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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade eda Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano – Versão Preliminar

Coordenação: Rogenir Almeida Costa

Elaboração dos Textos: Ana Carolina Itacarambi, Ari Antonio Reis, Eurides Oliveira,

Francisco Alan Santos Lima, Iolanda Machado Leão, Rosita Milesi, Ricardo Rezende,

Rosely Candido, Rogenir Almeida, Xavier Plassat

Revisão:

Arte gráfi ca e diagramação: Raul Benevides dos Santos Silva

Outubro de 2013

Nota: após o Seminário esse documento passará por nova revisão para publicação posterior.

Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Apoio:

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Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 5

1 VISÃO GERAL SOBRE TRÁFICO DE PESSOAS .......................................... 8

1.1 O Tráfi co Humano na contemporaneidade ................................................ 8

1.2 A vulnerabilidade social e o tráfi co humano .............................................. 9

1.3 Da anƟ ga à nova escravidão .................................................................... 11

1.4 Defi nição e caracterísƟ cas do

Tráfi co de Pessoas no Protocolo de Palermo ........................................... 12

1.4.1 CaracterísƟ cas do tráfi co humano ........................................................... 13

1.5 A PolíƟ ca Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co Humano ...................... 15

1.6 NormaƟ vas nacionais e internacionais .................................................... 16

1.6.1 Sob a óƟ ca do Protocolo de Palermo: ...................................................... 16

1.6.2 Sob a óƟ ca do Código Penal Brasileiro - CPB ........................................... 16

2 AS MODALIDADES DO TRÁFICO HUMANO NO BRASIL ................... 21

2.1 O Tráfi co humano para fi ns da exploração sexual ................................... 21

2.1.1 A realidade da exploração sexual no Brasil .............................................. 21

2.1.2 O Contexto sociocultural e a vulnerabilidade

das víƟ mas da exploração sexual. ........................................................... 23

2.1.3 Dinâmicas e estratégias do tráfi co humano

para fi ns da exploração sexual no Brasil. ................................................. 25

2.1.4 As redes de serviços públicos e o enfrentamento

ao tráfi co humano para fi ns de exploração sexual .................................. 28

2.2 O tráfi co humano para fi ns de exploração laboral .................................. 30

2.2.1 A defi nição do trabalho escravo contemporâneo no Brasil ..................... 30

2.2.2 A realidade do Trabalho escravo contemporâneo no Brasil .................... 35

2.2.3 O tráfi co interno para exploração laboral:

cadeias produƟ vas e comércio internacional .......................................... 37

2.2.4 Questão agrária x trabalho escravo contemporâneo no Brasil ................ 38

2.2.5 Marcos do enfrentamento ao trabalho

escravo contemporâneo no Brasil: ......................................................... 39

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2.2.6 Ações desenvolvidas para erradicar o trabalho escravo no Brasil ........... 40

2.3 Outras modalidades de tráfi co humano ................................................. 42

2.3.1 O tráfi co humano para fi ns da remoção de órgãos .................................. 42

2.3.2 O tráfi co humano para fi ns de adoção ilegal ........................................... 45

3 ELEMENTOS PARA AS AÇÕES DE PREVENÇÃO, APOIO ÀSVÍTIMAS E MOBILIZAÇÃO CONTRA O TRÁFICO HUMANO. .................... 45

3.1 O papel da Igreja e a atuação de suas lideranças no enfrentamento ao

tráfi co humano ........................................................................................ 46

3.2 Boas PráƟ cas atuais de enfrentamento ao tráfi co humano no Brasil ...... 51

3.3 A parƟ cipação na Campanha da Fraternidade 2014 ................................ 63

3.4 Fontes de Informação .............................................................................. 65

3.5 Sugestões de aƟ vidades ........................................................................... 66

3.6 Materiais de apoio .................................................................................. 89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 95

ANEXOS

Anexo I ............................................................................................................... 98

Anexo II ............................................................................................................ 102

Anexo III ........................................................................................................... 106

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Introdução“a escravidão, a prostituição, o mercado de mulheres e de jovens e as ignominiosas condições de trabalho em que os trabalhadores são tratados como simples instru-mentos e não como pessoas livres e responsáveis” são situações “vergonhosas”, que arruínam a civilização humana, desonram quem se comporta deste modo e “ofen-dem profundamente a honra do Criador.” (Concílio Vaticano II, citado pelo Chan-celer Marcelo Sánchez Sorondo, em entrevista à Rádio Vaticano em 26/08/2013).

Até poucos anos atrás a palavra usada para designar o tráfico humano era “es-cravidão”. Afinal, o que se trata? Senão de gente usada como se fosse mercadoria e aviltada, como se fosse coisa? Tratar alguém como se fosse coisa é o sentido profun-do de “escravizar”. Tráfico humano ou escravidão. Esses termos acabaram ganhando força, embora se refiram a realidades antigas e recorrentes em nossa história. E temos motivo para isso: o número de pessoas traficadas ou escravizadas no mundo de hoje ultrapassa o de qualquer outro momento da história da humanidade.

Não é mera coincidência. Este século é o do capitalismo triunfante - que de tudo é capaz de fazer mercadoria - e da globalização, que fez do mundo um único supermercado.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o tráfico humano envolve no mundo de hoje cerca de 21 milhões de vítimas, seja no trabalho forçado seja na exploração sexual, afetando tanto homens quanto mulheres. Uma em cada quatro vítimas tem menos de 18 anos. Número recente produzido pela ONG Walk Free (2013) aumenta essa estimativa para perto de 30 milhões, sendo 200 a 220 mil só no Brasil.

No Brasil, para onde historicamente foram traficados milhões de escravos afri-canos, a forma mais visível do tráfico humano contemporâneo é o trabalho escravo, presente hoje sob as modalidades do trabalho forçado, da servidão por dívida, da jornada exaustiva e do trabalho em condições degradantes. Em sua maioria, as víti-mas são aliciadas em bolsões de pobreza no Norte e Nordeste do país de onde saem em busca de “melhoras” para áreas de expansão agrícola ou para regiões aquecidas pela construção de grandes obras. De 1995 para cá, já foram libertados mais de 45 mil pessoas, em sua grande maioria homens, em mais de dois mil estabelecimentos de todo o país, principalmente no campo do agronegócio, em canteiros de obras e, na cidade, na construção civil ou em oficinas de confecção, envolvendo inclusive imi-grantes latino-americanos.

Para a exploração sexual, as informações quantitativas são mais precárias. Há indicativos de que o Brasil seja um grande exportador de pessoas, principalmente mu-lheres, exploradas na prostituição nos países de destino, particularmente da Europa. Do Brasil sairiam 15% das mulheres traficadas para a Europa. Internamente os núme-ros da exploração de crianças e adolescentes estão na casa dos 250 mil.

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É direito de toda pessoa a decisão de mudar de seu estado ou de seu país para outro, na busca de novos horizontes ou do elementar sustento. O que não pode é essa migração virar sinônimo de armadilha, tráfico, exploração, escravidão. Muitas vezes isso ocorre por meio de intermediários (gatos ou coiotes), às vezes articulados em redes criminosas, usando formas sofisticadas, porém enganosas, de recrutamen-to. Sua finalidade é de explorar a pessoa lá na ponta, podendo culminar na sua es-cravização, seja no trabalho (“análogo a de escravo), seja na exploração sexual, na remoção de órgãos ou na adoção ilegal.

A falta de oportunidade de emprego e de renda digna, de terra para plantar, de água para a lavoura, de incentivos para a produção, e o ostracismo a que foram condenados pelo Poder Público – omisso na garantia dos direitos mais fundamentais, como a educação e a saúde – levam homens e mulheres a deixar casa e família para ir atrás do sonho de viver bem.

A miséria extrema gera um contingente de reserva de mão de obra que torna essas pessoas “descartáveis”, fazendo-as escravas “da precisão”. A decisão de migrar ou de emigrar pode ter suas legítimas motivações, a começar pela opção da pessoa de buscar outros horizontes ou de fugir de situações de exclusão, marginalização, estig-ma social. Longe da comunidade de origem o migrante incorrerá no risco de perder qualquer referência e auxílio em caso de aperto, expondo-se mais ainda às armadilhas de redes criminosas.

Escravo é aquela pessoa tratada como coisa e, às vezes, pior que animal.

O aliciamento ocorre geralmente por meio de promessas enganosas, acom-panhadas ou não, por adiantamento de dinheiro. São propostos serviços braçais ou trabalhos domésticos, ou ainda na área do entretenimento (dançarina) ou da moda (modelo) ou do trabalho doméstico. O eventual consentimento dado ao aliciador pela vítima, muitas vezes, mediante fraude ou coação, não altera a realidade: trata-se de crime. O tráfico humano é um universo clandestino que envolve um conjunto de situações. Nele a liberdade e a dignidade das pessoas, submetidas a condições de-gradantes ou a trabalhos forçados, e até mesmo cárcere privado, são negadas, em benefício do lucro de traficantes: os exploradores e seus intermediários.

A mobilização contra a escravidão contemporânea no Brasil iniciou nos anos 1970, com a atuação corajosa de setores da Igreja. Destaca-se a atuação profética do bispo Pedro Casaldáliga. Ele acolheu e, pela primeira vez, divulgou denúncias de trabalhadores escravizados em plena Floresta Amazônica, na região da Prelazia de São Félix do Araguaia. Posteriormente, a Comissão Pastoral da Terra fez várias denúncias de trabalhadores fugindo da escravidão em grandes fazendas. Suas intervenções em fóruns nacionais e internacionais pressionaram o Estado brasileiro, a partir de 1995, a mudar de atitude. Várias pastorais atuam hoje en-frentando este mundo da exploração invisível e criminosa, a exemplo da Pastoral da Mulher Marginalizada, da Rede Um Grito pela Vida da Vida ou da Pastoral do Migrante.

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Depois de ratificar o Protocolo de Palermo, o Brasil inseriu-se na luta global contra o tráfico de pessoas, um conceito que engloba as várias modalidades de explo-ração - trabalho escravo, exploração sexual, remoção de órgãos, adoção ilegal - a que são submetidas suas vítimas e explicita os atos e os meios utilizados para subjugar pessoas nesta moderna escravidão.

A invisibilidade das práticas do tráfico e a cegueira de muita gente são algu-mas das grandes dificuldades para o combate eficaz a este crime de lesa-humanidade. Existe em nosso meio quem teima em negar essa realidade, a exemplo da luta cons-tante dos ruralistas e da CNA contra a política de combate ao trabalho escravo. Outro empecilho é a abordagem parcial ou fragmentada desta realidade, que inviabiliza ações em rede, cooperações interinstitucionais, e adoção de metodologias de enfren-tamento que levem em consideração a complexidade dos fatores envolvidos e seus caráteres estruturais. Não basta o indispensável apoio emergencial às vítimas, na linha do samaritano do Evangelho: o combate à escravidão moderna exige mudanças radicais em nível pessoal e coletivo, político, econômico e cultural.

Abrir o olho para toda e qualquer situação de escravidão contemporânea; denunciar sua prática; e/ou libertar suas vítimas são imperativos para qualquer pessoa dotada de mínimo senso de humanidade. Não se trata somente de quebrar as algemas e grilhões visíveis que prendem a pessoa no trabalho escravo ou na exploração sexual. É preciso arrancar as raízes que sustentam essas correntes.

Toda vez que a idolatria do lucro, do capital e da propriedade impõe seus in-teresses sobre a dignidade e a liberdade da pessoa algo diabólico está acontecendo. “Cadê teu irmão?”, pergunta Javé a Caim. José, primeira figura bíblica do tráfico huma-no, pode ser encontrado em cada esquina do mundo global. É missão propriamente evangélica revelar ao mundo que José realmente existe e criar condições para que ele se levante e conquiste seu direito à vida plena, ao bem viver. E isso depende também de nós.

A CNBB escolheu o enfrentamento ao Tráfico Humano como tema da Campa-nha da Fraternidade de 2014. No irmão traficado, na irmã escravizada, é nossa própria filiação divina que vem sendo negada. É a fraternidade que é abolida. Pois “é para a liberdade que Cristo nos libertou!”.

Entendendo a importância da Campanha da Fraternidade 2014 – Fraternidade e Tráfico Humano o Grupo de Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB decidiu promover o seminário O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfico Humano com os seguintes objetivos: contribuir para uma compreensão integral do tráfico humano (raízes e causas); subsidiar as ações dos agentes multiplicadores, com informações e ferramentas; e apoiar a mobilização das comunidades para a vigilância e o enfrentamento.

Buscamos incluir nesse caderno de capacitação informações e conhecimentos chaves sobre essa problemática. Esperamos que elas possam ser úteis ao trabalho de cada um/uma que se soma a essa corrente pelo fim da escravidão humana.

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1 VISÃO GERAL SOBRE TRÁFICO DE PESSOAS

1.1 O Tráfi co Humano na contemporaneidade

O tráfico de pessoas é uma prática antiga. Ocorre no Brasil desde a coloniza-ção. Primeiro os indígenas foram aliciados, sequestrados e submetidos ao trabalho escravo. Depois os negros e as negras africanas. Estes eram arrancados de suas terras, transportados em condições desumanas, comercializados em mercados brasileiros como objetos e obrigados a trabalhar em regime de escravidão, nas fazendas colo-niais.

Esse fenômeno sofreu modificações e atualmente abrange uma complexidade ímpar. Articulado, entre outros fatores a: questões de gênero, exploração sexual, cri-me organizado, violação dos direitos humanos, violência domestica, fragilização dos vínculos familiares e comunitários e/ou a precarização das relações de trabalho.

A realidade do tráfico de pessoas origina-se de uma multiplicidade de fatores sociais e culturais: as desigualdades sociais, a primazia do lucro, os paradigmas etno-cêntricos e patriarcais da cultura e da moral.

Esse crime configura, em nossos dias, uma grande chaga social que desuma-niza e crucifica milhões de pessoas em todo o planeta. Constitui uma das formas mais explícitas da escravidão do século XXI, sendo uma das piores afrontas à dignidade hu-mana e uma gravíssima violação dos direitos humanos: um crime de lesa-humanidade. Revela profundas contradições históricas nas relações humanas e sociais. Vulnera e ceifa a vida e a liberdade de milhões de pessoas em todo o planeta.

Embora os dados disponíveis sejam um tanto imprecisos, os números divul-gados são alarmantes. Colocam o trafico de pessoas entre as três fontes ilícitas mais rentáveis da economia mundial: gente, drogas e armas, movimentando exorbitantes quantias de dinheiro e utilizando-se de formas sofisticadas de exploração e violência.

Segundo a Organização das Nações Unidas – ONU, o número de pessoas tra-ficadas no planeta atinge a casa dos quatro milhões anuais. Estima-se que 700 mil mulheres e crianças passam todos os anos pelas fronteiras internacionais do tráfico humano. O Brasil é um dos países campeões no mundo em relação ao fornecimento de pessoas, particularmente mulheres para o tráfico internacional. O país é responsá-vel por 15% das pessoas exportadas da América Latina para a Europa.

Estimativa da Organização Internacional do Trabalho – OIT, publicada em 2012, indica a existência de aproximadamente 20,9 milhões de pessoas vítimas de trá-fico de pessoas, seja no trabalho forçado (14,2 milhões) ou na exploração sexual (4,5 milhões). Nesse total, mulheres e meninas representam 11,4 milhões (55%), enquanto homens e meninos representam 9,5 milhões (45%). Na América Latina há cerca de 1,8 milhão de vítimas, 9% do total mundial.

O tráfico humano não é uma questão que se esgota em si mesma. Não é um problema isolado ou apenas de índole moral. Está estreitamente conectado com os

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mecanismos globais derivados de uma estrutura política e econômica alicerçada na in-justiça, na violência e na exacerbada sede de lucro por setores das elites dominantes. É resultado de um sistema estruturado e sustentado pela lógica do mercado, cujo fim é o acúmulo da riqueza nas mãos de uns poucos, via mercantilização de tudo, inclusi-ve das pessoas. É o espelho da irracionalidade global que, para manter sua soberania utiliza-se desses meios espúrios: tráfico de drogas, de pessoas e de armas como canais de enriquecimento e poder.

Nas últimas décadas, ocorreram profundas mudanças na economia e na geo-política mundial, configurando o cenário de um mundo globalizado, portador de inú-meras possibilidades. Capitais e informações se locomovem com facilidade, rapidez e agilidade. Assiste-se a um grande avanço no campo das redes de comunicação e uma ampliação, sem precedentes, da mobilidade humana, com crescentes fluxos migrató-rios, dentro dos quais o tráfico de pessoas surge como problema de vastas dimensões, a ponto de ser denominado como “a escravidão contemporânea” e uma das faces mais obscuras da globalização capitalista.

Inserido na complexa estrutura do modelo de desenvolvimento capitalista, o tráfico de pessoas tem na globalização excludente a causa e o cenário para o seu surgimento, crescimento e sustentação. É um fenômeno plural e complexo. As aborda-gens e compreensões já construídas demonstram que o tráfico humano não tem causa única, mas resulta de uma série de fatores relacionados às oportunidades de trabalho, aos fluxos migratórios, à busca por melhores condições de vida, às desigualdades so-ciais e as discriminações de classe, gênero e etnia.

O tráfico humano é uma transação comercial que segue a lógica de mercado, podendo ser configurado como um triângulo composto pela oferta, pela demanda e pela impunidade.

1.2 A vulnerabilidade social e o tráfi co humano

O tráfico de pessoas seja para fins de exploração sexual, de exploração la-boral, para o comércio de órgãos ou para adoção ilegal, é fruto de um processo his-tórico de desigualdades e injustiças. Impulsionado pela globalização capitalista que concentra a riqueza nas mãos de uns poucos, deixando na miséria a grande maioria da humanidade.

O drama da pobreza e da exclusão social são fatores decisivos para a vul-nerabilidade das pessoas a qualquer tipo de exploração, construindo uma corrente sucessiva de violação dos d Em geral, as vítimas do trafico de pessoas encontram-se fragilizadas pela situação de pobreza. Sendo alvos fáceis para traficantes, que apro-veitam de suas necessidades e sonhos, através de promessas de uma vida melhor para elas e/ou suas famílias.

As condições e fatores como a pobreza, a busca por melhores oportunidades de trabalho, a necessidade de sustentar a família, motivos ambientais (secas ou

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inundações) estão entre as motivações que levam pessoas a caírem nas armadilhas das redes da escravidão moderna.

Outros fatores ou motivações de ordem subjetiva, cultural e simbólica, tam-bém se somam aos contextos de vulnerabilidade das pessoas traficadas. Por exemplo, o desejo de sair, conhecer outros lugares ou culturas, o sonho de juntar um bom dinheiro, de transformar-se em alguém importante, ser modelo, dançarina, casar-se com um estrangeiro ou ainda a necessidade de sair de uma condição de violação de direitos, violência, abuso sexual ou homofobia.

Em meio a estes contextos socioculturais e psicoafetivos, os traficantes e moder-nos escravagistas se apropriam e aproveitam do bem mais precioso do ser humano - a sua capacidade de sonhar, de querer melhorar suas condições de vida, de ir mais longe.

Fatores econômicos, culturais e políticos tais como: demanda por trabalhos a custo zero, demanda por serviços sexuais; desigualdades e iniquidades de gênero, raça e geração, cultura patriarcal e homofóbica; políticas migratórias restritivas; cor-rupção, e ineficiência das políticas públicas, reforçam a ocorrência do trafico humano.

O mapa deste iníquo comércio sempre se apresenta como ciclo vicioso, que se estrutura da seguinte forma:

A falta de oportunidades de emprego digno, o turismo sexual e as políticas migratórias restritivas são alguns dos fatores que facilitam a ação das redes de tráfico que, cada vez mais, apresentam métodos sofisticados de recrutamento, por meio de redes de favorecimento: agências de emprego, modelos e viagens; indústria do turis-mo, redes de entretenimento, internet, redes sociais, etc.

No artigo “O tráfico de seres humanos hoje”, Leonardo Sakamoto chama a atenção para o vínculo existente entre esse fenômeno e o modelo capitalista:

O tráfico de pessoas para exploração econômica e sexual está relacionado ao modelo de desenvolvimento que o mundo adota. Esse modelo é baseado em um entendimento de competitividade que pressiona por uma redução constante nos custos do trabalho. Empregadores “flexibilizam” as leis e relações trabalhistas para lucrar e, ao mesmo tempo, atender aos consumidores, que exigem produtos mais e mais baratos. No passado, os escravos eram capturados por grupos inimi-gos e vendidos como mercadoria. Hoje, a pobreza que torna as populações social-mente vulneráveis, garante oferta de mão-de-obra para o tráfico – ao passo que a demanda por essa força de trabalho sustenta o comércio de pessoas. Esse ciclo atrai intermediários como os “gatos” (contratadores que aliciam pessoas para ser exploradas em fazendas e carvoarias); os “coyotes” (especializados em transpor-tar pessoas pela fronteira entre o México e os Estados Unidos) e outros “animais”, que lucram sobre os que buscam uma vida mais digna (Sakamoto:2008).

Flávia Antunes também faz essa associação alertando para o seguinte:

Hoje, o tráfico de pessoas através da escravatura é considerado como um fluxo econômico e migratório constitutivo da modernidade; as evidências do fenômeno mostram que a abolição da escravatura nos diversos países não logrou acabar com a questão do tráfico de pessoas e nem destruiu o

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lugar que ocupa nas rotas econômicas e migratórias da modernidade. (An-tunes: XXXX).

Neste contexto de vulnerabilidades acumuladas, o enfrentamento ao tráfico hu-mano, transcende o ato de libertar ou socorrer as vítimas. Impõe a necessidade de um processo articulado de formação e mobilização social, capaz de eliminar os mecanismos que o reproduzem: as desigualdades sociais e de gênero, a perversa e escandalosa con-centração da riqueza nas mãos de poucos, a ganância e a impunidade, em última instân-cia as estruturas de exclusão e de morte que sustentam o mercado capitalista.

O empenho em construir uma sociedade sem tráfico de pessoas requer capa-cidade permanente de intervenção em todos os níveis e dimensões. Através de ações locais de sensibilização e informação, lutas por políticas públicas que garantam os direitos fundamentais das vítimas, e pelo efetivo cumprimento (e as devidas adequa-ções) da legislação e mecanismos de proteção e controle dos Estados-nação.

1.3 Da antiga à nova escravidão

Para a compreensão desse fenômeno na atualidade faz-se importante aden-trarmos no passado para conhecermos suas raízes econômicas, sociais, históricas e culturais e vermos como o modelo econômico vigente se beneficia dessa prática des-de os tempos coloniais.

O Brasil convive com o tráfico para a escravidão há séculos. Antes do tráfico negreiro a escravidão já estava presente no continente. De fato, o tráfico humano e a escravidão na África e na América não começaram com os Europeus. Já estavam presentes e a sua prática vem dos tempos mais antigos. Considerada legal ou ilegal, a escravidão tornou-se uma prática aceita ou rejeitada pelo grupo social onde se ins-creveu; teve em geral o objetivo de proporcionar lucros materiais, militares e/ou de exploração sexual. Foi, em determinadas circunstâncias, uma manifestação de poder e de prestígio para quem a praticava. E as formas variavam.

A partir do século XV, as navegações e a chegada à América pelos espanhóis, em 1492, abriram o que estudiosos chamaram a Era Moderna. Houve expansão no co-mércio e enriquecimento de setores urbanos do mundo ocidental, enquanto o feuda-lismo entrava em crise. Ganhou força a ideia da liberdade do indivíduo e do comércio, a terra entrou no mercado como qualquer outra mercadoria, a usura, como pecado, deixou de prevalecer na consciência das pessoas.

O chamado Novo Mundo foi visto como área onde se deveriam desenvolver simultaneamente os projetos da dilatação da Fé e do Reino Português. Os valores da Idade Média se mesclavam com os da modernidade. E o segundo projeto se sobrepôs ao primeiro. De Terra de Vera Cruz e Santa Cruz, a terra visitada por Pedro Álvares Cabral terminou sendo conhecida por um de seus produtos de exportação: o pau-brasil e os nascidos na terra, como os exploradores daquela madeira, por isso: brasileiros.

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A escravidão legal e ilegal - Índios de diversas etnias foram submetidos ao trabalho escravo, via aliciamento e sequestro. O período 1540- 1570 teria sido o apogeu da escravização da gente nativa, em engenhos de Pernambuco e da Bahia, apesar da bula Sublimis Deus (1537) ter determinado que os “filhos da terra”, não deviam “ser privados” da liberdade.

O problema não se restringia ao Brasil. Na América Espanhola, no século XVI, Antônio de Montesinos e Bartolomeu de Las Casas, frades dominicanos, levantaram as vozes em defesa das populações indígenas. No Brasil, jesuítas e colonos portugue-ses se enfrentaram em função da questão indígena. A Coroa Portuguesa, pressionada pelos religiosos, determinou em 1570 a proibição da escravização indígena (salvo “guerra justa”, ou seja, se os indígenas se rebelassem contra os colonizadores).

No século seguinte o padre jesuíta Antônio Vieira, como Bartolomeu, atraves-sou o Atlântico e foi à Europa defender os indígenas em nome da Bíblia e da bula do papa Paulo III. Contudo, como o apóstolo Paulo, ambos não questionaram o próprio sistema de escravização. Só em 1757, houve proibição definitiva (Marques de Pombal).

O tráfico negreiro - Neste segundo momento da colonização portuguesa, o africano passou a ser alvo da escravização. Navios, conhecidos como tumbei-ros, traficaram da África ao Brasil entre 1550 e 1850, em torno de 4.800.000 pessoas. No comércio de pessoas da África, predominaram homens jovens, com capacidade de entrarem no circuito produtivo da colônia; sequestrados ou cap-turados em guerras e vendidos aos tumbeiros que os traziam dali para o Brasil.

Algumas adolescentes vinham entre os homens, não propriamente com o ob-jetivo principal de reproduzirem novos escravos, mas, informam os estudiosos do tema, para o deleite dos senhores. O tráfico, no caso, combinava o objetivo de au-mentar a produção da Colônia a qualquer custo, com a exploração sexual. Houve, através de fugas, reações dos escravos de origem afro e, uma vez fora do poder dos senhores escravocratas, alguns se organizaram em territórios, os quilombos.

Surgiram reações ao tráfico e à escravidão em várias partes do mundo. Alguns consideravam a escravidão uma modalidade deficiente de trabalho: o trabalho livre era mais eficiente. A emergência da sociedade industrial, a introdução da máquina a vapor, a produção em série, tudo isso contribuiu para reforçar o movimento abolicionista.

1.4 Defi nição e características doTráfi co de Pessoas no Protocolo de Palermo

Segundo o Protocolo de Palermo, entende-se por tráfico de pessoas:

O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo: à ameaça; ao uso da força ou a outras formas de coação; ao rapto, à fraude, ao engano; ao abuso de autoridade ou da situação de vulnerabilidade da vítima; à entrega, à aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração

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incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos1.

De acordo com essa definição o tráfico de pessoas pode ocorrer no plano interno ou externo, ou seja, existe o tráfico interno e o tráfico internacional. Segun-do o Manual para Promotoras Legais Populares CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOAS, publicado pela OIT, essas situações na realidade brasileira se manifestam das seguintes formas:

No caso do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, ou seja, o tráfico que ocorre do Brasil para o exterior, as mulheres e meninas são as maiores vítimas. Mesmo as pessoas que vão para o exterior saben-do que irão trabalhar no mercado do sexo, ao chegarem a outro país, elas se deparam com situações de trabalho bem diferentes daquelas que foram propostas. Muitas vezes são enganadas e submetidas a condições de perda de liberdade e de exploração que caracterizam trabalho forçado e escravo, e que definem a situação de tráfico de pessoas.

No caso do tráfico interno para fins de exploração sexual, ou seja, o tráfico que ocorre dentro do País, a maioria das vítimas é de crianças e adolescentes cujas famílias estão em situação de pobreza. É importante destacar, ainda, que o trabalho doméstico também é uma atividade na qual são encontradas situações de tráfico de pessoas para fins de trabalho forçado e escravo.

No Brasil, a exploração de crianças e adolescentes no trabalho infantil do-méstico ainda é um problema grave presente em diferentes regiões do País e, muitas vezes, as vítimas são traficadas de uma cidade para outra. Situa-ções também já foram detectadas envolvendo mulheres adultas contratadas como trabalhadoras domésticas em outros países.

Os homens também são vítimas do tráfico de pessoas no Brasil e são explorados em trabalhos realizados em condições de escravidão. Geralmente são homens pobres que, em função da necessidade do sustento da família, acreditam em falsas promessas de emprego em regiões isoladas do País, principalmente na área da Floresta Amazônica. Há casos, ainda, de trabalho forçado e escravo em grandes cidades brasileiras, com a exploração de trabalhadores e trabalhadoras de países como a Bolívia e o Peru. Essas situações têm sido mais encontradas na cidade de São Paulo, geralmente em oficinas de costura. (OIT, 2012)

1.4.1 Características do tráfi co humano

As principais características do tráfico humano são as seguintes:

Organização criminosa – por trás do tráfico humano existe uma estrutura, mais ou menos sofisticada, a serviço dos diversos momentos de perpetração do crime. Há pontos de aliciamento (tais como agências, pensões “peoneiras”),

1 Art. 3º do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Trá! co de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo).

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fornecedores de documentos falsos, serviços de apoio (tais como: jurídico, lavagem de dinheiro, transportadores). Nem sempre pertencem a uma única rede: podem funcionar de maneira autônoma, dificultando sua identificação e seu combate.

Rotas – São inumeráveis as rotas migratórias dos trabalhadores brasileiros que saem “em busca de melhoras” fora de sua região: dos estados do Nor-deste e do Norte rumo às novas fronteiras agrícolas na floresta amazônica ou nos cerrados centrais, ou rumo a centros urbanos do Sul e Sudeste. Para os imigrantes da Bolívia, Peru, Paraguai ou Haiti também existem rotas específi-cas. No tráfico para fins de exploração sexual, as rotas são estrategicamente construídas: saem do interior em direção a grandes centros urbanos ou a re-giões de fronteira nacional ou internacional2, proximidade a rodovias, portos e aeroportos, regulares ou clandestinos. O Escritório das Nações Unidas sobre drogas e crime (UNODC, 2012) para o Brasil e o Cone Sul, identificou, 241 ro-tas de tráfico no Brasil, sendo 110 rotas relacionadas ao tráfico interno e 131, ao tráfico transnacional.

Invisibilidade - A invisibilidade do tráfico humano é uma das características que dificultam o seu enfrentamento. Para esta ocultação concorre o baixo número de denúncia por parte das vítimas: por falta de consciência da ex-ploração a que são submetidas (às vezes tida como “natural” ou “normal”), pela vergonha de ter que expor a humilhação e o sofrimento por que passa-ram, ou pelo temor das violentas represálias que podem atingir a eles ou a seus próprios familiares.

Aliciamento e coação – no universo do tráfico, a forma de recrutamento mais comum é o aliciamento. A pessoa é abordada com uma oferta de trabalho ir-recusável que lhe promete melhorar de vida. Enganada, a vítima é conduzida a um lugar geralmente distante, onde, contra a sua vontade é submetida a prá-ticas degradantes. Pode ser impedida de retornar e, em muitos casos, até de sair do local em que é explorada. As manobras dos aliciadores são camufladas: recruta-se pessoas para atividades das mais diversas: desde o trabalho braçal como cortador de cana, pedreiro, peão, carvoeiro, até serviços de modelos, babás, enfermeiras, garçonetes, dançarinas, ou talentos para o futebol.

