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Cólera. Doença negligenciada

Pedro Mendengo Filho

Rio, 29/04/2008

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Cólera. Doença negligenciada

Pedro Mendengo Filhoψ

A Fundação Conceição do Maracu, através de pesquisadores/colaboradoressobre “Conhecimento & Ciência”, preparou este espaço para informações de utilida-de pública, em especial edição para falar da Cólera. Doença negligenciada. His-tórico, sintomas, transmissão, tratamento e prevenção. Este trabalho é parte inte-grante de uma série de estudos que estes estudiosos vêm realizando sobre váriostemas, com o objetivo de levar a boa parte da população da Região do Maracu, in-formações fidedignas do nosso espaço geográfico -, a Baixada Maranhense enquan-to objeto de estudo.

Em, 04/2008.

As imagens apresentadas neste trabalho foram extraídas da Revista Geográfica Universal,agosto de 1985. A Arte para o Povo nos Murais do México, obra que Diego Rivera criou parao Hospital da Cidade do México, que é um belo mural sobre História da Medicina.

Oferecimento:

FUNDAÇÃO CONCEIÇÃO DO MARACUFundada em 28 de Janeiro de 2006, C.N.P.J. 08.148.243/0001-83Sede Praça Mons. Manoel Arouche, 132 – Centro.Tele-fax (0xx98) 33511149. CEP: 65215-000 Viana-MA.

Entidade em defesa do Patrimônio Histórico, Cultural, Ambiental de Viana e do Rosário de Lagos do Maracu. Organização não governamental, sem finalidades políticas ou fins lucrativos.

ψ Autor: Pedro Mendengo Filho, Psicólogo Clínico, Especialista em Psicologia Médica Psicossomática, Análise Ambiental e Gestão deTerritório, membro da Academia Vianense de Letras-AVL e sócio fundador da Fundação Conceição do Maracu.

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3Introdução

A vida agitada nos grandes centros urbanos, a falta de exercícios físicos, oestresse, a poluição, a alimentação rápida e rica em gordura e açúcar e o consumoexcessivo de bebidas alcoólicas e tabaco estão causando diversas doenças nosbrasileiros. Advindos destes problemas, são mais comuns, nos grandes centros ur-banos, doenças como o câncer, o diabetes e doenças do coração. Enquanto isso, nazona rural e nas periferias das grandes cidades, aumentam os casos de doençasinfecciosas e parasitárias, em função das péssimas condições de higiene. A falta deágua tratada e o deficiente sistema de esgoto nas regiões norte e nordeste do Brasiltem sido a causa de várias doenças, como, por exemplo: cólera, malária, diarréia ehanseníase.

A cólera é uma doença típica de regiões que sofrem problemas de abasteci-mento de água tratada. A sujeira e os esgotos a céu aberto ajudam no aumento decasos da doença. A região nordeste do Brasil é a que mais sofre com este problema.Água limpa e tratada, tratamento de esgoto e condições ambientais adequadas difi-cultam a proliferação da doença. A higiene e a medicina têm ampliado a habilidadeda terra nos climas cálidos, já pelo tratamento das chamadas moléstias tropicais,já pela resistência do calor, com o ar condicionado. É o que diz Raimundo Lopesem Antropogeografia1:

“Há, certamente, moléstias dos climas quentes; isto depende tanto da tempe-ratura e da depressão orgânica, como da alimentação e da proliferação dos insetosintermediários; assim, a malária, com o seu terrível hematozoário a empobrecer osangue, tanto se tem transmitido em regiões equatoriais, como nas do Mediterrâ-neo, nas baixadas da costa italiana (maremmas) e a ela se atribui a morte da belaMonna Lisa, a “Gioconda”. A transmissão do gérmen pode variar com os continen-tes e regiões como no caso do tremendo mosquito gambiense, transmissor tambémdo impaludismo, que na África veio implantar-se no nordeste brasileiro, devido jus-tamente à rapidez da moderna navegação e talvez aos aviões; a letalidade, devida,sobretudo à sua larva adaptada às águas sujas, ao contrário da do transmissoramericano, torna esse impaludismo rebelde a prescrições de higiene e tratamento:a sua disseminação, se chegar às regiões úmidas do Brasil, invadirá a América neo-tropical”.

