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    Biblioteca Breve

    SRIE LITERATURA

    LITERATURAS AFRICANASDE EXPRESSO PORTUGUESA

    II

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    COMISSO CONSULTIVA

    JACINTO DO PRADO COELHOProf. da Universidade de Lisboa

    JOO DE FREITAS BRANCOHistoriador e crtico musical

    JOS-AUGUSTO FRANA

    Prof. da Universidade Nova de Lisboa

    Director da Publicao

    LVARO SALEMA

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    MANUEL FERREIRA

    Literaturas Africanasde ExpressoPortuguesa

    IIINTRITOANGOLA

    MOAMBIQUECOMENTRIO FINAL

    M.E.I.C.

    SECRETARIA DE ESTADO DA INVESTIGAO CIENTFICA

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    T tu l oLiteraturas Africanas de Expresso Portuguesa IIBib l i o t e c a Br e v e / Vo lume 7 Instituto de Cultura PortuguesaSecretaria de Estado da Investigao CientficaMinistrio da Educao e Investigao Cientfica Instituto de Cultura PortuguesaDireitos de traduo, reproduo e adaptao,reservados para todos os pases1. edio 1977Composto e impres sonas Oficinas Grficas da Livraria BertrandVenda Nova - Amadora Portugal

    Junho de 1977

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    NDICE

    Pg.Intrito.............................................................................................. 6

    ANGOLA

    1. Lrica.......................................................................................... 92. Narrativa................................................................................. 503. Drama ..................................................................................... 62

    MOAMBIQUE

    1. Lrica........................................................................................ 64

    2. Narrativa................................................................................. 983. Drama ...................................................................................104

    COMENTRIO FINAL

    Notas.............................................................................................. 113Angola............................................................................................ 114Moambique.................................................................................... 119

    Comentrio...................................................................................... 123Bibliografia passiva (selectiva) .......................................................... 127ndice de autores, obras e temas........................................................ 137

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    INTROITO

    No volume anterior, para alm da Introduo geral(Descobertas e Expanso e Literatura colonial) e deuma ideia global da actividade literria do sculo XIX(Sentimento Nacional) em todos os novos pasesafricanos de expresso portuguesa, desenvolvemos,tanto quanto nos permitiu o espao, a referenciao daliteratura africana em Cabo Verde, S. Tom e Prncipe eGuin-Bissau.

    Vamos agora abordar, neste volume, as literaturas deAngola e Moambique. Dada a necessidade daseparao do trabalho em dois volumes, cremos queesta estrutura encontra umas tantas razes que ajustificam. Razes geogrficas ou polticas ou histricasou culturais ou lingusticas, algumas delas comuns agrupos de dois pases ou simultaneamente a trs pases.Constitucionalmente, Cabo Verde e Guin-Bissau souma unidade. Por outro lado, Cabo Verde e S. Tom ePrncipe alm de serem arquiplagos da costa ocidentalafricana, segundo Francisco Jos Tenreiro, e conformej assinalmos, tiveram uma evoluo conjunta atmeados do sculo XIX. Por outro lado, S. Tom ePrncipe e Cabo Verde so pases bilingues: a lngua

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    oficial (o portugus) e a lngua-me (o dialecto), emborasejam notrias as diferenas entre um e outro, masambos com a mesma raiz na lngua portuguesa. E ainda este elemento que ajuda a reunir a Guin-Bissauqueles dois pases, uma vez que, embora este ltimopas seja plurilingue, tem a cobrir algumas das suas reaso dialecto crioulo, parente do dialecto de Cabo Verde,facto que de igual modo deixmos dito para trs. Razesde peso ou no (tudo depende) so razes eresponsveis por esta estrutura.

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    ANGOLA

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    1. LRICA

    J vimos anteriormente que em Angola, em plenametade do sculo XIX, quer na lrica quer na narrativa, eainda no jornalismo, se desenha o aparecimento de umaliteratura marcada j por um sentimento nacional.

    E, assim, hoje no possvel traar um quadro daliteratura angolana sem que recuemos quela poca paraestabelecermos um nexo diacrnico que nos ilumine,ainda mesmo considerando que, em certo momento, seabre um vazio, concretamente no perodo que decorreda primeira terceira dcada do sculo XX.

    em Jos da Silva Maia Ferreira que se indiciauma certa conscincia regional, condio primeira parauma conscincia nacional. Ainda imprecisa, diramoslimitada ao nvel do inconsciente: A minha terra/Notem virgens com faces de neve/Por quem lanas emriste Donzel,/Tem donzellas de planta mui breve,/Muiairosas, de peito fiel. 1 A insegurana no louvordenuncia-se na comparao que se estabelece com aEuropa (Portugal), onde h virgens com faces deneve, que no existem na sua terra, embora hajadonzelas de planta mui breve. Aqui se pretendetambm a valorizao da mulher africana, contrariada,

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    porm, pela subestimao inconsciente da cor da pelenegra. s faces de neve se contrape a planta muibreve. No sculo XIX ainda quase to-s o tpico dacor o nico que poesia empresta um carcter africano.J. Cndido Furtado: Qu importa a cr, se as graas, sea candura/Se as frmas divinaes do corpo teu/Seescondem, se adivinho, se apercebem/Sob esse tosubtil, ligeiro Vu, 2 Menos em Ernesto Marecos (Jua,a matumbolla, 1865), mas tambm significativamente porter utilizado temas da tradio popular, conferindoassim a categoria literria a motivaes de raiz africana.Outro portugus radicado, dessa poca, EduardoNeves (c. 1855-?) cujos ttulos de alguns poemas: Numbatuque ou A uma Africana so j ndice interessante,mas que ganha maior relevo se o associarmos ao doconvvio lingustico (portugus e quimbundo): - Sejameu par, oh menina/no se zangue por to pouco; /U salca, voc louco,/Gmessenme ququina.3Negritude? Antes negrismo. Mesmo assim, sensacionalpara a poca o recurso convivncia lingustica. Foinecessrio esperar cerca de sessenta anos para que talacontecesse em Cabo Verde com Onsimo Silveira eoutros, e com os poetas angolanos da gerao daMensagem, embora nestes ltimos casos j sem o recurso traduo, que E. Neves e outros poetas do sculo XIXno conseguiram dispensar. Mas onde a incidncia nouniverso angolano comea a ser incontestvel com onegro J. Cordeiro da Matta (1857-1894), seriamenteempenhado na manipulao de dados de raiz nacional.Ainda assim, e quando menos se espera, a contradiovem flor da pele:

    Negra! negra! como a asa

    do corvo mais negro e escuro,

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    mas, tendo nos claros olhos,o olhar mais lmpido e puro! 4

    O conceito aristocratizante europeu um veneno dedifcil exciso: branca que ao mundo viesses,/serias dasfilhas dEva/em belleza, negra, a prima!... 5 Tambmaqui, como se v, a cor branca condio necessriapara a absolutizao da beleza. Acentue-se, no entanto,que Joaquim Cordeiro da Mata, antes mesmo de

    Eduardo Neves, se afoitou a dignificar a lngua-mefazendo-a conviver com a lngua portuguesa no poemaKicla!: - Ngumi-mi ngana iame/no quero, carosenhor/disse sem mudar de cr 6.

    Poesia de um certo rudimentarismo, mas outra no fcil encontrar em Angola no sculo XIX. Ela ficasobretudo como sinal inequvoco do acordar de umaconscincia para uma realidade a que se pretende dar acategoria de substncia literria. Outros exemplos, masde menor expresso, podero ser encontrados em Luz eCrena (1902-1903). Dirigida por Pedro da PaixoFranco, jornalista de nomeada, dela apenas se

    publicaram dois nmeros, que reuniram a colaboraode alguns nomes em evidncia na vida jornalstica eintelectual da poca, como Jorge Eduardo, SilvrioFerreira, Francisco Castelbranco, director dos EnsaiosLiterrios. Nas palavras indispensveis de abertura, odirector da revista afirma que numa terra onde seencontram dois males tenebrosos abraados um dooutro, a falta de instruo e a venda profusa desseveneno chamado lcool, se algum espera graxa,manteiga, bajulao, perde o tempo, que rasgue o nossotrabalho.

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    Por muito estranho que parea vo ser necessrioscerca de quarenta anos para que renasa o caminhoencetado no sculo XIX. A um hiato de quase vinteanos sucede o renascimento da literatura colonial que, apartir dos alvores da dcada de 20, vai dominar opanorama literrio. Na rea da narrativa cabe ao mestioA. Assis Jnior dar o primeiro abano na literaturacolonial com o seu romance O segredo da morta, (1936) deque nos ocuparemos mais adiante. Antes mesmo dapublicao do romance de Assis Jnior, Tomaz Vieirada Cruz (1900-1960), portugus radicado, com o seulivro de poemas Quissange-saudade negra (1932), a que seseguiram Tatuagem(1941), Cazumbi(1951), retoma, semtalvez tomar conscincia disso, algumas das fugazesexperincias poticas oitocentistas. O projecto de umasemntica angolana , em certa medida, alcanado.Poesia, a sua, exaltada na poca, e mais tarde defendidae tambm combatida, naturalmente que hoje ela exigeuma reflexo crtica para que possa ser reposta no seudevido lugar. Parece evidente que a novidade vem dofacto de Tomaz Vieira da Cruz tentar umadescolonizao de si prprio, procurando a adeso aouniverso africano. Temas como Kica (s negra,andas de luto/por tua raa infeliz!) 7; Bailundos(Haveis de caminhar, sem caminhar,/que nunca terfim o vosso inferno!) 8; Ngola-flor de bronze, soapenas alguns exemplos. Com relevncia o seu verbo setece no Amor mulato e ser essa sua lira mulata (Aminha lira mulata) que vai condicionar a viso eexplicar todo o seu mecanismo criador, que v nocolono o heri mtico; Foi o primeiro em tudo/naDor e no Amor 9. Ponto de vista limitado, mas quedever ser compensado pelo tempo de insero e pelo

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    esforo sincero numa adeso, se discutvel, pelo menoshonestamente romantizada:

    No sei, por estas noites tropicais,O que me encanta...Se o luar que cantaOu a floresta aos ais. 10

    Quando um poeta africano se radica desde cedo e por

    dilatado tempo numa cidade europeia, como Lisboa,corre vrios riscos, sobretudo se se vive no tempo dofascismo. As suas vivncias africanas, se lhe avivam asaudade, mas porque se vo enfraquecendo, prejudicam-lhe a resposta criadora. O poeta passa a viver derememoraes, o seu gesto fica inacabado. Seria issoque teria acontecido a G. B. Victor. (Ecos dispersos, 1941;Ao som das marimbas, 1943; Debaixo do cu, 1949; Arestaurao de Angola, 1957; Cubata abandonada, 1958;Mucanda, 1965; Monandengue, 1973), enquanto poeta econtista? Pergunto-me: quando ele em O tocador demarimba evoca e apela: Ah! se eu tivesse o teu cantar

    profundo,/num Poema eterno cantaria a raa/por todoo mundo e para alm do mundo!... 11, haver nesteapelo a si prprio a fora real da negritude ou o sinal deuma certa impossibilidade para cantar a raa? Ouainda em Ezuvi: Eu canto ao mundo, ao mundointeiro, a graa/nativa do teu corpo de mulher 12. Aquih insero ou distanciao? Em 1949 G. B. Victor, emDebaixo do Cu, no poema Eis-me navegador...glorificava-se: Eu tenho a f e o sonho de Cabral/embusca do Brasil do meu anseio! 13. Debaixo do cu,porm, anterior a Ao som das marimbas. Isto importante. Posteriormente, teria resolvido, realmente, a

    ambiguidade ou a contradio? Em 1973, com

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    Monandengue, ao nvel potico o que parece sobressair ,na verdade, ainda a inteno 14. Seja como for, no lcito perder de vista que os seus primeiros poemasafricanos datam de 1943. Um precursor, sem dvida.

