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20 6 Viver e Educar na oração e para a Oração Jornadas da Catequese Pe. Amaro Gonçalo

Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

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Viver e Educar

na oração

e para

a Oração

Jornadas da Catequese

Pe. Amaro Gonçalo

Casa Diocesana de Vilar,

20-22 de Julho 2012

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SEXTA 16H00-17H30

Apresentação

Introdução

I. A IMPORTÂNCIA DE INICIAR NA ORAÇÃO

I.1. Sem oração não há vida cristã

I.2. Senhor, ensina-nos a orar

I.2.1. Jesus reza

I.2.2. Jesus ensina a rezar

I.2.3. Jesus atende a nossa oração

I.2.4. O pai-nosso, a mais perfeita das orações

I.3. Necessidade de iniciar na arte da oração

I.4. O Espírito Santo ensina-nos a rezar

I.5. Exercício prático: Rezemos o pai-nosso!

SEXTA 18H00-20H00

II. O QUE É REZAR?

II.1. Definições de oração

II.2. A Oração, segundo o CIC

II.2.1.Dom de Deus

II.2.2.Aliança

II.2.3.Comunhão

II.2.3.1. Abertura a uma comunhão

III. O COMBATE DA ORAÇÃO

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III.1. As objeções à oração

III.1.1. As objeções relacionadas com a experiência pessoal

III.2. A humilde vigilância do coração

III.2.1. Perante as tentações na oração

III.2.2. O que fazer quando desaparece o gosto da oração

III.3. A confiança filial

III.3.1. Porque nos lamentamos por não sermos atendidos

III.3.2. Como é que a nossa oração seria eficaz

III.4. Perseverar no amor

III.5. Um exercício pessoal de oração

SÁBADO, 09H00-10H30

IV. PARA UMA PEDAGOGIA DA ORAÇÃO

IV.1. Entabular o jogo

IV.2. Atitudes orantes

IV.2.1. Sentido de Igreja

IV.2.2. Pobreza

IV.2.3. Liberdade

IV.2.4. Determinada determinação

IV.2.5. Um ambiente vital

IV.2.6. Outras atitudes prévias: solidão, silêncio, diálogo, desportivismo

IV.3. Aprender a orar a partir do silêncio

4.3.1. O elogio do silêncio (Tolentino, João Paulo II, Bento XVI)

4.3.2 Criar silêncio

4.3.3. Silêncio do espírito, dos olhos e das palavras

4.3.4. O silêncio de Jesus (Bento XVI)

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4.3.5. O silêncio na Liturgia

4.3.5.1. Diversos tipos de silêncio na Liturgia

4.3.6. Exercício para aprender a orar a partir do silêncio

IV.4. Aprender a orar a partir dos sentidos

IV.4.1. Apendemos a orar com o olhar: saber olhar

IV.4.1.1. O olhar como comunicação

IV.4.1.2. Os olhos de Jesus

IV.4.1.3. O olhar na Liturgia

IV.4.1.4. O olhar na catequese: educar para a arte e estética

IV.4.1.5. Rezar com as imagens

IV.4.1.6. Rezar com os ícones

IV.4.1.6.1. Os ícones

IV.4.1.6.2. Características do ícone

IV.4.1.6.3. Normas do pintor de ícones

IV.4.1.6.4. Valores da oração a partir dos ícones

IV.4.1.6.5. Exercício prático de oração com um ícone

IV.4.1.6.6. Exercício prático: uma experiência de oração com o olhar

SÁBADO, 11H00-12H30

IV.4.2. Aprendemos a orar na escuta: saber ouvir

4.4.2.1 Ouvir Deus

4.4.2.2. Educar a ver e ouvir em catequese

4.4.2.3. Exercício prático: aprendemos a orar escutando

IV.4.3. Aprendemos a rezar com o tato: saber tocar

IV.4.3.1. Deus na realidade que tocamos

IV.4.3.2. Rezar com as mãos, na Liturgia

IV.4.3.3. Exercício prático: aprendemos a orar com as mãos

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IV.4.4. Aprendemos a rezar com as palavras: saber dizer

IV.4.4.1. Encher as palavras

IV.4.4.2. Educar na e para a Palavra na catequese

IV.4.4.3. Exercício prático: Aprendemos a rezar com as nossas palavras

IV.4.5. Aprendemos a rezar calados: saber calar

IV.4.5.1. Silêncio e oração

IV.4.5.2. O silêncio cheio

IV.4.5.3. Educar no silêncio e para o silêncio

IV.4.5.4. Exercício prático: aprendemos a orar a partir do silêncio

IV.4.5.5. Exercício fundamental em ordem ao silêncio: o triplo recolhimento

IV.4.6. O coração do orante

IV.4.6.1. Abertura de coração

IV.5. Rezar com o corpo

IV.5.1. O corpo participa na oração

IV.5.2. O corpo na liturgia: de pé, sentados, gestos de humildade

IV.5.3. Exercício prático de oração com o corpo

SÁBADO, 14H30-16H00

V. COMO INICIAR À ORAÇÃO NO ENCONTRO CATEQUÉTICO

V.1. Ao iniciar o encontro

V.2. Ao proclamar a Palavra

V.3. Ao expressar a Fé

V.4. Ao ir para a vida

V.5. A importância de um oracional na Catequese

V.6. O catequista, mestre da oração

V.7. Algumas propostas para a vida de oração do catequista

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VI. INICIAR NAS DISTINTAS FORMAS DE REZAR

VI.1. Oração de bênção e adoração

VI.1.1. Algumas propostas para iniciar nesta forma de oração na Catequese

VI.1.2. Rezar com os salmos: a oração da Igreja

VI.1.3. Exercício Prático: Lectio Divina do Salmo 1

VI.2. Oração de petição

VI.2.1. Objeções à oração de petição

VI.2.2. Algumas propostas deste tipo de oração na Catequese

VI.3. Oração de intercessão

VI.3.1. Algumas propostas para iniciar na oração de intercessão na Catequese

VI.4. Oração de ação de graças

VI.4.1. Algumas propostas para iniciar a esta forma de oração na Catequese

VI.5. Oração de louvor

VI.5.1. Algumas propostas para iniciar a esta forma de oração na Catequese

SÁBADO, 16H30-18H30

VII. CAMINHOS PARA EXPRIMIR A ORAÇÃO

VII.1. A oração vocal

VII.1.1. Regras práticas para a oração vocal

VII.1.2. Algumas propostas deste tipo de oração na Catequese

VII.1.3. Exercício prático de orações breves e repetidas

VII.2. A meditação

VII.2.1. Algumas propostas deste tipo de oração na Catequese

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VII.3. A contemplação (ou a oração mental)

VII.3.1. Um olhar contemplativo

VII.3.2. Fases da oração contemplativa

VII.3.3. Desenvolver a dimensão contemplativa da vida

VII.3.3.1. Não é fácil hoje viver a dimensão contemplativa da vida

VII.3.3.2. O homem aberto a Deus

VII.3.3.3. Recuperar alguns valores

VII.3.3.4. Oração e ser do homem

VII.3.4. Algumas propostas para iniciar na oração contemplativa, na Catequese

VII.3.5. Dois exercícios de contemplação adquirida

DOMINGO- 09H00-10H30

VIII. UM MÉTODO PARA A LEITURA ORANTE DA BIBLIA: A LECTIO DIVINA

VIII.1.Um pouco de história

VIII.2.Os 4 degraus da lectio divina

VIII.2.1. Leitura

VIII.2.2. Meditação

VIII.2.3. Oração

VIII.2.4. Contemplação

VIII.3.Síntese

DOMINGO – 14H15-16H30

VIII.4.Algumas sugestões práticas para obter frutos na lectio divina

VIII.5.Lectio Divina adaptada a crianças

VIII.6.Lectio Divina na Catequese do 4º ao 6º anos

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VIII.7.Exercício prático de Lectio Divina na Catequese

Conclusão

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Sexta, 16h00-17h30

Apresentação

Introdução

A aprendizagem da oração é uma das tarefas fundamentais da Catequese, já

que o tornar possível o encontro pessoal e vital do homem com Deus é a

missão primordial da educação na fé. Vejamos o que nos dizem os principais

documentos do Magistério da Igreja sobre este tema em estudo:

João Paulo II, Catechesi tradendae, 5

Deseja-se acentuar, antes de mais nada, que no centro da catequese

encontramos essencialmente uma Pessoa: a Pessoa de Jesus de Nazaré,

«Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade», que sofreu e morreu

por nós, e que agora, ressuscitado, vive connosco para sempre. Este

mesmo Jesus que é «o Caminho, a Verdade e a Vida», e a vida cristã

consiste em seguir a Cristo, «sequela Christi». O objeto essencial e

primordial da catequese, pois, para empregar uma expressão que São

Paulo gosta de usar e que é frequente na teologia contemporânea, é «o

Mistério de Cristo». Catequizar é, de certa maneira, levar alguém a

perscrutar este Mistério em todas as suas dimensões: «expor à luz,

diante de todos, qual seja a disposição divina, o Mistério. (…) Neste

sentido, a finalidade definitiva da catequese é a de fazer que alguém se

ponha, não apenas em contacto, mas em comunhão, em

intimidade com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai

no Espírito e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade.

Catecismo da Igreja Católica 426

«No coração da catequese, encontramos essencialmente uma Pessoa:

Jesus de Nazaré, Filho único do Pai [...], que sofreu e morreu por nós e

que agora, ressuscitado, vive connosco para sempre [...]. Catequizar [...]

é revelar, na Pessoa de Cristo, todo o desígnio eterno de Deus [...]. É

procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e

dos sinais por Ele realizados». O fim da catequese é «pôr em

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comunhão com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai,

no Espírito, e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade».

Diretório Geral da Catequese 85

A comunhão com Jesus Cristo conduz os discípulos a assumirem a

atitude orante e contemplativa que adotou o Mestre. Aprender a

rezar com Jesus é rezar com os mesmos sentimentos com os

quais Ele se dirigia ao Pai: a adoração, o louvor, o agradecimento, a

confiança filial, a súplica e a contemplação da sua glória. Estes

sentimentos se refletem no Pai Nosso, a oração que Jesus ensinou aos

discípulos e que é modelo de toda oração cristã. A «entrega do Pai

Nosso», resumo de todo o Evangelho, é, portanto, verdadeira expressão

da realização desta tarefa. Quando a catequese é permeada por um

clima de oração, a aprendizagem de toda a vida cristã alcança a sua

profundidade. Este clima torna-se particularmente necessário quando o

catecúmeno e os catequizandos se confrontam com os aspetos mais

exigentes do Evangelho e se sentem fracos, ou ainda quando descobrem,

admirados, a ação de Deus na sua vida.

Entender que a oração ocupa na catequese um lugar prioritário supõe chegar a

compreender o verdadeiro objetivo da catequese e de toda a vida cristã: a

comunhão com Jesus Cristo:

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I. A IMPORTÂNCIA DE INICIAR NA ORAÇÃO

I.1. Sem oração não há vida cristã

Se não rezamos, a nossa vida cristã apaga-se aos poucos e corre o risco de

desaparecer no meio dos afãs deste mundo. Sobre a importância da oração

basta ler a introdução à IV Parte do Catecismo da Igreja Católica, sobre a

oração, onde nos é dito, logo em jeito de introdução:

Catecismo da Igreja Católica 2558

“Mistério admirável da nossa fé”. A Igreja professa-o no Símbolo dos

Apóstolos e celebra-o na Liturgia Sacramental, para que a vida dos fiéis

seja configurada com Cristo no Espírito Santo para glória de Deus Pai.

Este mistério exige, portanto, que os fiéis nele creiam, o celebrem e dele

vivam, numa relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Esta

relação é a oração”

“Esta relação é a oração”. Isso mesmo justifica a importância que o CIC dá à

Oração, no conjunto das restantes partes que nela, de modo especial, se torna

possível e se desenvolve a relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro,

que realiza o cristão quando professa a fé no Credo, celebra os sacramentos e

cumpre os mandamentos do Senhor.

A pastoral, tanto teórica como prática, não tem insistido suficientemente, no

lugar que ocupa e deve ocupar a pastoral da oração, no caminho da vida cristã,

antes e depois do itinerário que leva aos sacramentos da iniciação cristã e

dentro das melhores ofertas que uma pastoral deve oferecer aos cristãos de

hoje, para que possam ser conscientes da sua fé e da sua relação pessoal com

o Deus, que se revela, como amigo e convida a todos à comunhão com Ele. Não

era assim nas primitivas comunidade cristãs, como nos lembra o CIC:

Catecismo da Igreja Católica 2624

Na primeira comunidade de Jerusalém, os crentes «eram assíduos ao ensino

dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações» (At 2,

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42). Esta sequência é típica da oração da Igreja: fundada sobre a fé

apostólica e autenticada pela caridade, alimenta-se na Eucaristia.

I.2. Senhor, ensina-nos a orar

Jesus iniciou os seus discípulos na oração, primeiro com o seu próprio exemplo

e depois instruindo-os com a oração do Pai-Nosso. Ele fez da oração o objeto do

seu mandato. Ao mesmo tempo que nos ensina a rezar, Jesus ordena e

recomenda, com insistência, aos seus discípulos, que rezem: «vigiai e orai»

(Mc.14,38). Isso mesmo nos recorda de maneira sintética o CIC, cujos números

mais significativos passamos a citar:

I.2.1. Jesus reza

Catecismo da Igreja Católica 2599: Reza com as orações do seu Povo

O Filho de Deus, feito Filho da Virgem, aprendeu a orar segundo o seu

coração de homem. Aprendeu as fórmulas de oração com a sua Mãe, que

conservava e meditava no seu coração todas as «maravilhas» feitas pelo

Omnipotente (Lc.1.49: 2,19; 2,51).

Ele ora com as palavras e nos ritmos da oração do seu povo, na

sinagoga de Nazaré e no Templo. Mas a sua oração brotava duma

fonte muito mais secreta, como deixa pressentir quando diz, aos doze

anos: «Eu devo ocupar-me das coisas do meu Pai» (Lc 2, 49). Aqui

começa a revelar-se a novidade da oração na plenitude dos tempos: a

oração filial, que o Pai esperava dos seus filhos, vai finalmente ser vivida

pelo próprio Filho Único na sua humanidade, com e para os homens.

Catecismo da Igreja Católica 2600: Reza impelido pelo Espírito Santo e

em momentos decisivos

O Evangelho segundo São Lucas sublinha a ação do Espírito Santo e o

sentido da oração no ministério de Cristo. Jesus ora antes dos momentos

decisivos da sua missão: antes de o Pai dar testemunho d'Ele aquando

do seu batismo (Lc.3,21) e da sua transfiguração (Lc.9,28) e antes de

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cumprir, pela paixão, o desígnio de amor do Pai (Lc.22.41-44). Reza

também antes dos momentos decisivos que vão decidir a missão dos

seus Apóstolos: antes de escolher e chamar os Doze (Lc.6,12), antes de

Pedro O confessar como o «Cristo de Deus» (Lc.9,18-20) e para que a fé

do chefe dos Apóstolos não desfaleça na tentação (Lc.22.32). A oração

de Jesus antes dos acontecimentos da salvação de que o Pai O

encarrega, é uma entrega humilde e confiante da sua vontade à vontade

amorosa do Pai.

Catecismo da Igreja Católica 2601. Reza e ensina a rezar com o

exemplo da sua oração

«Estando um dia Jesus em oração em certo lugar, quando acabou disse-

Lhe um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar» (Lc 11, 1). Não é,

porventura, ao contemplar primeiro o seu Mestre em oração, que o

discípulo de Cristo sente o desejo de orar? Pode então aprendê-la com o

mestre da oração. É contemplando e escutando o Filho que os filhos

aprendem a orar ao Pai.

Catecismo da Igreja Católica 2602. Reza a sós, de noite e reza por nós

Jesus retira-Se muitas vezes sozinho para a solidão, no cimo da

montanha, preferentemente de noite, a fim de orar (Mc.1,35; 6,46;

Lc.54,.5,16). Na sua oração Ele leva os homens, porquanto Ele próprio

assumiu a humanidade na sua encarnação, e oferece-os ao Pai

oferecendo-Se a Si mesmo. Ele, o Verbo que «assumiu a carne», na sua

oração humana partilha tudo quanto vivem os «seus irmãos» (Heb 2,12);

e compadece-Se das suas fraquezas para os livrar delas (Heb 2, 15). Foi

para isso que o Pai O enviou. As suas palavras e as suas obras aparecem

então como a manifestação visível da sua oração «no segredo».

Catecismo da Igreja Católica 2603. Reza louvando o Pai pela revelação

aos simples

Os evangelistas retiveram duas orações mais explícitas de Cristo durante

o seu ministério. E ambas começam por uma ação de graças. Na

primeira (Mt.11.25-27; Lc.10,21-22), Jesus louva o Pai, reconhece-O e

bendi-Lo por ter escondido os mistérios do Reino aos que se julgavam

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sábios e os ter revelado aos «pequeninos» (os pobres das bem-

aventuranças). O seu estremecimento – «Sim Pai!» – revela o íntimo do

seu coração, a sua adesão ao «beneplácito» do Pai, como um eco do

«Fiat» da sua Mãe aquando da sua conceção e como prelúdio do que Ele

próprio dirá ao Pai na sua agonia. Toda a oração de Jesus está nesta

adesão amorosa do seu coração de homem ao «mistério da vontade» do

Pai (Ef.1.9).

Catecismo da Igreja Católica 2604. Reza louvando o Pai, porque este O

escuta

A segunda oração é referida por São João (Jo.11,41-42), antes da

ressurreição de Lázaro. A ação de graças precede o acontecimento: «Pai,

Eu Te dou graças por Me teres escutado», o que implica que o Pai atende

sempre o que Lhe pede; e Jesus acrescenta logo: «Eu bem sabia que Tu

Me atendes sempre», o que implica, por seu turno, que Jesus pede

constantemente. Assim, apoiada na ação de graças, a oração de Jesus

revela-nos como devemos pedir: Antes de Lhe ser dado o que pede,

Jesus adere Aquele que dá e Se dá nos seus dons. O Doador é mais

precioso do que dom concedido, é o «tesouro», e é n'Ele que está o

coração do Filho; o dom é dado «por acréscimo» (Mt.6,21.33).

A oração «sacerdotal» de Jesus (Jo.17) ocupa um lugar único na

economia da salvação. Será meditada no final da primeira Secção. Ela

revela, de facto, a oração sempre atual do nosso Sumo-Sacerdote e, ao

mesmo tempo, contém tudo quanto Ele nos ensina na nossa oração ao

Pai, que será explicada na Segunda Secção.

Catecismo da Igreja Católica 2605. Reza na agonia e na Cruz

Quando chegou a Hora em que cumpriu o desígnio de amor do Pai, Jesus

deixa entrever a profundidade insondável da sua oração filial, não só

antes de livremente Se entregar («Abbá... não se faça a minha vontade,

mas a tua»: Lc 23, 42), mas até nas suas últimas palavras já na cruz,

onde orar e dar-Se coincidem: «Perdoa-lhes, ó Pai, pois não sabem o que

fazem» (Lc 23, 34); «em verdade te digo: hoje estarás comigo no

paraíso» (Lc 23, 43); «Mulher, eis aí o teu filho» [...] «eis aí a tua mãe»

(Jo 19, 26-27); «tenho sede!» (Jo 19, 28); «meu Deus, por que Me

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abandonaste?» (Mc 15, 34) (56); «tudo está consumado» (Jo 19, 30);

«Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46), até ao «grande

brado» com que expira, entregando o espírito (Mc.15,37; Jo.19,30).

Catecismo da Igreja Católica 2606. Ressuscitado, intercede por nós

Todas as desolações da humanidade de todos os tempos, escrava do

pecado e da morte, todas as súplicas e intercessões da história da

salvação estão reunidas neste brado do Verbo encarnado. E eis que o Pai

as acolhe e as atende, para além de toda a esperança, ao ressuscitar o

seu Filho. Assim se cumpre e se consuma o drama da oração na

economia da criação e da salvação. Dele nos dá o Saltério a chave em

Cristo. É no «hoje» da ressurreição que o Pai diz: «Tu és meu Filho, Eu

hoje Te gerei. Pede-Me, e Te darei as nações por herança e os confins da

terra para teu domínio!» (Sl 2, 7-8) (58). A Epístola aos Hebreus exprime

em termos dramáticos como é que a oração de Jesus realiza a vitória da

salvação: «Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas,

com um forte brado e com lágrimas, Aquele que O podia livrar da morte

e, por causa da sua piedade, foi atendido. Apesar de ser Filho, aprendeu,

de quanto sofreu, o que é obedecer. E quando atingiu a sua plenitude,

tornou-Se, para todos aqueles que Lhe obedecem, causa de salvação

eterna» (Heb 5, 7-9).

Sete momentos de oração de Jesus1

O chamamento dos apóstolos

“Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a

Deus. Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre

eles, aos quais deu o nome de Apóstolo.” (Lucas 6, 12-13)

Para se abrir totalmente à luz divina no momento em que vai chamar os seus

discípulos para participarem na sua missão, Jesus passa toda a noite em oração.

Não é a única vez em que reza durante a noite. E mesmo assim, um dos doze

escolhidos chama-se Judas. Que mistérios nos desígnios ocultos de Deus!

1 In La prière: Entre combat et extase; Trad.: rm © SNPC (trad.) | 04.05.10

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A confissão de Pedro

“Um dia, quando orava em particular, estando com Ele apenas os discípulos,

perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?» (...) «E vós, quem

dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «O Messias de Deus.»”

(Lc 9, 18-22)

Estamos no momento central do ministério de Jesus. Ele é reconhecido como

Messias por Pedro, que por sua vez deve a sua fé à oração do mesmo Jesus.

«Simão, Simão, olha que Satanás pediu para vos joeirar como trigo. Mas Eu

roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido,

fortalece os teus irmãos.» (Lc 22, 31-32)

Sim, a fé da Igreja está suspensa pela oração de Jesus (João 17).

 

A transfiguração

“Levando consigo Pedro, João e Tiago, Jesus subiu ao monte para orar.

Enquanto orava, o aspeto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-

se de uma brancura fulgurante. E dois homens conversavam com Ele: Moisés e

Elias, os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia

acontecer em Jerusalém. (...) Surgiu uma nuvem que os cobriu; (...) E da nuvem

veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predileto. Escutai-o.»” (Lucas 9,

28-36)

A estrela de Jesus está já em declínio e cresce a resistência à sua mensagem.

Mais uma vez, é na oração que Jesus é confirmado na sua missão – aqui

claramente a de “servo sofredor” – a fim de poder fazer face ao êxodo que vai

realizar em Jerusalém. Em contraponto à Cruz que se perfila, um pouco da

glória oculta da ressurreição deixa-se entrever... na oração. A fé dos discípulos

é antecipadamente fortalecida. A revelação do batismo, neste momento crucial,

é retomada e precisada.

 

O hino de júbilo

“Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a ação do Espírito

Santo e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste

estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim,

Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai; e

ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho e

aquele a quem o Filho houver por bem revelar-lho.»” (Lc 11, 1-2)

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Quando Jesus se diz “Filho”, situa-se diante de Deus como um filho perante o

seu pai, realizando a obra que lhe é confiada, em perfeita sintonia com a

vontade do Pai; confiando-se totalmente a Ele, vivendo na sua presença, tendo

recorrido a Ele em todos os momentos em que se impôs uma escolha, falando-

Lhe com a simplicidade, ternura, segurança de uma criança com o seu papá

(Abba).

E Deus é Pai para Jesus através da maneira como age com Ele; dado que Ele o

conduz, entrega-lhe o seu poder, confia-lhe os seus segredos e os seus projetos,

como um pai faz com o seu filho.

Há uma relação única de intimidade entre Filho e Pai, uma comunhão total, no

Espírito, do seu amor mútuo. É no interior desta relação que Jesus é o que é; e a

oração é o lugar privilegiado do seu “ser filho”. “Ninguém conhece o Filho se

não o Pai.” “Conhecimento” deve ser entendido aqui no sentido bíblico da

palavra: uma comunicação de amor. O seu princípio está no olhar eletivo e

criador colocado pelo Pai sobre Jesus. Ninguém está a esse nível de

profundidade. E ninguém conhece quem é o Pai se não o Filho. A nenhum outro

o Pai revelou o mistério da sua providência. Nenhum outro reconheceu tão

intimamente o amor do Pai, nenhum outro confessou a sua fidelidade numa tal

resposta de obediência, nenhum outro consagrou todas as suas forças e a sua

vida à realização do seu plano. A Igreja nasceu do que Jesus comunicou aos

seus discípulos sobre o que conhece do Pai.

De maneira análoga, cada um de nós, em Cristo, recebe um nome novo, um

nome inscrito no lugar mais profundo do coração que só o Pai conhece. Na

oração, por vezes, o Espírito transmite-nos, numa voz inexprimível (Romanos

8), um conhecimento incomunicável do Pai.

 

A transmissão da oração

“Sucedeu que Jesus estava algures a orar. Quando acabou, disse-lhe um dos

seus discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João também ensinou os seus

discípulos.» Disse-lhes Ele: «Quando orardes, dizei: Pai...»” (Lc 11, 1-2)

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Jesus ensina a oração aos seus discípulos rezando em primeiro lugar sob os

seus olhos. Mas dá também um exemplo do que deve ser o conteúdo desta

oração. A primeira palavra, a palavra essencial da oração cristã é “Pai”.

Somos na verdade seus filhos, filhos pela nossa fé no Filho e pelo dom do seu

Espírito. Jesus mostrou-nos a maneira de agir como filhos: viver na confiança

absoluta no Pai, na obediência à sua vontade de amor, na intimidade de uma

oração solitária, no pedido confiante das nossas necessidades, no amor dos

nossos irmãos.

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A oração no Monte das Oliveiras

“[Jesus] Saiu então e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras. E os

discípulos seguiram também com Ele. Quando chegou ao local, disse-lhes:

«Orai, para que não entreis em tentação.» Depois afastou-se deles, à distância

de um tiro de pedra, aproximadamente; e, pondo-se de joelhos, começou a

orar, dizendo: «Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça

a minha vontade, mas a tua.» Então, vindo do Céu, apareceu-lhe um anjo que o

confortava. Cheio de angústia, pôs-se a orar mais instantemente, e o suor

tornou-se-lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra. Depois de

orar, levantou-se e foi ter com os discípulos, encontrando-os a dormir, devido à

tristeza. Disse-lhes: «Porque dormis? Levantai-vos e orai, para que não entreis

em tentação.»” (Lucas 22, 39-46)

No centro desta perícopa está a luta de Jesus entre a sua vontade, expressão

da sua sensibilidade humana, e a vontade do seu Pai, expressão da sua missão

pela salvação dos homens. A escolha é dolorosa, trágica, mas no entanto cheia

de dignidade e, por fim, de uma grande paz. A narrativa é enquadrada pela

recomendação de orar para não entrar em tentação; desta forma ele torna-se

um modelo na luta orante, sustentada pela força do alto.

O combate desenrola-se na oração. Jesus esforça-se por comungar da força

divina, procura vencer a sua própria vontade. São postos aqui a nu, de maneira

quase intolerável, o mistério do respeito infinito de Deus pela liberdade humana

e a vibrante realidade da humanidade de Jesus. Que encorajamento nas nossas

lutas entre a vontade de Deus e as revoltas da nossa sensibilidade!

 

A oração de Jesus na cruz

“Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem.” “Pai, nas tuas mãos,

entrego o meu espírito.” (Lucas 23, 34.46)

Jesus deixa a vida em oração. É o momento da verdade. A verdade de Jesus

para os seus irmãos é o perdão, a oferta da sua vida por aqueles que o matam;

a verdade para o seu Pai é a confiança absoluta. 

I.2.2. Jesus ensina a orar – Jesus pedagogo da nossa oração

Catecismo da Igreja Católica 2607. Ensinamento explícito sobre a

oração

Page 20: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Quando ora, Jesus já nos ensina a orar. O caminho teologal da nossa

oração é a sua oração ao Pai. Mas o Evangelho fornece-nos um

ensinamento explícito de Jesus sobre a oração. Como bom pedagogo,

toma conta de nós no ponto em que nos encontramos e,

progressivamente, conduz-nos até ao Pai. Dirigindo-Se às multidões que

O seguem, Jesus parte daquilo que elas já conhecem acerca da oração

segundo a Antiga Aliança e abre-as à novidade do Reino que chega.

Depois, revela-lhes em parábolas essa novidade. E, por fim, aos seus

discípulos que hão de ser pedagogos da oração na sua Igreja, fala

abertamente do Pai e do Espírito Santo.

Catecismo da Igreja Católica 2608: A conversão do coração

Jesus insiste na conversão do coração desde o sermão da montanha: a

reconciliação com o irmão antes de apresentar a oferta no altar (59); o

amor dos inimigos e a oração pelos perseguidores (Mt.5,44-45); orar ao

Pai «no segredo» (Mt 6, 6); não se perder em fórmulas palavrosas

(Mt.6,7); perdoar do fundo do coração na oração (Mt.6,14-15); a pureza

do coração e a busca do Reino (Mt.6.21.25.33) Esta conversão está

totalmente polarizada no Pai: é filial.

Catecismo da Igreja Católica 2609. Orar na fé

O coração, assim decidido a converter-se, aprende a orar na fé. A fé é

uma adesão filial a Deus, para além de tudo quanto sentimos e

compreendemos. Tornou-se possível, porque o Filho bem-amado nos

franqueia o acesso até junto do Pai. Ele pode pedir-nos que

«procuremos» e «batamos à porta», porque Ele próprio é a porta e o

caminho (Mt.7.7-11.13-14).

Catecismo da Igreja Católica 2610. Audácia filial

Do mesmo modo que Jesus ora ao Pai e Lhe dá graças antes de receber

os seus dons, assim também nos ensina esta audácia filial: «tudo o que

pedirdes na oração, acreditai que já o alcançastes» (Mc 11, 24). Tal é a

força da oração: «tudo é possível a quem crê» (Mc 9, 23), com uma fé

Page 21: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

que não hesita (Mt.21,21). Assim como Jesus Se entristece por causa da

«falta de fé» dos seus conterrâneos (Mc 6, 6) e da «pouca fé» dos seus

discípulos (Mt.8,26), também Se enche de admiração perante a «grande

fé» do centurião romano (Mt.8,10) e da cananeia (Mt.15,28).

Catecismo da Igreja Católica 2611. Conformação com a vontade de

Deus

A oração de fé não consiste somente em dizer «Senhor, Senhor!», mas

em preparar o coração para fazer a vontade do Pai (Mt.7,21). Jesus

exorta os seus discípulos a levar para a oração esta solicitude em

cooperar com o desígnio de Deus (Mt.9,38).

Catecismo da Igreja Católica 2612. Vigilância na Oração

Em Jesus, «o Reino de Deus está perto». Ele apela à conversão e à fé,

mas também à vigilância. Na oração (Mc 1, 15), o discípulo vela, atento

Aquele que é e que vem, na memória da sua primeira vinda na

humildade da carne e na esperança da sua segunda vinda na glória

(Mc,13; Lc.21,34-36). Em comunhão com o Mestre, a oração dos

discípulos é um combate; é vigiando na oração que não se cai na

tentação (Lc.22.40-46).

Catecismo da Igreja Católica 2613. Três parábolas sobre a oração.

A primeira, a do «amigo importuno» (Lc.11,5-13), convida-nos a uma

oração persistente: «Batei, e a porta abrir-se-vos-á». Aquele que assim

ora, o Pai celeste «dará tudo quanto necessitar» e dará, sobretudo, o

Espírito Santo, que encerra todos os dons.

A segunda, a da «viúva importuna» Lc.18,1-8), está centrada numa das

qualidades da oração: é preciso orar sem se cansar, com a paciência da

fé. «Mas o Filho do Homem, quando voltar, achará porventura fé sobre a

terra?».

A terceira, a do «fariseu e do publicano» (Lc.18,9-14), diz respeito à

humildade do coração orante. «Meu Deus, tende compaixão de mim, que

Page 22: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

sou pecador». A Igreja não cessa de fazer sua esta oração: «Kyrie,

eleison!».

Catecismo da Igreja Católica 2614: Rezar em nome de Jesus

Quando Jesus confia abertamente aos discípulos o mistério da oração ao

Pai, desvenda-lhes o que deve ser a oração deles e a nossa quando Ele

tiver voltado para junto do Pai, na sua humanidade glorificada. O que há

de novo agora é o «pedir em seu nome» (Jo.14,13). A fé n'Ele introduz os

discípulos no conhecimento do Pai, porque Jesus é «o caminho, a

verdade e a vida» (Jo 14, 6). A fé dá os seus frutos no amor: guardar a

sua Palavra, os seus mandamentos, permanecer com Ele no Pai que n'Ele

nos ama ao ponto de permanecer em nós. Nesta aliança nova, a certeza

de sermos atendidos nas nossas petições baseia-se na oração de Jesus

(Jo.14,13-14).

Catecismo da Igreja Católica 2615. Rezar no Espírito Santo

Mais ainda: o que o Pai nos dá, quando a nossa oração se une à de Jesus,

é «o outro Paráclito, [...] para ficar convosco para sempre, o Espírito de

verdade» (Jo14, 16-17). Esta novidade da oração e das suas condições

aparece ao longo do discurso do adeus (Jo.14,23-26; 15,7.16; 16,13-

15.23-27). No Espírito Santo, a oração cristã é comunhão de amor com o

Pai, não somente por Cristo, mas também n'Ele: «Até agora, não pedistes

nada em meu nome. Pedi e recebereis, para a vossa alegria ser

completa» (Jo 16, 24).

A Oração cristã é feita «no Espírito»

O homem que vive ainda mergulhado na fraqueza, na incerteza e nos vaivéns

do tempo, experimenta a dificuldade na oração, desconhecedor do que deve

pedir! Mas nem por isso deve desanimar, porque o Espírito vem ao seu

encontro para tomar conta da sua situação: aquele Espírito que o tornou

participante do estado de filho adotivo, levando-o a experimentar a realidade, é

o mesmo Espírito que agora reza nele e com ele. Assumindo a sua fraqueza,

completa a obra da salvação por Ele iniciada, apesar das dificuldades que se

podem encontrar ao longo do caminho: «O Espírito vem em auxílio da nossa

Page 23: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

fraqueza, pois nem sabemos o que nos convém pedir; mas o próprio Espírito

intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rom 8, 26-27). Portanto, toda a

oração do cristão, tanto a da liturgia como a pessoal, acontece sempre no

Espírito, porque o acesso ao Pai faz-se pelo Filho, no Espírito (cf. Ef 2, 18). O

Espírito é o verdadeiro protagonista da oração. É Ele que anima toda a oração

da Igreja. A oração cristã não é uma técnica, mas é um dom do Espírito (Jo 4,

23, Ef 5, 18-20; Rom 8, 26-27). Sob o influxo do Espírito penetra-se o mistério

de Deus.

Catecismo da Igreja Católica 2670

«Ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor", a não ser pela ação do Espírito

Santo» (1 Cor 12, 3). Todas as vezes que começamos a orar a Jesus, é o

Espírito Santo que, pela sua graça preveniente, nos atrai para o caminho

da oração. Uma vez que Ele nos ensina a orar lembrando-nos Cristo, como

orar-Lhe a Ele próprio? A Igreja convida-nos, pois, a implorar cada dia o

Espírito Santo, especialmente no princípio e no fim de qualquer ato

importante.

«Se o Espírito Santo não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza

pelo Batismo? E se deve ser adorado, não há de ser objeto dum culto

particular?» (Lc.18,13,Mc.10,46-52).

Catecismo da Igreja Católica 2671

A forma tradicional de pedir o Espírito é invocar o Pai, por Cristo, nosso

Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador (Lc.11.13). Jesus insiste

nesta petição em seu nome no próprio momento em que promete o dom

do Espírito de verdade (Jo.14,17;15,26;16,13). Mas também é tradicional a

oração mais simples e mais direta: «Vinde, Espírito Santo». Cada tradição

litúrgica desenvolveu-a em antífonas e hinos:

«Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles

o fogo do vosso amor»

«Rei celeste, Espírito consolador, Espírito da verdade, presente em toda a

parte e tudo enchendo, tesouro de todo o bem e fonte da vida, vem,

habita em nós, purifica-nos e salva-nos, Tu que és Bom!».

Page 24: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Catecismo da Igreja Católica 2672

O Espírito Santo, cuja unção impregna todo o nosso ser, é o mestre

interior da oração cristã. É o artífice da tradição viva da oração. Há, é

certo, tantos caminhos na oração como orantes; mas é o mesmo Espírito

que age em todos e com todos. É na comunhão do Espírito Santo que a

oração cristã é oração na Igreja.

O Espírito Santo é o lugar da nossa oração cristã. O Espírito Santo é que nos

coloca na atmosfera divina: «o amor de Deus foi derramado em nossos

corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rom.5.5). Podemos e devemos

rezar “no Espírito” e pedir o Espírito Santo, para rezar como convém.

I.2.3. Jesus atende a nossa oração

Catecismo da Igreja Católica 2616. Oração eficaz

A oração a Jesus já foi sendo atendida por Ele durante o seu ministério,

mediante os sinais que antecipam o poder da sua morte e ressurreição:

Jesus atende a oração da fé expressa em palavras (do leproso (Mc.1,40-

41), de Jairo (Mc.5,36), da cananeia (Mc.7,29), do bom ladrão (Lc.23,39-

43) ou feita em silêncio (dos que trouxeram o paralítico (Mc.2,5), da

hemorroíssa que Lhe tocou na veste (Mc.5,28), as lágrimas e o perfume

da pecadora (Lc.7,37-38). A súplica premente dos cegos: «Filho de David,

tem piedade de nós!» (Mt 9, 27), ou «Jesus, filho de David, tem piedade

de mim!» (Mc 10, 47), foi retomada na tradição da Oração a Jesus: «Jesus

Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador!». Seja a

cura das doenças ou o perdão dos pecados, Jesus responde sempre à

oração de quem Lhe implora com fé: «Vai em paz, a tua fé te salvou».

Santo Agostinho resume admiravelmente as três dimensões da oração

de Jesus: «sendo o nosso Sacerdote, ora por nós; sendo a nossa Cabeça,

ora em nós; e sendo o nosso Deus, a Ele oramos. Reconheçamos, pois,

n'Ele a nossa voz e a voz d'Ele em nós» (Santo Agostinho).

Page 25: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Jesus iniciou os seus discípulos na oração, primeiro com o seu próprio exemplo

e depois instruindo-os com a oração do Pai-Nosso. O Pai-Nosso é a oração cristã

por excelência.

Rezamos sempre “por nosso Senhor Jesus Cristo”… em nome de Cristo, quer

dizer em atenção a Ele, com o mesmo Espírito d'Ele. Ele é o nosso perene e

poderoso intercessor e mediador (Act 4, 12). Dizer em nome de Cristo significa

que a nossa oração é como se a fizesse Cristo; Ele assume todas as nossas

necessidades; Ele faz suas todas as nossas súplicas e pedidos. Nós rezamos

por Cristo, com Cristo e em Cristo, a partir da presença pascal de Jesus, como o

define a doxologia final da Oração Eucarística. Cristo é o modelo, o

companheiro e o mediador da nossa oração.

I.2.4. O Pai-Nosso, a mais perfeita das Orações

Catecismo da Igreja Católica 2763

«A oração dominical é a mais perfeita das orações [...]. Nela, não só

pedimos tudo quanto podemos retamente desejar, mas também segundo

a ordem em que convém desejá-lo. De modo que esta oração, não só nos

ensina a pedir, mas também plasma todos os nossos afetos» (São Tomás

de Aquino).

Ao entregar a oração dominical aos catecúmenos ou aos neófitos, no

processo de iniciação cristã, a Igreja ilumina-os e ajuda-os a descobrir a

filiação divina que se recebe no batismo, sacramento pelo qual podemos

chamar a Deus Pai, tanto na oração privada como na oração comum com

os irmãos na fé.

Catecismo da Igreja Católica 2765. Oração do Senhor

A expressão tradicional «oração dominical» (isto é, «oração do Senhor»)

significa que a prece dirigida ao nosso Pai nos foi ensinada e legada pelo

Senhor Jesus. Tal oração, que nos vem de Jesus, é verdadeiramente

única: é «do Senhor». Efetivamente, por um lado, nas palavras desta

oração o Filho Único dá-nos as palavras que o Pai Lhe deu (13): Ele é o

mestre da nossa oração. Por outro lado, sendo o Verbo encarnado, Ele

Page 26: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

conhece no seu coração de homem as necessidades dos seus irmãos e

irmãs humanos e revela-no-las: Ele é o modelo da nossa oração.

Esta oração será sempre o primeiro objetivo da aprendizagem da oração cristã,

na família e na catequese.

Em síntese

a) O que Jesus diz sobre a oração?2

Antes de rezar, reconcilia-te com teu irmão! (Mt.5,23-24; Mc.11,25) – conversão do coração

Quando rezares, entra no teu quarto (Mt.6.6) - Intimidade O que pedirdes em Meu nome, Eu o farei (Jo.14,13) Rezar com humildade, como o publicano (Lc.18,9-14) - Humildade Rezar em conjunto, em união com os irmãos (Mt.18,19-20) - Comunhão Rezar com confiança (Mt.6,7-8)- a confiança é a riqueza do pobre Rezar sempre sem desanimar (Lc.18,1-8; 21,34-46) - Perseverança

b) Quando é que Jesus reza?

antes e depois dos grandes acontecimentos:- antes do chamamento dos apóstolos (Lc. 6, 12)- depois da multiplicação dos pães (Mt.14,19) e da ressurreição de Lázaro;

Jo 11,41) De madrugada ( Mc. 1, 35) Durante a noite (Mt. 14, 23; Lc. 6, 12) Só e acompanhado.

- Acompanhado: na sinagoga (Lc.4,14-15); no templo e nas festas populares (Lc.2,21-42; Mc.12,35; Mc.14,26; Jo.7,10) na presença de outros (Lc.3,21-22), na Cruz; só (Lc.4,42);- Sozinho: Lc.5,16; Lc.6,12-13; Lc.11,1; Mt.8,1; Mt.14,13; Mt.14,23; Jo.6,15; Jo.8,1; Mc.1,35;

De manhazinha (Mc.1,35) e à noite (Mt .14, 23) E reza sempre (Heb. 7, 25): «Ele vive para sempre, para interceder por

nós»...

c) – Como é que Jesus reza?

Oração de exultação (Lc. 10, 21-24): «Eu te bendigo ao Pai»... Oração no Getsemani (Lc. 22, 39-46): «Faça-se a tua vontade» Oração na Cruz (Lc. 23, 33-49): «Pai, perdoa-lhes»... Os silêncios de Jesus na Oração (Lc. 4, 16) Oração filial na Trindade (Jo.11, 41-42) Jesus reza por nós (Jo. 17,9-12) Oração do Espírito (Jo.14, 16-17); Rom. 8, 27

d) – O que é que Jesus reza? O Pai Nosso... (Mt.6,9-13; Lc.11,1-4); é uma boa síntese do conteúdo da Oração de Jesus.

2 Cf. ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa, 2011, 55.68

Page 27: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

e) Porque é que Jesus reza? Como expressão da sua relação filial com o Pai... Porque sente a fragilidade da condição humana (tentações, debilidade)... Por solidariedade com a dor e a alegria dos Homens...

I.3. Necessidade de iniciar na arte da oração

Na sua Carta Apostólica Novo Millenium Ineunte, (ns.32-34), «No início do novo

Milénio», João Paulo II colocava a arte da oração, à cabeça de várias prioridades

pastorais (eucaristia, reconciliação, escuta da palavra, anúncio da Palavra),

dentro de uma verdadeira pedagogia da santidade. Vale a pena repassar esses

números, dedicados à oração:

Novo Millennium Ineunte 32

Para esta pedagogia da santidade, há necessidade dum cristianismo que

se destaque principalmente pela arte da oração. Mas a oração, como

bem sabemos, não se pode dar por suposta; é necessário aprender a

rezar, voltando sempre de novo a conhecer esta arte dos próprios lábios

do divino Mestre, como os primeiros discípulos: «Senhor, ensina-nos a

orar» (Lc 11,1). Na oração, desenrola-se aquele diálogo com Jesus que

faz de nós seus amigos íntimos: «Permanecei em Mim e Eu permanecerei

em vós» (Jo 15,4). Esta reciprocidade constitui precisamente a

substância, a alma da vida cristã, e é condição de toda a vida pastoral

autêntica. Obra do Espírito Santo em nós, a oração abre-nos, por Cristo e

em Cristo, à contemplação do rosto do Pai. Aprender esta lógica trinitária

da oração cristã, vivendo-a plenamente sobretudo na liturgia, meta e

fonte da vida eclesial,17 mas também na experiência pessoal, é o segredo

dum cristianismo verdadeiramente vital, sem motivos para temer o

futuro porque volta continuamente às fontes e aí se regenera.

Novo Millennium Ineunte 33

Não será porventura um «sinal dos tempos» que se verifique hoje, não

obstante os vastos processos de secularização, uma generalizada

exigência de espiritualidade, que em grande parte se exprime

precisamente numa renovada carência de oração? Também as outras

religiões, já largamente presentes nos países de antiga cristianização,

oferecem as suas respostas a tal necessidade, chegando às vezes a fazê-

lo com modalidades cativantes. Nós que temos a graça de acreditar em

Page 28: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Cristo, revelador do Pai e Salvador do mundo, temos obrigação de

mostrar a profundidade a que pode levar o relacionamento com Ele.

A grande tradição mística da Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente,

é bem elucidativa a tal respeito, mostrando como a oração pode

progredir, sob a forma dum verdadeiro e próprio diálogo de amor, até

tornar a pessoa humana totalmente possuída pelo Amante divino,

sensível ao toque do Espírito, abandonada filialmente no coração do Pai.

Experimenta-se então ao vivo a promessa de Cristo: « Aquele que Me

ama será amado por meu Pai, e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele »

(Jo 14,21). Trata-se dum caminho sustentado completamente pela graça,

que no entanto requer grande empenhamento espiritual e conhece

também dolorosas purificações (a já referida « noite escura »), mas

desemboca, de diversas formas possíveis, na alegria inexprimível vivida

pelos místicos como « união esponsal ». Como não mencionar aqui, entre

tantos testemunhos luminosos, a doutrina de S. João da Cruz e de S.

Teresa de Ávila?

As nossas comunidades, amados irmãos e irmãs, devem tornar-se

autênticas « escolas » de oração, onde o encontro com Cristo não se

exprima apenas em pedidos de ajuda, mas também em ação de graças,

louvor, adoração, contemplação, escuta, afetos de alma, até se chegar a

um coração verdadeiramente « apaixonado». Uma oração intensa, mas

sem afastar do compromisso na história: ao abrir o coração ao amor de

Deus, aquela abre-o também ao amor dos irmãos, tornando-nos capazes

de construir a história segundo o desígnio de Deus.

Page 29: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Novo Millennium Ineunte 34

Sem dúvida que são chamados de modo particular à oração os fiéis que

tiveram o dom da vocação a uma vida de especial consagração: esta, por

sua natureza, torna-os mais disponíveis para a experiência

contemplativa, sendo importante que eles a cultivem com generoso

empenho. Mas seria errado pensar que o comum dos cristãos possa

contentar-se com uma oração superficial, incapaz de encher a sua vida.

Sobretudo perante as numerosas provas que o mundo atual põe à fé,

eles seriam não apenas cristãos medíocres, mas «cristãos em perigo»:

com a sua fé cada vez mais debilitada, correriam o risco de acabar

cedendo ao fascínio de sucedâneos, aceitando propostas religiosas

alternativas e acomodando-se até às formas mais extravagantes de

superstição. Por isso, é preciso que a educação para a oração se

torne de qualquer modo um ponto qualificativo de toda a

programação pastoral. Eu mesmo propus-me dedicar as próximas

catequeses das quartas-feiras à reflexão sobre os Salmos, começando

pelos salmos das Laudes, a oração pública com que a Igreja nos convida

a consagrar e dar sentido aos nossos dias.

Seria de grande proveito que se diligenciasse com maior empenho nas

comunidades não só religiosas mas também paroquiais para que o clima

fosse permeado de oração, valorizando com o devido discernimento as

formas populares, e sobretudo educando para as formas litúrgicas. A

ideia de um dia da comunidade cristã, em que se conjuguem, os

múltiplos compromissos pastorais e de testemunho no mundo, com a

celebração eucarística e mesmo com a reza de Laudes e Vésperas, é

talvez mais «pensável» do que se crê. Demonstra-o a experiência de

tantos grupos cristãmente empenhados, mesmo com forte presença

laical”.

Neste sentido, João Paulo II viria a dedicar um largo espaço de tempo à

Catequese sobre os Salmos.

E Bento XVI, desde há muito, prossegue as suas catequeses sobre a oração, nas

audiências de quarta-feira. Escutemo-lo, nesse propósito:

Page 30: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

“Hoje gostaria de dar início a uma nova série de catequeses. Depois das

catequeses sobre os Padres da Igreja, sobre os grandes teólogos da

Idade Média, sobre as grandes mulheres, gostaria de escolher um tema

muito querido a todos nós: é o tema da oração, de modo específico da

cristã, ou seja, a prece que Jesus nos ensinou e que a Igreja continua a

ensinar-nos. Com efeito, é em Jesus que o homem se torna capaz de se

aproximar de Deus com a profundidade e a intimidade da relação de

paternidade e filiação. Com os primeiros discípulos, com confiança

humilde, dirijamo-nos então ao Mestre e peçamos-lhe: «Senhor, ensina-

nos a rezar» (Lc 11, 1). Nas próximas catequeses, aproximando-nos da

Sagrada Escritura, da grande tradição dos Padres da Igreja, dos Mestres

de espiritualidade e de Liturgia, queremos aprender a viver ainda mais

intensamente a nossa relação com o Senhor, quase uma «Escola de

oração». Com efeito, sabemos que a oração não se deve dar por certa: é

preciso aprender a rezar, quase adquirindo esta arte sempre de novo;

mesmo aqueles que estão muito avançados na vida espiritual sentem

sempre a necessidade de se pôr na escola de Jesus para aprender a rezar

autenticamente. Recebemos a primeira lição do Senhor através do seu

exemplo. Os Evangelhos descrevem-nos Jesus em diálogo íntimo e

constante com o Pai: é uma profunda comunhão daquele que veio ao

mundo não para fazer a sua vontade, mas a do Pai que O enviou para a

salvação do homem.”3

Seguiram-se um conjunto vasto de Catequeses, publicadas no site do vaticano

(www.vatican.va) e cujos temas aqui apresentamos resumidamente:

1. Oração, nas antigas culturas

2. Oração, em todas as fases da história

3. A intercessão de Abraão por Sodoma (Gn 18, 16-33)

4. Luta noturna de Jacob e encontro com Deus (Gn 32, 23-33)

5. A intercessão de Moisés pelo povo (Ex 32, 7-14)

6. Profetas e orações em confronto (1 Rs 18, 20-40): Elias

7. O povo de Deus que reza: os Salmos

8. A leitura da Bíblia, alimento para o espírito

9. Os “oásis” do espírito: os mosteiros

10. A meditação

3 BENTO XVI, Audiência, 4.05-2011

Page 31: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

11. Arte e oração

12. Salmo 3: Levanta-te, Senhor, Salva-me!"

13. Samo 22 (21): Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

14. Salmo 23 (22): O Senhor é meu Pastor

15. Salmo 126 (125): Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião

16. Salmo 136 (135): Grande Hallel: Dai Graças ao Senhor, porque Ele é bom

17. Salmo 119 (118): um «acróstico alfabético (o mais longo salmo)

18. Salmo 110 (109): O Rei Messias: Disse o Senhor ao meu Senhor

19. A oração atravessa toda a vida de Jesus

20. A joia do Hino de júbilo (cf. Mt 11, 25-30; e Lc 10, 21-22)

21. A oração diante da ação benéfica e curadora de Deus (Mc 7, 32-37; Jo 11, 1-

44)

22. A oração e a Santa Família de Nazaré

23. A oração de Jesus na Última Ceia

24. A Oração Sacerdotal de Jesus (Jo 17, 1-26)

25. A oração de Jesus no Getsemani

26. A oração de Jesus diante da morte (Mc e Mt): Elli, Elli, lemá sabactháni

27. A oração de Jesus, na iminência da morte (Lc.23,34.42.44-16)

28. A importância do silêncio

Oração no livro dos Atos dos Apóstolos

29. A oração de Maria no Cenáculo (At.1,12-14)

30. A Oração da Igreja, por Pedro e João (At.4,23-31)

31. A Oração e o serviço da Caridade (At.6,1-7)

32. A Oração do mártir Estêvão (At.7,54-60)

33. A Oração da Igreja por Pedro na prisão (At.12,1-17)

Oração nas cartas de Paulo

34. A Oração nas Cartas de Paulo 1

35. A Oração nas Cartas de Paulo 2 (Rom.8,15: «Abba. Ó Pai)

36. A Oração nas Cartas de Paulo 3 (2 Cor 1, 3-4).

37. A Oração nas Cartas de Paulo 4 (2 Cor.12)

38. A Oração nas Cartas de Paulo 5 (Ef.1,3-14)

39. A oração nas Cartas de Paulo 6 (Fil.2,1-11) - 27 de junho 2012

(…)

I.4. O Espírito Santo ensina-nos a rezar

A Oração cristã é feita «no Espírito», já o dissemos.

