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Anais do VII SIMCAM Simpósio de Cognição e Artes Musicais

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Anais do

VII SIMCAM Simpósio de Cognição e Artes Musicais

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ReitorJosé Geraldo de Sousa Junior

Vice-ReitorJoão Batista de Sousa

Decana de Pesquisa e Pós-GraduaçãoDenise Bomtempo Birche de Carvalho

Diretora do Instituto de ArtesIzabela Costa Brochado

Chefe do Departamento de MúsicaRicardo José Dourado Freire

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Música em ContextoCristina Grossi

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Maurício Dottori, editor

Anais do

VI SIMCAM Simpósio de Cognição e Artes Musicais

Universidade de BrasíliaDepartamento de Música

Ricardo José Dourado Freire, coordenador geral

Brasília, 24 a 27 de maio de 2011

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Comissão Científica do SIMCAM7

CoordenaçãoMaurício Dottori

Pareceristas:

Promoção:ABCM – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COGNIÇÃO MUSICAL

Maurício Dottori (UFPR), Presidente

Diana Santiago (UFBA), Vice-Presidente

Graziela Bortz (UNESP), Secretária

Ricardo Dourado Freire (UnB), Tesoureiro

Marcos Nogueira (UFRJ), Relações Públicas

Beatriz Ilari (UFPR), Representante do Comitê Editorial

Rael Bertarelli Toffolo, Webmaster

Beatriz Raposo de Medeiros (USP)Clara Márcia Piazzetta (FAP)Daniel Quaranta (UFJF)Diana Santiago (UFBA)Graziela Bortz (UNESP)Marcos Nogueira (UFRJ)

Maurício Dottori (UFPR)Ney Rodrigues Carrasco (UNICAMP)Rael Bertarelli Toffolo (UEM)Rosane Cardoso de Araújo (UFPR)Sonia Ray (UFG)

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Prezados Colegas,

O Departamento de Música da Universidade de Brasília e o Programa de Pós-Gra-duação Música em Contexto tem o prazer de realizar a sétima edição do SimpósioInternacional de Cognição e Artes Musicais (SIMCAM). Nesta edição o tema esco-lhido foi A Mente Musical em uma perspectiva transdisciplinar, com a intenção demanter o diálogo com as áreas que caracterizam esse fórum aberto de pesquisa e dis-cussão que é o SIMCAM.Nesta edição contaremos com as presenças de dois pesquisadores internacionais comgrande impacto nas publicações que relacionam Cognição e Artes Musicais: Emma-nuel Bigand, da Université de Bourgogne, França, e Karl Anders Ericsson, psicólogosueco que leciona na Florida State University (EUA).Faz-se necessário agradecer os diversos colaboradores que trabalharam com afincopara a realização deste 7SIMCAM. Esse encontro foi possível pela dedicação da equipeorganizadora formada por Maria Cristina de Carvalho Cascelli de Azevedo e AntenorFerreira Corrêa, professores do PPG-MUS, Patricia Pederiva, da Faculdade de Edu-cação da UnB, e de Afonso Galvão, da Universidade Católica de Brasília. A participa-ção da Associação Brasileira de Educação Musical foi fundamental, por meio daorientação e coordenação da parte científica realizada pelo presidente Maurício Dot-tori. Agradeço também a Sonia Ray, que como coordenadora do V SIMCAM, ofereceuapoio e ajuda nos momentos mais difíceis.Merece um agradecimento a equipe de funcionários e colaboradores da UnB quefazem um trabalho discreto e eficiente na secretaria do Departamento de Música, li-derados pelo secretario do MUS, Rogério Figueiredo, e coordenados por Alex Cunha.Agradeço o design gráfico realizado por Haroldo Brito, da criatus design, que alémde fazer um excelente trabalho de criação, foi o responsável pela produção de todo omaterial gráfico do evento.O evento não seria possível sem a parceria com o Memorial Darcy Ribeiro, que pos-sibilitou o uso do espaço físico de beleza ímpar e ambiente único para a realização deum evento científico. A colaboração do Programa PAEP da CAPES foi fundamentalpara a viabilidade do evento e o Programa de Pós-Graduação Música em Contextoda UnB ofereceu a estrutura acadêmica para a participação do Departamento de Mú-sica na realização do 7SIMCAM.Desejamos que todos os participantes sintam-se bem vindos à Universidade de Bra-sília e esperamos que todos possam desfrutar as oportunidades de troca de experiên-cias que caracterizam as diversas edições do SIMCAM. Brasília, 24 de maio de 2011

Ricardo Dourado FreireCoordenador Geral do 7SIMCAM

Chefe do Departamento de Música da UnB

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Caros Colegas Pesquisadores,

Chegamos ao Sétimo Simpósio de Cognição e Artes Musicais, o sexto desde a funda-ção de nossa Associação no Segundo Simpósio, em Curitiba. E o que se pode ver é alenta, mas firme, consolidação da área. O número de trabalhos selecionados aparentaser um pouco menor, mas não só a exigência de pertinência às inúmeras facetas dosestudos cognitivos, entendidos de maneira abrangente, foi mais restritiva, como aqualidade média elevou-se. Temos, já, uma área quase consolidada, e nas publicaçõesdos eventos já vemos acumulada uma grande quantidade da pesquisa em Cogniçãoe Música, feita em nosso país.Viemos, nestes anos, estudando e debatendo como nossos miolos — estes pedaçosde geléia cujos átomos foram forjados há bilhões de anos no interior de estrelas —podem perceber ar em vibração como um objeto expressivo (como o fizemos até oséculo XVIII); como uma expressão emocional de seu compositor/organizador ou deseu intérprete/emissor (como fizemos até início do século XX); como uma estruturaobjetiva autoreferencial (como fazemos há um século). Temos estudado os princípioscognitivos que extraímos daquilo que chega a nossos ouvidos — e, também, do mo-vimento de nossos dedos, braços, lábios, diafragmas, de nossas pernas — e usamospara produzir música, seja como intérpretes, seja como compositores. Estudamoscomo metáforas — como o são ver a música como linguagem, como movimento,como estruturas dialógicas ou tensivas-distensivas — possibilitam-nos compreenderum pouco de nossos processos intelectivos, e como há princípios neuro-estéticos en-volvidos na nossa fruição musical, pelas categorizações e pelas simetrias. E pesqui-samos como uma das metáforas que está na origem mesma dos estudos cognitivos— a de que nossos cérebros funcionam como uma máquina informacional — permiteque a interface com o mundo da tecnologia seja profícua em insights sobre a músicaque fazemos e como a fazemos. Mais: como nós, animais do ritmo, nos sincronizamossocialmente pela música e a usamos para a catarse, a terapia. E finalmente, como, pelasua plasticidade, nossos cérebros se amoldam a ensinarmos e aprendermos música.São esses, em resumo, os seis temas em que se distribuem — eu diria quase que tra-dicionalmente — os trabalhos no Simpósio e nos Anais. Muito obrigado pelo trabalho de todos os envolvidos, em especial na figura do Coor-denador Geral do Simpósio, Ricardo Dourado Freire, e de toda a diretoria de nossaAssociação, e dos pareceristas que tão abnegadamente leram, em primeira mão, ostrabalhos.

Maurício DottoriCoordenador Científico do Simpósio

Presidente da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais

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índice

a mente e a percepção das artes musicais

A construção da representação sonora na mente do músico 1Graziela Bortz

Análise sobre os aspectos psicológicos presentes no processo de audiação em músicos profissionais 8

Ronaldo da Silva e Ricardo GoldembergMúsica na carne: o advento da experiência musical incorporada 16

Marcos NogueiraUm estudo sobre a influência da expectativa na cognição

de paisagens sonoras 27Bernardo A. de Souza Penha, Jônatas Manzolli e José Fornari

A percepção das emoções musicais na Hierarquia Modal 35Danilo Ramos e José Eduardo Fornari

Investigating absolute pitch with neuroimaging techniques– Literature review 47

Patrícia Vanzella, Maria Angela M. Barreiros, Lionel F. Gamarra, Edson Amaro Junior

Um levantamento sobre o ouvido absoluto 59Rodrigo Fratin Medina e Ricardo Goldemberg

Quais os fatores que podem interferir na percepção da expressividade interpretativa musical? 67

Márcia Higuchi, Cristina Del Ben, Frederico Graeff & João Leite Pôsteres

Tempo de resposta em reconhecimento de padrão de acordes na leituraà primeira vista ao piano 79

Gabriel Rimoldi, Hugo Cézar Palhares FerreiraMemória de curto prazo para melodias:

efeito das diferentes escalas musicais 86Mariana E. Benassi Werke

A influência do treinamento musical nos potenciais cognitivos envolvidos no reconhecimento de alegria e tristeza em melodias sem palavras 89

Viviane Cristina da Rocha e Paulo Sérgio BoggioA percepção de melodia e ritmo nas pessoas com Síndrome de Williams

na perspectiva dos testes de Audição Musical propostos por Edwin Gordon 95

Henrique de Carvalho Vivi

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a mente e a produção das artes musicais

Uma improvisação guiada por uma partitura, como uma mente, segundo os seis critérios do processo mental propostos por Gregory Bateson 105

Daniel PuigCiclo Portinari: um estudo sobre experiências multissensoriais

nas práticas interpretativas 116Sheila Regiane Franceschini

O processo de emissão do som na clarineta e a geração de memória muscular:aplicabilidades no ensino e performance 129

Cristiano AlvesPara medir a sincronização de dois cantores: o caso da bossa-nova 143

Cássio Santos, Beatriz R. de Medeiros e Antônio PessottiMúsica Sistêmica: Intersecções entre processos criativos,

concepção estética e composição musical 149Felipe Kirst Adami

A memória na psicologia cognitiva e memória musical na Perspectiva do Intérprete 165

Laura Balthazar e Ricardo Dourado FreireMétodos de memorização e a construção da performance instrumental 175

Leonardo Casarin Kaminski e Werner AguiarPôsteres

O gesto na performance instrumental 184Belquior Guerrero Santos [email protected] Bertarelli Gimenes Toffolo

Aprendizagem e desempenho motor e procedimentos didáticos: questões no âmbito pianístico 187

Fernando Pabst Silva e Maria Bernardete Castelan PóvoasA espectromorfologia como discurso: considerações acerca

da obra teórica de Denis Smalley 194Maurício Perez e Rael Bertarelli Gimenes Toffolo

A sonoridade no estudo Pour les Quartes de Claude Debussy: investigando processos composicionais à luz da transdisciplinaridade 199

Thiago Cabral Carvalho O atual estado da questão da disciplina psicologia na formação

de músicos-intérpretes na academia brasileira 210Sonia Ray e Leonardo Casarin Kaminski

Representações gráficas para a progressões harmônicas em música: um experimento verificativo 215

Alexei Alves de Queiroz

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Artes musicais, lingüística, semiótica e cognição

Discutindo a constituição da criatividade e da cognição do sujeito músico: uma reflexão entre pressupostos da abordagem histórico-cultural, ontopsicológica e da música 219

Patrícia WazlawickCompor, apresentar e criticar música: o ciclo da aprendizagem criativa

em um estudo de caso na educação musical escolar 231Viviane Beineke

As relações texto-música e suas implicações na performanceda canção Rosamor (1966) de Ernst Mahle 243

Eliana Asano Ramos e Maria José Dias Carrasqueira de MoraesMetro e representação: geração de arquivos sonoros e midi

a partir de textos da tragédia grega 254Marcus Mota

Estratégias de leitura à primeira vista: resultados, método e ferramentas de investigação a partir de um estudo piloto 267

Valeria Cristina Marques e José FornariTeoria dos Gêneros e Articulação Musical da Trilha Sonora 279

Gustavo Rocha Chritaro, Sandra Ciocci e Claudiney Rodrigues Carrasco

Pôster

Música e Cinema: diálogos transdisciplinares 290Glauber Resende Domingues

Tecnologia, artes musicais e a mente

Do caráter transdisciplinar dos sistemas interativos musicais 295Marcelo Gimenes

Tecnologia x perfomance de instrumentos em grupo para crianças: aprendendo na e com a rede 303

Beatriz de Freitas Salles e Juliana Rocha de Faria SilvaÓpera no Cinema: o que muda na experiência auditiva? 314

Anselmo GuerraEm direção a uma fenomenologia da composição de música gravada 322

Luciano de Souza ZanattaComparando estruturas rítmicas através sonogramas: um estudo

da percepção métrica do motivo principal da Sinfonia nº. 5, Op. 67, de Beethoven 337

Pedro Paulo Köhler Bondesan dos Santos

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O desenvolvimento paralelo da mente e das artes musicais

A Experiência Estética e a Cognição Sensível na Musicoterapia 345Clara Márcia Piazzetta

Um estudo sobre representações sociais de alunos de graduação sobre os conceitos de “música” e “musicalidade” realizado nos pólos Brasil e Itália 355

Anna Rita Addessi e Rosane Cardoso de AraújoAspectos relacionados à percepção e à cognição em propostas

diferenciadas de educação musical 366Denise Álvares Campos

The MIROR Project: Music Interaction Relying on Reflexion 377Anna Rita Addessi

Paralelos entre concepções de alfabetização e letramento em um contexto interdisciplinar 394

Samara Pires da Silva Ribeiro e Ricardo Dourado FreireA participação do educador no desenvolvimento da mente musical

no ambiente escolar 402Christiana Damasceno Rodrigues da Silva

Articulações pedagógicas e criatividade musical: um recorte sobre o desenvolvimento da mente criativa musical 407

Vilma de Oliveira Silva FogaçaArticulações entre música, educação e neurociências: idéias para

o Ensino Superior 419Luciane Cuervo

Aplicações da teoria piagetiana à aula de musicalização infantil 430Jordanna Vieira Duarte

artes musicais e cognição social

Representações sociais e prática musical: pesquisa-ação com formação de professores 437

Diana SantiagoMusicoterapia e cognição: a importância do fazer musical para estímulo

e manutenção das funções executivas de idosos institucionalizados 440Flávia Barros Nogueira

A desinstitucionalização da doença mental e da figura do doente mental através da criação de um espaço de aula de música para pacientes psiquiátricos em uma escola de música 452

Thelma Sydenstricker Alvares

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Eu ensino como você aprende? Processos cognitivos de aprendizagem em música 459

Simone Marques BragaA musicoterapia na intervenção precoce:

uma experiência com crianças deficientes visuais 468Elvira Alves dos Santos, Claudia Regina Oliveira Zanini,Luana Anastácia Torres Guilhem e Priscileny Sales Campos

Humanizando por meio dos sons: a musicoterapia melhorando a qualidade de vida de crianças e adolescentes em tratamento de câncer 472

Jéssica do Carmo Rivas, Lídia Fidelina dos Santos eRosângela Silva do Carmo

Motivação para aprender um instrumento musical na vida adulta: um estudo em andamento 477

Andréa Matias Queiroz

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a mente e a percepção das artes musicais

A construção da representação sonora na mente do músicoGraziela Bortz

[email protected] de Música – UNESP

ResumoEmbora a representação sonora na mente — o chamado ouvido interno — seja consi-derada uma habilidade importante nas especialidades da área de música, tais como:interpretação, composição ou regência, costuma ser considerada, de acordo com Co-vington (2005), um subproduto de outras atividades envolvidas na formação do mú-sico. A autora afirma que não há uma preocupação particular dos instrutores emenfatizar a imaginação sonora em níveis simples ou complexos no treinamento emsolfejo e ditado ou nas atividades de performance. Este artigo discute pesquisas rea-lizadas sobre o assunto nas áreas de neurociências e ciências cognitivas que apontampara atividades em áreas do cérebro responsáveis pelo sistema motor, sistema sen-sorial, representação semântica e episódica enquanto sujeitos imaginam, ouvem outocam música verdadeiramente. Sugere que a formação musical avalie a importânciada prática de mentalização sonora no estudo da performance musical como uma ma-neira de precaver — possivelmente até auxiliar na cura de — doenças adquiridas pelaprática excessiva ou pela pressão psicológica que envolve a profissão. Menciona, comoapoio, o estudo de Pascual-Leone (2009) que enfatiza a participação crucial do sis-tema sensorial e de sua interface com o sistema motor no desenvolvimento de ha-bilidades instrumentais, sendo comprovado o fato de que uma ‘confusão’ no sistemasensorial como resultado da prática excessiva ocorra na disfunção conhecida comodistonia focal. Conclui enfatizando a necessidade de atualização das disciplinas teó-rico-analíticas, práticas instrumentais e treinamento auditivo acerca das recentes des-cobertas científicas nas áreas de saúde e de neurociência cognitiva para evitar outratar de doenças que têm afetado ou mesmo impedido a carreira de muitos músicoscompetentes.

IntroduçãoQuando Covington e Lord (1994) escreveram sua crítica ao ensino objetivista da per-cepção musical, propondo uma pedagogia baseada na experiência prévia do estudanteaplicada ao que chamaram de ill-structured domains — contextos musicais reais, aocontrário de domínios propositalmente simplificados para fins didáticos — os estudoscognitivos em música ainda eram eminentemente concentrados nos resultados depesquisas behavioristas (Deutsch 1982; Krumhansl 1983, 1990, Sloboda 1985, Aielloe Sloboda 1994), ou seja, pesquisas empíricas baseadas em análises de respostas adeterminados estímulos. Daí viria, provavelmente, sua visão das ciências cognitivasde então ao afirmar que estas logravam “uma compreensão muito melhor de proces-

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sos cognitivos em domínios bem estruturados [well-structured domains] (WSD) doque em domínios não estruturados [ill-structured domains] (ISD)”1 (p. 165). Os autores viam o ensino tradicional da disciplina percepção musical como exclusi-vamente pautado na objetividade do estímulo-resposta, objetividade esta facilitadorana quantificação de erros e acertos, já que carrega uma expectativa pré-determinadano resultado das tarefas, mas problemática na transferência de conhecimentos paraa textura complexa da música real. As críticas às pesquisas cognitivas eram, portanto,similares àquelas ao treinamento da percepção para estudantes de música.Desde então, os recursos para pesquisa científica na área de cognição musical têm-se valido cada vez mais das ferramentas tecnológicas da neurociência, tais como atomografia computadorizada e ressonância magnética, entre outros, para examinaráreas cerebrais ativadas durante as tarefas propostas nas pesquisas laboratoriais, pos-sibilitando a análise do funcionamento do cérebro humano em atividades mais com-plexas e a comparação dessas análises àquelas realizadas nas pesquisas behavioristas.

Memória MotoraHalpern (2009, 217) relata seu estudo acerca das ‘representações musicais’ [musicalimagery]2 — “a experiência de ‘repetir’ a música através de imaginá-la em sua cabeça”— onde utiliza ambas as ferramentas: behaviorista e neurocientífico-cognitiva. Ex-periências foram realizadas com músicos e não-músicos, incluindo indivíduos quehaviam sofrido lobectomia temporal para tratamento de epilepsia. A autora afirmaque um dos desafios de se estudar a representação sonora construída mentalmente éo de como “externar o que é justamente uma experiência interna” (p. 218), por isso acombinação das duas modalidades de pesquisa. É interessante notar, neste estudo, o resultado apontando para o fato de que uma árearesponsável pela escuta no cérebro (córtex auditivo secundário) permanece ativadatanto na escuta real, como na recuperação dessa audição na memória através da ima-ginação. Um dos resultados mais surpreendentes mostrado por Halpern, porém, é aatuação marcante da Área Motora Suplementar (AMS) na construção da representaçãomusical, superior à sua atuação na escuta musical, “ainda que os sujeitos não estives-sem verdadeiramente produzindo nenhum movimento motor” (p. 223). Halpernafirma que a “ativação da AMS tem sido observada quando se é requisitado aos su-jeitos para que gerem uma fala internalizada e vocalizem a música abertamente”.Acrescenta que esta ativação “pode refletir um processo de ensaio subvocalizado, seja

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1 A tradução de ill-structured domains para ‘domínios não estruturados’ é imprecisa, já que otermo se refere à música em sua total complexidade, no contexto real. Talvez o termo maisapropriado fosse ‘domínios complexos’, embora este também detenha certo grau de imprecisão. 2 Por se referir a ambas as acepções neste contexto — visual e sonora — preferi ‘representaçõesmusicais’, no plural, às expressões ‘imaginação’ ou ‘visualização musical’ para traduzir a ex-pressão original musical imagery.

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de palavras ou música como suporte do desempenho [da imaginação sonora] numatarefa que de outra maneira seria difícil” (p. 223-224).É importante frisar que as experiências foram realizadas em duas etapas: a primeira,cujos resultados foram sinteticamente mencionados acima, utilizou-se de música can-tada (com letra). Uma segunda etapa utilizou-se de música instrumental. Os resulta-dos para a AMS, porém, foram equivalentes. A autora deduz que os indivíduos sevalham de alguma estratégia de subvocalização durante a imaginação musical. Noentanto, é de se notar que os sujeitos, nesta última etapa, ao contrário da primeira(onde se utilizou música com letra), tinham, todos, alguma formação musical e queo resgate da música na memória destes indivíduos poderia se operar de maneira di-ferente daqueles sem treinamento, idéia confirmada em outros estudos (Washington1994; Pascual-Leone 2009). Em outras palavras, um indivíduo que tocasse violinopoderia ter recorrido à memória tátil ao recuperar uma canção na imaginação, po-dendo ter ativado a AMS desta forma, e não necessariamente através da subvocaliza-ção. Poder-se-ia pensar ainda além, já que os estímulos para esta segunda etapa deexperiências foram feitos com música instrumental: é possível que músicos sejam ca-pazes de transferir sua experiência no seu instrumento para, digamos, outros timbres.Ou seja, um violinista poderia se ‘imaginar’ tocando um clarinete e até mesmo ‘sentir’que o está tocando através da transferência de sua experiência sonora/tátil a outroinstrumento que nunca tocou, mas assistiu/ouviu, ou mesmo interagiu em ensaios.Aceitando esta hipótese, somos levados a pensar que a vivência que leva um deter-minado músico à abstração dos elementos musicais seria a provável razão pela qualmúsicos experientes num instrumento sejam capazes de aprender rapidamente atocar outro instrumento, ainda que já na fase adulta. Supondo que esse tipo de transferência ocorra na mente do músico, é questionável aseguinte afirmação de Halpern: “quando pessoas não podem produzir sons de gui-tarras e clarinetes, o suporte da AMS pode não ser necessário para prover um pro-grama de ensaio motor” (p. 229). Idéia diferente aparece no estudo de Sergent et al.(1992) mencionado em Covington (2005, 28) que sugere que a “informação espacialrelativa às notas no pentagrama é gerada e coordenada com [grifo meu] a execuçãofísica real na performance musical”. Este estudo encontra uma relação no “córtex pa-rietal, que sugere um mapeamento entre a notação e o som numa área adjacente, masdistinta, à área onde há um mapeamento de linguagem de palavras orais e visuais” (p.28). Ou seja, o aprendizado instrumental pode operar essa conexão entre notaçãomusical e ensaio motor, daí a possibilidade de transferência de memória tátil/sonorapara a notação musical e vice-versa. No entanto, ainda que a memória motora tenha uma participação crucial da repre-sentação mental da música, é comprovado o fato de que “na maioria das tarefas derepresentações auditivas, a voz interna tem um papel importante e, se bloqueada(como foi feito em certo experimento)3, há uma perda significativa no desempenho”,o que corrobora o treinamento de solfejo tradicionalmente ensinado há anos nos cur-

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rículos de conservatórios e escolas de música (Convington 2005, 29).

Memória Sensório-motoraPascual-Leone (2009) examina a plasticidade do cérebro em estudos onde indivíduosaprendem novas habilidades instrumentais através da prática diária. O autor corro-bora o que já é sabido nas esferas não científicas da prática musical: não basta conhe-cer racionalmente como se toca piano ou violino, é preciso estabelecer um

“mecanismo de tradução”, onde o conhecimento é transformado em ação. Essa tradu-ção é operada através da prática constante, uma antiga máxima na formação de es-tudantes de música. Que essa prática deva ser eficiente, também não é novidadeàqueles familiarizados com a tradição pedagógica. Uma boa técnica é essencial paraa saúde do músico e a combinação do excesso de estudo com uma técnica deficientepode ser prejudicial. O autor, no entanto, oferece informações surpreendentes a res-peito de como a prática instrumental se opera no cérebro do músico e menciona aimportância que grandes instrumentistas como Horowitz e Rubinstein davam à prá-tica mental; o primeiro, antes de seus concertos, para evitar a resposta distinta depianos em que não estava habituado a tocar e se lembrar da resposta de seu próprioSteinway; o segundo, para evitar que a prática real lhe roubasse mais tempo do quegostaria de dedicar ao piano (p. 401). Ele enfatiza a importância do sistema sensorial e de sua interface com o sistema motorno que julga ser crucial para entender como a prática instrumental deixa de ser sau-dável para o desenvolvimento de habilidades instrumentais. Percepção, prática e me-mória se retroalimentam neste processo. Ao discorrer sobre a distonia focal eminstrumentistas, afirma: “Desorganização e conseqüente confusão nas recepções sen-soriais poderiam potencialmente levar a um controle pobremente diferenciado dasrepresentações motoras e ser os mecanismos subjacentes ao risco do controle falhode alguns instrumentistas” (p. 405). É importante entender que o excesso de práticapode levar a essa confusão do sistema sensorial, que passa a não diferenciar com aprecisão necessária certos movimentos para se tocar o instrumento. Ele explica: “empacientes com distonia, a mesma região do córtex sensorial pode responder a estí-mulos táteis em mais de um dedo” (p. 406). Sugere que os aspectos sensoriais devamser tão enfatizados na aquisição de habilidades musicais quanto os aspectos motores.Infelizmente, a tradição ainda enfatiza o aspecto motor (a máxima da ‘transpiração’versus ‘inspiração’), mas é de máxima urgência que os instrutores, bem como os pro-fissionais envolvidos na produção de música instrumental e vocal — seja ela sinfônica,operística ou camerística — ocupem-se da economia de esforço físico no ensino e naprática profissional e que se busque um equilíbrio sadio entre a prática diária — ne-cessária — e a imaginação, através do treino mental da música como abstração teóricae perceptiva, assim como do exercício, na memória, do treino físico já adquirido.

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3 A autora menciona um estudo em que os sujeitos chupavam bala enquanto realizavam tarefasde se lembrar de músicas ouvidas pouco antes das experiências ou bastante familiares a todos.

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Representação Semântica e EpisódicaCovington (2005) afirma que “não podemos presumir que [o ouvido interno] serásimplesmente um subproduto da prática auditivo-motora. Estudantes devem ser trei-nados a usar seu ouvido interno para dirigir sua interpretação, ao invés de usá-lo parareagir ao som” (p. 32). Assim como o treinamento auditivo das aulas de percepçãomusical e das aulas de instrumento podem não ser suficientes para o desenvolvimentopleno da imaginação sonora, também o treinamento conceitual das aulas teóricas demúsica necessitaria de sua contrapartida com ênfase no exercício da representaçãomental da obra musical. Além da ativação dos sistemas motor e sensorial, como vimos, estudos apontam paraa recuperação de uma memória semântica, particularmente na ausência da músicacantada, quando se executa tarefas de representação mental sem o ato de tocar oucantar ou quando se escuta música não familiar (Covington 2005, p. 29). Ao se re-lembrar de alguma obra musical, a não ser que se a tenha memorizado para tocá-lanum concerto-solo, por exemplo, dificilmente a obra será recobrada em sua totalidade.Em alguns momentos, podem-se recobrar padrões em pequena escala, tais como in-tervalos, acordes, frases, melodias familiares ou padrões métricos mais simples — oque a autora chama de memória episódica, aquela relativa a eventos específicos — ouainda recuperar relações de estruturas métricas, tonais, rítmicas, formais ou harmô-nicas em maior escala, o que Covington chama de schema, também conhecida pormemória semântica (p. 31). Um exemplo anedótico citado por Cook (1994, 88) ilustra a idéia de como a memóriasemântica não se torna necessariamente um subproduto da formação teórica. Aoouvir o trecho de uma obra pela primeira vez, estudantes de música são questionadospelo professor sobre em que parte estrutural certa obra foi interrompida. Na ausênciade resposta, o professor continua a audição e, numa segunda interrupção, os alunossão capazes de responder corretamente. Cook explica: os alunos eram capazes deouvir de determinada forma, mas escolheram não ouvir semanticamente na primeiravez. Sugere que esta — não semântica — é a forma com que a maioria das pessoasouve comumente. Cook, naquele momento, (1994, 81) criticava os estudos de psicologia cognitiva emmúsica como pretensos estudos sobre a ‘escuta musical’, quando, na verdade, eramestudos sobre o ‘treinamento auditivo’. Lamentava o fato de que se buscasse uma psi-cologia da teoria musical, como a pretendida por Lerdhal e Jackendoff (1983), ondeas ‘leis’ teóricas fossem as mesmas daquelas da percepção musical, do contrário, ha-veria uma falha na comunicação entre compositores e ouvintes (p. 87). Mais tarde,argumenta que a “percepção musical é pluralística e fluida” e que os ouvintes alternamconstantemente suas estratégias. Diz que o objetivo da teoria seria o de, “talvez, mudara maneira com que as pessoas experienciam a música” (p. 89) e, num exemplo sobreuma análise de Rosen (1976), pergunta-se: “Mas os ouvintes escutam tudo isso? Bem,talvez eles escutem depois de ter lido a análise de Rosen, que maravilhosamente logra

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afiar a percepção” (p. 90). A observação crucial, no entanto, é que a análise em questãonão é necessariamente correta, mas convincente, já que afeta e modifica nossa expe-riência de ouvir música.

ConclusãoFaz-se urgente que o ensino de música, no que se refere às disciplinas teórico-analí-ticas, assim como as aulas práticas de instrumento e de percepção musical, atentepara as recentes descobertas científicas nas áreas de saúde e de neurociência cognitiva.Enquanto algumas das antigas máximas têm sido avalizadas, outras têm sido ques-tionadas ou mesmo desconsideradas por estudos recentes. Muito do material produ-zido ao longo da história da pedagogia musical permanece válido, no entanto, épreciso rever a maneira como esse material tem sido utilizado, recriá-lo e adaptá-loàs necessidades dos músicos. Neste artigo, frisa-se a importância do sistema sensório-motor na aquisição de habi-lidades e desenvolvimento da memória musical instrumental e vocal, assim comonas aquisições mais conceituais através do desenvolvimento da memória episódica esemântica. Enquanto é possível que essas memórias sejam construídas como um sub-produto da formação auditivo-instrumental, é preciso atentar para o fato de que, senão forem enfatizadas na formação, correm o risco de permanecer em estado latenteou mesmo de afetar negativamente no desempenho profissional do músico. O trei-namento mental, entre outros benefícios, mostra-se como uma ferramenta de eco-nomia de esforços, utilizado anteriormente por músicos brilhantes e por atletas(Pascual-Leone 2009, p. 401), ferramenta esta que poderia evitar sofrimentos futuros. Finalmente, coloca-se a seguinte proposição: ainda que possam existir outros fatores,como uma predisposição genética, no desenvolvimento de doenças como a distoniafocal, não teria o estresse emocional, provocado pelas pressões da exigência de per-feição da profissão ou pelo assédio de superiores, uma participação, ainda que indireta,em doenças como a distonia focal? Em outras palavras, estando o desempenho domúsico instrumentista extremamente associado à sua imagem na sociedade, poderiao estresse, através de forçar uma prática neurótica e distorcida pelos aspectos emo-cionais, causar essa confusão no sistema sensório-motor? Acreditamos que essas eoutras questões relativas à saúde do músico estudante e profissional devam ser ende-reçadas, amplamente discutidas e trabalhadas em pesquisa.O sofrimento gerado por doenças adquiridas na profissão do músico instrumentistaé bem documentado em Costa e Abraão (2004). Acreditamos que é possível evitar outratar de doenças que têm afetado ou mesmo impedido a carreira de muitos músicosatravés da conscientização e da investigação contínua e esperamos que cientistas emúsicos invistam em pesquisas futuras sobre o assunto.

Agradecimentos à Fundunesp por apoiar a participação da autora no 7Simcam.

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Análise sobre os aspectos psicológicos presentes no processo de audiação em músicos profissionais

Ronaldo da [email protected]

Pós-Graduação em Música da Universidade Estadual de Campinas; Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí

Ricardo [email protected]

Pós-Graduação em Música da Universidade Estadual de Campinas

ResumoEsse trabalho apresenta a análise sobre os aspectos psicológicos presentes no pro-cesso de audiação em músicos profissionais. A pesquisa de natureza qualitativa, sebaseou na análise de conteúdos colhidos por meio de entrevista semiestruturada apli-cada em seis músicos profissionais (dois instrumentistas, dois regentes e dois com-positores). Os relatos dos depoentes levaram a formação da categoria A audiação navida profissional, em que sinalizou a relevância da prática diária da audiação por partedo músico profissional, pois se verificou de modo geral, que para os instrumentistas,a prática mental pode acelerar o processo de aprendizagem da obra musical, en-quanto que para os compositores aparenta ser a genuína força criadora das idéiasmusicais.

Palavras-chaveaudiação – percepção musical – cognição musical

IntroduçãoA presença equilibrada da imagem sonora na mente humana pode ser compreendidacomo uma atividade psíquica rotineira e desejável. Para os músicos profissionais temsido vista como um fenômeno atuante e de extrema utilidade, seja para o instrumen-tista, o regente, o compositor e para as demais vertentes da profissão musical. Ela nãose manifesta por meio de ondas sonoras; sendo assim, não é regida pelas leis da acús-tica. De acordo com Sacks (2007, 41), a imagem sonora é a música “que toca na nossacabeça”, identificada por Gordon (2000, 16) como uma “imagem vívida ou figurativado que o som musical representa”. Essa “imagem vívida ou figurativa” pode passar àmargem de uma compreensão sintática do fenômeno aural, por centrar-se em ques-tões superficiais da estrutura sonora, o que poderá ser positivo ao músico menos ex-periente, por favorecer àquele que a processa uma experiência sensorial significativa.Sloboda (2008), entretanto, identifica duas chaves para a compreensão profunda dofenômeno sonoro, que envolvem a memória musical: a capacidade de representar emmúsica uma vasta e complexa gama de elementos estruturais, e a possibilidade emadquirir um vocabulário específico que descreva esses elementos. Diante disso, a

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consciência musical gerada pelo domínio sintático do discurso sonoro poderá ofereceruma imagem musical majorante, isto é, mais desenvolvida. Gordon (1999, p. 42) anomeia como audiação, quando afirma que a “audiação é para a música o que o pen-samento é para a linguagem”.Sobre as diversas formas de audiação, Gordon (1999, p.42) explica que:

“Se você é capaz de ouvir um som musical e de dar um significado sintático ao quevocê vê na notação musical antes mesmo de você tocá-la, antes que alguém a toqueou, antes mesmo de você escrevê-la, então você está procedendo a audiação nota-cional.”

Segundo Sloboda (2008) a sintaxe é um dos componentes presentes na linguagem ena música. A assimilação do seu sistema e a decodificação do seu conjunto de se-qüências pode favorecer a compreensão dos elementos da estrutura musical, o quepoderá levar ao músico uma organização da conduta cognitiva, remetendo-o à ativi-dades generalizáveis na prática audiativa. Para Montangero e Maurice-Naville (1998,167), esse panorama resume o conceito de esquema, cunhado por Piaget (1896 - 1980),como “o esboço geral que pode reproduzir-se em circunstâncias diferentes e dar lugara realizações variadas”. Um esquema, por exemplo, poderá agregar uma simples célula rítmica, que será umobjeto no qual buscará ser assimilado e acomodado psicologicamente pelo sujeito, sefor identificado nos diversos contextos de manifestação musical (leitura instrumental,leitura cantada, audição, etc). Caso esse fragmento rítmico não seja percebido emoutro contexto musical, o esquema não foi assimilado. Dessa forma, esse modelo teó-rico aponta como desequilíbrio a ausência da tomada de consciência por parte do mú-sico. Com respeito à ausência da equilibração nos diversos âmbitos da consciênciahumana, Piaget (1977, 24) comenta que “são de fato estes desequilíbrios o que cons-titui o motor da investigação; porque, sem eles, o conhecimento manter-se-ia estático.[. . .] os desequilíbrios desempenham apenas um papel de arranque, porque a sua fe-cundidade se mede pela possibilidade de os ultrapassar, por outras palavras, pela pos-sibilidade de se livrar deles”.De modo inverso, sendo o esquema assimilado, o indivíduo se equilibra sob o pontode vista psicológico, pois o problema de identificação e execução do padrão rítmicofoi solucionado, isto é, é reconhecível de modo abstrato em qualquer forma em queseja apresentado, no contexto musical. Ele está pronto para novos desequilíbrios aindamais complexos, por meio do diálogo entre o meio e os seus esquemas já assimila-dos.Diante dos argumentos levantados anteriormente, a tomada de consciência de Piagetapresenta aspectos colaboradores ao entendimento da audiação notacional de Gordon,pois esta se refere ao pensamento musical consciente no músico profissional, que po-derá resultar no aprimoramento de sua compreensão sonora à bases mais complexas,no âmbito mental. Mas, como o músico profissional utiliza, de forma prática, a suaaudiação? Seria a audiação um conceito com maior validade teórica do que prática?

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ObjetivosA fim de visualizar as respostas válidas para as dúvidas levantadas, essa pesquisa bus-cou compreender qual a relevância da audiação no dia a dia do músico profissional.Identificar, analisar e inferir as características nas quais a audiação é processada.

MetodologiaSeis músicos profissionais foram entrevistados separadamente, a saber: dois instru-mentistas (pianista e percussionista), dois regentes e dois compositores. A maneiraadotada de interagir com os depoentes foi por meio da entrevista semiestruturada,que, de acordo com Lankshear e Knobel (2008, 174), inclui:

“uma lista de questões previamente preparadas [em que o pesquisador as utilizacomo guia], acompanhando os comentários importantes feitos pelo entrevistado.[…] Os pesquisadores podem prontamente comparar respostas à mesma questão,e ao mesmo tempo permanecer abertos a pontos de discussão importantes masnão previstos.”

As perguntas foram divididas em dois grandes grupos: 1) apresentação dos entrevis-tados — cinco questões; 2) perguntas que focavam o tema da pesquisa — quatro ques-tões. O objetivo do primeiro grupo de questões foi o de localizar o leitor diante dorespondente, ao fornecer informações relativas à idade, a citação de professores, con-certos, gravações, composições e prêmios mais relevantes; o objetivo do segundogrupo de questões foi o de permitir aos participantes relatar as suas experiências mu-sicais empíricas diante do processo de audiação. Nessa comunicação, focaremos ape-nas a terceira pergunta do grupo dois, e as implicações da resposta, emitida pelosparticipantes, da questão: Hoje, qual a relevância da audiação em sua vida profissional?Em quais situações cotidianas e de que forma você a utiliza?Os dados coletados foram analisados com um conjunto de técnicas sugerido por Lau-rence Bardin (2008, 44), conhecido como Análise de conteúdo, que pode ser resumidonuma

“análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e obje-tivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não)que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições deprodução/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.”

O objetivo da escolha dessa ferramenta de análise foi transformar as informaçõesbrutas, isto é, apresentadas da maneira em que foram colhidas, e tratá-las a ponto detornarem-se acessíveis e manejáveis, a fim de serem feitas representações condensa-das e explicativas. Como estratégia para atingir esse resultado, Bardin (2008) estabe-lece a importância de que o processo de investigação passe por três fases: a pré-análise,a exploração do material e o tratamento dos resultados.

Pré-análiseA pré-análise, momento do primeiro encontro do pesquisador com o material a ser

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analisado. Bardin (2008, 121) refere-se a esse momento como“a fase de organização propriamente dita. Corresponde a um período de intuições,mas tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as idéias iniciais, de ma-neira a conduzir a um esquema preciso de desenvolvimento das operações suces-sivas, num plano de análise.”

É possível ocorrer nessa fase atividades não estruturadas, isto é, atividades em quenão há o rigor em segui-las de modo sistemático, nem mesmo é elencada uma ordempara que elas se apresentem. Há casos em que é aceitável que uma ou mais atividadessejam suprimidas. Elas são a leitura “flutuante” do material, a escolha dos documentos,formulação de hipóteses e dos objetivos, referenciação dos índices, a elaboração dosindicadores e a preparação do material.

a) A Leitura FlutuanteSão as primeiras leituras do pesquisador sobre os documentos a serem analisados.Por ser uma leitura despretensiosa, o texto passa a se tornar conhecido ao investigador,alimentando-o de impressões e orientações a serem confirmadas por releituras domaterial. Com o passar do tempo o texto torna-se mais preciso devido à emersão dehipóteses, à “projeção de teorias adaptadas sobre o material e [à] possível aplicaçãode técnicas utilizadas sobre materiais análogos” (Bardin 2008, 122).

b) A Escolha dos DocumentosOs relatos das entrevistas formam o corpus que “é o conjunto de documentos tidosem conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos” (Bardin 2008, 122).Para que a escolha dos documentos seja validada, é necessário que se constitua sobrea base de quatro regras: 1) Exaustividade – todos os elementos do corpus deve serapropriado, sem deixar nenhum de fora por qualquer razão injustificável; 2) Repre-sentatividade – refere-se à amostra, isto é, parte que represente o universo inicial; 3)Homogeneidade – utilização do mesmo critério para a seleção dos documentos, evi-tando as singularidades; 4) Pertinência – servir de fonte útil de informação à análise.

c) A Formulação das Hipóteses e ObjetivosA formulação de hipóteses nem sempre é estabelecida na pré-análise, tampouco éobrigatória ao se proceder a análise. A formulação dos objetivos indica o ponto dechegada a que o pesquisador deseja atingir.

d) A Referenciação dos Índices e a Elaboração dos indicadoresA menção de um determinado tema gerou a referenciação de índice desse trabalho,enquanto que o indicador é a freqüência na qual o tema surge no decorrer do discurso,seja de maneira explícita ou implícita. Bardin (2008, 131) considera que essa espéciede análise temática “consiste em descobrir os “núcleos de sentido” que compõem acomunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição podem significar algumacoisa para o objetivo analítico escolhido”.

Exploração do MaterialA exploração do material é o momento em que se codifica o material, por meio de re-

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cortes, agregações e enumerações, de modo que os dados atinjam um grau de repre-sentação do conteúdo. Os depoimentos tidos como respostas às questões foram co-lhidos na íntegra, respeitando as construções gramaticais de cada depoente, as pausaspara reflexão (indicado por colchetes e reticências, por exemplo, […]), inflexões notom de voz (quando apresentarem grande ênfase, as palavras foram transcritas emcaixa alta), gírias, entre outros. Bardin (2008) nomeia ferramentas que facilitam a identificação e a retirada dos ele-mentos significativos do texto: a unidade de registro (ur) – “é a unidade de significadoa codificar e corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como unidade base,visando à categorização e a contagem freqüencial” (ibid., 130), a unidade de contexto(UC) – “serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registro e cor-responde ao segmento da mensagem, cujas dimensões são ótimas para que se possacompreender a significação exata da unidade de registro” (ibid., 133); a categorização(CAT), de acordo com Bardin (ibid., 145):

“é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto pordiferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia),com critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quaisreúnem um grupo de elementos [. . .] sob um título genérico, agrupamento esseefetuado em razão de características comuns destes elementos.”

Tratamento dos ResultadosO tratamento dos resultados resume-se em manipular os dados codificados, em dire-ção à inferência, que se divide em três elementos: a mensagem – elementos central, eos polos emissor e receptor.

Análise de Conteúdo - CategorizaçãoA tabela a seguir oferece uma visão panorâmica sobre a categoria A audiação na vidaprofissional. Nem todos os entrevistados, identificados como sujeitos (S), ofereceraminformações detalhadas, que pudessem ser utilizadas em todas as ur(s). Na tabela 1,S1 e S2 referem-se aos instrumentistas (pianista e percussionista, respectivamente),S3 e S4 indicam os regentes, e S5 e S6 identificam os compositores.

Resultados FinaisDe acordo com uma leitura atenta a essa categoria, é possível perceber que, para omúsico de alta performance, a audiação não é uma atitude esporádica, que acontecede vez em quando. Ele a incorporou no seu estilo de vida. Não é uma apropriaçãoapenas diante do instrumento, do grupo a ser regido ou da folha pautada em branco.O estudo musical não depende de material concreto para se realizar. Sendo assim, apalavra instrumento assume a sua função real: uma interface que leva música às pes-soas. Essa música não nasce de um pedaço de madeira, mas da cognição humana.Diante disso, para os instrumentistas e os regentes, a audiação impulsiona o trabalho

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de re-criação da obra do compositor. A construção de uma interpretação pessoal, seminfluências diretas de determinadas orquestras, grupos ou solistas, torna o produtomusical de maior valor, pois evita um possível “plágio interpretativo”. Referindo-se aisso, os entrevistados contribuem: “eu aprendo as músicas sem o aparelho de som, namesa estudando. [. . .] Quando eu abro uma partitura já escuto” (S4); outro músicoainda acrescenta: “Eu pego a partitura e faço uma análise; inclusive eu não gosto nemde tocar a partitura, não gosto de escutar a gravação da partitura” (S3).Para um dos sujeitos instrumentistas, o canto pode propiciar uma intimidade paracom a obra musical: “Você começa a batucar: ‘como é que vou fazer?’ [. . .] ‘Eh! Essetrecho é chato! Vou fazer assim!’ Você começa a cantar aquilo. Apesar de nunca tersido tocada, aquilo se torna uma obra que você já é íntimo dela” (S2). Posteriormentecomplementa que a leitura cantada pode ser uma ferramenta para conhecer umaquantidade maior de repertório, sem a necessidade de estar diante do instrumento.Dessa forma, a escolha e o estudo do repertório não dependem de local e horário. Omúsico apto a audiar encontra chances de estudar a obra musical em oportunidadescotidianas, como afirmam os entrevistados: “Antes de dormir [. . .] NOSSA! NOSSA! Éa melhor hora para aprender. Você vai lá e escuta!” (S1); “Às vezes, eu estou comendo,ponho a partitura e estou estudando” (S3); “Você pega a partitura, decifra; está emcasa, está no ônibus, está lendo” (S2).O constante vai e vem de sons na mente do músico, a organização do pensamentomusical, a transcendência da partitura pelos instrumentistas e regentes, e a capaci-dade dos compositores de arquitetar edifícios sonoros refletem-se na qualidade final

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TABELA 1 – Quadro panorâmico das unidades de registro, unidades de contexto e nú-mero de intervenções dos participantes, referentes à categoria A audiação na vida pro-

fissional, resultantes da análise de conteúdo das entrevistas.

UC1: Como audia Sujeitos ur1: não toca e não ouve gravação ur2: canta

S3 e S4 S2

UC2: Quando audia ur1: antes de dormir ur2: durante a refeição

S1 S3

UC3: Onde audia ur1: casa / ônibus S2 UC4: Por que audia ur1: produz tranquilidade ur2: agiliza o aprendizado ur3: visão geral da partitura

S1 S1 e S2 S3

UC5: Objetivo da audiação ur1: construir a interpretação S3 e S4 ur2: escolher a obra S2 UC6: Benefício da audiação ur1: independência de instrumentos como suporte ur2: consciência musical

S5 S2

UC7: Uso do instrumento como suporte ur1: usa com naturalidade S2, S3, S4, S5 e S6

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do produto, seja na performance ou na obra grafada. O momento de contemplaçãoartística sentida pelo público é resultante do árduo estudo do músico que buscou, ini-cialmente pela audiação, elementos que produzissem em si, tranqüilidade: “o tempotodo áudio. Aliás, cada vez mais. [. . .] Essa busca me tranqüiliza, ela me localiza” (S1).Da sensação de tranqüilidade resulta a segurança na execução da obra musical.A audiação promove na vida de S1 e S2 um menor tempo no aprendizado da obramusical, como seguem os relatos, respectivamente: “Quando eu tenho que aprenderuma música rapidamente, tocar a sonata de Brahms na semana que vem, eu trabalhomuito mais fora do piano do que no piano. O que eu trabalho no piano são questõesfísicas, técnicas, mas a música, ela está [. . .] ela é anterior a isso, cada vez mais” e “Poruma questão de agilizar o estudo, entendeu? Não era sempre que eu podia estar nafrente de um tímpano”.Para S3, o desafio do regente é manter a unidade da obra, acrescentando o acaba-mento do fraseado, equalização sonora, adequação do timbre, entre outros. Como re-sultado, afirma: “eu tenho que ter uma visão geral da partitura” (S3). A audiaçãooferece opções para a construção da interpretação do músico. Quando o estudo téc-nico instrumental precede o estudo pela audiação, o estudante “deixe as dificuldadestécnicas influenciarem a interpretação” (S4).O compositor que desenvolve um alto nível de audiação torna-se independente defontes sonoras externas. Pode trabalhar em qualquer tempo e lugar: “a audiação éuma ferramenta importante porque te possibilita momentos de criação sem que vocêtenha, necessariamente, o suporte de um instrumento” (S5). Da mesma forma, ampliaa consciência musical do intérprete.Embora os entrevistados entendam que o pensamento musical deva ser autônomo,não excluem o uso de instrumentos musicais como auxílio ao estudo da obra: “quandoeu vejo que tem uma harmonia que é muito intrincada no vibrafone, por exemplo,que é um instrumento bem harmônico, [. . .] aí eu olho a melodia e [. . .] ‘UAU! A me-lodia é bonita, mas como é que vai ficar o som dessa harmonia?’ [. . .] Às vezes eutenho que partir para o instrumento” (S2); “[. . .] e usando o piano ou não, pra você,às vezes, tem uma dificuldade de escutar isso, daquilo” (S3); “Quando tenho algumasdúvidas, ou preciso ver as harmonias, eu uso o piano” (S4); “Eu acho uma recusa meioboba; se você tem o piano do lado, por que não consultar o piano em alguns momen-tos? Veja que uma obra eletroacústica, você não tem exatamente como [. . .] você pre-cisa do instrumento, no caso o computador, pra sintetizar os sons, pra fazer testes. Éum verdadeiro laboratório” (S5); “Se eu precisar, eu quero uma melodia ‘X’, escrevo,harmonizo e distribuo, escrevo para os instrumentos sem precisar do piano. Só queacontece o seguinte: quando eu experimento no piano, sempre o piano me dá maisopções. Qualquer música que eu escrevo, faço a orquestração, escrevo tudo e tal… eusó dou por terminada quando eu ponho no piano e leio nota por nota” (S6).

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ConclusãoDiante do estudo realizado, concluímos que a audiação é uma atividade relevante erotineira na vida profissional dos músicos entrevistados. A assimilação dos esquemasreferentes aos parâmetros e aos elementos musicais de modo profundo, permitiu aosdepoentes poderem vivenciar a música no plano mental. Para os instrumentista e re-gentes, verificou-se o que a ativação da audiação “parece ser suficiente para promovera modulação de circuitos neurais envolvidos nas primeiras etapas do aprendizado dehabilidades motoras” (Pascual-Leone, apud Sacks 2007, 43). As ativações desses cir-cuitos neurais podem significar melhora na execução, requerendo menor tempo deprática física, diante do instrumento, além de uma maior possibilidade de se libertardas dificuldades técnicas instrumentais, o que propicia um significativo aumento daqualidade interpretativa. Para os compositores, a audiação tornou-se a matéria primapara a composição. De acordo com Sessions (apud Gardner 1994, 80), “a imaginaçãoauditiva é simplesmente o trabalho do ouvido do compositor, completamente con-fiável e seguro de sua direção como ela deve ser, a serviço da concepção claramentedelineada”.

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Rodolfo Ilari (Londrina: EDUEL, 2008).

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Música na carne: o advento da experiência musical incorporadaMarcos Nogueira

[email protected] de Música – Universidade Federal do Rio de Janeiro

ResumoA Psicologia Cognitiva e a Neurociência contemporânea vêm comprovando, nas últi-mas décadas, que nossas inferências intelectuais são produzidas pelo mesmo apare-lho cognitivo, pela mesma arquitetura neuronal que usamos em nossas açõesperceptivas e corporais. Ou seja, neste contexto não haveria possibilidade de exis-tência de uma mente separada e independente das capacidades corporais. A razãousaria essas mesmas capacidades para se constituir. Assim sendo, nosso sentido doque é real tem origem nas ações do nosso corpo enquanto unidade formada peloaparato sensório-motor e o cérebro: nossos sentidos são incorporados

. Neste artigo proponho reconhecer que a experiência do objeto musical envolve trêsníveis concorrentes: (a) a percepção dos traços distintivos dos objetos sonoros e oefeito de “animação” que a sua variabilidade produz no nosso sistema conceitual;(b) a produção de formas e sintaxes estilísticas resultantes da ação do imaginário eda habituação de recorrências; e (c) os efeitos emocionais gerados na troca comuni-cativa entre um conteúdo musical e um conteúdo mental. A experiência de movi-mento em música e os mecanismos cognitivos que empregamos para conceitualizá-lodeterminam os demais níveis de experiência, sintático e emocional. Saliento que naexperiência do movimento musical buscamos referências reais e essa experiência éum reflexo da nossa experiência de vida corporal. O artigo discute, pois, os resultadosde um dos vieses da pesquisa por mim iniciada em 2001, dedicada ao campo quedenominei “semântica do entendimento musical”, e que tem como objetivo centralo estudo do processo de produção de sentido no ato da escuta dos objetos musicais.Está em discussão, em especial, a proeminência do papel das descrições conceituais(proposições) na revelação da condição incorporada que assume a mente humanana constituição do sentido musical e sua contribuição para o entendimento das deci-sões tanto interpretativas (seja de ouvintes ou de executantes) quanto composicio-nais.

Palavras-chavesentido musical – metáfora conceitual – objeto musical

Não há música sem a presença de um ser humano capaz de converter sons em música.Palavras podem descrever os objetos musicais e a sua experiência, mas somente à me-dida que puderem ter o sentido que a música tem para quem a experimenta. Os ter-mos “música” e “objeto musical” referem-se a aspectos específicos do mundo humano.Nesses termos, como lembra Thomas Clifton no início de seu Music as heard, “músicaé a atualização da possibilidade de qualquer som que seja de apresentar a algum serhumano um sentido que ele experimenta com o seu corpo — isto é, com sua mente,

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seus sentimentos, seus sentidos, seu desejo e seu metabolismo” (Clifton 1983, 1). Con-seqüentemente, a diferença entre o som que é música e o som que não é música re-pousa no uso que fazemos dele na experiência. Um ouvinte em atitude musical estáabsorto na significação musical dos sons que experimenta; não, necessariamente,numa significação simbólica, mas em algo que é apresentado nos sons.Este artigo discute os resultados de um dos vieses da pesquisa por mim iniciada em2001, dedicada ao campo que denominei “semântica do entendimento musical”, eque tem como objetivo central o estudo do processo de produção de sentido no atoda escuta dos objetos musicais. Discuto aqui, em especial, a proeminência do papeldas descrições conceituais, das proposições, na revelação da condição incorporadaque assume a mente humana na atribuição do sentido das coisas, e, sobretudo, naconstituição do entendimento musical.

Intencionalidade e objetos musicaisNo ato da escuta musical estão envolvidos percepção, imaginação, sentimento e juízo.Mas não são aos sons, propriamente, que visamos. A música que podemos experi-mentar quando alguém usa uma flauta como instrumento musical não é o som par-ticular que “vem da flauta”. O conhecimento de que o som ouvido tem origem naflauta — enquanto fonte sonora — não faz parte, estritamente, da experiência musical.A associação entre os sons e os objetos materiais e as máquinas nos quais são produ-zidos é apenas um sinal de que algo está ocorrendo no mundo físico, mas a músicanão está fatualmente no mundo, como os objetos físicos estão. Num esforço de con-sideração do objeto da experiência musical, Pierre Schaeffer cunhou o termo objetosonoro, a partir do qual desenvolveu uma análise fenomenológica que influenciousignificativamente os estudos acerca da experiência com a música, desde então.Tradicionalmente, não há em artes visuais reivindicações de correspondência com aÓtica. Não obstante reconhecermos as evidentes correlações implicadas no processosensório da luz e das formas visuais, bem como nas artes que as põem em jogo —como suportes ou estruturas —, não procuramos explicar uma pintura, uma esculturaou uma obra arquitetônica segundo as leis da Ótica. Contudo, em seu Traité des objetsmusicaux, Schaeffer ressaltou que tal confusão é freqüente entre Música e Acústica,mesmo em nossa atualidade. Uma das razões para essa confusão é estritamente sen-sorial. Se “objetos visuais” são também, entre outros, “objetos táteis” ocupantes deespaços e assinalados assim por mais de um sentido e afirmados por um conjunto deprovas, sons são eventos presentes a uma única modalidade de sentido: sons são “ob-jetos de audição” — como cores são objetos de visão. Um surdo pode reconhecer apresença de sons por meio da fisicidade tátil da vibração de ondas sonoras, mas ossons mesmos não estão incluídos nessa experiência.Cores são qualidades presentes em todas as coisas — podem ser assim entendidascomo qualidade secundária das coisas –, são dependentes das coisas que as possuem.Sons, ao invés, não são comparáveis a coisas e tampouco comparáveis com proprie-

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dades das coisas, pois não são qualidade de nada. Os objetos não têm sons, do modocomo têm qualidade de cor: eles emitem sons quando postos em movimento pela na-tureza ou por ações humanas deliberadas ou não. Assim sendo, podemos entenderque o som está na coisa como virtualidade a ser atualizada, ou seja, existe apenascomo conseqüência de uma ação exercida sobre a coisa.Sendo assim, objetos são, de um ponto de vista metafísico, causa dos sons cujas qua-lidades não incluem os efeitos táteis das vibrações, pois tais efeitos pertencem à outraordem de perceptos. Devido à exclusividade do processo auditivo em assinalar os sons,desenvolvemos, de algum modo, padrões perceptivos que se configuram por corre-lações diversas entre sons experimentados e coisas da ordem visual, tais como ins-trumentos musicais, máquinas, animais e fontes sonoras em geral. Schaefferchama-nos, a propósito, a atenção para a diferença entre luz e som na nossa atividadesensorial. Quando percebemos um objeto iluminado, ou seja, a sua “forma”, a fonteque fornece os raios luminosos de que se reveste o objeto — seja ela o sol ou um pro-jetor qualquer — é naturalmente negligenciada em proveito do objeto. “Os sons, apa-rentemente, provêm de fontes; e ao que parece, o que interessa ao ouvido, ao contráriodo que ocorre aos olhos, são os raios sonoros” (Schaeffer 1993, 138).Em seu discurso, Schaeffer salienta o notável apelo que exercem as causas dos sonsem nossa cultura. Ao ouvirmos um enunciado verbal, visamos imediatamente aosconceitos que nos são por ele transmitidos; ao escutarmos o som de um latido, visa-mos ao cão — ou seja, é em relação ao cão que escutamos o som como índice — e,nesse caso, não há, propriamente, um “objeto sonoro”: há apenas uma percepção, umaexperiência auditiva, através da qual visamos a um outro objeto. Em outras palavras,é fácil confundir o objeto percebido e a percepção que dele temos. Durante a maiorparte do tempo, a nossa escuta visa a “outra coisa”. Insistimos em ouvir senão indíciosou sinais: uma escuta que se mantém, de modo geral, num estágio estritamente refe-rencial. Embora mostremos interesse pelos sons eles mesmos, num primeiro mo-mento não vamos além de dizer “é o latido de um cão”, ou até mesmo “é um dó gravede flauta”. E Schaeffer já salientava, em seu Traité, que quanto mais hábeis nos torna-mos para identificar indícios sonoros, maior se torna nossa dificuldade de entendê-los como objetos: “quanto mais fácil nos é compreender uma linguagem, tanto maisdifícil nos será ouvi-la” (Schaeffer 1993, 246).Dessa experiência resulta a pergunta: o som não pode ser pensado sem a coisa a partirda qual foi produzido? De fato, a possibilidade de uma autonomia para a percepçãodos sons esbarra em sua debilidade e sua impermanência, pois os sons estão semprena iminência de desaparecer, dada a ausência de vínculos com as coisas materiaiscomo aqueles que nestas são sinalizados nas operações sensoriais da visão ou do tato.Todavia, a possibilidade de haver ainda sons cujas fontes (causas) não sejam identi-ficáveis ou mesmo que não pareçam responder sonoramente a ações humanas, isto é,de haver uma desvinculação entre som e causa, trouxe-nos, nas últimas décadas, umanova formulação acerca do caráter da experiência do som musical. Se o som sempreesteve associado ao fenômeno energético que lhe dá origem, até mesmo confundindo-

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se com ele na prática cotidiana — incluindo-se aí a musical —, a noção de objeto so-noro era então negligenciada pela Acústica, que no seu método de remissão dos fatosàs respectivas causas reconhecia como plenamente satisfatória a descrição do fenô-meno energético (o sinal físico) como fonte sonora. Assim sendo, não havia razãopara que o ouvido, a partir da “propagação de radiações mecânicas no ar”, percebesseoutra coisa senão a própria fonte sonora.Todavia, na experiência do som musical — a forma sonora que denominamos música— normalmente menos importa como nascem os sons ou qual o mecanismo de suapropagação, que como são percebidos e apreendidos. Como ensinou Schaeffer, na ex-periência musical o que escutamos não são nem as fontes nem os sons, simplesmente,mas sim objetos sonoros, formas sonoras com sentido musical potencial. Portanto, emalgum estágio dessa experiência separamos, espontaneamente, o som das circuns-tâncias de sua produção e o ouvimos como é em si. E isto Schaeffer denominou ex-periência acusmática do som — renovando o termo grego akousmatikoi 1, que diz dosom que se escuta sem, contudo, se verem as causas de onde provém.O projeto de Schaeffer teve como pano de fundo a produção da chamada “música ele-troacústica” nascente — uma música que devido a seu modo de reprodução original-mente mecânico, prescindia ineditamente da performance —, e visava, pois, adeslocar a atenção antes dividida com toda a sorte de “materialidades” (como instru-mentos e acessórios, sonoridades, partituras etc.) e procedimentos (a aparência, arespiração, os gestos dos intérpretes-executantes etc.) envolvidos na performancemusical, para a exclusividade do que está no som: o objeto sonoro. Trata-se, portanto,de uma tentativa aparentemente inviável de violar a tese, de Merleau-Ponty, da inter-sensorialidade, uma vez que segundo este os diversos canais perceptivos não seriampassíveis de isolamento — não poderia haver, estritamente, escuta acusmática ou mú-sica acusmática. Então Schaeffer procurou resolver essa dificuldade com o desenvol-vimento de uma espécie de “percurso” da escuta, recorrendo para isso à sinonímia,precisando as variantes lingüísticas do ato da escuta e especializando seus sentidos(no que entendeu serem os quatro modos de escuta: ouvir, escutar, entender e com-preender).Ainda que não seja possível isolarmos os diferentes “modos de escuta”, na cultura mi-diática as materialidades e os comportamentos comprometidos em uma provável per-formance que anteceda e determine os objetos “difundidos“ vêm se tornando cadavez mais irrelevantes. Ao escutarmos objetos sonoros cujas causas instrumentais estãocada vez mais freqüentemente ocultas, tendemos a nos desinteressar por essas causase atentar apenas para os objetos eles mesmos. Cumpre enfatizar, no entanto, que adissociação de vista e ouvido — que favoreceria a estrita escuta do que há nos sonsmusicais — não seria plena apenas a partir da experiência “acusmática” de Pitágoras.

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1 Acusmáticos, dizia-se dos discípulos de Pitágoras, que durante anos ouviam as lições do mes-tre por detrás de uma cortina, observando silêncio absoluto, desse modo ouvindo apenas a vozque a eles chegava livre da distração dos olhos.

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Somente com a difusão dos novos meios de reprodutibilidade da “base sonora” dosobjetos musicais é que as condições efetivas para promover um desencorajamento danossa curiosidade instintiva pelas causas vêm se tornando decisivas. Podemos obser-var que a repetição do sinal físico da música, que as tecnologias de gravação permi-tiram, nos ajuda na aproximação do objeto sonoro de maneira renovadora. Antes detudo, por reduzir, paulatinamente, o interesse pelas fontes, colocando, pouco a pouco,o objeto sonoro como novo e digno interesse perceptivo. Além disso, em virtude depossibilitar escutas mais completas e refinadas, a “cultura da repetição” nos revela demaneira mais intensa e consistente a riqueza potencial dos objetos sonoros da música.Enfim, com sua incipiente fenomenologia2, Schaeffer evidenciou um conceito — ecunhou um termo — que viria transformar significativamente a pesquisa acerca daexperiência musical. Existe propriamente objeto sonoro quando tivermos completadoo que Schaeffer denominou uma “redução” — usando o termo husserliano — mais ri-gorosa que a “redução acusmática” da experiência de Pitágoras. Restringimo-nos,assim, às informações fornecidas pelo nosso ouvido, que dizem respeito apenas aoevento sonoro em si mesmo. Portanto, não procuraríamos obter informações sobreoutra coisa. É o próprio som a que visaríamos — intentamos escutar apenas o objetosonoro que se dá “no encontro de uma ação acústica e uma intenção de escuta”: umaescuta reduzida. Essa nova situação produz novos hábitos na relação com o som mu-sical. E na experiência midiática da música isso tem levado, cada vez mais radical-mente, à renúncia da presença e da performance, permanecendo na escuta apenasobjetos sonoros com sentido musical: objetos musicais.

Eventos, causas e metáforas primáriasTendo em vista o que foi discutido até aqui, enquanto ouvimos sons como músicaocorrem simultaneamente três processos: a realidade física das vibrações e das ondassonoras; o som que percebemos auditivamente na experiência dessas vibrações; e oobjeto musical que escutamos nos sons como objetos sonoros, isto é, o objeto inten-cional da escuta musical. Proponho reconhecermos que a experiência do objeto mu-sical, por sua vez, envolve três níveis concorrentes: (a) a percepção dos traçosdistintivos dos objetos sonoros e o efeito de “animação” que a sua variabilidade produzno nosso sistema conceitual; (b) a produção de formas e sintaxes estilísticas resul-tantes da ação do imaginário e da habituação de recorrências; e (c) os efeitos emo-cionais gerados na troca comunicativa entre um conteúdo musical e um conteúdomental. A conceitualização da experiência do objeto musical nestes três níveis revelao quanto somos hábeis em transferir sentidos entre domínios de experiência distintos.Refiro aqui às projeções metafóricas que estão na base da maior parte da nossa pro-

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2 O próprio Schaeffer assim o reconhece: “durante anos exercemos a fenomenologia sem sabê-lo (…). Apenas tardiamente pudemos reconhecer uma concepção do objeto que a nossa pes-quisa postulava, cercada por Edmund Husserl de uma exigência heróica de precisão queestamos longe de pretender ter” (Schaeffer 1993, 237).