    Em 1950 publica-se em Luanda um cadernopolicopiado, Antologia dos novos poetas de Angola 15, poriniciativa do Departamento Cultural da Associao dosNaturais de Angola. Era j o impulso do Movimentodos Novos Intelectuais de Angola, criado em 1948, quetinha por lema: Vamos descobrir Angola! Eis aprimeira tentativa colectiva e organizada para levar aocaminho de muitos o trabalho sequente da vontadeindomvel de alguns poucos. Deixemos para diantecertos poetas ali agrupados como Viriato da Cruz,Humberto da Sylvan, Antnio Jacinto, empenhados noprojecto da revista Mensagem, e retenhamos aqui outrosnomes. Cochat Osrio (Calema, 1956; Cidade, 1960, eBiografia da noite, 1966) com uma demorada permannciaem Portugal, de regresso a Luanda, fora o cerco jmuito apertado, sobretudo a partir dos seus dois ltimoslivros e, sobretudo no derradeiro, abre-se denncia dasinjustias sociais e a um certo desencanto existencial,mas ainda tambm a uma angstia solidria ehumanstica:

    Eu s queria cantara terra ensanguentada mas sagrada,corpo e alma,carne e sanguedo senhor 16

    Cantar ainda o povo, o deus crucificado em todosos momentos. Duas mulheres participam desta

    aventura. Llia da Fonseca viria a radicar-se em

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    definitivo em Portugal. A Ermelinda Pereira Xavieroutro tanto aconteceu, e lamenta-se que tivesseabandonado o exerccio potico, a que havia imprimidoum acento veemente: Avante, irmo, demos as mos/ecomecemos a nossa jornada/vamos buscar os outrosirmos/que hesitam em dizer sua mensagem17 Sercom Maurcio Gomes que surge como que o primeirorebate para uma congregao, afinal o objectivo docaderno, to modesto, mas histrico:

    Tocadores, vinde tocarmarimbas, ngonias, quissangesVinde chamar nossa gentePr beira do grande Mar! 18

    Era, na evocao simblica, o antecipado chamamentocolectivo sua gente, embora, paradoxalmente, M.Gomes se tivesse perdido pelo caminho.

    Um ano depois, sai em Luanda a revista Mensagem(1951-1952) com o subttulo A voz dos naturais deAngola. Consequncia do projecto cultural e poltico

    do citado Movimento dos Novos Intelectuais deAngola, dela se publicaram apenas quatro nmeros, osdois ltimos num s caderno 19. comMensagemque seprojecta a viragem definitiva no caminho da literatura ecultura angolanas: o marco iniciador de uma CulturaNova, de Angola, e por Angola, fundamentalmenteangolana, que os jovens da Nossa Terra estoconstruindo. A conscincia, a determinao e o sentidoda mensagemdesses jovens esto inscritos na forma comografam com maisculas Cultura Nova e Nossa Terraque aqui no era propriamente a Minha Terra de Josda Silva Maia Ferreira do sculo XIX, terra da sua

    naturalidade, mas sim nossa Terra, nosso Pas, nossa

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    Ptria. Eis como simbolicamente, e nesse tempo declandestinidade contnua, se exprimia o sentimentopatritico e se projectava o sentimento nacional emais: se pranunciava a luta de libertao. , de resto,diga-se desde j, a ideia motora que vai presidir a todasas tarefas a que se devotaro, da em diante, os maislcidos e determinados escritores angolanos. Um ououtro ficar pelo caminho, um ou outro terminar porse acomodar em Lisboa sombra da abdicao e daconvivncia declarada ou subterrnea; um ou outro teriaentrado no desencanto. Terminaro por ser muitos osque pactuaram? Nem tanto. Poucos, mesmo. A grandemaioria aguentou a p firme. Na sua Terra (na suaPtria). Outros, obrigados ao exlio, que transformaramnuma barricada, outros na priso, outros vigiados,incomodados, perseguidos pela veneno policial destiladohora a hora (e este, quem o no sabe, no das menoresformas de sofrimento). E todos estes fizeram da suapoesia (e da sua narrativa de que adiante falaremos) umacto de f. Por certo que ela diversificada, enriquecidapor um temrio que no se cinge unicamente a umasubstncia revolucionria. Mas toda ela converge parauma globalidade significativamente revolucionria.Amor terra, s coisas, aos homens, penetrada domundo animal, vegetal, mtico, mas segmento medularda sua expresso , de facto, a denncia, a rebeldia, aconscincia revolucionria; em suma, o projectoperseguido, passo a passo, para a Revoluo, para alibertao. Aqui se d corpo ao iderio colectivo que seleveda nos anseios da profunda conscincia nacional. Ospoetas fazem da escrita um acto de responsabilidade nocombate violncia, represso, explorao, alienao. E em nossos dias impressiona a proftica voz

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    de h um quarto de sculo como neste excerto doAdeus hora da largada de Agostinho Neto (Quatropoemas de Agostinho Neto, 1957; Poemas, 1961, Sagradaesperana, 1974).

    Minha me(todas as mes negrascujos filhos partiram)

    tu me ensinaste a esperarcomo esperaste nas horas difceis

    Mas a vidamatou em mim essa mstica esperana

    Eu j no esperosou aquele por quem se espera

    Sou eu minha mea esperana somos nsos teus filhospartidos para uma f que alimenta a vida

    ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...Amanhentoaremos hinos liberdadequando comemorarmosa data da abolio desta escravatura 20

    Esta uma das poticas onde os signos da certeza(ttulo de um dos poemas de Agostinho Neto) andamsemeados. Por certo no se esconde a nfase dada aossignos da violncia, to sentida e sofrida que, numaestrofe de quatro versos, A. Neto enumera trs vezes:na violncia/na violncia/na violncia21. Porque delaque deflue a servido, os corpos cadaverizados, as

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    prises, o exlio, a explorao, a condiomoribunda, a escravido, o chicote. Eles, estessignos, preenchem a poro irada do enunciado poticode Agostinho Neto (e de tantos outros), mas bebida nanascente do universo colonizado. Antiteticamente aoutra face do enunciado se vivifica na liberdade debraos erguidos, na sagrada esperana, na certeza,no amanhecer vital alimentado na melodia quente dasmarimbas, no coqueiro verde das palmeirasqueimadas, na sinfonia adocicada dos coqueiros, noflorir aromatizado da floresta, na agilidade da gazela.Em resumo, a antinomia se estabelece entre o choro defrica, o povo martirizado durante cinco sculos e oamanhecer vital sobre a nossa esperana 22 queconduzir ao estilo africano da vida no conceitoharmonioso do universal 23.

    Em Viriato da Cruz (1928-1973), Poemas (1971),tambm fundador do M.P.L.A., emerge muito vivo osentimento da ptria de que falvamos, h momentos(Oh Terra, oh Terra; Oh minha me Terra!!) 24 queexalta, nobilita no recurso funo expressiva, e daangolanidade transita para a negritude ou, melhor, fundeestes dois pontos de vista num s, glorificando, comveemncia, o hornem africano disseminado peloplaneta, erguendo a sua voz libertadora, como visvelno poema Mame Negra (Canto de esperana):

    Pela tua vozVozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais

    [dos seringais dos algodais...vozes das plantaes da Virgniados campos das CarolinasAlabama

    Cuba

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    Brasil...Vozes dos engenhos dos bangus das tongas dos eitos

    [das pampas das usinasVozes do Harlem District South

    vozes das sanzalas... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ... .. ... ... ... ... ... ... ...Vozes de toda a Amrica. Vozes de toda a fricaVozes de todas as vozes, na voz altiva de LangstonNa bela voz de Guilln...... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ... .. ... ... ... ... ... ... ...gerando, formando, anunciandoo dia da humanidadeO DIA DA HUMANIDADE... 25

    Poeta de largos recursos estilsticos, o seu verbo uma torrente que se espraia no longo discurso, lrico oupico, valorizado por uma vibrante autenticidade,sensvel ainda s fontes tradicionais da cultura angolana,como em o Sero de menino (Era uma vez umacora/dona de cabra sem macho.... 26 Infelizmente delese conhecem, cremos, apenas cerca ele uma dezena depoemas, o suficiente, porm, para que o seu nome se

    sagre como um dos mais importantes poetas africanosde lngua portuguesa, embora todos eles tenham sidoescritos nos verdes anos da sua vida. Outro nomeimportante o de Antnio Jacinto (Poemas, 1961) que,at ao momento de ser preso (1960), desempenhoupapel fundamental em todas as actividades culturais deLuanda ou a partir de Luanda. Branco, mas cedoresolvera a contradio que isso poderia implicar (omeu poema sou eu-branco/montado em mim-preto/acavalgar pela vida). 27 A significao profunda da suapoesia cedo se definiu no Canto interior de uma noitefantstica (1952):

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    Sereno, mas resolutoaqui estou eu mesmo! gritando desvairadoque h um fim por que lutoe me impede de passar ao outro lado.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ... .. ... ... ... ... ...Assim continuarei a lutar, ai a lutar!Num perigoso mar de paixes e escolhosE companheiros se neste sofrer me virdes chorar

    no acrediteis em vossos olhos!28

    O seu discurso um rio abrindo os braos irrigaode vrios espaos e nveis sociais. Profundamenteidentificado com o sofrimento do povo angolano, domesmo passo que lana o verbo na raiz da grandealegoria: e unidos nas nsias, nas aventuras, nasesperanas/vamos ento fazer um grande desafio... 29

    Doze anos de priso e, quando solto com residnciafixa em Lisboa, ilude as malhas da P.I.D.E. e vai aoreencontro dos seus camaradas de luta nas matas deAngola.

