

dos religiosos católicos - padres). Isto nos remete a questão do poder simbólico de Bourdieu.

Marcadamente a Igreja Presbiteriana assumiria em sua história, em terra cearense,

uma característica de diálogo. A Igreja Católica, mesmo não oficialmente, mas no convívio,

mantinha respeito e equidistância, principalmente na Capital cearense.

bem como se buscou declarar a importância da liberdade religiosa e das crenças não-cristãs. Neste Concílio foi

condenado, pela primeira vez, o anti-semitismo pondo fim a afirmação católica que responsabilizava os judeus

pela morte de Cristo. Enfim, houve um empenho pela unidade do cristianismo e uma busca de convivência

pacífica com as outras religiões (CHAMPLIN; BENTES, 1995, p. 723-724). 68

Foto atual do templo da Igreja Presbiteriana de Cedro (anexo 13).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O protestantismo entre 1875 e 1930 era somente um pequeno grupo em condições

de extrema marginalização e exclusão. Cada pessoa que assumia tal condição religiosa (e

social) via-se envolvida num drama que, muitas vezes, chegava ao extremo: a perseguição

religiosa. A fogueira não queimava o corpo, mas ardia na dignidade humana – que todos

possuíam como parte da sociedade. Viam seus direitos, sua imagem e suas intenções serem

questionadas. Não haviam matado, roubado ou afrontado a honra de ninguém. Apenas haviam

recebido um pastor protestante em sua casa ou, na pior das hipóteses, tornado-se protestante.

Escarros, gritos de zombaria ou vizinhos que insistiam em permanecer incomunicável era

apenas parte da rotina para aqueles que optavam pelo protestantismo. Parafraseando as

palavras de Rubem Alves (1982, p. 14), com essa violência, sem saber, sentiam-se

protestantes pela primeira vez, pois: “De fato, o protestantismo tem muito a ver com a

coragem para assumir a própria individualidade.”

A história do protestantismo no Brasil e no Ceará confunde-se com as demais

lutas e movimentos sociais e religiosos que ocorreram no Brasil. Devido a sua inserção, os

projetos e sonhos do povo brasileiro assumiram também uma visão protestante. No Brasil, o

protestantismo assumia a cultura brasileira e enriquecia sua dinâmica religiosa.

A perseguição dos católicos aos protestantes, como uma ação de violência, é

objeto de estudo. Ao assumir a presente pesquisa buscou-se revelar aquilo que a historiografia

tem relegado ao esquecimento. Houve uma perseguição sistemática e estigmatizadora no

nosso país. No Ceará, as provas materiais encontram-se na memória do povo (quer protestante

ou católico), bem como em cemitérios e atas das igrejas. A pesquisa revelou que, na época

estudada, a sociedade cearense envolveu-se nesta questão. Isto mostra a relevância da

pesquisa para conhecer o comportamento social e religioso cearense na época. Devido a

abrangência da perseguição religiosa, foi possível mapear os focos centrais e ter uma visão do

contexto social do Ceará no período.

A Igreja Presbiteriana, ramo do protestantismo que se inseriu no Brasil na segunda

metade do século XIX, desenvolveu um trabalho de inserção no Ceará a partir de 1875. Ela

apresenta-se consolidada em 1930 através da mediação do reverendo Natanael Cortez. Na sua

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busca de inserção no Ceará, a Igreja Presbiteriana teve que desenvolver estratégias com a

finalidade de romper com a hegemonia católica no Estado. No seu envolvimento com o povo

cearense, o presbiterianismo conheceu as relações de poder existentes no Ceará e entrou em

confronto com tais relações. A perseguição religiosa, que se revelou como processo de

exclusão, censura, violência e estigma, assumiu proporções preocupantes tanto na dimensão

jurídica do país quanto para as garantias individuais.

O diálogo religioso tornou-se uma busca na medida em que se pedia que as leis

fossem cumpridas. As leis mantinham abertura, mas a sociedade não. Os intelectuais e as

famílias de status que aderiram ao presbiterianismo assumiram também uma relação de poder

que começou a se impor. Um dos fatos mais significativo foi o trabalho do reverendo

Natanael Cortez. Ele usou, de forma estratégica, sua influência política e intelectual para

consolidar o presbiterianismo, bem como para mudar o quadro de perseguição religiosa rumo

ao diálogo.

O diálogo religioso é o primeiro princípio que se considera essencial à aplicação

da ecumenicidade. O que existe de excelente no diálogo é aquilo que Danilo Streck (1994, p.

34-35) declara: “Diálogo, portanto, não significa ausência de posições” e nem “significa

ausência ou indefinição de papéis.” Os estigmas permanecem como resultado da relação de

poder entre os dois grupos; mas o avanço foi notável na construção de ambos os grupos

cristãos – católicos e protestantes.

