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Suplemento da RAE

DA""",

ÇAO

por José To/avi Junior

Nos últimos anos, temos recebido uma carga enorme de novosconceitos em administração que, se seguidos à risca, prometem-nos oparaíso. A prática, por outro lado, tem nos mostrado que a vida não étão fácil assim. Em função disso, surgem os profetas e os anticristos.Uns pregando o uso irrestrito desta ou daquela teoria e outros dizendo

que não se trata mais do que outro modismo, e que sua aplicação épura perda de tempo ou, pior, catastrófica para a empresa.

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Os novos paradigmas da administração José Tolovi Júnior

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TENDÊNCIAS

A quem seguir? A resposta é a maisóbvia possível: nem a uns nem a ou-tros! A maioria desses novos conceitosnão é, a princípio, teórica, mas sim fru-to de experiências vividas e posterior-mente formalizada de maneira sistemá-tica. O perigo reside em generalizaçõesindevidas. Ou seja, por estarmos falan-do de uma ciência não exata, todo ocuidado é pouco na transposição deconceitos de um con-texto a outro. O fatoconcreto é que asempresas estão emmutação profunda eque, independente-mente de teorias,muitas vezes novosparadigmas surgemsem que os perceba-mos. Dado este pre-âmbulo, vamos rever,dentre esses novosconceitos, alguns queparecem mais signi-ficativos em termosde sua contribuiçãopara a evolução denossas organizações.

Empowerment

quela da organização tradicional, ondeas relações hierárquicas estão clara-mente definidas e não são discutíveis.

Não vamos nos iludir achando quedaqui para a frente todas as empresasterão profissionais nessa condição eque suas atuais estruturas organizacio-nais desmoronarão. Ainda há um cami-nho a trilhar, mas talvez não tão longoquanto possamos imaginar.

Temos encontradoempresas no Brasil- e estamos falando

A nova chefia ougerência está muito

mais próxima deum treinador deesportes. Este

oriente, incentiva,corrige defeitos

mas... não entra naquadra! São osjogadores que

ganham a partida.

O surgimento dos knowledgeworkers, ou profissionais do conheci-mento, tem trazido uma série enormede conseqüências para a gestão dasorganizações. Quais conseqüências?Pessoas mais capazes e mais autôno-mas. Profissionais mais independentesdas chefias, porém mais dependentesde seus colegas à medida que o grupoou equipe passa a ter maior importân-cia para os resultados. Estruturas orga-nizacionais menos rígidas, porque es-ses novos profissionais têm condiçõesde se auto-organizar de acordo comsituações diferentes. Esta nova situa-ção é, sem dúvida, muito diferente da-

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de empresas indus-triais - onde essa si-tuação começa aaflorar: equipes deoperários (e aqui ain-da não estamos fa-lando de knowledgeworkers) definindometas e discutindoentre si e com seu lí-der (vejam bem ... lí-der, não chefe!) asações do dia. Este fe-nômeno já começa aapresentar resulta-

dos muito positivos nos aspectos mo-tivacionais das pessoas e, conseqüen-temente, nos resultados da empresaem questão. Se este empowerment éviável no chão de fábrica, não seria na-tural esperar que, em níveis onde setrabalha o conhecimento, isto seriamuito mais aplicável? Pois é o que, aospoucos, começa a acontecer.

O mais importante é que a amplia-ção dessa situação parece não maisdepender só da vontade de empresá-rios e da alta administração das em-presas. A pressão começa a surgir dosnovos profissionais que já conhecemesse estilo de trabalho e que não sesujeitam a trabalhar de maneira dife-rente. Estamos observando pessoas,de certa forma, recrutando e selecio-nando as empresas em que vão traba-lhar, e não o contrário. Esta pressão,

de baixo para cima, se é que a expres-são ainda é válida, irá sem dúvida ace-lerar essa transformação extremamen-te positiva em nossas organizações.Convém ainda lembrar que empower-ment não significa abdicação da ge-rência. Significa transformação da ge-rência em liderança e orientação, sen-do ordens e controles menos impor-tantes.