    Humberto da Sylvan, nessa altura j autor de um livroainda indeciso (Silncio, 1948), construdo sob ainfluncia de uma poesia que viria a ultrapassar, quasede imediato, um dos que levou a cabo importantetrabalho annimo. A sua viragem est j concretizadano poema Descoberta publicado na citadaAntologia dosnovos poetas de Angola: Abandonei a minha torre desonho/E passei a percorrer a estrada da esperana/Queos meus olhos abarcam! 30 Esta deciso ele vai torn-lareal, na prpria Mensagem: Poeta do novocancioneiro,/ Poetas do novo cancioneiro, /cantai,espalhai, pelos sulcos da terra,/as sementes do poema

    novo! de modo a que se diga: aqui est a evoluo

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    dum continente,/aqui est o drama de um grandepovo! 31 Depois de um largo perodo de hibernao,Sylvan, no suplemento Artes e Letras dA Provncia deAngola, de 1972 a 1973, ento j em Lisboa, um olharsaudoso e enternecido percorrendo a cidade de Luandados seus tempos de meninncia, quando ainda nohavia arranha-cus: So Paulo de Luanda, terra docomandante Carola, Titi Miquelina, de Kimbundabranca, A velha Catita, A av Rosa da ilha do Cabo,Xico Bilha num mundo de vivncia fraterna ecompreenso. 32

    A Mrio de Andrade, ex-Presidente do M. P. L. A., sedeve essencialmente uma obra de historiador e ensasta.A ele se debita ainda o ter sido o mais lcido divulgadorda literatura africana de expresso portuguesa, atravs deantologias que vo desde o caderno Poesia negra deexpresso portuguesa, 1953, de colaborao com FranciscoJos Tenreiro, passando pela Antologia de poesia negra deexpresso portuguesa (Paris, 1958) at mais recente,Antologia temtica africana I. A essa actividade junta-se,ainda que fugaz, a de contista e poeta de queconhecemos apenas a Cano de Sabalu, o drama docontratado angolano: Nosso filho no voltou/A mortelevou-o/aiu!/Mandaram-no pra S. Tom. 33

    Colaborador de Mensagem, M. Antnio foi dosprimeiros a estrear-se com um livro de poemas (Poesias,1956), a que se sucederam: Amor, 1960; Poemas & cantomido, 1961; Chingufo, 1962; 100 poemas, 1963; Era tempode poesia, 1966; Rosto de Europa, 1968. A sua actividadecultural pode dividir-se em duas fases. A primeira seria ade integrao no esprito de Mensagem, perodo em quea sua poesia mergulha no real social, reflexo de umponto de vista crtico e objectivo:

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    At se revoltarem os escravos.At se rebentarem as comportas.At sismos divinos, roncos cavosDa terra inquieta sob as pedras mortasSacudirem a nossa inquietao.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ... ...At sermos capazes de amar,At sermos capazes de morrer. 34

    A segunda fase da sua obra corresponde a umamudana mental, a uma viragem desse ponto de vista,os olhos colados agora nos valores europeus eesquecidos os valores africanos: Eis que teaprendo,/Europa,/Eis que te aprendo! 35. Fora dedvida que, nesta sua ltima fase, a linguagem se apura,no tratamento elptico ( geografia/Do Rosto, msicainscrita/Em pauta. Um Rosto s:/Sorri, desfolha-se.Ausenta-se) 36 uma fala de maior rigor na construopotica. Mas difcil deixarmos de preferir a sua poesiade insero no tempo e no espao angolano dos anos

    cinquenta: Donas do outro tempo/Vejo-as nesteretrato amarelado:/Como estranhas folhasdesabrochadas/Negras, no ar, soltas, as quimdunbas 37.

    Alda Lara (1930-1962), que a morte cedosurpreendeu, acusa os efeitos prprios de quem se viubastantes anos ausente do seu pas. Mesmo assim, emPoemas (1966), edio pstuma, no obstante grandeparte do seu discurso no reter as caractersticastemticas da poesia angolana, alguns poemas veiculamum sentimento africano que ter sido aquele queterminou por prevalecer nas suas preocupaes.

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    Me-frica!... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...Me forte da floresta e do deserto,ainda sou,A Irm-Mulherde tudo o que em ti vibrapuro e incerto...38

    No similar, apesar de tudo, o caso de Antero

    Abreu, tambm de origem europeia, tal como Alda Lara.A sua integrao , sobretudo, uma integrao por viaideolgica e no apenas sentimental. Da a lucidez e acoerncia: vejo a flor a desenhar-se em fruto./E quer elao d, quer no d,/ esse o fim por que luto. 39 NoPoema da hora da partida, escrito em 1948, a suafidelidade ao mundo angolano um compromisso dehonra. Hei-de voltar!/Sim, hei-de voltar!... [...] Equando voltar,/Vereis o que farei. 40

    Uma das caractersticas estilsticas introduzidas poralguns poetas da Mensagem, e que vo ser continuadaspelas geraes seguintes, no s a integrao de

    palavras das lnguas-me, com relevo para o quimbundo(rea lingustica a que pertence Luanda) como tambm areapropriao escrita da cadeia falada do portugus dosmusseques, e ainda a justaposio de versos emquimbundo e portugus. Embora os primeiros sinaisvenham do sculo XIX, agora o avano est no s nodesaparecimento da frase correspondente em portuguscomo tambm em ter sido varrida (normalmente) toda amarca extica. Por vezes indaga-se dos fundamentosdesta opo. Eduardo Mayone Dias, num ensaio sobre apoesia angolana, foi dos que os discutiram e colocaramoportunas hipteses. Pensamos que, fundamentalmente,

    as razes so deste teor: a) afirmao da personalidade

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    angolana, atravs do relevo dado aos valores lingusticosde raiz; b) inaugurao de um cdigo que ocultasse osentido do texto ao mundo oficial; c) exerccio criativosimultanea- todas as virtualidades latentes.

    Os mais destacados poetas deste grupo deixaramvariada colaborao no Jornal de Angola (Luanda, 1953-1965) e no pouca nem qualitativamente paradesprezar a poesia que ali se mantem indita em livro.H, assim, para um conhecimento amplo da actividadecultural da dcada de cinquenta e dos escritores quepontuaram uma dcada to importante, de ligar oJornalde Angolano s Mensagemcomo ainda a outra que oprolongamento daquela. Trata-se de Cultura (II) 41(1957-1965): Cumpre-nos (...) as expresses de todosaqueles que so efectivamente capazes de escrever versoou conto, de estudar ou analizar, de criticar ouequacionar, os diferentes problemas de toda a ordemque se pem em Angola. E assim, de facto, aconteceuat onde as foras da represso o permitiram.Diversificando-se pelos mais variados aspectos daactividade cultural de Angola, tudo ali foi objecto deanlise ou referncia com uma dignidade e um saber quehonra uma gerao. O projecto era animado por umacamada jovem que aglutinaria quase todos os poetas econtistas disponveis nesse tempo em Angola, incluindoos da Mensagem. Muitos continuaram sem livropublicado at hoje, uns e outros responsabilizados numconsciente propsito de mensageiros de uma vida nova.s vezes falam do passado, evocam os tempos idos dainfncia como que num reencontro afectivocompensatrio da insatisfao do presente, fechado aofuturo, presente em que parecem destrudasvirtualidades que, na infncia, agora vista distncia, se

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    afiguram reais. No fundo, um processo de acusaoatravs de formas eufemsticas, necessrias para iludir aCensura e evidenciar a eroso que o sistema repressivocolonial ia sublimando de ano para ano. Este recurso aotempo da infncia, tpico da poesia da dcada decinquenta, e que vamos encontrar tambm em algunspoetas moambicanos, no pode assim ser interpretadocomo saudosismo ou como regresso do tempo perdido.

    Aires de Almeida Santos um exemplo do queacabamos de afirmar. O recurso evocativo domina a suapoesia. Em 1958 no poema A mulemba secou serecria um quadro de tristeza:

    Como o meu bairro mudou,Como o meu bairro est tristePorque a mulemba secou...

    S o velho CamalundoSorri ao passar por l!.. . 42

    Num outro poema, Quem tem o canh, ainda aomodo da narrao, l-se: Contavam histrias do

    mato/Do tempo da escravatura.43 Discurso feitomemria: a noite fugia; faziam roda sentados.Tenho saudades, at,/Das saudades que senti.44 umavoz do ontem, um ontem, mas como que voltado jpara o futuro bem visvel no Poema da esperana,publicado no Jornal de Angola que na transgressofigurada nos traz a mensagem da esperana: As facestisnadas sorriram de novo/os olhos nublados de novobrilhavam./Nas matas, as aves voltaram aos ninhos/Eao doce calor doirado do Sol/as rosas se abriram! 45.Amlia Veiga (Destinos, 1961; Poemas, 1963, Libertao1974), longos anos radicada em Angola, partilha da

    aventura: Das entranhas da terra/irrompe um vento

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    alucinado/que varre... varre... varre/as folhas secas domundo...: o VENTO DA LIBERDADE 46. Samuelde Sousa, sem livro publicado, em 1973 pr-anunciava amanh inaudita j que os frutos sazonados/aguardammos robustas/para a colheita Kuki! (A Provncia deAngola, 1-8-1973).

    Repousado o discurso de Henrique Guerra, mascom um sentido inequvoco a sua mensagem: Estendeteus dedos anelados sobre a minha carapinha/derrama atua inconsciente tranquilidade/Sobre a minha angstiasubmergida [...] Vem, cacimbo/eu quero ver oscafeeiros ao peso dos bagos vermelhos 47. Adiante, denovo, dele falaremos.

    Contista que preencheu algumas das pginas deCultura(II), Jos Luandino Vieira (ilustrador de contos,poemas, capas) fez algumas incurses pela poesia,poucas, mas significativas. Sensvel captao doquotidiano social, em rimance ou epigramaticamente,procede ao registo alegrico numa viso dialctica davida:

    Branca a buganvlia explodeno odiado muro em frente

    volta a vida berra crentee o negro sangue estanca

    vermelha a buganvliarompe o muro da frente 48

    Tambm a poesia de Joo Abel (Bom dia, 1971 eNomede mulher, 1973), a muitos ttulos se constri na parbolado amor, ou do sofrimento, da alegria e dum certo gosto

    de viver em comunho:

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    Ora entobom dia minha gentesadia

    Aqui vai o meu bom dia enormepolvilhado em toda a dimensoda hora verdadeira em que ns somos gente 49

    Essencialmente lrico, emotivo, ao tom reivindicativoou protestativo prefere o uso de formas mais discretasou alegricas na construo de uma potica deinspirao e inteno sociais, sendo visvel nos seus doislivros, recentemente publicados, o esforo (logrado)contra o pendor discursivo.

    Um dos segmentos importantes da poesia angolana o mulatismo. Quase todos, poetas vivendo em Luandaou outras cidades, Benguela, S da Bandeira, Lobito, enum pas onde nos centros urbanos se formou, ao longodos sculos, uma mestiagem, ao mesmo tempo tnica ecultural, natural seria que se mostrassem sensveis a esse

    universo tocado de uma sensibilidade especfica: tipos,figuras populares, contadores de histrias doantigamente, as vovs, uma encruzilhada viva e lacre.

    Poucos so os poetas angolanos que se furtaram expresso deste mundo. Mas por outro lado, e j odissemos, corrente a referncia a umamultirracialidade, que em Toms Jorge (Areal, 1961),filho do poeta Tomaz Vieira da Cruz e me angolana,pode ser um exemplo, mas no incompatvel com aexigncia que ele faz aos outros e, no fundo, a siprprio, de uma firmeza moral, em pleno perodo deluta armada (1963): Tu/Filho da nossa mesma Me/S

    inteiro e vertical/Em qualquer tempestade!50

    Em1

    972

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    o enunciado incide na sublimao do incitamento revolta:

    Contratado!ergue-tee pe nos olhostodo o brilhodos diamantesque deste, 51

    ao mesmo tempo que, em suplementos literriosanteriores a 1974, testemunha uma ntida progressoqualitativa dos seus textos.