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dução de sentidos, e que, particularmente, dão origem ao entendimento musical.A experiência de movimento em música e os mecanismos cognitivos que empregamospara conceitualizá-lo determinam os demais níveis de experiência, sintático e emo-cional. Essa experiência do movimento resulta da nossa tendência em identificareventos sonoros distintos e em agrupá-los em unidades estruturáveis. Na experiênciado movimento musical buscamos referências reais e essa experiência é um reflexo danossa experiência de vida corporal. Ao “ouvirmos” movimento, estamos ouvindo umaespécie de animação: uma “aparência de vida”. Saliento, entretanto, que o ritmo mu-sical é um fenômeno gestáltico que se assemelha, em alguns aspectos, à percepçãodos padrões visuais. Sua constituição exige a ação direta da imaginação e da subjeti-vidade dos desejos, uma vez que consiste em agrupações não derivadas de relaçõesreais com suportes materiais. Ritmo musical é movimento estruturado, uma expe-riência sintática.Como já assinalara Merleau-Ponty, em sua Fenomenologia da percepção, nossos ór-gãos sensoriais não são funcionalmente independentes um do outro, uma vez quesintetizamos as suas percepções empiricamente separadas. Em cada percepção háum eu indivisível para quem cada experiência constitui um sentido. Com freqüência,dizemos que o som produzido no registro médio do fagote é rouco e anasalado. Essaspalavras são, contudo, descritivas de nossa própria experiência corporal. A “textura”do som, ou melhor, o seu timbre, como fenômeno, não deve ser confundido com umestímulo acústico atingindo o nosso corpo. O nosso corpo é que produz seus efeitossobre as qualidades dos objetos sonoros ao ser ele mesmo afetado pelas propriedadessonoras daqueles eventos. Podemos entender então que o timbre, como fenômeno— uma textura que ouvimos nos objetos sonoros como sendo sua propriedade —,não é imanente ao fagote como presença física, mas aos sentidos dos eventos sonorosnele produzidos.O mesmo ocorre quando pensamos a música como algo que tem uma dimensão ho-rizontal e outra vertical3. É muito comum aí empregarmos também o termo “textura”,como uma metáfora de tecelagem, na qual a urdidura — os fios dispostos longitudi-nalmente no tear — representa a dimensão horizontal, os sons sucessivos que formamlinhas melódicas; e a trama — os fios transversais –, representa a dimensão vertical,os sons simultâneos que formam estruturas acordais. Quando falamos em textura dosobjetos musicais, referimo-nos a como esse “tecido” funciona, a quão densas são aslinhas verticais se comparadas às horizontais, a como as linhas horizontais “mudam”no tempo, movendo-se conjuntamente ou independentemente, e assim por diante. O

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4 O grande apelo desse sistema plano de coordenadas em nosso discurso da música deve-se,muito provavelmente, à disseminação da prática notacional tradicional da nossa cultura. Essatécnica, tal qual a espacialização produzida pela escrita literal, atribui à dimensão horizontala sinalização da sucessão temporal de eventos, mas sobrepõe verticalmente as várias ocorrên-cias lineares concorrentes. Entretanto, cumpre aqui salientar que nossa experiência da músicaenvolve outra dimensão espacial, por meio da qual localizamos objetos em níveis distintos deprofundidade, o que dá à textura plana ao menos o caráter de rugosidade.

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emprego da metáfora de tecido implica serem a urdidura e a trama mais que merasdimensões da música; são organizações que mantêm a música unida do mesmo modoque as fibras mantêm os tecidos. Textura é o que experimentamos quando ouvimosdurações, regiões de altura sonora (registros), distâncias, intensidades sonoras, pro-fundidades, timbres, direções, enfim, estamos falando de espaço e de objetos cujascaracterísticas dependem da nossa percepção de todos aqueles parâmetros. Quandoouvimos sons como música, distinguimos o espaço físico dos eventos acústicos doespaço fenomênico dos eventos musicais.No capítulo que dedica ao espaço, Merleau-Ponty (1994, 328) afirma que: “o espaçonão é o ambiente (real ou lógico) em que as coisas se dispõem, mas o meio pelo quala posição das coisas se torna possível”. O espaço é, antes de tudo, o campo de ação donosso engajamento corporal no mundo e está pressuposto em todo ato perceptivo.Por isso, a generalidade do espaço é algo que tem origem no ser humano que o expe-rimenta.4 Além disso, a distinção entre lugar e ocupante assinala uma importante di-ferença entre espaço e tempo, pois o tempo não é preenchido por coisas que neleocorrem, como são os espaços. Um evento sonoro, por exemplo, toma “algum tempo”,mas não compete com outros eventos pelo tempo que requer: os eventos podem sersimultâneos. Portanto, o caráter topológico do espaço, como sistema de lugares e su-perfícies, não se reproduz no domínio acústico musical. Na escuta musical experi-mentamos não apenas os eventos no tempo, mas confrontamo-nos com o própriotempo expandido, espalhado e oferecido à nossa contemplação e apreensão direta ecompleta, tal como o espaço está espalhado diante de nós no campo visual. No do-mínio acústico a ordem temporal é dissolvida e reconstituída como um espaço feno-mênico. E transferimos para esse espaço nossa familiaridade e os sentidos queforma-mos em nossas experiências de ação corporal — parece que podemos nosmover no tempo com a mesma autonomia que exercemos nossa mobilidade espacial.A experiência do objeto sonoro começa, como já discutido, no reconhecimento deeventos sonoros. E se é na sucessão temporal dos eventos sonoros, que ouvimos “mo-vimento”, precisamos estudar mais cuidadosamente as questões relativas a causas,eventos e tempo. Como Schaeffer observou, se na escuta dos objetos sonoros devemosnos desinteressar pelas causas dos sons, ao contrário eventos e causas musicais —como também estados e ações envolvidos — exigem a atenção de quem experimentaos sons como objetos musicais. O espaço acusmático está sempre associado a umacausalidade virtual; na escuta musical os objetos sonoros agem uns sobre os outros eessa causalidade é experimentada tanto como algo de ordem pré-conceitual — um

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4 Quanto a isso, Lakoff e Johnson fazem uma observação especialmente pertinente: a nossafala apresenta uma ordem linear, dizemos algumas palavras antes e outras depois; como a falamantém uma correlação com o tempo e o tempo é conceitualizado em termos de espaço, é na-tural também que conceitualizemos a linguagem metaforicamente em termos de espaço — eos nossos sistemas de escrita reforçam essa conceitualização. “Em virtude de conceitualizarmosa forma lingüística em termos espaciais, é possível a certas metáforas espaciais referirem-sediretamente à forma de uma frase como a concebemos espacialmente” (1980, 126).

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fluxo vital — quanto conceitual e proposicional — resultante de um alto grau de con-vencionalidade estilística. Quando a causalidade é experimentada como produto deformas estereotipadas, é percebida como inevitável. Nesse caso, parece-nos que umobjeto sonoro não dá, meramente, origem ao objeto seguinte, mas que cria uma talsituação que faz seu sucessor significar uma resposta correta e, muitas vezes, previ-sível.Os filósofos dedicaram-se, no curso da história, a uma variedade de teorias da cau-sação — envolvendo conceitos tais como forma, propósito, força, condição, relação— cada qual com a sua própria lógica; e ainda assim todas essas teorias são reconhe-cidamente teorias da mesma coisa. O conceito literal esquemático dos raciocínioscausais é: “causa é um fator determinante para uma situação”, seja a situação um es-tado, uma mudança, um processo ou uma ação. George Lakoff e Mark Johnson (1980)observaram que toda a riqueza de formas de raciocínio causal surge de duas fontes:um protótipo causal e uma grande variedade de metáforas para causação. Assim, ocentro do nosso conceito de causação é o uso volicional que fazemos de nossa forçacorporal para mudar algo fisicamente: uma causação prototípica. Extensões desseprotótipo dão origem aos casos em que uma causa abstrata é conceitualizada meta-foricamente em termos de força física através da metáfora primária “causas são forças”.E em virtude da causa ocorrer antes do efeito no caso prototípico, surgem ainda me-táforas como “precedência causal é precedência temporal”, “causas são correlações”ou “causas são fontes”.Estruturamos tanto os movimentos dos nossos corpos quanto os eventos no mundocom uma mesma estrutura neuronal (um esquema) para evento, que consiste, basi-camente, de: estado inicial, processo (aspecto central do evento) e estado final (re-sultante do processo). Algumas metáforas primárias são constituídas a partir dessemodelo geral como estruturas inferenciais. Por exemplo, os estados são conceituali-zados como “limites” no espaço; mudanças são conceitualizadas como “movimentos”entre localizações espaciais. Donde podemos concluir que nosso entendimento fun-damental de eventos e causas vem de duas metáforas: a que conceitualiza evento emtermos de localização e a que o conceitualiza em termos de objeto. Ambas têm comobase as metáforas primárias “causas são forças” e “mudanças são movimentos”, quepossuem um alto grau de convencionalidade em nossa experiência.

A conceitualização dos objetos musicaisO que significa dizer que os conceitos que produzimos no esforço de entendimentosão incorporados? Nosso sistema sensório-motor desempenha um papel essencial naprodução de tipos especiais de conceitos: conceitos aspectuais e espaciais. Qualqueruso que fazemos de conceitos requer ser constituído por nossa rede neuronal. E a es-trutura da rede determinará quais conceitos teremos e disso que tipo de raciocíniopoderemos fazer. O que a Psicologia Cognitiva e a Neurociência contemporânea vêmcomprovando nas últimas décadas é que nossas inferências intelectuais são produzi-

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das pelo mesmo aparelho cognitivo, pela mesma arquitetura neuronal que usamosem nossas ações perceptivas e corporais. Ou seja, as ciências cognitivas vêm mos-trando evidências de que não há uma mente separada e independente das capacidadescorporais; a razão, pois, usaria essas capacidades para se constituir. Assim sendo,nosso sentido do que é real tem origem nas ações do nosso corpo enquanto unidadeformada pelo aparato sensório-motor e o cérebro.O modo como categorizamos o real é conseqüência de como somos cognitivamenteincorporados. A categorização não é resultado de um “puro raciocínio”, mas emgrande parte determinada pela “experiência” que travamos corporalmente com omundo. Nossa condição de seres neuronais estabelece que as categorias que produzi-remos mentalmente serão formadas por meio de nossa incorporação, sendo assimpartes da nossa experiência. As categorias caracterizam-se como estruturas mentaisque diferenciam aspectos de nossa experiência, destacando-os de um todo antes in-diferenciado. Nesse contexto, aquilo que denominamos “conceitos” podem ser en-tendidos como estruturas neuronais que nos permitem constituir conhecimentossobre as nossas categorias. Um conceito incorporado é assim uma estrutura neuronalque usa nosso sistema sensório-motor, e por isso a maior parte das inferências con-ceituais são inferências de ordem sensório-motora.Os conceitos de relações espaciais formam o núcleo principal do nosso sistema con-ceitual. Lakoff e Johnson (1999) evidenciaram que tais conceitos caracterizam a

“forma espacial”, determinam o que ela é para nós e as inferências que fazemos de nos-sas experiências corporais. Contudo, aqui a questão central da pesquisa cognitiva éque nossos conceitos de relações espaciais são empregados inconscientemente pornosso sistema conceitual, quando percebemos uma entidade em ou através de outra.Ou seja, relações espaciais, em geral, seriam configurações complexas de relações es-paciais elementares cujas estruturas são constituídas pelo que denominaram esque-mas de imagem. Há uma lógica espacial construída em esquemas como, por exemplo,o de “caminho”: origem – trajeto – alvo. Seus elementos principais são, portanto, umatrajetória e os pontos de partida e chegada. Nosso conhecimento fundamental de

“movimento” é caracterizado por este esquema e sua lógica está assim implícita emsua estrutura. Enfim, diversos conceitos de relações espaciais são determinados poreste esquema; mas aquilo que mais merece atenção, no presente estudo, são as ope-rações essencialmente inconscientes que transferem sentidos constituídos em expe-riências sensório-motoras para outros domínios de experiência. Essa transferênciaproduz, por exemplo, a partir da experiência de “caminho” e dos conceitos dela gera-dos, outros conceitos como os de “projeto” ou de “melodia”.A questão subjacente aqui é que concreto e abstrato são conceitos interdependentes.Não podemos, por exemplo, falar de uma coisa “que existe” (concreta, do ponto devista da realidade), sem conhecer o conceito de “existência” (abstrato, do ponto devista do pensamento). O termo “concreto” é um conceito que designa algo que é reale múltiplo; o termo “abstrato” referencia algo concreto, tirando de sua multiplicidadealguma qualidade específica. Quando tentamos empurrar um móvel muito pesado,

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experimentamos a resistência “desse objeto” ao nosso esforço. A partir das categoriasformadas nessa experiência, elaboramos vários conceitos, dentre eles o de “dificul-dade”. Só pudemos conceitualizar a experiência, criando, dentre outros, o termo “di-ficuldade”, porque experimentamos a dificuldade como algo real com o nosso corpo.Enfim, o corpo é a casa do concreto, pois concreto é aquilo que se pode experimentarsensorialmente e que tem implícitos conteúdos materiais. Podemos dizer então que concreto e abstrato são sempre resultados de operaçõesmentais. Abstrato é aquilo que separa o que não está separado na realidade que noscerca. Nossa capacidade de abstração nos torna competentes para identificar as inú-meras propriedades da realidade. A Neurociência nos oferece inúmeros dados quesugerem que ambos os conceitos, concretos e abstratos, teriam uma representaçãoverbal comum, enquanto os conceitos concretos teriam uma representação adicionalpor visualização mental, dada sua origem nas experiências sensório-motoras. A di-ferença de tratamento que o cérebro dispensa a cada tipo de conceito pode explicarpor que os termos que nomeiam os conceitos concretos são aprendidos mais cedo ereconhecidos mais fácil e rapidamente que aqueles que nomeiam os conceitos abs-tratos. A possibilidade de formação de múltiplas “imagens mentais” do concreto, so-bretudo visuais, pode explicar sua antecedência na coleção de conceitos queaprendemos ao longo da vida: é mais fácil visualizar mentalmente o “espaço físico”ao nosso redor, que o “tempo”, por exemplo. Conceitos abstratos não são intuitiva-mente representáveis como, por exemplo, “infinito”, “dificuldade”, “raiva” etc. Estesconceitos não possuem identidade com nenhum objeto existente, não existem por sina realidade. Por isso, experiências corporais tais como nos manter equilibrados fi-sicamente, que nos vincula à realidade material circundante, dão origem a quasetodos os nossos conceitos abstratos.Música é uma experiência que nos coloca diante de uma grande aventura de abstração,pois quando fechamos os olhos e ouvimos música, estamos mergulhados num mundosem matéria, que nos nega radicalmente a experiência visual. Assim sendo, tudo quepassamos a fazer para apreender essa experiência, para torná-la mais concreta e men-talmente organizável, é traduzi-la corporalmente e, principalmente, produzir umaexpressão visual para a música. É fácil constatar que tudo o que dizemos acerca doque percebemos na música tem origem em nossas representações visuais da música,produzidas pela mente. Construímos mentalmente uma “realidade virtual” para amúsica, uma espécie de abstração de realidade objetiva, espacial e visual. A anterio-ridade e a familiaridade que temos do nosso conhecimento do concreto nos leva a

“visualizar” a música como estratégia natural para entendê-la, em virtude do alto graude abstração que a música nos exige. Então dizemos que a melodia sobe e desce, quedeterminados sons vão e vêm, que a música é mais clara e mais escura, que um somé mais ou menos áspero, que a instrumentação é mais ampla ou mais estreita, queum determinado som está ocultando outro, que uma parte da música equilibra aoutra etc. Enfim, a música só pode ser traduzida, conceitualizada e comunicada dis-cursivamente por meio de metáforas visuais procedentes de nossos conceitos incor-porados.

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ReferênciasClifton, Thomas. Music as heard: a study in applied phenomenology (New Haven and London:

Yale University Press, 1983).Husserl, Edmund. Ideas relativas a uma fenomenologia pura y uma filosofia fenomenológica.

Tradução José Gaos (México: Fondo de Cultura Económica, 1992).Lakoff, George & Johnson, Mark. Metaphors we live by (Chicago and London: University of

Chicago Press, 1980).———. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenge to western thought. (New

York: Basic Books, 1999).Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção. Tradução Carlos Alberto Ribeiro de

Moura (São Paulo: Martins Fontes, 1994).Nogueira, Marcos. “Comunicação em Música na cultura tecnológica: o ato da escuta e a se-

mântica do entendimento musical”. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: ECO-UFRJ, 2004.Schaeffer, Pierre. Tratado dos objetos musicais (Brasília: EdUnB, 1993).

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Um estudo sobre a influência da expectativa na cognição de paisagens sonoras

Bernardo A. de Souza [email protected]ônatas Manzolli

[email protected] de Música, Instituto de Artes – UNICAMP

José [email protected]

Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora – UNICAMP

ResumoPaisagens Sonoras se aproximam de uma organização similar àquela que constituiuma peça musical. No entanto, as paisagens sonoras são fenômenos auto-organiza-dos, que nunca se repetem acusticamente, mas que sempre mantém uma identidadesonora, que pode ser facilmente percebida por qualquer ouvinte. Em paralelo, a Ex-pectativa é aqui vista como a faculdade mental que nos impulsiona a estabelecerpredições sobre eventos futuros, esperando por acertos e temendo erros. Da mesmaforma que acertar nos satisfaz, errar nos incomoda. A música, tal como outras formasde arte do tempo, tece uma trama de Expectativas a eventos sonoros — sejam estesde natureza rítmica, melódica ou harmônica — que são manipuladas durante a pro-sódia musical; e que advêm da estrutura inicialmente concebida pelo compositor, pas-sando pela interpretação do músico — nas entrelinhas das pequenas variaçõesinseridas durante a performance — e finalizando na cognição e afeto musical do ou-vinte. Isto cria o discurso musical, que muitas vezes nos move e envolve, de formatão intensa e intrínseca. Paisagens sonoras são aqui vistas como fenômenos maissimples de serem analisados, do que peças musicais. Assim, apresentamos neste ar-tigo um trabalho em andamento que visa inicialmente estudar a influência da Ex-pectativa de eventos sonoros distintos, na percepção de elementos formantes depaisagens sonoras. A percepção de tais eventos sonoros é estudada pela psicoacústica,iniciando-se pela medida referida por JND ( Just Noticeable Difference), que trata dadiferença mínima entre eventos sonoros, em intensidade e freqüência, para que estessejam auditivamente catalogados como distintos. Pretendemos assim estudar se aExpectativa musical do ouvinte altera seu limiar de JND. Com isto, queremos estabe-lecer as bases para um futuro estudo da influência da Expectativa na percepção deeventos musicais. Neste artigo apresentamos os princípios introdutórios e metodoló-gicos desta instigante investigação.

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IntroduçãoPaisagem Sonora

O conceito de paisagem sonora está vinculado à interação entre fontes sonoras e omeio (Schafer 2001). O objetivo da Ecologia Acústica é valorizar a percepção sonorana sociedade contemporânea com o intuito de ampliar a consciência do ambienteacústico que nos cerca. Schafer sugere que deveríamos ouvir o ambiente acústicocomo uma composição musical, e mais, que temos uma responsabilidade nessa com-posição. Na década de 1970, juntamente com seus colegas da Simon Fraser University(SFU), Schafer criou o WSP (World Soundscape Project), tendo como primeiro grandetrabalho o estudo de campo da paisagem sonora de Vancouver. Esta pesquisa envolveumedidas de intensidade sonora local que foram apresentados como curvas isodecibel,ou seja, similarmente a um levantamento topográfico, foram geradas curvas de níveisde intensidade sonora distribuídas pelo espaço geográfico. A partir das gravações depaisagens sonoras foi possível descrever uma gama de características sônicas obser-vadas naquela cidade.Ao longo do encaminhamento da sua pesquisa, Schafer desenvolveu conceitos essen-ciais, que funcionaram como alicerce para o estudo de paisagem sonora. Estes são:1) Sons Fundamentais – sons ouvidos com uma constância mínima para caracterizarum plano de fundo, contra o qual, outros sons são percebidos. Normalmente não sãoouvidos de maneira consciente, mas atuam como agentes condicionadores na per-cepção desses outros sinais sonoros. Tais sons representariam o fundo, em um para-lelo com a relação figura-fundo do campo visual; 2) Sinais Sonoros – quaisquer sons,para os quais a atenção é particularmente direcionada. Esses contrastam com os sonsfundamentais, exatamente da mesma maneira como a figura e o fundo se opõem napercepção visual; 3) Marcos Sonoros – termo advindo do conceito de “ponto de refe-rência”, ou “marco divisório” (do inglês, landmark), para referir-se aos sons peculiaresde uma comunidade. Esses sons são únicos ou possuem características que os tornamparticularmente notados pela população dessa comunidade. Dentre os exemplos na-turais, estão sons de geysers e de quedas d’água, enquanto exemplos culturais incluemsons de sinos típicos e sons de atividades tradicionais. Schafer ressalta ainda que oconceito de Marco Sonoro, dá suporte à idéia de que há sons de um determinado localque, da mesma forma que a arquitetura e a indumentária, expressam a identidadedessa comunidade. Ou seja, povoados podem ser reconhecidos e caracterizados porsuas paisagens sonoras. Contudo, desde a revolução industrial, este tipo de paisagemsonora singular tem desaparecido completamente ou, no mínimo, sido abafada pornuvens de ruídos homogêneos e sem identidade. Esta é a situação que caracteriza apaisagem sonora da cidade contemporânea, a qual tornou-se marcada por um somfundamental onipresente, como o som gerado pelo tráfego.

Percepção SonoraA percepção do som é um processo que ocorre na fronteira entre a fisiologia e a psi-

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cologia. Este é influenciado pelo aparato auditivo, que transforma ondas de compres-são longitudinal do meio elástico (o ar), em impulsos elétricos no ouvido interno. Oestudo dos processos de percepção sonora é realizado pela psicoacústica; a ciênciaque trata da sensação e percepção de eventos sonoros, em termos físicos (acústicos)e fisiológicos. A psicoacústica estuda como as ondas longitudinais de compressão eexpansão do meio elástico – as ondas acústicas que chegam ao nosso ouvido – sãopercebidas pelo aparato auditivo binaural e enviadas ao cérebro, na forma de impulsoselétricos neurais, de modo a dar ao ouvinte informações úteis sobre o ambiente aoseu redor. Do ponto de vista da psicoacústica, o som inicia-se por um fenômeno físicocujo potencial perceptivo só se manifesta com a participação de um receptor. Comodescrito em Pierce (1992), tal fenômeno inicia-se pelas ondas acústicas — dentro deuma certa faixa de intensidade e freqüência, a qual somos sensíveis — que se propa-gam até os dois ouvidos do ouvinte. No fim do canal auditivo, encontra-se o tímpano,no qual o estímulo, produzido pelas ondas acústicas, ocasiona o deslocamento de os-sículos, que atingem uma membrana chamada de janela oval. Essa janela marca ocomeço de uma cavidade na estrutura óssea do crânio, chamada de cóclea. A cavidadeé preenchida por um líqüido que provoca a movimentação de pequenas fibras capi-lares, presentes numa membrana que segmenta a cóclea em dois hemisférios. Essamembrana é denominada de membrana basilar. A movimentação das fibras capilarestransforma energia mecânica em sinais elétricos que, por sua vez, são transmitidosao córtex cerebral através dos nervos auditivos de ambos ouvidos.

Percepção de Múltiplos Evento SonorosApesar da informação acústica chegar misturada aos nossos ouvidos, nossa cogniçãoé capaz de perceber e discriminar eventos sonoros de natureza distinta. Somos capa-zes — dentro de um certo limite — de prestar atenção numa conversa, estando emum ambiente tumultuado, com muitas outras conversas ocorrendo simultaneamente.O limite da nossa capacidade de discriminação de eventos sonoros está também ligadaa fatores psicoacústicos, tal como o efeito conhecido por mascaramento. Este ocorrequando uma fonte sonora é impedida de ser percebida pela interferência de outra. Osom que mascara impede que outro som possa ser percebido, a não ser que haja umaumento na sua intensidade. Esta intensidade mínima é denominada de “limiar deaudição”. O mascaramento ocorre de diversas formas, com sons de altura musical(pitch) definida, que possuam espectro harmônico ou inarmônico, e com sons rui-dosos (sem pitch), com espectro de banda larga. Quando o mascaramento ocorre comsons com altura definida, um som intenso de freqüência baixa pode mascarar umsom fraco de freqüência alta. Em oposição e independentemente da intensidade, umsom de freqüência alta não mascara um som de freqüência baixa. Isso ocorre devidoà maneira como a membrana basilar percebe os componentes sonoros de distintasfreqüências. Esta percebe componentes de diferentes freqüências em diferentes re-giões de sua extensão. Sons agudos são percebidos na região da membrana basilarpróxima à sua base; os graves são percebidos na região próxima a seu ápice. Desta

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forma, para chegar nessa posição, o componente sonoro percorre primeiramente aregião de percepção mais aguda, a qual pode ser afetada se o som grave tem intensi-dade suficiente (Pierce 1992). No caso de um som ruidoso, composto por uma bandalarga de freqüências, o mascaramento é mais efetivo em relação a um som contendoapenas uma freqüência no espectro, ou seja, um som senoidal. O mascaramentoocorre quando a freqüência central da banda do ruído aproxima-se da freqüência dosom puro. Quando o som que mascara é um ruído branco, o mascaramento ocorrede modo diretamente proporcional ao aumento de intensidade, independente da lo-calização no espectro do som senoidal. Como exemplo deste fenômeno, tem-se a in-terferência cognitiva que o contínuo ruído gerado por aparelhos de ar-condicionadocausam em salas de aulas e, muitas vezes, também em salas de concerto mal dimen-sionadas.Um importante processo complementar ao mascaramento é conhecido por JND ( JustNoticeable Difference). Determina-se a JND comparando eventos sonoros e medindoo valor mínimo de variação de grandezas acústicas, como freqüência, em Hertz (Hz),ou Intensidade, em Decibel (dB), onde estes, inicialmente mascarados, passam a serpercebidos como eventos distintos. O JND varia para cada sujeito (ouvinte), métodode medição, características do evento sonoro (ataque, duração, complexidade do es-pectro sonoro, etc.), e espaço amostral.

A Expectativa SonoraDefine-se aqui por expectativa, o fenômeno cognitivo sonoro relacionado à tentativaautomática que um ouvinte faz, ao tentar predizer “o que” e “quando” irá ocorrer umevento sonoro. Na experiência humana, o fator psicológico que está diretamente li-gado ao fenômeno da antecipação é a emoção. Segundo Huron (2006), há um graude correspondência entre a nossa emoção e os processos cognitivos que nos motivamàs ações, em nosso meio ambiente, onde é citado que “. . . emoções com valência po-sitiva encorajam os organismos a perseguirem comportamentos que são normalmenteadaptativos, e a evitar comportamentos normalmente não-adaptativos” (Huron 2006,4). Segundo este ponto de vista, a relação entre emoção e expectativa gera um meca-nismo de reforço do modelo elaborado pela predição, a partir da confirmação ou que-bra de hipóteses, ou eventualmente, uma neutralidade. Tais relações, em teoria, têmgrande importância na geração das expectativas, porque os eventos que as confirmamestão associados aos estados emocionais com valência positiva; ao passo que as ex-pectativas que se mostram falhas geram valências negativas. Segundo Huron, esteprocesso contínuo antecipatório cria hábitos mentais que, por extensão, podem estarassociados aos hábitos de escuta do indivíduo. Os fundamentos sobre antecipação eexpectativa musical aqui utilizados, vieram de Meyer (1956), que relacionou anteci-pação e significado musical à Psicologia da Gestalt (Kofka 1935). Ele estudou dife-rentes perspectivas, considerando o significado e a emoção como sendo congruentesno processo de “escuta estrutural”. O princípio geral da Gestalt é a lei de Prägnanz,ou seja, o princípio de concisão, o qual é descrito como a tendência de um modelo

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mental sempre buscar a solução na forma ou processo mais conciso, estável, regular,ordenado, econômico ou simples possível. Este princípio pode ser decomposto emoutros princípios mais específicos como: 1) Boa continuidade, 2) Fechamento, 3) Si-milaridade, 4) Simetria, 5) Proximidade, 6) Relações figura e fundo. Meyer (1956)estabeleceu uma correlação entre estes princípios e a noção de que as expectativassão conseqüências de hábitos mentais. Ele entendeu que as respostas afetivas e sig-nificativas à música provêm da percepção das estruturas musicais e das expectativaspor elas geradas. Segundo Oliveira (2008), esta abordagem é derivada de três concei-tos diferentes: 1) Significado hipotético, 2) Significado evidente e 3) Significado de-terminado. O significado hipotético trata de uma geração involuntária de expectativas,relacionadas a um estímulo que pode ser interpretado com relações probabilísticasentre antecedentes e conseqüentes. O significado evidente ocorre quando um eventoconseqüente torna-se “atualizado em um evento musical concreto” atingindo assimum “novo estágio de significado”, ou seja, há uma comprovação auditiva das expec-tativas geradas anteriormente. O significado determinado trata do caso específico daobjetificação do processo de escuta, que surge da relação entre os significados hipo-tético e evidente, com uma compreensão de sua totalidade. Ele se manifesta no tra-balho atemporal da memória. Ao contrário de Meyer, que estabeleceu sua perspectivaa partir do discurso teórico e das evidências coletadas na análise musical, Huron(2006) desenvolveu uma teoria, chamada de Teoria da Antecipação Musical. Esta temenfoque nas práticas da psicologia experimental e da análise estatística, tendo tam-bém criado um vínculo entre neuroanatomia cerebral e o domínio psicológico, pro-porcionando um entendimento biológico das emoções induzidas pela escuta musical.No recorte proposto para esta pesquisa, vamos realizar experimentos vinculados aaspectos sonoros e utilizaremos análise estatística dos dados coletados a partir dasrespostas dos sujeitos pesquisados.

ObjetivosO objetivo geral deste trabalho é estudar a influência da expectativa na cognição so-nora através de seus mecanismos de funcionamento, por meio de uma abordageminterdisciplinar relacionando psicoacústica, psicologia da antecipação sonora e per-cepção de eventos compositores de paisagens sonoras. Com isso pretende-se criar asbases para um futuro estudo dos efeitos da expectativa na percepção e discriminaçãode aspectos musicais. Os objetivos específicos desse trabalho são: 1) Desenvolver umametodologia de análise da cognição sonora partindo do princípio psicoacústico domascaramento, dos correspondentes níveis de JND e da expectativa sonora, afim deavaliar a resposta de cada ouvinte, em protótipos de experimentos relacionando am-bientes sonoros naturais e sons gerados, através de mecanismos de síntese sonora di-gital. 2) Desenvolver um estudo de síntese de paisagens sonoras, de acordo com oponto de vista de projetos sonoros, como aqueles descritos em Farnell (2008). 3) Ana-lisar estatisticamente os dados coletados do estudo comportamental.

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MétodoA metodologia desse trabalho visa realizar experimentos com o objetivo de verificara seguinte hipótese: “Se os Marcos Sonoros são sons contextuais dentro do repertóriode paisagens sonoras de cada sujeito, de que forma eles fornecem informações quepodem afetar a geração de expectativas, influenciando as suas reações emocionais?”Sob essa perspectiva, serão desenvolvidos métodos para avaliar as seguintes questões:1) Como a expectativa afeta a percepção de um evento sonoro frente ao mascaramentode um ruído de fundo. 2) De que forma a expectativa varia (se é que varia) o tempode reconhecimento do evento. 3) Como este tipo de interação influencia o tempo dehabituação a um novo evento sonoro. 4) Como a percepção de novidade do eventosonoro muda a expectativa do ouvinte. 5) Qual a mudança feita num parâmetro desíntese que indivíduos diferentes utilizam para melhorar a relação sinal/ruído.Os experimentos psicoacústicos para medir a variação do JND são normalmente rea-lizados da seguinte maneira: a) dados dois sons S1 e S2 com intensidades ou freqüên-cias diferentes, solicita-se ao ouvinte que discrimine qual destes sons tem intensidadeou freqüência maior. b) se o ouvinte não percebe, a diferença S1 e S2 é aumentada;se o sujeito percebe, a diferença é diminuída. d) esse processo é repetido recursiva-mente até que o sujeito perceba, em 75% das tentativas. e) o valor da diferença entreo som S1 e S2 é a JND do sujeito para o teste em questão.Sabe-se, da literatura de psicoacústica, que a nossa audição é mais sensível às varia-ções de freqüência do que as de intensidade sonora. Dos experimentos realizado porFletcher e Munson, em 1933, descobriu-se que nossa sensibilidade à intensidade so-nora é dependente de sua freqüência. Variando-se a freqüência de sons simples (comum único parcial) do grave ao agudo, pode-se perceber que, apesar da amplitudedeste sinal permanecer constante, a percepção desta intensidade sonora (loudness)varia, de acordo com uma família de curvas empiricamente mapeadas; as curvas de

“equal-loudness” de Fletcher e Munson (Gelfand 2004).Foram desenvolvidos dois protótipos de experimentos da variação do JND pela ex-pectativa, levando em conta as diferenças de percepção de eventos sonoros descritaspelas curvas de equal-loudness. Com isso pretende-se verificar se um ouvinte estariamais apto a detectar, perceber e processar o estímulo de referência, quando os mesmosestivessem alinhados em relação às expectativas. Segundo Huron (2006), “existemprocessos mentais de alto nível que afetam processos sensoriais de baixo nível e assimredirecionam o sistema sensorial, no sentido de focar em aspectos particulares dodomínio perceptivo”.

Resultados esperadosO trabalho aqui apresentado aborda o referencial teórico e metodológico de uma pes-quisa que está atualmente em andamento. Pretende-se obter os resultados experi-mentais através da implementação de dois modelos de investigação, chamados aquide protótipos.

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O primeiro protótipo baseia-se no método denominado de “Paradigma do Movimentoda Cabeça” (Head-Turning Paradigm), conforme descrito por Huron (2006). Utiliza-remos um computador e uma câmera para gravar o experimento e captar a mudançade direção da cabeça do indivíduo. Este protótipo baseia-se na idéia que a percepçãoespacial relaciona-se com a reação do sujeito quando exposto a um estímulo novo ouevento surpreendente. A reação descrita pelo movimento da cabeça interage com onível de expectativa do sujeito. As 3 etapas são: a) surpresa: quando um som inespe-rado é processado pelo sujeito e mede-se o tempo de resposta da movimentação, emfunção da mudança de direção da cabeça; b) saturação: o estímulo é repetido de formaque o sujeito não distingue mais a direcionalidade produzindo uma falha na orien-tação; c) novidade: um novo estímulo é introduzido, para o qual é verificado o tempode desabituação medido pelo tempo de resposta vinculado ao movimento da cabeça.O segundo protótipo visa estudar o limiar mínimo de percepção de marcos sonorosem paisagens sonoras com a presença de sons complexos que causem mascaramento.Com isso pretende-se estudar quais aspectos acústicos componentes dos marcos so-noros são relevantes no contexto da cognição musical. O experimento fará uso de ummodelo computacional de síntese sonora desenvolvido em PD (www.puredata.info).O ponto de partida para o modelo de síntese encontra-se em Farnell (2008). Este livrocontém vários exemplos de implementações de modelamentos físicos da síntese desons ambientais, como: passos, cigarras e canto de pássaros; bem como a síntese desons industriais, como o som de: motores, tráfego, armas de fogo, entre outros. Assim,este protótipo baseia-se na construção de um sistema onde o sujeito possa interferirno processo virtual de mascaramento, pelo aumento da JND através do controle dosparâmetros de síntese.A coleta de dados será feita através de questionário apresentado aos ouvintes, ondeserão recolhidas informações quanto ao repertório de paisagem sonora individual,delineando dessa forma quais são seus marcos sonoros. Após isso, serão aplicados ostestes descritos nos dois protótipos acima. Aos indivíduos participantes, serão apre-sentadas amostras sonoras ordenadas aleatoriamente, como foi feito em Groux (2008).Cada um desses fragmentos sintetizados será definido pelo par: 1) característica dosom; 2) nível da característica.Finalmente, uma segunda hipótese complementar de coleta de dados estará relacio-nada ao projeto de pesquisa regular, financiada pela FAPESP, de um dos autores. Si-multaneamente aos protótipos, será coletado um conjunto de dados fisiológicos dosouvintes. Estes são evocados por reações fisiológicas involuntárias, relacionadas amudanças do estado emocional do indivíduo (ex: variação da pulsação cardíaca, res-piração, resistência galvânica da pele). Tais dados serão analisados em relação ao mo-delo bidimensional de valência afetiva e grau de atenção, segundo o modelocircumplexo dos afetos (Russell 1980). Tal modelo representa a maioria das categoriasde estado emocional, a partir da combinação das duas dimensões emocionais: valên-cia e atenção. Essas dimensões possuem um caráter unidimensional que se estendedo triste ao alegre (para a valência) e do relaxado ao tenso (para atenção).

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A análise final dos resultados será feita por modelos estatísticos, onde pretende-sepesquisar a correlação entre as informações qualitativas e populacionais contidas noquestionário, com relação aos testes psicoacústicos.

ReferênciasSchafer, R. M. A Afinação do Mundo (São Paulo: Editora Unesp, 2001).Pierce, J. R. The Science of Musical Sound (New York: W. H. Freeman and Company, 1992).Huron, D. Sweet anticipation: music and the psychology of expectation (Cambridge, MA: MIT

Press, 2006).Meyer, L.B. Emotion and meaning in music (Chicago: Chicago University Press, 1956).Koffka, K. Principles of Gestalt psychology (New York: Harcourt, Brace, & World, 1935).Oliveira, L. F.; Manzolli, J. “Significado musical e inferências lógicas a partir da perspectiva do

pragmatismo peirceano”. Revista de Cognição e Artes Musicais 3 (2008), 30.Farnell, A. J. Designing Sound (London: Applied Scientific Press, 2006, 2008).Gelfand, S. Hearing: An Introduction to Psychological and Physiological Acoustics, Fourth Edition

(Marcel Dekker, 2004).Groux, Le, Valjamae, S. A., Manzolli, J., Verschure, P. FMJ. “Implicit Physiological Interaction

for the Generation of Affective Musical Sounds”, in Proceedings of the International Com-puter Music Conference (ICMC 2008), University of Belfast, 2008.

Russel, J. A. A circumplex model of affect, Journal of Personality and Social Psychology 39 (1980),345-356.

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A percepção das emoções musicais na Hierarquia ModalDanilo Ramos

[email protected] de Artes – Universidade Federal do Paraná

José Eduardo [email protected]

Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora – UNICAMP

ResumoAlguns teóricos e professores de música sugerem a existência de uma HierarquiaModal linear que organiza os sete modos da escala diatônica maior, do mais “claro”(Lídio) para o mais “escuro” (Lócrio), passando pelos modos Jônio, Mixolídio, Dórico,Eólio e Frígio, respectivamente. Estes profissionais aplicam esta hierarquia baseadosno senso comum e no uso intuitivo durante suas práticas musicais. O presente traba-lho procura investigar a ausência ou a existência desta Hierarquia Modal. Para tal,este estudo foi realizado em duas etapas: análise computacional de arquivos digitaise um experimento, envolvendo tarefas de escuta musical. O material empregado con-sistiu de 7 peças musicais instrumentais, para piano solo, com melodia e acompa-nhamento. Cada peça foi transposta e executada nos 7 modos da escala diatônica,perfazendo assim 49 gravações de aproximadamente 20 segundos de duração cadauma. A primeira análise do estudo consistiu do uso de oito algoritmos de descritoresacústicos para a análise das peças. Cada descritor realizou a predição de um aspectocognitivo da percepção musical humana, tal como: pulsação rítmica, complexidadeharmônica, etc. A segunda análise consistiu da realização de um experimento envol-vendo 36 ouvintes, que realizam tarefas de escuta musical e preenchimento de es-calas de diferencial semântico (alcance 0-10) após cada escuta, com as locuçõesAlegria, Tristeza, Serenidade e Raiva. Em ambas as análises, o teste ANOVA foi em-pregado para comparar os valores obtidos para cada modo em relação à cada medidautilizada. Os resultados apontam para a existência da Hierarquia Modal linear, queparece estar relacionada aos níveis de Complexidade Harmônica e de Valência Afetivaencontrados para cada modo. A existência dessa hierarquia parece ser governada porprocessos psicológicos perceptuais relacionados a modificações presentes na estruturaintervalar de cada modo.

IntroduçãoAs escalas musicais são baseadas na percepção de freqüência da componente funda-mental de sons aproximadamente periódicos (sons melódicos). Esta percepção é cha-mada de altura musical, ou pitch. Sons que não despertam tal percepção são algumasvezes chamados de sons percussivos (sem altura definida), existentes na produçãosonora de certos tambores e chocalhos. As escalas musicais foram constituídas pararepresentar sons melódicos, em distintos intervalos de freqüências, chamados denotas musicais. Existe uma grande similaridade de altura entre notas distanciadas

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por intervalos múltiplos da original: Altura (f ) ~Altura (2.i.f) (1)

onde i é um número inteiro.Este intervalo é chamado de oitava. Exemplificando, sendo n a Altura da nota geradapor uma corda retesada (como as cordas de um violão), a sua primeira oitava superior2.n pode ser gerada reduzindo a extensão dessa corda à metade. Do mesmo modo,se dobrarmos a extensão dessa corda, teremos a sua primeira oitava inferior 2-1.n .Isto é facilmente exemplificado num instrumento de cordas, como o violão. Pressio-nando-se o intervalo entre os trastes localizados na metade da extensão de qualquercorda, produz-se uma nova nota, cuja altura é uma oitava acima da nota original-mente gerada pela corda solta. Uma vez que notas espaçadas por intervalos de oitavaapresentam similaridade da percepção de altura, as escalas tendem a se organizar emintervalos que são subdivisões da oitava. Assim, se dividirmos a Extensão E dessacorda hipotética pela metade 2-1.E, tem-se a geração da primeira oitava da nota ori-ginal.

E → Altura (f) (2) 2-1.E → Altura (2.f)

Se a extensão E da corda for reduzida em um terço, (⅔).E, tem-se a geração do inter-valo conhecido por quinta. Em termos da percepção de altura musical, a quinta equi-vale à metade da oitava.

E → Altura (f) (3)E.(⅔) → Altura( (⅔).f )

Por extensão, é possível criar uma escala cujos intervalos entre as notas sejam cons-tituídos por sucessivas quintas (conhecido em música, como o Ciclo das Quintas), atéque se aproximar de uma oitava superior:

Altura ((3⁄2)n.f ) ~ Altura (2m.f) (4)onde: n e m são números inteiros.

Para n = 12, tem-se:(3⁄2)12 ~ 129,746 27 = 128 (5)129,746 / 128 = 1,0136 ~ 23 cents

Esta é a base da escala Pitagórica, ou justaposta. Após 12 notas, a escala se aproximada sétima oitava superior. Se esta progressão coincidisse com uma oitava, o ciclo seriafechado, formando, assim uma escala de 12 notas, numa altura múltipla da altura ini-cial. No entanto, o Ciclo da Quintas nunca coincide com uma oitava superior da alturainicial. Visando compensar essa aproximação, foi criada a Escala Cromática Tempe-rada, com 12 notas igualmente espaçadas em intervalos de freqüência c = 2(1⁄12). Ointervalo de altura entre duas notas n e c.n é chamado de semitom (S). O intervaloentre n e c2.n é equivalente ao dobro de S, e é chamado de tom (T). Os outros inter-valos superiores são compostos pela agregação de Ss e Ts, conforme é mostrado a

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seguir:

A Escala Diatônica é assim constituída, por 7 notas da escala cromática, com inter-valos que estão descritos acima, em negrito, e fechando o ciclo na primeira oitava superior.

T T S T T T S (7)

Os Modos da escala diatônica são ordenados nas seguintes seqüências de intervalos:

Pode-se notar que a ordenação de intervalos dos modos difere apenas em desloca-mento circular à esquerda, da seqüência original de tons e semitons da escala diatô-nica. Estes modos são divididos entre modos maiores e modos menores. Os primeirospossuem intervalos de terças maiores (T+T), enquanto que os últimos possuem in-

Intervalo Estrutura (6)Segunda Menor: S

Segunda Maior: T

Terça Menor: T+S

Terça Maior: T+T

Quarta (justa): T+T+S

Quarta AumentadaQuinta Diminuta (Trítono):

T+T+T

Quinta (justa): T+T+S+T

Sexta Menor: T+T+S+T+S

Sexta Maior: T+T+S+T+T

Sétima Menor: T+T+S+T+T+S

Sétima Maior: T+T+S+T+T+T

Oitava: T+T+S+T+T+T+S

Jônio T T S T T T S (8)Dórico T S T T T S T

Frígio S T T T S T T

Lídio T T T S T T S

Mixolídio T T S T T S T

Eólio T S T T S T T

Lócrio S T T S T T T

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tervalos de terça menores (T+S). São assim considerados os modos maiores: Jônio,Lídio e Mixolídio; e os modos menores: Dórico, Frígio, Eólio e Lócrio. Uma parte sig-nificativa de toda a produção musical do ocidente foi construída sobre a escala dia-tônica e os seus sete modos (Grout & Palisca 1994). O modo é um dos principaisparâmetros de estrutura musical que tem sido utilizado no estudo das emoções de-sencadeadas pela música (Dalla Bella, Peretz, Rousseau & Gosselin 2001). Diversosestudos sugerem que modos maiores (Jônio, Lídio e Mixolídio) estão associados aemoções positivas, como alegria ou serenidade, enquanto que os modos menores(Dórico, Frígio, Eólio e Lócrio) associam-se a emoções negativas, como tristeza, medoou raiva (Ramos, Bueno & Bigand, no prelo). Alguns teóricos afirmam que isto sedeve à estrutura intervalar da escala musical que, para cada modo, representa notascom intervalos de altura distintos em relação à primeira nota da escala. Isto desper-taria a percepção de um aspecto cognitivo musical, descrito metaforicamente por

“clareza”. Esta percepção representaria as escalas modais numa ordenação entre o Obs-curo e o Claro. Neste contexto, os modos maiores seriam mais claros e os modos me-nores, mais obscuros (Wisnik 2004). Além disso, os modos teriam distintos graus de

“clareza”, o que resultaria numa “ordem de clareza dos modos”. Indo do mais claro(maior) ao mais obscuro (menor), seria possível obter a seguinte ordenação: Lídio(maior com quarto grau aumentado), Jônio (maior natural), Mixolídio (maior comsétimo grau menor), Dórico (menor com sexto grau maior), Eólio (menor natural),Frígio (menor com segundo grau menor) e Lócrio (menor com segundo grau menore quinto grau diminuído). A esta ordenação é atribuído o nome de Hierarquia Modal.Até onde sabemos, a Hierarquia Modal tem sido demonstrada apenas de modo in-tuitivo. Não se sabe ao certo quais são os aspectos musicais componentes para a per-cepção de “clareza musical”. No entanto, é possível supor que esta “clareza musical”esteja associada à percepção musical emotiva. As emoções associadas à música têmsido estudadas por diversos pesquisadores no campo da Cognição Musical, tais comoos descritos em Sloboda (2001). Existem três modelos principais de estudo das emo-ções musicais: Categórico, Processo Componente e Dimensional. O Modelo Categó-rico, originado dos estudos de Ekman (1992), trata a emoção evocada ou constatadana música por meio da catalogação das emoções básicas em léxicos irredutíveis, comoAlegria, Tristeza, Melancolia, etc. (Juslin 2003). O Modelo do Processo Componente(Scherer 2001) descreve a constatação da emoção musical como atrelada também àsituação de sua ocorrência, bem como ao estado emocional do ouvinte no momentoda escuta musical. O Modelo Dimensional (Russell 2003) postula que todas as emo-ções musicais podem ser descritas por um sistema de coordenadas cartesianas, cons-tituído por dimensões emocionais. Este modelo é chamado de Modelo Circumplexodo Afeto Musical (Laukka 2005), sendo composto por duas dimensões emocionais:arousal (estado de excitação fisiológica, que pode ser alto ou baixo) e valência (valorhedônico, que pode ser positiva ou negativa). Russel (1980) afirma que por meio des-sas duas dimensões, um amplo espectro de emoções musicais pode ser determinadopor meio das combinações possíveis entre estas duas dimensões (estados de ânimo

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com arousal alto e valência positiva, como Alegria, Animação, Energia, etc.; estadosde ânimo com arousal baixo e valência positiva, como Serenidade, Amor, Ternura,Religiosidade, etc.; estados de ânimo com arousal alto e valência negativa, como Medo,Raiva, Desespero, etc; e finalmente estados de ânimo com arousal baixo e valêncianegativa, como Tristeza, Melancolia, Amargura, etc.).Diversos modelos computacionais têm sido desenvolvidos para a análise de aspectosmusicais que podem ser ilustrados pelas dimensões do Modelo Circumplexo. Estesmodelos são conhecidos pela sigla “MIR” (Music Information Retrieval). Chama-seaqui de Descritor Acústico um modelo computacional que adequadamente predizum aspecto musical. Descritores são catalogados entre baixo-nível – os descritorespsicoacústicos — e alto-nível — os descritores contextuais (Fornari 2009). Existematualmente diversos estudos de MIR, tais como (Tzanetaki 2002), que desenvolveuum modelo computacional para classificação de gêneros musicais. Em um estudo de-senvolvido por Leman (2004), descritores acústicos foram utilizados no estudo dosaspectos gestuais relacionados à emoção musical. Wu (2006) e Gomez (2004) utili-zaram descritores acústicos como o aspecto musical “tonalidade”, para a catalogaçãoautomática de arquivos musicais de áudio digital. No estudo do desenvolvimento dinâmico das emoções musicais, Schubert (1999) uti-lizou o Modelo Circumplexo para medir continuamente as emoções constatadas aolongo do tempo por um grupo de ouvintes sobre algumas peças do repertório eruditoocidental. O autor desenvolveu dois modelos lineares para cada peça musical anali-sada. Cada modelo era composto por diversos descritores acústicos e deveriam pre-dizer as duas dimensões do Modelo Circumplexo — arousal e valência afetiva — paracada peça, em contraste à medição comportamental feita pelo grupo de ouvintes. Pos-teriormente, Korhonen (2006) utilizou estes mesmos dados comportamentais paradesenvolver e validar dois modelos gerais das dimensões arousal e valência. Ao con-trário de Schubert (1999), Korhonen pretendia organizar um modelo para cada di-mensão emocional (arousal e valência) para todas as peças musicais analisadas.Os estudos de Schubert (1999) e Korhonen (2006) demonstraram que seus modeloscomputacionais foram capazes de prever a medida comportamental da dimensão dearousal com um alto grau de correlação aos dados comportamentais. Estes estudosmostram que o arousal está bastante correlacionado ao loudness do arquivo de áudiomusical, o que pode muitas vezes ser adequadamente representado por meio de umdescritor de baixo-nível, como RMS (Root Mean Square). No entanto, a dimensão Va-lência não foi adequadamente prevista pelos modelos destes estudos. Uma hipótesepara esta não previsão pode ser devido ao fato de que tais modelos utilizaram apenasdescritores psicoacústicos, que costumam não ser suficientes para descrever aspectosmais contextuais da música, tal como Valência.

ObjetivosO objetivo geral do presente trabalho é demonstrar a existência (até o presente mo-mento de caráter intuitivo) de uma Hierarquia Modal no processo de percepção das

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emoções musicais. Os objetivos específicos aqui propostos se resumem a verificar aocorrência da Hierarquia Modal por meio do uso de descritores acústicos de alto-nível e por meio de respostas emocionais de ouvintes brasileiros não músicos a trechosmusicais de 20 segundos de duração compostos nos sete modos da Hierarquia Modal(Lídio, Jônio, Mixolídio, Dórico, Eólio, Frígio e Lócrio).

MétodoForam realizadas diversas análises por meio de modelos computacionais de descri-tores acústicos de alto-nível: Os descritores utilizados são: 1) Articulação, 2) Brilho,3) Complexidade harmônica, 4) Densidade de eventos musicais, 5) Claridade tonal,6) Caracterização do modo, 7) Clareza do pulso rítmico e 8) Repetição de eventos.(Fornari 2008).

1. Os Descritores Acústicos1.1 Articulação

Este descritor visa detectar a forma da articulação da melodia de uma dado trechomusical. Em música, a articulação da melodia costuma se estender entre staccato, oudestacada – onde cada nota é tocada destacadamente, com uma clara pausa temporalentre uma nota e outra – e legato, onde as notas da melodia são tocadas sem qualquerpausa entre elas, ou seja, ligadas seqüencialmente uma à outra. Sua escala estende-secontinuamente entre zero (staccato) a um (legato).

1.2 BrilhoO descritor de brilho prediz a percepção de brilho do material sonoro de um trechomusical. Apesar de fortemente influenciado pela presença de componentes parciaisde alta freqüência no espectro musical, outros fatores também podem contribuir paraintensificar este aspecto, tal como a presença de ataques, articulação destacada oumesmo a ausência de parciais em outras regiões do espectro sonoro. A escala destedescritor varia continuamente entre zero (opaco) a um (brilhante).

1.3 Complexidade harmônicaA noção de complexidade musical está relacionada — pela teoria da informação — àentropia, ou grau de desorganização da informação musical. No entanto, este descritormede a percepção desta entropia, e não a entropia em si. Por exemplo, se um dadotrecho musical é extremamente desorganizado ou complexo, a audição não é capazde identificar tal complexidade e este será percebido como acusticamente simples(não complexo). Tem-se assim que encontrar o ponto máximo de complexidade mu-sical que a cognição musical humana é capaz de assimilar. Este descritor trata apenasda complexidade da harmonia musical, relevando outras complexidades, como a me-lódica ou rítmica. A escala deste descritor é contínua e varia entre zero (ausência decomplexidade harmônica) e um (presença de complexidade harmônica).

1.4 Densidade de Eventos MusicaisEste descritor procura medir a percepção de uma densidade de eventos musicais de

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qualquer natureza (melódica, harmônica e rítmica), desde que possíveis de serempercebidos como eventos distintos. Do mesmo modo que no caso da percepção decomplexidade harmônica, aqui é levada em consideração a capacidade máxima depercepção de eventos simultâneos, que a mente musical é capaz de assimilar; e a partirda qual, o aumento do número de eventos musicais pode significar a diminuição dapercepção de eventos simultâneos. A escala deste descritor varia continuamente entrezero (percepção da presença de um único evento musical) e um (percepção da pre-sença de uma grande quantidade de eventos simultâneos).

1.5 Claridade TonalEste descritor mede o grau de tonalidade de um dado trecho musical, não importandoqual a tonalidade do trecho musical, mas apenas quão clara é a percepção de um cen-tro tonal. A escala deste descritor varia continuamente entre zero (atonal) e um (tonal).As regiões intermediárias dessa escala (próximas de 0,5) tendem a concentrar os tre-chos musicais com muitas mudanças tonais, acordes dúbios ou cromatismos.

1.6 Caracterização de ModoEste descritor procura predizer o aspecto musical relacionado à percepção da distin-ção entre modos Maiores e Menores. Conforme explicado anteriormente, os modosdiatônicos dividem-se entre modos maiores e menores, e a hierarquia modal deter-minaria uma ordenação dos 7 modos entre maior a menor. A escala deste descritorvaria continuamente entre zero (modo menor) a um (modo maior). Os valores in-termediários da medida deste descritor podem se referir à modos com menor graude polarização neste conceito, bem como à variações tonais encontradas no trechomusical analisado.

1.7 Clareza do Pulso RítmicoO pulso musical é aqui entendido como a flutuação sonora aproximadamente perió-dica e perceptível numa freqüência sub-tona; abaixo de 20Hz. Tal pulso pode ser dequalquer natureza sonora, desde que seja interpretado pela mente musical como pulso.A escala deste descritor é continua, estendendo-se dentre zero (ausência de pulso) aum (clara presença de pulso).

1.8 RepetiçãoEste descritor trata de expressar a similaridade de trechos temporais. Esta repetiçãopode ser de natureza melódica, harmônica ou rítmica, mesmo que transcenda de na-tureza, ou timbre, durante a repetição. O importante não é a quantidade ou freqüênciadas repetições, mas a claridade da percepção da repetição de eventos musicais. A es-cala deste descritor varia continuamente entre zero (ausência de repetição) a um(clara presença de repetição).

2. A Análise ComportamentalParticipantes: 24 estudantes universitários de um curso de graduação em Filosofia,sendo 15 homens e 13 mulheres, com idades entre 19 e 26 anos.

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Materiais: o estudo foi realizado numa sala silenciosa, com um computador conectadoa um fone de ouvido. A compilação dos dados foi feita por meio do programa e-prime.Os participantes realizaram tarefas de julgamento emocional de sete composiçõesmusicais, sendo cada uma originalmente construída em um dos sete modos da Hie-rarquia Modal e depois transpostas para os demais modos, totalizando 49 trechos.Todas as músicas apresentadas tinham 20 segundos de duração e foram retiradas docancioneiro folclórico brasileiro. Procedimento: a tarefa dos participantes consistia em escutar cada composição mu-sical e preencher escalas de diferencial semântico (alcance 0-10), referentes às emo-ções Alegria, Serenidade, Tristeza e Raiva após cada escuta. Tanto os trechos musicaisquanto as escalas de diferencial semântico eram apresentados em ordem aleatóriaentre os participantes.Análise dos dados: o teste ANOVA foi empregado para comparar os valores de percep-ção afetiva obtidos por meio das escalas de diferencial semântico empregadas (designexperimental: 7 (músicas) x 7 (modos). Após a compilação de todos os dados, umvalor de Valência Afetiva foi calculado em relação às respostas emocionais de cadaparticipante, para cada trecho musical apresentado. Este valor foi obtido pela fór-mula:

Valência afetiva = (ALE + SER) / (TRI + RAI) (9)onde: ALE = Respostas emocionais para Alegria

SER = Respostas emocionais para SerenidadeTRI = Respostas emocionais para TristezaRAI = Respostas emocionais para Raiva

Este procedimento já foi bastante utilizado em estudos envolvendo a conversão dedados provenientes de escalas de diferencial semântico para valores de Valência Afe-tiva (Bigand, Madurel, Marozeau e Dacquet 2005; Ramos, Bueno & Bigand, no prelo).Estes valores de Valência Afetiva foram contrastados e correlacionados com os valoresdos dados obtidos pelos descritores acústicos, no sentido a verificar quais foram osaspectos musicais de maior relevância para a percepção da Hierarquia Modal.

ResultadosOs resultados computacionais revelaram diferenças estatísticas para dois dos descri-tores utilizados: Complexidade Harmônica (F=2,912; p=0,0296) e Clareza de Modo(F=3,173; p=0,01). A Tabela 1 ilustra as médias e os desvios-padrão (em parêntese)obtidos pelos resultados dos dois descritores acústicos acima mencionados e tambémpelas respostas emocionais dos participantes, para cada modo musical empregado.A ordem de apresentação dos modos segue a Hierarquia Modal:

Tabela 1 – Resultados obtidos pelos descritores acústicos “Complexidade Harmônica” e“Clareza do Modo” e pelas respostas emocionais dos ouvintes

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para cada modo musical analisado:

Os resultados indicam que, de um modo geral, os maiores índices de ComplexidadeHarmônica estiveram relacionados aos extremos da Hierarquia Modal (modos Lídioe Lócrio). Assim, o modo Lídio obteve níveis mais altos do que os modos Jônio(p=0,03), Dórico (p=0,01) e Eólio (p=0,02) e o modo Lócrio obteve índices mais altosdo que os modos Jônio (p=0,01), Dórico (p=0,005) e Eólio (p=0,02). Para a Clareza do Modo, os modos maiores obtiveram índices mais altos do que osmodos menores (com exceção do modo Lócrio), sendo que o modo Jônio obteve ín-dices mais altos do que o modo Eólio (p=0,01). O modo Lídio obteve índices maisaltos do que o modo Dórico (p=0,045), Eólio (p=0,006) e Frígio (p=0,03). O modoMixolídio obteve índices mais altos do que os modos Dórico (p=0,02), Eólio(p=0,002) e Frígio (p=0,02). Não foram encontradas diferenças estatísticas entre osmodos maiores e menores entre si.As respostas emocionais dos ouvintes mostraram que modos maiores (Lídio, Jônio eMixolídio) obtiveram índices de Valência Afetiva similares. Os modos maiores obti-veram índices de Valência Afetiva superiores aos modos menores (Dórico, Eólio, Frí-gio e Lócrio; F=2,896; p=0,01). Os modos menores obtiveram diferentes índices deValência Afetiva, sendo atribuído ao modo Dórico um índice maior do que os modosEólio (p=0,01) e Frígio (p=0,001). O modo Lócrio obteve índice mais baixo que osmodos Dórico (p=0,001), Eólio (p=0,01) e Frígio (p=0,03), respectivamente.

DiscussãoOs dados obtidos no presente trabalho parecem dar conta de explicar a existência deuma Hierarquia Modal Linear, que parece governar os processos psicológicos envol-vidos na percepção emocional de trechos musicais no contexto ocidental, desmisti-ficando assim, o uso hipotético e intuitivo acerca dessa questão. A existência dessahierarquia pôde ser comprovada por meio dos dados computacionais e comporta-mentais.Com relação aos dados computacionais, o descritor “Complexidade Harmônica” pa-rece reconhecer a existência da Hierarquia Modal. As análises estatísticas feitas a par-

Complexidade Harmônica Clareza do Modo Valência Afetiva

Lídio 0,43 (0,33) 0,51 (1,16) 3,75 (3,23)

Jônio 0,42 (0,29) 0,50 (1,04) 4,60 (3,54)

Mixolídio 0,42 (0,29) 0,53 (1,21) 3,96 (3,59)

Dórico 0,41 (0,25) 0,42 (1,45) -0,37 (3,03)

Eólio 0,41 (0,26) 0,38 (1,18) -3,36 (2,57)

Frígio 0,43 (0,30) 0,41 (1,08) -3,34 (2,65)

Lócrio 0,45 (0,48) 0,79 (1,17) -2,66 (2,55)

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tir dos valores encontrados por este descritor acústico apontam diferenças estatísticasobtidas entre os modos situados nos dois extremos da hierarquia (Lídio, o mais claroe Lócrio, o mais escuro) e todos os outros modos. Coincidentemente, estes dois modossão os únicos que têm um intervalo de trítono (três tons) formado em relação às suasnotas de referência (fundamentais). No decorrer da História da Música Tonal Oci-dental, este intervalo foi classificado como o intervalo do diabo, em música, catego-rizado por ouvintes, compositores e críticos musicais das diferentes épocas como umintervalo altamente dissonante, que deveria ser severamente evitado, para que a mú-sica não se tornasse menos bela (Grout & Palisca 1994). A ocorrência deste intervalomusical justamente nos dois extremos da Hierarquia Modal (início e fim) sugere aexistência de um “ciclo de dissonâncias” em relação às notas de referência de cadamodo presente na Hierarquia. Assim, ela se iniciaria com um modo dissonante (oLídio), tornando-se consonante no decorrer do movimento hierárquico (passandopara todos os outros modos), para tornar-se dissonante novamente no final da hie-rarquia (com o modo Lócrio). Este “ciclo de dissonâncias” pôde ser verificado pormeio do descritor “Complexidade Harmônica”, que categorizou os modos com inter-valos dissonantes como modos mais complexos do que os modos envolvendo inter-valos consonantes em relação à nota de referência de cada modo. Portanto, estedescritor confirma a existência de uma Hierarquia Modal governada por processospsicológicos relacionados à percepção de “quão dissonante” é o modo.As respostas emocionais obtidas no presente estudo foram bastante consistentes comrespostas emocionais obtidas em outros estudos envolvendo a influência do modomusical sobre a percepção das emoções durante tarefas de escuta musical, no qualmodos menores estiveram sempre associados a níveis de Valência Afetiva negativos,enquanto modos maiores estiveram sempre associados a níveis de Valência Afetivapositivos (Dalla Bella, Peretz, Rousseau & Gosselin 2001; Webster & Weir 2005;Ramos, Bueno & Bigand, no prelo). Apesar dessa convergência, a principal contribuição deste estudo está do fato de quea cognição do modo musical não se resume simplesmente à distinção Maior / Menor.Mais do que isso, foram encontradas dados que comprovam que uma pequena dife-rença na estrutura escalar pode modular as respostas emocionais à música, especial-mente às estruturas escalares dos modos menores. Esta constatação pode sercomprovada por meio de uma análise da Tabela 1 do presente estudo, no qual dife-renças estatísticas foram obtidas na análise dos níveis de Valência Afetiva dos modosmenores entre si. No presente estudo, houve uma relação direta e gradual entre os níveis de ValênciaAfetiva encontrados para estes modos e a linearidade da Hierarquia Modal: o modoDórico (classificado intuitivamente como o modo menos “escuro”) foi àquele perce-bido com um grau de Valência Afetiva mais próximo dos modos maiores; os modosEólio e Frígio obtiveram níveis de Valência Afetiva parecidos, enquanto que o modoLócrio (considerado intuitivamente como o “mais escuro”) obteve os menores índicesde Valência Afetiva. Neste sentido, o intervalo de terças (maior nos modos maiores /

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menor nos modos menores) parece não ser o único intervalo que determina a ex-pressão emocional do modo musical. Por exemplo, os modos Dórico e Eólio se dife-rem pelo intervalo de sexta (maior no primeiro modo e menor no último). Estasimples diferença foi responsável pela percepção de níveis de Valência Afetiva dife-renciados entre um e outro modo. Estes resultados são consistentes com os resultadosobtidos por Ramos (2002), no qual mudanças súbitas na estrutura escalar tambémforam responsáveis por diferenças na percepção emocional dos ouvintes. Estas constatações sugerem que o estabelecido conceito “Modo Maior Alegre / ModoMenor Triste” bastante consolidado na literatura pode ser considerado meramentecomo um caso específico de um processo mais geral que governa a percepção dasemoções musicais. Como mencionado acima, os modos musicais são organizadospor uma seqüência formada por tons e semitons. Uma das principais diferenças entrecada modo se resume à sua nota de referência, que servirá de base para a sua organi-zação intervalar. Assim, a percepção das emoções musicais esteve relacionada à per-cepção da nota de partida em relação a pontos de referência cognitivos específicos(intervalos tonais ou semitonais) que diferem entre os modos. A importância de pontos de referência cognitivos específicos para a música tonal oci-dental foi investigado sistematicamente por Krumhansl (1997), no qual a autora es-tabeleceu que mudanças em pontos de referência cognitivos causados por alteraçõesna tonalidade de diferentes músicas estão associadas a diferenças de efeitos expres-sivos na música tonal. O presente estudo confirma esta constatação, mostrando quea modificação da nota de referência de um dado conjunto de notas (mudanças nomodo) é suficiente para modular julgamentos emocionais.A conclusão deste estudo é que existe uma Hierarquia Modal linear, que vai do modoLídio (mais claro) ao modo Lócrio (mais escuro), passando pelos modos Jônio, Mi-xolídio, Dórico, Eólio e Frígio, que organiza a percepção emocional dos modos emrelação aos níveis de complexidade harmônica (obtidos por meio de um descritoracústico de alto-nível) e níveis de valência afetiva desencadeados em tarefas de escutamusical (obtidos por meio de dados comportamentais envolvendo respostas emocio-nais à música).