Perfil dos aliciadores – são geralmente pessoas que pertencem ao rol de pro-ximidade ou até amizade das vítimas ou de seus familiares. Apresentam alto poder de convencimento. Se apresentam como empreiteiros de serviços na construção, na pecuária ou na agricultura, ou até como proprietários (de casas de shows, bares, agências de encontros, de matrimônios ou modelos). Exis-tem casos em que a própria vítima passa a ser aliciadora entre seus conhe-cidos. As propostas de emprego geram na vítima a expectativa de melhoria

2 Sobre as rotas do trá! co ver também: LAKY, T. Trá! co Internacional de Mulheres: Nova Face de uma Velha Escravidão. Tese de Doutorado - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-em Serviço Social. 2012. pp. 81-84; 104-117.

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da qualidade de sua vida. No caso do trabalho escravo, o lugar do aliciador é ocupado pelo “gato”.

Perfil das vítimas – As vítimas do tráfico humano encontram-se geralmen-te em situação de vulnerabilidade pessoal ou social. Essa vulnerabilidade deve ser compreendida a partir de uma análise profunda da sociedade, especialmente dos mecanismos, que na sociedade capitalista com suas várias crises cíclicas, levam à fragilização das relações, especialmente as relações de trabalho, afetando a todos: homens e mulheres, crianças e adolescentes.

1.5 A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Foi a partir de 1995 que o Brasil passou a adotar medidas que aos poucos vem configurando uma política nacional de combate à escravidão moderna.

A política nacional foi a princípio focada no combate às formas de explo-ração laboral em condições análogas às de escravo, iniciando pela constituição de um grupo especializado de fiscalização móvel e continuando, a partir de 2003, pela adoção do I Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e da constituição de uma instância de monitoramento interinstitucional, com a parti-cipação da sociedade civil: a CONATRAE. Repressão, prevenção e inserção são os componentes principais desta política. Em 2008 foi lançado um II Plano Nacional de Erradicação, incorporando novas medidas na área de repressão econômica e de inserção social.

A partir da ratificação do Protocolo de Palermo (2004), o Brasil passou a cons-truir uma Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Adotada em 2006, essa política procurou adequar a atuação do poder público e da sociedade or-ganizada às exigências atuais do combate ao tráfico de pessoas, tais quais referidas no Protocolo.

O Protocolo propõe combinar a proteção e assistência às vítimas com a pre-venção e com a perseguição e repressão aos criminosos. Ele qualifica as pessoas tra-ficadas como vítimas (e não como delinquentes), afirmando assim, a prevalência dos direitos humanos sobre qualquer outra consideração. A PNETP adota essa mesma lógica e estabelece três níveis de enfrentamento: prevenção; repressão responsabilização dos autores; e atendimento às vítimas.

Sucedendo ao I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2008-2010), o II Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas pretende reduzir as situações de vulnerabilidade ao tráfico, capacitar profissionais, instituições e orga-nizações envolvidas neste enfrentamento; produzir e divulgar informações, a fim de sensibilizar e mobilizar a sociedade na prevenção deste crime.

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1.6 Normativas nacionais e internacionais

1.6.1 Sob a ótica do Protocolo de Palermo:

O Protocolo de Palermo3 é o texto mais usado para caracterizar o tráfico de pessoas. Nele a definição de Tráfico de Pessoas é a combinação de atos, meios e finalidades: “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de ex-ploração”.

O nome completo deste acordo internacional é: “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças”.

Em 2004, o governo brasileiro o ratificou, o que significa que as recomenda-ções do protocolo passaram a valer em nosso país. O Protocolo de Palermo tornou possível a punição das pessoas e organizações que lucram com o tráfico de seres humanos no mundo. E, também, reforçou a proteção às vítimas, pois estabeleceu medidas de apoio que devem ser cumpridas pelos países, como o fornecimento de assistência médica e psicológica e a oportunidade de emprego.

1.6.2 Sob a ótica do Código Penal Brasileiro - CPB

O Código de Direito Penal só conhece a categoria de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Ele determina que o tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual é o ato de:

Art. 231 – Promover ou facilitar a entrada, no território nacional de alguém que nele venha exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1º. Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa tra-ficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2º. A pena é aumentada da metade se: I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discerni-mento para a prática do ato;

3 Palermo é a cidade italiana onde foi assinado, em 2000.

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III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, com-panheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou assumiu obri-gação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

A alteração feita pela Lei nº 12.015 de 2009, entre outras questões, ampliou a proteção ao sujeito passivo, que agora pode ser homem ou mulher, anteriormente era especificamente para mulher. A proteção é à pessoa, independentemente de estar ou não no exercício da prostituição. Mesmo que ela concorde em ir prostituir-se em ou-tro país é fator irrelevante, pois a vítima pode ser levada a erro, com falsas promessas de trabalho e ganho. Além disso, segundo o jurista Rogério Greco4, o bem juridicamente protegido é a moral pública sexual e, num sentido mais amplo, a dignidade sexual.

Conforme se observa da transcrição do tipo penal, este possui conduta alter-nativa, em que “promover”, significa impulsionar, por em execução. Já, “facilitar” está ligado a desembaraçar, simplificar, proporcionar meios para a execução da conduta.

A inclusão do parágrafo 1º no artigo 231 do Código, a partir da Lei 12.015/2009, possibilitou responsabilizar criminalmente também e, com a mesma pena, os agen-ciadores e aliciadores, bem como aqueles que transportam, transferem ou alojam a vítima, conhecendo sua condição de pessoa traficada. Assim, aqueles que atuam como empresários do tráfico de pessoas, cujas vítimas, para eles, não passam de mercadoria utilizada na obtenção de lucro e fomentando seu negócio, serão responsabilizados da mesma forma que aqueles que exploram diretamente as vítimas.

Em relação a crianças e adolescentes vulneráveis, há uma proteção maior, na medida em que há previsão de aumento da pena, conforme explicitado nos incisos I e II, bem como para àqueles que têm de alguma forma, obrigação de proteger a vítima, conforme o inciso III.

Tráfi co interno de pessoas para fi ns de exploração sexual

Segundo o Código Direito Penal o tráfico interno de pessoas para fins de ex-ploração sexual se define por:

Art. 231-A – Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de explo-ração sexual;

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1º. Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, trans-portá-la, transferi-la ou alojá-la.

4 Jurista, professor e Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais.

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§ 2º. A pena é aumentada da metade se:

I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônju-ge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou assumiu obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3º. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

O artigo 231A trata-se especificamente do tráfico interno de pessoas ou trá-fico doméstico, para a prostituição e exploração sexual. Assim, destaca as mesmas condutas do artigo anterior, isto é, promover e facilitar.

Ressalte-se que a tipificação desse delito atinge também a rede do turismo sexual, prática que, infelizmente e apesar da lei, é ainda muito comum na realidade brasileira em relação à “comercialização de pessoas” e exploração da prostituição. Trata-se de uma forma de exploração muito bem articulada e que envolve negócios aparentemente lícitos, por isso muito mais difícil o combate e a repressão. Acerca do tema Eva Faleiros5 explica que:

O principal serviço sexual comercializado no turismo sexual é a prostituição. Inclui-se neste comércio a pornografia (shows eróticos);

[...]

As redes de turismo sexual são as que promovem e ganham com o turismo; agência de viagem, guias turísticos, hotéis, restaurantes, bares, barracas de praia, boates, casas de show, porteiros, garçons, taxistas. O turismo e as redes do turismo sexual incluem-se numa economia globalizada.

Da mesma forma como o tipo penal do artigo 231, o bem juridicamente pro-tegido é a moral pública e a dignidade sexual. Em relação à possibilidade da tentativa existe polêmica entre os doutrinadores, porém Greco entende que, mesmo não ocor-rendo efetivamente o exercício da prostituição, que é a finalidade do aliciamento do sujeito passivo, ainda assim, é possível a responsabilização do agente pelo delito na modalidade tentada.

5 FALEIROS: Eva T. Silveira a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil: re" exões teóricas, relatos de pesqui-sas e intervenções psicossociais, 7. 79

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Redução à condição análoga à de escravo

Art. 149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-a a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degra-dantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída como o empregador ou preposto:6

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:

I – Cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de do-cumentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido :

I – Contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor etnia, religião ou origem.

O tipo penal acima descrito relaciona-se diretamente ao tráfico de pessoas para trabalho escravo, seja qual for a atividade, rural ou urbana, e o sujeito nela envol-vido. O caput descreve a restrição de locomoção em razão de dívida contraída com o preposto ou empregador. Uma situação também frequente entre as vítimas de tráfico para exploração sexual: as pessoas se tornam reféns de seus exploradores em virtude de dívida contraída com estes para a viagem até o local de exploração, dentro ou fora do país, e sua manutenção naquele local.

Na situação descrita no inciso II do § 1º, a vítima é mantida sob vigilância os-tensiva no local onde se encontra e, ainda, lhes são retirados os documentos: carteira de trabalho, passaporte, deixando a pessoa em situação de total vulnerabilidade, sem que possa sair dali livremente. Há neste caso uma grave violação de seus direitos fun-damentais de liberdade e de ir e vir.

A referência explícita à imposição de condições degradantes e de jornada exaustiva aponta claramente para a natureza dos bens tutelados pelo art. 149: além da coação da liberdade do sujeito, esse tipo penal visa coibir a negação da sua dig-nidade.

6 Redação do caput alterada pela Lei 10.803 de 11. 12.2003 que altera o art. 149 do Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipi! cado e indicar as hipóteses em que se con! gura condição análoga à de escravo.

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Sobre esse aspecto do delito, Prado afi rma que:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo importa anulação completa da personalidade. O homem é transformado em coisa (res), submetido ao talante do agente. A nota característica do delito insculpido no artigo 149 do Código penal é a redução da vítima a um estado de submissão física e psíquica. (PRADO: 2011, p. 288)

Outros tipos penais relacionados

Além dos tipos penais diretamente ligados ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ou à utilização de trabalho análogo a de escravo, pode haver a ocorrência concomitante de outros tipos penais tais como os descritos a seguir (CPB):

Ꮿ crimes contra a dignidade sexual, artigos 213 a 218-B, bem como os crimes do Capítulo V, artigos 227 a 230.

Ꮿ o crime do Art. 203: obrigar alguém a usar mercadorias de determinado es-tabelecimento para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude da dívida contraída; impedir alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza median-te coação ou por meio de retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

Ꮿ o crime do Art. 207: aliciar trabalhadores com o fim de leva-los de uma para outra localidade do território nacional.

Ꮿ crimes tipificados pelo artigo 29, do concurso de pessoas (quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas mesmas penas cominadas);

Ꮿ crime de ameaça, artigo 147, que se concretiza por coação ou coerção da vítima, utilizando-se de regras morais, ou ameaçando membros de sua família para mantê-la sob domínio, e para que não denuncie o crime sofrido.

Ꮿ crime de cárcere privado, artigo 148 que pode ocorrer, sobretudo em re-lação ao mercado sexual, que comumente está relacionado com o narcotráfi-co. Além do cativeiro por dívida e outras formas de coação que são utilizados para submeter a vítima sob o domínio do explorador.

Ꮿ crime de falsificação de documento público, artigo 297: para poder con-duzir a vítima ao exterior com mais rapidez e sem despertar suspeitas, ou para maquiar ou deixar de inserir as devidas anotações na sua carteira de trabalho.

Ꮿ crime de formação de quadrilha, artigo 288. Os traficantes agem em gru-po e de forma organizada, desde o aliciamento das vítimas até a consumação do ato no exterior, ou dentro do território nacional.

Exploração sexual de menores

Quando as vítimas são crianças e adolescentes tais delitos são abrangidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA:

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Art. 244 - A submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º. Desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:

Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º. Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.

2º. Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de lo-calização e funcionamento do estabelecimento.

A exploração sexual caracteriza-se pela violência cometida contra crianças e adolescentes, mediante remuneração financeira ou em espécie, bem como a obtenção de lucros ou vantagens por aliciadores, donos de locais de exploração, agenciadores, transportadores, etc.7

Questão para refl exão:

Após tomar conhecimento da gravidade da problemática, descrita na parte 01, como você analisa essa realidade na sua região?

2 AS MODALIDADES DO TRÁFICO HUMANO NO BRASIL“...o tráfico de pessoas tem sido chamado de “escravidão dos tempos mo-dernos”, apesar das distinções entres os dois conceitos. Vale lembrar que, no atual território brasileiro, todos esses fenômenos ocorrem há, pelo me-nos, 500 anos.” Pesquisa ENAFRON UNODC/MJ 2013

No Brasil atualmente são conhecidas, pelo menos, quatro modalidades de trá-fico de pessoas: o tráfico para fins de exploração sexual; o tráfico para fins de explora-ção laboral; o tráfico para fins de transplante de órgãos e o tráfico para fins de adoção ilegal. As duas primeiras modalidades são as mais visíveis e com políticas de enfrenta-mento mais estruturadas. A seguir abordaremos sobre cada uma dessas modalidades.

2.1 O Tráfi co humano para fi ns da exploração sexual

2.1.1 A realidade da exploração sexual no Brasil

De acordo com o Relatório sobre tráfico de pessoas 2013, do Departamento de Estado dos EUA, o Brasil é um grande país de origem, destino e trânsito para homens,

7 De! nição dada pela Cartilha Trá! co de Seres Humanos; responsabilizar é possível. p. 35

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mulheres e crianças submetidos ao tráfico sexual e ao trabalho forçado. Aponta ainda que um número significativo de mulheres e crianças brasileiras é explorado no tráfico sexual no país, e as taxas mais altas, de acordo com dados da Polícia Federal, são de prostituição infantil no nordeste.

Segundo esse mesmo relatório foi registrado ainda que em menor escala, a presença de algumas mulheres dos países vizinhos, incluindo o Paraguai, exploradas sexualmente no Brasil. O turismo sexual infantil continua a ser um problema, espe-cialmente nas regiões turísticas e litorâneas do Nordeste brasileiro. Os turistas que praticam esse tipo de crime são originários normalmente da Europa e, em menor escala, dos Estados Unidos.

O turismo sexual de crianças no Brasil é alimentado por turistas de vários países, sobretudo norte-americanos e europeus que, conforme o “documentário Our World: Brazil’s Child Prostitutes produzido pela BBC, desembarcam em busca de sexo barato em um cenário marcado pelo sexo forçado de aproxidamente 250 mil crianças. O problema é mais perceptível em capitais nordestinas, como Recife”.8

A prostituição e a exploração e abuso sexual são fenômenos sociais e mundiais que crescem com base na demanda assustadora, pois cada vez mais as vítimas iniciam na atividade de prostituição mais cedo, ou seja, com idade inferior aos 13 anos. Por outro lado, o envelhecimento na prostituição leva milhares de mulheres a viveram na marginalização da extrema pobreza, do preconceito e de várias violações dos direitos.

Confere-se que no Brasil a pobreza tem sexo e cor, é feminina e negra. Segundo dados do IBGE de 2012, na ultima década (2002 a 2012) “houve um aumento significativo de famílias tendo a mulher como responsável (de 22,2% para 37,3%), inclusive em presença de cônjuge (de 19,5% para 46,4%)”. Este aumento de responsabilização da mulher, muitas vezes a leva para a prostituição, como a única saída para manter os filhos, quase sempre abandonados pelos pais. Em pesquisa realizada pela PMM para o Ministério da Saúde /UNESCO, 64,1% das mulheres em situação de prostituição eram afro-descendente.

No Brasil, a partir de 2002, a categoria de profissional do sexo passou a ser incluída na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) do Ministério do Trabalho e Em-prego. Isso nada mudou na condição de vida das mulheres que vivem na prostituição, muito menos houve diminuição da exploração sexual de crianças e adolescentes, que vêm aumentando gradativamente, no território. Os direitos das mulheres e das crianças e adolescentes são violados constantemente, o que desafia diariamente a ação da Pastoral da Mulher Marginalizada e de outras entidades que trabalham com esta população.

A estimativa da fundação francesa Scelles, que luta contra a exploração sexual é que “quarenta milhões de pessoas se prostituem no mundo. Dentre essas 75% são mulheres com idade entre 13 e 20 anos, sendo que 90% das 40 milhões são ligadas a cafetões”9.

8 hƩ p://pt.wikipedia.org/wiki/Problemas_sociais_do_Brasil, acesso dia 22/02/2013 9 hƩ p://www.bbc.co.uk/portuguese/noƟ cias/2012/01/120118_prosƟ tuicao_df_is.shtml

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Dados do Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) referentes ao período de janeiro a fevereiro de 2011, demonstram que o sexo feminino corresponde à maioria das vítimas, nas mais variadas formas de violações de direitos praticadas, especialmente contra crianças e adolescentes: são 80% das vítimas de exploração sexual, 67% de tráfico de crianças e adolescentes, 77% de abuso sexual e 69% de pornografia.

2.1.2 O Contexto sociocultural e a vulnerabilidadedas vítimas da exploração sexual.

A situação de crianças e adolescentes exploradas na prostituição é alvo de denúncias e de ações por parte do governo e de organizações da sociedade civil. Para alguns pesquisadores (Andrade, 2004), o trato comercial do assunto, fez com que se consolidasse o estigma da prostituição às crianças e adolescentes em situação de po-breza e provenientes de determinadas regiões do país.

No caso das mulheres adultas em situação de prostituição, as condições só-cio-comportamentais são permeadas por estigmatizações, com recortes de gênero ou de classe, que as colocam como vítimas de um sistema patriarcal e capitalista, vulne-ráveis à marginalidade, ao tráfico de pessoas, ao uso de drogas, a doenças mentais e morte prematura.

Apesar da atenção e preocupação social sobre os problemas da exploração sexual de crianças e adolescentes na prostituição e do aumento de mulheres na “ba-talha”, que são as principais vítimas do trafico para fins de exploração sexual, este é notadamente um crime invisível. Essa invisibilidade é reflexo da insensibilidade, da falta de consciência e compromisso com a dignidade.

Segundo o relatório do Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pes-soas do Mato Grosso:

“Mulheres, adolescentes e crianças, expostas a uma vida associada à violên-cia, drogadição, tráfico de corpos, demandam ações específicas que possam minimizar, desde as causa, até suas conseqüências funestas, por isso, neces-sitam ser vistas na exata proporção da realidade, para igualmente poderem ser atendidas na exata medida de suas necessidades. A prostituição como atividade e discussão, é polêmica e polissêmica, faz parte da história das civilizações e está presente na maioria das culturas sob diversas represen-tações – desde atividade ritualística até degeneração de valores e da moral. No senso comum, a prostituição é reconhecida como a atividade de trabalho mais antiga do gênero feminino, alvo de calorosas discussões e ações de intervenção que vão da luta das mulheres por autonomia e livre exercício da sexualidade até às vítimas da exploração sexual e tráfico de pessoas.”

A produção teórica sobre a prostituição é vasta e apresenta múltiplas formas de compreensão e interpretação do fenômeno. Faz-se importante ressaltar que a pre-sente síntese, ainda que não seja uma reflexão profunda sobre a temática, aponta e problematiza as atribuições de senso comum sobre a prostituição. Assim sendo,

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apreensão teórica é fundamental para compreensão do universo que permeia a pros-tituição e o tráfico de pessoas.

A prostituição, quando entendida como um componente orgânico e heredi-tário, não pode ser “curada” ou “tratada”, pois seria um aspecto constituinte do in-divíduo. Fincada em raízes marxistas, a forma de abordagem, histórica-crítica, com-preende a prostituição como efeito das relações sociais que se estabelecem em um determinado modo de produção. Assim, aspectos como liberdade e autonomia são pouco considerados, pois, as crianças, as adolescentes e as mulheres que se encon-tram em tal situação são compreendidas como vítimas porque, de certa forma, foram obrigadas a assumir esta forma de vida, como estratégia de sobrevivência.

Contrariamente a esta perspectiva é que se consolidam as ações da Pastoral da Mulher Marginalizada (? Confirmar essa afirmação com Rosely). Comprometida com a busca da emancipação das mulheres, por meio da construção de uma nova configuração nas relações de gênero, conferindo uma condição de equidade entre homens e mulheres, nas sociedades de base patriarcal. E conferindo às adolescentes e mulheres que se encontram em situação de prostituição, um novo perfil, porque elas não são produtos de uma falha orgânica, mas vítimas de relações sociais que determi-nam atitudes contrárias à sua vontade.

Há ainda outra abordagem, a histórico-interacionista. Essa abordagem se debruça sobre a prostituição, entendendo-a como fenômeno não homogêneo, sem construir estereótipos ou delinear um quadro de predisposição à prostituição. Cada ser humano é único, portador de uma subjetividade exclusiva. A relação que as mu-lheres estabelecem com sua situação de prostituição não é sempre a mesma. Elas criam representações que as diferenciam como sujeitos únicos, dotadas de liberdade e autonomia.

Cada pessoa se relaciona com sua situação de forma diferenciada. Ainda que a realidade seja a mesma, a experiência de cada uma é exclusiva. Entende-se na aborda-gem histórico interacionista que a mulher que se encontra em situação de prostitui-ção é sujeito construtor de sua história, produtor, e não apenas produto, de relações sociais. No caso das crianças e adolescentes não é possível, do ponto de vista ético-político adotar a postura desta abordagem.

A abordagem histórica-crítica trata a presença de crianças e adolescentes como vitimizadas por uma rede de dominação e exploração, e que devem ser prote-gidas legalmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e numa ação cristã baseada nas atitudes de Jesus descrita nos evangelhos.

A sociedade retira das mulheres em situação de prostituição qualquer condi-ção de autonomia. A antropóloga Heleieth Saffioti (1989) explicita a forma que acre-dita ser a mais apropriada no trabalho com mulheres em situação de prostituição, pautando-a em uma abordagem abolicionista. Ou seja, a prostituição é entendida como escravidão, que não pode ser assumida como uma opção “livre” e consciente do sujeito. Sendo assim, é considerado um mal que deve ser erradicado da sociedade.

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Dados da realidade demonstram que as crianças e as adolescentes aceitam os convites dos/as exploradores/as, porque muitas vezes essa é a única maneira que encontram de sobreviver. Os exploradores/as negociam a realização da sua satisfação sexual em troca de dinheiro ou mercadorias, tratando crianças e adolescentes como objetos sexuais.

A exploração sexual infanto-juvenil tem se tornado objeto de preocupação e reivindicação dos diversos segmentos que atuam na área da criança e do adolescente, no sentido de implementar políticas públicas que visem à prevenção e o enfrentamen-to da exploração sexual comercial, numa perspectiva de garantia dos direitos dessas crianças e adolescentes, enquanto sujeitos de direitos.

O tema ainda merece muita atenção por parte da sociedade, principalmente daqueles que se dispõe a encarar a discussão e a construção de políticas públicas. Faz-se necessário fortalecer a discussão entre as pessoas envolvidas, cotidianamente, no universo da prostituição e do tráfico de pessoas. Os cristãos inseridos na caminhada do povo sofrido de Deus não têm outra opção senão assumir o compromisso com esta realidade: denunciando, trabalhando em projetos de prevenção, atenção e de cuida-dos aos já atingidos por essa chaga da sociedade.

2.1.3 Dinâmicas e estratégias do tráfi co humanopara fi ns da exploração sexual no Brasil.

Estudos têm mostrado que as principais vítimas do tráfico de pessoas são mulheres, crianças e adolescentes. Segundo dados do Escritório das Nações Uni-das sobre Drogas e Crime (UNODC), publicados pela Agência Brasil, de 2007 a 2010, 27% das vítimas de tráficos foram crianças. Pelo menos 55% das pessoas traficadas são mulheres. Esse percentual chega a 75% quando somadas as meninas.

O tráfico, “atualmente, é um espelho das mazelas do capitalismo global. Sem uma leitura política da realidade é impossível uma aproximação coerente a esta tragédia. Portanto, não é uma questão que se esgota em si mesma. Está estreitamente conectado com mecanismos globais derivados de uma estrutura política e econômica alicerçada na injustiça e na violência. Uma das muitas formas de violência contra os indefesos”10.

Para aliciar as mulheres, o tráfico internacional costuma enganá-las com falsas promessas de emprego e melhoria das condições de vida. Elas saem de seus países de forma clandestina e também legal. No exterior, terminam prisioneiras de redes de prostituição.

Segundo o Documento de Puebla (citado por Elio Gasda):

Na raiz do tráfico de seres humanos e do trabalho escravo está a idolatria. O pecado mortal do capitalismo não é o ateísmo, mas a idolatria. A civilização do século XXI é profundamente idolátrica seja na economia, na cultura e na política: a riqueza absolutizada é obstáculo à verdadeira liberdade (Puebla, 494).

10 Elio E. Gasda, 2011

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Na condição de imigrantes ilegais, ou tendo seus passaportes “confiscados” por seus exploradores, essas mulheres veem-se impedidas de retornarem aos seus países de origem. Terminam exploradas sexualmente e escravizadas por dívida (lhes são atribuídos débitos em razão das despesas com passagem, alimentação, estadia e roupas, entre outros).

No caso de jovens com preferências sexuais diferenciadas (transexuais, por exemplo), a família atua como o primeiro complicador, pela não aceitação da diferen-ça. Agravado pelo preconceito social, que pode levar à prostituição e à sedução de ali-ciadores que prometem inclusive ajudá-los na mudança de sexo, com consequências devastadoras para a saúde física e mental do jovem.

Aí se escondem os crimes mais cruéis contra a vida humana, como a escravidão e o trafico de seres humanos. O capitalismo sustenta esta má-quina de pilhagem de miseráveis com a cumplicidade da sociedade e do sistema financeiro. Ao aceitar o dinheiro do tráfico, os bancos se omitem ante o terror imposto a pessoas indefesas. É dinheiro sujo procedente de bordéis, masmorras, carvoarias, barracões. São dólares de sangue extraído destes reféns dos criminosos vorazes cujo poder está longe de esgotar-se. (Gasda, 2011).

A complexidade social e comportamental da prostituição, a falta de ações assertivas de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes e a pouca preo-cupação com a garantia de direitos das mulheres adultas na prostituição, as deixam vulneráveis à exploração sexual comercial, e consequentemente ao trafico interno e internacional de pessoas.

O aliciamento ocorre em todas as classes sociais, principalmente quando os jovens vivem em situações de vulnerabilidade. Não possível que a população continue acreditando que esse fato ocorre somente com a família alheia. Essa visão faz com que os jovens continuem vulneráveis. O aliciamento para o fim de prostituição é crime e só conseguiremos combatê-lo com base na informação/educação.

A compreensão do sofrimento e da humilhação das vítimas é a chave de leitura para refletir e agir. Fortemente alicerçada no pólo do “eu” – nossa socie-dade se caracteriza por uma radical aversão ao sofrimento, ao fracasso e à humi-lhação. Chegamos ao século XXI com níveis críticos de egoísmo e indiferença para com a dor do outro. Diante de tanta indiferença, o cristão tem uma tarefa crucial: revelar ao mundo que o outro existe e que seu sofrimento é real! A rejeição so-frida por Jesus é expressão máxima de um Deus que se deixa crucificar e rejeitar com os desprezados e humilhados. É sua resposta divina à crueldade e á violência infligida contra seus filhos e filhas.

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O mito da “opção livre”:

O pensamento comum é de que as mulheres em situação de prostituição assim vivem porque querem, como se elas tivessem outras escolhas e optassem livremente por se prostituírem.

O que na verdade acontece – e que a experiência da PMM pode compro-var – é que muitas mulheres geralmente entram nessa vida por não conhecerem alternativa. Em primeiro lugar, desconhecem o próprio potencial. Além disso, apresentam baixa escolaridade e precária ou nenhuma qualificação profissional.

Assim podem tornar-se presas fáceis dos aliciadores para o tráfico de pessoas. Também porque estão sempre em busca do sonho de uma vida melhor, que lhes é apresentada de maneira enganosa, com propostas falsas de realização profissional, bom emprego, casamento. Quem aceita a proposta do traficante, sempre muito habilidoso, o faz unicamente porque deseja melhorar de vida, em nível pessoal, profissional e afetivo. Portanto é preciso conhecer o que está por trás dessa chamada “opção livre”. O tráfico de pessoas é uma das atividades que mais movimenta dinheiro no mundo, muito rentável, mas apenas para o aliciador e demais membros de uma enorme rede.

Formas de manifestação:

Ꮿ Pornografia: Exposição de pessoas com suas partes sexuais visíveis, ou práticas sexuais entre adultos, adultos e crianças, entre crianças ou entre adul-tos com animais, em revistas, livros, filmes e principalmente pela internet.

Ꮿ Troca sexual: Oferta de sexo pela obtenção de outros favores. Muitas crianças que fogem de casa, que vivem nas ruas mantêm relações sexuais com adultos em troca de comida, uma noite de sono em um hotel ou para adquirir sua quota de drogas.

Ꮿ Trabalho sexual infanto-juvenil autônomo: é a venda de sexo por crian-ças e adolescentes, se engajam em um trabalho sexual e fazem dele sua prin-cipal estratégia de sobrevivência.

Ꮿ Trabalho sexual infanto-juvenil agenciado: é a venda de sexo interme-diada por uma pessoa ou mais pessoas ou serviços. São chamadas de rufões, cafetões e cafetinas.

Ꮿ O turismo sexual orientado para exploração sexual: caracteriza-se, por um lado, pela organização de excursões turísticas com fins não declarados de proporcionar prazer sexual para turistas estrangeiros ou de outras regiões do País e, por outro lado, pelo agenciamento de crianças e adolescentes para oferta de serviços sexuais.

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A exploração sexual envolve outros atores, pois se trata de crime organizado. Agentes de prostituição, do tráfico de drogas, ajudado por taxistas, proprietários /as de hotéis, pensões e boates, policiais e autoridades corruptas, em especial em áreas portuárias e de garimpo, agências de viagens, de turismo, de modelo e de emprego que realizam falsas promessas de trabalho, que levam meninas inclusive para o exte-rior, realizando o tráfico sexual.

Causas da exploração sexual:

Ꮿ Famílias em conflito, negligentes com os filhos;

Ꮿ Punições físicas pelos pais ou responsáveis;

Ꮿ Valores patriarcais, com desvalorização de identidade feminina.

Ꮿ Repetição de um modelo de comportamento dos pais;

Ꮿ Papel dos meios de comunicação no estímulo à erotização precoce;

Ꮿ Abandono da escola ou baixo nível de escolaridade;

Ꮿ Agravamento da exclusão social, fruto de modelo de desenvolvimento;

Ꮿ Situação socioeconômica da família, com desemprego;

Ꮿ Indiferença da sociedade para com a violência contra as mulheres;

Ꮿ Sociedade consumista.

A exploração sexual de crianças e adolescentes evidencia relações de poder desiguais, em que a pobreza e a indigência, vinculadas à concentração de renda, às relações culturais e de raça, são seus principais determinantes.

Enfrentar, denunciar e combater o tráfico de pessoas é confessar a fé no verdadeiro Deus. A mensagem de Jesus é essencialmente uma mensagem de libertação: “A queda dos ídolos restitui ao homem seu campo de liberdade essencial” (Puebla 491). (GASDA, 2011).

A imposição do silêncio das vozes femininas fez com que as mulheres, adoles-centes e crianças se tornassem presas fáceis para os aliciadores do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, que é caracterizada pela relação sexual de uma criança ou adolescente com adultos, mediada pela troca de favores.