As epidemias aprecem independer mais ou menos dos climas, ligando-se maisàs condições de transmissão em áreas onde à massa carente e a pobreza das po-pulações, propiciam a sua instalação. Assim é que a China Setentrional, tem sidocentro de dispersão junto com a Índia de males como: a peste bubônica, e o cólera-morbo; a primeira se tem propagado pelos continentes e só tem sido evitada pelasprecauções contra a entrada dos doentes e dos ratos nos países que têm organiza-do a sua profilaxia. O beribéri tem sido atribuído à deficiência alimentar, pela in-gestão do arroz descorticado, na Ásia Oriental e no Brasil em nossas regiões; comoprovaram os estudos em 19192, essa polinevrite deve ter uma causa específica.

Assim como há moléstias tropicais, também há endemias de dispersão maisampla ou mais própria dos climas frios. A lepra tanto se tem propagado nos climascálidos, como na Europa medieval, atingindo, mesmo, em tempos modernos, a friaNoruega com o grande Hansen; é verdade que se tem atribuído a predisposição aesse mal à alimentação, sobretudo à de peixes; a presença, porém, do bacilo e o es-tudo nosológico parecem evidenciar a sua dependência da intensidade do contágiosocial e doméstico.

O que se propões neste trabalho, é uma reflexão sobre as condições de higienepública a que estar sujeita a Baixada Maranhense. Os riscos de um ataque da Có-lera é muito grande, embora a doença não seja endêmica na região, mais pode sertransplantada via malhas rodoviárias, principalmente pela rodovia MA.013.

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4Histórico:

A denominação Cólera remonta aos primeiros séculos da humanidade e sem-pre esteve relacionada à Índia. Na história das grandes navegações associava-se alugares considerados exóticos, sendo, na época, chamada de doença que "provocavavômitos, sede de água, estômago ressecado, cãibras, olhos turvos..." A partir do sé-culo XIX, começou a se disseminar para áreas até então não atingidas, chegando,em especial, à Europa. Sua forma de transmissão é tão importante e se dissipa comtanta facilidade que já existiram sete pandemias (pandemia é a epidemia simultâneada doença em muitos países e continentes).

A propagação da Cólera em nível mundial deve-se principalmente ao fato deque seu agente desenvolve na maioria das vezes casos leves ou assintomáticos, nãopermitindo assim a identificação dos verdadeiros portadores, que continuam trans-mitindo a doença. Além disso, o grande deslocamento das pessoas por turismo oucomércio em transportes cada vez mais rápidos aumenta a veiculação da Cólera. Obaixo nível sócio-econômico e condições precárias de saneamento básico em áreasextensas e, em particular a falta de água potável, podem também explicar a suaalta propagação.

Historicamente, a cólera provavelmente originou-se no vale do rio Ganges,Índia. As epidemias surgiam invariavelmente durante os festivais hindus realizadosno rio, em que grande número de pessoas banhavam-se em más condições de hi-giene. O vibrião vive naturalmente na água e infectava os banhistas que depois otransmitiam por toda a Índia nas suas comunidades de origem. Algumas epidemiastambém surgiram devido a peregrinos nos países vizinhos com aderentes da reli-gião hindu, como Indonésia, Birmânia e China.

Esta enfermidade, foi descrita pela primeira vez no século XVI pelo portu-guês Garcia da Orta, trabalhando na sua propriedade, Bombaim, no Estado da Ín-dia Português.

Entretanto, em 1817, com o estabelecimento do Raj britânico na Índia, eparticularmente na região de Calcutá, espalhou-se a cólera pela primeira vez parafora da região da Índia e paises vizinhos. Ela foi transportada por militares inglesesnos seus navios para uma série de portos e a sua disseminação chegou à Europa eMédio Oriente, onde até então era desconhecida. Em 1833 chegou aos EUA e Mé-xico, tornando-se uma doença global.