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Investigating absolute pitch with neuroimaging techniques– Literature review

Patrícia [email protected]

Universidade de Brasília, Departamento de Música

Maria Angela M. [email protected]

Instituto do Cérebro, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, São Paulo

Lionel F. [email protected]

Hospital Israelita Albert Einstein, Departamento de Radiologia, São Paulo

Edson Amaro [email protected]

Universidade de São Paulo, Escola de Medicina, Departamento de Radiologia

Abstract The objective of this investigation is to summarize neuroimaging findings about theneural correlates of absolute pitch (AP). MEDLINE, EMBASE, PsycINFO, and GoogleScholar were searched for articles published between 1995 and 2009. Search termswere: “Absolute Pitch” or “Perfect Pitch” AND “Neuroimaging” or “MRI” or “fMRI” or

“Magnetic Resonance” or “PET.” We selected studies written in English, reporting ori-ginal experimental data, involving human subjects, and employing magnetic reso-nance (MRI or fMRI) and/or positron emission tomography (PET) to investigate AP.Thirteen articles were selected: six fMRI, two PET/MRI, and five MRI only studies. Apronounced leftward asymmetry of the planum temporale (PT) was described in APindividuals. Left temporal cortex activation patterns differed for AP subjects vs. non-AP musicians and non-musicians when listening to musical stimuli. Different corticalstructures are involved in AP in blind subjects. Early musical training does not seemto contribute to the anatomical features of AP. This cognitive ability seems to be as-sociated with anatomical and functional modifications in frontal and temporal brainlobes, especially in the left side. Nevertheless, a standard method to determine APability and a more homogeneous use of neuroimaging techniques are required toconfirm and advance these findings.

Keywordsabsolute pitch – neuroimaging – auditory perception

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Introduction Absolute pitch (AP) is one of the most intriguing traits in auditory perception. Thisphenomenon has been defined in the literature as the ability to identify and label thefrequency of any isolated tone (for example, “C” for a frequency of 261 Hz) and/orthe ability to produce a specific tone (through singing or manipulating a frequencygenerator) without external reference (Bachem 1937, Baggaley 1974, Ward 1999,Parncutt and Levitin 2003, Zatorre 2003). The prevalence of absolute pitch in the pop-ulation is estimated to be between 1⁄10,000 (Bachem 1955) and 1⁄1,500 (Profita andBidder 1988), and between 5 and 50⁄100 amongst musicians (Wellek 1963, Chouardand Sposetti 1991). Some studies have reported a greater incidence of AP in musiciansof Asian ethnicity (Gregersen et al. 1999, Deutsch et al. 2006). The origin of AP remains unknown. There is evidence that this ability develops duringa critical period in the first years of life (Ward 1999). Musicians who begin their mu-sical training before the age of six seem to have a greater propensity to develop APthan those who start later (Sergeant 1969, Wellek 1938); however, the early beginningof musical training alone does not guarantee AP acquisition. A possible explanationfor that could be the existence of some genetic component that would facilitate themanifestation of AP. Although this hypothesis has not been demonstrated, recentstudies have pointed in this direction (Baharloo et al. 2000, Gregersen et al. 2000).As a cognitive ability that seems to depend on nervous system response to experiential,maturational, and genetic factors, AP is a candidate model to explain the role of theseinteractions in cognitive development (Zatorre 2003).AP has been studied since the nineteenth century (Stumpf 1883, Meyer 1899). Nev-ertheless, in the past few years, there has been an increasing interest in this area, withthe number of publications on the topic having doubled in the last decades of thetwentieth century (Levitin 2006). This renewed interest is partly due to the develop-ment of novel investigative techniques, which have provided a better understandingof brain structures and the underlying mechanisms of behavior and cognitiveprocesses, such as auditory perception. The neuroimaging techniques that appearedduring the last two decades of the twentieth century revolutionized the study of brainanatomy and physiology, and have become essential to understand the interactionsbetween brain, cognition, and behavior.Among these techniques, magnetic resonance imaging (MRI), functional MRI (fMRI),and positron emission tomography (PET) stand out. While MRI provides high qualityimages of brain anatomical structures, PET and fMRI uncover metabolic processesrelated to specific cognitive tasks. Based on the principle of hemodynamic response,both fMRI and PET are capable of showing variations in cerebral blood flow thatoccur in brain areas that are activated during the accomplishment of specific tasks.Since these techniques have opened new perspectives for scientific investigation, lea-ding to a better understanding about the mechanisms involved in different behavioraland cognitive traits, we carried out a systematic literature review to summarize recentneuroimaging findings concerning the neural correlates of AP.

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MethodsIn order to indentify studies using neuroimaging techniques to investigate AP, GoogleScholar, MEDLINE, EMBASE, and PsycINFO were searched, followed by hand search ofthe references of selected articles. The search covered the years 1995 (year of publi-cation of the first investigation looking for neurocorrelates of AP using neuroimagingtechniques) (Schlaug et al. 1995) to 2009.The following inclusion criteria were defined: publication in English, in scientific jour-nals or conference proceedings, between February 1995 and August 2009; use ofstructural and/or functional neuroimaging techniques (fMRI and/or PET to assesshemodynamic response or MRI to assess morphometric aspects) to study absolutepitch; employment of an experimental design.The following search terms were used: “Absolute Pitch” or “Perfect Pitch” AND “Neu-roimaging” or “MRI” or “fMRI” or “Magnetic Resonance” or “PET”.

ResultsTwenty studies using neuroimaging techniques to investigate AP were selected. Sevenwere excluded: six were not experimental and one was in abstract format only. Thus,the following articles were included in this review: Schlaug 1995; Zatorre et al. 1998;Onishi et al. 2001; Keenan et al. 2001; Ross et al. 2003; Hamilton et al. 2004; Luderset al. 2004; Bermudez & Zatorre 2005; Gaab et al. 2006; Wilson et al. 2008; Oechslinet al. 2009; Bermudez et al. 2009; and Schulze et al. 2009. All these studies focus onMRI area or volume measurements of brain structures and/or fMRI/PET determina-tion of hemodynamic response and characteristics of neural networks involved in AP.

1. Morphometric Investigations While two MRI studies examined the volume of the planum temporale (PT) (Zatorreet al. 1998, Wilson et al. 2008), three measured the surface of this region (Schlaug etal. 1995, Keenan et al. 2001, Hamilton et al. 2004). Two other studies (Luders et al.2004, Bermudez et al. 2009) performed voxel-based morphometry (VBM) of thewhole brain to investigate grey matter asymmetries in AP and non-AP musicians.Notwithstanding the methodological differences, the results of all but one of thesestudies were notably similar, indicating the existence of a pronounced leftward asym-metry of the planum temporale (PT) in AP subjects.Schlaug and colleagues (1995) were the first to describe specific structural characte-ristics of the brain of musicians. Their study revealed an exaggerated leftward PTasymmetry in musicians with AP when compared to those without AP, who in turndid not differ from a control group of non-musicians. It should be noted that right-handed individuals naturally have a leftward asymmetry of the PT. However, theasymmetry presented by the group of musicians with AP (also right-handed) was sig-nificantly larger than usual. Another study (Zatorre et al. 1998) did not observe diffe-

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rences in the volume of PT in AP vs. non-AP musicians, but reported a larger left PTwhen AP musicians (n = 10) were compared to a larger sample of right-handed sub-jects unselected for musical skill (n = 50). Also, the authors noticed that the largerthe PT volume of AP musicians, the better their performance on the absolute pitchtest applied during the investigation. An interesting observation was made by Keenan and colleagues (2001).Those authorsreported that the leftward PT asymmetry observed in musicians with AP when com-pared to non-AP musicians and non-musicians resulted not from a larger left PT, butrather from a significantly smaller right absolute PT. A similar observation was madeby Wilson and colleagues (2008), who compared musicians exhibiting a lower levelof AP performance, whom they called quasi-AP musicians (QAP), with others withand without AP and observed a lower average volume of right PT in AP vs. non-APand QAP individuals. This difference was especially evident between the groups ofmusicians with AP and QAP. The average volume of left PT did not differ between thegroups.Luders and colleagues (2004) studied gray matter (GM) asymmetry with a focus onboth AP and gender, and found that male AP musicians were more leftward lateralizedin the anterior region of the PT than male non-AP musicians, and that male non-APmusicians had an increased leftward GM asymmetry in relation to female non-APmusicians. That study was performed using VBM, which differs from traditional re-gion-of-interest MRI analyses because it allows the entire brain to be examined, de-creasing user bias. Other authors have recently used a combination of VBM with othermorphometric techniques to study cortical thickness (Bermudez et al. 2009), but didnot observe an exaggerated leftward asymmetry of PT, as described in previous stu-dies. On the other hand, they found a thinner cortex in AP possessors in areas pre-viously implicated in the performance of AP tasks, such as the posterior dorsal frontalcortices (Zatorre et al. 1998, Bermudez and Zatorre 2005).

2. Functional InvestigationsThe fact that AP fMRI/PET studies (Zatorre et al. 1998, Ohnishi et al. 2001, Ross et al.2003, Bermudez and Zatorre, 2005, Gaab et al. 2006, Wilson et al., 2008, Oechslin etal. 2009, Schulze et al. 2009) have employed a range of stimuli poses a challenge todirect comparison, since the performance of various tasks, even if only slightly diffe-rent, could lead to the activation (or non-activation) of distinct brain areas. Still, themain observations of these studies are summarized below.

2.1. Activation of posterior dorsolateral prefrontal cortex The posterior dorsolateral prefrontal cortex was activated in both AP and non-APsubjects when they performed tasks requiring the association of a specific sound sti-mulus to its label (Zatorre et al. 1998, Bermudez and Zatorre, 2005). Musicians withAP showed activation of the posterior dorsolateral prefrontal cortex in all tasks in-volving tonal stimuli, since they unconditionally associate pitches with labels. This

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activation occurred whether the tasks were active – when subjects were required toname pitches that were randomly presented (Wilson et al. 2008) – or passive – whenthey were required only to listen to a sequence of two pitches (Zatorre et al. 1998) orto a music excerpt (Ohnishi et al. 2001).Zatorre and colleagues (1998) observed that only AP musicians had their left posteriordorsolateral prefrontal cortex activated while passively listening to pairs of tones,played one after the other. However, when the task was to identify and name the in-tervals formed by the pairs of tones (a task that all trained musicians can perform,regardless of presenting AP), activation in that same area was observed in individualswith and without AP. The authors thus remark that whenever an association betweena stimulus and a label was required, activation in the posterior dorsolateral prefrontalcortex was observed. AP could then be characterized as the ability to retrieve an ar-bitrary nonspatial association between a stimulus (pitch) and a verbal label (name ofpitch), therefore strongly linked to associative memory (Zatorre et al. 2008).Bermudez and Zatorre (2005) used a sample of non-musicians in an attempt to testthis hypothesis. The authors designed a task that aimed to reproduce, in non-musi-cians, a mechanism analogous to the one used by subjects with AP in the identifica-tion of tones. For the experiment, eight individuals without formal musical knowledgewere trained to associate four distinct triads (major, minor, augmented, and dimi-nished) to numbers 1 to 4. It was expected that the non-musicians in this experimentwould present an activation of the dorsolateral prefrontal cortex when linking eachtriad to its corresponding number, as had occurred with AP subjects in the Zatorrestudy when associating a label (e.g. A) to a stimulus (e.g. 440Hz). Two fMRI sessionswere performed, one before and one after the training, and activation of the posteriordorsolateral prefrontal cortex was indeed observed in both hemispheres during thepost-training session. The importance of this experiment resides in the fact that itshows that part of the processing chain involved in the identification of tones throughAP – the associative pairing of a stimulus’ dimension to a label and the access to thisinformation — is a universal ability and involves neural substrates common to indi-viduals with or without AP.

2.2. Activation of left temporal cortexWhen hearing musical stimuli based on the Western tempered scale, AP musicianspresented activation predominantly concentrated on the left temporal cortex (Zatorreet al. 1998, Ohnishi et al. 2001, Wilson et al. 2008). On the other hand, in non-APmusicians, or in musicians with a lower degree of this ability, a much greater recruit-ment of neural networks was observed, especially in the right hemisphere, includingstructures linked to pitch working memory (Wilson et al. 2008). In a study conducted by Onishi and colleagues (2001), patterns of brain activation inmusicians (most of them with AP) and non-musicians were observed as they listenedto a specific musical fragment. When passively listening to the music presented duringan fMRI session, musicians and non-musicians revealed activations in significantly

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distinct cortical areas. While in non-musicians the area which showed predominantactivity was the right temporal cortex (Brodmann Areas 21, 22), in musicians thepredominant activity was observed in the left temporal cortex (Brodmann Areas 21,22). Moreover, when compared to non-musicians, musicians presented greater acti-vation in PT and, again, in the left posterior dorsolateral prefrontal cortex (BrodmannArea 9), as had already been observed in the studies mentioned above.

3. Absolute Pitch Modulating Factors and Neuroimaging3.1. Early musical training

Two studies addressed the issue of early musical training (Ohnishi et al. 2001, Keenanet al. 2001).As previously described, Keenan and colleagues (2001) found an exagge-rated PT asymmetry in musicians with AP when compared to non-AP musicians andnon-musicians, resulting from a significant smaller right absolute PT size. The factthat all the musicians selected for both samples of this work (except one in the groupof AP) had started their musical training at the age of 7 or before provides evidencethat the early exposition to musical training does not guarantee an exaggerated left-ward PT asymmetry. It is therefore more likely that this asymmetry would be deter-mined by genetic or by prenatal but non-genetic factors and, either way, it could serveas a marker of predisposition of AP instead of being a result of experiential difference. The investigation by Onishi and colleagues (2001) revealed a significant negative li-near correlation between the age at onset of musical training and the degree of acti-vation in the left PT (Brodmann Area 22). Moreover, an important positive linearcorrelation was observed between the performance of musicians of the sample in anAP test and the degree of left posterior dorsolateral prefrontal cortex activation. Inother words, the earlier the beginning of musical training, the higher the activationin the PT; and the better the performance in the AP test applied, the greater the acti-vation in the left posterior dorsolateral prefrontal cortex.

3.2. Working memoryThe issue of working memory was raised in two papers (Wilson et al. 2008; Schulzeet al. 2009). Absolute pitch has traditionally been contrasted with relative pitch per-ception in the literature, assuming that both abilities were independent and incom-patible, with clearly defined boundaries. Some studies, however, describe significantdifferences in the perception of tones within the group of absolute pitch musicians,indicating different degrees of the same ability (Bachem 1937; Takeuchi and Hulse1993).Like most human traits, AP is not an all-or-none ability, but rather exists along a con-tinuum (Levitin and Rogers 2005). For this reason, the term “quasi-absolute pitch”has been used by some researchers to describe individuals who would fall somewherein that continuum. Some QAP subjects are able to label tones produced by one par-ticular instrument only. Others have AP for only a single tone and, when required toname other tones, they use relative pitch to fill in the gaps (Bachem 1937; Levitin and

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Rogers 2005).Wilson and colleagues (2008) studied three subject groups: AP, quasi-AP (QAP) andnon-AP musicians, showing a significant activation peak in the posterior extensionof the left superior temporal gyrus (Brodman Area 22) in musicians with AP duringthe performance of a pitch identification task. An analysis combining the groups ofAP and QAP musicians revealed an additional and extensive activation in the righthemisphere and in bilateral frontotemporal regions, areas which have been previouslyshown to be involved in functions of pitch discrimination and auditory working me-mory (Zatorre et al. 1994). The solicitation of more extensive neural networks duringthe tone identification process reflected the variation in the degree of precision bet-ween individuals with AP and quasi-AP. The lower the performance in the pitch iden-tification task, the greater the involvement of the right hemisphere and of structureslinked to the working memory.Wilson and colleagues (2008) have also verified that in a task requiring tonal classi-fication (but not pitch identification) all three groups presented similar activationalong the left superior temporal gyrus and in the right cerebellum. However, whenAP subjects were excluded from the comparison, peaks of activation were only ob-served in the anterior portion of the left superior temporal gyrus. It is interesting tonote that individuals with QAP presented a faster mean correct response time in thetonal classification task than in the identification of pitches, while the opposite oc-curred in individuals with AP. Schulze and colleagues (2009) have contrasted AP and non-AP musicians to investi-gate differences in the neural correlates of early encoding and short-term storage oftonal information. Those authors used a pitch memory task in which subjects wererequired to retain a series of tones and later identify whether the last or second-to-last tone was the same or different from the first. Using this task, the authors wereable to inspect early activity (0 to 3 s after the end of stimulus presentation), reflectingperceptual encoding, as well as later activity (4 to 6 s after stimulation), possibly re-flecting post-encoding functions such as working memory. Greater activity was re-ported in the left superior temporal sulcus (STS) of AP musicians during the earlyscanning period, whereas non-AP musicians showed greater activity in the right pa-rietal areas during both scanning periods. These findings suggest that a different cognitive strategy is employed by musicianswith and without AP to identify and categorize sounds, with non-AP musicians usinga tonal working memory and/or multimodal encoding to carry out the pitch memorytask. The study raises the question of whether there are correlations between AP andother facets of cognition, or of whether (some forms of) AP may be manifestationsin the musical domain of broader elements of cognition.

3.3. Verbal natureTwo papers (Zatorre et al. 1998; Oechslin 2009) addressed the notion that AP involvesan association between a stimulus and a verbal label (Zatorre et al. 1998), suggesting

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a “verbal nature” for AP ability. Oechslin and colleagues observed significantly diffe-rent hemodynamic responses to complex speech sounds in AP musicians vs. relativepitch (RP) musicians, with AP musicians presenting stronger activation of the poste-rior part of the middle temporal gyrus and weaker activation of the anterior mid-part of the superior temporal gyrus. Based on the notion that AP proficiency shouldbe reflected in specific auditory-related cortical areas, and assuming an increasedlanguage processing proficiency in AP individuals, those authors argued that AP mu-sicians would present a left-side lateralization in language comprehension regardlessof linguistic domain (syntax, semantics, phonology). They concluded that pitch pro-cessing does indeed influence propositional speech perception, that is, perception ofsentence meaning.

3.4. Blindness Three studies make reference to this topic (Ross et al. 2003; Hamilton et al. 2004;Gaab et al. 2006). It is estimated that the incidence of AP among blind individuals isgreater than among individuals without visual impairment (Hamilton et al. 2004).Blind AP musicians use neural networks which include areas distinct from those usedby sighted AP musicians, such as visual association and parietal areas (Ross et al.2003; Gaab et al. 2006).The study by Hamilton and colleagues (2004) showed that blind musicians with APdid not have the same increase in PT asymmetry previously observed in AP musicianswithout visual impairment. When compared to other blind musicians without AP,they showed a greater degree of PT asymmetry variability. Although the number ofblind individuals who participated in the study was small (n = 8) and their selectionwas not based on handedness, this study suggests that the neural mechanisms linkedto AP in blind musicians is likely to be distinct from those of musicians without visualimpairment. Ross et al. (2003) and Gaab et al. (2006) compared fMRI findings in blind and sightedindividuals with AP. Even though they were based on significantly distinct tasks, bothstudies observed considerable differences in the patterns of activation between thegroups, suggesting that different neural networks were employed in the processingand identification of tones. While sighted individuals presented greater activation inauditory cortical areas, there was a very large recruitment, in blind individuals, of vi-sual association and parietal areas. Since there is evidence that visual association areasare involved in the processing and categorization of visual information (Spiridon andKanwisher 2002) the arising hypothesis is that, in the absence of vision, these sameareas would facilitate the categorization of auditory information. This notion of brainplasticity involving the occipital cortex could provide an additional neural substratefor the development of AP in blind individuals. The results of these two studies —although not revealing the specific mechanisms that lead to a higher propensity tothe acquisition of AP in blind subjects — show that the appearance of AP in blindnessdoes not depend on the same auditory cortex structures that are responsible for themanifestation of AP in sighted subjects.

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DiscussionThe studies selected for this literature review attempted to identify, through MRI,fMRI or PET, brain mechanisms and structures that could possibly be involved inpitch perception by AP. As far as the anatomical findings are concerned, all but oneMRI study indicated an exaggerated leftward PT asymmetry in AP subjects. However,the significance of this finding is still largely unknown. Different morphometric met-hods were employed across studies: manual measurement of the volume or surfacearea of the PT revealed a pronounced leftward asymmetry in individuals with AP(Schlaug et al. 1995; Zatorre et al. 1998; Keenan et al. 2001; Wilson et al. 2008); onestudy using an automated method of analysis (VBM) observed a leftward asymmetryof PT in male AP-musicians only (Luders et al. 2004); and another study combiningdifferent morphometric techniques did not reveal such asymmetry at all (Bermudezet al., 2009). Some studies attributed the asymmetry to a larger than usual left PT(Schlaug et al. 1995; Zatorre et al. 1998), and others to a smaller right PT (Keenan etal. 2001; Wilson et al. 2008). Manual segmentation analysis of the PT can avoid somemorphological variability intrinsic to automated methods (such as VBM and corticalthickness); on the other hand, they are more prone to arbitrary delineation definitionsand human error. Based on these considerations, it would be premature to concludethat an exaggerated leftward asymmetry of PT is an anatomical characteristic of allindividuals with AP.An interesting and novel structural finding was made by Bermudez and colleagues(2009), whose study draws attention to brain areas outside the PT, revealing reducedcortical thickness in multiple loci in AP musicians. One of these areas, the posteriordorsal frontal cortex, had been identified as involved in AP perception in previousfunctional investigations (Zatorre et al. 1998; Bermudez and Zatorre 2005). This study,thus, serves to delineate potential areas for future investigation about the anatomicand functional correlates of AP.Regarding the functional studies included in this literature review, activations in theposterior dorsal frontal cortex and in the left temporal cortex emerged as characte-ristics of AP perception in normal subjects (Zatorre et al. 1998; Ohnishi et al. 2001;Wilson et al. 2008). Blind individuals with AP showed distinctive areas of activationespecially in the parietal and occipital cortices (Ross et al. 2003; Gaab et al. 2006).However, the samples analyzed in these studies were small and further investigationswith larger samples seem necessary to confirm these findings.In general, the literature also supports the hypothesis of Zatorre and colleagues (1998)that the emphasis on the left hemisphere in AP indicates a verbal nature for the as-sociation that occurs between a sound and a label in AP. Further support to this hy-pothesis came from the study by Oeschlin and colleagues (2009), which showsdifferences between AP musicians and non-AP musicians in terms of speech proces-sing. Taking into consideration that the PT is a key element in Wernicke’s area, a majorfunctional area for language comprehension, future studies should investigate the

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correlations between language acquisition and processing and AP. Studies on Wer-nicke’s subareas may also be useful to shed light on AP specificities concerning re-cognition of different timbres, especially the difficulty in recognizing tones producedby the human voice (Bachem 1937; Takeuchi and Hulse 1993).Early training is certainly correlated with AP, probably as a trigger to fulfill a geneticpredisposition to the development of this ability (Baharloo 1998; Gregersen et al.2000; Zatorre 2003). In that sense, age 7 seems to be the cutoff point after which trai-ning does not guarantee improved AP performance (Takeuchi and Hulse 1993). Ho-wever, the articles reviewed here have shown that early training does not seem to beassociated with anatomical features such as PT size (Keenan et al. 2001), but ratherwith activation of specific brain structures (Ohnishi et al. 2001). There seems to be strong evidence that AP and other forms of AP such as QAP employdifferent cognitive strategies to recognize tones (Wilson et al. 2008; Schulze et al. 2009;Takeuchi and Hulse 1993; Levitin and Rogers 2005). Further clarification of this dis-tinction would be useful to determine the boundaries of AP. Even if not all AP indi-viduals share the same degree of ability, there probably are cognitive features thatcharacterize AP specifically, and that are not found outside AP. A word of caution must be said concerning methodological aspects. As stated by Ber-mudez and Zatorre (2009), there exists no standard method for the behavioral de-termination of absolute pitch ability. As a result, a variety of methods have been usedto determine AP ability and select study participants, which might account for somedisparity in results. Schlaug and colleagues (1995) chose AP subjects based on theself-declared ability to produce and recognize pitches without external reference. Theremaining investigations used either a pitch production test (Ohnishi et al. 2001) orpitch labeling tests. Nevertheless, the timbres employed in these labeling tests weredistinct: sawtooth waves (Zatorre et al. 1998), sine waves (Keenan et al. 2001, Luderset al. 2004; Hamilton et al. 2004; Gaab et al. 2006; Schulz et al. 2009; Oechslin et al.2009), or synthesized piano (Ross et al. 2003; Wilson et al. 2008). As previously men-tioned, the literature describes significant variations in the perception of tones withinthe group of subjects with AP, indicating different degrees of this ability (Bachem,1937). Among AP possessors the extent of sensitivity to timbre, as well the degree ofaccuracy or consistency in AP identification and production varies widely (Takeuchiand Hulse 1993). It is, thus, important to emphasize that the results described in theseneuroimaging investigations should be interpreted with careful attention to the natureof the selected samples. Subjects who can recognize tones in the piano timbre are notnecessarily capable of recognizing tones produced by sine or sawtooth waves. Further investigation seems thus to be necessary in order to deepen the search foranatomical and functional markers that could be related to these variations in AP.This would contribute to a more detailed understanding of how tone processing oc-curs in our brain.

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Um levantamento sobre o ouvido absolutoRodrigo Fratin [email protected]

Ricardo [email protected]

Departamento de Música, Instituto de Artes – Unicamp

ResumoO ouvido absoluto (absolute pitch, perfect pitch) foi um dos assuntos mais polêmicose intrigantes durante o séc. XX na área da cognição musical e, em diversos aspectos,permanece aberto para maiores esclarecimentos. Como podemos definir de fato oque seja esta habilidade? Quais são os fatores correlacionados válidos para com-preendê-la? Neste trabalho, e com o objetivo de estabelecer um consenso a partirdaquilo que já se sabe pelas pesquisas de investigadores conceituados, fizemos umlevantamento bibliográfico sobre esta faculdade auditiva. Primeiramente, buscamoscompreender os aspectos mecânicos e psicofísicos do funcionamento do ouvido hu-mano para, em seguida, avaliar a teoria vigente que relaciona as características so-noras de croma e peso com o funcionamento da membrana basilar na cóclea. Porfim, a partir desses elementos, apresentamos uma síntese analítica do pensamentovigente na busca de uma definição consistente e suficientemente abrangente para ahabilidade em questão.

Palavras-chaveouvido absoluto – croma sonoro – percepção musical

IntroduçãoDurante o séc. XX um dos assuntos mais polêmicos e confusos em meio à área decognição musical foi o ouvido absoluto (absolute pitch, perfect pitch). Uma habilidadetida como rara entre as pessoas, mas que mesmo assim parece se manifestar de dife-rentes maneiras e em diferentes níveis pondo em comparação os seus possuidores.Então como podemos definir seguramente esta habilidade? Quais são os fatores cor-relacionados válidos para compreendê-la?Com essas perguntas em mente, elaborou-se a presente pesquisa que tem como ob-jetivo primário levantar elementos consensuais e comumente aceitos pela comuni-dade de pesquisadores nessa área da cognição musical. Com isso, pretende-seexplicitar o que já se sabe a respeito do fenômeno e, ao mesmo tempo, levantar quaissão os aspectos que ainda estão sujeitos à experimentação e comprovação. Dessaforma, pretende-se oferecer elementos básicos e categóricos que tenham o potencialde fundamentar teoricamente o caminho de novos pesquisadores.A metodologia adotada é descritiva e consiste basicamente no levantamento biblio-gráfico a partir de alguns autores relevantes. Acredita-se que esse levantamento per-

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mitirá compreender a evolução nesse campo específico de estudos, e a natureza dosproblemas enfrentados pelos investigadores assim como as respectivas soluções.Nesse contexto, pretende-se explicitar como o problema vem sendo avaliado do pontode vista metodológico e quais são os modelos científicos adotados para a compreensãodo fenômeno.A pesquisa se inicia com uma análise do aparelho auditivo do ser humano, apresentaa teoria referente às relações entre a membrana basilar e os aspectos sonoros de cromae peso, e por último relaciona as diferentes definições que esta habilidade tomou naargumentação de diversos autores chegando ao consenso objetivado.

Fig. 1 – O Aparelho auditivo humano. Fonte: http://www.colegioweb.com.br/fisica/qualidades-fisiologicas-do-som.html

A estrutura anatômica do aparelho auditivoO aparelho auditivo do ser humano pode ser dividido em três partes: ouvido externo,ouvido médio e ouvido interno (Fig. 1). O ouvido externo é formado por uma pregade pele e cartilagem, a orelha, e pelo canal auditivo. Ele tem a função de captar e en-caminhar as ondas sonoras para a orelha média, amplificar o som, auxiliar na locali-zação da fonte sonora e principalmente proteger a membrana do tímpano. Além disso,ela ajuda a manter um equilíbrio nas condições de temperatura e umidade, necessárioà preservação da elasticidade da membrana. As glândulas ceruminosas produtorasde cera, os pelos, e a migração epitelial da região interna para a externa contribuempara estes fatores.As partes funcionais mais importantes são o ouvido médio e o ouvido interno queficam alojados dentro do crânio. O ouvido médio é praticamente uma “bolsa” preen-chida por ar que se comunica com a nasofaringe através da tuba auditiva, tambémchamada de trompa de Eustáquio. Ele possui em seu interior uma cadeia ossicularcomposta por: martelo, bigorna e estribo. Estes três pequenos ossos se conectam, for-mando uma ponte entre a membrana timpânica e a janela oval. Através de um sistemade membranas, eles conduzem as vibrações sonoras ao ouvido interno. A importânciadesta cadeia está relacionada à equalização das impedâncias do ouvido médio (vi-brações aéreas que invadem a membrana timpânica) e do interno (variações de pres-são nos compartimentos líquidos do ouvido interno).\O ouvido interno é composto por uma estrutura de formato espiral chamada cóclea,pelos canais semicirculares e pelo vestíbulo. Quando ondas sonoras entram no ouvidoelas atingem a membrana timpânica que fica no final do canal auditivo, onde são con-vertidas em vibrações, as quais são transmitidas à cóclea pelos ossículos. Na cóclea,

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as vibrações são transformadas em sinais elétricos nervosos por milhões de micros-cópicas cerdas das células auditivas. Estes sinais por sua vez são interpretados no cé-rebro.Dentro da cóclea temos uma estrutura a destacar neste trabalho. Trata-se da mem-brana basilar (Fig. 2), cuja principal característica é não ser uniforme, de forma quesuas propriedades mecânicas variam de acordo com o seu comprimento. Próximo àum dos extremos ela é mais fina e tensa, ressoando em freqüências mais altas, en-quanto no seu final (ápice), ela é espessa e flácida, ressoando então para freqüênciasmais baixas. Segundo a teoria de Von Bekesy, citado por Paulucci em 2005, para um dado estímulovibratório (som puro), ele se propagará através de toda a membrana basilar, causandomaior amplitude de movimento em determinado ponto dela (formando espécies de

“envelope” na membrana. Quando vários sons distintos são tocados, a imagem delase assemelha a de um teclado), enquanto os demais pontos permanecem próximosda inércia. Outro fator é que esta membrana permite que sons distintos a estimulemao mesmo tempo, vibrando em locais diferentes, ou seja, não ocorre interposição deondas. Isto atribui à membrana uma estrutura tonotópica, ou seja, sons agudos vibram emum extremo e sons graves em outro. Sons muito graves (menor que 200 Hz) provocama mobilização de toda a membrana basilar. Neste caso, a cóclea segmenta o som quechega ao ouvido, confirmando a cada tom uma região diferente da membrana (Pau-lucci 2005, 3-4).Foi com base nas características fisiológicas da membrana basilar que Bachem, ci-tando uma teoria primeiramente exposta por Helmholtz, propôs uma extensão destapara explicar o fenômeno do ouvido absoluto. A cada freqüência captada pela audição,a membrana basilar demonstra vibrações em diferentes locais. Quando esta freqüên-cia é ouvida novamente, a membrana responde com o mesmo padrão. Em mudançasde oitava o padrão permanece o mesmo, com só uma pequena adição de componentesna região aguda e omissão na região grave (comparando com uma oitava mais baixa).Desta forma, o padrão que se repete independente da oitava tocada é o que gera asensação de mudança de tom (croma) e os elementos acrescentados mais ao graveou ao agudo é que são responsáveis pelo caráter de peso, o que permite distinguir aoitava.Os estímulos percorridos pela membrana basilar repercutem sobre as células que selocalizam no órgão de corti. Estas células são as que convertem a energia mecânicaem elétrica e direcionam estes impulsos para os nervos que levam estes impulsos parao cérebro. Este mecanismo deve ser o responsável pelas informações que permitemo reconhecimento dos aspectos de croma e peso no cérebro (Bachem 1937, 150-151).

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Fig. 2 – A membrana basilar. Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/corpo-humano-sistema-sensorial/audicao-17.php

Os dois componentes fundamentais da sensação de ouvirEm 1950 Bachem, analisando pesquisas de alguns dos seus contemporâneos, ressaltoua informação de que nossas sensações ao ouvir são constituídas de dois componentes.Um deles é comumente chamado de “peso” (tone height), que varia conforme varia afreqüência. O outro, segundo a definição sugerida por Bachem e aceita até os dias dehoje, é chamado de croma (chroma). O croma é o fator que carrega as informaçõesque permitem que um ouvido reconheça qualquer freqüência como sendo, segundoo sistema tradicional, um Do, um Ré, Si bemol, etc. Este reconhecimento ocorre in-dependente da oitava a que a nota esta soando. Desta forma, as freqüências de 32.7Hz, 65,4 Hz, 130.8 Hz tem todas o mesmo croma, que correspondem a nota Do naescala tradicional. De acordo com os testes realizados por Bachem, é a capacidade dereconhecer este componente que diferencia as pessoas com OA das sem OA. Esta afir-mação é resultado da observação de que nos testes feitos com possuidores de OA, errosde oitava são muito comuns. Em casos classificados como “ouvido pseudo absoluto”o primeiro fator é o que o ouvinte leva em consideração para fazer o julgamento, quecostuma ser demorado e cheio de erros. Com base numa estimativa do peso da notaescutada o ouvinte, praticamente por “chute”, nomeia a freqüência. (Bachem 1950,81).Em uma pesquisa realizada em 2003, cientistas observaram o cérebro humano atravésde imagens funcionais por ressonância magnética com o objetivo de definir quais re-giões são mais afetadas pelos dois diferentes aspectos das freqüências ouvidas, cromae peso. Segundo eles mudanças no carácter de croma produzem mais ativação nocórtex auditivo ântero-lateral (antero-lateral auditory cortex) e alterações no carácterde peso produzem mais ativação no córtex auditivo postero-lateral (posterolateral au-ditory cortex)(Warren et al. 2003, 1-4).\A relação entre os elementos croma e peso podem ser representadas por um gráficotridimensional em forma de hélice (Pitch Helix): Uma espiral que ascende sobre a su-perfície de um cilindro vertical invisível (Fig.3).

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Fig.3 – A Hélice da relação entre croma e peso (Pitch Helix). Notamos que o croma estásendo representado numa escala de semitons representada em circunferência inserida

no plano XZ, onde um semitom equivale ao ângulo entre, por exemplo, Dó (C) e Dósustenido (C #) em relação ao eixo vertical (Y) que representa o peso. Este pode ser me-

dido em qualquer escala de freqüência, como por exemplo, Hertz. Outro caráter queeste gráfico representa é a classificação das oitavas, bastando olhar em qual bobina se

localiza a freqüência dada (fonte: Warren et. al 2003, 1-4).

Pessoas que tiveram uma educação musical e desenvolveram um bom ouvido relativose comportam como se elas tivessem desenvolvido uma escala interna. Um padrãomóvel conceitual que é permanentemente calibrado em termos de relações entre notasna escala musical tradicional de 12 tons. Se é apresentado a um indivíduo com umbom ouvido relativo um tom X e é dito qual é o seu croma e em que oitava está, estanota dada serve de ponto de referência para denominar todos os outros tons. A espiralgráfica é mentalmente rodada até o marcador subjetivo de semitom coincidir comeste tom “âncora”, e o músico pode a partir disto localizar todas as outras notas daescala. O músico assim se prepara para fazer julgamentos dos intervalos musicais(um conceito que corresponde à distância ao longo desta espiral) que separam estetom “âncora” de quaisquer outras frequências. No caso relatado acima, podemos dizer que a espiral é “flutuante”. Ou seja, não existemdegraus permanentes para se fazer julgamentos das notas, só existem temporários.Se for dado um tom de 440 Hz seguido de um de 525 Hz, o músico reconhecerá ra-pidamente o intervalo de terça menor, mas só se ele soubesse que a primeira foi Láirá denominar a segunda como Do. Se déssemos a informação de que o primeiro tomfoi Ré, o segundo seria nomeado Fá.Este tipo de engano não ocorre com uma pessoa possuidora de OA. Nesta, a espiraldemonstra ter degraus fixos e permanentes. Dadas as mesmas freqüências de 440 Hze 525 Hz o músico imediatamente reconheceria Lá 4 e Dó 5, e se lhe contassem que aprimeira foi Do 5, simplesmente diria que ouve um erro (Ward e Burns 1982, 434).

Conceitos sobre o ouvido absoluto e definiçõesO ouvido absoluto foi primeiramente citado em meio aos estudos de psicologia porStumpf em 1983, mas é tema de discussões entre músicos desde os tempos de Mozart,que demonstrou ser um genuíno possuidor desta habilidade. Além dele, muitos mú-sicos notáveis como Beethoven, Chopin, Scryabin, Messiaen e Boulez também de-

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monstraram ser possuidores. Ela pode ser definida como a habilidade de identificaro croma (classe de altura) de uma onda sonora audível fazendo uma discriminaçãodas diferentes freqüências com termos como C, 261 Hz ou Do sendo esta habilidadeconsiderada por muitos como OA passivo. Também pode ser demonstrada como acapacidade de reproduzir uma determinada freqüência sem ter sido dada uma refe-rência exterior, o que os mesmos chamam de OA ativo. Estes conceitos estão presentesem autores como Bachem, Baggately, e Ward, citados por Parncutt e Levitin (2001,37).Este tipo de percepção pode facilmente ser comparado com a capacidade humana dediferenciar cores. Desta forma é comum a referência a esta habilidade como sendo acapacidade de ouvir cores, isto sem relações com o fenômeno denominado “sinestesia”.Neste processo, dado uma onda de, por exemplo, 440 Hz, esta gerará uma determi-nada vibração num local particular da membrana basilar que por um conjunto de fi-bras nervosas deste lugar carregará um sinal para o cérebro. Se o ouvinte em algummomento aprendeu a identificar este som como “Lá 4” (ou qualquer outro nome),então sempre que este mesmo conjunto de fibras nervosas for estimulado no futuroo cérebro irá responder com o mesmo nome. Entretanto é muito interessante observarque enquanto 98% das pessoas reconhecem as cores visuais (considerando a existên-cia de 2% de daltônicos), menos de 0,01% tem ouvido absoluto. Isto levando em con-sideração alguns critérios estabelecidos para julgar a existência desta habilidade epelo que os estudos mostraram até hoje eles ainda não são muito claros contando queos casos denominados como sendo deste fenômeno apresentaram variadas caracte-rísticas.Considerando as dificuldades em classificar se um ouvinte possui ou não um ouvidoabsoluto, em 1937, Bachem escreveu o artigo “Various tipes of Absolute Pitch” noqual depois de várias pesquisas com muitos casos distintos com a mesma denomi-nação chegou a uma classificação para distingui-los. Por ela podemos dividir os casosrelatados como ouvido absoluto em três classes: A – Ouvido Absoluto Genuíno, ba-seado na identificação imediata do croma; B – Ouvido quase absoluto, baseado nojulgamento por intervalos a partir de uma referência fixa interiorizada, como o Lá440 Hz dos violinistas e C – Ouvido Pseudo Absoluto, baseado numa estimação pelasensação de peso da nota.Na classe A temos três subdivisões: na primeira temos o OA universal, podendo serinfalível (Bachem conheceu sete casos), mesmo realizando variações de timbre, re-giões e até considerando ruídos diversos como motores de carro e sons de vidros; oupodendo ser falível, tendo dificuldade com diversos instrumentos e realizando oserros comumente relatados de semitons e oitavas. Na segunda temos o OA limitado,podendo o ouvinte ter sua identificação restrita a determinado timbre, a determinadaregião de freqüências ou as duas coisas ao mesmo tempo. Já na terceira, temos o OAclassificado como intermediário a estes dois anteriores podendo ser impreciso ou im-preciso e variado.Na classe B temos duas subdivisões: na primeira o músico possui uma memória fixa

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para determinado tom, como por exemplo, o Lá 440 Hz do violino ou o Dó centraldo Piano. Assim, a partir de um conhecimento de intervalos, pode identificar comcerta precisão a maioria das freqüências. Já na segunda o músico reproduz a nota vo-calmente e com base na associação da tensão de suas cordas vocais a determinadasfreqüências, encontra certos padrões para identificar os sons que ouve.Na classe C, denominada Ouvido Pseudo Absoluto existe uma estimação por partedo ouvinte com base no caráter de “peso” das notas, algo que é válido para julgar asoitavas e não o croma. Os ouvintes enquadrados nas pesquisas como possuidoresdeste tipo, fazem geralmente um julgamento muito lento, dando a resposta como

“chutes” e cometendo muitos erros, o que já demonstra ser algo muito distante dosfenômenos apresentados na classe A (Bachem 1937, 149-150).Entretanto outras divisões já foram consideradas levando em conta o próprio empregodesta habilidade pelos ouvintes. A habilidade de reconhecer e reproduzir alturas comprecisão e imediatismo foi denominada “OA de tom” (tone-AP) e outra característicacomum, que é o reconhecimento da tonalidade de algumas peças, foi denominada

“OA de Peça” (piece absolute pitch). Curiosamente estas duas não aparecem necessa-riamente juntas, como disseram Terhardt e Seewann, citados por Parncutt e Levitin,um músico pode demonstrar uma sem conseguir demonstrar a outra (Parncutt e Le-vitin 2001, 38).Segundo Levitin, “fundamentalmente, o OA é uma habilidade cognitiva que dependede auto-referência (a um modelo internalizado de classe de altura) e um mecanismode codificação altamente desenvolvida, que liga os rótulos verbais com representaçõesabstratas de uma informação perceptiva”. Ainda acrescenta que ao contrário de umaexistência de um mecanismo de percepção altamente desenvolvido, “a maior prepon-derância de evidência sobre a habilidade do OA é que seja uma habilidade de memóriade longo prazo e codificação lingüística”. Ainda sobre a definição, o mesmo autor cri-tica o uso do termo perfect pitch (afinação perfeita) como nome alternativo para OA.Pois o termo sugere que pessoas com o OA têm mais sensibilidade à afinação do quepessoas sem ele, o que não é fato (Levitin, 1999).Admitindo-se, em possuidores do OA, a existência de um padrão interno estabilizadopara fazer gerar e reconhecer sons com exatidão, deve-se levar em consideração umaspecto fisiológico comum nos seres humanos que é chamado presbiacusia. Estetermo refere-se a alterações fisiológicas no ouvido em função da idade, o que leva aque o ouvinte, com o passar do tempo, a perceber as notas mais altas do que percebiaantes. Citado por Ward & Burns, Vernon relatou que quando estava na idade de 52anos, as tonalidades estavam soando um semitom acima. Isto foi particularmenteaflitivo, pois como resultado ele ouvia a abertura para Die Meistersinger em Dó sus-tenido ao invés de Dó e para ele Dó é “forte e masculino” enquanto Dó sustenido é

“lascivo e afeminado.” Posteriormente, aos 71 anos de idade, ele ouvia tudo dois se-mitons acima. Muitos outros casos semelhantes foram relatados (Ward & Burns 1982444).

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Considerações finaisCorrelacionando as argumentações dos autores apresentados neste levantamento,chegamos ao consenso de que os fatores de croma e peso são de fato muito impor-tantes na compreensão do OA, uma vez que a única informação que se mantém pre-sente em todas as definições é com relação a uma capacidade auditiva de reconheceros aspectos de croma num estímulo sonoro. Também julgamos, no momento, ina-propriado enrijecer um conceito sobre a forma de manifestar-se esta habilidade au-ditiva, pois, como ela se mostra muito variada, isto gera algumas dificuldades paraos pesquisadores em julgar precisamente se o indivíduo tem ou não um OA. Fatoresde tempo no julgamento, mudança de timbre, a capacidade de reconhecer em qualcroma está situado o centro tonal de uma peça e a faculdade de reproduzir uma notaespecífica sem referência parecem indicar uma habilidade mais comum do que seimagina, mas que se manifesta em diversos níveis, estando, para cada ouvinte, maisacessível em algumas circunstâncias musicais e mais obscura em outras.Uma análise completa do fenômeno sob questão deverá ainda englobar aspectos re-lativos às possíveis origens do OA, comparando as duas correntes teóricas básicas (de-senvolvimento e hereditariedade). Assim se faz necessária também uma revisão dastentativas de desenvolver um OA e, logicamente, uma reflexão sobre a importânciado OA, aspecto que ainda é muito questionado pelos músicos. Embora já se tenha ob-tido muito conhecimento sobre este fenômeno auditivo, muito existe ainda para seraveriguado, sendo impertinente no momento fazerem-se afirmações categóricas sobrealguns aspectos.

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Quais os fatores que podem interferir na percepção da expressividade interpretativa musical?

Márcia Higuchi, Cristina Del Ben, Frederico Graeff & João Leite [email protected]

Departamento Neurociências e Ciências do Comportamento, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo

ResumoEstudos indicam que as performances tocadas com emoção apresentam mais carac-terísticas relacionadas à expressividade (execuções expressivas) quando comparadasàs performances realizadas com a focalização da atenção dirigida apenas em aspectoscognitivos (execuções técnicas). Nesses estudos porém, a percepção da expressivi-dade por ouvintes não foi estudada. Este trabalho tem como objetivo estudar a per-cepção da expressividade por 3 grupos de estudantes de graduação de ambos ossexos com diferentes graus de treinamento musical. Os 3 grupos foram formados porestudantes de área biológica sem conhecimento musical (bio), com conhecimentomusical (biomus) e estudante de música (mus). Os voluntários ouvintes analisaram4 gravações (2 técnicas e 2 expressivas) executadas por 2 pianistas (um técnico eoutro expressivo). Os resultados indicam que os grupos com treinamento musical per-ceberam maior grau de expressividade nas execuções expressivas comparadas àsexecuções técnicas dos dois pianistas, porém o grupo sem treinamento musical nãoidentificaram tais diferenças. Embora os primeiros resultados indicassem que a per-cepção da expressividade musical poderia estar relacionada ao grau de treinamentomusical, uma análise mais detalhada dos dados sugerem que outros fatores tambémpoderiam influenciar tal percepção. Entre as pessoas do sexo feminino, apenas asmusicistas perceberam diferenças entre as execuções técnicas e expressivas de ambosos pianistas, com nível de significância (p<0,01). Os outros grupos femininos não per-ceberam diferenças no grau da expressividade das execuções de forma significativa.Entre os ouvintes do sexo masculino, apenas os estudantes da área biológica com co-nhecimento musical distinguiram as execuções técnicas e expressivas dos pianistasexpressivo (p=0,02 ) e técnico (p =0,01). Os outros grupos masculinos perceberam adiferença do grau de expressividade entre a execução técnica e expressiva do pianistatécnico (bio p=0,01 mus p=0,04), porém não identificaram diferença no grau da ex-pressividade entre as execuções técnicas e expressivas do pianista expressivo. Essesdados sugerem que vários outros fatores além do treinamento musical e gêneropodem estar envolvidos na percepção da expressividade musical.

Palavras-chavepercepção – expressividade – performance pianística

IntroduçãoA música pode provocar várias reações nos estados emocionais (Blood e Zatorre,2001; Brown, Martinez et al. 2004; Menon e Levitin, 2005; Juslin e Vastfjall, 2008;

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Zentner, Grandjean et al. 2008), porém não se sabe ao certo como a música despertatais emoções. A idéia de que as propriedades sonoras específicas resultantes da per-formance do(s) intérprete(s) exercer um importante papel na experiência do ouvinte,é consensual (Barthet, Depalle et al. 2010)Juslin e Västfjäll (2008) propuseram seis diferentes mecanismos que podem mediaras respostas emocionais através da música. Um dos mecanismos propostos, denomi-nado de “Contágio Emocional” explica que a emoção do intérprete no momento daexecução pode vir a influenciar a sua expressividade musical. De acordo com estateoria, durante o processamento mental de um estímulo musical que provoque umaemoção, o sistema nervoso dispara uma seqüência de reações corporais, preparandoo corpo para uma reação emocional específica. As reações procedentes dessas emo-ções influenciariam diversas as atividades do corpo humano, como: a postura, rubo-rização da pele, expressões faciais, gestos, entonação da voz, etc., influenciandoconseqüentemente a forma de tocar o instrumento musical. Essas reações resultariamem variações na agógica (i.e. precisão métrica), na dinâmica, no timbre, na articula-ção (i.e. legato, staccato), e outros aspectos da interpretação musical (Higuchi e Leite,2007). Os ouvintes perceberiam essas expressões emocionais do interprete e seriaminternamente contagiados, tanto por meios de realimentação periférica da muscula-tura, ou da ativação de áreas cerebrais relacionadas à representação de emoções, in-duzindo os ouvintes a emoções similares (Juslin e Vastfjall, 2008). Portanto, se a teoriado Contágio Emocional estiver correta, a emoção do pianista durante a performancetem um papel fundamental na expressividade interpretativa musical. No meio musical, é comum músicos relacionarem a expressividade com “tocar comsentimento” (Juslin, Karlsson et al., 2006). A importância da emoção do intérpretena expressividade é fortalecida por estudos os quais demonstraram que tocar simu-lando uma emoção pode modelar a forma de tocar, influenciando a qualidade tim-brística, ritmo, ênfases e inflexões interpretativas (Gabrielsson e Juslin, 1996; Juslin,1997; 2000; Canazza, De Poli et al., 2003; Juslin e Vastfjall, 2008). Essa hipótese é re-forçada por vários estudos que têm demonstrado que músicos profissionais conse-guem tocar uma mesma música em diferentes nuanças expressivas (Canazza, De Poliet al., 2003) e que tanto músicos especialistas como leigos conseguem identificar aemoção transmitida através da audição (Juslin, 1997). Outros estudos corroboram aidéia da importância da emoção na expressividade musical. Nesses estudos, as exe-cuções de um mesmo repertório tocadas com a atenção focalizada em aspectos afe-tivos apresentavam mais características relacionadas à expressividade quandocomparadas às execuções com a atenção focalizada em aspectos cognitivos (Higuchie Leite, 2009; Higuchi, Fornari et al., 2010). As propriedades sonoras analisadas foramfraseados, intensidade do toque, a claridade de pulso e articulação. Porém, a percep-ção da expressividade pelos ouvintes, um aspecto fundamental no processo de trans-missão de sentimento através da música de acordo com o contágio emocional, nãofoi estudada nesses trabalhos. Portanto este presente trabalho tem como objetivo, es-tudar a percepção da expressividade por ouvintes com diferentes graus de treina-mento musical.

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Método1. Material e preparação

Gravações: 4 performances de uma adaptação dos 32 compassos iniciais do Trauerem Fá M, uma das doze peças para piano a quatro mãos para crianças grandes e pe-quenas, opus 85 de Robert Schumann. As gravações são de performances realizadaspor 2 estudantes graduandos em curso de bacharelado em piano do Instituto de Artesda UNESP, acompanhados pela primeira autora deste trabalho que executou a partesecondo. Treinamento: Na preparação para a gravação do material, os voluntários inicialmentepassaram por 5 sessões de treinamentos, com duração de uma hora cada, onde foirealizado: 1) Todo o processo de memorização, implícita e explícita, desta peça. 2) Odesenvolvimento da expressividade, utilizando um estímulo emocional (descritoabaixo). 3) As instruções de como deveriam ser realizadas as execuções com a atençãofocalizada em aspectos afetivos e em aspectos cognitivos.Estímulo emocional: A utilização desse estímulo emocional teve como objetivo as-sociar a música com cenas tristes para que os pianistas pudessem vivenciar esta emo-ção, promovendo assim a sua expressão através da interpretação musical. Para aconfecção do estímulo emocional foram apresentadas aos pianistas fotos de contextotriste, selecionados do IAPAS (International Affective Picture System) com o fundomusical da peça utilizada nesta pesquisa (Trauer) gravada pelo pianista João CarlosMartins.Sessões de gravação: Foi realizada uma sessão de gravação com duração de 1 horacada, onde os voluntários tocaram diversas vezes a peça nas duas condições de aten-ção: afetivas e cognitivas. Na condição afetiva os pianistas foram instruídos a tocaremsentindo a música, tentando expressar uma emoção de tristeza. Na condição técnica,os pianistas forma instruídos a tocarem focalizando a atenção em aspectos cognitivos,ou seja, pensar em cada nota que estavam tocando (execuções técnicas), tentandomanter a métrica.De cada voluntário foi selecionada uma gravação afetiva e uma cognitiva, consideradacomo a que melhor representava cada condição de atenção para que seus graus deexpressividade fossem analisados por voluntários ouvintes. As performances comatenção em aspectos afetivos foram denominadas expressivas, uma vez que além deapresentarem mais propriedades sonoras relacionadas à expressividade (Higuchi eLeite 2009; Higuchi, Fornari e Leite 2010), os próprios pianistas relataram que tocardessa maneira favorecia a expressividade. As gravações foram produzidas utilizando um Piano Steinway série D, 3 MicrofonesNeumman KM 184, 2 Microfones DPA 4006, Cabos Canaire, mesa de gravação Mackie32/8.Um dos pianistas se autodenominou mais expressivo do que técnico, e outro se auto-denominou mais técnico do que expressivo.

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2. Participantes ouvintesCinqüenta e seis estudantes de graduação da Universidade de São Paulo foram divi-didos em 3 grupos, de acordo com a sua formação acadêmica e musical. O grupo Bio foi formado por 20 estudantes de graduação (10 mulheres e 10 homens)em área biológica sem treinamento musical ou com máximo 1 ano de aprendizadomusical fora da escola formal e com idade entre 18 e 29 anos (média 21 anos desviopadrão 2,35)O grupo BioMus foi composto por 18 estudantes (9 mulheres e 9 homens) de gra-duação em área biológica com 1 ano ou mais de aprendizado musical e com idadeentre 18 e 28 anos (média 21 anos desvio padrão 2,4). Esses voluntários estudam ouestudaram música durante 1 a 15 anos (média 5,3 anos, desvio padrão 4,7).O Mus grupo foi formado por 18 estudantes de graduação em música (9 mulheres e9 homens) com idade entre 17 e 25 anos (média 20 anos desvio padrão 2, 01). Essesvoluntários estudam música há 2 a 14 anos (média 7,5 anos, desvio padrão, 3,58).

3. ProcedimentoOs voluntários inicialmente preencheram a um questionário e receberam as seguintesinstruções:

Nós estamos interessados em saber se a forma como um pianista executa umapeça influencia na expressividade da sua interpretação.Nesta tarefa, você ouvirá o mesmo trecho de música tocado de quatro maneirasdiferentes por dois pianistas. Você deverá se concentrar, mas não deve analisar aexecução, apenas senti-la. Ao final de cada trecho, você deverá informar o grau da expressividade (capacidadede transmitir emoção) de cada interpretação, numa escala como a apresentada aseguir:

Após lerem as instruções, apresentamos dois exemplos, um exemplo de uma execuçãoinexpressiva e uma execução expressiva. Esses exemplos tiveram o objetivo de orientaros voluntários, uma vez que alguns deles (principalmente os que não tinham um co-nhecimento musical) disseram não saber o que seria expressividade interpretativamusical. A expressividade foi definida como capacidade de transmitir emoções, epara evitar qualquer tipo de indução, não fornecemos qualquer outra informação aesse respeito além desta definição e dos exemplos. As seqüências das apresentações das quatro execuções analisadas foram feitas deforma alternada para que as execuções fossem apresentadas equilibradamente emtodas as ordens.No decorrer da audição das gravações os voluntários tiveram seus olhos vendados. Eapós a audição de cada gravação, a venda dos olhos foi tirada para que pudessem res-ponder ao questionário. Os graus de expressividade das 4 gravações (uma técnica e uma expressiva de cada

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um dos pianistas técnico e expressivo) foram medidos por escalas analógicas de 10cm. O início da escala foi determinado 0 e o final da escala foi determinado 10. Osvoluntários foram instruídos a assinalarem com um traço vertical de 0 (representandoausência de expressividade) a 10 (representando o máximo de expressividade), de-terminando o grau da capacidade expressiva das performances. As escalas analógicasforam medidas (de 0 a 10 cm)

4. Análise Os dados foram analisados no pacote estatístico spss, por meio de análises de variân-cias (ANOVA) com medidas repetidas, sendo considerados os fatores grupo (Bio, Bio-Mus e Mus), sexo (masculino, feminino) e execuções (execução técnica-pianistatécnico, execução expressiva-pianista técnico, execução técnica-pianista expressivo;execução expressiva-pianista expressivo. Quando encontramos diferenças significa-tivas, aplicamos testes post hoc de Bonferroni.

ResultadosAs análises de variâncias com medidas repetidas indicam que o grupo Bio não con-seguiu distinguir a diferença entre nenhuma das execuções técnicas das expressivas[F (3,57)=1,65; p= 0,18]. Porém, os grupos, BioMus) [F (3,51)= 9,68; P=0,00] e Mus[F(3,51)=38,35; p= 0,00] tiveram percepções significativamente diferences da ex-pressividade das execuções.

Figura 1 — Representação das médias e dos erros padrões das avaliações realizadas nas escalas analógicas referentes ao grau de expressividade percebida pelos voluntários

ouvintes em relação às execuções técnicas e expressivas dos dois pianistas (o técnico e o expressivo).

A execução técnica do pianista expressivo (média 4,97, erro padrão 0,836) foi perce-

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bida como menos expressiva do que a execução expressiva do pianista expressivo(média 7,31, erro padrão 0,467; p=0,031) pelo grupo biomus. Este grupo tambémconsiderou como menos expressiva a execução técnica do pianista técnico (média4,283, erro padrão 0,985), em comparação com a execução expressiva do pianista téc-nico (média 7,655, erro padrão 0,673 p= 0,006).O grupo Mus apresentou diferença na percepção de expressividade entre a execuçãotécnica do pianista expressivo (média 3,522, erro padrão 0,737) e a execução expres-siva do pianista expressivo (média 7,039, erro padrão 0,609 p = 0,000). Houve tam-bém diferença na percepção de expressividade entre a execução técnica do pianistatécnico (média 2,578, erro padrão 0,503) e execução expressiva do pianista técnico(média 7,583, erro padrão 0,6; p= 0,000).A MANOVA de medidas repetidas também apontou para interações significativas entreos fatores sexo [F (2,6, 130,5) = 2,77; p=0,05] e grupo [F (5,22; 130,5) = 4,83; p<0,001; interação sexo e grupo [ F(5,22; 130,5) = 3,81; p= 0,00]. Entre as mulheres, apenas as musicistas perceberam diferenças entre as execuçõestécnicas e expressivas de ambos os pianistas [F (2,22; 24) = 37,57; p<0,01]. Os outrosgrupos femininos não perceberam diferenças entre as execuções técnicas e expressivasde nenhum dos pianistas [Bio F (1,74; 15,6) = 0,63; p= 0,52 / Bio Mus F(2,65; 21,21)= 1,39; p= 0,27].

Figura 2.A — Médias e os erros padrões das avaliações realizadas nas escalas analógicas referentes ao grau de expressividade percebido pelos 3 grupos

de voluntários ouvintes do sexo feminino.

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Figura 2.B — Médias e os erros padrões das avaliações realizadas nas escalas analógicas referentes ao grau de expressividade percebido pelos 3 grupos

de voluntários ouvintes do sexo masculino.

Entre os homens, todos os grupos apresentaram diferenças significativas [Bio F (2,18;19,6) = 5,44; p=0,012; Biomus F (1,6; 13,1) = 15,54; p=0,001; e Mus F (1,94; 15,5 =11,64; p=0,001]. Porém, de acordo com as análises das variâncias com medidas re-petidas dentro de cada nível, apenas os estudantes da área biológica com conheci-mento musical distinguiram as execuções técnicas e expressivas dos pianistasexpressivo (p=0,02) e técnico (p =0,01). Os voluntários sem conhecimento musicalconseguiram perceber a diferença entre a execução técnica do pianista técnico comas execuções expressivas do pianista expressivo (p=0,02) e técnico (p<0,01). Porémeles não perceberam diferenciação entre a execução técnica do pianista expressivocom as execuções expressivas de ambos os pianistas. Os estudantes do sexo masculinodo departamento de música não fizeram distinção no grau da expressividade entre aexecução técnica e expressiva do pianista expressivo (p=0.19). Eles reconheceram di-ferença entre as execuções técnicas do pianista expressivo com a execução e expressivado pianista técnico (p=0,04). As diferenças entre a execução técnica do pianista téc-nico e as execuções expressivas do pianista expressivo (p=0,01) e técnico (p<0.01)foram também percebidas pelos músicos.

DiscussãoComo foi demonstrado na figura 1, não encontramos diferenças significativas entreas execuções expressivas e técnicas nas avaliações do grupo de estudantes sem co-nhecimento musical. Porém os voluntários com conhecimento musical tanto da áreabiológica como do departamento de música reconheceram as diferenças de formasignificativa. Foi um resultado inesperado, uma vez que havíamos suposto que todosos grupos reconheceriam a diferença.

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Embora os resultados possam indicar que a percepção da expressividade seja depen-dente de um aprendizado e vários dados possam reforçar tal interpretação, é possívelencontrar outras alternativas para análise desses resultados, assim como encontrarfatores que contrapõem tal afirmação. Entre os dados que reforçam que a interpretação é dependente de aprendizado, en-contramos estudos que indicam que o treinamento melhora a capacidade perceptivamusical (Bigand e Poulin-Charronnat 2006). Outro estudo indica que a ativação ce-rebral na audição de acordes consonantes e dissonantes, é diferente entre músicos enão músicos (Minati, Rosazza et al. 2008). Músicos apresentam uma maior ativaçãonas áreas motoras comparadas a não músicos durante a percepção rítmica (Grahn eBrett, 2007). Portanto, se o treinamento melhora a capacidade perceptiva musical, épossível interpretar que uma parte da diferença da percepção da expressividade entreos grupos seja realmente resultante de um treinamento ou maior exposição a musica.Porém, outros dados apresentados neste estudo indicam que a diferença na percepçãoda expressividade musical pode não ser resultante apenas de treinamento. Constata-mos que houve uma grande diferença na avaliação entre os grupos e também entreos gêneros como vimos nas figuras 2A e B. Apenas os grupos das mulheres que estudam no departamento de música perceberamdiferenças no grau da expressividade entre as execuções técnicas e expressivas. Asestudantes da área biológica, mesmo com um treinamento musical, não identificaramtais diferenças de forma significativa, enquanto que no grupo dos homens sem co-nhecimento musical, identificou diferença entre a execução técnica e expressiva dopianista técnico. Portanto se os leigos do sexo masculino identificaram diferenças,não identificadas por mulheres com treinamento musical superior a um ano. Essesdados reforçam a idéia de que a percepção da expressividade interpretativa musicalpode não ser subordinada apenas ao treinamento musical.Outros fatores podem estar refletindo em tais resultados. Por exemplo, estudo (Trim-mer e Cuddy 2008) indica que a inteligência emocional, e não o treinamento musical,prediz a capacidade do reconhecimento da prosódia emocional da fala. Embora a in-teligência emocional seja um aspecto complexo de ser utilizado como referência, éinteressante encontrar dados que supõem que outro aspecto diferente do treinamentomusical pode predizer a capacidade do reconhecimento da prosódia emocional. Essesdados ganham maior relevância nesse presente trabalho pelo fato da expressividadeda interpretação musical ter sido freqüentemente relacionada com a prosódia (Juslin1997; Juslin 2005; Peretz e Zatorre 2005). Assim é possível supor que outro fator comoa inteligência emocional também influencie esses resultados. É possível também es-pecular que pessoas com maior inteligência emocional optem por uma profissão queesteja relacionada à expressividade emocional. Porém, não podemos afirmar que osgrupos que perceberam melhor a diferença entre as execuções, tenham maior inteli-gência emocional, tão pouco podemos afirmar que os homens possuem uma inteli-gência emocional maior que as mulheres. Estudo indica que mulheres reconhecemexpressão facial emocionais mais rapidamente que os homens, (Mandal e Palchoud-hury 1985).

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Outro dado que pode influenciar tais resultados reside no fato de pessoas de perfisdiferentes escutarem músicas com objetivos diferentes. Por exemplo, as pessoas ex-trovertidas e intelectualmente engajadas e aquelas que têm QI mais elevados tendema utilizar música de maneira racional e cognitiva. Ao passo que pessoas neuróticas,introvertidas, e não conscienciosas, geralmente usam para regulação emocional (Cha-morro-Premuzic e Furnham 2007). Portanto, se pessoas de diferentes perfis utilizam a música de maneiras distintas, épossível que a audição musical visando objetivos diferentes possam resultar em uti-lização processamentos musicais diversos. Por exemplo, Juslin e Vastfjall (2008) pro-põe existência de seis mecanismos distintos de respostas emocionais para música quesão:

Reflexo do tronco cerebral – processo no qual a emoção é induzida por causa de umou mais característica acústica da música que é processada pelo tronco cerebralpara indicar um sinal ou evento potencialmente importante.

Condicionamento evolutivo - processo no qual uma emoção é induzida por umapeça musical simplesmente por que esse estímulo foi pareado repetidamente comoutro estímulo positivo ou negativo.

Contagio emocional – processo no qual a emoção é induzida, pois o ouvinte percebeas expressões emocionais da música e então mímica essa expressão internamente.

Imaginação visual – é o processo pelo qual a emoção é induzida ao ouvinte por queele evoca uma imagem visual enquanto escuta a música.

Memória episódica - é o processo no qual uma emoção é induzida ao ouvinte porque a música evoca uma memória de um evento particular da vida do ouvinte.

Expectativa musical – é o processo pela qual uma emoção é induzida para o ouvintepor que uma específica característica da música é violada.