    H certas vozes resguardadas neste percurso j longo.E nem por isso elas so menos importantes e menospertinentes. o caso de Arnaldo Santos (Fuga, 1960),poeta e contista dos mais talentosos de Angola. Inimigoda discursividade, da retrica, cedo a sua lei foi a dapureza, a do rigor da imagem. A sua poemtica umapulsao ntima, uma interiorizao sagaz do universocircundante: Soturnidades suspensas palpitam no

    escuro/Como pulsaes sombrias de ngomas. 52 Osentido alarga-se nas malhas de um tecido poticovibrtil e cheio de conotaes muito significativas:

    Uola mono, uola tala,Uola mono uola mono...Hoje sei que as sereias da lagoaTe uniam ao luto que choravamDe um povo inteiro sepultado 53

    Ou ento num poema publicado em 1974:

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    O sol da minha terras vezes tambm

    Num relmpago de meio-diaE queimam as sombras dos homens 54

    So diferentes os recursos estilsticos de Ernesto LaraFilho (Picada do marimbomdo, 1961; Canto do martrindinde,1964; Seripipi na gaiola, 1970; Canto do martrindinde, 1975,que rene os anteriores) em cujos textos h uma

    acentuada propenso discursiva. Sendo branco, afirma:Sou sincero/Eu gostava de ser negro 55 e da uma reasubstancial da sua potica percorrida por signosmedularmente africanos: os cazumbis, osmusseques, a Mulata, etc., circuito que fecha com aante-viso do amanh: Os nossos filhos/Negra/ho-de trazer a vida flor da pele escura. 56 A insero dasua africanidade constroe-se tambm na alegoriacolectiva: Ns iremos, ns tambm/Minha me/pisando o capim queimado/pisando a areia daspraias/atravessando os desertos/Caminhando pelaslavras/e derrubando florestas:

    Ns iremos, ns tambmplantar mangueirasna Lua.. . 57

    Outro nome a destacar: Antnio Cardoso (Poemas decircunstncia, 1961). Catorze anos de priso (companheirode Luandino Vieira, Antnio Jacinto, A. Mendes deCarvalho, Manuel Pacavira) no campo de concentraodo Tarrafal de Cabo-Verde. Antnio Cardoso procurana linguagem potica directa a correspondncia imediatada linguagem de aco: intil mesmo chorar/Se

    choramos aceitamos, preciso no aceitar/por todos

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    os que tombam pela verdade/ou que julgam tombar. 58No obstante, a sua percepo se alarga e enriquece porespaos de ternura, de generosidade, solidariedadehumana, tudo num acto consciente de apreenso daglobalidade social. Em verdade, um poeta da indignao,vrios textos seus tm sido ultimamente publicados emrevistas e jornais, com relevo para Resistncia culturaldo Dirio de Luanda (agora desaparecido), quase todosescritos na priso e neles, como sempre, revelada aexaltante e consciente rebeldia da sua inteireza, a palavratransmudada no discurso da revolta.

    Vem-me no vento esta promessaDo Sol que no vejo, mas sei!No h fora que nos impeaA razo ser fora da lei 59

    Costa Andrade (Terra de accias rubras, 1961; Tempoangolano em Itlia, 1962; O regresso e o canto, 1975), depoisde uma intensa actividade na Casa dos Estudantes doImprio, decidiu trilhar os ridos caminhos do exlio,

    atravs de vrios pases, um deles o Brasil, onde chegoua ser preso, actuando depois nas fileiras do M.P.L.A.,como guerrilheiro, nas matas de Angola. O tompredominante do seu enunciado o da interveno.Donde que faz do seu verbo uma arma. Militante epoeta se fundem, e ainda mesmo quando os olhos sederramam na apreenso lrica: Olha amor estasanharas/nelas renasce/o verde forte/do capim... 60. Noseu ltimo livro, adiante referido, perpassa e domina aepopeia da luta, a ressonncia dos heris e dos mrtires,a que o ofcio experimentado do poeta confere umaexpresso de serena grandeza:

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    Repousem as memriasdescanse o sangue j vertido pela terra.

    Esto presentes os herisEm todos nso povo inteiro! 61

    ouDefender-te- o poemacaldeado em Fevereiro

    com sangue do povo62

    Em 1961, quase despercebidamente, aparece emLuanda uma nova antologia: Fora nova. Que foranova? A trazida pelos jovens estudantes do liceu. Sque esse impulso surge como que margem do que sehavia sedimentado desde 1950 na direco daangolanidade. Generosos, uma afirmao de presena,definida na recusa e na esperana, mas sem que hajauma visvel insero no corpo vivo de Angola. umgrupo numeroso, ainda assim: Natrcia Alves Pacheco,Bernardette Amorim, Maria Filomena, lvaro

    Henriques, alm de outros, como Caobelo e AntnioJacinto Rodrigues, colaboradores do Jornal de Angola, eJoo Abel da Cultura (II), so alguns dos participantes.Tirante este ltimo, os que melhor definem umaconscincia de ruptura so Antnio Jacinto Rodrigues:uma fora indmita/soerguer a minha voz. 63Caobelo: na agonia pressinto/que se avizinha um novodia... 64; e lvaro Henriques: Esperana em todos etudo/na liberdade e na paz/no humano. 65

    A partir do incio da dcada de sessenta a vida literria(e cultural, de certo modo) de Angola s poder serapreendida na totalidade se estivermos atentos ao que se

    desenrola na Casa dos Estudantes do Imprio, em

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    Lisboa. Alis tambm em Coimbra onde tiveram lugarvrias iniciativas, a partir da dcada de cinquenta. ACasa dos Estudantes do Imprio transforma-se nocentro aglutinador dos estudantes e intelectuaisafricanos. Mas a predominncia da sua composio angolana, como predominantemente angolana a suaactividade editorial. Antologias (Poetas angolanos, 1959, deCarlos Ervedosa, com prefcio de M. Antnio; e a de1962, com o mesmo nome, prefcio de AlfredoMargarido), Coleco de Autores Ultramarinos,Coleco de ensaios, colquios, conferncias, etc., assimo demonstram. Centro intelectual e poltico, nela ou apartir dela se pode explicar algo do que aconteceu noplano das iniciativas que conduziram os africanos lutade libertao nacional 66, para alm, claro, do papeldesempenhado pelo Centro de Estudos Africanos, deinteno deliberadamente poltica, cerca de 1950, emLisboa. Inclusive foi atravs da sua revista Mensagem 67que se revelaram ou se tornaram mais conhecidosmuitos poetas africanos. Um deles, por exemplo,Antnio Neto, que viria a abandonar a prtica potica.Ou Alexandre Dskalos (1924-1961): Poemas (1961);Poesia (1961); Poemas (1975), 2. ed. aumentada comprefcio de Lus Bernardino e outros, se assumiucomo africano: Ah! Angola, Angola, os teus filhosescravos/nas galeras correram as rotas do Mundo. 68 Asua poesia vasa, poema a poema, a cerrada acusaocontra um sistema desumano: Preto ladro semimposto/Leva porrada nas mos/Vai na rusgatrabalhar. 69 Os signos da violncia, da escravido, dosofrimento acumulam-se: vermes podres, filhosescravos, as galeras, porrada nas mos, filhosroubados, afogados, aaimados, porventura como raro

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    acontece noutros para a consumao de uma semnticacolonial, do mesmo passo que a fraternidade e aesperana so a seta apontada ao futuro:

    MeNada pelo que passasteE sofresteMeSer em vo 70

    Em Manuel Lima (Kissange, 1961) os signospredominantes so tambm transparentes; Cazumbis,quissangues, maldies do vento, batuque e zagais,grilhetas e caminhos negreiros, escravido,liberdade, e flores para os novos bandeirantes defrica. De resto a frica no conceito alargado dehomem africano desterrado e humilhado pelo mundo, tambm nele, como noutros, j citados, uma constante:Amstrong, Jazz,

    Ku-Klux-Klan,

    veneno carregado de fria americanaKu-Klux-Klan,arrepio de sonhos meninos no SulKu-Klux-Klan,punhal sangrento sobre o meu Povogemente na United States of AmricaKu-Klux-Klan. 71

    Depois da extino da Casa dos Estudantes doImprio, em 1965, e havendo-se refugiado noestrangeiro ou no seio dos movimentos de libertaoafricana quase todos os intelectuais africanos, tende acriar-se uma outra dispora angolana, dispersa e no

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    propriamente convergente. Em Portugal AntnioManuel Lopes Dias (Pas ignorado, 1973) e FranciscoDelgado (Antologia da poesia universitria, 1964) revelam-secomo poetas, embora a sua poesia acuse uma certadistanciao, mas no de todo um corte, em relao srazes angolanas. ainda em Lisboa que Ruy Burity daSilva (Ochandala, 1965; Cantigas de mana Zefa, 1969; Foiassim..., 1971) termina por dar continuidade potica tarefa iniciada em Nova Lisboa at que se exila eprocede ao reencontro com o destino da sua ptria,onde vive. Pelo menos, j em Cantigas de mana Zefa aatmosfera lrica emotivamente sensual e social seadensava no silncio dos mortos/cantados tocadosdanados/ritmos de protesto/tintas de sanguederramado/nas pontas das baionetas. 72 E em Foiassim... ganha evidncia o sinal, de uma reflexoanunciadora da evolutiva relao entre ele e o mundooriginal: nova era anunciada no rolar/dolente dossabores elicos/partindo do recavo ebrneo do tempo73. Teria ainda sido em Lisboa que Maria Eugnia Lima(Entre a pantera e o espelho, 1964) reflectindo sobre a suacondio errante de angolana (Nostalgia de tardes naBaa/Sonmbulas tardes languescentes/e cheiros amaresia/na sensibilidades olfactiva/de todos os sentidospresentes) 74 d ao seu projecto uma configurao dedelicado lrismo, apoiado em smbolos marinhos e, poroutro lado, um envolvimento comovido das gentesdesprotegidas de Luanda.

    Tempo de represso, a dcada de sessenta ficar comoum perodo muito duro para os problemas da criaoliterria, em particular, e dos da cultura, em geral. Bastadizer que neste perodo que se regista um sem nmerode acontecimentos: extino da Casa dos Estudantes do

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    Imprio, em 1965, proibio da sua revista Mensagem,silenciadas as Edies Imbondeiro que, em 1963,publica a Antologia potica angolana (alm do mais queadiante se refere), perseguidos, exilados, presos vriosescritores e intelectuais angolanos (e no apenas, claro),encerrada a Seco Cultural da Associao dos Naturaisde Angola. Na verdade, um vento agreste traz odesassossego.