2.1.4 As redes de serviços públicos e o enfrentamento ao tráfi co huma-no para fi ns de exploração sexual

Ao enfocar a rede de serviços públicos que atende as vítimas do tráfico para fins da exploração sexual, não podemos desconsiderar a profundidade e amplitude com que a mesma deve ser tratada. Pensar nesta rede nos desafia a repensar práticas da saúde, da assistência social, dos setores vinculados à repressão e à responsabilização.

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O enfrentamento ao tráfico requer um olhar multiprofissional e ações inter-setorias, pois, os danos oriundos deste são múltiplos, em alguns momentos se en-trelaçam com outros. Também tem nuances próprias que precisam de atendimento específico. O que temos atualmente são programas, em sua maioria, voltados para o todo da violência sofrida pela mulher. É inegável que já é um avanço. Porém, ainda temos muito que caminhar.

Faz-se necessário ainda considerarmos que, mesmo em menor número, te-mos homens que são traficados para a exploração sexual, fator este que comprova a necessidade, neste caso, de um olhar dicotômico para enxergarmos com clareza a im-portância de programas mais específicos voltados para as vítimas do tráfico humano para fins da exploração sexual.

Os serviços existentes de atendimento específico às vítimas de tráfico são poucos e as instituições que atuam diretamente com a problemática realizam eventos para discuti-los. O que observamos são serviços de atendimento às vitimas da explo-ração sexual que são estendidos às vítimas do tráfico com fins da referida exploração

O Ministério da Justiça pretende padronizar o atendimento e a identificação de vítimas do tráfico de pessoas, através dos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e dos Postos Avançados. Porém os mesmos ainda não estão instalados em todos os estados. Mesmo que estivessem, suas bases ficam sempre nas capitais, o que implica dizer que a maioria das cidades, ou grande parte delas, encontrariam o obstá-culo da distância a ser percorrida. Isto sem contarmos com a falta de espaços físicos específicos e profissionais treinados, mesmo nas capitais.

Podemos citar como real avanço o Posto de Atendimento de Guarulhos, que oferece atendimento humanizado às vítimas de tráfico de pessoas que desembarcam no aeroporto internacional de Guarulhos.

Em relação ao atendimento às vitimas de violência sexual foram implantadas novas regras para o serviço hospitalar público, pois o funcionamento dos “Serviços de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência Sexual será normalizado para to-dos os hospitais, maternidades, prontos-socorros e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) do Sistema Único de Saúde (SUS).”

Com estas novas regras os hospitais públicos deverão prestar

“atendimento clínico, atendimento psicológico, acolhimento, administração de medicamentos, notificação compulsória institucionalizada, referência laboratorial para exames necessários e referência para coleta de vestígios de violência sexual”. Também incluem interrupção de gravidez, nos casos previstos em lei, serviços de atenção integral à saúde de crianças, atenção integral à saúde de adolescentes em situação de violência sexual, serviço de atenção integral para homens e idosos em também vítimas de violência Sexual.

Os estabelecimentos de saúde, que compõem o serviço de atenção integral, funcionarão em regime integral, 24 horas por dia, nos sete dias da semana,

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e sem interrupção da continuidade entre os turnos, sendo de competência do gestor local de saúde a regulação do acesso aos leitos em casos de inter-nação. ( )

O governo implantou também o Programa “Mulher Viver sem violência”, que propõe melhoria e rapidez no atendimento às vítimas da violência de gênero, como também integrar os serviços públicos de segurança, justiça, saúde, assis-tência social, acolhimento, abrigamento, e orientação para trabalho, emprego e renda.

A Casa da Mulher Brasileira - a proposta é reunir neste espaço as “delegacias especializadas” de atendimento à mulher, juizados e varas, defensorias, promotorias, equipe psicossocial que deverá contar com psicólogas, assistentes sociais, sociólogas e educadoras que deverão identificar perspectivas de vida da mulher e prestar acom-panhamento permanente. Assim como contar com uma equipe para orientação ao emprego e renda.

A partir do Programa “Mulher, Viver sem Violência, em atendimentos classi-ficados como urgentes, o ligue 180 fará encaminhamento direto para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência- SAMU , pelo 192, ou da Polícia Militar, pelo 190.

Outro diferencial do programa citado acima é a humanização do atendimento na saúde pública. Serão adequados espaços especializados nos institutos Médicos Le-gais- IMLs e rede hospitalar de referência, formada por 85 unidades que funcionam 24 horas nas capitais. Porém, é preciso considerar e enfrentar o fato de que são poucas Delegacias Especializadas da Mulher. E nem todas funcionam adequadamente.

A alternativa mais próxima da realidade atual, sobretudo nos municípios me-nores no interior do país, será assegurar a implantação o NASF- núcleo de Apoio à Saúde da Família, em todos os municípios cobertos pela Saúde da Família, inserindo ali o atendimento às vítimas de violência, com um olhar especial às vítimas do tráfico de pessoas.

2.2 O tráfi co humano para fi ns de exploração laboral

2.2.1 A defi nição do trabalho escravo contemporâneo no Brasil

No Brasil a forma mais visível do tráfico humano contemporâneo é o traba-lho escravo, presente hoje sob as modalidades do trabalho forçado, da servidão por dívida, da jornada exaustiva e do trabalho em condições degradantes. Em sua maioria, as vítimas são aliciadas em bolsões de pobreza no Norte e Nordeste do país de onde saem em busca de “melhoras” para áreas de expansão agrícola ou para regiões aque-cidas pela construção de grandes obras.

De 1995 para cá, já foram libertados mais de 45 mil pessoas, em sua grande maioria homens, em mais de dois mil estabelecimentos de todo o país, principalmen-te no campo do agronegócio (desmatamento, roço, carvoarias, canaviais, lavouras de

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soja, algodão, café, tomate, etc), em canteiros de obras e, na cidade, na construção civil ou em oficinas de confecção, envolvendo inclusive imigrantes latino-americanos. Nenhum estado está imune a essa prática.

Usar trabalhadores trazidos de fora tem sido a regra na história da escravi-dão. Nas condições do Brasil contemporâneo, o avanço da fronteira agrícola sobre as terras da floresta amazônica, do Cerrado Central e do Pantanal, constitui-se num apelo forte para a migração temporária ou definitiva de trabalhadores empobreci-dos do nordeste e do norte do país, devidamente aliciados por meio de mirabolan-tes promessas.

Rotas e empreendimentos foram se diversificando: hoje os auditores- fiscais libertam escravos no Paraná, aliciados em Minas e Bahia para plantar pinus ou ex-trair erva-mate; em São Paulo, Rio, Mato Grosso e Goiás, os migrantes da cana vêm do Piauí, Maranhão ou Alagoas e são encontrados em situações degradantes que o código penal brasileiro assimila à “condição análoga à de escravo”, culminando em ocorrências de morte por exaustão.

Fora da agricultura, novas rotas se estabeleceram, envolvendo países vizinhos: rumo às grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento, à construção civil e às confecções têxteis de São Paulo.

Pivô deste moderno tráfico tem sido a figura do intermediário (gato ou coiote), um agenciador de mão de obra que, empreitando o serviço, intermedeia a relação trabalhista no intuito de exonerar o empregador real de qualquer res-ponsabilidade, especialmente em serviços sazonais ou temporários. Ele recebe o pagamento do tomador de serviço e se encarrega de reunir, contratar, levar para o local de trabalho e, conforme o caso, coordenar execução das tarefas contratadas. Adiantamentos de dinheiro e promessas bonitas tornam irresistível sua enganosa proposta.

Com o avanço da repressão à terceirização de fachada, novas e moderni-zadas formas de intermediação foram surgindo, criando aparências de contratação legalizadas para melhor driblar a fiscalização. A terceirização de atividades-fim pelas indústrias siderúrgicas ou pelas grandes redes de confecção não foge deste modelo de desresponsabilização do tomador de serviços na cadeia produtiva que ele domina. Daí a enorme pressão para tornar legal qualquer terceirização, à custa do trabalhador.

A utilização do trabalho escravo é fundamentalmente motivada pela busca do “custo zero” no item mão de obra, em vista de maximizar o lucro no merca-do, em detrimento dos concorrentes que cumprem com a legislação. No afã de eliminar qualquer barreira nessa busca do lucro máximo, principalmente no setor do agronegócio, a bancada ruralista do Congresso bota pressão para retirar do Código Penal brasileiro os elementos-chave da definição moderna do trabalho em condição análoga a de escravo, tal qual vem norteando o combate atual ao traba-lho escravo.

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Na legislação nacional, o que rege o conceito de trabalho escravo e aprofun-da a definição da OIT11 de acordo com as particularidades da realidade brasileira é o artigo 149 do Código Penal:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de tra-balho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida con-traída com o empregador ou preposto.

Atualizada em 2003, essa moderna legislação expressa de forma concisa e objetiva as quatro hipóteses que, separadamente, podem vir a caracterizar o trabalho escravo; são elas:

1. A submissão da pessoa a trabalho forçado, aquele exigido sob a ameaça de punição, com uso de coação, ou que se conclui de maneira involuntária (sem consentimento) com restrição da liberdade pessoal (a OIT usa essa definição como base na primeira Convenção sobre o tema, que data de 1930);

2. A submissão à jornada exaustiva, aquela cuja natureza física ou men-tal, por sua extensão ou intensidade, causa esgotamento das capacidades corpóreas e produtivas da pessoa do trabalhador, ainda que transitória e temporalmente, acarretando, em consequência, riscos a sua segurança e/ou a sua saúde;

3. A sujeição a condições degradantes, aquelas que correspondem a todas as formas de desrespeito à dignidade humana pelo descumprimento aos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, notadamente em matéria de segurança e saúde e que, em virtude do trabalho, venha a ser tratada pelo empregador, por preposto ou mesmo por terceiros, como coisa e não como pessoa; e

4. A restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com empregador ou preposto.

No entendimento do legislador, a identificação do trabalho escravo con-temporâneo não deriva unicamente da negação formal da liberdade da pessoa, mas, e tanto quanto, da violação grave da sua dignidade como pessoa humana. Mais de um século após a abolição da escravatura (cuja memória nos remete à figura do trabalhador acorrentado e açoitado: um sujeito sem mínimo direito), a definição brasileira da escravidão incor-porou de forma coerente o entendimento contemporâneo quanto à na-tureza dos direitos hoje considerados inalienáveis. Voltar para trás desta

11 O Brasil é signatário de duas convenções da Organização Internacional do Trabalho que versam sobre essa violação dos direitos humanos. A primeira é a Convenção nº 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, de 1930, rati! cada pelo Brasil em 1957. Ela de! ne o trabalho forçado como “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente”. A segunda é a Convenção nº 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado, de 1957, rati! cada pelo Brasil em 1965, que complementa a anterior ao prever casos especí! cos.

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compreensão – que a comunidade internacional, a OIT e a ONU vem para-benizando - seria um verdadeiro recuo civilizacional.

Detalhando, vejamos as principais circunstâncias que, isoladamente ou em conjunto, contribuem em anular a dignidade do trabalhador:

Ꮿ Alojamentos precários tais como barracos de lona em chão de terra: Às vezes são fornecidas camas, mas sem o colchão. Ou os colchões são insu-ficientes para o número de trabalhadores. Há casos em que os trabalhadores são obrigados a dormir em currais, ao lado de animais e de agrotóxicos.

Ꮿ Falta de assistência médica: Quando adoecem, os trabalhadores são abandonados pelo patrão, tratados como mão de obra descartável. Não são fornecidos equipamentos de proteção individual para segurança do trabalha-dor, mesmo quando a tarefa envolve riscos à saúde, como a aplicação de agro-tóxicos ou o trabalho nos fornos das carvoarias.

Ꮿ Péssima alimentação: A comida é pouca, raramente tem carne e, mui-tas vezes, acaba estragando por falta de local apropriado para conservá-la. A alimentação é insuficiente para renovar as forças do trabalhador depois de horas de serviço pesado. Mesmo com milhares de cabeças de gado no pasto, os trabalhadores comem carne somente quando morre algum boi da fazenda.

Ꮿ Falta de saneamento básico e de higiene: Peões precisam improvisar fogões e latões para armazenar água; o córrego de onde se retira a água, para cozinhar e beber, é o mesmo em que se toma banho, se lavam a roupa, e as panelas e os equipamentos utilizados no serviço. É também o lugar onde o gado bebe água. Banheiros sem água encanada nem sistema de esgoto, em número insuficiente para a quantidade de pessoas.

Ꮿ Ameaças físicas e psicológicas: trabalhadores são vigiados por capata-zes armados, que ameaçam agredir fisicamente ou até matar aqueles que ou-sarem fugir. A ameaça psicológica também é frequente.

Ꮿ Jornada exaustiva: O tempo de descanso não é suficiente para que a pessoa consiga recuperar suas forças para a jornada seguinte, por causa do desgaste provo-cado pelas condições de trabalho. Sem descanso semanal, as jornadas podem ir de segunda a segunda, com poucas horas de descanso.

Também são vários os mecanismos destinados a dissuadir o trabalhador de deixar o local de trabalho, bastando apenas um deles para que sua liberdade seja tolhida:

Ꮿ Dívida ilegal: O “gato” busca o trabalhador em seu local de origem, em alguma pensão ou em cidades de passagem. Paga o transporte até o local do serviço, paga a conta nas pensões e até oferece um “adiantamento” para deixar com a família. Assim, quando a pessoa chega, já está devendo. E o que ela passa a usar no local de trabalho – alojamento, comida e instrumentos para o trabalho – é anotado em cadernos, a preços bem mais altos do que

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os praticados no comércio. No final do mês, o salário não é suficiente para cobrir os gastos “inventados” pelo patrão. A falsa dívida se torna impagável e a pessoa fica presa ao trabalho. É a chamada servidão por dívida. Essa dívida é ilegal. Ficando “sem saldo”, o trabalhador não deixa o local de trabalho, pois, mesmo que não sofra ameaças, sente-se humilhado de voltar para casa sem dinheiro e sem quitar a “dívida”. A vergonha acaba sendo maior que a coragem para escapar.

Ꮿ Retenção de salário: Quando chega o final do mês, o “gato” ou o empre-gador diz que o salário só será pago no final da empreitada, o que obriga os trabalhadores a permanecerem no local de serviço com a esperança de que, um dia, receberão. Assim, fica difícil a fuga; pesa a humilhação de retornar para casa sem dinheiro: um ciclo vicioso em que a pessoa nunca recebe a re-muneração justa por seu trabalho e não pode conquistar sua autonomia.

Ꮿ Isolamento geográfico: trabalhadores são levados para áreas muito dis-tantes, em regiões de difícil acesso; chegam a percorrer dezenas de quilômetros até o local do trabalho, dentro da floresta, longe de estradas, sem meios de comunicação, sem telefone. Afastados da sua comunidade, ficam sem prote-ção: não sabem a quem recorrer. Sua única referência na região acaba sendo o “gato”. O isolamento deixa o trabalhador vulnerável e preso ao local do serviço.

Ꮿ Retenção de documentos: O “gato” ou o empregador apreende os docu-mentos dos trabalhadores, como carteira de identidade ou de trabalho, para impedir a fuga.

Ꮿ Maus-tratos e violência: Humilhações verbais e uso de violência física também são formas de intimidar os trabalhadores. Castigos e punições são outras formas de coagir os trabalhadores que reclamam das condições a que estão submetidos, servindo de “exemplo” para reprimir os outros.

Privar o trabalhador de sua dignidade e/ou de sua liberdade é muito mais que des-respeitar alguns direitos trabalhistas. Sem dignidade, não se pode ser livre. E sem liberdade, não é possível viver com dignidade. O trabalho escravo rebaixa a pessoa a uma condição de não ser humano (coisificação), submetendo-a a uma enorme humilhação. Muitos trabalha-dores, ao relatar a situação nas fazendas, dizem que foram “tratados pior do que animal”. Daí a extrema gravidade do trabalho escravo enquanto violação aos direitos humanos.

Não apenas o cerceamento da liberdade indica a existência de trabalho es-cravo, como também as precárias condições a que diariamente são submetidos os trabalhadores, sendo privados, assim, de sua dignidade. Em atividades como o desma-tamento, o roço de juquira, a produção de carvão, a catação de raízes ou a construção de cercas, os trabalhadores acabam enfrentando condições degradantes de trabalho (alojamentos precários; falta de higiene, de saneamento e de água potável; ausência de assistência médica e cuidados de saúde; alimentação insuficiente para o tipo árduo de trabalho) e/ou têm sua liberdade cerceada pela retenção de salários, retenção de documento, isolamento geográfico, dívida ilegal e/ou vigilância armada.

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O mesmo pode vir a acontecer, com o agravante da imposição de jornadas exaustivas, em atividades como o corte da cana, com suas exigências exacerbadas de produção (pela prática do salário por produção), a colheita de frutas, a extração de erva-mate, o plantio do eucalipto ou o manejo do pinus. O mesmo ocorre também nos canteiros de obras de grandes barragens, de conjuntos habitacionais, de aeroportos e de grandes obras da Copa. E o mesmo tende a ser a regra em inúmeras oficinas de confecção que, na clandestinidade e com imigrantes em situação irregular, trazidos da Bolívia ou do Peru, produzem artigos para grifes famosas, vendidos nas lojas mais sofisticadas do mercado global. Pior somente é quando essa situação é imposta a crianças ou adolescentes, como na fazenda Palmeira, no interior de São Paulo:

Sete crianças e adolescentes - com idades entre 7 e 15 anos - e 13 adultos foram libertados de condições análogas à escravidão de uma plantação de tomate pela Gerência Regional do Trabalho (GRTE) de São Carlos (SP), no interior do Estado de São Paulo. As crianças encontradas na Fazenda Palmeira Ltda não recebiam qualquer pagamento salarial e ajudavam os pais com o propósito de aumentar a quantidade colhida da produção. Responsável pelos empregados, o produtor Edson Rossi é reincidente: já foi flagra-do explorando trabalho escravo em outras duas ocasiões, em 2009 e 2010. Durante a libertação, as crianças declararam aos auditores fiscais do trabalho que gostariam de estudar, mas que, por causa da jornada que tinham que cumprir, a frequência na escola não era permitida pelo empregador. Não havia água potável, somente da torneira, sem passar por qualquer processo de filtração. A jornada de traba-lho era exaustiva e se estendia até por 10 horas diárias.Camas estavam montadas em cima de caixotes de tomates. A água do banho era fria. Os colhedores adultos recebiam em média R$ 600 por mês em cheque pré-datado. A maior parte do valor servia para pagar a alimentação, que era comprada em um supermercado indicado pelo fazendeiro. As crianças libertadas trabalhavam sem nenhum equipamento de proteção individual (EPI), nem mesmo na tarefa de aplicação dos agrotóxicos, e corriam sérios riscos de acidente.

2.2.2 A realidade do Trabalho escravo contemporâneo no Brasil

ANIMAIS VIVIAM MELHOR QUE TRABALHADORESEM FAZENDA-ZOOLÓGICO NO MARANHÃO

Em Santa Inês (MA), fazendeiro mantinha pequeno zoológico com bichos bem tratados, e criação de gado com 12 empregados em situação análoga à de escravo: eles foram resgatados de condições aná-logas às de escravo pelo grupo móvel de fiscalização. O alojamento dos trabalhadores ficava no meio do mato, geograficamente isolado e sem meio de transporte disponível. Todo dia pela manhã, por volta das 6 horas, eles recebiam café e uma massa de farinha de milho cozida pelo “gato”, supervisor dos em-pregados. Por volta das 11h, eles faziam uma pausa no serviço para comer arroz e feijão – às vezes, só um ou outro. No final da tarde, depois de um dia de trabalho sob o sol maranhense, recebiam mais uma porção da mesma comida. A única fonte de água a que o grupo tinha acesso era proveniente do pequeno igarapé em torno do alojamento, onde também bebia, defecava e urinava o gado bovino. O líquido, de coloração amarela e impróprio para o consumo, era usado pelos trabalhadores para beber, cozinhar e para higiene pessoal. Na sede da propriedade, a ração dos animais do Gilrassic Park é armazenada em depósitos com regulação térmica e, depois de receber um complemento de frutas e verduras frescas, ser-vida em comedouros higienizados. “Os animais viviam melhor que os empregados da fazenda de gado”, avalia a coordenadora da inspeção.

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Nos últimos 10 anos, foram libertados em média 4.000 trabalhadores por ano, encontrados em todas as regiões do país, com predominância na Amazônia. A média anual dos últimos três anos apresenta, porém, sensível redução, possivelmente como resultado da intensificação do combate ao crime.

Simultaneamente, a tendência foi de aumento dos casos encontrados fora da Amazônia (palco tradicional do trabalho escravo: no chamado “arco do desmatamen-to”); com o aumento da fiscalização do trabalho escravo no centro- oeste, sul e su-deste do país, tornou-se visível a incidência desta prática também nessas regiões cuja economia é geralmente considerada como mais “moderna”: prova de que a escravidão moderna convive com a economia moderna.

T.E - DADOS POR REGIÃO (2003-2013) Casos registrados Pessoas libertadasN 1.374 10.195

NE 419 13.908CO 417 8.073S 138 2.309

SE 214 6.948TOTAL 2.562 41.433

sub-total Amazônia Legal 1.404 20.325

Fonte: CPT/MTE/MPT

O perfi l das vítimas do trabalho escravo contemporâneo

No perfil dos escravizados dominam: pobreza, analfabetismo e trabalho infan-til. Uma pesquisa realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), junto a 121 trabalhadores resgatados de quatro estados, principalmente Pará e Mato Grosso, mostrou que a maioria deles se desloca constantemente e apenas 25% residem no es-tado de nascimento. Quase todos começaram a trabalhar antes dos 16 anos e mais de um terço, antes dos 11 anos, em geral para ajudar os pais nas fazendas. Do total de entrevistados, 40% foram recrutados por meio de amigo ou de conhecido e 27%, por meio de agente de recrutamento, o chamado “gato”, ou diretamente.

Dados do Seguro-Desemprego processados pela CPT informam que 95,3% das pessoas resgatadas no período de 2003 a 2012 são homens. Do total, 35,3% são anal-fabetos. Apenas 38,4% chegaram a cursar os primeiros anos do ensino fundamental, sem, no entanto, completarem o quinto ano. Outros 16% prosseguiram os estudos, mas sem concluírem o ensino fundamental. Somente 7,3% deles têm cursado o ensino fundamental completo ou mais.

A maioria dos trabalhadores (63,6%) estava entre os 18 e 34 anos no momento do resgate; 37,6% estavam acima de 35 anos e 31,6% abaixo de 35 anos, sendo 1,2% abaixo de 18 anos. Do total de 28.702 trabalhadores incluídos no seguro-desemprego no período, 81% são naturais de 10 estados: Maranhão (um em cada quatro), Pará, Mi-nas Gerais, Bahia, Piauí, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Pernambuco, Goiás, Alagoas. Nessa ordem.

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Trabalho escravo: rural e urbano

Embora continue afetando principalmente as atividades rurais ligadas à agri-cultura e à pecuária (onde a informalidade do emprego ainda é a regra), o trabalho escravo é empregado em diversas atividades não agrícolas. Varias delas exercidas em meio urbano, inclusive em áreas metropolitanas de grandes capitais, a exemplo de São Paulo.

Esta é uma realidade cuja visibilidade vai crescendo à medida que se inten-sificam a vigilância e a fiscalização. Nos nove primeiros meses de 2013, um caso em cada quatro foi registrado em atividades não agrícolas; nelas foram encontrados 441 trabalhadores (1/3 dos resgatados), sendo 281 na construção civil (em 17 canteiros de obras) e 89 na confecção (em 8 oficinas).

T.E - DADOS POR ATIVIDADE (2003-2013) CASOS % LIBERTADOS %

DESMATAMENTO 126 5% 2.075 5%

PECUÁRIA 1.378 54% 11.597 28%

REFLORESTAMENTO 81 3% 1.085 3%

EXTRATIVISMO 22 1% 420 1%

CANA DE AÇUCAR 76 3% 10.709 26%

OUTRAS LAVOURAS 324 13% 7.452 18%

CARVÃO VEGETAL 275 11% 3.215 8%

MINERAÇÃO 31 1% 271 1%

CONFECÇÃO 19 1% 229 1%

CONSTRUÇÃO & OUTR. 230 9% 4.380 11%

TOTAL 2.562 100% 41.433 100%

Sub-total AƟ vidades extra-agrícolas 280 11% 4.880 12%

Fonte: CPT/MTE/MPT

2.2.3 O tráfi co interno para exploração laboral:cadeias produtivas e comércio internacional

Associado à constante evolução das fronteiras agrícolas do país, o trabalho escravo seguiu nos últimos 30 anos o rastro do agronegócio, a menina dos olhos das políticas públicas: na fumaça das carvoarias que sacrificam homens e matas para pro-duzir a ferro-gusa (destinada a fabricar o aço); nas pegadas do gado que avança sobre a Amazônia Legal com desmatamento em grande escala; na onda da lavoura de soja que conquista os cerrados centrais; no boom do etanol que pipocou de norte a sul e ressuscitou o velho canavial.

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O trabalho escravo contemporâneo está presente nas principais cadeias pro-dutivas da agropecuária brasileira, com a carne e a madeira (metade das denúncias), a cana de açúcar e as demais lavouras (metade dos libertados), além do carvão vegetal para uso na siderurgia.

Operadores internacionais demandam produtos sempre mais baratos sem se preocupar com o que isso implica na ponta. Há clara ligação entre a expansão desen-freada do agronegócio, no contexto da economia globalizada, e a precarização das re-lações trabalhistas: em nome da conquista de novas fatias de mercado sem redução das margens de lucro, há uma pressão contínua para flexibilizar os direitos do trabalhador.

Não é diferente a motivação que explica a imposição de condição análoga à de escravo a operários nos grandes canteiros de obra, inclusive do PAC (barragens, estádios, aeroportos, linhões, casas) ou a imigrantes empregados em oficinas de con-fecção clandestinas, trazidos de forma irregular desde a Bolívia, o Peru ou o Paraguai.

Na maioria dos casos, os produtos da mão de obra escrava entram na cadeia produtiva de grandes empresas do mercado nacional ou global: grandes construtoras (como MRV), grandes frigoríficos (como Friboi), gigantes da indústria alimentícia ou/e energética (como Cosan), ou grifes e redes famosas (como Zara ou Marisa): elas estão capitaneando e lucrando com este sistema e, sem este nem saber, acabam envolvendo o consumidor final neste negócio sujo.

A identificação destas cadeias de valor desde a fazenda até a gôndola do su-permercado, ou desde a oficina terceirizada e a loja do shopping tem sido funda-mental para questionar a responsabilidade de todos os atores da cadeia. Isso gerar mais transparência e mais obrigações para os compradores, inclusive o consumidor final, tornando-se a base para novos instrumentos de combate ao trabalho escravo. Quando, por exemplo, a grife Zara é intimada a assumir as pendências de seus tercei-rizados; ou quando empresas se comprometem em cortar fornecedores associados a trabalho escravo ou quando consumidores resolvem boicotar marcas sujas.

2.2.4 Questão agrária x trabalho escravo contemporâneo no Brasil

Perguntados diretamente sobre possíveis soluções para a situação das pes-soas que como eles foram resgatados da escravidão, muitos trabalhadores respon-deram aos pesquisadores da OIT que a solução seria “ter terra para plantar” (“Ter um pedaço de terra só meu, criar minhas galinhas, fazer minha casa, fui acostumado nisso.”; “Ter uma terra, trabalhar em cima do que é meu. Trabalhar só pra mim.”).

A alternativa de uma terra para plantar foi destacada por 46% dos entrevistados, não havendo diferença entre os que viviam em área rural ou na cidade. Ao ser perguntado sobre o sonho projetado para o futuro dos filhos, um trabalhador disse: “Meu sonho maior na minha vida era formar meu filho em alguma coisa prá tirar ele da juquira12, porque, se ele não se formar, o destino dele é a juquira”.

12 Juquira: na linguagem popular signi! ca limpar/desmatar o pasto.

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É fato notório na história do nosso país o proposital alijamento do trabalha-dor livre em relação ao acesso a terra. A abolição da escravidão (1888) foi antecedida e como que prevenida pela aprovação da Lei de Terras (1850) que fechou o livre acesso às terras da coroa, a não ser pagando. Nas palavras do professor José de Souza Mar-tins (in: O cativeiro da terra): “[no] regime de terras livres, o trabalho tinha de ser cativo; [no] regime de trabalho livre, a terra tinha de ser cativa”.

Perdura até hoje a exacerbada concentração das terras que faz do Brasil um recordista mundial neste particular. E mantém até hoje sem acesso a terra milhões de famílias; enquanto isso as terras de ocupação tradicional de grupos como quilombo-las, posseiros, ribeirinhos, índios sofrem pressões para ser desocupadas e liberadas para as monoculturas: são esses mesmos trabalhadores que vez ou outra, sem alter-nativa, seguem a cantada dos gatos.

Soluções tão evidentes como a desapropriação ou mesmo o confisco de terras onde for flagrado o trabalho escravo sofrem resistência até hoje intransponível. Parece constar no DNA do latifúndio a ideia de que a propriedade vale mais que a dignidade.

2.2.5 Marcos do enfrentamento ao trabalhoescravo contemporâneo no Brasil:

Linha do tempo:

Ꮿ 1970-1995: da negação das primeiras denúncias de escravidão moderna (Carta Pastoral de dom Pedro Casaldaliga, 10/10/1971 – Uma Igreja da Amazônia em conflito contra o latifúndio e contra a marginalização) ao reconhecimento oficial do problema (1995: em cadeia nacional e perante a ONU, o presidente Fernando Henrique Cardoso reconhece a fundamentação das denúncias da CPT).

Ꮿ 1995-2002: início da fiscalização pelo Grupo Móvel, porém em baixa intensidade (5.893 libertados em 8 anos), impunidade e ausência de outras medidas de política pública; programa OIT Brasil incentiva iniciativas contra o trabalho escravo; parceria sociedade civil, MPF, e setores do Estado na elabo-ração de políticas públicas contra o trabalho escravo.

Ꮿ 1997-2003: lançamento da Campanha nacional De Olho Aberto para não Virar Escravo (1997, CPT); criação e atuação piloto do CDVDH (1997, MA); cria-ção da Repórter Brasil (2000). Visibilização do tema no Fórum Social Mundial.

Ꮿ 2003-2008: intensificação da ação pública (4700 libertados por ano entre 2003 e 2008) e da mobilização social: lançamento do Plano nacional de erra-dicação do trabalho escravo I (2003) e II (2008), Lista suja (2003), instalação da CONATRAE (2003) e das primeiras COETRAEs, Termo de Solução Amistosa no Caso José Pereira (interposto na OEA pela CPT e CEJIL, contra o Estado brasi-leiro), Pacto Nacional das empresas contra o trabalho escravo (2005), em clima de resistência patronal (barragem da PEC 438 do confisco da terra; chacina de Unaí, 2004; recorrentes ameaças contra agentes da Campanha da CPT).