Numa das primeiras epidemias no Cairo, a cólera matou 13% da população.Estabelecendo-se em Meca e Medina, locais onde as peregrinações religiosas mu-çulmanas do Hajj, permitiam concentrações suficientes de seres humanos para sedar a cadeia de transmissão da epidemia, assim como nas cidades grandes da Eu-ropa. Na Arábia foi endêmica até ao século XX, matando inúmeros peregrinos, tem-do sido aí que surgiu o agora disseminado serovar eltor. A disseminação pelos pere-grinos, vindos de todo o mundo muçulmano de Marrocos até às Indonésia, foi im-portante na sua globalização assim como os navios comerciais europeus.

Durante o século XIX, surgiram abruptamente várias epidemias nas cidadeseuropeias, matando milhares de seres humanos em Londres, Paris, Lisboa e outrasgrandes cidades. Uma dessas epidemias em Londres, como a de 1854, levou aoestabelecimento das primeiras medidas de saúde pública, após constatação que empoços contaminados estavam na origem da doença, pelo médico inglês John Snow,pois foi o mesmo John Snow, quem descobriu a relação entre água suja e cólera em1854. Mais tarde a bactéria Vibrio cholerae foi identificada pelo célebre microbio-logista Robert Koch em 1883.

A trajetória histórica da Cólera no Brasil, se inicia-se pelo Norte, precisa-mente em Belém do Pará, onde recentemente este tema ganhou destaques na mídiae uma edição memorável de grande repercussão no mundo acadêmico, realizada

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5pela pesquisadora Jane Felipe Beltrão3. Nesta edição a autora emerge com a histó-ria de uma tragédia, a que estavam submetidos os pobres nos séculos XIX e XX.

“A cólera, até o início do século XIX, circunscrevia-se à Ásia, considerada olar da enfermidade e, como tal, vista com curiosidade pelos europeus. Ao ser regis-trada a primeira pandemia4 de cólera (1817-1823), a Europa tomou conhecimentoda doença graças ao quadro desolador da Rússia: a chegada da cólera àquele paísfez os europeus suspeitarem da queda das suas cidadelas5. A confirmação se deucom a chegada da segunda pandemia (1829-1851): na Rússia, de 1829 a 1832, acólera ceifou a vida de 290 mil pessoas (McGrew, 1965)6, alastrando-se pela Polôniaem razão da guerra entre os dois países. A movimentação das tropas produziu ví-timas da cólera na França, que perdeu 13 mil pessoas nessa epidemia (Delaporte,1986)7. Não se deve esquecer que as revoluções liberais varriam a Europa (1830 e1848), e onde a revolta se fazia presente a cólera grassava, exacerbando tensões ecomprometendo das condições de vida (Evans, 1988)8. Na Alemanha, Hamburgosofreu os rigores da epidemia, e as numerosas vítimas acionaram o alarme que logose transformou em terror com a chegada da epidemia à Inglaterra, em 1831 (Durey,1979)9. Logo a Europa estava tomada pelo flagelo, e já em 1832 registravam-se ca-sos na América: Peru, Chile, México e Estados Unidos (Rosenberg, 1962)10”.

(...)“Em maio de 1855, durante a terceira pandemia, apareceu em Belém do

Grão-Pará uma doença de caráter maligno, importada pela galera portuguesa De-ffensor. A embarcação atracou no porto da cidade no dia 14 daquele mês trazendocolonos procedentes da cidade do Porto, região do Douro, em Portugal, cujas imedi-ações eram assoladas pela doença. Era o início da saga brasileira. Do Pará a epide-mia atingiu a Bahia em junho de 1855 e em julho chegou ao Rio de Janeiro, capitaldo Império, para desespero da corte (Cooper, 1986)11. Houve ocorrências, também,em Pernambuco e no Ceará (1861-1862).