A expressividade utilizada pelos voluntários pianistas está ligada à expectativa musical,pois justamente encontramos violação da expectativa interpretativa musical na ques-tão fraseológica e agógica (Higuchi e Leite 2009; Higuchi, Fornari et al. 2010) nasexecuções expressivas deste presente trabalho.Entendemos que haveria possibilidade de pessoas de sexos diferentes utilizarem me-canismos distintos para respostas emocionais, pois historicamente exerceram funçõesdiferentes. Possivelmente as mulheres tenham uma tendência a utilizar mais o me-canismo do contágio emocional e os homens tendência a utilizar mais a expectativamusical.A tendência das mulheres utilizarem mais o contágio emocional, poderia ser expli-cada pelo fato de historicamente, as mulheres serem responsáveis por cuidar da prole,enquanto os homens serem responsável pela caça. Para criação da prole, é muito im-portante entender as expressões dos filhos tanto verbal como prosódica, e reconhecerincongruência entre ambas. Evidências, que reforçam a suposição de que as mulheres utilizam mais o contágio

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emocional, baseiam-se no fato delas manifestarem maiores interferências quando si-nais de linguagem e prosódica estão incongruentes (Schirmer e Kotz 2003). Por outro lado, os homens podem ter a tendência a utilizar mais o mecanismo da ex-pectativa musical. Essa tendência pode ser explicada, pois, por serem historicamenteresponsáveis pela caça, os homens tiveram que desenvolver muito mais a percepçãoda quebra da expectativa de eventos. Pois a quebra da expectativa sonora de um am-biente poderia representar uma caça ou um predador. Por esse motivo, os voluntários do sexo masculino sem conhecimento musical, em-bora não tenham uma idéia de sintaxe expressiva muito bem definida e a percepçãobem aguçada, já seriam capazes de perceber as diferenças de violações do fraseadomusical entre as execuções técnicas e expressivas do pianista técnico. Porém, as estudantes da área biológica podem não ter percebido que a violação dasintaxe interpretativa seria considerada expressividade. Por utilizar mais o contágioemocional do que a expectativa, elas buscariam mais determinados tipos de músicaque trouxessem algum tipo de prazer. Porém, por sentir mais o contágio, e o estímuloemocional ser tristeza, as estudantes talvez buscassem justamente uma interpretaçãoque trouxesse alguma emoção de valência positiva, e elas tenderiam a não analisaruma música tocada de uma forma triste como expressiva. Porém, as voluntárias dodepartamento de música, muito mais familiarizadas com tal tipo de mecanismos, jáseriam capazes de reconhecer a quebra da sintaxe interpretativa como expressividademusical. O fato das estudantes do departamento de música identificar diferenças nos graus deexpressividade entre as execuções técnicas e expressivas, poderia sugerir que o trei-namento musical melhora a capacidade de reconhecimento expressivo. Porém, comonão houve diferença entre os grupos das estudantes da área biológica com e sem co-nhecimento musical, podemos supor que haja também uma diferença entre os perfisdas estudantes de áreas distintas. As musicistas poderiam ser mais ou menos cons-cienciosas, assim poderiam escutar as execuções utilizando mecanismos distintosdas estudantes de áreas biológicas. Entretanto é difícil encontrar um motivo pelos quais os voluntários do sexo masculinodo departamento de música não conseguiram identificar a diferença entre as execu-ções técnica e expressiva do pianista expressivo. Por terem um treinamento musicalmaior do que os voluntários da área biológica com conhecimento musical, a priorideveriam perceber mais as diferenças da expressividade interpretativa. Talvez os es-tudantes do departamento de música poderiam ser mais sensíveis que os estudantesda área biológica, assim eles reconheceriam na interpretação técnica do pianista ex-pressivo, um outro tipo de mecanismo que identificasse mais expressividade nestaforma de execução. A análise de todos esses dados permite-nos supor que as mulheres tenham ativaçõescerebrais distintas comparadas aos homens na escuta musical. Estudo com EEG (Flo-res-Gutierrez, Diaz et al. 2009), corrobora essa idéia demonstrando que na audição

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de músicas que suscita emoções agradáveis, são sustentadas por coerência oscilaçõesnos hemisférios esquerdo em ambos os sexos, porém uma rede maior nas mulheres.Os autores ainda comentam que o fato de homens demonstrarem menos diferençassignificativas que as mulheres, podem implicar em um envolvimento mais subcorticalem homens e mais cortical em mulheres. Em outras palavras, é bastante provável queos diferentes gêneros tenham tendência em analisarem a expressividade interpretativamusical utilizando dominantemente, áreas cerebrais distintos.

ConclusãoOs resultados das avaliações do grau de expressividade por ouvintes reforçam par-cialmente a teoria do contágio emocional, pois os grupos com treinamento musicalreconheceram diferença no grau da expressividade entre as execuções técnicas e ex-pressivas dos dois pianistas. Porém uma análise mais detalhada indica que a percep-ção da expressividade é uma questão mais complexa, uma vez que os dados obtidosnesse trabalho indicam que vários outros fatores poderiam influenciá-la. Entre os fa-tores que podem influir na capacidade de percepção expressiva musical estão: trei-namento musical, gênero, personalidade e inteligência emocional. Portanto outrosestudos a respeito da percepção da expressividade musical seriam necessários para omelhor entendimento de quais os fatores poderiam influenciar tal percepção.

AgradecimentosGostaríamos de agradecer a todos os pianistas participantes. Gostaríamos de agradecer tambémaos colegas do Laboratório de Investigação em Epilepsia por apoio em várias situações quepermitiram a realização desse trabalho. Esta pesquisa tem o apoio financeiro da FAPESP.

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PÔSTERES

Tempo de resposta em reconhecimento de padrão de acordes na leitura à primeira vista ao piano

Gabriel [email protected]

Departamento de Música/IA, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

Hugo Cézar Palhares [email protected]

Laboratório de Psicologia Cognitiva, Universidade Estadual de São Paulo– USP/RP

ResumoA leitura à primeira vista é uma competência presente em todo o cotidiano musical,sejam para os instrumentistas, regentes, compositores ou professores de música. Deacordo com Udtaisuk (2005), o aprimoramento desta habilidade está diretamente li-gado à capacidade de reconhecimento de padrões, afim de que o músico seja capazde reter o maior número de conteúdos informacionais a cada fixação através de uni-dades estruturais significativas. O objetivo desta pesquisa foi quantificar tempos deresposta motora ao piano no reconhecimento visual à primeira vista de acordes triá-dicos. O teste baseou-se na apresentação de imagens randômicas dentro do grupode amostra de acordes selecionados, notados em pentagrama disposto no centro deuma tela branca. Ao receberam a informação visual do acorde, os sujeitos deveriamexecutar a leitura do acorde ao piano de maneira mais rápida e acurada possível. Osresultados demonstraram um menor tempo de resposta para acordes em estado fun-damental (1327ms), seguido dos de 1ª inversão (1405ms) e, por último, os de 2ª in-versão (1468ms), sendo ainda o tempo de reconhecimento de acordes maiores(1348ms) também inferior do que para acordes menores (1445ms). O tempo de res-posta aumentou progressivamente em relação ao aumento de números de sinais dealteração e detectou-se um tempo menor na leitura de acordes notados com bemóis(1466ms) do que sustenidos (1533ms), no caso de acordes enarmônicos. Dos oitopadrões motores encontrados na digitação pianística, os acordes que apresentaramtodos os três sons em teclas brancas (BBB) tiveram o menor tempo de resposta emseu desempenho (1201ms), enquanto o maior tempo de resposta (1548ms) foi atri-buído aos acordes formados com as teclas preta-preta-branca (PPB). Abordagensquantitativas podem auxiliar o desenvolvimento de metodologias de aprendizagemtanto para a leitura pianística quanto para a leitura à primeira vista.

Palavras-chavetempo de resposta – leitura à primeira vista – notação musical.

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IntroduçãoA leitura à primeira vista é uma competência presente em todo o cotidiano musical,seja para os instrumentistas, regentes, compositores ou professores de música.McPherson (1997) situa a leitura à primeira vista dentre cinco diferentes habilidadesde performance musical: o “tocar de ouvido”, “tocar de memória”, a improvisação, aperformance preparada e a leitura á primeira vista. Entretanto, diversos obstáculosse interpõem à leitura musical de maneira peculiar em relação aos processos de leiturada maioria das outras linguagens. A fluência é o primeiro destes. Culturalmente, ainterpretação dos códigos musicais não se faz presente no aprendizado tanto quantoa interpretação dos códigos fonéticos, por exemplo, e mesmo nos casos em que existeuma aprendizagem musical precoce, não é dado o devido valor à leitura. Diferente-mente ainda da linguagem fonética, na qual os usuários aprendem primeiramente afalar e depois adquirem a habilidade da leitura/escrita, o aprendizado da leitura mu-sical, na maioria dos casos, é concomitante ao aprendizado do instrumento, o que fazcom que em geral instrumentistas tentem memorizar a partitura o mais rápido pos-sível. Outro aspecto relevante refere-se à forma em que ocorre a leitura musical: amaioria das leituras de linguagem é feita em silêncio ou, mesmo quando em voz altararamente existe uma preocupação que vá além de proferir as palavras certas naordem certa. Já na leitura musical, além da captação e interpretação dos códigos,exigi-se do leitor uma resposta complexa com pouco espaço para desvios em tempoe qualidade.Para Mainwaring (1951), o processo cognitivo da leitura deve estruturar-se em trêsestágios: a decodificação dos símbolos musicais (visual), a audição interna dos sons(aural) e, por último, a performance ao instrumento (ação). De acordo com a autora,grande parte das debilidades detectadas na leitura à primeira vista deve-se a falta dereferência aural precedente à performance instrumental. De acordo com McPherson(1997), podemos ainda apontar quatro principais aspectos que influenciam a quali-dade da leitura musical, são elas: tempo de estudo, qualidade de estudo, atividadesde enriquecimento e aprendizado precoce. Tais variáveis atuam no reconhecimentode padrões, sejam aurais visuais ou motores, que instrumentalizam a leitura musicala primeira vista.O mecanismo primário da leitura musical é o movimento dos olhos. A captação deinformações visuais pelos olhos se dá por um mecanismo denominado fixação, emuma série de tomadas sucessivas captadas cada uma por uma duração média de250ms. De acordo com Sloboda (2008), a velocidade dos olhos entre diferentes fixa-ções relaciona-se às necessidades cognitivas do leitor em captar a informação e exe-cutar uma resposta em tempo hábil. Entre uma fixação e outra, o olho move-se numavarredura rápida (cerca de 50ms) sobre a informação visual, processo este conhecidopor movimento sacádico. Embora sejamos capazes de receptar um amplo campo vi-sual instantaneamente, apenas uma pequena parcela pode ser focada a cada fixação,esta região focada da visão recebe o nome de fóvea, e o que não está nesta região, mas

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encontra-se circunscrito na periferia da fóvea é denominado parafóvea. O sistemaocular permite-nos assim armazenar uma série de fragmentos de imagens mentais,ficando a cargo de o cérebro remontar os dados informacionais captados. É na re-montagem dos dados informacionais captados pela visão que o reconhecimento depadrões faz-se importante, afim de que o sistema executivo central possa agrupar omaior número dados captados em um menor número de unidade estruturais possí-veis. O tipo de representação visual adequado aos diferentes modos de estruturaçãomusical influencia, portanto, nos mecanismos da leitura. Uma textura homofônica,por exemplo, geralmente é processada por uma varredura vertical (de cima para baixoou vice e versa) seguida de um deslocamento para a direita e uma nova varredura. Jánuma escrita contrapontística, os mecanismos obviamente seriam outros. A definiçãode uma estratégia geral fica, portanto, a cargo do leitor, que necessita encontrar uni-dades estruturais significativas em fixações sucessivas.A familiaridade com os padrões e conteúdos musicais são componentes essenciaispara a identificação destas unidades estruturais. McKinight (apud Udtaisuk 2005)afirma que o conhecimento de padrões tonais aumenta a habilidade de identificaçãode notas durante o processo de leitura. Estudos realizados com diversos instrumen-tistas (McPherson 1994) demonstraram ainda que o aprendizado musical precocecomo um fator relevante na execução musical à primeira vista, não apenas pelo esta-belecimento de padrões musicais cognitivos, mas também pelo estabelecimento deesquemas motores mais ágeis na resposta ao instrumento. Wristen (2005) tambémafirma que, no caso do piano, a familiaridade com a “geografia” do teclado e o esta-belecimento de padrões motores-digitais são pré-requisitos para a leitura à primeiravista.

ObjetivoO objetivo desta pesquisa foi quantificar o tempo de resposta motora ao piano no re-conhecimento visual à primeira vista de acordes triádicos, ou seja, mensurar o tempode varredura vertical sob variáveis visuais presentes na notação musical.

MetodologiaMaterial

Foram selecionados como material base para esta pesquisa os acordes tríádicos per-feitos, maiores e menores, em seus estados fundamentais, 1ª e 2ª inversão, em posiçãocerrada. Considerando que, na execução pianística, não se difere a posição da mãoem acordes que, por exemplo, utilize apenas as teclas brancas (desde que no mesmoestado), os acordes foram agrupados de acordo com a “forma” de mão. Sendo assim,tem-se a variação de oito grupos: o primeiro com os acordes que utilizassem apenasteclas brancas (BBB); o segundo, terceiro e quarto grupos contêm duas teclas brancase uma preta, sendo esta a segunda (BPB), primeira (PBB) e terceira (BBP) nota doacorde, respectivamente; o quinto, sexto e sétimo grupos apresentam acordes forma-

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dos por duas teclas pretas e uma branca, sendo esta respectivamente a terceira (PPB),segunda (PBP) e primeira (BPP) nota do acorde; por último, o oitavo grupo é formadopor acordes que possuem apenas teclas pretas (PPP). Tendo a incidência de mais deum acorde num mesmo grupo, foi selecionado apenas um destes para a amostragemdo teste.Considerou-se ainda as variações de enarmonia presente nos acordes. Os acordes queapresentassem correspondente enarmônico, que possuíssem como sinais de alteraçãoapenas bemóis ou sustenidos (não considerando nenhum outro tipo de sinal de alte-ração), foram amostrados em seus dois padrões, ou seja, notados com bemóis e comsustenidos.

Tabela 1 — Acordes de amostragem do teste

Participantes Os testes foram realizados com quatro sujeitos, todos eles graduandos em Música,com habilitação em piano, de faixa etária entre 19 e 23 anos, que apresentaram nomínimo sete (07) anos de aprendizagem pianística prévia, todos portadores de visãonormal ou corrigida e sem nenhuma deficiência motora nas mãos.

Procedimentos O teste baseou-se no disparo de imagens de acordes notados em partitura que deve-riam ser tocados instantaneamente pelo pianista-sujeito logo após o aparecimentodeste no monitor. Os acordes foram notados em clave de sol, numa tessitura restritade dó3 a sol#4, permitindo que todos os acordes fossem executados pela mão direita.Os sujeitos foram instruídos a manter a mão direita sobre as teclas, próximas à regiãoda tessitura, em uma postura mais próxima possível do repouso. As imagens dos acor-des foram agrupadas em frames, compostos por um fundo branco e o pentagrama

Acorde Padrão

Fundamental 1ª inversão 2ª inversão Teclado M m M M M M

BBB C Am G/B Em/G F/C Dm/A

BPB D Cm - Bm/D Bb/F -

PBB Bb - E/G# Fb/Ab Gm/Bb - Bm/F#

BBP - Bm Bb/D - A/E Fm/C

E#m/B#

PPB - A#m Bbm

B/D# - G#/D# Ab/Eb

F#m/A

PBP C# Db

C#m Dbm

- Bbm/Db B/F# -

BPP B - Eb/G G#m/B Abm/Cb - Bbm/F

PPP F# Gb

D#m Ebm

F#/A# D#m/F# Ebm/Gb

F#/C# Gb/Db

D#m/A#

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notado no centro da tela, que permaneciam expostos na tela durante três segundos.Entre a apresentação de um frame e outro, o sujeito permanecia por mais três segun-dos exposto a uma tela de fundo branco e, em seguida, era-lhe apresentado uma novaimagem de acorde, selecionada randomicamente dentre a amostragem. A seqüênciade apresentação dos acordes não apresentou nenhuma relação ordenada, sendo prio-ritária a não manutenção (total ou parcial) de notas, tipo de sinal de alteração (sebemol ou sustenido), quantidade de teclas brancas ou pretas no teclado, e o estado(fundamental, 1ª ou 2ª inversão) entre um acorde e outro. Cada imagem de acorde, quando disparada, emitia um pequeno sinal sonoro ende-reçado diretamente ao computador, o que marcava o início da transmissão da infor-mação visual. Todos os testes foram gravados, de modo que, foi possível a mediçãodo tempo de resposta pela diferença de tempo entre o sinal sonoro de disparo da ima-gem e o acorde executado em seguida pelo pianista, ambos registrados na mesmagravação. O teste foi realizado no Laboratório de Multimeios do curso de Música da UFU como auxílio de um computador e um teclado midi conectado ao mesmo. Os pianistas-sujeitos receberam todas as instruções sobre como deveriam proceder, sendo instruí-dos que tocassem todas as notas do acorde requerido simultaneamente, isto é, semarpejos e de forma mais acurada possível. Os acordes que tiveram respostas incorretasforam descartados da amostra de análise.

Resultados Reconhecimento de padrão visual

a) Tipologia de Acordes Na média geral, os acordes maiores tiveram tempo de resposta mais hábil que os acor-des menores, em todas as posições de acorde apresentadas. Acordes no estado fun-damental obtiveram respostas mais rápidas, seguidos dos acordes em 1ª inversão epor último em 2ª inversão.

Figura 1 — Tempo de reação dos sujeitos em relação à tipologia de acordes.

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b) Enarmonia Nos acordes enarmônicos detectou-se uma variação discreta em relação à notaçãodos acordes com bemóis ou com sustenidos.

Figura 2 — Tempo de reação dos sujeitos em relação à enarmonia.

Reconhecimento de padrão motor Os testes indicaram um tempo de resposta mais curto aos acordes que apresentavamapenas teclas brancas (BBB, média = 1201). O nível de tempo de resposta para osacordes com apenas teclas pretas (PPP, média = 1414) teve ainda um índice bem alto,mas este acento não se relaciona ao padrão motor, que é praticamente o mesmo uti-lizado para acordes com apenas teclas brancas, mas está relacionado às dificuldadesno reconhecimento de padrão visual destes acordes, pela quantidade de acidentes dealteração contidos na notação deste. Em padrões heterogêneos, ou seja, que apresentavam teclas brancas e pretas, o tempode resposta foi maior, acentuando-se nos padrões em que a tecla não predominanteestivesse no extremo inferior ou superior do acorde (PPB, BBP e BPP).

Figura 3 — Tempo de reação dos sujeitos em relação ao padrão motor.

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Conclusão Este trabalho visou medir tempo de resposta em diferentes padrões de acordes, ouseja, o tempo de reconhecimento de padrões visuais e a resposta motora adequadano piano, considerando aspectos relevantes de tipologia e estado dos acordes, acordesenarmônicos e formas de mão no teclado como variáveis na medição.Nos resultados encontramos diferenças no tempo de resposta entre acordes perfeitomaiores e menores, como também diferenças entre as disposições dos acordes (estadofundamental, 1ª e 2ª inversões). Os participantes responderam aos acordes maioresem estado fundamental em menor tempo, o que sugere que a simetria do acorde emestado fundamental, isto é, a disposição visual de notas em mesmo espaçamento nopentagrama auxilia na compreensão do acorde como uma unidade estrutural, outrahipótese é que este estado do acorde é mais recorrente na literatura musical ocidental,e conseqüentemente possui um maior nível de referencia aural no processo da leituraà primeira vista.Por serem acordes que apresentam um mesmo resultado sonoro, podemos notar atra-vés dos acordes enarmônicos uma maior facilidade do reconhecimento e execuçãode acordes com bemóis em relação aos mesmos acordes notados com sustenidos. No reconhecimento de padrões motores encontramos uma diferença notadamentemaior entre o tempo de execução entre os padrões de três teclas brancas (BBB) e duasteclas pretas e uma branca (PPB). No primeiro caso, além da ausência dos sinais dealteração, o que facilita o reconhecimento do padrão visual, a disposição mecânicada mão encontra-se em um estado mais próximo do repouso, enquanto no segundocaso o tempo maior de resposta pode estar relacionado à necessidade de deslocamentode eixo do dedo 1 (polegar) em relação ao repouso.

ReferênciasGordon, E. Learning sequences in music: skill, content, and patterns (Chicago: GIA, 2003).Mainwaring, J. Psychological factors in the teaching of music: part II: applied musicianship.

British Journal of Educational Psychology 21 (1951), 105-21.McPherson, G. E. Factors and abilities influencing sightreading skill in music. Journal of Re-

search in Music Education 42 nº3 (1994), 217-231.McPherson, G. E.; Bailey, M.; Sinclair, K. E. Path analysis of a theoretical model to describe the

relationship among five types of musical performance. Journal of Research in Music Edu-cation 45 nº 1 (1997), 103-129.

Sloboda, J. “A performance Musical”. In: Sloboda, J. A mente musical: psicologia cognitiva damúsica. Trad. De Betriz Ilari e Rodolfo Ilari (Londrina: EDUEL, 2008), 87-117.

Udtaisuk, D. “A theoretical model of piano sightplaying component” (Dissertação de Doutorado,University of Missouri-Columbia, 2005). http://edt.missouri.edu/Winter2005/Dissertation/UdtaisukD-070705-D1115/public.pdf

Wristen, B. Cognition and motor execution in piano sight-reading: A review of Literature. In:Update 24 nº 1 (2005), 44-56.

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Memória de curto prazo para melodias: efeito das diferentes escalas musicais

Mariana E Benassi Werke [email protected]

Palavras-chavealça fonológica – teste de amplitude – melodias

IntroduçãoNo modelo de memória operacional a alça fonológica está relacionada ao armazena-mento de itens verbais e acústicos na memória de curto prazo (MCP) (Baddeley 2007).Alguns estudos indicam que a recordação de curto prazo de itens verbais é influen-ciada por conteúdos semânticos pré-armazenados na memória de longo prazo (MLP).Com base nos estudos sobre familiaridade com o idioma (Thorn & Gathercole 1999),pode-se sugerir que a alça fonológica é mais eficaz na manutenção de representaçõesde palavras de idiomas familiares do que de idiomas não-familiares. Assim, é possívelque a MCP para tons também seja influenciada pela familiaridade, isto é, por con-textos musicais pré-estabelecidos na MLP.

ObjetivoVerificar o perfil de armazenamento/manipulação de seqüências de tons através detestes de memória construídos à semelhança do Digit Span Test na ordem direta (OD)e na ordem inversa (OI), comparando tal perfil ao perfil de armazenamento/mani-pulação de material verbal. Utilizando-se o teste de amplitude melódica (“Tone spantest”) construído com base na escala diatônica (mais familiar) e cromática (menosfamiliar), poderíamos verificar se o mesmo padrão que ocorre na recordação de dí-gitos (mais familiar) e pseudopalavras (menos familiar) ocorre também nos testescom estas duas escalas. Se a amplitude na OD do teste na escala diatônica for maiorque na cromática, mas se mantiver baixa na OI, pode-se sugerir que a manipulaçãode seqüências melódicas na memória operacional acontece de forma diferente da ma-nipulação verbal.

Materiais e MétodosDez sujeitos foram submetidos a testes de MCP para dígitos, pseudopalavas e tons.Foi utilizado o Digit Span Test padronizado para o Português (WAIS-III). A partirdeste teste, foi criado um teste de amplitude de pseudopalavras. As pseudopalavrasforam criadas a partir de mudanças de algumas letras que compõem os números e,então, cada dígito do Digit Span Test foi substituído pela sua pseudopalavra corres-pondente. Foram construídos 2 testes de amplitude de tons à semelhança do Digit span test,sendo um deles com base na escala cromática (utilizando-se 12 notas e a primeiranota da oitava seguinte) e o outro com base na escala diatônica (utilizando-se 7 notas

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e a primeira nota da oitava seguinte). O teste na escala cromática foi desdobrado em2 testes. Em um deles, as sequencias de tons tinham intervalos de, no máximo, umaterça; no outro, as seqüencias tinham intervalos livres. O mesmo foi feito para o testena escala diatônica. Assim, foram construídos 4 testes de amplitude de tons:

1) Escala diatônica, intervalos até de uma terça (Teste 7_3); 2) Escala diatônica, intervalos livres (Teste 7_X);3) Escala cromática, intervalos até de uma terça (Teste 7_3);4) Escala cromática, intervalos livres (Teste 7_X).

A idéia da construção destes 4 testes é criar uma gradação de dificuldade, baseando-se na hipótese de a escala diatônica ser mais familiar do que a cromática e, portanto,ostons construídos com base nela seriam mais fáceis de serem recordados. Além disso,intervalos mais próximos são mais comuns e, portanto, devem ser mais fáceis deserem recordados do que intervalos mais distantes. Posteriormente, foi atribuído um dígito para cada tom utilizado nos testes e, assim,4 testes de amplitude de dígitos, pareados aos testes de tons, foram construídos. Os sujeitos foram submetidos a um teste de afinação e, em seguida, foram aplicadosos testes de amplitude de dígitos WAIS-III, de pseudopalavras e de tons e dígitos aná-logos na OD e na OI. Em todos os testes, seqüências crescentes de itens foram apre-sentadas auditivamente. Ao final de cada seqüência, o sujeito deveria repeti-la na ODou OI, conforme avisado antes do teste. A amplitude (span) de cada teste foi o totalde itens contidos na seqüência máxima repetida corretamente.

Resultados e DiscussãoNa OD, a recordação foi maior para dígitos do que para tons nos quatro tipos de testes(p<0,05). Além disso, a amplitude de tons foi maior no teste 7_3 do que nos outrostrês testes (p<0,05). O mesmo padrão foi encontrado para dígitos. Podemos supor apartir destes dados que, como a amplitude dos testes 7_X não foi maior do que a dostestes 12_3 e 12_X, a quantidade de elementos não influenciou a recordação, já quenos testes 12_3 e 12_X havia mais dígitos e mais notas (13 notas e, portanto, 13 dí-gitos).Por outro lado, as amplitudes dos testes feitos na escala diatônica diferiram entre sie esta diferença pode ser atribuída à diferença de salto melódico, pois no teste 7_3 ossaltos melódicos eram menores (mais comuns), do que no teste 7_X onde os saltoseram livres. Nos testes de dígitos análogos encontramos a mesma diferença. Como no teste de dí-gitos 7_3 os dígitos eram mais próximos uns dos outros, poderíamos supor que sejamais fácil armazenar e recordar dígitos que estão mais próximos do que dígitos maisdistantes uns dos outros. Talvez isso ocorra por um possível aumento da ocorrênciade chunks, isto é, de agrupamentos de números formando apenas um item para re-cordar e não vários.

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Na OI observamos o mesmo perfil da OD, sendo que a amplitude de recordação dedígitos foi maior que a de tons (p<0,05) e a amplitude de tons e de dígitos foi maiorno teste 7_3 do que nos outros testes (p<0,05). Porém, as amplitudes de tons na OIforam muito menores que as amplitudes de tons na OD. Para evidenciar esta diferença entre OD e OI dos testes de dígitos e de tons, criamosum Índice, definido deste modo: (amplitude na OD – amplitude na OI) / amplitudena OD.O Índice apontou que a diferença entre OD e OI foi significativamente maior paratons do que para dígitos (p<0,05), isto é, a recordação na OI de tons é significativa-mente menor que a recordação inversa de dígitos. Não houve diferença entre os testesde tons, nem entre os testes de dígitos.Em uma revisão de literatura, aplicamos a fórmula de índice em resultados de testesde amplitude de dígitos em outros idiomas como inglês e espanhol, hebraico e alemão.Os resultados variaram entre 0.09 to 0.26. Neste estudo, os índices de dígitos variaramentre 0,05 (pseudopalavras) e 0,24 (dígitos 12_X). No entanto, um valor diferente foiobtido com Mandarin, um idioma tonal, cujo índice foi 0.48 0.05, resultado seme-lhante aos encontrados nos índices melódicos em nossa pesquisa (0,48 a 0,60). Essasimilaridade indica que a manipulação de tons na memória operacional é mais difícildo que a manipulação de itens puramente verbais, com ou sem significado.

Conclusões1) Em geral, o perfil de recordação tonal é similar ao perfil de recordação verbal,

mas o número de itens lembrados é menor.2) O número de itens recordados no teste de amplitude melódica 7_3 é maior do

que nos outros testes de amplitude.3) A recordação da OI é mais difícil em testes de amplitude melódica (mostrado

pelo Índice).Supomos que o cérebro humano é capaz de manipular vários tipos de materiais me-lódicos, mas, aparentemente, não é capaz de inverter materiais melódicos como écapaz de inverter materiais verbais. Pode-se sugerir, conforme hipótese inicial, que amanipulação de seqüências melódicas na memória operacional se dá de forma dife-rente da manipulação de material verbal.

Referencias BibliográficasBaddeley, A. D. Working memory, thought and action (Oxford: Oxford University Press, 2007).Baddeley, A. D. & Hitch, G. “Working memory”. In G. H. Bower (Ed.), The Psychology of Lear-

ning and Motivation 8 (1974), 47-90. Thorn, A. S. C. & Gathercole, S. E. (1999). Language-specific knowledge and short-term me-

mory in bilingual and non-biligual children. The Quarterly Journal of Experimental Psy-chology 52A nº2, 303-324.

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A influência do treinamento musical nos potenciais cognitivosenvolvidos no reconhecimento de alegria e tristeza

em melodias sem palavrasViviane Cristina da [email protected]

Paulo Sérgio [email protected]

Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social e Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da

Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie

Resumo

Por meio das tecnologias de imageamento cerebral e de investigação eletrofisiológica,pode-se compreender melhor o funcionamento do cérebro ao ouvir música ou exe-cutá-la, sem que sejam necessárias técnicas invasivas de exploração neurológica. Estetrabalho tem como objetivo geral investigar o processamento cerebral de melodiasde conotação alegre ou triste por pessoas com e sem treinamento musical. Participa-rão do estudo 30 adultos, entre 21 e 35 anos, falantes língua portuguesa, divididosem dois grupos: G1, composto por cantores líricos profissionais e G2, por pessoas semformação musical. Os dois grupos serão submetidos a teste composto por melodiascantadas sem palavras, divididas em melodias de conotação alegre e melodias deconotação triste, compostas especialmente para o experimento. Todos os trechosserão cantados em vocalise, seguidos de uma palavra cantada, congruente ou incon-gruente semanticamente ao trecho que a precede. No total, serão apresentados 80excertos musicais, 40 relacionados à alegria e 40 à tristeza. Os participantes terãoque julgar, para cada trecho ouvido, se a palavra cantada ao final do excerto é con-gruente ou incongruente semanticamente em relação à melodia que a precedeu. Seráfeita análise estatística por meio do pacote SPSS Statistics 17.0 ANOVA fatorial, esta-belecendo-se erro =5%. Serão analisados individualmente os potenciais N1 (relacio-nado ao processamento auditivo perceptual), P2 (relacionado a julgamento afetivo eestético), N2 (relacionado a processamento de melodias), N400 (relacionado a in-congruência semântica) e P600 (relacionado a incongruências sintáticas em texto eem música – violação de expectativa harmônica) e sua média para cada grupo. Es-pera-se obter diferenças no tempo de reação para realização da tarefa entre grupos(músicos e controle), além de diferenças no número de acertos dos participantes come sem formação musical. Espera-se obter, ainda, como resultados, diferenças signifi-cativas de amplitude dos potenciais evocados, em especial do potencial N400 (rela-cionado à incongruência semântica) nos dois grupos.

IntroduçãoO estudo da música e suas relações com o cérebro humano tem se beneficiado, re-centemente do uso de tecnologias de imageamento cerebral e de investigação eletro-

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fisiológica (Peretz; Zatorre 2004; Zatorre; Chen; Penhume 2007). Por meio dessas tec-nologias pode-se compreender melhor o funcionamento do cérebro ao ouvir músicaou executá-la, sem que sejam necessárias técnicas invasivas de exploração neurológica.Dentre as tecnologias que se conhece atualmente, a eletroencefalografia tem, comovantagem, o fato de não ser invasiva e apresentar grande precisão temporal (Amodio;Bartholow, no prelo). Sua alta precisão temporal faz com que essa técnica seja degrande valia para o estudo do funcionamento do cérebro enquanto se ouve música,já que a música se desenvolve ao longo do tempo. Estudos com essa técnica têm mos-trado que a música é capaz de evocar potenciais elétricos relacionados a eventos (PE– potenciais evocados) no cérebro semelhantes aos da linguagem (Koelsch et al. 2004).Um exemplo disso é o potencial N400, descoberto inicialmente como resposta a in-congruências semânticas em frases como “fui ao banheiro tomar chá”. O N400 é evo-cado quando há uma palavra incongruente semanticamente ao final de uma frase,tendo menor amplitude quando não há incongruência semântica na frase (“fui aobanheiro tomar banho”) (Kutas; Hillyard 1980; Khateb et al. 2010). Posteriormente,descobriu-se que o N400 poderia ser evocado por meio de incongruências semânticasrelacionadas também a imagens e música (Koelsch et al. 2004; Besson; Macar 1987).Além da relação entre música e linguagem, que ainda está em pleno debate entre pes-quisadores da cognição e psicologia da música, a capacidade da música de evocaremoções é inegável (Koelsch, 2010). Estudos com emoções básicas têm indicado quemesmo pessoas sem conhecimento musical podem compreender emoção em música(Fritz et al. 2009; Scherer; Banse; Wallbott, 2001). Embora haja opiniões diversassobre a capacidade da música de evocar emoções do dia-a-dia, sua relação com aemoção parece ser intrínseca à sua natureza (Peretz; Zatorre 2004; Koelsch 2010;Blood; Zatorre 2001). Teorias sobre música e evolução indicam que a capacidade damúsica de evocar emoções teria sido importante para o desenvolvimento do cérebrohumano que hoje se conhece (Mithen 2009).

ObjetivosObjetivo Geral

Com base no que se sabe a respeito de linguagem, música e emoção, este trabalhotem como objetivo geral investigar o processamento cerebral de melodias de conota-ção alegre ou triste por pessoas com e sem treinamento musical.

Objetivos específicosOs objetivos específicos do trabalho incluem:

1. Investigar, por meio do EEG (eletroencefalografia), os potenciais evocados rela-cionados a eventos (PE) na audição de melodias sem palavras;

2. Investigar a influência do treinamento musical na compreensão semântica e naintegração semântica entre música e palavra;

3. Investigar a correlação entre número de acertos em tarefa de reconhecimento de

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incongruências semânticas com priming musical seguido de palavra e o treina-mento musical dos participantes;

4. Investigar as relações entre a prosódia musical e a semântica textual; 5. Investigar as relações entre o tempo de reação para a resposta da tarefa proposta

e o nível de experiência musical dos participantes.

MétodoParticipantes

Participarão do estudo trinta adultos, entre 21 e 35 anos, falantes língua portuguesa,divididos em dois grupos. Um grupo será composto por cantores líricos profissionaise outro por pessoas sem formação musical e sem nenhum tipo de atividade regularamadora relacionada à música. Serão excluídos participantes com perda auditiva oucom histórico de problemas neurológicos. Serão excluídos, também, participantescom depressão ou nível de ansiedade muito elevado, o que poderia comprometer aidentificação correta dos trechos musicais apresentados.

Materiais e equipamentos

Trechos musicais e palavrasOs participantes serão submetidos a teste composto por melodias cantadas sem pa-lavras, divididas em melodias de conotação alegre e melodias de conotação triste.Serão utilizadas melodias compostas especialmente para o experimento, sendo se-guidas regras de composição da música ocidental tradicional tonal, sem modulações,sem ambigüidades de tonalidade e com finais conclusivos. Os dois tipos de trechosserão facilmente distinguíveis. Os trechos alegres serão compostos em tons maiores,terão andamento rápido, tessitura aguda, mais pausas e notas de curta duração. Osexcertos com conotação triste serão compostos em modo menor, com andamentolento, notas longas e tessitura grave (Scherer 1995; Peretz; Gagnon; Bouchard 1998;Juslin; Laukka 2003; Bigand et al. 2005). Todos os trechos serão cantados em vocalise,seguidos de uma palavra cantada, que poderá ser congruente ou incongruente se-manticamente com o trecho que a precede. No total, o teste será composto por 80 ex-certos musicais, 40 relacionados à alegria e 40 relacionados à tristeza. As palavrasescolhidas terão relação com alegria ou tristeza e serão distribuídas randomicamenteentre os trechos. Serão utilizadas 4 palavras, 2 relacionadas à alegria e 2 à tristeza.

Equipamento de eletroencefalografiaO experimento será realizado em sala especial com aparelho de Eletroencefalografiade 128 canais da marca Electrical Geodesics, Inc. (EUA) modelo EEG System 300,sendo programado no software E-prime. O registro da atividade encefalográfica serárealizado pelo software NetStation.

ProcedimentoOs participantes serão submetidos a avaliação audiométrica realizada por uma fo-noaudióloga. Caso não tenham perdas auditivas, poderão participar do experimento.

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Após a audiometria, serão aplicados testes de ansiedade e depressão por meio dos in-ventários BAI e BDI (Beck Anxiety Inventory e Beck Depression Inventory). Os partici-pantes serão levados para sala preparada para o equipamento EEG, onde serãosubmetidos à audição dos trechos e terão que julgar, para cada trecho ouvido, se apalavra cantada ao final do excerto é congruente ou incongruente semanticamenteem relação à melodia que a precedeu. Cada trecho será apresentado duas vezes, po-dendo ser apresentado seguido por uma palavra congruente ou incongruente ao tre-cho semanticamente. Os trechos serão apresentados de maneira randomizada.

Análise de dadosApós as fases de pré-processamento e pós-processamento para eliminação de even-tuais ruídos no sinal do EEG, será feita análise estatística por meio do pacote SPSS Sta-tistics 17.0 ANOVA fatorial, estabelecendo-se erro α=5%. Serão feitas correlações entreos dados comportamentais, tais como tempo de reação e acertos, e os dados eletrofi-siológicos, como amplitude e latência dos potenciais. Serão analisados individual-mente os seguintes potenciais:

1. N1, relacionado ao processamento auditivo perceptual (Neuhaus; Knösche, 2008);2. P2, relacionado a julgamento afetivo e estético (Chen et al. 2008; Müller et al.

2010);3. N2, relacionado a processamento de melodias (Minati et al. 2010);4. N400, relacionado à incongruência semântica (Patel et al. 1998; Besson 1987;

Besson et al. 1998; Koelsch et al. 2004; Patel, 2008; Koelsch et al. 2005; Miranda;Ullman 2009; Bayer; Sommer; Schacht 2010; Daltrozzo; Schön 2009);

5. P600, relacionado a incongruências sintáticas em texto e em música – violaçãode expectativa harmônica (Patel et al. 1998).

Resultados esperadosEspera-se obter diferenças no tempo de reação para realização da tarefa entre grupos(músicos e controle), além de diferenças no número de acertos dos participantes come sem formação musical (Tervaniemi 2009; Bigand; Poulin-Charronat 2006; Schlauget al. 1995; Schlaug et al. 2009). Espera-se obter, ainda, como resultados, diferençassignificativas de amplitude dos potenciais evocados, em especial do potencial N400(relacionado à incongruência semântica) nos dois grupos. O treinamento musical de-veria ter relação com maior destreza na tarefa realizada, traduzida em menor tempode reação para realização da tarefa, além de possível maior amplitude dos potenciaisrelacionados ao processamento de melodias (N2) e ao processamento de incongruên-cias semânticas (N400). No entanto, os dois grupos devem ser capazes de realizar atarefa sem problemas, uma vez que os trechos musicais utilizados são muito simplese claramente distinguíveis em dois grupos (melodias alegres e tristes), mesmo con-siderando-se o ouvido leigo (Bigand & Poulin-Charronat 2006).

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Considerações finaisO trabalho, ainda em andamento, visa compreender melhor as bases neurobiológicasda identificação de conteúdo semântico em música, por meio da análise de compo-nentes eletrofisiológicos do cérebro de pessoas com e sem treinamento musical. Visa,ainda, investigar o papel do treinamento musical na capacidade de integração semân-tica dos sujeitos.

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A percepção de melodia e ritmo nas pessoas com Síndrome de Williams na perspectiva

dos testes de Audição Musical propostos por Edwin GordonHenrique de Carvalho Vivi

[email protected] em Música – Universidade Federal do Paraná

Resumo Esta pesquisa, em fase inicial, tem como objetivo verificar se as pessoas de um grupoespecial são capazes de perceber e discernir aspectos de melodia e ritmo, segundo ateoria musical ocidental, especificamente pelos testes de Audição Musical propostospor Gordon. Os participantes do estudo serão pessoas com a Síndrome de Williams-Beuren, que apresentam uma série de particularidades de origem genética. A deleçãode 26 a 28 genes no par de cromossomos 7 é responsável por um fenótipo peculiardeste grupo, que inclui características na formação de órgãos, características físicas,linhas do rosto marcantes, um quadro cognitivo com várias particularidades, além derespostas a sons, ruídos e à música. Baseado nos estudos mais recentes envolvendoSíndrome de Williams, cognição e música, as pessoas deste grupo apresentam umasensibilidade maior à música, respostas emotivas, ouvem música por mais tempo epodem executar peças cantando ou tocando um instrumento. No campo da percepçãoe cognição musical, será utilizado Sloboda (1985) e Levitin (2006). Na área da Sín-drome de Williams serão utilizados como aportes teóricos, Levitin (2003; 2004; 2005;2006), Bellugi (2005), Sacks (2007), Valtierra (2008), entre outros. A pesquisa traba-lhará com a metodologia experimental, tendo como categorias de análise a percepçãoe a repetição. A pesquisa empírica está em andamento, e a coleta de dados pela ob-servação e análise crítica dos resultados feitos pelos entrevistados.

Palavras-chavesíndrome de Williams-Beuren – educação musical – inclusão

IntroduçãoO processo de cognição e percepção musical é um leque vasto. Segundo as palavrasde Sloboda, os campos “cognitivo […] e afetivo” (1985, p.3) são ativados, pois, umavez que o ouvinte é exposto a um material musical, ele primeiro há de compreendero que está ouvindo; e, segundo, ele aprecia o que ouve. Tais subjetividades em cadafase dependem de cada pessoa, personalidade, humor, etc. Ou seja, cada ouvinte podeperceber e internalizar o som de maneira diferente, bem como os funcionamentoscognitivos podem não ser exatamente os mesmos. Tal processo de percepção podeser válido se aplicado à Educação Musical; como, por exemplo, em avaliações globaisutilizando um repertório de fácil acesso e suas respostas avaliadas em caráter semi-aberto. O processo cognitivo e afetivo em música, propostos por Sloboda, não pode ser con-

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siderado habilidades restritas a pessoas com vivência em música (compositores, es-tudantes, instrumentistas, etc.). Pessoas leigas também possuem tal habilidade, apesarde que com níveis menores de discernimento e exposição, em palavras, do que foipercebido ou apreciado (ibid. 1985, 5). Isso não significa que pessoas leigas não ve-nham a desenvolver tal habilidade, bem como vir a atribuir uma habilidade que anteslhe era desconhecida, ao estudar, apreciar, tocar música, etc. Levitin, por exemplo, le-vanta a questão de que há pessoas com habilidades de ouvido absoluto e não são mu-sicais, pois não têm vivência com música, não tocam um instrumento, ou não sãoestudantes de música (2006, 28); o que pode ser levado como uma premissa que certosparâmetros musicais possam ser discernidos igualmente por pessoas leigas e “musi-cais”.Se todas as pessoas possuem tais habilidades, este artigo mostrará como pode serabordada esta percepção musical em um grupo especial de pessoas com uma disfun-ção cognitiva, que têm a Síndrome de Williams-Beuren. As pessoas com esta sín-drome, além de suas características genéticas, físicas, e parâmetros de fenótiposemelhantes, apresentam algumas características distintas, tais quais: expressão e co-municação; e também sua sensibilidade aos sons, aos quais serão abordadas maisadiante. Independente de suas características auditivas, alguns estudos já obtiveramresultados satisfatórios em laboratório aos quais pessoas podem aproveitar tal carac-terística musicalmente (Levitin 2005, 8). Não confundir tal idéia a um “facilitador”musical que este grupo especial viria a possuir desde nascença; a intenção não é va-lidar que todas as pessoas com Williams terão facilidade para aprender música com-parados a outros grupos de pessoas. Mas, se estas pessoas especiais apresentamcaracterísticas cognitivas, que por suas disfunções genéticas, no cérebro “processaminformações de uma maneira diferente” (ibid. 2005, 514), há de se utilizar estes atri-butos para potencializar qualquer avaliação em música; seja de aprendizagem de ins-trumento, seja de percepção musical, entre vários outros.Este trabalho então visa analisar e comparar, por meio de testes de percepção musicale repetição por execução, as respostas em caráter fechado das pessoas com Síndromee Williams, no intuito de desenvolver e potencializar uma maior vivência com a mú-sica, como meio para inclusão social. Além disso, a pesquisa procurará ser uma fontepara estudos futuros, visto que não há estudos recentes que falam sobre educaçãomusical e Williams no Brasil. Para tal, serão usadas fontes bibliográficas de Sloboda, Gordon e outros autores quetrataram da cognição musical; além de fontes de Williams, Beuren, Levitin, Bellugi,Sacks, Valtierra, Lenhoff e outros no âmbito da Síndrome de Williams. Como o le-vantamento bibliográfico ainda está sendo feito, podem aparecer mais textos de outrosautores que não estão listados aqui e poderão ter bastante importância para a elabo-ração do corpo de texto, ou até mesmo na metodologia utilizada.Este artigo é parte do estudo em andamento, para dissertação de mestrado, envol-vendo percepção musical nas pessoas com Síndrome de Williams. Por tal razão, atéa defesa da dissertação, podem haver alterações ou adições no embasamento teórico,

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bem como na metodologia que será abordada.

Sobre a Síndrome de WilliamsA Síndrome de Williams, também conhecida como Síndrome de Williams-Beuren,foi pela primeira vez diagnosticada pelo cardiologista John C. P. Williams, em 1961,na Nova Zelândia, ao verificar que um grupo de pessoas apresentava característicasfísicas e problemas no coração semelhantes (Williams et. al. 1961, 1317). Mais tarde,em 1962, Alois Beuren, na Alemanha, diagnosticou um grupo de pacientes com asmesmas características (Beuren et al. 1962, 1239). Por esta razão, à síndrome são atri-buídos ambos os nomes. Alguns estudos procuraram verificar a incidência de pessoascom a síndrome, e os números variam de 1 para 7.500 pessoas até 1 para 20.000 pes-soas (Valtierra 2008, 95; Levitin et. al. 2004, 224).Mais tarde, foi verificado que a Síndrome de Williams é de origem genética, decor-rente de um erro de cruzamento de genes durante a mitose, havendo assim a exclusãode 26 a 28 genes no par de cromossomos 7 (ibid. 2008, 95). Vale lembrar que esta ori-gem não é congênita, ou seja, não é resultante de alguma ação na gravidez por parteda mãe ou por algum outro quadro na família. Assim sendo, a Síndrome de Williamsnão distingue cor, raça, sexo, e não há nenhum estudo relacionado à maior incidênciade local. Os genes do par de cromossomos 7 deletados são responsáveis pela produção de al-guns aminoácidos, reconstituição de algumas células, e mais importante, pela pro-dução da elastina. O déficit da produção de elastina pela exclusão destes genes, comoconseqüência, define boa parte do fenótipo comum às pessoas com Síndrome de Wil-liams, como será abordado mais adiante.Apesar de estes estudos terem sidos publicados há aproximadamente cinqüenta anos,os estudos mais aprofundados sobre a Síndrome de Williams, ou SW, são recentes.Com o tempo foi possível realizar diagnósticos mais precisos para identificar se a pes-soa possui ou não Síndrome de Williams. Até hoje, os quadros clínicos nem sempresão base para estes diagnósticos, pois algumas características físicas, psicológicas,cognitivas, etc., podem variar de pessoa para pessoa, pois não há precisões de exata-mente quantos genes são deletados no par de cromossomos 7, ou seja, ele varia de 26a 28 genes. Por variar o número de genes deletados naquela região, os resultados fe-nótipos das pessoas deste grupo também variarão. Porém, ainda faltam estudos paracomprovar tal hipótese. Após alguns anos de estudos, foi possível determinar umamaneira de diagnosticar a síndrome de maneira mais eficiente, que é com o teste doFISH, também chamada de “hibridação fluorescente in situ (fluorescence in situ hy-bridization, Sugayama et. al. 2003, 468). Este teste verifica a seqüência de genes noscromossomos e consegue sondar a ausência do gene da elastina, que é a principal ca-racterística da SW, e tem uma eficácia de aproximadamente 90%.1 De qualquer ma-neira, alguns estudos já identificaram quadros clínicos, e não só oleculares, que

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2 Diagnóstico da Síndrome de Williams , disponível em http://www.swbrasil.org.br

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ocorrem na maioria dos casos, como será relatado a seguir.Estudos recentes procuraram associar a SW com a síndrome de um duende.2 Esta as-sociação ocorre porque uma das características das pessoas com SW é ter as linhasde rosto semelhantes a um duende, ou seja, nariz empinado, boca larga, queixo pe-queno, olhos arredondados, além da estatura baixa (Sacks 2007, 303). As pessoas com Williams também apresentam problemas cardiovasculares, apresen-tando a Estenose Aórtica Supra valvar (Supra Valvar Aortic Stenosis). Esta estenose,também chamada de SVAS, acontece em cerca de 75% dos casos das pessoas com Wil-liams, em que há uma anomalia conseqüente dos estreitamentos dos vasos arteriais(Morris 2010, 6). Então, este estreitamento pode causar problemas renais, intestinais,além de pressão arterial constantemente elevada, dificuldades respiratórias e pulmo-nares, entre outros. As pessoas com SW podem também apresentar anormalidades urológicas, em umaumento da freqüência urinária, e problemas endócrinos, incluindo hipercalcemia,hipotireodismo, problemas ortodônticos e diabetes em alguns adultos5. Tambémpodem apresentar estrabismo e íris estreladas, apesar de estes dois últimos não ocor-rerem com tanta freqüência considerando as outras características físicas.As pessoas com a Síndrome de Williams apresentam um atraso motor e uma “defi-ciência intelectual geral ou global” (Sacks 2007, 307). O cérebro das pessoas com SWé relativamente menor, como observado por Sacks, podendo chegar a ser 20% menor(ibid., 314). Vale ressaltar que não é o cérebro todo que é relativamente menor, algu-mas áreas são, já outras têm o tamanho preservado. Ainda não há estudos neuroló-gicos o bastante para revelar exatamente quais áreas são responsáveis por quaisquadros na SW, porém, Levitin et. al. procuraram investigar, por meio de um examede ressonância magnética, se as pessoas deste grupo utilizam partes do cérebro fun-cionando para certas ações aos quais não acontecem em pessoas que não têm SW. Se-gundo os autores, estas pessoas “[…] ainda apresentam oportunidades de cobrir basesde comportamentos cognitivos complexos, e em particular, começar a fazer a ligaçãoentre os genes, neurodesenvolvimento, cognição e comportamento” (Levitin et. al.2005, 514).As pessoas com SW possuem, em sua maioria, uma dificuldade visual-espacial (Val-tierra 2008, 96). Alguns estudos comentam a dificuldade que estas pessoas podemter para representar graficamente, por exemplo, desenhando. Além disso, sua capa-cidade de leitura é limitada, e pode haver uma grande dificuldade ao realizar simplesquestões aritméticas (Bellugi et. al., apud Levitin et. al. 2004, 225). Apesar destas ca-racterísticas, as pessoas com a SW apresentam certas funções visuais bem preservadas.Algumas pessoas conseguem distinguir e reconhecer expressões faciais com muitafacilidade (Valtierra 2008, 96). Este contraste no campo visual espacial é uma das cu-riosidades ao qual este fenótipo complexo se apresenta, e merece mais estudos.

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3 “What is Williams Syndrome?”, disponível em http://www.williams-syndrome.org

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Levando em conta os quadros psicológicos e comportamentais, as pessoas com SWem geral são bastante ansiosas (Levitin et. al. 2003, 75). Normalmente possuem umcomportamento hipersocial, são desinibidas, procuram ser bastante comunicativase fazem um bom uso do vocabulário (Sacks 2007, 308-9). Também têm um bom do-mínio da linguagem, se utilizando de palavras, semânticas, sinônimos, etc. de maneiraforte e independente (ibid. 2007, 308). Valtierra procura associar a característica dafalta de inibição ao tamanho relativamente menor da Amídala Cerebelosa (2008, 97),localizada no cérebro e que é responsável por regular a agressividade. Sacks procuraassociar a linguagem e outras funções cognitivas que “[…] podiam, em termos gerais,ser explicadas pelo tamanho avantajado e pelas ricas redes neurais dos lobos tempo-rais” (2007, 314).Alguns estudos sobre SW procuraram associar as pessoas deste grupo e uma anormalrelação com os sons. Esta relação não foi sempre diagnosticada pela comunidadecientífica, e se verifica que os estudos envolvendo SW e sons são recentes. A princípio,esta relação com os sons foi chamado de hiperacusia (em inglês hyperacusis). O termose refere à disposição que o ouvido das pessoas com SW possue de ouvir com maissensibilidade todos sons, ou grupos de sons (Hagerman 1999; Klein, Armstrong,Greer e Brown 1990; Martin, Snodgrass e Cohen 1984; Nigam e Samuel 1994; Udwine Yule, 1991, apud Levitin et. al. 2005). Porém, o termo é vago por não especificarexatamente quais grupos de sons, e se esta sensibilidade é determinada pela freqüên-cia, altura, dinâmica, timbre, etc. Então, verificando a necessidade de aprofundar oconhecimento deste fenótipo, um estudo envolvendo vários indivíduos com SW pro-curou padronizar este quadro. Segundo Levitin et al. (2005, 516), as pessoas podemapresentar:

• Hiperacusia, como uma habilidade de ouvir sons distantes, em freqüências baixas,que um ouvido de uma pessoa que não tem SW não ouviria;

• Odinacusia, como uma sensação de dor e/ou desconforto a certo som;• Alodinia Auditiva, como uma aversão ou medo de um som; e• Fascinação Auditiva, como uma atração ou admiração por um certo som.

Vale lembrar que o que determina estes quadros varia de pessoa para pessoa, suas vi-vências, etc. Estes quadros não são únicos, a pessoa com SW pode apresentar mais deum quadro (ibid. 2005, 519). A origem desta relação ainda não é claramente explicada. O estudo que envolveu aspessoas com SW e o funcionamento do cérebro ao ouvir música pela ressonância mag-nética procuraram dar base a este conhecimento. Ao observar e analisar o cérebrodas pessoas com SW se concluiu que

“[…] os participantes com SW mostraram ativações mais variadas e difusas portodo o cérebro, […] além de fornecer novas e convergentes evidências que a suaorganização neural pode diferir das pessoas ditas normais” 7

O funcionamento neurológico não parece ser também o único elemento que carac-teriza este quadro auditivo das pessoas com SW; lembrando que a elastina é respon-

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sável pela construção de órgãos internos, talvez a construção do ouvido e o aparelhoauditivo das pessoas com SW sejam diferenciados, o que também caracterizaria estequadro auditivo. Porém, não há estudos relacionados a esta área que comprovem estahipótese.Os estudos também procuram ligar estas características das pessoas com SW ao ouvirmúsica. As pessoas com SW tendem a mostrar sensibilidade e expressar sentimentoscomo alegria ou tristeza através da audição de música, além de ter sensações comoaversão, medo ou admiração por certos sons musicais, instrumentos musicais, oupeças inteiras (Levitin et al. 2004, 225-6). As pessoas deste grupo tendem a ouvir mú-sica por mais tempo (ibid. 2003, 74). O mesmo estudo com ressonância magnéticatambém verificou a maior ativação cerebral das pessoas com SW quando foram esti-muladas ao ouvir música (Levitin et al. 2003, 79), e pessoas com SW parecem ter maisinteresse em música (ibid. 2004, p.226)Sacks procura relatar o como as pessoas com SW mostram um interesse em tocar uminstrumento musical ou aprender a cantar músicas em outros idiomas, de outras cul-turas (2007, 310), além de reproduzir padrões musicais com mais facilidade (p. 311).Tal relação pode ser explicada pelo paralelo que a música tem como linguagem, partedo cérebro preservada das pessoas com SW, e são responsivas à música em um nívelemocional (p. 312).Partindo destes dados de SW e música, algumas questões tendem a aparecer. Nemtodas as pessoas com SW são sensíveis à música e mostram um maior interesse porpeças musicais, sons musicais, etc. Não há nenhum dos estudos que indiquem que100% das pessoas com SW sejam musicais. Também, não há nenhuma incidência dehabilidade musical nata, que seja convertido em aprendizagem de um instrumentomusical, etc., ou seja, há casos em que a pessoa com SW procura no canto ou na apren-dizagem de um instrumento musical expressar a sua facilidade com a música, masisso não acontece em todos os casos. Pode haver pessoas com SW que tenham interessepor música, porém, não estejam predispostas a tocar um instrumento musical. Ouainda, pode haver a pessoa com SW que não tenha interesse nenhum por música, ape-sar de apresentar um ou mais de um dos quadros auditivos listados. Também podeacontecer da pessoa que seja diagnosticada com SW e não tenha o quadro auditivopeculiar às pessoas deste grupo. Vale então fazer a reflexão de como é introduzida amúsica na vida das pessoas com SW que possuam os quadros auditivos. Se, em ne-nhum momento, esta pessoa tem exercícios de musicalização, aulas de educação mu-sical, ensino de um instrumento, ela poderá exibir uma facilidade para a música? Neste artigo, a idéia de que em um ensino apropriado de musicalização a pessoa comSW tenha uma ponte para se expressar musicalmente tenha um interesse pela música

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7 “[…] WS parcitipants displayed more variable and diffuse activations throughout the brain,and they showed increased activation in the amygdala and cerebellum, thus providing newand converging evidence that their neural organization may differ from that of normal people”(Levitin et al. 2003, 81).

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e seja inclusa em um grupo social. Por isto esta pesquisa também trata de colocar aimportância no caráter inclusivo das pessoas com SW.

Objetivo geralA pesquisa pretende verificar se as pessoas com síndrome de Williams são capazesde perceber, discernir e diferenciar elementos musicais de melodia e ritmo, comoforma de ampliar suas capacidades musicais como meio para a inclusão social.

Objetivos específicosSão objetivos da pesquisa proposta:

• Verificar se as pessoas com Síndrome de Williams são capazes de perceber e dis-cernir aspectos de melodia, segundo a teoria musical ocidental.

• Verificar se as pessoas com Síndrome de Williams são capazes de perceber e dis-cernir aspectos de ritmo, segundo a teoria musical ocidental.

• Analisar a ampliação do universo musical das pessoas com Síndrome de Williams,se utilizando da linguagem não da teoria musical, mas da prática musical, utili-zando instrumentos para coleta de dados adaptados, como caráter inclusivo nasociedade.

MetodologiaPor se adequar à proposta desta pesquisa, a metodologia trabalhada será o métodoexperimental. Segundo Pereira, a descrição e características do método experimentalpodem ser colocadas da seguinte maneira:

“[…] A pesquisa experimental pode ser realizada em “laboratórios pedagó-gico-musicais” ou no “campo”. Na pesquisa de laboratório podem ser estudados edesenvolvidos métodos de ensino através de consultas bibliográficas e informaçõesteóricas. A pesquisa de campo refere-se a experiências conduzidas nas salas deaula, onde podem ser comparados métodos de ensino, ou analisadas reações com-portamentais sob o efeito da música” (Pereira, 1991, p.80)

A interação que é necessária para atingir os objetivos então parte desta comparaçãode dois grupos: um composto das pessoas com Síndrome de Williams, e outro de pes-soas que não possuem a síndrome. Segundo a autora, “Compara-se o rendimento dosdois grupos: o experimental e o de controle. A comparação é essencial em todas asinvestigações científicas” (ibid., 81). A maneira como a pesquisa empírica será apli-cada em campo está sendo definida em mais de uma cidade (Curitiba e São Paulo, ainício), pelo interesse e disponibilidade de pessoas que participarão da coleta de dados,reunidas em uma seleção homogênea. As etapas da pesquisa já estão em fase de aper-feiçoamento sabendo que uma das etapas envolverá a compreensão de melodia e deritmo da música, por exercícios de apreciação e percepção. Uma segunda etapa pro-curará fazer a compreensão dos elementos musicais através de exercícios de repetiçãoe execução, mas a criação poderá ser introduzida nesta etapa. Se necessário, uma ter-ceira etapa procurará avaliar a compreensão dos elementos não só pela execução mu-sical, mas também pelo o que os entrevistados expressarão, afinal, nem toda pessoa

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com Síndrome de Williams é esperada executar plenamente sem erros alguma frasemusical, mas também sua capacidade de expressar com facilidade pode ser uma fer-ramenta auxiliadora na avaliação e análise dos resultados.Para tal, a maneira de investigar e analisar tais objetivos mais adequada é com as Me-didas Primárias de Audição Musical de Gordon. Apesar de publicado a mais de 20anos, e com vários outros tipos de testes musicais recentes, acredita-se que com ostestes tonais e rítmicos se consiga verificar com melhor eficácia os objetivos listados.Além disso, o teste não requer que os entrevistados tenham noções de leitura ou teoriamusical. Para o grupo de pessoas com Williams, isto é vantajoso, visto a dificuldadeque as pessoas deste grupo podem ter com leituras e noções espaciais decorrentes desuas características cognitivas.O teste de Gordon não será aplicado em sua totalidade, bem como os materiais utili-zados deverão ser adaptados. O teste não foi originalmente concebido para abordaras pessoas com qualquer necessidade especial, bem como, pessoas com deficiênciaintelectual. Exatamente quais adaptações serão feitas sem prejudicar a eficácia doteste e sua análise estão em andamento. A opção por adaptar o teste é baseado nosestudos de Levitin e Bellugi (1998) que optaram por adequar partes do teste verifi-cando certas discrepâncias que poderiam aparecer se tivesse aplicado em sua totali-dade. Por exemplo, o teste rítmico não foi feito após o teste tonal, e a fonte sonoranão foi via CD em aparelho, visto as características das pessoas com Williams empossuir déficits na atenção e poderiam não responder de acordo.

Categorias de análiseAs categorias de análise serão a apreciação, percepção e execução, havendo uma ên-fase maior na percepção, pois ela é crucial para a execução acontecer com eficácia.Então o planejamento na pesquisa empírica terá que ser guiada por estes eixos nor-teadores.Nesta pesquisa, serão adotadas as definições de melodia e ritmo segundo as caracte-rísticas do som na música, ao qual são definidas por MED da seguinte maneira: “Me-lodia, como um conjunto de sons dispostos em ordem sucessiva (concepçãohorizontal da música), […] Ritmo como ordem e proporção em que estão dispostosos sons que constituem a melodia e a harmonia.” (1996, 11). Então, estes elementosestão intricados com características do som, sejam elas vibrações regulares ou irre-gulares, como altura e duração.Harmonia e timbre não serão abordados nesta pesquisa, pelo fato de que incluir esteselementos na avaliação iria demandar uma análise muito mais extensa e resultadospodem apresentar variabilidades ou discrepâncias que não auxiliariam no objetivogeral. Ainda não há estudos envolvendo qual elemento musical a pessoa com Sín-drome de Williams consegue perceber melhor, porém, esta pesquisa pode ajudar es-tudos futuros.As entrevistas e atividades envolvidas neste processo está em planejamento. Um es-tudo procurou aplicar testes para pessoas com Williams utilizando as “Medidas Pri-

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márias de Audição Musical” de Gordon (Don et al., apud Levitin et al. 2004, 225),mas os resultados não foram os esperados, pois o teste não foi criado para este grupo,e sim para pessoas que não possuem Síndrome de Williams. Então, uma atividadepadrão ou testes padrões poderiam prejudicar os resultados, e conseqüentemente, osobjetivos da pesquisa. Porém, é importante destacar que as atividades serão planeja-das e introduzidas após o domínio da etapa anterior pela Síndrome de Williams.Instrumentos de coleta de dados para os testes também estão em desenvolvimento,pois a pesquisa bibliográfica mais aprofundada trará melhores diretrizes para a pes-quisa de campo, e assim, ter uma melhor abordagem. O que se têm como indicadoressão testes envolvendo a percepção musical utilizando repertório já existente (e nãofragmentos sonoros), e o discernimento de caráter distinto se baseando apenas pormúsica neste grupo especial (com repostas de caráter semi-aberto e também por vi-sualizações do problema a ser resolvido). Com os resultados da amostra, análise econclusão esperam-se chegar os indicadores estabelecidos nos objetivos específicos,e conseqüentemente, validar o objetivo geral.

Grupo participanteO grupo escolhido para esta pesquisa são pessoas diagnosticadas com Síndrome deWilliams, adolescentes com idade entre 12 a 19 anos. A faixa etária escolhida nãoprecede nenhum estudo ao qual diriam que nesta idade a percepção ou respostasserão mais eficazes, afinal, os estudos neste sentido são limitados. Alguns estudos co-mentam sobre o como a idade das pessoas com Síndrome de Williams não altera suacaracterística cognitiva (Levitin et al. 2004, 233; Valtierra, 2008, 96). Apesar disso,um estudo anterior utilizando pessoas com Síndrome de Williams no Brasil e per-cepção de produtos sonoros revelou maior atenção e respostas mais precisas por partedos entrevistados que já eram adolescentes ou estava na fase adulta (Vivi 2007, 25). Além disto, o grupo será selecionado por pessoas que não tiveram aulas prévias demúsica ou musicalização. Por acreditar que as pessoas que já tenham tido, ou estejamfreqüentando uma aula de música ou musicalização iria influenciar uma resposta aoselementos que poderiam não ser genuínas, ao filtrar estas pessoas, a pesquisa mos-traria resultados mais satisfatórios para análise. Este fato é colocado em voga quandose trata de discutir se as pessoas com Williams possuem uma facilidade para músicano Brasil.

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a mente e a produção das artes musicais

Uma improvisação guiada por uma partitura, como uma mente,segundo os seis critérios do processo mental propostos

por Gregory BatesonDaniel Puig

[email protected] Curricular de Música, Colégio de Aplicação da UFRJ

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Música da UNIRIO

ResumoA partir dos seis critérios do processo mental, propostos por Gregory Bateson, procurodemonstrar que um grupo de músicos improvisando a partir de uma partitura podeser considerado como uma mente em si mesmo. Contextualizando as contribuiçõesdesse autor, parto para uma análise detalhada dos critérios, procurando sumarizarseus pressupostos ao propor que este tipo de estruturação seja possível. Aplico, então,os critérios a uma situação imaginada, considerando: suas partes, a interação entreelas, o ponto por onde flui energia colateral para o sistema, sua cadeia circular dedeterminação e as transformações que ocorrem em seu interior, para, por fim, revelaruma hierarquia de tipos lógicos imanente a ela.