A nova chefia ou gerência está mui-to mais próxima de um treinador de es-portes. Este orienta, incentiva, corrigedefeitos mas ... não entra na quadra!São os jogadores que ganham a parti-da. Vale lembrar que, em geral, equipesde vendas externas já trabalham semcontato direto com chefias. Têm, po-rém, metas claras e atreladas a seuganho. Esse conceito, tão comum emvendas, tende rapidamente a se espa-lhar em outras áreas das organizações.

Já há muito tempo as empresas deconsultoria têm aplicado naturalmentetais conceitos, por meio de equipes vol-tadas a soluções de problemas de de-terminado cliente. Essas equipes seformam e se desfazem de acordo comos trabalhos a serem desenvolvidos. Olíder de uma equipe pode ser um espe-cialista em outra e vice-versa. Se vocêentrar em uma dessas empresas e per-guntar a um consultor "quem é seu che-fe?", qual será a reação? Ele, talvez,não consiga responder de imediato ounem entenda sua pergunta. Faça o teste!

Novos papéisorganizacionais

Os sistemas de informação têmtransformado as funções nas organi-zações. Os conceitos de controle mo-dificam-se à medida que boa partedeste é feita de forma automática. Poroutro lado, o uso dessa tecnologia per-mite mudar o antigo conceito de spanof control, que determinava que as

Maio/Junho de 1995

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chefias podiam cuidar de cinco a setesubordinados e não mais do que isto.Agora podemos ter líderes que cuidamde um número muito grande de pes-soas, monitorando seu desempenho viasistemas de informação e comunicação,sem a necessidade de contato pessoal.

Um dos novos exemplos disso é ocase management, onde um profissio-nal ou uma equipe cuida de casos(uma venda, uma apólice de seguro ouuma declaração de imposto de renda,por exemplo) de forma completa, ge-rando uma solução para o cliente. Es-ses profissionais trabalham de formaindependente, valendo-se de especia-listas ou de sistemas especialistas,quando necessário, mas com um sen-tido de realização muito grande. Prati-camente não dependem de chefias,mas só de orientação, treinamento eavaliação. Essas novas funções loca-lizam-se em pontos de cruzamento da-quelas antigas, como vendas, crédito,estoques e criam uma só interface como cliente, o que, obviamente, gera umatendimento muito mais adequado. Aquestão que se apresenta agora écomo preparar pessoas para estes no-vos desafios. Como transformar osatuais paradigmas de gestão de pes-soal em novos comportamentos, queatuem sobre novas formas de remune-ração, novos esquemas de horário enovas relações entre funcionários?

As novas fronteirasorganizacionais

Estes novos paradigmas criam tam-bém um novo conceito de fronteiras or-ganizacionais. As antigas fronteiras for-mais, como o escritório, a empresa e oorganograma, dão lugar, agora, a fron-teiras psicológicas, como a relação che-fe-subordinado, colega-colega, funcio-nário-cliente.

As chefias passam a ter o desafio

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de liderar sem sufocar a criatividade eos interesses de subordinados (estadenominação deve sumir no tempo!).Estes, por sua vez, têm a difícil missãode aceitar a liderança sem deixar dedesafiar seu superior.

Colegas passam a ter que trabalharem ambientes onde a confiança no tra-balho de outros é básica, assim comooutros dependem e confiam em seutrabalho. O resultado de uma equipecomeça a ter importância maior do queo do trabalho individual.

Essas situações levam a questõesdelicadas como o relacionamento com omundo exterior e com a própria organi-zação. Se temos um excelente ambien- jte, somos bem-sucedidose podemos bem desempe-nhar nossas tarefas, comoevitar o menosprezo aoambiente externo? Comoassegurar nossos própriosinteresses sem contrariaros da instituição onde atua-mos? Tais questões come-çam a surgir e a requerernovos compromissos entreempresários e colaborado-res, um novo reposiciona-

PARADIGMAS DA ADMINISTRAÇÃO

mento mental face às novas relaçõesentre os vários indivíduos de uma orga-nização.

Os novos relacionamentosempresariais

Lembremo-nos de que a tecnologiatambém tem nos levado a novas situa-ções de realização de negócios. O con-ceito de que negócios se fazem em lo-cai e em horário disponíveis pelo ofere-cedor de produtos ou serviços está sedesfazendo a uma velocidade inacredi-tavelmente assustadora. Talvez os ser-viços bancários tenham sido a primeira

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TENDÊNCIAS

manifestação da reversão de conceitos- o negócio é feito onde, quando ecomo o cliente quer. Onde está a agên-cia bancária mais próxima de você ago-ra? Se você tiver um telefone celular,ela está bem ali! Isto quer dizer que ocliente define as variáveis básicas donegócio. A empresadeve ser suficiente-mente flexível paraoferecer essas condi-ções a seus clientes.