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Ꮿ 2008-2012: envolvimento crescente da CNBB: nota da presidência da CNBB sobre áreas flagradas com trabalho escravo, em apoio à PEC 438 (2008); constituição do Grupo de Trabalho (GT) de combate ao Trabalho Escravo (2009); Mutirão Pastoral contra o Trabalho Escravo “Vi o sofrimento do meu povo. Ouvi muito bem o seu clamor” (2010); Mesa de Diálogos da CNBB: Tra-balho Escravo no Brasil Hoje: O que fazer? (2010); Nota unânime dos Bispos do Regional Centro-Oeste da CNBB (março de 2012) em favor da aprovação da PEC 438/2001, posteriormente assinada por 100 bispos na Assembleia nacio-nal dos Bispos de maio de 2012 em Aparecida.

2.2.6 Ações desenvolvidas para erradicar o trabalho escravo no Brasil

O Plano Nacional, adotado em 2003, pretendia erradicar o trabalho escravo por meio da atuação integrada entre poder público e sociedade civil, por meio de ações repressivas, preventivas e de inserção. Além do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, vários estados adotaram de planos estaduais de erradicação. Para monitorar essa política nacional foi constituída em 2003 a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) e várias comissões estaduais (COETRAE), com a participação de instituições governamentais e de entidades da sociedade civil.

EIXO DA Repressão

O principal instrumento repressivo é o Grupo Móvel de fiscalização (GM), in-tegrado por agentes voluntários entre Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho (MTE), Procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Agentes da Polícia Federal (PF) ou de outras polícias, especialmente a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O GM atua de forma planejada, sigilosa, em qualquer ponto do território na-cional onde haja suspeita ou denúncia de trabalho escravo. Ao GM nacional, acrescen-tam-se grupos de fiscalização constituídos nas regiões, atuando segundo os mesmos princípios.

Ao flagrar situação análoga à de escravo, o GM determina a paralisação das atividades, resgata os trabalhadores, promove o ressarcimento dos direitos lesados e o retorno dos trabalhadores aos seus locais; no caso específico de trabalhadores es-trangeiros, o GM tem como regra trata-los em pé de igualdade com os trabalhadores brasileiros e, se preciso for, promover sua regularização, ainda que temporária. Além do pagamento imediato das verbas trabalhistas e das multas decorrentes das infra-ções às normas trabalhistas, o infrator deverá responder por obrigações assumidas junto ao MPT por meio de Termo de Ajustamento de Conduta ou oriundas da sentença do Juiz do Trabalho acionado pelo MPT.

Tais obrigações envolvem o melhoramento das condições de trabalho ofereci-das bem como o pagamento de indenizações pelos danos morais provocados. Depois de concluída o inquérito policial e proposta a denúncia-crime pelo Procurador da Repúbli-ca, o infrator responderá também perante a Justiça Federal pelo(s) crime(s) praticado(s).

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Além disso, o flagrante de trabalho escravo poderá redundar em custosas consequências para a o empregador: inclusão do seu nome na chamada “Lista Suja”, atualizada semestralmente pelo MTE, corte de financiamentos por parte do sistema bancário ou de contratos comerciais por parte das empresas signatárias do Pacto Na-cional contra o Trabalho Escravo.

Com isso, para aqueles que pretendiam lucrar sem limite, a prática do traba-lho escravo tende a se tornar um “péssimo negócio”. No Estado de São Paulo uma lei aprovada regulamentada em 2013 já determina o cancelamento da inscrição estadual da empresa flagrada: ou seja, sua morte legal e econômica. Projeto de lei semelhante tramita em outros estados.

Outras penalidades são possíveis tais como a desapropriação da terra flagrada com trabalho escravo ou mesmo, de acordo com a proposta de emenda constitucional (PEC 57), ainda pendente de aprovação definitiva pelo Senado, o confisco (ou expro-priação) da propriedade.

EIXO DA Prevenção e formação

Inúmeras iniciativas de informação, formação e prevenção já foram realizadas, sobretudo a partir de 1997, data de lançamento da Campanha nacional permanente da Comissão Pastoral da Terra (De Olho Aberto para não Virar Escravo). Outras cam-panhas foram promovidas regionalmente pelo Ministério Público do Trabalho ou por Fóruns Estaduais (Maranhão, Piauí, Mato Grosso).

Merece destaque as iniciativas tomadas por movimentos sociais, pela CPT e por organizações não governamentais, a exemplo do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (MA), do Centro Burnier de Fé e Justiça de Cuiabá (MT), da Repórter Brasil ou do Movimento pelos Humanos Direitos (MHuD).

Entre elas destaca-se: a realização de programa de capacitação para professo-res de municípios afetados (“Escravo nem Pensar!”), Concursos e Festival da Abolição, organizados entre escolas e movimentos sociais em municípios afetados pelo proble-ma (Pará, Piauí, Tocantins, Mato Grosso); vinhetas gravadas por artistas conhecidos e divulgadas em cadeia nacional de TV.

Graças a essa mobilização e a divulgação de materiais didáticos e preventivos, o trabalho escravo já adquiriu maior visibilidade e muitos passaram a ficar “de olho aberto”.

EIXO DA Inserção

Etapa indispensável na erradicação do trabalho escravo, o investimento nas ações de inserção decente dos trabalhadores resgatados ou com semelhante perfil aos encontrados em tal situação, permanece muito aquém do necessário.

Na ausência de tais ações, de fato, as mesmas pessoas qu e a fiscalização liber-ta, com muita probabilidade retornarão à mesma situação degradante, devido à falta de opção ou à falta de mudança na sua situação de vulnerabilidade ao aliciamento.

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Os três meses de seguro-desemprego garantidos aos trabalhadores resgata-dos não bastam para alterar o quadro estruturalmente perverso que explica o círculo vicioso do trabalho escravo: somente através de políticas de qualificação, de reforma agrária, de educação é que se pode esperar abrir horizontes novos para esses traba-lhadores e suas famílias.

Tais iniciativas acontecem de forma esporádica, ainda sem política de conjun-to: um grupo de 42 famílias do Piauí, com o apoio da CPT, conseguiu se organizar e conquistar um assentamento em Monsenhor Gil, como fez outro grupo de 22 famílias em Ananás (TO); em Açailândia (MA) três cooperativas acolhem trabalhadores resgata-dos; no Mato Grosso, por iniciativa da COETRAE e do MTE, trabalhadores resgatados têm acesso a programas de qualificação e inserção profissional.

LIMITES

Mesmo com esse conjunto de mecanismos integrados constata-se que ainda fal-tam ações essenciais para erradicar a escravidão moderna. Ninguém no Brasil cumpre pena de reclusão pelo crime de trabalho escravo. Ninguém perdeu sua propriedade como consequência do crime, muito embora seja preceito constitucional o Estado destinar para o programa de reforma agrária uma propriedade que descumpre sua função social.

Assim sendo, o crime de trabalho escravo só vem a ser sancionado na esfera trabalhista (como grave afronto às leis trabalhistas) ou na esfera econômica (como for-ma extrema de concorrência desleal), mas não vem a ser realmente processado como o crime de lesa-humanidade que representa.

Visto do outro lado – o do trabalhador – pode se dizer que nenhuma iniciati-va específica é tomada após o resgate para evitar a volta quase sistemática da pessoa libertada para as mesmas condições de exploração. Falta melhor coordenação e real integração das políticas públicas no combate ao trabalho escravo, uma tarefa cujo mo-nitoramento, em tese, cabe especificamente à Comissão nacional para a erradicação do trabalho escravo (CONATRAE) e às comissões estaduais (COETRAE).

2.3 Outras modalidades de tráfi co humano

2.3.1 O tráfi co humano para fi ns da remoção de órgãos

A abrangência e complexidade dos desafios a serem enfrentados na problemá-tica referente ao tráfico humano para retirada de órgãos e tecido apontam caminhos que precisam ser trilhados, urgentemente, por autoridades e sociedade civil.

É notório que o homem sempre buscou a cura para suas doenças, com o avanço da biomedicina o tratamento de muitas delas ficou infinitamente mais fácil e dentre estes avanços temos a transplantação de órgãos e tecidos de doadores para seus receptores.

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CONCEITO DE TRANSPLANTE

“O termo transplante é empregado no sentido de retirada ou remoção de ór-gãos, tecidos ou partes do corpo de um ser, vivo ou morto, para aproveitamento, com finalidade terapêutica”. Este procedimento deve ser pautado em princípios éticos e morais, porém, o que muitas vezes encontramos são as mais perversas violações de direitos humanos.

TRANSPLANTES INTERVIVOS E POST MORTEM

INTERVIVOS: usamos esta expressão para denominar que tanto o doador como o receptor são pessoas que estão vivas. Esta prática exige quatro requisitos; a capacidade do doador, vínculo familiar específico entre doador e receptor, autoriza-ção judicial e justificativa médica.

POST MORTEM: esta expressão denomina a relação entre doador, no caso pes-soa morta, e receptora, pessoa viva. Nesta prática também se faz necessário o respei-to aos trâmites legais, ou seja, o prévio consentimento do falecido, ou da família do mesmo.

Em ambas as modalidades, os referidos procedimentos devem ser realizados de maneira gratuita, para fins terapêuticos e humanitários, por pessoa juridicamente capaz, o que deixa claro a ilegalidade da compra ou venda de órgãos.

Falando destas práƟ cas temos a níƟ da impressão que a dignidade humana está sendo

respeitada, porém ao observarmos que estes transplantes muitas vezes se relacionam com o

tráfi co de órgãos temos que nos lembrar que, para muitas pessoas, desde a anƟ guidade, a

dignidade humana se relaciona com a posição social ocupada pelo indivíduo. Assim os direitos

fundamentais são ignorados por uma signifi caƟ va parcela da sociedade. É a vida de uns em

detrimento de outros.

Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS o tráfico de órgãos triplicou em todo o mundo, na última década e um dos fatores que contribuiu para que isto ocorresse foi a falta de órgãos oriundos de fontes legítimas. A OMS ainda informa que um quinto dos 70.000 rins transplantado no mundo, anualmente, é adquirido no “mercado negro”, ou seja, o ser humano é mera mercadoria nesta lógica mercadológica. Isto fica ainda mais estarrecedor ao sabermos que crianças e adolescentes fazem parte desta lógica.

Precisamos nos ater também ao “turismo de transplantes”, realizado por pa-cientes oriundos de países ricos que viajam para comprar órgãos retirados de homens, mulheres e crianças de nações pobres.

Bety Rita Ramos, assessora de Imprensa no Amazonas, relata em uma de suas matérias que; em uma audiência pública sobre Tráfico de Órgãos na Amazônia, Mauro Sposito, representante da Polícia Federal, explicou que existem vários formas do crime organizado de tráfico de órgãos acontecer: brasileiros vão ao exterior e, por necessidade financeira, vendem seus órgãos lá; órgãos são extraídos no Brasil e enviados para o exterior; estrangeiros vêm ao Brasil e vendem seus órgãos aqui; brasileiros extraem seus órgãos no Brasil e os comercializam aqui mesmo.

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Neste mesmo evento, o deputado Neucimar Fraga falou: “Sempre que se tenta investigar denúncias de tráfico de órgãos, jogam a investigação contra a fila de transplante. Na CPI fomos acusados de prestar um desserviço à sociedade. É um crime de alta complexidade que envolve médicos e outros profissionais de saúde”.

O crescimento assustador do tráfico de órgãos fez com que a Organização das Nações Unidas e o Conselho da Europa solicitassem em caráter de urgência uma convenção internacional que regule as doações de órgãos e tecidos humanos.

O documento “Tráfico de órgãos e células e tráfico de seres humanos com o propósito de retirar seus órgãos”, informa a importância das leis e regulamentações para os serviços nacionais de doação e transplante. Espera-se que a regulamentação diminuirá, consideravelmente, os danos desta modalidade do tráfico humano. A im-plantação destas normas protegerá os doadores e aqueles cuja vida depende de um transplante, que deverá ser pautado dentro da ética e da moral.

Segundo informações do Ministério da Saúde apesar de sermos um país em de-senvolvimento, quando se fala em transplante somos o segundo país do mundo em nú-mero de transplantes realizados por ano, deste montante, 90% são realizados pelo SUS.

Alguns aspectos legais

Em fevereiro de 1997 foi aprovada a Lei 9.434, que revogou a anterior (8.489/92), esta lei gerou muita polêmica, pois caso não constasse nos documentos pessoais que o indivíduo não era doador ficaria subentendido que o seria, assim sendo, seus órgãos po-deriam ser extraídos. Diante da fragilidade desta lei sua revogação se deu através da Me-dida Provisória 1.718, de 6 de outubro de 1998, acrescentando o seguinte dispositivo ao parágrafo 6º do artigo 4º da Lei 9.434 em vigor: “Na ausência de manifestação da vontade do potencial doador, o pai, a mãe, o filho ou o cônjuge poderá manifestar-se contrário à doação, o que será obrigatoriamente acatado pelas equipes de transplantes e doação”.

O fato de muitas pessoas não autorizarem a retirada de órgãos de seus parentes falecidos contribuiu para a implantação da Medida Provisória 1.959-27, de 24 de outubro de 2000, e, posteriormente, pela Lei 10.211, de 23 de março de 2001. Cujo Artigo 4º dispõe que: “A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral até o segundo grau, inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”.

A Lei 9.434 que dispõe sobre a remoção de órgãos ou tecidos prevê a punição para a comercialização de órgãos humanos:

Art. 15 - Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

2.3.2 O tráfi co humano para fi ns de adoção ilegal

Nesta modalidade de tráfico, não importa se as vítimas recrutadas são pobres, ricas, brancas ou negras: o comércio ilícito para adoção de crianças não distingue classes. Este trá-fico é a explicação mais provável para o desaparecimento de crianças no Brasil. Os números oficiais são desconhecidos: é precário o controle do Estado sobre este tipo de prática.

Diante das irregularidades constatadas na adoção de crianças e adolescentes, o governo brasileiro criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico Huma-no, onde se encontrou inúmeros processos fraudulentos de adoção. Vejamos alguns trechos de reportagens, dessa realidade presente no Brasil.

Em Betim (MG), uma aliciadora foi presa, quando tentava retirar da maternidade um recém-nascido, depois de ter negociado a doação com a mãe do bebê. As investigações apontam que, aos quatro meses de gravidez, a mãe publicou na internet que queria doar o bebê, porque não tinha condições de criá-lo. Ela re-cebeu a proposta de uma mulher. A suspeita presa teria intermediado o negócio.

De acordo com o artigo 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente prome-ter ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante “paga ou recompensa” é crime, com pena de um a quatro anos de reclusão e multa. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.

Questão para refl exão:

Quais das modalidades acima descritas estão mais presentes no seu contexto de atuação? Como você considera ser possível integrar as ações das diversas organi-zações no enfrentamento ao tráfico humano?

3 ELEMENTOS PARA AS AÇÕES DE PREVENÇÃO, APOIO ÀS VÍTIMAS E MOBILIZAÇÃO CONTRA O TRÁFICO HUMANO.

Ao longo das últimas décadas tem sido importante a atuação da sociedade civil e da Igreja no enfrentamento ao tráfico de pessoas, em suas várias dimensões. Essa atuação tem contribuído, principalmente, para o aprimoramento das políticas públicas afetas a essa problemática. Porém, a ação da sociedade civil e da Igreja não se restringe apenas a essa perspectiva. Muitas organizações estão atuando em ações de denúncia, apoio às vítimas e mobilização social.

É preciso registrar que essa atuação ainda não é suficiente para dar conta de toda a complexidade que envolve esse fenômeno, especialmente considerando as dimensões continentais e as diferenças regionais do nosso país.

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Nesse capítulo abordaremos sobre o papel da Igreja, citaremos algumas boas práticas que têm sido desenvolvidas e disponibilizaremos informações chaves acerca de subsídios que poderão apoiar o trabalho a ser desenvolvidos daqui pra frente.

3.1 O papel da Igreja e a atuação de suas lideranças no enfrentamento ao tráfi co humano

A complexidade das situações que envolvem o enfrentamento ao tráfico de pessoas é uma realidade que muitas vezes pode assustar e até mesmo gerar certo sentimento de impotência. Afinal são redes de tráfico humano, várias delas com liga-ções em vários países, com muito dinheiro e nenhum receio em usar de violência para alcançar seus fins. Seu lucro em geral é seguro e com pouco risco, pois são voláteis, não tem nacionalidade e facilmente deslocam suas bases e formas de atuação, para driblar as fiscalizações e controles.

Nós, como cristãos e como cidadãos, seja por razões evangélicas, seja movi-dos por um profundo senso de defesa dos direitos humanos, não podemos deixar que crianças, jovens e adultos, - mulheres e homens - continuem a ser traficados e subme-tidos a todo tipo de sofrimento, ameaças, exploração, escravidão e vilipêndio de sua dignidade. O enfrentamento ao tráfico humano e suas derivações é condição da nossa opção de fé, pois nas vítimas vemos a pessoa de Jesus Cristo (Mt 25, 31ss).

Assumimos esta missão no compromisso com Deus que se revelou o liber-tador de todos os oprimidos (Ex 3,7). Os clamores chegaram aos seus ouvidos e, sa-bedor da dor e sofrimento da sua gente, desceu para libertá-los. Sua atitude revela a parcialidade necessária para garantir a vida digna e justa aos que viviam uma vida de sofrimentos e opressão. É uma parcialidade necessária porque a situação de injustiça exigia isto. É a opção indubitável por aqueles que, não tinham a quem recorrer.

A intervenção de Deus na realidade de sofrimento é constitutiva de um pro-cesso mais amplo. A intervenção não se deu apenas para sanar um mal do momento, no caso a escravidão, mas na perspectiva da construção de outros processos voltados uma realidade plena de liberdade e dignidade, da terra onde “corria leite e mel”.

A ação de Deus teve um foco momentâneo, sair da escravidão, mas um obje-tivo maior, a experiência de autonomia enquanto povo. Outra dimensão importante a ser considerada refere-se à compreensão de que a perspectiva de um horizonte possí-vel de vida digna e liberdade exigia a transição no deserto.

No deserto o povo aprendeu a se despojar da experiência egípcia e a com-preender que seria necessária a construção de outras formas de relação. Não bastava sair da escravidão. Era necessário construir outras formas de relação que evitassem as condições da escravidão na vida futura. Não foi um processo fácil. Contudo a pedago-gia divina se fez presente através de Moisés.

O projeto gestado no deserto que culminou com a experiência do tribalismo e posteriormente ameaçado pela monarquia, foi defendido pelos profetas. A dimensão

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

libertadora ensinada por Deus despertou a ação profética. Os profetas defendiam de forma consistente os pilares do projeto gestado no deserto porque era a única possi-bilidade de garantia de vida digna para todas as pessoas. Deus se mantinha fiel. Con-tudo cabia ao povo cumprir com sua parte, sustentado na ideia da justiça e no direito que correm como fonte viva (Am 5, 24-25).

A encarnação do Verbo de Deus (Jo 1,1) revelou sua decisão de, a partir de Jesus, entrar na história humana fazendo desta a história da salvação. Ele estava com Deus, era Deus e se fez homem e servo para glorificação de toda a humanidade (Fil 2,5ss).

Nas ações e atitudes de Jesus vemos Deus agindo. E novamente desponta a “santa parcialidade”, já antevista no texto do Êxodo. É a ação fundada no amor, su-gerido como regra de vida para todos. A encarnação amorosa que permitiu a Jesus “descer” ao encontro da humanidade (Fil 2,7), assim com Deus havia feito no passado (Ex 3,7), se explicitou em um projeto muito claro.

No texto de Lucas 4,16-20 Jesus apresenta o seu programa. Este gera polêmi-ca, assim como gerou estupefação no Faraó e sua corte a decisão de Deus em assumir a defesa do povo hebreu. O Faraó e o seu grupo não entendiam quem era Deus e muito menos um Deus que se coloca ao lado dos fracos. Muitos não entenderam Jesus como Filho de Deus e também a sua proposta voltada para os excluídos do seu tempo. Contudo este foi o caminho do Filho de Deus.

A radicalidade da decisão de Jesus colocou em risco a sua vida (Lc 4, 28). Contudo Jesus não arrefeceu no propósito de levar para frente o Projeto do Reino. E decisão estava correta porque o povo sofrido reconheceu em Jesus algo de novo e bom (Lc 5,26). E gostaram disso (Lc 7,16).

As atitudes de Jesus se deram a partir da percepção de que as coisas não esta-vam bem para os pobres. Diante disso insiste na necessidade de priorizar a vida amea-çada, chamando a atenção para as pessoas que mais necessitam como nos remete o episódio do homem da mão seca (Mc 3, 2ss).

Os pobres e sofredores devem ser o centro da atenção das instituições. No caso da Igreja este desafio é mais urgente porque a sua constituição, querida por Deus se fortalece, dentre outras coisas, no serviço e na profecia.

A Igreja é servidora quando se coloca ao lado dos injustiçados ousando na mesma parcialidade sentida pelo povo hebreu (Ex 3,7-10), configurada na prática de Jesus de Nazaré (Mt 11, 1ss). É profética quando tem a coragem de se pronunciar diante das situações reais de ameaça a vida e sua dignidade. Esta é a sua tarefa sua missão, sua identidade. Nisto a Igreja é sacramento da comunhão de seus povos. É morada de seus povos; é casa dos pobres. De Deus. (DAp 524).

No combate ao Tráfico Humano está o caminho da fidelidade ao Deus liber-tador encarnado no Filho Redentor. Nisto a Igreja avança confiando na sua força, a energia que brota da fé, mas confiando na inspiração do Espírito Santo, aquele que ilumina e suscita a coragem no caminho da boa obra.

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Três aspectos são de grande importância para a ação da Igreja no Brasil no enfrentamento ao tráfico de pessoas:

1. Paróquias, redes de comunidades e outros grupos e organismos da Igreja Católica no Brasil podem fazer a diferença na sensibilização e mesmo na mobilização de novos segmentos da sociedade civil, em virtude da cre-dibilidade da sua palavra e da sua consolidada prática de denúncia, de prevenção e de acolhimento das vítimas desse crime vergonhoso;

2. As dimensões local, nacional e internacional estão presentes nas redes do tráfico humano. Portanto devem estar presentes nas ações de combate, de modo a constituirmos verdadeiras redes de proteção e ajuda mútua;

3. É no marco de uma pastoral de conjunto que as ações eclesiais necessa-riamente precisam ser articuladas, para que o enfrentamento ao tráfico reproduza o anseio e o agir pastoral de toda a Igreja.

Relembramos aqui o Documento de Aparecida, quando afirma no número 112, de que modo, como discípulos missionários, comprometemo-nos com o Evangelho:

Diante da exclusão, Jesus defende os direitos dos fracos e a vida digna de todo ser humano. De seu Mestre, o discípulo tem aprendido a lutar contra toda forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa humana. Só o Senhor é autor e dono da vida. O ser humano, sua imagem vivente, é sempre sagrado, desde a sua concepção até a sua morte natural, em todas as cir-cunstâncias e condições de sua vida. Diante das estruturas de morte, Jesus faz presente a vida plena.

Destacamos a seguir atitudes e ações que podem ser implementadas a partir da igreja local e de sua rede de paróquias e comunidades e, que por seu efeito multi-plicador, certamente reverberarão no âmbito nacional.

1. No apelo à conversão e ao compromisso pessoal - reiterar, na formação catequética, nos encontros, retiros, seminários e mesmo nos momentos celebrativos, atenção específica sobre situações vivenciadas por crianças, jovens e mesmo adultos no âmbito da comunidade, principalmente se nessa realidade estiveram presentes situações de baixa estima, exclusão e vulnerabilidade social. Nestas condições potencialmente existe o risco de tráfico humano, da exploração por parte de traficantes ou atravessa-dores, que se apresentam como interlocutores para uma vida melhor, para outras oportunidades de trabalho, de sucesso, de ganho fácil. Afirmar a dignidade das pessoas, seu pleno pertencimento à comunidade e compro-meter as pastorais neste propósito é uma forma de proteção.

2. A atitude pessoal e comunitária de acolhimento às vítimas - Jesus aco-lhe e oferece de modo incondicional seu amor. Ele apenas cuida (cf. Lc. 7,36-50) e resgata a pessoa “caída”. Cada um de nós deve buscar ser uma presença que consola, acolhe, compreende e ajuda na retomada de um caminho de dignidade e respeito humano. Sejam quais forem os motivos

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que levaram um ser humano a se tornar vítima do tráfico, não podemos esquecer sua humanidade e dos vários aspectos psicológicos que permea-ram suas atitudes, tais como: o desejo, os apelos de consumo, amor e sonhos de uma vida melhor.

3. Protagonismo eclesial - Já existe uma forte presença da Igreja em ações de caráter social; por isso, em muitas dioceses, o esforço está em con-solidar ações que contribuam para a superação da vulnerabilidade e de exclusão social. Valorizar articulações das pastorais e organismos entre si e destas com outras entidades e espaços da sociedade civil: As Cáritas dio-cesanas e a Cáritas brasileira, as Pastorais Sociais, a Comissão Brasileira e as Comissões Diocesanas Justiça e Paz, o Setor da Mobilidade Humana, enfim, fortalecer e articular ações no âmbito de uma pastoral de conjunto e sua incidência nas demais instâncias da sociedade.

4. Nas situações locais em que essas articulações não existem até o momen-to, pode-se aproveitar o contexto da própria Campanha da Fraternidade para iniciar esse processo. No que tange a iniciativas pastorais já clara-mente atuantes em situações de marginalidade e exclusão das pessoas, tais como a Pastoral da Mulher Marginalizada - PMM, a Rede Um Grito pela Vida, a Comissão Pastoral da Terra, as Casas de Acolhida a Migrantes, Refugiados, e a pessoas em situação de rua, no âmbito diocesano: que ofereçam apoio e atenção às pessoas vítimas de exploração sexual (mu-lheres, homens, crianças e aqueles que se consideram LGBT) e do trabalho escravo, ampliando se possível suas equipes de trabalho e a incidência no processo de articulação por políticas públicas mais eficientes e centradas no cuidado às vítimas do tráfico humano.

5. Conscientizar: ‘Uma corrente do bem’ pode ser criada por meio da parti-cipação em campanhas promovidas pelo estado, mas também nos meios de comunicação da própria igreja, tais como TVs, rádios e jornais. Des-te modo a temática do tráfico humano será mais conhecida, bem como as iniciativas pastorais que contribuam para sua erradicação13. Divulgar materiais, promover campanhas e outras iniciativas produzidas pelas di-ferentes instituições vinculadas à igreja e ou entidades parceiras na luta pela erradicação de toda e qualquer forma de tráfico. Numa articulação mais ampla, que envolva os regionais da CNBB, as dioceses e a Conferên-cia dos Religiosos do Brasil (CRB), seguramente será de efeito abrangente, muito eficaz e orientador para a sociedade realizar cursos de formação de multiplicadores para a prevenção ao tráfico humano. Onde já ocorrem iniciativas do gênero, dar continuidade ao processo. O fundamental é sen-sibilizar e socializar informações sobre o Tráfico humano e seus degradan-tes efeitos para as pessoas e para a sociedade; sublinha-se a importância de capacitar multiplicadores/as para ações educativas de prevenção ao

13 MILESI, Rosita e SPRANDEL, Márcia, II Seminário Nacional de Enfrentamento ao Trá! co de Pessoas e Trabalho Escravo, in: Trá! co de pessoas e trabalho escravo – II Seminário Nacional. Brasília, CNBB, 2012, p. 155)

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tráfico humano, assistência às pessoas atingidas e intensificação da de-manda e implementação de políticas públicas para enfrentamento desta realidade;

6. Atuar como uma rede de proteção - Uma proposta que já apareceu em di-versos encontros do Setor Mobilidade Humana da CNBB é a constituição de uma rede voltada à prevenção ao tráfico de pessoas e à assistência às vítimas, bem como à atuação insistente na incidência por políticas públi-cas, de modo a integrar iniciativas de caráter regional ou mesmo tornar mais eficaz o funcionamento de entidades, grupos, e organizações que atuam nacional e internacionalmente. Neste processo está se pensando na elaboração de banco de dados, em serviço de disque denúncia e em articulações em torno do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e suas seções estaduais. Bem como no monitoramento da im-plementação do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e dos Planos Estaduais e Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.

7. Monitorar políticas propostas pelo Estado – Estar vigilantes para que seja efetivado o que está proposto no III Plano Nacional de Direitos Hu-manos (PNDH): “Estruturar, a partir de serviços existentes, sistema nacio-nal de atendimento às vítimas do tráfico de pessoas, de reintegração e diminuição da vulnerabilidade, especialmente de crianças, adolescentes, mulheres, transexuais e travestis.”14 Bem como somar forças e agir em parceria, governo e sociedade civil, na luta pelo aprimoramento do marco legal relativo ao tráfico de pessoas, de modo a por fim aos limites atuais no que tange à responsabilização por estes crimes15 Esta proposta reiterar recomendação constante do Relatório da Comissão Parlamentar de Inqué-rito do Senado Federal sobre o Tráfico de Pessoas, 2012.

8. Campanhas de enfrentamento ao tráfico humano - Desenvolver ativida-des de difusão e sensibilização, e para tanto aproveitar datas significativas tias como: 28 de janeiro – Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo; 8 de março – Dia Internacional da Mulher; 1º de maio

9. – Dia do Trabalhador; 18 de maio – Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; 23 de setembro – Dia Internacional contra a exploração sexual de Crianças e o Tráfico de Mulheres e Crianças; 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Ne-gra.

10. Particular Atenção e Cuidado com as Crianças - É necessário maior con-trole sobre formas veladas de adoção, encobertas, muitas vezes, por pa-rentesco ou por suposta ajuda dada aos pais, e que resultam na retirada da criança do convívio familiar, mas que não tem amparo social, embora legalmente constituídas são ilegítimas e violadoras de direitos e voltadas

14 Brasil – Secretaria Nacional de Direitos Humanos. III Programa Nacional de Direitos Humanos, Brasília, 2010, p. 149.15 Idem, p. 157

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a fins ilícitos, como tráfico e a exploração. Atente-se que nas adoções in-ternacionais nem sempre o acompanhamento por parte das embaixadas e consulados significa licitude e transparência.

11. Superação das desigualdades e redução da vulnerabilidade social - A Igreja, em parceria com outras organizações da sociedade civil, partindo da premissa de que o tráfico humano se expande quando existe vulne-rabilidade social, deve monitorar a atuação do Estado no sentido de dar “efetividade às políticas públicas” – saúde, educação, desenvolvimento social, moradia, inserção laboral – a fim de reduzir a exposição das pes-soas ao tráfico humano ou a outras situações nas quais incorrem por falta de oportunidades, de assistência, de perspectivas de vida.

12. Texto-Base da CF 2014 - Aprofundar o capítulo “Propostas para o Enfren-tamento ao Tráfico Humano” (AGIR), do Texto-base da CF 2014, identificar e debater, com outras lideranças comunitárias, quais são viáveis e mais ur-gentes em nossa realidade, e definir duas ou três segundo o grau de prio-ridade, e distribuir tarefas entre as lideranças para sua implementação.

3.2 Boas Práticas atuais de enfrentamento ao tráfi co humano no Brasil

“Nunca duvide de que um pequeno grupo de cidadãosconscientes e engajados consiga mudar o mundo.

Na verdade, essa é a única via que conseguiu produzir mudanças até agora.”

Margaret Mead

O Brasil tem sido reconhecido internacionalmente pelo desenvolvimento de ações significativas de enfrentamento ao tráfico de pessoas, especialmente nas mo-dalidades de tráfico para fins de exploração sexual e exploração laboral. Inobstante a gravidade e a quase invisibilidade dessa problemática, vários são os esforço do Estado e da Sociedade Civil nessa perspectiva.