Page 32: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

O homem que vive ainda mergulhado na fraqueza, na incerteza e nos vaivéns

do tempo, experimenta a dificuldade na oração, desconhecedor do que deve

pedir!

Mas nem por isso deve desanimar, porque o Espírito vem ao seu encontro para

tomar conta da sua situação: aquele Espírito que o tornou participante do

estado de filho adotivo, levando-o a experimentar a realidade, é o mesmo

Espírito que agora reza nele e com ele.

Assumindo a sua fraqueza, completa a obra da salvação por Ele iniciada, apesar

das dificuldades que se podem encontrar ao longo do caminho: «O Espírito vem

em auxílio da nossa fraqueza, pois nem sabemos o que nos convém pedir; mas

o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rom 8, 26-27).

É uma necessidade constante para aquele que quer percorrer o caminho da

oração, invocar o Espírito Santo, para que ilumine a inteligência, conceda os

seus dons a acenda no coração o fogo do seu amor. O Espírito que ensina a

Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse (Jo.14,26) será também aquele que

formará na vida da oração. É o Espírito que geme em nós com gemidos

inefáveis (Rom.8,26). Um sinal claro da docilidade ao Espírito Santo no processo

de catequese é quando começamos a sentir uma atração pessoal por Jesus

Cristo, um desejo de O conhecer melhor, para O seguir e amar, quando

começamos a esperar tudo do Espírito Santo. Escutemos o CIC:

Catecismo da Igreja Católica 429.

Deste conhecimento amoroso de Cristo brota o desejo de O anunciar, de

«evangelizar» e levar os outros ao «sim» da fé em Jesus Cristo.

É também uma necessidade constante para quem quer entregar-se ao

apostolado cultivar uma relação especial com o Espírito Santo. Isso mesmo o

deixou claro João Paulo II, na sua encíclica sobre a Missa:

Redemptoris Missio, 87

“Tal espiritualidade exprime-se, antes de mais, no viver em plena

docilidade ao Espírito, e em deixar-se plasmar interiormente por Ele,

Page 33: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

para se tornar cada vez mais semelhante a Cristo. Não se pode

testemunhar Cristo sem espelhar a Sua imagem, que é gravada em nós

por obra e graça do Espírito. A docilidade ao Espírito permitirá acolher os

dons da fortaleza e do discernimento, que são traços essenciais da

espiritualidade missionária. Paradigmático é o caso dos Apóstolos, que

durante a vida pública do Mestre, apesar do seu amor por Ele e da

generosidade da resposta ao Seu chamamento, se mostram incapazes

de compreender as Suas palavras, e renitentes em segui-l'O pelo

caminho do sofrimento e da humilhação. O Espírito transformá-los-á em

testemunhas corajosas de Cristo e anunciadores esclarecidos da Sua

Palavra: será o Espírito que os conduzirá pelos caminhos árduos e novos

da missão. Hoje a missão continua a ser difícil e complexa, como no

passado, e requer igualmente a coragem e a luz do Espírito: vivemos

tantas vezes o drama da primitiva comunidade cristã, que via forças

descrentes e hostis « coligarem-se contra o Senhor e contra o seu Cristo

» (At 4, 26). Como então, hoje é necessário rezar para que Deus nos

conceda o entusiasmo para proclamar o Evangelho (cf. Jo 16, 13)”.

Catecismo da Igreja Católica 2625

“O Espírito Santo, que assim recorda Cristo à sua Igreja orante, também a

conduz para a verdade integral e suscita formulações novas que exprimirão

o insondável mistério de Cristo operante na vida, sacramentos e missão da

Igreja. Estas formulações desenvolver-se-ão nas grandes tradições litúrgicas

e espirituais. As formas da oração, tais como as revelam as Escrituras

apostólicas canónicas, continuam a ser normativas da oração cristã”.

I.5. Exercício prático: rezemos o Pai-nosso

«É uma oração que nunca deixaremos de meditar e quando não soubermos

rezar, basta repetir pouco a pouco, palavra por palavra, o Pai Nosso.

A estrutura fundamental desta oração comporta três momentos: o primeiro é

como a base de uma nascente; o segundo é como um jorro que brota para o

alto; o terceiro é o jorro que se espalha irrigando tudo à volta.

Page 34: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

I. A nascente exprime-se pela palavra «Pai», e, para quem reza, significa

filiação. Se viver como filhos significa viver o batismo, na oração nós vivemos

no máximo o nosso batismo.

O espírito filial é a raiz de qualquer oração, é a atitude mais importante, porque

a vida eterna é a manifestação de ser filho de Deus. Reparai que no Pai Nosso

podemos repetir a palavra «Pai» a cada invocação: Pai, venha a nós o teu reino;

Pai, seja feita a tua vontade; Pai, perdoa os nossos pecados; Pai, livra-nos das

tentações.

2. O segundo momento é constituído pelas invocações que jorram para o alto

como um repuxo, que se dirigem a Deus na segunda pessoa: «Venha o teu

reino, seja santificado o teu nome». No poder do Espírito Santo, a alma

libertada do pecado, batizada, eleva-se para o Pai.

3. O terceiro momento é o derramamento sobre a terra desta água de nascente

espiritual, deste jato poderoso do Espírito Santo que nos impele para o alto. O

derramamento sobre a terra, ou seja, sobre nós, que estamos famintos, que

temos necessidade de perdão, que devemos perdoar-nos mutuamente, que

somos tentados por sermos débeis e frágeis.

A oração arrasta-nos para a verdade do nosso eu: Senhor, não permitais que eu

caia em tentações. Tu vês como sou tentado, como estou cansado, aborrecido,

indolente; liberta-me de tudo o que me impede de confiar em ti, de te

contemplar e amar como Pai»4.

O Pai nosso de Deus...

"Filho meu,

que estás na terra,

preocupado, tentado, solitário,

eu conheço perfeitamente o teu nome

e o pronuncio como que santificando-o, porque te amo.

Não, não estás só, mas habitado por Mim,

e juntos construímos este reino de que irás ser o herdeiro.

Alegra-me que faças a minha vontade

4 CARLO MARIA MARTINI, Dicionário Espiritual. Um Guia para a alma, Gráfica de Coimbra, 124-125

Page 35: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

porque a minha vontade é que tu sejas feliz

já que a minha glória é ver-te vivo.

Conta sempre comigo e terás o pão para hoje, não te preocupes;

só te peço que o saibas repartir com o teu irmão.

Sabe que perdoo todas as tuas ofensas

antes mesmo de as cometeres,

por isso peço-te que faças o mesmo àqueles que te ofendem a ti.

Para que nunca caias em tentação,

segura firme na minha mão

e eu te livrarei do mal, pobre e querido filho meu"5.

5 JOSÉ LUÍS MARTIN DESCALZO, Razões para viver, Ed. Missões, Cucujães, 255

Page 36: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Sexta, 18h00-20h00

II. O QUE É REZAR?

II.1. Definições de Oração

Da oração, cada um pode ter e dar a sua definição, de acordo com a própria

experiência. Apresentamos aqui algumas definições de alguns autores

significativos da história da espiritualidade cristã 6. Sempre manifestaram uma

tendência a destacar ou o elemento intelectual ou o elemento afetivo, na

relação entre Deus e o Homem. Logicamente a pessoa é uma só, e relaciona-se

com Deus inteiramente. Portanto, o mais sensato não é separar ou afrentar mas

unir e conjugar. A última definição corresponde a Santa Teresa do Menino Jesus.

É a citação que aparece no início do capítulo IV do Catecismo da Igreja Católica,

dedicado precisamente ao tema da oração:

1. “A oração é uma conversação com Deus” (Clemente de Alexandria, +215); é

a primeira definição filosófica da oração;

2. “A oração é uma conversação (homilia) com Deus” (São Gregório de Niza,

335-398, citando Clemente de Alexandria);~

3. “A oração é um diálogo (dialexis) com Deus” (São João Crisóstoma, 344/47-

407);

4. “A oração é uma conversação do intelecto com Deus” (Evágrio Pôntico, 356-

400); mais adiante dirá: “A oração é elevação do intelecto a Deus”. Evágrio

tem elementos de capital importância na reflexão e na prática da oração. O

objeto da oração é o próprio Deus e não um interesse pessoal: “Reza para

que não se cumpra a tua vontade; mas sobretudo para dizer a Deus: «que

se cumpra a tua vontade em mim»”. Oferece-nos a conceção de Deus como

Pai: «quem ama a Deus, conversa com Ele como a um Pai». A vida cristã

inclui a reflexão e a oração; «Se és teólogo rezarás verdadeiramente; se

rezas verdadeiramente serás teólogo». É um autor muito citado pelo CIC

2736; 2741.

5. “A oração é a conversão da mente a Deus, com um amor piedoso e

humilde” (Santo Agostinho- 354-430)

6 ÁNGEL BRIÑAS, Orar en el momento atual (=Emaús 100), Centre de Pastoral Litúrgica, Barcelona, 2012, 114-116.

Page 37: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

6. “A oração é a petição a Deus de coisas convenientes», «é a elevação da

mente para Deus» (São João Damasceno; 748/752); cf. CIC 2559;

7. Depois de falar das diferentes formas de oração, João Cassiano (360-435)

afirma que há um estádio superior donda a oração “está informada só pela

contemplação de Deus e pela força do amor que o Espírito permite…. de

conversar muito familiarmente com Deus, como um Pai próximo com um

sentimento de piedade filial”;

8. “A Oração é o afeto do Homem que adere a Deus, uma espécie de

conversação piedosa e familiar, uma paragem da mente iluminada para

gozar de Deus” (Guilherme de Saint-Thierry);

9. “A oração é a conversão a Deus, através de um sentimento humilde e

piedoso, fundamentado na fé, na esperança e na caridade” (Hugo de São

Vítor, finais do séc.XI-1141);

10.“A oração é a elevação da mente para Deus, a fim de O louvar e pedir-lhe

coisas convenientes à eterna salvação” (São Tomás de Aquino, 1225-1274);

11.“A oração é o piedoso afeto da mente dirigido a Deus” (São Boaventura,

1217-1274);

12.“A Oração é a elevação do coração a Deus, mediante o qual nos abeiramos

dEle e nos tornamos numa coisa só” (Luís de Granada, 1504-1588);

13.“A Oração mental não é outra coisa, a meu ver, senão tratar de amizade,

estamos muitas vezes a sós, com Aquele que sabemos que nos ama” (Santa

Teresa de Jesus, 1518-1582);

14.São João da Cruz não apresenta uma definição precisa de oração, mas

fundamenta-a: “Deus só olha à fé e à pureza de coração daquele que reza”;

por outro lado, fixando-se no orante, recomenda que não leve outro arrimo

para a oração senão a fé, a esperança e a caridade. Resumindo a sua

conceção de oração, poderíamos recolher a expressão “exercício de amor”

ou “amor em exercício» com toda a carga que implica o despojamento

radical e a comunhão com Deus e com aqueles que Deus ama; a oração

consolidará a união com Deus na medida em que seja expressão de fé,

esperança e amor nas variadas e quotidianas situações da vida. Na sua

essência de conteúdo, a oração é descoberta de uma presença (fé), no

silêncio nunca esgotado (esperança) e no amor incondicional ao Deus de

Jesus Cristo no mais íntimo de nós mesmos (amor). Por isso, com frequência

a oração é mortificante e dolorosa, porque nela se trata de fazer a

experiência da fé, da fé pura;: de uma esperança, a esperança certa; e do

amor, o amor com dimensão divina. É verdade que a fé e a esperança são o

apoio da oração. Não obstante, é o amor quer tem a primazia na oração: só

Page 38: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

rezando, a pessoa começa a sentir-se amada e logicamente começa a amar.

A oração é conhecimento amoroso de Deus.

15.“Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar, lançado

para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação,

como no meio da alegria” (Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897) citado

pelo CIC, na sua introdução ao cap. IV sobre a Oração.

Recordemos, por exemplo a que nos oferece S. João Crisóstomo:

"A oração é luz da alma, verdadeiro conhecimento de Deus, mediadora

entre Deus e os homens. Faz com que a alma se eleve até ao céu e abrace

a Deus como a criança que, chorando, chama a sua mãe... O máximo bem

está na oração e no diálogo com Deus, porque equivale a uma íntima

união com Ele" (Homilia sobre a oração).

Luz da alma - A oração é uma sobredose de luz, um ver com olhos novos,

em profundidade. Orar não é (simplesmente) repetir orações, mas um

adentrar-se na luz que nos leva a descobrir e encontrar Cristo, em

profundidade.

Alimento celestial - Quem reza alimenta-se de Deus: da sua Palavra, que

encontramos na Bíblia; da sua vontade (Cf Jo 4, 24), do seu próprio Corpo

(Cf Jo 6, 58).

Fogo ardente - A oração não é só luz que ilumina poderosamente, mas

também energia que queima e incendeia. Recordemos a expressão dos

discípulos de Emaús: "Não ardia cá dentro o nosso coração quando Ele nos

explicava as escrituras?". O mesmo se passa com Moisés e com os

profetas (ler 23, 29: 20,9).

Dom de Deus - Podemos dizer orações, mas orar como convém é dom de

Deus. "Como convém", "no Espírito do Senhor", isto é, uma oração que lhe

agrade, que sintonize com a sua vontade, que seja trato de amizade (Cf

Rom 8,76-2. Assim, mais que orarmos nós, podemos dizer que "somos

orados"; é o próprio Deus que ora em nós; o Espírito grita em nós com

gemidos inefáveis.

Page 39: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

II.2. A Oração, segundo o CIC

Na introdução à IV Parte sobre a oração, o Catecismo da Igreja Católica começa

com uma citação:

«Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar

lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da

tribulação como no meio da alegria» (Santa Teresa do Menino Jesus).

II.2.1.A oração como dom de deus

Catecismo da Igreja Católica 2559

«A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de

bens convenientes» (São João Damasceno). De onde é que falamos, ao

orar? Das alturas do nosso orgulho e da nossa vontade própria, ou das

«profundezas» (Sl 130, 1) dum coração humilde e contrito? Aquele que

se humilha é que é elevado (Lc.18,9-14). A humildade é o fundamento da

oração. «Não sabemos o que havemos de pedir para rezarmos como

deve ser» (Rm 8, 26). A humildade é a disposição necessária para

receber gratuitamente o dom da oração: o homem é um mendigo de

Deus (Santo Agostinho).

A oração é mesmo «elevação da alma a Deus» ou resposta à Sua Palavra?

Isso mesmo se questiona Enzo Bianchi7,começando por recordar Santo

Agostinho: «Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa

enquanto não descansar em Vós.» (Confissões, I,1,1)

Esta afirmação de Santo Agostinho, tão célebre e repetida de geração em

geração, pode resumir bem o fundamento colocado à oração cristã pela época

dos grandes Padres até aos nossos dias.

Nesta perspetiva, a oração exprime o desejo do bem supremo que habita o

Homem, e é entendida como movimento do coração em direção ao infinito, ao

eterno, ao absoluto.

7 Cf. ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011,29-32.

Page 40: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Daqui deriva uma definição substancialmente acolhida, embora com

cambiantes diferentes, por todos os autores espirituais do Oriente e do

Ocidente. «A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus de bens

convenientes», como escrevia sinteticamente São João Damasceno (A fé

ortodoxa, III, 24), definição retomada no Ocidente por São Tomás de Aquino (cf

Suma teológica, II -II, q. 83, a. 1).

Pois bem, esta definição da oração, enquanto acontecimento colocado no

espaço da procura de Deus da parte do Homem, demonstra-se não desmentida,

mas insuficiente, porque os homens e as mulheres do nosso tempo,

especialmente os que pertencem às novas gerações, são alérgicos aos

conceitos ascendentes e "verticais" espalhados por toda a espiritualidade cristã.

Essa intolerância pode ser salutar, na medida em que ajuda a focar um dado

bem presente ao homem bíblico: a Presença de Deus é concedida, não

modelada ou alcançada pelo Homem com as suas forças, e cabe ao Homem o

acolhimento da Sua vinda epifânica, tal como da Sua retirada no silêncio ou no

escondimento.

Por outras palavras, não é o Deus da revelação bíblica o objeto da nossa

procura, mas é Ele que toma a iniciativa, é o sujeito, é o Deus vivo que não está

no termo do nosso raciocínio, não Se encontra na lógica dos nossos conceitos,

mas dá-Se, entrega-Se na liberdade amorosa dos Seus atos, que O mostram em

constante procura do Homem. É Ele que quer e estabelece um diálogo

connosco, é Ele que desde o Génesis ao Apocalipse vem, procura, chama,

interroga o Homem, pedindo-lhe simplesmente para ser escutado e acolhido. O

Deus «que nos amou primeiro» (1 Jo. 4,19) fala, dando início ao diálogo; o

Homem, perante esta autorrevelação de Deus na História, reage na fé mediante

a bênção, o louvor, a ação de graças, a adoração, o pedido, a confissão dos

seus pecados... Isto é, reage mediante a oração, que é sempre resposta a Deus,

tendo por finalidade o amor para com Ele e para com os irmãos.

É tendo em conta esta perspetiva, pouco explorada pela Tradição espiritual,

que desejaria não tanto redefinir a oração cristã, porque ela está fora de

qualquer "fórmula", mas sim tentar repô-la, com muita humildade, na corrente

bíblica.

Page 41: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Nela emerge claramente que a oração, como foi dito há pouco, não é procura

de Deus, mas resposta; que as suas formas são acidentes, ao passo que o

substancial é a relação com Deus; que a sua finalidade é o ágape, a caridade, o

amor: a oração é uma abertura à comunhão com Deus, portanto ao amor,

porque «Deus é amor» (1 Jo 4,8.16). O "eu" que responde a Deus está

definitivamente descentralizado na oração, ao passo que o agente, o sujeito, é

o próprio Deus, o qual, derramando na nossa oração o Seu amor, infunde-o no

mundo através de nós, constituídos Seus amantes.

Catecismo da Igreja Católica 2560

«Se conhecesses o dom de Deus!» (Jo 4, 10). A maravilha da oração

revela-se precisamente, à beira dos poços aonde vamos buscar a nossa

água: aí é que Cristo vem ao encontro de todo o ser humano; Ele

antecipa-Se a procurar-nos e é Ele que nos pede de beber. Jesus tem

sede, e o seu pedido brota das profundezas de Deus que nos deseja. A

oração, saibamo-lo ou não, é o encontro da sede de Deus com a nossa.

Deus tem sede de que nós tenhamos sede d'Ele (Santo Agostinho).

Catecismo da Igreja Católica 2561

«Tu é que Lhe terias pedido e Ele te daria água viva» (Jo 4, 10).

Paradoxalmente, a nossa oração de súplica é uma resposta. Resposta ao

lamento do Deus vivo: «Abandonou-Me a Mim, nascente de águas vivas,

e foi escavar cisternas fendidas» (Jr 2, 13); resposta de fé à promessa

gratuita da salvação (Jo.7,37-39;Is.12.3;51,1); resposta de amor à sede

do Filho Único (Jo.19,28; Zc.12,10;13,1).

II.2.2.A oração como aliança

Catecismo da Igreja Católica 2562

De onde procede a oração do homem? Seja qual for a linguagem da

oração (gestos e palavras), é o homem todo que ora. Mas para designar o

lugar de onde brota a oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do

espírito ou, com mais frequência, do coração (mais de mil vezes). É o

Page 42: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

coração que ora. Se ele estiver longe de Deus, a expressão da oração será

vã.

Catecismo da Igreja Católica 2563.

O coração é a morada onde estou, onde habito (e segundo a expressão

semítica ou bíblica, aonde eu «desço»). É o nosso centro oculto,

inapreensível, quer para a nossa razão quer para a dos outros: só o

Espírito de Deus é que o pode sondar e conhecer. E o lugar da decisão, no

mais profundo das nossas tendências psíquicas. É a sede da verdade,

onde escolhemos a vida ou a morte. É o lugar do encontro, já que, à

imagem de Deus, vivemos em relação: é o lugar da aliança.

Catecismo da Igreja Católica 2564.

A oração cristã é uma relação de aliança entre Deus e o homem em

Cristo. É ação de Deus e do homem; jorra do Espírito Santo e de nós,

toda orientada para o Pai, em união com a vontade humana do Filho de

Deus feito homem.

II.2.3.A oração como comunhão

Catecismo da Igreja Católica 2565

Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com o seu

Pai infinitamente bom, com o seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo.

A graça do Reino é «a união de toda a Santíssima Trindade com a

totalidade do espírito» (São Gregório de Nazianzo). Assim, a vida de

oração consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes

santo e em comunhão com Ele. Esta comunhão de vida é sempre possível

porque, pelo Batismo, nos tornámos um só com Cristo (Rom.6,5). A oração

é cristã na medida em que for comunhão com Cristo, dilatando-se na

Igreja que é o seu corpo. As suas dimensões são as do amor de Cristo

(Ef.3,18-21).

II.2.3.1. Abertura a uma comunhão8

8 ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011,41-45

Page 43: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Da escuta, através da descoberta de uma Presença, na oração abrimo-nos ao

diálogo, à comunhão com o Senhor.

Mas precisamente a este nível a oração aparece como uma atividade delicada

que, radicando-se no núcleo mais profundo do nosso ser, pode ser facilmente

manipulada. A Palavra, que chegou até nós fazendo-nos tomar consciência da

Presença de Deus, agora chama-nos a passar ao Pai. Se a vida é adaptação ao

ambiente, a oração, que é vida espiritual em ação, é adaptação ao nosso

ambiente derradeiro, que é a realidade em que tudo e todos estão contidos (cf.

Act 17,27-28): Ele está sempre lá e espera-nos «no segredo» (Mt 6,4.6.18).

Nesta etapa da oração cristã, a primeira coisa necessária é admitir a nossa

fraqueza. Devemos comportar-nos como o publicano da parábola evangélica

que reza tal como ele é na verdade, que se apresenta a Deus sem colocar

máscaras, mas reconhecendo a sua condição de pecador (Lc 18, 13). Não só as

suas palavras, «Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!», são um

modelo para nós, mas é-o sobretudo a sua disposição interior: somente quem é

capaz de um comportamento humilde, pobre, mas realíssimo, pode estar

perante Deus aceitando ser conhecido por Ele por aquilo que é

verdadeiramente. Por outro lado, nós conhecemo-nos de modo imperfeito, e o

que conta é que sejamos conhecidos por Deus (cf 1Cor 13,12; Gl 4,9).

Quem realiza esta adesão à realidade está em condições de poder confessar:

«nem sabemos o que nos convém pedir» para rezar como se deve, não

conhecemos sequer plenamente os nossos gemidos, «mas o próprio Espírito

intercede por nós» (Rm 8,26).

Trata-se, então, de suplicar, de pedir o Espírito Santo: se houver palavras

nossas na oração, as primeiras que podemos balbuciar são aquelas com as

quais invocamos a descida do Espírito. O pedido do Espírito Santo, coisa boa

entre as coisas boas, é prioritário e absoluto em relação a todas as outras,

porque nele está tudo incluído; o próprio Jesus nos assegurou que essa oração é

sempre atendida pelo Pai: «Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos

filhos, quanto mais o Pai do Céu! Ele dará o Espírito Santo àqueles que Lho

pedirem.» (Lc 11,13; cf. Mt 7,11)

Page 44: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Inclusive o ato elementar da fé não é possível sem o Espírito, porque «ninguém

poderá dizer: "Jesus é o Senhor" a não ser sob a ação do Espírito Santo» (1 Cor

12,3). Com efeito, só o Espírito pode fazer brotar em nós palavras que se

tornem diálogo com Deus no louvor, na ação de graças, no pedido, na

intercessão: é Ele que as sugere, as guia, as sustenta como palavras capazes

de chegar a Deus. O Espírito atua sempre, como atuam o Pai e o Filho (cf Jo

5,17), e «vem em auxílio da nossa fraqueza» (Rm 8,26), infundindo nos nossos

corações a capacidade de nos reconhecermos filhos, de reconhecer tudo e

todos como desejados, criados e amados por Deus.

Assim podemos «oferecer o culto segundo o Espírito de Deus e gloriar-nos em

Cristo Jesus, sem colocar a nossa confiança na carne» (cf FL 3, 3). É daqui que

nasce a nossa parrésia na oração: ela é confiança, audácia, liberdade em estar

diante de Deus, em falar com Ele com franqueza, esperando a Sua resposta,

que é sempre um juízo pronunciado sobre a nossa vida. Eis, então, o diálogo, ou

melhor ainda, o dueto, a comunhão... Não se trata de negar o peso do nosso

pecado, de esconder a nossa miséria, mas de transcender o conhecimento que

temos de nós mesmos, a favor do conhecimento que Deus tem de nós. Quem

reza deste modo conhece que é egapeménos (cf Cl 3, 12; 1Ts 1,4; 2Ts 2,13),

amado por Deus; conhece o ágape de quem o amou em primeiro lugar, de

quem lhe perdoou, enquanto ele era ainda pecador e inimigo (cf. Rm 5,6-11),

de quem lhe oferece constantemente o Seu amor. E é precisamente na

aceitação deste amor, em acreditar neste amor (cf 1Jo 4,16), que a oração

encontra o seu telos: o ágape de Deus torna-se em nós amor por todos os

homens, até mesmo o amor pelos inimigos, torna-se compaixão, misericórdia.

Assim o mandamento de Jesus, «Orai pelos vossos inimigos» (cf Lc 6,27-28),

não se mostra apenas como uma amplitude maior conferida pela oração, mas é

participação no próprio amor de Deus, que ama todos os homens sem exclusão,

que faz chover a Sua bênção sobre justos e injustos (cf Mt 5,45).

Chegados a este ponto, descobrimos que todas as formas de oração são

relativas, e assim rejeitamos «o homem velho» (Rm 6,6; Ef 4,22; Cl 3,9) que

está em nós, sempre tentado pelas suas ambições religiosas de mudar de

meios e de esforços para atingir o fim. Hoje, sobretudo, muitos mestres

improvisados de espiritualidade e de oração, em nome de um conceito

antropológico da própria oração, inventam iniciativas inspiradas no ioga, no

zen, na meditação transcendental ou noutros; mas isto traduz-se

frequentemente numa confusão entre a substância (a comunhão com o Senhor)

Page 45: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

e os acidentes (a experiência de estados interiores, psíquicos). O mesmo se

deve dizer a propósito de todos os que, apoiados na Tradição eclesial,

sobrestimam ritos e sacramentos em relação à finalidade da oração, que é o

amor a Deus e aos homens. Escrevia com argúcia um monge acerca do telos

(finalidade) da oração:

“Quando penso nas cinco horas que passo todos os dias em oração, vejo-

as como um grande monte de areia, que arrasto até à presença de Deus.

De vez em quando despontam nele pepitas de oferta autêntica e só estas

pepitas têm importância. Elas, porém, surgem num modo rigorosamente

imprevisto, e infelizmente não existe nenhum método para as filtrar

antes e, por conseguinte, só as temos a elas para apresentar, evitando a

fadiga de arrastar esse monte de areia no qual se encontram

misturadas... Este trabalho serve, espero eu, para perceber cada vez

mais o meu ser nas suas profundidades mais remotas, de modo que eu

me torne globalmente um ser que, consciente ou inconscientemente, não

faz e não quer senão estar diante de Deus, conhecendo o Seu amor e

arrastando consigo todos os homens que estão a seu lado”.

A quem rezar: ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo?

«Os primeiros discípulos rezavam ao Deus dos seus Pais, que se tornou para

eles o Pai de Jesus, aquele que Jesus amou e tornou conhecido como seu Pai e

nosso Pai. É a Ele que damos graças, em particular pelo dom que nos concedeu

através do seu Filho. Ao deixar que o Espírito ore em nós, comungamos com o

amor de Jesus pelo Pai. É por isso que a oração cristã se dirige ao Pai, pelo

Filho, no Espírito», lembra o P. Michel Rondet, jesuíta.

«A nossa oração pode partir do Filho, da meditação das suas palavras, da

contemplação dos seus gestos, mas conduz-nos necessariamente ao Pai.

Reciprocamente, não podemos rezar ao Pai sem nos revestirmos dos

sentimentos de Jesus e viver do seu Espírito. A oração introduz-nos no

movimento que une o Pai, o Filho e o Espírito, na sua comunhão. Não rezamos a

Maria ou aos santos como rezamos ao Pai. Pedimos-lhes: ‘Ora por nós’, e não

‘Atendei-nos’».

Um conselho: na comunhão dos santos, unimo-nos à oração de Maria pelos

homens, de que ela se tornou mãe aos pés da cruz. Confiamos nela porque, na

Page 46: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

nossa humanidade, foi associada de maneira única à obra da Trindade. E

unimos os santos à nossa oração porque acreditamos que eles participam

connosco nos cuidados pelo Reino.

Page 47: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

III. O COMBATE DA ORAÇÃO: DIFICULDADES

E OBSTÁCULOS À ORAÇÃO

O Catecismo da Igreja Católica apresenta no artigo 2º, do capítulo III, da IV

Parte, as dificuldades e obstáculos à oração, com grande claridade e realismo,

falando desta como um verdadeiro combate.

Catecismo da Igreja Católica, 2725

“A oração é um dom da graça e uma resposta decidida da nossa parte.

Pressupõe sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança

antes de Cristo, bem como a Mãe de Deus e os santos com Ele no-lo

ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós mesmos e

contra as astúcias do Tentador que tudo faz para desviar o homem da

oração e da união com o seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive

como se reza. Se não se quiser agir habitualmente segundo o Espírito de

Cristo, também não se pode orar habitualmente em seu nome. O

«combate espiritual» da vida nova do cristão é inseparável do combate

da oração”.

A este propósito recordemos uma das Máximas dos padres do deserto:

“Alguns irmãos interrogaram o Abba Agatão, dizendo: «Abba, qual a

virtude entre as que praticamos que requer maior esforço»? Respondeu:

«Perdoai-me, mas penso que não há canseira, tão grande, como rezar a

Deus. Com efeito, todas as vezes que o Homem quer rezar, os inimigos

procuram impedir-lho, porque sabem que nada os pode contrariar tanto,

como o rezar a Deus. Qualquer obra que o homem faça, se perseverar

nela acha descanso; mas para a oração é preciso lutar até ao último

suspiro».

I. As objeções à oração

Catecismo da Igreja Católica, 2726

Page 48: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

No combate da oração, temos de enfrentar, em nós e à nossa volta,

conceções erróneas da oração. Alguns veem nela uma simples operação

psicológica; outros, um esforço de concentração, para chegar ao vazio

mental; outros ainda, reduzem-na a atitudes e palavras rituais. No

inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação incompatível com

tudo o que tem de fazer: não têm tempo. Os que procuram a Deus na

oração desanimam depressa, porque não sabem que a oração também

vem do Espírito Santo e não somente de si próprios.

Diz a este respeito Romano Guardini, na sua Introdução à Oração:

“O Homem não reza de boa vontade. É fácil que ele experimente, ao

rezar, um sentido de aborrecimento, um embaraço, uma repugnância,

inclusive uma hostilidade. Qualquer outra coisa lhe parece mais atraente

e mais importante. Diz que não tem tempo, que tem outros deveres

urgentes; mas apenas deixou de rezar e ei-lo que se põe a fazer as

coisas mais inúteis. O Homem deve deixar de enganar a Deus e a si

mesmo. É muito melhor dizer abertamente ‘Não quero rezar’ em vez de

utilizar astúcias semelhantes”.

Catecismo da Igreja Católica 2727

“Temos de enfrentar também certas mentalidades «deste mundo» que

nos invadem, se não estivermos atentos. Por exemplo: só é verdadeiro o

que se pode verificar pela razão e pela ciência (mas orar é um mistério

que ultrapassa a nossa consciência e o nosso inconsciente); os valores

são a produção e o rendimento (mas a oração é improdutiva, logo inútil);

o sensualismo e o conforto são os critérios do verdadeiro, do bem e do

belo (mas a oração, «amor da beleza» – philocália – deixa-se encantar

pela glória do Deus vivo e verdadeiro); em reação ao ativismo, temos a

oração apresentada como fuga do mundo (mas a oração cristã não é

uma saída da história nem um divórcio da vida)”.

Enzo Bianchi, no seu livrinho “Porque rezar, como rezar”, apresenta e resume

as objeções mais generalizadas:

a) A oração não faz sentido, porque o mal permanece no mundo!

Page 49: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

b) A secularização, que promoveu a autonomia do homem e a valorização do

saber científico e técnico, vê a oração como sinal de desresponsabilização;

c) A inutilidade da oração é clara, para o homem que se julga capaz de tudo e

de mais alguma coisa;

d) A oração não atendida parece não justificar a petição;

e) A oração não muda a história!

Na introdução ao mesmo livro9, ele refere-se a alguns obstáculos, que se

intrometem na oração, sob a forma de fenómenos instalados no clima cultural,

que se respira e agora já bem inseridos mesmo no coração da vida eclesial:

1) O narcisismo, que privilegia o emocional sobre o racional e não deixa o

homem dirigir-se a um «tu» diferente dele;

2) A individualização do acreditar, em que a fé se tornou mais uma opção

individual, sem aceitação de um dado da Tradição;

3) O sincretismo, em que o indivíduo segue as misturas religiosas mais

estranhas: «uma pitada de islamismo, uns pozinhos de nirvana, um pouco

de marxismo, com o arranjo de um paganismo, à medida»;

4) A difusão das chamadas religiões da mãe, uma espiritualidade de tendência

regressiva, à procura da unidade de fusão com um deus, sentido como

«energia», «oceano do ser», não já como um deus pessoal.

5) Algumas patologias a nível eclesial: o fundamentalismo, o carismatismo, que

deformam o rosto da Igreja, reduzida a uma seita ou movimento ou

empresa, que tende a reduzir as expressões de oração às mais institucionais

e exteriores;

6) A separação entre realidade eclesial e vida espiritual, que se manifesta, por

exemplo, na diferença existente entre a Liturgia da Igreja e a oração

pessoal.

Catecismo da Igreja Católica 2728

Finalmente, o nosso combate tem de enfrentar aquilo que sentimos

como sendo os nossos fracassos na oração: desânimo na aridez,

tristeza por não dar tudo ao Senhor, porque temos «muitos bens» (Mc.

10,22) deceção por não sermos atendidos segundo a nossa própria

vontade, o nosso orgulho ferido que se endurece perante a nossa

indignidade de pecadores, alergia à gratuitidade da oração, etc... A

9 ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011, 20-23

Page 50: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

conclusão é sempre a mesma: de que serve orar? Para vencer tais

obstáculos, é preciso combater com humildade, confiança e

perseverança.

III.1.1. As objeções relacionadas com a experiência pessoal:

Enzo Bianchi resume as objeções relacionadas com a experiência pessoal:

a) A fadiga, esquecendo-se o orante que rezar é lutar! Silêncio e solidão são

hoje exigências difíceis de suportar;

b) A falta de tempo, como um alibi, uma má desculpa: “aquele que afirma que

não tem tempo para rezar, confessa na realidade que é um idólatra. Não é

ele que, na verdade, determina o seu tempo, que exerce domínio sobre ele,

que o coordena: é o tempo que o domina. O cristão, se quer ser e afirmar-se

como tal, deve opor-se à ideologia do trabalho e da produtividade alienante,

deve esforçar-se por encontrar tempo, para escutar Deus e dialogar com

Ele”10;

c) As distrações, que afinal não tiram eficácia a oração, porque ela continua a

ser um ato de amor: há que integrá-las na oração e colocá-las nas mãos de

Deus;

d) A inconstância, que é preciso vencer com perseverança, paciência, disciplina

e ascese; é preciso continuar a oferecer, juntamente com a aridez do

coração, a presença do próprio corpo, sem vez e rebelde à fadiga da oração.

e) A ideia de que trabalhar também é rezar; ora, se é assim mesmo, porque é

que são tão poucos os que estão dispostos a rezar? Sem oração, não existe

oração da vida. Pelo contrário, a oração é que se pode tornar ação, quando

quem reza tem o coração em Deus. A fadiga da oração torna-se “fadiga do

amor” (I Tes.1,3).

III.2. A humilde vigilância do coração

Catecismo da Igreja Católica 2729

A dificuldade habitual da nossa oração é a distração. Pode ter por objeto

as palavras e o seu sentido, na oração vocal; mais profundamente, pode

10 ENZO BIANCHI, O que rezar? Porque rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011, 100

Page 51: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

incidir sobre Aquele a Quem rezamos, na oração vocal (litúrgica ou

pessoal), na meditação e na contemplação. Partir à caça das distrações

seria cair nas suas ciladas; basta regressar ao nosso coração: uma

distração revela-nos aquilo a que estamos apegados e esta humilde

tomada de consciência diante do Senhor deve despertar o nosso amor

preferencial por Ele, oferecendo-Lhe resolutamente o nosso coração para

que Ele o purifique. É aí que se situa o combate: na escolha do Senhor a

quem servir (Mt.6,21.24).

Catecismo da Igreja Católica 2730

Positivamente, o combate contra o nosso eu, possessivo e dominador,

consiste na vigilância, a sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na

vigilância, esta refere-se sempre a Ele, à sua vinda, no último dia e em

cada dia: «hoje». O Esposo chega a meio da noite. A luz que não se deve

extinguir é a da fé: «Diz-me o coração: "Procura a sua face"» (Sl 27, 8).

Catecismo da Igreja Católica 2731

Outra dificuldade, especialmente para os que querem rezar com

sinceridade, é a aridez. Faz parte da oração em que o coração está seco,

sem gosto pelos pensamentos, lembranças e sentimentos, mesmo

espirituais. É o momento da fé pura, que se aguenta fielmente ao lado de

Jesus na agonia e no sepulcro. «Se o grão de trigo morrer, dará muito

fruto» (Jo 12, 24). Se a aridez for devida à falta de raiz, por a Palavra ter

caído em terreno pedregoso, o combate entra no campo da conversão

(Lc.8,6.13).

III.2.1. Perante as tentações na oração

Catecismo da Igreja Católica 2732

A tentação mais comum e a mais oculta é a nossa falta de fé. Exprime-se

menos por uma incredulidade declarada do que por uma preferência de

facto. Quando começamos a orar, mil trabalhos e preocupações, julgados

urgentes, apresentam-se-nos como prioritários. É mais uma vez o

momento da verdade do coração e do seu amor preferencial. Umas

vezes, voltamo-nos para o Senhor como nosso último recurso: mas será

Page 52: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

que acreditamos mesmo n'Ele? Outras vezes, tomamos o Senhor como

aliado, mas conservamos o coração cheio de presunção. Em todos os

casos, a nossa falta de fé revela que ainda não temos as disposições de

um coração humilde: «Sem Mim, nada podereis fazer» (Jo 15, 5).

Catecismo da Igreja Católica 2733

Outra tentação, à qual a presunção abre a porta, é a acédia. Os Padres

espirituais entendem por ela uma forma de depressão devida ao

relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do

coração. «O espírito está decidido, mas a carne é fraca» (Mt 26, 41).

Quanto de mais alto se cai, mais magoado se fica. O desânimo doloroso

é o reverso da presunção. Quem é humilde não se admira da sua

miséria; ela leva-o a ter mais confiança e a manter-se firme na

constância.

III.2.2. O que fazer quando desaparece o gosto da oração? 11

«Esta aridez não tem nada de estranho. Ela é mesmo quase normal. Os autores

antigos consideravam-na útil e fecunda. Purificar a oração é purificar o desejo,

até que ele se conforme à vontade de Deus», diz o P. Maurice Bellet, filósofo e

psicanalista.

Na época moderna, o desagrado, a falta de gosto provêm muitas vezes do

aspeto regulamentar e obrigatório da oração, de um sentimentalismo ambíguo,

de um dogmatismo que se torna estéril. Alguns prosseguem custe o que custar.

É talvez a oração mais pura, dado que é a aceitação de que a relação seja nua,

sem nada que satisfaça.

Mas este querer crer não deve transformar-se numa obstinação vazia de

sentido. Orar é ser com Deus, numa relação viva onde Deus é Deus. Onde Deus

é dom e ama verdadeiramente o homem.

Dado que se trata de ser com Deus, posso perguntar-me que oração me dá

mais gosto: ler o comentário de um texto bíblico com um forte desejo de

11 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10

Page 53: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

verdade? Ouvir a Paixão de Bach? Em tudo posso voltar-me para aquele que me

é inatingível.»

Um conselho; quando não souber rezar, opte por aquilo que lhe convém... sem

julgar o caminho escolhido por outros. Não esquecendo algo de muito concreto,

que João anuncia na sua primeira carta (4-12). Deus é este Desconhecido,

acima do abismo da ausência, que se revela nos nossos corações e nas nossas

mãos quando nos fazemos próximos do próximo.

III.3. A confiança filial

Catecismo da Igreja Católica 2734

A confiança filial é posta à prova – e prova-se a si mesma – na tribulação

(Rom.5,3-5). A principal dificuldade diz respeito à oração de petição, na

intercessão por si ou pelos outros. Alguns deixam mesmo de orar porque,

segundo pensam, o seu pedido não é atendido. Aqui, duas questões se

põem: Por que é que pensamos que o nosso pedido não é atendido? E

como é que a nossa oração é atendida, e «eficaz»?

A Igreja reza sempre, ou quase sempre, ao Pai, como o fazia Jesus (Ga 4 6; Rom

8, 15, Mt 6, 6; Lc I I, 2). O Pai é a origem e a fonte de todo o bem e de toda a

graça. O Pai é também a meta final a que aspiramos. Na oração cristã nunca se

perde o sentido da transcendência de Deus Pai, princípio e fim, nascente e foz

da nossa vida, para além de todas as mediações. A Oração cristã tende para o

Pai. Quem deseja orar tem de buscar a Deus-Pai, pagando o preço de ter de

dispor-se para a noite da transcendência.

A Oração cristã não pode acontecer se não for Oração filial. Quer dizer: se nela,

não me sentir e não me realizar e não me exprimir como «filho de Deus».

Rezar, dizia Sta. Teresa de Ávila «é estar a sós com Aquele que sabemos que

nos ama». Quantas vezes o temor, o medo e a desconfiança, fazem da minha

oração uma espécie de «grito» para afastar a «ira de Deus» e não um

«balbucio» de criança que se confia aos braços do Pai... Também aqui, só pela

ação do Espírito, nos podemos abeirar do Pai, cheios de confiança no seu amor.

Porque este «Espírito» nos habita desde o Batismo, ele impele-nos a rezar, a

dar voz ao nosso coração de filhos, dizendo «Abba, ó Pai». O mesmo Espírito

Page 54: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

que une o Pai e o Filho numa relação de eterno e inesgotável Amor é que nos

une pode unir, no Filho, ao Pai.

III.3.1. Porque nos lamentarmos por não sermos atendidos?

Catecismo da Igreja Católica 2735

Antes de mais, uma constatação deveria surpreender-nos. É que, quando

louvamos a Deus ou Lhe damos graças pelos seus benefícios em geral,

não nos importamos nada com saber se a nossa oração Lhe é agradável,

ao passo que exigimos ver o resultado da nossa petição. Qual é, então, a

imagem de Deus que motiva a nossa oração: um meio a utilizar ou o Pai

de nosso Senhor Jesus Cristo?

Catecismo da Igreja Católica 2736

Será que estamos convencidos de que «não sabemos o que pedir, para

rezar como devemos» (Rm 8, 26)? Será que pedimos a Deus «os bens

convenientes»? O nosso Pai sabe muito bem do que precisamos, antes

que Lho peçamos (Mt.6.8), mas espera o nosso pedido, porque a

dignidade dos seus filhos está na sua liberdade. Devemos, pois, orar com

o seu Espírito de liberdade para podermos conhecer de verdade qual é o

seu desejo (Rom.8,27).

Catecismo da Igreja Católica 2737

«Não tendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal,

pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões» (Tg 4, 2-3) (23). Se

pedirmos com um coração dividido, «adúltero», Deus não pode atender-

nos, pois quer o nosso bem, a nossa vida. «Ou pensais que a Escritura diz

em vão: "o Espírito que habita em nós ama-nos com ciúme"?» (Tg 4, 5).

O nosso Deus é «ciumento» de nós e isso é sinal da verdade do seu

amor. Entremos no desejo do seu Espírito e seremos atendidos: «Não te

aflijas, se não recebes logo de Deus o que Lhe pedes: é que Ele quer

beneficiar-te ainda mais pela tua perseverança em permanecer com Ele

na oração» (Evágrio do Ponto). Ele quer «que o nosso desejo se exercite

na oração dilatando-nos, de modo a termos capacidade para receber o

que Ele prepara para nos dar» (Santo Agostinho).

Page 55: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

III.3.2. Como é que a nossa oração seria eficaz?

Catecismo da Igreja Católica 2738

A revelação da oração na economia da salvação ensina-nos que a fé se

apoia na ação de Deus na história. A confiança filial é suscitada pela sua

ação por excelência: a paixão e ressurreição do seu Filho. A oração cristã

é cooperação com a sua providência, com o seu desígnio de amor para

com os homens.

Catecismo da Igreja Católica 2739

Em São Paulo, esta confiança é audaciosa (Rom.10,12-13), apoiando-se

na oração do Espírito em nós e no amor fiel do Pai que nos deu o seu

Filho Único (Rom.8,26-39). A transformação do coração que ora é a

primeira resposta ao nosso pedido.

Catecismo da Igreja Católica 2740

A oração de Jesus faz da oração cristã uma petição eficaz. Jesus é o

modelo da oração cristã; Ele ora em nós e connosco. Uma vez que o

coração do Filho não procura senão o que agrada ao Pai, como poderia o

dos filhos adotivos apegar-se mais aos dons que ao Doador?

Catecismo da Igreja Católica 2741

Jesus também ora por nós, em nosso lugar e em nosso favor. Todos os

nossos pedidos foram reunidos, de uma vez por todas, no seu brado sobre a

cruz e atendidos pelo Pai na sua ressurreição; e é por isso que Ele não cessa

de interceder por nós junto do Pai (Evágrio do Ponto). Se a nossa oração

estiver resolutamente unida à de Jesus na confiança e na audácia filial,

obteremos tudo o que pedirmos em seu nome e muito mais do que isto ou

aquilo: o próprio Espírito Santo que inclui todos os dons.

III.4. Perseverar no amor

Catecismo da Igreja Católica 2742.

Page 56: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

«Orai sem cessar» (1 Ts 5, 17), «dai sempre graças por tudo a Deus Pai,

em nome de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ef 5, 20), «servindo-vos de toda

a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito Santo; e,

para isso, vigiai com toda a perseverança e com preces por todos os

santos» (Ef 6, 18). «Não nos foi mandado que trabalhemos, velemos e

jejuemos constantemente, mas temos a lei de orar sem cessar» (Evágrio

do Ponto) Este fervor incansável só pode vir do amor. Contra a nossa

lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante

e perseverante. Este amor abre os nossos corações a três evidências de

fé, luminosas e vivificantes.

Catecismo da Igreja Católica 2743. Orar é sempre possível:

O tempo do cristão é o de Cristo Ressuscitado, que está «connosco todos

os dias» (Mt 28, 20), sejam quais forem as tempestades (Lc.8,24). O

nosso tempo está na mão de Deus: «É possível, mesmo no mercado ou

durante um passeio solitário, fazer oração frequente e fervorosa;

sentados na vossa loja, a tratar de compras e vendas, até mesmo a

cozinhar» (São João Crisóstomo).

Catecismo da Igreja Católica 2744. Orar é uma necessidade vital.

A demonstração do contrário não é menos convincente: se não nos

deixarmos conduzir pelo Espírito Santo, recairemos na escravidão do

pecado (Gal.5,16-25). Ora, como pode o Espírito Santo ser a «nossa

vida» se o nosso coração estiver longe d'Ele? «Nada iguala o valor da

oração; ela torna possível o impossível, fácil o difícil. [...] É impossível [...]

que o homem que ora caia no pecado» (São João Crisóstomo). «Quem

reza salva-se, de certeza; quem não reza condena-se, de certeza» (Santo

Afonso de Ligório).

Catecismo da Igreja Católica 2745

Oração e vida cristã são inseparáveis, porque se trata do mesmo

amor e da mesma renúncia que procede do amor; da mesma

conformidade filial e amorosa com o desígnio de amor do Pai; da mesma

união transformante no Espírito Santo que nos conforma sempre mais

com Cristo Jesus; do mesmo amor para com todos os homens, desse

Page 57: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

amor com que Jesus nos amou. «Tudo o que pedirdes ao Pai em meu

nome, Ele vo-lo concederá. O que vos mando é que vos ameis uns aos

outros» (Jo 15, 16-17). «Ora sem cessar, aquele que une a oração às

obras e as obras à oração. Só assim é que podemos considerar como

realizável o preceito de orar incessantemente» (Orígenes).

III.5. Um exercício pessoal de oração

No meio da algazarra em que se vive hoje, o homem novo que existe em nós

deve lutar para assegurar ao "céu" da sua alma aquele prodígio de "um

silêncio de cerca de meia hora" de que fala o Apocalipse (8,1); que seja um

silêncio verdadeiro, repleto da Presença, ressoante da Palavra, atento à escuta,

aberto à comunhão.

Jesus passava muito tempo pregando, acolhendo e atendendo as pessoas,

curando os doentes. Mas isto não o impedia de dedicar longos momentos à

oração, a estar com o seu Pai, a falar com Ele... (cf. CIC 2600). O primeiro traço

que ressalta da narração evangélica, sobretudo de Lucas, é a unidade entre

oração e missão. Jesus reza:

…antes dos momentos decisivos da sua missão: Batismo (Lc.3,21);

Transfiguração (Lc.9,28), Paixão (Lc.22,41-44)…

… antes dos momentos decisivos que vão empenhar a missão dos apóstolos:

antes de escolher e chamar os Doze (Lc.6,12), antes de Pedro o confessar como

Ungido de Deus (Lc.9,18-20); e para que a fé do Apóstolo não desfaleça

(Lc.22,32); a quando da volta da pregação dos discípulos: Mt 11, 25

... antes de ressuscitar Lázaro: Jo 11, 41-42

... na Última ceia: Jo 17, 11.21.24

... no Horto das oliveiras: Mt 26, 39-42

... quando O crucificam: Lc 23, 33

... quando está suspenso na cruz: Mt 27, 46

... no momento da morte: Lc 23, 46

Não só rezava Ele, mas convida os seus discípulos a fazerem-no.

Além disso ensina-nos como há de ser a nossa oração:

Page 58: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

o de forma discreta, sem muito palavreado: Mt 6, 5-8

o com a confiança de ser escutados: Mt 7, 7

o em nome de Jesus: Jo 16, 23-24

o por todos, não só pelos amigos: Mt 5, 44

o com insistência, sem desanimar: Lc 18, 1-8

o com humildade, reconhecendo-nos como fracos: Lc 18, 9-14

1. Tens horror ao «vazio» do silêncio?

2. Que vestígios encontras na tua vida desse horror ao «vazio» do silêncio?

3. Em que lugares, momentos, ambiente, te sentes mais inclinado a orar?

4. Tens experiência de uma oração contemplativa?

5. Procura «agendar» ou programar, os teus tempos de «retiro».

a) durante o dia: momentos mais curtos (5-15m)

b) durante a semana: um momento mais longo (30m-60m)

c) durante o Verão: um tempo mais forte (uma manhã; uma tarde; um dia)

Page 59: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

SÁBADO, 09H00-10H30

IV. PARA UMA PEDAGOGIA DA ORAÇÃO12

Alguns autores falam de formas orantes, outros de infraestruturas da oração,

outros de umbral da oração, outros de pressupostos da oração. Todos tratam do

mesmo: certas vivências prévias à oração.

É normal que o orante tenha uma certa ansiedade por rezar. De facto, o que

quer é rezar. De qualquer maneira, o que é primeiro na intenção não é o na

execução. Pensemos no futebolista, no cirurgião, no pintor.

IV.1. Entabular o jogo

Não é boa a precipitação. É preciso ir devagar, «pouco a pouco», como tantas

vezes refere Santa Teresa, mestra da oração. Muitas vezes, este desejo de

chegar rapidamente à meta está na base de muitas deceções e abandonos.