É correto afirmar que a perseguição levou o protestantismo a assumir uma cultura

anticatólica nos símbolos, na teologia e no discurso. O contra-estigma foi inevitável. O

protestantismo brasileiro (e cearense) desenvolveu um imaginário a partir desses confrontos e

uma cultura de religiosidade de “gueto”. O isolamento da ação social, uma identidade de

cunho puritana e o individualismo foram intensificados durante as décadas de confronto. O

movimento protestante que parecia ser uma “onda” revolucionária de afirmação da liberdade,

do indivíduo, do progresso e da educação entrincheirou-se nos atos religiosos. O

protestantismo adquiria sua identidade e sua brasilidade.

O processo de inserção do protestantismo no Ceará foi uma busca de formação da

própria identidade cearense e da nossa história. O resgate dessa história é uma oportunidade

para escrever a História do Ceará e de sua religiosidade. É também uma procura pelos

parâmetros historiográficos e metodológicos para rever o protestantismo hoje. Possivelmente,

essa será uma tarefa de construção do diálogo religioso e da identidade como foi na

implantação do protestantismo no Ceará.

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ANEXOS

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ANEXO 01

Extrato do discurso de abertura do Presidente da Província do Ceará, José Martiniano d‟

Alencar, em 01 de agosto de 1836, no qual trata das dificuldades vividas pela Igreja no Ceará.

Fonte: Disponível: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/166/000005.html. Acesso em: 24/03/11

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ANEXO 02

IMPLANTAÇÃO DO PRESBITERIANISMO NO CEARÁ*

DATA AGENTE ATUAÇÃO PRINCIPAIS FATOS

1875 John Rockwell Smith,

missionário

Fortaleza Passou quase duas semanas. Pregou

para uma colônia inglesa.

1881 João Mendes Pereira

Guerra, pregador

leigo/colportor

Fortaleza Enviado por Smith foi responsável pelo

primeiro converso no Ceará: o Sr. José

Damião de S. Melo.

1882 De Lacy Wardlaw,

missionário

Fortaleza, Baturité Organizou a primeira igreja

presbiteriana em Fortaleza em 1890.

1896 Reynaldo Baird,

missionário

Fortaleza Foi responsável pelo lançamento da

pedra fundamental do templo

presbiteriano na Rua Conde D‟Eu.

1900 Martinho Oliveira,

pastor brasileiro

Fortaleza Primeiro pastor brasileiro a exercer

funções pastorais no Ceará.

1901 Jerônimo de Carvalho

Silva Gueiros, pastor

Fortaleza Abriu polêmica com o Sr. Arimatéa

Cysne sobre assuntos eucarísticos.

1907 Antônio Almeida,

pastor

Fortaleza/interior *****

1911 Raimundo Bezerra

Lima, pastor

Fortaleza/interior Passou por muitas perseguições. Em

Iguatu, onde havia 70 membros, chegou

a pregar somente para 02 por este

motivo.

1915 Natanael Cortez Fortaleza/interior Marcou seu pastorado através do seu

empenho na interiorização do

presbiterianismo, da divulgação pelos

jornais, pelo magistério e pela política.

* Destaca-se somente os principais agentes e fatos relevantes na história da implantação e consolidação do

presbiterianismo.

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ANEXO 03

Linha férrea que serviu como veículo de divulgação do protestantismo no Ceará.

Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/ce_crato/fotos/sul_mapa.jpg. Acesso em: 14/04/2011.

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ANEXO 04

Estação ferroviária do município de Acopiara (local onde Natanael Cortez recebeu aviso de

morte).

Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/ce_crato/fotos/acopiara081.jpg. Acesso em 14/04/2011.

Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/ce_crato/fotos/acopiara56.jpg. Acesso em 14/04/2011.

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ANEXO 05

Cemitério protestante em Vencedor, município de Irapuan Pinheiro/Ce.

Fonte: Arquivo pessoal.

ANEXO 06

Igreja Presbiteriana de Quixadá/Ce no ano de 1922.

Fonte: CORTEZ (1965, p. 104).

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ANEXO 07

Igreja Presbiteriana de Cedro/Ce, ano de 1929.

Fonte: CORTEZ (1965, p. 156).

ANEXO 08

Casa onde se reuniam os primeiros protestantes na Região Central do Ceará em Vencedor,

município de Acopiara/Ce, no início do século XX.

Fonte: arquivo pessoal.

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ANEXO 09

Igreja Presbiteriana de Ebenezer, município de Acopiara/Ce., ano de 1927. Em destaque o

Rev. Natanael Cortez montado no cavalo.

Fonte: CORTEZ (1965, p. 93).

ANEXO 10

Igreja Presbiteriana de Ebenezer, município de Acopiara/Ce (2006).

Fonte: Arquivo pessoal.

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ANEXO 11

Cemitério protestante de Carretão da Igreja Presbiteriana de Ebenezer, município de

Acopiara/Ce. (acima parte interna e abaixo entrada).

Fonte: Arquivo pessoal.

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ANEXO 12

Foto do Rev. Natanael Cortez e capa de seu livro “Os dois tributos”.

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ANEXO 13

Igreja Presbiteriana de Cedro (situada na rua que tem por nome professor Natanael Cortez).

Disponível em: http://cantodesolidao.blogspot.com/search/label/Igreja%20Presbiteriana.