A OIT publicou em 2005 o Relatório Global sobre Trabalho Forçado no Mundo e o Brasil é citado como destaque no enfrentamento do problema:

“Na América Latina, é digno de destaque a experiência brasileira. (...) A aplica-ção da lei tem sido também intensificada no Brasil com resultados positivos. Um Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) foi reforçado, enquanto 150 novos inspetores foram deslocados, em 2004, para regiões prioritárias nas quais se tem concentrado o trabalho forçado”.

Em 2009, a OIT publicou um novo Relatório Global sobre Trabalho Forçado no Mundo e o Brasil foi novamente citado como destaque no enfrentamento do problema:

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Alguns dos melhores exemplos dos planos de ação contra o trabalho forçado são originários da América Latina. O primeiro plano de ação do Brasil sobre o ‘trabalho escravo’ foi adotado em 2003, fornecendo a base para uma forte coordenação interministerial, através da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE). Cons-truído com base nesta experiência, um Segundo Plano de Ação, ado-tado em Setembro de 2008, inclui novas medidas importantes, como uma proposta de alteração constitucional, que autoriza a expropriação e a redistribuição da propriedade dos empregadores que usufruem do trabalho forçado, e outras alterações legais, no intuito de promover a proteção dos trabalhadores sujeitos a este tipo de trabalho no Brasil. O Plano também propõe sanções econômicas mais pesadas contra os empregadores que usam o trabalho forçado, privando-os de receber empréstimos por parte de entidades privadas e públicas, e de assinar qualquer contrato com uma entidade pública. Aumentou os poderes da Unidade Móvel de Inspeção, e propõe o estabelecimento de agên-cias de emprego nas áreas de origem do trabalho forçado. Finalmente, o plano inclui novas medidas de prevenção e de reintegração, como o direito a documentos de identidade, assistência legal, benefícios sociais, e formação profissional para os trabalhadores libertos do tra-balho forçado.

As ações governamentais de enfrentamento ao tráfico de pessoas estão defi-nidas atualmente no âmbito do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pes-soas e do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, que estabelecem um conjunto de ações as serem desenvolvidas no âmbito dos vários Poderes e níveis de governo. São exemplos de ações: os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o Grupo Móvel de Fiscalização, a Lista Suja, etc.

Para os fins desse caderno serão citadas boas práticas oriundas da atuação da sociedade civil e da Igreja, como forma de ilustrar possibilidades de atuação nesse campo. Essas boas práticas foram retiradas de documentos ou reportagens já publica-das. Ao final de cada uma delas será devidamente citada a fonte.

Assentamento Nova Conquista: A Organizaçãodos Trabalhadores e suas famílias garante o acesso à terra

O assentamento Nova Conquista fica em Monsenhor Gil, município distante apenas 56 quilômetros de Teresina, capital do Piauí. É o primeiro no país formado por trabalhadores que foram vítimas do trabalho escravo e que, juntos, se organizaram para a conquista da terra.

A história começou em 2004, quando um gato aliciou dois grupos de trabalhadores para empreita em duas fazendas no sul do Pará, em Santana do Araguaia. No destino, os trabalhadores viram-se endividados e em condições degradantes.

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Os grupos foram iludidos com promessas de bons salários (cerca de R$ 600) e receberam um adiantamento para abastecimento imediato da família. Depois de um dia inteiro de viagem, quando chegaram à uma propriedade isolada em Vila Mandir, em Santana do Araguaia (PA), en-contraram um quadro desolador: teriam que pagar em dobro a quantia deixada às suas famílias e o valor da passagem. Passaram a dormir em barracas de lona e eram vigiados por capangas armados. Não tinham acesso à água potável e não se alimentavam adequadamente; trabalhavam de domingo a domingo, sem descanso semanal.

“Lá a gente tinha que pagar por tudo: ferramentas, equipamentos de proteção individual (EPIs), comida etc. Era tudo muito caro”, revela Francisco. Ele e outros empregados permaneceram seis meses seguidos na labuta, submetidos à servidão por dívida e sem receber nada.16

16

Um dos grupos foi libertado pelo Grupo Móvel de Fiscalização na fazenda Tigre, de Rosenval Alves dos Santos. No total, foram 78 libertados na ação. Ao saber disso, o grupo que estava na outra fazenda foi enviado de volta ao Piauí pelo empre-gador, para burlar a fiscalização. Quando esses trabalhadores voltaram pra casa, sou-beram que os outros haviam recebido todos os direitos e resolveram entrar na Justiça para conquistarem os seus, com apoio da CPT. E conseguiram.

Mas isso não bastou. Organizados, fundaram a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Prevenção ao Trabalho Escravo, reunindo todas as famílias. Deram início à articulação junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (In-cra) para lutar por um pedaço de chão. Depois de muita pressão, as 39 famílias con-quistaram o Assentamento Nova Conquista, em uma área de 2,26 mil hectares. A luta não parou por aí. Somente no início de 2013, as casas e a infraestrutura necessária para produção foram concluídas e o assentamento inaugurado.

Toda mobilização foi possível graças a um trabalho articulado entre as equi-pes da CPT de Xinguara, sul do Pará, e da CPT de Teresina, no Piauí. Durante a liber-tação em Santana do Araguaia, agentes da CPT do estado identificaram que havia um grupo grande de Monsenhor Gil e passaram os contatos à equipe de Teresina, que os procurou, dando suporte ao processo posterior de organização dos trabalhadores e suas famílias.

Vale destacar a iniciativa atual da associação do assentamento para alertarem outros trabalhadores de seu município sobre os perigos da escravidão. “Sábado na Praça” é o nome da atividade que realizam periodicamente na cidade, com encena-ções, música e palestras sobre a temática.

Em 2012, a associação teve o projeto “A arte na prevenção ao trabalho escra-vo”apoiado pela ONG Repórter Brasil, via apoio CNBB/CRS, com financiamento de 1,5 mil reais.

16 Trecho da reportagem “Vítimas do trabalho escravo são assentadas no Piauí” (Bianca Pyl, Mauricio Hashizume/Repórter Brasil, 2009).Acesso em: http://reporterbrasil.org.br/2009/04/vitimas-do-trabalho-escravo-sao-assentadas-no-piaui/

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Nas atividades, foram envolvidos o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a igreja e duas escolas da região, com exibições de filmes sobre trabalho escravo acompanha-dos de palestras, com apresentação de dados e informações sobre trabalho escravo, e distribuição de materiais. Também foi debatido como a conquista do assentamento permitiu aos moradores um trabalho livre. A partir disso, os professores desenvolve-ram o tema com seus alunos dentro das salas de aula. Foram produzidos cartazes, poemas, desenhos e peças de teatro.17

A gente se sente fazendo algo a mais pelos outros. Imagina quantas pessoas a gente não está ti-rando desse ciclo do trabalho escravo? A gente sempre deixa claro que as pessoas têm o direito de migrar livremente, mas a questão é saber pra onde vão, com quem vão, como é o trabalho. É muito importante esse trabalho de informar. (...)Foi uma grande conquista para população que conseguiu ter acesso.

Francisco José dos Santos Oliveira, coordenador do projeto

Fonte: Catholic Relief ServicesGuia de visita – Experiências de Enfrentamento ao trabalho escravo no BrasilCoordenação: Rogenir AlmeidaPesquisa: Carolina Motoki e Gustavo OharaTexto-base em português: Carolina Motoki2013

Programa Escravo, nem pensar!: mobilizando professorese lideranças comunitárias contra o Trabalho Escravo

Esse programa constitui-se numa das frentes de trabalho da ONG Repórter Brasil. É considerado o primeiro programa de prevenção ao trabalho escravo em âm-bito nacional e sua expansão é uma das metas do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.

O programa “Escravo, nem pensar!” foi criado em 2004 e tem como missão:

• Diminuir, por meio da educação, o número de trabalhadores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste aliciados para o trabalho escravo na Amazônia e no Cerrado brasileiros;

• Difundir o conhecimento a respeito de tráfico de pessoas e de trabalho escravo rural contemporâneo como forma de combater essa violação dos direitos humanos;

• Promover o engajamento de comunidades vulneráveis na luta contra o trabalho escravo.18

18

17 Com informações do programa Escravo, nem pensar!, da ONG Repórter Brasil.18 “O que é o programa” na página do Escravo, nem pensar!. Acesso em:

http://www.escravonempensar.org.br/oqueeoprograma.php

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Para cumprir esses objetivos, o programa realiza formações de professores e lideranças populares sobre trabalho escravo contemporâneo e temas relacionados; produz materiais didáticos sobre essas temáticas; desenvolve metodologias e atividades didáticas; apoia pedagógica e financeiramente projetos de prevenção ao trabalho escravo desenvolvido pelos participantes em comunidades vulneráveis.

O programa já esteve em 49 municípios com alto índice de aliciamento ou com casos de trabalho escravo em 6 estados (Bahia, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins). Por meio de suas ações, conseguiu envolver novos segmentos sociais na luta contra o trabalho escravo.

A Repórter Brasil foi fundada em 2001 como uma agência de notícias, denun-ciando diversas violações. O combate ao trabalho escravo está em sua pauta desde o início, com a produção de reportagens importantes sobre o tema. Tem sido uma das principais organizações a atuar no combate ao trabalho escravo no Brasil e a pautá-lo na mídia e nos debates da opinião pública e, graças a isso, houve aumento significati-vo na visibilidade do tema na sociedade.

Hoje, a Repórter Brasil conta com duas áreas de atuação: uma de Jornalismo e Pesquisa e outra de Metodologia Educacional. Há ainda uma área de Articulação Polí-tica, que visa a aumentar o impacto das outras duas.

Fonte: Catholic Relief ServicesGuia de visita – Experiências de Enfrentamento ao trabalho escravo no BrasilCoordenação: Rogenir AlmeidaPesquisa: Carolina Motoki e Gustavo OharaTexto-base em português: Carolina Motoki2013

Rede Mandioca: Projetos sociais combatemo trabalho escravo na zona rural de vargem Grande - MA

Vargem Grande (MA) - A falta de oportunidade é o que leva a maior parte dos trabalhadores da zona rural de Vargem Grande, no interior do Maranhão, a deixar as comunidades onde vivem e se submeterem a longas jornadas de trabalho e privação da liberdade. Nos últimos anos, projetos como a Rede Mandioca, desenvolvido pela Cáritas Brasileira Regional do Maranhão - entidade ligada à Igreja Católica - e o Juven-tude e Gênero no Campo, financiado pela Petrobras, têm buscado gerar renda para os moradores. A Agência Brasil e a TV Brasil visitaram dois povoados: Riacho do Mel e Pequi da Rampa, beneficiados por essas ações.

A Rede Mandioca incentiva não apenas a produção de farinha de mandioca, mas de hortaliças e derivados do babaçu. O financiamento vem da Cáritas europeia, que entra com os equipamentos e a capacitação. O que é produzido a própria entidade vende e repassa os recursos aos trabalhadores. A maior parte do que é produzido é adquirido pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), do Ministério da Educação (MEC). Já o Juventude e Gênero consiste na doação de frangos e de sementes para que as comunidades tenham uma fonte de renda. A primeira produção

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é comprada pela Petrobras e entidades parceiras. Depois, as comunidades devem garantir a venda.

Em Pequi da Rampa, o trabalho da Rede Mandioca resultou em uma horta coletiva irrigada, além de outras plantações. Na comunidade, contam os moradores, já passou-se muita fome. “Antes era difícil, não era o que a gente espera para o filho da gente. Amanhecia, o filho pedia e a gente não tinha o que dar [de comer], ficava doido”, diz a moradora Isabel Fernandes. A única alternativa era deixar o povoado e passar um ano ou mais trabalhando para conseguir juntar algum dinheiro. Com a aju-da dos programas, os moradores deixaram de sair.

A Rede Mandioca atende a mais de 20 comunidades rurais em Vargem Grande. No município, 46% da população vive na zona rural. Os homens cuidam da plantação de mandioca e da produção da farinha. As mulheres entram com o coco do babaçu, a partir do qual produzem principalmente azeite e biscoitos.

Apesar de bem-sucedido em Pequi da Rampa, há povoados em que o projeto não vingou e há também locais onde não é possível tirar o sustento apenas desses produtos, como é o caso de Riacho do Mel, onde o trabalho análogo ao escravo ainda é um problema. Uma das queixas dos trabalhadores é que a maior produção de farinha de mandioca traz também a desvalorização do produto. Atualmente, 30 quilos (kg) de farinha custam R$ 100. O preço já chegou a R$ 10 em tempos de abun-dância e a R$ 200, em períodos de seca.

“Aqui a vida é difícil. Por muito que a gente lute, para quem tem família grande, tem dia, tem hora, que a gente imagina o que fazer para manter o sustento da família”, diz Ananias dos Reis da Silva, morador de Riacho do Mel. Ele é casado há 25 anos. Teve 12 filhos, e apenas sete estão vivos. Silva acaba de voltar de São Paulo, chegou em janeiro deste ano à comunidade. “Talvez dá de a gente arrumar um dinheiro para comprar uma coisinha que a gente precisa”, diz.

“Teve época, em 2009 e 2010, que quase todo homem do nosso povoado foi para São Paulo, ficou só aquele que não podia ir. Era rotina. Com a Rede Mandioca, eles continuam indo, mas a gente vê que diminuiu. Alguns já foram cinco vezes. Hoje, dizem que não vão mais, que vão continuar trabalhando aqui, tirando o sustento deles”, explica Inácio Ribeiro Lima, morador e primeiro Conselheiro Fiscal da Associação Comunitária de Riacho do Mel.

A rede ajudou José Maria Batista de Sousa. Aos 28 anos, ele foi três vezes trabalhar em São Paulo. “Me tornei quase escravo mesmo. Passamos quatro dias dor-mindo no chão. Porque disseram pra gente que não precisava de rede, aí não levemos. Chegamos lá e não tinha nem cama”. A rotina começava às 3h, quando levantava para fazer o almoço. Às 6h, um ônibus levava para a lavoura, onde trabalhava no corte da cana. Ele voltava às 15h, lavava a roupa e fazia o jantar. “Falei que não ia mais lá não”. Sousa voltou mais duas vezes.

O que o fez ficar foi a família: a mulher e os três filhos. Ele comprou a moto, que tanto queria e começou a plantar na comunidade. Agora, segundo ele, dá para tirar o sustento. Além da Rede Mandioca, ele e a esposa participam do Juventude e

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Gênero no Campo. O projeto é recém-chegado à comunidade. Eles receberam uma capacitação em São Luís (MA), sementes e irrigação para a horta e 500 frangos, para criar e vender - desses, 100 morreram.

A esposa de Sousa, Maria Aparecida dos Reis Jacob, está otimista.

“Achei ótimo que ele não quer mais sair daqui. Eu falo para ele, se for, pode não contar comigo que eu não espero mais não. É muito difícil ficar sozinha. Agora ele colocou na cabeça, e diz que não vai mais. Estamos cuidando desse aviário e tenho fé que vai dar certo, já está dando certo”.

Fonte:Agência BrasilMariana TokarniaRepórter da Agência BrasilEdição: Fernando Fraga06/10/2013

Instituto Migrações e Direitos Humanos: atendimento a vítimas de tráfi co de pessoas em Samambaia Norte – Brasília - DF

Em diligências realizadas em fins de maio e inícios de junho de 2013, foi formalmente constatada, na cidade satélite de Samambaia, Brasília, Distrito Federal, a situação de tráfico de pessoas de um grupo de estrangeiros, todos procedentes de um país asiático.

O IMDH já vinha acompanhando algumas pessoas, na condição de solicitantes de refúgio e havia buscado caminhos para uma averiguação sobre o contrabando de migrantes que já se percebia em relação a estas pessoas. Contudo, a configuração de Tráfico de Pessoas veio com uma diligência da Polícia Federal, realizada no dia 29 de maio de 2013, a partir da qual, em Ofício datado de 03 de junho de 2013, registrou tratar-se de “vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração laboral (redução à condição análoga à de escravo, na modalidade de retenção de documentos e salários para pagamento das despesas com transporte, alojamento e alimentação)”.

A assistência, o acompanhamento e a integração:

A visita ao grupo foi realizada já no dia 04 de junho, sob a coordenação da Gerência de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do DF (GETP). A Diretora do IMDH, Ir. Rosita Milesi, integrou a equipe, da qual participaram várias agentes públicos, tanto de setores sócio-assistenciais, quanto de órgãos de repressão ao tráfico e de assistên-cia às vítimas.

Em uma pequena casa de 4 cômodos, estava, podemos dizer confinado, o grupo de 22 pessoas. São todos homens, com idade entre 20 e 45 anos. A situação em que se encontravam era deplorável. É dispensável descrevê-lo.

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Assumimos o acompanhamento e assistência, particularmente em relação a recursos para alimentação, bolsa subsistência, orientação, apoio emocional e docu-mentação. Em reunião realizada com o Secretário de Desenvolvimento Social e Trans-ferência de Renda do GDF, Dr. Daniel Seidel, e com a Coordenadora do GETP/DF, Sra. Marta Helena da Silva Santos, bem como com a participação de várias funcionárias destes dois órgãos, a Diretora do IMDH ficou encarregada de prover a assistência ime-diata, enquanto os órgãos públicos fariam os devidos encaminhamentos para este fim.

Desde então, o IMDH está acompanhando e, dentro dos convênios que pos-sui, bem como com a colaboração de voluntários e doações arrecadadas, está pres-tando a assistência possível. Nesta consiste também a realização de todos os passos, tanto sócio-assistenciais, quanto formais e jurídicos, em colaboração com outras ins-tâncias governamentais – GETP/DF, Secretaria de Desenvolvimento Social do DF e Po-lícia Federal - para minimizar a situação de precariedade e vulnerabilidade em que se encontravam, suprir as necessidades básicas, propiciar suporte humanitário, prestar os esclarecimentos e informações, enfim, prover as condições e informações para uma solução humanitária e legal adequada e justa.

A assistência prestada até o momento consistiu em:

Ꮿ Fornecimento de bolsa subsistência nos meses de junho e de julho;

Ꮿ Reuniões com algumas lideranças do grupo, com vistas a uma articula-ção, compreensão e suporte entre todos, pois todos os apoios e ajudas mate-riais estão voltados para o benefício do grupo e como tal devem ser gerencia-dos, com a participação deles mesmos;

Ꮿ Pagamento dos aluguéis atrasados (lembrar que os atravessadores reco-lheram o dinheiro das vítimas, mas não pagaram os compromissos assumidos);

Ꮿ Fornecimento de cestas básicas, tendo em vista que a bolsa subsistên-cia, por ser de um valor modesto, não supria todas as necessidades;

Ꮿ Encaminhamento para tratamento médico em alguns casos;

Ꮿ Fornecimento de colchões;

Ꮿ Viabilização de documentos – Protocolo junto à Polícia Federal dos casos que estavam pendentes, CPF e Carteira de Trabalho;

Ꮿ Apoio na busca de emprego;

Ꮿ Aula de Português (A sala de aula foi cedida por uma Escola Pública, os professores são voluntários, o material escolar foi obtido através de doações);

Ꮿ Entrevistas, individuais e em conjunto, para atendimento e apoio emo-cional, orientações e, sobretudo, para ajudá-los a organizar-se como grupo de apoio recíproco, de acolhida, de paciência, de busca de soluções e de partilha das doações, recursos e responsabilidades coletivas;

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No que tange à integração, além das aulas de português e o acompanhamento individual e coletivo, buscou-se viabilizar que o grupo conseguisse alugar uma segun-da casa, para evitar o acúmulo e as grandes dificuldades de viverem todos numa única moradia, pequena e precária. Mas, acima de tudo, o grande esforço está me torno da inclusão no mercado de trabalho.

Atualmente, todos têm Carteira de Trabalho, 12 pessoas estão trabalhando e estamos em contato e estreita articulação com pessoas, instituições empresas para conseguir emprego aos demais. Eles mesmos são os maiores agentes neste sentido, pois sempre os orientamos a fazerem eles mesmos, ajudando-se mutuamente, esta inclusão no mercado, na busca de empregos.

Fonte:Instituto Migrações e Direitos HumanosIr. Rosita Milesi, mscsOutubro de 2013

Rede um Grito Pela Vida / CRB Regional Fortaleza:Formação de Multiplicadores para a prevenção ao Tráfi co de Pessoas

Em 2007 começou a articulação do núcleo da Rede Um Grito pela Vida em For-taleza – CE. Mensalmente um grupo de religiosas se encontrava para estudar, refletir, rezar, coletar e trocar informações sobre o tráfico de pessoas. Sucessivamente foram planejadas atividades de sensibilização e informação sobre o tráfico de pessoas, prio-rizando grupos em situação de risco e lideranças comunitárias.

A experiência acumulada nos primeiros anos ensinou que o tráfico de pessoas é um fenômeno muito complexo. Consequentemente, o trabalho em rede é uma ne-cessidade, uma urgência para toda a sociedade. Foi assim que o núcleo da Rede Um Grito pela Vida de Fortaleza abriu as portas para novos membros leigos e começou a tecer redes com Organizações Não Governamentais e Governamentais que atuam no enfrentamento ao tráfico de pessoas.

No lento trabalho estudo e pesquisa sobre o tema fomos descobrindo como essa grave violação dos direitos humanos é parecida com a ponta de um iceberg. Para ser compreendida e consequentemente enfrentada, se faz necessário adentrar nas profundidades escuras de nossa época, em suas contradições, modelos de desenvol-vimento, desigualdades, tendências e abordar a realidade em sua multidimensionali-dade, visto que as causas são simultaneamente econômicas, psicológicas, mitológicas e sociológicas.

A principal contribuição do núcleo de Fortaleza foi a realização e sistemati-zação do curso de formação para multiplicadores para enfrentamento ao tráfico de pessoas.

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Motivações para a realização do curso

Ꮿ A existência de rotas de tráfico de pessoas para fins de exploração se-xual e trabalho forçado no Ceará (fonte PESTRAF, 2002). O Núcleo de Enfren-tamento ao Tráfico de Pessoas do Ceará (NETP-CE) confirmou em 2012 que no Estado do Ceará há rotas internas e internacionais de Tráfico de Pessoas, principalmente de mulheres (jovens e adolescentes) para fins de exploração sexual comercial.

Ꮿ A pouca visibilidade sociocultural do Tráfico de Pessoas.

Ꮿ Falta de conhecimento sobre a temática pela sociedade, pelos grupos em situação de risco (mulheres e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, homossexuais e travestis) e pelas instituições responsáveis pelo en-frentamento.

Ꮿ Fragmentação da alteridade, ou seja, os preconceitos vigentes, princi-palmente no que diz respeito às categorias de riscos: mulheres prostituídas, LGBTT, os/as empobrecidos/as.

Ꮿ Falta de confiança nas instituições responsáveis pela segurança pública por parte das pessoas em situação de vulnerabilidade social e em situação de risco de tráfico.

Ꮿ Necessidade de construir e sistematizar uma proposta pedagógica na formação de multiplicadores para a prevenção ao tráfico de pessoas.

A metodologia elaborada foi o resultado do diálogo e da síntese entre os ele-mentos teóricos e a reflexão sobre as experiências das religiosas da Rede Um Grito pela Vida no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas junto com mulheres, crianças, adolescentes e comunidades em situação de vulnerabilidade social.

A dinâmica metodológica do I Curso de Formação para Multiplicadores foi uma construção coletiva, que tomou essa forma na partilha de saberes, na criativida-de e conhecimentos, mas, sobretudo no desejo profundo de ousar uma metodologia diferente para formar multiplicadores e proporcionar uma vivência que, incluindo a tradicional abordagem racional, oferecesse a possibilidade de envolver todas as parti-cipantes, valorizando seus saberes e conhecimentos; favorecendo uma visão multifo-cal na abordagem das temáticas referentes ao tráfico de pessoas.

A metodologia do curso de formação para multiplicadores para a prevenção ao tráfico de pessoas teve a ousadia de encarar a difícil tarefa de mudar o mundo, a partir do encontro entre pessoas que, individualmente, aceitaram assumir este pro-cesso de libertação e transformação a partir de si mesmas, para que todas as pessoas sejam respeitadas em seus direitos fundamentais e assim todas tenham vida, e vida em abundância (Jo. 10,10).

Desse modo a metodologia do curso seguiu os seguintes passos: acolhida e dinâmica de apresentação das participantes; mística inicial: a “teia da vida”; vivência

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da corporeidade; mística da mulher do perfume; a expressão geradora: “tráfico de pessoas”; os sonhos; conceitos, categorias, dados, causas, perfis sobre aliciadores e aliciadas/os; as narrativas de vida como ferramenta para a reflexão; construções de painéis temáticos a partir de palavras e expressões geradoras; mística da mulher encurvada; apresentação da problemática do atendimento às vítimas do tráfico de pessoas e da responsabilização/repressão; as três categorias da prevenção: primária, secundária e terciária; mudar de perspectiva: a prevenção para reduzir a demanda; experiência de práticas pedagógicas: a oficina de bonequinhas em tecido; dinâmica da rede do tráfico de seres humanos; compromisso conclusivo; avaliação e mística conclusiva com entrega dos certificados.

O I curso deve duração de 40 horas, contou com a participação de 25 pessoas. Como resultados principais alcançados destacam-se: o compromisso das participan-tes do curso em atuar na prevenção ao tráfico de pessoas como os seis jovens da PJ do Bairro Dendê que decidiram se tornar multiplicadores realizando atividades nas escolas e nas comunidades de seu bairro, uma jovem estudante de jornalismo decidiu escrever sua monografia sobre o tráfico de pessoas nos meio de comunicação, duas estudantes universitárias conseguiram estagiar no Núcleo de Enfrentamento ao Trá-fico de Pessoas do Ceará, três pessoas tornaram-se membros da equipe da Rede Um Grito pela Vida. Após a realização do curso a o Núcleo da Rede um Grito pela Vida de Fortaleza ampliou sua intervenção junto aos espaços de discussão e enfrentamento ao tráfico de pessoas no Estado do Ceará.

Fonte: Rede um Grito pela Vida/ CRB de FortalezaIr. Gabriella BottaniPublicado originalmente em:

Pastoral da Mulher Marginalizada: Enfrentando a Exploração Sexual de crianças, adolescentes e mulheres

A Pastoral da Mulher Marginalizada é uma pastoral social que há mais de 40 anos atua em âmbito nacional, ligada ao Setor de Pastoral Social da CNBB e é designa-da pela sigla PMM. Possui três frentes de ação: Enfrentamento e combate a explora-ção e abuso sexual de crianças e adolescentes; Enfrentamento e combate ao tráfico de pessoas e Atendimento às mulheres em situação ou em risco de prostituição.

Estes crimes são praticamente invisíveis visto que, os gritos das vítimas di-ficilmente são ouvidos pela sociedade de forma geral. Por isso a PMM dedica-se ao trabalho exclusivo e direto nesta área de atuação, possibilitando fazer o enfretamento a esses males e trazer presente essas mazelas sociais, buscando que as vítimas destes crimes sejam tratadas como sujeitos sociais de direitos e deveres.

Dar visibilidade a estes crimes é uma árdua tarefa, que a PMM enfrenta. Desde muito tempo realiza para adolescentes, mulheres em situação de prostituição e diver-sos segmentos da sociedade palestras, seminários, vídeos, oficinas temáticas, formação/capacitação dentre outras ações sobre as graves violações de direitos acima citadas.

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O combate a situações excludentes e indignas requer mais que ações pon-tuais, exige ações contínuas. Por isso, a PMM desenvolve desde o ano 2000, de forma continuada, as ações de enfrentamento ao tráfico humano. As referidas ações se pau-tam em três linhas: articulação com a rede de enfrentamento, prevenção, capacita-ção e sensibilização.

Porém dentre as várias atividades, destacamos a Pesquisa “Perfil da Prostitui-ção no Estado do Mato Grosso”, financiada pelo Ministério da Saúde em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a produção de vídeos documentários sobre a temática.

O tráfico de pessoas começou a ganhar maior visibilidade e tratamento de política pública pelo Estado brasileiro após aprovação pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, do Protocolo de Palermo e Decreto Nº 5.017, de 12 de março de 2004.

Os números expõem as duas finalidades principais do tráfico de seres huma-nos – fornecer mão de obra para o trabalho forçado e a exploração sexual.

Assim, em 2006 a Pesquisa se propôs, dentre outras coisas, a descrever os principais caracteres do tráfico de pessoas, por meio de padronização metodológica de coleta de dados.

A pesquisa foi realizada em 33 municípios, distribuídos nas cinco regiões do Estado de Mato Grosso. Foram entrevistadas 820 mulheres em situação de prostitui-ção. Como resultado constatou-se que 47,3% eram de cor parda; 32% branca; 13,7% negra; 1,6% amarela; 0,6% indígena e 4% sem informação, demonstrando a predomi-nância afrodescendente.

Dentre as entrevistadas 57,4% possui residência fixa no Mato Grosso, enquan-to e 41,7% declarou já ter residido em outras localidades , estes indicadores alertam que a mobilidade das mulheres em situação de prostituição é um fator facilitador para os aliciadores.

Analisando os dados da pesquisa fica claro a prática do tráfico humano e o quanto estas pessoas estão vulneráveis ao mesmo. Ao serem inquiridas sobre a possi-bilidade de se prostituírem em outro local, 32,2% responderam positivamente. O fator que mais influencia neste desejo em ir para outros países é melhorar as condições de vida e a perspectiva de uma nova vida, estes fatores sem dúvida aumentam signifi-cativamente a vulnerabilidade das entrevistadas o que facilita a ação dos aliciadores.

Esta ação é mais perversa quando nos atentamos para uma das vertentes mais trágicas dos crimes ligados ao tráfico de seres humanos, o que envolve os jovens na situação de vítimas. A pesquisa mostrou que 33% das entrevistadas iniciaram suas ati-vidades entre 10 e 17 anos, ou seja, sofreram abuso e/ou exploração sexual. A atenção com estas vítimas tem que ser ainda mais especializada. Por se tratar de uma popula-ção especialmente vulnerável e, em muitos casos, por outras questões envolvendo a mídia, que reveste de glamour certos aspectos ligados à prostituição.

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A pesquisa citada contribuiu grandemente para a implantação do Comitê de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Mato Grosso, que foi fundado em 03 de no-vembro de 2010. E também contribuiu com a elaboração do Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado de Mato Grosso.

O resumo desta pesquisa foi adquirido pela Organização Internacional do Tra-

balho – OIT, que o publicou em um de seus documentos.

Produção de Vídeos Documentários.

A PMM, em parceria com a CNBB, através da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz produziu três vídeos documentários sobre as violações de Direitos Humanos Femininos, são eles: 1º-Trafico de Pessoas/Drogas; 2º- Tráfico de Pessoas/Exploração; 3º- Megaeventos. Os três vídeos discutem a reali-dade de mulheres traficadas para exploração sexual e/ou para servirem de “mulas” no trafico de drogas. Este material está sendo divulgado para ampliar o conhecimento de como agem a rede criminosa do tráfico e de como as mulheres, sobretudo podem ser vítimas. É um material informativo que busca a prevenção e sensibilização social para essa questão.

A PMM entende que as reais mudanças em uma comunidade só acontecem quando a população se empodera e toma consciência do seu papel diante da VIDA. Assim, segue incansavelmente com seu trabalho.