Citamos a agênciabancária virtual.Mas ... e a loja vir-tual? O escritóriovirtual? A escolavirtual? A empresavirtual? São conceitosnão mais abstratos,mas que têm sua vidareal em diversos ne-gócios já existentes.A videolocadora quetem estoque de fitas

do a uma gradual, porém crescente,mudança dos relacionamentos entreempresas e entre estas e indivíduos.

Entre empresas temos visto parce-rias tão improváveis quanto Merce-des Benz e Swatch, para produziro Swatchcar! Isto para poderem se

aproveitar de habili-dades e competênci-as únicas a cada or-ganização. Se isto épossível entre em-presas, por que nãoentre empresas e in-divíduos? É exata-

As chefias passama ter o desafio de

liderar sem sufocar acriatividade e os

interesses desubordinados.

Estes, por sua vez,têm a difícil missão

de aceitar aliderança sem deixar

de desafiar seu

mente isto que setem observado nasnovas relações detrabalho. Indivíduosque realizam parceri-as com empresas,para cumprir deter-minadas funções portempo também de-terminado. Estamossuperior.

virgens em um quios-que na porta do supermercado, que re-cebe por telecomunicação o filme quevocê quer ver, grava-o numa fita e oentrega a você em alguns minutosé umapequena amostra dos novos paradigmasque já estão por aí.

Quais as implicações desse peque-no exemplo? A transformação do ne-gócio de locação de vídeo. Só máqui-nas e mais ninguém! O filme que vocêquiser sempre estará disponível! E istoé só o começo, porque, com a TV inte-rativa, este novo negócio também es-tará ameaçado! Nesse momento, en-tão, você não precisará mais ir ao qui-osque, o filme irá a sua casa!

A partir desses dados, não estarãomais claras as transformações de tra-balho que este processo implica? Amudança de perfis necessários? Anecessidade de se estar atento, tantoem termos de negócio quanto em ter-mos de emprego? Isso tudo tem leva-

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iniciando uma eraonde as organizações parecem perdersua posição tradicional de oferecedo-ras de oportunidades de trabalho, paralocais onde se considera colaborar ...se for interessante! Isso não ocorreráde forma ampla, rápida e sem revira-voltas, mas é bom estar atento.

As learning organizations

Os paradigmas citados e mais as no-vas condições ambientais que vivencia-mos nos levam a um outro paradigamamais abrangente e, talvez, de maior re-levância. São os novos comportamentosnas empresas, que as levam a estarsempre em adaptação às novas deman-das do ambiente. São organizações queaprendem e usam este aprendizado nasua transformação em busca do suces-so. As pessoas dessas organizaçõestêm habilidade para criar, adquirir etrans-

formar o conhecimento de forma a po-der mudar seu próprio comportamento.

Estudos recentes sobre empresascom tais características mostraram queelas têm algumas habilidades básicas,como a capacidade de solucionar pro-blemas sistematicamente e de experi-mentar continuamente novas aborda-gens. Têm também a peculiaridade deaprender com sua própria experiênciaassim como com a de outras organiza-ções. Além disso tudo, as learningorganizations conseguem tranferir, deforma rápida e eficiente, os conhecimen-tos adquiridos por toda a organização.

Parece-nos que esse tipo de organi-zação deverá ser o novo paradigma deempresas de sucesso nos anos a se-guir, pois detém as habilidades neces-sárias à sobrevivência em mercadoscada vez mais voláteis e imprevistos.

Acreditamos que as transformaçõesaqui citadas estão modificando nossaforma de atuar no mundo dos negócios.É fundamental estarmos atentos a es-ses novos paradigmas, por mais remo-tos que pareçam estar de nossos pró-prios negócios, empregos ou ativida-des. A observação contínua e atentapode ser a diferença entre o sucesso eo fracasso .•

José Tolovi Junior éDiretor-associado da Arthur D. Litt/e eProfessor do GVPEC da EAESPIFGV

Maio/Junho de 1995


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