IV.2. Atitudes orantes

A oração é uma graça, mas é também uma arte. A oração é um dom, mesmo

que seja também uma tarefa. Não se identifica com qualquer tratado de

amizade, mas é um tratado de amizade. A oração não é um qualquer diálogo,

mas é diálogo. Santa Teresa de Jesus lembra-nos algumas atitudes, que devem

ser em nós como que tendências cada vez mais sólidas, que têm como objetivo

potenciar uma relação com Deus em chave de amizade, de confiança filial, de

comunhão amorosa.

IV.2.1. Sentido de Igreja: é no seio da comunidade dos crentes que recebemos o

melhor que temos e somos seguidores de Jesus. A oração, mesmo que

12 Seguimos e resumimos aqui ANGEL BRIÑAS, Orar en el momento atual (= Emaús 100), Ed. CPL, Barcelona, 2012, 61-86.

Page 60: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

pessoal e íntima, emana do contexto da Igreja e adquire pleno sentido na

união de todos os membros com a cabeça, que é Cristo.

IV.2.2. A pobreza como postura básica. Só a pessoa necessitada ou consciente

da sua debilidade estende a palavra e a mão para pedir ajuda. Quem

está demasiado preocupado com as coisas materiais acaba por ser

escravo delas.

IV.2.3. Liberdade integral: Santa Teresa explicita o tema da pobreza, numa

tríplice dimensão:

desprendimento como libertação das coisas materiais. É o círculo mais

externo da pessoa. Ter com liberdade;

o amor verdadeiro aos demais, como libertação de dependências

afetivas que a afogam. É um círculo mais próximo da pessoa. Amar

com liberdade.

a liberdade, como libertação de si mesmo. É o círculo mais íntimo da

pessoa, que pede uma clarividência extraordinária.

4.2.4. Uma determinada determinação:

Teresa repete insistentemente este conselho, para que o orante seja fiel ao seu

compromisso de orar ao Senhor. Esta radical decisão, impregnada do amor de

Deus, é a melhor colaboração humana, no processo de oração. O crente pode

ficar atascado na oração vocal ou na meditação, anos a fio, se não se

compromete devidamente, sobretudo nos inícios, a cumprir lealmente o tempo

prometido e dedicado ao Senhor. Determinar-se é converter-se não a umas

virtudes, mas à pessoa de Jesus Cristo; converter neste sentido toda a vida,

como quem faz um juramento definitivo.

4.2.5. Um Ambiente vital:

Cercada de tantas coisas, de tantas pressas e pressões, a pessoa precisa de se

esforçar por alcançar um conhecimento próprio, que não se deixe levar pelo

utilitarismo, por uma religiosidade à la carte, mas que se esforce por fazer da

oração um espaço de relacionamento íntimo e amigo cm Deus. Olhemos, com

paz e tranquilidade em que medida o ambiente que nos rodeia afeta a nossa

oração. Temos de deixar que tudo “cale” e que tudo cale no tempo da oração.

Page 61: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

4.2.6. Outras atitudes prévias:

a) O assombro e a admiração. Quem não sabe admirar-se não pode rezar;

b) A solidariedade: Não se pode escutar a Deus, sem ouvir o grito do irmão. A

oração é um momento necessário da solidariedade;

c) A solidão. Para ser solidário, também é preciso ser solitário. Na pessoa tem

que haver uma distância, em relação às coisas e com as coisas;

d) O silêncio, para captar melhor as vozes e os ruídos. É preciso recuperar

espaços de silêncio.

e) O diálogo: temos de aprender a dialogar com as pessoas, se queremos

dialogar com Deus. Temos de aprender a escutar, numa escuta que seja

mais do que por simples cortesia.

f) Desportivismo. Saber ganhar e saber perder. Ambas as coisas porque ambas

são difíceis e ambas se dão na oração.

Todas estas atitudes podem preparar a terram para semear nela e que possa

crescer o grão de mostarda que é a oração.

Em resumo, podemos dizer:

a) Em relação a Deus: gratuidade, fé-esperança-amor, humildade;

b) Em relação aos outros: compromisso de vida, amor fraterno;

c) Em relação às coisas: gratuidade, capacidade de assombro, capacidade de

receção, capacidade de contemplação, desprendimento;

d) Em relação a si próprio: conhecimento próprio, silêncio e solidão, até ser

capaz de rezar a vida.

4.3. Aprender a orar a partir do silêncio

Rodeados de ruído no meio do mundo de hoje, precisamos de propiciar espaços

de silêncio e, sobretudo, de educar para conseguir o silêncio interior e assim

dispormo-nos à oração. O silêncio não é só obra dos sentidos, ainda que estes o

favoreçam ou impeçam, mas sobretudo um trabalho a desenvolver no interior

da pessoa e um dom que há que pedir todos os dias ao Senhor: “Cada manhã,

ele desperta os meus ouvidos para eu escutar como escutam os discípulos. O

Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo”

(Is.50,4-5). Nós, os cristãos não nos retiramos na solidão e no silêncio para

estar sós, mas para nos encontrarmos com Deus, mas para rezar e assim, no

silêncio e pelo silêncio, dispormo-nos a entrar num diálogo pessoal, vivo e

amoroso com Deus.

Page 62: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

4.3.1. O elogio do silêncio

“Quando penso no contributo que a experiência religiosa pode dar num

futuro próximo à cultura, ao tempo e ao modo da existência humana,

penso que mais até do que a palavra será a partilha desse património

imenso que é o silêncio. Já a bíblica narrativa de Babel ponha a nu os

limites do impulso totalitário da palavra. Mesmo que construamos a

palavra como uma torre, temos de aceitar que ela não só não toca

cabalmente o mistério dos céus, como muitas vezes nos incapacita para

a comunicação e a compreensão terrenas. Precisamos do auxílio de outra

ciência, a do silêncio. Já Isaac de Nínive, lá pelos finais do século VII,

ensinava: «A palavra é o órgão do mundo presente. O silêncio é o

mistério do mundo que está a chegar».

Na diversidade das tradições religiosas e espirituais da humanidade, o

silêncio é um traço de união extraordinariamente fecundo. Na tradição

muçulmana, por exemplo, o centésimo Nome de Deus é o nome inefável

que não pode ser rezado senão no silêncio. Os místicos não se cansaram

de explorar essa via. Veja-se o persa Rûmi (1207-1247) que aconselha ao

seu discípulo: «Àquele que conhece Deus faltam-lhe as palavras». Noutra

geografia temos a anotação espiritual de Lao-Tsé, «o som mais forte é o

silencioso», ou a de Bashô, «silêncio/ uma rã mergulha/ dentro de si», ou

a de Eléazar Rokéah de Worms, cabalista judeu que afirmava: «Deus é

silêncio».

Também a Bíblia coteja minuciosamente o silêncio de Deus. E este nem

sempre é um silêncio fácil, mesmo se somos chamados a acreditar na

verdade do dístico que nos oferece o Livro das Lamentações: «É bom

esperar em silêncio a salvação de Deus». O silêncio de Deus fustiga os

salmistas: «Ó Deus, não fiques em silêncio; não fiques mudo nem

impassível!» (83,2); leva Job a erguer-se numa destemida teologia de

protesto; e faz o inconformado profeta Habacuc dizer: «Tu contemplas

tudo em silêncio» (Hab 1, 13). O silêncio do Pai será particularmente

enigmático na agonia no Getsémani e na experiência da Cruz, onde Jesus

lança o grito: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?».

Contemplamos neste grito o mistério de Deus e o do Homem no mais

Page 63: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

devastador silêncio que o mundo conheceu. Contudo, é no lancinante

silêncio que sucede ao seu grito que reside a revelação pascal de Deus.

José Tolentino Mendonça13

“Os seres humanos têm a necessidade vital do tempo e do silêncio

interior, para refletir e examinar a vida e os seus mistérios, e para

crescer de modo gradual até atingir um domínio amadurecido de si

mesmos e do mundo que os rodeia. A compreensão e a sabedoria são o

fruto de uma análise contemplativa do mundo, e não derivam de uma

simples acumulação de factos, por mais interessantes que sejam. São o

resultado de uma introspeção que penetra o significado mais profundo

das coisas, na relação de umas com as outras e com o conjunto da

realidade”

João Paulo II, 12.5.2002

Um aspeto que é preciso cultivar com maior compromisso, no interior

das nossas comunidades, é a experiência do silêncio. Temos necessidade

dele "para acolher nos nossos corações a plena ressonância da voz do

Espírito Santo, e para unir estreitamente a oração pessoal à Palavra de

Deus e à voz pública da Igreja". Numa sociedade que vive de maneira

cada vez mais frenética, muitas vezes atordoada pelos ruídos e perdida

no efémero, é vital redescobrir o valor do silêncio. Não é por acaso que

mesmo para além do culto cristão, se difundem práticas de meditação

que dão importância ao recolhimento. Por que não começar, com

audácia pedagógica, uma educação ao silêncio no contexto de

coordenadas próprias da experiência cristã? Que esteja diante dos

nossos olhos o exemplo de Jesus, que "tendo saído de casa, se retirou-se

num lugar deserto para ali rezar" (Mc 1, 35)

João Paulo II, 4.12.2003

Na Cruz vemos que o silêncio de Jesus é a sua última palavra ao Pai, mas

vemos também como Deus fala através do silêncio. De facto, a dinâmica

13 http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=90806

Page 64: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

feita de palavra e silêncio, que caracteriza a oração de Jesus, manifesta-

se também na nossa vida de oração em duas direções. Por um lado,

ensina-nos que a escuta e o acolhimento da Palavra de Deus exige o

silêncio interior e exterior, afastando-nos de uma cultura barulhenta que

não favorece o recolhimento. Por outro lado, há também o silêncio de

Deus na nossa oração, que muitas vezes gera em nós a sensação de

abandono. Mas, olhando para o exemplo de Cristo, sabemos que esse

silêncio não é ausência: Deus está sempre presente e nos escuta. E,

assim, podemos dizer que Jesus nos ensina a rezar, não só com a oração

do Pai nosso, mas também com o exemplo da sua própria oração,

indicando-nos que temos necessidade de momentos tranquilos vividos na

intimidade com Deus, para escutarmos e chegarmos à «raiz» que

sustenta e alimenta a nossa vida.

Bento XVI, 7.3.2012

4.3.2. Criar silêncio

CRIAR SILÊNCIO14

O ato de escutar requer necessariamente a prática do silêncio. Não apenas do

silêncio físico, mas também do silêncio interior. Para poder escutar o outro de

um modo que tenha garantias de qualidade, é preciso criar o silêncio dentro e

fora. É muito mais difícil silenciar o interior do que o exterior, porque a pior

algaraviada é aquela que carregamos dentro de nós. O pior grito é aquele que

não se ouve. Não se ouve como ruído exterior, mas faz entrar em colapso o

nosso interior. Não se trata por isso de ficar calado, mas sim de criar silêncio.

Há que ter bem presente que o silêncio não é a ausência de palavras, mas uma

criação interior. Exige um enorme trabalho de cura e depuração, de eliminação

de impurezas e de obstáculos ruidosos que dificultam a escuta do outro."

As interferências mais graves são aquelas levantadas pela pessoa que escuta, o

recetor. Frequentemente, as palavras do outro, quando recebidas no próprio

interior, despertam velhos fantasmas que pensávamos estarem enterrados.

14 FRANCESC TORRALBA, A arte de saber escutar, Ed. Guerra e Paz, Lisboa 2010, 36-38.

Page 65: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Quando isso acontece com alguns deles, já não escutamos o outro e seguimos o

rasto que aqueles fantasmas deixaram na nossa alma.

A voz do outro persiste, mas não é escutada, passa a ser um ruído de fundo.

Nesse momento, o recetor está ocupado consigo mesmo. O discurso do outro

contém palavras, odores, gestos, referências diretas ou indiretas que nos fazem

voar para longe, levando a que nos esqueçamos do que ele acaba de dizer. Esta

imersão em nós próprios é provisória. No momento mais inesperado, voltamos

a escutar quem nos está a falar, ainda que já não saibamos de que é que fala:

perdemos o fio à meada. O outro nem sempre se dá conta do que se passou,

mas se pergunta a nossa opinião, põe a nu a nossa incapacidade para o

escutar.

Criar silêncio é pôr a mente em branco, alcançar a tábua rasa que

supostamente éramos ao nascer. Esta tarefa é extremamente árdua e só pode

ser levada avante depois de muita prática e de muitos fracassos. Tendemos a

ocupar a mente com objetos, representações e núcleos problemáticos que nos

distraem. Temos a sensação de que a nossa mente não pode nunca parar de

pensar em algum objeto. Estamos sempre a pensar nalguma coisa que, depois,

nos há de conduzir a outra, sempre assim, ininterruptamente. A mente voa

daqui para a ali e a torrente de ideias, recordações, pensamentos e

expectativas que por ela flui acaba por sobrepor-se a tudo.

Uma palavra, um comentário, uma parábola, uma narrativa, tudo isso desperta

em nós elementos que julgávamos adormecidos e que captam a nossa atenção,

fixando-a. Então, aquele momento converte-se no eixo da exposição do outro e,

em consequência, perdemos a sua argumentação, o fio condutor do seu

discurso.

Para conseguir escutar o outro com atenção e render-lhe o respeito que, como

ser humano, merece, há que guardar silencio e praticar a contenção mental,

para que a mente possa centrar-se totalmente nas palavras do outro, evitando

cair naquele que, segundo os Padres do Deserto, é o pior dos males: a

dispersão. É preciso reconhecer que, por vezes, a mente é como uma abelha

que voa de flor em flor, como uma pena suspensa no ar, à mercê dos ventos

que vão soprando.

Page 66: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

O ato de escutar exige uma ascética mental, um controlo da faculdade de

imaginar e da capacidade de fantasia. O silêncio exterior é o ponto de partida

de uma viagem até ao silêncio interior. No interior, a tarefa que nos aguarda é

imensa: temos que silenciar as vozes da mente, mas também os gritos do

coração.

Quando conseguirmos triunfar nessa empresa, aí é que outro ressoará no nosso

interior; a sua presença iluminará a gruta do nosso ser e então dar-nos-emos

conta de que não estamos sozinhos.

4.3.3. Silêncio do espírito, dos olhos e das palavras

A oração começa pelo silêncio interior. Se queremos rezar, temos de aprender a

escutar primeiro, porque Deus fala no silêncio do coração. E para sermos capa-

zes de viver este silêncio e ouvir Deus, temos de ter um coração límpido, pois

só um coração límpido pode vê-I'O, pode ouvi-I'O, pode escutá-I'O. E Ele escuta.

Mas nós não podemos falar antes de O escutar no silêncio dos nossos corações.

A oração não é sofrimento, nem pode constranger-nos ou perturbar-nos. A

oração é um manancial de alegria. Regozijo-me ao falar com o meu Pai, falar

com Jesus, a quem pertenço de corpo e alma, de espírito e coração.

Reflitamos, então, no silêncio do espírito, dos olhos e das palavras.

Silêncio do espírito e do coração: Lembrai-vos de Maria, que nunca lamentou

fosse o que fosse. Lembrai-vos de São José estava perturbado. Apenas uma

palavra sua teria podido dissipar qualquer dúvida, mas Maria não a pronunciou,

esperando que Nosso Senhor realizasse o milagre de provar a sua inocência. Se

ao menos estivéssemos assim tão convencidos da necessidade de silêncio!

Creio, então, que um caminho em direção à união íntima com Deus se abriria

na nossa vida de crentes.

O silêncio dos olhos, aquele silêncio que nos ajuda sempre a ver Deus. Os

nossos olhos são como janelas através das quais Cristo ou o mundo chegam ao

nosso coração. Precisamos frequentemente de muita coragem para os manter

fechados. Não dizemos frequentemente: "Se não tivesse visto isto ou aquilo!"?

E, no entanto, esforçamo-nos tão pouco para vencer o desejo de ver tudo.

Page 67: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Com o silêncio da palavra aprendemos muito - a falar com Cristo, a

permanecer sempre alegres e a ter uma quantidade de coisas para Lhe dizer. E

Ele fala-nos por intermédio das outras pessoas e, quando meditamos, fala

diretamente connosco.

Deus é amigo do silêncio. Temos sede de encontrar Deus, mas Ele não se deixa

descobrir nem no ruído nem na agitação. Vede como a natureza, as árvores, as

flores e a erva crescem num silêncio profundo. Vede como as estrelas, a lua e o

sol se deslocam em silêncio. Quanto mais recebermos numa oração silenciosa,

mais poderemos dar na nossa vida ativa. O silêncio dá-nos um olhar novo sobre

todas as coisas. Temos necessidade deste silêncio para podermos tocar as

almas dos outros. O essencial não está naquilo que dizemos, mas naquilo que

Deus nos diz e naquilo que Ele transmite por nosso intermédio.

Jesus ouve-nos sempre no silêncio. Nesse silêncio Ele escutar-nos-á; é aí que Ele

fala às nossas almas e que nós escutaremos a sua voz. No silêncio

encontraremos uma energia nova e uma verdadeira unidade. A energia de Deus

será a nossa a fim de realizarmos todas as coisas na união dos nossos

pensamentos com os seus, na união das nossas orações com as suas, na união

das nossas ações com as suas, da nossa vida com a sua"

Beata Madre Teresa de Calcutá

4.3.4. O silêncio de Jesus15, numa catequese de Bento XVI

Transcrevemos, aqui, excertos de uma Catequese de Bento XVI sobre o tema

do silêncio de Jesus, tão importante na relação com Deus. Diz o Papa:

“Na Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini fiz referência ao

papel que o silêncio adquire na vida de Jesus, sobretudo no Gólgota:

«Aqui vemo-nos colocados diante da “Palavra da cruz” (cf. 1 Cor 1, 18). O

Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque se “disse” até calar,

nada retendo do que nos devia comunicar» (n. 12). Diante deste silêncio

15 Transcrevemos aqui excertos da catequese de BENTO XVI, Audiência Geral, 7 de

março de 2012

Page 68: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

da cruz, são Máximo, o Confessor, põe nos lábios da Mãe de Deus a

seguinte expressão: «Fica sem palavras a Palavra do Pai, o qual fez todas

as criaturas que falam; sem vida estão os olhos apagados daquele por

cuja palavra e por cujo aceno se move tudo o que tem vida» (A vida de

Maria, n. 89: Textos marianos do primeiro milénio, 2, Roma 1989, p.

253).

A cruz de Cristo não mostra somente o silêncio de Jesus como sua última

palavra ao Pai, mas revela também que Deus fala por meio do silêncio:

«O silêncio de Deus, a experiência da distância do Omnipotente e Pai é

etapa decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra encarnada.

Suspenso no madeiro da cruz, o sofrimento que lhe causou tal silêncio fê-

lo lamentar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,

34; Mt 27, 46). Avançando na obediência até ao último suspiro de vida,

na obscuridade da morte, Jesus invocou o Pai. A Ele entregou-se no

momento da passagem, através da morte, para a vida eterna: “Pai, nas

tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23, 46)» (Exortação Apostólica

pós-sinodal Verbum Domini, 21).

A experiência de Jesus na cruz é profundamente reveladora da situação

do homem que reza e do ápice da oração: depois de ter ouvido e

reconhecido a Palavra de Deus, devemos medir-nos também com o

silêncio de Deus, expressão importante da própria Palavra divina.

A dinâmica de palavra e silêncio, que caracteriza a oração de Jesus em

toda a sua existência terrena, sobretudo na cruz, diz respeito também à

nossa vida de oração, em duas direções.

A primeira é a que se refere ao acolhimento da Palavra de Deus.

É necessário o silêncio interior e exterior, para que tal palavra possa ser

ouvida. E este é um ponto particularmente difícil para nós, no nosso

tempo. Com efeito, a nossa é uma época na qual não se favorece o

recolhimento; aliás, às vezes a impressão é de que as pessoas têm medo

de se separar, mesmo por um instante, do rio de palavras e de imagens

que marcam e enchem os dias.

Page 69: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Por isso, na já mencionada Exortação Verbum Domini recordei a

necessidade de nos educarmos para o valor do silêncio:

«Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja

significa também redescobrir o sentido do recolhimento e da

tranquilidade interior. A grande tradição patrística ensina-nos que os

mistérios de Cristo estão ligados ao silêncio e só nele é que a Palavra

pode encontrar morada em nós, como aconteceu em Maria, mulher

inseparável da Palavra e do silêncio» (n. 66).

Este princípio — que sem silêncio não se sente, não se ouve, não se

recebe uma palavra — é válido sobretudo para a oração pessoal, mas

também para as nossas liturgias: para facilitar uma escuta autêntica,

elas devem ser também ricas de momentos de silêncio e de acolhimento

não verbal. É sempre válida a observação de santo Agostinho: Verbo

crescente, verba deficiunt — «Quando o Verbo de Deus cresce, as

palavras do homem faltam» (cf. Sermo 288, 5: pl 38, 1307; Sermo 120,

2: pl 38, 677).

Os Evangelhos apresentam com frequência, sobretudo nas escolhas

decisivas, Jesus que se retira totalmente sozinho num lugar afastado das

multidões e dos próprios discípulos para rezar no silêncio e viver a sua

relação filial com Deus. O silêncio é capaz de escavar um espaço interior

no nosso íntimo, para ali fazer habitar Deus, para que a sua Palavra

permaneça em nós, a fim de que o amor por Ele se arraigue na nossa

mente e no nosso coração, e anime a nossa vida. Portanto, a primeira

direção: voltar a aprender o silêncio, a abertura à escuta, que nos abre

ao próximo, à Palavra de Deus.

Porém, há uma segunda importante relação do silêncio com a oração.

Com efeito, não há apenas o nosso silêncio para nos dispor à escuta da

Palavra de Deus.

Muitas vezes, na nossa oração, encontramo-nos diante do silêncio de

Deus, experimentamos quase um sentido de abandono, parece-nos que

Deus não ouve e não responde.

Mas este silêncio de Deus, como aconteceu também para Jesus, não

marca a sua ausência. O cristão sabe bem que o Senhor está presente e

Page 70: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

escuta, mesmo na escuridão da dor, da rejeição e da solidão. Jesus

garante aos discípulos e a cada um de nós que Deus conhece bem as

nossas necessidades, em qualquer momento da nossa vida. Ele ensina

aos discípulos: «Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que

usam vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão

atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que

necessitais, antes que vós lho peçais» (Mt 6, 7-8): um coração atento,

silencioso e aberto é mais importante que muitas palavras. Deus

conhece-nos no íntimo, mais do que nós mesmos, e ama-nos: e saber

isto deve ser suficiente.

Na Bíblia, a experiência de Job é particularmente significativa a este

propósito. Em pouco tempo, este homem perde tudo: familiares, bens,

amigos e saúde; até parece que a atitude de Deus no que se lhe refere é

a do abandono, do silêncio total. E no entanto Job, na sua relação com

Deus, fala com Deus, clama a Deus; na sua oração, não obstante tudo,

conserva intacta a sua fé e, no fim, descobre o valor da sua experiência e

do silêncio de Deus. E assim no final, dirigindo-se ao Criador, pode

concluir: «Eu tinha ouvido falar de ti, mas agora são os meus olhos que

te veem» (Jb 42, 5): todos nós conhecemos Deus quase só por ter ouvido

falar dele, e quanto mais abertos permanecemos ao seu e ao nosso

silêncio, tanto mais começamos a conhecê-lo realmente. Esta confiança

extrema que se abre ao encontro profundo com Deus amadureceu no

silêncio.

São Francisco Xavier rezava, dizendo ao Senhor: eu amo-te, não porque

podeis conceder-me o paraíso, ou condenar-me ao inferno, mas porque

Vós sois o meu Deus. Amo-vos porque Vós sois Vós! (…)

Para nós, muitas vezes preocupados com a eficácia funcional e com os

resultados concretos que alcançamos, a prece de Jesus indica que temos

necessidade de parar, de viver momentos de intimidade com Deus,

«desapegando-nos» da confusão de todos os dias, para ouvir, para ir à

«raiz» que sustenta e alimenta a vida. Um dos momentos mais bonitos

da oração de Jesus é precisamente quando Ele, para enfrentar doenças,

dificuldades e limites dos seus interlocutores, se dirige ao seu Pai em

oração e assim ensina a quantos estão ao seu redor onde é necessário

procurar a fonte para ter esperança e salvação. Já recordei, como

Page 71: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

exemplo comovedor, a oração de Jesus no túmulo de Lázaro. O

evangelista João narra: «Quando tiraram a pedra Jesus, erguendo os

olhos para o céu, disse: “Pai, dou-te graças por me teres atendido. Eu já

sabia que sempre me atendes, mas Eu disse isto por causa das pessoas

que me rodeiam, para que venham a crer que Tu me enviaste”. Dito isto,

bradou em alta voz: “Lázaro, vem para fora!”» (Jo 11, 41-43).

Mas o ponto mais alto de profundidade na oração ao Pai, Jesus alcança-o

no momento da Paixão e Morte, quando pronuncia o extremo «sim» ao

desígnio de Deus e mostra como a vontade humana encontra o seu

cumprimento precisamente na adesão plena à vontade divina, e não na

oposição.

Na oração de Jesus, no seu brado na Cruz, confluem «todas as

desolações da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e da

morte, todas as súplicas e intercessões da história da salvação... E eis

que o Pai as acolhe e atende, para além de toda a esperança, ao

ressuscitar o seu Filho. Assim se cumpre e se consuma o drama da

oração na economia da criação e da salvação» (CIC, 2.606)”16.

4.3.5. O silêncio, na Liturgia

A oração é fruto do silêncio. Não somos nós que estamos antes da oração; é a

oração que está antes de nós. Antes da oração podemos apenas colocar o

nosso silêncio, a nossa escuta. A oração verdadeira acontecerá depois, já como

graça de Deus.

"Se alguém me perguntasse onde começa a vida litúrgica, eu responderia: com

a aprendizagem do silêncio. Sem ele, tudo carece de seriedade, tudo se torna

vão...; este silêncio é a condição primeira de toda a ação sagrada... Devemos

exercitar-nos no silêncio, para bem da palavra. Porque a liturgia consiste, em

larga medida, em palavras ditas por Deus ou dirigidas a Deus..., essas palavras

devem ser imensas, cheias de calma e de silêncio interior... O silêncio abre a

fonte interior da qual brota a palavra”. (Romano Guardini)

“No ritmo celebrativo, o silêncio é necessário para o recolhimento, a

interiorização, a oração interior. Não é vazio, ausência, mas antes presença,

16 Bento XVI, Audiência, 7.03.2012

Page 72: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

recetividade, reação perante Deus que nos fala, aqui e agora, e atua para nós,

aqui e agora. «Confia tranquilo no Senhor», «em silêncio, abandona-te ao

Senhor» – recorda o Salmo 37(36). Na verdade a oração, com os seus diversos

matizes – louvor, súplica, invocação, grito, lamento, agradecimento – ganha

corpo a partir do silêncio. Entre outros momentos, na celebração da Eucaristia

tem particular relevo o silêncio após a escuta da Palavra e sobretudo após a

comunhão no Corpo e Sangue do Senhor. Estes tempos de silêncio, são em

certo sentido prolongados, fora da celebração, no recolhido demorar-se em

adoração, oração e contemplação diante do Santíssimo Sacramento. É preciso

passar da experiência litúrgica do silêncio à «espiritualidade» do silêncio, à

dimensão contemplativa da vida. Se não estiver ancorada no silêncio, a palavra

pode definhar, transformar-se em rumor ou até em aturdimento!17”

4.3.5.1. Diversos tipos de silêncio na Liturgia

Silêncio de recolhimento

Quando se convida toda a assembleia ao recolhimento «a fim de tomar

consciência de que se encontra na presença de Deus e formular interiormente

as suas intenções». Trata-se de um convite «a entrar em si mesmos e a medi-

tar».

Exemplos: No começo de um rito, como a prostração, que abre a ação litúrgica

de Sexta-Feira Santa. Ou na celebração comunitária da penitência. Ou ainda no

ato penitencial, no início da missa, «para examinar a consciência e suscitar a

verdadeira contrição dos pecados». Sempre que o Presidente diz «Oremos»…

Silêncio de apropriação

É um silêncio de escuta e de interiorização durante as grandes preces do

presidente.

Exemplos: O exemplo mais frequente deste silêncio sagrado é a Oração Euca-

rística. Ressoa apenas a voz do sacerdote «enquanto a assembleia, reunida

para a celebração litúrgica, mantém um silêncio religioso». Este silêncio

17 CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Ano

da Eucaristia: Sugestões e propostas, n.28

Page 73: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

também tem lugar durante a oração consecratória das Ordenações. É muito

significativo o gesto silencioso da «imposição das mãos», acompanhado pela

oração dos presentes, na Unção dos Doentes.

Silêncio meditativo

É o silêncio de resposta à proclamação da palavra de Deus. Convida a «refletir

brevemente sobre o que ouviram». Pretende «obter a plena ressonância da voz

do Espírito Santo nos corações e unir mais estreitamente a oração pessoal à

palavra de Deus». Contribui para «que a palavra de Deus seja mais bem

compreendida por cada um, provocando na assembleia uma maior adesão».

Exemplos: Após a proclamação da palavra; após a homilia; depois dos salmos

«sobretudo se, após o silêncio, se acrescentar a oração sálmica».

Silêncio de adoração

O silêncio orante, que brota da palavra e torna mais consciente a nossa vida

«oculta com Cristo em Deus», assume uma expressão mais intensa no nosso

encontro com o mistério eucarístico: quer os fiéis se preparem «para receber

com fruto o Corpo e o Sangue de Cristo», quer se detenham após a comunhão

para «louvar e rezar a Deus, no seu coração», quer quando prolongam «a união

com Ele, obtida através da comunhão», mediante a oração frente a Cristo,

«presente no sacramento».

Exemplos: Semelhante a este silêncio é aquele que acompanha a adoração da

cruz na Sexta-Feira Santa, sobretudo na forma coletiva, quando a cruz é

apresentada, em silêncio, a toda a assembleia.

Disse a Beata Madre Teresa de Calcutá:

«O fruto do silêncio é a oração;

o fruto da oração é a fé;

o fruto da fé é o amor;

o fruto do amor é o serviço;

o fruto do serviço é a paz».

Page 74: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

4.3.6. Exercício para aprender a orar, a partir do silêncio18

• Procura um objeto que exprima algo do que experimentas ou sentes neste

momento, algo que reflita um pormenor da tua situação (uma cana, um ramo

seco, uma pedra, uma flor, um instrumento de trabalho, etc.). Põe-no diante de

ti; observa-o longamente, procurando identificar-te com ele e fica durante

algum tempo em silêncio diante de Deus, deixando que esse objeto fale em teu

nome, substituindo as tuas próprias palavras. (Podeis fazê-lo também em grupo

e explicar depois por- que é que escolhestes aquele símbolo.)

• Dedica um tempo a descobrir as possibilidades expressivas que têm as tuas

mãos. Apercebe-te de como podem exprimir atitudes de acolhimento, abertura,

pedi- do, oferta, entrega... Toma consciência do que queres dizer a Deus neste

momento da tua vida e, em vez de o exprimir com palavras, fá-lo pela posição

das tuas mãos. Quando te sentires distraído, volta suavemente a atenção para

as tuas mãos que estão a falar em teu lugar.

• Um meio simples muito eficaz para conseguir uma atitude de silêncio é

centrar-se na própria respiração. Procura fazê-lo profunda e sossegadamente,

sente o ar que inspiras e expiras, exprime pela tua respiração o teu desejo de

Deus e o teu abandono nele.

• Lede em grupo o Salmo 139 e fazei depois um mo- mento de silêncio centrado

na coincidência de saber-se conhecido por Deus até ao mais íntimo, deixando

que o seu olhar pacifique e reconcilie as nossas zonas de obscuridade ou de

desconfiança.

• Também em grupo, refleti sobre os momentos de silêncio que há no decorrer

da celebração eucarística. Entre vós, pensai no que significam, por que razão se

fazem, que conteúdo quereríamos dar-lhes. Procurai vivê-los com mais

intensidade na próxima missa em que participardes e comunicai depois se

descobristes algo mais sobre a importância do silêncio.

• O evangelho diz que Maria guardava tudo em silêncio dentro do seu coração.

Comentai a experiência que tendes de guardar algo no coração com muito

18 DOLORES ALEIXANDRE – T. BERRUETA, Iniciar à oração, 27-28

Page 75: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

silêncio, mistério, carinho. Fazei um momento de oração diante de Maria,

pedindo-lhe que vos ensine a fazer silêncio crente.

Convite ao silêncio

"Para escutar a voz do Senhor aprende a estar em silêncio.

Por dentro e por fora.

No silêncio, Deus fala ao coração.

No meio de tanto ruído,

não sabemos o que vale o silêncio.

Faz a experiência:

tu sozinha no quarto, ou de noite,

no terraço de casa; à sombra de uma árvore,

no parque, ou no interior de uma igreja.

Ordena - silêncio! - dentro de ti,

para escutares a voz de Deus.

Encontrarás tranquilidade, serenidade e paz.

E pouco a pouco ir-se-á delineando o teu caminho

com uma luz sempre nova.»

(María Cevolani)

Oração silenciosa

Ficarei, em silêncio

todo o tempo que for necessário,

esperando uma palavra

Page 76: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

vinda de Ti.

Então, somente

pronunciarei o teu Nome.

Não terei opinião sobre Ti

enquanto a Tua Luz

não encandear o meu espírito.

Então, somente

falarei de Ti.

Antes de trabalhar a terra,

antes de abrir os braços,

deixaremos o fogo do teu amor

gravar a sua lei nas palmas das nossas mãos.

Então, somente

mudaremos o mundo

abraçar-nos-emos

e bateremos palmas para Ti.

Assim seja

Stany Simon, SJ (traduzido do francês)

4.4. Aprender a orar a partir dos sentidos

Aprender a orar não é uma tarefa que dependa exclusivamente de cada pessoa.

Orar é algo que nos supera. Não aprenderemos a orar mais e melhor, por nos

esforçarmos a aplicar técnicas nem sequer por dedicarmos muito tempo à

oração. Mas este Espírito pede a nossa colaboração e que ponhamos os cinco

sentidos no que fazemos para que realmente seja uma obra humana

consciente, pensada.

Page 77: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Passamos a vida a fazer coisas, sem aprofundar nenhuma. Não sei se alguma

vez tiveste a sorte de descobrir a profundidade que há em cada uma das ações

comuns que realizamos muitas vezes todos os dias. É uma descoberta

maravilhosa.

Os números seguintes são um convite a prepararmo-nos para a oração, a partir

dos cinco sentidos. Trata-se de uma primeira porta, que temos de abrir, para

que chegue até nós toda a riqueza que Deus nos quer comunicar e para que

nos tornemos conscientes da realidade plena do que somos, a partir da qual

nos dirigimos a Deus.

A sua estrutura é simples: uma primeira parte do capítulo é dedicada a uma

reflexão simples sobre cada um dos sentidos (olhar, ouvir, tocar, falar, calar); a

seguir, a segunda parte apresenta exercícios para pôr em prática a teoria, de

maneira pessoal ou em grupo. Trata-se de sugestões simples, mas cheias de

riqueza da vida quotidiana que podem ajudar os grupos a interiorizarem-se e a

disporem-se para um diálogo mais espontâneo com o Deus vivo.

4.4.1. Aprendemos a orar com o olhar

4.4.1.1. O olhar como comunicação

A vista é um dos meios mais válidos – o fundamental? – da nossa experiência

da realidade e da aproximação às pessoas e às coisas. Os olhos são na verdade

a janela da pessoa, porta de acesso à intimidade, que nos permite o “tomar

posição” perante o mundo que nos rodeia.

Todos os sentidos nos dão acesso à realidade. São Tomás formulou há muito

tempo o método do nosso conhecimento: “nada há no entendimento que não

tenha estado nos sentidos”. Mas de todos eles o mais nobre e ativo é o da vista.

Com o olhar comunicamos mais do que com a voz. Por ele, o que está distante

faz-se próximo, faz-se nosso, entra em nós. É como nosso aparato fotográfico

para perceber imagens e mensagens.

E, às vezes, é também o nosso modo mais radical de expressão. Os nossos

olhos são como o espelho dos nossos sentimentos e emoções: afeto, zangas,

ressentimentos, indiferença. Olhar ou não olhar, olhar com interesse ou com

Page 78: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

indiferença, são termómetro da nossa presença espiritual, da nossa atenção às

pessoas e aos acontecimentos, ou da nossa rotina ou indiferença.

Olhar de amor ou de rancor. Olhar de curiosidade ou de cobiça. Olhar de

criança. Olhar de poeta. E também olhar de fé e oração.

Na verdade “a lâmpada do corpo é os olhos, se o teu olho está são, todo o

corpo estará luminoso; se o teu olho está mal, todo o corpo está às escuras” (Mt

6,22-23)

4.4.1.2. Os olhos de Jesus

A força do olhar de Jesus é um dos aspetos que parece que mais impressionou

os seus discípulos. Os evangelhos falam com frequência de como via as coisas,

de como as olhava.

Jesus olhava a multidão, e fixava-se na moeda do tributo, observava como

deitava a sua esmola no prato a pobre mulher; dirigia os seus olhos aos

apóstolos, olhava fixamente o jovem que queria segui-lo (Mc 10,21);

perscrutava as intenções dos seus inimigos, dirigia-lhes um olhar de enfado (Mc

3,5); olhava a Zaqueu apreciando a sua boa vontade…

Ensinou aos seus discípulos a saber ver e a discernir as coisas. Urgiu-os para

que conseguissem ver os sinais dos tempos, observar a beleza dos lírios dos

campos, a liberdade dos pássaros, a necessidade do próximo ferido no

caminho.

Parece que Jesus passou a sua vida vendo, olhando, observando, com uma

infinita capacidade de admiração e de profundidade no seu olhar.

Mas, sobretudo os evangelistas recordam-se dos seus olhos nos momentos de

oração: “tomou os cinco pães e os dois peixes, e levantando os olhos ao céu,

pronunciou a bênção” (Mc 6,41), “Jesus levantou os olhos e disse: Pai, te dou

graças” (na ressurreição de Lázaro, Jo 11,41), “levantando os olhos ao céu deu

um gemido e disse: effatá, abre-te” (na cura do surdo-mudo, Mc 7,34),

“lançando os olhos ao céu, disse: Pai, chegou a hora” (Jo 77,1)…

Page 79: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Por isso, não é estranho que num dos cantos ultimamente mais populares se

destaque a profundidade deste olhar de Jesus como um elemento expressivo da

sua aproximação a nós e da sua chamada à vocação cristã: “Senhor, tu fixaste

meus olhos”… mas já antes a liturgia tinha acrescentado um dado ao relato da

última ceia na ação sobre o pão eucarístico: “tomou o pão e levantando os

olhos para Vós, Deus Pai” (Oração Eucarística I ).

Na última ceia os evangelistas não diziam precisamente essa frase, mas sim

noutras cenas, e a liturgia terá incorporado a sua linguagem.

4.4.1.3. O olhar na Liturgia

Os olhos jogam na eucaristia litúrgica – como na vida – um papel importante. Há

muitos momentos e elementos da liturgia em que entra em jogo a “pedagogia

visual”: as imagens, a luz dos círios e lâmpadas, os gestos expressivos das

mãos, as vestes e cores…

Mas o próprio ato de olhar, de dirigir os olhos até um lugar, a uma pessoa ou a

uma coisa, pode ter um significado e uma força comunicativa que traz

profundidade à nossa celebração cristã. Todos recordamos o sentido que para

uma israelita tinha o orar, olhando para Jerusalém, ou para um muçulmano

fazendo-o, dirigindo o olhar apara Meca, ou inclusive para os cristãos cujas

Igrejas estiveram “orientadas”, ou seja, situadas de modo que pudessem orar,

olhando o oriente, o lugar simbólico do Sol verdadeiro, Jesus Cristo.

A última reforma terá favorecido a visibilidade em toda a celebração, sobretudo

com o altar de frente para o povo e a disposição do ambão e a sede

presidencial. Mas todavia ainda havia que se fazer muita coisa para que a

comunicação visual chegasse a funcionar como convém.

E também na celebração – como na vida social – a vista ajuda em grande

medida a captar a dinâmica do mistério celebrado e a sintonizar com Ele. Mais

do que com as palavras ou os cânticos, damo-nos conta, por meio dos olhos do

que celebramos: vemos a comunidade reunida, o altar, as pessoas dos

ministérios, os gestos simbólicos, o ambão com o seu livro, as imagens…

O “olhar de fé” é ajudado e sustentado pelo olhar humano: dirigir os olhos para

o altar, para o pão e o vinho, ou para aquele que está proclamado na Palavra de

Deus, põe-nos numa situação de aproximação e atenção.

Page 80: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Depois de um evidente avanço no terreno do acústico, não podemos descuidar

a melhoria da óptica na nossa eucaristia: gestos bem realizados, sinais

abundantes e não mínimos, movimentos harmoniosos, espaços bem

distribuídos, beleza estética no conjunto, e sobretudo uma boa iluminação. Uma

boa iluminação do espaço – à volta da Palavra, primeiro e depois do altar –

“aproxima” mais os fiéis à celebração do que chegar o altar junto da

assembleia uns quantos metros.

O olho também celebra. Não só o ouvido ou a língua.

O que celebramos é sempre um mistério sagrado: Deus que nos dirige a sua

Palavra, Cristo que nos faz a doação do seu Corpo e seu Sangue… mas os sinais

com os que os fazemos não têm que ser ocultos ou misteriosos, ou prescindir

da sua expressividade também visual. A comunicação não verbal tem uma

eficácia imprescindível no conjunto da nossa oração cristã. Ainda mais neste

sinal que estamos a ser educados pela cultura ambiente faz uma valorização

decisiva do visual e da imagem.

O olhar, o poder ver o que sucede no altar, não é perda do sentido do mistério,

mas uma ajuda pedagógica elementar. Olhamos o leitor que proclama as

leituras, o pão e o vinho que o presidente nos mostra nos vários momentos, a

cruz que preside o espaço, as diversas ações que têm lugar na celebração, ao

irmão a quem damos a paz.

Há momentos em que é bom fechar os olhos e concentrarmo-nos em nós

mesmos: os momentos de oração pessoal ou de silêncio na liturgia.

Mas muitos outros momentos, o facto de olhar pode ser uma das melhores

maneiras de expressar a nossa “conversão”, a nossa atenção à Palavra que

ouvimos ou à ação litúrgica que entre todos celebramos.

Claro que também nisto, há que fugir de alguns perigos que se demonstram

reais:

- A liturgia não é só um espetáculo no qual os presentes se contentam com ver,

ou com olhar o que os outros fazem: a comunidade também reza, canta,

escuta, é convidada a mover-se, a receber o alimento eucarístico; o facto de

Page 81: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

cuidar o visual significa simplesmente que a celebração no seu conjunto não

nos é alheia, que não estamos recolhidos à nossa interioridade, que estamos

próximos de tudo o que se faz;

- O simples olhar poder ser superficial; é evidente que a intenção é o de chegar

a aprofundar, a sintonizar desde dentro com o que se celebra; às vezes

podemos ter os olhos abertos e não vermos ou olharmos; o olharmos bem e não

chegarmos a ver as coisas no seu sentido profundo; é a visão interior de fé a

que é olhada dos olhos corporais quer favorecer; a visão interior,

contemplativa, que se converte em autentica experiência vital;

- Um momento histórico em que o facto de ver ou olhar adquiriu excessivo

protagonismo foi na Idade Média, a partir do século XIII, quando se potenciou na

Eucaristia mais o adorar que o celebrar, mais o ver que o comungar; primeiro

começou a fazer-se a “elevação” do pão consagrado, para que os fiéis o vissem

melhor – o sacerdote estava de costas – e depois também se elevou o cálice;

junto a isso se desenrolou uma espiritualidade centrada na visão da Eucaristia

mais do que na participação sacramental nela: uma espécie de “comunhão

visual” algo relacionada com a “comunhão espiritual” que também nós

conhecemos; mas agora, conseguido pela igreja o equilíbrio entre as diversas

dimensões da celebração, o perigo não é precisamente o de se ficar pela visão,

mas o de descuidar a linguagem da corporalidade total, pela primazia às vezes

excessiva concedida à comunicação verbal.

4.4.1.4. O olhar na Catequese: Educar para a arte e a estética19

“A graça própria da arte é manifestar, fazer aparecer o mundo tal como não o

sabemos ver ou ouvir. Dizemos que é necessário ir além da aparência para

encontrar o sentido das coisas. A arte prova o contrário. (...) Onde banalizamos

a aparência e reduzimos as coisas a uma superfície pobre, o artista torna-as

magnificas e revela-lhes a sua essência”, disse Régine du Charlat.

Educar para a arte e a estética torna o ser sensível, predispõe ao louvor e à

felicidade, abre os sentidos aos gestos de olhar o criado e de criar.

E quando a arte balbucia a Palavra, a obra de arte torna-se, especialmente,

provocação à interioridade. A liturgia, e algumas catequeses experimentam a

19 Cf. Revista Mensagem 51/388 (Nov-Dez 2007), 10

Page 82: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

arte como uma revelação da intimidade entre o humano e o divino, nelas se

encontram luz, flores, pinturas, esculturas, poesia e musica...

4.4.1.5. Rezar com as Imagens 20

Santa Teresa recomenda o uso de imagens: «Trazer as imagens do Senhor... e

falar muitas vezes com Ele». Para qualquer lugar para onde «voltarmos o olhar,

queria vê-la» (a imagem de Jesus Cristo).

As imagens são despertadores para cada um se projetar, pessoal e

amorosamente, na Pessoa do Amigo que está sempre connosco, «desejoso de

comunicar-Se e fazer muito por nós».

Porque não passam de despertadores do amor que se dirige a Deus, aos Seus

mistérios ou aos Seus santos, as imagens recebem um culto apenas relativo.

Porém, que tipo de relação sacral é que elas suscitam e alimentam? Como orar

com elas?

Existe um primeiro plano: o do ensinamento. As imagens condensam um aspeto

do mistério e transmitem-no nos seus sinais; aludem, por exemplo, à Paixão ou

ao Natal de Jesus, à Anunciação a Maria ou ao nascer da Igreja no Pentecostes.

Este aspeto do ensinamento é importante, e desempenha um grande objetivo

de certas imagens do gótico ou dos retábulos do barroco.

Para além do ensinamento, está a emoção. Mais do que transmissora de uma

verdade, a imagem transmite uma vivência, ao falar-nos do mistério na

linguagem das cores, das formas e dos contrastes.

Uma anunciação de Fra Angélico, uma crucifixão de El Greco, uma Imaculada

de Murillo acendem a devoção do crente, com mais força do que centos de

palavras de orações repetidas.

Por vezes, o mundo das imagens sagradas é um daqueles em que se manifesta

um mau gosto popularucho da piedade cristã; porém, para que uma imagem

religiosa cumpra a sua missão, também não basta o aspeto artístico formal;

requer-se unção religiosa; só assim ajuda a orar.

20 Seguimos aqui, de perto, a proposta de A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1989,78-81

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206

Finalmente, as imagens podem conduzir à contemplação: são numerosos os

casos de pessoas que, diante de um quadro religioso, diante de um Crucifixo ou

de um Senhor ressuscitado, ultrapassaram o campo das palavras deste mundo,

penetrando no diálogo suprarracional com o mistério. Isto acontece de algum

modo com todos os crentes que aprenderam a orar diante de retábulo

misterioso de uma determinada igreja, os que aprenderam a beijar a sua

própria cruz ao beijarem o CrucifIcado.

Esta contemplação profunda, de que aqui se trata, não é um trabalho feito de

reflexões e discursos mentais, mas um processo que vai conduzindo à

profundidade, à medida que se vai chegando a uma união com o objeto

contemplado. Se tivéssemos de chamar «meditação» a este processo, teríamos

de dizer que não se trata de uma meditação como vulgarmente se entende:

análise de conceitos e de ideias acerca de Deus, como o estudo feito pelo

botânico a respeito de uma flor, que ele toma, divide, designa, analisa até ao

pormenor. Esta oração com recurso à imagem é intuitiva (não analítica);

consiste numa aplicação do espírito ao objeto, de forma e penetrá-lo e a deixar-

se penetrar por ele; o orante diante da imagem, tal como o poeta diante da flor,

vive sentindo-se seduzido, tomado por Deus. Não se coloca a discernir sobre a

imagem por partes, mas deixa-se tomar por uma global idade passiva que o

levará a exclamar: «Meu Deus, como Vós sois grande!» (SI 104, 1); «Bendiga a

minha alma ao Senhor» (SI 103, 1); «Como admirável é o Vosso nome em toda

a Terra» (SI 8, 10); «Meu Senhor e meu Deus» (1020,28); «Pai Santo, nós Vos

glorificamos porque sois grande e tudo criaste com sabedoria e amor» (IV

Anáfora).

Por isso, duas condições exige esta forma de orar com recurso a imagens:

1 - Aprender a concentrar-se, isto é, reunir todas as forças no objeto

determinado. O espírito deixa de «borboletear» de uma coisa para outra; as

distrações vêm, inevitavelmente; mas deixam-se vir e ir sem resistências nem

oposições. O espírito fica em repouso, atento à oração, enquanto a mente anda

distraída. A parte atenta «vê» as distrações, mas não as «olha». Apenas se

aconselha paciência para regressar à imagem, tantas vezes quantas se tomar

necessário.

Page 84: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

2 - Aprender a olhar e a fazer silêncio. Muito frequentemente, quando uma

pessoa se concentra sobre uma imagem religiosa, um olhar, uma flor,

interiormente fica-se cheio de pensamentos e palavras. O que então acontece é

que não se olha a imagem ou a flor, mas as ideias e palavras que se encontram

em relação com uma ou outra. É o que acontece com o teólogo: de facto, ele

não olha Deus, mas as ideias que tem a respeito de Deus. Olhar a imagem,

olhar a flor e olhar Deus são apreensões globais, intuitivas; olhar as ideias que

se têm a respeito da imagem, da flor e de Deus são gestos particularizantes,

analíticos. Aqueles são como gestos do adorador; estes são gestos como do

cientista.

Por isso, e para que as imagens sejam recursos para orar contemplativamente,

é necessário evitar a verbalização interior, para entrar no contacto direto e

fazer a experiência do objeto sem se distrair com o pensamento.

Olhar, como se se descobrisse pela primeira vez, calando tudo quanto poderia

interpor-se entre o orante e a própria imagem. A pouco e pouco, entre o orante

e a imagem deixa de haver seja o que for; faz-se então a experiência inteira e

plena da imagem. Não se diz nada; apenas se olha até ficar fundido com aquilo

que se olha. Olhar assim constitui um verdadeiro estilo de vida, que pode

modificar a relação com as coisas, com as pessoas e com os acontecimentos.

Normalmente, vive-se detrás de um biombo, porque se passa o tempo a

comparar, a julgar, a recordar, a interpretar, a deduzir; e, com isso, não se faz a

vivência de grande coisa.

Imagens interiores

Porém, S. João da Cruz mostra-se bastante mais exigente com os

«aproveitados» relativamente à oração com a mediação de imagens, mesmo de

imagens simplesmente interiores, quando aconselha a que se fique «naquela

quietação e advertência amorosa em Deus».

A atenção fixa-se apenas em Deus, suprimindo todas as mediações, sem ruído

interior, sem agitações de desejos. O que anteriormente fora ajuda, agora

toma-se obstáculo a ultrapassar. É o que se passa com a meditação.

A meditação discursiva situa-se no mundo de lembranças, ideias anteriores,

imagens, pensamentos; ao invés, esta oração intuitiva procura eliminar todas

Page 85: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

as barreiras que se interponham entre o orante e Deus. Trata-se de uma

importante diferença de «método», uma vez que as ideias e pensamentos a

respeito de Deus não conseguem unir -nos a Deus. Ainda ensina S. João da

Cruz: «é necessário, para receber esta divina luz mais simples e

abundantemente, que não queira interpor outras luzes mais palpáveis de outras

luzes, formas, notícias ou figuras de discurso algum; porque nada daquilo é

semelhante àquela serena e límpida luz». Como diz a esposa do Cântico

Espiritual:

Ah! Quem poderá sarar-me?!

Acaba de entregar-te sem rodeios;

Não queiras enviar-me

mensageiro entremeio,

que não sabe dizer-me o que eu anseio.

E todos quantos vagam

de Ti me vão mil graças relatando;

mas todos mais me chagam,

e mais me vai matando

um não sei quê que ficam balbuciando.

O esposo deve ser olhado desta maneira, sem distorções das ideias próprias, de

sentimentos, vivências anteriores, preconceitos. É necessário calar o mundo

interior, que impeça de entrar em contacto com Aquele que se olha. A

renovação passa por este silêncio do olhar, em desnudamento e pobreza de

espírito.