Acerca de Gregory BatesonGregory Bateson figura entre os iniciadores do campo transdisciplinar hoje conhecidocomo “visão sistêmica” ou Teoria dos Sistemas. Essa abordagem sofreu influênciasda Cibernética, Teoria da Catástrofe, Teoria do Caos e dos estudos de Sistemas Com-plexos e Adaptivos. A Allgemeine Systemtheorie de Ludwig von Bertalanffy é geral-mente reconhecida como seu início. Entre outros expoentes, encontramos: GeoffreyVickers, Margaret Mead, Norbert Wiener, Warren McCulloch, Stafford Beer, Hum-berto Maturana, Francisco Varela, Edgar Morin, Fritjof Capra, Ilya Prigogine, JamesLovelock e Mary Catherine Bateson. Das disciplinas que tem recebido suas contri-buições, destacam-se a Biologia, Epistemologia, Engenharia, Etnologia, Filosofia, In-formática, Literatura, Lógica, Matemática, Pedagogia, Psicologia, Psiquiatria, Robótica,Semiótica e Sociologia.De maneira geral, pensadores com uma visão sistêmica (Ramage e Shipp 2009) cre-ditam partes significativas da base de suas abordagens às contribuições de Bateson— biólogo e antropólogo de formação —, cujo trabalho caracterizou-se por envolvere inaugurar novas perspectivas em diversas áreas do conhecimento. Stanislav Grof(1981), psiquiatra de origem tcheca que conviveu com Bateson em seus últimos anosde vida, lembra:

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Apesar do fato de ter se envolvido profundamente em muitas áreas diferentes, elepermanecia um livre-pensador em todas elas. Via sua tarefa como um generalista,como sendo a de mover-se entre as disciplinas e nas suas interfaces e procurarlinguagens para conectá-las. Seu trabalho é uma mistura muito original, combi-nando antropologia, psicologia, psiquiatria, cibernética, teoria da informação ede sistemas, lógica, psicologia animal e teoria evolucionária.

E, ainda:Não há dúvida de que suas contribuições representam um quadro conceitualabrangente, altamente original e extremamente útil. As dificuldades que algumaspessoas tinham em entender suas palestras ou seus escritos pode ser explicadapela originalidade e o escopo de suas contribuições. Sua visão do universo, enten-dimento da realidade e filosofia da ciência eram drasticamente diferentes do pen-samento dominante. Muitas de suas contribuições, portanto, só faziam sentidono contexto do trabalho de toda sua vida e não podiam ser adicionadas facilmenteàs teorias e ao conhecimento científico existentes.

Gregory Bateson nasceu em Grantchester (Reino Unido), em 9 de maio de 1904, emorreu em São Francisco (EUA), em 4 de julho de 1980. Começou seu trabalho cien-tífico na Papua Nova Guiné, onde estudou diferentes tribos autóctones. Essa pesquisaresultou no livro Naven (Bateson 1958 e 2006), no qual delineou o conceito de esquis-mogênese (schismogenesis). O uso desse conceito é hoje corrente na etnomusicologiaa partir do trabalho de Steven Feld (1995) acerca da sua ocorrência nas músicas po-pulares, inclusive brasileiras. O resultado mais importante das pesquisas de Batesonna área do Pacífico foi a publicação, em conjunto com sua primeira esposa, MargaretMead, de Balinese Character: A Photographic Analysis (Bateson e Mead 1942), cujarepercussão, como a primeira pesquisa antropológica a fazer uso sistemático de filmese fotografias para a aquisição de dados etnográficos e comunicação de resultados, es-tende-se até hoje.Nos anos seguintes, Bateson dedicou-se extensivamente à pesquisa da comunicaçãoentre humanos e animais. Suas conclusões foram importantes para sua compreensãoacerca da mente, com a utilização da teoria dos tipos lógicos, emprestada do trabalhode Bertrand Russell, e do conceito de metalinguagem, de Benjamin Lee Whorf. Maistarde, com base também nessas pesquisas, trouxe seu método etnográfico para o es-tudo da esquizofrenia (Levy e Rappaport 1982), desenvolvendo o conceito de duplo-vínculo (double-bind), uma das mais importantes contribuições para a modernapsiquiatria. Em 1972 publicou Steps to an Echology of Mind (Bateson 2000), onde ex-plorou a base de sua visão sistêmica em uma coleção de ensaios em antropologia, psi-quiatria, evolução e epistemologia. Em 1979, Mind and Nature: A Necessary Unity(Bateson 2002) desenvolveu essa visão e lançou diversos conceitos importantes, in-cluindo sua lista de seis critérios do processo mental e os princípios do seu métodode análise conhecido como dupla descrição (double description). Depois de sua morte,Angels Fear: Towards an Epistemology of the Sacred (Bateson e Bateson 2005) foi edi-tado a partir dos manuscritos por sua primeira filha, Mary Catherine Bateson (co-au tora de alguns de seus livros), e lançado em 1987, desenvolvendo suas idéias acercada arte, da religião e do sagrado dentro de uma perspectiva sistêmica. Recentemente,

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estudos desenvolvidos no campo da Biosemiótica (Hoffmeyer 2008), contando coma colaboração de Mary Catherine, revisitaram suas idéias sob a luz de conceitos sur-gidos nas últimas décadas e colocaram suas contribuições ainda sob nova perspec-tiva.

Os seis critérios do processo mentalUma das principais contribuições de Bateson para a Epistemologia é o seu conceitoacerca da mente. A partir de uma lista de seis critérios, expande a noção comum desta,que a vê restrita ao corpo humano. Tal lista, exposta em “Mind And Nature”, leva Ba-teson (2002, 85, grifos do autor (g.a.)) a afirmar que “se qualquer agregado de fenô-menos, qualquer sistema, satisfizer todos os critérios listados, direi sem hesitação queesse agregado é uma mente”. Segundo ele, sua abordagem está sujeita à validade daidéia de que este tipo de estruturação da epistemologia, da evolução e da epigênese épossível. Bateson sugere que o problema mente-corpo, como desenvolvido em Des-cartes, por exemplo, pode ser resolvido por uma argumentação nesta linha de pen-samento e que “os fenômenos que chamamos de pensamento, evolução, ecologia, vida,aprendizagem, e outros desse mesmo tipo, ocorrem unicamente em sistemas que sa-tisfazem estes critérios” (Bateson 2002, 86, g.a.).Esta idéia acerca dos processos mentais aproxima-se em muito do funcionamentoque gostaria de ver em minha música, na qual lido com questões da imprevisibilidadee, paralelamente, da identidade da obra. Não hesito em dizer, como compositor, que,se for possível, através de critérios desta natureza, estabelecer um parâmetro que seaproxime de algo orgânico, com características estéticas dessa ordem, então esta abor-dagem me interessa. Acredito que neste caminho possa estar uma questão pertinenteà estética atual da música de concerto, que poderá vir a estabelecer um caminho in-teressante para se lidar com a metalinguagem em música. Em especial, parece-meque isto interessa à composição musical que lida com a interação entre diferentes lin-guagens artísticas.Por outro lado, é evidente sua aproximação à abordagem de sistemas complexos,quando fala de cadeias circulares de determinação e do funcionamento não-linearde processos que acontecem no mundo biológico. Sua aplicação à composição musicalpoderá vir a interessar àquela que lida, em especial: com modelos evolucionários;com sistemas complexos e estocásticos; com a determinação de microestruturas; coma utilização de modelos complexos na construção de algoritmos com aplicação mu-sical; e, em última análise, com a Teoria dos Conjuntos.Tentando, portanto, aplicar estas idéias à composição musical, exponho a seguir alista dos seis critérios do processo mental construída por Bateson (2002, 85-86, g.a.),para depois esclarecer alguns de seus conceitos:

1. Uma mente é um agregado de partes ou componentes em interação.2. A interação entre as partes da mente é disparada pela diferença, e a diferença é

um fenômeno não-substancial, não-localizado no espaço ou no tempo; a dife-rença está relacionada à neguentropia e à entropia, em lugar de à energia.

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3. O processo mental requer energia colateral.4. O processo mental requer cadeias circulares (ou mais complexas) de determinação.5. No processo mental, os efeitos da diferença devem ser considerados como transfor-

mações (isto é, versões codificadas) dos eventos que os precederam. As regras dessastransformações devem ser comparativamente estáveis (isto é, mais estáveis queo conteúdo), mas estão elas mesmas sujeitas à transformação.

6. A descrição e classificação desses processos de transformação revela uma hierarquiade tipos lógicos imanente ao fenômeno.

Considerando a listaInicialmente, Bateson procura estabelecer que uma mente será sempre formada porpartes menores. Para ele, não pode haver processo mental se não houver interaçãoentre partes diferentes de um sistema. As partes de uma mente podem funcionarcomo submentes, desde que preencham em si mesmas todos os critérios.O próximo conceito importante é o de diferença:

. . . para o universo material, devemos poder falar comumente que a “causa” deum evento é uma força ou impacto exercido sobre alguma parte do sistema mate-rial por uma outra parte qualquer. Uma parte age sobre uma outra parte. Em con-traste, no mundo das idéias, necessita-se de uma relação, entre duas partes ouentre uma parte no instante 1 e a mesma parte no instante 2, para ativar um ter-ceiro componente que podemos chamar de receptor. Aquilo a que o receptor (porexemplo, um órgão sensório final) responde é uma diferença ou uma mudança(Bateson 2002, 89, g.a.).

Ele entende que “a diferença que ocorre ao longo do tempo, é o que chamamos de‘mudança’” (Bateson 2000, 458) e que toda percepção de diferenças está baseada napercepção de relações. Dentro desse contexto, frisa ainda três aspectos característicosda diferença: sendo do campo das relações, pode ser considerada como não estandolocalizada no espaço ou no tempo, isto é, não-substancial e sem dimensão; sua natu-reza é qualitativa e não quantitativa; e ela está relacionada ao par neguentropia-en-tropia, ao invés de à energia.Entende ainda, que a “informação consiste em diferenças que fazem diferença” (Ba-teson 2002, 92, g.a.). Aqui, é importante destacar a hierarquia de tipos lógicos exis-tente nesta proposição, da qual Bateson sempre se utiliza para explicar as relaçõesexistentes entre mensagens e metamensagens. Sua adoção parte do problema clássicodos paradoxos lógicos. Um paradoxo lógico é uma afirmativa que comporta duas in-terpretações válidas, porém contraditórias entre si. Paradoxos deste tipo impõe umproblema a uma teoria logicamente estruturada, uma vez que podem colocar porterra sua validade. Este problema também estava expresso claramente na Teoria dosConjuntos, à época em que chamou a atenção do filósofo Bertrand Russell. Se imagi-narmos um conjunto que contenha todos os conjuntos possíveis, ele contém ou nãocontém a si mesmo? Obviamente, se ele não contiver a si mesmo, não contém todosos conjuntos possíveis, e se contiver a si mesmo, ele não contém o conjunto resultante

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disso, não sendo o conjunto de todos os conjuntos. A solução para este paradoxo en-contrada por Russell e seu colega Whitehead — que desenvolveram a Teoria dos TiposLógicos, utilizada em larga escala na Matemática e na Filosofia —, consiste em per-ceber que a proposição do paradoxo representa um erro de tipificação lógica. A classeé de um tipo lógico superior ao de seus membros e não está sujeita às mesmas injun-ções que estes. O conjunto de todos os conjuntos é uma classe, a classe dos conjuntos,e não pode ser confundida como um membro de si mesma. Bateson se utiliza nestafrase da mesma palavra — diferença(s) — para se referir a diferenças de tipos lógicosdistintos. A diferença que é percebida como informação, está para as outras diferenças,assim como a classe está para seus membros.No terceiro critério, Bateson fala de energia colateral. Exemplificando o que entendepor este conceito, coloca a si mesmo como sujeito e descreve o ato de abrir uma tor-neira:

Quando abro a torneira, meu trabalho em girar a torneira não empurra ou puxao fluxo de água. Esse trabalho é feito por bombas ou pela gravidade, cuja força éliberada pela minha ação de abrir a torneira. Eu, em “controle” da torneira, sou

“permissivo” ou “restritivo”; o fluxo da água é energizado por outras fontes. Eu de-termino parcialmente quais caminhos a água irá tomar, se ela vier a fluir. (Bateson2002, p.95)

Isso equivale a dizer que um processo mental irá necessitar de algum tipo de interaçãocom outros sistemas, para que seja mantida sua existência. Desta maneira, também,Bateson foca o entendimento na relação entre os sistemas, ou seja, na qualidade dainteração entre eles.Seguindo adiante, enfatiza que cadeias circulares de determinação podem descrevermais acuradamente os processos mentais. Argumenta que a lógica é um modelo pobrepara descrever causa e efeito. E demonstra que, ao desconsiderarmos o fator tempoem certos tipos de seqüências de causa e efeito, terminamos com respostas auto-con-traditórias, paradoxos. Um exemplo claro é o circuito do “buzzer” (zumbidor), que émontado de maneira a que uma peça de metal esteja posicionada próxima a um ele-troimã, sem tocá-lo. Essa peça funciona ao mesmo tempo como contato, para a pas-sagem de energia elétrica que irá ativar o eletroimã. Ao ser ligada a corrente elétrica,o eletroimã é ativado e atrai a peça de metal para si. Ao atraí-la, o contato é desfeitoe o circuito é quebrado. A corrente pára de chegar ao eletroimã e este pára de funcio-nar. Conseqüentemente, a peça de metal volta a seu lugar original. Em seu lugar ori-ginal, ela faz contato e fecha o circuito, colocando o eletroimã novamente emfuncionamento. Assim, o ciclo se repete enquanto a corrente estiver ligada, gerandouma oscilação, um zumbido. Ao se desligar a corrente elétrica, o sistema pára de fun-cionar. Ou seja (cf. Bateson 2002, 55):

Se o contato é feito, então o eletroimã é ativado.Se o eletroimã é ativado, então o contato é quebrado.Se o contato é quebrado, então o eletroimã é desativado.Se o eletroimã é desativado, então o contato é feito.

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Esta sequência está correta e completa, do ponto de vista da causalidade, porém, sea transpusermos para o mundo da lógica, resulta um paradoxo:

Se o contato é feito, então é quebrado.

“O se . . . então da causalidade contém temporalidade, mas o se . . . então da lógica éatemporal. Segue que a lógica é um modelo incompleto de causalidade” (Bateson2002, 55, g.a.). Por outro lado, cadeias circulares de determinação possuem, atravésdo mecanismo de retroalimentação, a capacidade de fazer com que a informação sejacarregada por todo o sistema, vindo a influenciar novamente, após passar pelos outroscomponentes da cadeia, o seu ponto de origem. Tal funcionamento acarreta meca-nismos de auto-regulação no sistema. Seu estudo, como Bateson atesta (2002, 96),tem origem na Cibernética e na análise que Norbert Wiener fez acerca da máquina avapor com mecanismo de auto-regulação de James Watt (séc. XVIII). Bateson demons-tra, então, que todos os critérios para a existência de uma mente que ele apresentaaté este ponto combinam-se para explicar os mecanismos de auto-correção e auto-organização presentes em seres vivos. E conclui que “a organização de coisas vivasdepende de cadeias circulares ou mais complexas de determinação” (Bateson 2002,96).A partir daqui, passa a argumentar que os efeitos da diferença devem ser consideradoscomo transformações ou versões codificadas dos eventos que os precederam: “. . . emtodo pensamento ou percepção ou comunicação acerca da percepção, há uma trans-formação, uma codificação, entre o relato e aquilo sobre o qual se relata” (Bateson2002, 27). Bateson argumenta que as regras para essas transformações estão elas mes-mas sujeitas à transformação, mas são invariavelmente mais estáveis que o conteúdo.Aprofundando esse entendimento, recorre à noção de tipos lógicos, que já expus an-teriormente, e ao conceito de metacomunicação. Este último estabelece que existemmensagens que definem o contexto para outras mensagens, ou seja, metamensagens.A metamensagem classifica as mensagens, ou seja, determina a que classe de men-sagens elas pertencem. Na metacomunicação, a interpretação de mensagens dependeintrinsecamente da interpretação da metamensagem. Sem o contexto estabelecidopela metamensagem, as mensagens subordinadas a ela perdem seu significado.Bateson encerra seus critérios enfatizando que a descrição e a classificação dos pro-cessos de transformação pelos quais os efeitos da diferença passam em um determi-nado processo mental, revela uma hierarquia de tipos lógicos imanente a essefenômeno. Tentarei aplicar esta noção acerca da mente a uma situação musical muitocomum, que aparece em diferentes culturas e nos mais diversos contextos composi-cionais, procurando revelar uma hierarquia de tipos lógicos imanente a ela.

Um grupo de músicos improvisando a partir de uma partituraÉ importante destacar, que na situação imaginária que me propus, não falo de umaidéia limitada de partitura. Olhando a partitura de um ponto de vista mais abrangente,distanciado da definição historicamente construída, para acercar-me de uma que olha

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para sua finalidade mais geral, posso pensar nela como: um mapa para a performancede uma peça musical específica.Tal mapa pode ser apresentado de diversas formas: como uma partitura tradicional(p.ex., Lontano, Ligeti), uma partitura gráfica (p.ex., December 1952, Brown), umtexto (p.ex., Aus den Sieben Tagen, Stockhausen), etc. Indo para além da música deconcerto ocidental, posso considerar que uma idéia tradicional de como deve se de-senvolver uma determinada peça musical, também pode ser vista como um mapapara a sua performance. Seria o caso de: um raga indiano, um tipo estabelecido deimprovisação no jazz, etc. Para fins deste trabalho, também é importante ressaltarque esse mapa é sempre a criação de um outro sistema, com seus processos mentais.Vale ressaltar também, que para Bateson o problema da delimitação de uma menteindividual depende sempre intrinsecamente do fenômeno que pretendemos entenderou explicar (Bateson 2000, 464). Ao olharmos para um fenômeno com característicasmentais, nossa descrição passará a envolver o circuito em que as diferenças viajampelo sistema e:

Nossa explicação (para determinadas finalidades) irá rodar e rodar dentro dessecircuito. Por princípio, se se quer explicar ou entender qualquer coisa em com-portamento humano, sempre se estará lidando com circuitos totalizados, circuitoscompletos. Este é o pensamento cibernético elementar.O sistema cibernético elementar, com suas mensagens em circuito é, de fato, aunidade mais simples de uma mente; e a transformação de uma diferença viajandoem um circuito, é a idéia elementar. Sistemas mais complicados talvez mereçammais serem chamados de sistemas mentais, porém, essencialmente, é disto queestamos falando. (. . .)(. . .) A maneira de delinear o sistema é desenhar a linha limítrofe de tal modo quenão se corte nenhuma dessas vias de uma forma que deixe as coisas inexplicáveis.(. . .) E adicionalmente (. . .), penso que é necessário incluir as partes relevantes da me-mória e de “bancos” de dados. Afinal de contas, pode-se dizer que o circuito ci-bernético mais simples tem memória de um tipo dinâmico — baseado não emarmazenamento estático, mas na circulação da informação dentro do circuito (Ba-teson 2000, 465).

Sendo assim, aterei minha descrição às interações entre os músicos do grupo de im-provisadores e destes com a partitura que os guia. Não incluirei os aspectos das inte-rações dos músicos com a platéia, com o espaço de apresentação, etc. Este recorte dofenômeno se mostra adequado para minha análise tomando por base o pensamentode Bateson.Em minha situação imaginária, um grupo, com um número qualquer de músicos,improvisa em conjunto, em qualquer estilo e com qualquer tipo de instrumento. Segueuma partitura que guia a improvisação. Os músicos estão instruídos a responder demaneira musical ao material sonoro trazido à improvisação. Logo que iniciam, estãoouvindo uns aos outros, respondendo àquilo que os outros tocam e trazendo materialnovo ao conjunto, inspirados pelo que a partitura sugere ou solicita. Este tipo de in-

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teração implica em ouvir o resultado da improvisação do grupo e abstrair do todoidéias musicais que faça sentido seguir. Estas devem ressoar na idéia pessoal do quedeve ser tocado naquele contexto específico e, ao mesmo tempo, estar de acordo comos limites colocados pela partitura. Os músicos ouvem atentamente e tocam com rigor,ao mesmo tempo; ou seja, há uma intensa e refinada atividade mental e física, comtodo tipo de atenção presente. Próximo a um limite anteriormente combinado, a im-provisação termina.O que estou descrevendo aqui são os processos de transformação que ocorrem na im-provisação guiada por uma partitura. Minha opção é por uma descrição geral, queenglobe diferentes possibilidades de grupos e situações, evitando me ater, proposita-damente, a detalhes estilísticos, de gênero, etnomusicais, técnicos, etc. Obviamente,os argumentos aqui colocados devem poder ser aplicados a casos específicos, quelevem em conta os aspectos deixados de lado em minha observação ou não poderãoatestar sua validade e utilidade.

Como a situação satisfaz a todos os critériosA partir de agora vou tentar mostrar como a situação descrita satisfaz a todos os cri-térios do processo mental propostos por Bateson.1. Uma mente é um agregado de partes ou componentes em interação.Esta mente é formada pelos músicos e a partitura. Os músicos devem ser vistos comosubmentes do processo mental que abrange também a partitura. Este conjunto so-mente irá formar um agregado e interagir, satisfazendo o critério para que seja vistocomo uma mente, durante o ato de improvisar.2. A interação entre as partes da mente é disparada pela diferença.Para Bateson a “informação consiste em diferenças que fazem diferença”. Depois deimergir na atenção necessária para improvisar, cada um segue “uma idéia musicalque faz sentido seguir” (cf. p.9), ou seja, uma informação. As diferenças que vão cons-tituir essa informação disparam a interação existente entre os componentes do grupoe destes com a partitura, naquele momento. Como enfatizado por Bateson, minhadescrição já dá voltas pelo circuito em que as diferenças viajam pelo sistema.3. O processo mental requer energia colateral.Esta talvez seja a conclusão mais importante deste trabalho e foi crucial para meuentendimento da situação como uma mente: a partitura é a fonte de energia colateraldo sistema. Ela funciona como o fluxo de água na metáfora de Bateson, pois traz paradentro do sistema as mensagens de um outro processo mental, independente dele.4. O processo mental requer cadeias circulares (ou mais complexas) de determinação.Analisando a situação do ponto de vista que me propus, ou seja, atendo-me “às inte-rações entre os músicos do grupo de improvisadores e destes com a partitura que osguia” (cf. p.8), vejo uma cadeia circular de determinação presente em minha descrição,com os seguintes elos:

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acessar o resultado musical total;validar as idéias musicais pela partitura;contribuir para o resultado musical total.

Se qualquer um dos elos acima for retirado do processo, a cadeia será quebrada e aintegridade da improvisação guiada por uma partitura, comprometida. O sistematerá dificuldades em funcionar como uma mente ou não funcionará no todo. Paraconstatar que a improvisação não funcionaria como esperado, basta retirar uma daslinhas acima. Esta cadeia circular carrega a informação obtida de um elo ao outro,por todo o sistema. Sua recursividade é a responsável pela auto-regulação dinâmicado sistema, ou seja, faz emergir padrões. Esses padrões identificarão uma improvi-sação específica, como entidade musical obtida no tempo e no espaço, por sua sono-ridade característica. Vemos aqui em ação, também, e de forma determinante paratodo o processo, o tipo de memória dinâmica a que Bateson se refere, a partir da cir-culação da informação dentro do circuito.5. No processo mental, os efeitos da diferença devem ser considerados comotransformações (isto é, versões codificadas) dos eventos que os precederam.Uma vez observado que a informação é carregada de um elo a outro da cadeia, possoassumir que é nas relações entre eles que as transformações dos efeitos da diferençase dão. Sendo assim, temos um tipo de transformação associada a cada elo. É impor-tante lembrar a abordagem dinâmica das regras destas transformações, proposta porBateson no próprio critério (cf. p.4): elas mesmas estão sujeitas a transformações du-rante o processo, embora permaneçam comparativamente mais estáveis que o con-teúdo que por elas passa.6. A descrição e classificação desses processos de transformação revela uma hierarquia de tipos lógicos imanente ao fenômeno.Minha descrição e classificação limita-se aos fluxos de mensagens que se dão durantea improvisação em si, enquanto ela existe no tempo e no espaço. Trata-se da delimi-tação de uma mente e, portanto, procuro separar o fenômeno de tudo o que o envolvesem sacrificar sua explicação e seu entendimento (cf. p.8-9). Não se trata, de formaalguma, de uma descrição descontextualizada, que possa ser aplicada indiscrimina-damente a todas as instâncias em que estas palavras venham a surgir como símbolosde uma ação (verbos). Poderia-se até dizer, e enfatizar, que a escolha destas palavrasem detrimento de outras é pessoal e arbitrária. O que importa mais é o conteúdo des-crito, o tipo de transformação ou codificação analisada.

AcessarAcessar o resultado musical total da improvisação implica em uma codificação: abs-trair do todo idéias musicais que faça sentido seguir. Isto é o mesmo que destacar asdiferenças que fazem diferença, procurar por informação. Há uma diferença entreaquilo que soa de fato, o resultado musical total, e aquilo que é obtido como infor-mação, e é isto que queremos descrever com este processo de transformação. A cada

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momento, novas partes da informação são desprezadas e outras enfatizadas, segundotodo o processo mental em jogo. Esta transformação tem um intuito, uma finalidadedirecionada, pois parte de outras mensagens anteriores e procura por aquilo que fazsentido. O uso consciente do verbo acessar, deixa aberta a possibilidade de que a per-cepção musical se dê também através de outros sentidos, além da audição, e de outrostipos de percepção que englobam diversos sentidos (p.ex., uma percepção musicaldo gesto corporal).

ValidarA atividade de validar as idéias musicais com as quais se está lidando a partir dos pa-râmetros estabelecidos pela partitura funciona algo como um filtro: coloca sobre otodo acessado uma nova injunção, que o compara aos parâmetros que a partitura es-tabelece para o que é possível ser executado; envolve uma compreensão dos objetivosmusicais e poéticos expressados na partitura; funciona sempre em relação ao tododa improvisação; e leva em conta diferentes níveis de anseio de expressão artística doexecutante no decorrer da improvisação, bem como a forma como identifica sua par-ticipação individual no grupo. Ela se dá dentro de certos limites, colocados na própriapartitura e no contexto no qual ela se insere, e é parte do mecanismo responsável pelaauto-regulação do sistema.

ContribuirAquilo que foi acessado e validado torna-se agora energia materializada e é isto quedefine esta transformação. Através de ações musculares, o processo mental torna-seenergia presente em forma de som, gesto, etc.; torna-se diferença para a percepção,passível de ser acessada. Ou seja, o resultado musical total é renovado e fecha-se acadeia circular de determinação. Como o entendimento de um processo mental develevar em conta o tempo, percebemos que, ao contribuir, cada parte está comunicandomensagens que desvelam a forma como as transformações se deram em seu interior.Estas mensagens interagem no tempo umas com as outras e interinfluenciam-se,criando significados. A única mensagem que está acima de todas elas, regulando seufuncionamento e relações, é a da partitura.Revela-se, assim, uma hierarquia de tipos lógicos imanente ao fênomeno, ou seja, quedele não pode ser separada. Nela, a partitura, como ponto por onde flui a energia co-lateral advinda de outro sistema, é de tipo lógico superior às outras mensagens, defi-nindo seu contexto e classificando-as. Estando em uma classe superior, ela não estásujeita às mesmas injunções que as outras mensagens e pode ser identificada comouma metamensagem. De fato, toda e qualquer improvisação feita a partir de uma de-terminada partitura poderá ser identificada como pertencente à classe de improvi-sações ligadas a ela. As especificidades de cada improvisação levada a cabo, no tempoe no espaço, não tornarão inválida essa condição. Quanto melhor for a qualidade dasinterações dentro do processo mental que envolve os músicos e a partitura, mais bemdefinida estará sua identidade como obra artística.

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Conclusão e possíveis desenvolvimentosTomando por base os argumentos apresentados aqui, parece-me claro que posso con-siderar um grupo de músicos improvisando a partir de uma partitura, como sendouma mente em si mesmo. Todos os critérios propostos por Gregory Bateson foramsatisfeitos pela situação apresentada e só me resta lembrar suas palavras: “se qualqueragregado de fenômenos, qualquer sistema, satisfizer todos os critérios listados, direisem hesitação que esse agregado é uma mente”.Um estudo aprofundado do papel da partitura como ponto por onde flui a energiacolateral para o sistema e das características que contribuem para a definição da iden-tidade musical buscada pelos processos mentais do compositor, expressados atravésdela, pode ser de grande valia para a composição que se utiliza de partituras para aimprovisação guiada. Por outro lado, suponho que o caminho aberto para a análiseda partitura como metamensagem e do fluxo de mensagens em uma improvisaçãocomo a que foi descrita aqui, possa vir a esclarecer aspectos da interação entre a mú-sica e outras linguagens artísticas.

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Ciclo Portinari: um estudo sobre experiências multissensoriaisnas práticas interpretativas

Sheila Regiane [email protected]

mestre em música – ia/unesp

Resumo Este estudo propôs analisar a ocorrência de experiências multissensoriais nas práticasinterpretativas utilizando como objeto de estudo o Ciclo de Portinari, um conjunto deoito canções para vozes femininas (soprano e mezzo soprano) e piano, do compositorJoão Guilherme Ripper (1959-), com textos por Cândido Portinari (1903-1962). Con-siderando a interação entre os textos literário e musical, típica do gênero “canção”, eas relações sensoriais decorrentes da escuta e interpretação musicais diante de apro-ximações com as artes visuais verificadas no estudo, a intenção foi investigar o tra-tamento musical que o compositor deu aos textos do artista, identificar os elementosmusicais utilizados para reforçar o sentido do texto e revelar possíveis contribuiçõespara a interpretação musical na transmissão desses elementos ao público, por meiode leituras e análises dos textos literários, visuais e musicais, demonstrando a ocor-rência de experiências multissensoriais justificadas por conceitos de interdisciplinari-dade e/ou sinestesia.

Palavras-chavecanção – interdisciplinaridade – sinestesia

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Introdução: apresentação do tema, objetivos e método

Tornam-se cada vez mais freqüentes relatos de ouvintes, estudantes de música e atéde músicos profissionais sobre experiências sonoras envolvendo a prática musical.Chamamos de multissensorial aquela experiência sonora que envolve outros órgãosdos sentidos, não apenas a audição. A ocorrência de sons coloridos, sons com formas diferentes e intensidades luminosassugerem capacidades neurocerebrais importantes que geram vivências muito parti-culares e definidas como subjetivas e individuais.A possibilidade da ocorrência de experiências multissensoriais é reforçada pela idéiade que escuta e/ou apreciação musicais evocam na memória, seja do ouvinte ou dointérprete, imagens e sensações. E então os órgãos dos sentidos se comunicam parafavorecer esta percepção. Sendo assim, compositores e artistas, em suas diversas produções podem levar os in-divíduos que apreciam suas obras a tais experiências, de maneira intencional ou não,apenas pela forma como tratam os elementos fundamentais de seus trabalhos. A interação entre os elementos verbais e não verbais de uma canção, por exemplo, jános daria uma imensa gama de sugestões para experiências multissensoriais. Aindamais, quando um compositor faz uso de textos com grande potencial imagético é pos-sível alcançar uma experiência na qual seja presente a interrelação entre som e ima-gem, música e arte visual, canção e poesia. Diante de tantas associações e interações é que o Ciclo Portinari, de João GuilhermeRipper, obra composta de oito canções para vozes femininas (soprano e mezzo so-prano) e piano, escrita especialmente para as comemorações do centenário de Can-dido Portinari, no ano de 2003, foi utilizada neste estudo.Observando-se o objeto de estudo em questão, por meio da escuta musical, pode-seapreender algo de extramusical presente na composição, algo que ultrapassa a fron-teira do puramente musical para sugerir imagens e sensações. O compositor em ques-tão fez uso de textos produzidos pelo eminente artista ítalo-brasileiro adotandoelementos de linguagem musical, tanto nas linhas vocais quanto na linha pianística,ressaltando as sugestões imagéticas do texto literário, no sentido de alcançar o públicode maneira multissensorial.O objetivo do estudo foi identificar quais elementos verbais (texto literário) e não ver-bais (artes visuais e música) presentes na obra confirmam esta idéia; quais as possíveisrelações entre os elementos de linguagem verbal e linguagem musical; quais trata-mentos musicais, forma e estrutura, foram dados pelo compositor; e ainda, como ainterpretação musical pode favorecer ou reforçar essas possíveis sugestões imagéticasao comunicar estes elementos ao público. É preciso considerar o papel do intérprete como uma atividade de grande relevância:ele não apenas interpreta um texto musical, expressivo e dotado de características

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próprias, definidas pelo contexto histórico, mas também atua e traz à realidade sen-timentos e sensações impressas num texto verbal, construindo relações imagéticaspor meio dos sons, as quais podem provocar nos ouvintes reações diversas, seja elecantor ou pianista, em se tratando de canção. Neste sentido, o texto enquanto imagemliterária é uma motivação para o compositor e desencadeia o processo criativo.Nas palavras de Ripper:

(…) minhas canções têm textos próprios ou de outros poetas. O poema tem queme mover para que eu crie a música ou o processo fica inverso: crio a música evou buscar as palavras que lhe sejam próprias. No final, o resultado tem que ser omesmo: uma estreita relação entre música e texto. O mesmo se dá com o acom-panhamento, que nunca tem um papel subjacente e por isso, tem que interagircom o (a) cantor(a) no mesmo plano sonoro. O piano comenta o texto cantadocomo um outro personagem, reforçando ou contradizendo a mensagem. Geral-mente minhas texturas pianísticas são homofônicas e contrapontísticas ao mesmotempo. Há, assim, outras vozes que devem ser ressaltadas pelo pianista. Natural-mente, cabe ao cantor ou à cantora a veiculação do texto, da melodia. (Entrevistaconcedida por Ripper, em 06 de maio de 2007).

E ao identificar, por meio da análise, os elementos de linguagem verbal e de linguagemmusical presentes na obra, verificou-se a possibilidade da multissensorialidade, bemcomo um elo musical entre as artes musicais e as artes visuais proposto pelo compo-sitor. Para compreender tal elo entre a obra musical e as artes visuais, no sentido de oferecermeios de compreensão do repertório musical em questão, no qual a interpretaçãofuncione como um intensificador dessa relação foram utilizados conceitos como in-terdisciplinaridade e sinestesia.Por interdisciplinaridade entende-se a relação de reciprocidade entre os diversos cam-pos de conhecimento, na qual essa interação proporciona uma compreensão maisglobalizada e abrangente do conhecimento humano (Fazenda 2003, 75). Já Sinestesiaé o nome geralmente dado para dois conjuntos (ou “complexos”) de estados cognitivosrelacionados (Robertson e Sagiv 2004, 12). Entende-se como sendo um fenômenoneurológico em que os sentidos se comunicam para perceber uma mesma manifes-tação.Neste trabalho, a sinestesia pode ser compreendida tanto do ponto de vista ar-tístico, aproximando-se da interdisciplinaridade, como pelo aspecto neurológico.Assim sendo, há um eixo filosófico que sustenta esta idéia, baseada na fenomenologiade Merleau-Ponty, pois para o filósofo todos somos sinestésicos. Segundo a pesqui-sadora Yara Casnok,

Longe da idéia de lidar com a unidade do múltiplo, com a solidariedade dos órgãosque regulam o equilíbrio e asseguram o funcionamento do todo, como faz a ciência(corpo/máquina ou corpo/sistema), a fenomenologia propõe pensar a sinestesiaa partir da totalidade do vivido. Ao mesmo tempo, o objeto não é percebido comoum produto da síntese, na qual as equilavências sensoriais tenham sido efetuadas:ele se oferece como uno, antes de ser submetido ao exame dos vários sentidos. Acoisa deve sua unidade ao seu pertencimento à camada original do sensível, antes

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que se definam as diversas qualidades que solicitarão os diferentes sentidos (2003,128-129).

Desta maneira, investigando a interrelação entre as artes e entendendo a interpretaçãoenquanto meio de expressão, leitura e vivência do objeto artístico, promove-se a cons-trução de saberes significativos para o meio acadêmico, buscando a apreciação mu-sical em diferentes níveis sensíveis. Neste sentido, o método empregado neste estudo foi baseado no levantamento bi-bliográfico de trabalhos já realizados sobre o assunto que possibilitaram o aprofun-damento das idéias propostas e estudos analíticos a respeito do objeto de estudorealizados por meio da leitura da obra, contexto histórico no qual se insere a produçãoe sua interpretação.

Resultados alcançados

1. Interrelações entre as linguagens artísticas.Ao analisar o Ciclo Portinari em seus elementos no sentido de ressaltar neles a ocor-rência de experiência multissensorial, pode-se observar que o texto literário possuium potencial imagético, referindo-se a descrições de cenas ou narrativas que remetemàs memórias do autor e descrições estas que correspondem às mesmas que dão vidaàs suas pinturas e desenhos, em suas cores e luzes. Portanto, está presente a relaçãoentre o texto literário e os trabalhos de artes visuais produzidos pelo mesmo, comopode-se verificar, por exemplo, no trecho a seguir:

As viagens de trem foram as melhores.Olhando as árvores, as casas, os animais eOs fios telegráficos, ia sonhando.As paisagens e seus habitantesVistos dali pareciam contentes…Tudo endomingado. Apreciava oRuído do trem. Nas paradas, nasPequenas estações, lá estavam osMendigos, cegos ou sem perna, osMeninos apregoando alguma coisa e asFilhas do chefe vendendo café emUma janela. Mocinhas nascidasAli, ansiosas por respirar outrosAres. Tristes mas esperançosas.Talvez seus sonhos se realizassem…O sonho era um príncipe. Ele nãoViria. Elas seriam logradas, masEra bom morrerSonhando com o príncipe.

(“O menino e o povoado”, Poemas Portinari, 21.)

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No texto musical, por sua vez, o compositor faz uso de determinados elementos queacabam reforçando este potencial imagético presente no texto, tais como forma, quesegue a do próprio texto literário; padrões rítmicos que dão a idéia de movimento ourelaxamento e por vezes descrevem meios de locomoção e efeitos, tessituras que de-signam o próprio espaço e seus planos, a distância e a proximidade entre o enunciadore o ouvinte, centros tonais variados para indicar mudanças de ambientes ou cenas,tempo presente ou passado, timbres (vocais e pianístico) para acentuar ou discriminarmomentos específicos na obra. Tais idéias sugerem a existência de possíveis associações entre imagem e som, bemcomo a percepção simultânea destas por meio dos sentidos, sejam essas associaçõesestimuladas, intencionais ou involuntárias no processo de estudo e apreciação do fe-nômeno artístico, qualquer que seja ele. Como exemplos, temos:

Figura 1 – As viagens de trem. Compassos 1-3.

Figura 2 – As viagens de trem. Compassos 6-9.

Associações como estas já haviam sido enumeradas no século II, e foram intensa-mente realizadas por artistas plásticos, poetas e músicos dos séculos XIX e XX quevêem como produto uma obra que propicia uma experiência ou apreciação multis-sensorial. Segundo Jorge Antunes,

A associação entre som e cor é uma tendência humana cuja evidência se manifestadesde há muito tempo. Assim, enquanto em Pintura se fala de tom, timbre, har-monia, — expressões tiradas da Música — nesta se fala de cromatismo, coloratura,

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colorido (orquestral) — termos próprios à Pintura (Antunes 1982, 9). 47Artistas como Wassily Kandinsky (1866-1944), Arnold Schoenberg (1874-1951), Ale-xander Scriabin (1871-1915) e Nicolai Rismky-Korsakoff (1844- 1908), entre outros,procuraram em seus trabalhos essa associação ou proximidade entre as linguagensartísticas, especialmente as artes visuais e as musicais. Eles eram estudiosos destasmanifestações artísticas por acreditarem numa idéia de arte global/monumental ouainda no conceito de arte total (Gesamtkunstwerk), bem como na reciprocidade deseus conteúdos e conceitos na qual todos os sentidos fossem estimulados e solicita-dos.Muitas foram as formas de aproximação entre as linguagens artísticas e a asso-ciação entre sons, cores e até mesmo cheiros. Desde a simples atribuição de cores àsobras de grandes compositores até o desenvolvimento de instrumentos de cores es-tabelecendo relação entre as freqüências do som, timbres e cores, o uso de termoscomuns às artes visuais e à música (forma, movimento, ritmo, cromatismo, tonali-dade) para justificar ou fundamentar uma obra abstrata, por exemplo, ou ainda, comoa música inspirava a pintura e vice-versa.Segundo Bosseur,

Conduzidos por um impulso espiritual que visava uma espécie de retorno à uni-dade original da criação artística, pintores e músicos foram levados, particular-mente a partir do período romântico, a recusar a separação das artes, julgadaarbitrária, e a interrogar-se sobre a analogia das sensações visuais e sonoras. Estaaspiração responde à concepção de obras polissensoriais ou exprime-se na vontadede uma fusão entre várias práticas a fim de chegar à obra de arte integral (Bosseur1998, 9-10).22

As discussões sobre obra de arte total na qual a integração de várias linguagens ar-tísticas seja um ideal a ser atingido como forma de expressão integral do indivíduo,podem gerar entendimentos vários sobre a necessidade ou não de uma fusão entreas artes, bem como o reconhecimento das especificidades que cada linguagem trazconsigo. Para Kandinsky, “cada arte ao se aprofundar fecha-se em si mesma e separa-se. Mascompara-se às outras artes, e a identidade de suas tendências profundas as leva devolta à unidade.” (Kandinsky 2000, 59) Com isso ele defende a identidade da lingua-gem artística de forma que nenhuma pode tomar o lugar da outra, propondo a uniãodelas com o desejo de ver surgir a verdadeira arte monumental, bem como diversasformas de apreciação.Diante disso, na busca por essa combinação das funções sensoriais nas artes, não hácomo se falar numa padronização de experiências, uma vez que em cada período his-tórico, as várias teorias tentaram explicar e justificar os processos perceptivos na cria-ção e apreciação de uma obra.Além disso, essa experiência multissensorial dependerá do repertório imagético e so-noro que cada receptor possui, bem como das vivências e experiências que ele trazconsigo e que definem sua capacidade perceptiva sobre as coisas.Numa abordagem fenomenológica podemos citar Merleau-Ponty que nos diz:

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Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visãominha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência nãopoderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vi-vido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seusentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência domundo da qual ela é a expressão segunda. A ciência não tem e não terá jamais omesmo sentido de ser que o mundo percebido, pela simples razão de que ela éuma determinação ou uma explicação dele (Merleau-Ponty 1999, 3-4).

Em outras palavras, a relação do espectador com a obra será marcada pela percepçãoque o mesmo possui a respeito desta obra, pela unidade entre os sentidos que interligao espectador ao mundo e o mundo ao espectador, considerando suas vivências e co-nhecimentos obtidos, e construindo novos conhecimentos.

2. Interrelação por interdisciplinaridadePor interdisciplinaridade, etmologicamente e por justaposição, podemos entendercomo sendo relação entre disciplinas (inter + disciplinaridade). Porém, o conceito ébem mais amplo e advém da idéia de disciplina como conjunto de conhecimentos es-pecíficos sobre algo, guardando características próprias em matéria de ensino, for-mação, métodos e materiais. Ao pensar as linguagens artísticas como disciplinasdistintas, evocamos conceitos de codisciplinaridade nos quais um conjunto de con-cepções nos permite unificar o conhecimento das diversas disciplinas mantendo aoriginalidade de cada uma delas (Pombo 1994, 92).Sendo assim, enquanto disciplinas, as artes visuais, competentes para expressar tudoquanto relativo ao “visual”, e a música para expressar o “sonoro”, mesmo sendo recí-procas, mantém suas características próprias permitindo a interrelação entre seuselementos fundamentais e a conseqüente produção de novos conhecimentos, basea-dos nos fenômenos perceptivos respectivos a esta relação. Para este tipo de atividade disciplinar, do ponto de vista da exploração científica, dá-se o nome de interdisciplinaridade. Segundo Olga Pombo, o prefixo inter indica nãoapenas pluralidade, justaposição mas também um espaço comum de coesão dos sa-beres, o que supõe abertura de pensamento na busca por novos conhecimentos frutosdessa coesão. (Pombo 1994, 93). É, de acordo com vários teóricos, o intercâmbiomútuo e integração existente entre as disciplinas, propiciando um enriquecimentorecíproco. A interdisciplinaridade elabora uma síntese de métodos e aplicações, bus-cando um conhecimento novo advindo dessa coesão.Sendo assim, as linguagens artísticas encontram um lugar para o confronto e a inte-gração de seus conteúdos, no qual o indivíduo atua na obtenção de um conhecimentoespecificamente novo sobre algo, especialmente a obra de arte, resultado da fruição,da reflexão e compreensão da experiência vivida. Esse lugar é o da interdisciplinari-dade: uma compreensão mais ampla nos vários setores do conhecimento. Nesse sen-tido, as linguagens artísticas são também, além de disciplinas, expressão ecomunicação estabelecidas entre um emissor que é o autor, o intérprete e o receptorque é o leitor/ouvinte/espectador.

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Os artistas do século XX que transitavam entre os vários meios de manifestação ar-tística, sejam pintores, escritores ou músicos, no desejo de produzir novos conheci-mentos sobre a interrelação destas disciplinas, buscaram experimentar as formas deassociação entre sons e cores, não apenas com o objetivo multissensorial, mas pelanecessidade de transpor os limites formais e estéticos da produção artística, numaintegração entre as linguagens que lhes eram comuns.E mesmo quando a experiência multissensorial não foi o objetivo central de uma pro-dução artística, a interrelação entre as linguagens artísticas ocorreu pela intenção dosartistas em produzir obras de arte que utilizavam elementos das diversas manifesta-ções de arte. Isso demonstra que se assim o fazem, fazem por meio de uma ação in-terdisciplinar, no qual os conteúdos dessas linguagens foram utilizados para romperconceitos e transpor limites, criando uma arte libertária e transformadora, tanto parao criador quando para o indivíduo espectador. Em se tratando do Ciclo Portinari, havendo elementos de linguagens artísticas diver-sas, fundidos numa mesma obra, há também a possibilidade do surgimento de novasconcepções no que se refere ao momento da apreciação e da leitura, justificando asvariadas experiências multissensoriais. Diante disso, tal experiência, pretendida ou não numa determinada obra de arte éplenamente possível se justificada pela ação interdisciplinar na qual o indivíduo dia-loga com o autor, com as diversas formas de compreensão desta mesma obra, va-lendo-se dos conhecimentos que várias disciplinas possam oferecer. Também omomento da criação é interdisciplinar se o artista utiliza conhecimentos de outraslinguagens para realizar a sua obra de arte que se torna o objeto de fruição peloleitor/ouvinte/espectador. E por último, o intérprete, após realizar sua leitura da obrade arte, também comunica sua experiência numa ação interdisciplinar e a partilhacom o receptor.

3. Interrelação por sinestesia Ao buscar uma compreensão para o que seja experiência multissensorial observa-seque ela se apresenta como uma experiência em que vários sentidos são solicitadose/ou estimulados. E sendo assim, esse tipo de experiência pode ocorrer em todo tra-balho artístico que se utiliza das diversas linguagens relacionadas a cada um dos sen-tidos, como os trabalhos que se enquadram no conceito de obra de arte total, porexemplo, justificados pela ação interdisciplinar, como já exposto. Nestes casos há umaunião de várias linguagens, sem que percam suas qualidades, na expectativa da mul-tissensorialidade.Porém, há um tipo específico de experiência multissensorial no qual um fenômenoperceptível por um determinado sentido se faz perceptível por meio de outro sentido,também. Ou seja, há uma colaboração entre os sentidos na percepção de algo, invo-luntária e simultaneamente, de forma aditiva e não excludente. Para isto se dá o nomede sinestesia. Termo de origem grega significa união de sensações (sin= união + aes-thesis = sensação).

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A sinestesia, numa abordagem neurofisiológica, é descrita por alguns estudiosos,como Simon Baron-Cohen, como sendo uma disfunção neurológica (Robertson eNoam 2004, 6), o que justificaria a utilização de uma terminologia médica quase de-preciativa, como os termos “padecer”, “desequilíbrio”. Por outros, é considerada apenasuma propriedade ou habilidade cerebral no qual um sentido evoca a função de outro,na percepção de um mesmo fenômeno e que está presente em todos desde o nasci-mento, manifestando-se na fase adulta em apenas uma porção da população, aquelaque admite ser portadora, cerca de 0.05%, segundo Noam Sagiv (2005, 3).A psiquiatra Daphne Maurer acredita que as conexões cerebrais no desenvolvimentocognitivo ocorridas nos primeiros três meses de vida do recém nascido são manifes-tações sinestésicas e que, portanto, todos os indivíduos vivem experiências sinestési-cas. No que concordam outros pesquisadores, porém demonstrando que muitosperdem essa propriedade com o tempo (Maurer apud Baron-Cohen 1997, 225).Segundo Vilayanur Ramachandran (2003, 52-53), pesquisador da Universidade daCalifórnia no Departamento de Psicologia e Ciência Cognitiva, a razão pela qual a si-nestesia ocorre, do ponto de vista neurofisiológico, é explicada pelo resultado da ati-vação cruzada nas várias regiões do cérebro, pela sua proximidade, ocorrendo oentrecruzamento das conexões cerebrais, bem como das funções sensoriais. Ainda de acordo com Noam Sagiv, a compreensão da sinestesia abrange e facilita oentendimento do funcionamento normal de aspectos importantes da cognição hu-mana, como a percepção, a atenção, a memória e o pensamento, entre outros. Se-gundo Sagiv,

No contexto da ciência cognitiva, a compreensão da sinestesia envolve não só do-cumentar o fenômeno, mas também perguntar-nos o que ele nos diz sobre a cog-nição normal. Deve estar claro já agora que a sinestesia dis respeito a muitosaspectos importantes da cognição humana: percepção e atenção, consciência, me-mória e aprendizagem, linguagem e pensamento e, finalmente, desenvolvimento(Sagiv 2005, 5).

Também o pesquisador Sean Day, enquanto sinesteta, que estuda o fenômeno e man-tém uma lista de sinestetas no mundo todo, catalogou mais de 60 tipos de sinestesiaque combinam dois ou mais sentidos (in http://home.comcast.net/~sean.day/html/types.htm).Algumas características mais comuns da sinestesia são, por exemplo, o caráter gené-tico e, em geral, a manifestação em vários membros de uma só família. A sinestesiaé automática e involuntária. Também não pode ser aprendida e, normalmente, é du-rável e permanente sendo ligada à memória e às emoções. Ela é projetada e sentidano entorno corporal. Os sinestetas podem também apresentar uma memória superioraos demais e, em alguns casos, dificuldades no raciocínio matemático e na orientaçãoespacial. E ainda, a sinestesia pode ser congênita ou adquirida, provocada por pato-logias e acidentes cerebrais ou ainda ocorrer por efeito do uso de drogas e substânciasalucinógenas (Basbaum 2002, 32).Em se tratando destas características convém expor a série de abordagens e classifi-

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cações a que o termo é submetido. Segundo o pesquisador Sérgio Basbaum, as abor-dagens mais comuns a respeito do termo são: a) as de caráter neurológico que consi-dera a sinestesia constitutiva ou patológica e as discussões perceptivas das associaçõesde modalidades sensórias; b) as do ponto de vista artístico e todas as tentativas, desdeo Renascimento até o momento presente, visando à combinação dos diversos sentidosna apreciação das obras de arte; c) as dos próprios depoimentos de sinestetas, sejamnatos ou pelo uso de substâncias psicoativas; d) a sinestesia como figura de linguagem(2002, 25-26).Basbaum também cita a classificação proposta por Baron-Cohen e Harrison na qualexistem duas categorias distintas, a sinestesia e a pseudo-sinestesia. A sinestesia incluios casos de sinestesia constitutiva que é aquela em o indivíduo nasce com ela e de ca-ráter neurológico; a sinestesia adquirida por disfunção neurológica de caráter pato-lógico e a sinestesia em conseqüência do uso de substâncias psicoativas. Comopseudo-sinestesia seriam compreendidas a metáfora sinestésica na qual os trabalhosde arte possuem signos relativos a outra modalidade sensória, e a associação na quala sinestesia é treinada e influenciada culturalmente. Esta categoria poderia se apro-ximar do conceito de interdisciplinaridade, verificada a fusão de informações e con-teúdos (2002, 27).Na fenomenologia de Merleau-Ponty as sensações e a percepção são postulados fun-damentais e por meio deles é possível a compreensão na existência e na comunhãoentre os indivíduos e o mundo, para a construção do conhecimento e da consciênciadas coisas. Segundo Casnok a “sensação e o sentir são uma modalidade da existência e nãopodem, por isso, se separar do mundo”. Para ela,

No sentir, não há diferença entre sensação e percepção. A sensação não é um pri-meiro estágio da percepção, um ato inaugural do conhecimento e ela não procedede atos de uma consciência da qual o analista pode desembaraçar os fios inten-cionais — ela pertence ao mesmo tempo ao sentiente (aquele que sente) e ao sen-tido, ao corpo e ao mundo (2003, 123).

Seguindo a máxima de Merleau-Ponty, de que “o visível é o que se apreende com osolhos, o sensível é o que aprende pelos sentidos” (1999, 28), ao considerar o sensível,verifica-se que os órgãos dos sentidos e suas funções são vistos como uma modalidadede ligação entre o indivíduo e o mundo, na qual um sentido solicita o outro.Sendo assim, o sensível constitui os sentidos e ao se admitir a unidade do sentir, todospodemos ser sinestésicos. De acordo com Casnok,

Se se admite uma unidade primordial do sentir e uma indiferenciação tambémprimordial do sensível, o termo sinestesia perde sua função restritiva de qualificarapenas alguns seres humanos dotados dessa capacidade: para a fenomenologia,todos somos potencial e ontologicamente sinestésicos (2003, p. 128).

É por isso que as experiências do indivíduo no mundo, enquanto ser e em relação àscoisas e ao mundo, são valorizadas. Nestes termos, a experiência multissensorial seriainerente ao indivíduo, sendo justificada por meio da sinestesia, tanto como fenômeno

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neurológico, respeitando-se a capacidade individual determinante para experiênciasabsolutamente diferenciadas e involuntárias, quanto no sentido filosófico que justificaa abordagem artística, aproximando-se do conceito de interdisciplinaridade, seja qualfor a acepção que o termo sinestesia assuma.Diante destes dados e segundo informações disponíveis no sítio eletrônico mantidopor Sean Day (http://home.comcast.net/~sean.day/html/types.htm), compositorescomo Rimsky-Korsakov, Amy Beach, Jean Sibelius e Olivier Messiaen seriam consi-derados sinestetas por suas experiências e o desenvolvimento de métodos ou instru-mentos musicais com finalidades sinestésicas. Outros seriam consideradospseudo-sinestetas, como Kandinsky, Paul Klee e Scriabin por realizarem associaçõesentre som e cor independentemente da real ocorrência dos processos sinestésicos,para influenciar nos indivíduos sensações correspondentes.Em entrevistas com o compositor João Guilherme Ripper, ele faz menção à intençãopela sinestesia na interrelação entre texto / música, por meio de significados queemergem do texto, numa abordagem artística. Ele acolhe a idéia de que as influênciashistóricas ajudam a consolidar esses significados, e o uso dos diversos elementos delinguagem musical também sofrem influência dos contextos culturais. Quando per-guntado sobre sinestesia ele assim explicou:

A resposta passa obrigatoriamente pelas sugestões sensoriais que o compositorprocura induzir através de sua música, incapaz de definir qualquer coisa por si só,mas que na companhia do poema são claramente reconhecidas. Acredito, também,que determinados gestos melódicos e harmônicos, por sua larga utilização no de-correr dos últimos 300 anos, já tenham se cristalizado em significados mais oumenos convencionados, como as expressões de “noturno”, tristeza, amor, religio-sidade, etc. (Carta do compositor, 10 abr 2010).

Assim, Ripper poderia também, de acordo com este estudo, ser incluído no grupo depseudo-sinestestas por pretender a sinestesia, numa abordagem artística, sem quenecessariamente a mesma ocorra em termos neurológicos.

Conclusões O estudo sobre o Ciclo Portinari nos trouxe informações concretas sobre as algumasformas de interrelação entre as linguagens artísticas promovendo experiências mul-tissensoriais, envolvendo a mente e a produção musical. Enquanto intérprete, o conjunto de sensações e imagens pode induzir a uma perfor-mance específica, apoiada numa percepção simultânea dos já mencionados elementos.Porém, isso não exime o intérprete de ater-se ao estudo dos outros elementos pre-sentes na obra para uma performance mais eficaz, pois a sinestesia, na abordagemneurológica, não pode ser padronizada, visto que são muitos os tipos de sinestesia jácatalogados, cada qual gerando experiências variadas, e nem tampouco garante outrosaspectos da interpretação necessários à sua adequada produção.Seguindo a idéia de sinestesia artística, fundamentada pela fenomenologia de Mer-

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leau-Ponty, considerando o sensível como anterior à função dos órgãos dos sentidos,como aquilo nos une ao mundo, podemos todos nos considerar sinestetas e então,apropriar-nos de toda e qualquer informação que seja útil à interpretação. Por isso,as informações advindas deste estudo podem colaborar com novas idéias sobre a lei-tura e o estudo de uma obra, bem como sua comunicação ao público. Especialmente quando artistas pretenderam com seus trabalhos a ocorrência de ex-periências multissensoriais, eles assim o fizeram seguindo critérios diversos, deacordo com suas vivências e seus repertórios, fossem imagéticos ou sonoros e in-fluenciados pelo contexto cultural e histórico. Ao verificar como o leitor/ouvinte/in-térprete poderia vivenciar essa multissensorialidade observamos que para cada qualexiste uma experiência própria, seguindo os mesmos pressupostos.A questão é que para os que apresentarem características neurologicamente consi-deradas como sinestésicas estes terão experiências definidas por essa propriedadeneurocerebral. A sinestesia enquanto figura de linguagem ou tentativa de aproximaçãoartística, fundamentada fenomenologicamente e aproximando-se do conceito de in-terdisciplinaridade, propicia a todos a multissensorialidade. Na medida em que são analisados os elementos de linguagem verbal, os significadosque emergem do texto são essenciais ao intérprete para construção de sua perfor-mance e ao realizar a leitura deste mesmo texto deve conduzir ao estabelecimentodas linhas melódicas que surgem por meio do ato criador do compositor. E se o texto contiver, ainda, elementos de caráter pictórico tanto melhor poderá seresta interpretação baseada no conteúdo imagético e narrativo do mesmo, podendo ointérprete não só comunicar esses elementos musicalmente, mas construindo cenase ambientes propícios em sua comunicação com o público. Desta relação com o pú-blico poderá surgir toda a gama de possibilidades multissensoriais disponíveis aosouvintes, podendo desfrutá-las de acordo com suas referências e repertório imagé-tico-sonoro. O momento da fruição artística torna-se o lugar da experiência multis-sensorial tanto para o intérprete quanto para o ouvinte.Os elementos de linguagem musical analisados trazem os procedimentos composi-cionais adotados e, ainda que descritivamente, podem conduzir o intérprete a umaatuação expressiva de acordo com as indicações de dinâmica, movimentos nas linhasmelódicas, acompanhamento pianístico, forma e centros tonais. As intenções do compositor podem ser justificadas pela ação interdisciplinar, quandoconsiderada a fusão entre as linguagens artísticas (texto, imagem e música) para ob-tenção de um novo conhecimento ou experiência, ou pela sinestesia. Assim as experiências multissensoriais ocorrerão tanto numa abordagem artísticaque se aproxima da interdisciplinaridade e na qual a sinestesia é voluntária e cons-ciente dos elementos contidos na obra de arte, quanto na abordagem neurológica naqual a sinestesia é involuntária e determinada por propriedades neurocerebrais liga-das à percepção e memória, específicas para cada indivíduo que as possua. Ao considerar as especificidades dos indivíduos no momento da apreciação, respeita-

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se a multiplicidade das experiências advindas e valoriza-se o repertório imagético esonoro que os mesmos possuam de acordo com seus contextos e vivências, sejam ounão desencadeados por processos sinestésicos de ordem neurológica.Sendo assim, observa-se que qualquer que seja a justificativa e a intenção dos artistasna suas produções artísticas a experiência multissensorial advinda dessas produçõesé plenamente possível, baseada na interdisciplinaridade e/ou sinestesia.O Ciclo Portinari, por sua riqueza de imagens sugeridas tanto pelo texto literário, umavez baseado em pinturas e desenhos do artista-escritor, quanto pela música cujo com-positor reconheceu tal potencial imagético e deu o tratamento adequado para que setornasse uma verdadeira experiência multissensorial, é uma obra para ver, ouvir esentir.

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O processo de emissão do som na clarineta e a geração de memória muscular: aplicabilidades no ensino e performance

Cristiano [email protected]

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo O presente trabalho se dedica à tarefa de discutir o processo de emissão do som naclarineta, enfocando a perspectiva da geração de memória muscular. Será exposto oconceito de modelagem sonora — proposta original deste autor —, baseado em parâ-metros que estabelecem vínculos com processos de retroalimentação auditiva e visual.São freqüentes as menções de pesquisadores à idéia de que ocorre um processo dememorização muscular quando da ação prática musical. A produção do som na clari-neta envolve inúmeras ações físicas e musculares relacionadas a partes do corpo quenão são visualizadas diretamente, como cavidade bucal interna, língua, porção labialem contato com a palheta, entre outras. A ação do diafragma, bem como da gargantae de todos os elementos supracitados, são de fundamental importância no referidoprocesso. Entendê-los de forma abrangente pode agregar imenso valor à performancee didática musicais.

O processo de produção do som em instrumentos de sopro e, especificamente na cla-rineta, carece de maior aprofundamento no que tange a elaboração e difusão de es-tudos mais concretos e abrangentes. Serão expostos paradigmas variados nesta seara,envolvendo situações relativas ao que será tratado como “sensação muscular”. A efe-tiva percepção desta sensação muscular envolvida na prática musical conduzirá à ge-ração da memória físico-muscular. A musculatura facial e todo o aspecto físico emgeral (definido aqui como set-up) tendem a se tornar cada vez mais “familiares”, es-tando disponíveis numa espécie de “banco de dados”. Estes se tornam acessíveis àmedida que são trabalhados, entendidos e automatizados por meio da prática conti-nuada e deliberada. O trabalho de verbalização das ações que se desenvolvem es-sencialmente de forma tácita pode engrandecer sobremaneira o entendimento acercada ação física presente na emissão do som, trazendo benefícios à atividade acadê-mica.

Palavras-chaveclarineta – emissão do som – memória muscular

IntroduçãoAssociar a prática musical (especialmente aquela empreendida com maestria) à idéiade talento é algo enraizado no senso comum há muitos séculos. O conceito de talentose relaciona à habilidade inata que, supostamente, nasce com o indivíduo, não po-dendo ser adquirida ao longo da vida, sendo, portanto “uma aptidão natural parafazer alguma coisa melhor do que a maior parte das pessoas” (Colvin 2008). Para ogrande violinista Itzhak Perlman, a existência do elemento “talento” é inquestionável,

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embora admita que, apenas este não habilita pessoas a se tornarem grandes artistas,como atesta:

“O talento musical é uma parte essencial da habilidade para se tocar um instru-mento, mas a prática e a qualidade do professor são extremamente importantes.Ter talento sem ter essas condições não adianta muito. Para alguém ser um grandemúsico, é necessário ter os meios técnicos para realizar musicalmente o que sequer dizer. Técnica não é a capacidade de tocar rápido. É a aptidão para criar co-loridos e ter controle sobre o que se está tocando” (O Globo, 15/11/2010).

Por outro lado, Colvin (2008) afirma que “em 1992, na Inglaterra, um pequeno grupode pesquisadores começou a procurar talentos. Não conseguiu encontrar.” Em Slobodaet al. (1996) verifica-se que “não há absolutamente qualquer evidência de “caminhorápido para os muito bem-sucedidos’”.O presente trabalho aborda aspectos que envolvem conhecimento e aprendizado, semque se pretenda negar ou afirmar a idéia de talento. Vygotsky (2000) enfoca a impor-tância contida no contexto social do indivíduo exposto ao processo de aprendizado.O contato com realidade, ambiente e outros indivíduos (com suas respectivas habili-dades, atitudes e valores) afeta a obtenção, percepção, transformação e assimilaçãode informações. Para Oliveira (1993), este cenário envolve o que se entende por apren-dizado ou aprendizagem “e se diferencia das habilidades inatas (que já nascem comos indivíduos, como a capacidade de mamar para se alimentar de um recém-nascido)e dos processos de maturação do organismo, independentes da informação do am-biente”.

Emissão do somEntende-se emissão do som como tudo que se relaciona ao processo de geração deum som musical, abrangendo aspectos físicos e mentais. A capacidade de expressãomusical, da mesma forma que se relaciona à consistência do discurso fraseológico eao bom uso da técnica, também se refere, consideravelmente, ao controle de emissãodo som. Esta abrange coloridos sonoros, dinâmicas e acentos, articulações e ataques,bem como projeção, equilíbrio e domínio da sonoridade em todas as regiões do ins-trumento.O domínio sobre a emissão do som se revela um valioso patrimônio a ser conquistadoe desenvolvido, constituindo-se um importante diferencial artístico. Diversos camposdo conhecimento humano e autores têm dedicado esforços na busca por uma melhorcompreensão sobre a qualidade de estudo, raciocínio e memorização (Palmer 1989;Palmer e Drake 1997; Galvão 2006; Figueiredo 2009; Pederiva e Tristão 2006).É fundamental, também, promover o estímulo ao auto-desenvolvimento. O estudanteem música, muitas vezes, depende excessivamente das informações transmitidas peloprofessor. Além disso, cada mudança de rumo nesta cadeia (sejam encontros comnovos professores ou perspectivas didáticas distintas) pode conduzir o aluno a rejeitaro aprendizado anterior e retomar — em momentos futuros distantes — níveis de pes-quisa já alcançados. Convém somar experiências, potencializado-as, ao invés de, ime-

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diatamente, promover “substituições”. Pereira (1990) atesta que:“Enquanto alguns musicistas levam toda uma vida a analisar seus problemas téc-nicos e a exercitar seu sistema neuromuscular, observando resultados de pesquisassobre seu mecanismo vocal, ou instrumental, outros não fazem o menor esforçopara adquirir uma compreensão básica de fisiologia que poderia ajudá-los a do-minar, adequadamente, seus movimentos úteis na técnica instrumental. Por exem-plo, alguns cantores adquirem seu próprio e particular domínio da respiraçãodiafragmática, porque estudaram profundamente a anatomia humana” (Pereira1990, 29)

Pesquisas relacionadas ao processo de emissão do som na clarineta são, ainda, inci-pientes, quando comparadas ao volume de publicações envolvendo outras áreas. Roe-derer (2002) atesta tal percepção, afirmando que “o processo de formação do somnum instrumento de sopro é muito complicado e ainda não totalmente pesquisado”e “muito ainda precisa ser feito no estudo da percepção da qualidade ou timbre dossons complexos”.

ObjetivosSão objetivos deste estudo:

1. Discutir o processo de emissão do som na clarineta, partindo de paradigmas exis-tentes, e propondo conceitos próprios deste autor, que englobam procedimentosde modelagem, sensação e memorização musculares.

2. Fomentar a produção de trabalhos que envolvam pesquisas primárias referentesà emissão do som na clarineta e em outros instrumentos musicais.