Na época o controle da epidemia era impossível, pois se desconhecia a formade propagação da doença. Foi no decorrer da pandemia que John Snow demons-trou que a cólera tinha discordo veiculação hídrica – contraía-se a enfermidade be-bendo água contaminada por fezes de pessoas doentes. As observações foram fei-tas por Snow (1990)12 na Londres oitocentista, mas na época seus resultados nãoforam conhecidos pela medicina”. (Beltrão, 2007.)

A quarta pandemia (1863-1875) foi considerada catastrófica, pois em algunslugares a mortalidade assumiu índices alarmantes. A Índia contou 360 mil mortos,e na Europa eles chegaram a 450 mil. A epidemia chegou ao Brasil no final dosanos 60, atingindo em 1867 o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso,onde fez tantas vítimas quanto a Guerra do Paraguai, cujas baixas chegaram a cemhomens por dia. Os registros indicam que quatro mil pessoas adoeceram e mil fo-ram os mortos. Cenas trágicas aconteceram no Sul, uma das quais se tornaria bas-tante conhecida graças à narrativa do Visconde de Taunay13 em A retirada da La-guna.

Ao final do século, em 1894, há registro de acometidos pela cólera em SãoPaulo, durante a quinta pandemia (1881-1896). Durante a sexta pandemia (1899-1923) o continente americano não foi devastado.

Durante a sétima pandemia a cólera volta a atingir o Brasil, em 1991. Elateve início em 1961, a partir de um foco endêmico na Indonésia, e o fluxo migra-tório espalhou a enfermidade pela Ásia, alcançou a Europa Oriental, passando àPenínsula Ibérica e avançando pelo norte da África. Desde a década de 1960 adifusão da cólera era extensa, mas a forma epidêmica não se havia manifestado naAmérica Latina até janeiro de 1991, quando eclodiu no Peru. Daí para a chegada aoBrasil foi uma questão de meses, pois em abril os primeiros casos foram registra-dos no Acre. Em Belém, a epidemia chegava em 14 de novembro de 1991, quando o

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6primeiro paciente foi internado no Hospital Universitário João de Barros Barreto(HUJBB).

Em todas as pandemias que se seguiram, o Brasil apresentou casos atin-gindo a população da Região Norte até o Rio Grande do Sul. Atualmente nos encon-tramos na sétima pandemia iniciada em 1961 e, introduzida na América Latina noinício da década de 90 pelo Peru, sendo transportada até o Brasil, pelo Rio Soli-mões, no Amazonas. Os primeiros casos foram nas cidades de Benjamin Constant eTabatinga, ambos na fronteira com Colômbia e Peru, em decorrência da grandepressão de transmissão procedente de Letícia, na Colômbia, e de Iquitos, no Peru,notificados no Amazonas.

Em 1992, o Estado do Rio de Janeiro registra o primeiro caso da doença. Noano de 1993 foram notificados 268 casos caracterizando a presença de uma epi-demia no Estado, que se prolongou até o ano de 1994 com 78 casos. Embora desdeeste período não tenham sido registrados mais casos da doença no Rio de Janeiro,a Cólera continua endêmica em alguns estados da Região Nordeste.

É uma pena dizer, mas, o Brasil continua a conviver com males que deve-riam ter sido riscado do mapa há muito tempo. A cólera e outras doenças infecto-contagiosas e parasitárias nos Estados do Norte e Nordeste, mostram que o paísainda não consegue eliminar males típicos do Terceiro Mundo. Esses são os princi-pais problemas que as regiões Norte e Nordeste enfrentam neste início de século.Na verdade, essas doenças somam-se a outras tantas como meningite, leptospiroseetc., que freqüentam principalmente as estatísticas da Região Norte e Nordeste. Sãodoenças de quem está na beira do processo social, decorrente da falta de sanea-mento básico e higiene pessoal.

Cólera no Brasil. Casos confirmados, por local de transmissão: 1996 - 2005 * dados sujeitos à revisão14.