    Em Angola se manteve Jorge Macedo tecendo comoque inocentemente a sua manta potica (I. Tetembu,1966; As mulheres, 1970; Pai Ramos, 1971, Irmhumanidade, 1973), ciciando a voz recata do possvel:

    Adoro-te, frica semente,amor profundo,nobre fruto do meu eu vivente.Adoro a calidez das tuas tranas,manta preta do meu primeiro calafrio 75

    Lirismo magoado, vertido em brevssimos poemas, toda a sua obra, mas no to inocentemente como isso,

    pois nela se oculta a vibrao ntima do enunciadoalegrico da flor e do fruto, da cor e do sabor deuma mtria em sofrimento mas como apalmeira/frondecendo/para dar o cacho vermelho.

    portugus Cndido da Velha (Quero-te intangvel,frica,1960; As idades da pedra, 1969; Signo do caranguejo,1972; Corporlia, 1972), radicado desde 1957 em Angola.Um dos vrios exemplos de tentativa de integraoconsciente e deliberadamente assumida e uma dasexcelentes vozes lricas da poesia angolana.

    frica fruto sazonado.

    Para o colher preciso

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    ter vivido em sua carne,sangrando em seu espinho,auscultando a sua polpa. 76

    e por isso

    Ter frica no sangueTer frica no sangue compreender a voz dos quimbos;

    senti-la como reza em noites de Kazumbi,noites de bito e batuque nas sanzalas. 77

    Nos alvores de 1971, beneficiando-se de uma magraliberalizao (o termo excessivo mas no encontramosoutro) renasce o propsito de uma certa actividadeliterria. Surgem duas revistas: Convivium (1970-1971) eVector(1971-1972), os cadernos Capricrnio, fundem-seou renascem alguns suplementos literrios como: Artese Letras dA Provncia de Angola, orientada por CarlosErvedosa, e forma-se o grupo Idealeda. No entanto,saliente-se que quase todas, com excepo para os

    cadernos Capricrnio, eram iniciativas daresponsabilidade de europeus radicados em Angola, amaioria vivendo agora em Portugal, alguns mesmo antesda independncia. Convivium um projecto oficializantesem expresso que o recomende para alm de uma ououtra colaborao vlida. Vector, na quase totalidadededicado poesia, foi a iniciativa honesta, possvel nessetempo. S em fins de 1974, e ao impulso de Joo-MariaVilanova, apareceria a revistaNgoma, de que saiu apenasum nmero, no sem uma certa frustrao para quem,como ns, acreditou seriamente nas virtudes deNgoma.

    E por este perodo que se estreia em livro Carlos

    Gouveia (Utanha Wtua,1

    973). Desde cedo radicado em

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    Benguela, ali traa o seu destino como angolano, e o seuiderio transcreve a experincia vivida no quotidiano, londe a vida quase apenas sofrimento: bairrospobres, Dona Margarida, Mam Chica, ManuelCapito, Velha Bumba, com relevo especial para asvelhas figuras femininas. Ganharia a sua poesia se fossetravada a tendncia verbalista, que o tom coloquial, dealguns momentos, ressalva: Coitada da Antnia/queest grvida de seis meses/e o bandido do homem/dizque o filho no dele 78. Dos no citados, com algumaassiduidade sobretudo no suplemento dA Provncia deAngola, so Manuela de Abreu, Francisco Lmina,embora deste tenhamos um conhecimento precrio, eJoo Serra, que, inclusive, se associa a Kuzuela n. 2.Neste uma forma indirecta de insero no tempo realangolano, com o pendor para uma subtil ironia, at nospoemas de amor visivelmente organizados numainteno de raiz dialctica: Meu amor de ser um braoarmado/contra tudo na construo do tempoimaginado (Artes e Letras dA Provncia de Angola, 10-10-1973), insero agora apontada ao centro daRevoluo (sou um trabalhador comunista) no folhetoVenho das teses de Outubro (1977).

    No entanto, a dcada de setenta, e ainda mesmo antesda independncia, preenche-se com um grupo de poetasquase todos revelados recentemente ou, num ou outrocaso, foi recentemente que se impuseram, em definitivo.Leque variado, eles so os directos continuadores deuma poesia nascida nos duros anos de cinquenta. Estegrupo, de um modo geral, renovando o espaoestilstico, e revelando um convvio com as conquistasda poesia actual, integram a poesia angolana no plano deuma modernidade que a valoriza e actualiza. As

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    ressonncias, obtidas muitas vezes pela acumulao designificantes sonoros, a enumerao, a expresso directa,a marca obtida atravs de certos signos intencionais, emais sugerindo do que significando, caracterstica demuita poesia anterior, do lugar a uma escrita detratamento mais exigente atravs dos recursos imagem, metfora, metonmia, a uma conteno queexemplifica uma conscincia esttica mais apurada. Nosignifica isto que pretendamos minimizar a poesiaanterior, mas to s chamar a ateno para umaevoluo estilstica que alis se ramifica, no menos, numArnaldo Santos, num Luandino Vieira, num CostaAndrade. Queremos dizer que o corpus potico sealargou e enriqueceu. Manuel Rui, Jofre Rocha, DavidMestre, Joo-Maria Vilanova, Ruy de Carvalho,Monteiro dos Santos, Arlindo Barbeitos so, na verdade,o quadro vivo de uma poesia, perceptiva a umaqualidade, e que baseia no universo angolano ofundamento irrecusvel da sua substncia. Manuel Rui(Poesia sem notcia, 1966 [?], Onda, 1973; onze poemas emnovembro, 1976). Onda, fluxo e refluxo do homemangolano vivendo o seu tempo, e com o seu tempo, naEuropa, os olhos, no entanto, postos na sua ptria: umcerto complexo de culpa, mas tambm a afirmao deuma fidelidade nacionalista, e a nsia de ela seconcretizar.

    Amar-te istocom o teu perdono agarrar a ondae mastigar-lhe o salque apenas seiter beijado

    a tua praia79

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    Jofre Rocha, embora em tempo de ciclo, nem por

    isso a sua linguagem oculta a unvoca intencionalidadede agregao colectiva: pelo trilho batido do fundo dafloresta/partamos at ao mar cruel/o mar sem fim,veculo da nossa servido 80.

    Tempo de cicio (1973) a voz ciciada que se liberta paradenunciar o sofrimento da prolongada incomodidadeangolana, que urge destruir. E ento:

    Dos olhos de cada crianasem alardesir surgir a madrugada esplndidae em todas as bocasnascer com harmonia um cntico novo 81

    Eis outro poeta, David Mestre que, aps a juvenilexperincia de Kir-nam(1967), desenvolve uma intensa eprogressiva actividade em suplementos e revistasliterrias, folhas colectivas policopiadas e publica, em1973, Crnicas do ghetto cujo discurso se implanta no

    cerne real do tempo angolano (dcada de sessenta). Apenetrao vigilante desse universo concreto setransmuda na mola acerada do combate: Trazer aliberdade amadurecida nos dentes/ trazer nos dentes aalegria do verde/a palavra fora a estoirar na face/trazeruma lana atravessada nos cabelos 82. Sensvel sinovaes estilsticas engloba experincias de umagramtica angolanizada com o recurso ao convviolingustico do portugus e do quimbundo, prticacriativa arrojadamente iniciada no sculo XIX, retomadae profundada nos anos cinquenta, como se referiu, econtinuada ulteriormente por uns tantos:

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    Calumba morrer-me no regao Calumbalinda cenoitediamante por dentro damsica sibemolmenor nos lbiosmarimba do nosso actovem Calumba muonda dia kuuaba 83

    Ruy de Carvalho, Joo-Maria Vilanova e ArlindoBarbeitos, tal como David Mestre, so dos querevitalizam a moderna poesia de Angola. Ruy deCarvalho (Cho de oferta, 1972; A deciso da idade, 1976),

    outro poeta europeu, que se radica e se d por inteiro terra africana que termina por sua ser:

    Na superfcie branca do deserto,na atmosfera ocre das distncias,no verde da chuva de Novembro,deixei gravado meu rosto,minha mo,minha vontade e meu esperma 84

    A palavra faz o registo sbio e transfigurado doteluricamente vivenciado, simultaneamente no mundodos homens, dos bichos, dos animais, da floresta, dodeserto, do sexo e do po, apertando-se num lirismotenso e saudvel ao cho angolano, disposto a viver aaventura do seu destino gravado na histria.

    O discurso de Joo-Maria Vilanova, (Vinte canes paraXiminha, 1971; Caderno de um guerrilheiro, [1974]pseudnimo at agora por decifrar, ser destes 85 o quemais conscientemente prolonga e renova as experinciasdos poetas daMensageme da Cultura(II), tudo levando acrer que Vilanova venha dos tempos da Mensagem,notadamente quando o seu enunciado a expressodum certo quotidiano povoado de rememoraes, enelas e na narrao evocativa um mundo de anseios e

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    suspenses significativas nos povoa a imaginao: Osquimbos quietos/pensados/no silncio (...) DaEvanglica os cnticos/se derramando/na voz dovento:/povo 86. Em Caderno de um guerrilheiro amaravilha do povo angolano crescendo na luta armada.Poeta do rigor e da elaborada interiorizao da gesta dopovo angolano crescendo na aco, cada fala para cadatema (e eles cobrem um espao muito amplo), umagramtica pessoal ganha na fuso de nveis e reaslingusticas, mesmo quando o real momentneo e noseu verbo se transfigura e dimensiona:

    eles te levavameles te levaramna noite encoberta eles te levaram

    irmos te choraramirmos te choraramno lodo do rio irmos te choraram

    armas te velaramarmas te velavamna manh nascida armas te velaram 87

    Poeta da palavra medida, da poesia silabada, tambm Monteiro dos Santos (Corpus, 1974; Marie mil,1974) recursos que se acentuam em Flor do jacar(manuscrito), ao mesmo tempo que se abre ao trnsitode uma mais real insero no tempo africano:

    o povo que acende este fogoda cor da pitanga quando toca na luze grita: eis a minha flor de jacar 88desenhada em fevereiro sobre a mo duma catana,

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    poesia que merecer o devido relevo quando vier a serpublicada.

    O discurso de Arlindo Barbeitos (Angola angolangolema, 1976), nasce tambm do perodo da guerracolonial e nele se alimenta. E nele se repercute a era daangstia e da represso:

    Oh monstro enormefecha nossa boca

    o nosso ventre falarabre o nosso ventreo nosso cu falarrebenta o nosso cuos nossos dedos falarocorta os nossos dedosos nossos ossos falaro 89

    Mas h que destacar a subtil firmeza interiorizada comque o seu discurso potico se organiza diramos numarecolhida fala metafrica e desse tratamento estilsticosilencioso advm uma fora notavelmente expressiva

    que o demarca de tantos outros poetas angolanos que,no trato de um campo semntico smile, preferiram ubiquidade a expresso directa visivelmente intencional.Um tanto desgarradamente Eduardo Brazo Filho, editaCidade e sanzala, em 1975. Dele conhecemos, porm,escassos poemas: registo crtico feito de contrastes paraa evidncia da injustia que se abate sobre o homemafricano [Noutro tempo tinha a mata/Livre deandar./Tinha batuque, muxique/E as anharas paracaar] 90, recurso contrastativo que o ttulo j de sisugere.