4.4.1.6. Rezar com os ícones21

4.4.1.6.1. Os ícones

21 PE. AMARO GONÇALO, Rezar com os ícones, in Mensagem, 48/368 (Jul-Agos

2004), 91-94; cf. Ainda JESÚS CASTELLANO, Oracion ante los iconos [Dossiers CPL

56] Barcelona, 1999; JIM FOREST, Orar con los iconos, Ed. Sal Terrae, Bilbao 2002;

JOÃO PAULO II, Carta Duodecimum Saeculum; TONY CASTLE, Pórtico de la Trinidad.

Meditaciones sobre el icone de Rublev, Ediciones Paulinas, Madrid 1989.

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206

A palavra “ícone” vem do grego e significa “imagem”. Pode aplicar-se a

uma estátua, a uma representação, a um mosaico, a um desenho raspado nas

paredes de uma catacumba. No decurso dos séculos a palavra começou a

designar mais concretamente representações pintadas em madeira, gesso, etc.

que representam um acontecimento histórico da Escritura ou um personagem

santo. Mas aquilo que nós designamos por “imagem” e aquilo que um ortodoxo

oriental quer dizer com “ícone” é bem diferente. Há regras estritas para a

pintura dos ícones. Eles devem ser uma espécie de janela para o divino.

A Igreja ortodoxa ensina que Deus se revela não só por palavras (o que a Igreja

Ocidental enfatizou) mas também por imagens. A Revelação de Deus não é só

para o ouvido humano mas também para o olho. Cristo não é só “a palavra de

Deus” (Jo.1,1), mas também “a imagem do Deus invisível” (Col.1,15; Jo.1,18;

Heb.1,3). Por esta razão percebemos por que é que São Basílio e São João

Crisóstomo apoiaram, sem reservas, o uso e a veneração dos ícones. “Tudo o

que está ali gravado com papel e tintas, nas Escrituras, está gravado no ícone

com vários pigmentos e outros materiais”, dizia São Teodoro, (759-826). É o

que é certo e sabido é que nós captamos 83% pela vista, 11% pelo ouvido e 6%

pelos restantes sentidos.

Enquanto que a Lei de Moisés proibia estritamente o uso das imagens do Deus

invisível, os cristãos desde o começo se deram conta da visibilidade de Deus

em Jesus Cristo. Ver Cristo é ver o Pai (Jo.14,9). Por isso seria aceitável ter uma

imagem de Cristo e até desejável, como meio de nos revelar Deus.

1. De acordo com a lenda o primeiro ícone foi feito quando o rei Abgar de

Osroene, em agonia por causa da lepra, enviou uma mensagem a Jesus,

suplicando-lhe que fosse visitá-lo a Edessa e o curasse. Cristo, que ia à pressa

para Jerusalém, deixou-lhe o rosto estampado num pano de linho. O ícone

permaneceu em Edessa até ao séc. X e foi levado pelos cruzados em 1204,

desaparecendo por completo. Existe uma sólida tradição na Igreja ortodoxa

segundo a qual uma imagem do Salvador dataria do tempo do próprio Cristo. O

historiador Eusébio de Cesareia diz: “Vi muitos retratos do Salvador, de Pedro e

de Paulo, que se conservam até aos nossos dias” (História da Igreja, livro VII:

ano 330).

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206

2. A história é parecida com a de Verónica, no Ocidente. Uma e outra

manifestam o desejo da tradição antiga de conservar os rasgos exatos da figura

de Cristo e o amor para com aquele rosto que é a imagem de Deus.

3. Há quem diga ser São Lucas o primeiro iconógrafo, a quem se atribui um

famoso ícone de Nossa Senhora.

4. As primeiras manifestações iconográficas da Arte no Ocidente temo-las nas

pinturas dos mártires nas catacumbas. Das paredes das catacumbas passa-se

aos baixos-relevos e sarcófagos, onde vão aparecendo as principais cenas

evangélicas; No seu livro “O significado os ícones” Leónidas Ouspensky

recorda-nos que a arte de pintar retratos era muito popular no império romano,

no tempo de Cristo.

“A tradição de fazer imagens existiu inclusive no tempo da pregação do

cristianismo pelos Apóstolos” diz o VII Concílio Ecuménico. “A silenciosa pintura

fala nas paredes e faz muito bem” comenta São Gregório de Nissa.

5. Chegarão depois os famosos mosaicos, a partir do séc. IV nas Basílicas. E o

século VI conhece grande esplendor na iconografia no ocidente e oriente.

6. Uma luta encarniçada contra as imagens, que dura quase 120 anos,

perturba, no oriente, a paz eclesial. Em 725 o imperador cesaropapista Leão III

condena o uso das imagens. A primeira afirmação oficial da Igreja sobre os

ícones teve lugar no Sínodo de 692 e quase, um século mais tarde, no II Concílio

de Niceia (787). O Concílio de Niceia II, em 787, resolve a questão iconoclasta.

Veneram-se os ícones. Mas a adoração só a Deus é devida. Assim a imagem era

considerada como umbral do divino ou como uma janela aberta para o sagrado.

O ícone recebia a sua dignidade, participando do grau de reverência devido ao

original sagrado. Os Padres Conciliares colocaram a veneração dos ícones ao

mesmo nível na veneração da Cruz e das Escrituras, como uma das formas de

revelação e conhecimento de Deus. Toda a Igreja acolheu a decisão do Concílio

mas serão as Igrejas ortodoxas aquelas que manterão e desenvolverão o uso

litúrgico das imagens, enquanto a Igreja latina punhas mais ênfase na Cruz de

Cristo. E um edito da Imperatriz Teodora sanciona o triunfo da doutrina

conciliar. O que vem a renovar o fervor pelas imagens no Oriente. Os ícones

vêm a tornar-se a grande «Summa Theologica» do Oriente.

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206

7. Com a extensão do cristianismo oriental por toda a zona dos Balcãs e na

Rússia, a partir do século IX, temos de novo uma possibilidade de ramificação

desta arte, com a criação de vários tipos e escolas da iconografia oriental.

O primeiro pintor de ícones, que se recorda, foi Santo Alípio, do séc. XI,

considerado o pai da iconografia russa. Na Rússia temos os melhores

iconógrafos no século XIV e XV: Teófanes, o Grego; Andreij Rublev, Dionísio.

8. A partir do séc. XVII a iconografia no Oriente Médio e na Rússia conhece a

decadência das imitações das formas ocidentais, com um certo complexo de

inferioridade. No Ocidente temos uma continuidade tradicional com a

iconografia oriental dos pintores italianos.

Uma boa parte dos ícones são de Maria, a mãe de Deus que, ao contrário da

maior parte das imagens da Igreja Ocidental, nunca está só. Muitas vezes o

menino que a acompanha está representado com rosto adulto. E por um gesto

ou inclinação de cabeça ou movimento dos olhos vê-se que ela o apresenta a

cada um de nós.

As pautas estabelecidas pelo Concílio sublinhavam que só se poderia

representar a Segunda pessoa da Santíssima Trindade. O Pai e o Espírito nunca

se poderiam representar diretamente. Mas no século XVII, um período pobre na

história dos ícones russos, (a época de ouro é a dos séculos XIV-XV)

apareceram trindades em que o Pai é representado por um ancião sentado no

trono, o Filho pendente de uma Cruz e o Espírito Santo, por cima dos dois ou

entre os dois. No grande Concílio de Moscovo, em 1667 a primitiva regra foi

recordada.

4.4.1.6.2. Caraterísticas do ícone

A tarefa principal do iconógrafo consiste em abrir os nossos olhos à presença

real do Reino no mundo e recordar-nos que, ainda que não vejamos nada da

sua esplêndida liturgia, se acreditarmos em Cristo Redentor, estamos de facto

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206

vivendo e adorando como concidadão dos anjos e dos santos, edificados sobre

o alicerce dos apóstolos, cuja pedra angular é Cristo.

1. É mais importante a fé do orante, do que a qualidade do ícone.

2. O ícone, como a palavra escrita, é um instrumento de transmissão da fé, da

Tradição e da fé cristãs; através da imaginária sagrada, o Espírito Santo

transmite-nos verdades que podem não resultar evidentes para quem usa

apenas as ferramentas da razão.

3. Os ícones são uma ajuda para o culto. Eles destinam-se a fazer-nos entrar

na esfera da oração. O ícone é a última flecha que o eros humano lança no

coração do mistério;

4. O ícone tem uma caráter hierático. Interessa-se apenas pelo sagrado. O

ícone em teologia escrita em imagens e cor. As personagens do ícone tem

uma majestade hierática. São como uma terceira beleza, intermédia entre a

fotografia e a linguagem abstrata. Oferecem sempre o rosto sem perfis. A

carne nunca tem cor natural. O centro da representação é sempre o rosto:

«O centro da representação é sempre o rosto; é o lugar da presença do Espírito

de Deus, porque a cabeça é a sede da inteligência e da sabedoria. O rosto

constrói-se à volta de três círculos: o primeiro, normalmente dourado, contém a

auréola, símbolo da glória de Deus; o segundo, compreende a cabeça e nela

aparece a fronte, como sede da sabedoria, muito alta e convexa, de forma que

apareça a força do Espírito; o terceiro círculo compreende a parte sensual do

rosto e exprime a natureza humana de que o personagem se revestiu durante a

sua vida. Os olhos, cujo olhar se irradia, para o espectador e contém

concentrada toda a atenção, são grandes, fixos e severos. Narinas delgadas,

vibrantes sob o movimento do sopro do Espírito, e manifestam o amor

apaixonado de Deus. A boca é diminuta, desenhada com uma forma geométrica

e está sempre fechada no silêncio da contemplação».

5. O ícone é uma obra da tradição. O ícone não é apenas fruto da meditação

pessoal do iconógrafo, mas também de toda uma geração de crentes que

nos fazem chegar até às testemunhas da Ressurreição.

6. O ícone não tem a pretensão de forçar uma resposta emocional;

7. Os ícones evitam excessiva familiaridade com o divino.

8. O ícone é silencioso. Mas o silêncio não está vazio.

9. Os ícones evitam as técnicas artísticas destinadas a criar uma ilusão de

espaço tridimensional. A luz do ícone nunca se explica por uma única fonte

Page 90: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

de luz; a luz é tão interior à imagem como exterior a ela e ilumina a quem se

põe diante do ícone.

10.A imagem reduz-se a um mínimo de detalhes. As linhas convergem para a

pessoa em oração diante do ícone;

11.A realidade espiritual é representada através de símbolos.

12.Um ícone não se assina. Não se destina à promoção do artista. O iconógrafo

submete-se humildemente à autoridade da Igreja para realizar a sua

atividade teológica não verbal.

13.O ícone é um ato testemunhal. O primeiro ícone a pintar é o do rosto de

Cristo e os monges o da transfiguração.

14.O ícone é uma revelação da transfiguração. Fomos criados à imagem e

semelhança de Deus. O ícone é um testemunho da theosis, a deificação.

15.Para que possa ser venerado pelos fiéis, a imagem deve ser: verdadeira (os

rasgos devem corresponder exatamente à palavra que a ilumina e que a

própria imagem visibiliza) milagrosa (faz ver as maravilhas de Deus e deve

produzir abundantes frutos de graça) e a-cherópita, não feita pelas mãos do

homem, inspirada por Deus, através da mediação da Palavra e da tradição

da Igreja.

4.4.1.6.3. Normas do pintor de ícones

1. Antes de começar, fazer o sinal da cruz e perdoar aos inimigos;

2. Cuidar dos pormenores do ícone como se estivesse, de facto, diante do rosto

de Cristo.

3. Rezar enquanto trabalha evitando palavras inúteis;

4. Concentrar-se no rosto do santo, evitando distrações;

5. Para escolher a cor, estender a mão ao Senhor:

- azul: céu, mistério, vida mística; vestes de Maria;

- verde: vegetação terrestre, vida, fertilidade, juventude, frescura. Vestes dos

mártires cujo sangue alimenta a Igreja;

- castanho: terra, matéria inerte. Vida santa e de pobreza…

- Vermelho: sangue, vitalidade, beleza, fogo, purificação espiritual;

- púrpura: riqueza e poder

Page 91: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

- Branco: mundo divino, inocência, luz incriada,

- Negro: as trevas, das quais Cristo emerge.

- Dourado: santidade, esplendor, imperecibilidade, energia divina, glória de

Deus…

6. Não estar cioso da obra do próximo;

7. Terminado o ícone, agradecer a Deus a graça de pintar as sagradas

imagens;

8. Pedir para benzer o ícone antes dele ir para o altar. O primeiro a rezar

diante dele deve ser o iconógrafo.

9. Não esquecer a alegria de espalhar a beleza dos ícones por todo o mundo.

4.4.1.6.4. Valores da Oração, a partir dos ícones:

- Ajuda-nos a rezar, a descobrir o rosto de Deus, a deixarmo-nos transformar

pela sua glória, de modo a fazer resplandecer também em nós a beleza desse

rosto.

- A contemplação do rosto de Deus leva-nos a descobrir esse rosto no rosto do

irmão.

- Ajuda-nos a recuperar o mistério do rosto da pessoa, assim como a relação

simples e profunda do olhar;

- Favorece a quietude contemplativa e a sinceridade do encontro interpessoal,

nesse cara-a-cara que exige verdade na relação com Deus.

- Estimula a capacidade de preencher o silêncio com uma presença e a

concentrar nossa dispersão psicológica e espiritual, com ajuda da imagem.

Page 92: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

4.4.1.6.5. Exercício prático de oração com um ícone: O ícone de Rublev

1. Um ícone, uma vela, uma mesa, com toalha branca

2. Fundo musical

3. Cântico Inicial

4. Invocação do Espírito Santo…

5. Leitura bíblica: Gén.18,1-9

6. Meditação iconográfica – a partir dos pormenores do ícone

7. Oração pessoal e contemplativa

8. Invocações ou exclamações esporádicas e livres ou inspiradas na Escritura -

Jo.3,16; Jo.17,21; Rom.5,5…

9. Pai Nosso

10.Cântico apropriado

«Cada um tem as mãos vazias; vazias para que fiquem abertas. Abertas para

receber a taça da mão do outro, abertas para a oferecer ao outro. Abertas para

acolher e recolher. No abraço do outro, cada um se oferece totalmente

desarmado, deixando-se ferir pelo amor do outro. Para cada um deles,

conhecer-se é ser só um olhar sobre o outro, amar-se é ser só o gozo do outro;

existir é ser só Amor para o outro, ser é aderir ao que é o outro. Cada um é

Deus sendo todo para o outro, negando-se para que o outro seja ele mesmo.

O Pai não recebe nada de ninguém. Mas dá tudo o que é, exceto o ser Pai.

Assim é Pai, enquanto se dá ao Filho;

O Filho recebe tudo do Pai, mas Ele restitui-lhe tudo, exceto o ser Filho. Assim é

Filho só enquanto recebe do Pai;

O Espírito Santo. Não há nada nele que não seja acolhimento do que é o Filho

para o Pai. Nada há nele que não se dê.

Juntos formam um imenso cálice. Oferecem-se um ao outro, com um só olhar»

(Daniel Ange)

4.4.1.6.6. Exercício prático: Uma experiência de oração, com o olhar

• «Deus viu tudo o que tinha feito e era muito bom» (Gn 1, 31). Dá um passeio

contemplativo por um dos teus percursos habituais ou pelo campo, fazendo

Page 93: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

como que uma pesquisa à procura da bondade e da beleza ocultas em tudo o

que existe. Observa atentamente as pessoas, as coisas, a natureza e repete

interiormente: «Deus viu que tudo era bom». Confia mais no olhar de Deus do

que no teu, deixa que ele eduque os teus olhos e os torne crentes.

• Lê em Mc 10, 46-52 o relato da cura do cego Bartimeu como se o ouvisses

pela primeira vez. Para em cada momento da cena, tenta imaginá-la, vê-la

interiormente. Senta-te como aquele cego sentado na borda do caminho. Ouve

o murmúrio das pessoas, pressente a proximidade de Jesus, grita-lhe do fundo

do teu coração: «Tem piedade de mim!». Deixa que todo o teu ser se ponha a

clamar: «Senhor, que eu veja!» Sente as mãos de Jesus tocar nos teus olhos;

deixa-te curar pela força dessas mãos que podem inundar-te de luz. Permanece

uns momentos num silêncio cheio de agradecimento.

• Toma o evangelho de Marcos 6, 34. Jesus desceu da barca e, ao ver a

multidão, encheu-se de compaixão porque eram como ovelhas sem pastor.

Mistura-te àquela gente, tenta sentir-te envolvido pelo olhar de Jesus, cheio de

ternura e de acolhimento. Não te censura, nada te aponta de negativo, nem te

exige que faças isto ou aquilo. Somente olha para ti e te aceita tal como és.

Respira fundo e deixa-te invadir por esse acolhimento incondicional.

• Ao sair de casa, para um instante e pede aos teus olhos que se deixem

contagiar pela forma de olhar de Jesus. Depois, na rua ou no teu meio de

transporte habitual, procura olhar para toda a gente como Jesus o faria.

Observa cada rosto, procurando adivinhar o que se esconde por detrás dessas

expressões de cansaço, de indiferença, de preocupação, de serenidade... Deixa

brotar em ti a compaixão, a proximidade, a súplica de Jesus por eles.

• No domingo, procura «estrear» a Eucaristia, olha-a com novos olhos, limpos

de rotina e de monotonia. Chega uns minutos antes e observa a chegada das

pessoas: olha para elas e dá-lhes interiormente as boas-vindas. Descobre o

interior do templo: a mesa do altar que te convida, a luz acesa que nos lembra

a presença viva do Ressuscitado, o pão e o vinho, memória da sua vida

entregue e do seu sangue derramado. Presta atenção aos sinais e aos gestos

que fazemos durante a celebração, não os faças de forma mecânica, mas deixa-

os surgir do fundo do teu ser...

Page 94: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

E o que fores vendo e aprendendo a olhar, o que for entrando na tua

experiência de crente e de orante, talvez te ajude a escrevê-lo dentro em breve

num «caderno de oração» que irá sendo uma testemunha secreta da história da

tua amizade com Deus.

SÁBADO, 11H00-12H30

4.4.2. Aprendemos a orar na escuta: saber ouvir

A arte de escutar22

A dada altura passamos a aceitar o invisível em nós e nos outros. Isto é, damos

por nós a aceitar serenamente que a vida tem camadas geológicas como a

terra, que a vida se expande por tempos de formação ocultos à superfície, e

que em todas as existências há uma crosta terrestre e metros e metros de

filamentos, mergulhados em silêncio. Ao contrário dos juízos apressadamente

rasos, nos quais todos caímos, é preciso dizer que somos inacessíveis. E que os

instrumentos que temos para chegar ao coração uns dos outros são

inquietantemente limitados. Basta reconhecer como o nosso olhar, este olhar

que tão a miúdo absolutizamos, está prisioneiro do presente: aquilo que o olhar

anota é sempre e só o presente histórico nas suas configurações.

Enquanto que no interior de cada um, o passado e o futuro têm uma força

insuspeitável, um impacto a perder de vista.

Por isso, se nos perguntam, «a vida pertence mais ao domínio do visível ou do

audível?», parece-me mais sensato optar pelo segundo.

Na verdade, enquanto que o silêncio de uma vida nem sempre se consegue

detetar com os olhos, a invisibilidade da vida pode sempre ser escutada. A

escuta talvez seja o sentido de verificação mais adequado para acolher a

complexidade que uma vida é. Contudo, nós escutamo-nos tão pouco e, dentre

as competências que desenvolvemos, raramente está a arte de escutar.

Na regra de São Bento há uma expressão essencial se queremos perceber

como se ativa uma escuta autêntica: «abre o ouvido do teu coração». Quer

dizer: a escuta não se faz apenas com o ouvido exterior, mas com o sentido do

22 JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, In Diário de Notícias da Madeira, 06.03.11

Page 95: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

coração. A escuta não é apenas a recolha do discurso verbal. Antes de tudo é

atitude, é inclinar-se para o outro, é confiar-lhe a nossa atenção, é

disponibilidade para acolher o dito e o não dito, o entusiasmo da história ou a

sua dor mais ou menos ciciada, o sentimento de plenitude ou de frustração. E

fazer isto sem paternalismos e sem cair na tentação de se substituir ao outro.

Ouvir é oferecer um ombro, onde o outro possa colocar a mão, para

rapidamente se levantar. Ouvir é colaborar amigavelmente num processo de

discernimento cuja palavra derradeira cabe sempre à liberdade do próprio.

Mas podermos ser escutados, até ao fundo e até ao fim, abre, só por si,

horizontes mais amplos do que aqueles que sozinhos conseguiríamos avistar e

relança-nos no caminho da confiança.

Um dos textos mais impressionantes sobre o valor da escuta é o conto

“Tristeza” de Tchékov. Conta a história de um cocheiro, Iona, que perdeu um

filho e não encontra, entre os humanos, ninguém disponível para o amparar.

«Precisa contar como o filho adoeceu, como padeceu, o que disse antes de

morrer e como morreu... Precisa descrever o enterro e a ida ao hospital, para

buscar a roupa do defunto. Na aldeia, ficou a filha Aníssia... Precisa falar sobre

ela também...», mas ninguém o ouve. O cocheiro volta-se então para o seu

cavalo e enquanto lhe dá aveia começa a expor-lhe, num longo e dorido

monólogo, tudo o que viveu. E as últimas palavras do conto são estas:

«O cavalo foi mastigando, enquanto parecia escutar, pois soprava na mão do

seu dono... Então Iona, o cocheiro, animou-se e contou-lhe tudo».

4.4.2.1. Ouvir Deus

• Um velho livro de Israel (1 Re 19. 8-15) conta-nos, num texto cheio de poesia,

como Javé quis jogar às escondidas com um dos profetas. É uma narração

surpreendente: chega Elias, um apaixonado defensor dos direitos divinos, ao

seu encontro com Deus no monte Horeb. Talvez espere ser confirmado no seu

ardente zelo profético, mas o que Deus quer é ensinar-lhe algo que Elias ainda

não tinha aprendido.

E vai ensinar-lhe com um jogo que atualmente chamaríamos «didático», uma

brincadeira que já todos os pais e apaixonados do mundo fizeram pelo menos

uma vez: um jogo em que entram a procura e o ocultamento, a satisfação pelo

encontro que se atrasa. a atenção, a surpresa ... Deus «engana» Elias e finge

aparecer no vento, na tempestade, no fogo, Elias, como uma sentinela a quem

Page 96: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

fosse dado o alerta, vai apurando o ouvido, vai aprendendo a distinguir o eco da

voz de Deus. E reconhece-o no ciciar de brisa leve, no sussurro de uma

confidência.

Quem ganhou o jogo? Talvez Deus, porque conseguiu ensinar Elias a

familiarizar-se com a sua voz. Talvez Elias, que confiou numa Palavra que o

impeliu de novo a arriscar a vida...

• Também nós jogamos a vida na escuta da oração. Somos filhos de um Povo,

em cuja língua não há o verbo «obedecer», mas apenas «escutar, porque sabe

que quem verdadeiramente escuta, depois responde filialmente.

O nosso Deus não é hermético, longínquo, silencioso... «Deus é Amor», diz S.

João, e o amor é comunicação, diálogo, palavra íntima que nos foi dita em

Jesus.

• Por isso temos de aprender a linguagem de Deus, temos de caminhar com a

atenção vigilante de quem sabe que ele fala na Escritura e na liturgia, no jornal

e no irmão, no movimento da cidade e no segredo do nosso coração.

Orar é pormo-nos à escuta, como Maria em Betânia, sentada sossegadamente

aos pés de Jesus, com a satisfação alegre de sabermos que estamos a viver

uma bem-aventurança: «Felizes os que escutam a Palavra de Deus» (Lc 8, 21).

Com a tarefa de, a seguir, «fazer o que ele nos disser» (Jo 2, 5).

4.4.2.2. Educar a ver e a ouvir em catequese23

«Pela sua interioridade o homem ultrapassa o universo das coisas e é à

profundidade que volta quando regressa a ele mesmo, onde o espera esse Deus

que perscruta os corações.»24

Olhar e ouvir “com o coração” é sinal de interioridade, capacidade de ver além

das aparências a realidade das coisas. O Evangelho transcreve palavras

estranhas e duras: “Tendes olhos e não vedes, ouvidos e não ouvis” (Mc 8,18).

Afirmação que nos faz estremecer. Será que vemos e ouvimos?

23 Cf. SDECIA, Revista Mensagem 51/388 (Nov-Dez 2007), 1024 GS14

Page 97: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Estamos a caminho do ver e do ouvir, essas capacidades oferecidas a quem se

abre ao Espírito e descobre com Ele o olhar de Deus e os seus projetos.

Convidar a ver e a ouvir em catequese é um desafio a:

- oferecer a Palavra como uma Boa Notícia! A catequese é um “eco da

Palavra”!

- propor testemunhos de quem viveu com os olhos abertos;

- criar momentos em que se olhe a vida a partir dos olhos de Jesus: “Que diria

Jesus nesta situação? Que faria? Como Fez no seu tempo?

OUVIR E VER25

1. «A primeira vez que levei o meu filho mais novo, Danny, a ver gansos e

pombas no parque vizinho, ele correu para fora do carro, e gritou: “Papá, olha,

olha!” Eu tinha necessidade daquela lição. Nunca tinha parado a contemplar a

maravilha daquelas cores e daqueles voos… Como pessoas tragicamente

deprimidas, já não somos sequer capazes de nos debruçarmos à janela para ver

o que se passa lá fora. “Olha, olha!”, dizem-nos insistentemente Danny e as

Escrituras». Isto conta Daniel Marguerat no seu belo livro O coração ético da

tradição hebraico-cristã, Assis, Cittadella, 1998.

 

2. História com história. «Esta é a história de (Aarão e) Moisés no dia em que

falou YHWH a Moisés no monte Sinai» (Números 3,1).

 

«3,1Moisés estava a apascentar o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de

Madiã. Conduziu o rebanho para além do deserto, e chegou à montanha de

Deus, ao Horeb. 2O anjo de YHWH apareceu-lhe numa chama de fogo, do meio

da sarça. Ele olhou e viu, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não era

devorada. 3Moisés disse: “Vou DESVIAR-ME DO CAMINHO para ver esta visão

grande: POR QUE RAZÃO não arde a sarça?” 4YHWH viu que ele se DESVIAVA

DO CAMINHO para ver; e Deus chamou-o do meio da sarça, e disse: “Moisés!

Moisés!” Ele disse: “Eis-me aqui!”» (Êxodo 3,1-4).

 

A história de Moisés é uma história como as outras, e não é uma história como

as outras. Conduzindo o rebanho, VIU uma VISÃO grande, e, com o intuito de

25 ANTÓNIO COUTO, in http://mesadepalavras.wordpress.com/

Page 98: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

VER mais e melhor, saiu do seu caminho, deixou o seu rebanho. Com uns

grandes olhos desejosos de VER e habitado por um grande PORQUÊ, Moisés

aparece como uma criança à medida do Evangelho (Marcos 10,13-16). Ouviu

uma voz que o chamava, e respondeu de pronto: «Eis-me aqui!» A história de

Moisés não começa quando nasce, não descreve os seus projetos, não elenca

os seus sucessos. A história de Moisés é a história de uma VISÃO que o provoca

e da PALAVRA de Deus que o convoca, e que ele ousa VER e a que ousa

RESPONDER.

 

3. O Deus bíblico manifesta-se sempre atento e compassivo para com o seu

povo e comprometido na libertação de todas as escravidões. É quanto se pode

ver neste texto paradigmático do Livro do Êxodo:

 

«3,7YHWH disse: “Eu bem VI a opressão do meu povo que está no Egito, e OUVI

o seu grito diante dos seus opressores; CONHEÇO, na verdade, os seus

sofrimentos. 8DESCI a fim de o libertar da mão dos egípcios e de o fazer subir

desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e

mel…” 10E agora VAI; Eu te envio ao Faraó, e FAZ SAIR do Egito o meu povo, os

filhos de Israel» (Êxodo 3,7-8.10).

 

O Deus bíblico revela aqui a sua identidade, não afirmando-se e defendendo-se

à volta do seu «eu», do seu «céu», resguardando-se dentro das portas douradas

da sua eternidade, mas DESCENDO até à alteridade do outro, de quem «VÊ a

opressão», «OUVE o grito», «CONHECE os sofrimentos», tem em vista uma

solução ou resposta. Face ao grito de Israel, qual será a resposta de Deus? A

resposta de Deus não será alguma coisa, porque Deus nunca responde alguma

coisa. Deus responde sempre ALGUÉM! Será MOISÉS. Quando o seu povo grita,

Deus responde sempre da mesma maneira. Responde com MOISÉS, com os

PROFETAS, e, finalmente, com JESUS CRISTO.

 

4. Mas também hoje, quando o seu povo grita, Deus continua a responder da

mesma maneira, chamando os discípulos de Jesus Cristo e toda a sua Igreja

para socorrer e libertar os seus filhos. É neste «ponto de vida» que se situam

também os cristãos e os missionários que devem sempre, como Moisés, saber

desviar-se do seu caminho, para VER, OUVIR e RESPONDER melhor à Palavra

que os convoca e os provoca. Os cristãos e os missionários entraram num

desafio assim há muitos anos. Muitos deram a vida por se terem desviado do

Page 99: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

caminho para VER, OUVIR e RESPONDER melhor. Que o Senhor da messe nos

mantenha atentos, compassivos, comprometidos e fiéis.

 

5. «Olha, olha!», dizem-nos a cada passo Danny e as Escrituras.

 

Page 100: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

4.4.2.3. Exercício prático: Aprendemos a orar escutando

• Tenta um dia, desde que te levantes, entrar no “jogo» de descobrir Deus que

te fala: escuta interessadamente os outros, presta mais atenção às pequenas

coisas e acontecimentos do dia. À noite, para uns momentos e procura

identificar que «voz» de Deus reconheceste.

• Quando estiveres repousado e tranquilo, dedica uns minutos a escutar

serenamente o teu próprio corpo. Torna-te consciente daquilo que ele te diz,

nas tuas sensações de cansaço, de dor, de harmonia, de inquietação... Escuta

essas sensações, sem as afastar nem raciocinar sobre elas. Deus também

comunica contigo através do teu corpo.

• Lê em Mc 7, 31-37 a cura do surdo-mudo. Entra na cena evangélica, imagina-

te de ouvidos fechados como aquele homem. Sente as mãos de Jesus a tocar-

lhes, pede-lhe com força que tos abra, que te ensine a escutar... Ouve

interiormente a autoridade da palavra de Jesus: «Abri-vos!».

• (Para orar em grupo.) Alguém lê um salmo (por exemplo SI 23. ou SI 103. ou

SI 40...) e dá-se um tempo de silêncio para deixar que as palavras ouvidas

abram caminho em cada um dos presentes. Repeti depois, como em eco, a

frase que mais impressionou cada um e reconstituí assim o salmo com as frases

de todos. Fazei isto sem pressa, reservando espaços de silêncio para que todos

façam sua a frase do outro.

• No domingo, vive a Eucaristia escutando: os cantos, as leituras, as petições,

as orações... Guarda uma frase, uma só, a que te tiver impressionado mais.

Escreve-a no teu caderno de oração, tenta recordá-la ao longo da semana e

procura dar-lhe uma resposta.

Ouve, sobretudo o teu grupo de catequese. Procura ultrapassar o som das

palavras pronunciadas. Entra na vida que essas palavras revelam, na

história que existe em cada pessoa. Aprendendo a escutar os homens, esta-

mos a exercitar-nos para escutar Deus quando nos falar em sussurro.

4.4.3. Aprendemos a rezar com o tato: saber tocar

4.4.3.1. Deus, na realidade que tocamos

Page 101: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

• «Um espírito não tem carne nem ossos como vedes que eu tenho» (Lc 24,

39).

• «Mete a tua mão no meu lado» (Jo 20, 27).

• «As nossas mãos tocaram a Palavra da vida» (Jo 1, 1).

• Se estas frases, como muitas outras, não levassem aposto o parêntesis

tranquilizador da referência a um evangelista, escandalizariam muitos cristãos.

É que, quando encontramos na Bíblia expressões que se referem ao material,

imediatamente as aplicamos «ao espiritual». A verdade é que nos sentimos

mais tranquilos quando na igreja nos falam da alma, do espírito, do coração,

das virtudes e dos anjos do que quando ouvimos palavras relativas a realidades

que se podem «tocar»: a fome, a greve, a partilha, a prática da justiça.

• Poderíamos fazer um inquérito com apenas duas frases para delas se escolher

uma:

O cristianismo refere-se ao espiritual.

O cristianismo refere-se ao material.

Com toda a certeza, muitos cristãos escolheriam tranquilamente a primeira

opção e talvez fossem poucos os que vissem com clareza que não se pode

escolher nenhuma, mas que teriam de escrever um enorme «E») que as

tornasse inseparáveis.

• O que é que nos terá acontecido, a nós que somos os herdeiros de um povo

que vivia em contacto jubiloso e apaixonado com a matéria, porque escutava

também nela (no fogo, no pão, na rocha, no azeite, no sal, no trigo, na água...)

a Palavra do seu Deus?

Toma-se para nós ainda mais duro verificar que Jesus foi muito mais longe,

atrevendo-se a dizer, com uma audácia que a muitos pareceu escandalosa, que

a nossa Vida se decide por inteiro no material: no pão que se partilha, na água

que se dá a alguém sequioso, na roupa com que se veste o nu, no óleo e vinho

que se derrama no caminhante ferido, nos peixinhos que se oferecem e tornam

possível o milagre.

• O evangelho é um apelo urgente a uma entrada numa relação nova com o

universo material que nos rodeia e a encetar um contacto diferente com as

Page 102: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

coisas. E isso aprende-se também com a oração, uma oração que tem de

chegar às nossas mãos, doentes de posse e de pressa, e transfigurá-las. E

quando forem capazes de acariciar e de brincar, em vez de só procurarem a

utilidade das coisas; quando forem capazes de respeitar e cuidar do ritmo

misterioso da vida, então serão verdadeiramente «espirituais».

Será então que poderemos prolongar e exprimir através delas a ternura e a

solicitude do Pai por tudo o que existe.

4.4.3.2. Rezar com as mãos, na Liturgia:

As nossas mãos falam e rezam. Não resisto a desafiar-vos a ver nestas mãos de

Moisés, as mãos de Cristo que, estirado na cruz, atrai para o Pai todos os seus

filhos dispersos (Jo.11,52;12,32). Ressuscitado, junto do Pai, Ele vive e intercede

continuamente por nós (Heb.7,25). Sintomaticamente, São Lucas recorda-nos o

último gesto de Jesus, o da imposição das mãos, quando Ele se despede dos

discípulos, e sobe para o Pai (Lc.24,50). Ao longo da celebração, valeria a pena,

olhar para as nossas mãos. E pô-las a falar, a rezar, a celebrar. Por vezes, a

nossa assembleia parece “manietada”. Era preciso que usássemos bem as

mãos:

a) Para fazer bem o Sinal da Cruz, sobre a fronte dos nossos pensamentos,

sobre os lábios das nossas palavras, sobre o peito dos sentimentos. É afinal

o sinal e distintivo do ser cristão! Como que nobreza, largueza e dignidade o

deveríamos traçar!

b) Para bater no peito, no ato penitencial, como o publicano, (Lc.18,13). E com

a mão direita, apontar humildemente para o nosso mundo interior, para o

coração donde brotam todos os pecados...

c) Para as levar sem medo ao bolso e daí recolher a Oferta, sem que a mão

esquerda saiba o que fez a direita (M6.6,3)!

d) Para as entrelaçar, como quem se recolhe em oração, enquanto o

Presidente as abre para o alto, num gesto de oferta e de consagração;

e) Para as estender ao outro, e as apertar, num momento de saudação, como

quem faz em Cristo a Paz e a comunhão;

f) Para fazer delas um pequenino altar, quando me abeiro da comunhão.

É este o gesto mais sublime que as minhas mãos podem realizar numa

celebração. Na Comunhão, os fiéis podem receber o Corpo de Cristo pelas

Page 103: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

mãos. Não é um modo moderno de comungar. É uma prática muito antiga, que

a Igreja há pouco recuperou. O mais famoso testemunho é o de Cirilo de

Jerusalém, do século IV, que na sua catequese sobre a Eucaristia, nos descreve

como se devem abeirar os cristãos da Eucaristia. Não resisto a citar:

“Quando te aproximares para receber o Corpo de Cristo, não te aproximes com

as palmas das mãos estendidas, nem com os dedos separados, mas como que

fazendo da tua mão esquerda um trono para a tua direita, onde se sentará o

Rei. Com a cavidade da mão, recebe o Corpo de Cristo e diz «Àmen»...”

Trata-se de afinal de mãos que pedem, que esperam, que recebem. Não são

mãos que colhem, mas que acolhem. Deste modo, as nossas mãos definem

uma atitude de humildade, de espera, de pobreza, de disponibilidade, de

acolhimento, de confiança. São mãos de quem vai receber com alegria a

bondade de Deus e não pega com pressa, ou à pressa, com medo de que Cristo

fuja.

4.4.3.3. Exercício prático: Aprendemos a orar com as mãos

• Toma um fruto nas tuas mãos, uma laranja, por exemplo. Fecha os olhos e

sente-a: acaricia a sua superfície, tateia as suas rugosidades, aprecia a sua

aspereza ou suavidade, a sua frescura ou o seu calor. Tenta «reconhecê-la»,

dando-te conta de que é essa laranja concreta e não outra. Começa a descascá-

la lentamente, separando a sua casca com cuidado, como se não quisesses

danificá-la, exprimindo com as tuas mãos a tua admiração e respeito pelas

centenas de horas que demorou a formar-se. Sente os seus gomos, palpa-os e

abre-os sem pressa e come-os um a um saboreando-os. Ao terminar, agradece

a Deus o milagre da beleza, do sabor, do alimento que preparou para ti naquele

fruto.

• Repete o exercício anterior, desta vez com um objeto que te seja familiar, na

tua vida diária, no teu trabalho, etc. (uma esferográfica, uma caçarola, uma

agenda, um relógio...). Toma consciência de como está ao teu serviço, de que,

por essa pequena porção de matéria, podes desenvolver o teu trabalho, prestar

serviços 'aos outros, manifestar-lhes ternura... Dialoga com esse objeto, fala

dele a Deus, procura reconciliar-te com ele se o rejeitares. (Podeis fazer um

exercício em grupo).

Page 104: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

• Reparte-se por cada elemento do grupo um pedaço de barro ou de plasticina.

Alguém lê o texto de Jeremias em casa do oleiro (Jr 18, 1-7). Fazei um tempo de

silêncio, sentindo nas vossas mãos a brandura e docilidade do barro. Dizei

depois em voz alta o que viveste e o sentido deste exercício.

• Sentai-vos à roda de uma mesinha baixa sobre que se colocou um pão e um

copo de vinho. Vai-se passando o pão e cada um parte um pedacito para o que

está ao seu lado. Quando todos tiverem o seu bocado de pão na mão, cada um

observa-o, sente-o, procura simbolizar nele tudo o que na sua vida existe de

dom gratuito, tudo o que lhe veio de Deus através dos outros. Depois de um

espaço de silêncio manifesta-o em voz alta.

• Fazei depois lentamente o gesto de abrir as mãos e oferecer. Cada um diz o

que quer oferecer da sua vida aos outros neste momento. Parti depois muito

lentamente o pedaço de pão, tomando consciência do valor que tem a oferta e

a partilha, das ruturas que talvez nos sejam pedidas nesse momento.

Come-se depois um dos dois bocados anteriormente partidos e o outro

reparte-se com algum dos membros do grupo com quem se queira

estabelecer uma união mais forte ou a quem se quiser exprimir

agradecimento, perdão, etc.

Por fim, passa-se o copo de vinho e canta-se o Pai-nosso.

4. 4.4. Aprendemos a rezar com as palavras: saber dizer

4.4.4.1. Encher as palavras

• A sabedoria popular sempre suspeitou das palavras. «Palavras, leva-as o

vento»; «uma coisa é o dizer, outra o fazer»; «para bom entendedor, meia

palavra basta».

Jesus também não parece fiar-se muito nas palavras: «Não basta dizer: Senhor,

Senhor!» para entrar no reino de Deus- (Mt 7, 21); «Quando rezardes, não

digais muitas palavras» (Mt 6, 7).

Page 105: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

• No presente, entendemos isto muito facilmente por- que também nos cansam

as longas orações que aprendemos na infância e não vemos muito sentido na

recitação de «pai-nossos» e «ave-marias» seguidos e à pressa. Mas, embora o

palavreado esteja depreciado, não acontece o mesmo com a Palavra e muito

menos com o «dizer». O ser humano precisa de se exprimir, de comunicar,

dizer; e os crentes sabem que a fé põe em diálogo toda a nossa vida com o

Senhor.

• O que talvez nos tenha feito perder a confiança no dizer foi o facto de as

nossas palavras caminharem demasiadas vezes «a par» da nossa vida e terem

terminado por significar quase nada. Como quando dizemos: «Esta é a sua

casa», mas isso não quer dizer que estejamos a convidar o outro a vir instalar-

se nela, ou «gostei muito de o conhecer», que é uma fórmula que não exprime

verdadeiramente que estejamos contentes por ter encontrado alguém que nos

agrada.

• Se nos portássemos assim conscientemente, teria chegado o momento de

deixar de rezar. Mas com certeza não é este o nosso caso, porque no fundo do

nosso co- ração desejamos fazer uma vida mais coerente com as nossas

palavras. Mas precisamos de as estrear de novo, de voltar a sentir a sua

seriedade, a sua existência, deixar que queimem os nossos lábios, estar atentos

para não pronunciá-las em vão, de cumprir ao menos aquela, advertência que

nos recomendava: «Pensa, antes de falar».

E saber que temos sempre aberta a porta da oração simples do publicano, que

só repetia: «Senhor, tem compaixão de mim que sou um pecador (Lc 18, 13),

mas que soube ganhar o coração de Deus.

4.4.4.2. Educar na e para a Palavra em catequese

A etimologia da palavra «catequese» indica exatamente o fazer ressoar a

Palavra! Catequese é um espaço de ressonância que convida os que participam

nela, a escutar essa Palavra de vida e de amor, que só se deixa escutar no

segredo.

A Palavra encontra o seu lugar nas Escrituras, mas não se confunde com ela.

Podemos explicar, analisar, estudar os textos e descobrir os significados

profundos... e se o texto não me dirigir a Palavra? O Espírito dá vida, mas a

palavra pode matá-lo.

Page 106: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Sabemos que Deus fala na linguagem humana e se dirige a cada pessoa, como

uma resposta absoluta aos desejos mais íntimos de sentido. Ninguém pode

escutar Deus se ninguém lho der a escutar. Ninguém pode escutar a Palavra a

não ser pela voz de um outro.

Escutar a Palavra é entrar na comunicação de amor que Deus oferece a cada

um. Cada um, no mais profundo de si mesmo, pode escutar as escrituras como

uma Palavra atual que se dirige ao seu próprio ser. Deus só se encontra na

Palavra Viva e Encarnada e essa Palavra só é viva quando é dirigida e recebe

uma resposta, porque, neste caso, reconhece aquele a quem se dirige como

parceiro.

A catequese é interativa e dialogante porque é o lugar no qual a Palavra de

Deus se faz escutar no circuito das palavras humanas a fim de provocar uma

mudança naqueles que a acolhem. A Palavra não se diz apenas, mas faz existir.

4.4.4.3. Exercício prático: Aprendemos a orar com as nossas palavras

• Imagina que vão ser apagadas do teu dicionário todas as palavras, exceto

três, e que tens de escolher essas três palavras para, com elas, te exprimires

durante toda a tua vida. São as três palavras mais essenciais para ti. Escolhe-as

devagar, sem forçar nada, experimenta uma após outra até encontrares as

«tuas», as que disserem melhor a tua experiência pessoal, crente, de relação.

Quando as tiveres escolhido, toma consciência do que experimentas ao

pronunciá-las. Imagina que vais caminhando pela tua vida, encontrando

pessoas e lhes dizes as tuas três palavras. Observa como reagem. Imagina

também que te encontras com Jesus e lhas dizes:

Como reage ele? Convida-te para mudares alguma? Acrescenta alguma outra?

Este exercício pode ser feito em grupo.

• Escolhe uma frase breve tomada do Evangelho, de um salmo ou da tua

experiência de oração, na qual te sintas inteiramente expresso, conforme a

situação em que te encontrares: «Faça-se a tua vontade»: «Senhor, que eu

veja!»: «Senhor, se quiseres, podes curar-me»; «Creio, Senhor, mas aumenta a

minha fé». Cria dentro de ti um espaço para essas palavras, tenta pronunciá-las

Page 107: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

a partir do fundo do teu ser; repete-as por dentro, uma e outra vez; deixa-as

penetrar na tua terra seca como uma chuva mansa. Di-las interiormente ao

ritmo da tua respiração, e, se te distraíres, volta suavemente a elas. Dedica a

este exercício pelo menos dez minutos.

• Podeis tomar no grupo o salmo que se vai recitar como responsório na liturgia

de domingo. Lede-o devagar e procurai fazer com que o estribilho, à força de

ser repetido várias vezes e de ser interiorizado, vos vá saindo cada vez mais de

dentro.

• Escolhei também algumas das respostas da missa, essas frases breves que, à

força de repetidas, deixaram de significar alguma coisa. Por exemplo, o diálogo

com o celebrante antes de começar a oração eucarística; a saudação ao

começar, etc. Procurai arrancar o significa- do profundo dessas palavras;

traduzi-as para a vossa linguagem; elaborai o vosso modo pessoal de as dizer e,

depois, voltai a repeti-las, pois talvez as acheis muito mais densas de conteúdo.

4.4.5. Aprendemos a rezar calados: saber calar

4.4.5.1. Silêncio e oração26

A tradição espiritual e ascética sempre reconheceu a essencialidade do silêncio

para um verdadeiro caminho espiritual e de oração. “A oração tem como pai o

silêncio e como mãe a solidão”, disse um grande homem espiritual. Só o

silêncio, de facto, torna possível a escuta, isto é, o acolhimento em si não só da

Palavra, mas também da presença daquele que fala. Assim, o silêncio abre o

cristão à experiência da inabitação de Deus: o Deus que procuramos seguindo

na fé Cristo ressuscitado, é o Deus que não é estranho a nós mas habita em

nós. Diz Jesus no quarto Evangelho: “Se alguém me tem amor, há de guardar a

minha palavra; e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos

morada” (Jo 14,23). O silêncio é linguagem de amor, de profundidade, de

presença do outro.

Infelizmente, hoje o silêncio é raro; é a coisa que mais falta ao homem

moderno, assoberbado por murmúrios, bombardeado por mensagens sonoras e

visuais, derrubado da sua interioridade, quase caído longe dela.

26ENZO BIANCHI, in http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?tpl=&id=91703

Page 108: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

É preciso confessar: temos necessidade do silêncio! Temos necessidade dele,

de um ponto de vista puramente antropológico, porque o homem, que é um ser

de relação, comunica de modo equilibrado e significativo apenas graças à

relação harmónica entre palavra e silêncio.

Contudo, temos necessidade de silêncio também do ponto de vista espiritual,

como alimento primário da nossa oração e da vida interior. Para o cristianismo

o silêncio é uma dimensão não apenas antropológica, mas teológica: sozinho no

monte Horeb, o profeta Elias ouviu primeiro um vento impetuoso, depois um

terramoto, em seguida um fogo e por fim o “murmúrio de uma brisa suave” (1

Re 19,12). Ao ouvir esta última, Elias cobriu o rosto com um manto e colocou-se

na presença de Deus. Deus torna-se presente a Elias no silêncio, um silêncio

eloquente. A revelação do Deus bíblico não passa só pela palavra, mas

acontece também no silêncio.

Inácio de Antioquia diz que Cristo é “a Palavra que procede do silêncio”. O Deus

que se revela no silêncio e na palavra exige a escuta do homem e para a escuta

é essencial o silêncio. Não se trata, por certo, de abster-se simplesmente de

falar, mas do silêncio interior, aquela dimensão que nos devolve a nós próprios,

que nos coloca sobre o plano do ser, diante do essencial. “No silêncio está

inserido um maravilhoso poder de observação, de clarificação, de concentração

sobre as coisas essenciais” (Dietrich Bonhoeffer).

É do silêncio que pode nascer uma palavra aguda, penetrante, comunicativa,

sensata, luminosa, ousaria mesmo dizer terapêutica, capaz de consolar. O

silêncio é o guardião da interioridade.

É verdade que se trata de um silêncio definido tão negativamente como

sobriedade e disciplina no falar, até chegar à abstenção das palavras, mas que

passa deste primeiro momento para uma dimensão interior, isto é, o fazer calar

os pensamentos, as imagens, as revoltas, os juízos, os murmúrios que nascem

no coração.

De facto, é “do interior do coração dos homens que saem os maus

pensamentos” (Mc 7,21). É difícil o silêncio interior, aquele que se joga no

coração, lugar de luta espiritual, mas este silêncio profundo gera caridade,

atenção, acolhimento, empatia diante do outro.

Page 109: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Sim, o silêncio escava no mais profundo de nós um espaço para fazer habitar o

Outro, para deixar permanecer na sua Palavra, para radicar em nós o amor pelo

Senhor; ao mesmo tempo, em ligação a isto, dispõe-nos à escuta inteligente, à

palavra medida, ao discernimento do coração do outro, daquilo que o queima

no seu íntimo e que está encerrado no silêncio do qual nascem as suas

palavras. O silêncio, então aquele silêncio, suscita em nós a caridade, o amor

pelo irmão e, por consequência, a capacidade de intercessão, de oração pelo

outro, bem como a ação de graças pelo encontro que aconteceu. Assim o duplo

mandamento do amor de Deus e do próximo é cumprido por quem sabe

guardar o silêncio. Por isso, Basílio pôde dizer: “O silencioso torna-se fonte de

graça para quem escuta”.

Neste ponto, pode repetir-se, sem receio de cair em mera retórica, a afirmação

de E. Rostand: “O silêncio é o canto mais perfeito, a oração mais alta”. Ao

conduzir à escuta de Deus e ao amor pelo irmão, à caridade autêntica, isto é, à

vida em Cristo (e não a um vazio interior genérico e estéril), o silêncio é oração

verdadeiramente cristã e agradável a Deus. É este o silêncio que chega a nós

de uma longa história espiritual, é o silêncio procurado e praticado pelos

hesicastas para obter a unificação do coração, é o silêncio da tradição

monástica finalizado no acolhimento em si da palavra de Deus, é o silêncio da

oração de adoração da presença de Deus, é o silêncio caro aos místicos de

qualquer tradição religiosa e, acima de tudo, é o silêncio do qual é rica a

linguagem poética, é o silêncio que constitui a própria matéria da música, é o

silêncio essencial a qualquer ato comunicativo.

O silêncio, acontecimento de profundidade e de unificação, torna eloquente o

corpo, conduzindo-nos a habitar o nosso corpo, a habitar a nossa vida interior,

guiando-nos ao habitare secum (habitar-se a si mesmo) tão precioso para a

tradição monástica.

O corpo habitado pelo silêncio torna-se revelação da pessoa.

O cristianismo contempla Jesus como Palavra feita carne, mas também como

silêncio de Deus: os evangelhos mostram um Jesus que, quanto mais se adentra

na paixão, cada vez mais se cala, entra no silêncio, como cordeiro sem voz,

como aquele que, conhecendo a verdade, sabendo o indizível fundo da

realidade, não pode nem quer trair o inefável com a palavra, mas guarda-o com

o silêncio. Jesus que “não abre a sua boca” mostra o silêncio como aquilo que é

Page 110: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

verdadeiramente forte, faz do seu silêncio um ato, uma ação. E precisamente

por isso poderá fazer também da sua morte um ato, um gesto de um vivente,

para que seja claro que por trás da palavra e do silêncio, aquilo que é

verdadeiramente salvífico é o amor que vivifica um e outro.

4.4.5.2. O silêncio cheio

• «Ao sétimo dia, Deus descansou de todas as coisas que tinha feito» (Gn 2, 1).

E do descanso de Deus nasceu uma das suas criaturas mais formosas: o

silêncio. E apareceram com ele o mistério de uma noite de estre- las, a beleza

de um bosque cheio de pássaros adormeci- dos, o segredo de um manancial

que brota, o esplendor de uma águia a voar, a surpresa de uma planta que

floresce.

E também foi possível desde então o milagre do silêncio humano, aquele que

nos invade quando as palavras se tornam pequenas e nos basta abraçar

longamente o amigo depois de uma prolongada ausência, ou caminhar na sua

companhia sem necessidade de dizer nada, e contemplar absortos a beleza que

nos emociona...