Fonte: Pastoral da Mulher MarginalizadaRosely Candido2013

3.3 A participação na Campanha da Fraternidade 2014

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB realiza a Campanha da Fraternidade (CF) de 2014 com o tema “Fraternidade e Tráfico Humano” e o lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5, 1). A opção por essa temática atende a uma expectativa das organizações sociais, pastorais e eclesiais que atuam no enfren-tamento ao tráfico humano e no atendimento às vítimas, em várias regiões do Brasil e do mundo.

Objetivos da Campanha da Fraternidade em 2014 Objetivo geral

Ꮿ Identificar as práticas de tráfico humano em suas várias formas e de-nunciá-lo como violação da dignidade e da liberdade humana, mobilizando cristãos e a sociedade brasileira para erradicar esse mal com vista ao resgate da vida dos filhos e filhas de Deus.

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Objetivos específi cos

Ꮿ Identificar as causas e modalidades do tráfico humano e os rostos sofri-dos por essa exploração.

Ꮿ Denunciar as estruturas e situações causadoras do tráfico humano.

Ꮿ Reivindicar, dos poderes públicos, políticas e meios para a reinserção das pessoas atingidas pelo tráfico humano na vida familiar e social.

Ꮿ Promover ações de prevenção e de resgate da cidadania das pessoas em situação de tráfico.

Ꮿ Suscitar, à luz da Palavra de Deus, a conversão que conduza ao empenho transformador dessa realidade aviltante da pessoa humana.

Ꮿ Celebrar o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo, sensibilizan-do para a solidariedade e o cuidado às vítimas desse mal.

Ꮿ Cronograma da CF 2014

Ꮿ Lançamento – 05 de março de 2014 – Quarta-feira de Cinzas:

Ꮿ Lançamento da CF 2014 em todo o Brasil, em âmbito nacional, regional, diocesano e paroquial, com a mensagem do Papa, da Presidência da CNBB e programas especiais.

Ꮿ Realização – 05 de março a 13 de abril de 2014: a Campanha deste ano se realiza com o tema: Fraternidade e Tráfico Humano, e o lema “É para a liberda-de que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Ꮿ Domingo de Ramos – 13 de abril de 2014: Coleta nacional da solida-riedade (60% para o Fundo Diocesano de Solidariedade e 40% para o Fundo Nacional de Solidariedade).

Ꮿ Avaliação – abril a junho 2014: nos âmbitos: paroquial (de 21 de abril a 18 de maio), diocesano (de 19 de maio a 08 de junho) e regional (09 de junho a 30 de junho).

Ꮿ Encontro Nacional com representantes dos regionais da CNBB – 11- 13/08/2014.

A CF 2014 é uma grande oportunidade para a ampliação da visibilidade do fe-nômeno do tráfico humano e para gerar iniciativas de enfrentamento á essa questão, em várias dimensões: prevenção, mobilização, atenção à vítimas e denúncia.

Embora o cronograma da CF apresente atividades apenas no ano da sua exe-cução, na verdade a Campanha começa bem antes e permanece depois. No momento atual a CF 2014 já tomou corpo e já são de conhecimento público alguns documentos e propostas referentes à mesma: documento-base, cartaz, curso de capacitação EaD, etc.

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É fundamental em primeiro lugar tomar conhecimento das dinâmicas que en-volvem a Campanha da Fraternidade nos vários níveis: coordenação nacional, equipes regionais, equipes diocesanas, equipe paroquial. É preciso tomar conhecimento do estágio atual das atividades e buscar inserir-se nas atividades que acontecem antes, durante e depois da Campanha.

Ao mesmo tempo faz-se necessário aprofundar os estudos sobre o tema e se preparar para realizar atividades de formação. Para tanto é importante definir uma metodologia para cada segmento a ser trabalhado, e também uma metodologia para públicos mais gerais. Essa metodologia será mais eficiente se construída coletivamen-te e se forem partilhadas as responsabilidades para a sua execução.

Entendemos que os agentes e educadores que já têm alguma inserção com a temática têm condições de subsidiar e prestar serviço às equipes da CF, na perspectiva de unir esforços e ampliar o alcance da mesma. Um diferencial importante da partici-pação específica é o testemunho real de quem vive próximo aos que estão expostos à vulnerabilidade e exploração do tráfico humano. Um testemunho que se sustenta em práticas concretas pelo trabalho de base.

O curso Ead, que está sendo promovido pela CNBB, comporta uma parte mui-to ilustrativa sobre a dinâmica e as possibilidades de atuação da CF 2014. Recomenda-mos a leitura desse material (cf Anexo II).

3.4 Fontes de Informação

Existem pouquíssimas fontes de informações especializadas sobre o tema do tráfico humano. Porém, o trabalho de enfrentamento ao tráfico de humano exige a ca-pacidade de nos mantermos atualizados acerca das informações que perpassam essa questão. Sugerimos o acesso frequente às seguintes fontes de informações:

– Site: http://site.adital.com.br/site/

– Site: http://reporterbrasil.org.br/

– Site: http://www.csem.org.br/

– Site: http://gritopelavida.blogspot.com.br/

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Também recomendamos o acesso às informações sobre trabalho escravo, sis-tematizadas pela Comissão Pastoral da Terra e divulgadas em seu site de três em três meses: http://www.cptnacional.org.br.

3.5 Sugestões de atividades

O tipo e o formato das atividades relacionadas ao tema do enfrentamento ao tráfico de pessoas dependerá do perfil do público, da duração, dos objetivos de cada atividades. Existem várias formas de abordar esse tema, sejam através de palestras, oficinas, seminários, debates, audiências públicas, etc.

Quando for preparar uma atividade é imprescindível definir em primeiro lugar qual o objetivo, qual o perfil do público e a duração da mesma. A partir dessas defini-ções é possível planejar a metodologia a ser desenvolvida na atividade. É importante também considerar que tipo de recursos estarão disponíveis: data show, cartolinas, papel pardo, cartilhas, revistas, etc.

A título de exemplo vamos citar algumas atividades já desenvolvidas e publi-cadas por algumas organizações, como a OIT e a Repórter Brasil. Ao final de cada uma delas conte a fonte devida.

Dicas importantes:

“Toda oficina deve ser iniciada com a apresentação dos participantes. É muito importante que você co-nheça e saiba o nome de cada pessoa presente, como, também, que eles saibam o seu nome e o objetivo do seu trabalho. Se possível, elabore crachás19 para que os nomes dos participantes fiquem bem visíveis e você possa sempre chamá-los pelo nome. Você também deve usar um crachá para identificá-la/o. Re-gistre no quadro ou na parede seu nome, o objetivo da oficina e seus contatos, para que todos possam contatá-la no futuro.

Seja sempre gentil, estimule a participação e, na medida do possível, assegure o direito de fala para todas e todos. Esses pequenos detalhes são importantes para que o grupo confie em você e, consequentemente, o trabalho tenha um bom resultado” CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOAS, Ma-nual para Promotoras Legais Populares 2ª edição revisada e ampliada.

19

19 Existem formas simples e baratas de confeccionar um crachá. Por exemplo: distribua pedaços de papel, pincel atômico e ! ta adesiva para que cada participante possa elaborar o seu próprio crachá.

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Atividade 01 - Trabalho escravo nas confecções

Material estraido do site:

hƩ p://www.escravonempensar.org.br/wp-content/uploads/2013/07/rb_sala_aula_2_fi nal.pdf

Caro professor, cara professora,

Apresentamos mais uma nova proposta de atividade sobre os temas abordados pelo programa Escravo, nem pensar!, da ONG Repórter Brasil*. Ela é a segunda da série Repórter Brasil na sala de aula, que pretende trazer ideias de como aproveitar o conteúdo produzido pela organização para provocar debates e reflexões na escola sobre a realidade rural e urbana brasileiras.

Nesta edição, apresentamos o Especial: flagrantes de trabalho escravo na indústria têxtil no Brasil da Agência de Notícias da Repórter Brasil. É um compilado de casos que nossos repórteres acompanharam desde 2009, quando começaram as libertações de trabalhadores em oficinas de costura na capital paulista.

O trabalho escravo contemporâneo é infelizmente uma realidade que atinge todo o país. Frequentemente, o problema é associado ao meio rural, a atividades relacionadas ao setor primário, como o desmatamento, a pecuária e a produção de carvão. No entanto, o trabalho escravo contemporâneo também pode ser encontrado em atividades não agrícolas, como confecções, construção civil, expansão da infraestrutura de transporte e mercado do sexo. A presente atividade se propõe a explorar esse lado menos conhecido do trabalho escravo contemporâneo, tendo como foco o universo das confecções.

Essa atividade está estruturada em módulos. O primeiro é sobre o conceito de trabalho escravo contemporâneo e atividades não agrícolas em que há trabalho escravo. Ele é o fundamento para os demais módulos. Estes, por sua vez, tratam de diversos aspectos do trabalho escravo contemporâneo nas confecções, podendo ser trabalhados de forma independente ou subsequente.

Mais uma vez, ressaltamos que a atividade não é um modelo pronto e fechado. Pelo contrário, deve ser mudada de acordo com o objetivo e a realidade das pessoas que trabalharão com ela. Por isso, exerça sua autoria, aproprie-se do material e dê a ele os tons da sua realidade.

Não deixe de nos enviar relatos, registros e sugestões de alterações.Um abraço!

Equipe Escravo, nem pensar!

Atividades

* A Repórter Brasil é uma organização não-governamental fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre a violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores do campo no Brasil. Devido ao seu trabalho, tornou-se um das mais importantes fontes de informação sobre trabalho escravo no Brasil. Suas reportagens, investigações jornalísticas, pesquisas e metodologias educacionais têm sido usadas por lideranças do poder público, do setor empresarial e da sociedade civil como instrumentos para combater a escravidão contemporânea, um problema que afeta milhares de brasileiros. Além da área de Metodologia Educacional, da qual o “Escravo, nem pensar!” é parte, possui outra área que trabalha com Jornalismo e Pesquisa, produzindo informação e análises para servir de ferramenta e subsídio a lideranças sociais, políticas e econômicas. Acesse: www.reporterbrasil.org.br.

Realização: Apoio:

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Trabalho escravo nas confecções

Contexto: A Agência de Notícias da Repórter Brasil lançou em 2012 o Especial: flagrantes de trabalho escravo na indústria têxtil no Brasil. Ele apresenta casos flagrados desde 2009, quando começaram as libertações de trabalhadores em oficinas de costura no município de São Paulo. A proposta da atividade é abordar o trabalho escravo em atividades não agrícolas, especificamente nas confecções, tendo essa edição como referência.

Objetivo: Apresentar as principais características do trabalho escravo em atividades não agrícolas e realizar estudo de reportagens sobre flagrantes de trabalho escravo na indústria têxtil da capital paulista.

Disciplinas: Português, Geografia, Sociologia, História, Matemática.

Série: Ensino Médio; EJA

Tempo sugerido: 3 a 4 aulas

Materiais: lousa; giz; computador com internet; Fascículo Trabalho Escravo Urbano; fotocópias; papel almaço.

Essa atividade permite trabalhar habilidades como interpretação de texto, resolução de problemas matemáticos, redação e interpretação de mapas e tabelas. Assim, pode ser desenvolvida em conjunto entre professores de diversas áreas do conhecimento.

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Informações ao educador e à educadora:Conhecendo o trabalho escravo nas confecções

Antes de realizar a atividade, sugerimos o estudo de alguns textos para que você tome contato com a discussão e com as reportagens que serão utilizadas:

1. Para começar, acesse a página do Especial: flagrantes de trabalho escravo na indústria têxtil do Brasil: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=2084. A edição apresenta diversos casos flagrados desde 2009 em empresas subcontratadas de marcas de roupas conhecidas como Marisa (2010), Pernambucanas (2011), Zara (2011) e Talita Kume (2012).

2. Sugerimos trabalhar com a reportagem do caso Talita Kume, pois o texto agrega elementos importantes de forma resumida sobre o trabalho escravo nas confecções. É possível acessar na própria página da edição especial. Se preferir trabalhar com outra reportagem, basta fazer as alterações necessárias.

3. Aproveite para também acessar o relato de um dos trabalhadores libertados no flagrante do caso Talita Kume e saber mais sobre o tráfico de pessoas para o trabalho escravo nas confecções.

Navegue pelos links das reportagens e procure se atentar para:– as condições em que foram flagrados os trabalhadores em cada caso;– as atitudes tomadas pelo poder público no sentido de garantir os direitos dos trabalhadores e punir

os empregadores;– as relações de terceirização e subcontratação do setor;– as condições anteriores de vida e trabalho e o local de origem dos trabalhadores escravizados.

Aproveite para consultar outras notícias sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas em fontes que poderão ser indicadas aos alunos para pesquisas:

No site da Agência de Notícias Repórter Brasil, é possível procurar por temas, escrevendo a palavra desejada na janela “busca”: Clique aqui.

Também é possível consultar o portal do Ministério Público do Trabalho, para saber mais sobre trabalho escravo e infrações trabalhistas em geral: Veja mais aqui.

O programa A Liga, exibido em agosto de 2012 na Rede Bandeirantes, apresenta mais informações sobre o caso Zara. Acesse aqui.

Projeto de divulgação de notícias e denúncias que busca articular diversas entidades para o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Saiba mais.

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Você entregará à turma as seguintes perguntas:

Este módulo tem como objetivo introduzir o conceito de trabalho escravo contemporâneo por meio da apresentação do universo das confecções em São Paulo.

Primeiro módulo - Trabalho escravo contemporâneo:onde encontrar?

Primeiro passo

Para iniciar, é possível instigar a turma com algumas questões: De onde vêm as roupas que vocês consomem? Quem produz essas roupas e em que condições?

Depois, você e a turma irão trabalhar com o Especial: flagrantes de trabalho escravo na indústria têxtil no Brasil. Para isso, divida alunos e alunas em 2 grupos. O grupo 1 irá trabalhar com as fotografias e os pequenos textos sobre os casos Talita Kume e Gregory. O grupo 2, com as fotografias dos casos Collins e Marisa, e com a fotografia e o pequeno texto do caso 775.

Se houver possibilidade de acesso à internet pelos alunos será ótimo. Caso contrário, você pode selecionar as imagens e os textos e imprimir separadamente

para distribuir a cada um dos grupos.

- Quantos eram os trabalhadores envolvidos em cada caso? A que situação de trabalho eram submetidos?

- De onde eram? Onde foram trabalhar?

que as crianças estão ali?

- O espaço é adequado ao trabalho?

- Como você acha que os trabalhadores se sentiam trabalhando nesses espaços? Eles tinham segurança e conforto?

- No caso 775, o que as trabalhado-ras enfrentavam?

Em seguida, peça que um grupo apresente ao outro o que viram nas imagens e nos textos, com base nas respostas às perguntas.

Grupo 2Grupo 1

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Segundo passo

Depois da apresentação dos grupos, fale que, como visto, os casos foram considerados pela fiscalização como trabalho escravo. Imaginavam que ainda existia essa prática no Brasil?

Explique que ele é caracterizado pela supressão da dignidade e/ou pela privação da liberdade. Escreva as duas expressões na lousa, cada uma de um lado, como no quadro abaixo.

Depois, peça para que alunos e alunas ajudem a definir cada uma dessas duas características, a partir dos elementos encontrados no trabalho em grupo. Que elementos a turma pôde perceber que arrancam a dignidade dos trabalhadores? E quais deles impedem os trabalhadores de deixarem o local de trabalho, retirando deles sua liberdade? Vá completando o quadro a partir das respostas da turma.

Ajude a acrescentar outros elementos que não estejam explícitos nos textos e fotografias vistos. Ao final, vocês terão o seguinte diagrama:

Jornada exaustiva Maus tratos e violência

Alojamento e espaço de trabalho precários

Falta de saneamento básico e de higieneFalta de assistência médica

Servidão por dívidaIsolamento

Retenção de documentosRetenção de salário

Ameaças físicas e psicológicas

TRABALHO ESCRAVOSUPRESSÃO DA DIGNIDADE PRIVAÇÃO DA LIBERDADEe/ou

Terceiro passo

Depois de construir o conceito de trabalho escravo junto com a turma, pergunte aos alunos se há trabalho escravo apenas nas confecções ou se seria possível encontrar casos em outras atividades.

Em seguida, distribua o Fascículo Trabalho Escravo Urbano. Ajude os alunos a explorar o fascículo, mostrando as outras atividades não agrícolas em que há trabalho escravo.

Se não tiver o material impresso, é possível projetá-lo – se houver computadore data show na escola – ou imprimir a página principal a partir do site e

entregar fotocópias aos alunos.

Em seguida, é importante revelar que, além das atividades urbanas ou não agrícolas, a maior parte dos casos é encontrada no meio rural, em fazendas e carvoarias. Reproduza a seguinte tabela na lousa, que mostra o número de casos fiscalizados por atividade econômica e a quantidade de trabalhadores libertados em 2011.

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Casos de trabalho escravo por atividades

Atividades

Pecuária

Cana

Carvão Vegetal

Construção civil

Confecções

Casos fiscalizados Trabalhadores libertados% %

70

7

30

27

5

539

485

276

428

81

33%

3%

14%

13%

2%

22%

19%

11%

17%

3%

Para encerrar esta parte da atividade, retome o questionamento feito inicialmente: – Sabem de onde vêm as roupas que usam? – Imaginavam que poderia haver tantos problemas envolvidos na sua produção? – Que outros produtos do nosso dia-a-dia podem ter em seu processo de produção o uso da mão de

obra escrava?

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A ideia deste módulo é aprofundar o conhecimento sobre o trabalho escravo nas confecções, investigando um dos casos citados na reportagem especial: da marca de roupas Talita Kume.

Peça aos alunos para acessarem a reportagem referente ao caso da marca Talita Kume de junho de 2012: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=2065

Após a leitura, para aproximar alunos e alunas da realidade desses trabalhadores, peça que formem duplas. Peça que retomem as seguintes passagens da reportagem e respondam às questões propostas, separadas em dois blocos:

Segundo módulo: Números do trabalho escravonas oficinas

“Pedro recebe em média R$ 350 por mês - abaixo do salário mínimo (R$ 622)”.

“O valor pago às costureiras e costureiros era de R$ 1 por peça”

“Quase todos [os trabalhadores da oficina] tiveram os valores das passagens da Bolívia para o Brasil descontados dos salários, o que revela indícios de tráfico de pessoas e comprova a prática de servidão por dívida, uma vez que despesas de moradia, alimentação e limpeza também eram cobradas”.

“A jornada de trabalho se estendia das 7h às 22h e, eventualmente, até 1h da madrugada do dia seguinte. A extensão variava de acordo com a encomenda”.

Bloco 1

Qual era a forma de remuneração dos trabalhadores (por mês, horas trabalhadas, peças etc.)? Qual o valor da remuneração? Você considera que é um valor justo pelo trabalho realizado?

Pedro, um dos trabalhadores, recebia menos de um salário mínimo por mês (R$350). Você considera que isso significa que ele trabalhava pouco? Por que ele não conseguia ganhar um salário mínimo?

A jornada de trabalho, de cerca de 15 horas por dia, é uma jornada leve ou pesada? Há alguma relação entre essa jornada e a forma de remuneração? Quanto tempo sobrava para descanso e lazer?

É correto, como nesse caso em que há deslocamento de trabalhadores de onde viviam para trabalhar, que as despesas de moradia, alimentação e limpeza sejam pagas integralmente pelos trabalhadores?

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“Apesar de ter em seu objeto social a “confecção de peças de vestuário”, a Confecções Talita Kume Ltda. não mantém atividade de costura dentro de suas instalações. Os auditores fiscais do trabalho verificaram no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do MTE, que apenas uma costureira consta como contratada pela empresa”.

“A Talita Kume, por sua vez, remunerava o dono da oficina, em média, R$ 3,80 por peça”.

“A oficina onde foi realizado o resgate dos trabalhadores é apenas uma das que produzem diretamente para a marca Talita Kume. A fiscalização apontou a existência de outras 16 oficinas que costuram peças de vestuário comercializadas pela marca”.

Bloco 2

Se a Talita Kume é registrada como uma marca de confecção de peças de vestuário, por quais motivos ela terceiriza a produção, contratando 17 oficinas para confeccionar as peças de roupa de sua marca?

Você considera que o valor de R$ 3,80 por peça, pago pela Talita Kume aos donos das oficinas, é suficiente para que estes atendam às suas demandas de produção e contratem trabalhadores conforme as exigências da lei (salário mínimo, jornada de até 8 horas, direitos trabalhistas etc.)?

São as oficinas que contratam indevidamente os trabalhadores, submetendo-os a condições análogas a de escravo. Então, por que a Talita Kume é responsabilizada?

Depois que os alunos responderem às questões em duplas, é possível abrir a discussão para toda a sala, pedindo que as duplas que desejarem apresentem suas respostas. Comparando as diversas respostas, será possível esclarecer eventuais dúvidas e estimular o debate entre alunos e alunas.

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Primeiro passo

Apresente o seguinte mapa aos alunos, com a trajetória de Ronaldo:

Terceiro módulo: Rotas de exploração

O intuito deste módulo é a abordagem do tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo nas confecções, partindo do relato de um trabalhador libertado no caso Talita Kume.

Acesse o site da Agência de Notícias da Repórter Brasil e peça que os alunos leiam em grupos o relato “De La Paz para São Paulo, a história de exploração de uma vítima do tráfico de pessoas”.

Em seguida, divida os alunos em três grupos. Peça que cada um deles reflita sobre a situação em que se encontra Ronaldo em um dos seguintes pontos no mapa:

La Paz: Por que Ronaldo resolveu sair do local em que nasceu?

travessia da fronteira: Alguém o ajudou na travessia da Bolívia ao Brasil? Como foi essa travessia?

trabalho escravo nas oficinas em São Paulo: Como ele conseguiu o primeiro emprego no Brasil? Que dificuldades ele encontrou? Por que ele se submetia a essas condições?

A

D

E

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Fonte: Repórter Brasil / Programa Escravo Nem Pensar 2012

hƩ p://www.escravonempensar.org.br/biblioteca/reporter-brasil-na-sala-de-aula-trabalho-escravo-nas-

confeccoes/

São pontos interessantes para abordar na discussão:

suas casas em busca de trabalho. – Além de bolivianos, o Brasil também recebe muitos trabalhadores

– A condição de estrangeiros, que desconhecem o idioma e a cultura

mais vulneráveis à exploração.– O fato de entrarem sem documentos no Brasil, ou seja, em situação irregular, faz com que tenham medo de denunciar a exploração, aumentando sua vulnerabilidade.

Para saber mais sobre tráfico de pessoas, é possível acessar a cartilha Tráfico de Pessoas, Mercado de Gente.

Segundo passo

Para encerrar a atividade, é possível propor aos alunos uma pesquisa, a ser feita individualmente ou em grupo:

– Buscar entre os conhecidos, na internet ou outro meio de comunicação um caso de tráfico de pessoas: pode ser para trabalho escravo ou outras finalidades (exploração sexual, remoção de órgãos etc.).

Peça aos alunos para identificarem, em relação ao caso pesquisado, os três momentos do tráfico de pessoas: aliciamento, deslocamento e exploração.

A partir dos relatos dos alunos, é possível refletir sobre três etapas do tráfico de pessoas, desde o aliciamento (recrutamento criminoso, por meio de promessas enganosas e adiantamento de despesas e passagem), passando pelo deslocamento pelo território até chegar à exploração de trabalho escravo nas oficinas. O tráfico de pessoas pode se dar tanto dentro de um país como internacionalmente, como no caso de Ronaldo.

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Atividade 02 – Migração e Cana-de-açúcar

Arte & Diagramação

Gustavo Ohara

Caro professor, cara professora,

Esta é uma proposta de atividade didática sobre alguns dos temas abordados pelo Programa “Escravo, nem pensar!”. Além das orientações sobre a estrutura da ativida-de, você vai encontrar, ao longo do texto e ao final, indicações de reportagens, filmes, pesquisas, gráficos e outros suportes que subsidiem e sirvam de matéria-prima para o trabalho com a turma. No texto há algumas palavras ou expressões grifadas. Se você cli-car sobre elas, será direcionado a outros sites. Além disso, você pode encontrar, em um glossário ao fim do texto, explicações sobre as palavras marcadas com um asterisco*.

Sugerimos séries e disciplinas em que os objetivos e conteúdos da atividade podem ser desenvolvidos mais detalhadamente. No entanto, por mais que o tema receba espaço privilegiado dentro do currículo de uma determinada disciplina, não deixe de convidar os demais professores, afinal com a interdisciplinaridade a dinâmica e qualidade da ativi-dade podem ter um enriquecimento. Ainda que estejam estipuladas algumas aulas, você pode se apropriar da sequência didática para impulsionar algo maior, que dialogue com outros temas, envolva outros saberes e culmine eventualmente em um projeto temático.

Ressaltamos que a atividade não é fechada. Pelo contrário, deve ser mudada de acordo com sua meta e realidade. Você verá que ela sugere um determinado número de aulas e que, no entanto, está estruturada em “passos”, isto é, módulos. Não necessariamente uma aula corresponde a um “passo”, visto que ele pode abranger muitos tópicos e des-dobramentos, assim como o trabalho simultâneo e complementar entre as disciplinas. Por isso, exerça sua autoria, aproprie-se do material e dê a ele os tons da sua realidade. Não deixe de nos enviar relatos, registros e sugestões de alterações.

Um abraço!

Equipe “Escravo, nem pensar!”

Atividades

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Atividade de Migração e Cana- Disciplinas- Série- 4 a 5 aulas - Pauta da atividade

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Primeiro passo: Apresentação do tema

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Deixe que cada um mostre seu desenho ou leia seu poema para o restante da turma. A partir dis-so, analise conjuntamente qual a mensagem e a representação contidas na música, ou seja, observe o ponto de vista do migrante, a seca como motivo da partida, o cenário de adversidade e a esperança de retorno. O cenário é de uma migração forçada. Pode-se ainda propor outro exercício de reflexão: que

outros motivos, além desses trazidos pela música, podem levar as pessoas a migrarem? Esse é um ponto muito importante porque permite que se amplie o horizonte das motivações, não se limitando estrita-mente às questões materiais.

Apresentação

Esta atividade aborda o fenômeno da migração. A proposta é fazer um estudo sobre como a migração está relacionada à vida de seus alunos, alunas e de sua cidade e observá-la do ponto de vista histórico, notando suas raízes, contextos e características nas últimas décadas. Paralelamente, investiga- remos a relação do atual cenário dos fluxos migratórios com a expansão do agronegócio, especialmente dos canaviais. Nesse percurso, encontraremos ainda a questão do trabalho escravo, do preconceito e do êxodo rural. A gama de recursos didáticos inclui música, filme, reportagens, gráficos e textos. Pela sua densidade e possibilidades de trabalho, a abordagem interdisciplinar pode trazer ótimos resultados.

Para dar início à atividade, que tal um clássico da música popular brasileira? Vamos escutar “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, e procurar captar as imagens que ela sugere. A partir da música, oriente os estudantes a pensarem sobre os sentimentos do migrante e a representá-los por meio de desenhos ou poemas. Ressalte alguns dos traços da obra e instigue a interpretação da turma por meio de algumas questões.

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Essa tarefa pode ser muito produtiva porque os alunos se depararão com evidências, experiências e relatos de vida que indicam claramente a vitalidade e presença do tema na realidade que os cercam. Se possível, deixe o registro fotográfico como possibilidade de complemento à proposta.

Segundo passo: as rotas migratórias

A) Em grupos, oriente os alunos a trocarem suas entrevistas/depoimentos com colegas para que possam ler e procurar ligações entre elas. Em seguida, vamos registrar as informações trazidas. Cada grupo irá montar seu próprio mapa dos fluxos migratórios a partir dos depoimentos/entrevistas que disporem. Desenharão nos cartazes a imagem geográfica do Brasil e a preencherão com as rotas (interligando origens e destinos), lembrando de indicar com legendas suas motivações e os respectivos períodos em que ocorreram. Os grupos devem comparar os mapas para verificar se as rotas são seme-lhantes ou diferentes.

A migração é parte formadora da cultura e da geografia do Brasil. Todos nós temos algum amigo, familiar ou mesmo uma experiência própria com a migração. Por isso, como exercício de casa, solicite aos alunos e alunas que façam uma entrevista com algum migrante, podendo ser alguma das figuras citadas acima ou ainda trabalhadores da região que se deslocam com freqüência. As questões orienta-doras devem girar em torno das características mais marcantes da experiência.

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agronegócioposseiros

Agora é hora de trazer novos elementos. Faça uma conversa sobre o tema da migração em suas ca-racterísticas mais gerais e seu papel na configuração territorial do Brasil, especialmente nos últimos 50 anos. Procure utilizar mapas que apresentem os fluxos históricos de deslocamento, pois assim pode-remos cruzar com as produções dos estudantes e encontrar convergências e diferenças entre os dois referenciais, isto é, a dimensão pessoal e a dimensão social do fenômeno.

mapa: http://profcmazucheli.blogspot.com/2009/10/agricultura-brasileira-historico-da.html

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B) Depois disso, vamos retornar à realidade do município. Peça para os alunos e alunas que proble-matizem, com base nas entrevistas realizadas, a condição de seu município em relação à migração.

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Terceiro passo: os trabalhadores migrantes

Dessa maneira, pode-se apurar o olhar para detalhes que aparentemente não chamam muita atenção no cotidiano, mas que, na verdade, podem nos contar muito sobre o processo de formação e mudan-ças transcorridas na cidade. A questão do preconceito é um fator muito importante nesse processo, visto que produz exclusão e acaba sendo pretexto para naturalizar a exploração, principalmente contra nordestinos.

Para reforçar e sintetizar as idéias trabalhadas proponha uma nova lição de casa, dessa vez, uma pro-posta de redação individual.

A) Recomendamos uma “sessão pipoca” para assistir ao filme “Migrantes” (Beto Novaes, 2007).

Caso não consiga exibir o filme todo por motivo de limitações de tempo, priorize o trecho 37’20’’ a 45’. O que está em questão é a dimensão humana e sensível que o filme enfatiza no processo migra-tório.

Converse com a turma sobre os depoimentos contidos no filme, ressaltando as dificuldades enfrenta-das, as questões subjetivas envolvidas (distância da família, expectativa de sucesso, isolamento, engana-ção, exploração, etc.) e o papel da lavoura de cana como pólo de atração de mão de obra.

O documentário retrata, por meio de depoimentos e imagens marcantes, os obstáculos que os trabalhadores que migram para trabalhar no corte de cana enfrentam. A ruptura com a família, condições precárias de vida, excesso de trabalho e falta de assistência à saúde são alguns dos proble-mas abordados. [Se não tem acesso ao vídeo, entre em contato conosco]

me M

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C) No desenrolar da discussão, você pode distribuir o poema “O Açúcar”, de Ferreira Gullar, e realizar uma leitura conjunta com a turma.

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Seria interessante retomar os depoimentos dos trabalhadores migrantes do filme, apontando assim os “produtores invisíveis” destacados no poema. Se no gênero literário eles apareciam como uma realida-de distante, por meio das cenas do filme temos um pouco de suas vidas diante dos nossos olhos.

D) Este será o mote da próxima etapa da atividade: destacar as consequências sociais do atual modelo de desenvolvimento e de produção da cana.

A partir daí, faça uma conversa com a turma sobre os elementos que marcam esse sistema produtivo: destinado à exportação (impulsionados pela demanda mundial por etanol), baseado na monocultura e no latifúndio. Fotos, dados e reportagens podem ser ótimos subsídios. O crescimento das grandes propriedades de cana tem sido visto com receio, já que sua expansão acaba tomando lugar de outras lavouras, como as de alimentos básicos.