Região 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 20032004 2005 TotalNorte 81 48 17 0 0 0 0 0 0 0 146Nordeste 936 2.996 2.728 4.279 733 7 0 0 21 5 11.705Sudeste 0 0 0 13 0 0 0 0 0 0 13Sul 0 0 0 467 0 0 0 0 0 0 467Centro-Oeste 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0Total 1.017 3.044 2.745 4.759 733 7 0 0 21 5 12.331

A epidemia alastrou-se progressivamente pela Região Norte, seguindo o cur-so do Rio Solimões/Amazonas e seus afluentes, principais vias de deslocamento depessoas da região. No final de 1991, a epidemia atingiu a Região Nordeste, com osprimeiros casos detectados no município de São Luís, no estado do Maranhão.

Se observarmos atenciosamente o mapa do Estado do Maranhão, logica-mente, notaremos que ele tem uma extensa e diversificada malha rodoviária. En-tretanto, a MA.013, rodovia estadual que parte do Município de Vitória do Mearimem direção a Belém do Pará, passando por Viana, (cidade maltratada higienicamen-te) serve de corredor perigoso, para disseminação da cólera, meningite e outras do-enças alocadas nos estados fronteiriços, (Pará, Tocantins e Piauí) onde surtos dediversas doenças vem acontecendo alarmantemente.

Em fevereiro de 1992, a cólera foi detectada no sertão da Paraíba e, logo emseguida, no agreste de Pernambuco. Até o final de 1992, todos os estados do Nor-deste foram atingidos, tendo sido registrado ainda um caso autóctone no Rio deJaneiro e um no Espírito Santo.

Em 1993, observou-se o avanço da doença para as Regiões Sudeste e Sul,tendo sido registrados casos em Minas Gerais (57), Espírito Santo (100), Rio de Ja-neiro (267), São Paulo (11) e Paraná (6). Naquele ano foram notificados 60.340 ca-sos.

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Em 1994, a cólera continuou em franca expansão, com registro de 51.324casos, sendo 49.276 na Região Nordeste, destacando-se, por apresentarem os ma-iores coeficientes de incidência, os estados do Ceará, da Paraíba, de Pernambuco,da Bahia, do Rio Grande do Norte e de Alagoas. Esse aumento de casos ocorreuentre os meses de janeiro (coeficiente de incidência de 38,71 por 100.000 habitan-

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tes) e maio (coeficiente de incidência de 10,06 por 100.000 habitantes). Em junho,tal coeficiente foi de 4,89 por 100.000 habitantes. O número de casos continuoudiminuindo, chegando ao mês de dezembro com coeficiente de 0,27 por 100.000habitantes.

Após uma importante diminuição do número de casos de cólera no País apartir de 1995, observou-se em 1999 um recrudescimento da epidemia, tendênciaque não se confirmou no ano de 2000, com o registro de 733 casos, todos proce-dentes da Região Nordeste, em sua grande maioria dos estados de Pernambuco eAlagoas. Com exceção dos casos diagnosticados em surtos localizados nos estadosde Minas Gerais e Paraná, todos os casos diagnosticados em 1999, 2000 e 2001ocorreram na Região Nordeste.

Em 2001, foram confirmados no Brasil sete casos de cólera, todos na RegiãoNordeste.

Em 2002 e 2003, embora não tenha sido confirmado nenhum caso de cólerano País, o vibrio cholerae O1 foi isolado de amostras ambientais coletadas em muni-cípios dos estados de Alagoas e Pernambuco. Além disso, houve identificação dovibrio cholerae O1 Inaba em uma amostra clínica do estado de Alagoas, com toxige-nicidade negativa.

Em 2004 e 2005, a cólera recrudesceu no País, com a confirmação de 21 ca-sos e 5 casos autóctones. Todos os casos eram procedentes do estado de Pernam-buco.

Em 2006 foi detectado no Distrito Federal um caso importado cólera proce-dente de Angola, sem haver transmissão autóctone.

Desde então, não tem havido ocorrência de casos de cólera no país.

EpidemiologiaA cólera é uma doença de notificação obrigatória às autoridades sanitárias.A cólera é uma doença que existe em todos os países em que medidas de

saúde pública não são eficazes para a eliminar. Ela já existiu na Europa mas comos altos níveis de saúde pública dos países europeus, foi já eliminada no início doséculo XX, com exceção de pequeno número de casos.