Construção da modelagem sonora e geração de memória físico-muscular

A geração do som na clarinetaA geração do som na clarineta se dá através do mecanismo de excitação de uma fonteprimária (no caso, a palheta) por meio do ar soprado e direcionado ao interior deuma coluna de ar (Roederer 2002). Segundo o referido autor, “esse elemento vibrante(coluna de ar), na verdade, determina a altura musical da nota e, como feliz dividendo,fornece harmônicos superiores necessários para conferir certa qualidade caracterís-tica ou timbre ao som”. O que nos permite distinguir os sons de mesma altura e in-tensidade, em instrumentos diferentes, é o que se conhece por timbre. A altura deum som se relaciona à freqüência fundamental deste (número de oscilações por se-gundo), enquanto o volume se refere à intensidade do som.A qualidade sonora, importante objeto de estudo neste trabalho, se refere diretamenteao espectro harmônico, ou seja, “à proporção em que outras freqüências superiores,chamadas ‘harmônicos superiores’, aparecem misturadas entre si, acompanhando afreqüência fundamental” (Roederer 2002). A forma como se misturam os sons puros(componentes harmônicos) em determinado som complexo determina a qualidade

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deste. O ser humano, por meio da experiência vivida, é preparado para perceber au-ditivamente esta configuração de harmônicos, bem como identificar com clareza, di-ferenças entre qualidades sonoras provenientes de músicos distintos que executampassagens semelhantes nos mesmos instrumentos. Mesmo para um músico expe-riente, seria muito complexo identificar exatamente uma altura produzida por ummeio eletrônico, quando esta se encontra desprovida de harmônicos superiores, umavez que “faltam ao sistema nervoso central, importantes informações adicionais, quenormalmente existem nos sons ‘reais’ com os quais ele está familiarizado” (Roederer2002).

Conceituações e paradigmas referentes à emissão do som na clarinetaDiversos são os conceitos que envolvem o processo de emissão do som nos instru-mentos musicais. Muitos se encontram descritos em livros, teses e trabalhos afins. Aimensa maioria destes, contudo, é trabalhado e difundido de forma oral nas classesde música mundo afora. Qual não seria o benefício se grande parte deste conheci-mento que circula oralmente estivesse acessível a todo instante em todos os lugares?Peyer (1995) afirma que o instrumentista de sopro é uma espécie de cantor, mencio-nando que ambos dependem basicamente do uso ativo do diafragma, tórax, pulmões,garganta e musculatura facial. Todos estes elementos agem no processo de produçãodo som. Para o autor, além da musculatura facial, a garganta e os lábios são impor-tantes atores neste cenário e o termo embocadura designaria a “combinação de mús-culos, juntamente com os dentes, língua e estrutura óssea”, envolvidos na ação daprodução do som.O autor considera fundamental entender que a abertura da cavidade bucal e da gar-ganta são essenciais para a boa emissão do som na clarineta, traçando paralelos comdemandas físicas verificadas no canto. No entanto, diferentemente de um cantor, quepossui seu aparelho fonador inserido em seu corpo, a clarineta apresenta a maiorparte da área de vibração fora da boca, ou seja, de seu corpo. A excessiva tensão físicae a falta de controle sobre as ações empreendidas podem prejudicar sobremaneira aprodução do som.

“Assim como no canto, a capacidade da garganta e da boca pode ‘ajudar’ o som bá-sico produzido, nesse caso, pela vibração da palheta. Isso é realizado ao permitirque esta ‘câmara’ permaneça o mais aberta possível sem tensão. Qualquer enrije-cimento irá abafar as vibrações ao invés de aumentá-las e qualquer estreitamentoda ‘câmara de ressonância’ irá reduzir o volume e a riqueza do som pelo amorte-cimento dos harmônicos vitais.” (Peyer 1995, 128)

Dessa forma, a cavidade bucal deve apresentar abertura considerável, porém sem ten-são. A embocadura deve estar relaxada e o controle da palheta é feito através de umleve contato dos lábios com a mesma. Peyer associa o apoio diafragmático e a aberturada cavidade bucal ao que ele denominou “correto suporte do som”, afirmando existirum “paralelo entre o estado das costelas enquanto se respira e o formato correto dascavidades da boca e da garganta”.Observa-se em Coelho (1991) que o desenvolvimento da técnica vocal e das Escolas

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de canto deve muito do virtuosismo artístico atingido a personagens que dedicaramsuas vidas ao entendimento da ação física envolvida na emissão do som, como o es-panhol Manuel Garcia Filho que, através do laringoscópio, pôde ver o funcionamentodas cordas vocais, indicando caminhos mais eficazes de produção das notas agudas,por exemplo.

Processos de retroalimentação – auditiva e visualA prática musical e a busca por aprimoramento de performance dependem fundamentalmenteda capacidade de auto-percepção sobre o resultado produzido. Possíveis ações corretivas, bemcomo sedimentação de elementos bem construídos são, assim, viabilizadas. Tais ações, rela-cionadas ao que se conhece como retroalimentação (feedback), são tão importantes quanto,muitas vezes, negligenciadas. Pfordresher (2005, 184) expõe tal visão ao afirmar que:

“A ausência de investigação acerca do papel do feedback auditivo pode resultar desua importância, aparentemente óbvia, à performance musical. De que outra ma-neira se poderia aprender música, senão através do acompanhamento de pertodo som? No entanto, algumas evidências indicam que a importância do feedbackauditivo pode estar ainda limitada”

Outros pesquisadores (Gates e Bradshaw 1974; Finney 1997; Repp 1999; Pfordresher2003) apontam para a importância do feedback auditivo na performance musical, re-lacionando-o ao trabalho de construção da identidade sonora.A retroalimentação auditiva pode receber o auxílio de elementos visuais. O uso deespectógrafos, programas computacionais e ferramentas visuais de análise espectral,podem contribuir significativamente neste processo. Este não deve substitui o feed-back auditivo, mas sim atuar conjuntamente. Dessa forma, o feedback visual repre-senta uma possível forma de embasamento à interação professor-aluno, que contacom referenciais sonoros diretos bem mais evidentes, quais sejam o próprio resultadosonoro apresentado por tais agentes quando da atividade acadêmica.

Idealização sonoraQuando se trata de “ideal sonoro”, obviamente observa-se o aspecto particular destepropósito. Cada indivíduo tem em mente o que considera “metas a serem alcançadas”em termos de sonoridade. Dessa forma, tanto ouvintes quanto executantes têm, cadaqual ao seu modo, conceitos, preferências, “ideais”. Algumas questões devem ser con-sideradas neste contexto:

1) Este “ideal” é fruto de gosto pessoal, preferências, influências, possíveis caracte-rísticas e especificidades físicas (do indivíduo e do material utilizado), entre ou-tras variáveis.

2) Muitas vezes, o músico adapta seu trabalho e sua “busca sonora” em função dasespecificidades do material que deseja utilizar ou do material que lhe seja aces-sível em dado momento.

3) O ideal sonoro não deve estar restrito a um padrão de sonoridade único. Assim,como cabe a um pintor escolher que cores utilizar, cabe ao músico eleger que ma-tizes sonoros são desejados ou convenientes em determinado cenário.

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4) Muito embora a “idealização” pareça ser um elemento importante na construçãode uma identidade sonora, muitos músicos alcançam particularidades e diferen-ciais de forma natural, sem projetarem objetivos específicos, enquanto outrosperseguem ideais claros, de forma metódica e consciente.

5) A personalidade artística do professor pode vir a exercer influência — pequenaou grande; consciente ou inconsciente — sobre a busca sonora e artística do aluno.

A presente proposta de estudo tomará por base a busca de uma sonoridade que evi-dencie densa e rica gama de harmônicos, em nível espectral. Entre os instrumentistasde madeira é comum atribuir termos como “escuro”, “gordo”, “amplo” para sonoridadecom maior densidade de espectro harmônico. Obviamente, tais terminologias e con-ceituações se mostram insatisfatórias enquanto definição e entendimento de para-digma sonoro, funcionando apenas como possível elemento adicional.O primeiro estudo publicado abordando especificamente a análise qualitativa de har-mônicos presentes em um som complexo data de 1636, a cargo do padre e músicofrancês Mersenne. Como atesta Roederer (2002), “há muitos séculos já se sabe que otimbre de um som pode ser modificado reforçando-se certos harmônicos”.

Modelagem sonoraModelagem sonora, tal qual será proposta e abordada no presente trabalho, vem aser o processo de construção e obtenção da sonoridade dita “idealizada”. Será adotadoneste estudo o termo set-up, destinado ao conjunto de ações físicas (configuração fí-sico-muscular) verificada por ocasião da emissão de um som em determinado con-texto dinâmico. Além de variável, é passível de entendimento e controle.

Estabelecimento de parâmetrosAlguns parâmetros irão delinear o presente trabalho, orientando a perspectiva de ob-tenção da modelagem:

1. O início se dará pela nota mi2 , a mais grave do instrumento. Este será o pontode partida para toda a seqüência que será trabalhada. Quando a modelagem semostrar satisfatória, repetir-se-á o processo com a nota fá2, seguindo cromáticae ascendentemente até, se possível, a nota dó6.

2. Estabelecimento de uma dinâmica inicial padrão, a qual convém que seja “inter-mediária”: algo como mezzo-piano (P) ou mezzo-forte (F ).

3. Repetições de ataques — projeção da língua ao encontro da palheta — de umamesma nota. Não são golpes incisivos, e sim leves e sutis “separações” da nota(altura) proposta, visando “buscar” auditivamente a sonoridade pretendida ouainda “confirmar” padrões desejados e já obtidos. Estes re-ataques não necessitam,num primeiro momento, de padronização quanto à quantidade de repetições.Podem ocorrer, inicialmente, em número indefinido. O objetivo maior é “buscar”ou “confirmar” a sonoridade desejada. A articulação resultante tenderá bem maisao tenuto do que ao staccato, face à ação branda e sutil da língua.

4. Quando já fora obtida a modelagem em toda a extensão do instrumento, convém

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produzir repetições padronizadas (inicialmente 8 re-ataques para cada nota), sis-tematizando as ações empreendidas. Os re-ataques podem depois se limitar a 4,sendo reduzidas, em seqüência, para 3, 2 e uma emissão de cada nota, de modoa conferir cada vez mais fluência ao estudo.

5. A alteração de set-up que ocorre por ocasião da modelagem não requer, necessa-riamente, pleno entendimento neste momento inicial. Ao contrário, é interessantea utilização da máxima “do ouvido para o set-up”. Ou seja, ao invés de variar cons-cientemente um determinado set-up, com base na busca de um “padrão musculara ser conhecido em detalhes”, convém buscar auditivamente a qualidade de somque se pretende emitir, deixando que esta alteração de set-up ocorra espontanea-mente. Tais ações “modificadas” seriam, por conseguinte, ditadas pelo processode feedback auditivo e implementadas como fruto da “busca pelo som”. É válidatambém a intenção de alterar conscientemente o set-up, buscando entendimentodas ações implementadas. A escolha por orientar, de forma “explícita” ou “indu-zida”, a alteração de set-up através da construção da modelagem fica a cargo domúsico, que pode, inclusive, conduzir esta busca de diferentes formas ao longodo estudo.

A figura 1 sintetiza os conceitos expostos, orientando o entendimento da questão.

Figura 1 – Fluxograma referente aos parâmetros apresentados.

Ações de modelagemPara Ericsson (2006) o resultado técnico-musical alcançado por um indivíduo estáintimamente relacionado ao emprego de estratégias de estudo contidas no contextoda prática deliberada. Santiago (2007) apresenta a terminologia empregada por Erics-son, Krampe e Tesch-Römer (1993) em sua pesquisa sobre performance musical, de-finindo prática deliberada como o “conjunto de atividades sistematicamenteplanejadas que têm como objetivo promover a superação de dificuldades específicasdo instrumentista e de produzir melhoras efetivas em sua performance”. Verifica-se,portanto, padrões de condutas otimizados que privilegiam a natureza racional dasações, implicando postura intencional frente às situações de prática, onde o foco de

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interesse é atingir o domínio das condições de performance (Santos e Hentschke 2009).Alguns aspectos são de fundamental importância na construção da prática dita deli-berada, a saber: concentração, estabelecimento de metas, constante auto-avaliação,uso de estratégias flexíveis, visualização de planos globais e sentimento de auto-efi-cácia na performance (Williamon 2004). Dessa forma, esta se distingue da práticapura e simples por não propor a mera repetição rumo ao automatismo inconsciente.

1ª ação: “Busca por harmônicos”A primeira ação proposta se inicia com a execução de um som da maneira mais “sim-ples” possível, onde nada seria “buscado” ou “pensado” efetivamente. Após obtida asonoridade referente à nota (altura/freqüência) em questão, buscar-se-á a obtençãode uma sonoridade que contenha um espectro harmônico cada vez mais amplo. Sol-fejar o som estudado e tentar viabilizar — auxiliado pelo cantar — uma sonoridademais rica, revela-se algo valioso no presente contexto. A ação do feedback auditivo édeterminante. Não se trata de apenas repetir notas longas. A idéia do raciocínio en-volvido no estabelecimento e utilização de estratégias de estudo se faz presente nabusca da idealização sonora.

2ª ação: “Geração de reverberação – ‘mudança de sala’ e ajuste da cavidadebucal”

As ondas sonoras se propagam, afastando-se da fonte geradora até o ponto em quesão absorvidas ou refletidas. A acústica de um determinado espaço físico se relacionaexatamente à forma como ocorre o exposto acima (Roederer 2002). A prática musicalocorrida em ambiente extremamente “seco”, em geral, tende a proporcionar certa sen-sação inicial de desconforto ao músico. Ambientes com acústica propícia à reflexãodas ondas (reverberação) costumam gerar menor sensação de desconforto, desde quea reverberação não se apresente em nível extremamente acentuado.Para Roederer (2002), “o local onde o instrumento musical está sendo tocado podeser considerado uma extensão natural do próprio instrumento, exercendo um papelsubstancial na modelagem do som real que chega até o ouvinte”. Na frase de Roederer,percebe-se o uso do termo modelagem sonora, muito embora com conotação dife-rente da utilizada no presente trabalho. A menção feita à importância da interaçãoentre o músico, seu instrumento e o ambiente onde ocorre a ação musical, possibilitaperceber a força que a analogia criada em relação à busca de uma sonoridade produ-zida em “diferentes salas” (mesmo o músico não mudando propriamente de local)poderia conter. O ajuste de set-up, seja de forma “explícita” (busca da alteração consciente da aberturade cavidade bucal, entre outros “ajustes” físicos possíveis) ou “induzida” (busca es-pecífica da sonoridade com maior reverberação — fruto de uma suposta sensação de

“mudança de sala”) pode otimizar sensivelmente o trabalho de modelagem, produ-zindo uma caixa de ressonância efetivamente funcional, visando à geração de har-mônicos e reverb dentro da referida cavidade.

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3ª ação: “Busca pelo ‘melhor som’”Outra ação proposta, aparentemente trivial, seria a iniciativa de procura pelo “melhorsom” que se possa obter. A idealização sonora atua fortemente e os elementos traba-lhados em outras frentes deverão interagir efetivamente. Por mais simples e abstratoque tal pensamento possa se revelar, este pode revelar-se importante ferramenta deauxílio ao trabalho em questão. A figura 2 ilustra e interconecta as ações de modela-gem descritas.

Figura 2 – Fluxograma ilustrativo das ações de modelagem

Sensação físico-muscularA obtenção da modelagem pode viabilizar a percepção de que as notas possuem “jei-tos” próprios ou set-ups individuais. As ações físico-musculares caminham rumo aoentendimento, por meio de sensações experimentadas. Tendem ainda a se tornar

“acessíveis” à medida em que são automatizadas através do trabalho contínuo e focado.A busca pela percepção de elementos que tomam parte ao set-up envolve a análisede variáveis como:

• Pressão do lábio inferior e níveis de variação desta.• Abertura da cavidade bucal e garganta.• Pressão, velocidade e ângulo de entrada do fluxo de ar no instrumento.• Posicionamento, relaxamento e vedação da embocadura – musculatura facial.• Relaxamento físico geral: dedos, braços, pernas, postura, ombros, músculos.

Geração da memória físico-muscularAristóteles já estabelecia, em tempos idos, que, embora os animais também possuís-sem capacidade de memorização, apenas o ser humano poderia recordar e acessar opassado quando desejasse (Roederer, 2002). A força dos modelos mentais, extraídade situações memorizadas, é maior do que muitos supõem. Não apenas números, le-tras, notas musicais ou eventos vividos podem ser memorizados. Sensações e situa-ções físicas também.A sensação físico-muscular, relativa à tomada de consciência acerca das ações pro-cedidas, tende a gerar, quando repetida e produzida sistematicamente, a “memori-zação” deste contexto. É como se o corpo encontrasse “o lugar”, ou “a configuração

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física” de determinado colorido sonoro (e dinâmica agregada), memorizando este ce-nário e produzindo, paulatinamente, um “banco de dados”. Logo, torna-se possívelreproduzir (mesmo considerando interferências “externas” e falhas inerentes à açãohumana) a sonoridade idealizada, tendo por base a memorização da sensação mus-cular conhecida, sendo esta conseqüência da ocorrência satisfatória da modelagem. A tendência é obter a segurança de que aquela realidade pode ser reproduzida quandopretendida, muito embora a emissão não seja uma ciência exata. Assim sendo, ne-nhum estudo ou paradigma sonoro pode assegurar certeza absoluta quanto à resul-tados. É fundamental que variantes que interfiram sobremaneira neste contexto(qualidade e características de materiais utilizados — palheta, instrumento, boqui-lha,… –, bem como estados extremados de tensão e insegurança quanto ao que seráexecutado e à performance em si), não se encontrem em níveis muito distantes dousual.

“… a reprise de uma atividade neural específica pode ser provocada por outrascausas e indícios, além da total reativação sensorial do evento original — uma rea-tivação parcial da atividade neural ocorrida durante o ato da armazenagem é su-ficiente para liberar toda a configuração da atividade específica” (Roederer 2002,232).

Paralelismo com o cantoO ato de memorizar uma conjuntura física que atua na emissão do som é objeto deestudo em cantores há muito tempo. Coelho (1991) atesta a existência de procedi-mentos de memorização que envolvem a consciência sobre o “posicionamento físico”da voz. Além de mencionar a possibilidade da ocorrência de uma memorização mus-cular — ressaltando um possível “lugar” para a voz –, refere-se também a situaçõesque remetem ao conceito de modelagem.

“O artista (aqui se referindo ao cantor, especificamente) trabalha sempre para aper-feiçoar-se e não há resfriado ou rouquidão que prejudique a impostação cessadoo impedimento. A voz continua com a mesma colocação, em caso contrário é por-que não estava devidamente no molde ideal. A memorização não só da localizaçãoda voz nos seios da face, como também de outras atividades do artista podem seradquiridas pelo cultivo da memória. Nós sabemos que esta é inconsciente. Existemoutras formas de memória, como: a automática e a orgânica. Mas ao cantor solistaé necessária a memória cultivada. É tão bom recordar, que parodiando ‘Paul Ge-raudy’ o grande escritor francês, faço minhas suas palavras: ‘chegará um dia emque as nossas recordações serão nossa única riqueza’” (Coelho 1991, 26).

A laringoscopia sempre foi uma aliada nos estudos concernentes à produção do sompelo aparelho fonador. Há décadas existem registros de realização de endoscopia dafaringe com utilização de fibra óptica flexível, onde se pode observar a ação das pregasvocais, identificando, inclusive, patologias responsáveis por defeitos na emissão davoz. Por meio de testes averiguou-se, por exemplo, “em que região das pregas vocaisse produzia os sons agudos e graves; como se realizava o ‘vibrato’, como funcionava alaringe no ‘falsete’ . . . ou ainda . . . a participação da epiglote na emissão vocal e a in-versão da glote na execução dos instrumentos de sopro” (Barbosa 1991).

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ResultadosA importância da ação dos lábios para instrumentistas de palheta e, sobretudo dolábio inferior para os clarinetistas, é determinante no contexto da emissão do som.Roederer (2002) ilustra tal cenário afirmando que “também os lábios de um instru-mentista de sopro de embocadura podem ser considerados como um sistema de pa-lhetas duplas (bem maciças)”. Descontroles de pressão na ação do lábio inferior, porexemplo, mesmo que sutis, podem comprometer sobremaneira a qualidade sonora,bem como o resultado de afinação, ligaduras e articulações em geral, ou seja, da açãomusical como um todo. A própria ansiedade provocada pela performance pode acar-retar uma “onda de tensão” que, propagando-se pelo corpo, traz imenso prejuízo.Peyer (1995) aborda esta questão e afirma que “tensão desnecessária da mandíbula,contração do pescoço e movimentos involuntários da língua devem ser evitados”.Segue atestando a importância de combater a tensão física:

“É óbvio que com interações musculares tão complexas como as envolvidas em do-minar todos os irregulares padrões de digitação (os quais são mais complicadosna clarineta que em qualquer outro instrumento), o mínimo de tensão permitiráo máximo de destreza. Uma vez que todos os movimentos físicos são o resultadode uma atividade muscular, o correto ‘balanceamento’ de tensão e relaxamento éa chave para uma boa performance” (Peyer 1995, 129).

Freqüentemente verificam-se relatos de músicos de sopro acerca de dificuldades con-sideráveis em produzir saltos melódicos específicos com qualidade, ou ainda, paracontrolar satisfatoriamente determinadas notas e frases, sobretudo em dinâmicas ex-tremas. A memorização de um contexto físico-muscular pode contribuir neste sentido,de modo a “barrar” algumas das interferências prejudiciais à performance.

“quando a aprendizagem se completa, terão acontecido mudanças sinápticas ade-quadas no circuito neural, de modo que a constelação de estímulos em apenas umcanal de entrada (o estímulo condicionado ou ‘palavra-chave’) será suficiente paragerar todo o padrão de atividade neural específica do evento original completo.Em outras palavras, o aprendizado não é representado pela armazenagem de in-formações ou imagens por si, mas por modificações apropriadas da rede de pro-cessamento de informação, e a memória surge nesse esquema como aarmazenagem de instruções sobre o processamento de informações. Eis por queo cérebro é chamado de sistema “auto-regulador’” (Roederer 2002, 233).

Segundo Peyer (1995), “tensão, é claro, existe particularmente nos músculos faciaisque estão em contato com a boquilha e palheta, mas é importante que esta seja con-trolada e que o balanço correto entre tensão e relaxamento seja mantido”.

Emissão Balanceada – três parâmetros referenciaisO trabalho de verbalização de ações que se realizam tacitamente, pode engrandecersobremaneira a domínio de emissão do som, trazendo benefícios à performance e àatividade acadêmica. A construção do entendimento sobre como cada nota pode ser

“moldada” na clarineta, bem como o desenvolvimento da consciência acerca da indi-vidualidade de cada set-up (expressa na modelagem), paradoxalmente, tende a con-

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duzir a padrões mais uniformes de ação física. Mesmo considerando que inúmeros elementos físicos tomam parte à emissão do somna clarineta — cada qual com sua relativa importância — é possível destacar três pa-râmetros referenciais efetivamente contemplados na presente proposta: o controle dapressão do lábio inferior; a abertura da cavidade bucal; e a pressão do fluxo de ar. O lábio inferior necessita de “liberdade” para atuar relaxadamente. Muitos pensa-mentos acerca do “relevo melódico” da frase (sobretudo quando muitos saltos defazem presentes) geram temor e insegurança de emissão. Situações gerais de estressepodem “aprisionar” o status de tensão presente. Através da modelagem, o relaxamentopode ser obtido, memorizado e “disponibilizado para uso freqüente”.O presente estudo não se ateve à verificação de medidas numéricas específicas en-quanto pressão neste ponto (contato do lábio inferior com a palheta), mas sim à per-cepção de sensações experimentadas. Mesmo observadas possíveis especificidadesde set-ups, convém, nesta fase do estudo proposto, entender e valorizar a manutençãode um bom nível referencial de relaxamento labial. Trata-se de elemento determinantepara a obtenção de uma emissão balanceada e equilibrada, fugindo de oscilaçõesacentuadas e indesejadas nos níveis de pressão labial.A abertura da cavidade bucal — igualmente “dispensada” de medidas de área — é de-terminante no contexto da geração de harmônicos no som. A obtenção da modelagempode contribuir no bom funcionamento desta caixa interna de ressonância. O enten-dimento desta função, por meio da ação prática, conduz à memorização física. A gar-ganta tende a ser, nesse contexto, será uma “fiel beneficiaria” de tal ação. A tensãocontribui para o estrangulamento das áreas mencionadas, que pode ser evitado e/oucontrolado por meio da ativação de planos de memória.O controle sobre o fluxo de ar é um elemento essencial no domínio da emissão, sejapelo emprego de um adequado nível de pressão e velocidade, como pela tomada deconsciência sobre o mesmo. O “apoio diafragmático” é matéria vastamente conhecidana literatura sobre os instrumentos de sopro e canto. Convém ao clarinetista trabalhareste elemento de forma contínua, consciente e deliberada. Quando este suporte semostra inadequado, a emissão se apresenta consideravelmente comprometida. A mo-delagem tal qual proposta, deve contemplar tal questão, incorporando-a ao escopode elementos passíveis de memorização, inserindo-a no contexto do entendimentosobre a ação físico-muscular.A Figura 3 apresenta um esquema ilustrativo acerca de todo o processo, sintetizandoo sistema proposto.

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Figura 3 – Fluxograma ilustrativo da proposta de modelagem e conseqüente geração dememória físico-muscular

Modelagem na frase musicalA busca pela obtenção — no contexto de uma frase musical — de níveis satisfatóriosnos parâmetros mencionados anteriormente, requer o estabelecimento de “pontosde modelagem” cuidadosamente escolhidos na frase, como forma de estabelecimentode uma linha de redução. Para os pontos escolhidos serão dirigidos objetivos especí-ficos de modelagem, pensamento e ação. Buscar-se-ão pontos “em elevação”, ou seja,notas situadas em pontos mais agudos na frase (muitas vezes “a” nota mais aguda). As frases originadas de tais divisões não guardam relações morfológicas específicas,nem sugerem efetivamente fraseados musicais. São escolhas “técnicas”, justificadaspor bases contidas nesta proposta de paradigma. O conceito presente na “Emissãopor Elevação” — a ser abordada efetivamente em estudos subseqüentes — contemplaelementos designados “preparação” (quando se antecipa a sensação muscular) e “sus-tentação” (quando se prolonga a referida sensação) da nota modelada. A emissão dosom, tão complexa quanto importante, é e sempre será tema de intensas reflexões eproposições, dando suporte à performance e contribuindo à perpetuação da magiacontida na pluralidade das manifestações musicais.

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Para medir a sincronização de dois cantores: o caso da bossa-nova

Cássio [email protected]

Beatriz R. de [email protected]

Antônio [email protected]

Universidade de São Paulo

Resumo:A idéia de sincronização é introduzida, bem como sua relação com o ritmo da fala. Oexperimento realizado propõe verificar como estão sincronizados (ou não) algunspontos da canção produzida por dois sujeitos simultaneamente. Expõe-se, então, ométodo utilizado para a medida de lags — ou diferenças possíveis entre dois ataquessimultâneos do canto— que consiste no DTW, algoritmo que mede similaridade entreduas seqüências que variam no tempo. Os resultados indicam que, independente-mente de os pontos iniciais e finais da frase corresponderem ao contra-tempo, a sin-cronização é melhor realizada nos pontos finais.

IntroduçãoA proposta deste trabalho é descrever o método usado em nossa pesquisa para medirtempos de latência entre dois cantos simultâneos que se sincronizam. Trata-se doDynamic Time Warping (de agora em diante, DTW) que significa literalmente o “ar-poamento” (pegar com arpão) dinâmico do tempo, ou simplesmente AlinhamentoTemporal Dinâmico. A utilização do DTW já se mostrou eficaz em trabalhos sobre asincronização da fala falada (Cummins 2003) e em outros (Medeiros et al. 2008; Pes-sotti 2010 e em andamento). Assim a finalidade deste trabalho é tornar a descriçãodeste método acessível a um maior número de pessoas, notadamente aquelas inte-ressadas em fazer medidas da fala cantada em pesquisa voltada para aspectos cogni-tivos do canto.A hipótese deste trabalho que foca o método, mais do que os resultados finais, é deque a não-sincronização será tanto maior na execução da canção quanto mais pró-ximo de uma síncopa ou efeito de síncopa na partitura (ou seja a realização musicaldo ritmo) estiver o ponto da frase a ser entoada (inicial / final).

Sincronização e ritmo da falaA idéia de sincronia neste trabalho pressupõe uma interação, ou mais precisamenteum entrainment entre duas — pelo menos duas — tarefas de movimento, cada uma,originária de um sistema diferente. O exemplo clássico é o de dois pêndulos que sin-

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cronizam seus movimentos se tiverem uma espécie de acoplamento entre eles (podeser um elástico).No caso específico de nossa investigação, os dois sistemas em questão são dois can-tores cuja tarefa é cantarem em fase (uníssono) a mesma canção. O ritmo de cançãoescolhido foi o sincopado e assim elegeu-se uma bossa-nova (Corcovado de TomJobim) para constituir o corpus deste trabalho. O ritmo melódico da bossa-nova ofe-rece desestabilização do ritmo básico, conforme pudemos verificar em um estudo pi-loto comparando a sincronização obtida no canto cujo ritmo era sincopado àsincronização no canto não sincopado (Santos e Medeiros 2010). A bossa-nova parecenão facilitar totalmente a sincronização, embora a condição canto possa agir comofacilitadora. Explicamos: o fato de a tarefa ser a produção do canto faz com que oritmo musical facilite a sincronização (ver Cummins 2003). No entanto, o ritmo sin-copado da bossa-nova pode agir como desviante e por isso é proposto aqui como umacondição diferenciada em tentativa de sincronização de tarefas envolvendo ritmo.Para facilitar a referência aos componentes da tarefa de sincronização aqui tratada,propomos, a partir de agora, o uso de alguns termos importantes, que buscamos cla-rificar no parágrafo abaixo:Fala cantada é como designamos o canto com texto, portanto, todo cantor entoandouma canção com letra, está produzindo fala cantada. Cantores executando uma can-ção simultaneamente, em dupla, são aqui designados sujeitos realizando a tarefa desincronização da fala cantada. Cada fala cantada de cada um dos sujeitos pode serconsiderada — e assim chamada — um oscilador. O pulso fundamental ou ritmo bá-sico da canção pode ser também um oscilador. Assim, também, o ritmo melódico étambém um oscilador. Oscilador é qualquer sistema com movimento de oscilação re-petitivo ou harmônico. Podemos entender a fala, com a devida parcimônia, como umoscilador. Na música, tais oscilações como estruturantes do ritmo musical, são muitomais óbvias do que na fala.O ritmo da fala é variável e depende da extensão do enunciado. No caso da fala can-tada, o ritmo da fala se mantém, mas por vezes há a predominância da batida musicalem relação ao acento lexical, e aí ocorrem os deslocamentos da sílaba tônica. Este,porém, é um detalhe a ser analisado a posteriori, uma vez que este estudo visa analisara sincronia entre duas falas cantadas, com fins de saber a influência de um ritmo mu-sical sobre a sincronia de um tipo de fala, a cantada. Assim, baseamo-nos em Cum-mins (2003) que revelou a sincronização de fala, sem necessidade de longo períodode prática (dois falantes lendo um texto juntos), como forte indício de um ritmo in-variável subjacente, embora tal invariabilidade seja difícil encontrar no sinal acústico.Neste sentido, já esperávamos que a sincronização no canto fosse tarefa fácil, e atémais fácil do que a sincronia da fala falada. No entanto, introduzimos uma condiçãodiferente das condições propostas por Cummins (2003), a saber, obviamente a falacantada — uma vez que ele só trabalha com a fala falada — e a canção com ritmo sin-copado, a bossa-nova.

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O experimento: sincronização no canto1. Sujeitos e coleta de dados

Dois cantores profissionais (um homem, HC, e uma mulher, LS), com cerca de 20 anosde idade, com estudo formal em canto popular e com experiência em cantar bossa-nova, participaram das gravações. Utilizamos apenas uma repetição do canto de Cor-covado, composta por Tom Jobim, já que nossa intenção é, antes de obter resultadosestatísticos, apresentar o método de rotulagem do DTW. As gravações foram realizadasem sala insonorizada e os dados de cada cantor coletados em canais separados (direitoe esquerdo), utilizando o software Soundforge. Os microfones utilizados foram ShureSM58. Os cantores estavam dispostos a cerca de dois metros de distância um do outroe tinham contato visual entre si. De posse de da letra da canção, receberam a instruçãode cantar em sincronia. Deu-se início às gravações quando os cantores se disserampreparados, após cantarem algumas vezes para se familiarizarem com a tarefa.

2. Segmentação e rotulagemSegmentamos a canção em um total de 12 sentenças, iniciadas a partir de pausas mu-sicais, com base na partitura (Chediak 1990) e na letra (ver abaixo o texto da canção).Em um único caso a sentença inicia depois de uma nota de 4 tempos (sentença 11).Krumhansl (2006) afirma que o prolongamento de um som pode funcionar de formasemelhante a uma pausa. Não tomamos todos os prolongamentos como critério parasegmentação, pois nosso primeiro critério relacionou-se à letra, e não à estrutura mu-sical. Definidos, assim, os pontos iniciais e finais das sentenças.Selecionamos também pontos no meio das sentenças, a fim de observar a diferençada sincronização entre os pontos finais e justamente esses pontos mediais. Cummins(2003) observou que as assincronias são maiores em pontos iniciais de uma sentençaem comparação com pontos mediais e finais na fala falada. Pautamo-nos em critériosfonético-acústicos para definir esses pontos mediais nas sentenças, e elegemos onsetsde fricativas e oclusivas que são de fácil identificação no sinal. Na sentença 12, no en-tanto, colocamos o ponto medial no início da palavra amor, já que essa sentença nãotinha nenhuma palavra iniciada por oclusiva ou fricativa. Essa segmentação foi feita usando-se a ferramenta TextGrid, do software Praat, quenos permite rotular o sinal acústico estabelecendo nele pontos específicos (bounda-ries). Uma primeira rotulagem feita manualmente é usada pelo DTW para segmentarautomaticamente os outros sinais, sendo necessário, após essa segmentação, apenaspequenos ajustes manuais de posicionamento de algumas boundaries. As sentençassão as apresentadas abaixo. As barras indicam os pontos inicial e final da segmentação(apenas as sentenças 6 e 8 tem pontos mediais). As letras entre parênteses indicamfricativa ou oclusiva:

1. |Um cantinho e um |violão (f)2. |Este amor, uma |canção (o)3. |Pra fazer feliz a |quem se ama (o)

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4. |Muita calma pra |pensar (o)5. |E ter tempo pra |sonhar (f)6. |Da janela vê-se o |Corcovado o Redentor |que lindo (o,o)7. |Quero a vida |sempre assim (f)8. |Com você perto |de mim até o apagar da velha |chama (o,f)9. |E eu que era |triste (o)10. |Descrente |deste mundo (n)11. |Ao encontrar você eu |conheci (o)12. |O que é felicidade meu |amor (v)

3. Medidas Sobrepusemos os rótulos do sinal de HC ao de LS e medimos a duração das lags, ouseja, da diferença de posição entre cada fronteira inicial e entre cada fronteira medial.Em outras palavras, buscamos verificar o quanto havia de sincronia entre os pontosdefinidos nas sentenças. A figura abaixo traz uma dessas diferenças:

Figura 1 – Lag (faixa vertical) entre o onset da parte inicial da sentença 2. Note-se que arotulagem inferior corresponde ao canal superior. Nesse caso a lag mede 94 ms.

4. Sobre o Dynamic Time WarpingTrata-se de uma técnica de reconhecimento de padrão cujo algoritmo permite buscara correspondência entre dois sinais ainda que tenham os mesmos fenômenos não-alinhados no tempo. A base deste algoritmo é considerar que cada frame do sinalteste ( o sinal fornecido como input ao DTW) pode corresponder à qualquer framedo sinal de referência (por exemplo, a primeira frase segmentada à mão). A partirdisto é possível calcular a distância/diferença entre os dois sinais, através de uma ma-triz e ir em busca dos componentes desta matriz que sejam iguais a zero (para detalhesver Coleman 2005). No caso deste estudo, o programa de análise acústica da fala uti-lizado, o Praat, fornece a ferramenta DTW e uma ajuda para sua utilização, a qual seefetiva a partir da “rodagem” de um script contendo todos os passos necessários parao alinhamento dos dois sinais-alvo e seus arquivos com rótulos (Textgrids). O script,escrito em um arquivo txt, é feito a partir do “Praat Objects”, clicando-se em “Praat”

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e em seguida em “New Praat script”. Maiores detalhes poderão ser fornecidos a pos-teriori, por razão de espaço.

5. ResultadosA tabela abaixo mostra os resultados dos dados brutos relativos a apenas uma repe-tição do canto, conforme explicitado anteriormente. Podemos verificar que, salvo nasentença 3 e outros dois casos a se discutir, a maioria dos pontos iniciais da sentençaapresenta lags maiores (durações em milissegundos) que os lags do ponto final oumedial. Ou seja, a defasagem entre o ataque da sílaba cantada é maior quanto se en-contra no início da sentença. Temos, aí, então, menor sincronização dos cantores.Além de serem pontos iniciais, e mais propensos à assincronia, esses pontos corres-pondem a uma batida de contra-tempo na partitura, fruto de uma tercina. Neste caso,a nossa hipótese inicial se confirma. No entanto, assumimos que não ancoramos ospontos mediais e finais, necessariamente nas sílabas que carregavam a batida no pulso

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Tabela 1 – Coluna 1: Número das sentenças e palavra que corresponde ao ponto escolhido para se medir o lag; Coluna 2: Localização do ponto escolhido na sentençapara medida do lag. Coluna 3: A duração do lag encontrado, valor em milissegundos.

Coluna 4 : Relação da sílaba (primeira sílaba da palavra da Col. 1) com o pulso fundamental da canção (4⁄4). Coluna 5: Indica se a hipótese foi ou não verificada.

1.Sentença/Palavra 2.Ponto 3.Lag em ms 4.Batida 5.Hipótese

1/um inicial 99 Ct ter sim

1/violão final 35 T

2/esse inicial 94 Ct ter sim

2/canção final 33 Ct sem

3/pra inicial 26 Ct ter não

3/quem final 68 Ct sem

4/muita inicial 142 Ct ter sim

4/pensar final 25 Ct sem

5/e inicial 1000 (sic) Ct ter sim

5/sonhar final 59 Ct sem

6/da inicial 114 ct sim

6/corcovado medial 40 ct

6/que final 69 ct

7/quero inical 29 ct em termos

7/sempre final 39 T

8/com inicial 125 Ct ter em termos

8/de medial 160 Ct sem

8/chama final 60 Ct scol

9/e inicial 144 Ct scol sim

9/triste final 26 T

10/descrente inicial 114 Ct scol sim

10/deste final 63 T

11/ao inicial 10 Ct scol não

11/conheci final 16 Ct ter

12/o inicial 119 Ct scol sim

12/amor final 60 Ct scol

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do compasso, por obedecermos ao critério fonético. Ao mesmo tempo, poucas sílabasda canção coincidem com um dos quatro pulsos do compasso musical. É o caso de

“ti” (cantinho), “mor” (amor), “zer” (fazer), entre outras, mas que por sua vez, comosão semínimas pontuadas, carregam uma síncopa até o fim do compasso. O resto dotexto da canção tem suas notas em contratempo, o que faz com que tenhamos prati-camente todas as notas da canção soando sincopadamente.Assim, concluímos que, na comparação feita, há não-sincronia no ponto inicial dasentença lingüística-musical. Valores dos lags próximos a 100, 120 e 140 milissegun-dos ilustram bem esta não -sincronia. Por outro lado, valores entre 30 a 40 milisse-gundos (valores semelhantes aos de lags da fala falada) podem ser considerados comoindicativos de sincronização desta fala cantada, o que nos leva a pensar nos pontosfinais como bastante bem sincronizados, mesmo que apresentem-se correspondentesa batidas de contra-tempo.Em suma, o valor médio das lags iniciais é de 169 ms, ao passo que nas lags finais, ovalor médio encontrado é de 54 ms. Então podemos afirmar que as sílabas em con-tratempo, que é o mais recorrente na canção, obedecem mais a uma sincronizaçãoquando em posição medial ou final, ficando as sílabas iniciais da frase sujeitas à não-sincronização.No tocante à sentença 7, ponderamos que embora o lag do ponto final seja mais longodo que o lag inicial (ver tabela), a sílaba “sem” é uma batida em fase com a pulsaçãobásica da canção, coincidindo com a primeira batida do compasso. O fato da batidalingüística (a da sílaba) coincidir com o tempo forte do compasso parece ser fortecandidato à sincronia. Quanto ao valor de 160 ms do lag medial da sentença 8, cor-respondente a sílaba “de”, deve ter havido hesitação de um dos cantores, causandouma espécie de “erro” na sincronização pretendida. No entanto, casos assim merece-rão maior atenção de nossa parte ao darmos seqüência ao estudo.

Direções futurasO DTW propiciou maior automatização para obtenção das medidas desejadas, poristo seguirá sendo utilizado em nossa pesquisa. O próximo passo é rodar o DTW nasoutras duas repetições da canção e obter valores médios dos lags que sejam passíveisde sofrer uma análise estatística. A nossa hipótese carece de algum refinamento, dadoque a bossa-nova apresenta desafios interessantes em termos de alocação das batidasem contra-tempo, em número maior do que esperávamos. Assumimos, assim, queuma análise rítmica da canção, mais rigorosa que a realizada deve ser feita.

ReferênciasChediak, A. Songbook Tom Jobim, Vol. III (Rio de Janeiro: Lumiar, 1990).Coleman, J. Introducing speech and language processing (Cambridge: Cambridge University

Press, 2005).Cummins, F. Practice and performance in speech produced synchronously. Journal of Phonetics

31, nº 2 (2003), 139-148.

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Krumhansl, C. L. Ritmo e altura na cognição musical. In: Ilari, B. S. (org.) Em busca da mentemusical: ensaios sobre os processos cognitivos em música – da percepção a produção (Curi-tiba: Editora UFPR, 2006).

Medeiros, B., D’imperio, M. & Espesser R. La voyelle nasale en Portugais Brésilien et son ap-pendice nasal: étude acoustique et aérodynamique. In: Actes Journées d’Etude sur la Parole(JEP). Avignon (2008), 285-288.

Pessotti, A. C. S. Procedimento semi-automático de segmentação fonética via Algoritmo de Ali-nhamento Temporal Dinâmico (DTW), 2010. Produção técnica sem patente.

Pessotti , A. “Semelhanças e diferenças na produção falada e cantada.” Tese de doutorado emandamento. Universidade Estadual de Campinas.

Santos, C. e Medeiros, B. “Interações entre ritmo linguístico e ritmo musical na canção” inAnais do VI SIMCAM, Simpósio de Cognição e Artes Musicais. Rio de Janeiro, 2010.

Música Sistêmica: Intersecções entre processos criativos, concepção estética e composição musical

Felipe Kirst Adami [email protected]

Departamento de Música – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo

Este trabalho analisa, em uma abordagem sistêmica, três elementos, ou sistemasdistintos, mas profundamente relacionados à composição musical: o processo criativo,uma concepção estética baseada nos ciclos vitais e uma obra específica, a SinfoniaSistêmica, criada dentro desta concepção. O processo criativo é visto aqui como umprocesso dinâmico, que, mesmo apresentando elementos em comum entre dife-rentes compositores ou diferentes fases de um mesmo compositor, como na visãoda Teoria dos Estágios e na Gestalt

, possui também elementos individuais e que se modificam ao longo do tempo, peloprocesso de memória e aprendizagem. O ponto de vista defendido aqui leva em con-sideração não só estudos da área da psicologia, mas também da área da psicologiada arte e da música, bem como da composição musical em si. O processo criativo dacomposição possui diversos componentes, sendo a concepção estética um dos maisimportantes, pois cria elementos unificadores no conjunto de obras do compositor.Da mesma forma, a Concepção Estética, como um elemento pessoal do processo cria-tivo, pode transformar a forma de ação do compositor. A Concepção Estética dos CiclosVitais, apresentada aqui, propõe uma analogia entre as etapas dos ciclos e o desen-volvimento musical de uma obra, e inclui elementos do pensamento sistêmico e com-

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plexo através de referenciais teóricos de Fritjof Capra e Edgar Morin e elementos dafísica e da biologia contemporâneas principalmente através de referenciais de Matu-rana e Varela e de Ilya Prigogine. A análise da Sinfonia Sistêmica

serve para demonstrar como o processo criativo e a concepção estética ocorrem naprática, e quais os elementos da obra são identificados como reflexo de componentesdesses dois sistemas, mas também como a obra atua como um sistema que interagecom eles e igualmente os transforma.

Palavras-chave: processo criativo – composição musical – concepção estética – ciclos vitais – pensamento sistêmico

IntroduçãoQuando se fala a respeito de composição musical, pode-se pensar num primeiro mo-mento em um sistema formado por três elementos principais: a obra musical, o com-positor e o processo criativo. O processo criativo pode ser visto como um elo entre ocompositor e sua obra – é o caminho percorrido desde o momento em que resolvecompor até a concretização de uma obra ou conjunto de obras. Existe ainda mais umelemento no sistema, o qual age como um fio condutor no processo criativo, mol-dando o seu produto final: a concepção estética. A concepção estética consiste noselementos musicais e extramusicais que informam a criação do compositor, agindocomo elementos cognitivos dentro de seu processo criativo, conscientes ou não, e di-recionando o compositor em sua produção musical – a concepção estética constituia própria forma de ação do compositor na composição musical. Este artigo está cen-trado, portanto, em uma reflexão sobre os principais elementos envolvidos no pro-cesso criativo da composição musical e sobre uma concepção estética particular, aqual se intitulou Concepção Estética dos Ciclos Vitais, bem como na verificação desteselementos a partir da análise de uma obra musical desenvolvida com esta concepção,a Sinfonia Sistêmica.

O Processo Criativo da Composição MusicalO processo criativo da composição musical consiste em uma complexa rede de ele-mentos, envolvendo aspectos técnicos musicais e aspectos psicológicos, neurológicose sociais. Enquanto algumas teorias aceitas da área da psicologia analisam o processocriativo identificando estruturas fixas de ações ou procedimentos padronizados, comoa Teoria dos Estágios (Wallas 1926) ou a teoria da Gestalt, muitos compositores ten-dem a considerar aspectos mais pessoais do processo, embora freqüentemente tam-bém busquem uma forma de sistematização. A Teoria dos Estágios divide o processo criativo em quatro etapas: preparação — naqual se investiga o problema de diferentes maneiras; incubação — quando o problemaestá lançado, mas permanece sem solução; a iluminação — em que a solução do pro-blema foi resolvida pelo inconsciente, aflorando para o consciente; e verificação —em que o indivíduo dá forma ao produto de sua iluminação. Um ponto importante a

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ser ressaltado é a participação do inconsciente neste processo, não só na fase de in-cubação, mas também na fase de verificação, quando o produto gerado será verificadoa partir dos “cânones estéticos”, podendo ser rechaçado ou admitido e, no segundocaso, colocado em prática (Villar 1974, 282). Alguns compositores também falam emestágios, como Koellreutter (1985), que apresenta um fluxograma do processo com-posicional em diferentes etapas (fig. 1).

Figura 1 — O processo criativo conforme Koellreutter (1985).Para Reynolds (2002), existem também um processo por estágios, embora afirme quenão necessariamente isso ocorre com todos os compositores. O primeiro estágio seriao reconhecimento de uma intenção expressiva a ser utilizada na peça, a qual leva atrês importantes questões: qual formato global se apropria à obra; quais os materiaisadequados; e quais os processo de elaboração serão melhores para trabalhar com osmateriais em direção à forma em larga escala. A forma global da composição seria,ao mesmo tempo, o ponto de partida e de chegada, pois o compositor entende que,antes de começar a manusear os materiais, deve ter uma boa idéia do desenho formalpara o qual a obra deve evoluir. As concepções de Reynolds podem ser relacionadas à visão do processo criativo daGestalt, na qual

a criatividade é vista como a procura de uma solução para uma gestalt, ou formaincompleta. O indivíduo criativo perceberia o problema como um todo, as forçase tensões dentro da dinâmica do problema, e tentaria achar a solução mais elegantepara restaurar a harmonia do todo (Wechsler 1998, 29).

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O processo criativo viria então de um impulso inato para obter uma gestalt completa.A solução do problema vem com um insight (Wechsler 1998, 29-30), semelhante àetapa da iluminação da Teoria dos Estágios.Segundo Arnheim, pesquisador que relaciona a criação artística à Gestalt a intuiçãoseria a responsável pela seleção de aspectos importantes do todo, de acordo com ob-jetivos individuais, ou “forças determinantes, cognitivas tanto como motivacionais”(Arnheim 1989, 18), e por sua reestruturação de acordo com a necessidade. Diferenteda intuição, o intelecto preenche a função da classificação de elementos, agrupandoas variações “sob uma denominação comum”, e permite “aplicar ao presente o queaprendemos antes”, isolando os elementos importantes do todo e permitindo a suapersistência através das mudanças do ambiente (Arnheim 1989, 18-19). Na compo-sição musical, é muito importante este processo de subdivisão, pois torna possívelcolocar em prática uma idéia obtida intuitivamente gerando o suporte físico (comoa partitura). Conforme Ligeti

O processo composicional tem sido absorvido na música como concebido direta-mente através dos sentidos, e o estado bruto [de uma composição] já contém tra-ços do método de trabalho. […] Quando o próprio compositor modifica o contextomusical de toda uma era, a obra na qual esta modificação ocorreu exerce uma in-fluência sobre suas idéias posteriores […]. A concepção primária de novas peçascontém a marca dos processos de trabalho utilizados no desenvolvimento de peçasanteriores. A consequência disto é um efeito de realimentação: o estado bruto épré-moldado por experiências ganhas durante a composição e é, portanto, já nãocompletamente ‘bruto’ (1983, 126).

A afirmação de Ligeti também chama a atenção para um elemento cognitivo impor-tante: quanto mais marcante é para o compositor um elemento de sua música, maisele fica marcado em sua ontologia criativa, e terá maior permanência dentro de seusprocessos composicionais.Manzolli tem uma visão semelhante afirmando que a composição “sofre influênciasambientais, que fazem com que cada processo criativo seja único”, mas está interligadaao desenvolvimento histórico do compositor, já que “entre o domínio sonoro e a es-tratégia de escolha encontram-se os métodos de estruturação musical e este conhe-cimento faz parte da bagagem teórica e/ou prática do compositor” (Manzolli 1997,2).O conceito de “deriva estrutural”, desenvolvido por Maturana e Varela em sua Teoriada Autopoiese1 (1997 e 2001) pode ser utilizado analogamente à evolução do processocriativo da composição musical. No acoplamento estrutural — a relação de um sis-tema e seu meio — as transformações do sistema ocorrem “de um modo que é deter-minado a cada momento por sua estrutura”, que por sua vez resulta “de sua históriaevolutiva e ontogênica de mudanças estruturais congruentes” com o meio (Maturana

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1 Termo que se refere a um padrão de rede em que cada componente participa da produçãoou transformação dos outros componentes da rede.

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2001, 185-186). Portanto, ocorrem “seguindo uma dinâmica interna do organismo”,mas “são contingentes” com as mudanças do meio, que apenas as desencadeiam (Ma-turana 2001, 82). A história evolutiva do processo criativo do compositor segue, por-tanto, um caminho de mudanças influenciadas pelas transformações do meio, semprea partir de uma bagagem adquirida, mas igualmente transforma o meio no qual estáinserindo por sua interação, principalmente a partir da difusão de sua obra. A baga-gem adquirida pelo compositor ao longo de sua deriva estrutural são os elementospráticos e teóricos da música, bem como elementos ideológicos, que juntos formarãosua concepção estética, e se refletirão em suas obras.

A Concepção Estética dos Ciclos VitaisA Concepção Estética dos Ciclos Vitais (CECV) apresentada aqui se insere no processocriativo como direcionadora da estrutura musical e do próprio processo criativo. Em-bora a versão atual dessa concepção estética tenha se tornado em grande parte cons-ciente, sua ação ocorreu muitas vezes de forma inconsciente, pois nem todos oselementos que a constituem tinham sido identificados no momento em que uma obraestava sendo composta. Muitos dos elementos constituintes da concepção foram jus-tamente alcançados durante e através da composição das obras, o que indica que ascomposições são alimentadas pela concepção estética, mas também a alimentam. Um elemento básico da CECV é a idéia de crescimento da estrutura musical analoga-mente aos ciclos vitais de nascimento, desenvolvimento, morte e renascimento emum novo ciclo. O nascimento e desenvolvimento podem ter correspondência musicalatravés de diferentes procedimentos, sendo os mais comuns a construção gradual demateriais musicais, o agrupamento ou aproximação gradual de materiais até criaruma unidade sonora, o adensamento dos parâmetros e da textura e o direcionamentode estruturas fragmentarias a estruturas unificadas. A estrutura evolui para um auge,a partir do qual retrocede, utilizando recursos como a fragmentação dos materiais ea rarefação dos parâmetros sonoros, representando um declínio em direção à etapada morte ou indicando a necessidade de uma reestruturação do sistema para que elese mantenha ativo.A CECV é mais ampla do que a simples representação musical deste ciclo, incluindodiversos elementos relacionados e utilizados em analogia, que constituem suas deri-vadas, fruto de um entendimento sistêmico do mundo com analogia a diversos ele-mentos extramusicais que será sintetizado aqui.Os ciclos vitais aqui propostos se referem não apenas ao ciclo de um ser vivo, mastambém a outros ciclos da natureza, envolvendo desenvolvimento em diferentes níveis.Segundo Capra (2000, 260):

Todo e qualquer organismo [. . .] é uma totalidade integrada e, portanto, um sis-tema vivo. [. . .]. Mas os sistemas não estão limitados a organismos individuais esuas partes. Os mesmos aspectos de totalidade são exibidos em sistemas sociais[…] e por ecossistemas que consistem numa variedade de organismos e matéria

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inanimada em interação mútua.Essa organização em diferentes níveis, no entanto, possui dualidades, e a ordem mui-tas vezes é cercada pelo caos. Morin descreve como ocorre esta relação entre ordeme desordem:

[…] toda eco-organização nasce de ações ‘egoístas’, de interações ‘míopes’, de in-tercomunicações banhadas e por vezes mergulhadas no vago, no ruído, no erro,em nichos ou meios sem clausuras nem barreiras […] É por meio desse fervilharcego, míope, egocêntrico, em meio a desordens, destruições, proliferações indes-critíveis, que um Universo — Umwelt — organiza-se.É maravilhoso que essa organização […] não seja reduzida à sua mais simples ex-pressão, mas ao contrário, voltada à sua expressão mais completa; que seja com-plexa precisamente porque nela a unidade e a diversidade extrema, a solidariedadee o antagonismo extremo, não apenas coexistem, mas estão ligados pela necessidade.(Morin 2005, 37)

Nas pesquisas recentes da física e da química, essa aparente desordem é um elementoessencial para o surgimento e desenvolvimento da vida. Segundo Prigogine, “A vidasó é possível num universo longe do equilíbrio” (1996, p.30). Essa é uma regra fun-damental de sua teoria das estruturas dissipativas, em que uma estrutura se forma eé mantida por um fluxo de matéria e energia que passa por ela e se dissipa. Conformeesse fluxo aumenta a estrutura pode chegar a um ponto de tensão que leva a umatransformação a um nível de complexidade maior, chamado por ele de ponto de bi-furcação. Estas estruturas são características dos seres vivos e Capra (2003) a associaà à teoria da autopoiese, de Maturana e Varela. Autopoiese, incluindo a idéia de derivaestrutural.Na matemática do século XX, o estudo da aparente desordem existente em alguns fe-nômenos da natureza resultou no que é conhecido como “teoria do caos”. A teoria docaos se relaciona amplamente com a geometria fractal, desenvolvida simultaneamentea ela por Mandelbrot (Capra 2003). Os fractais são figuras geométricas diferentes dasestudadas na geometria tradicional, por não apresentarem a mesma regularidade. Nanatureza existem diferentes tipos de simetria como a de rotação e a de reflexão, mastambém outros tipos de regularidade sendo uma das mais comuns a proporção áureaque divide o todo na proporção 0,618 para 0,382 (a diferença da menor parte para amaior é igual a diferença da maior para o todo). Os fractais apresentam um outrotipo de coerência: a repetição de padrões característicos em diferentes níveis estru-turais, sem que eles sejam necessariamente idênticos ou apresentem uma relação deproporções fixas. Assim como na seção sobre o processo criativo a concepção estética foi consideradaum elemento essencial, o processo criativo passa também aqui a fazer parte da CECV,já que consiste no meio de interação entre compositor e obra. Segundo Manzolli (1997,2) “o fluxo e refluxo de informação sonora, entre o compositor e a obra, modificamas estratégias de escolha e, eventualmente, criam novos padrões sonoros, que passarãoa fazer parte do próprio domínio de escolha”. Conforme o compositor alimenta a mú-

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sica, nutrindo-a com novos materiais musicais, a música cresce e se desenvolve, e osmateriais utilizados, no conjunto, adquirem funções através de sua inter-relação in-dicando muitas vezes ao compositor o caminho que este deve seguir. O que ocorre ésemelhante ao que Morin chama de “Unitas Multiplex”, quando não só as partes ad-quirem novas propriedades a partir das inter-relações no todo, mas o todo tambémcria limitações, sendo “ao mesmo tempo, mais e menos que a soma das partes”, “maise menos que o todo”, e sendo as partes também “mais e menos que as partes” (2005,p. 36).Serão resumidas agora as das derivadas da CECV geradas a partir das idéias apresen-tadas acima, incluindo sua forma de utilização na composição:

1) Movimento cíclico de eterno retorno em constante evolução — consiste no re-torno transformado de materiais ou de processos musicais;

2) Estruturas dissipativas e pontos de bifurcação — na música existe um fluxo demateriais musicais (a matéria) e crescimento dos parâmetros (a energia) levandoa pontos críticos ou auges (pontos de bifurcação) que conduzem a mudanças es-truturais;

3) Do caos à ordem — as idéias de caos e ordem são utilizadas conforme as seguintesdefinições de Lochhead (2001), que criou algumas classificações da utilizaçãodo caos em composições do século XX: “ordenação para criar um análogo sonorodo caos” (a estrutura é gerada livremente com esse intuito) e “ordenação paracriar imprevisibilidade” (define-se um processo ordenador para gerar caos a par-tir da ordem).

4) A presença de opostos e sua superação ou unificação — consiste na utilização demateriais contrastantes que se integram ao longo da composição.

5) O vir-a-ser contido no germe do ser — consiste na utilização de elementos simplesque se transformam em materiais importantes no decorrer da composição, oupequenas transformações em materiais, as quais se amplificam conforme a com-posição avança.

6) Autopoiese — consiste na criação de novos materiais a partir de materiais já uti-lizados na obra, que por sua vez transformam os materiais que o formaram.

7) Acoplamento estrutural — ocorre quando dois ou mais materiais diferentes in-teragem causando transformações um sobre o outro evoluindo conjuntamente,mas sem que nenhum deles perca sua identidade.

8) A presença de estruturas simétricas, da proporção áurea e de fractais — as sime-trias podem aparecer na estrutura global de uma composição, por semelhançade materiais ou processos. A proporção áurea pode ocorrer entre seções, movi-mentos ou pontos importantes da estrutura e, muitas vezes, as simetrias estãoadaptadas a ela; os fractais aparecem na reprodução de elementos importantesda obra em diversos níveis estruturais;

9) A unidade orgânica do todo e a Unitas Multiplex — a unidade orgânica do todocorresponde às inter-relações entre as partes que constituem o todo, e ocorre na-turalmente pela presença das derivadas anteriores e pelo direcionamento da es-trutura musical análoga aos ciclos vitais. Como a rede de interações entre as

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partes cria uma unidade, o todo é mais do que a simples soma dessas partes, mas,ao mesmo tempo, estas partes podem constituir novos todos quando utilizadasem diferentes contextos e, dessa forma, a soma das partes é também mais do queo todo. O resultado é a existência simultânea de unidade e variedade;

10) A composição e o processo criativo em integração — a interação entre compo-sitor e obra é contínua. Durante o processo criativo o compositor cria materiaismusicais, mas ao mesmo tempo esses materiais direcionam a sua criação. Por-tanto, certos aspectos do processo criativo podem ser entendidos a partir da obrae a obra também pode ser melhor compreendida a partir de aspectos do processocriativo.

Uma visão global do processo criativo da Sinfonia Sistêmicadentro da concepção estética dos ciclos vitais

A Sinfonia Sistêmica é formada por três grandes movimentos que receberam nomesreferentes a diferentes elementos da CECV, que serviram como principal impetus decada um, intercalados por dois intermezzos de curta duração. O projeto de composiçãoda Sinfonia Sistêmica foi contemplado pela FUNARTE, no Programa de Bolsas de Es-tímulo à Criação Artística em 2008 sendo uma motivação a mais no desenvolvimentoda obra, além da própria concepção estética.A pressão para que a obra fosse concluída no prazo levou à busca de soluções inte-ressantes no processo criativo. A concepção da idéia geral da obra começou a se con-cretizar quando tomei conhecimento do edital da FUNARTE. Idéias geradasanteriormente e materiais de composições anteriores foram também utilizados, e oprocesso na verdade não tem uma data inicial e final que possam ser concretamentedefinidos. A seguir, o processo criativo da Sinfonia Sistêmica vai ser comentado deuma forma geral, fazendo-se uma analogia às etapas dos ciclos vitais.

1. NascimentoA idéia de compor uma sinfonia era antiga, mas ficou mais concreta ao se escrever oprojeto da Sinfonia Sistêmica. As idéias iniciais da Sinfonia, no entanto, surgiramquando pensei em iniciar outra obra, para o Duo Cuervo/Adami: um concerto paraflauta doce amplificada, cravo e orquestra de cordas. O cravo pode ser configuradode tal forma que um teclado fica inativo, apenas ocorrendo o ruído das teclas baixando.Isto levou a idéia de um grupo de instrumentos tocando, mas criando somente ruídos.A música iria surgindo de dentro destes ruídos: a ordem surgindo do caos. Comohavia muito pouco tempo para criar a obra, acabei optando por fazer uma versão con-certante de uma peça já existente deixando de lado as idéias mencionadas, as quaisacabaram sendo aproveitadas na Sinfonia Sistêmica, como no trecho a seguir. A idéia de gerar ordem através do caos foi pensada principalmente para iniciar a obra,mas em diversos momentos se retorna também da ordem ao caos ou novamente sedireciona do caos à ordem. Um dos impetus geradores do primeiro movimento veioda idéia de Wallin (1991, xix), de que a música parte do silêncio e retorna ao silêncio,

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mas que o silêncio tem um equilíbrio não estável, ocultando “seu poder para, emcerto momento, liberar todas as combinações imagináveis de energia acústica e ci-nética em um mundo de música e dança”. A leitura do livro O som e o sentido (Wisnik 1989) também influenciou a geração deidéias musicais para o primeiro movimento da Sinfonia. Wisnik exprime da seguinteforma a relação entre sons periódicos, ruídos e silêncio: “O som periódico opõe-seao ruído, formado de feixes de defasagens ‘arrítmicas’ e instáveis” e o som “é um traçoentre o silêncio e o ruído (nesse limiar acontecem as músicas)” (1989, p. 32). A partir dessas referências, as técnicas não convencionais na Sinfonia foram utilizadaspartindo de sons quase inaudíveis após um momento de silêncio, aos poucos gerandoruídos mais fortes e depois alcançando os sons convencionais e se direcionando auma utilização ordenada do conjunto orquestral. As primeiras idéias estruturais doprimeiro movimento foram então a utilização de silêncio, ruído e sons com altura

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2 Os números de compassos aparecem aqui entre [ ].

Figura 2 – Sinfonia Sistêmica, primeiro movimento, [75-80]2.

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definida e os primeiros materiais imaginados quando pensei em iniciar a composição,além dos ruídos gradualmente surgindo a partir do silêncio, foram arpejos surgindode uma massa de ruídos orquestrais e depois os primeiros materiais melódicos —ainda mentalmente difusos — e uma concepção global de levar o movimento a ganharforte impulso rítmico na sua continuação.Estas idéias foram utilizadas analogamente na música. No primeiro movimento, porexemplo, foram utilizadas figuras rítmicas e melódicas aparentemente desordenadasnas cordas con legno batuto, mas que na sua utilização conjunta com figurações deoutros instrumentos, agrupados em conjuntos de um a dois compassos, seguidos depausas antes do próximo agrupamento, acabam formando unidades sonoras identi-ficadas como padrões auditivos (fig. 3). Na continuidade da música os agrupamentoscriam uma espécie de macropulsação e vão se aproximando até criar um fluxo maiscontínuo, onde essas pulsações são identificadas não mais pela sua alternância comas pausas, mas pelas oscilações nas alturas. Assim, a ordem estaria sendo alcançadaa partir da desordem.

Figura 3 – Sinfonia Sistêmica, primeiro mov. [87-92]: dois agrupamentos nas cordas con legno batuto, formando unidades sonoras.

Relacionando com os estágios de Wallas (1926), a idéia de criar a Sinfonia seria partedo estágio de preparação. Ela ganha novo estímulo ao tomar-se conhecimento do edi-tal da FUNARTE, entrando claramente na etapa de preparação, onde se começa a de-finir elementos que pudessem ser utilizados na sua estruturação. A utilização da idéiade silêncio, ruído e som, antes imaginada para a outra obra, consiste numa primeirailuminação, que ajudou na elaboração do projeto. Mas a forma como estas idéias iriam se desenvolver foi temporariamente deixada em

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espera. Em um momento em que improvisava e lia uma série de partituras no piano,anotei uma pequena frase musical gerada na improvisação, pensando-se inicialmenteno primeiro movimento, embora ainda não precisando de que forma ela seria utili-zada (fig. 4).

Figura 4 – Esboço da frase gerada na improvisação.

A leitura de uma peça para piano (fig. 5) que eu compusera um ano antes chamou aatenção, pois achei que poderia perfeitamente ser utilizada em conjunto com os ma-teriais da improvisação. No entanto, percebi que os materiais serviriam não comoparte do primeiro movimento, mas que o material gerado na improvisação serviriade auge de uma seção de um novo movimento, iniciada pela peça para piano, a qualfoi orquestrada e utilizada integralmente [1-26]. Esses materiais parecem ter ditadoa partir daí o caminho a ser seguido na primeira seção do movimento: a criação deum trecho direcionando da peça para piano até atingir a idéia gerada no improviso.

Figura 5 – Quatro Esquetes para Piano, n°3, peça utilizada na construção do segundo movimento da Sinfonia.

O aproveitamento de materiais de peças já existentes, bem como de materiais imagi-nados para uma obra, mas utilizado em outra, demonstra como eles estão constan-

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temente retornando à memória do compositor e como processos geradores de umacomposição são revistos e se transformam em um novo ciclo criativo.