• A Bíblia está cheia de silêncios carregados de plenitude: Job optou por ele

quando Deus irrompeu na sua vida (Job 39, 34-35); Jeremias fez a experiência

de que é bom esperar em silêncio a sua salvação (Lam 3, 26); o filho pródigo

não chegou a completar a explicação que levava preparada ao encontrar-se nos

braços de seu pai (Lc 15, 21); o frasco de perfume quebrado aos pés de Jesus e

as duas pequenas moedas da viúva lançadas no cofre do templo foram a

palavra daquelas duas mulheres (Lc 21, 2 e Jo 12, 3); os discípulos não diziam

nada durante o pequeno almoço com o Senhor Ressuscitado em Tiberíades,

porque a sua presença afogava todas as palavras no rio da felicidade (Jo 21,

12).

• Jesus falou muito nos caminhos da Palestina, mas o povo entendia ainda

melhor a linguagem das suas mãos, quando curavam ou tocavam o leproso ou

brincavam com as crianças. E a linguagem dos seus pés, quando entravam em

casa de pessoas mal conceituadas ou quando iam a casa de Jairo despertar da

morte a filha dele. Mas chegou o momento em que nem as palavras nem os

gestos foram suficientes e por isso, escolheu a linguagem eloquente da

entrega, do pão partido e repartido, do sangue derramado. E na Eucaristia é-

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206

nos recordado todos os dias, não que digamos o que ele dizia, mas que façamos

em sua memória o mesmo gesto silencioso de amar até ao fim.

• Talvez Maria, a mãe de Jesus, de quem o evangelho nos conservou poucas

palavras e muito silêncio, possa ensinar-nos melhor do que ninguém como

encontrar e guardar na nossa oração de hoje essa pérola preciosa do silêncio.

4.4.5.3. Educar no silêncio e para o silêncio

Educar no e para o silêncio, esse silêncio que permite habitar o corpo e o

coração até às raízes; ouvir os “passos de Deus” no universo e no mistério,

“escutar” o outro nas linhas e entrelinhas dos discursos e dos gestos.

A catequese é um espaço que exige silêncio. O silêncio das palavras que se

calam, e o silêncio dos pensamentos que se colocam em alerta para a escuta

do Outro e da Vida”.

Tarefa exigente que supõem um catequista “mestre de interioridade”, capaz de

calar as palavras, olhar e escutar o mistério do humano e do Divino. Capaz de

se apresentar com uma postura calma e serena, uma voz baixa e firme

acompanhada de harmonia, segurança e amor: eis o primeiro passo para

serenar e silenciar um grupo (não educado nem estimulado para parar, ver e

ouvir). A qualidade do ser e estar do catequista permite ao catequizando

saborear com “prazer” o dom do silêncio e despertar para o desejo de mais...

A instabilidade interior, social e familiar que experimentam crianças e jovens,

obriga a desenvolver, em catequese, atitudes pedagógicas capazes de alterar

ritmos, e potenciar competências. Os métodos a utilizar deverão responder a

dois grandes objetivos:

- estimular a capacidade de calar as palavras e de escutar “momentos além

dos sons” (silêncios que ficam suspensos entre as notas musicais);

- provocar a perplexidade e o espanto que obrigam os pensamentos a

suspender as palavras e a dar espaço a novas formas de olhar (oferecem a

capacidade de reformular esquemas de pensamentos em ordem a olhar com os

“óculos” da Boa Nova de Jesus).

Page 112: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

O impossível torna-se realizável quando a determinação é firme, assim no-lo

prova o testemunho de Ana María Schlüter:

“Em alguns colégios de Espanha fez-se a experiência de começar o dia com

alguns minutos de silêncio. Ainda que nas primeiras vezes a situação fosse

difícil e provocasse risos, com o passar do tempo, o alunos terminaram por

reclamar mais alguns minutos e os professores davam preferência às aulas que

seguiam imediatamente o tempo de silêncio. Em Tóquio, num colégio em que

os alunos eram temidos pela sua violência, o diretor decidiu implementar

tempos de silêncio. A experiência permitiu, progressivamente, alterar em

grande parte o comportamento dos alunos”.

E que tal se em catequese se optasse por fazer a experiência de começar o

encontro com dois ou três minutos de silêncio, até criar o hábito de habitar o

silêncio?

4.4.5.4. Exercício prático: Aprendemos a orar a partir do silêncio

• Procura um objeto que exprima algo do que experimentas ou sentes neste

momento, algo que reflita um pormenor da tua situação (uma cana, um ramo

seco, uma pedra, uma flor, um instrumento de trabalho, etc.). Põe-no diante de

ti; observa-o longamente, procurando identificar-te com ele e fica durante

algum tempo em silêncio diante de Deus, deixando que esse objeto fale em teu

nome, substituindo as tuas próprias palavras. (Podeis fazê-lo também em grupo

e explicar depois por- que é que escolhestes aquele símbolo.)

• Dedica um tempo a descobrir as possibilidades expressivas que têm as tuas

mãos. Apercebe-te de como podem exprimir atitudes de acolhimento, abertura,

pedi- do, oferta, entrega... Toma consciência do que queres dizer a Deus neste

momento da tua vida e, em vez de o exprimir com palavras, fá-lo pela posição

das tuas mãos. Quando te sentires distraído, volta suavemente a atenção para

as tuas mãos que estão a falar em teu lugar.

• Um meio simples muito eficaz para conseguir uma atitude de silêncio é

centrar-se na própria respiração. Procura fazê-lo profunda e sossegadamente,

sente o ar que inspiras e expiras, exprime pela tua respiração o teu desejo de

Deus e o teu abandono nele.

Page 113: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

• Lede em grupo o Salmo 139 e fazei depois um mo- mento de silêncio centrado

na coincidência de saber-se conhecido por Deus até ao mais íntimo, deixando

que o seu olhar pacifique e reconcilie as nossas zonas de obscuridade ou de

desconfiança.

• Também em grupo, refleti sobre os momentos de silêncio que há no decorrer

da celebração eucarística. Entre vós, pensai no que significam, por que razão se

fazem, que conteúdo quereríamos dar-lhes. Procurai vivê-los com mais

intensidade na próxima missa em que participardes e comunicai depois se

descobristes algo mais sobre a importância do silêncio.

• O evangelho diz que Maria guardava tudo em silêncio dentro do seu coração.

Comentai a experiência que tendes de guardar algo no coração com muito

silêncio, mistério, carinho. Fazei um momento de oração diante de Maria,

pedindo-lhe que vos ensine a fazer silêncio crente.

4.4.5.5. Exercício fundamental em ordem ao silêncio: o triplo

recolhimento27

“Este exercício tem por fim dispor o orante para a meditação profunda, para a

entrada dentro de si mesmo, preparando para receber, deixar amar e viver na

Presença interior. Trata-se de uma pacificação e harmonização da

personalidade nos seus níveis principais (corporal, emocional e mental). Ainda

não é oração, mas um caminho para ela, encaminhamento que pode aliás ser

aperfeiçoado por muitos outros exercícios. Como fica referido, este é o exercício

fundamental. Ao fim de algum tempo, se houver fidelidade na sua prática,

descobrir-se-á que o caminho leva diretamente a Deus, pois Ele habita pelo Seu

Espírito nas profundidades do orante.

A perseverança indispensável implica, durante algumas semanas ou alguns

meses, dez minutos por dia a treinar este recolhimento. Primeiro, beneficiará a

oração; logo, será uma transformação de vida, melhorando a maneira de estar,

de reagir e mesmo de pensar.

27 Seguimos aqui uma sugestão de A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1989,62-65

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206

O recolhimento, resultante da unificação da consciência, envolve corpo (através

do relaxamento), a afetividade (através da respiração) e a mente (através da

concentração).

Praticando o recolhimento (ou silêncio)

Em primeiro lugar, dispõe-te interiormente; tens tempo suficiente. O que

aconteceu até agora não conta; o que irá suceder não te preocupa; nada de

exterior te pode atingir. Podes, por isso, concentrar-te totalmente «aqui e

agora». Ninguém virá para te distrair (toma precauções nesse sentido). Estás

completamente presente; tu és tu mesmo, e sobretudo sentes um grande

desejo de alcançar a tua realidade profunda.

Respira por três vezes mais demoradamente do que é habitual e fecha os olhos.

1 - Determinar a posição do corpo

Nenhuma posição do corpo é obrigatoriamente imposta; a melhor é aquela que

te permitir manter uma imobilidade perfeita.

Uma posição acessível a todos é esta: senta-te numa cadeira, de harmonia com

a tua altura; inclina-te levemente para a frente, de modo que os joelhos fiquem

mais baixos do que o assento e caiam soltos para o lado de fora; as pernas

ficam cruzadas ao nível dos artelhos, de modo que o lado exterior dos pés

pouse sobre o solo. Não se faz qualquer esforço.

Coloca as mãos diante do baixo abdómen, ficando as costas de uma delas

assente na palma da outra; a parte exterior das mãos repousa sobre o

abdómen e os polegares tocam-se nas pontas, sem pressão.

Agora levanta o busto; fá-lo girar levemente em todas as direções; depois, para,

bem equilibrado sobre os assentos, ficando a coluna, o pescoço e a cabeça no

mesmo eixo. As espáduas ficam baixas, sem caírem para diante; levanta-as um

pouco e depois deixa bruscamente a tensão; se te sentires particularmente

tenso, esfrega a pádua esquerda com a mão direita; dá tempo para que sintas

uma agradável distensão; faze o mesmo à espádua direita, com a mão

esquerda.

Page 115: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Deves sentir a cabeça em equilíbrio acima da última vértebra: não pende para

diante nem para trás. O queixo fica um pouco encolhido sobre o pescoço.

Fica atento à sensação das costas bem estendidas, bem direitas.

2 - Baixar o centro de gravidade exterior

Concentra a tua atenção no cérebro; procura senti-lo; imagina um ponto

luminoso que desce lentamente pelo pescoço, pelo esterno, a cintura, depois

mais ainda até ao abdómen onde tens as mãos. Neste sítio (o «hara» dos

japoneses), está o verdadeiro lugar do teu centro de gravidade, em que

experimentas algo de profundo, de amplo e quente, um sentimento de calma,

de força e estabilidade. É como uma âncora que te estabiliza. Podes tomar uma

segunda vez o trajeto descendente.

3 - Instalar a distensão corporal

Coloca a tua atenção no alto do crânio. Distende o couro cabeludo e os

temporais. Mentalmente, desfranze a fronte. Não carregues as sobrancelhas,

mas alarga o espaço que as separa. Abre um pouco as pálpebras e levanta os

olhos ao céu, e depois baixa as pálpebras com o mínimo de esforço, como para

correr uma cortina leve. Para o fundo dos olhos.

Concentra-te agora interiormente na boca. Os dentes não devem estar

cerrados, o queixo inferior está distendido, a língua bem assente, as faces

moles e flácidas. Deixa que te aflore aos lábios um semissorriso, como o das

imagens da Virgem na arte romana.

Atende à mão esquerda, sentindo o contacto da outra mão. Sobe lentamente

até o antebraço, sentindo-o, por fora e por dentro. Sobe ainda, sentindo o

contacto da roupa. Chegas à espádua esquerda. Sente-a completamente

«desligada».

Concentra-te sobre os músculos do pescoço, relaxa-os em profundidade.

Devagar, sentindo bem, passa à espádua direita, bem «desligada», e depois ao

braço direito e ao antebraço. A pele e os músculos estão perfeitamente

distendidos. «Sente» a mão direita por dentro e o contacto com a outra mão.

Page 116: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Agora, observa o «círculo» formado pelos braços, inteiramente relaxados.

Percorre-o várias vezes. No interior deste círculo, sente o teu corpo cada vez

mais relaxado: peito, abdómen.

Desce às pernas e aos pés. Sente o peso do corpo sobre os pés e sobre os

assentos. Respira mais amplamente e retém a inspiração por alguns instantes.

Depois, ao expirar, dize interiormente: «O meu corpo ... recolhimento! O meu

corpo ... silêncio!»

4 - Pacificar o nível emocional

Este nível está muito ligado à respiração. Concentra-te sobre o vai-e-vem da

respiração. Observa, sem modificares nada. Tudo se faz facilmente,

tranquilamente. Sente o ar fresco que entra pelas narinas e sai mais quente.

Sente o movimento do abdómen. Distende o diafragma; deixa que se instale

um ritmo agradável.

Imagina agora que cada expiração arrasta tudo quanto se opõe à calma

profunda das emoções. Com o ar que sai, vão-se embora as tensões emotivas,

os teus medos, temores, complexos, sentimentos negativos. Deixa sair tudo...

abandona... relaxa qualquer vibração da tua emotividade.

Inspira profundamente e, em cada expiração, dize interiormente: «As minhas

emoções... silêncio! As minhas emoções... recolhimento!»

5 - Pacificar o nível mental

Para recolher e pacificar os pensamentos, vais contar de dez a zero (10 a 0),

concentrando-te bem. A cada número, sentirás o teu espírito aprofundar no

silêncio e no repouso. Uma vez chegado a zero, concentras-te sobre o teu

cérebro, entre os temporais, e senti-lo-ás bater a um ritmo bastante lento.

Dez… nove… oito... (desce devagar)... sete... seis... cinco... quatro... três…

dois… um... zero. Permanece em silêncio absoluto, num recolhimento total do

teu eu, harmonizado em todas as suas dimensões: corporal, emocional e

mental. Expira lentamente, dizendo: «O meu espírito, recolhimento! Os meus

pensamentos, silêncio!»

Page 117: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Sente as pulsações cardíacas no cérebro. Dirige o olhar interior para o coração,

onde habita a Santíssima Trindade. Estás agora preparado para deixar-te mover

pelo Espírito, que quer orar em ti, «no segredo».

6 - Para terminar

Evita absolutamente uma rutura abrupta. Prepara-te para deixares a

imobilidade, contando até cinco. Inspira e expira profundamente, assenta os

pés no chão, toca nos olhos, e, se te apetecer, espreguiça-te. Depois, sem

brusquidão, levanta-te, para retomares as tuas ocupações”.

4.4.6. O coração do orante

O coração do orante28

Só Cristo, na sua pessoa e pela sua palavra, nos pode revelar o rosto de Deus a

quem dirigimos a nossa oração. Toda a oração pressupõe por isso o

acolhimento da Palavra do Senhor e um coração iluminado pela fé.

“A candeia do teu corpo são os teus olhos. Se os teus olhos estiverem sãos,

todo o teu corpo estará iluminado” (Lucas 11, 34).

O olho que nos permite ver sobrenaturalmente é a fé. Através da fé

contemplamos o desígnio de Deus e o sentido oculto das coisas, desde que a

incredulidade não obscureça o nosso olhar. O corpo designa o lugar onde a luz

deve resplandecer, o concreto da vida.

Aquele que escuta a Palavra e a coloca em prática (Lc 11, 28) é iluminado em

toda a sua existência (Lc 11, 36).

Só um coração puro e em paz pode acolher a Palavra. Preparemos então em

nós um espaço de silêncio.

28 In La prière: Entre combat et extase

Page 118: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

“Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. (...) Porque, onde estiver o vosso

tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 33-34).

“Dai esmola do que possuís, e para vós tudo ficará limpo” (Lc 11, 41).

O desprendimento das coisas da terra não é contudo suficiente. Se o coração

está devidamente ordenado mas vazio, sete outros espíritos, cada um mais

maligno do que aquele que foi posto fora, podem introduzir-se e o “estado final

daquele homem torna-se pior do que o primeiro” (Lc 11, 26).

A que perigos nos expomos, nós, os solitários, se o nosso coração está vazio de

amor! Se não tenho amor, não sou nada, a minha oração não é nada!

Daí a importância de se fixar diante do rosto do amor de Deus, para que o

nosso coração se inflame.

“Uma só [coisa] é necessária. [De Marta e Maria,] Maria escolheu a melhor

parte, que não lhe será tirada” (Lc 10, 42).

Se é certo que há muitas coisas a fazer, é ainda mais verdade que escutar a

Palavra do Senhor é único e insubstituível (Atos dos Apóstolos 6, 2-4). Marta

oferece o seu serviço, e isso é bom. Maria, por seu lado, dá ao Senhor poder

dar; ela oferece a sua pobreza e o seu amor. É o essencial, a única coisa

necessária face a Deus, a única coisa eterna.

Os contemplativos de todos os tempos reconheceram em Maria a imagem da

gratuidade de uma oração que não pede nada, mas que se ocupa

exclusivamente da pessoa do Senhor e que se dedica a acolher o dom que ele

fez de si próprio na sua Palavra, nas profundezas de um coração aberto,

silencioso e atento.

A “melhor parte” evoca “a parte” dos levitas no culto do Antigo Testamento

(Deuteronómio 10,9). O novo culto é a escuta da Palavra, em todas as casas

onde se encontre alguém para a receber. A oração, na sua raiz, é sacerdotal.

No entanto não vamos opor vida contemplativa e vida ativa: toda a vida cristã

tem as duas, embora em diferentes proporções. Em Lucas, a perícope de Marta

Page 119: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

e Maria forma um díptico com a parábola do agir misericordioso do Bom

Samaritano (10, 25-37).

A Palavra de Deus caminha secretamente no concreto da vida, e por vezes é o

estrangeiro e o herege que chegam a ela em primeiro lugar, enquanto que o

detentor dos preceitos de Deus (o sacerdote e o levita, na parábola do Bom

Samaritano) passa ao lado da inspiração profunda da misericórdia de Deus e

não a manifesta nos seus gestos. Ele não reconheceu nem o Filho nem o Pai.

Para orar, é preciso portanto um coração puro, animado de uma fé profunda,

livre das cadeias deste mundo e atento à pessoa e a Palavra do Senhor.

 

4.4.6.1. Abertura de coração29

O homem faz muitas coisas, em si bastante diversas. Não lhe é dado fazer

sempre uma só coisa, embora ele tenha no íntimo o desejo, talvez só

inconfessado e semiconsciente, de fazer sempre essa única coisa, na qual valha

a pena aplicar fadigas, o extremar das forças e o amor do coração. Deve,

portanto, fazer muitas coisas. Mas não é de igual valor e dignidade tudo o que

faz. Acontece que uma coisa é importante somente por ser inevitável. E o que

na verdade é importante e necessário será facilmente evitado e esquecido. O

que todos podem fazer, o que ninguém pode deixar de fazer, não é

forçosamente o mais elevado.

O homem reza, quando está diante de Deus, com reverência e amor. Não é que

possa já realizar o múltiplo na unidade. Isto nunca será possível a um ente

finito. Mas, ao menos, está com Ele, o Unificador, fazendo assim o que há de

mais importante e necessário, fazendo também o que nem todos fazem. Por

pertencer justamente ao mais necessário, o seu ato possui a maior liberdade,

produto de uma ação feita unicamente na caridade sempre renovada. Isso,

porém, raramente acontece; é bastante difícil para o homem. Deve, portanto,

continuamente meditar sobre a essência e o valor da oração, esforço esse sem

29 KARL RAHNER, in Trevas e luz na Oração, Editora Herder, São Paulo, 1961, 9-11

Page 120: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

o qual não logrará orar. Tal reflexão pode, pelo menos, ter como resultado

eficiente levá-lo a dizer a Deus: «Senhor, ensinai-me a orar».

Porventura não sabemos todos o que é a oração? Não podemos rezar? Será que

não se trata apenas de intimação e admoestação a realizar o que sabemos e

podemos? Contudo, não é tão simples e espontâneo. Muitas vezes não sabemos

o que é orar e por isso não o fazemos.

Existem, de facto, atos humanos, manifestações do coração que todos pensam

compreender. Todos pensam conhecê-las; dizem que sabem rezar por ser tão

simples. As manifestações mais simples do coração são, todavia, as mais

difíceis. Só lentamente o homem as aprende. Se, no fim da vida, o homem o

conseguir, a sua vida terá sido boa, preciosa e abençoada. A essas

manifestações do coração, às mais simples e ao mesmo tempo mais difíceis,

pertencem a bondade, o desinteresse, a caridade, o silêncio, a

compreensibilidade, a verdadeira alegria e a oração. Realmente, não é fácil

compreender o que é a oração.

Talvez o homem outrora o soubesse, numa época em que o pobre coração

ainda não fora gasto pelas mágoas e alegrias da vida, quando ainda,

porventura, era capaz de se entregar a um amor puro. Mas depois, aos poucos,

tudo mudou, sem o homem perceber. A caridade tornou-se hábito e, quiçá, um

egoísmo [vivido] a dois – e esse homem iludiu-se, pensando que ainda rezava.

Largou-o, em seguida, desapontado, enfadado, pensando que não valia a pena

fazer algo que não tinha já qualquer sentido. Ou ainda: continuava a “rezar”, se

é que se pode chamar oração ao que ele fazia. Parece tratar-se de um negócio,

no qual tem de pagar ou receber, e assim se comporta – em nome de Deus.

Precisa-se do bom Deus, portanto dirige-se-Lhe um pedido. Não quer perder a

Sua amizade, eis por que se cumpre um dever. O homem, por assim dizer, faz

uma visita de cerimónia (não por muito tempo); o que se há de falar é logo dito.

Enfim, Deus há de compreender que ele não tem tempo e deve fazer coisas

mais importantes. E essa petição junto do ofício supremo do governo do mundo

(tem-se a impressão que é mister insistir muito e que lá tudo funciona com

vagar), essa visita oficial ao Soberano do universo, junto ao qual não se quer

cair em desgraça, (pois não se pode saber se, no além, depois da morte, o

próprio destino correrá perigo) chama-se enfim oração. Ó meu Deus, não é

oração, é o cadáver, a ilusão de uma oração.

Page 121: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

O que é, na verdade, a oração? É difícil explicar. No final teremos falado muito e

mostrado pouco. Em primeiro lugar, seja dito algo de muito simples, algo que

está no início de toda a oração e que, em geral não se percebe: na oração

abrimos a Deus o nosso coração. Para compreender isso, com o coração e não

somente com a razão, devemos considerar duas coisas: os corações podem ser

sufocados ou, pelo contrário, os corações podem abrir-se.

Os acontecimentos que se patenteiam na vida exterior, claros ou

impenetráveis, são, quando os perscrutamos, muitas vezes apenas sinal e

símbolo, uma sombra exterior, refletindo as coisas que se passam no coração,

talvez desde há muito tempo. Agora, sem mesmo que o homem o preveja,

mostra-se-lhe de repente a realidade exterior do que estava escondido no

íntimo do seu ser. Então, o homem pode, nesse mesmo acontecimento,

reconhecer, como num espelho, o estado de seu coração.

4.5. Rezar com o corpo

4.5.1. O corpo participa na oração?30

«Fomos longe demais na rutura entre o espírito e o corpo, e ainda somos seres

presos», lamenta Catherine Aubin, dominicana, licenciada em psicologia e

doutora em teologia espiritual. «O corpo é o meio da nossa relação com o

mundo e os outros». «Quando gosto de alguém, dou-lhe a mão, sorrio-lhe e

abraço-o. A oração é da mesma ordem, porquanto é relação. Uma relação

totalmente interior com Deus. O corpo, longe de perturbar, ajuda a rezar, a pôr

o meu coração em movimento. Se eu abraço o Evangelho antes de começar a

orar, esse gesto predispõe o meu corpo. Cada pessoa pode deixar vir do interior

de si mesmo os gestos íntimos que colocam o seu coração em movimento. Por

vezes nem é preciso falar. O corpo é oração.»

Um conselho: Começar por encontrar o sentido da respiração. Inspirando,

acolho o dom da vida que Deus me concede. Expirando, entrego a Deus o que

Ele me deu: o sopro da vida.

Cada manhã ao levantar e cada noite ao deitar, fazer um exercício de

respiração profunda, para estar em contacto consigo, com os outros e com

Deus.

30 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad.: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10

Page 122: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

O corpo inteiro do homem fala e reza por Ele. Fala e ouve, porque todos os

corpos lhe falam. O homem não reza só com o pensamento ou com as palavras.

Todo o seu corpo está envolvido, quando se dirige a Deus e reza com os seus ir-

mãos.

É necessário, portanto, que o corpo participe através de gestos e movimentos

que exprimem as diversas atitudes da pessoa diante de Deus. Por isso a oração

exige gestos simples, espontâneos, elementares, através dos quais o homem

manifesta as suas necessidades fundamentais.

4.5.2. O Corpo na liturgia

Escrevendo sobre “Música e Liturgia”, recordava Xavier Morlans, “podíamos

estabelecer um princípio antropoteológico, que poderia formular-se assim:

“O que realmente move o espírito também pode mover simultaneamente

o corpo». E também: «o que o corpo realiza guiado pela luz da fé,

expressa e alimenta esta mesma fé». Segundo este princípio, o

movimento corporal induzido por um ritmo sincopado, sempre e quando

responda a uma moção espiritual, como por exemplo, um canto de

louvor, seria em princípio adequado para a celebração litúrgica”31.

Para rezar com os outros, a participação do corpo é indispensável. “A atitude

comum do corpo que todos os participantes na celebração devem observar, é

sinal de unidade dos membros da comunidade cristã, reunidos para a Sagrada

Liturgia: exprime e favorece os sentimentos e a atitude interior dos

participantes” (IGMR 42).

De pé

A posição vertical é típica do homem: exprime a dignidade da criatura dotada

de inteligência, capaz de se dominar e de dominar seres inferiores. As pinturas

das catacumbas e muitos mosaicos antigos mostram-nos o homem a rezar de

pé, com a cabeça erguida e os olhos virados para o céu, as mãos estendidas em

forma de cruz. Duas pessoas encontram-se: param e começam a dialogar.

31 XAVIER MORLANS, Música y Liturgia: una reflexión sobre la pluralidade de estilos, in Misa Dominical, 2012 (10) 3-4; resumo de artigo publicado em Phase 307 (Janeiro-Fevereiro 2012).

Page 123: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

A oração de pé é particularmente apropriada a um diálogo com Deus. Um

convidado aparece à porta duma sala. Para o cumprimentar, toda a gente se

levanta em sinal de respeito.

A oração de pé é um sinal de respeito. Sabendo que Deus está presente no

meio de nós, levantamo-nos para O saudar e dirigir-lhe a palavra. O cristão é

um pecador que Cristo libertou e fez erguer de novo. É um filho que pode

falar com seu Pai.

Rezar de pé tem ainda outro significado: é um sinal da fé do cristão na

ressurreição de Cristo. De facto, para manifestar a sua fé na ressurreição de

Jesus os cristãos dos primeiros séculos não rezavam de joelhos ao domingo nem

durante o tempo pascal. Compreende-se por isso que só de pé se recitem o

Glória ou o Credo: não há outra maneira de manifestar a nossa fé e a nossa

alegria. Mas também nos levantamos para ouvir o Evangelho, porque a palavra

de Jesus merece toda a nossa atenção e todo o nosso respeito.

O estar de pé confessa a liberdade filial que nos foi dada pelo Cristo pascal,

que nos levantou da escravidão do pecado;

Os fiéis estão de pé: desde o início do cântico de entrada, ou enquanto o

sacerdote se encaminha para o altar, até à oração coleta, inclusive; durante o

cântico do Aleluia que precede o Evangelho; durante a proclamação do

Evangelho; durante a profissão de fé e a oração universal; e desde o convite

“Orai, irmãos”, antes da oração sobre as oblatas, até ao fim da Missa, exceto

nos momentos adiante indicados.

Sentados

A Sagrada Escritura, entre outras imagens, transmitiu-nos a de Deus Pai

sentado num trono, com o aspeto majestoso que convém ao rei dos reis, e a de

Cristo na sua glória, sentado à direita do Pai.

Estar sentado é a posição típica do rei, do príncipe, do juiz. Não tem porém só

esse significado de autoridade e de prestígio: é também um sinal de paz,

Page 124: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

de tranquilidade, de confiança. É sinal de disponibilidade para uma oração

prolongada, de expectativa diante de Deus que se manifesta, de escuta, de

disposição para acolher uma palavra que nos atinge. Por isso nos sentamos

durante a proclamação da Palavra de Deus, para a escutarmos com atenção e

confiança.

O estar sentados exprime a recetividade de Maria que, sentada aos pés de

Jesus, escutava a sua palavra; o estar de joelhos ou profundamente inclinados

diz o fazermo-nos pequenos perante o Altíssimo, diante do Senhor (cf. Fl 2, 10).

Os fiéis estão sentados: durante as leituras que precedem o Evangelho e

durante o salmo responsorial; durante a homilia e durante a preparação dos

dons ao ofertório; e, se for oportuno, durante o silêncio sagrado depois da

Comunhão.

Os gestos de humildade

Bater com as mãos no peito

No ato penitencial quando dizemos as palavras por minha culpa batemos com

as mãos no peito. Bater com as mãos no peito é reconhecer a própria culpa, é

apontar para si mesmo, para o mundo interior, que é donde nasce o mal, e

além disso, batendo: sacudi-mos o próprio peito, como que manifestando que

queremos mudar, despertar, converter-nos.

A inclinação profunda

O gesto de inclinar a cabeça fica a meio caminho entre o estar de pé e estar de

joelhos. Presente na liturgia antiga, continua a ser muito usado pelos cristãos

do Oriente. No Ocidente substitui por vezes a genuflexão, e conserva-se

sobretudo nas comunidades monásticas. A inclinação de cabeça pode ser

breve, como quando se cumprimenta alguém, ou prolongada, numa prece

silenciosa ou numa bênção. Na liturgia eucarística o sacerdote inclina a cabeça

por várias vezes. Os fiéis são convidados a fazê-lo durante a bênção solene do

final da missa.

O sacerdote quando se abeira do altar no início e no fim da celebração faz uma

inclinação profunda (a não ser que esteja perto o sacrário). É um gesto

Page 125: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

claramente expressivo de humildade e de respeito que sentimos diante de uma

pessoa.

A genuflexão

É uma atitude de profunda humildade e de adoração. É símbolo da nossa

adoração ao Senhor presente na Eucaristia. É todo um discurso corporal diante

do Sacrário: Cristo é o Senhor que quis fazer-se presente neste Sacramento

admirável e por isso dobramos o joelho diante d'Ele.

Orar de Joelhos

Rezar de joelhos é mais frequente no contexto da prece pessoal que no da

assembleia litúrgica. O Missal Romano (IGMR 274) prevê três genuflexões para

quem preside à Eucaristia: depois da elevação da hóstia, depois da elevação do

cálice e antes da comunhão. Caso o sacrário se encontre na igreja onde se

celebra, faz-se uma genuflexão antes e depois da missa.

Quanto à assembleia, é convidada a ajoelhar-se no momento da consagração, a

menos que isso se torne impossível devido à falta de espaço ou ao grande

número de fiéis. Há outras ocasiões em que se convida também o povo a

ajoelhar: na festa do Natal e da Anunciação, ajoelhamos às palavras «E encar-

nou...» do Credo, e sempre que é lida a narrativa da Paixão ajoelhamos depois

do relato da morte de Jesus. Os fiéis estão de joelhos durante a consagração,

exceto se razões de saúde, a estreiteza do lugar, o grande número dos

presentes ou outros motivos razoáveis a isso obstarem. Aqueles, porém, que

não estão de joelhos durante a consagração, fazem uma inclinação profunda

enquanto o sacerdote genuflete após a consagração.

Ajoelhar é já um gesto de oração. Quando simultaneamente se inclina a cabeça

até ao solo, faz-se a chamada prosternação, um gesto antiquíssimo, já

encontrado no hieroglífico egípcio que significa «adorar». O Antigo Testamento

oferece-nos muitos testemunhos a esse respeito, como na cena do rei Salomão,

de joelhos, diante do altar do templo de Jerusalém.

O Evangelho mostra-nos Jesus rezando de joelhos no Monte das Oliveiras.

Ajoelhar diante de alguém significa reconhecer a sua autoridade. O Evangelho

Page 126: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

recorda a cananeia que se lança aos pés de Jesus, assim como Maria Madalena

que na manhã da Páscoa se ajoelha diante do seu Senhor. Ajoelhar é um gesto

de adoração, traduz a nossa submissão: a criatura manifesta a sua pequenez

diante do Criador, reconhece-se frágil e dependente das suas dádivas.

Ajoelhar é sinal de um amor cheio de reverência e de gratidão. Diante do

sacrário onde se conserva o pão consagrado ou diante do Crucificado, como po-

demos rezar senão de joelhos? Ajoelhar é um gesto de penitência. A própria po-

sição do corpo leva a viver a atitude da conversão, traduz o desgosto pelo mal

cometido e o desejo de o reparar. Orar de joelhos é um gesto ainda mais

eloquente do que a genuflexão ou a inclinação. O que reza de joelhos

reconhece a grandeza de Deus e a sua própria debilidade. Atualmente durante

a Missa indica-se este gesto para o momento da consagração (cf. IGMR 43),

expressando assim a atitude de veneração neste momento central do mistério

eucarístico. Genufletir diante da Eucaristia, como fazem o sacerdote e os fiéis

(cf. IGMR 43), exprime a fé na presença real do Senhor Jesus no Sacramento do

altar (cf. CIC 1387).

Refletindo na terra, nos sinais sagrados, a liturgia celebrada no santuário do

céu, imitamos os anciãos: «Prostravam-se perante Aquele que está sentado no

trono e adoravam Aquele que vive pelos séculos dos séculos» (Ap 4, 10).

Se na celebração da Eucaristia adoramos o Deus connosco e para nós, esse

sentimento do espírito deve prolongar-se e reconhecer-se também em tudo o

que fazemos, pensamos, realizamos. A tentação, sempre insidiosa, ao cuidar

das questões deste mundo consiste em dobrar os nossos joelhos diante dos

ídolos e não exclusivamente diante de Deus.

As palavras com que Jesus contraria as sugestões idolátricas do diabo, no

deserto, devem encontrar correspondência no nosso falar, pensar, agir

quotidiano: «Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto» (Mt. 4,

10).

Ajoelhar diante da Eucaristia, adorando o Cordeiro, que nos concede fazer

Páscoa consigo, educa-nos a não nos prostrarmos perante ídolos construídos

pelas mãos do homem e ampara-nos a obedecer com fidelidade, docilidade e

veneração, Àquele que reconhecemos como único Senhor da Igreja e do

mundo.

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206

4.5.3. Exercício prático de oração com o corpo32

Como orientar um momento de interioridade, de acolhimento da Palavra e de

trabalho do corpo:

Orientações para ser lidas ao grupo (pode adaptar-se este texto a muitas

outras situações!)

Este exercício é um exercício muito especial, em que vamos fazer uma

experiência muito interessante. Todavia, só conseguirá quem estiver

absolutamente concentrado no que eu vou dizer.

Vou pedir que fechem os olhos… ninguém os pode abrir… se não conseguir

concentrarem-se totalmente, tentem sempre… utilizem a vossa imaginação…

quando falo de ver… não é com os olhos do vosso rosto mas com os olhos da

vossa inteligência… Vamos ver quem consegue fazer esta experiência muito,

muito especial….

a. Agora que estás bem sentado, fecha os olhos.

b. Concentra toda a tua atenção na tua mão direita. Imagina com os olhos da

tua inteligência a tua mão direita. Concentra-te de tal forma que não sentes

o resto do teu corpo.

c. Tenta sentir o calor ou o frio da tua mão direita, a superfície suave ou

rugosa que ela toca…. Sente agora todo o braço direito, o toque da roupa,

imagina os músculos…

*Dar uma breve pausa, entre cada indicação – segundo sintam o grupo para

que cada catequizando possa ter tempo de se concentrar sobre cada indicação

que é dada pelo catequista.

*É importante que a voz do catequista seja suave, serena, e sugestiva.

* Se algum catequizando estiver com dificuldade de concentração, pode

pousar-se a mão sobre a cabeça para o ajudar a entrar em si…

32 SDECIA, Revista Mensagem 51/388 (Nov-Dez 2007),22-23

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206

*Durante o exercício não pode haver nenhuma chamada de atenção ou

comentário… neste ponto o catequista tem de ter muita autoridade.

d. Agora, imagina e sente a tua mão esquerda. Tenta sentir o calor ou o frio, a

superfície suave ou rugosa que ela toca…. Neste momento em que toda a

atenção do teu cérebro está focalizada na mão esquerda tenta lentamente

sentir o braço esquerdo, sentir o toque da roupa, o calor ou o frio…agora,

sente este braço esquerdo pesado, pesado, pesado como chumbo…

e. Neste momento dentro de ti está a paz… à tua volta tudo é suave, e cheio

de ternura… estás a sentir-se bem, com muita calma….

f. Agora concentra toda a tua atenção no teu pé direito. Tenta sentir os dedos,

mexe-os um a um… experimenta sentir o toque da meia, suave, rugoso,

sentir o frio ou o calor… tenta sentir o sapato… agora concentra toda a tua

atenção na perna direita, o toque da cadeira… o tecido sobre a pele…

imagina que a tua perna direita está pesada, pesada, pesada como

chumbo…

g. Agora concentra toda a tua atenção no teu pé esquerdo. Tenta sentir os

dedos, mexe-os um a um… experimenta sentir o toque da meia, suave,

rugoso, sentir o frio ou o calor… tenta sentir o sapato… agora concentra

toda a tua atenção na perna esquerda, o toque da cadeira… o tecido sobre

a pele… imagina que a tua perna esquerda está pesada, pesada, pesada

como chumbo…

h. Sem fazer ruído, concentra-te agora na respiração. Sente o ar que passa

pelas tuas narinas… enche ao máximo os pulmões… e deixa o ar sair

devagarinho… faz este exercício 6 vezes… encher os pulmões de ar e

depois deixar lentamente o ar sair…Descontraí os músculos dos ombros,

deixa cair os braços…

i. Neste momento sentes-te bem, calmo, sereno, com muita paz, com ternura,

com muita luz dentro de ti… sentes-te feliz, tranquilo, não pensas em

nada… sentes o teu corpo, a respiração,

(Se tiverem uma gravação com sons da floresta e de água podem neste

momento utilizá-la muito suavemente para não cortar o silêncio).

j. Agora vais imaginar que sais da sala de catequese, e que ao abrires a porta

encontras diante de ti um enorme prado verde… um campo cheio de ervas

e de flores selvagens. Ao longe vês umas árvores cheias de fruta, bem

vermelha… Tiras os sapatos e começas a caminhar descalço.

Page 129: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

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Sentes a erva húmida nos teus pés… sentes o vento no rosto (fazer pausa)

olhas para o céu… o sol está a brilhar, não tem nuvens, por cima da tua cabeça

sobrevoam dois grandes pássaros. Olhas para eles e sentes-te leve, leve, livre,

feliz…

Olhas agora para o teu lado direito, e descobres um rebanho de ovelhas.

Muitas, muitas ovelhas… todas têm uma lã bem branca, estão a comer

tranquilamente… no meio delas está o pastor, tem um cajado na mão, uma

capa de lã.

Devagarinho, ele começa a caminhar em direção à montanha, e as ovelhas

seguem-no… todas vão com ele.

Tu caminhas mais depressa, passas pelo meio das ovelhas e vais ter com o

pastor. Ao chegar junto dele, descobres que ele tem o mesmo rosto que Jesus…

ficas muito admirado… Ele olha para ti e diste… “Não tenhas medo, eu sou o

teu Jesus… queres dizer-me algo?” E Tu, conta-lhes as coisas boas que vão no

teu coração, e também podes fazer-lhe algum pedido especial. Se quiseres fala-

lhe de alguém que tu amas… e que precisa de se encontrar com Jesus…(fazer

um tempo de pausa… o catequista deve ver como está o grupo e que tempo lhe

pode dar…)

Depois de terminares de falar… escuta … Jesus pode querer dizer-te alguma

coisa… (pequena pausa… e logo de seguida o catequista continua….

(… o catequista lê pausadamente a leitura do texto bíblico Jo 10,1-15. Quando

termina de ler o texto, faz ressonância de algumas frases mais significativa, em

voz baixa, como se fora um eco e depois continua o exercício:)

k. Agora, que Jesus te deu a sua mensagem, sentes-te em paz, e pensas em

tudo o que Jesus acaba de te dizer… escolhe uma frase que ouvistes…

(Breve pausa)

Agora, lentamente atravessas o campo, sentes-te feliz, leve, com muita luz e

ternura dentro de ti…

Ao longe, voltas-te para traz e dizes adeus a Jesus, e de seguida continuas a

andar.

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206

l. Chegas à porta da sala de catequese, entras, sentas-te e devagarinho, sem

falar, sem mexer, abres devagarinho os olhos… sem falar…

Neste momento o catequista entra em diálogo com o grupo para partilhar a

experiência vivida. Este exercício pode ser integrado no momento do Itinerário

catequético que corresponde à palavra, assim como numa celebração ou noutro

momento em que seja importante serenar o grupo e escutar a Palavra.

SÁBADO, 14H30-16H30

V. COMO INICIAR À ORAÇÃO NO ENCONTRO

CATEQUÉTICO

O Ato ou itinerário Catequético, acontecimento fundamental da transmissão da

fé, deve estar impregnado dum "clima de oração", isto é, deve favorecer e

realizar, no seu desenvolvimento, o diálogo com Deus.

Catecismo da Igreja Católica 2688

“A catequese das crianças, dos jovens e dos adultos visa a que a Palavra

de Deus seja meditada na oração pessoal, atualizada na oração litúrgica

e interiorizada em todo o tempo, para que dê fruto numa vida nova. A

catequese é também o momento em que se pode purificar e educar a

piedade popular. A memorização das orações fundamentais oferece um

suporte indispensável à vida de oração, mas é importante que se faça

saborear o seu sentido”.

Habitualmente, todas as catequeses supõem, apresentam e propõem uma

oração no momento da Expressão de Fé. Todavia, em ordem a descobrir a

necessidade absoluta da oração na catequese, vamos apresentar algumas

propostas concretas para tratar da oração em todos os passos próprios do

itinerário catequético:

5.1. Ao iniciar o encontro de catequese:

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206

Ao olhar a vida com os olhos da fé O primeiro passo de todo o encontro de

catequese é o da experiência de vida próxima de cada um dos destinatários da

catequese. Desde o princípio que se pode ajudar a que cada um tome

consciência de que Deus fala através da própria vida e da vida dos outros, do

mundo e da história.

O olhar atento à experiência da vida, crua e difícil, pode suscitar no grupo a

oração de petição, de intercessão e de súplica. As experiências de bondade e

de beleza das coisas criadas podem gerar a ação de graças, a bênção, adoração

e o louvor. Na verdade, para aquele que crê, tudo lhe fala de Deus e o conduz a

Deus. Para quem ama a Deus, tudo, na sua vida, é motivo para a bênção e

adoração, a petição, a intercessão, a ação de graças e o louvor.

O modo como se propõe ou faz descobrir ou lê os acontecimentos da

experiência quotidiana da vida pode ser motivadora e suscitadora de

"comunhão e intimidade com Deus".

5.2. Ao proclamar a Palavra

A oração é diálogo e encontro entre Deus e o homem. Por isso, quando, na

catequese, proclamamos a Palavra de Deus, inicia-se um momento de especial

intimidade. Deus fala ao coração de cada um e comunica-se, ofertando não só a

mensagem salvadora mas a sua própria vida.

Quando proclamamos, escutamos, interiorizamos e nos convertemos à Palavra,

estamos a fazer oração. Esta é, aliás, a oração por excelência, dado que esta

Palavra é o Verbo Encarnado, em quem tudo nos foi revelado e por quem temos

o único acesso ao mistério de Deus.

O coração da catequese é o encontro com a Palavra de Deus. Iniciado o diálogo

por parte de Deus, a porta está aberta para que lhe respondamos cheios de

confiança e para que entremos em comunhão com Ele. Há que favorecer este

momento de intimidade e saber aproveitá-lo.

Uma Palavra bem proclamada, acolhida e meditada é fonte inesgotável de

oração viva.

Propostas para cuidar este momento:

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206

• Fazer um momento de silêncio para proporcionar a escuta atenta e

serena da Palavra;

• Tomar consciência de que Deus nos fala na Palavra que se proclama;

• Antes de ler a Palavra, podia dizer-se como o jovem Samuel: "Falai,

Senhor, que o vosso servo escuta" (I Sam 6, 10);

• Destacar a presença da Sagrada Escritura, colocando-a em lugar visível e

adequado;

• Acender uma vela ou círio antes de proclamar a Palavra, recordando que

"A vossa Palavra, Senhor, é luz para os meus caminhos";

• Ler devagar a passagem indicada;

• Terminada a proclamação, beijar com respeito e veneração a Bíblia (só o

leitor e/ou mesmo todo o grupo);

• Fazer a interiorização da Palavra a modo de "lectio divina".

5.3. Ao expressar a fé

O momento da Expressão de Fé inclui e implica a oração como resposta vital à

Palavra proclamada. É um momento absolutamente crucial, no sentido de que,

deve despertar e gerar o desejo duma resposta de comunhão e intimidade ao

Senhor que falou e se comunicou na Palavra. Procure-se que a oração deste

momento se faça e desenvolva segunda as várias formas e expressões (já

enunciadas).

O guia do catequista apresenta habitualmente propostas e indicações para

viver este momento como um verdadeiro momento de oração. Podemos

enriquecê-lo com alguns elementos e materiais.

5.4. Ao ir para a vida (compromisso)

O compromisso, significativamente incluído na 'Expressão de Fé', pode ser

também um passo oportuno para trabalhar a oração. De facto não pode deixar-

se que a oração seja apenas uma conclusão da catequese, mas que seja

sobretudo momento de entrega confiada à vontade de Deus.

Page 133: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

A catequese é um diálogo ininterrupto com Deus que se inicia orando a partir

da vida (Experiência Humana), se alimenta e desenvolve na Palavra e se

expressa com todas as suas formas e riqueza na oração, celebração e

compromisso.

Propostas para cuidar este momento:

• Tomar consciência de que o encontro de catequese é um encontro e

diálogo com Deus; é uma oração;

• Indicar que para a luta e combate diário contra o mal necessitamos da

força da oração;

• Criar disponibilidade interior para a oração familiar e comunitária;

• Utilizar na oração a linguagem do corpo (orar de pé; de joelhos; com as

mãos erguidas, postas, estendidas; com os olhos abertos, fechados, olhando o

céu, etc. ...).

• Cantar muito (sempre que possível);

• Fazer passar a oração da catequese para a vida toda.

5.5. A importância de um oracional, nos materiais da Catequese

O clima de oração deve estar criado, desde o momento em que se inicia a

catequese, até que termina. Não obstante, dedicar um apartado

exclusivamente à oração , um «oracional» parece-nos importante para uma

verdadeira iniciação à vida de oração, tão própria e tão necessária na iniciação

à vida cristã.

5.6. O catequista, mestres de oração

A oração é como "uma forma de respiração necessária para viver" (K. Barth); é

a respiração da alma. Ninguém duvida da necessidade de respirar. Quem não

ora, como quem não respira, asfixia e morre. A oração é fruto espontâneo do

amor: quem reza é porque ama. E "aquele que não ama está morto" (I Jo. 3,

15). Quem não reza é porque não vê. Porque rezar não é só pedir, mas

descobrir e saber estar na presença de Deus, olhar e deixar-se olhar, tratar de

amar. Orar é admirar, louvar, agradecer e também é pedir ou interceder.

Page 134: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

É, por isso, muito importante abordar esta perspetiva da iniciação à oração em

catequese, para que esta não se reduza a um puro ensinamento doutrinal. Dizia

João Paulo II:

Novo Millennium Ineunte 16

“Como aqueles peregrinos de há dois mil anos (cf. Jo.12.21) os homens

do nosso tempo, talvez sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje

não só que lhes «falem» de Cristo, mas também que de certa forma lh'O

façam «ver». E não é porventura a missão da Igreja refletir a luz de

Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o

seu rosto também diante das gerações do novo milénio? Mas, o nosso

testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro

contemplativos do seu rosto”…

Os catequistas chamados por Deus e enviados pela Igreja para educar a outros

irmãos na fé hão de ser homens e mulheres com profunda experiência de Deus.

Os meios mais eficazes que encontram para o seu apostolado são a palavra, o

exemplo e a oração. Mas, das três, a que tem mais importância para o cultivo

da sua vocação de catequista é a oração.

A eles ensina-os a rezar, antes de mais com o seu exemplo. Antes de falar de

Deus, deve falar a Deus e com Deus. Além do mais o catequista não deve

deixar de rezar pelos seus catequizandos, confiando-os a Deus e à palavra da

sua graça.

O catequista sabe que fazer catequese é mais do que ensinar uma doutrina: é

pôr os outros em contacto e em comunhão com a pessoa de Jesus Cristo. Bem

dizia Paulo VI:

Evangelii Nuntiandi 76

“O mundo que, apesar dos inumeráveis sinais de rejeição de Deus,

paradoxalmente, o procura entretanto por caminhos insuspeitados e que

dele sente bem dolorosamente a necessidade, o mundo reclama

evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes

seja familiar como se eles vissem o invisível. O mundo reclama e espera

de nós simplicidade de vida, espírito de oração, caridade para com todos,

Page 135: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

especialmente para com os pequeninos e os pobres, obediência e

humildade, desapego de nós mesmos e renúncia. Sem esta marca de

santidade, dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir

o coração do homem dos nossos tempos; ela corre o risco de

permanecer vã e infecunda”.

Como viver todas essas realidades na experiência quotidiana?

Poderíamos ter a impressão de que se trata de verdades grandiosas, que nos

abrem novos horizontes, mas são difíceis de reduzir à prática de cada dia. Não

obstante, só o refletir um pouco sobre o assunto já representa um primeiro

passo. Convém, antes de tudo, esclarecer a meta.

É importante evitar um certo "extrinsecismo": apresentar a oração como algo a

ser feito ao lado das outras ocupações, sem compreender a sua coexistência

com a vida global do cristão e do homem:

É importante evitar um certo "eficientismo" (a ilusão de obter resultados

imediatos e quase automáticos em virtude de certos instrumentos postos à

disposição).

As metas devem ser mais modestas e ao mesmo tempo mais radicais. Elas

podem ser indicadas assim:

- A consciência do valor cristão da oração: é preciso dar-se conta

intimamente de que a oração silenciosa e contemplativa é inseparável da

existência cristã autêntica;

- A educação progressiva: trata-se de começar a dar os primeiros passos: o

importante é fazê-lo na direção certa, provocando e pedindo a vontade de dar

mais outros passos;

O cardeal Lustiger, publicou um livro33 onde recolhe as palestras semanais

dadas pelo arcebispo de Paris na Rádio Notre-Damem em 1984. E enuncia os

seguintes passos na aprendizagem da oração:

33 Cf. JEAN-MARIE LUSTIGER, Primeiros pasos em la oración, Ed. Paulinas, Madrid 1988.

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206

1. Rezar cada dia, rezar em segredo. Rezar ao menos, pela manhã e pela noite

2. Fazer bem o sinal da Cruz (cf. texto de Guardini), pronunciando a fórmula

trinitária;

3. Abrir a Bíblia, rezar os salmos, aprender algum deles de memória;

4. Pela manhã, oferecimento da vida;

5. Rezar durante o dia; marcar sítios e momentos próprios para rezar; pequenas

pausas;

6. Rezar à mesa antes de comer: vida e comunhão;

7. Rezar à mesa, depois de comer

8. À noite fazer o exame de consciência;

9. De noite, permanecer sob o olhar de Deus;

10. À noite, rezar pelos outros: vivos e defuntos;

11. Não passar sem a Missa, ao domingo;

12. Ao Domingo, viver a alegria do repouso, da contemplação, da gratuidade

13. Ao Domingo, rezar com a Igreja

14. Preparar e prolongar a meditação dos textos da missa dominical

15. Viver a espiritualidade de cada tempo litúrgico: vigilância (advento),

contemplação (natal), ascese (quaresma), alegria (páscoa), perseverança

(tempo comum).

16. Pedir a Maria, que rogue por nós

- A experiência inicial: é preciso prever as formas e modos que já introduzam

as pessoas, segundo os diversos graus de maturidade espiritual, no mundo

maravilhoso da oração contemplativa.

A nossa pobre oração pessoal, as nossas singelas leituras da Bíblia e os

momentos de adoração e silêncio, que conseguimos furtar à corrida dos

compromissos quotidianos, são na verdade um "tesouro escondido" que

devemos descobrir no campo da nossa vida. Trata-se de começar por aquilo

que já nos é dado compreender, de viver e de pôr-se resolutamente a caminho

nesta estrada, com coragem e espírito de sacrifício, tendo bem claro na mente

as metas, os instrumentos e os ambientes da educação para a oração. Temos

formas simples de rezar, aproveitemo-las:

a) Recitar, repetir as orações conhecidas; são uma ajuda, uma espécie de

«ponto de partida»…

b) Fixar-se numa imagem, numa pagela, numa frase, escutar uma música…

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c) Leitura rezada: um salmo, uma oração escrita, uma poesia… para ajudar a

ter ponto de conversa…

d) Meditação de um salmo, para sair de si ao encontro de Deus e dos outros…

e) Leitura meditada (Santa Teresa fê-la 14 anos seguidos: «não ousava

começar a orar sem um livro»); trata-se de uma oração mental, destinada a

disciplinar a imaginação…

f) Oração de elevação: oração do coração: presença e silêncio, quando o

“discurso” não conta

Da qualidade da oração, brotará a profundidade da fé e da esperança, a

ousadia da caridade, o ardor da evangelização, a solidez das nossas famílias, a

radicalidade da entrega em vocações de especial consagração. É preciso rezar

muito. É urgente rezar bem. De facto, é rezando que se aprende a rezar!