    Ao enunciarmos estes ltimos autores e textos

    estamos assim liminarmente a fazer a juno ou, melhor,

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    a separao histrica com a poca da libertaonacional. Para isso, devemos ter presente que, aps o 25de Abril de 1974, se entrou no perodo de liberdade e dedescolonizao e a partir da tambm os poetas e osromancistas puderam escrever e publicar em liberdade. de admitir, portanto, que, pelo menos, duas coisasaconteam. Uma, trazida pelas obras dos autores jconhecidos ou no, antologizados ou no, que tiveramde guardar consigo o fruto de um ofcio criadorsilenciado; ou, ento, e aqui no sero muitos os casos,poemas (sobretudo) que no exlio, dentro ou fora daguerrilha, sairam em folhas policopiadas e, ainda maisraro, em livro mas em pas estrangeiro. Outra, trazidapelas recentes vocaes, todas elas com uma originalexperincia, seja da luta armada, seja a da profundaincomodidade vivida no seu prprio pas.

    Um desses casos seria Costa Andrade, janteriormente referido. Do seu livro Terra de acciasrubras (1961), da poesia que ulteriormente publicou noestrangeiro (Tempo angolano em Itlia, 1963) ou escreveuna guerrilha e ficou em folhas policopiadas (Um ramo demiosotis, 1970; Armas com poesia uma certeza, 1974)organizou o prprio Autor a sua antologia (Poesia comarmas, 1976). Uma nova dimenso potica de CostaAndrade, um poeta em plena maturidade, cujas razesmergulham numa longa luta pela aquisio e controledos seus meios originais de expresso, poeta dumpovo em emergncia nacional, poeta liricamentefevereiro, nas palavras que Mrio de Andrade escreveuno prefcio. Outro caso o de Henrique Guerra.(Andiki). Poeta da Cultura (II) acaba de publicarQuando me acontece poesia (1976), o seu primeiro livro,afinal, e a inclue alguns poemas j conhecidos, outros

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    datados das cadeias de Peniche e Caxias, onde estevepreso de 1965 a 1974. Vinte e quatro poemas, umroteiro de muitos anos, uma potica nos liames de umafrica (Mesmo que nos enxotem SOMOSNEGROS/mesmo que nos persigam SOMOSNEGROS 91 que teria de ser frica acontecesse o queacontecesse, quisessem ou no os colonialistas, e aomesmo tempo visvel o cordo umbilical preso smundividncias de uma rea urbana (Luanda, estamosconvencidos):

    Terra vermelha de areiaTerra vermelha de sangueTerra vermelha de lutaTerra vermelha de esperana 92

    e da uma fala aprendida na distncia que vem daMensagem e da Cultura (II), notadamente na parte Oromance de Vov Feixi que tambm uma reflexosobre a gesta dos que naLuta/Morte/Fome/desampara sabem (sabiam) que

    Dolorosamente nasce o dia. E agora Manuel Rui, denovo: 11 poemas em novembro (1976) sobre o qual CostaAndrade diz ser um livro pequeno com o grande valorem que a Poesia assume a imagem espiral numcrescendo de msica, raiva, palavra e voz colectiva. Aalegria da vitria, da assuno, acrescentaramos ns:

    Olhamos-te bandeira agorae vamos percorrer contigo este pasat semearmos Novembro em toda a parte 93

    A tradio dos suplementos literrios mantm-se aps

    a independncia nacional com Resistncia Cultural, do

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    Jornal de Luanda, suplemento dirigido por AntnioCardoso que entretanto desaparece, e depois comLavra e Oficina do Dirio de Angola, cuja publicao asexigncias prprias do momento teriam interrompido.Neles, principalmente no primeiro, de maior durao, setrouxeram ao conhecimento do pblico poetas jconsagrados e outros desconhecidos, alguns podendoconsiderar-se revelaes.

    Colaboradores ou no da imprensa angolana, comoNgdia Wendel, Nito Alves, Armindo Francisco eAdriano Botelho de Vasconcelos, encerramos com eleseste percurso da poesia angolana.

    Ngdia Wendel, de seu nome de baptismo VictorSebastio Diogo Nogueira, edita em 1976Ns voltaremos,Luanda!, prefaciado por Hlder Neto, tambm poeta econtista ainda que de escassa produo (depois de termilitado na Casa dos Estudantes do Imprio transitapara as matas de Angola). Discurso marcadamenteanticolonialista, de exaltao patritica, um documentodatado, com inteno muito precisa, trabalhado porquem se fez guerrilheiro. No poema que d o ttulo aovolume se l que Um dia, sairemos do mato ehavemos de ver-te Luanda, onde h panudos navios,carregando apressadamente/os ltimos assassinos... [...]Ns voltaremos, Luanda 94, Me!. Memria da longaresistncia popular (1976) um texto de um guerrilheiro,que foi alto membro das foras armadas do M.P.L.A.:Nito Alves [i. e. Alves Bernardo Baptista]. * O meupoema [...] o da servido 95. A rea do seu relato ados heris, dos massacres, do herico sangue cubano,da epopeia, da exortao, da marcha vitoriosa.96Armindo Francisco, um dos que tambm sofreram aperseguio e a priso, acaba de publicar A Luta

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    Continua(1976). Eu sou a voz dos sculos/Perdida naencruzilhada dos caminhos/Eu sou frica 97.

    * A reviso das segundas provas coincide com o perododos trgicos acontecimentos ocorridos em Angola, em 27-5-1977 contra a Revoluo angolana, e de que Nito Alves acusado como um dos principais responsveis.

    E sendo frica consciencializa essa condio

    fazendo de tal facto a inscrio do seu prprio sujeito:Eu sou o grito da raiva incontida dos mrtires/Dosheris sepultados nos cemitrios da injustia 98. umavoz cuidada, reflectida, trabalhada j no apuro do ritmoe da imagem:

    Em toda a parte novas correntesE a terra desperta o seu corpo chagadoRenovao.

    Renova-se o hornem, renova-seRenova-se a terra, renova-seRenova-se o mar, renova-se 99

    Finalmente Adriano Botelho de Vasconcelos comVoz da Terra (1974): levaram nossos irmos/mamficou com olhos de revoltar/corpo dela j no temnguzo/dor muita/depressa seus olhos ficaram choro/boca naufragada de gritos selvagens [...] para presperana no peito/falou sua mgoa no altar daMuxima/deu po, deu vinho/deu pente para sereia sepentear 100. Curiosamente o poeta transita de tema paratema com extrema facilidade e adequada linguagem. Efolgada desenvoltura lingustica. Com ironia, humor, oudramaticamente, o quadro alarga-se: a alienao, a

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    esperana, a fraternidade, a denncia, o sexo. Vejamoseste excerto do poema Amor do muito bom (o ttuloj por si inventivo) em que a interlocutora a cabo-verdiana maria da luz:

    tuardente lngua der-me-p com lngua astcia de eufazermos a gostosura carnaldo beijo que se fez pecado de prazer 101

    O prefaciador S. S. (Samuel de Sousa?) afirma que oautor faz-lhe recordar os poetas dos anos 40 e 50 daMensagem. uma verdade. Mas h aqui uma outravirtude ou duas virtudes a destacar. Uma a de que senos afigura que o poeta revela j uma capacidade demanipulao de uma nova linguagem que, em mrito,quase sempre nada fica a dever ao passado. A outra ade que, havendo a hiptese de o autor no estar muitofamiliarizado com os poetas da Mensagem (que nosperdoe se estamos errados), tal facto revela que estalinguagem uma das que vm do veio profundo de uma

    cultura singular e por isso poder continuar a ser umdos veios da potica (aqui poesia e prosa) angolana.Permita-se-nos que, ainda, transcrevamos um dospassos do autor na contracapa: Nesta sanzala poticaque constru, mora a expresso potica do facto e, peloprprio facto, moro eu e a minha gente. Que futuroser o deste jovem Adriano Botelho de Vasconcelos (18anos de idade)?

    Entretanto a Unio dos Escritores Angolanos chamaagora a si a iniciativa de uma coleco denominadaObras da Unio dos Escritores Angolanos por orapreenchida por textos de fico ou de poesia. Alguns

    deles so reedies, outros, porm, inditos. De poesia

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    so os livros de Arnaldo Santos e Jorge Macedo. Mas aestes podemos juntarA deciso da idade(1976) de Ruy deCarvalho, embora no tenha sido agregado citadacoleco, o que, para o efeito, nada significa, claro. Doponto de vista temtico h que acentuar o facto de estasvozes transitarem da era do xicote e do exlio paraos tempos da terra libertada na expresso de JorgeMacedo.

    Arnaldo Santos (Poemas no tempo, 1977) rene spoesias j anteriormente publicadas, as que escreveu eguardou desde 1960 at 1973; e ainda outras, a maioriadelas datadas da era aps-descolonizao. Deste modo,temos a real dimenso potica do autor, para quem alinguagem potica um acto de meditao e pesquizacontinuada:

    Tem homens nesta terraque bebem o futuro no presenteE criam do varrer das cinzas a VIDA. (p. 77)

    Recusa linguagem fcil e aos efeitos espectaculares,

    tambm esta a lei na tessitura do texto de Ruy deCarvalho que, como se disse, fez de Angola a sua ptria,e aqui se adianta: tornou sua a Revoluo:

    A voz que nos chamarebenta do choque as mos conquistarampela fora do verbo

    De grave, quase silenciosa, embora nunca inocente,agora a tnica de Jorge Macedo em Clima do povo (1977) a da acusao contra aqueles que nos ausentaram das

    palavras feriram nossas muximas dos que

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    desmumbundaram nossas dibanzas, obrigando-os criao de um cdigo da alienao, responsveis assimpela infncia enrolada/no xicote e no exlio, exlio danossa civilizao. Sujeito emissor liberto [nascemosamputados nascemos abortados], reelabora a rede desmbolos e construes na melhor tradio dos poetasda dcada de 50, na estruturao de um renovadocdigo cultural. Enunciado da longa histria dadominao, e tambm a da hoje terra libertada, dostempos renovados/nas dores floridas, onde

    O dia ergue espigassobre

    oscavalos

    da vitrianesta

    frica nosso ritmonosso sentido de existir

    A revoluo de Abril, trazendo a liberdade,

    possibilitou que, finalmente, esta literatura se desse aconhecer em Portugal. Da no s a publicao de obrasde autores africanos como tambm a edio deantologias, tais como (e s para Angola) Poesia angolanade revolta (1975), organizada por Giuseppe Mea;Monangola A jovem poesia angolana (1976),seleccionada por Verglio Alberto Vieira; a de PiresLaranjeira, com um estudo introdutrio polmico,Antologia da poesia pr-angolana(1948-1974), 1976, e aindaNo reino de Caliban, 2. vol. [Angola e S. Tom ePrncipe], 1975, de Manuel Ferreira, enquanto SerafimFerreira publica Resistncia africana, englobando quatro

    pases.