2. DesenvolvimentoO segundo movimento acabou sendo composto integralmente antes do primeiro, eesboçou-se um trecho para outro movimento antes de começar a colocar o primeiromovimento no papel. Novamente, foram iniciadas e deixadas de lado, temporaria-mente, idéias geradas para um movimento enquanto outro seria composto. Estes pro-cedimentos acabaram criando um fluxo temporal acronológico no processo criativo,em que elementos de um movimento agem sobre os elementos de outro, criando umaforte inter-relação. Embora parte da estrutura do primeiro movimento já estivessepré-estabelecida, influenciando a construção do segundo movimento, os elementos,já concretos, do segundo movimento certamente tiveram reflexo na construção doprimeiro. Arpejos rápidos que seriam utilizados no primeiro movimento, ainda vi-sualizados difusamente ao ter composto o segundo movimento, por exemplo, con-duziram à utilização de arpejos que aparecem entre duas seções do segundomovimento [66-68] (fig. 6a). Este material se torna um dos mais importantes do se-gundo movimento e seu formato predominantemente quartal e com desdobramentosque acaba se uniformizando (fig. 6b), define, em contrapartida, o formato em queserão construídos os arpejos do primeiro movimento (fig. 6c). Assim, embora os mo-vimentos se desenvolvam como uma sucessão no tempo, eles interagem de formaquase simultânea, numa espécie de processo autopoiético, onde as unidades celularesse produzem e se transformam umas às outras.

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Figura 6 – Comparação entre arpejos em diferentes seções do segundo movimento (a e b) e no primeiro movimento (c).

O primeiro movimento também contém elementos gerados em uma peça eletroacús-tica criada anteriormente, Piano Harm (2008). Materiais do final dessa peça, basica-mente a alternância de acordes entre dois pianos, foram utilizados como elementosde oposição aos materiais que iniciam a segunda seção do movimento. A utilizaçãodeste material acabou sendo o germe para uma decisão que viria mais adiante, nacomposição do terceiro movimento.

3. MorteDurante o processo de criação do primeiro movimento começaram a surgir dúvidassobre como ficaria a estrutura final da obra ao visualizar-se o todo gerado até o mo-mento, uma espécie de reestruturação gestáltica. A finalização do primeiro movi-mento foi o ponto em que a avaliação do objeto composicional foi maior, por teremsido concluídos os dois maiores movimentos da obra. Os esboços que já haviam sidogerados para iniciar um novo movimento passaram a ser imaginados como prováveismateriais para um intermezzo antes do último movimento. No entanto, chegou-se àconclusão de que era preferível ter os três grandes movimentos compostos antes dosintermezzos, e o processo composicional foi lançado em um período de buscas semrespostas imediatas, correspondendo à etapa de verificação da Teoria dos Estágios,em uma macrovisão do processo criativo.

4. RenascimentoO processo é levado a um novo ciclo com o lançamento um novo problema, a cons-trução do movimento final da Sinfonia. O insight veio no momento em que percebique a semelhança de materiais do primeiro movimento da Sinfonia com os materiais

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utilizados na obra Piano Harm ultrapassava o material que havia sido utilizado cons-cientemente no primeiro movimento. Existe também grande semelhança em figurascom forte caráter rítmico baseado em arpejos quartais com eventuais presenças desemitom, existentes em ambas as peças (fig. 7).

Figura 7 – Comparação entre materiais do primeiro movimento da Sinfonia (a) com materiais da seção final de Piano Harm (b).

Decidiu-se, a partir desta constatação, utilizar parte da obra Piano Harm na constru-ção do último movimento da Sinfonia.

3.5 Novo desenvolvimentoA utilização de Piano Harm, se enquadrou perfeitamente na estrutura global da Sin-fonia dando-lhe um caráter de fechamento, pela reiteração dos materiais nos movi-mentos extremos. Também resultou numa idéia de renascimento, não só pelautilização destes materiais, mas pela reutilização da peça Piano Harm em uma novaacepção, com a transformação da parte eletroacústica em sons orquestrais. O inícioda parte utilizada de Piano Harm também mostra relação com uma repetição em ecode padrões extraídos do segundo movimento, utilizados nos esboços que estavam emsuspenso. Optou-se então por utilizar estes esboços definitivamente como um pe-queno movimento intermediário, o Intermezzo II, criando um elo entre o segundo eo terceiro movimentos, e criar outro Intermezzo entre o primeiro e o segundo movi-mentos. Os intermezzos utilizados na Sinfonia funcionam como resquícios post mor-tem dos movimentos recém finalizados, bem como uma espécie de resistência a estedestino, levando à necessidade de uma nova existência. Novamente, com a utilizaçãode Piano Harm e a transformação que ela sofre ao passar ao meio orquestral, levama idéia de um processo criativo autopoiético.

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6. Ciclos dentro de ciclosA conclusão do terceiro movimento e dos intermezzos representa a finalização do se-gundo ciclo criativo da Sinfonia Sistêmica e, ao mesmo tempo, do macrociclo criativoda obra. No entanto, a idéia de renascimento no processo continuará a existir no mo-mento em que cada revisão mostra detalhes a corrigir, e cada nova execução repre-senta não só novas possibilidades de revisão por parte do compositor, mas novasinterpretações do texto musical pelos intérpretes, que correspondem também a umprocesso criativo de transformação do texto em som. O processo de criação destaobra também terá consequências e inter-relações com o processo de outras obras, játendo trazido inclusive pequenas alterações à Piano Harm.

ConclusãoA influência de outras obras sobre a Sinfonia Sistêmica demonstra como o processode interação do processo criativo da obra com o seu meio não é unilateral, e como astransformações podem ser mútuas, como num processo de acoplamento estrutural.Na Sinfonia Sistêmica isso ocorre desde o momento em que começou a ser composta,pela interação com as obras já existentes ou com os pensamentos filosóficos que aalimentaram, e continua a acontecer enquanto ela for executada, ouvida, analisada,por estar na ontogênese do compositor ou de quem de alguma forma tiver interagidocom a obra. O processo criativo pode ser visto também pela ótica da Concepção Estética dos CiclosVitais. Os estágios de Wallas, por exemplo, possui, na busca pela resolução de umproblema, um ciclo de nascimento (preparação), desenvolvimento (incubação), auge(iluminação e verificação), morte (ao finalizar a verificação, conclui-se a busca pelaresolução do problema) e renascimento (a resolução de um problema normalmentegera outros problemas, iniciando um novo ciclo). O processo criativo que começa no nascimento de uma nova composição a partir deum impetus, se desenvolve de acordo com procedimentos regulares, como na teoriados estágios de Wallas, seguindo um padrão de organização, e procedimentos espe-cíficos, correspondentes à bagagem musical e cultural do compositor e a elementosprovenientes do meio que interfiram durante processo, os quais mantém um fluxode energia e de materiais que nutrem o processo e fazem com que ele se desenvolvano tempo.O processo criativo de uma composição chega ao fim no momento em que o compo-sitor sente que os materiais criaram um todo que se sustenta e que eles não poderãocontinuar a ser utilizados produtivamente na manutenção da estrutura musical. Com-parando a um ser vivo, a morte chega quando o seu organismo não consegue maismanter sua organização aproveitando a matéria e energia do meio. Mas assim comoa matéria e a energia do ser vivo que morreu retornam ao meio e são reaproveitadasem novos ciclos vitais na cadeia alimentar, existe uma realimentação do ciclo com-posicional ao finalizar-se o processo criativo. Ele renasce de acordo com o retornodesencadeado através de sua difusão no meio, incluindo a própria reavaliação, cons-

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ciente ou inconsciente, do compositor. Os materiais composicionais e a energia em-pregada na criação da obra se disseminam pelo meio em que o compositor está inse-rido e adicionam novos elementos à sua bagagem composicional teórica, prática eestética e à bagagem de outros compositores.Assim, existem sistemas de interação em diferentes níveis: a obra com o compositor(e sua concepção estética); a obra com outras obras (e num nível mais amplo com oconjunto de obras) deste compositor; a obra e/ou o compositor com o meio com oqual interage recebendo informações, transformando-as e enviando novas informa-ções; e do meio ao qual pertence com outros meios. Existem, portanto, sistemas den-tro de sistemas e ciclos dentro de ciclos. Cada sistema evolui em conjunto com omacro-sistema do qual é parte integrante, numa rede de interações mútuas, que, emúltima instância, o liga ao universo que ajuda a construir e que ao mesmo tempo oconstrói.

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A memória na psicologia cognitiva e memória musical na perspectiva do intérprete

Laura [email protected]

Ricardo Dourado [email protected]

Universidade de Brasília

ResumoExecutar obras inteiras memorizadas tornou-se historicamente um hábito para intér-pretes de música. Este tipo de execução, e todo o processo da memorização musicalde uma obra, apresenta aspectos cognitivos e aspectos musicais, concretizando a per-formance memorizada como uma forma de demonstração de alto nível de conheci-mento musical. A performance de memória é de extrema importância para o músico,promovendo um pleno conhecimento da obra executada, além de ser muito bemvisto pela platéia, por demonstrar virtuosismo e alta familiarização com a obra. Porém,há uma série de fatores que dificultam a execução memorizada, transformando-a emuma prática que gera medo e insegurança, uma forte barreira entre o músico e aobra. Essa barreira torna-se um problema, por prejudicar a formação plena do músico.Para detalhar os processos que levam à execução musical memorizada, e ajudar omúsico a compreender o funcionamento da sua memória, entra a psicologia cognitiva,para explicar como codificamos e armazenamos a música, como a nossa mente operaquando confrontada com o desafio de memorizar uma obra e todos os processos quelevam a uma memorização musical de forma plena e eficaz. Nesta pesquisa foi rea-lizada uma revisão bibliográfica com o objetivo investigar os tipos de memória estu-

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dados pela psicologia cognitiva tradicional e os tipos de memória atribuídos especi-ficamente à memória musical, sendo traçado um paralelo entre ambas, dentro docontexto da performance musical. Desta forma, a psicologia cognitiva pode tornar-seum grande aliado do músico no momento da performance.

Palavras-chavememória – performance – psicologia cognitiva

Introdução Desde que Franz Liszt, em meados do Século XIX, em um momento de fervor inter-pretativo, jogou suas partituras da estante e continuou seu recital todo de memória(Lundin 1953), tornou-se costumeiro o hábito de intérpretes de música realizaremperformances inteiras de memória. Hoje em dia, músicos solistas que não apresentamseu repertório de memória, são vistos com desconfiança, e a platéia geralmente tiraa conclusão que provavelmente o músico não estava bem preparado, ou familiarizadosuficientemente com a obra, e que necessitaria de mais preparação antes de apresentara obra em público.Quando um músico memoriza uma peça, ele a aprende:

“. . . de modo a poder tocá-la “automaticamente”, condiciona seu sistema motor detal forma que ele reage de determinadas maneiras a determinadas sensações cor-porais. Tocar um fragmento de uma composição produz um feedback que traz atona movimentos em direção ao próximo fragmento . . .” (Jourdain 1998, 283).

Considerando então o processo de memorização musical como um processo queocorre na mente, a psicologia cognitiva, que segundo Sternberg “. . . trata do modocomo as pessoas percebem, aprendem, recordam e pensam sobre a informação”(Sternberg, 2000, 22) possui um papel importante no estudo sobre a memorizaçãomusical ao identificar as diversas formas, e todo o processo mental pelo qual a me-morização se dá.O impulso para este trabalho deu-se pela importância e valorização da execução me-morizada por parte do intérprete. Porém apesar de sua extrema importância, a exe-cução musical memorizada é uma prática que ainda gera medo e insegurança,especialmente entre os estudantes. A execução memorizada então, apesar da suaenorme importância para o entendimento total de uma obra, acaba por ser uma prá-tica não muito comum, especialmente entre os estudantes, e a dificuldade para me-morizar músicas acaba tornando-se um problema, prejudicando a formação domúsico.

ObjetivosA pesquisa realizada foi realizada para um projeto de pesquisa de iniciação científicae possuiu como objetivo investigar os tipos de memória estudados pela psicologiacognitiva tradicional, os tipos de memória atribuídos especificamente à memória mu-sical e traçar um paralelo entre essas memórias.Assim como traçar este paralelo, a pesquisa enfocou especificamente na importância

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da memória na perspectiva do músico executante e de que forma a psicologia cogni-tiva pode auxiliar estes músicos em sua trajetória até uma performance de alto nível.A pesquisa relaciona-se com o tema “A Mente e a Música”, considerando-se que a psi-cologia cognitiva é o estudo da mente e de seus processos, e que a música memorizadaé processada pela mente, como cita Shacter:

“A memória recorre ao passado para informar o presente, preserva elementos deexperiências atuais para futura referência e permite que voltemos ao passadoquando desejamos. Os vícios da memória são também virtudes, elementos de umaponte através do tempo, que permite que façamos uma ligação da mente com omundo.” (Schacter 2003, 250)

MetodologiaO método aplicado para a realização desta pesquisa foi o de uma revisão bibliográficade significativas pesquisas sobre memória, tanto no campo da psicologia cognitivatradicional quanto da literatura específica sobre psicologia da música. Esta pesquisabuscou uma fundamentação e discussão teórica da psicologia cognitiva, da impor-tância da memorização na música e de aspectos específicos abordados na memóriamusical.Para fins organizacionais, a literatura será dividida em duas partes: A Memória naPsicologia Cognitiva Tradicional e A Memória Musical Específica.

A Memória na Psicologia Cognitiva TradicionalNa psicologia cognitiva tradicional, a memória é vista como “o meio pelo qual vocêrecorre às suas experiências passadas a fim de usar essas informações no presente”(Sternberg 2000, 204). Dentro da psicologia cognitiva tradicional, o modelo tradicio-nal predominante da estrutura da memória é o modelo sugerido por Richard Atkin-son e Richard Shiffrin em 1968 (Atkinson e Shiffrin apud Sternberg 2000), o chamadomodelo dos três armazenamentos, que atualmente são designados de “memórias”:Memória de Curto Prazo (MCP), Memória de Longo Prazo (MLP) e Memória Sensorial.Segundo Sternberg, esse modelo pode ser caracterizado como:

1. Armazenamento sensorial, capaz de estocar quantidades relativamente limitadasde informação por períodos de tempo muito breves;

2. Armazenamento de curto prazo, capaz de armazenar informações por períodosde tempo um pouco mais longos, mas também de capacidade relativamente li-mitada;

3. Armazenamento de longo prazo, de capacidade muito grande, passível de estocarinformações durante períodos de tempo muito longos, talvez até indefinidamente.

O modelo de Atkinson e Shiffrin, no entanto, não ressalta o importante fato que o es-tudo da memória se baseia em constructos hipotéticos: “conceitos que não são em sipróprios mensuráveis ou observáveis diretamente, mas servem como modelos men-

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tais para compreender-se como um fenômeno psicológico, tal como a memória fun-ciona” (Sternberg 2000, 209).Sternberg discorre também sobre experimentos realizados para se “medir” estas me-mórias, e ressalta o importante fato que a maioria dos experimentos realizados sãoeficazes para se medir quantidade de informação e tempo de armazenamento dasmemórias de curto prazo e sensorial, uma vez que “… não sabemos como testar oslimites da memória de longo prazo e, desse modo, descobrir a sua capacidade. Algunsteóricos sugeriram que a capacidade da memória de longo prazo é infinita, pelomenos em termos práticos.” (Sternberg 2000, 213).Outros modelos mais recentes introduzem a memória operacional, também chamadade memória de trabalho que seria uma “. . . parte da memória de longo prazo, masque também abrange a memória de curto prazo.” (Sternberg 2000, 214). Baddeley(2004) caracteriza o modelo de memória operacional pela existência de um sistemaexecutivo central que gerencia as informações e ações armazenadas. Cowan (1995apud Engle, Tuholski, Laughlin, Conway 1999) destaca que apesar da memória decurto prazo e operacional serem bastante confundidas, a memória operacional é umconstructo mais complexo que a memória de curto prazo, utilizando a mesma afir-mação de Baddeley (2004) que a memória operacional possui um sistema executivocentral.Dentro dessas memórias, destaco também os processos para sua utilização, as cha-madas três operações: codificação, armazenamento e recuperação (Sternberg 1996).A codificação sendo o processo como a informação é armazenada; o armazenamento,a manutenção da informação ao longo de um período de tempo; e a recuperação, aforma de acessar e recuperar a informação (Baddeley 1999).

A Memória Musical EspecíficaNas pesquisas sobre memória musical específica, uma das memórias da psicologiacognitiva tradicional estudadas é a memória de longo prazo, que seria musicalmenteaplicada na memorização de obras extensas. Porém, como citado anteriormente, naafirmativa de Sternberg que a memória de longo prazo é difícil de se mensurar, grandeparte dos estudos sobre a memória musical de longo prazo se restringem a formasde auxiliar o músico a armazenar informações de forma eficaz. Lundin (1958), por exemplo, divide o seu estudo da memória musical em dois. A cha-mada “Memória Tonal” e a “Eficiência em Aprender Música”. A memória tonal seriaa memória específica de se lembrar notas e música. Porém, para ele, há um paradoxono estudo da memória tonal, pois ele não consegue chegar a uma conclusão definitivase ela é decisiva ou não para se medir uma suposta “habilidade musical”. Ele argu-menta que bons solistas, como o pianista Rubinstein abandonaram o palco por nãoexecutarem peças de memória, porém, eram excelentes instrumentistas. Portanto, amemória tonal não teria uma relação tão decisiva com o sucesso musical. Lundintambém argumenta que a maioria dos testes conduzidos à época não mediam a me-morização de obras extensas, apenas de pequenas seqüências de notas. O teste con-

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duzido por Seashore (1938), por exemplo, um dos primeiros testes específicos sobrea memória musical foi feito usando notas não relacionadas, com a justificativa deSeashore que o talento musical é algo hereditário e que a memória musical deveriaser medida sem o uso de treinamento musical prévio. No entanto, Lundin (1953) ar-gumenta que esta pesquisa ignora que a música em geral não é uma série de sons nãorelacionados e sim uma configuração de sons organizados.Na parte sobre eficiência em aprender música, Lundin (1953) discorre sobre elemen-tos que seriam importantes para a memorização a longo prazo de uma obra. A partirdeste estudo, ele então cita uma lista de sete conclusões que podem ser tiradas acercada memória musical específica, e de passos que qualquer músico pode realizar a fimde memorizar uma obra musical:

1. Aprender a peça como um todo é recomendada para peças curtas. Para obrasmais extensas, é recomendável dividir a peça em partes para estudo;

2. O estudo que é espaçado por um período de tempo, ao invés daquele condensadoem uma vez só é mais produtivo;

3. No caso do piano, estudar as duas mãos juntas, ao invés de uma de cada vez émais eficiente, contanto que a peça esteja no nível técnico do intérprete;

4. Um estudo analítico da obra antes de executá-la é bastante eficiente para aprendê-la como um todo;

5. Ao invés de passar um tempo excessivo estudando um peça (“overlearning”),guardar tempo para outras formas de estudo e para a fixação mental, já que o ex-cesso de tempo de estudo não comprovou ser uma técnica eficaz de memorizarmúsicas;

6. Um período de estudo mental também, não apenas a execução técnica da peçaprovou ser eficaz para se aprender uma obra memorizada;

7. A repetição incessante de trechos, na busca por eliminar erros é um método ques-tionável, e não é recomendado.

Seashore (1938) em uma linha de pesquisa similar, fala sobre “Doze Regras para oAprendizado Eficiente em Música”. As suas regras não falam sobre memória musicalem específico, porém, o ato de memorizar uma música pode ser considerado umaprendizado eficaz. Os doze passos seriam: selecionar um campo de interesse espe-cífico; querer aprender; confiar em primeiras impressões; classificar dados: aprenderpensando; cultivar um imaginário concreto; construir unidades de pensamento cadavez maiores; organizar os estudos; descansar economicamente; reorganizar o que foiaprendido e expressar em ações; revisar em ciclos; e, tornar cada nova coisa aprendidaum hábito e aprender obras de um nível adequado.Entretanto, as pesquisas de Seashore e Lundin datam de meados do século passado,e apesar de suas conclusões serem válidas, torna-se necessária uma literatura maismoderna também. Daniel Levitin (2010), em seu livro A Música no Seu Cérebro dedicaum capítulo ao tema “de que é feito um músico?”. Neste capítulo, um dos assuntosabordados é a memória musical. Levitin descreve o exemplo de três pessoas, uma

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com um repertório de músicas memorizadas marcante, outra com uma memória dereconhecimento para uma enorme gama de músicas, e também o caso de um meninoclarinetista, que ao sentir dificuldade em um trecho de uma música memorizada, atoca do início, não apenas do trecho com dificuldade.A partir destes três casos, Levitin descreve três tipos de memória: Memória de Agru-pamento, Memória de Identificação e a Memória Muscular. Na chamada memóriade agrupamento, que “. . . é o processo de juntar unidades de informação em grupospara se lembrar-se deles como um todo em vez das partes individuais” (Levitin 2010,245), os músicos codificam na memória as notas, de forma a facilitar o armazena-mento da informação.

“Os Músicos também usam o agrupamento de várias maneiras. Primeiro, tendema codificar na memória um acorde inteiro em vez das notas individuais; lembram-se de ‘sétima de dó maior’ em vez dos solos individuais de dó-mi-sol-si . . . Em se-gundo lugar, tendem a codificar os acordes e, seqüência, em vez de isoladamente.‘Cadência plagal’, ‘cadência eólia’ ou ‘mudanças de ritmo’ são designações empre-gadas pelos músicos para facilitar a identificação de seqüências de diferentes du-rações.” (Levitin 2010, 245-246)

Este caso seria o da pessoa com um repertório de músicas memorizadas marcante.Porém, ele ressalta que nos músicos, ter uma memória excepcional, não significa me-mória excepcional também em outras áreas de conhecimento, citando o caso damesma pessoa:

“. . . não tem uma memória excepcional para tudo: continua perdendo as chaves,como qualquer um de nós. Os grandes mestres do xadrez memorizam milharesde configurações de jogo. Entretanto, o caráter excepcional de sua memória noxadrez se estende apenas às posições permitidas no jogo.” (Levitin 2010, 244)

Levitin define a memória de identificação como “a capacidade que temos, na maioriados casos, de identificar peças musicais que ouvimos antes.” (Levitin 2010, 246). Talcaso seria o da pessoa com uma memória de reconhecimento para uma enorme gamade músicas. Porém, ele afirma que os estudos nesta área ainda são recentes, e que:

“Ainda não sabemos por que certas pessoas se mostram mais bem-dotadas nestesentido do que outras, o que pode ser conseqüência de uma predisposição inataou constituinte de como o cérebro foi formado, o que, por sua vez, pode ter origemgenética.” (Levitin 2010, 247).

A memória muscular se aplicaria ao caso do menino que não consegue tocar apenasum trecho da música memorizada, tendo que tocar ela do início. Segundo Levitin(2010), o caso do menino ocorreu pois ele estava executando uma seqüência memo-rizada de movimentos musculares, e a seqüência, após interrompida, teve no cérebrodo menino que recomeçar do início. Tal memória muscular, também chamada dememória motora, é abordada ainda no estudo “Pesquisa em Performance Musical noMilênio” (2003), em que Gabrielsson a descreve como: “os dedos parecem saber ondevão”. É uma memória bastante presente entre os músicos, porém com maior freqüên-cia entre os músicos não-profissionais, tendo em vista que os profissionais usam muitotambém a análise da estrutura da obra, em um processo chamado de “prática plane-

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jada”, que seria um estudo direcionado com algum enfoque ou objetivo (como, porexemplo, memorizar a música).Ainda acerca da memória musical de longo prazo, relacionada com a performance ememorização de obras extensas, alguns pesquisadores (Ericsson 1997; Santiago 2001)investigaram também o uso de imagens e representações mentais no momento daperformance para a interiorização da obra. Segundo Santiago (2001) a imagem mentalseria como uma espécie de partitura interiorizada, sendo, portanto, diretamente re-lacionada à memória musical. Na pesquisa é destacada também a importância dasimagens mentais na execução musical de alta qualidade.Em uma pesquisa sobre a execução de obras memorizadas especificamente no vio-loncelo, Chaffin, Lisboa, Logan e Begosh (2010) destacam três princípios que julgaramimportantes e que são presentes no tipo de músicos que chamam de “expert memorists”(especialistas em memorizar). Estes três princípios são: boa codificação do material,uma estrutura de feedback (o processo de feedback é a forma como a informação re-torna ao músico. Segundo Gabrielsson (2003) em performance musical, esse processopode ser auditivo, visual, tátil ou cinestésico) e prática de tempo de feedback. Umaboa codificação seria caracterizada pelo músico já possuir armazenado em sua me-mória estruturas padrões (escalas, acordes, arpejos) que seriam reconhecidas ime-diatamente facilitando assim a memorização de uma obra. Uma estrutura de feedbacké caracterizada pela forma como o cérebro resgata a informação armazenada, e otempo de feedback diminuiria este tempo de resgate, tornando então a obra prontapara ser executada de forma memorizada, segundo os autores transferindo a infor-mação codificada da obra da memória operacional para a memória de longo prazo.Chaffin, Lisboa, Logan e Begosh (2009) também destacam a importância dos pontosde apoio dentro de uma obra memorizada. Segundo eles, pontos de apoio, em que océrebro possa reiniciar uma linha de análise, geram uma sensação de segurança aoexecutar-se uma peça memorizada e são uma forma eficaz de se armazenar uma peça.É mais eficaz, então, armazenar uma peça dividindo-a em partes com pontos de apoiona memória do que um bloco único. Os autores inclusive dividem os pontos de apoioem estruturais, interpretativos, expressivos e básicos. Os estruturais referindo-se àestrutura da música, os interpretativos referindo-se a um ponto de apoio onde a in-terpretação muda, os expressivos onde a “sensação” da música muda, e os básicos emalgum lugar que apresente alguma dificuldade técnica.Além dos estudos específicos sobre memória musical de longo prazo, com a memo-rização de obras extensas para a performance, há também os estudos sobre a aplicaçãoda memória de curto prazo em outros contextos de aprendizado musical, como porexemplo a audição musical:

“A maneira como alguém ouve música depende crucialmente daquilo que é capazde lembrar eventos musicais passados. Uma modulação para uma nova tonalidadeé ouvida apenas se alguém se lembrar da tonalidade anterior. Um tema é ouvidocomo sendo transformado apenas se alguém consegue lembrar a versão original,a partir da qual se deu a transformação. E assim por diante, Uma nota ou acorde

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não tem significado musical senão na relação com as notas ou eventos anteriorese posteriores. Perceber um evento musicalmente (isto é, reconhecer pelo menosparte de sua função musical) é relacioná-lo a eventos passados. Portanto, é im-portante que nós saibamos até que ponto somos capazes de lembrar eventos mu-sicais passados, e que saibamos quais são os fatores que auxiliam a nossa memória.”(Sloboda, 2008, 229).

Em uma linha de pesquisa ainda mais recente, Ricardo Freire conduziu uma pesquisasobre a memória operacional e a nova teoria dos neurônios-espelho para respostasmusicais imediatas, como ditados ou procedimentos de aprendizagem a partir degravações, sendo estes processos chamados de imitações. Existe, porém, uma dife-renciação entre a imitação operacional e a memória de curto prazo: “A imitação ope-racional se diferencia da memória de curto prazo por depender da repetição imediatae da relação entre as informações que estão sendo armazenadas em tempo real”(Freire 2010, 15). A imitação operacional também é tratada como distinta da imitaçãoimediata (neurônios espelho), pela reação ocorrer praticamente de forma simultâneaà ação principal. O exemplo utilizado para este tipo de memória é: “. . . quando umapessoa tenta cantar uma música que não conhece com outra pessoa que esteja can-tando. A pessoa tenta acompanhar a outra cantando “um pouco depois” e muitasvezes completando a frase já iniciada” (Freire 2010, 16).

Discussão e ConclusãoA psicologia cognitiva deve ser usada como uma ferramenta para auxiliar o músicoa entender os seus processos mentais, e assim, melhorar e otimizá-los. Exatamentecomo questiona Diana Santiago: “Como poderia a psicologia cognitiva contribuirpara que o músico possa melhor capacitar-se para realizar a performance musical?”(Santiago 2001, 4).A partir desta pesquisa bibliográfica, foi possível concluir que a psicologia cognitivaé uma ferramenta importante na pesquisa sobre a memória musical, e que todas aspesquisas realizadas e teorias formuladas pela psicologia cognitiva podem ser utili-zadas como apoio para o estudo da memória musical e como ferramentas para o in-térprete melhorar cada vez mais a qualidade de sua execução.As três memórias principais abordadas pela psicologia cognitiva, do modelo sugeridopor Richard Atkinson e Richard Shiffrin em 1968 (Memória de Curto Prazo, Memóriade Longo Prazo e Memória Sensorial) foram também abordadas na literatura musicalespecífica, nas pesquisas apresentadas, e são sempre apresentadas nas pesquisas sobrememorização musical. Sem a base da psicologia cognitiva, com seus estudos sobre amemória na forma de constructos hipotéticos, as memórias musicais provavelmentenão poderiam ser explicadas de forma concisa. Os estudos e pesquisas sobre a memória na psicologia cognitiva também estão maisà frente do que os sobre a memória musical específica, em termos de aplicação prática,experimentos e testes. Estes testes, geralmente realizados com números, palavras ouimagens, podem ser utilizados para explicar comportamentos realizados para arma-

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zenar informações musicais. Santiago (2001) cita, em seu trabalho sobre o processode construção de imagens mentais, um estudo de Instons-Peterson (1997), que afirmaque à nossa época ainda é inexistente um modelo da imaginação auditiva, e que aindatomamos emprestados modelos de imagens visuais. Entretanto, ele afirma que “em-bora baseados no trabalho com a imaginação visual, podem ser aplicados com faci-lidade à imaginação auditiva.” (Instons-Peterson 1997 apud Santiago 2001, 6).Devemos reforçar que a psicologia cognitiva deve ser usada como uma ferramentapara ajudar a explicar os processos mentais do músico e, assim sendo, um apoio nahora de tornar a execução cada vez melhor. Ericsson (1997) denomina esse tipo debusca por uma perfeição cada vez melhor de “expert performance”, a caracteriza comosendo presente em várias áreas de conhecimento, e também explicita a necessidadede intensa preparação para tal: “uma performance de elite é alcançada gradualmente,e cerca de dez anos de intensa preparação são necessários para se atingir um nívelinternacional de performance em domínios tradicionais.” (Ericsson 1997, 25)A busca pela perfeição na execução é o que motiva os intérpretes a buscarem soluçõesdentro da psicologia cognitiva para o aperfeiçoamento, como por exemplo com o usoda “prática deliberada”, termo citado por Gabrielsson. A prática deliberada deve seruma prática presente diariamente na vida do executante de música e, segundo Ga-brielsson (2003), significa que a prática do instrumentista deverá ser cautelosamenteestruturada, para gerar uma melhora na performance. Pressupõe também alta moti-vação e esforço estendido, e atenção total durante a prática (o que limita a extensãoda prática, para um tempo de armazenamento da informação). A prática do instru-mentista deverá também incluir o seguimento de instruções explícitas e supervisãoindividual por um professor, além da análise meticulosa dos resultados e condiçõesde ambiente favoráveis.Estudar horas e horas seguidas e incessantemente (como citado na instrução sete deLundin (1953), em que ele diz que esta prática não é recomendada), como é de cos-tume para alguns instrumentistas pode não ser a melhor solução para se adquiriruma performance melhor. Músicos devem atentar-se para fatos comprovados por pes-quisas na psicologia cognitiva, como o de que a informação necessita de um tempopara ser armazenada no cérebro.Bonneville-Roussy, Lavigne e Vallerand (2010) pesquisaram também a importânciada paixão na aquisição de uma performance melhor. Segundo eles, em diversas áreasdo conhecimento, quando questionados a causa da sua performance melhor que ausual, vários “experts” em suas áreas citam quase que imediatamente a paixão. Váriosoutros fatores cognitivos, ambientais e psicológicos foram incluídos nesta lista tam-bém, mas o que chamou a atenção foi a paixão. Devemos prestar atenção tambémque Bonneville-Roussy, Lavigne e Vallerand (2010) definem que um dos principaisfatores, que definem uma atividade executada como uma execução de alto nível, é ainternalização total desta atividade. O que seria uma internalização total de uma mú-sica se não uma memorização dela? Se considerarmos que a execução memorizadadentro da música é um fator que leva a uma melhor performance, podemos deduzir

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que a paixão pode ser um motivador para a execução memorizada, e que o primeiropasso então para se memorizar uma música é querer memorizá-la.O músico deve visualizar a psicologia cognitiva como um importante aliado, e buscá-la como uma forma de auxílio para suas dificuldades. Há em psicologia cognitiva di-versas pesquisas na área de performance de alto nível, e pesquisas em outras áreascomo esportes e atividades intelectuais podem ser utilizadas como referência para osmúsicos.

ReferênciasBaddeley, Alan D. Essentials of Human Memory (Hove: Psychology Press, 1999).Baddeley, Alan D. The Psychology of Memory (New York: John Wiley & Sons, 2004).Bonneville-Roussy A., Lavigne G. L. E Vallerand R. J. When Passion Leads to Excellence: The

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Levitin, Daniel J. A Música no seu Cérebro: A Ciência de uma Obsessão Humana (Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2010).

Lundin, Robert W. An Objective Psychology of Music (New York: The Ronald Press Company,1953).

Révész, Geza. Introduction to the Psychology of Music (Mineola, New York: Dover, 2001).Santiago D. “Sobre a Construção de Representações Mentais em Performance Musical”. Tra-

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Schacter, D. L. Os Sete Pecados da Memória: Como a Mente Esquece e Lembra (Rio de Janeiro:Rocco, 2003).

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Métodos de memorização e a construção da performance instrumental

Leonardo Casarin [email protected]

Werner [email protected]

Programa de Pós-Graduação em Música da UFG

ResumoO presente artigo enfoca métodos de memorização do instrumentista durante a cons-trução de uma performance musical, os processos cognitivos da música através dossentidos, representações mentais e sua importância. Resultado de uma investigaçãobibliográfica sobre memorização musical e da discussão dos dados pelos autores nodecorrer do ano de 2010 no curso de mestrado em música (performance musical) daUniversidade Federal de Goiás, esta investigação se desencadeou a partir das diversaspropostas de estudos existentes que proporcionam amplas possibilidades metodoló-gicas na abordagem e preparação da performance. Em virtude das representaçõesmentais diferirem em função de fatores pessoais, circunstanciais e musicais, expõe-se a importância do respeito à individualidade do instrumentista. O objetivo destapesquisa é, através do referencial teórico, esclarecer quais são os métodos de me-morização utilizados pelos intérpretes na construção de uma performance instrumen-tal, como ela tem sido abordada ao longo da história e como os autores fundamentama importância da realização de uma performance memorizada. Feita a revisão de li-teratura dos principais textos sobre música e memorização musical ao longo da his-tória, o trabalho prossegue expondo a importância da memorização musical no estudopreliminar a uma performance, concentrando atenção na familiarização com a obra,bem como na diminuição de situações de risco e redução dos níveis de ansiedade. Aparte final do trabalho apresenta os principais elementos que constituem a memori-zação musical com dados reportados pelo referencial teórico. Podemos concluir quecada instrumentista forma o seu próprio método memorização musical durante a suaconstrução da performance. No entanto, para uma preparação segura deve haver umequilíbrio entre as memórias visual, cinestésica e auditiva, assim como outros ele-mentos da cognição musical.

IntroduçãoO presente artigo enfoca a memorização do instrumentista durante a construção deuma performance musical, os processos cognitivos da música através dos sentidos,representações mentais, a importância em uma eventual performance. O termo “Mé-todos de memorização” se refere aos caminhos que o indivíduo percorre para me-morizar um obra, e não à sistematização dos processos para chegar ao determinadoobjetivo. Esta pesquisa é o resultado de uma investigação bibliográfica e discussão dedados por parte dos autores no decorrer do ano de 2010 no curso de mestrado em

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música (performance musical) pela Universidade Federal de Goiás. A prática da memorização musical pelos intérpretes pode ocorrer de diferentes formas,sendo sistematizadas pelo indivíduo através da prática deliberada ou por insistentesrepetições da obra. O ensino desta prática até há poucos anos ocorria quase que ex-clusivamente através da transmissão pelo mestre, que, ao obter êxito em seus proces-sos de estudos, fazia com que seus estudantes percorressem os mesmos caminhos embusca de resultados satisfatórios. Nos últimos quarenta anos, ocorreu uma elevaçãodo número de estudos e publicações sobre a prática da performance e cognição mu-sical. Tal crescimento demonstra uma preocupação crescente na excelência da for-mação do intérprete. O objetivo desta pesquisa é, através do referencial teórico,esclarecer quais são os métodos de memorização utilizados pelos intérpretes na cons-trução de uma performance instrumental, como ela tem sido abordada ao longo dahistória e como os autores fundamentam a importância da realização de uma perfor-mance memorizada.A presente investigação tomou como ponto de partida a diversidade de propostas deestudos pelos professores, concertistas e pesquisadores. A disparidade de informaçõesproporciona amplas possibilidades metodológicas aos estudantes, muitas vezes con-fundindo os instrumentistas que não atingiram maturidade suficiente para controlarsuas decisões nos estudos. Por isso, expõe-se aqui a importância de respeitar a indi-vidualidade do instrumentista, pois a representação mental da música difere segundofatores pessoais, circunstanciais e musicais (Gabrielsson 1999; Jorgensen 2004; Chaf-fin e Logan 2006). Os autores procuram ilustrar os métodos da memorização musicalno decorrer dos estudos de uma obra, tendo em vista a possibilidade destas informa-ções serem aproveitadas indiscriminadamente por performers de maneira geral.

Um histórico das pesquisas em memorização musicalMateriais que abordam a performance musical vêm sendo publicados há poucas cen-tenas de anos, principalmente a partir do século XVIII. Estas publicações se caracte-rizam por métodos instrumentais nos quais os respectivos autores passavam ao seupúblico-alvo sua concepção de “como tocar” determinado instrumento.

Desde aproximadamente o ano de 1700, uma quantidade abundante de livros temsido escrita sobre métodos e abordagens instrumentais, cada um contendo mate-rial para a prática individual. A maioria destes trabalhos baseia-se na experiênciapessoal e na opinião dos autores, e suas visões são muitas vezes contraditórias(Jorgensen 2004, 87).

O século XX acaba tomando alguns outros rumos nesta linha de pesquisa. Emboracontinue aparecendo uma quantidade de publicações com propostas metodológicaspara o ensino de diversos instrumentos, a pesquisa em música começa a criar sub-áreas. Assim, a investigação em performance musical pode oferecer uma gama de ver-tentes, desde a análise de elementos empregados pelo compositor em uma obra, aidentificação de características interpretativas do performer, até algum elemento téc-nico do próprio instrumento musical, tais como processos de transcrição ou o uso dealguma técnica estendida.

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Em sua tese de doutoramento, Luis Cláudio Barros (2008) faz um levantamento dapesquisa empírica a respeito do planejamento da execução instrumental e enquadraas publicações em temas de pesquisas em categorias de abrangência maior, tais como:temáticas relativas à análise do comportamento durante o estudo, organização, ca-racterísticas e tipos de prática; temáticas que abordam estratégias de estudo; temáticasque abordam a representação mental da música e processos cognitivos envolvidos namemorização. Contudo, neste texto, vamos nos deter na última categoria temáticaexposta por Barros (2008). Aliada à evolução das pesquisas na psicologia da performance nas últimas décadas, aprática deliberada da memorização começa a ganhar espaço. Da mesma forma quecontinuam a ser publicados materiais sobre técnicas de memorização, tais materiaiscomeçam a receber notoriedade científica, abrangendo áreas como a psicologia e neu-rociências (Ray 2005).Entre os precursores da investigação sobre música e memorização destacamos o pia-nista húngaro Sandor Kovacs, que no ano de 1916 reportou suas experiências comoprofessor ao investigar as problemáticas envolvidas no processo de memorização deseus alunos (Jorgensen 2004 e Santiago 2001). Jorgensen (2004) expõe que estudosna área do planejamento são relativamente recentes, sendo que nos 20 anos subse-qüentes à publicação de Kovacs apenas 3 trabalhos foram apresentados nesta área.

Desde 1975, o número de estudos publicados sobre estratégias de prática indivi-duais tem aumentado gradualmente a cada década, e aproximadamente dois terçosdos trabalhos publicados de 1916 ao presente têm datas a partir de 1990 (Jorgen-sen 2004, 87).

Corroborando com esta afirmação, para Gabrielsson (2003), o surgimento das pes-quisas sobre o planejamento da performance, assim como sobre a memorização, estárelacionado ao aparecimento dos estudos da psicologia cognitiva na segunda metadedo século XX.Ainda da primeira metade do século XX, a obra Como devemos estudar piano de Lei-mer e Gieseking (1949), com primeira edição em 1930, aborda aspectos tais como amemorização e as etapas para se obter um resultado satisfatório na execução de umaobra musical. O autor instiga o leitor a fazer uma reflexão sobre o que este sendo es-tudado, realizando um treinamento auditivo do que está sendo tocado e procurandoobter uma boa concentração. Destaca-se por não apresentar um conteúdo didáticopara o sujeito iniciar estudos no instrumento, mas a obra é um tratado sobre a cons-trução da performance em que os autores expõem exclusivamente as suas experiências. Entre as publicações do século XXI estão Williamon (2002), Ray (2009), Santiago(2001), Chaffin et al (2009), Chaffin e Logan (2006). Estes trabalhos expõem técnicase estratégias de memorização ou estudos de casos com instrumentistas, e contribuemcientificamente para a performance musical. Os artigos de autoria de Chaffin descre-vem respectivamente os estudos e performances de uma violoncelista e de uma pia-nista ao longo de meses, podendo este primeiro ser considerado “a mais completadescrição do processo de aprendizagem de um músico profissional” (Barros 2008,

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71). O estudo de caráter experimental tem autoria de Williamon e Valentine (2002),onde foram avaliados 22 pianistas de diferentes níveis e discutindo a importância dasfronteiras estruturais para a memorização da performance. Alguns autores como Con-nolly e Williamon (2004), Ginsborg (2004) e Gordon (2006) sugerem sistematizaçõespara a memorização, incluindo algumas estratégias para um bom funcionamento doaparato neurológico durante os estudos.

A memorização musical e a sua importânciaMuitos são os músicos que procuram sugestões de professores e pesquisadores paraconstruir a sua performance. Descobrir os caminhos da memorização musical de mú-sicos profissionais pode esclarecer muito sobre o próprio indivíduo pesquisado, masnão podemos afirmar que servirá igualmente a todos. Com estas afirmações corro-boram Williamon e Valentine (2002) e Gabrielsson (1999), sendo que este último re-porta que existe uma pluralidade de modos para representar mentalmente a música.Assim, sugere que estas representações se diferenciam quanto ao gênero musical, aoinstrumento, às experiências anteriores, ao conhecimento, à personalidade e ao mo-mento de estudo. A natureza da interpretação em qualquer área do conhecimento in-terfere nos respectivos processos de aprendizagem. Assim o planejamento daperformance de cada instrumentista estaria ligado à interpretação, não apenas musical,mas como estes compreendem as informações de quaisquer natureza. O conheci-mento destes processos compartilhado por uma quantidade imensurável de instru-mentistas pode servir como opção para os indivíduos realizarem experimentosdurante o planejamento da performance. Contudo, o encontro da forma que será in-dividualmente mais adequada ocorrerá após uma série de tentativas e erros em meioa que geralmente se sobressai uma compilação das experiências e dos métodos ab-sorvidos.Muitos instrumentistas trabalham a memorização de diferentes formas, algumasvezes ligadas a outras etapas do processo de construção de uma performance musical.Por exemplo, este processo pode ser concomitante à primeira leitura da obra, pelaprática deliberada ou por insistentes repetições. Para o instrumentista este processoinicia com o “arquivamento” mental das notas musicais e dos elementos da linguagemda escrita da música. Memorizar diminui as situações de risco em viradas de páginas ou outros imprevistosno palco, como a ausência de luz necessária. Também permite maior liberdade e me-lhor comunicação entre músicos em um grupo de câmara. As pesquisas de Williamon(2002) reportam várias gravações da performance de uma violoncelista, tocando coma estante (com e sem partitura), sem estante e com a estante escondida. Com isto, oautor concluiu que até mesmo o público sofre uma influência visual na avaliação daperformance, preferindo aquelas cujos intérpretes não dividem o palco com estantese partituras. Hoje em dia é freqüente o público presenciar a concertos cujos solistas se apresentamno palco sem partituras. Para muitos, memorizar pode ser uma tarefa extremamente

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árdua, demandando várias horas de estudo dedicadas apenas a isto. Para alguns au-tores, realizar uma execução sem partitura se tornou sinônimo de competência pro-fissional (Williamon 2002; Chaffin e Logan 2006). Excluindo esta questão “romântica”e visual em torno do instrumentista ao ser presenciado pelo público, consideramosque a memorização já é uma etapa inerente à construção da performance musical. Amemorização apresenta ainda uma grande vantagem no que se refere a maior fami-liarização do instrumentista com a obra, pois há uma maior autonomia e muitas vezesmaior confiança na performance (Williamon 2002 e Ginsborg 2004). Enseja ainda ocontrole dos níveis de ansiedade (Ray 2009 e Gordon 2006), pois memorizar induzsegurança ao performer e maior concentração no palco. Assim, o músico que buscase profissionalizar deve trabalhar a sua capacidade de memorização, pois é provávelque em algum momento de sua carreira isto será necessário.

Os métodos e processos da memorização musicalAnalogamente à musculatura, o cérebro necessita de treinamento constante para gra-var as informações das atividades de estudos e do dia a dia. Existem muitas técnicasde armazenamento das informações, mas o importante é trabalhar a forma em quemelhor se encaixa o indivíduo. Grande parte dos músicos sabem a importância docuidado na realização de movimentos corretos de dedilhados, nas respirações, comode maneira geral com todo o aparato músculo-esquelético durante as seções de estu-dos. A mesma atenção deve se ter com o cérebro ao procurar trabalhar corretamentee evitar desgastes desnecessários. Na música, a memória compreende três aspectosrelacionados aos sentidos. Gordon (2006), Hughes (apud Williamon, 2002), Fernan-dez (2001) apresentam a seguinte divisão no seu treinamento: visual, cinestésica (tátil,digital ou muscular) e auditiva. Estes elementos são chamados por Ginsborg (2004)de memórias sensoriais e podem ser trabalhadas separadamente ou concomitante-mente a fim de obter uma memorização satisfatória.A memória visual consiste em armazenar as informações impressas na partitura ououtras imagens, tais como o posicionamento das mãos no instrumento ou gestos deum regente. Ao visualizar a partitura no decorrer da performance, o intérprete reali-zaria uma espécie de leitura mental da obra. Para Chaffin et. al. (2002) a visão é umdos primeiros caminhos para a memorização de uma obra, momento que o instru-mentista sente a necessidade de prestar atenção no posicionamento das mãos e dosdedos ao executar o instrumento. Este mesmo autor considera que muitos instru-mentistas evidenciam o uso da memória visual ao apresentar dificuldade de trabalharcom edições diferentes da partitura estudada inicialmente. Nos estudos de Williamone Valentine (2002), alguns estudantes de piano demonstraram depositar confiançana visão ao segmentar a obra para memorizar a partir da representação visual da par-titura. O treinamento desta memória pode ser realizado a partir de obras curtas e depouca dificuldade mecânica, aumentando progressivamente a dificuldade das peçasaté o ponto em que freqüentemente será possível visualizar mentalmente uma per-formance inteira.

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A memória cinestésica é uma forma de memorização sensorial relacionada ao tato.É formada a partir da prática no instrumento arquivando mentalmente sensaçõesmusculares dos dedos, da mão e braço, tais como digitação, saltos e movimentos doarco no caso de instrumentos de orquestra da família das cordas. Esta memorizaçãopode ocorrer pela prática deliberada ou até mesmo de forma quase inconsciente. Se-gundo Ginsborg (2004), a memória cinestésica é muito utilizada por amadores ouquando não há compromisso com a obra. Ocorrendo muitas vezes pelo instrumentistarepetir fragmentos ou toda a obra diversas vezes até que este consiga tocar sem o au-xílio da partitura. Pode ser bem utilizada em passagens com complexidade técnicanas quais os instrumentistas possam treinar pequenos trechos como saltos, digitações,escalas, ou ainda isolar as dificuldades e executar as mãos separadas. Realizar umaperformance utilizando a memória cinestésica como principal guia da obra pode serperigoso, segundo Ginsborg (2004), uma vez que a execução musical pautada exclu-sivamente por esse elemento deixa poucas possibilidades para recuperação em casode um erro.Para realizar a memória auditiva de uma obra, o instrumentista precisa ter a capaci-dade de gravar mentalmente seqüência de alturas e ritmos, memorizando melodiase harmonias. Apesar desse aspecto da memória enfatizar o elemento auditivo, Leimere Gieseking (1949) chamam isto de memória visual na medida em que cria uma vi-sualização, isto é, uma compreensão mental de sons imaginários. Segundo estes au-tores, indivíduos com um bom nível de desenvolvimento técnico possuem umatendência natural para reter sons mentalmente. Desse modo, o músico pode imaginarcomo soaria a performance sem estar em contato com o instrumento musical, utili-zando o “ouvido interno”. Ginsborg (2004) afirma que a memória auditiva muitasvezes é formada a partir da freqüente audição do estudante, em suas diversas repeti-ções de trechos ou da totalidade da obra, em seus estudos. Segundo Santiago (2001),existem casos de músicos que desenvolvem um “ouvido fotográfico”, sendo capazesde aprender obras complexas de diferentes gêneros em apenas com algumas audi-ções.Aspectos da memorização na performance musical formados por sentidos como avisão, o tato e a audição formam respectivamente a memória visual, cinestésica e au-ditiva, fornecendo os caminhos para uma execução musical memorizada. Mas paraisto, é importante que cada instrumentista conheça suas capacidades e suas limitaçõespara fazer as suas escolhas durante a construção da performance musical. O conhecimento musical e interpretativo da obra pelo instrumentista também podeservir como auxílio para a memorização de uma obra. Para Chaffin e Logan (2006) eGinsborg (2004), conhecer os limites estruturais e os elementos de uma composiçãopode formar pontos importantes para a memorização. Assim, o instrumentista podedesenvolver a memória conceitual a partir do momento que a música começa a fazersentido para ele, sendo explorada concomitantemente aos caminhos para a memori-zação formada pelos sentidos. Mas para isto é necessário que o intérprete consiga re-conhecer estes limites estruturais da obra, trechos da música que possam ser

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fragmentados, por sinais expressivos, por aspectos interpretativos, por elementoscomposicionais ou mesmo por dificuldade técnica formando assim suas própriasidéias e conceitos sobre a obra. Para Ginsborg (2004), esta memória explora tambémpartes maiores da obra, assim como frases, seções, modulações, ritornelos e outrosaspectos que fazem parte da estrutura da obra. Provost diz que Sandor (Provost, 1992)chama a isto de “memória intelectual ou analítica”, expondo que conhecimento daestrutura e da composição musical ajudam o intérprete na memorização de uma per-formance. Chaffin e Logan (2006) abordam alguns pontos-chave para a recuperação do fluxoda obra em caso de esquecimento, utilizados por instrumentistas para lembrar deuma obra. Estes pontos-chave seriam “marcos” criados pelos intérpretes ao estudaruma obra. Podendo estes pontos-chave ser: estruturais, relacionados à estrutura daobra; expressivos, caracterizados pelas mudanças de caráter da obra, como anda-mento ou textura; interpretativos, locais onde o intérprete precisa colocar especialatenção às mudanças da obra; básicos, aspectos técnicos e mecânicos da obra. Pelasinformações podemos compreender que estes pontos-chave sugeridos por Chaffin eLogan (2006) estão vinculados à compreensão da obra e o uso dos sentidos. Podemosentender que entre estes pontos-chave, os estruturais e expressivos estariam ligadosà memória conceitual, os interpretativos fazem uso da memória auditiva e conceitual.Já as pistas básicas recorrem exclusivamente à memória cinestésica. A memória realizada através de repetições inconsciente com o instrumento pode nospassar a sensação de segurança ao executar a obra inteira sem interrupções, mas podegerar lapsos de memória em uma apresentação pública. Para evitar fatalidades é ne-cessário que o intérprete se detenha na memorização pela da prática deliberada, es-tudando conscientemente cada trecho, empregando os métodos de memorizaçãoadequados a cada passagem. Nos estudos de casos descritos por Williamon e Valen-tine (2000, 2002), Chaffin e Logan (2006) e Chaffin et. al. (2009), informa-se da im-portância do uso da memória visual, cinestésica e auditiva, de modo que mesmo amemória cinestésica pode ser fundamental para a recuperação da memória em casosde lapsos em uma performance. Santiago (2001) expõe as diversas formas como osinstrumentistas podem memorizar uma performance, sendo elas automatizadas peloindivíduo ou não.

Apesar de existir variação considerável nos modos pelos quais os músicos proce-dem para memorizar música, dependendo das percepções que têm de seus pontosfortes e fracos e das necessidades da tarefa, há, de um modo geral, duas aborda-gens: uma se baseia em processos automatizados auditivos, cinestésicos ou visuais;a outra, na análise cognitiva da estrutura da obra (Santiago 2001, 174).

Podemos compreender que a análise cognitiva da estrutura da obra, cuja autora serefere, estaria vinculada à memorização conceitual da obra, pelo fato da memória serformada pela compreensão de elementos presentes na composição musical. Comoparte desta memória conceitual, caracterizada pela compreensão de eventos, Chaffin,Logan e Begosh (2009) expõem as memórias: emocional, estrutural e lingüística.

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Sendo a memória emocional ligada ás nuances e as emoções inseridas na sua inter-pretação da obra pelo performer. A memória estrutural estariam ligada à organizaçãodas seções da obra. Memória lingüística estaria relacionado ao discurso mental queo instrumentista faz ao estudar uma obra, advertindo-o ou sugerindo relações com orestante da obra. Relacionando a memória lingüística com a memória visual e auditiva, os pianistasLeimer e Gieseking (1949) instigam o leitor ao estudo reflexivo. Assim, uma perfor-mance pode ser preparada inteiramente pela visualização mental de todos os elemen-tos da obra — notas, ritmos, harmonias, sinais de expressão e os principaisprocedimentos técnicos — na medida em que permite que o instrumentista seja capazde descrever sua execução inteiramente de memória. Mas para isto os autores consi-deram importante o estudo concentrado, o intenso treinamento auditivo durante osensaios. Como treinamento, o estudante pode começar por obras de níveis mais ele-mentares a fim de gravar estas imagens mentais.Provost (1992) alega que a maioria dos instrumentistas utilizam apenas uma ou duasformas de memorização entre a visual, cinestésica, auditiva e conceitual, enquantorecomenda todas estas formas para reter o máximo possível de informações. Por ra-zões óbvias, uma memorização musical fornecerá maior segurança se cada indivíduofizer o uso equilibrado de todos estes métodos, encontrando sua própria fórmula paraa realização de uma performance inteiramente memorizada.

ConclusõesAs formas de memorização sensorial tais com visual, cinestésica e auditiva, somadasa memória conceitual formadas pela memória emocional, estrutural e lingüística, for-mam os métodos para a realização de uma performance memorizada. Mesmo paraaqueles estudantes de música que consideram esta tarefa extremamente exigente, lem-bramos que a memorização precisa ser praticada constantemente, fazendo que o pró-prio intérprete encontre a sua forma adequada e que se sinta seguro para umaapresentação. Não é o propósito deste artigo desmerecer uma apresentação que o intérprete faz usoda partitura na execução das obras, mas de reforçar a importância do conhecimentode diferentes processos e os caminhos de uma memorização. Os autores tiveram apreocupação de expor alguns aspectos cognitivos da música para que o estudantepossa formar o seu próprio método de memorização no decorrer da sua construçãoda performance musical. Mesmo com a diversidade de propostas de sistematizaçãodos estudos visando a memorização musical existentes, qualquer processo não é apli-cável e seguro indiscriminadamente a todos os performers.

ReferênciasBarros, Luis Claudio. “A pesquisa empírica sobre o planejamento da execução instrumental:

uma reflexão crítica do sujeito de um estudo de caso” (Tese de Doutorado, Universidade

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PÔSTERES

O gesto na performance instrumental Belquior Guerrero Santos Marques

[email protected] Bertarelli Gimenes Toffolo

[email protected] Estadual de Maringá – UEM,

Laboratório de Pesquisa e Produção Sonora – LAPPSO

Palavras-chavegesto musical – performance – actio

O presente trabalho é resultado parcial de pesquisa, pretendendo fazer uma investi-gação sobre as possíveis contribuições que o gesto corporal do instrumentista podemtrazer à significação musical. Autores como Freitas (2005) afirmam que o gesto cor-poral do performer pode ser considerado como um elemento construtivo de comu-nicação e significação, fator epistemológico e expressivo e que contribui para aconstrução da significação musical como um todo. O presente trabalho partiu de umarevisão do conceito de gesto considerando desde o Actio na retórica aristotélica atéos estudos mais recentes sobre o gesto musical e a performance. Posteriormente abor-damos, segundo atores como Freitas (2005) e Iazzetta (1997), de que maneira o gestoinstrumental encontra-se, em alguns casos, distanciado da performance. Como úl-tima etapa, pretendemos demonstrar como considerar o gesto instrumental em re-lação às estruturas musicais de uma obra para violão abordando como o gesto serelaciona com a técnica instrumental e a partir disso como pode contribuir para aconstrução de significação de tais estruturas musicais. Nos últimos anos, tem sido crescente a preocupação de músicos e pesquisadoresacerca do gesto musical, questões perceptuais e discursivas, e também a investigaçãoda importância do gesto na prática artística, seja na execução de obras ou na compo-sição. Tais questões foram levantadas por autores como Smalley (1986), Zagonel(1992) e Wishart (1996) e vêm sendo exploradas por educadores, compositores e mu-sicólogos, o que proporcionou uma produção acadêmica considerável sobre o assuntonos últimos anos. Mesmo despertando um interesse maior somente após a segundametade do século XX, a preocupação do gestual como fator contribuinte à significaçãodiscursiva já está presente desde a retórica grega. Consideramos que o estudo da retórica aristotélica, principalmente do Actio, quecompõe um dos elementos desta arte, é de grande importância ao entendimento dosprocessos significativos e expressivos da gestualidade. Aristóteles ao falar sobre a arte

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retórica e discorrer sobre as etapas e elementos importantes para um discurso, de-fende como é importante para o orador se servir da gestualidade para tornar o dis-curso persuasivo. O gesto deve ser usado então para suscitar no ouvinte paixões,conduzindo-o na linguagem e reforçando a significação desta pelo gesto. Os estudos musicológicos têm afirmado que a música instrumental até o final da re-nascença era produzida principalmente a partir dos cânones composicionais típicosda música vocal e de suas formas intrínsecas de construção de significação a partirdos elementos retóricos textuais. Somente no barroco é que a música instrumentalrealmente se efetiva e as preocupações retóricas e significativas têm que ser conside-radas em um contexto que agora prescinde do conteúdo semântico textual. Neste sen-tido, podemos considerar que grande parta da experiência musical que osinstrumentistas e compositores tinham em sua bagagem, provinha do canto, e comeste, faziam associações de todos os aspectos na execução instrumental. Associaçõesque para sustentar uma coerência prosódica (herança da música vocal) ao discursomusical, usufruíam também do gesto como elemento musical, sendo este, fator in-trínseco à execução instrumental. Trabalhos recentes de autores como Freitas (2005), Iazzetta (1997) Assis e Amorin(2009) apontam dentre outros assuntos pertinentes ao gesto, como este se distanciarada prática da performance nos dias de hoje. Freitas (2005), baseando-se na obra deGusdorf, aponta que no século XIX pós revolução industrial, a concepção que haviasido concebida para a produção em larga escala, dividindo as etapas de produção eespecializando a mão de obras para setores específicos, invadiria e influenciaria opensamento moderno, afetando, obviamente, a produção científica e artística. Istorefletiria na música, como herança do romantismo, período em que o instrumentistaassumira uma posição de prestígio até então desconhecida na história da música oci-dental. O ensino musical pós revolução industrial seria direcionado à formação devirtuoses, conservatórios se moldariam a uma educação que privilegiasse a técnica,tornando a formação do músico voltada para esse fim. Essa abordagem técnica estri-tamente mecanicista, fragmentaria o conhecimento musical, fazendo com que os mú-sicos desenvolvessem a técnica desvinculada do conteúdo e da experiência musical,separando o desenvolvimento sensório motor do emotivo, cultural e perceptual. Acreditamos, que esta fragmentação do aprendizado levantada por Freitas não foiuma causa isolada que distanciaria o gesto da prática musical. Como aponta Iazzetta(1997), o surgimento da indústria fonográfica em meados do século XX também seriaum dos fatores cruciais nesta transformação. Iazzetta considera que antes do surgi-mento da indústria fonográfica músicos e ouvintes associavam o gesto de forma in-separável da prática musical, uma vez que a música, até então, só podia serreproduzida ao vivo. Mesmo no início da era fonográfica, toda a referência de escutamantinha relações com o gesto do instrumentista. A música realizada ao vivo era areferência para a gravação, e a presença do gestual necessário para determinada exe-cução musical era sustentado por uma convenção, que era perpetuada pelos instru-mentistas. Este papel de referência, com o passar do tempo se reverteu, tornando

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como prática instrumental ideal, a execução da obra que mais se aproxima de grava-ções da mesma. Esta constatação de Iazzetta pode facilmente ser relacionada à deFreitas, uma vez que a formação do músico e o contato dele com a música, neste caso,a referência musical partindo da escuta, se tornam um emaranhado cultural quetransforma o pensamento artístico, seja do músico em formação, ou da sociedade,mudando a maneira de produzir e compreender a música. Assis e Amorim constatam que a necessidade de indicações cada vez mais detalhadasna notação musical surgem devido a um distanciamento do gestual. Os autores afir-mam que no período serial, devido à alta quantidade de determinações precisas dosaspectos dinâmicos, temporais, entre outros, o interprete ficou limitado na interpre-tação de tais elementos, diminuindo sua parcela de contribuição interpretativa naobra. Sendo assim, acreditamos que a preocupação com o gesto decorrente do ato perfor-mático pode ser de grande contribuição para a construção da significação musical.Não é intuito aqui desmerecer ou colocar em xeque práticas musicais que prescindemdo gesto corporal como na música eletroacústica solo, ou outras manifestações dotipo. Nesse sentido, discursos sobre o gesto enquanto propriedade musical estruturalou conceitos de gesto como propriedade significativa que emerge do ato perceptivopodem apresentar resultados interessantes como propõem Smalley (2008). Porém,nos restringimos à significação gestual própria da prática instrumental.A idéia central deste trabalho, e o ponto em que ele se encontra no momento, é in-vestigar qual é o gestual corporal que emerge naturalmente da estrutura da obra. Cadatipo de repertório terá suas características principais, dependendo da poética musicalque a suporta, no que se refere a tensão e relaxamento, direcionalidade, entre outras.Acreditamos que o gestual do performer será diretamente interconectado e emergirádessas propriedades estruturais contribuindo efetivamente com a construção da sig-nificação musical. Vale ressaltar que não pretendemos considerar que os interpretesnão realizam os gestos apropriados durante a performance de uma obra, já que acre-ditamos que o conjunto gestual geralmente emerge das necessidades técnicas instru-mentais para realizar a obra e de suas propriedades estruturais, porém acreditamosque a consciência de tais possibilidades pode ser um fator que contribua tanto com aperformance musical quanto o entendimento de como o gestual pode ou não contri-buir com a construção da significação musical tanto pelo interprete quanto pelo ouvinte.

ReferênciasAssis, Ana Cláudia e Felipe Amorin. “O gesto musical e a expressividade”. Performa: Conferência

Internacional em estudos em performance, Universidade de Aveiro, Maio 2009.Aristóteles. Arte retórica. Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, 2002.Cook, Nicholas. A Guide to Musical Analysis. London: Dent, 1987.Freitas, Marcos T. B. O gesto provável: uma investigação acerca do gesto musical. Dissertação

de mestrado. São Paulo, UNESP, 2005.

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Iazzetta, Fernando. A música, o corpo e as máquinas. Opus: Revista da Associação Nacional dePesquisa e Pós-Graduação em Música 4 nº 4 (1997).

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Aprendizagem e desempenho motor e procedimentos didáticos:questões no âmbito pianístico

Fernando Pabst [email protected]

Maria Bernardete Castelan Pó[email protected]

Departamento de Música – Universidade do Estado de Santa Catarina

ResumoA intenção da presente investigação foi informar, através do cruzamento interdisci-plinar de conhecimentos, a concepção de um sistema didático pianístico que funda-mentasse e justificasse seus preceitos em axiomas primariamente mecânicos ecognitivos. Trazendo à tona uma discussão acerca de conceitos-chave de áreas comobiomecânica, cinesiologia e ergonomia, este trabalho procurou confrontar os achadosinter-áreas com sua prestabilidade para a área do desempenho pianístico. Perse-guindo teoricamente os conceitos internos à grande área da coordenação motora esua viabilidade para o pianista, encontrou-se dentro da proposta teórica dos “ciclosde movimento” (Póvoas, 1999, 2006, 2007), recurso estratégico de organização domovimento, um modelo de trabalho com potencial para a continuidade desta discus-são. Buscou-se debater, negar ou confirmar os achados da autora ao tê-los aplicadosao estudo de um determinado trecho de um exemplo musical do compositor SergeiRachmaninov, sempre fazendo a ponte com o objeto deste trabalho ao tangenciar adiscussão acerca dos procedimentos didáticos na sua intersecção com questões cog-nitivas e mecânicas.

