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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS E LINGUSTICA
VILMA SANTOS DA PAZ
LABIRINTOS DE UMA MEMRIA CITADINA: LEITURAS E CAMINHOS EM SESMARIA, DE MYRIAM FRAGA
SALVADOR 2011
VILMA SANTOS DA PAZ
LABIRINTOS DE UMA MEMRIA CITADINA: LEITURAS E CAMINHOS EM SESMARIA, DE MYRIAM FRAGA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras e Lingustica, Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Letras. Orientadora: Prof Dra Lgia Guimares Telles
SALVADOR 2011
Sistema de Bibliotecas da UFBA
Paz, Vilma Santos da. Labirintos de uma memria citadina : leituras e caminhos em Sesmaria, de Myriam Fraga /
por Vilma Santos da Paz. - 2011. 125 f.
Orientadora: Prof. Dr. Lgia Guimares Telles. Dissertao (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2011.
1. Fraga, Myriam, 1937- . Sesmaria. 2. Memria. 3. Cidades e vilas. 4. Bahia - Histria.
5. Histria na literatura. I. Telles, Lgia Guimares. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Ttulo.
CDD - 869.909
CDU - 821(81).09
Agradecimentos
Ao Pai Criador, que possibilitou a jornada. A Capes-Reuni, pelo apoio pesquisa, ao
conceder-me a bolsa de mestrado, atravs do Programa de Ps-Graduao da UFBA. minha
famlia, que compreendeu a escrita como um processo solitrio; famlia que me viu (muitas
vezes) ausente, submersa apenas em livros, entregue a essa mesma escrita. A Samuel, que
compreendeu tambm esse processo de entrega e esteve comigo, me dando apoio. Aos amigos
e amigas que fizeram parte da jornada. A Andra Coutinho e Tatiana Sena, amigas que
ajudaram na deciso do caminho, antes mesmo que eu pusesse meus ps na estrada. A
Rosivnia Frana e Ivo Falco, amigos de longas horas de conversas e leituras, companhias de
todas as horas, pela amizade, por seus olhares crticos e por suas generosas leituras. Aos
professores que fizeram essa caminhada possvel, dentre todos, a minha orientadora Lgia
Guimares Telles, pelo apoio, pela pacincia, liberdade e confiana. Meu muito obrigada a
todas as pessoas queridas que fizeram e ainda fazem parte da minha jornada.
RESUMO
O presente trabalho busca refletir sobre as representaes da Cidade da Bahia no livro
Sesmaria, de Myriam Fraga. Neste livro, para dar voz cidade do presente, a escritora recuar
ao perodo da edificao da cidade (sculo XVI), em que a histria da construo da cidade se
confundir, por vezes, com a prpria histria nacional. O estudo analisa as representaes da
cidade, a partir de imagens que se inter-relacionam: a fortaleza, a cidade mtica, a cidade das
aparncias e a ilha, vinculadas, do mesmo modo, ao contexto no qual est inserido o livro. O
estudo investe ainda na releitura da memria coletiva, reavaliando a verso consagrada de
alguns acontecimentos histricos, editados sobre a cidade e sobre o pas, a partir das
personagens histricas que reconstituem suas trajetrias e a trajetria do lugar. Tocar no corpo
da cidade tambm tocar no corpo dos sujeitos que fizeram e que fazem parte do seu
palimpsesto citadino, assim a pretensa fortaleza e seu corpo social formam um s, um
entrelaamento de histrias.
Palavras-chave: Cidade; memria; Bahia; histria; Myriam Fraga
ABSTRACT
This paper reflects upon the representations of the city of Bahia in the book Sesmaria, by
Myriam Fraga. In this book, to give voice to the current city, the writer will come back to the
period of city edification (XVI century), in which the history of the city would be mixed up,
sometimes with their own national history. The study analyzes the representations of the city,
from images that are interrelated: the fortress, the mythical city, the city of appearances and
the island, linked, in the same way, to the context in which the book is inserted. The study
also invests in the rereading of the collective memory, reviewing the hallowed version of
some historical events, which were published about the city and the country, from historical
figures that reconstruct their trajectories and the trajectory of the place. Touch in the body of
the city is also touching the body of the subjects who did and who are part of its palimpsest
city, so the alleged social fortification and body are one, an intertwining of stories.
Keywords: City; memory; Bahia; history; Myriam Fraga.