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    2. NARRATIVA

    Tal como a poesia, a narrativa angolana vem do sculoXIX. No a narrativa colonial cuja notcia encerrmosnas primeiras pginas, mas sim a fico angolana.Conforme referimos chegaram at aos nossos dias, pelomenos, dois escritores: Pedro Flix Machado e AlfredoTroni. A intriga desenvolvida pelo primeiro, em O filhoadulterino (1892, 2. ed.) substancialmente amanipulao dos ingredientes da sociedade europeialuandense. No entanto, segmentos dessa narrativa sofundamentais para a compreenso das estruturas dasociedade angolana coeva, com destaque para o captuloIII, pp. 28-37 que nos remete para o trfico de escravos,o que por si s a valoriza, to escassamente esta questonos revelada em textos ficcionais da poca, para nodizermos inexistente.Nga Mutri[i. e., Senhora Viva]de Alfredo Troni de um outro teor. A histriaentretece-se de estratos da pequena burguesia mestialuandense, penetrando no cerne de um sectorsignificativo de uma sociedade urbana afectada pelamiscigenao tnica e cultural. Linguagem de excelenterecorte literrio, a lembrar, por exemplo, um AlmeidaGarrett das Viagens na minha terra Nga Mutri trazoutra virtude: a de um certo convvio lingustico e aentroso de palavras das lnguas-me (a pagar os quituxidos tios; a mucama do senhor; a ricanzade bordo,etc.).

    Vo ser necessrias algumas dcadas, tal como napoesia, para reencontrarmos o veio angolano da ficoangolana, iniciada no sculo XIX. E deve-se a A. AssisJnior (1878-1932), que no estaria muito identificadocom a poltica oficial, e por isso sofreu mais do que uma

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    priso, terminando por ser mandado para Lisboa, oprimeiro texto ficcional do sculo XIX. Com efeito, Osegredo da morta (1936), se no , do ponto de vistaesttico, uma obra excepcional, e se muito longe doapuramento literrio da de um Alfredo Troni e atmesmo da de um Pedro Flix Machado, cuida pelomenos de abandonar a viso colonialista, furtando-se influncia poderosa do romance colonial da poca, eprocede construo de personagens e ambientescorrectamente movimentados nas estruturas sociais eeconmicas de Angola. H ainda, e natural, umarelao com o colono, mas ela no s no dominante,como ainda enriquece o sentido. Porque a estrutura dotexto situa-se ao nvel dos estratos sociais africanos, etermina por ser um curioso testemunho dessa sociedadena transio do sculo XIX para o sculo XX. A lentacriatividade lingustica sobe aqui, com a utilizao dedilogos e certas expresses em quimbundo, no discursodo narrador.

    Caber a Castro Soromenho (1910-1968),moambicano de nascimento e angolano de vivncia,lanar, de vez, o arranque da autntica fico angolana.A uma primeira fase em que relevado o sentido domundo social e mtico, lendrio e histrico, dassociedades tribalizadas, encaradas ainda de um certoponto de vista estticoNhri o drama da gente negra,1939; Noite de angstia, 1939; Homens sem Caminho, 1942;Rajadas e outras histrias, 1943; Calenga, 1945; Histrias daterra negra, 1960), sucede a anlise pertinente das relaesdo homem negro, mestio, branco, com a violncia, arepresso, os abusos da administrao, o sofrimento dohomem angolano explorado, e at o desencantoexistencial de alguns homens da administrao colonial.

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    Cruis e implacveis como denncia, as narrativas deCastro Soromenho: Terra morta, 1949, Viragem, 1957 eChaga(ed. pstuma, 1970) so uma viragem de 180 noromance africano de expresso portuguesa. A figura deCastro Soromenho vai dominar os fins da dcada de 30(nessa altura j em Lisboa, como jornalista) e a dcadade 40, at que nas dcadas de 50 e 60 outros se lhe vmassociar, mas poucos so os que atingiram o nvel porele alcanado, reconhecido internacionalmente atravsde tradues em vrias lnguas e alguns estudos queforam dedicados sua obra e personalidade literria(Vide Bibliografia no final deste volume).

    Por essa poca j Oscar Ribas, apesar de cego, masajudado por seu irmo, havia iniciado a sua longacarreira de escritor, que veio a bipartir-se na investigaoetnogrfica ou etnolgica, que das mais fecundas deAngola, e na fico (Nuvens que passam, 1927; O resgate deuma falta, 1929; Flores e espinhos, 1948; Uanga Feitio,1951; Ecos da minha terra, 1952; Quilanduquilo, 1973).Sucede que, no entanto, toda a sua obra romanesca repassada pela interveno de etngrafo, facto que, doponto de vista das exigncias da estrutura literria, nofavorece muitos dos seus textos ficcionais dada amarcada e persistente inteno de explicar umdeterminado tipo de comportamentos sociais, decarcter profano ou mtico. Seja como for, a sua obraliterria, como Uanga, no deve ser ignorada.

    Llia da Fonseca, depois de uma primeira experinciaem Panguila(1944), mais tarde publica um conto, Filha debranco (1960), alegoria hoje passvel de largacontrovrsia. Cochat Osrio (Capim Verde, 1957; Ohomem de chapu, 1962) verte em algumas das suashistrias a demorada experincia da sua estadia em

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    Portugal. Mas a ele se fica devendo a primeira tentativaliterria da apropriao da linguagem oral popular (anorma do portugus padro destruda) concretizada noseu canto Aiu, embora se reconhea quepreferenciou, sobretudo, o nvel fnico. Orlando deAlbuquerque, natural de Moambique, como se dizalgures, deposita na fico a sua longa vivnciaangolana: Quando a chuva molha, 1964; A casa do tempo,crnicas, 1964; O homem que tinha a chuva, 1968; De manhcai o cacimbo, 1969; Cariango, 1976). Este ltimo e Ohomem que tinha a chuvacom a particularidade de revelar oconhecimento das estruturas mentais dos componentesdas sociedades tradicionais, o que no vulgar na ficoangolana.

    Tal como para a poesia, da dcada de 50, o projectoda criao de uma fico angolana evidente. Sobretudoatravs do conto. Vrios so os poetas que participamdesta aventura, embora alguns esporadicamente tenhamcolaborado em Mensagem, Cultura, Itinerrio (LourenoMarques), reunidos depois na antologia Contistasangolanos, 1960, da Casa dos Estudantes do Imprio, e,mais tarde, uns tantos nas antologias da Imbondeiro.Agostinho Neto, Orlando Tvora [i. e., AntnioJacinto], Mrio de Andrade, Hlder Neto, Ernesto LaraFilho (autor de vrias crnicas publicadas sob a epgrafeRoda gigante noJornal de Angolacom larga audincia ehoje ainda lembradas), Antnio Cardoso, CostaAndrade, Toms Jorge, Rebello de Andrade, HenriqueGuerra (Andiki),A bola e a panela de comida(1973), MrioLopes Guerra (Bendia), A cubata solitria(1962), ArturCarlos Pestana (Pepetela). E sobretudo em Artes eLetras dA Provncia de Angola, os casos de Jofre Rocha eJorge Macedo.

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    Colaboradores daquelas e outras revistas foramtambm M. Antnio, Luandino Vieira, Arnaldo Santos eHenrique Abranches, que terminaram por ter obrapublicada em volume. Os trs ltimos na ColecoAutores Ultramarinos da C.E.I. Henrique Abranches,em Dilogo (1963), revela um conhecimento invulgar dolargo mundo do sul de Angola, das gentes desprotegidase cujos anseios se desligam da sua situao comohomens explorados, mas o narrador traz superfcie oque potencialmente subjaz na vida e na mente dessahumanidade em luta com a natureza e a organizaosocial agora imposta. M. Antnio (Farra no fim da semana,1961; Gente para romance, 1961; Crnica da cidade estranha,1964) embora s em 1961 venha a publicar o seuprimeiro livro de fico, pode dizer-se, no entanto, quese revelou como contista (e poeta) em Mensagem (n.2/4, 1952). Se se reconhece, dez anos depois, umaelaborada tessitura do texto, tambm certo que otecido semntico privilegia agora nveis sociaisdiferentes dos anunciados em 1952 ou, ento, dir-se-que a sua viso preferencia outro enquadramento. E,assim, sensvel ao mundo inscrito nomeadamente nosmeios caracterizados pelo mulatismo, atravs darememorao, faz a crnica da cidade estranha[Luanda], mas fruste por vezes na sua trajectria,quotidiana e desencantada no seu destino vivencial.

    Tambm o quadro social de Arnaldo Santos(Quinaxixe, 1965; Tempo de munhungo, 1968) o da cidadede Luanda, mas muito colado, no ao desencanto, aojogo ineficaz de um certo absurdo, antes ultrapassandoo jogo das aparncias, aviva criticamente o crculo dascontradies sociais e raciais. As suas narrativas, de ummodo geral, evidenciam uma estrutura adulta e, embora

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    sem procuradas violncias transgressivas, o tecidolingustico enriquece-se ao nvel da angolanizao.

    Luandino Vieira, depois de uma edio frustrada (Acidade e a infncia, 1957), frustrada do ponto de vistaeditorial, dado que toda a edio foi apreendida edestruda na prpria tipografia, o mesmo livro refundidoe ampliado publicado com igual ttulo, em 1960, naColeco Autores Ultramarinos da C. E. I., Lisboa. Evo publicar-se os seguintes: Luanda (1964); Velhashistrias, 1974; Ns, os do Makulusu, 1974; Vidas novas(1975);A vida verdadeira de Domingos Xavier, 1974. Os seustextos trazem fico angolana uma surpreendenteconfigurao de ruptura e construo de uma lnguanova que culmina No antigamente na vida(1974), a partirdo portugus falado nos musseques (ghettos da cidadede Luanda) e da influncia do quimbundo. A sua obra,nos fundamentos de inovao estilstica s tendoparalelo em Guimares Rosa, ganha uma altura quepode ser colocada ao lado da dos melhores prosadoresda lngua portuguesa. O mundo social, psicolgico, oespao do imaginrio, o despertar de uma conscincianacional em trnsito para uma identificao activa nomundo da mudana, o drama ou a tragdia de umasituao revolucionariamente assumida na luta contra aopresso (em pleno in Vidas Novas), reflexo de umasociedade em retransformao, plasmada de vriascontribuies culturais, insuspeitado universoreinventado na pesquisa e descoberta literria, sagra aobra de Luandino Vieira como um testemunhoimpressionante.

    Manuel dos Santos Lima estreia-se na prosa com oromance As sementes da liberdade, 1965, e recentementepublicaAs lgrimas e o vento (1976). O primeiro escrito no

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    exlio, o segundo j depois da independncia (adiantedele falaremos) furtam-se ao crculo apertado dacensura, ou auto-censura que todos os autoresafricanos (e portugueses) forosamente haviam deimpor a si prprios. Da que a sua anlise da sociedadeangolana sob a dominao colonial possa socorrer-se deuma linguagem sem eufemismos, sem determinadossilncios ou espaos em branco a que CastroSoromenho (e outros), em Virageme Terra morta teriamsido obrigados.