Palavras-chaveaprendizagem motora – ação pianística – ciclos de movimento

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IntroduçãoEste artigo visa dar conta de progressos alcançados na pesquisa em andamento, de-nominada “Técnica, Movimento e Coordenação Motora — Conceitos e Aplicações In-terdisciplinares na Ação Pianística”. Entre as áreas tangenciadas pelo grupo depesquisa estão: biomecânica, cinesiologia, ergonomia e controle motor. Através delevantamento bibliográfico, discussões e o confrontamento de hipóteses testadas pra-ticamente ao instrumento, o grupo desenvolve pontes interáreas de interesse para osestudantes e profissionais do piano.A pesquisa tem como centro de interesse o espaço comum em potencial partilhadoentre a ação pianística e a coordenação motora. Essa articulação não somente é pos-sível como é desejada, haja vista que o movimento é o elemento-meio da ação pia-nística (Póvoas et al. 2006, 59), e um dos principais fatores de desempenho desta açãoé a coordenação motora. Convém definirmos ação pianística como uma ação tal

“construída através do processamento das questões envolvidas na música selecionando,coordenando e realizando tanto os elementos da construção musical que constitueme caracterizam cada obra quanto os movimentos que possibilitem esta ação” (Póvoas1999, 80). Portanto, a totalidade do conjunto físico-motor do instrumentista é con-siderada na sua estreita causalidade com o controle da coordenação motora.Eixo essencial e fator determinante da ação pianística, a coordenação motora, pro-cesso ao qual o instrumentista almeja se familiarizar plenamente, informa direta-mente outros dois conceitos — o desempenho motor e a aprendizagem motora. Essesconceitos entram em jogo quando o problema de como se adquirir a coordenaçãomotora desejada é lançado. A aquisição de habilidade passa necessariamente pela fa-miliarização com as entranhas do processo de aquisição de coordenação motora. “Acompreensão e a elaboração exatas das informações sensoriais de movimento comobase de uma direção e regulação corretas do decurso de movimento [. . .] são conhe-cidas como processo essencial da coordenação motora” (Meinel 1987, 153). Situa-se neste espaço o quinhão primariamente motor da ação pianística. Retomandoclassificações padrão, sabemos que a ação pianística realiza-se num contexto de altograu de previsibilidade ambiental e estabilidade, qualificando-se como uma habili-dade fechada, de acordo com o jargão da área das ciências do movimento. Tambémse encontra contingencialmente situada num meio termo entre habilidade discreta eseriada (Schmidt; Wrisberg 2001, 20), donde ambas se fazem presentes durante aexecução do texto musical.A fluência gestual, que requer uma motricidade calculada, deve engajar todo o corpoe não somente os dedos. Para Whiteside , a transferência do texto musical para efetivamusical “deve, além de ser centralmente controlada pela imagem sonora, ser coerente.É o corpo como um todo que transfere a idéia da música para a efetiva produção damesma.” Portanto, os dedos do pianista, a parte mais externa do aparelho pianístico,fazem “parte de um mecanismo que não pode funcionar com todas as suas vantagensinerentes sem o auxílio de um controle central” (Whiteside 1997, 3). Esse controlecentral, essa pré-visão organizacional pode ser definida como sendo o processo au-

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toconsciente da aprendizagem motora, onde convergem realizações práticas de mo-vimentos específicos e uma atenção cognitiva especial.Reside, na tentativa de se definir separadamente desempenho e aprendizagem mo-tores, um paradoxo, pois “repetições de performance motora são necessárias paraque os indivíduos alcancem altos níveis de aprendizagem motora, e o nível de apren-dizagem pode somente ser avaliado observando-se a performance motora de cadaum” (Schmidt e Wrisberg 2001, 35). Com freqüência, por via desta ansiedade analíticade se isolar o desempenho da aprendizagem, pode ocorrer concepções faltosas de di-dática instrumental. Almejando-se expandir a discussão para uma área mais atinenteà prática, na seção a seguir discutirei a articulação, a meu ver inevitável, entre os con-ceitos de aprendizagem e desempenho motor.

Aprendizagem e desempenho motorResumidamente, aprendizagem motora diz respeito ao ganho “relativamente perma-nente de habilidades associadas à prática ou à experiência” (Schmidt e Lee 2005).Nota-se, portanto, a associação direta, desde a mais enxuta definição, que existe entrea “prática” e a aprendizagem. Como demonstra a literatura da área, somente atravésde repetições da prática é possível engendrar o aprendizado motor; mas é importanteressaltar ainda que o desempenho motor, na conjuntura científica que o separa daaprendizagem motora, tem função estritamente teórica, onde uma situação-ideal dedesempenho ocorre dissociada de questões de erro, feedback (retroinformação) e, es-pecialmente neste caso, de aprendizagem. A aquisição de aprendizagem motora “acontece tanto no decurso da vida de um in-divíduo quanto através de gerações. [Ela] é a conseqüência da co-adaptação entre omaquinário neural e a anatomia estrutural” (Wolpert, Ghahramani e Flanagan 2001,488). Esse recurso adaptativo ocorre constantemente e de maneira secundária, detraços fisiológicos. A questão mais premente da ação pianística seria: como controlare regular este processo para que o mesmo aconteça de maneira privilegiada cogniti-vamente? Esta questão engendra necessariamente uma reflexão acerca dos procedi-mentos didáticos disponíveis.A concepção hegemônica e equívoca de que a aprendizagem motora e o desempenhomotor ocupam pontos extremos de uma linha a ser percorrida pelo sujeito leva ne-cessariamente a algumas conclusões, quando transportada ao contexto da ação pia-nística, a listar: que repetições, perfunctórias, de desempenho levarão ao aprendizado;que o status final do desempenho motor não abarca nenhum nível de aprendizagem;que ambos são processos assimétricos; que a conexão entre um e outro processo sedará de forma fisiológica, ao invés de consciente e com níveis de adaptabilidade di-versos. Essa concepção, que chamaremos atomista, defenderia que, conseqüentemente, aspartes equivalem ao todo. Praticamente, isso resultaria numa didática que conteriatipos de prática que são, no nosso ponto de vista, detrimentais para o aprendizado

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consistente, como, por exemplo, o estudo lentíssimo, a separação didática dos várioselementos constitutivos a serem praticados separadamente, como ritmo, articulação,dinâmica, entre outros aspectos. Segundo Whiteside (1997, 68), “o estudo lento é res-ponsável pela criação de uma infinidade de hábitos que serão prejudiciais para a ob-tenção de velocidade mais tarde”.Ao deliberarmos sobre a natureza do sistema músculo-esquelético, veremos que omesmo “é altamente não-linear, no sentido de que somar duas seqüências de coman-dos motores não resulta na soma correspondente dos movimentos” (Wolpert, Ghah-ramani e Flanagan 2001, 488). Disto extrai-se que o todo não equivale à soma daspartes, mas constitui-se em processo paralelo, mesmo alheio, à segmentação analíticado movimento, e mostra-se maior do que suas partições. Tem-se, portanto, que umadidática que advoga a separação de movimentos em micro-unidades, a ponto de des-caracterizar o movimento final desejado, como ocorre quando o estudo lentíssimoao piano é aplicado, resultaria em implicações no mínimo incertas para o instrumen-tista.Para uma didática sintética, que considera a primazia da perspectiva final do movi-mento, a característica final do movimento desejado deve ser mantida na sua práticadesde os momentos iniciais, visto que a colaboração de dois movimentos separadosnão resultaria no status motor final. A prática integral do movimento é uma questãoque requer atenção especial, principalmente no que diz respeito à formulação de umsistema que dê conta de sua realização satisfatória desde os estágios iniciais da prática. Esta visualização mais global do movimento e da ação pianística tende a ser benéficapara estudantes e profissionais do piano. Tendo em conta o status motor final alme-jado como caminho para a aprendizagem motora, e não o contrário, torna-se possívelconjugar os dois conceitos — aprendizagem e desempenho — num só, facilitando aocorrência de aquisição de habilidade satisfatória. Deste ponto de vista, pode-se ava-liar se um expediente didático é ou não sintético no seu tratamento da ação pianística,em oposição à uma visão analiticamente segmentada.Para dar conta da ação pianística em seu âmbito de coordenação motora integral, umsistema deveria, portanto, se conformar ao fato de que não existem maneiras teleo-lógicas de se percorrer o caminho entre aprendizagem e desempenho motor. Umexemplo de sistema que pode ser aplicado favorecendo esse ponto de vista é o recurso

“ciclos de movimento” (Póvoas 1999; 2006), que será explicado e ilustrado a seguir.

Ciclos de movimentoConcebido como princípio de relação e regulação do impulso-movimento — ciclos demovimento — o recurso é assim definido pela autora:

“[…] recurso técnico que prevê a organização do trabalho pianístico por meio daexploração consciente de movimentos nos eixos x, y e z e cuja flexibilização nesteseixos é orientada por linhas imaginárias ou desenhadas sobre trechos musicais deinteresse. A opção pela linha de trajetória do ciclo é determinada pelo design mu-sical, conforme a situação funcional mais eficiente, no sentido de otimizar a açãopianística” (Póvoas 2007, 544).

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Um movimento experto tipifica-se pela negociação de diversos impulsos, por vezessendo operado por mais de uma alavanca corporal simultaneamente e, portanto sãomais complexos e naturais do que movimentos caracteristicamente retilíneos. Comeste princípio em mente, optou-se por linhas mais parabólicas, que o recurso prevêatravés da decodificação do texto em elementos gestuais e musicais, entre eles o im-pulso e o apoio. De acordo com Póvoas (2006b, 666), são “três as fases componentesde um movimento: face de impulsão, fase de percurso e fase da queda (apoio)”.Segue um exemplo da criação de linhas imaginárias em torno da partitura, acordadascom o design musical, para complementar a explanação anterior, onde as linhas man-tém o propósito de integrar o aproveitamento do impulso inicial aos impulsos inter-mediários (Póvoas 2006b, 666).

Para Kochevitsky (1967) “a realização ao piano de distâncias entre eventos musicaispara as duas mãos [mostra-se] como a questão mais difícil a ser resolvida, [. . .] devidoà conformação assimétrica do teclado”. Isto, aliado ao fato de que a coordenação bi-manual está exposta de uma maneira mais simplificada, justifica a escolha do referidotrecho musical para fins ilustrativos.

Figura 1 – Compassos 1 e 2 do Prelúdio para piano op.23 n.5, de Sergei Rachmaninov(Rachmaninov, 1970).

Observando-se a imagem sonora pretendida e o design musical que procede do evento,linhas imaginárias de impulso (setas para cima) e apoio (setas para baixo) foram dis-postas em volta do texto musical. Contando com a participação dos punhos atravésde gestos flexíveis e parabólicos, os eventos musicais em questão são produzidos se-qüencialmente, mesmo que realizados em uma velocidade de execução menor doque a velocidade final desejada. Por meio da elaboração encadeada de processos mo-tores plurais, a tendência de trabalho é de que grandes alavancas (como os membrossuperiores) absorvam e flexibilizem a atuação de alavancas menores (como os dedos),diminuindo, portanto, a interferência negativa de músculos antagônicos no movi-mento tido como ideal.A primeira seta para baixo indica um apoio, com o punho vindo em trajetória des-

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cendente na nota sol, ao início do compasso 1. Com base na flexibilidade curvilíneasugerida pelo traço imaginário, o movimento segue sem interrupção para o próximoevento — as terças no registro mais agudo e quartas para a mão esquerda — em queo punho, juntamente com o antebraço, realiza uma trajetória de impulso e lançamento.O seqüenciamento das setas, e por conseguinte das trajetórias, contém, em germe, omovimento balanceado que será imprescindível ao satisfatório desempenho musicalnas etapas finais de aprendizado. E,

“se operacionalizados de forma coordenada e contínua, os ciclos possibilitam quemais eventos sejam tocados em uma única inflexão do movimento (seta). Tal or-ganização permite desenvolver uma maior velocidade de execução (rapidez demovimento) devido à otimização da trajetória dentro de cada ciclo de movimento”(Póvoas 2007, 545).

Considerado superficialmente, a decodificação do texto musical em gestos parabólicospode apresentar-se como simples, mas é importante notar que esta transcrição deveser minuciosa, além de orientada por tentativas e erros. Ao trazer nossa atenção paraos tempos finais do primeiro compasso do exemplo, notamos que a concentração deeventos de flexibilização demanda que a seta ascendente inclua gestos que poucoantes eram separados por um apoio. Como o compositor especifica a pulsação firmealla marcia, o excesso de apoios não deve inibir este detalhe. Disto tem-se que pres-supor a simplicidade das linhas imaginárias pode ser enganoso, visto que não devemser traçados de modo automático, sem considerar os diversos fatores envolvidos, masde maneira heterodoxa. Na esfera da didática, “o problema que confronta professores [. . .] é como seqüenciara prática de uma variedade de tarefas dentro de uma sessão, a fim de maximizar aaprendizagem” (Schmidt e Wrisberg 2001, 247). A resposta apresentada pela utiliza-ção do recurso “ciclos de movimento” é de interesse. Concentrando sincreticamenteo movimento final em germe no estudo parcial, a utilização dos “ciclos de movimento”chama especial atenção à centralidade da questão da consciência cinestésica e cogni-tiva para a efetiva produção do aprendizado consistente. Enriquecendo o feedbackproprioceptivo, através das sólidas definições das trajetórias a serem seguidas, o usuá-rio do recurso desenvolverá uma linguagem particular e, por conseqüência, um re-pertório de movimentos para confrontar as mais variadas situações técnicas.De acordo com Whiteside (1997, 6), a descrição de uma coordenação motora apta

“teria de abranger as dificuldades do instrumento utilizando o princípio de queuma ação repetida por uma alavanca maior pode absorver ações de alavancas me-nores. A continuidade ativa das repetições das alavancas maiores não deve ser in-terrompida pelas ações das alavancas menores. Isto é essencial para uma técnicafluída.”

Além de conceber a coordenação motora de um modo diferente, o recurso “ciclos demovimentos” também concentra muito do seu atrativo na maneira de conceber aaprendizagem motora. Como os movimentos estão sendo praticados de uma maneiranão-distante da forma final que adquirirão na fase de desempenho motor, o caminho

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e o paradoxo mencionados anteriormente são, de certa forma, solucionados. Comodiscorre a autora, os ciclos podem “diminuir a diferença entre a reação muscular du-rante o período de estudo em que determinada obra é executada em andamento maislento e a reação muscular nos estágios” mais próximos da velocidade pretendida (Pó-voas 2006b, 666). O aperfeiçoamento da habilidade motora advirá de uma conciliaçãototal, e não parcial ou seccionada (analítica) das partes constituintes do movimentofinal, quando da aplicação dos ciclos.

ConclusãoA formação da idéia de uma coordenação motora aplicada ao piano é diretamenteresponsável na formulação de programas de treinamento instrumentais e, portanto,de concepções didáticas que necessariamente passam pela discussão acerca da dife-renciação entre aprendizagem e desempenho motor. Se não aliarmos gestos musicaisa elementos motores mais grandiosos, a aquisição de coordenação, como processode aprendizagem motora, sofre. A secção de movimentos em reduções unitárias,como é o caso do estudo lento de trechos musicais cuja realização instrumental finaldeverá atingir altos patamares de velocidade e sem que isto seja previsto, cria verda-deiras barreiras ao desempenho musical veloz e econômico. Isso acontece porque oplanejamento, quando feito de todo, não leva em consideração o status motor finaldesejado e, na secção didática dos elementos musicais que opera, não alia estes ele-mentos com elementos gestuais. Através da utilização dos “ciclos de movimento”pode-se desenvolver um método de estudo onde a prática lenta e calculada não re-sultará em prejuízos para o desempenho final, como é de praxe, mas exatamente nocontrário: com sua negociação interdisciplinar entre design musical e biomecânica,o percurso do movimento está antecipado e definido a priori, assim como as expec-tativas sensorimotoras das ações como um todo. A revisão bibliográfica mostrou-seessencial para corroborar ou não questões e hipóteses que foram levantadas no per-curso da pesquisa, não extinguindo, beneficamente, os vastos questionamentos aindapossíveis para o pesquisador das ciências do movimento e da ação pianística.

Referências bibliográficasHaywood, K. e N. Getchell, Desenvolvimento motor ao longo da vida. 3.ed. (Porto Alegre: Art-

med, 2004).Kaplan, J. A. Teoria da aprendizagem pianística. (Porto Alegre: Movimento, 1997).Kochevitsky, G. The Art of Piano Playing: A Scientific Approach (New York: Summy-Birchard.

1967).Magill, R. Aprendizagem Motora: Conceitos e Aplicações (São Paulo: Edgard Blücher, 2000).Meinel, C. Motricidade I: Teoria da Motricidade Esportiva sob o Aspecto Pedagógico (São Paulo:

Ao Livro Técnico, 1987).Póvoas, M. B. C. “Controle de Movimento com Base em um Princípio de Relação e Regulação

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———. “Ação pianística, desempenho e controle do movimento – uma perspectiva interdisci-

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plinar”, in Anais do III Simpósio de Cognição e Artes Musicais (Salvador: EdUFBA, 2007),540-548.

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Póvoas, M. B. C.; Bencke, E.; Colombi, E. D. “Movimento, coordenação e desempenho músico-instrumental: conexões interdisciplinares” in Anais do I Encontro Nacional de Cognição eArtes Musicais (Curitiba, DeArtes, 2006), 59-65.

Rachmaninov, Sergey. Preludes opus 23 (Moscou: Muzyka. 1970).Schmidt, R. e C. Wrisberg, Aprendizagem e Performance Motora: Uma abordagem da apren-

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Trends in Cognitive Sciences 5 nº 11 (November 2001), 487-494.

A espectromorfologia como discurso: considerações acerca da obra teórica de Denis Smalley

Maurício [email protected]

Rael Bertarelli Gimenes [email protected]

Universidade Estadual de Maringá – UEMLaboratório de Pesquisa e Produção Sonora – LAPPSO

Resumo O texto a seguir apresenta os resultados parciais de um projeto de iniciação científicaem andamento. Este trabalho tem como objetivo a investigação dos processos de sig-nificação da Música Eletroacústica, em especial da vertente Acusmática, a partir daorganização dos materiais musicais no interior espaço composicional. Para tal propó-sito estamos utilizando como ferramenta a obra teórica do compositor Denis Smalley.Para o autor, o gesto e seus desdobramentos constituem uma importante ferramentade organização discursiva.

A metodologia utilizada foi inicialmente investigar como o conceito de gesto de Smal-ley é considerado em seus textos (1986; 1997; 2008) comparando as semelhanças ediferenças de abordagem do autor ao longo do tempo de desenvolvimento de seu

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trabalho teórico. Como meio de demonstrar a relevância da teoria de Smalley, estetrabalho está dividido em duas etapas. Primeiramente iremos analisar uma obra acus-mática, identificando os fatores constitutivos do discurso gestual, no qual os principaiselementos envolvidos neste processo são aqueles que possuem o movimento comoagente e estão representados nos conceitos de: gesture, gestural surrogacy, motions,structural functions e behaviour. Em um segundo momento pretendemos verificarcomo a teoria de Smalley pode ser aplicada como ferramenta composicional no quetange à organização discursiva pela criação de uma peça acusmática original.

Palavras-chaveDenis Smalley – espectromorfologia – discurso musical

Introdução Desde o surgimento da Música Eletroacústica, evidenciado nos esforços de PierreSchaeffer, são recorrentes discussões acerca da organização dos materiais musicais ede como tais organizações podem ser significadas. Tal fato pode ser compreendidopela própria natureza do Tratado de Schaeffer. Em seu Traité des objets musicaux(1966), o autor centrou-se principalmente na descrição das propriedades do materialmusical em si, ou seja, no objeto sonoro, não discorrendo sobre as possibilidades deorganização entre eles, ou sobre suas capacidades semânticas inseridas no discursomusical. Sendo assim, os compositores eletroacústicos, contemporâneos e continua-dores das abordagens de Schaeffer, buscaram oferecer paradigmas que dessem contadesta problemática. Dentre os autores que se debruçaram sobre este tema, destacamosaqui o compositor Denis Smalley, cuja principal contribuição é a formulação do con-ceito de Espectromorfologia.Segundo o autor, o conceito de Espectromorfologia refere-se “à forma dinâmica doespectro de freqüências de um som ou estrutura sonora no tempo” (Smalley 2008,29). Este conceito abrange tanto a constituição do material sonoro (tipologia espectrale morfológica) quanto a maneira pela qual estes materiais podem se desenvolver noespaço composicional. Nesta última acepção, o autor identifica o conceito de gesturecomo uma das mais importantes ferramentas para a construção discursiva.Para Smalley, o gesto é entendido como uma resultante espectromofológica que dis-tancia-se de uma determinada meta e/ou dirige-se à uma determinada meta (Smalley1986, 82). Tal resultante sempre apresentou-se para a música por meio do modelodo gesto instrumental, ou seja, a aplicação física de energia sobre uma determinadafonte gera um perfil energético que possui uma relação direta com a ação visual/ener-gética do gesto físico do instrumentista. Esta relação é compreendida pelo ouvintepelo caminho inverso da causalidade gestual (espectromorfologia – fonte – causa).Devido a particularidade dos materiais sonoros da Música Acusmática, o conceito degesto para Smalley passa a ser entendido de maneira mais ampla, buscando abrangertodo o âmbito da experiência sonora e não-sonora. A partir deste princípio o autoridentificou maneiras pelas quais o gesto pode ser compreendido, ou significado, na

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Música Eletroacústica.A teoria dos substituintes gestuais (gestural surrogacy) diz respeito ao processo deafastamento dos sons em relação ao gesto físico (causa) e a fonte sonora originais.Esta teoria pode ser entendida tanto com relação aos materiais sonoros e suas refe-rências extrínsecas, quanto no desenvolvimento entre os mesmos no discurso intrín-seco à composição. No primeiro caso, Smalley propõe que a compreensão e osignificado conferido pelo ouvinte se constitui a partir da relação que os gestos sono-ros da composição possuem com os gestos da experiência humana (sonoros e não-sonoros). A partir disto, propomos também neste trabalho a utilização destesconceitos como agentes de significação a partir do discurso no interior do espaçocomposicional. Isto pode ser alcançado por meio do entendimento de relações de he-reditariedade entre os materiais musicais, que inclui, assim como a teoria dos subs-tituintes de Smalley, afastamento e indicação gestual.O primeiro nível de substituição identificado por Smalley incorpora a noção de gestoprimal (a percepção proprioceptiva) ao mundo sonoro. Pode-se dizer que trata-se do

“som primitivo”, o qual não tem uma intenção musical a priori. Neste nível os sonspossuem seu tipo de material e sua causalidade claramente identificáveis. O substi-tuinte de segundo nível diz respeito ao gesto instrumental tradicional, que contémtodos os gestos sonoros desenvolvidos pela técnica instrumental e as propriedadesespectrais de suas fontes. No terceiro nível de substituição a identificação da causa,da fonte, ou ambos, passa a ser difícil, duvidosa, ou não completamente satisfeita.Caso em que o gesto (causa e/ou fonte) passa a ser inferido. Isto se deve à possibilidadede manipulação do material sonoro por meio das técnicas eletroacústicas. Por fim,no substituinte remoto, o que resta são “vestígios” de causa e/ou fonte. Estas tornam-se praticamente desconhecidas ou irreconhecíveis para o ouvinte, o que o força aadentrar na espectromorfologia dos sons. Neste nível, as atividades gestuais são con-jecturadas pela trajetória energia-movimento (Smalley, 1986; 1997; 2008). Smalley(1986; 1997) identificou alguns modelos de trajetórias possíveis que se apresentamem sua forma essencial neste nível, modelos estes denominados como motions.A tipologia dos movimentos está presente em todos os níveis gestuais, no entanto,sua manipulação criativa encontra-se no terceiro nível e é imprescindível para o subs-tituinte remoto. As trajetórias identificadas pelo autor dividem-se em cinco categorias:unidirectional, movimentos que possuem uma trajetória linear; reciprocal, quandoum movimento unidirecional é balanceado pelo seu contrário; cyclic/center, movi-mentos que induzem à existência de um centro ao qual a trajetória se relaciona; bidi-rectional, movimentos que sugerem alteração da dimensão espacial por oposição deduas trajetórias; multidirectional, movimentos complexos que sugerem uma direcio-nalidade difusa.Segundo Smalley (1986), estes tipos de movimento fazem parte do complexo designespectromorfológico, que tem como ponto de partida os modelos arquetípicos damorfologia instrumental (attack, attack-decay e graduated continuant), não-instru-mental, e sua elaboração por meio de relações de correspondência e junção entre

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morfologias. Todas estas morfologias têm como essência o fato de serem constituídaspelo que o autor chama de spectromorphological expectation. Este conceito propõeque a significação dos movimentos sonoros se dá pela compreensão da história es-pectromorfológica dos eventos. Esta, por conseguinte deve satisfazer as três fazestemporais do movimento: onset, como os eventos começam; continuant, como semantém; termination, como acabam. No que diz respeito à organização discursiva, é evidente na teoria de Smalley como oentendimento de expectativa espectromorfológica é aplicado aos mais variados níveisde constituição da estrutura, do movimento de um simples objeto sonoro, à perfis es-truturais de alto nível. Neste último caso o autor propõe o conceito de structural func-tions, que é representado por termos que procuram explicar características regionaisde movimento. Emergence – prolongation – resolution, são exemplos do modelo onset– continuant – termination aplicado à níveis estruturais mais elevados.Por fim, temos que considerar como os materiais musicais, sejam eles objetos ou es-truturas mais elevadas, interagem no espaço composicional. Ao compreendermosque o discurso acusmático é constituído pelo gesto e suas consequências, estamosafirmando que a maneira pela qual estes materiais se relacionam depende fundamen-talmente da causalidade, ou seja, de como um evento leva a outro. Na teoria de Smal-ley estas propriedades estão agrupadas no conceito de behaviour (Smalley 1986; 1997).

Resultados parciaisApós compreendermos os aspectos discursivos da teoria de Smalley iremos investigarcomo tais conceitos podem ser aplicados na análise dos primeiros 50'' de “Inciden-ces/Résonances”, primeiro movimento de De Natura Sonorum de Bernard Parme-giani.

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A peça inicia-se com um som nodal percussivo de arquétipo morfológico attack-decay(1). Este objeto, segundo o conceito de gestural surrogacy de Smalley pode ser classi-ficado como um substituinte de terceiro nível, pois parece estar no limiar entre onível instrumental e o remoto, fazendo com que a identificação deste gesto seja pre-sumida. A fase de decay, que corresponde à ressonância do objeto inicial, é sustentadanos primeiros segundos, identificando um movimento plano (unidirectional) (2). Aopoucos o movimento plano começa a se tornar oscilatório (reciprocal) (3) criando aexpectativa de uma nova direcionalidade e estimulando novos eventos de maneiravoluntária (causalidade) (4), ou seja, estes eventos não acontecem de forma confli-tuosa ou resistente.Ao considerarmos os níveis de substituintes gestuais intrinsecamente, identificamoscomo a ressonância do primeiro objeto se afasta do mesmo por meio de transforma-ções em seu conteúdo espectromorfológico, fazendo com que a expectativa de com-portamento do objeto inicial se apresente de maneira inesperada. Tais mudanças nosfazem colocar em questão sua procedência (causa e fonte), propondo-nos assim aexistência de um novo objeto. Podemos inferir então que o som ressonante se com-porta como um substituinte de terceiro nível do ataque inicial. No decorrer deste tre-cho identificamos também como outros eventos (4) estão em relação direta e sãodecorrentes do mesmo som inicial por uma herança gestual. Este fator é de funda-mental importância para a coesão do discurso nesta peça.

Com relação ao perfil estrutural em um nível mais elevado, podemos dizer que estaprimeira seção analisada comporta-se como uma função estrutural de upbeat, enten-dendo este termo como um perfil estrutural de onset suspensivo, ársico. Enfim, emnível global, entendemos que esta peça se desenvolve entre o nível de substituiçãoterciário e remoto, sendo que (1) pode ser considerado como antecedente aos níveis

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de substituição, é o “instrumento” da peça, seja este primitivo ou instrumental. Po-demos conjecturar também que o objeto inicial é o gesto global da peça.

Considerações FinaisAcreditamos que, ao identificar na obra teórica de Smalley os fatores principais pelosquais se constitui o discurso na Música Eletroacústica, temos uma proposta interes-sante para experimentar como estes conceitos se apresentam em uma obra acusmáticae como os mesmos favorecem a construção da significação musical no interior do es-paço composicional. Nesse sentido ainda, podemos ressaltar que as propostas doautor para a organização discursiva podem ser de grande valia para a consideraçãode como o discurso musical, em especial da Música Acusmática, pode ser significadopelo ouvinte. Se para Smalley a construção do discurso apóia-se no conceito de gestoque por sua vez apóia-se em categorias fenomenológicas ligadas à estruturas de fundode origem corpórea e relacionadas com aspectos da escuta de dia a dia (som primi-tivo), a sua teoria pode ser uma interessante ferramenta explicativa para a área dacognição musical que se preocupa com as formas de construção de significação mu-sical, área esta que se encontra em crescimento nos últimos anos.

ReferênciasSchaeffer, Pierre. Tratado dos objetos musicais (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993).

Smalley, Denis. A imaginação da escuta: a escuta na era eletroacústica, Cognição & Artes Mu-sicais: Revista da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais 3 nº 1 (2008), 27-41,e 3 nº 2 (2008), 85-96.

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Smalley, Denis. Spectromorphology: Explaining Sound-Shapes, Organised Sound 2 (2), 107-126.

A sonoridade no estudo Pour les Quartes de Claude Debussy: investigando processos composicionais à luz da

transdisciplinaridadeThiago Cabral Carvalho

[email protected] Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI)

ResumoO artigo contempla um ensaio analítico da peça para piano solo Pour les quartes, pre-sente na coletânea Étude (1915) do compositor francês Claude Debussy (1862-1918).

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Numa visão global, a composição apresenta um idiomatismo baseado sobremaneiranas sonoridades. Ao verificarmos a recorrência deste recurso, detivemo-nos em des-crevê-lo observando basicamente o comportamento acrônico e diacrônico na intençãode compreender a diversificação de complexidade/simplicidade através da forma.Para tanto, elegemos como suporte teorético e metodológico um instrumento decunho transdisciplinar, capaz de estender-se a conceitos provenientes da teoria mu-sical, musicologia, estatística, física e computação para auferir a investigação da obra(Guigue 2007). Ao final, propomos uma reflexão do que fora o ‘projeto da sonoridade’como gerador de uma estratégia peculiar no pianismo debussysta durante sua fase‘pós-tonal’. Esta preocupação pode ser vista em outros exemplos, principalmente nasobras compostas durante a primeira década do século XX, período o qual o compositoremprega o recurso de maneira maturada (Parks 1989).

Palavras-chaveDebussy – sonoridade – análise musical

IntroduçãoO período de transição entre os séculos XIX e XX é demarcado por uma série de di-vergências e antagonismos que, de certa maneira, foram essenciais para a proliferaçãodas mais variadas correntes estéticas e tendências conceptuais nos processos criativosmusicais durante o século XX. As nomenclaturas implodiam na mesma dinâmica dastransformações: o exemplo é o termo ‘pós-tonal’ que denota, via de regra, o conjuntode técnicas para expansão do sistema tonal.1 Posteriormente, tal dilatação culminariaem seu desprendimento total graças às investidas schoenberguianas num sistema to-talmente alheio as regras ‘do passado’. No mesmo período, os estudos musicais ga-nham espaço (e status) acadêmico: a musicologia, como disciplina histórica, deteve-se,por sua vez, na averiguação de um repertório de tradição escrita elaborada entre 1600a 1900. Pode-se, então, constatar que a publicação de Forkel (1749-1818) sobre a pri-meira biografia de Bach (1802) é anacrônica se comparado à proposta de Debussyquanto a uma mudança paradigmática estético-composicional de expansão do tona-lismo já presente nas suas peças do final do século XIX (Parks 1989).A mudança só ocorreu no final do século passado quando enfoque especulativo podeaproximar-se, com a devida consistência, das questões relativas à expansão sistêmicadaquele contexto. O interesse por questões como estas só emergiu no final da segundametade do séc. XX quando se percebe uma tendência separatista entre duas disciplinasmuito próximas à musicologia: a análise e a teoria musical contemporânea (p. ex.Agawu 1997; Cook 2001; Kramer 1995; MacCreless 1996; Morgan 1992; Rosand 1995).

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1 Corrêa (2005, 173) classifica em duas “as pluralidades de tendências musicais originadas,principalmente no início do séc. XX, quer sejam, a orientação ao encontro da manutenção decentros tonais (conduzindo à criação de técnicas que, de um modo [maneira] mais ou menosevidente, conservam uma funcionalidade harmônica) e a negação incondicional de quaisquerespécies de vínculos hierárquicos ou elos tonais (produzindo, num primeiro momento, a au-sência de significados harmônicos em virtude do desejo de liberdade composicional irrestrita)”.

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A valorização da análise musical naquele século é observada através do crescente vo-lume de publicações acadêmicas. Seus instrumentos metodológicos defendem umaobjetividade argumentativa na interpretação do conteúdo musical, focando, estrita-mente, os processos e técnicas empregadas no ato composicional. A abordagem es-trutural2 da música ganha, historicamente (na práxis pós-moderna/contemporânea),um preferencial defendido, inclusive, pela academia: a corrente hanslickiana. ParaHanslick “toda verdadeira obra de arte estabelecerá uma relação qualquer com nossosentimento, mas nenhuma uma relação exclusiva”. A valorização do imanente musicalencontraria, na década de sessenta, seu ponto máximo: nasce o modelo semiológicode Chomsky (1928), ao qual Molino (1975) e Nattiez (1987) transpunham para umarealidade musical em suas análises tripartidas.Com os papéis devidamente seccionados, os musicólogos, compositores e teóricospuderam desenvolver pesquisas ainda mais específicas no campo da música. Apesarda crescente tendência em particularizar cada vez mais este conhecimento, os músicosencontraram o alento investigativo noutros campos do conhecimento, como aconte-cera na Idade Média.3 Atualmente, observamos que a situação bipolar da musicologiacitada por McCreless (1996) é complementada por pesquisadores ‘não músicos’, oriun-dos, sobretudo, destas disciplinas ‘irmãs’ (antropologia, cognição, computação, física,história, matemática, semiótica etc.).Em linhas gerais, taxonomizamos que o desprendimento progressivo frente às leistonais em busca de um novo ideal estético-musical perpassou, basicamente, a desse-melhança entre duas correntes: o discurso o neumático4 (aqui, tão somente, refe-

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2 Sobre a nomenclatura estrutura, tomamos por base o conceito de Kerman, , cujo termo re-fere-se “à estrutura global das obras de arte – o que faz as composições ‘funcionarem’, que prin-cípios gerais e que características [peculiaridades] individuais asseguram a continuidade,coerência, organização ou teleologia da música”.3 Citamos, por exemplo, a especulações sobre a divisão do monocórdio feitas por Boécio eGuido d’Arezzo e as contribuições de Zarlino (1517-1590), que se preocupou em codificar esintetizar toda a teoria musical do Renascimento, desde a classificação dos instrumentos atéas regras de composição e afinação da escala; e Galileu Galilei (1564-1642), que empreendeuvariadíssimas experiências relativas ao som, onde muitos o consideram como fundador daacústica experimental. Também é no século XVIII que surge a publicação dos primeiros estudossistematizados sobre os fenômenos acústicos: o artigo de Narcissus Marsh (1638-1713), inti-tulado An Introductory Essay to the Doctrine of Sounds, Containing Some Proposals for the Im-provement of Acoustics (1683), e Joseph Sauveur (1653-1716), com a obra Système General DesIntervalles des Sons, de 1701. O desenvolvimento da acústica auxiliou efetivamente o desen-volvimento da música no período, respondendo o surgimento de um novo instrumental e denovas possibilidades de estruturação, que, forçosamente, influenciaram nesta prática nos sé-culos seguintes. 4 Evidentemente, não nos referimos à notação musical empregada no cantochão, mas, sim, res-tritamente, ao parâmetro altura desconexo do contexto sonoridade que, por sua vez, abrange,além da altura, outros parâmetros do som.

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rindo-nos ao parâmetro altura) e a sonoridade (daí subentende-se o fenômeno físicoem larga escala).Importante destacar que o fator sonoridade como gerador formal, sob um viés histó-rico, pode ser notado em exemplos mais tardios:

Compor com a sonoridade, todavia, não constitui uma preocupação nascida ape-nas no século passado. De fato, eu situaria sua origem em Rameau; no século XVIII,portanto, com uma passagem obbligata, evidentemente, por Berlioz. […] [que]vai retomar e desenvolver de várias maneiras essas experiências, as quais, no en-tanto, somente vão encontrar uma descendência muito mais tarde, a partir de Va-rèse ou ainda de Webern (Guigue 2007, 37, grifo do autor).

Em nossa análise, restringimo-nos ao pianismo do início do século passado, desta-cando Debussy como o precursor na composição orientada por sonoridades5.

ObjetivosObservar a intencionalidade generativa formal, mormente focando-nos no compor-tamento das sonoridades em âmbito acrônico e diacrônico. Faz-se mister compreenderque esta orientação parte, fundamentalmente, das noções de unidade sonora compostae complexidade relativa, respectivamente:

[…] é um momento formado da combinação e interação de um número variávelde componentes. Este momento não tem limite temporal a priori. Ele pode serum curto segmento, um período longo, a obra inteira. A unidade sonora sempreserá um múltiplo, que se coloca no entanto como unidade potencialmente mor-fológica, estruturante da obra (Guigue 2007, 42).[…] à avaliação do grau de atividade de um dado componente numa unidade ena geração de uma dinâmica formal, é a sua taxa de complexidade relativa. A

“complexidade” máxima corresponde à configuração que contribui na produçãoda sonoridade mais “complexa” possível no domínio de competência do compo-nente. Na outra ponta, as configurações mais simples são as que puxam as sono-ridades “para baixo”, para a maior “simplicidade” estrutural (Ibid.).

Também chamamos atenção para a distinção entre componentes ativos e passivoscomo paradigmas sobressalentes a análise, pois:

[…] estes remetem a esta necessidade de colocar em perspectiva hierárquica oselementos constitutivos de uma unidade sonora composta, para resgatar apenasaqueles que realmente exercem algum impacto sobre a forma (Id., 43).

MetodologiaNa obra Pour les Quartes, detivemo-nos em avaliar os níveis de complexidade auxi-liados pela biblioteca SOAL (Sonic Object Analysis Library, http://www.cchla.ufpb.br/mus3/) implementadas no ambiente OpenMusic (http://recherche.ircam.fr/equipes/repmus/OpenMusic/), analisando dez unidades sonoras selecionadas criteriosamente,conforme as noções de componentes ativos e passivos comentadas nos objetivos.6

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5 Scriabin, Ravel e Satie, por exemplo, também conservam este ideário. Cf. p. ex. Massin 1997;Griffths 1987; Carpeaux 1999 e Guigue 2007.

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Para tanto, confeccionamos dez arquivos no padrão MIDI (Musical Instrument DigitalInterface), privilegiando aquelas unidades que apresentavam contrastes diferenciadosgerados pela polifonia, articulação, intensidades e registros. Trata-se, portanto, deum estudo comparativo-estatístico (quantitativo) que visa elencar indícios corrobo-rantes a uma intencionalidade peculiar debussysta. Esta metodologia segue, em seusestágios de aplicação, interpretação e avaliação da sonoridade, observação aos se-guintes níveis hierárquicos das estruturas musicais:

a) Primário: constituído de classes de notas ou cromas (nível abstrato);b) Secundário: componentes pertencentes à ordem morfológica ou cinética (acrô-

nicos ou diacrônicos respectivamente) (Guigue 2007, 47-52).

Pour les Quartes e Análise da SonoridadeUma constatação imediata, evidente na peça é o agrupamento fusionário e sucessivodo intervalo de quarta em suas diversas configurações interválicas: justo, expandidoe contraído.7 Por conseguinte, seria impraticável propor uma análise calcada nosmoldes ‘tradicionais’, principalmente por esta disposição acórdica ‘incomum’, pelaausência de um referencial cêntrico-tonal ou mesmo de um material melódico-temático a ser desenvolvido.

Figura 1 – Mapeamento dos acordes que compõem o estudo das Quartas de Debussy.

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6 Disponibilizamos para download um arquivo compactado contendo as dez unidades sele-cionadas na análise extraídas da partitura: http://dl.dropbox.com/u/9146907/Pour_les_quartes_US.zip7 Intervalo expandido possui o mesmo significado de aumentado, entretanto, para Carvalho(2009, 26), expandir adéqua-se melhor (terminologicamente) ao acontecimento da dilataçãointervalar – referente ao parâmetro altura, enquanto que aumento é comumente utilizado peloparâmetro intensidade como referencial de “ganho”, de volume sonoro. Cf. também Cabral(2009, 34).

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Para uma compreensão mais acurada do posicionamento pós-tonal debussysta, ob-servamos como o compositor administra este discurso estritamente pela sonoridade.

Critérios Analítico-Comparativos em Pour les QuartesDestacamos os parâmetros âmbito e densidade como elementos norteadores ao estudoda obra, portanto, hierarquicamente classificados como globais. Numa ordem mor-fológica, o âmbito é o preenchimento da sonoridade “em relação a um determinadoparadigma (p. ex. a tessitura total dos sons do instrumento de referência)” (Guigue2007, 49). A densidade é a “quantidade relativa de sons em relação ao máximo possíveldentro do âmbito em que a unidade sonora ocupa” (ibid.). Em seguida, cruzamosambos com parâmetros específicos, são eles: altura (registro e seguimento) e duração(ou seja, componentes cinéticos). Desta maneira, pudemos visualizar progressivamentea evolução das 10 (dez) unidades sonoras no contexto geral da composição. Abaixo,enunciamos os parâmetros comparados na referida peça:

a) Âmbito e Densidade;b) Âmbito e direção das alturas;c) Densidade e Registro;d) Densidade e Duração;e) Duração e Registro.

Na seqüência, apresentamos um quadro explicativo detalhando conceitualmente cadaparâmetro em seus respectivos elementos globais:

Quadro 1 – Elementos globais e seus parâmetros na análise das sonoridades.Acrônico

Parâmetro Tradução Especificação técnica

Relative range Âmbito relativo Comparação do âmbito global da unidade com um valor máximo pré-definido (1,0) de ocupação na escala geral (ou registro global) do piano.

Absolute range Âmbito absoluto Corresponde aos limites entre as notas inferiores e superiores das unidades.

Notes per register Notas por registro

Listagem na íntegra dos registros graves aos agudos, o qual, o valor 0, representa a nulidade de uso do registro numa determinada região.

Register-filling Preenchimento do registro

Mostra o valor relativo do nível de preenchimento dos registros comparando com o total.

Label of the felt registers Rótulo dos registros

Separando em 7 os rótulos numéricos dos registros, tem-se o valor (-3) o mais grave e (3) o mais agudo.

Register distribution

Distribuição do registro

Um “peso” relativo baseado no valor de entrada definido pelo usuário como “peso do registro” de acordo com as especificidades acústicas do instrumento.

Relative density Densidade relativa

A divisão do número de notas da unidade dentro do máximo permitido (um cluster, por exemplo, receberá o valor max. 1,0).

Diacrônico

Relative duration Duração relativa

Cálculo da duração da unidade em relação a uma densidade de referência (ou seja, a maior duração da obra) em milissegundos.

Relative events density

Densidade relativa dos eventos

Divisão do número de eventos pela máxima possibilidade numérica destes, dentro da duração atual do arquivo (uma informação contida na função file-duration).

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Avaliação do Âmbito RelativoNo exemplo que segue, verificamos comparativamente o âmbito e densidade. Pode-mos identificar uma segmentação formal a partir da 6ª. unidade sonora (dispostasno quadrante inferior) gerando movimentação oblíqua.

Gráfico 1 — Comparativo entre âmbito e densidade em Pour les Quartes.

Apresentamos no gráfico abaixo a presença dos graves e agudos no decurso da peça:

Gráfico 2 — Análise do preenchimento dos registros

Há, portanto, uma estabilização do registro grave da unidade 07 em diante.

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Avaliação da Densidade RelativaAbaixo, demonstramos a evolução da densidade juntamente com o preenchimentodo registro do piano. Identificamos uma paradoxalidade nestes parâmetros, sobretudono entrecruzamento destes na unidade 06, formulando um ponto equilibrante no de-curso temporal, motivador de um seguimento sonoro-contrapontístico.

Gráfico 3 — Relações entre densidade e preenchimento do registroNa seqüência, ainda tomando a distribuição dos registros como parâmetro recorrente,comparamos este com a duração relativa da peça. Observamos a presença de doismomentos distintos: a) maior duração: paralelismo (unid. 01 a 04), contraposição(04 e 05) e aproximação progressiva (unid. 06 e 07); b) menor duração: cruzamentoe inversão parametral das unidades (08 a 10).

Gráfico 4 — Relações entre duração relativa e preenchimento do registroPodemos então resumir que a contraposição destas unidades avaliadas em diversos

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parâmetros gera indícios de particularidade na disposição formal da peça. Ao enun-ciarmos estes níveis segmentados de complexidade em contra-sentido, tomaremosaqui as unidades 05 e 09, e comparamos âmbito e densidade:

Gráfico 5 — Níveis de complexidade máxima entre âmbito e duração relativa

Enquanto a unidade 05 possui a maior taxa de duração relativa, seu âmbito é baixo eo inverso ocorre na unidade 09, confirmando, mais uma vez, a hipótese da particu-laridade discursiva pelo seguimento sonoro-contrapontístico.É possível visualizar uma confirmação da formal destas unidades em contexto geralatravés do sonograma.8 Nele, vemos uma seqüência ascendente de eventos sonorosenquanto que, num segundo momento, temos a estaticidade como fator contrastantedo primeiro.

Figura 2 — O sonograma de Pour les Quartes: forma gerada pelos contrastes sonoros

ResultadosAo enfocarmos analiticamente a sonoridade como um processo recorrente na com-

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8 O sonograma foi gerado a partir da performance de AIMARD (2003).

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posição de Claude Debussy, buscamos enunciar, com base numa preleção técnica, in-dícios de uma particularidade estética do compositor.Ainda que a técnica seja, neste caso, o ponto de partida desta investigação, buscou-se ampliar as limitações da análise restrita ao nível imanente. Ampliamos, portanto,o estudo às particularidades estéticas e estilísticas da peça, sem nos esquecermos deconfrontar os dados com as informações oriundas do contexto histórico.Ao valorizar a autonomia estilística, entidade inerente à obra, conseguimos com-preender como Debussy aplicou a técnica da sonoridade na peça: uma preocupaçãosonoro-contrapontística é latente e, por sua vez, geradora de dois momentos contras-tantes significativos. Entendemos que esta orientação prévia seguia sim um programaideológico, mesmo que, no estágio pré-composicional, não houvesse necessidade emmaterializar cuidadosamente o planejamento, como na música serial, por exemplo.Salientamos, pois, que o feitio composicional pode ser considerado um parâmetropassível de análise, como aqui demonstramos. É justamente este elemento que nospermite discernir o feitio de um compositor para outro, independente de gênero, pe-ríodo histórico ou localização geográfica.A sistematização dos princípios técnico-processuais onipresentes no então contexto‘pós-tonal’ do início do século XX — composição por notas e/ou sonoridades — per-mitiu-nos compreender como esta expansão sistêmica fora empregada. Procedendodesta maneira, acreditamos que o mesmo percurso metodológico seja viável a umaidentificação de outras tentativas de expansão do sistema tonal experimentadas aindanaquele período ou mesmo por seus sucessores. Assim, a opção metodológica ade-quou-se a uma lógica incitada pela obra. Eventualmente, quando acionamos as in-tervenções, intuímos, tão somente, uma adequação, ainda mais fidedigna, à dialéticaali intrínseca. Ao adotarmos este posicionamento, concebemos a atividade analíticacomo mediadora, porquanto imprescindível quando em favor da música, não para ométodo.Com reflexo, elencamos uma intencionalidade estético-composicional pela recorrên-cia dos eventos sonoros, seja quando no emprego diversificado da complexidade re-lativa, ou, num projeto mais amplo, construir uma preocupação formalística atravésda sonoridade.Destarte, o presente estudo defende o envolvimento dialógico com as disciplinas queatentem direta ou indiretamente às questões de ordem quantitativa e qualitativa naanálise de dados e sua efetiva contextualização, bem como a viabilidade de adaptaçãoe/ou extensão metodológica a outros objetos de estudo: compositores de outros con-textos estético-estilísticos, de outros países, de um conjunto de obras de diversos com-positores de uma mesma corrente estética etc.

ReferênciasAgawu, K. Analyzing music under the new musicological regime. The Journal of Musicology

15, n. 3 (1997), 297-307.

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Aimard, Pierre-Laurent. Debussy: Imagens; Études. França: Teldec. p. 1 disco sonoro, 2003.Cabral, T. “Os prelúdios para piano de Luizão Paiva: cruzamentos entre análise musical e sócio-

contextual à luz de um Perfil Composicional”, in III Encontro de Musicologia da USP, Ri-beirão Preto. Anais . . . (Ribeirão Preto: USP, 2009), 30-42.

Carpeaux, Otto Maria. Uma Nova História da Música (Rio de Janeiro: Ediouro, 1999).Carvalho, Reginaldo. Teoria Musical – Tomo II: Altura e Timbre (Teresina: Gráfica e Editora

Júnior Ltda, 1997).———. Musiquês: Dicionário Essencial de Termos Musicais Peculiares. Teresina: [s.n.], 2009.Cook, N. Theorizing musical meaning, Music Theory Spectrum 23, n. 2 (2001), 170-195.Corrêa, Antenor Ferreira. Poliônimo: definição de alguns termos relativos aos procedimentos

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O atual estado da questão da disciplina psicologia na formaçãode músicos-intérpretes na academia brasileira

Sonia [email protected]

Leonardo Casarin [email protected]

PPG em Música da Universidade Federal de Goiás

ResumoO presente trabalho trata da disciplina psicologia na formação do artista-intérprete ena preparação da performance musical. Sabe-se que o sucesso do instrumentista emuma apresentação pública está ligado ao trabalho realizado previamente. Vários au-tores (Kreut; Ginsborg; Williamon 2008; Ray 2009) afirmam que esta preparação incluio condicionamento físico, o domínio técnico, o conhecimento do conteúdo musical enoções de disciplinas afins como neurociência e psicologia. Entretanto, num breveolhar sobre a estrutura curricular de cursos de música em universidades brasileiras,nota-se que há poucas evidências de que o preparo psicológico faça parte da forma-ção dos músicos que se dedicam à performance. O principal resultado que se chegouao observar o recorte das IES federais é que a psicologia ainda é pouco estudada naformação dos músicos e menos ainda na formação dos performers musicais.

Palavras-chavepsicologia da performance – formação do músico-intérprete – preparação para a performance

IntroduçãoCom o avanço das pesquisas na área da psicologia da música na segunda metade doséculo XX, grupos de pesquisa interdisciplinares passaram a desenvolver trabalhosque demonstram a necessidade cada vez mais latente de tratar a preparação física epsicológica na performance musical de maneira estruturada, formal e definitivamenteincluída na formação acadêmica do músico. Resultados de estudos desenvolvidos porgrupos de pesquisa do diretório CNPq têm sido de extrema relevância para estes es-tudos. Alguns destes grupos são: Performance Musical (UFG), Música, Corpo e Ciência(UFG-UFMG-UNB), Ensino, Controle e Aprendizagem na Performance Musical (UFMG)e Núcleo de Pesquisa em Performance Musical e Psicologia (UFBA).O presente trabalho tem como objetivo principal apresentar e discutir o atual estadoda questão da psicologia na formação de artistas-intérpretes na academia, em parti-cular na preparação destes artistas para a performance musical em universidades fe-derais com cursos de bacharelado e licenciatura em performance. As principaisquestões que nortearam a pesquisa são: como a psicologia está sendo empregada na

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formação musical do intérprete de acordo com a literatura disponível? Como a psi-cologia tem sido abordada nos cursos de performance musical das universidades fe-derais brasileiras? É no processo de investigação destas questões que o presentetrabalho pretende gerar reflexões acerca do objetivo ora proposto.Através de uma breve revisão da literatura sobre o tema se estabeleceu o estado atualda questão. A pesquisa foi dividida em duas seções: inicialmente foram levantadosestudos de referência para a psicologia da performance musical segundo publicaçõesde pesquisadores atuantes no Brasil, Europa e EUA. Na segunda parte foi realizadauma busca pelos currículos de graduação nos cursos de música das universidades fe-derais brasileiras. O critério de seleção dos cursos seguiu a classificação do ENADE(Exame Nacional de Desempenho de Estudantes do INEP-MEC) de 2009, o qual con-siderou os cursos de música que atingiram os melhores conceitos na última avaliação(conceitos 3, 4 e 5). Subseqüentemente, elaborou-se um quadro comparativo dos cur-sos selecionados, que serviu de base para a discussão do estado da questão da psico-logia como disciplina aplicada na formação de artistas-intérpretes na academiabrasileira. O presente estudo está em sua primeira fase. Pretende-se aprofundar a dis-cussão em trabalhos subseqüentes.

Estudos em Psicologia da Performance MusicalA revisão de literatura evidenciou que as pesquisas empíricas em psicologia da músicativeram início na primeira metade do século XX, sendo o marco destas pesquisas re-gistrado por Carl Seashore (1938). O pesquisador desenvolveu trabalhos de análisede interpretação musical com base em experimentos que são referência principal-mente para desmistificarem a idéia de que aspectos da percepção não poderiam sermedidos ou estudados na interpretação musical. Outros marcos se consolidaram aolongo do século XX desenvolvendo idéias propostas por Seashore bem como novaspropostas surgidas principalmente dos estudos da neurociência e cibernética, nabusca por uma inteligência artificial cada vez mais eficiente. Diana Deutsch (1982 rev.1999) reuniu textos de alguns dos pesquisadores mais atuantes em psicologia da mú-sica, entre eles Alf Gabrielsson, que apresenta na publicação uma significativa revisãoda literatura sobre o tema (ampliada em publicação de 2003). Após este marco as pes-quisas se ampliaram tanto que as revisões sobre o tema não foram são mais possíveissem uma subdivisão dos estudos de psicologia da performance musical em sub-tó-picos tais como: percepção rítmica e performance, percepção corporal e performance,memória e performance, controle motor e performance, e assim por diante. Quantomais os estudos se ampliam menos viável se torna uma revisão ampla da literatura.Ao mesmo tempo, a demanda sobre estudos específicos de aspectos psicológicos re-lacionados à performance musical é cada vez mais alta, acompanhando o tambémconstante aumento da excelência em performance (Rink 2002; Williamon 2004; Chaf-fin e Logan 2006).A música começa a buscar apoio em outras áreas do conhecimento como a psicologiae as neurociências (Ray 2005), conseqüência de uma constante preocupação com o

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preparo do intérprete para uma performance. Nota-se também que a psicologia damúsica tem se dedicado intensamente em questões como percepção musical, efeitossonoros no comportamento da mente humana e aspectos psicopedagógicos da música.A psicologia da performance focaliza o funcionamento da mente humana quanto osaspectos cognitivos como a memorização, os processos de aprendizagem, realizaçãode nuances musicais, até as interferências negativas, como a ansiedade, como prová-veis causadores e sugestões para evitar.Observou-se também que os músicos vêm se beneficiando cada vez mais dos estudosenvolvendo psicologia, à medida que se unem aos psicólogos e neurocientistas empropostas de pesquisas interdisciplinares, buscando explorar possibilidades de estudoda interpretação musical (Gerling; Souza, 2000 e Gerling; Santos, 2007). Num pri-meiro momento o músico era um participante colaborador em pesquisas, mas nofinal do século este papel foi mudando gradativamente para uma atuação mais efetivade pesquisadores atuantes e determinantes dos objetivos de muitos estudos em psi-cologia da música, notadamente nos estudos de performance musical.

Disciplina Psicologia na Formação de Músicos-Intérpretes no Brasil

Através de uma consulta aos currículos das universidades federais, foi possível traçaruma visão geral da inserção de estudos de psicologia ao longo da formação do mú-sico-intérprete. A opção pelas universidades federais se deu por ser um fator delimi-tador com dados disponíveis on-line em órgãos oficiais (MEC e site das própriasinstituições), eliminando a necessidade de um trabalho de campo neste estágio inicialda pesquisa. A consulta tomou por base os dados o ano de 2009 e mostrou que eramentão quatorze as IES federais com curso de música entre os conceitos 3, 4 e 5: UFBA,UFRGS, UFC, UFMG, UFSCAR, UFSM, UFMS, UFG, UFRJ, UNB, UFOP, UFU, UFPR, UFES.Destas, apenas quatro (UFC, UFSCAR, UFMS, UFPR) não ofereciam cursos de bachare-lado ou licenciatura em instrumento/canto. Este quadro não mudou até o momento,de acordo com os sites das instituições pesquisadas, como demonstra o quadro abaixo(figura 1).As disciplinas relacionadas à psicologia na formação acadêmica do músico estão emsua maioria voltadas para a formação de professores sem uma preocupação evidentede que o músico em formação esteja recebendo informações sobre como preparar asi mesmo para atuar profissionalmente como intérprete. Ainda que em caráter opta-tivo, dentre as 10 IES selecionadas, a UFG é a única instituição que oferece a disciplinapsicologia direcionada a preparação do intérprete de forma direta, como componenteda grade curricular. Um olhar mais aprofundado nas ementas das disciplinas aindaserá feito para que se possa determinar como o conteúdo das mesmas abordam a ati-vidade do músico prático.

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Figura 1 – Quadro comparativo dos cursos selecionados (ENADE-INEP-MEC, 2009)

Considerações FinaisUm breve olhar sobre as publicações que abordam a psicologia da performance, dis-ponibilizadas ao longo do século XX e no início do século XXI, evidenciam uma atua-ção cada vez mais efetiva de músicos nos grupos de pesquisa, notadamente os gruposinterdisciplinares. Nestes grupos, a interação entre pesquisadores neurocientistas,psicólogos e fisiologistas com pesquisadores da área de música estão cada vez maisaprofundadas na medida em que se busca aspectos que fundamentem a preparaçãopara um performance de excelência. Entretanto, tal desenvolvimento nas pesquisasainda têm pouco reflexo nos currículos das universidades federais brasileiras que ofe-recem cursos de bacharelado em instrumento/canto ou licenciatura em música. Nota-se claramente que as disciplinas relacionadas á psicologia da música quandoconstam nas grades curriculares são quase totalmente voltadas para a atividade dedocência e não para a preparação do estudante para a atuação como músico-intérprete.Apesar disto, o Brasil vê crescer a cada dia os estudos da psicologia da música emprodutos de grupos de pesquisa interdisciplinares (a exemplo dos sediados pela UFG,

IES Curso Disciplina Relacionada à Psicologia Caráter Carga Horária

Semestral Conceito ENADE 2009

Psicologia Musical Optativa

UFBA

Licenciatura em Música e

Bacharelado em Instrumento/canto

Psicologia Aplicada à Educação Bacharelado/ Optativa Licenciatura/Obrigatória

Não Informada

5

Licenciatura em Música e

Bacharelado em Instrumento/canto

Psicologia e Educação Musical Bacharelado/Optativa Licenciatura/Obrigatória

Psicologia da Educação: adolescência I

Licenciatura/Optativa

UFRGS

Licenciatura em Música

Psicologia da Educação Licenciatura/Optativa

30 5

UFMG

Licenciatura em Música e

Bacharelado em Instrumento/canto

Não oferece ------------------ ----- 4

UFSM Licenciatura em

Música Não oferece ------------------ ----- 4

UFG

Licenciatura em Música e

Bacharelado e Licenciatura em

Instrumento/canto

Psicologia da Performance I e II Optativa (para todos os cursos) 64 3

UFRJ

Licenciatura em Música e

Bacharelado em Instrumento/canto

Psicologia da Educação Licenciatura/Obrigatória 60 3

Psicologia da Educação 1 Bacharelado/Optativa Licenciatura/Obrigatória

Psicologia da Educação 2 Optativa/Licenciatura Psicologia Social

UNB

Licenciatura em Música e

Bacharelado em Instrumento/canto

Historia e Sistemas da Psicologia Optativa

Não Informada

3

Psicologia da Educação I Obrigatória UFOP

Licenciatura em Música Psicologia Social e Comunitária Optativa

60 3

Psicologia da Educação 60 UFU

Licenciatura em Música Psicologia do Desenvolvimento

Musical Obrigatória

45 3

Psicologia da Música Obrigatória Psicologia I UFES

Licenciatura em Música

Psicologia Social Optativa

60 3

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UFMG, UNB e UFBA), além de eventos que agregam pesquisas sobre o tema (como oSIMCAM e a ANPPOM). Por fim, o principal resultado que se chegou ao observar o recorte das IES federais éque a psicologia ainda é pouco estudada na formação dos músicos e menos ainda naformação dos performers musicais.

ReferênciasAndrade, E.; Fonseca, J. G.. Artista-atleta: reflexões sobre a utilização do corpo na performance

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vances in Cognitive Psychology 2 n. 2-3 (2006), 113-130. Deutsch, D. The Psychology of Music, 1ª ed. (New York: Academic Press, 1982).———. The Psychology of Music, 2ª ed. (Londres: Academic Press, 1999).Gabrielsson, A. Music Performance research at the millenium. Psychology of Music 31 (2003),

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de Pesquisa em Performance Musical, Anais do . . . (Belo Horizonte: PPG em Música UFMG,2000), 114-125.

Gerling, C.; Santos, R. A. T. A. Comunicação da Expressão na Execução Musical ao Piano”, in3º Simpósio de Cognição e Artes Musicais – Internacional, 3., Anais do . . . (Salvador: PPGem Música UFBA (2007), 147-153.

Kreutz, G., Ginsborg, J. & Williamon, A. Music students’ health problems and health-promotingbehaviors. Medical Problems of Performing Artists 23 (2008), 3-11.

Ray, S. “Os conceitos de EPM, potencial e interferência, inseridos numa proposta de mapea-mento de estudos sobre performance musical”, in Sonia Ray, Performance Musical e SuasInterfaces (Goiânia, 2005), 39-65.

Ray, S. “Ciência e Performance Musical: relatos de experiências e aplicações pedagógicas”, inLima, S. R. A. (Org.). Ensino, Música e Interdisciplinaridade (Goiânia: Vieira, 2009), 97-105.

Rink, J. Musical performance: a guide to understanding (Cambridge: Cambridge UniversityPress, 2002).

Seashore, C. Psychology of Music (New York: McGraw-Hill, 1938).Williamon, A. Musical Excellence: strategies and techniques to enhance performance (Oxford:

Oxford University Press, 2004).

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Representações gráficas para a progressões harmônicas em música: um experimento verificativo

Alexei Alves de Queiroz [email protected]

Palavras-chaveprogressão harmônica – grafos – notação musical

IntroduçãoNesta pesquisa serão abordadas algumas propostas de representação visual gráficapara progressões de acordes em música. O presente trabalho dá continuidade ao artigo

“Uma Notação Musical para Representação de Progressões Harmônicas UtilizandoGrafos” (Queiroz, 2009) que traz uma sugestão de leitura cíclica e bidimensional vol-tada para o registro, expressão, entendimento e memorização de ciclos harmônicos.Para isso utiliza-se a modelagem matemática formal conhecida como Diagrama deEstados, que tem por característica o entendimento de fenômenos e sistemas comoencadeamentos de estados. A suposição inerente ao diagrama é que sua representaçãográfica se aproxima dos processos mentais associados ao entendimento e memoriza-ção de sequências de acordes. A proposta do presente artigo, que aborda uma pesquisaem andamento, é o de iniciar a fase de experimentação do modelo aplicando um testecomparativo entre estudantes de música. O experimento, ainda não realizado até apublicação deste trabalho, consiste em verificar a capacidade de associação entre es-tímulos sonoros e esquemas visuais por meio de comparação. Um questionário é res-pondido tomando por base a escuta de exemplos sonoros associados aoquestionamentos. Será testada a capacidade de identificação dos símbolos com va-riados graus de familiaridade e inovação paradigmática perante uma sequência so-nora de progressões típicas. O objetivo é juntar informações sobre as vantagens edesvantagens potenciais da notação sugerida e apontar possíveis modificações futuras.

JustificativaA representação de progressões harmônicas não é, de modo algum, um aspecto es-quecido dentro da escrita musical tradicional. Há abundante simbologia envolvidana cifragem e leitura de acordes. Não se trata aqui, portanto, de preencher uma de-manda reconhecida, mas de tornar evidente uma limitação pouco notada de nossanotação musical. A idéia subjacente a essa nova notação é que alterações no modo deescrever podem e devem facilitar, incentivar e desencadear abordagens diferentes einovadoras nas áreas de composição, execução e teoria musical. A principal alteraçãodo novo modelo é a quebra do paradigma da escrita linear, unidimensional, que sem-pre entende o fluxo da leitura indo da esquerda para a direita, e do alto para a partede baixo da folha de papel. Dentro do paradigma dos grafos, o fluxo da leitura se dá

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em qualquer direção, possibilitando uma leitura verdadeiramente bidimensional, efavorecendo assim, em especial, a representação intuitiva de progressões harmônicascíclicas.

MetodologiaEm 2009 (Queiroz 2009), foi apresentado a primeira especificação formal para o Dia-grama de Estados Harmônicos Musicais (DEHM versão 2008.3.1). Este diagrama foidescrito matematicamente, com o auxílio de alguns exemplos, tendo sido apresentadocomo uma nova alternativa para a expressão escrita de progressões harmônicas emmúsica. Faltou ao artigo, entretanto, observar o DEHM em uso, de modo que fossepossível analisar, em situação realista, suas vantagens e desvantagens. Um experi-mento que lograsse dar conta disso poderia ser instrumental na obtenção de respostaspara muitas das dúvidas levantadas pelo primeiro artigo. Entre elas apontamos asquatro seguintes questões. 1) Até que ponto o modelo se mostra intuitivo a alunosde música experientes ou leigos? 2) Até que ponto o modelo se mostra análogo ou dealgum modo representativo da forma como a mente entende e memoriza as progres-sões harmônicas? 3) O esforço necessário para que alguém aprenda a ler este dia-grama pode torná-lo inviável? 4) Que ajustes podem ser feitos que facilitem sualeitura? Para ajudar a responder estas quatro questões foi elaborado um teste comparativo.Diferentes formas de representação, algumas bem conhecidas outras bastante inova-doras, são misturadas num questionário em que se pede que as pessoas identifiquemqual o símbolo que melhor representa o exemplo escutado de progressão. Será veri-ficada assim a capacidade das pessoas de associarem o estímulo sonoro à cada formacorreta de representação, contabilizando os erros e acertos obtidos por cada. Se con-siderarmos que, a cada exercício, a representação correta irá variar aleatóriamenteentre as diferentes notações musicais utilizadas, o teste irá prover dados relativos àintuitividade e compreensabilidade destas notações inéditas. Para complementar estedado objetivo, será pedido que as pessoas respondam questões discursivas que visamverificar sua compreensão destas notações alternativas. Com a combaniação de res-postas objetivas e discursivas, espera-se obter uma avaliação que verifica a aplicabi-lidade tanto quanto discute reflexivamente o DEHM.Na figura 1, vemos um exemplo de questão a ser aplicada no experimento.

Próximas atividadesO experimento está, em sua maior parte, pronto para ser aplicado, devendo ser real-izado em breve junto a alunos do curso de música da UnB. A etapa seguinte será o deanálise dos dados, onde o entendimento intuitivo dos alunos dessa notação totalmentenova, será comparado com outras notações desconhecidas pelos alunos, e algumasoutras já bem conhecidas. Essa análise será feita tomando por base o interesse emresponder as 4 questões listadas na metodologia.

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Figura 1 – Exemplo de questão. Aqui um exemplo de DEHM pode ser visto na alternativa b.

BibliografiaAndrade, Paulo Estêvão. Uma abordagem evolucionária e neurocientífica da música. Neuro-

ciências 1 nº 1 (2004): 21-33.Balaban, Mira. “The Music Structures Approach to Knowledge Representation for Music Pro-

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Harte, Cristopher; Mark Sandler e Emilia Gómez. “Symbolic representation of musical chords:A proposed syntax for text annotations”. 6th International Conference on Music Informa-tion Retrievel. London, 2005.

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