O próprio Catecismo da Igreja Católica se refere à importância dos guias para a

oração (artigo 3), lembrando uma nuvem de testemunhas, as grandes

espiritualidades que se desenvolveram ao longo da história e apontando como

servos da oração a família cristã, os ministros ordenados, os religiosos e os

catequistas (cf. CIC 2688).

É preciso ser acompanhado espiritualmente?34

«Em certos momentos, o acompanhamento espiritual pode ser necessário para

verificar que não estamos no caminho errado, para desconstruir as armadilhas

da ilusão e da omnipotência», afirma a Ir. Véronique Fabre.

«Por exemplo, quando só ouvimos aquilo que temos desejo de ouvir, deixando

de lado certas passagens da Bíblia com o pretexto de que não as

compreendemos. O acompanhamento pode também ajudar a não avaliar a

nossa oração apenas à luz da emoção».

Um conselho: o acompanhamento não é o único meio de ser ajudado a

caminhar na oração. O mais importante é não ficar só. Pode ser suficiente

participar num grupo para se alimentar da Palavra de Deus, aceitando ser

interrogado por ela.

5.7. Algumas propostas, para a vida de oração do catequista

34 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad.: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10

Page 138: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

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- Considerar que iniciar na vida de oração é uma das tarefas fundamentais da

Catequese, que tem que realizar com competência e experiência;

- Dedicar tempo a contemplar o rosto de Cristo, na oração pessoal e litúrgica, já

que a comunhão com Jesus Cristo leva o catequista a assumir o caráter orante e

contemplativo que teve o Mestre, e poder assim ser guia para ensinar outros a

rezar;

- Aprender a orar, com os mesmos sentimentos com que Jesus se dirigia ao Pai:

adoração, louvor, ação de graças, confiança filial, súplica, admiração. Tendo

percorrido os diversos caminhos de oração, pode iniciar outros nesses

caminhos;

- Saber, pelo ensinamento recebido e pela própria experiência, que o Pai-Nosso

é o modelo de toda a oração cristã;

- Realizar a aprendizagem da vida quotidiana no âmbito da catequese, num

clima de oração;

- Invocar a todo o momento a ajuda do Espírito Santo, para realizar o seu

trabalho na catequese e unir-se estreitamente, pela oração e pela imitação á

Virgem Maria.

VI. INICIAR NAS DISTINTAS FORMAS DE REZAR35

35 Seguimos aqui de perto, SDECIA, Revista A Mensagem: Iniciar à Oração. 48/368 (Julho-Agosto 2004); e ainda M. A. GIL LOPEZ, Iniciacion a la oración en la

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206

O processo catequético é uma verdadeira escola de oração pessoal e

comunitária. Iniciar na oração implica introduzir o catequizando nas distintas

formas de rezar, segundo a tradição da Igreja e o caráter orante e

contemplativo do Mestre Jesus.

Na tradição da Igreja, os modos de orar entenderam-se de muitas maneiras.

Todas elas são complementares e não excluentes. Depende de cada pessoa,

das circunstâncias e situações que se vivem, dos carismas que se recebem, etc.

...

O Catecismo da Igreja Católica dedica a quarta parte exclusivamente à oração

cristã, definindo e situando, na Primeira Secção, "A oração na vida cristã" e

apresentando, na Segunda secção, "A oração do Senhor: O Pai Nosso".

Diretório Geral da Catequese, 85, 4º:

“Aprender a rezar com Jesus é rezar com os mesmos sentimentos com os

quais Ele se dirigia ao Pai: a adoração, o louvor, o agradecimento, a

confiança filial, a súplica e a contemplação da sua glória”. A Igreja

convoca-nos cada manhã, para que, como membros vivos do seu Corpo,

nos entreguemos a Cristo, e com ela, sua Esposa, ao louvor divino e ao

amor fraterno”

Assim e a partir do testemunho normativo do Catecismo, indicaremos e

trataremos, de forma resumida e sintética, juntando algumas propostas

catequéticas. Fazemo-los convictos de que:

Catecismo da Igreja Católica 2625

“As formas de oração tais como as revelam as Escrituras apostólicas

canónicas, continuam a ser normativas da oração cristã”

catequeses, in Teologia y Catequesis (85-86),2003. 139-166. DOLORES ALEXANDRE-T. BERRUETA, Iniciar à oração, Edições Salesianas, Porto, 1992. PEDRO MUNOZ PENAS, Orar com Deus. Materiais para a oração individual e em grupo, Ed. Paulus, Apelação, 2001

Page 140: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

VI.1. ORAÇÃO DE BÊNÇÃO E ADORAÇÃO

Na Catequese, não vamos aprender só umas páginas do catecismo. Vamos

encontrar-nos com Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Jesus diz à

samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus e Aquele que te diz «dá-me de

beber, tu mesma lhe pedirias e ele te daria água viva»”.

A Catequese da Igreja oferece, no Espírito Santo, essa água que torna possível

a felicidade. Um encontro de catequese que não termine no reconhecimento de

Deus é expoente de uma contemplação dos mistérios pobre ou nula.

Bendizer é desejar o bem de alguma pessoa e manifestar este desejo de uma

maneira cordial.

Há uma bênção descendente: a que se derrama a partir de Deus, fonte infinita

de todos os bens, sobre todos os viventes. A maior bênção de Deus é Cristo. Há

também uma bênção ascendente.

O verdadeiro crente não se cansa de bendizer a Deus em Cristo. A bênção

suprema é a Eucaristia. Temos de bendizer sempre e em todo o lugar. Em cada

pessoa, em cada coisa ou acontecimento, temos de encontrar a oportunidade

para bendizer: trabalhos e descansos, comidas e bebidas, saúde ou doença.

Bendizer é a maneira mais direta de orar a própria vida. Esta atitude orante a

que chamamos «bênção», requem, para ser autêntica:

- conhecer e discernir a própria vida e a própria história;

- só se pode bendizer por aquilo que não contradiz o evangelho;

- o esquema é: invocação (bendizemos), bênção descendente (relação de

motivos que provocam a oração) bênção ascendente em tom de louvor e

agradecimento.

A adoração nasce do reconhecimento da grandeza misericordiosa de Deus, a

sua proximidade amorosa, da sua fidelidade a favor da humanidade. Assim

manifesta a sua superioridade e omnipotência. A linguagem mais adequada é o

silêncio, ou os gestos, mas não a palavra. Prostrar-se, pôr-se de joelhos,

ajoelhar-se, inclinar-se profundamente são maneiras de exprimir este

sentimento diante de Deus.

Page 141: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Catecismo da Igreja Católica 2626.

A bênção exprime o movimento de fundo da oração cristã: ela é o

encontro de Deus com o homem; nela se encontram e unem o dom de

Deus e o acolhimento do homem. A oração de bênção é a resposta do

homem aos dons de Deus: uma vez que Deus abençoa, o coração do

homem pode responder bendizendo Aquele que é a fonte de toda a

bênção.

Catecismo da Igreja Católica 2627

Exprimem este movimento duas formas fundamentais: umas vezes, a

bênção sobe, levada por Cristo no Espírito Santo, para o Pai (nós O

bendizemos por Ele nos ter abençoado); outras vezes, implora a graça do

Espírito Santo que, por Cristo, desce de junto do Pai (é Ele que nos

abençoa).

Catecismo da Igreja Católica 2628

A adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura

diante do seu Criador. Exalta a grandeza do Senhor que nos criou e a

omnipotência do Salvador que nos liberta do mal. É a prostração do

espírito perante o «Rei da glória» e o silêncio respeitoso face ao Deus

«sempre maior». A adoração do Deus três vezes santo e soberanamente

amável enche-nos de humildade e dá segurança às nossas súplicas.

VI.1.1. Algumas propostas, para iniciar nesta forma de oração na

Catequese

A BENCÃO

E A

ADORACÃO

"É porque Deus o abençoa, que o coração do homem pode, por sua

vez, bendizer Aquele que é fonte de toda a bênção" (ClC, 2626;

2645).

Page 142: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

PR

OP

OS

TA

S P

AR

A I

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TA

FO

RM

A

DE O

RA

ÇÃ

O

Recitar o Credo;

Recitar a parte do credo que faça referência ao

tema trabalhado;

Ensinar o "Glória" e providenciar de modo que se

recite no fim dos salmos e no Terço;

Dizer: "Glória ao Pai ... " (fazer um momento de

silêncio e proclamar as obras referidas ao Pai

trabalhadas n(este)o encontro de catequese. O

mesmo se diga relativamente a Jesus Cristo e ao

Espírito Santo;

Cantar o "Sanctus" da Missa;

Trabalhar o significado e contexto celebrativo do

canto do "Sanctus";

Estudar o "Glória da Missa" e utilizar as suas

expressões para momentos de adoração e bênção;

Dar a conhecer alguns Salmos e Hinos de bênção e

adoração para os recitar nos momentos em que

contemplamos a Criação, obra de Deus (Ex: Salmo

8, Cântico dos três Jovens - Dan 3,5-88.56);

Provocar o hábito de dizer oração breve quando se

vê (contempla) o rosto de Cristo, princípio e fim de

todas as coisas (Cf. Ef 1,3-14);

Propor o Magnificat (Lc 1,46-55) como hino que

associa a Virgem Maria ao mistério da Encarnação;

Ajudar ao hábito de dizer várias vezes ao dia:

"Santificado seja o teu nome" ou mesmo toda a

oração do Pai Nosso;

Promover com alguma frequência que a "oração da

expressão de fé" se faça na Igreja / Capela (ou outro

espaço celebrativo digno);

Ajudar a "fixar" algumas expressões do Evangelho

(Ex: Jo 12, 28; Mt 11,25; Mt 16, 16; Lc 5, 8;Jo 20,28;

Lc 17, 16, etc ... );

VI.1.2. Rezar com os salmos: a oração da Igreja36

36 Cf. Catecismo da Igreja Católica, ns.2585-2589; SECRETARIADO NACIONAL DE

LITURGIA, Saltério Litúrgico, Ed., Gráfica de Coimbra 1999; Cadernos Bíblicos, n.16

(Para orar com os Salmos) e n.17 (Os Salmos e Jesus. Jesus e os Salmos) da

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206

Comecemos por folhear o Livro dos Salmos. Eles estão numerados. E notam-se,

desde logo, dois tipos de numeração. Os Salmos que se encontram entre o

número 9 e o 147 levam um número a menos. Esta segunda numeração é

adotada pelas edições litúrgicas e, na nova Bíblia dos Capuchinhos, vai entre

parêntesis. São 150. Têm várias anotações. Nota-se a variedade de temas.

Podemos ler alguns dos salmos (1, 8, 139). E vemos que os Salmos são

diferentes. O mais pequeno é o Salmo 117 (116); o maior é o Salmo 119 (118).

Podemos agrupá-los em famílias ou tipos:

a) salmos de louvor:

Hinos, usados sobretudo na Liturgia das Festas: Sal.8, 19,29,33,100, 103;

Salmos da realeza de Javé, que celebram Deus, como Rei:

Sal.47,93,96,97,97,99; Cânticos de Sião, que celebram Sião ou Jerusalém

como cidade de Deus.

b) Salmos individuais, de súplica (5,6,7,13,17,22,25), confiança

(3,4,11,121,131) e ação de graças (9,10,30,32,34,40,92).

c) Salmos de instrução ou didáticos: Sal.78, 105,106, que exaltam o valor da

Lei, refletem sobre a condição humana e ensinam o caminho da vida.

Deste conjunto destacam-se os salmos penitenciais: 6,32,38,51, 102... Estes

salmos exprimem perdão, conversão, absolvição...

Rezar um salmo à escolha:

- para agradecer: 4, 17(18); 29 (30); 114(115)

- nos momentos de doença: 6, 21(22); 37(38);

- para um luto: 129(130), 12(13); 15(16)

- para pedir ajuda de Deus: 16(17), 142(143)

- para glorificar a Deus: 91(92),, 134(135);

- para pedir perdão: 24(25); 50 (51);

- para exprimir confiança: 22 (23), 138(139)

Difusora Bíblica.

Page 144: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Os salmos são oração do Homem inspirada por Deus: são oração na

verdade daquilo que o homem sente e na verdade daquela resposta que Deus

espera do Homem. Não estranhamos por isso algumas reações violentas do

orante: Sal,59 (58), 5-7 «não tenhas compaixão deles»... e também no

Sal.58(57),7: «quebra-lhes os dentes»...

Os Salmos são “hinos que sob a inspiração do Espirito Santo, foram compostos

pelos autores sagrados do Antigo Testamento. Por sua própria origem, os

salmos possuem a virtude de elevar para Deus o espírito dos homens, de

excitar neles santos e piedosos afetos, de os ajudar admiravelmente a dar

graças na prosperidade, de os consolar e robustecer na adversidade” (I.G.L.H.

100).

A oração dos salmos, nascida numa cultura oriental e num tempo longínquo,

nunca perdeu a sua frescura original, porque os seus poemas "traduzem de

forma adequada a dor e a esperança, a miséria e a confiança dos homens de

todos os tempos e regiões; cantam sobretudo a fé em Deus, bem como a

revelação e a redenção" (I.G.L.H. 107).

Jesus também rezou os Salmos : Sal.21:«Meu Deus, porque me

abandonaste... e Sal.31: «Pai, nas vossas mãos entrego o meu Espírito». Jesus

fazia parte de um Povo que rezava os Salmos. Santo Agostinho, ao comentar o

salmo 22, diz que Jesus:

a) cantou os salmos com a sua voz: Jesus conhecia os salmos e rezava-os. E

aplicou-os a Ele (Sal.110). Assim a Igreja se habituou a aplicá-los a Ele, depois

da Ressurreição: «tu não deixarás o teu amigo conhecer a corrupção» (Sal.16;

Act.2,24; 13,35).

Conta-nos S. Lucas que Jesus, antes de Se elevar ao céu, falou assim aos

Apóstolos: "Tudo o que vos disse a meu respeito, quando andávamos juntos,

estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos e tinha de se

cumprir" (Lc 24,44). Tais palavras constituíram para eles e para a Igreja de

todos os tempos uma verdadeira revelação. Prova disso é a frequência com que

os salmos aparecem citados no Novo Testamento, e os numerosos comentários

Page 145: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

que as sucessivas gerações cristãs viriam a fazer deles, sinal de que os

meditaram com assiduidade.

b) cantou os salmos com a sua vida: Depois de olhar para Jesus, a comunidade

percebeu que o Servo, o Sofredor, o Justo... era o próprio Jesus. Ele cumpria as

profecias, a Lei e os Salmos (Lc.24,44). Ele era «a pedra angular« (Sal.118,22) e

«sentou-se à direita de Deus» (Sal.110).

c) cantou os salmos com o Corpo: Ele identifica-se com cada um que ora com os

Salmos. Ao rezar os Salmos estou em comunhão com todos os que me

precederam e com todos os que rezam «em Cristo». No «eu» ou no «nós» do

salmos recordamos Cristo que fala e reza connosco, através de nós.

Os Salmos são a Oração da Igreja

A Igreja utiliza muito a oração dos salmos, particularmente na Liturgia das

Horas, onde eles são integrados como elemento constitutivo mais importante,

apesar das muitas dificuldades que tal forma de oração apresenta, "mormente

quando o salmo não fala diretamente de Deus", quando o salmista recorda a

história de Israel, quando no mesmo salmo ele introduz a falar Deus e os

homens ou até os próprios inimigos de Deus, ou quando interpela mesmo as

criaturas irracionais (cfr. I.G.L.H. 105).

Por isso, disse João Paulo II: “É preciso que a educação para a oração se torne

de qualquer modo um ponto qualificativo de toda a programação pastoral. Eu

mesmo propus-me dedicar as próximas catequeses das quartas-feiras à

reflexão sobre os Salmos”37.

Em conclusão: Os salmos estão cheios de Deus e do homem: esta forma de

oração torna-se, assim, tão difícil como o acesso ao mistério de Deus e do

homem, mas também tão necessário como o conhecimento de Deus e do

homem. A oração dos salmos, colocando o homem em diálogo com Deus,

revela ao homem a salvação e coloca-o na presença de Deus. "A natureza

poética e musical dos salmos não implica o dirigirem-se necessariamente a

Deus, mas antes o serem cantados na presença de Deus" (I.G.L.H. 105). A

oração cristã dos salmos é uma arte difícil, mas possível e necessária, porque é

37 JOÃO PAULO II, Novo Millennio Ineunte 34

Page 146: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

ensinada por Deus na escola da Igreja em oração. Não há nada que esteja no

Pai Nosso que não esteja no livro dos Salmos. Cf. Pai Nosso e Salmo 145.

«Santificado seja o vosso nome» = vers.1;2;11 do referido Salmo. «Venha nós o

vosso Reino»=vers.11 e 13; «não nos deixeis cair em tentação» = vers.14; «o

pão de cada dia» =vers.15-16.

O LIVRO DOS SALMOS

é medicina geral da salvação humana.

Quem os lê,

encontra sempre um remédio especial

para curar as suas feridas.

Que há de mais agradável que um salmo?

O salmo é:

a bênção do povo,

o louvor de Deus,

o hino dos fiéis,

o aplauso da assembleia,

a palavra da multidão,

a voz da Igreja,

a exultante confissão da fé,

a expressão da autêntica piedade,

a alegria da liberdade,

o clamor do júbilo

e a exultação da alegria.

Ao nascer do dia exulta o salmo;

Ao cair da noite ressoa o salmo.

No salmo disputam entre si a doutrina e a graça;

Canta-se com gosto e aprende-se com proveito.

Page 147: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Que é o salmo

senão aquele órgão das virtudes

com que o venerável Profeta,

ao ritmo inspirado pelo Espirito Santo,

fez ressoar na terra

a beleza da harmonia celeste?

S. AMBRÓSIO, Sobre os Salmos I,7.9.10.11

VI.1.3. Exercício prático: Lectio Divina do Salmo 1

1 Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios,

nem se detém no caminho dos pecadores,

2 mas antes se compraz na lei do Senhor,

e nela medita dia e noite.

3 É como árvore plantada à beira das águas:

dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha.

Tudo quanto fizer será bem sucedido.

4 Bem diferente é a sorte dos ímpios:

São como palha que o vento leva.

5 Os ímpios não se aguentarão em julgamento

Nem os pecadores na assembleia dos justos.

6 O Senhor vela pelo caminho dos justos,

mas o caminho dos pecadores leva à perdição.

Lectio: que diz o texto?

a) Como classificar este salmo?

b) Como se poderia dividir este salmo? Vejam-se os contrastes entre bem-

aventurança e maldição, entre o caminho que leva à vida e o que leva a morte.

Entre a resistência do justo e do ímpio.

Page 148: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

c) Palavras difíceis: ímpio... (ver nota da Bíblia dos Capuchinhos, em Sab.3,10:

aquele que se opõe ao desígnio de Deus e se fecha à sua ação; o inimigo, o

adversário... o malfeitor)...

d) Palavras sugestivas: Árvore, rio... lembra a árvore do Paraíso, a árvore da

Cruz... os rios da Babilónia...

e) Lembrar e comparar com os textos do VI Domingo Comum C: Jer.15,5-8

(“maldito o homem... bendito o homem...”) e as Bem-Aventuranças, na versão

de São Lucas, com as bênçãos de felicitação (Felizes... Lc.6,20-23) e as

ameaças de perdição (Ai de vós... Lc.6,24-36).

f) Confrontar com Sal.112, muito semelhante a este;

g) Recordar outras felicitações: «feliz o que ouve a palavra de Deus e a põe em

prática (Lc.11, 28); as bem-aventuranças (Mt.5)

g) Aplicá-lo a Cristo, “o Homem que é Senhor e não seguiu o caminho dos

ímpios. Ele é árvore que deu fruto, ao fundar a Igreja e continua a dá-lo em

tempo oportuno. A sua folhagem não murcha... a sua Palavra não é vã, mas

permanece eternamente”, diz Santo Agostinho.

Meditação: Que me diz o texto?

Aplicá-lo a mim, como Cristo o aplicou a si.

- Ser feliz é o ideal de toda a vida humana...

- Necessidade de um caminho... o Caminho é Cristo...

- a «palha» e os «frutos» da minha vida?

- onde estão as raízes da minha fé?

Oração, contemplação: Que digo ao Senhor que me fala e reza neste

texto?

Apetece-me cantar, agradecer, pedir perdão, escrever um salmo pessoal,

cantar, de novo, o salmo... Os Salmos, em princípio, até deverão ser cantados.

87 entre os 150 salmos têm a indicação precisa de que devem ser cantados. Ou

não fossem os salmos essencialmente oração de louvor...

VI.2. Oração de petição

Page 149: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

A petição é a forma mais antiga de oração. Também o são as situações que a

motivam: as carências da pessoa. Esta oração é reflexo da pobreza, da

insuficiência e da dependência do homem. É uma boa oração, que Jesus

recomenda. Não é, em absoluto, indigna, porque o nosso estado é a

necessidade constante. Esta oração converte a necessidade em ponto de

encontro, em lugar de descoberta de Deus, em oportunidade de encontrar a

salvação. A pobreza faz-se proximidade e abertura a Deus e aos seus dons. Este

é o núcleo desta oração. A confiança que supõe a petição é já uma parte do

bem pedido. Aqui se dá o encontro com Deus no facto de se receber o que se

pediu.

Catecismo da Igreja Católica 2629

O vocabulário da oração de súplica é rico de matizes no Novo

Testamento: pedir, reclamar, chamar com insistência, invocar, bradar,

gritar e, até, «lutar na oração». Mas a sua forma mais habitual, porque

mais espontânea, é a petição. É pela oração de petição que traduzimos a

consciência da nossa relação com Deus: enquanto criaturas, não somos a

nossa origem, nem donos das adversidades, nem somos o nosso fim

último; mas também, sendo pecadores, sabemos, como cristãos, que nos

afastamos do nosso Pai. A petição é já um regresso a Ele.

Catecismo da Igreja Católica 2630

O Novo Testamento quase não contém orações de lamentação,

frequentes no Antigo. Doravante, em Cristo Ressuscitado, a petição da

Igreja é sustentada pela esperança, embora ainda estejamos à espera e

tenhamos de nos converter em cada dia. É de outra profundidade que

brota a petição cristã, aquela a que São Paulo chama gemido: o da

criação em «dores de parto» (Rm 8, 22) e também o nosso, «aguardando

a libertação do nosso corpo», porque «foi na esperança que fomos

salvos» (Rm 8, 23-24); e, por fim, os «gemidos inefáveis» do próprio

Espírito Santo, que «vem em auxílio da nossa fraqueza, pois não

sabemos o que havemos de pedir, para rezarmos como deve ser» (Rm 8,

26).

Page 150: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Catecismo da Igreja Católica 2631

O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração de petição (cf. o

publicano: «Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador» (Lc 18, 13).

É o preliminar duma oração justa e pura. A humildade confiante repõe-

nos na luz da comunhão com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo, bem

como dos homens uns com os outros. Nestas condições, «seja o que for

que Lhe peçamos, recebê-lo-emos» (1 Jo 3, 22). O pedido de perdão é o

preâmbulo da liturgia Eucarística, bem como da oração pessoal.

Catecismo da Igreja Católica 2632

A petição cristã está centrada no desejo e na busca do Reino que há de

vir, em conformidade com o ensinamento de Jesus. Há uma hierarquia

nas petições: primeiro, o Reino; depois, tudo quanto é necessário para o

acolher e para cooperar com a sua vinda. Esta cooperação com a missão

de Cristo e do Espírito Santo, que agora é a da Igreja, é o objeto da

oração da comunidade apostólica. É a oração de Paulo, o apóstolo por

excelência, que nos revela como a solicitude divina por todas as Igrejas

deve animar a oração cristã. Pela oração, todo o cristão trabalha pela

vinda do Reino.

Catecismo da Igreja Católica 2633

Quando se participa assim no amor salvífico de Deus, compreende-se

que qualquer necessidade pode tornar-se objeto de pedido. Cristo, que

tudo assumiu a fim de tudo resgatar, é glorificado pelos pedidos que

dirigimos ao Pai em seu nome. É com esta certeza que Tiago e Paulo nos

exortam a orar em todas as ocasiões.

“Essencial é saber que dirigimos sempre a nossa oração ao Pai, que dá sempre

o melhor aos seus filhos. E é grandemente significativo que o verbo REZAR, que

aparece no tríptico três vezes (Lucas 11,1[2 x] e 2), apareça praticamente

traduzido por PEDIR, que contamos no texto cinco vezes (Lucas

11,9.10.11.12.13), e cujo corolário é DAR, com nove menções no texto (Lucas

11,3.7.8[2 x].9.11.12.13[2 x].

 

Page 151: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Salta à vista a importância dada à oração de súplica. Todos sabemos que a

oração de súplica é muitas vezes vista como uma forma secundária de oração,

quase como um subproduto, quando comparada com a oração de louvor ou de

ação de graças. Ora, este tríptico diz-nos que, de acordo com Jesus, REZAR é

PEDIR, é mesmo só PEDIR. Aprofundando um pouco, compreendemos então que

PEDIR é próprio do filho. E é como Filho que Jesus REZA, e é no lugar de filhos

que Jesus nos quer colocar. Por isso também nos ensina a REZAR, dizendo:

“Pai…” E também já sabemos que o Filho é aquele que recebe tudo do Pai,

sendo o Pai aquele que dá tudo ao Filho”

38Todas as petições arrastam consigo um ato de fé e de compromisso para com

Aquele a quem se dirigem. E, dentro deste encontro no mistério, Deus escuta,

responde, atende, responde. A única coisa de que não podemos distrair-nos é a

purificação constante, porque não sabemos o que nos convém pedir

(Rom.8,26). Dos ensinamentos de Jesus, nós deduzimos as características da

oração de petição:

- Infabilidade: Pedi e dar-se-vos-á! (Mt.7,7-8); «tudo o que pedirdes ao Pai, Ele

vo-lo concederá» (Jo.16,23)

- Tensão para o Reino: «Procurai primeiro o Reino de Deus e o resto virá por

acréscimo» (Mt.6,33)

- pedir só coisas boas (Mt.7,11) e a «coisa» boa por excelência é o Espírito

Santo (Lc..11.13) atenção que a resposta de Deus é inesperada;

VI.2.1. Objeções à oração da petição39

a) Determinismo religioso: tudo está determinado; não vale a pena pedir

b) Na natureza, tudo está regulado; não é possível alterar o curso das coisas

c) O que importa é fazer o bem e não pedir o bem

d) Não devemos pedir nada a Deus: passividade absoluta (como no budismo)

Outro tipo de objeções, que tem a vantagem de nos ajudar a purificar a nossa

relação com Deus:

38 DOM ANTÓNIO COUTO in http://mesadepalavras.wordpress.com/39 Cf. JUAN MARTIM VELASCO, Orar para vivir, Ed. PPC, Madrid 2008, 70-78

Page 152: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

a) A oração de petição afronta a omnisciência de Deus. Ele bem sabe do que

preciso. Para quê pedir?

b) A oração de petição é uma concessão à debilidade humana.

c) Deus conhece as nossas necessidades. A bondade de Deus não precisa dos

nossos pedidos; risco de magia sobretudo quando se espera resposta

automática;

Mas há razões positivas para a oração de petição:

a) Ela está presente em todas as religiões;

b) Cristo recomenda-a apesar dos perigos, para que nos adverte; de acordo

com Jesus, rezar é pedir. E pedir é próprio do «Filho»: pedir +e manifestar a

nossa condição filial: filhos que tudo recebem do Pai;

c) Deve ser pedida com fé em nome de Jesus (Mt.21,22;16,23). A oração é

petição a Deus, de coisas convenientes (Santo Agostinho).

O que significa pedir com fé:

- Pedir com fé não é pedir com a certeza de que me vai ser concedido, mas

na certeza de que sou ouvido: por exemplo, na agonia Jesus pede ao Pai

que, se possível, o livre daquela hora, e diz o autor da Carta aos Hebreus,

que foi atendido por causa da sua piedade (Heb.5,5-7). Ora jesus foi

atendido, mas não da forma que seria expectável. São Paulo diz que por três

vezes orou ao Senhor e a resposta foi esta: «basta-te a minha graça» (II

Cor.12.18).

- Pedir com a certeza de que a minha vida está nas mãos de Deus e nenhum

mal a atingirá. Sim, podemos estar seguros de que estamos em boas mãos;

- pedir com confiança: a expressão do pedido já comporta uma resposta e é

já exercício de esperança que liberta;

- Pedir em nome de Jesus, significa pedir em união com Ele, adotando a sua

atitude.

d) É exercício de confiança no meio das provações;

e) E o que pedir? Tudo (Mt.21,22), desde que, com fé e em nome de Jesus. E o

que é este tudo? O que é radicalmente humano procede da radical

necessidade de salvação: o que pedimos a Deus é a salvação e essa

salvação é próprio Deus. Deus é o tudo que pedimos e esperamos da nossa

oração. Há que pedir e procurar «o Deus dos bens e das consolações e não

os bens e as consolações de Deus (São João da Cruz). Para recebermos

tudo, impõe-se radicalmente que não tenhamos nada. Só assim podemos

rezar.

Page 153: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Diz Santo Agostinho: “A oração não é apresentada diante de Deus, para lhe

expor algo que ele não conheça, mas, para desta forma elevar para Deus o

espírito do orante ou de outros».

DEZ PRECES (DES)OUVIDAS

1. Tinha pedido a Deus poder para ser amado.

- e encontrei o amor, para não precisar de ser poderoso.

2. Tinha pedido a Deus saúde para fazer grandes coisas.

- e encontrei a doença, para me tornar grande.

3. Tinha pedido a Deus riqueza para ser feliz.

- e encontrei a felicidade para poder viver na pobreza.

4. Tinha pedido a Deus mais leis para dominar os outros.

- e encontrei a liberdade para os libertar.

5. Tinha pedido a Deus admiradores para estar sempre rodeado de gente.

- e encontrei alguns amigos para não estar só.

6. Tinha pedido a Deus dinheiro para comprar muitas coisas.

- e encontrei pessoas com quem partilhar o meu dinheiro.

7. Tinha pedido a Deus ideias para convencer os outros.

- e encontrei no respeito o segredo para conviver com elas.

8. Tinha pedido a Deus milagres para acreditar.

- e foi-me dada a fé para fazer novos milagres.

9. Tinha pedido a Deus uma religião para ganhar o céu.

- e foi-me dado somente Cristo, para me acompanhar enquanto caminho pela

terra.

ORACÃO DE PETlÇÃO

"A oração de petição tem por objeto o perdão, a busca do Reino e, bem assim, toda a verdadeira necessidade" (ClC, 2646)

Page 154: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

PROPOSTAS

PARA

INICIAR

NA ORAÇÃO

DE PETIÇÃO

Iniciar o catequizando a pedir perdão como atitude

fundamental da vida cristã;

Ajudar a recitar com humildade o "rito penitencial"

na Eucaristia ou na Catequese;

Ensinar o "Confesso a Deus ... ";

Ajudar ao hábito de dizer várias vezes ao dia:

"Venha a nós o Teu Reino" ou mesmo toda a oração

do Pai Nosso;

Ajudar a "fixar" algumas expressões do Evangelho

(Ex: Mt 8,2; Mt 20, 30b; Mt 8, 8;Jo 4, 15; Lc 23,42).

10.Pedi a Deus tudo, e mais alguma coisa, para gozar a vida.

- e Ele deu-me a vida para poder gozar de tudo.

VI.2.2. Algumas propostas de oração de petição na Catequese

6.3. Oração de intercessão

Interceder é pedir para outro. É uma consequência da solidariedade. Quando o

orante se sente ligado a outros e se põe diante de Deus, surge espontânea a

oração em favor do outro. É uma oração implicada, solidária, que se exprime

também numa colaboração concreta no bem da pessoa, pela qual se intercede.

Esta solidariedade na vida e na oração não pode ficar encerrada no próprio

círculo familiar, eclesial e social. Abre-se ao mundo. Esta é a verdadeira

fraternidade universal. A oração transforma-se numa pedagogia de

solidariedade. É uma oração generosa que põe de relevo os outros, que assume

as suas próprias necessidades, que pede por outro o que quer para si, que cria

comunidade e aprofunda os laços da união. Supõe a fé no Corpo Místico e na

comunhão dos santos.

Catecismo da Igreja Católica 2634

Page 155: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

A intercessão é uma oração de petição que nos conforma de perto com a

oração de Jesus. É Ele o único intercessor junto do Pai em favor de todos

os homens, em particular dos pecadores. Ele «pode salvar de maneira

definitiva aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus, uma

vez que está sempre vivo, para interceder por eles» (Heb 7, 25). O

próprio Espírito Santo «intercede por nós [...] intercede pelos santos, em

conformidade com Deus» (Rm 8, 26-27).

Catecismo da Igreja Católica 2635

Interceder, pedir a favor de outrem, é próprio, desde Abraão, dum

coração conforme com a misericórdia de Deus. No tempo da Igreja, a

intercessão cristã participa na de Cristo: é a expressão da comunhão dos

santos. Na intercessão, aquele que ora não «olha aos seus próprios

interesses, mas aos interesses dos outros» (Fl 2, 4), e chega até a rezar

pelos que lhe fazem mal.

Catecismo da Igreja Católica 2636

As primeiras comunidades cristãs viveram intensamente esta forma de

partilha. O apóstolo Paulo fá-las participar deste modo no seu ministério

do Evangelho mas ele próprio também intercede por elas. A intercessão

dos cristãos não conhece fronteiras: «[...] por todos os homens, [...] por

todos os que exercem a autoridade» (1 Tm 2, 1), pelos perseguidores,

pela salvação dos que rejeitam o Evangelho.

6.3.1. Algumas propostas, para iniciar na oração de intercessão, na

Catequese

ORACÃO

DE INTERCESSÃO

"A oração de intercessão consiste num pedido a

favor de outrem. Não conhece fronteiras e

estende-se aos próprios inimigos" (CIC, 2647).

PROPOSTAS

PARA INICIAR

NESTA FORMA

Fazer sentir preferência pelas necessidades e

problemas dos outros, despertando para os

sofrimentos e dores da humanidade;

Preparar e propor diversas orações no estilo da

Page 156: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

DE ORAÇÃO

"oração dos fiéis" da Missa;

• Utilizar (e adaptar) a "Oração Universal da

Celebração da Paixão";

• Ajudar a "fixar" algumas expressões do

Evangelho (Ex: Jo 2, 3b; Mt 8,5b;Jo 11,21;Mt

15,22;Mc5,23;Rom 10,1).

6.4. Oração de ação de graças

Agradecer é mostrar sentimentos de gratidão, isto é, mover-nos a amar pelos

benefícios recebidos e corresponder a eles, de algum modo. Se Deus é o objeto

do nosso agradecimento estamos a fazer oração. Agradecimento pelos dons da

natureza, pela fé, pelos sacramentos, pelos irmãos, por Cristo, por tantas

pequenas coisas da vida quotidiana que podem transformar um rosto, um

coração, uma vida. Na nossa sociedade torna-se cada vez mais necessário dar

graças. Parece que tudo o que temos ou desejamos é um direito que nos

corresponde. A Eucaristia é a expressão mais sublime de um coração

agradecido, porque se oferece a Deus o mais precioso quer tem em suas mãos:

o próprio Filho. Esta forma de oração é a que caracteriza a oração da Igreja de

modo principal já, que, a Eucaristia, sacramento fonte e cume da vida da igreja,

é ação de graças a Deus. As palavras «eucaristein» e «eulogein» recordam as

bênçãos judias que se proclamam, sobretudo, nas refeições, as obras de Deus.

Page 157: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Catecismo da Igreja Católica 2637

A ação de graças caracteriza a oração da Igreja que, ao celebrar a

Eucaristia, manifesta e cada vez mais se torna naquilo que é. De facto,

pela obra da salvação, Cristo liberta a criação do pecado e da morte,

para de novo a consagrar e fazer voltar ao Pai, para sua glória. A ação de

graças dos membros do corpo participa na da sua Cabeça.

Catecismo da Igreja Católica 2638

Como na oração de petição, qualquer acontecimento e qualquer

necessidade podem transformar-se em oferenda de ação de graças. As

cartas de São Paulo muitas vezes começam e acabam por uma ação de

graças, e nelas o Senhor Jesus está sempre presente: «Dai graças em

todas as circunstâncias, pois é esta a vontade de Deus, em Cristo Jesus,

a vosso respeito» (1 Ts 5, 18); «perseverai na oração; sede, por meio

dela, vigilantes em ações de graças» (Cl 4, 2).

Quando a pessoa vive em comunhão de vida com a Santíssima Trindade, todo o

acontecimento e toda a necessidade podem converter-se em oferenda de ação

de graças a Deus. O cristão tudo refere na sua vida ao Pai, por Jesus Cristo, no

Espírito Santo.

6.4.1. Eis algumas propostas, para iniciar a esta forma de oração, na

Catequese

ORACÃO DE

AÇÃO DE GRAÇAS

"Toda a alegria e todo o sofrimento, todo o

acontecimento e toda a necessidade podem ser

matéria de ação de graças, a qual, participando

na de Cristo, deve encher a vida toda: "Dai

graças em todas as circunstâncias" (I Tess 5,

18)". (CatIC, 2648).

PROPOSTAS

PARA INICIAR

NESTA FORMA

DE ORAÇÃO

• Ajudar a entender que esta é a forma

privilegiada de comunhão e intimidade com

Deus;

• Fazer compreender que a Eucaristia é a 'Oração

Maior de Ação de Graças": explicar o significado

da palavra 'Eucaristia'; possibilitar um estudo

das partes essenciais da Eucaristia;

Page 158: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

• Ensinar a dar graças pelos dons e maravilhas de

Deus, provocando a descoberta desses mesmos

dons e maravilhas na vida pessoal e

comunitária;

• Ensinar a rezar com os ícones;

• Ajudar a "fixar" algumas expressões do

Evangelho (Ex: Jo I 1,41 b; I Cor I ,4; I Tes 5, 18).

6.5. Oração de louvor

O louvor está ligado à experiência da bondade e da beleza. Nasce no gozo, nos

momentos de plenitude anímica e de riqueza de vida. A densidade do momento

provoca o louvor e requer a capacidade de se maravilhar, de se assombrar, de

ficar atónito.

Faz-se oração de louvor quando Deus se encontra no meio da subtileza do gozo.

E é a mais desinteressada e gratuita, a mais livre e aberta. À pessoa que louva

não lhe interessa o seu caso, mas concentra-se em Deus e na sua grandeza. A

linguagem própria desta oração é a linguagem intensa, repetitiva, carregada

mais de sentimentos, que de abstrações. É espontânea e menos cuidada.

A catequese leva-nos a cantar, não só a Deus, pelo que faz connosco, mas

também por aquilo que Ele mesmo é. Louvamos a Jesus porque é o Filho de

Deus encarnado, vencedor do pecado e da morte, pelo mistério da sua paixão,

morte e ressurreição. Louvamos o Espírito Santo, Senhor e dador, que nos

fortalece e santifica para nos conduzir ao Pai.

Há que iniciar na oração do louvor, porque estamos muito habituados a ir para

a oração sobrecarregados dos nossos próprios problemas e interesses e não

valorizamos o encontro com Deus. "A oração de louvor, toda ela

desinteressada, dirige-se a Deus: canta-O por Ele ser quem é, glorifica-O para

além de tudo quanto Ele fez, porque Ele é". (CIC, 2649). É na Eucaristia, que se

contêm e expressam de modo iminente todas as formas de oração.

Catecismo da Igreja Católica 2639

O louvor é a forma de oração que mais imediatamente reconhece que

Deus é Deus! Canta-O por Si próprio, glorifica-O, não tanto pelo que Ele

Page 159: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

faz, mas sobretudo porque ELE É. Participa da bem-aventurança dos

corações puros que O amam na fé, antes de O verem na glória. Por ela, o

Espírito junta-Se ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de

Deus (114) e dá testemunho do Filho Único no qual fomos adotados e pelo

qual glorificamos o Pai. O louvor integra as outras formas de oração e

leva-as Aquele que delas é a fonte e o termo: «o único Deus, o Pai, de

quem tudo procede e para quem nós somos» (1 Cor 8, 6).

Catecismo da Igreja Católica 2640

São Lucas registra muitas vezes no seu Evangelho a admiração e o louvor

perante as maravilhas operadas por Cristo. Sublinha também os mesmos

sentimentos perante as ações do Espírito Santo que são os Atos dos

Apóstolos: a comunidade de Jerusalém, o entrevado curado por Pedro e

João, a multidão que por tal facto dá glória a Deus, os pagãos da Pisídia,

que, «cheios de alegria, glorificam a Palavra do Senhor» (Act 13, 48).

Catecismo da Igreja Católica 2641

«Recitai entre vós salmos, hinos e cânticos inspirados; cantai e louvai ao

Senhor no vosso coração» (Ef 5, 19). Tal como os escritores inspirados do

Novo Testamento, as primeiras comunidades cristãs releem o livro dos

Salmos, cantando neles o mistério de Cristo. Na novidade do Espírito,

compõem também hinos e cânticos a partir do acontecimento inaudito

que Deus realizou em seu Filho: a sua encarnação, a sua morte vitoriosa

sobre a morte, a sua ressurreição e a sua ascensão à direita do Pai. É

desta «maravilha» de toda a economia da salvação que sobe a doxologia,

o louvor de Deus.

Catecismo da Igreja Católica 2642

A revelação «do que deve acontecer em breve», que é o Apocalipse,

apoia-se nos cânticos da liturgia celeste, mas também na intercessão das

«testemunhas» (isto é, dos mártires). Os profetas e os santos, todos os

que na terra foram mortos por causa do testemunho dado por Jesus, a

Page 160: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

multidão imensa daqueles que, vindos da grande tribulação, nos

precederam no Reino, cantam o louvor da glória d'Aquele que está

sentado no trono e do Cordeiro. Em comunhão com eles, a Igreja da terra

canta também os mesmos cânticos, na fé e na provação. A fé, na súplica

e na intercessão, espera contra toda a esperança e dá graças ao Pai das

luzes de Quem procede todo o dom perfeito. Assim, a fé é um puro

louvor.

Catecismo da Igreja Católica 2643

A Eucaristia contém e exprime todas as formas de oração: é «a oblação

pura» de todo o corpo de Cristo «para glória do seu nome»; é, segundo

as tradições do Oriente e do Ocidente, «o sacrifício de louvor».

ORACÃO

DE LOUVOR

"A oração de louvor, toda ela desinteressada,

dirige-se a Deus: canta-O por Ele ser quem é,

glorifica-O para além de tudo quanto Ele fez, porque

ELE É". (CIC, 2649).

PROPOSTAS

PARA

INICIAR

NESTA

FORMA

DE ORAÇÃO

• Proporcionar o hábito de rezar os salmos de

louvor;

• Animar e motivar a participação na Eucaristia,

como momento e gesto maior de louvor;

• Cultivar o canto religioso para expressar a

oração de louvor;

• Ajudar a descobrir que estam os chamados a

fazer de toda a nossa vida um louvor permanente

a Deus - este louvor realiza-se quando

cumprimos os mandamentos e professamos e

celebramos a fé;

• Ensinar a contemplar a natureza e ensinar a

descobrir nela a beleza do criador;

• Ajudar a "fixar" algumas expressões do

Evangelho (Ex: Lc 18,43b; Act 2, 46-47;Act 3,9;

act 4,21 Act 13,48).

6.5.1. Eis algumas propostas, para iniciar a esta forma de oração, na

Catequese

Page 161: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

SÁBADO, 16H30-18H30

7. CAMINHOS PARA EXPRIMIR A ORAÇÃO

São muitos os caminhos pelos quais Deus atrai a pessoa a gozar da sua

intimidade e muitas as formas e ritmos de oração, com as quais a Igreja, na sua

multissecular tradição alimenta a oração contínua a que estão chamados os

seus filhos. Centraremos a nossa atenção nas três principais com as quais o

cristão ora, com particular dedicação, em alguns momentos: a oração vocálica,

a meditação e a oração de contemplação.

7.1. Oração vocal

A oração vocal é pôr-se em contacto com Deus, empregando todo o nosso ser.

Somos corpo e espírito e temos necessidade de traduzir exteriormente os

nossos sentimentos. A necessidade de associar os sentidos à oração interior

responde a uma exigência da nossa natureza humana.

Catecismo da Igreja Católica 2700

Page 162: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Pela sua Palavra, Deus fala ao homem. É nas palavras, mentais ou

vocais, que a nossa oração toma corpo. Mas o mais importante é a

presença do coração Àquele a Quem falamos na oração. «Que a nossa

oração seja atendida não depende da quantidade de palavras, mas do

fervor das nossas almas» (São João Crisóstomo).

Catecismo da Igreja Católica 2701

A oração vocal é um elemento indispensável da vida cristã. Aos

discípulos, atraídos pela oração silenciosa do seu mestre, este ensina-

lhes uma oração vocal: o «Pai-nosso». Jesus não rezou apenas as orações

litúrgicas da sinagoga: os evangelhos mostram-no-Lo a elevar a voz para

exprimir a sua oração pessoal, desde a bênção exultante do Pai

(Mt.11,25-26) até à desolação do Getsémani (Mc.14,36).

Catecismo da Igreja Católica 2702

A necessidade de associar os sentidos à oração interior corresponde a

uma exigência da natureza humana. Nós somos corpo e espírito e

experimentamos a necessidade de traduzir exteriormente os nossos

sentimentos. Devemos rezar com todo o nosso ser para dar à nossa

súplica a maior força possível.

Catecismo da Igreja Católica 2703

Esta necessidade corresponde também a uma exigência divina. Deus

procura quem O adore em espírito e verdade e, por conseguinte, uma

oração que suba viva das profundezas da alma. Mas também quer a

expressão exterior que associe o corpo à oração interior, porque ela Lhe

presta a homenagem perfeita de tudo a quanto Ele tem direito.

Catecismo da Igreja Católica 2704

Porque exterior e tão plenamente humana, a oração vocal é, por

excelência, a oração das multidões. Mas até a oração mais interior não

pode prescindir da oração vocal. A oração torna-se interior na medida em

que tomamos consciência d'Aquele «a Quem falamos» (Santa Teresa de

Page 163: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Jesus). Então, a oração vocal torna-se uma primeira forma da

contemplação.

As fórmulas de oração vocálica libertam o orante da necessidade de inventar,

em cada dia, as suas palavras de abertura a Deus, oferecendo-lhe de forma

condensada, alguns traços fundamentais de louvor, petição ou entrega pessoal.

Vários aspetos favorecem esta oração:

- em primeiro lugar, a fixação. As fórmulas, especialmente as melhores, são

significativas pelo seu conteúdo e belas, na sua forma, condensando a

experiência religiosa de uma comunidade e permitindo os mais profundos

sentimentos para com Deus.

- Em segundo lugar, a objetivação. Em vez de se perder em pormenores

acessórios, em vez de se deixar arrastar pelo racionalismo ou sentimentalismo,

em vez de confundir oração com fantasias da mente, o crente encontra

objetivado o mistério do encontro com Deus, exprime-o em modelos de

validade universal, de modo que um grupo de crentes pode unir-se numas

mesmas palavras pronunciadas, vividas e proclamadas;

- finalmente a repetição. Quando um crente ora, sabe que nenhuma das

palavras é definitiva; por isso, torna-se necessário que as mesmas expressões

voltem, tentando sempre conseguir o maior louvor. Isto é sobretudo possível,

quando se repetem orações já memorizadas.

7.1.1. Regras práticas para a oração vocal40

Quando se vai fazer oração vocal, através da recitação de fórmulas lidas ou

aprendidas de memória, convém preparar-se, pensando que nesse momento se

vai entrar em diálogo com Deus-Pai, ou com Jesus, ou com Maria.

Será bom orar bem o sinal da cruz; é extraordinária fórmula de oração e coloca-

nos sob a proteção da Santíssima Trindade, situando-nos no centro mais

profundo do mistério cristão.

40 Seguimos, aqui, de perto: A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1989, 286-287.

Page 164: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Seguir recitando bem o Pai- Nosso e alguma oração dirigida a Nossa Senhora.

Não há por que desprezar a invocação de algum santo preferido, ou do anjo da

guarda.

Se houver à mão um livro de orações, é bom usá-lo; é igualmente bom fazer as

orações habituais, que mudarão, se acaso se alterar o estado de alma.

Maravilhosas orações são os salmos; é bom ter um índice dos seus temas, para

os utilizar nos diferentes momentos que se vivem.

A recitação ou a entoação interior de cânticos religiosos aprendidos na infância

ou os que se costumam cantar na celebração comunitária, é uma boa solução.

O texto dos cânticos muito recentes costuma ser primoroso, como, por

exemplo, o dos refrães dos salmos.

A menos que se chegue a um certo recolhimento, não convém prolongar muito

as orações vocálicas, porque se tomam cansativas; então, é preferível semear o

dia com breves momentos de oração, que elevam o coração a Deus e vão

santificando a vida diária. Por exemplo, quando se começa uma viagem, ao

começar um trabalho, antes da refeição, antes de dormir. A oração à noite, para

agradecer a Deus o dia que se teve, é um hábito justamente muito difundido.

Dormir, sendo a oração o último ato do dia (ou uma leitura bíblica, que pode ser

a da Eucaristia do dia seguinte) exerce um influxo importante sobre o

inconsciente. De manhã, ao acordar, fica bem um «bom dia, Senhor!», uma

oração de oferecimento do dia.

O último critério das orações verbalizadas é a sua capacidade de fazer chegar

ao Senhor. É esta a sua função; são um meio, não um fim em si mesmas. E, por

isso, se não cumprem a sua missão, deixam de servir.

Então, é necessário rever e melhorar, mantendo a oração vocálica mesmo que

em alguns momentos se não sinta devoção (é necessário orar, mesmo quando

custa, para que chegue a não custar); porém, se se têm dúvidas sobre se leva

ou não a Deus... é porque não leva.

Como é pela oração exteriorizada individual que normalmente se inicia o

processo pessoal de oração, voltaremos a referir -nos a ela, quando se tratar

dos graus de oração.

Page 165: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Recitar uma oração é rezar?41

Jesus condenou a repetição mas também deu como exemplo a viúva que não

teve receio de importunar o juiz com um pedido insistente (Lucas 18, 1-8). A

tradição cristã oferece muitas orações. O “Pai-nosso”, ensinado por Jesus aos

seus discípulos, tem lugar privilegiado. Outras encerram uma referência

evangélica, como a “Avé Maria” e o “Magnificat”, ou têm um lugar importante

na tradição da Igreja, como o Símbolo dos Apóstolos (Credo) ou o Glória. É

também possível meditar nos mistérios do Rosário ou dizer a “prece do

coração” – «Senhor Jesus, Filho de Deus, tem piedade de mim, que sou

pecador».

«O risco é a recitação maquinal, sem ser animado pelo desejo de união a

Cristo», assinala o P. Patrice Gourrier, de Poitiers.

A prece do coração, explica, «foi concebida pelos padres orientais para afastar

o fluxo dos pensamentos, abrir o vazio e criar um espaço de silêncio interior,

para que Cristo habite sempre e cada vez mais a nossa personalidade.

Um conselho: rezar uma ou algumas destas orações em grupo atenua o risco da

recitação mecânica. A oração em grupo é um apoio e uma experiência de

comunhão.

7.1.2. Algumas propostas deste tipo de oração, na Catequese

A ORAÇÃO VOCAL

"A oração vocal, baseada na união do corpo e da

alma na natureza humana, associa o corpo à

oração interior do coração, a exemplo de Cristo

41 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad.: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10

Page 166: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

que orava ao Pai e ensinava o "Pai-Nosso" aos

seus discípulos" (CIC, 2722).

PROPOSTAS

PARA INICIAR

NESTA EXPRESSÃO

DE ORAÇÃO

o Ajudar a aprender de memória as orações

fundamentais do cristão e rezá-Ias

frequentemente em conjunto, no encontro de

catequese;

• Rezar sem pressas, com a devida atenção e

reverência;

• Aprender a rezar devagar e saboreando as

palavras;

• Fazer compreender que esta é a expressão

comum da assembleia reunida.

7.1.3. Exercício prático de orações breves e repetidas42

Oração breve e repetida

Instala-te comodamente. Liberta o espírito das coisas exteriores. Paz, desapego,

abandono!