A região da América do Sul é hoje a mais freqüentemente afetada por epide-mias de cólera, juntamente com a Índia. Neste último país, as grandes concen-trações pouco higiênicas de multidões durante os rituais religiosos hindus no rioGanges, são todos os anos ocasião para nova epidemia do vibrião. Também existede forma endêmica na África e outras regiões tropicais da Ásia.

Os seres humanos e os seus dejetos são a única fonte de infecção. Sóquando água ou comida suja com fezes humanas é ingerida podem suficientesquantidades de bactérias ser ingeridas para causar a doença. As crianças, que têma tendência de pôr tudo na boca, são mais atingidas. As pessoas infectadas elimi-nam nas suas fezes quantidades extremamente altas de bactérias, sendo os porta-dores (individuos que possuem o víbrio no intestino mas que não desenvolvem adoença) muito raros. Há alguns casos raríssimos em que indivíduos contraíram adoença após comerem ostras contaminadas.

Existem vários serovars ou estirpes de vibrião da cólera. O eltor tem umavirulência menor e tem se tornado importante desde o seu surgimento em 1961, naArábia.

A cólera é uma doença causada pelo vibrião colérico (Vibrio cholerae), umabactéria em forma de vírgula ou bastonete que se multiplica rapidamente no intes-tino humano produzindo uma potente toxina que provoca diarréia intensa. Elaafeta apenas os seres humanos e a sua transmissão é diretamente dos dejetos fe-cais de doentes por ingestão oral, principalmente em água contaminada.

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9O vibrião da cólera é Gram-negativo e tem a forma de uma vírgula com

cerca de 1-2 micrómetros. Possui flagelo locomotor terminal. Estes víbrios, tal comotodos os outros, vivem naturalmente nas águas dos oceanos, mas aí o seu númeroé tão pequeno que não causam infecções. O víbrio é ingerido com água suja emultiplica-se localmente no intestino delgado proximal. Causa diarréia aquosa in-tensa devido aos efeitos da sua poderosa enterotoxina. Esta toxina tem duas por-ções A e B (toxina AB). A porção B é especifica para receptores presentes na mem-brana do enterócito, causando a sua endocitose (englobamento e internalizaçãopela célula). O vibrião não é invasivo e permanece no lúmen do intestino durantetoda a progressão da doença.

ConceitoUma doença diarréica aguda que pode determinar a perda de vários litros de

água e sais minerais em poucas horas, trazendo como conseqüência uma grave de-sidratação, podendo levar à morte caso as perdas não sejam prontamente resta-belecidas.

O fator que transforma uma estirpe de vibrião não virulenta numa altamenteperigosa parece ser a infecção da bactéria por um fago (espécie de vírus que infectabactérias). Esse fago, o CTX-fí, contém os genes da toxina (ctxA e ctxB) que os inje-ta quando da sua infecção à bactéria.

O cólera é uma infecção intestinal aguda causada pelo Vibrio cholerae, que éuma bactéria capaz de produzir uma enterotoxina que causa diarréia. Apenas doissorogrupos (existem cerca de 190) dessa bactéria são produtores da enterotoxina, oV. cholerae O1 (biotipos "clássico" e "El Tor") e o V. cholerae O139.

O Vibrio cholerae é transmitido principalmente através da ingestão de águaou de alimentos contaminados. Na maioria das vezes, a infecção é assintomática(mais de 90% das pessoas) ou produz diarréia de pequena intensidade. Em algu-mas pessoas (menos de 10% dos infectados) pode ocorrer diarréia aquosa profusade instalação súbita, potencialmente fatal, com evolução rápida (horas) para desi-dratação grave e diminuição acentuada da pressão sangüínea

Agente causadorUma bactéria denominada Vibrio cholerae que sobrevive bem no ambiente

marinho com temperaturas entre 10º e 32º C, em áreas costeiras. Tende a con-taminar ostras e mexilhões e é de difícil sobrevivência em alto mar. Seu tempo desobrevivência é de 10 a 13 dias em temperatura ambiente e de 60 dias em água domar. Na água doce permanece 19 dias e em forma de gelo de quatro a cinco se-manas.