Gráfico: Estadão http://www.estadao.com.br/economia/not_eco237471,0.htm

A produção brasileira de cana-de-açúcar tem atraído grande parte do mercado internacional, por conta do interesse nos agrocombustíveis (etanol). Associa-se essa grande e urgente demanda como fator im-pulsionador do modelo produtivo da cana-de-açúcar e dos seus subseqüentes impactos nas relações de trabalho. Veja e discuta com seus alunos e alunas as charges a seguir:

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Quarto passo: os trabalhadores como sujeitos de sua história

Bem, vamos em frente. É lançada a pergunta: estes trabalhadores migrantes são apenas vítimas, “po-

bres coitados”? São a imagem viva dos “Retirantes”? O intuito agora é trabalhar o tema evitando que se produza uma noção trágica dessas pessoas que, muitas vezes, são vistas como mero produto da po-breza, da “geografia da fome”.

Nada melhor do que recorrermos mais uma vez à música. Cante com a turma a música “Terra Pro-metida (Belo Sertão)”, de Miroval Marques [a letra encontra-se no final desta atividade].

Essa obra chama a atenção para elementos que acabam tendo pouca consideração quando se fala dos “problemas do Nordeste”. Observando a beleza própria da região, reconhecendo seus problemas e afirmando o desejo de permanecer em sua terra nativa, o narrador traz à tona a questão da concentração fundiária como chave da geração de pobreza.

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Avaliação

A avaliação das atividades se dará ao longo do processo. Na primeira e na segunda etapas, observe o empenho dos alunos para realizar as entrevistas, seu grau de interesse, sua participação no trabalho em grupo e sua capacidade de fazer síntese das informações obtidas na entrevista. Depois, analise o texto de cada um e o desempenho na escrita individual em comparação ao desempenho nos trabalhos de campo e nos trabalhos em grupo. Preste atenção na idéia que os alunos possuem de migração e dos trabalhadores migrantes.

No terceiro passo, foque a avaliação sobre a interpretação do filme, da pintura e do poema, além de atentar para a compreensão das questões discutidas (relação entre migração e cana).

Na última etapa, além da interpretação da música, observe se os alunos modificaram seu olhar sobre a migração e sobre os trabalhadores. Eles enxergam alternativas possíveis? Qual sua compreensão sobre

as questões mais estruturais abordadas neste momento?

Atente para a compreensão dos conceitos e noções (“modelo de desenvolvimento”, concentração fundiária, migração forçada, produção para exportação, etc.). Além disso, você pode realizar nas aulas outros exercícios de interpretação, como leitura de mapas e dados estatísticos.

E não esqueça: deixe suas sugestões no fórum do site do “Escravo, nem pensar!” ou envie um email para [email protected].

Até a próxima!

Por atividade2003 a 2010

Casos registrados % Trabalhadores libertados

%

Pecuária 1.142 59% 10.244 30%

Cana 60 3% 9.640 28%

Carvão 204 10% 2.461 7%

Outras lavouras 216 11% 6.201 18%

Outro e n.i* 148 8% 2.627 8%

Desmatamento 93 5% 1.799 5%

Reflorestamento 46 2% 714 2%

Extrativismo 34 2% 661 2%

TOTAL 1.943 100% 34.347 100%

*não identificados. Estão incluídos no “outro” ramos de construção civil, tecelagem, etc.

** Fonte: CPT (Comissão Pastoral da Terra) 01/11/2010

Número de casos registrados e de trabalhadores libertados por ramo de atividade

-

Depois de fazermos um longo trajeto trabalhando a migração e o cultivo da cana-de-açúcar, uma boa maneira de fecharmos a atividade é sublinhando novamente os trabalhadores em questão. Seguin-do a linha dessa última música, pode-se fazer uma síntese dos temas tratados apresentando alternati-vas que mexam na origem do fenômeno. A reportagem Vítimas do trabalho escravo são assentadas no Piauí, de Bianca Pyl e Maurício Hashizume, mostra a conquista de um pedaço de terra por parte de um conjunto de trabalhadores que saíam constantemente do interior do Piauí em direção às colheitas de cana e que acabaram caindo na teia do trabalho escravo. Após serem libertados e com muita mobi-lização, conquistaram um assentamento e atualmente se organizam para avançar nas conquistas, inves- tir na agricultura familiar e evitar a migração forçada.

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- Artigo “Por que morrem os cortadores de cana?”, de Francisco Alves (UFSCAR)http://www.observatoriodeseguranca.org/files/morte-cortadores-cana.pdf

- Reportagem “PA: contra migração, cidade paga lanche e passagem de volta”, da Folha de São Paulo http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4702343-EI8139,00 PA+contra+migracao+cidade+paga+lanche+e+passagem+de+volta.html

- Reportagem “Fiscalização liberta 95 de trabalho escravo no Rio de Janeiro” http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1803

- Reportagem “Cana pode prejudicar meio ambiente e produção de alimentos”http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=984

- Reportagem “O submundo da produção de cana-de-açúcar em São Paulo”, da Folha de São Paulo http://renastonline.org/index.php?option=com_content&view=article&id=141:o-submundo-da-pro-ducao-da-cana-de-acucar-em-sao-paulo&catid=30:clipping&Itemid=29

- Reportagem “Destilaria Araguaia explora trabalho escravo pela 4ª vez em 8 anos”http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1666

- Reportagem “Produção maior de cana carrega problemas socioambientais”http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1706

- Mapa que indica a relação entre a migração e os pólos de atração econômica, principalmente con-centrada na fronteira agrícola amazônica. http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/violencia.htm

Glossário* ** * Posseiros: Lavradores que ocupam e produzem em terras devolutas ou que antes estavam aban-donadas. Não possuem registro da terra e por isso não têm acesso às políticas agrícolas e estão sujeitos a ameaças de despejo ou a serem expulsos por jagunços a mando de fazendeiros dispostos a aumentar suas propriedades.

Agronegócio: Modalidade produtiva que passa a associar a agropecuária a uma rede ampla de etapas econômicas, como produção, transformação, distribuição e consumo. Vale-se da modernização tecnológica, como maquinário, pesquisas científicas e insumos para ampliar sua produtividade. Em geral, sustenta uma atividade orientada para a produção de commodities. É responsável por 33% do Produto Interno Bruto (PIB) e 42% das exportações totais, entretanto está associada a concentração de terras, monocultura, uso intensivo de agrotóxicos, desmatamento, apropriação indevida de terras públi-cas e trabalho escravo.

Latifúndio: Propriedades de grande extensão territorial (em geral, mais de 1.000 hectares), de-rivadas da concentração fundiária. Estão associadas com o subutilização e baixa produtividade.

Sugestão de textos, vídeos e mapas

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

hƩ p://www.escravonempensar.org.br/biblioteca/migracao-e-cana-de-acucar/

Fonte: Repórter Brasil / Programa Escravo Nem Pensar 2010

- Mapa da produção brasileira da cana de açúcar em 2006http://www.conab.gov.br/conabweb/geotecnologia/sigabrasil/mapa_producao_agricola/cana.jpg

- Gráfico da produção de etanolhttp://blogs.estadao.com.br/celso-ming/2010/10/23/cade-o-etanol/

- Mapa de fluxos migratóriosTHERY, Hervé; MELLO, Neli A. Atlas do Brasil: disparidades e dinâmicas do território. São Paulo: Edusp, 2005, p. 102. http://revistaescola.abril.com.br/geografia/pratica-pedagogica/pais-movimento-427766.shtml

- Mapa de fluxos migratórios 1999-2004http://revistaescola.abril.com.br/img/geografia/224-migracaog.gif

- Música “Terra Prometida (Belo Sertão)”, de Miroval Marques

Doce lar, meu aconchego! Ó, belo sertão

Natureza que inspira o poema e a canção

Na bravura e resistência, teu povo fiel

Grata terra prometida onde corre o leite e o mel

A pobreza e a indigência cortam o coração da gente

Ações preconceituosas que degradam o ambiente

Faltam abrigo e comida, saúde e educação

Falta água prá beber e molhar a plantação

Povo humilde e abandonado, fruto da escravidão

A elite é atrasada, de um poder sem compaixão

Sertanejo nordestino quer viver e ter direito

De poder fazer história e quebrar o preconceito

E assim poder sentir ao som de um violão

A quixabeira, o reisado, São Gonçalo e São João

Do sertão ao pé da serra,

Do cerrado à beira mar

Ser parte da mesa farta no almoço e no jantar

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Atividade 03 – Para que o sonho não vire pesadelo

1º passo: Pergunta para discussão em grupos de cinco pessoas: você possui sonhos relativos à melhoria de vida econômica que envolvam viagens ou mudança de cidade ou país? Por quê?

Tempo sugerido: 20 minutos

2º passo: Elaboração de cartazes com recorte de revista e desenhos que sintetizem as conclusões do grupo.

Tempo sugerido: 40 minutos

3º Passo: Apresentação dos grupos. Os cartazes devem ser fixados na parede ao final de cada apresentação.

Tempo sugerido: 50 minutos

4º Passo: Apresentação das noções introdutórias ao tráfico de pessoas e as precau-ções para não se tornar uma vítima.

Tempo sugerido: 50 minutos

Objetivo: Verificar que os sonhos de crescer economicamente, de viajar, mudar de cidade ou país são legítimos, a migração é um direito de todas as pessoas. A preocu-pação é que ele não vire um “pesadelo”, ou seja, descobrir quais as precauções que as pessoas devem tomar para que não se tornem vítimas do tráfico de pessoas.

Tempo aproximado: 2h40min

Material necessário: cartolinas, revistas, colas, tesouras, lápis de cor, quadro e giz.

Fonte: CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOASManual para Promotoras Legais Populares

2ª edição revisada e ampliada

Atividade 04 – “Na rota do tráfi co”

1º Passo: Exibição de um filme que retrate o tráfico internacional de pessoas. (Suges-tão de filme: O dia em que meu Deus morreu).

Tempo sugerido: 100 minutos

2º Passo: Formar grupos de até cinco pessoas. Os grupos deverão responder as se-guintes perguntas:

Ꮿ Quem são as vítimas do tráfico de pessoas? Quem são os agentes que praticam o crime de tráfico de pessoas?

Ꮿ Por que as mulheres se tornaram vítimas do tráfico de pessoas?

Ꮿ Qual a origem das vítimas e para onde foram traficadas? Por quê?

Tempo sugerido: 40 minutos

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

3º Passo: Discussão sobre as conclusões dos grupos. A facilitadora deverá registrar no quadro todas as palavras que resumem as ideias dos grupos.

Tempo aproximado: 40 minutos

4º Passo: Apresentação dos conteúdos referente às rotas do tráfico de pessoas – tráfi-co interno e tráfico internacional.

Tempo sugerido: 40 minutos

Objetivo: Compreender as rotas do tráfico nacional e internacional de pessoas.

Tempo aproximado: 3h40min

Material necessário: quadro branco ou negro, pincel ou giz.

Fonte: CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOASManual para Promotoras Legais Populares

2ª edição revisada e ampliada

Atividade 05 - “Tráfi co de pessoas e os instrumentos de proteção”

1º Passo: Exibição de um filme sobre tráfico de pessoas. Sugestão: “Anjos do Sol”

Tempo sugerido: 100 minutos

2º Passo: Dividir as participantes em seis grupos. Os grupos 1, 2 e 3 representarão Promotoras Legais Populares que tiveram contato com as vítimas de tráfico de pessoas representadas no filme. Os grupos deverão identificar as possíveis orientações que da-rão à vítima. Os grupos 4, 5 e 6 representarão, cada um, uma entidade envolvida na prevenção e enfrentamento ao tráfico de pessoas (delegacias, ONGs, Polícia Federal, Ministério Público, Núcleo, Posto Avançado etc.). Cada grupo deve representar uma entidade diferente. O grupo deverá discutir e se informar sobre a função e atuação de sua entidade na prevenção e combate ao tráfico de pessoas.

Tempo sugerido: 30 minutos

3º Passo: Formação de três novos grupos: grupo A (formado pelos integrantes dos grupos 01 e 04); grupo B (formado pelos integrantes dos grupos 02 e 05); e grupo C (formado pelos integrantes dos grupos 03 e 06). Os novos grupos deverão dramatizar o encontro da vítima com as PLPs e o encaminhamento para a entidade de enfrenta-mento ao tráfico de pessoas.

Tempo sugerido: 30 minutos

4º Passo: Discussão coletiva: cada novo grupo, A, B e C, apresentará um resumo de suas discussões, o que inclui apresentar o caso, as soluções encontradas, a função e atuação da entidade e a adequação às soluções encontradas.

Tempo sugerido: 100 minutos

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Objetivo: Informar e aprofundar conhecimentos sobre orientação às vítimas de tráfico de pessoas e os meios institucionais de proteção a essas vítimas.

Tempo aproximado: 6h20min

Material necessário: Cartolinas, lápis de cor, colas, tesouras, papel, canetas, quadro e giz.

Fonte: CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOAS.Manual para Promotoras Legais Populares

2ª edição revisada e ampliada

3.6 Materiais de apoio

Cartilhas e jogos:

Essas sugestões foram reƟ radas do site do portal: hƩ p://www.escravonempensar.org.br/Ɵ pos-de-material/

publicacoes/ e estão disponíveis para download.

Capa � Título Ano Tipo

MANUAL – JOGO “ESCRAVO, NEM PENSAR!”

O Jogo “Escravo nem pensar!” tem como objetivo difundir a luta para a erradicação do trabalho escravo e engajar o público infanto-juvenil nessa temática, por meio de uma abordagem lúdica e criativa. O manual do jogo apresenta componentes e regras, com exemplos de jogadas.

2013

MOENDO GENTE – A SITUAÇÃO DO TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS

Provavelmente, quem compra uma picanha, uma linguiça ou um fi lé de frango no supermercado não imagina que, por trás do pacote bem embalado, existam histórias de milhares de trabalhadores que adoecem e se lesionam gravemente todos os dias nas linhas de abate de bovinos, suínos e aves. Graves cortes com facas, além de doenças causadas… Leia mais »

2013 Caderno temático

CADERNO “ESCRAVO, NEM PENSAR! – EXPERIÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE COMBATE À ESCRAVIDÃO – 2012Ǝ

Neste caderno, a equipe do programa Escravo, nem pensar!, da ONG Repórter Brasil, apresenta 15 experiências comunitárias de combate e prevenção ao tráfi co de pessoas e ao trabalho escravo contemporâneo, realizadas por professores, lideranças comunitárias, entidades da sociedade civil e agentes pastorais. Essa publicação foi produzida pelo programa para divulgar ações de indivíduos e entidades que… Leia mais »

2012

TRABALHO ESCRAVO URBANO

O fascículo “Trabalho Escravo Urbano” foi produzido pelo programa Escravo, nem pensar!, da ONG Repórter Brasil. Nessa iniciativa, assim como no fascículo “Trabalho Escravo e Destruição do Meio Ambiente”, o objetivo é fomentar o debate sobre o trabalho escravo contemporâneo dentro da sala de aula e nas comunidades como forma de prevenção e combate a este… Leia mais »

2012 Fascículo

TRÁFICO DE PESSOAS – MERCADO DE GENTE

Esta cartilha foi produzida pelo programa “Escravo, nem pensar!” da Repórter Brasil, com apoio do Ministério Público do Trabalho no Mato Grosso. Seu objetivo é contribuir para a refl exão em comunidades e escolas sobre as causas e consequência do tráfi co de pessoas e sobre as ações necessárias para o enfrentamento deste crime. Neste material, você encontrará… Leia mais »

2012 Caderno temático

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Capa � Título Ano Tipo

TRABALHO ESCRAVO E DESTRUIÇÃO DO MEIO AMBIENTE

O fascículo “Trabalho Escravo e Destruição do Meio Ambiente” foi produzido pelo programa “Escravo, nem pensar”, da ONG Repórter Brasil. Nessa iniciativa, assim como no fascículo “Trabalho Escravo Urbano”, o objetivo é fomentar o debate sobre o trabalho escravo contemporâneo dentro da sala de aula e nas comunidades como forma de prevenção e combate a este… Leia mais »

2012 Fascículo

MIGRAÇÕES – O BRASIL EM MOVIMENTO

As migrações fazem parte da história da humanidade. Graças a esse fenômeno universal, muitos povos e países se constituíram pela miscigenação de etnias e pela fusão de culturas. No Brasil, as migrações tiveram papel fundamental na sua formação. Diante disso, arriscamos a perguntar ao leitor: “Quem não é migrante?” A migração deve ser considerada um… Leia mais »

2012 Caderno temático

ESCRAVO, NEM PENSAR! – UMA ABORDAGEM SOBRE TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA SALA DE AULA E NA COMUNIDADE

Há trabalho escravo no Brasil? Muitas pessoas ainda questionam a existência dessa prática. Mas os números nos mostram a realidade: desde 1995, quando o governo brasileiro admitiu a existência do trabalho escravo contemporâneo no país, até 2011, mais de 43 mil pessoas foram resgatadas dessa situação. Casos de jornadas exaustivas, ameaças físicas e psicológicas, servidão… Leia mais »

2012 Livro didático

CONCURSO DA ABOLIÇÃO – “ESCRAVO, NEM PENSAR!”

Em 2009, foi realizado o Concurso da Abolição em quatro municípios do Estado do Tocantins (Araguaína, Colinas, Santa Fé do Araguaia e Xambioá), em uma parceria entre a Comissão Pastoral da Terra, a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) e a Repórter Brasil. Mais de 3 mil pessoas se envolveram nas atividades. A cartilha pode… Leia mais »

2011 Cartilha

DESERTO VERDE – OS IMPACTOS DO CULTIVO DE EUCALIPTO E PINUS NO BRASIL

Este caderno apresenta os impactos da expansão do monocultivo de eucalipto e pinus no Brasil. Nela, são identifi cados os principais atores envolvidos nos confl itos que decorrem das plantações dessas duas árvores, relacionados ao acesso a terra, água e recursos naturais. A cartilha foi elaborada pelo programa “Escravo, nem pensar!” com base em pesquisa do Centro… Leia mais »

2011 Caderno temático

CADEIAS PRODUTIVAS E TRABALHO ESCRAVO: CANA – CARNE – CARVÃO – SOJA – BABAÇU

A publicação reúne exemplos de produtos que utilizaram mão de obra escrava em algum momento de sua cadeia produtiva, apontando a trajetória dessas mercadorias desde a origem até chegar ao consumidor fi nal. Traz também duas sugestões de atividades para ajudar a promover o debate sobre a produção e o consumo de diversos produtos presentes no cotidiano. A cartilha foi… Leia mais »

2011 Caderno temático

CADERNO “ESCRAVO, NEM PENSAR! – EXPERIÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE COMBATE À ESCRAVIDÃO – 2011”

O material reúne informações detalhadas dos 15 projetos fi nanciados pelo Escravo, nem pensar!, em 2011. Distribuídos por seis estados (BA, MA, MT, PA, PI e TO), as experiências tiveram o objetivo comum de disseminar informações sobre o trabalho escravo contemporâneo no meio rural, alertando estudantes e comunidades sobre o perigo do aliciamento de trabalhadores e… Leia mais »

2011

CADERNO “ESCRAVO, NEM PENSAR! – EXPERIÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE COMBATE À ESCRAVIDÃO – 2010Ǝ

Em 10 municípios de seis Estados do país, professores, professoras, estudantes, sindicatos e entidades da sociedade civil dedicaram-se a desenvolver ações para prevenir o trabalho escravo rural contemporâneo. Apoiados pelo programa educacional Escravo, nem pensar!, coordenado pela ONG Repórter Brasil, e pela Catholic Relief Services, onze projetos comunitários elaboraram soluções diversifi cadas e criativas para alertar crianças,… Leia mais »

2010

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Capa � Título Ano Tipo

“ALMANAQUE DO ALFABETIZADOR”

Cartilha produzida pela ONG Repórter Brasil em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a Organização Internacional do Trabalho. Traz mapas, imagens e informações sobre trabalho escravo contemporâneo em linguagem simples. A primeira edição foi impressa em 2006 e distribuída gratuitamente a 42 mil educadores, educadoras e lideranças populares das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste… Leia mais »

2009 Cartilha

“TRABALHO ESCRAVO HOJE NO BRASIL”

Em 2007, foi realizado o concurso Trabalho escravo hoje no Brasil, de poesias, paródias, textos dissertativos e desenhos, entre diversas escolas do município de Xinguara, no Pará, em uma parceria entre a Comissão Pastoral da Terra, a Secretaria Municipal de Educação, a ONG Repórter Brasil e os participantes do “Escravo, nem pensar!”. Os selecionados tiveram seus trabalhos… Leia mais »

2007

“EDUCAR PARA NÃO ESCRAVIZAR”

Em 2009, estudantes de mais de 25 escolas se envolveram na produção de desenhos e poemas sobre escravidão contemporânea para o concurso Educar para não escravizar realizado no município de Marabá, no Pará, promovido pela Comissão Pastoral da Terra e Repórter Brasil, em parceria com as secretarias municipal e estadual de educação. O tema foi amplamente… Leia mais »

Cartilha

SILVA, Maria do Socorro Nunes da e SANTOS, Eloísa Gabriel dos. Guia do Professor. Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. São Paulo: Serviço à Mulher Marginalizada

– SMM.

Presidência da República, Secretaria de Direitos humanos. Manual de Recomendações de rotinas de prevenção e combate ao trabalho escravo de imigrantes. 48 p. Brasília 2013

TERESI, Verônica Maria. Guia de referência para a rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil / Verônica Maria Teresi, Claire Healy. Brasília: Ministério da Justi-ça, Secretaria Nacional de Justiça, 2012. 150 p. : il.

Filmes:

Anjos do SolDiretor: Rudi Lagemann.Longa metragem. 90 min.

Sinopse: Maria (Fernanda Carvalho) é uma jovem de 12 anos, que mora no interior do Nordeste brasileiro. No verão de 2002, ela é vendida por sua família a um recrutador de prostitutas. Após ser comprada em um leilão de meninas virgens, Maria é enviada a um prostíbulo localizado perto de um garimpo, na Floresta Amazônica. Após meses sofrendo abusos, ela consegue fugir e passa a cruzar o Brasil através de viagens de caminhão. Mas, ao chegar ao Rio de Janeiro, a prostituição volta a cruzar seu caminho.

Tráfi co HumanoDiretor: ChrisƟ anDuguay

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Sinopse: Enquanto uma jovem de 16 anos da Ucrânia, uma mãe solteira da Rússia, uma órfã de 17 anos da Romênia e uma turista adolescente de 12 anos se tornam vítimas de traficantes internacionais, um time especializado de agentes federais luta para expor a rede mundial que as escravizou. A agente Kate Morozov (Mira Sorvino) conhece os horrores da exploração sexual de perto e é dedicada a desmantelar a rede e trazer os culpados para a Justiça. De uma câmara de torturas no Queens, Nova York, até os caçadores de “carne” da Rússia, a caçada começou e os destinos dos agentes es-peciais, dos traficantes sem escrúpulos e suas vítimas sem defesa colidem em um bar-ril de pólvora de proporções internacionais. Tráfico Humano é ao mesmo tempo um thriller envolvente, um aviso e uma das mais importantes histórias do nosso tempo.

Cinderelas, Lobos e o Príncipe EncantadoDireção: Joel ZitoAraújo. Longa metragem.Duração: 106 min.Sinopse: Cerca de 900 mil pessoas por ano são traficadas pelas fronteiras internacio-nais exclusivamente para fins de exploração sexual. Entretanto, apesar de todos os pe-rigos, jovens mulheres brasileiras, ao entrar no mundo do turismo sexual, acreditam que vão mudar de vida e sonham com o seu príncipe encantado. Uma minoria con-segue encontrar um grande amor e casar. O filme vai do Nordeste brasileiro a Berlim buscando entender os imaginários sexuais, raciais e de poder das jovens cinderelas do sul e dos lobos do norte

Dois Perdidos numa Noite SujaDireção: Jose Joĸ lySinopse: Narra o encontro explosivo de dois brasileiros que, como tantos outros imi-grantes dos anos 90, trocaram a falta de perspectiva do País pela ilusão do sonho americano. Depois de um encontro casual, Tonho convida Paco para dividir um galpão abandonado. Tonho é tímido, humilde, sincero. Paco é misteriosa, arrojada, agressiva. Fora a condição de estrangeiros, aparentemente não têm nada em comum. Ele está cansado de subempregos e quer voltar para o Brasil. Ela quer virar uma popstar e vender mais discos que a Madonna. Por necessidade, falta de opção e solidão, Tonho e Paco passam a viver um cotidiano infernal, fruto de ressentimento, frustrações, vio-lência e uma inusitada história de amor. A convivência forçada desses dois imigrantes à margem da sociedade irá revelar de forma crua a falência da esperança de uma vida mais digna. O desespero crescente leva Paco e Tonho a aplicarem golpes cada vez mais arriscados. A diferença de temperamentos e objetivos provoca confrontos cada vez mais violentos, com um final tão doloroso quanto inesperado.

DesaparecidosDireção: MarcoKreuzpaintner (2007Sinopse: Cidade do México. Adriana (Paulina Gaitan) é uma garota de 13 anos, que foi sequestrada por traficantes sexuais. Jorge (Cesar Ramos), seu irmão de 17 anos, parte no intuito de resgatá-la. Presa e aterrorizada, Adriana recebe apenas a ajuda de Weronica (Alicja Bachleda-Curus), uma jovem polonesa que também foi raptada. Ao fugir dos policiais da imigração, Jorge conhece Ray Sheridan (Kevin Kline), um policial

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

do Texas que também perdeu sua família para o tráfico sexual. A partir de então, Ray e Jorge unem forças para encontrar e salvar Adriana

Nascidos em BordéisDiretor: Zana Briski, Ross Kauī manSinopse: Este ganhador do Oscar mostra a vida de crianças do bairro da Luz Vermelha, em Calcutá. O aparente enriquecimento da Índia deixa de lado os menos favorecidos. Porém, ainda há esperanças. Os documentaristas Zana Briski e Ross Kauffman procu-ram essas crianças e munidos de câmeras fotográficas pedem para elas fazerem retra-tos de tudo que lhes chamam a atenção. Os resultados são emocionantes e, enquanto as crianças vão descobrindo essa nova forma de expressar, os cineastas lutam para poder dar mais esperança, para as quais a pobreza é a maior ameaça à realização dos sonhos.

Vídeos/ documentários:

Rotas da Ilusão:

Filme de Clara Angeiras e Glyzia Nogueira. O documentário “Rota de Ilusões” traz à cena o tráfico de seres humanos e exploração sexual infantil. São fragmentos de his-tórias de personagens reais, retratados de forma reveladora, um quadro audiovisual da situação em Pernambuco. A narrativa central segue da trajetória de Ana dos San-tos, uma jovem que foi vendida para quatro países e conseguiu escapar do cativeiro. Simultaneamente, a questão da exploração sexual infantil e as rotas desses mercados pararalelos vão se construindo ao longo do vídeo. Exemplos que servem de alerta para toda a sociedade.

Aprisionados por Promessas

Este vídeo foi produzido pela Comissão Pastoral da Terra em parceria com outras duas organizações: a Cejil e a Witness em 2006. Ele continua atual: mostra a situação dos trabalhadores submetidos à escravidão, que dão aqui seu depoimento. Duração: 16 min

Frente de Trabalho

O documentário mostra o dia-a-dia da fiscalização no combate ao trabalho escravo. Produzido pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. Direção de Caio Cavechini. Duração: 21 min

Panorama Mundial Sobre La Trata De PersonasDocumentário produzido pela Organização dos Estados Americanos sobre o tráfico de pessoas no mundo, dublado em português. Duração: 31 minutos.

Tráfi co de Pessoas - Uma lenda urbana realDocumentário realizado como Trabalho de Conclusão de Curso de Radio e TV - 2013. O projeto documental sobre Tráfico de Pessoas tem como principais objetivos informar e conscientizar sobre a gravidade do problema, mostrando como a escravização e ex-ploração de seres humanos ainda é um fato comum na atualidade, embora haja muito pouca discussão sobre o tema. Orientador: Alexandre Marino. Direção: Rafael Moraes.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Pensando a ação conjunta:

Convidamos cada um/uma a pensar como podemos nos organizar para ampliar ou fortalecer as ações de enfrentamento ao tráfico humano em cada região de atuação das nossas organizações. Pedimos que se juntem em grupo, por região e discutam um Plano de Ação, com o viés funda-mental de integrar o que já está sendo feito. Não precisa ser algo complexo. Deve ser simples e acima de tudo viável, diante das condições que dispõem. O que fazer? Quando? Quem?

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Referências Bibliográfi casANTUNES, Flávia. Tráfi co de pessoas: um problema, muitas facetas: A importância da arƟ culação

insƟ tucional no combate ao Tráfi co de pessoas, no atendimento e na e inserção social das

víƟ mas. Disponível em hƩ p://www.cibs.cbciss.org/arquivos/trafi co_de_pessoas.pdf. Acesso:

em 15/08/2013.

CADERNOS Pagu. Revista semestral do Núcleo de Estudos de Gênero. Universidade Estadual

de Campinas. Campinas: 1993.

COSTA, Patrícia Trindade M. Combatendo o Trabalho Escravo Contemporâneo: o exemplo do

Brasil. OIT. Brasília: 2010.

BALES, Kevin. Gente descartável: a nova escravatura na economia global. Caminho /Nosso

Mundo. Lisboa. 2001.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Trabalho Escravo no Brasil em RetrospecƟ va:

referências para estudos e pesquisas. Brasília: 2012.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Manual de Combate ao Trabalho em Condições

Análogas às de Escravo. Brasília: 2011.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Relatório Nacional sobre Tráfi co de Pessoas: consolidação dos dados

de 2005 a 2011. Brasília: 2013.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Desafi os e PerspecƟ vas para o enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas

no Brasil. Brasília: 2011.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Jornadas TransatlânƟ cas: Uma pesquisa exploratória sobre tráfi co de

seres humanos do Brasil para Itália e Portugal. Brasília: 2011.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas. Brasília: 2013.

NOCCHI, Andrea Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, Marcos Neves (Coord).

Trabalho Escravo Contemporâneo: o desafi o de superar a negação. 2 ed.LTR75/ANAMATRA.

São Paulo: 2011.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. As boas práƟ cas da inspeção do trabalho no

Brasil: a erradicação do trabalho análogo ao de escravo. Brasília: 2010.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Cidadania, Direitos Humanos e Tráfi co de Pessoas: Manual para Promotoras Legais Populares. Programa Segurança com Cidadania

(MDG-F). 2.ed. rev. e ampliada - Brasília: 2012.

SAKAMOTO, Leonardo (Coord). Trabalho escravo no Brasil do século XXI. Brasília: Organização

Internacional do Trabalho, 2007.

SAKAMOTO, Leonardo. O tráfi co de seres humanos hoje. Disponível hƩ p://www2.uol.com.br/

historiaviva/arƟ gos/o_trafi co_de_seres_humanos_hoje.html, acessado em 28.08.2013.

BUENO, Eva Paulino. O Padre Antônio Vieira e a escravidão negra no Brasil. In Revista Espaço Acadêmico. No. 36, maio 2004. Veja em hƩ p://www.espacoacademico.com.br/036/36ebueno.

htm. Acesso em 2/12/2012.