Escolhe um texto que te agrade, como por exemplo: «Esse permanece em mim

e Eu nele» (Jo 6,56); ou «Estamos revestidos de Cristo» (Gal3, 27); ou «Deu-nos

o Espírito» (Ga 5,5); ou «Da Sua plenitude todos nós recebemos» (Jo 1, 16).

Respira ritmicamente com a frase. Ao princípio, pode não ser muito fácil a

associação respiração-palavras; mas, a pouco e pouco, conseguirás bem; não te

preocupes.

O que repetes com os lábios e a mente, fá-lo descer ao coração. O som dos

lábios diminui progressivamente. Quando o silêncio se impuser, deixa-te

conduzir e volta a tua atenção para o coração, segundo a recomendação

constante dos autores hesicastas. Quando se cala a boca, o coração pode

chegar a «gritar» a sua oração.

42 Sugestão a partir de A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1989, 231-234

Page 167: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Identifica-te com a fórmula repetida. Entra em comunhão com ela, fá-la tua,

deixa-te absorver por ela. Deixa-a descer a esse lugar secreto do teu ser, de

onde procedem as intuições profundas.

Repetição contínua com suporte concreto

Instala-te em posição de meditação. Silencia-te e recolhe-te nos três níveis do

teu ser (corporal, emocional, mental). Toma consciência de que Deus está aqui

presente, neste momento. Invoca o Espírito Santo.

Escolhe a frase sobre que queres orar (poderás tê-la escolhido anteriormente).

Por exemplo: «Deus amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho único» (Jo 3,

16). A frase deve provocar em ti ressonâncias afetivas e mentais. Se for

necessário, uma breve leitura anteriormente feita enriquecerá a compreensão.

Repete a frase lenta e continuamente, tendo a atenção concentrada no seu

sentido. Então, ela adquire uma ressonância interior. Cada palavra se toma

mais clara e enche todo o ser: cabeça, braços, pés, olhos. Ao ritmo da palavra

interior podes juntar o ritmo do coração e inscrever a frase neste ritmo (se

sentires o coração acelerado, abandona o exercício).

Podes também concretizar a frase, projetando-a sobre um objeto, uma pessoa,

uma cena, um acontecimento. Na frase presente, podes fixar o olhar sobre o

Crucifixo: as chagas ensanguentadas, a cabeça coroada de espinhos e

sobretudo o olhar de Jesus falam-te do amor do Pai, que não hesitou em

entregar o Seu Filho à morte, por nosso amor.

Para terminar, não é necessário intervir por uma decisão de vontade. A pouco e

pouco, a frase reduz-se a uma palavra, e depois até a repetição desta palavra

se torna incomodativa. Deixa-a desaparecer e fica num completo silêncio,

contentando-te simplesmente com amar, louvar e adorar.

Caminhar com uma frase bíblica

Se facilmente te emocionas, podes utilizar o passeio-oração, de preferência em

sítios calmos: um caminho solitário, uma estrada não frequentada, um claustro

silencioso.

Page 168: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Escolhe uma frase que corresponda ao teu estado de momento. Por exemplo:

«O Senhor é minha luz e minha salvação; a quem temerei?»; ou «Deixo-vos a

Minha paz», ou «O Senhor é meu pastor», ou outra qualquer. Começa a repeti-

la. A pouco e pouco, instalar-se-á um ritmo harmonioso entre passos e palavras,

ou mesmo entre as pulsações do coração e as palavras. Não faças cálculos;

deixa que aconteça.

Talvez também a música venha a surgir: a frase encontrará um certo «ar

musical». Não o emendes; toma-o como aconteceu, sem procurares modificá-lo.

Identifica-te com os passos, com a respiração, com o coração e sobretudo com

a frase; ela te levará para além de si mesma.

Orações breves ao longo do dia

De manhã, podes antecipar mentalmente o teu dia, insistindo sobre o que

prevês de bom: o encontro com os amigos, o êxito no trabalho, a festa de anos

do filho, etc... Diz a ti mesmo: «Isto é-me dado... a mim... para Ele». Deixa-te

atingir por esta corrente de dons que te vêm do amor de Deus. Este sentimento

torna-se oração, que repetes sem cessar: «Tudo vem de Ti!»

Podes também antecipar mentalmente o teu dia, vendo a agenda do que tens a

fazer; então, a oração repetitiva que sai do coração será: «Tudo para Ti!» Na

medida em que se processa a interiorização, esta maneira de oferecer o dia é

mais fecunda do que a simples repetição do «Oferecimento de obras do dia»,

segundo a fórmula habitual.

* Durante o dia, os motivos de alegria que te surgem tornam-se ainda

encontros com o Amor que te os oferece. Então, a tua oração pode ser: "És Tu,

Pai bondoso!" Ao cumprires os teus deveres, a tua atenção dirige-se para

Aquele que te pede o seu cumprimento; a tua oração repetitiva pode ser:

"Como quiseres", ou "faça-se a Tua vontade". Então, ao longo do dia, mais nada

se fecha à vontade de Deus; tudo se torna transparente e os acontecimentos

tornam-se os lugares de encontro com o Seu amor e as Suas intenções.

* Nas viagens, pensa nos seres com quem te cruzas e deseja a cada um aquilo

que necessita; ora: "Abençoa-o, Senhor!"

Page 169: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

* À noite, faze silêncio, revê o teu dia como dom de Deus, acompanhado por

Ele. A oração pode ser: "Estiveste em tudo; bendito sejas por tudo!"

Quando o Senhor interpela

São numerosas as frases que Jesus dirigiu como «farpas» aos Seus

interlocutores: «Vem e segue-Me», «Vinde e vede», «Deixai tudo», «Farei de

vós pescadores de homens», «Apascenta as minhas ovelhas», «Vigiai e orai»,

«Quem dizei vós que Eu sou?», «Tu amas-Me?

- Escolhe uma destas frases ou qualquer outra do género. Imagina Cristo

Ressuscitado diante de ti. Escuta a pergunta que Ele te faz: «Amas-Me?»; não

tenhas pressa em responder. Ouve-O repetir-te a pergunta. Deixa-a fazer eco

no mais fundo do teu ser. Que ela te acorde, que te provoque até ao momento

em que já não possas conter a resposta.

- Anota cuidadosamente as passagens em que o Senhor Se dirige a ti de

maneira particular. Nos momentos de aridez ou de secura, ser-te-ão de grande

utilidade.

A oração dos jovens, hoje

Os jovens sentem-se particularmente vulneráveis aos «slogans» televisivos e às

canções dos festivais. Isso denota a possibilidade de atingir o psiquismo com a

oração constantemente repetida. Os jovens de Taizé compreenderam-no

instintivamente. As suas gravações puseram-nos em contacto com refrães

largamente divulgados e que brotam do tesouro da mais pura Tradição.

Divulgaram-se em todas as línguas, mas também em latim, para acentuarem o

caráter de comunhão universal na mesma fé: «Veni, Sancte Spiritus»,

«Adoramus Te, Domine», «Kyrie, eleison», «Dai graças ao Senhor, porque Ele é

bom», «Bem-aventurados… bem-aventurados», «Louvai ao Senhor, todos os

povos», «Jubilate Deo», «Magnificat», «Amen! Aleluia!» Cantados em grupo, e

muitas vezes a vozes, estes refrães exercem um fascínio indizível.

7.2. A meditação

Page 170: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

É a reflexão atenta sobre uma verdade religiosa, para nossa aproveitamento

espiritual e que culmina com um colóquio filial com Deus.

Catecismo da Igreja Católica CIC 2705

A meditação é sobretudo uma busca. O espírito procura compreender o

porquê e o como da vida cristã, para aderir e corresponder ao que o

Senhor lhe pede. Exige uma atenção difícil de disciplinar. Habitualmente,

recorre-se à ajuda dum livro e os cristãos não têm falta deles: a Sagrada

Escritura, em especial o Evangelho, os santos ícones (as imagens), os

textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais,

as obras de espiritualidade, o grande livro da criação e o da história, a

página do «hoje» de Deus.

Catecismo da Igreja Católica 2706

Meditar no que se lê leva a assimilá-lo, confrontando-o consigo mesmo.

Abre-se aqui um outro livro: o da vida. Passa-se dos pensamentos à

realidade. Segundo a medida da humildade e da fé, descobrem-se nela

os movimentos que agitam o coração e é possível discerni-los. Trata-se

de praticar a verdade para chegar à luz: «Senhor, que quereis que eu

faça?».

Catecismo da Igreja Católica 2707

Os métodos de meditação são tão diversos como os mestres espirituais.

Um cristão deve querer meditar com regularidade; doutro modo, torna-se

semelhante aos três primeiros terrenos da parábola do semeador

(Mc.4,4-7.15-19). Mas um método não passa de um guia; o importante é

avançar, com o Espírito Santo, no caminho único da oração: Cristo Jesus.

Catecismo da Igreja Católica 2708

A meditação põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção e o

desejo. Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da

fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a

Cristo. A oração cristã dedica-se, de preferência, a meditar nos

«mistérios de Cristo», como na «lectio divina» ou no rosário. Esta forma

Page 171: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

de reflexão orante é de grande valor, mas a oração cristã deve ir mais

longe: até ao conhecimento amoroso do Senhor Jesus, até à união com

Ele.

A

MEDITAÇÃ

O

"A meditação é a uma busca orante, que põe em ação o

pensamento, a imaginação, a emoção, o desejo. Tem por

finalidade a apropriação crente do tema considerado,

confrontado com ele a realidade da vida" (ClC, 2723).

PROPOSTA

S PARA

INICIAR

NESTA

EXPRESSÃ

O

DE

ORAÇÃO

• Fazer (e proclamar no encontro de catequese) a

leitura 'sossegada' da Bíblia;

• Sugerir algumas perguntas para acolher o texto

segundo a dinâmica da "Iectio divina" (Que diz a

Palavra - analisar o texto; Que me diz a Palavra -

aplicar à vida; A que me convida a Palavra - tirar

consequências simples e práticas para a vida);

• Proporcionar o contacto com a vida e a doutrina dos

santos;

• Utilizar os escritos dos Mestres da Espiritualidade;

• Colocar (e 'mostrar') imagens sagradas que facilitem

e proporcionem a meditação e contemplação dos

mistérios de Cristo;

• Ensinar a meditar os mistérios do Rosário;

• Ajudar a ler os textos litúrgicos.

7.2.1. Algumas propostas deste tipo de oração, na Catequese

Page 172: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

7.3. A contemplação ou a oração mental

A contemplação é o olhar de fé fixado no rosto do Senhor.

Novo Millennium Ineunte 17

“A contemplação do rosto de Cristo não pode inspirar-se senão naquilo

que se diz d'Ele na Sagrada Escritura, que está, do princípio ao fim,

permeada pelo seu mistério; este aparece obscuramente esboçado no

Antigo Testamento e revelado plenamente no Novo, de tal maneira que

S. Jerónimo afirma sem hesitar: « A ignorância das Escrituras é

ignorância do próprio Cristo».

Catecismo da Igreja Católica 2709

O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: «Outra coisa não é, a

meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade – estando muitas

vezes tratando a sós – com Quem sabemos que nos ama» (7).

A contemplação procura «Aquele que o meu coração ama» (Ct 1, 7) (8), que é

Jesus, e n'Ele o Pai. Ele é procurado, porque desejá-Lo é sempre o princípio do

amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer d'Ele e viver n'Ele.

Nesta modalidade de oração pode, ainda, meditar-se; todavia, o olhar vai todo

para o Senhor.

Catecismo da Igreja Católica 2710

A escolha do tempo e duração da contemplação depende duma vontade

determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz

contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para

estar com o Senhor, com a firme determinação de não Lho retirar

durante o caminho, sejam quais forem as provações e a aridez do

encontro. Não se pode meditar sempre; mas pode-se entrar sempre em

contemplação, independentemente das condições de saúde, trabalho ou

afetividade. O coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na

fé.

Page 173: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Catecismo da Igreja Católica 2711

A entrada na contemplação é análoga à da liturgia eucarística: «reunir» o

coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar

na casa do Senhor que nós somos, despertar a fé para entrar na

presença d'Aquele que nos espera, fazer cair as nossas máscaras e voltar

o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo a entregarmo-nos

a Ele como uma oferenda a purificar e transformar.

Catecismo da Igreja Católica 2712

A contemplação é a oração do filho de Deus, do pecador perdoado que

consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer

corresponder amando ainda mais. Mas ele sabe que o seu amor de

correspondência é o que o Espírito Santo derrama no seu coração,

porque tudo é graça da parte de Deus. A contemplação é a entrega

humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais

profunda com o seu Filho muito amado.

Catecismo da Igreja Católica 2713

Assim, a contemplação é a expressão mais simples do mistério da

oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na

pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do

nosso ser. A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade

conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança».

Catecismo da Igreja Católica 2714

A contemplação é, também, por excelência, o tempo forte da oração.

Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça

em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós

sejamos radicados e alicerçados no amor.

Catecismo da Igreja Católica 2715

Page 174: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele

olha para mim» – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d'Ars

em oração diante do sacrário. Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O

seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do

nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua

compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige também o

seu olhar para os mistérios da vida de Cristo. E assim aprende «o

conhecimento íntimo do Senhor» para mais O amar e seguir.

Catecismo da Igreja Católica 2716

A contemplação é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, esta

escuta é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão

amorosa do filho. Participa do «sim» do Filho que se fez Servo e do «faça-

se» da sua humilde serva.

Catecismo da Igreja Católica 2717

A contemplação é silêncio, este «símbolo do mundo que há de vir» ou

«linguagem calada do amor» . Na contemplação, as palavras não são

discursos, mas acendalhas que alimentam o fogo do amor. É neste

silêncio, insuportável para o homem «exterior», que o Pai nos diz o seu

Verbo encarnado, sofredor, morto e ressuscitado e que o Espírito filial

nos faz participar da oração de Jesus.

Catecismo da Igreja Católica 2718

A contemplação é união à oração de Cristo na medida em que nos faz participar

no seu mistério. O mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia e o

Espírito Santo faz-nos viver dele na contemplação, para que seja manifestado

pela caridade em ato.

Catecismo da Igreja Católica 2719

A contemplação é uma comunhão de amor, portadora de vida para a

multidão, na medida em que é consentimento em permanecer na noite

da fé. A noite pascal da ressurreição passa pela da agonia e do sepulcro.

São estes três tempos fortes da «Hora» de Jesus, que o seu Espírito (e

Page 175: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

não a «carne», que é «fraca») nos faz viver na oração contemplativa. É

preciso consentir em velar uma hora com Ele.

7.3.1. Um olhar contemplativo43

No espaço da comunhão e do ágape, quem reza chega pouco a pouco à

contemplação. Esta não é visão de Deus - porque «ninguém pode vê-l'O e

continuar com vida», avisa o adágio do Antigo Testamento (cf Ex 33,20), e o

discípulo amado repete-o: «Ninguém jamais viu a Deus» (Jo 1, 18)-, mas é um

olhar novo sobre tudo e sobre todos. «Caminhamos pela fé e não ainda pela

visão» (2Cor 5,7), afirma por sua vez o Apóstolo Paulo; isto significa que na fé

Deus não Se deixa ver por nós, e todavia Ele manifesta-Se segundo a promessa

de Jesus: «Quem Me ama será amado por Meu Pai. Eu também o amarei, e

manifestar-Me-ei a ele.» (Jo 14,21)

Esta manifestação não acontece, porém, como já se disse, através da visão,

nem por um conhecimento teórico, mas numa comunicação interior do poder

divino: Deus revela o Seu desígnio de salvação, a Sua economia, na qual

sustenta a Criação inteira e ama todas as criaturas, todos os homens.

É esta, então, a autêntica contemplação cristã: fixar o olhar no amor de Deus

até ver, por graça, toda a realidade com os Seus olhos.

Então Deus brilha nos nossos corações para fazer resplandecer «o

conhecimento da Sua glória, que resplandece na face de Cristo» (2Cor 4,6), e

nós participamos do Seu olhar sobre toda a história e sobre todas as criaturas.

O nosso olhar torna-se então o dos querubins, um olhar contemplativo, cheio de

amor e de misericórdia...

E assim nos é dada a makrothymía de Deus: o ver, sentir, pensar em grande

cada coisa, cada criatura, mesmo a mais infeliz, mesmo a que está marcada

pelo pecado e mais ferida na sua semelhança com Deus. Este é o verdadeiro

43 Seguimos aqui ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011, 46-49

Page 176: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

discernimento, que tem como fruto o "apocalipse", a revelação de todas as

coisas! O orante torna-se capaz de ver "além", de ver em profundidade: ele vê

que tudo é graça, tudo é dom de Deus, e torna-se vísceras de misericórdia nas

vísceras de misericórdia de Deus, mesmo perante o mal e o pecado que

contradizem o ágape.

Eis como se exprimia a esse respeito Isaac de Nínive, o grande Padre da Igreja

siríaca: o que é um coração misericordioso? É o fogo do coração por cada

criatura: pelos homens, pelos passarinhos, pelos animais, pelos demónios e por

tudo o que existe. Ao lembrar-se deles e à vista deles, os olhos [do cristão]

derramam lágrimas, pela violência da misericórdia que lhe aperta o coração

devido a grande compaixão. O coração derrete-se e não pode suportar ouvir ou

ver um dano ou um pequeno sofrimento de qualquer criatura. E por isso ele

oferece orações com lágrimas em todo o tempo, mesmo pelos seres que não

são dotados do uso da razão; pelos inimigos da verdade e por aqueles que a

contrariam, para que sejam guardados e fortalecidos; e até pelos répteis,

devido à sua grande misericórdia, que no seu coração brota sem medida, à

imagem de Deus.

Se a oração é autenticamente cristã, se brota da escuta de Deus, se se abre à

Sua presença e se torna comunhão até viver com Ele a relação de aliança,

então o seu fruto é a caridade, é o amor por Deus, pelos homens e pela Criação

inteira.

A oração tende, assim, a tornar-se vida, permeia toda a existência do crente,

que pode cantar com o salmista: «Eu sou oração.» (Sl 109,4) O crente já não faz

oração, mas torna-se oração, como se pôde dizer de São Francisco de Assis: «Já

não rezava, já se tinha tornado oração».

No final da sua vida de oração, São Bento de Núrcia, estando à janela e fitando

o olhar nas espessas trevas da noite, descobre uma luz que descia do alto e

afugentava a densa escuridão; naquela visão «o mundo inteiro foi posto diante

dos seus olhos como que reunido num único raio de sol» (SÃO GREGÓRIO

MAGNO, Diálogos, II, 35). É assim que o contemplativo vê o mundo: com grande

misericórdia, com profunda compaixão. Ele recebeu como dom o olhar de Deus!

7.3.2. Fases da oração contemplativa44

44 Para uma análise mais completa, das fases da contemplação, cf. A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, 1989, 245-248

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206

A meditação põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo.

Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a

conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir Cristo. A oração cristã

dedica-se a meditar os mistérios de Cristo, como na «lectio divina» ou no

rosário. Esta forma de reflexão é de grande valor. Mas a oração cristã deve ir

mais longe: até ao conhecimento amoroso do Senhor Jesus, até à união com

Ele. (cf. CIC 2705-2708). É preciso chegar à contemplação. Pode-se passar ou

demorar em determinadas fases. Empregar todo o tempo de oração a procurar

sossegadamente a presença do Senhor.

As fases são sempre preparatórias. O importante e o que se vive.

1. Fase de relaxamento e de silêncio:

Senta-te e acalma-te. Deixa que desapareça a tensão. Intenta fazer-te

consciente da presença pessoal de Deus. Não deve haver mínima violência.

Deixar tudo para adquirir consciência da presença de Deus. Tensões,

ansiedades, preocupações... tudo se desvanece diante dele. Deixa que o teu

coração se acalme, os pensamentos obsessivos, as emoções. «Procura a Paz e

anda atrás dela» (Sal.34). «O coração é o lugar da busca e do encontro, na

pobreza e na fé». (CIC 2710). Se for preciso dispõe-te a ocupar todo o tempo da

oração nisto. «A escolha do tempo e duração da contemplação depende de uma

vontade determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz

contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para estar com

o Senhor, com a firme determinação de não Lho retirar durante o caminho,

sejam quais forem as provações e a aridez do encontro. Não se pode meditar

sempre; mas pode-se entrar sempre em contemplação» (CIC 2710). Este

movimento para a Paz (silêncio) é que nos abre à influência do dom, da graça. É

um movimento de entrega incondicional à vontade de Deus. Alguns pensam

que o relaxamento pode ajudar a produzir sono. Não. Trata-se de nos

relaxarmos para nos tornarmos mais despertos. «A contemplação é silêncio,

este símbolo do mundo que há de vir ou linguagem calada do amor. Na

contemplação as palavras não são discursos, mas acendalhas que alimentam o

fogo do amor. É neste silêncio insuportável para o Homem exterior que o Pai

nos diz o seu Verbo Incarnado, sofredor, Morto e Ressuscitado e que o Espírito

filial nos faz participar da oração de Jesus» (CIC 2717).

Page 178: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

2. Consciencialização da presença:

Sentados tranquilamente e abertos infinitamente a uma consciencialização da

presença de Deus. Sou eu que trato de tomar consciência disso. Deus é-me

mais íntimo a mim que eu a mim próprio (Sto. Agostinho). No espelho da

existência criada, eu sou imagem viva dele. «A entrada na contemplação é

análoga à da Liturgia Eucarística: “reunir” o coração, recolher todo o nosso ser,

sob a moção do Espírito Santo, habitar na Casa do Senhor que nós somos,

despertar a fé para entrar na presença dAquele que nos espera, fazer cair as

nossas máscaras e voltar o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo

a entregarmo-nos a Ele, como oferenda a purificar e a transformar» (CIC 2711).

3. Entrega:

Despojar-me da posse e suplicar a Deus que me possua. Cresço na convicção

de que a minha fé e a minha esperança são verdadeiras. Deus ocupa-se das

minhas coisas. A minha única oração (preocupação) é que ele viva e reine em

mim. É a fase da petição, ardente e invisível procura. A súplica termina na fé

certa de que a minha oração é escutada.

4. Aceitação:

Uma grande parte das reações naturais são gestos de não aceitação. A ira

instala-se, a paciência é pouca. Negamo-nos a aceitar pessoas, factos,

situações e até nós mesmos. Na oração isto é uma barreira. A influência nas

pessoas e acontecimentos só é realizada através do perdão e do amor, da

aceitação, do sofrimento, do agradecimento. Na Oração tomamos consciência

das barreiras, da não aceitação. Renunciamos ao criticismo, à violência do

pensamento das palavras e das obras. Então chegamos a dar o salto da fé e do

amor. «A contemplação é a oração do filho de Deus pecador perdoado que

consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer corresponder

amando ainda mais» (CIC 2712).

5. Transformação:

Fase do arrependimento e do perdão: Pode acontecer que eu tenha uma

sensação de pecado, de fracasso. Pode ser um estado de tristeza, Há que

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206

aceitar isto, com espírito de arrependimento e pequenez. Somos incapazes de

tantas coisas. Aceitemos estes limites. Não é permitido alimentar sentimentos

de culpa. Há que abraçar o perdão total de Deus. Sentimentos de culpa diante

de Deus são egoísmos. Damos mais importância ao nosso pequeno pecado do

que á grande misericórdia de Deus. Todos os pecados são graves ainda que

algo muito pequenino nos afaste de Deus. Cada um de nós é isso. O grito do

pecado transforma-se em pedido de ajuda a Deus. «A contemplação é a

entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais

profunda com o seu Filho muito amado» (CIC 2712). Isto vai-se fazendo de

modo cada vez mais espontâneo. Assim, afastados os obstáculos, toda a

decisão da vontade, pode entrar na fase da Contemplação.

6. Contemplação:

“Cum- templum”, quer dizer, num lugar à parte; deixar-se possuir pela Palavra;

deixar-se abraçar pelo Absoluto que nos toma «à parte». Assim a contemplação

é como que o retorno ao paraíso, dando-nos a consolação; a irrupção do divino

na História; a visão panorâmica (Teoria) de tudo à luz do Crucificado do

Ressuscitado. Nesta fase, só a Deus desejar, só a Deus buscar, a sua presença

escondida e gloriosa. Olho-o com olhar da fé. O olhar interior fixa-se. O meu

olhar descansa simples e amorosamente. A minha oração é uma amorosa

consciência dele. «Olho porque amo. Olho para amar. E o meu amor é

alimentado pelo olhar» (São João da Cruz). Oração, sem palavras, alimentada

pelo silêncio. Esta fase pode ser apoiada mediante uma oração repetitiva. Só o

amor veemente é luz. «A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. Eu

olho para Ele e ele olha para Mim. Esta atenção a Ele é renúncia ao seu. O seu

olhar purifica o nosso coração: ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da

sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige o seu olhar

também para os mistérios da vida de Cristo» (CIC 2715).

«O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: «Outra coisa não é, a meu

parecer, oração mental, senão tratar de amizade - estando muitas vezes

tratando a sós com Quem sabemos que nos ama». A contemplação procura

aquele que o meu coração ama (Ct.1,7), que é Jesus, e nEle o Pai. Ele é

procurado, porque desejá-lO é sempre o princípio do amor e é procurado na fé

pura, esta fé que nos faz nascer dele e viver nele. Nesta modalidade de oração,

pode ainda meditar-se: todavia o olhar vai todo para o Senhor» (CIC 2709).

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206

7. Receção:

Buscai e achareis. Ele procura-nos antes de nós o buscarmos. Com amor eterno

te amei (Jer.). Sinto o seu olhar. Aquele que ama será amado por meu Pai. «Ele

o amará; viremos a ele e faremos nEle a nossa morada» (Jo.14,23). Podemos

discerni-lo na fé, mediante a graça na experiência. Torna-se maior a capacidade

de aceitar e mais profundo o desejo de dar graças. Esta fase dá forças para

servir, para testemunhar a Paz e a Unidade.

8. Fase da Intercessão:

Jesus salva pela sua ininterrupta intercessão os nossos corações. Se o seu

Espírito foi acolhido em nós, vemos que esse Deus que acolhemos e nos habita,

se preocupa com todos, com o mundo todo, com o universo. Então podemos

chegar a desfalecer na súplica. Oramos segundo a sua vontade, para que o seu

Reino venha, a sua vontade se faça. Participamos da ânsia de salvação do Pai.

«A contemplação é união à oração de Cristo, na medida em que nos faz

participar no seu mistério» (CIC 2718).

9. Fase do louvor e do agradecimento:

Jesus dá graças ao Pai e ensina os seus discípulos a fazer o mesmo. Aceitamos

participar da Paixão de Jesus. Assim se realiza a sua vontade.

«Assim a contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É

um dom, uma graça; só pode ser acolhida ma humildade e na pobreza. É uma

relação de aliança, estabelecida por Deus no fundo do nosso ser. A

contemplação é comunhão: nela a Santíssima Trindade conforma o homem,

imagem de Deus, à sua semelhança» (CIC 2713).

7.3.3. Desenvolver a dimensão contemplativa da Vida

Vamos percorrer alguns passos da oração, para avançar corajosamente nos

caminhos da missão. E, deste modo, redescobrir o gosto por aquilo que

podíamos chamar a dimensão contemplativa da vida.

Esta unidade, entre oração e missão, testemunhada por Jesus, é uma urgência,

declarada pelo Papa Bento XVI, na sua Encíclica sobre o Amor. Diz o Papa:

Page 181: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

“Chegou o momento de reafirmar a importância da oração face ao

ativismo e ao secularismo, que ameaça muitos cristãos empenhados no

trabalho caritativo [diria por extensão, «no trabalho apostólico»45” .

E diz antes ainda:

“Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação

apresenta todas as características duma emergência e parece impelir

unicamente para a ação. A Beata Teresa de Calcutá é um exemplo

evidentíssimo do facto que o tempo dedicado a Deus na oração não só

não lesa a eficácia nem a operosidade do amor ao próximo, mas é

realmente a sua fonte inexaurível. Na sua carta para a Quaresma de

1996, esta Beata escrevia aos seus colaboradores leigos: «Nós

precisamos desta união íntima com Deus na nossa vida quotidiana. E

como poderemos obtê-la? Através da oração»46.

7.3.3.1. Não é fácil, hoje, viver a dimensão contemplativa da existência

Há uma falta de hábito, quer nos agentes pastorais, (padres e leigos), quer na

grande massa da população, da prática da oração e das pausas contemplativas.

Neste ponto, a nossa civilização ocidental se distingue claramente da civilização

do Oriente, onde gozam de grande prestígio a prática e as técnicas

contemplativas, assim como o gosto pela reflexão profunda.

Por outro lado, surge, com grande vitalidade, a busca, diversamente motivada,

por parte de alguns grupos, de formas e momentos mais intensos de oração, de

experiências de "deserto" e de regresso natural. Dizia-nos João Paulo II, na

Carta Apostólica sobre a Igreja no novo Milénio:

Novo Millennium Ineunte 33

“Não será porventura um «sinal dos tempos» que se verifique hoje, não

obstante os vastos processos de secularização, uma generalizada

exigência de espiritualidade, que em grande parte se exprime

45 BENTO XVI, Encíclica Deus Charitas est, 3746 Ibidem, 36

Page 182: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

precisamente numa renovada carência de oração? Também as outras

religiões, já largamente presentes nos países de antiga cristianização,

oferecem as suas respostas a tal necessidade, chegando às vezes a fazê-

lo com modalidades cativantes. Nós que temos a graça de acreditar em

Cristo, revelador do Pai e Salvador do mundo, temos obrigação de

mostrar a profundidade a que pode levar o relacionamento com Ele.

A grande tradição mística da Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente,

é bem elucidativa a tal respeito, mostrando como a oração pode

progredir, sob a forma dum verdadeiro e próprio diálogo de amor, até

tornar a pessoa humana totalmente possuída pelo Amante divino,

sensível ao toque do Espírito, abandonada filialmente no coração do Pai.

Experimenta-se então ao vivo a promessa de Cristo: « Aquele que Me

ama será amado por meu Pai, e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele »

(Jo 14,21). Trata-se dum caminho sustentado completamente pela graça,

que no entanto requer grande empenhamento espiritual e conhece

também dolorosas purificações (a já referida « noite escura »), mas

desemboca, de diversas formas possíveis, na alegria inexprimível vivida

pelos místicos como « união esponsal ». Como não mencionar aqui, entre

tantos testemunhos luminosos, a doutrina de S. João da Cruz e de S.

Teresa de Ávila?”

Verifica-se a falta mais ou menos generalizada de consciência da importância

do problema, assim como uma certa nostalgia deste valor irrenunciável da vida,

que é a dimensão contemplativa! Talvez as pessoas rezem e reflitam mais do

que imaginam ou afirmam. Trata-se de ajudá-las a darem um nome mais

preciso, uma direção mais constante, um conteúdo mais cristão a certos

impulsos providenciais do coração, que estão presentes, mais ou menos

intensamente, na história de cada um de nós. O êxodo maciço das cidades nos

períodos de férias e nos fins de semanas, no fundo, exprime também este

desejo de volta às raízes contemplativas da vida.

7.3.3.2. O homem aberto a Deus

O fundo geral desta situação é constituído pela cultura ocidental hodierna, que

visa prevalentemente à produtividade, toda voltada para o "fazer", o "produzir",

mas que, em contraposição, gera uma necessidade vaga de silêncio, de escuta,

de respiração contemplativa.

Page 183: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Todavia, ambas as tendências correm o risco de permanecer superficiais. Tanto

o ativismo frenético, como uma certa maneira de compreender a contemplação,

podem representar uma "fuga" da realidade. Para fazer evoluir cristãmente esta

situação, não basta despertar uma busca de oração.

Será necessário também purificar, orientar e cristianizar certas formas de

busca, incorretas ou insuficientes. Devem-se evitar especialmente as

contraposições genéricas entre ação, luta e revolução, dum lado, e

contemplação, silêncio, passividade, do outro. É necessário dar uma orientação

especificamente cristã, quer à ação, quer à contemplação.

7.3.3.3. Recuperar alguns valores

Ao propormos refletir sobre a dimensão contemplativa da vida, pretendemos

implicitamente a recuperação de algumas certezas que, nos confusos, embora

fecundos anos ultimamente transcorridos, sofreram algum esmorecimento e

alguns eclipses. Entre elas, estão a importância religiosa do silêncio e o primado

na pessoa humana, do ser sobre o ter, o dizer, o fazer; podíamos ainda aludir a

uma justa relação pessoa-comunidade. Mas dêmos lugar sobretudo do silêncio:

O homem que, segundo os ditames da cultura dominante, eliminou de seus

pensamentos o Deus vivo, que com sua presença preenche todo o espaço, não

pode suportar o silêncio. Persuadido de que vive à margem do nada, o silêncio

é para ele o sinal terrível do vazio.

Qualquer ruído, embora importuno e obsessivo, lhe parece mais agradável;

qualquer palavra, mesmo a mais insípida, é libertadora dum pesadelo; quando

todas as vozes se calam, prefere qualquer coisa a ser implacavelmente

colocado diante do horror do nada. Qualquer conversa fiada, qualquer lamento,

qualquer estrido é bem aceite se, de algum modo ou por certo tempo, consegue

distrair a mente da consciência pavorosa do universo deserto.

O homem "novo" – que a fé prendou de um olhar penetrante que enxerga além

do cenário, e a caridade, de um coração capaz de amar o Invisível - sabe que o

vazio não existe e que o nada é eternamente suplantado pelo Infinito divino;

sabe que o universo está povoado de criaturas alegres; sabe que é espectador

e também, de certo modo, participante da exultação cósmica, reflexo do misté-

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206

rio de luz, de amor e de felicidade que constitui a vida inexaurível do Deus

Trino.

Por isso, tal como o Senhor Jesus que, de madrugada, subia solitário ao topo

dos montes (cf. Mc. 1,3; Lc. 4,42; 6,12; 9,28), o homem novo aspira a fruir de

algum espaço imune de qualquer ruído alienante, onde lhe seja possível prestar

ouvidos e captar alguma coisa da festa eterna e da voz do Pai.

Mas é mister precaver-se de mal-entendidos: o homem "velho", que teme o

silêncio, e o homem "novo" convivem habitualmente em cada um de nós, em

proporções diversas. Cada um de nós é exteriormente agredido por hordas de

palavras, de sons e de clamores que ensurdecem o nosso dia e até mesmo a

nossa noite; cada um de nós é interiormente investido pelo falatório mundano

que, com mil futilidades, nos distrai e dispersa.

Nessa algazarra, o homem novo que existe em nós deve lutar para assegurar

ao "céu" da sua alma aquele prodígio de "um silêncio de cerca de meia hora" de

que fala o Apocalipse (8,1); que seja um silêncio verdadeiro, repleto da

Presença, ressoante da Palavra, atento à escuta, aberto à comunhão.

O silêncio é a homenagem que a Palavra presta ao Espírito!

O silêncio é, na verdade, uma virtude fundadora, que permite ao Homem cair

em si para ouvir o essencial, para se inclinar à voz discreta do Espírito Santo,

seu Mestre interior! Também Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto.

“Permanece em silêncio diante do Senhor”, diz o Salmista (Sal.37,7); pois

graças ao silêncio, o homem mergulha em si mesmo e descobre a sua essência

espiritual que o funda!

7.3.3.4. Oração e ser do homem.

Considerada em sua natureza profunda e no seu momento originário, a oração

não é uma atividade que se justapõe extrinsecamente ao homem: ela jorra do

ser, destila e flui da realidade de todos os homens.

Poderíamos dizer que a oração é, de certo modo, o próprio ser do homem que

se torna transparente à luz de Deus, que se reconhece por aquilo que é e, ao

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206

reconhecer-se, reconhece a grandeza de Deus, a Sua santidade, o Seu amor, o

Seu desígnio de miseric6rdia, em resumo, toda a realidade divina e o plano

divino de salvação, tais como foram revelados em Nosso Senhor Jesus Cristo

crucificado e ressuscitado.

Antes mesmo que palavra, antes mesmo que formulação de pensamento, a

oração é uma perceção da realidade que logo desabrocha em louvor, em

adoração, em agradecimento e em pedido de piedade Aquele que é a origem

do ser.

Nesta experiência global, sintética e espiritualmente concreta, emergem e se

configuram como conteúdos fundamentais:

- a perceção da vaidade das coisas, quando desvinculadas do plano de Deus, a

qual se transforma em súplica, para não cairmos na cilada da insignificância e

do vazio;

- a perceção da presença dAquele que é plenitude e jamais está ausente e

distante do local onde alguma coisa tem existência real;

- a perceção do Cristo vivo, em quem se resume e personaliza todo o plano

divino que fundamenta o reconhecimento e a convicção da relação de

comunhão com Aquele que é o único Senhor e Salvador;

- a perceção, em Cristo, da vontade do Pai como norma absoluta da vida, de

modo que a oração não seja mais uma tentativa de dobrar a vontade divina à

nossa, mas a tentativa sempre renovada de conformar a nossa vontade à do Pai

(cf. Mt 6,10; 26,39-42);

- a perceção da realidade do Espírito Santo, fonte de toda a vida eclesial, que

reza em n6s (cf. Rom 8,19-27), de sorte que a oração se torna anelo para sair

da solidão e reclusão do individualismo e solicitação para nos abrirmos sempre

mais ao Reino de Deus, que se vai instaurando nos corações e entre os homens,

isto é, à Igreja;

- a perceção da cruz como vitória sobre o mal que existe em nós e fora de nós,

a qual faz da oração uma atitude de contestação ao pecado, à injustiça ao

"mundo", e de nostalgia da Jerusalém celeste onde tudo é santo.

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206

Diante do Pai, que é a fonte de minha vida e a minha meta final, diante do

drama de um destino que é posto em jogo uma vez por todas, diante do sim e

do não, que decidem da minha sorte eterna, encontro-me eu e não o grupo, a

classe ou a comunidade.

Não estou só, porque o Espírito Santo implora em mim e por mim, aquilo que eu

não sei pedir, e o meu Salvador está junto de mim, une-me a Si e me faz

participante de seus sentimentos filiais. Contudo, ninguém pode substituir-me

nesta empresa.

Embora eu viva, tome decisões e reze numa comunidade de irmãos que me

ampara, me reanima e me dilata espiritualmente, em última análise serei

sempre eu quem viverá, correrá o risco da decisão e enfrentará a aventura

difícil e inebriante da vida de oração.

7.3.4. Algumas propostas, para iniciar na oração contemplativa, na

Catequese

A ORAÇÃO

MENTAL OU

CONTEMPLAÇÃO

"A oração mental é a expressão simples do mistério

da oração. É um olhar de fé fixo em Jesus, uma

escuta da Palavra de Deus, um amor silencioso.

Realiza a união à oração de Cristo, na medida em

que nos faz participar no seu mistério" (CIC, 2724).

PROPOSTAS

PARA INICIAR

NESTA

EXPRESSÃO

DE ORAÇÃO

• Dedicar expressamente um tempo para a oração

mental no encontro de catequese;

• Ajudar a preparar-se 'mentalmente' para a

celebração intensa da Eucaristia;

• Refletir sobre a vontade de Deus a nosso

respeito;

• Proporcionar imagens, grelhas e gráficos de

análise que possibilitem uma revisão da vida;

• (ajudar a) Fazer frequentemente o exame de

consciência;

• Refletir com frequência e convicção que tudo é

graça, por parte de Deus.

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206

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7.3.5. Dois exercícios de contemplação adquirida

A)

1. Triplo recolhimento e invocação do Espírito Santo

2. Partir de um mistério da vida de Cristo e penetra nele com inteligência e

afetividade

3. Quando for oportuno, deixar de pensar e ficar interiormente numa atitude

de atenção amorosa;

B)

1. Sentar-se tranquilo e verificar o silêncio nos três níveis;

2. Colocar-se na presença de Deus. Tomar consciência de que Ele está aqui e

agora e contigo e em ti;

3. Manter essa consciência de presença, sem dizer, nem pensar, nem imaginar

nada. Deixa esta presença invadir-te, penetrar-te transformar-te. Esta

presença silenciosa é o início da aventura contemplativa;

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DOMINGO, 09HO0-10H30

VIII. Um método para a leitura orante da Bíblia: a

Lectio Divina47

“A lectio divina é uma leitura, individual ou comunitária, de uma passagem

mais ou menos longa da Escritura acolhida como Palavra de Deus e que se

desenvolve sob a moção do Espírito em meditação, oração e contemplação.”

(Interpretação da Bíblia na Igreja - Pontifícia Comissão Bíblica, 1993) Trata-se,

portanto, de uma leitura orante da Bíblia, que ajuda a pessoa a colocar-se

diante de Deus e em colóquio com Ele, deixando-o falar ao coração e à vida de

cada um. É um meio para que a Palavra de Deus escrita na Bíblia seja lida,

refletida, rezada e vivida, ou, dito doutro modo, para poder conhecer,

aprofundar e viver a Palavra de Deus.

8.1. Um pouco de história

Na sua origem, a Lectio Divina nada mais era do que a leitura que os cristãos

faziam da Bíblia para alimentar sua fé, esperança e amor, e assim animar assim

a sua caminhada. A Lectio Divina é tão antiga quanto a própria Igreja, que vive

da Palavra de Deus e dela depende como a água da sua fonte (D.V. ns.

7.10.21).

A Lectio Divina é a leitura crente e orante da Palavra de Deus, feita a partir da

fé em Jesus, que disse: "o Espírito vos recordará tudo o que eu disse e vos

introduzirá na verdade plena" (Jo.14,26; 16,13). No decorrer dos séculos, esta

leitura crente e orante da Bíblia alimentou a Igreja, as comunidades, os cristãos.

Inicialmente, não era uma leitura organizada e metódica, mas era a própria

Tradição que se transmitia, de geração em geração, através da prática do povo

cristão. A expressão Lectio Divina vem de Orígenes. Ele diz que, para ler a

Bíblia com proveito, é necessário um esforço de atenção e de assiduidade:

"Cada dia, de novo, como Rebeca, temos de voltar à fonte da Escritura!" E o

que não se consegue com o próprio esforço, assim ele diz, deve ser pedido na

oração, "pois é absolutamente necessário rezar para poder compreender as

coisas divinas". Deste modo, assim ele concluiu, chegaremos a experimentar o

47 Retomo e melhoro texto já publicado: AMARO GONÇALO, Esta Palavra perto de ti, Ed. Paróquia de São Gonçalo - SDECIA, Porto 2004

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206

que esperamos e meditamos. Nestas reflexões de Orígenes, temos um resumo

do que vem a ser a Lectio Divina.

A Lectio Divina tornou-se a espinha dorsal da Vida Religiosa. Em torno da

Palavra de Deus, ouvida, meditada e rezada, surgiu e se organizou o

monaquismo do deserto. As sucessivas reformas e transformações da Vida

Religiosa sempre retomavam a Lectio Divina como a sua marca registada. As

regras monásticas de Pacómio, Agostinho, Basílio e Bento fazem da leitura da

Bíblia, junto com o trabalho manual e a liturgia, a tríplice base da Vida

Religiosa.

A sistematização da Lectio Divina em quatro degraus veio só no século XII. Por

volta do ano 1150, Guigo, um monge cartuxo, escreveu um livrinho chamado

“Escada de Jacob. Tratado sobre o modo de orar, escada dos monges e escada

do Paraíso”. Na introdução, antes de expor a teoria dos quatro degraus, ele se

dirige ao "caro irmão Gervásio" e diz: "Resolvi partilhar com você algumas das

minhas reflexões sobre a vida espiritual dos monges. Pois você conhece esta

vida por experiência, enquanto eu só a conheço por estudo teórico. Assim, você

poderá ser juiz e corretor das minhas considerações".

Guigo quer que a teoria da Lectio Divina seja avaliada e corrigida a partir da

experiência e da prática dos irmãos. Em seguida, ele introduz os quatro

degraus:

"Certo dia, durante o trabalho manual, quando estava refletindo sobre a

atividade do espírito humano, de repente se apresentou à minha mente

a escada dos quatro degraus espirituais: a leitura, a meditação, a

oração, a contemplação. Essa é a escada dos monges, pela qual eles

sobem da terra ao céu. É verdade, a escada tem poucos degraus, mas

ela é de uma altura tão imensa e inacreditável que, enquanto a sua

extremidade inferior se apoia na terra, a parte superior penetra nas

nuvens e investiga os segredos do céu".

Depois disto, Guigo mostra como cada um desses degraus tem a propriedade

de produzir algum efeito específico no leitor da Bíblia. Em seguida, ele resume

tudo:

"A leitura é o estudo assíduo das Escrituras, feito com espírito atento.

Page 191: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

A meditação é uma diligente atividade da mente que, com a ajuda da própria

razão, procura o conhecimento da verdade oculta.

A oração é o impulso fervoroso do coração para Deus, pedindo que afaste os

males e conceda as coisas boas.

A contemplação é uma elevação da mente sobre si mesma que, suspensa em

Deus, saboreia as alegrias da doçura eterna".

Nesta descrição dos quatro degraus, Guigo sintetiza a Tradição que vinha de

longe e a transforma em instrumento de leitura para servir de instrução aos

jovens que se iniciavam na vida monástica.

No século XIII, os Mendicantes tentaram criar um novo tipo de Vida Religiosa,

mais inserida no meio dos "Menores" (pobres). Eles fizeram da Lectio Divina a

fonte inspiradora do seu movimento renovador, como transparece claramente

na vida e nos escritos dos primeiros franciscanos, dominicanos, servitas,

carmelitas e outros mendicantes. Através da sua vida inserida, souberam

colocar a Lectio Divina a serviço do povo pobre e marginalizado daquela época.

Houve, em seguida, um longo período em que a Lectio Divina arrefeceu. A

leitura da Bíblia não era fomentada, nem mesmo na Vida Religiosa. Era o infeliz

efeito da Contra-Reforma na vida da Igreja. Santa Teresinha, por exemplo, não

tinha acesso ao texto integral do Antigo Testamento. Insistia-se mais na leitura

espiritual. O medo do protestantismo fez perder o contacto com a fonte!

No período contemporâneo, numa Instrução da Comissão Bíblica aprovada pelo

Papa Pio XII recomendou-se a todos os clérigos, tanto seculares como regulares

(De Scriptura Sacra, 1950; E. B., 592). A insistência na lectio divina sob o seu

duplo aspeto, individual e comunitário, voltou assim a ser atual. A finalidade

que se procura é a de suscitar e de alimentar «um amor efetivo e constante» à

Sagrada Escritura, fonte de vida interior e de fecundidade apostólica (E. B., 591

e 567), de favorecer também uma melhor inteligência da liturgia e de assegurar

à Bíblia um lugar mais importante nos estudos teológicos e na oração.

A Constituição Conciliar Dei Verbum (n. 25) insiste igualmente sobre a «leitura

assídua das Escrituras» para os padres e religiosos. Além disso - e é uma

novidade - ela convida também «todos os fiéis do Cristo» a adquirir «por uma

frequente leitura das Escrituras divinas "a eminente ciência de Jesus Cristo"

(Fil3,8)». Diversos meios são propostos. Ao lado de uma leitura individual é

sugerida uma leitura em grupo. O texto conciliar sublinha que a oração deve

Page 192: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

acompanhar a leitura da Escritura, pois ela é a resposta à Palavra de Deus

encontrada na Escritura sob a inspiração do Espírito.

Em 1993, a Comissão Pontifícia Bíblica, num documento sobre a “Interpretação

da Bíblia na Igreja” reitera o interesse pela Lectio Divina, sistematizando, de

certo modo, uma definição e resumindo a sua história:

“A lectio divina é uma leitura, individual ou comunitária, de uma

passagem mais ou menos longa da Escritura, acolhida como Palavra de

Deus e que se desenvolve sob a moção do Espírito em meditação,

oração e contemplação. O cuidado de se fazer uma leitura regular, e

mesmo quotidiana, da Escritura corresponde a uma prática antiga na

Igreja. (…) Numerosas iniciativas foram tomadas no povo cristão para

uma leitura comunitária e só se pode encorajar este desejo de um

melhor conhecimento de Deus e do seu plano de salvação em Jesus

Cristo através das Escrituras» (Comissão Pontifícia Bíblica, A

Interpretação da Bíblia na Igreja, 15.04-1993, IV, C.2).

Será João Paulo II a situar a Lectio Divina, entre as várias prioridades

pastorais, para a Igreja, no novo milénio. Diz textualmente:

“Desde o Concílio Vaticano II, que assinalou o papel proeminente da

palavra divina na vida da Igreja, muito se avançou certamente na escuta

assídua e na leitura atenta da Sagrada Escritura. (…) É preciso, amados

irmãos e irmãs, consolidar e aprofundar esta linha, inclusive com a

difusão do livro da Bíblia nas famílias. De modo particular é necessário

que a escuta da Palavra se torne um encontro vital, segundo a antiga e

sempre válida tradição da lectio divina: esta permite ler o texto bíblico,

como Palavra viva que interpela, orienta, plasma a existência48”.

Na sua Mensagem aos Jovens (2006) Bento XVI exortava vivamente à prática

da Lectio Divina e resumia o seu método:

“Um caminho bem experimentado para aprofundar e saborear a palavra

de Deus é a lectio divina, que constitui um verdadeiro e próprio itinerário

espiritual por etapas. Da lectio, que consiste em ler e reler um trecho da

48 JOÃO PAULO II, Novo Millenium Ineunte, 6.1.2001, n. 39

Page 193: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Sagrada Escritura e em frisar os seus aspetos principais, passa-se à

meditatio, que é como que uma pausa interior, em que a alma se dirige a

Deus, procurando compreender aquilo que a sua palavra diz hoje à vida

concreta. Depois, vem a oratio, que nos faz entreter com Deus um

diálogo direto, e enfim chega-se à presença de Cristo, cuja palavra é "luz

que brilha num lugar escuro, até que venha o dia em que a estrela da

manhã brilhe nos vossos corações" (2 Pd 1, 19)” Em seguida, a leitura, o

estudo e a meditação da Palavra devem desabrochar numa vida de

adesão coerente a Cristo e aos seus ensinamentos. Construir a vida em

Cristo, acolhendo com alegria a sua palavra e colocando em prática os

seus ensinamentos: eis, jovens, do terceiro milénio, como deve ser o

vosso programa”!

Sobre a Lectio Divina, diz Bento XVI na Exortação Apostólica “Verbum Dei”:

“Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada Escritura deve ser

acompanhada de oração». A reflexão conciliar pretendia retomar a

grande tradição patrística que sempre recomendou abeirar-se da

Escritura em diálogo com Deus. Como diz Santo Agostinho: «A tua oração

é a tua palavra dirigida a Deus. Quando lês, é Deus que te fala; quando

rezas, és tu que falas a Deus». Orígenes, um dos mestres nesta leitura

da Bíblia, defende que a inteligência das Escrituras exige, ainda mais do

que o estudo, a intimidade com Cristo e a oração; realmente é sua

convicção que o caminho privilegiado para conhecer Deus é o amor e de

que não existe uma autêntica scientia Christi sem enamorar-se d’Ele. Na

Carta a Gregório, o grande teólogo alexandrino recomenda: «Dedica-te à

lectio das divinas Escrituras; aplica-te a isto com perseverança.

Empenha-te na lectio com a intenção de crer e agradar a Deus. Se

durante a lectio te encontras diante de uma porta fechada, bate e ser-te-

á aberta por aquele guardião de que falou Jesus: “O guardião abrir-lha-

á”. Aplicando-te assim à lectio divina, procura com lealdade e inabalável

confiança em Deus o sentido das Escrituras divinas, que nelas

amplamente se encerra. Mas não deves contentar-te com bater e

procurar; para compreender as coisas de Deus, tens necessidade

absoluta da oratio. Precisamente para nos exortar a ela é que o Salvador

não se limitou a dizer: “procurai e encontrareis” e “batei e ser-vos-á

aberto”, mas acrescentou: “pedi e recebereis”»49.

49 BENTO XVI, Verbum Dei, 86

Page 194: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

8.2. OS quatro degraus da lectio divina: leitura, meditação, oração e

contemplação.

Nem sempre é fácil distinguir um do outro. Por exemplo, o que alguns autores

afirmam da leitura, outros o atribuem à meditação, e assim por diante. A causa

desta falta de clareza está na própria natureza da Lectio Divina. Trata-se de um

processo dinâmico de leitura, em que as várias etapas nascem uma da outra. É

como a passagem da noite para o dia. Na hora do amanhecer, alguns dizem: "É

noite ainda!" Outros dizem: "O dia já chegou!"

Além disso, trata-se de quatro atitudes permanentes. A atitude da leitura, por

exemplo, continua também durante a meditação. As quatro atitudes existem e

atuam, juntas, durante todo o processo da Lectio Divina, embora em

intensidade diferente conforme o degrau em que a pessoa ou a comunidade se

encontra. O importante, nesta nossa reflexão, é que apareçam as

características principais de cada uma dessas quatro atitudes que, juntas,

integram a Lectio Divina.