    Papel importante nesta poca, que veio associar-se aodesempenhado pela Casa dos Estudantes do Imprio,embora de menor relevncia, foi o das PublicaesImbondeiro (1960-1965), que teve como aturadosresponsveis Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme,com sede em S da Bandeira. Pela Imbondeira foramrevelados ou desenterrados dos jornais e revistas jcitados, como Mensagem, Cultura e outras, quer atravsdos cadernos mensais, quer atravs das antologias(Contos dfrica, 1961;Novos contos dfrica, 1962) e aindaem edies normais como as de Maria PerptuaCandeias da Silva, O homem enfeitiado (1961), autoraainda de A mulher de duas cores & Falsos trilhos (1959) eNavionga filha de branco (1966), autora de obras que sesituam numa franja especfica que a do conhecimentopsicolgico do homem angolano entretecido nas suasestruturas tradicionais. Leonel Cosme (Quando a tormentapassar, 1959; Graciano, 1960; A dvida, 1961; A revolta,1963), este ltimo preenchido por protagonistaseuropeus, por norma manipulados pelo romancecolonial, ope-se, no entanto, a este, merc da atitudecrtica com que perspectiva o contexto social angolano.Entre os portugueses radicados cita-se Eduardo Tefilo

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    (Cacimbo em Angola, 1966). Curta a permanncia deAlfredo Margarido, mas o bastante para a suarepresentao emNovos contos dfricae haver subscrito aplaquete Poemas para uma bailarina negra(1958).

    margem destas e de outras iniciativas, GeraldoBessa Victor, publica em Lisboa Sanzala sem batuque(1967), tentativa de equao da relao social e culturalque, na cidade de Luanda enquadra o negro, o branco eo mestio. A sua viso a da conciliao, com tendnciapara realar o sentimento aristocratizante havido aonvel do mulato em relao aos valores europeus, que onarrador dir-se-ia tambm partilhar.

    Foi atravs dos cadernos Capricrnio, de Orlando deAlbuquerque, iniciados em 1973, que surgiu apossibilidade de nestes ltimos anos se revelarem algunscontistas e republicar outros j conhecidos. O caso deAlda Lara (Tempo de chuva, 1973) onde est contidaalguma da sua produo indita, parte dela de motivaoeuropeia, mas a da insero angolana emerge de umaserena viso humanstica. Amaro Monteiro, alis j comobra publicada (Vozes no muro, 1961; Poema para um ritmobblico, 1963), retoma a motivao africana de O coronelSardnia (1970) em Um certo gosto a tamarindo (1973),histria recriada a partir das experincias do mussequede Luanda, e positivo na descoberta das contradies deuma sociedade de caractersticas multirraciais. AristidesVan-Dnem (A ltima narrativa de vav Kila, 1973;Resignao, 1974) de caractersticas muito prximas dasdo grupo da Mensageme Cultura uma das presenas, aquem agora legtimo exigir obra de maior tomo. Nestegrupo mais recente Afonso Milando [i. e. Ruy Burity daSilva], Recado para Deolinda (1973) dos que trazem anovidade de uma linguagem pessoal que, pela vivacidade

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    e delineamento da progresso do discurso, enriquece agramtica da narrativa angolana, mas na rea lingusticaexclusiva da lngua portuguesa.

    Revelado tambm pela Capricrnio com a novelaMestre Tamoda (1974), A. Mendes de Carvalho(Wanhenga Xito...) que publica de seguida Bola comfeitio (1974); Manana (1974); Vozes na sanzala (Kahitu),(1976). Em todas elas se coloca na primeira fila dosnarradores angolanos, merc de uma linguagem original,bebida nos estratos sociais das zonas populacionais queno as de Luanda, de tudo resultando um narrado decrtica social acerba e implacvel. Assim, o pitorescodesabusado entra, pelas mos de Mendes de Carvalho,na narrativa angolana. Manuel Pacavira trouxe doTarrafal de Cabo Verde, tal como A. Mendes deCarvalho, um esplio literrio (Gentes do Mato, 1974;Nzinga Mbandi, s/d, [1974?]). Se no primeiro livro aanlise incide numa rea social de uma certa pequeniaburguesia de comerciantes ou proprietrios mestios enegros num crculo de relaes com o colono, osegundo, Nzinga Mbandi, um passo herico do povoangolano em luta pela sua liberdade e dignificao, emconfronto com os portugueses, ao longo da era coloniale em cuja trama romanesca avulta a lendria figura darainha Ginga [Nzinga Mbandi].

    Carlos Gouveia autor de um livro de crnicas econtos (Utanha Wtua, 1975), onde reveloupotencialidades reais, fruto da sua experinciabenguelense em termos de uma humana adeso. E,ainda em 1975, Raul David publica os contos Colonizadose colonizadores, um testemunho fraterno do seu povo euma viso de pendor cristo, excessivamente generoso

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    na anlise das relaes entre colonizados ecolonizadores.

    Por sua vez, A. Bobela-Motta, uma vida inteiratrabalhando em frica, integrando-se em Angola,tornada agora ptria sua, acaba de publicar a colectneade contosNo adianta chorar(1977). Contos coloniais o subttulo. Contos da era colonial. Ao contrrio,porm, do que sucede em obras lanadas na dignificaodo esforo do branco, aqui se perspectiva uma anlisecrtica e objectiva das relaes colono/colonizado.Nestas histrias a dominante a coisificao do homemnegro. Discurso cruel, que traz evidncia o desumanocomportamento do europeu regido pelos seus interessesmateriais, sua razo de ser em frica. Deste modo oenunciado de Bobela-Motta, em vrios aspectos,contraria o de Raul David, atravs de um textoimplacvel. Finalmente destacamos uma outracontribuio: a de Manuel Rui (O regresso adiado, 1974).Contos de expresso bipartida: frica e Europa. Noentanto a rea de anlise sempre o negro ou, antes, omulato. Ainda mesmo quando o branco entra na cena para, num movimento de bomerangue, nos remeter parao homem angolano humilhado ou alienado, via de regra.

    As experincias da luta armada esto a vir superfcie.A prov-lo citaramos j um livrinho publicado nacidade de Lisboa, em 1974, pela frica Editora, intituladoCoringe e os 3 irmos, texto e coordenao de EmloFilipe, composto de duas histrias: A estria deCoringe, contada por Francisco Antnio Monteiro e Aestria de os 3 irmos por Firmino Lopes Tomaz.Emlio Filipe, o coordenador, diz na abertura do texto:Leitor: Vamos contar-te duas estrias dramticas quaseirreais muito embora idnticas a milhares de outras

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    estrias acontecidas desde sessenta, e um pouco portodo o Norte e, tambm em muitas regies de Angola.E adianta: Propomo-nos contar-te muitas mais. Talvezdezenas. Talvez centenas. Na realidade propomo-nosatravs deste Dossier de Angola tornar pblico o quefoi o estertor do colonialismo portugus. A fixar: aquise relata, em resumo, uma coisa que no degrada este ouaquele povo: degrada, ofende a humanidade.Documento impressionante contado por homens queforam objecto de sevcias, aviltamentos, barbaridadesinsuspeitadas. Documento importante por isto e porque,no seu registo vivo, vivido, na sua fala autntica, setransforma em documento literrio de excelentequalidade esttica.

    As lgrimas e o vento, de Santos Lima, em relao a Assementes da liberdade denota uma segurana superior naorganizao da narrativa. Romance da guerra colonialangolana, porventura menor virtude no a que derivada posio privilegiada e a sua realidade, dada aexperincia adquirida em Portugal. Tendo ele prpriosido oficial miliciano do exrcito portugus, sendo poroutro lado angolano, esta dupla circunstncia faculta-lhea possibilidade de se colocar no centro desse mundobivalente e dar ao romance uma perspectiva alargada daluta armada em Angola. Privilgio raro, o narradoratravs de um ponto de vista duplo, mas realista,constri um testemunho de invulgar objectividade eiseno, e assim, at agora, o mais amplo documentoficcional da guerra colonial na frica de expressoportuguesa.

    Estes derradeiros textos, quer os de A. Mendes deCarvalho, Manuel Pacavira ou Manuel Rui, experinciasmeditadas nos longos anos da cadeia, quer o de Emlio

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    Filipe, que teria utilizado o registo magntico, quer o deManuel dos Santos Lima ou de Bobela-Motta, as ltimasto diferentes, mas complementares estes ltimostextos, dizamos, e isto para no nos alongarmos, so agarantia de que a narrativa angolana escreve uma nova eestimulante pgina da sua histria.

    Isto se confirma com mais dois narradores integradosna citada Coleco Obras da Unio dos EscritoresAngolanos: Pepetela e Jofre Rocha. As aventuras deNgunga(1976) de Pepetela, registo das aventuras de umpioneiro, nasceram de um projecto pedaggico(aprendizagem recproca de portugus e mbundo)dirigido aos pioneiros e guerrilheiros da rea ondeactuava. Eis como por vezes florescem os textosliterrios. Aqui a prtica pedaggica se metamorfoseiaem prtica cultural e literria. Porqu? Merc de umequilbrio, de um doseamento dos acontecimentos, dassituaes, das relaes entre os protagonistas, tudoentretecido em nexo real e verosmil, e numa linguagemque se enriquece na simplicidade. Obra demultiplicidade significativa e a torn-la perene umaatmosfera potica que nos cativa, pgina a pgina, noprazer do texto. de uma importncia fundamentalpara a compreenso da consciencializao na lutarevolucionria. Jofre Rocha, com Estrias de musseque(1976) alarga o seu espao criativo, prolongando opoeta. As narrativas seleccionadas representam umavano significativo em relao a outras suas que forampublicadas na imprensa angolana. O seu discursopercorre um tempo que se pode dizer inscrito na dcadade 60 at fase final da guerra colonial. A semntica ,deste modo, a de um perodo profundamente dramticoque exprime, essencialmente, a incomodidade, a

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    humilhao, a represso; mas tambm a integrao narea de consciencializao libertadora, no por viaideolgica mas por via da experincia colhida no mundodesigual e brutal imposto pelo colonialismo, em termosde escrita organizada sob o signo da angolanidade.

    legtimo crer que testemunhos de outra ordem,como o dirio de Ngdia Wendel, (Ngombe filho deKambole e de Niangombe, 1976), para trs citado comopoeta, venham a multiplicar-se. Foi uma experinciademorada, violenta, a da luta armada, sofrida por tantos(todos), na multiplicidade vivida que, obviamente,terminar por ser incisivamente expressa pelos criadoresangolanos. Teremos talvez, isso sim, que esperar largosanos para que as novas e extraordinrias revelaesaconteam. Os factos esto ainda muito perto e havernecessidade de uma longa sedimentao para que o actoda escrita se apure e adense na distanciao do tempoque, para a prtica criativa, meditao e espessura.

    3. DRAMA

    As experincias de um teatro angolano escrito estopraticamente limitadas a dois autores: Orlando deAlbuquerque (Ovibanda, 1974; O filho de Zambi, 1974) eDomingos Van-Dnem, Auto de Natal, 1972, pea emum acto, com verso em quimbundo, representada emLuanda. Enquanto Orlando de Albuquerque opta pelautilizao de elementos mgico-religiosos caractersticosdas sociedades tradicionais africanas, Domingos Van-Dnem constri a sua pea com ingredientes religiososemprestados a uma sociedade transgredida pelaformao religiosa crist 102.

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    MOAMBIQUE

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    1. LRICA

    Ao contrrio de Angola, no temos para Moambiqueuma poesia do sculo XIX. Certo que fica de p ahiptese, cremos que remota, de na imprensamoambicana da poca ou, inclusive, no Almanach deLembranas haver alguns indcios. Do que nos foipossvel at ao presente momento averiguar, fica-nos aconvico de que a poesia de caractersticasmoambicanas, com efeito, aparece s no sculo XX.Aponta-se o nome de Rui de Noronha (1909-1943),mestio de indiana e ne


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