Modo de transmissãoA transmissão se dá pela ingestão de água ou gelo contaminados com fezes

ou vômitos de doentes, assim como pelas fezes das pessoas portadoras do vibrião,mas que não apresentam sintomas (assintomáticos). Dá-se também pela ingestãode alimentos que entrem em contato com água contaminada, por mãos conta-minadas de doentes ou portadores e de quem manipula os produtos alimentares.As moscas podem ser vetores importantes da doença. Os peixes, frutos do mar eanimais de água doce, crus ou mal cozidos são responsáveis por surtos isolados emvários países. A transmissão pessoa a pessoa também é importante, em especialnas áreas onde há escassez de água.

A cólera é transmitida através da ingestão de água ou alimentos contami-nados com fezes humanas. São necessários em média 100 milhões de víbrios (e nomínimo um milhão) ingeridos para se estabelecer a infecção, uma vez que não são

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10resistentes à acidez gástrica e morrem em grandes números na passagem peloestômago.

Progressão e sintomasA incubação é de cerca de cinco dias. Após esse período começa abrupta-

mente a diarréia aquosa e serosa, como água de arroz.As perdas de água podem atingir os 20 litros por dia, com desidratação

intensa e risco de morte, particularmente em crianças. Como são perdidos nadiarréia sais assim como água, beber água doce ajuda mas não é tão eficaz comobeber água com um pouco de sal. Todos os sintomas resultam da perda de água eeletrólitos:

� Diarréia volumosa e aquosa,tipo água de arroz, sempre sem sangue ou muco(se contiver estes elementos trata-se de disenteria).

� Dores abdominais tipo cólica.� Náuseas e vômitos.� Hipotensão com risco de choque hipovolémico (perda de volume sanguineo)

fatal, é a principal causa de morte na cólera.� Taquicardia: aceleração do coração para responder às necessidades dos

tecidos, com menos volume sangüíneo.� Anúria: diminuição da micção, devido à perda de liquido.� Hipotermia: a água é um bom isolante térmico e a sua perda leva a maiores

flutuações perigosas da temperatura corporal.O risco de morte é de 50% se não tratada, sendo muito mais alto em crian-

ças pequenas. A morte é particularmente impressionante: o doente fica por vezescompletamente mirrado pela desidratação, enquanto a pele fica cheia de coágulosverde-azulados devido à ruptura dos capilares cutâneos.

Período de incubaçãoÉ o tempo transcorrido entre a contaminação e o aparecimento dos sinto-

mas, que varia de algumas horas a cinco dias. Enquanto houver eliminação dovibrião nas fezes pode haver transmissão da doença e este período é, normalmente,de 20 dias. Lembramos que os indivíduos assintomáticos também liberam vibriãonas suas fezes sendo potencialmente transmissores da Cólera.

Aspectos clínicosA diarréia e vômitos são as manifestações mais freqüentes. Nos casos graves,

o início é súbito com diarréia aquosa, com inúmeras evacuações diárias. As fezestêm aparência amarelo-esverdeada, sem pus, muco ou sangue. Às vezes pode terodor de peixe e aspecto típico de água de arroz. Nos casos graves a diarréia e osvômitos acarretam uma rápida desidratação, com manifestações de sede, perda depeso intensa, prostração, olhos fundos com olhar parado e vago, voz sumidiça ecãibras.

Diagnóstico da doençaO diagnóstico laboratorial da cólera consiste no isolamento e na identificação

da bactéria (vibrião) em amostras de fezes coletadas de doentes ou portadores as-sintomáticos. O êxito no isolamento depende de uma coleta adequada, antes daadministração de antibióticos ao paciente.

TratamentoAs formas leves e moderadas da doença devem ser tratadas com terapia de

reidratação oral e a abordagem segue igual a das diarréias agudas em geral. Nasformas graves deve ser instituída a hidratação venosa e a antibioticoterapia.