CUNHA, Euclides da. À margem da história. São Paulo: MarƟ n Claret, 2006.234 páginas.

GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambigüidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação

do Rio de Janeiro., Século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. 122 páginas.

KATZ, Friedrich. La servidumbre agrária em México em la época porfi riana. México, Ed. Era,

1980. 115 páginas.

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96

Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

LAMOUNIER, Maria Lúcia. Entre a Escravidão e o Trabalho Livre. Escravos e Imigrantes nas

Obras de Construção das Ferrovias no Brasil no Século XIX. In EconomiA, Selecta, Brasília (DF),

v.9, n.4, p.215–245, dezembro 2008. acesso em 27/12/2013: 215-244. hƩ p://www.anpec.org.

br/revista/vol9/vol9n4p215_245.pdf

LESBAUPIN, Ivo. As classes populares e os direitos humanos. Petrópolis: Vozes, 1983. 194 p.

RAMOS, Jesuíno. A guerra dos seringueiros. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica Ltda., 1986. 185

páginas.

REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e confl ito: a resistência negra no Brasil escravista.

São Paulo: Companhia das Letras,1999. 151 páginas.

RIBEIRO, Darcy. A invenção do Brasil. In A fundação do Brasil: testemunhos, 1500-1700. Org.

Darcy Ribeiro e Carlos de Araújo Moreira Neto. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992: 15-61.

ROCHA, Manoel Ribeiro. Eơ ope resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruído e

libertado- discurso sobre a libertação dos escravos no Brasil de 1758. Petrópolis: Vozes, 1992.

SHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costumes no Brasil oitocenƟ sta. 1ª ed.

São Paulo: Cia. Das Letras, 2012. 252 p.

SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma invesƟ gação de

história cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 106 páginas.

STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil: primeiros registros sobre o Brasil. Porto Alegre, RS:

L&PM, 2011. 192 p.

VIEIRA, Antônio. Sermões e cartas; Antologia. Rio de Janeiro: Agir, 1968.

VILELA, Magno. Uma questão de igualdade: Antônio Vieira: a escravidão negra na Bahia do

século XVII. Rio de Janeiro: Relume-Dumaré, 1997. 207 páginas.

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ANEXOS

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

ANEXO I

Serviço de coordenação e animação da Campanha da Fraternidade

A Campanha da Fraternidade é um programa global conjunto dos Organismos Nacionais, do Secretariado Nacional da CNBB e das Igrejas particulares, sempre reali-zado à luz e na perspectiva das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil.

Desde 1963, com o Plano de Emergência, e 1966, com o Plano de Pastoral de Conjunto, a ação evangelizadora da Igreja vive um processo de planejamento abrangente. Esse processo tem as Diretrizes como fundamentação e inspiração e se expressa no Plano de Pastoral, elaborado de forma participativa e em diversos âmbitos.

A busca desse planejamento, sempre mais participativo, requer envolvimento dos agentes de pastoral, das equipes de coordenação e animação, dos conselhos e outros órgãos a serviço do crescimento da vida comunitária.

A realização da CF, como programa global conjunto, é exercício e expressão de planejamento participativo e de articulação pastoral, decorrente da própria natu-reza da Igreja-Comunhão.

Necessidade de Equipes de Campanhas

Para uma eficaz e frutuosa realização da CF, como de todo programa pastoral, é indispensável reavivar, a cada ano, o processo de seu planejamento. Isso não aconte-ce sem a constituição de equipes de trabalho com coordenação entusiasta, dinâmica, criativa, com profunda espiritualidade e zelo apostólico.

Em muitos Regionais, Dioceses e Paróquias, a animação da CF é assumida pela respectiva equipe de Coordenação Pastoral, com o estabelecimento de uma Comissão específica para a CF. Esse procedimento poderá favorecer maior integração, evitando paralelismos. Poderá, por outro lado, apresentar o risco de a CF “ser de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém”.

1) Equipe regional da CF

Competências:

• Estimular a formação, o assessoramento e a articulação das equipes dio-cesanas;

• Planejar a CF em âmbito regional: o que organizar, quem envolver, que calen-dário seguir, onde e como atuar.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Atividades que poderá desenvolver

Antes da Campanha:

• Realizar encontro regional para o estudo do Texto-base, a fim de descobrir a melhor forma de utilização das peças e subsídios de divulgação;

• Definir atividades a serem assumidas conjuntamente nas dioceses, paró-quias e comunidades;

• Verificar a possibilidade da produção de subsídios adaptados à realidade local;

• Possibilitar a troca de informações e o repasse de subsídios relacionados ao tema, produzidos em âmbito mais local ou provenientes de outras fon-tes e regiões;

• Constituir equipes e/ou indicar pessoas que possam prestar serviço de as-sessoria.

• Durante a Campanha:

• Descobrir formas de estar em permanente contato com as equipes dioce-sanas, para animação e intercâmbio das experiências mais significativas;

• Possibilitar o acompanhamento das atividades comuns programadas.

• Depois da Campanha:

• Promover um novo encontro regional de avaliação;

• Providenciar a redação e o envio da síntese regional da avaliação à Secreta-ria Executiva Nacional da CF, dentro do cronograma previsto;

• Definir a participação regional no encontro nacional de avaliação e plane-jamento da CF;

• Repassar às Dioceses a avaliação nacional e outras informações.

2) Equipe Diocesana da CF

Competências:

• Estimular a formação, assessorar e articular as equipes paroquiais;

• Planejar, em nível diocesano: o que realizar, quem envolver, que calendário seguir, como e onde atuar.

Atividades que poderá desenvolver

Antes da Campanha:

• Encomendar os subsídios necessários para as paróquias, comunidades reli-giosas, colégios, meios de comunicação, movimentos de Igreja;

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100

Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

• Programar a realização de encontro diocesano para estudo do Texto-base, buscando a melhor forma de utilizar as diversas peças da Campanha;

• Definir atividades comuns nas Paróquias;

• Promover o intercâmbio de informações e subsídios;

• Sugerir a escolha do gesto concreto;

• Estabelecer uma programação especial de lançamento;

• Constituir equipes para atividades específicas;

• Informar da existência de subsídios alternativos e repassá-los às equipes.

Durante a Campanha:

• Acompanhar as diversas equipes existentes;

• Verificar o andamento das atividades comuns programadas;

• Manter frequente contato com as paróquias, para perceber o andamento da Campanha;

• Conferir a chegada dos subsídios a todos os destinatários em potencial;

• Alimentar com pequenos textos motivadores (releases) os meios de comu-nicação social.

Depois da Campanha:

• Promover encontro diocesano de avaliação;

• Cuidar da redação final e do envio da síntese da avaliação à equipe regio-nal;

• Participar do encontro regional de avaliação;

• Repassar às equipes paroquiais a avaliação regional e outras informações;

• Realizar o gesto concreto e garantir o repasse da parte da coleta para a CNBB regional e nacional;

• Fazer com que a Campanha se estenda por todo o ano, repassando outros subsídios que forem sendo publicados.

3) Equipe Paroquial da CF

A CF acontece nas famílias, nos grupos e nas comunidades eclesiais, articula-dos pela Paróquia. Como em relação a outras atividades pastorais, o papel do pároco ou da equipe presbiteral é preponderante. Tudo anda melhor quando ele estimula, incentiva, articula e organiza a ação pastoral.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Em toda paróquia pastoralmente dinâmica, não faltarão equipes de serviço para tudo que for necessário. O Conselho Paroquial de Pastoral, já constituído na maioria das Paróquias, por si ou pela constituição de comissão específica, garantirá a realização articulada e entusiasta da CF.

Atividades que poderá desenvolver

Antes da Campanha:

• Providenciar o pedido de material junto à diocese;

• Programar um encontro paroquial para estudo do Texto-base e para dis-cussão da melhor maneira de se utilizar as diversas peças de reflexão e divulgação da CF;

• Definir as atividades a serem assumidas conjuntamente;

• Estabelecer a programação da abertura, em âmbito paroquial;

• Buscar, juntos, os meios para que a CF atinja eficazmente todos os espaços e ambientes da realidade paroquial;

• Planejar um gesto concreto comum e a destinação da coleta da CF;

• Realizar encontros conjuntos ou específicos com as diversas equipes paro-quiais, para programação de toda a Quaresma e Semana Santa;

• Prever a utilização do maior número possível de subsídios da Campanha.

Durante a Campanha:

• Intensificar sua divulgação;

• Conferir a chegada dos subsídios aos destinatários;

• Motivar sucessivos gestos concretos de fraternidade;

• Realizar a coleta.

Depois da Campanha:

• Avaliar sua realização, encaminhando a síntese à coordenação diocesana;

• Marcar presença no encontro diocesano de avaliação;

• Repassar às lideranças da paróquia as conclusões da avaliação diocesana;

• Realizar o gesto concreto e garantir o repasse da parte da coleta à diocese;

• Fazer com que a Campanha se estenda por todo o ano, repassando outros subsídios que forem sendo publicados.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Anexo II

SELEÇÃO DE VIDEOS DISPONÍVEIS NO YOU TUBE

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=O1aKld0cXZw

Depoimento Monique Menezes, modelo brasileiro – TVBI/EBC – 1’13”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=cQH_N2O0bhk

Tráfi co de Pessoas � Jornal da JusƟ ça - 03/05/2012 - 1’18”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=LiXiMG8eT0M

República imigrante do Brasil – Peruanos - 1’19”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=2BYb4dIvuAU

Trabalho escravo em frente à loja Talita Kume – TV Comerciários - 2’05”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=ZhjYwo36aMU

Tráfi co humano e imigrantes ilegais – Ispca - 2’06”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=Cd0HTZtyJwQ

Trabalho infanƟ l no lixão da Estrutural – 2’12”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=t-CsC-bzZcs

Tragédia na indústria têxƟ l no Bangladesh acorda consciência – EuronewsPT – 2’13”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=J3J2Ilala7g

Trabalho infanƟ l em pedreira em SC – Jornal da Globo – 2’29”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=LETBt0Yn0c0

Fiscalização em carvoaria - TV Globo, Ricardo Mello - 31/07/2007 - 2’38”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=hTYn9IbjMog

Tráfi co de Pessoas – reportagem – Seven Connect - 2’52”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=t07FIYYzCjE

Trabalho escravo em fábrica de roupa em SP – Jornal Evangélico - 2’59”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=V9y0fi p4hdY

TST - Série CLT 70 Anos - Trabalho escravo e infanƟ l - 3’02”

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=F3Y3W9oA9g0

Trabalho escravo no Brasil – Maikon Vaz – 3’21”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=YaelqeI2IJ4

VíƟ ma do tráfi co de pessoa – Balanço geral – 3’45”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=ewhv2Hl5Vos

Jornal da Futura – Trabalho infanƟ l – 3’49”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=tw7498aiIa4

Kids job (trabalho infanƟ l) – 4’58”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=ePAzlOcXtJ4

Trabalho infanƟ l na América LaƟ na – Renato Menezes – 5’08”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=VruYBfo--hU

Na Semana da SP Fashion Week, TV Folha mostra ‘Escravos da moda’ – 5’15”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=fuXHgiOKlYM

Tráfi co humano – 12/06/2012 - 5’19”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=V9LIrB63M1E

Alerta: entenda como funciona o tráfi co de pessoas – Observatório LaƟ no – 5’57”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=tFpQKynAOXs

Trafi co de órganos al descubierto – A las onces – 08/04/2013 – 6’07”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=9X_p9OSsAtg

Via Legal – Trabalho escravo – 6’24”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=_nxYSCylh6Y

O trabalho infanƟ l num matadouro paraense – Sandra Domingues – 6’34”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=iRBlCWPMk-Q

Sem tempo para brincar – 2007 - 6’36”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=zcbYHcayofM

Profi ssão Repórter revela o caminho da exploração de trabalhadores bolivianos – 7’20”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=3uX7rpqJA5o

Documentário trabalho infanƟ l no CE – 9’10”

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=EW9UxGjDb80

Lenocínio e tráfi co de pessoas – Prova Final – 10’01”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=np62iq974rs

A Liga: trabalho infanƟ l – parte 1 – 12’01”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=lmYOdTysfWE

A Liga: trabalho infanƟ l – parte 3 – 12’14”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=MMvnFCW1gjw

Tráfi co internacional de pessoas - JusƟ ça SP - 12’49”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=gXQ-cFAgI_U

Prof. Repórter revela caminhos da exploração de trabalhadores bolivianos - parte 2 - 14’29”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=gNVvN21O8f0

VíƟ mas do tráfi co de pessoas contam seus dramas - MJ - 15’19”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=TRHoTuE6xng

Mãe do HaiƟ descobre que tráfi co levou o fi lho p. Brasil – FantásƟ co 17/04/2011 - 16’25”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=YcoQmS-mGL4

Uma nova Lei Áurea � Entrevista do deputado Carlos Bezerra Jr – Ed René Kivitz - 17’38”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=829m3Y1ave4

Trabalho escravo no Brasil... Filmado em Santo Inácio do Piauí – Alexandre Sousa – 17’41”

hƩ p://youtu.be/m0J5nHN4dzg

Combate ao TE contemporâneo no Brasil, MPT, 2013 – 18’51”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=zZAz7ryRInI

Brasileiros no mundo - Tráfi co de Pessoas para trabalho forçado – TVBI/EBC – 21’16”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=u_LmuN_DQYk

Máfi a do carvão explora trabalho infanƟ l e escravo no ES e BA – Alex CavalcanƟ - 24’54”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=qo0glhFzkkY

Tráfi co de órganos y trata de personas - Todo Personal - 22/01/2013 - 26’49”

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=Ubc4EjfmsVw

Trabalho escravo, c. Alexandre Lyra, DETRAE e Ant. Alves, OAB - CanalarƟ goquinto – 28’24”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=HAX6HYteA8w

Profi ssão Repórter - Imigração de bolivianos & trabalho escravo - 9/4/13 - HDTV - 29’19”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=-Q4sOenFlSk

“Rotas de ilusão” de Clara Angeiras e Glyzia Nogueira. Documentação/TVNBR - 30’40”

hƩ p://www.youtube.com/watch?v=SPtxSLwwVMA

“Trata de personas em el mundo moderno”, OEA/OIM, vers. Espanhola, 2011 – 30’45”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=0_KZ6IX4WY0

Menino do carvão, sem direito de ser - 31’32”

hƩ p://www.youtube.com/watch?v=lWSps1qpAfM

Tráfi co de Pessoas: Uma Lenda Urbana Real, (alunos Univ. Anhembi Morumbi - 31’36”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=de-rQS3pGg0

Si, yo puedo! O sonho boliviano em SP – 2012 – 34’12”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=v2ZtM8Sa-a0

STF, Pleno: exploração do TE: competência da JusƟ ça Federal ou não? - 5/2/10 - 46’18”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=5eNWydAAhfM

TV Brasil - Mão de obra escrava - Os caminhos da Reportagem - 52’06”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=vm-1hYDtQRk

Cenas do Brasil discute aspectos e consequências do TE no Brasil - TVNBR - 55’15’’

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=Gpv--GBz2II

A LIGA - Trabalho Escravo – Reportagem – Revolta PT 1:21’48”

hƩ ps://www.youtube.com/watch?v=r88WQyseFes

Anjos do sol - Ficção, Globo Filmes, Carlos Eduardo Rodrigues - 1:31’22”

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

ANEXO IIIGlossário

Fonte20: http://issuu.com/justicagovbr/docs/diagnostico_trafi co_pessoas_frontei#/signin

Tráfi co de Pessoas e Conceitos Relacionados

Tráfi co de Pessoas

Esta carƟ lha aplica a defi nição do tráfi co de pessoas trazida pelo art. 3º

do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime

Organizado Transnacional RelaƟ vo à Prevenção, Repressão e Punição

do Tráfi co de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, adotado em

Nova York em 15 de novembro de 2000 (“Protocolo de Palermo”,

promulgado no Brasil pelo Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004).

O tráfi co de pessoas é o recrutamento, o transporte, a transferência,

o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça

ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao

engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou

à entrega ou aceitação de pagamentos ou beneİ cios para obter o

consenƟ mento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para

fi ns de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração

da prosƟ tuição de outrem ou outras formas de exploração sexual,

o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práƟ cas similares à

escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. Nota: a legislação

penal brasileira prevê o tráfi co de pessoas exclusivamente em caso de

exploração sexual. No entanto, a PolíƟ ca Nacional de Enfrentamento

ao Tráfi co de Pessoas (Decreto nº 5.948, de 26 de outubro de 2006)

adota o conceito de tráfi co de pessoas com suas diversas modalidades

de exploração, conforme o art. 3º do Protocolo de Palermo.

Migração Irregular

A migração irregular se dá quando uma pessoa acede a um país

diferente daquele o de sua cidadania ou residência regular sem a

devida permissão legal ou um visto, ou quando uma pessoa permanece

ilegalmente no país de desƟ no, tendo sua permissão ou visto expirado

ou quando trabalha no país de desƟ no não estando autorizado para

tanto (Guia de Referência para a Rede de Enfrentamento ao Tráfi co

de Pessoas. Teresi, Maria Verônica e Healy, Claire, 2012. Brasília:

Ministério da JusƟ ça, Secretaria Nacional de JusƟ ça.)

Contrabando de Migrantes

Prestar apoio ou auxílio a indivíduos (migrantes) que pretendem

aceder de forma irregular a países diversos daquele de sua cidadania

ou residência regular em troca de vantagem pecuniária ou outra

vantagem ou beneİ cio (Protocolo Contra o Crime Organizado

Transnacional, RelaƟ vo ao Combate ao Contrabando de Migrantes por

via Terrestre, MaríƟ ma e Aérea).

Fluxos Migratórios Mistos

Movimentos populacionais complexos onde refugiados e requerentes

de asilo, cujos moƟ vos para deixar seus países estão relacionados com

a necessidade de proteção internacional, encontram-se com migrantes

econômicos, documentados e indocumentados, e pessoas trafi cadas,

uƟ lizando as mesmas rotas e, em alguns casos, enfrentando perigos

semelhantes (Oliveira, Rafael da Silva, 2011. As redes de brasileiras para o

trabalho sexual nos garimpos da Guiana, Suriname e Venezuela).

20 com adaptações nos itens Recrutamento, Recrutador, Trabalho Forçado e Trabalho Escravo

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Quanto ao Ato

Recrutamento / Aliciamento

O recrutamento/aliciamento ocorre no país de origem, de trânsito

ou de desƟ no de uma pessoa, quando uma pessoa İ sica ou um

representante de uma pessoa jurídica busca persuadir a víƟ ma

a aceitar proposta ou a realizar viagem. Tem-se observado que o

recrutamento pode se dar através de diversos meios, tais como

pessoalmente, através de amigos ou familiares, através de anúncios

de jornal, Internet etc.

Transporte / Transferência

O transporte compreende meios variados de locomoção e facilitação

de entrada no local de desƟ no. A transferência é o ato de facilitar o

trânsito entre países, regiões, cidades ou locais.

Abrigamento / Alojamento / Recepção de Pessoas

O alojamento ou abrigamento é o espaço İ sico onde as pessoas

trafi cadas fi cam alojadas durante a viagem ou nos locais de trânsito

ou de exploração. A recepção de pessoas é o ato de receber as pessoas

trafi cadas no desƟ no fi nal ou no local de exploração.

Quanto ao Meio

Ameaça / Uso da Força ou Outra Forma de Coação

Acontece quando o trafi cante usa a força, a ameaça ou outra forma

de coação (İ sica, moral ou psicológica) para obter o consenƟ mento

da pessoa trafi cada com o transporte e/ou a exploração. O

consenƟ mento conseguido desta maneira chama-se consenƟ mento

viciado.

Sequestro / Cárcere Privado

É quando o trafi cante sequestra a pessoa trafi cada ou a

mantém em cárcere privado no intuito de explorar ou transportá-la.

Abuso de Poder ou da Posição de Vulnerabilidade

Quando o trafi cante usa do seu poder (p. ex., numa relação

hierárquica) ou da posição de vulnerabilidade da pessoa a ser

trafi cada (difi culdade fi nanceira ou familiar) para coagi-la ou obter

o seu consenƟ mento com o transporte.

Fraude/ Engano

Quando o trafi cante usa de arƟ İ cios fraudulentos como contratos de

trabalho falsos, faz promessas enganosas como o recebimento de um

salário decente, casamento etc., para obter o consenƟ mento da pessoa a

ser trafi cada com o transporte.

Entrega ou Recebimento de Pagamento ou Beneİ cio para Obter o ConsenƟ mento da Pessoa ou do Responsável

Quando o trafi cante paga ou recebe beneİ cio para convencer a

pessoa a ser trafi cada ou do responsável, por exemplo, adiantamento

de determinado valor.

Quanto à Modalidade de Exploração/ Finalidade da Conduta

Exploração Sexual

É o meio pelo qual o indivíduo obtém lucro fi nanceiro por conta da

prosƟ tuição de outra pessoa ou de violência sexual exercida contra

outra pessoa. É a única modalidade de tráfi co de pessoas prevista

na legislação penal brasileira. Neste caso, o exercício da prosƟ tuição

pode se dar de diversas maneiras, tais como em casas de prosƟ tuição,

na rua, boates, bares, apartamentos, casas de massagem, hotéis,

serviços de acompanhante, empresas de produtos pornográfi cos

(fi lmes, revistas etc.). No entanto, a exploração sexual não se

restringe à exploração da prosƟ tuição de outra pessoa.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Trabalho Forçado/ Exploração Laboral

Todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de

qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea

vontade (Convenção nº 29 da OIT, 1930). Toda a forma de trabalho

forçado é trabalho degradante, mas a recíproca nem sempre é

verdadeira. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade.

Quando falamos de trabalho forçado, falamos de um crime que

cerceia a liberdade dos trabalhadores. Essa falta de liberdade se dá

por meio de quatro fatores: apreensão de documentos, presença

de guardas armados e “gatos” de comportamento ameaçador, por

dívidas ilegalmente impostas ou pelas caracterísƟ cas geográfi cas do

local, que impedem a fuga (Perfi l dos Principais Atores Envolvidos

no Trabalho Escravo Rural no Brasil, OIT, 2011)

Trabalho Escravo/ Redução à Condição Análoga a de Escravo

Qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias

para garanƟ r os direitos do trabalhador, ou seja, cerceie sua liberdade,

avilte a sua dignidade, sujeite-o a condições degradantes, inclusive

em relação ao meio ambiente de trabalho, há que ser considerado

trabalho em condição análoga à de escravo. A degradação mencionada

vai desde o constrangimento İ sico e/ou moral a que é submeƟ do

o trabalhador – seja na deturpação das formas de contratação e

do consenƟ mento do trabalhador ao celebrar o vínculo, seja na

impossibilidade desse trabalhador de exƟ nguir o vínculo conforme

sua vontade, no momento e pelas razões que entender apropriadas –

até as péssimas condições de trabalho e de remuneração: alojamentos

sem condições de habitação, falta de instalações sanitárias e de água

potável, falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção

individual e de boas condições de saúde, higiene e segurança no

trabalho; jornadas exausƟ vas; remuneração irregular, promoção do

endividamento pela venda de mercadorias aos trabalhadores (truck system). (Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às

de Escravo. Ministério do Trabalho e Emprego, 2011).

Servidão DomésƟ ca e Casamento Servil

Signifi ca submeter uma pessoa a trabalhos forçados ou a jornada

exausƟ va, sujeitá-la a condições degradantes de trabalho no âmbito

domésƟ co. É também confundida com o casamento servil, quando

a pessoa trafi cada se casa com alguém que promete uma relação

conjugal saudável mas que acaba por obrigá-la realizar as tarefas

domésƟ cas e/ou a ter relações sexuais com o mesmo, ainda que

contra a sua vontade. De acordo com a legislação brasileira, podem

ser também interpretadas como formas de trabalho escravo.

Remoção de Órgãos, Tecidos ou Partes do Corpo Humano

Meio pelo qual a víƟ ma é transportada no intuito de se extrair da

mesma, sem o seu consenƟ mento ou o consenƟ mento de seus

parentes, órgãos, tecidos ou partes do seu corpo.

Adoção Ilegal

Acontece quando crianças e adolescentes são transportadas com ou

sem o consenƟ mento ou a autorização dos pais, e são vendidos/

entregues para outras pessoas, muito comumente casais, que

tenham o desejo de adotar um fi lho. Tudo é feito sem a observância

das formalidades legais de um processo de adoção.

PráƟ ca de AƟ vidade Criminosa

É quando a pessoa trafi cada é forçada ou coagida à práƟ ca de

aƟ vidades criminosas, tais como o transporte de drogas de um local

para outro, pequenos furtos etc.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Mendicância

Diversas aƟ vidades através das quais uma pessoa pede a um

estranho dinheiro, sob a jusƟ fi caƟ va de sua pobreza ou em beneİ cio

de insƟ tuições religiosas ou de caridade. A venda de pequenos

itens como fl ores e doces nos sinais, cujo valor solicitado não seja

compaơ vel com o valor do produto, é também considerada como

o ato de pedir esmola. Pequenos serviços oferecidos, como limpar

os vidros do carro, estacionar carros, auxiliar com as compras em

supermercado, e ainda apresentações circenses nos sinais e tocar

instrumentos musicais nas ruas podem ser também considerados

como mendicância. Destacamos, todavia, que a mendicância como

forma de exploração se confi gura quando grupo organizado ou

indivíduos transportam e coagem pessoas, principalmente crianças

e adolescentes, mas não só, para que fi quem nas ruas pedindo

dinheiro ou comercializando pequenos produtos, restringindo sua

liberdade e retendo todo ou uma parte do fruto desta mendicância

para si mesmos.

Importante destacar que esta lista não é exausƟ va.

Quanto aos Envolvidos

VíƟ ma

É a pessoa traficada: o ofendido ou a pessoa İ sica que sofreu ou sofre a

violência do crime de tráfi co de pessoas. Nos termos da Declaração

dos Princípios Básicos de JusƟ ça para as VíƟ mas de Crime e de

Abuso de Poder (Resolução 40/34 de 29 de Novembro de 1985, da

Assembleia Geral das Nações Unidas), víƟ ma é qualquer pessoa que

tenha, individual ou coleƟ vamente, sofrido uma ofensa, incluindo

a violência İ sica ou mental, emocional, perda econômica ou o

desrespeito aos seus direitos humanos fundamentais, através de

ações ou omissões que violem a legislação penal de determinado

país.

Criança ou Adolescente

Pessoa com menos de 18 anos. De acordo com o Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a criança tem entre

0 e menos de 12 anos, e o adolescente, entre 12 e menos de 18

anos. No caso do tráfi co de criança ou adolescente, o elemento

do meio na defi nição do tráfi co não é relevante – o tráfi co se dá

quando uma criança ou adolescente é sujeito a pelo menos um

dos atos anteriormente defi nidos, seguido de pelo menos uma das

modalidades de exploração/fi nalidades acima defi nidas.

Autor do Fato, InvesƟ gado, Suspeito, Indiciado, Denunciado, Réu ou Condenado

São as diversas terminologias atribuídas ao suposto autor do crime

de tráfi co de pessoas, consoante o Ɵ po de procedimento Policial ou

judicial em que esteja envolvido.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Trafi cante

É o autor do fato. O trafi cante pode exercer várias funções na rede do

tráfi co, dentre elas:

Recrutador é a pessoa encarregada de convidar as víƟ mas ou convencê-las

a consenƟ r com uma proposta, mediante fraude, tais como viagem,

promessa de emprego, estudo ou casamento. Trata-se d e uma pessoa

İ sica, ou às vezes até jurídica que busca persuadir o indivíduo a aceitar

a proposta ou realizar a viagem.

Transportador é aquele ou aquela que é responsável pelo transporte da

víƟ ma. Às vezes, o transportador acompanha a víƟ ma até o seu desƟ no

fi nal, outras somente a acompanha até o embarque ou providencia os

documentos/passagem necessários para o transporte.

Explorador é aquele ou aquela que explora a víƟ ma nas diversas

modalidades, tais como a exploração sexual, o trabalho forçado, o

trabalho escravo, a remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo e a

adoção ilegal.

Responsável pelo Abrigamento/Alojamento/Vigilância é aquele ou

aquela que mantém a víƟ ma sob seu poder, em abrigamento / alojamento

que fi ca sob sua responsabilidade de manutenção. Este também mantém

este mantém a segurança do estabelecimento e, portanto, a vigilância sobre

a víƟ ma.

Gerente é o responsável pela administração dos negócios. Financiador / Benefi ciário Principal é, em regra, o(a) chefe da organização, que detém a

maior parte dos lucros e/ou que fi nancia a práƟ ca criminosa, fornecendo

dinheiro para o pagamento de transporte, locomoção de víƟ ma e

trafi cantes, manutenção dos estabelecimentos etc.

SexoSexo Masculino/ Feminino é a categoria defi nida no registro civil (cerƟ dão de

nascimento) ou documento de idenƟ dade.

IdenƟ dade de Gênero

É o gênero com o qual a pessoa se idenƟ fi ca. Transgênero, também

transexual, é um termo mais recente que se refere a pessoas cuja

idenƟ dade de gênero não está em conformidade com o gênero designado

no nascimento e o sexo anatômico. Os trans podem tomar a decisão de

adaptar o seu sexo anatômico à própria idenƟ dade de gênero através

de terapia hormonal ou cirúrgica (“cirurgia de redesignação de sexo”).

Entretanto, o transgênero é um termo conƟ nuadamente em evolução e

até alguns transexuais se recusam a usá-lo. TravesƟ s são pessoas que

vivem uma parte signifi caƟ va da vida ou mesmo o dia-a-dia como se

fossem do sexo oposto, usualmente travesƟ ndo-se com roupas do sexo

oposto, corte de cabelo, adoção de modos e de Ɵ mbre de voz consoantes

com o sexo almejado.

Orientação Sexual

A orientação sexual de uma pessoa indica por quais gêneros ela sente-

se atraída, seja İ sica, românƟ ca e/ou emocionalmente. De acordo com o

Ministério da Saúde (Formulário de NoƟ fi cação Compulsória), temos o

heterossexual, o homossexual e o bissexual.

Raça / Cor / Etnia

De acordo com o IBGE (InsƟ tuto Brasileiro de Geografi a e Estaơ sƟ ca),

temos cinco categorias de classifi cação de cor ou raça: branca, preta, parda, amarela e indígena. Os termos “morena” e “negra” são as vezes uƟ lizados em pesquisas do IBGE, embora não façam parte das categorias ofi ciais. Sabemos ainda que indígena é uma etnia, mas seguindo a orientação do IBGE, no senƟ do da comparabilidade, são estas cinco categorias que serão adotadas nesta pesquisa. Importante dizer que são categorias autodeclaráveis, ou seja, são defi nidas de acordo com a interpretação que a própria pessoa tem de si mesma.

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Caderno de Capacitação: Seminário – O Papel da Sociedade e da Igreja no Enfrentamento ao Tráfi co Humano

Comunidade Tradicional

Seguindo a orientação do Ministério da Saúde (Formulário de NoƟ fi cação

Compulsória), temos as seguintes comunidades tradicionais no Brasil:

cigano, quilombola, indígena que vive em aldeia, ribeirinho, assentado/

acampado, outra pessoa do campo/fl oresta, pessoa em situação de rua,

pessoa privada de liberdade.

Diferenças entre Tráfi co de Pessoas, Contrabandode Migrantes e Migração Irregular

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