SUMRIO
1 UMA FORMA DE INTRODUO 5
2 CAPTULO I: DAS CIDADES POSSVEIS E IMAGINADAS
2.1 Inventar a cidade, caminhar sobre ela 10
2.2 Onde tecido histrico e tecido literrio se tornam um s 19
2.3 Cidade da memria, cidade marinha 32
3 CAPTULO II: A CIDADE SEUS FANTASMAS; O MAR
SEUS NAFRGIOS (RECOMPONDO MEMRIAS)
3.1 A cidade e seus mitos 50
3.2 Cidades perdidas, cidade ilha 62
4 CAPTULO III: OUTRA FACE DA CIDADE: UM STIO SOB
MEDO E VIGILNCIA
4.1 Outras escritas da cidade: sob o silncio 76
4.2 A cidade: memria de conflitos 91
4.3 A cidade entre colnia e ditadura militar: encontros e confrontos 110
5
AINDA ALGUMAS PALAVRAS POR DIZER
118
REFERNCIAS 121
5
UMA FORMA DE INTRODUO
Quando passo pela cidade que desconheo e que me desconhece (e esta cidade
Salvador), percebo que meu ato de conhecimento vem pelo tato. Tate-la no escuro minha
forma de conhec-la. Tateio seu cho antigo, suas caladas; tateio, do mesmo modo, pginas e
pginas de livros que registram a cidade, e, mesmo assim, sei que falta muito para desvend-
la. Vou recolhendo sua memria antiga em cheiros, em gostos, em paisagens, em pessoas. Eu,
sujeito que aprende e apreende a sua narrativa histrica, a fim de compreend-la. Ela, objeto
incmodo que fascina, com suas imagens multifacetadas. Ela, que no de cal apenas, dos
versos de Myriam Fraga, de imagens, paisagem inquieta que me deixa como um cego no meio
da multido. Minha forma de conhecimento vem por livros antigos, por caladas novas, pelas
falas das pessoas que cruzam o espao urbano, que contam histrias antigas da cidade de hoje.
Essa cidade aquela que me encanta, impondo-se em sonhos, em versos, em gestos que
atravessam madrugadas, pesadelos e sonhos. Mas h tambm a imagem de uma cidade que
me assusta.
Assusta constatar o descaso com o qual tratado o territrio da Cidade do Salvador;
como tratada sua memria histrica, descolando o corpo da histria local do seu corpo
social. A cidade , por assim dizer, o espao das desigualdades, no qual muitos dos seus
habitantes continuam sendo marginalizados; o que soobra de sua multido tambm uma
legio de excludos, vivendo em um cho vazio, varrido pela violncia.
O que a cidade? Organismo vivo. O que somos em seu tecido urbano? Pequeninos
pedaos de uma grande colcha de retalhos tecida por muitas mos. O que somos da cidade?
Sujeitos que perfazem seus caminhos e que a escrevem e a descrevem nas palmas das mos,
em linhas tortas que nem sempre se encontram. Somos, qui, essas linhas tortas que nem
sempre se encontram, nem do conta da cidade, ao menos de seus discursos. A cidade meu
sonho e meu pesadelo, no se pode am-la ou odi-la, a relao com esse espao uma via de
mo dupla. assim que Myriam Fraga mostra tambm a sua cidade, amando-a e odiando-a ao
mesmo tempo.
A cidade representada por Myriam Fraga a antiga Cidade da Bahia, construda a
partir de versos que recompem os acontecimentos histricos que ocorreram em seu tecido.
Esses acontecimentos podem dizer de dores e cicatrizes, mas no trazem uma cidade/pesadelo
da qual se quer acordar. A cidade de Myriam Fraga ser nosso destino e nossa viagem que
passa, como no poderia deixar de ser, pela histria do lugar. H um itinerrio a cumprir, mas
6
nesse primeiro momento preciso pedir ao viajante/leitor que veja o livro Sesmaria, de
Myriam Fraga, como um livro de registro da cidade (GOMES, 1994), livro antigo e novo
porque no faz, em seu interior, distino entre essas duas palavras. A cidade mistura o antigo
e o atual em seu tecido, convive com escritas antigas e escritas que mal comearam a ser
colocadas sob/sobre sua pele. Sesmaria um livro que tambm apresenta um jogo de
tabuleiros no qual as peas so movidas, expond