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O tratamento imediato é o soro fisiológico ou soro caseiro para repor a águae os sais minerais: uma pitada de sal, meia xícara de açúcar e meio litro de águatratada. No hospital, é administrado de emergência por via intravenosa solução sa-lina. A causa é adicionalmente eliminada com doses de antibiótico.

Medidas de prevençãoa) Coletivas: - Garantir boa qualidade de água para consumo humano.

- Oferecer um sistema de esgoto sanitário adequado.- Onde não existir esgotamento sanitário, enterrar as fezes longe das fontes

de água, poços e mananciais.- Manter rigorosa coleta de lixo.- Manter recipientes tampados e afastados dos locais de abastecimento de

água- Evitar o acúmulo de lixo, pois isso facilita a presença e proliferação de ve-

tores (moscas, ratos, baratas etc.).b) Individuais: - Incentivo ao aleitamento materno.

- Manter higiene pessoal e lavar as mãos constantemente.- Cozinhar bem os alimentos e consumi-los imediatamente.- Armazenar cuidadosamente os alimentos cozidos.- Evitar o contato entre alimentos crus e cozidos.- Manter limpas todas as superfícies da cozinha.- Manter os alimentos fora do alcance de insetos, roedores e outros animais.

Notas e Fontes bibliográficas

1 LOPES, Raimundo ago.-set. 1933 'Antropogeografia'. Revista Nacional de Educação, 2(11/12), pp. 17-23.2 Trabalhos da escola de Clementino Fraga; investigação de Sálvio Mendonça e Arlindo de Assis (teses inaugu-rais) e Miguel Couto In Lições de clínica médica.3 BELTRÃO, Jane Felipe. Memórias da cólera no Pará (1855 e 1991): tragédias se repetem? História, Ciên-

cias, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, suplemento, p.145-167, dez. 2007.4 Denomina-se epidemia toda elevação acentuada do número de casos de qualquer agravo à saúde, além doesperado dentro dos níveis endêmicos, circunscrito a um determinado local. Quando muitos episódios epidê-micos ocorrem simultaneamente em diversos países de vários continentes, costuma-se falar em pandemia.5 As cidades do século XIX pareciam cidadelas fortificadas pelo fato de aplicarem regulamentos sanitáriosvigorosos, que obrigavam os navios suspeitos de estarem contaminados com invisíveis miasmas e/ou tendo abordo portadores de ‘peste’ (designação genérica dada a diversas epidemias) a permanecer em quarentena, longedos portos, gerando ‘cordões de isolamento’ supostamente.6 MCGREW, Roderick E. Russia and the cholera 1823-1832. Madison and Milwaukee: The University ofWisconsin Press. 1965. Apud BELTRÃO, Jane Felipe. Memórias da cólera no Pará (1855 e 1991) ob. cit.7 DELAPORTE, Francois. Disease and Civilization: The Cholera in Paris, 1832. Cambridge: M.I.T. Press,1986. Apud BELTRÃO, Jane Felipe. Memórias da cólera no Pará (1855 e 1991). Idem, idem.8 EVANS, Richard J. Death in Hamburg: society and politics in cholera years 1830-1910. London: PenguinBooks. 1987. Idem, idem.9 DUREY, Michael The return of the plague: British society and the cholera 1831-2. Dublin: Gill andMacmillan. 1979 Idem, idem.10 ROSENBERG, Charles E. The cholera years: the United States in 1832, 1849, and 1866. Chicago: TheUniversity of Chicago Press. 1962. Idem, idem.11 COOPER, Donald B. The new ‘black death’: cholera in Brazil, 1855-1856. Social Science History, v.10, n.4,1986, p. 467-488. Idem, idem.12 SNOW, John. Sobre a maneira de transmissão do cólera. Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco. 1. ed., 1854. SãoPaulo, 1990. Idem, idem.13 TAUNAY, Alfredo D'Escragnolle Taunay, Visconde de. A retirada da Laguna - episódio da Guerra doParaguai. 10ª. Ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos de S. Paulo, [1935?].14 http://www.cives.ufrj.br/informacao/colera/coliv.html.


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