Certos autores dividem ou subdividem alguns destes passos, de maneira

desigual, mas isso não afeta, por assim dizer, o essencial do método.

Desenvolvamos, bem mais minuciosamente, cada um destes passos:

8.2.1. A leitura: conhecer, respeitar, situar

A leitura é o primeiro passo para se conhecer e amar a Palavra de Deus. Não se

ama o que não se conhece. É também o primeiro passo do processo da

apropriação da Palavra: ler, ler, ler! Ler muito para familiarizar-se com a Bíblia;

para que ela se torne nossa palavra, capaz de expressar nossa vida e nossa

história, pois ela "foi escrita para nós que tocamos o fim dos tempos" (I Cor

10,11).

A leitura é uma atividade bastante elementar: ler, pronunciar bem as palavras,

se possível em voz alta. Este primeiro passo é muito importante e muito

exigente. Não pode ser feito de maneira superficial. Nunca partir do princípio

que o texto já é «conhecido», sabido de cor. Bastaria fechar a Bíblia e tentar

«recontar» o texto, para nos apercebermos claramente quanto ele ainda nos é

estranho… Outras vezes, poder-se-á tentar «visualizar o texto», sobretudo

quando se trata de uma página do evangelho. E tentar como que reconstituir a

Page 195: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

cena. Isso obriga-nos a voltar a ler o texto até o conhecer quase de cor.

A leitura é ponto de partida, não é ponto de chegada. Faz o leitor pisar no chão.

Prepara o leitor e o texto para o diálogo da meditação.

Para que a meditação não seja fruto de uma fantasia irreal, mas tenha

fundamento no texto e na realidade, é necessário que a leitura se faça com

critério e atenção. "Estudo assíduo, feito com espírito atento", dizia Guigo.

Através de um estudo imparcial, a leitura impede que o texto seja manipulado e

reduzido ao tamanho da nossa ideia, e faz com que ele possa ser parceiro

autónomo no nosso diálogo com Deus, pois ela estabelece o sentido que o texto

tem em si, independente de nós.

Assim, a leitura cria no leitor uma atitude crítica, criteriosa e respeitosa, diante

da Bíblia, É aqui, na leitura, que entra a contribuição da exegese para o bom

andamento da Lectio Divina.

A leitura, entendida como estudo crítico, ajuda o leitor a analisar o texto e a

situá-lo em seu contexto de origem. Esse estudo tem três níveis:

a) Literário: aproximar-se do texto e, através de perguntas bem simples,

analisar o seu tecido: Quem? O quê? Onde? Porquê? Quando? Como? Com que

meios? Como é que o texto se situa dentro do contexto literário do livro de que

faz parte?

b) Histórico: através do estudo do texto, atingir o contexto histórico em que

surgiu o texto ou em que se deu o facto narrado pelo texto, e analisar a

situação histórica, para, assim, perceber melhor a encarnação da Palavra de

Deus na realidade da história humana, tanto deles como nossa. Para isso, são

preciosas as introduções aos livros e as notas de rodapé. É importante habituar

o leitor a saber valer-se dos recursos e das ajudas que a própria Bíblia lhe dá.

c) Teológico: descobrir, através da leitura do texto, o que Deus tinha a dizer ao

povo naquela situação histórica; o que Deus significava para aquele povo; como

Ele se revelava; como o povo assumia e celebrava a Palavra do Senhor.

Obviamente o estudo científico do texto não é o fim da leitura. É apenas um

Page 196: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

meio para se chegar ao fim. A intensidade do uso da exegese na Lectio Divina

depende não do exegeta, mas das exigências e circunstâncias dos leitores. E há

experiências de Lectio, com pessoas que nem sabem ler. Mas que sabem ouvir.

E retomar o texto, de modo simples, como quem volta a contar a história, é

suficiente para abrir o ouvinte à mensagem que Deus hoje quer comunicar.

Para um tipo de parede usa-se uma broca mais resistente do que para outro.

Mas o objetivo é o mesmo: furar a parede. Não se usa broca de mármore para

furar parede de papelão! O objetivo da leitura é este: furar a parede da

distância entre o ontem do texto e o hoje da nossa vida, a fim de poder iniciar o

diálogo com Deus na meditação.

Qual a broca que fura essa parede? De um lado, é "o estudo assíduo, feito com

espírito atento" (Guigo). De outro, é "a própria experiência adquirida da vida"

(Cassiano).

Paulo VI dizia que se deve "procurar uma certa conaturalidade entre os

interesses atuais (hoje) e o assunto do texto (ontem), para que se possa estar

disposto a ouvi-lo (diálogo)". Com outras palavras, a broca é esta: aprofundar

tanto o texto de ontem quanto a nossa experiência de hoje!

Qual o momento de se passar da leitura para a meditação? É difícil precisar o

momento exato.

Mas existem alguns critérios. O objetivo da leitura é ler e estudar o texto até

que ele, sem deixar de ser ele mesmo, se torne espelho de nós mesmos e nos

reflita algo da nossa própria experiência de vida. A leitura deve familiarizar-nos

com o texto a ponto de ele se tornar nossa palavra. Cassiano dizia: "Penetrados

dos mesmos sentimentos em que foi escrito o texto, nos tornamos, por assim

dizer, os seus autores". E aí, como que de repente, nos damos conta de que,

por meio dele, Deus está a querer falar connosco e dizer-nos alguma coisa.

Nesse instante, dobramos a cabeça, fazemos silêncio e abrimos o ouvido: "Vou

ouvir o que o Senhor nos tem a dizer!" (Sal. 85,9). É nesse momento que a

leitura se transforma em meditação e que se passa para o segundo degrau da

Lectio Divina.

8.2.2. A meditação: ruminar, dialogar, atualizar

A leitura respondeu à pergunta: "O que diz o texto?" A meditação vai responder

à pergunta: "O que diz o texto para mim, para nós?"

Page 197: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

A meditação indica o esforço que se faz para atualizar o texto e trazê-lo para

dentro do horizonte da nossa vida e realidade, tanto pessoal, como social,

cultural ou eclesial. O texto que foi escrito para nós deve falar para nós. Dentro

da dinâmica da Lectio Divina, a meditação ocupa um lugar central.

Guigo dizia: "A meditação é uma diligente atividade da mente que, com a ajuda

da própria razão, procura o conhecimento da verdade oculta".

Qual é esta verdade oculta? Através da leitura descobrimos como o texto se

situava no contexto daquela época, qual a mensagem que tinha para o povo.

De lá para cá, a situação mudou; o contexto é outro. No entanto, a fé diz-nos

que esse texto, apesar de ser de outra época e de outro contexto, tem algo a

dizer-nos hoje. Nele deve existir um valor permanente que quer produzir no

presente a mesma conversão ou mudança que produziu naquele tempo. Ora, a

verdade oculta de que falava Guigo é este valor permanente, esta mensagem

que lá existe para o nosso contexto e que deve ser descoberta e atualizada pela

meditação. Como fazer a meditação?

Três fases, são possíveis na meditação:

a) Recolher como a formiga: Não se trata de comer, mas de armazenar.

Recolho as palavras que mais me chamam a atenção. Que significam para

mim? Porque é que são importantes para mim.

b) Ou então melitar como a abelha (cf. Prov.6,8): Vós que percorreis os jardins

das Escrituras, não tendes que o fazer depressa ou com negligência. Cavai

essa palavra para dela tirar o espírito. Imitai a abelha laboriosa que de cada

flor recolhe o seu mel. Ou então ruminar. Interiorizo ou rumino estas

palavras, que passam da mente ao coração e fazem morada nele. Que

sinto? Como me sinto?

c) Vejo a minha vida e a vida, a minha história e a história, à luz dessa Palavra.

Que me sugere, que me pede? Que me exige.

Recolher

Recolher como a formiga: Recolher, juntar, reservar (guardar as provisões) sem

pereza. Uma primeira forma de se realizar a meditação é sugerida pelo próprio

Guigo. Ele manda usar a mente e a razão para poder descobrir a "verdade

Page 198: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

oculta". Entra-se em diálogo com o texto, com Deus, fazendo perguntas que

obrigam a usar a razão e que procuram trazer o texto para dentro do horizonte

da nossa vida. Medita-se reflectindo, interrogando: o que há de semelhante e

de diferente entre a situação do texto e a nossa de hoje? Quais os conflitos de

ontem que existem hoje? Quais dentre eles são diferentes? O que a mensagem

deste texto diz para a nossa situação?

Melitar

Trata-se de melitar, como a abelha: elaborar tudo o que se recolhe; deixar que

as palavras se liguem entre si; criar clima, atenção, calor; preocuparmo-nos por

que nada nos roube a Palavra... Discernir, confrontar e deixar que as palavras

que recolhemos, guardamos e observamos, se clarifiquem umas às outras. Feito

isto, a Palavra faz o resto.

Ruminar

Outra maneira de se fazer a meditação é repetir o texto, ruminá-lo, mastigá-lo

até descobrir o que ele tem a dizer-nos. É o que Maria fazia quando ruminava

as coisas em seu coração (Lc. 2,19.51). É o que recomenda o salmo ao justo:

"Meditar dia e noite na lei do Senhor" (SaI. 1,2). É o que Isaías define com tanta

precisão: "Sim, lahweh, o teu Nome e a lembrança de Ti resumem todo o desejo

da nossa alma" (Is. 26,8).

Após ter feito a leitura e ter descoberto o seu sentido para nós é bom procurar

resumir tudo numa frase, de preferência do próprio texto bíblico, para ser

levada connosco na memória e ser repetida e mastigada durante o dia, até se

misturar com o nosso próprio ser. Através dessa ruminação, nós nos colocamos

sob o julgamento da Palavra de Deus e deixamos que ela nos penetre, como

espada de dois gumes (Hb 4,12), pois água mole em pedra dura tanto bate até

que fura! "Ela vai julgando as disposições e intenções do coração. E não há

criatura oculta à sua presença. Tudo está nu e descoberto aos olhos daquele a

quem devemos prestar contas" (Hb 4,12-13).

Cassiano aponta outro aspeto importante da meditação, como consequência da

ruminação. Ele diz: "Instruídos por aquilo que nós mesmos sentimos, já não

percebemos o texto como algo que só ouvimos, mas sim como algo que

experimentamos e tocamos com nossas mãos; não como uma história estranha

Page 199: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

e inaudita, mas como algo que damos à luz desde o mais profundo do nosso

coração, como se fossem sentimentos que formam parte do nosso próprio ser.

Repitamo-lo: não é a leitura que nos faz penetrar no sentido das palavras, mas

sim a própria experiência nossa adquirida anteriormente na vida de cada dia"

(Collationes X, 11). Aqui já nem parece haver mais diferença entre Bíblia e vida,

entre a Palavra de Deus e a nossa palavra. Ora, conforme Cassiano, é nesta

quase identificação nossa com a Palavra da Bíblia que está o segredo da

perceção do sentido que a Bíblia tem para nós. Cassiano diz que a perceção do

sentido do texto não vem do estudo, mas da experiência que nós mesmos

temos da vida. O estudo coloca os fios, a experiência adquirida gera a energia,

a meditação aperta o botão, faz a energia correr pelos fios e acende a lâmpada

do texto. Tanto o fio como a energia, ambos são necessários para que haja luz.

A vida ilumina o texto, o texto ilumina a vida.

A meditação também aprofunda a dimensão pessoal da Palavra de Deus. Uma

palavra tem valor não só pela ideia que comunica, mas também pela pessoa

que a pronuncia e pela maneira como é pronunciada. Na Bíblia, quem nos dirige

a Palavra é Deus, e Ele o faz com muito amor. Uma palavra de amor desperta

forças, liberta energias, recria a pessoa. Meditando a Palavra de Deus, o

coração humano dilata-se até adquirir a dimensão do próprio Deus, que

pronuncia a Palavra. Aqui aparece a dimensão mística da Lectio Divina.

“Pela leitura se atinge a casca da letra e se tenta atravessá-la para, na

meditação, atingir o fruto do espírito” (S. Jerónimo).

O Espírito age dentro da Escritura (2 Tim. 3,16). Através da meditação, ele se

comunica a nós, nos inspira, cria em nós os sentimentos de Jesus Cristo (Fil.

2,5), ajuda-nos a descobrir o sentido pleno das palavras de Jesus (Io. 16,13), faz

experimentar que sem Ele nada podemos fazer (Jo.15,5), ora em nós com

gemidos inefáveis (Rom. 8,26) e gera em nós a liberdade (2 Cor. 3,17). E o

mesmo Espírito que enche a vastidão da terra (Sab. 1,7). No passado, ele

animava os Juízes e os Profetas. No presente, ele ajuda-nos a descobrir o

sentido profético da história do nosso povo. A meditação ajuda-nos a descobrir

o sentido espiritual, isto é, o sentido que o Espírito de Deus quer comunicar hoje

à sua Igreja através do texto da Bíblia.

A meditação é uma atividade pessoal e também comunitária. A partilha do que

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206

cada um sente, descobre e assume no contacto com a Palavra de Deus é muito

mais do que só a soma das palavras de cada um. A busca em comum faz

aparecer o sentido eclesial da Bíblia e fortalece em todos o sentido comum da

fé. Por isso é tão importante que a Bíblia seja lida, meditada, estudada e rezada

não só individualmente, mas também e sobretudo em comum.

Qual o momento de se passar da meditação para a oração? Não é fácil dizer

quando, exatamente, uma pessoa passa da juventude para a idade adulta. Mas

existem alguns critérios.

A meditação atualiza o sentido do texto até ficar claro o que Deus nos está a

pedir a nós. Ora, quando fica claro que Deus pede, chega o momento de se

perguntar: "E agora, o que vou dizer a Deus? Assumo ou não assumo?" Quando

fica claro o que Deus pede, fica clara também a nossa incapacidade e a nossa

falta de recursos. É o momento da súplica: "Senhor, levanta-te! Socorre-nos"

(SaI. 44,27). Com outras palavras, a meditação é semente de oração. Basta

praticá-la e ela, por si mesma, se transforma em oração.

8.2.3. A oração: suplicar, louvar, recitar

A atitude de oração está presente desde o começo da Lectio Divina. No início da

leitura invoca-se o Espírito Santo. Durante a leitura sempre aparecem pequenos

momentos de oração. A meditação já é quase uma atitude de oração, pois, por

si mesma, se transforma em prece. Mas dentro da dinâmica da Lectio Divina,

apesar de tudo ser regado com oração, deve haver um momento especial,

próprio, para a prece. Esse momento é o terceiro degrau, o da oração.

Através da leitura procuramos descobrir: O que o texto diz?

A meditação aplica a leitura à nossa vida: "O que o texto diz para mim, para

nós?"

Até agora, era Deus quem falava. Chegou o momento da oração própria mente

dita: "O que o texto me faz dizer, nos faz dizer a Deus?"A atitude de oração

diante da Palavra de Deus deve ser como aquela de Maria, que disse: "Faça-se

em mim segundo a tua palavra" (Lc. 1,38).

A palavra que Maria ouviu não era uma palavra da Bíblia, mas sim uma palavra

Page 201: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

revelada e percebida nos factos da vida, por ocasião da visita do anjo. Maria foi

capaz de percebê-la, porque a ruminação (d. Lc. 2,19.51) tinha purificado o seu

olhar e o seu coração. Os puros de coração percebem a ação de Deus nos

factos (d. Mt 5,8). Rezando e cantando (Lc. 1,46-56), eles a encarnam na vida.

Essa atitude de oração deve ser realista e não ingénua, o que se alcança pela

leitura. Deve nascer da experiência do nosso nada e dos problemas reais da

vida, o que se alcança pela meditação. Deve tornar-se uma atitude permanente

de vida, o que se alcança na contemplação.

A oração, provocada pela meditação, inicia por uma atitude de admiração

silenciosa e da adoração ao Senhor. A partir daí brota a nossa resposta à

Palavra de Deus.

Desde os tempos do Novo Testamento, os cristãos descobriram que nós não

sabemos rezar como convém. E o próprio Espírito que ora em nós (Rom.8,26).

Quem melhor fala a Deus é o próprio Deus. Por isso, a oração dos Salmos ainda

é a melhor oração. O próprio Jesus usou frequentemente os salmos e orações

da Bíblia. Ele é o grande cantor dos Salmos (Sto. Agostinho). Com Ele e nEle, os

cristãos prolongam a Lectio Divina pela oração pessoal, pela oração litúrgica e

pelas preces da Igreja.

Habitualmente, as pessoas que praticam a Lectio Divina, neste momento da

Oração, são espontâneas na forma como recorrem a cântico conhecido, a um

salmo cantado na Missa, a uma prece já habitual na celebração. Por esta ou

aquela evocação, a oração é o momento de maior espontaneidade, mas pode

também ser sugerida pelo animador.

Nesta grande comunhão eclesial é importante que a Palavra de Deus suscite

em nós uma intensa vida de oração individual. Dependendo do que se ouviu da

parte de Deus na leitura e na meditação, a resposta pode ser de louvor ou de

ação de graças, de súplica ou de perdão, pode ser até de revolta ou de

Imprecação, como o foi a resposta de Job, de Jeremias e de tantos Salmos.

Como na meditação, é importante que esta oração espontânea não seja só

individual, mas também tenha sua expressão comunitária, em forma de

partilha.

A oração, provocada pela meditação, também pode ser recitação de preces já

existentes.

Page 202: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Qual o momento de se passar da oração para a contemplação? Aqui não há

resposta. A contemplação é o que sobra nos olhos e no coração, depois que a

oração termina. Ela fica para além do caminho da Lectio Divina, pois é o seu

ponto de chegada. Por ser o ponto de chegada é também ponto de partida de

um novo começo de leitura, meditação, oração. A contemplação é como a fruta

da árvore: já estava dentro da semente. Vai crescendo aos poucos, amadurece

lentamente.

8.2.4. A contemplação: discernir, saborear, agir

A contemplação é o último degrau da Lectio Divina. É o seu ponto de chegada.

Cada vez, porém, que se chega ao último degrau, este torna-se patamar para

um novo começo. E assim, através de um processo sempre renovado de leitura,

meditação, oração, contemplação, vamos crescendo na compreensão do

sentido e da força da Palavra de Deus. Nunca se chegará ao ponto de poder

dizer: "Agora realizei todo o objetivo da Palavra de Deus na minha vida!", pois

sempre haverá pela frente um olhar mais penetrante, uma leitura mais

profunda, uma meditação mais exigente, uma oração mais comprometida, uma

contemplação mais transparente. Até todos os véus caírem, até que a realidade

toda seja transformada e chegue à plenitude do Reino. Mas, até lá, ainda resta

um longo caminho (1 Re. 19,7).

A contemplação reúne em si todo o caminho percorrido da Lectio Divina: até

agora, o crente colocou-se diante de Deus, leu e escutou a Palavra, estudou e

descobriu o seu sentido; com ele se comprometeu e começou a ruminá-lo para

que entrasse na dinâmica da sua própria vida e passasse da cabeça para o

coração; transformou tudo isto em oração diante de Deus como projeto para a

sua vida; o sal da Palavra desapareceu na sua vida e deu-lhe um novo sabor; o

pão da Palavra foi mastigado e lhe deu força para uma nova ação. Agora, no

fim, tendo tudo isto na mente e no coração, você começa a ter um novo olhar

para observar e avaliar a vida, os factos, a história, a vida. É o olhar de Deus

sobre o mundo, que assim se comunica e se esparrama. Este novo olhar é a

contemplação. Novo olhar, novo sabor, nova ação! Ela envolve todo o ser

humano.

Santo Agostinho dizia que, através da leitura da Bíblia, Deus nos devolve o

olhar da contemplação e nos ajuda a decifrar o mundo e a transformá-lo, para

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206

que seja, novamente, uma revelação de Deus, uma teofania. A contemplação,

assim entendida, é o contrário da atitude de quem se retira do mundo para

poder contemplar a Deus.

A contemplação como resultante da Lectio Divina é a atitude de quem

mergulha dentro dos factos para descobrir e saborear neles a presença ativa e

criativa da Palavra de Deus e, além disso, procura comprometer-se com o

processo de transformação que esta Palavra está provocando dentro da

história.

A contemplação não só medita a mensagem, mas também a realiza; não só

ouve, mas coloca em prática. Não separa os dois aspetos: diz e faz; ensina e

anima; é luz e força.

A contemplação corrige este defeito dos nossos olhos e nos converte. Faz

descobrir que não é Deus que está ausente da realidade. Nós é que não

percebemos a sua presença! Nós é que somos cegos (cf. Is 42,19). A Lectio

Divina põe um colírio, abre os olhos dos cegos e fá-los enxergar (cf. Ap.3,28).

Tira o véu e ajuda a descobrir o desenrolar do Projeto de Deus dentro da

história que hoje vivemos; a perceber como Cristo, centro de tudo, nos faz

passar do nosso Antigo testamento para o Novo Testamento. Faz descobrir o

sentido das coisas, faz comprometer-se com o Reino.

Guigo tem várias descrições da contemplação. Ele diz:

"A leitura busca a doçura da vida bem-aventurada,

a meditação encontra-a,

a oração pede-a

e a contemplação saboreia-a”.

A leitura leva comida sólida à boca,

a meditação mastiga-a e rumina-a,

a oração prova o seu gosto

e a contemplação é a própria doçura que alegra e recria.

A leitura atinge a casca,

a meditação penetra no miolo,

a oração formula o desejo

Page 204: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

e a contemplação é o gosto da doçura já alcançada".

O que mais chama a atenção nos escritos de Guigo é a sua insistência em

descrever a contemplação como uma saborosa degustação da doçura que

existe na Palavra de Deus. Na contemplação, ao que tudo indica, a experiência

de Deus suspende tudo, relativiza tudo e, como que por um instante, antecipa

algo da alegria que "Deus preparou para aqueles que o amam" (1 Cor 2,9).

Guigo diz as coisas com palavras do Século XII.

A contemplação, como ponto final da escada, é patamar para um novo começo.

É como subir numa torre muito alta. Você alcança o primeiro patamar por uma

escada de três lances: leitura, meditação e oração. Na janela do primeiro

patamar, descansa e contempla a paisagem. Depois, continua a subida até o

segundo patamar por uma outra escada também de três lances: leitura,

meditação e oração.

Na janela do segundo patamar, descansa mais um pouco e contempla, de novo,

a mesma paisagem. Ela ficou mais bonita! Dá vontade de subir mais para

observá-la melhor. E assim vai subindo, sempre mais, num processo que não

termina nunca. Vai lendo sempre a mesma Bíblia, olhando sempre a mesma

paisagem.

À medida que sobe, a visão se aprofunda, a paisagem fica mais ampla, mais

real. Você enxerga a sua casa, o seu povoado. Encontra lá no meio a sua vida, a

história de suas andanças. E assim vai subindo, juntamente com os

companheiros, trocando ideias, ajudando-se uns aos outros para não deixar

ninguém para trás. E assim vamos subindo, até que cheguemos a contemplar

Deus face a face (1 Cor 13,12) e, em Deus, os irmãos, a realidade, a paisagem,

numa visão completa e definitiva.

A contemplação é tudo isto, e muito mais! "Muita luz, nuvem limpa, pé de pau

florido, e o povo alegre, cantando... Eu acho que é um pedacinho da

ressurreição, mesmo em sonho. A gente acordada não dá para ver esse

desafogo da ressurreição porque tem sempre as sombras do sofrimento e da

luta...Vai demorar... Mas um dia eu sei que a ressurreição da felicidade, melhor

que o sonho, vai chegar para um povo... Um dia a ressurreição vai baixar no

nosso chão..." Palavras de um pedreiro! Demos graças a Deus!

Page 205: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Outros autores, como o Cardeal Martini50, acrescentam no desenvolvimento da

contemplação, alguns momentos como o «consolação», o do «discernimento»,

o da «decisão» em ordem à «ação».

8.3. Síntese

ESTACIONAR... Silêncio, disposição interior... domínio dos sentidos. Invocação

do Espírito Santo…

Como entrar na oração?51

«A oração – lembra o irmão Jean Marie, há 30 anos em Taizé – é um espaço

onde nos deixamos conduzir, atraídos por Deus. Em Taizé, os jovens têm a

oportunidade de parar, de se deixar conduzir. A música é bela, os cantos são

simples. Mas o vocabulário é o dos Salmos. Um versículo ressoa em nós. Talvez

ele nos fale. O canto descentra-nos suavemente, abre a porta à Palavra de

Deus. Depois, as leituras iluminam-se frequentemente de outra maneira, e no

tempo do silêncio deixamo-nos unir nos recantos mais escondidos do nosso

coração pela Palavra de Deus.»

Um conselho: privilegiar a simplicidade dos meios e dos gestos. Um ícone. Uma

cruz. Uma Bíblia aberta. Começar com um belo sinal da cruz. Cada um tenha

em si palavras como «Eis-me aqui Senhor».

LEITURA (LECTIO) - O QUE DIZ O TEXTO? Conhecer, respeitar, situar… (sentido

literal)

Ler, reler, confrontar passagens paralelas;

Interpretar símbolos;

50 Cf. CARLO MARIA MARTINI, Encontrarnos a nosotros mismos, Ed. PPC, Madrid 1999, 59-68

51 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad.: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10

Page 206: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Ver personagens;

Quem fala, como fala, a quem fala, quando fala, onde fala...

Como agem e reagem as personagens (sentimentos, circunstâncias, etc.)

MEDITAÇÃO (MEDITATIO) - O QUE ME DIZ O SENHOR NESTE TEXTO? Ruminar,

atualizar, dialogar…

Que valores profundos me evoca o texto?

Que sinto ou experimento, como reajo ao ler este texto?

Com que relaciono o texto?

Três fases são possíveis na meditação:

a) Recolher como a formiga: Não se trata de comer, mas de armazenar.

Recolho as palavras que mais me chamam a atenção. Que significam para

mim? Porque é que são importantes para mim.

b) Ruminar. Interiorizo ou rumino estas palavras, que passam da mente ao

coração e fazem morada nele. Que sinto? Como me sinto? Melitar como a

abelha (cf. Prov.6,8): Vós que percorreis os jardins das Escrituras, não

tendes que o fazer depressa ou com negligência. Cavai essa palavra para

dela tirar o espírito. Imitai a abelha laboriosa que de cada flor recolhe o seu

mel.

c) Vejo a minha vida e a vida, a minha história e a história, à luz dessa Palavra.

Que me sugere, que me pede? Que me exige.

ORAÇÃO (ORATIO) - QUE DIGO EU AO SENHOR QUE ME FALA NESTE TEXTO?

Suplicar, louvar, recitar…

Em silêncio, pela palavra, pelo canto, pelo gesto… que digo ao Senhor?

Que palavras, canto, silêncio ou gesto me provoca a Palavra escutada?

CONTEMPLAÇÃO (CONTEMPLATIO): Saborear, discernir, agir… Olhar e sentir-

se olhado…

«Não vos peço, agora, que penseis nele, nem que inventeis muitos conceitos,

nem que façais grandes e delicadas considerações com o vosso entendimento;

só vos peço que olheis para Ele» (Santa Teresa de Jesus).

Page 207: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Recordemos o sentido da palavra contemplação. Ela é decomposta de “cum-

templum”: quer dizer: estar num lugar à parte; deixar-se possuir pela Palavra;

deixar-se abraçar pelo Absoluto que nos toma «à parte». Assim a contemplação

é como que: o retorno ao paraíso, dando-nos a consolação; a irrupção do divino

na História; a visão panorâmica (teoria) de tudo à luz do Crucificado do

Ressuscitado.

Outros autores prolongam os tempos, a seguir ou a depender da Contemplação,

tais como:

Consolatio (Consolação): que Dom me é concedido? Saborear o texto,

alimentar-se dele…

Discretio (Discernimento): Capacidade de selecionar os valores que são

conformes ao evangelho. Capacidade de escolher, por uma disposição

natural interna, conforme a Cristo e como Ele. São Francisco sente repulsa

ao ver o leproso. Mas decide fazer como Cristo. E aproxima-se beijando-o.

Deliberatio (Decisão): Que decisão vou tomar? Escolha comprometida dos

valores do Evangelho; o ato interior pelo qual o homem escolhe a Cristo. E

desemboca na ação.

Actio (Ação): Que vou fazer? Que fruto de vida sou chamado a viver? O agir

que se lhe segue. A forma de viver e atuar, segundo o espírito de Cristo. Um

ato de vontade tornado gesto e compromisso na realidade.

Outros apresentam, em esquema, este itinerário52:

1. STATIO(Preparação)

A Palavra esperada.Estou à espera. Ponho-me à escuta. Disposição interior. Silêncio.

2. LECTIO (Leitura)

A Palavra escutada.Leio o texto com atenção.Ler bem é escutar em profundidade.

4. MEDITATIO (Meditação)

A Palavra compreendida.O significado da Palavra.Que diz? Que me diz? Quem me diz?

4. ORATIO (Oração)

A minha palavra responde à Palavra. Inicia-se o meu diálogo com a Palavra. Rezo o texto, a oração brota viva.

5. CONTEMPLATIO (Contemplação)

A Palavra encarnada. Epifania.Diante da manifestação de Deus, prostro-me, adoro. Silêncio diante da Palavra.

6. DISCRETIO A Palavra confrontada.

52 cf. ARTUR SOMOZA RAMOS E GRUPO HERRAMIENTAS NUEVE, Que é A LECTIO DIVINA, Ed. Paulinas, Lisboa 1997,14.

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206

(Discernimento) Prolongo a escuta, faço o discernimento. Analiso.Percebo qual é a vontade de Deus.

7. COLLATIO

(Intercomunicação)

A Palavra partilhada.Avalio com outros a minha resposta à Palavra. Diálogo com os irmãos.

8. ACTIO (Ação)

A Palavra em ação.A Palavra dá frutos. Cumpre-se, realiza-se. Vida. Testemunho. Anúncio. Compromisso.

Segundo alguns autores53, estes quatro termos latinos são quatro amplos

caminhos de oração:

Lectio: A Oração como atenção

Esta deve ser o cimento da oração. A oração deveria começar na forma de

abertura e expectação obsequiosas. Na Lectio, escutamos e esperamos a voz

silenciosa e subtil de Deus, que nos falará pessoal e intimamente. Esperamos

com fé que Deus fale pela sua Palavra.

Meditatio: A oração como ponderação

Agora pensamos reflexivamente no que recebemos de Deus mediante a lectio.

Enquanto a lectio implica a participação dos sentidos e a intuição, a meditação

é principalmente uma atividade cognitiva (mente) e afetiva (coração). A

ponderação da meditatio combina a mente e o coração. Maria depois da visita

do Anjo fica a ponderar as palavras que escutou, a ligá-las, a relacioná-las em

seu coração (cf. Lc.2.51).

Oratio: A Oração como resposta

Depois de ponderar a Palavra que Deus nos dirigiu, o nosso coração fica afetado

e a nossa vontade comove-se. A Oração é a resposta que damos a esta

comoção do espírito. Estas reposta pode adotar várias formas: resposta oral,

adoração, agradecimento. Respondemos desde a nossa profundidade interior.

53 BENNER, Abrirse a Dios. La Lectio Divina Y la vida como oración, Ed. Sal Terrae, Santander, 2011, 58-59

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206

Contemplatio: A oração como presença.

Descansamos na presença daquele cuja Palavra e presença nos convida a um

abraço transformador. Depois de afetar a nossa mente e o nosso coração, a

Palavra conduz-nos agora a repousar tranquilamente no amado. Esta é a oração

de presença, a oração como presença.

Page 210: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

DOMINGO: 14h15-16h30

8.4. Algumas sugestões práticas, para obter frutos na lectio divina

Primeira: que haja uma atmosfera de silêncio e de recolhimento. As

experiências já feitas ensinam-nos que esta é uma condição essencial, sem a

qual não se obtém quase nada. É preciso também cuidar no modo de entrar,

de se sentar, de se colocar na igreja ou no local onde se faz o exercício da

Lectio Divina. É preciso estar atentos para que não haja tempos vazios. A

falha num pequeno pormenor pode criar confusão e mal-estar. Às vezes,

sobretudo, entre jovens, o tempo da «statio», do parar, do domínio dos

sentidos, é o mais demorado e o mais exigente. «Difícil é sentá-los», disse e

escreveu a respeito dos jovens um ex-ministro da Educação, Marçal Grilo.

Nalguns grupos, de pessoas mais adultas, mas também de jovens,

começamos pela oração do Rosário, para criar um clima de serenidade e de

paz e preparar para a escuta. E, por vezes, resulta. Outras vezes, enquanto

cada elemento chega e se organiza e se dispõe no grupo, pode quebrar-se o

ruído da entrada com um cântico simples, uma espécie de refrão que se

repete em jeito de litania, ou então uma música de fundo, que chama a

atenção para a seriedade do encontro. Não vai mal que uma frase bíblica, um

ícone, uma imagem, um símbolo, «provoque» e «centre», desde logo, a

atenção na Palavra que se vai rezar.

Segunda: uma certa sobriedade de linguagem; quem explica o texto,

sobretudo durante o primeiro momento da «leitura», não pode falar durante

muito tempo (nunca superar, no meu entender, 20 minutos). Mostrar, ao

fazer a leitura, que não se está a inventar nada. Que afinal se está

simplesmente a ler o texto, a ver o que ele diz. Não recorrer à erudição da

exegese, embora ela esteja pressuposta e seja útil para captar toda a riqueza

das palavras e do texto; mas evitar termos técnicos, porque isso convence os

ouvintes de que afinal só os entendidos podem ler a bíblia, com proveito. O

mais importante é fazer perceber que Deus não reservou aquela Palavra para

os exegetas e biblistas e que seria uma injustiça ela não poder ser «comida»

pelos mais simples e pobres. Por isso, na leitura ou explicação do texto, seja-

se o mais simples possível. E quando “a coisa” se complica, mostrar que eles

próprios têm em rodapé uma anotação, ou podem esclarecer o sentido da

expressão no dicionário que vem em apêndice à Bíblia. É decisivo que as

pessoas descubram que a Palavra afinal é acessível. Está perto de si…

Page 211: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Terceira: Juntamente com a sobriedade da linguagem, é necessária a

sobriedade dos símbolos e das imagens. O vento e o fogo, por exemplo, é

uma imagem sóbria e evocativa; não é simplesmente o vento com todas as

suas aplicações e o fogo com todos os seus significados, mas o fogo movido

pelo vento e que, portanto, devora ainda mais. É muito importante utilizar os

símbolos de maneira unitária, para evitar a dispersão, a fim de não fazer

como aquele que, diante do televisor, salta duma canal para outro, sem

conseguir concentrar-se. Não é útil recorrer a tudo o que se sabe e a tudo o

que o texto possa dizer. “Hoje ficamo-nos por aqui”…

Quarta: clareza doutrinal. Quem apresenta o texto deve propor um itinerário

simples e capaz de ser facilmente decorado pela assistência. Esta deve, de

facto, poder memorizar os pontos fundamentais da exposição. É verdade

que se pode utilizar uma folha, escrita; mas se nem sequer esta se pode

memorizar, as pessoas perdem-se. Por isso, requer-se que o pregador tenha

memorizado a sua exposição, servindo-se embora dum esquema. Muitas

vezes, o animador tem de se deixar surpreender pelas descobertas que ele

próprio faz do texto, ao lê-lo, ao explicá-lo e ao partilhá-lo. Tratando-se de

uma página do evangelho ou de uma parábola ou de um relato histórico,

tanto quanto possível, peça-se ao grupo que conte de novo a história e tire

as dúvidas a respeito do que leu ou ouviu.

Quinta: Naturalmente, sugiro que se tenham sempre presentes os quatro

passos fundamentais da Lectio Divina. Acrescentaria ainda, talvez depois

algumas perguntas para a reflexão e a ação; mas nunca mais de três

questões, para não criar confusão e para que cada um possa memorizá-las

ou apontá-las.

A ideia fundamental é de entrar pessoalmente no texto, de lutar com o texto

e de rezá-lo. A primeira questão não é, portanto: Que vou dizer sobre esta

página? Nem sequer: O que é que me diz esta página? Mas: O que é que

diz?

Prescindindo do facto de que deverei explicá-la ou propô-la, devo colocar-

me diante do texto como se fosse essa a primeira vez:

- O que diz?

- Quais os elementos de relevo, as colunas narrativas ou expositivas?

Page 212: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

- Qual a mensagem-chave, o coração do texto?

- Qual a sua relação com o Senhor Jesus, com o Pai, com o desígnio salvífico

de Deus?

Este é um outro modo de dizer: Lectio, Meditatio, Oratio, Contemplatio; são

sempre estas as questões fundamentais.

Neste trabalho de relação pessoal com o texto, podeis procurar ajuda

nalgum comentário, não para saber o que ele diz, mas para lutar melhor

com as palavras do Evangelho, para dominar o texto. Depois de ter

percebido o que diz o texto, perguntar-se-á, então:

- O que é que me diz?

- Que mensagem do texto fere mais a minha atenção?

- Que oração me sugere?

Se é que se trata de um texto, para rezar no início de uma reunião pastoral,

em que o tempo de oração é apenas um ponto da agenda, naturalmente,

que estas perguntas devem ser reduzidas ao essencial.

Sexta: uma modalidade participativa de exposição: não apresentar o texto

como uma lição sabida antecipadamente, mas como algo que estou a

estudar juntamente com quem me escuta. Portanto, convidando os jovens a

participar nas perguntas que eu faço ao texto, tomando-os participantes nas

hipóteses que eu proponho. Este método coloca os ouvintes em atividade,

evitando que permaneçam apenas e só ouvintes passivos. Perguntas como

esta, desarmam os ouvintes: Era de manhã ou ao fim de tarde? Estava

sozinho ou acompanhado? Quem é que estava com Ele? Falou aos

discípulos? Falou aos apóstolos ou falou ou à multidão? Em que sítio se passa

a cena? Que se passou outrora neste local? Quantos estavam, ao certo,

naquele grupo? Façam as contas… Esta palavra, lembra-vos alguma palavra

ou frase semelhante na Bíblia? Este tipo de perguntas revela a todos que o

texto não está «lido» e «sabido» como se pensava. Estes pormenores vão

abrir o campo semântico de cada palavra ou de cada frase e ajudar o ouvinte

e relacionar com outras passagens da Bíblia e com a sua própria vida.

Chegado o momento da partilha, na meditação, é importantíssimo não deixar

resvalar para a devassa da privacidade própria ou alheia. O animador tem de

saber discernir os limites da partilha. E quebrar algum ‘desabafo’ dando vez

Page 213: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

ou voz a si ou a outro.

Sétima: proporcionar, durante o encontro um tempo de absoluto silêncio,

como sendo o tempo mais importante. Sei que é difícil; sei que, muitas

vezes, não se tem a coragem de estar em silêncio, que se tem medo do

silêncio. Pertence ao orientador perceber se o tempo de silêncio deve ser

mais ou menos longo, e poderá também sabiamente preenchê-lo, se achar

necessário, retomando as questões da Meditação ou retomando algumas das

expressões da Oração. De qualquer modo, deve haver sempre silêncio. O

silêncio, de facto, é o sinal eficaz de que não se está lá apenas para ouvir,

mas que se está também para uma relação pessoal com o texto.

Estas são sete condições que acho necessárias para uma verdadeira Lectio

Divina; condições objetivas, ambientais, metodológicas; todas elas muito

importantes.

8.5. Lectio Divina adaptada a crianças

Para viver um momento de Lectio Divina com um grupo de crianças deve

seguir-se o esquema apresentado para a Lectio Divina com um grupo, embora

se devam fazer algumas adaptações.

Preparação e invocação do Espírito Santo

Antes de iniciar, cuidar bem da preparação do espaço e preparar as crianças

para o momento que se segue, dando a conhecer o que irá fazer e distribuindo

as tarefas. Depois, para iniciar, cantar um cântico que seja conhecido de todos

e, todos juntos, rezam uma breve oração.

Leitura da Palavra

Mantendo um ambiente de silêncio, alguém lê o texto proposto em voz alta.

Procurar escolher um texto cuja compreensão possa ser mais fácil para as

crianças. Por norma, um texto narrativo ou uma parábola torna-se mais

acessível.

Page 214: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Todas as crianças devem ter o texto à mão, com uma tradução igual para

todos. Se o grupo o permitir, deixa-se um breve tempo de silêncio (um ou dois

minutos) para que cada um volte a ler o texto para si.

Depois, o catequista dá uma breve explicação do texto, dando algumas ajudas

indicativas para a leitura e compreensão do texto. Deve fazê-lo em forma de

diálogo, chamando a atenção para o que diz o texto, fazendo perguntas,

podendo fazer-se auxiliar de alguma imagem. Este tempo deve ajudar a

responder à pergunta: o que diz o texto?

Meditação pessoal em silêncio

Cada catequizando é convidado a aprofundar pessoalmente o texto. A pergunta

que preside a este momento é: o que me diz o texto? Para ajudar à

compreensão as crianças respondem individualmente a algumas questões

simples e diretas, ou fazem uma pequena atividade relacionada com o texto. Se

for conveniente e ajudar para a concentração, pode-se pôr uma música de

fundo, desde que seja instrumental e suave de modo a favorecer a

interiorização.

Partilha da Palavra

O catequista anima este momento em que cada criança partilha a sua

meditação pessoal, salientando que a partilha de cada um pode enriquecer todo

o grupo. Convida a dizer aquilo que escreveu ou outra atividade que tenha

realizado, ou a repetir uma frase do texto bíblico que mais tenha gostado e

porquê. Pode ser conveniente ter preparado um refrão de um cântico para

cantar durante a partilha.

Oração

De uma forma espontânea ou com um texto previamente preparado, o

catequista ajuda a concluir o momento da partilha com um momento de oração

que recorde alguns pontos essenciais do texto bíblico e apresente ao Senhor o

fruto da meditação das crianças. A pergunta que preside a este momento é: o

que digo a Deus a partir deste texto?

Conclusão

Page 215: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Se for possível, tendo em conta o que foi partilhado, tenta-se formular um

propósito concreto do grupo. Seja isto realizável ou não, é bom que de todos os

modos, incentivar a que cada criança procure responder pessoalmente à

questão: o que quero fazer, na minha vida, a partir deste texto?

Como conclusão canta-se um cântico.

Esquematicamente, um tempo de Lectio Divina com crianças pode ser

apresentado do seguinte modo:

LeituraA Palavra de Deus é alimento

para a vida: o que diz o texto?

Texto Bíblico

Palavra chave e imagem

MeditaçãoA Palavra de Deus ensina-nos: o

que me diz o texto?

Olhar com mais atenção a

Palavra de Deus

Oração

A Palavra de Deus convida-nos a

rezar: o que digo a Deus a partir

deste texto?

Oração a partir da Palavra

Compromi

sso

A Palavra de Deus ajuda-nos a

viver: o que quero fazer, na

minha vida, a partir deste texto?

Compromisso individual

Atividade de grupo

8.6. Lectio Divina na Catequese do 4º ao 6º anos

Partido daquela que é a forma mais habitual de fazer esta leitura orante da

palavra de Deus, procuraremos depois encontrar a forma prática de a realizar

com os catequizandos do 4º ao 6º ano.

Leitura orante da Palavra em grupo

O método, como foi apresentado no ponto anterior, destina-se à Lectio Divina

pessoal ou em grupo. No entanto, para este segundo caso - em grupo -, ela

pode ser adaptada, continuando a ser fiéis aos passos principais e aos seus

objetivos. Neste ponto iremos já dando indicações práticas para os encontros

que estamos a preparar neste momento. O desenrolar é o seguinte:

Invocação do Espírito Santo

Page 216: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Para iniciar, canta-se um cântico e, todos juntos, rezam a oração proposta.

Leitura da Palavra

Mantendo um ambiente de silêncio, alguém lê o texto proposto em voz alta.

Deixa-se um breve tempo de silêncio (um ou dois minutos) para que cada um

volte a ler o texto para si.

Depois, o animador dá uma breve explicação do texto (máximo de 10 minutos),

seguindo o mais possível o esquema correspondente que recebeu. O objetivo

não é fazer uma exegese do texto, fazer uma pregação ou expor uma reflexão

pessoal; trata-se simplesmente de dar algumas ajudas indicativas para a leitura

e compreensão do texto.

Meditação pessoal em silêncio

Cada participante individualmente e em silêncio relê o texto, realizando o que é

próprio da meditação (cf. supra). Este momento pode durar até 15 minutos,

mas depende do grupo e da capacidade que tem para aprofundar. Se for

conveniente e ajudar para a concentração, pode-se pôr uma música de fundo,

desde que seja instrumental e suave de modo a favorecer a interiorização.

Partilha da Palavra

É o momento característico da Lectio em grupo: passa-se da Lectio pessoal à

comunitária. É um espaço de partilha, num ambiente de conversa espiritual,

onde cada um pode manifestar o mais significativo da sua meditação,

mostrando como a Palavra toca, queima, transforma, consola, converte, etc.

Não se trata de uma discussão ou confronto, mas de um enriquecimento mútuo,

de partilhar a riqueza da Palavra pessoalmente experimentada e de maravilhar-

se pelo que ela realiza nos outros. A partilha pode até consistir simplesmente

na leitura de alguma frase que tenha sido mais significativa, acompanhada

talvez de uma breve explicação. A intervenção do animador deve limitar-se a

procurar que todos possam partilhar, que se mantenha o ambiente próprio do

momento, e a esclarecer alguma questão que eventualmente se levante e que

possa conduzir a engano.

Page 217: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Oração

O que foi partilhado é de novo apresentado ao Senhor em forma de oração.

Aqui será proposto algum tipo de oração litânica na linha do texto bíblico

meditado, reutilizando o próprio vocabulário do texto. Também pode haver

espaço para alguma forma de oração mais espontânea.

Conclusão

Se for possível, tendo em conta o que foi partilhado, tenta-se formular um

propósito concreto do grupo. Seja isto realizável ou não, é bom que de todos os

modos, num breve momento de silêncio, cada pessoa possa formular o seu

propósito pessoal.

Como conclusão canta-se um cântico:

8.7. Um exercício prático de Lectio Divina, na Catequese

Preparação e invocação do Espírito Santo

Cântico: Eu vim para escutar…

Tua Palavra, Tua Palavra,

Tua Palavra de Amor

Eu quero viver melhor…

Eu quero entender melhor…

Oração: Senhor Jesus, nós queremos escutar e viver a Tua Palavra. Manda o

Teu Espírito para nos ajudar a escutar o que hoje nos queres dizer.

Ámen.

Leitura da Palavra

Page 218: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Leitura da Segunda Carta a Timóteo.

14Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a

certeza, bem ciente de quem o aprendeste. 15Desde a infância conheces a

Sagrada Escritura, que te pode instruir, em ordem à salvação pela fé em Cristo

Jesus. 16De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para

ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, 17a fim de que o homem de Deus

seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa. Palavra do Senhor.

Tópicos para a compreensão do texto:

a) Timóteo aprendeu desde muito novo a ler as Escrituras. As crianças

começavam a ler a Bíblia aos 5 anos. No seu caso, foi a mãe que o ensinou

a ler as Escrituras.

b) As Escrituras podem instruir «em ordem à salvação pela fé em Cristo

Jesus»: são para nós um espaço de encontro com Deus que nos quer falar.

c) Toda a Escritura é inspirada: é o Espírito de Deus que garante a verdade

da Escritura e, por isso, ela se torna importante para nós.

d) Porque é tão importante? Porque é útil para «ensinar, refutar, corrigir e

educar»... para que vivamos no Espírito e possamos caminhar para a

perfeição, para sermos bons fazendo o bem.

Meditação pessoal em silêncio

Cada um volta a ler o texto e responde:

a) Procuro ler/escutar, meditar e interiorizar a Palavra de Deus?

b) Que tempo dedico à escuta da Palavra? Onde a procuro escutar e rezar?

c) Procuro deixar-me instruir pela Palavra, pondo-a em prática na minha

vida?

d) Faço da catequese um espaço de escuta, partilha e vivência da Palavra

de Deus?

Cântico: A vossa palavra, Senhor, é luz dos meus caminhos.

Partilha da Palavra: Em pequenos grupos, fazer um momento de partilha da

Palavra (10 minutos)

Oração (salmo 119, 1-16)

Page 219: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Para rezar em conjunto, depois do momento de partilha. Em dois coros:

Felizes os que seguem o caminho da retidão

e vivem segundo a lei do senhor.

Felizes os que cumprem os seus preceitos

e o procuram com todo o coração,

que não praticam o mal

mas andam nos caminhos do Senhor.

Promulgaste os teus preceitos

para se cumprirem fielmente.

Oxalá os meus passos sejam firmes

no cumprimento dos teus decretos.

Então não terei de que me envergonhar,

se observar os teus mandamentos.

Poderei louvar-te de coração sincero,

instruído pelos teus justos juízos.

Hei de cumprir as tuas leis;

não me abandones mais!

Como poderá um jovem

manter puro o seu caminho?

Só guardando as tuas palavras.

Eu procuro-te com todo o coração;

não deixes que me afaste

dos teus mandamentos.

Guardo no meu coração as tuas promessas,

para não pecar contra ti.

Bendito sejas, Senhor!

Page 220: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

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Ensina-me as tuas leis.

Anuncio com os meus lábios

todos os decretos da tua boca.

Alegro-me mais em seguir as tuas ordens,

do que em possuir qualquer riqueza.

Meditarei nos teus preceitos

e prestarei atenção aos teus caminhos.

Hei de alegrar-me com as tuas leis;

não esquecerei as tuas palavras.

Conclusão/compromisso

Após um breve momento de silêncio para cada um formular o seu compromisso

pessoal, rezamos em conjunto:

Senhor, creio que a tua palavra é vida, e que gera a tua vida em mim.

Quero ler a tua palavra, meditá-la e vivê-la.

Dá-me, Senhor, a luz do teu Espírito para que ela revele em mim a tua verdade

e transforme o meu coração. Ámen.

Cântico: Confiarei no meu Deus, confiarei no meu Deus. Ele conduz-me, não

temo, vem comigo a caminhar.

Page 221: Viver e Educar Na Oração e Para a Oração

206

Conclusão

Às portas do Ano da Fé, a oportunidade que nos é dada de “redescobrir a

alegria da fé e o entusiasmo de a comunicar” (PF 7), não pode passar ao lado

de uma dimensão fundamental da fé: a fé rezada, aquela fé, pela qual

verdadeiramente o cristão entra em relação com Deus, em intimidade com

Cristo, na comunhão com o Espírito Santo.

Sem oração, a fé pode reduzir-se a uma grande ideia que se professa, ou

mesmo a uma decisão ética notável, que se assume e vive, mas não é ainda a

fé. Seria uma teoria, uma doutrina, uma ética, uma moral.

Ora, o que é próprio da fé é o encontro vital e pessoal com Cristo, “que dá a

minha vida um horizonte novo em desta forma um rumo decisivo” (cf. DCE 1).

Entender que a oração ocupa na catequese um lugar prioritário supõe chegar a

compreender o verdadeiro objetivo da catequese e de toda a vida cristã é

precisamente a comunhão com Jesus Cristo. Em definitivo, a finalidade da

catequese é a de fazer que alguém se ponha, não apenas em contacto, mas em

comunhão, em intimidade com Jesus Cristo. Por isso, a Catequese, se propõe

ser um espaço de educação da fé, da sua maturação, não pode descurar a

tarefa de iniciar à oração, na diversidade das suas expressões, de modo que a

fé professada, celebrada e vivida, seja também a fé rezada, na comunhão com

a Igreja. Disse-o muito bem a Beata Madre de Calcutá: «O fruto da oração é a

fé».

Di-lo claramente, na introdução à IV parte, o próprio Catecismo da Igreja

Católica: “Este mistério exige, portanto, que os fiéis nele creiam, o celebrem,

dele vivam, numa relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Esta

relação é a oração”.

Todo o nosso percurso representou um esforço de perceber o lugar da

aprendizagem e da prática da oração, no processo de iniciação cristã e a

tentativa de encontrar os modos concretos de o fazer, em Catequese, onde o

clima orante faz desta um «encontro» e não uma «aula».

Procurámos, em tudo e sempre, ser fiéis à doutrina da Igreja, tendo como guia

principal da reflexão sobre a oração a IV parte do Catecismo da Igreja Católica.

Na parte pedagógica, fomos em busca dos místicos, dos mestres e dos

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pedagogos, dos guias e das testemunhas, no caminho da oração, que nos

pudesse oferecer pistas, abrir caminhos, para nos iniciarmos numa aventura,

que só, pela graça do Espírito Santo, Mestre interior, se pode abraçar. Ele que

nos ensina a rezar, como convém, nos ensine a ensinar outros a rezar, como

Jesus rezava!

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